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revista viés
[01] transição
A proposta é ter algo novo, algo físico e que cause uma experiência junto a você, leitor, a partir da nossa querida plataforma digital. E a transição para isso acontecer, é imensa. A responsabilidade de oferecer um conteúdo exclusivo que se conecte com o oferecido online e ainda seja mais profundo, é intensa, manter você informado e ainda mais inspirado é o propósito. Mas porque transição? A escolha do tema partiu dos leitores da plataforma digital, afinal, de qual forma poderíamos entregar um material uni temático, que pudesse agregar no seu dia a dia literalmente? Atualmente o mundo está passando por uma transição - sociais, climáticas, políticas. E assim como o mundo, cada um de nós está também passando por uma transição individual: entrando na faculdade, começando um novo emprego, saindo da faculdade, se encontrando no mercado de trabalho, mudando de casa, mudando de curso, e assim vai. Mais do que unir conteúdos inspiracionais e fundamentais para a formação na área de moda e equivalentes, a proposta da Revista Viés é se conectar com você de maneira mais profunda e real. E o que é transição? Transição é sair do senso comum, é experimentar o novo, mudar e conhecer. É intenso mas também pode ser confuso. É reconhecer limites, é mudar de estados, é experimentar espíritos. Ter medo, mas ter necessidade e saber que tudo pode mudar, e claro, estar aberto.Compreender que a mudança é importante, é o primeiro passo para transitar. E transição? Transição é tudo, é sentir, é mudar, é esperar, é se libertar, se movimentar, se tornar, transformar, sofrer, amar, se relacionar, resistir, é arte, é o que precisar ser, é força da natureza. Espero que gostem!
ão 01 - transição edição 01
A primeira edição da revista Viés, traz seu principal argumento de sobrevivência e de nascimento como tema: a transição. Em tempos o impresso para de vender, e o digital cresce cada vez mais, porque ter o impresso e o material?
CONTEÚDO
FOTOGRAFIA
AMANDA KNOLL
ALEXA MAZZARELLO
AMÉLIA DIAMOND
ASHLEY BATZ
ANNA BURZLAFF
HENRIK-DONNESTAD
CAMILA YAHN
LE+GUI
EDUARDO BIZ
LURM
GUSTAVO NOGUEIRA
PAUL SCHAFER
JULIA OLIVEIRA
SIMON SHIM
LARISSA ROVIEZZO
STÅLE GRUT
LYDIA CALDANA
STANISLAV KONDRATIEV
MARINA COLERATO OLAY
PRODUÇÃO
SOPHIE ESPITALIÉ
PLATAFORMA VIÉS
PROJETO GRÁFICO MANUELA LUZ IMPRESSÃO GRÁFICA BOA IMPRESSÃO
colaboradores
10 COMPORTAMENTO
A transição a partir de conteúdos ligados diretamente ao comportamento humano e social, através da cultura e de um viés mais sociológico. O PODER DA TRANSIÇÃO NA MODA COMO CADA GERAÇÃO TRANSITA E SE RELACIONA COM A INTERNET UM POSSÍVEL PROCESSO DE TRANSIÇÃO NO VESTUÁRIO
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PROCESSO CRIATIVO
A TRANSIÇÃO DE MULHERES NA ÁREA DA TECNOLOGIA UMA MUDANÇA IMPROVÁVEL SOBRE VIVER SOZINHO INACESSIBILIDADE E A TRANSIÇÃO DA EXPRESSÃO ATUAL PASSARELAS DA NÃO-LINEARIDADE O FIM DA NORMA E A PESQUISA COMPORTAMENTAL
A metodologia, inspiração e produção de um designer, a partir da constante da transição. Amanda Knoll apresenta sua coleção junto com os maiores desafios e aprendizados de um dos momentos mais importantes da sua vida. A TRANSIÇÃO COMO PROCESSO CRIATIVO
52 INSPIRAÇÃO
Conteúdos com propostas inspiracionais envolvendo a área da moda e suas vertentes, partindo da transição para introduzir novas ideias e outras suposições. O MUNDO INACREDITÁVEL E BEM REAL DAS INFLUENCIADORAS DIGITAIS NO BRAND: A TRANSIÇÃO DE MARCAS QUE NASCEM SEM LOGO E MARKETING UMA REFLEXÃO SOBRE FUTURO E TRANSIÇÃO SUBVERTENDO E TRANSITANDO AOS GOSTOS
74 TRANSIÇÃO
Editorial criativo com representações visuais sobre o tema, e outras considerações textuais.
MODA NÃO BINÁRIA E A DESACELERAÇÃO DO FAST FASHION
POEMA POR CHANTEL BROWN
WEARABLES: A TRANSIÇÃO PARA UMA TECNOLOGIA MAIS SENSÍVEL
EDITORIAL
SIGNIFICADO
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comportamento
o poder da transição na moda CAMILA YAHN
revista viés
Durante a temporada de Milão, uma imagem foi lançada durante os desfiles, um momento, virou referência e serviu como estopim para inúmeras discussões e conclusões fomentadas no momento. A imagem daquelas super modelos de volta, juntas na passarela, mexeu com todos, com todo mundo que estava lá ou viu o desfile online. De repente, as redes estavam impregnadas de Versace, Versace, Versace. E as pessoas excitadas, com aquele brilho no olho. Como resumiu o poser do Bryan Boy em um tweet: nesta temporada, Milão pertence à Versace. Por que? As roupas eram melhores do que a da Gucci, Prada, Fendi, Bottega Veneta? Mais divertidas que Moschino? Ou mais cool que a N21 ou a MSGM? Não necessariamente. Uma pequena palavra traduz porque o desfile da Versace ficou em primeiro lugar: EMOÇÃO. Ato de deslocar, movimentar e transitar. É isso mesmo o que acontece quando somos tocados. Um movimento, uma agitação, um êxtase, em um momento no qual o mundo passa por uma transição geral, a moda encontra a sua forma de transitar. No Instagram da Versace, isso fica bem claro: as duas fotos postadas com as Supers tem 227 mil e 320 mil likes; com outras modelos, fica pelos 74 mil, 113 mil… “Para mim, foi uma oportunidade de fazer algo vivo e divertido, que cria alegria. Precisamos muito disso”, disse Donatella Versace ao NYT. Ainda pensamos: por que não há mais emoção na moda de uma maneira geral se todo mundo gosta tanto quando tem? Afinal de contas, se as pessoas amam, elas se engajam. Ou seja, a marca também consegue vender quando toca pela emoção, pela energia e não apenas pelo produto. Então por que estamos há anos nesse momento pragmático que parece não querer ir embora? Por que, hoje em dia, isso não acontece mais vezes? A resposta é sempre a crise. Ok, quando o tempo fecha, as marcas se cercam do simples (para não dizer do óbvio) porque naturalmente precisam vender. Nada que um passeio rápido pelo shopping não nos mostre. Mas isso em um ambiente de loja. Estamos falando de imagem de moda, de criacão, mágica e paixão, valores quem têm que estar na passarela, pois lá é o lugar do encantamento. Nas araras das lojas estão as coleções comerciais e não extamente o que está na passarela, o que não significa que elas não possam nascer e conviver em um mesmo universo. Antes, havia menos medo de tocar. Hoje, a emoção parece um sentimento cafona e exagerado, que não conversa com o dinheiro e com a limpeza dos tempos atuais em que desfiles acontecem em galerias de arte. Justamente quando eles estão mais distantes de sua veia artística.
FOTO DE GETTY IMAGES
[01] transição
na foto: cindy crawford carla bruni naomi campbell claudia schiffer helena christensen
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E por emoção, não falo que todo mundo tem que virar um Galliano nos anos 90 ou ressuscitar o McQueen – apesar de que, se temos momentos muito emocionantes na história contemporânea da moda, muitos deles são graças a esses dois gênios. Do minimalismo também se cria arrebatamento – lembre de Helmut Lang, Margiela, os Antwerp Six… Pensa do ponto de vista de um jornalista que cobre moda e assiste a uns 10 desfiles por dia durante uma temporada. Qual deles ficará em sua memória por mais tempo? Certamente aquele que mais tocar o seu coração. Piegas, brega, cafona, datado, use a palavra que quiser, mas é a verdade. O casting também reflete esse momento. As modelos têm cara de tédio, na passarela parecem um exército sem expressão. Aí aparece uma Cindy Crawford e as pessoas têm uma catarse e ficam: ah, bons tempos, como tudo era mais incrível. Na moda, nós não podemos viver no saudosismo. É um ambiente que te obriga a olhar para frente pois sua existência depende de renovação. A emoção de hoje não precisa estar obrigatoriamente conectada com a emoção de ontem. A paixão do estilista também pode comover, por exemplo. É algo invisível, não se pode ver, apenas sentir. São momentos genuínos de moda, rápidos, mas que deixam uma impressão e que recebem imediatamente uma resposta de volta. Traduzindo para os termos de hoje, é uma customer experience maravilhosa. Por exemplo, quando a Phoebe Philo faz um ótimo desfile pra Céline, é lindo de ver. Quando Demna mostrou sua primeira ideia para a Balenciaga, as pessoas sentiram. O desfile da Saint Laurent na Torre Eiffel emocionou não apenas pelo cenário (imagina se fosse um desfile de Tommy Hilfiger), mas pelo aspecto mais amplo: as pessoas gostam e torcem pelo Vaccarello e ele, a gente sente, está dando o melhor de si. Raf Simons está fazendo todo mundo acordar de novo para a Calvin Klein. Dries, Haider e Sacai nos pegam por sua inteligência, JWA por sua energia sempre tão fresca, Comme des Garçons pela independência, Simone Rocha e Pierpaolo (na Valentino) por seu romance moderno (aliás, um dos poucos desfiles aplaudidos de pé nesta estação). Apenas alguns exemplos. A questão do see now buy now não pode ser um impedimento para a criação. Mesmo porque, há várias formas de tocar um público, só que tem que ser de verdade. Talvez esteja aí o principal impedimento. Em um período em que os desfiles conversam diretamente com planilhas, buscar a alma de uma marca ou coleção parece perda de tempo, verdades inventadas e depois descartadas parecem ser o caminho mais fácil. O SNBN está apenas começando e se ele surgiu é porque há demanda e necessidade,
“s ão m ome n tos genuí no s de m oda, rá pi do s, mas qu e deixam uma im pre s s ão e qu e rec ebem im e diatame n te uma res pos ta de vo l t a.” mas onde a experiência se encaixa aí? Aqui no Brasil, estilistas como Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga, Luiz Claudio Silva, Paula Raia e Lenny Niemeyer, Marcelo Sommer e Jum Nakao (os dois na época do SPFW) e, mais recentemente, Lab, estão entre os nomes que provocam algo através de suas apresentações. Seja pela energia, encantamento, processos belos, afeto, inteligência, resistência, novidade, coragem. Sabe que num futuro próximo, as empresas permitirão que os clientes selecionem para atende-los o vendedor que tiver a melhor pontuação em simpatia, aquele que mais facilmente consegue se conectar. Os vendedores normalmente trabalham pela lógica: tem que saber todas as informações sobre o produto, entender o estilo da marca, saber o que perguntar pro cliente, ter o preço na ponta da língua. Tudo parece perfeito. Assim como um desfile impecável do Michael Kors. O problema é que essa ponte pré-fabricada entre o vendedor e o consumidor, construída pela lógica, não é firme. “A lógica faz a pessoa pensar e a emoção faz ela agir”, disse Zig Ziglar (1926 – 2012), escritor e pensador americano que criou um império com suas palestras motivacionais. A emoção pode ser uma vantagem! E quem sabe transitar para diferentes propostas seja uma forma de fazer a diferença e mostrar cada vez mais o que é diferente.
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[01] transição
como cada geração transita e se relaciona com a internet LYDIA CALDANA
A juventude pode ser considerada um conjunto de características do que, de fato, algo determinado por um número. A natureza questionadora do jovem independe de geração, e esse caráter contestador sempre esteve presente: o jovem é o verdadeiro agente de transformação. Atualmente, seis gerações convivem na nossa sociedade ocidental: tradicionalista, baby boomer, geração X, geração Y (Millennial), geração Z e, como vem sendo chamada, a geração alpha. Nesta breve análise sócio-histórica, focaremos nas gerações fora dos extremos. Toda geração é influenciada pelos seus contextos — social, político, econômico, ambiental e tecnológico — e eles impactam diretamente em como irá se expressar. A bandeira de cada geração pautará quase todas as esferas da vida, como se fosse a lente pela qual o jovem olha para o mundo e para si. Um marco histórico, no entanto, mudou como todos se comportam e, inclusive, como nosso sistema cognitivo se constrói: a internet. Esse avanço tecnológico e como lidamos com ele é um dos principais fatores que diferem uma geração da outra. Aqui, dividiremos as gerações em conservadores digitais — aqueles que nasceram e viveram maior parte de suas vidas sem internet —, migrantes digitais — os que tiveram contato em fase adolescente com internet —, e nativos digitais — aqueles que já nasceram em um contexto digital. baby boomers / 1946-1960 Bandeira: antissistema Os baby boomers nasceram em um contexto pós-II Guerra Mundial e Grande Depressão. Nos Estados Unidos, os baby boomers passaram por outro período de guerra, a do Vietnã. A prosperidade econômica da época permitiu um poder aquisitivo desconhecido por seus pais, e ficaram famosos por gastarem tudo que ganhavam. Eram tempos de otimismo e conquista: a corrida espacial estava trazendo novos horizontes. O imperialismo capitalista estava em ascensão e a mentalidade consumista não impediu que outras lutas entrassem em pauta: eles são uma geração questionadora e idealista, que revogava seus direitos. Dentre tantos feitos desses jovens, destacam-se o Woodstock, o femi-
nismo, o movimento dos Direitos Civis, a revolução sexual e novas configurações familiares, graças à pílula anticoncepcional. No Brasil, viveram a cultura cosmopolita e a ditadura — o que fez eclodir a vindoura contracultura. Os trabalhos considerados ideais eram os cargos públicos, devido aos vários benefícios que ofereciam, e por ainda não existirem muitas indústrias instaladas no país, deixando como opção montar seu próprio negócio ou trabalhar para o Estado. geração X / 1961-1980 Bandeira: sem ideologia O Brasil passava pelos Anos de Chumbo, e muitos jovens da Geração X lutaram pelo fim da ditadura. O capitalismo se consolidou, trazendo com ele a privatização neoliberal e o início da globalização. Passou a ser valorizada uma sociedade de bens de consumo e abundância, que poderia ser conquistada por meio do trabalho. Com o ingresso de multinacionais no país, muitos optaram por construir carreira em uma grande empresa para poder comprar os vários serviços e produtos que agora estavam disponíveis. Alimentada pela ambição e individualismo, a Geração X ficou caracterizada por sua falta de ideologia e foco no material — a ponto de ser a geração com mais problemas relacionados ao coração em relação às outras. Neste movimento, foi privatizada inclusive a arte. A prioridade da cultura não era mais enriquecer mentes, mas enriquecer negócios privados. Concomitantemente, aparecem as famigeradas “tribos”, subculturas fortemente atreladas a movimentos musicais (hip hop, new wave, pop, disco).
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geração Y / 1980-1995 Bandeira: ambientalismo Cresceram em tempos de abundância conquistados pelas gerações anteriores: a prosperidade econômica e acesso a bens e serviços permitiu uma busca intelectual e de autoconhecimento que as gerações anteriores não puderam ter. O Millennial foi o primeiro em muitas famílias brasileiras a ir para a faculdade. O avanço tecnológico e a consolidação da globalização geraram o boom da comunicação por meio da revolução da informação: quantidades imensuráveis de informação agora estavam disponíveis em portais, fóruns, sites, e-mails e redes sociais. A busca individual pela felicidade finalmente entrou em pauta, tornando-os ótimos problematizadores. O trabalho, agora, deve ter um propósito maior, “mudar o mundo”. Não aceitando o que a maioria das empresas estabelecidas oferece, muitos decidiram criar sua própria empresa, gerando o boom de startups — e, consequentemente, muita falência. Enquanto todo esse tempo e dinheiro são investidos nesse sonho, relações financeiras e amorosas são questionadas: não é preciso mais se casar tão cedo ou comprar uma casa. Os Millennials gostam de experimentar e não estar presos a algo ou alguém no começo da vida adulta. Passam, então, por crises identitárias provenientes de frustrações desses desejos tão grandes, e muitos sofrem de depressão. Ao mesmo tempo que estabeleceram novas relações de trabalho, como home office, freelance, informalidade, sharing economy, coworking e horizontalidade, o retorno financeiro nem sempre veio, tornando-os dependentes financeiramente de seus pais por muito mais tempo que as gerações passadas. Sonham alto, mas a falta de pragmatismo os impede de tirar os planos dos papéis. Para além da abundância material e acesso à informação, foi uma geração que cresceu vivendo os frutos das lutas sociais das gerações anteriores. E isso abriu espaço para que a busca não fosse mais pelo coletivo, mas para si. Retomam a essência idealista dos baby boomers mas, por terem vivido um período próspero, desenvolveram uma consciência social mais abstrata e levantaram novas bandeiras, como sustentabilidade e justiça ambiental. geração Z / 1996-2010 Bandeira: equidade humana A Geração Z nasceu em meio à crise econômica que é o legado das gerações anteriores. Isso fez com que, desde cedo, fossem pragmáticos. Têm os pés no chão: poupam muito e acreditam em trabalho duro para garantir uma estabilidade financeira, aproximando-se da tradicional geração X. Em contraponto a essa mentalidade, possuem um sistema de valores e ethos progressistas. A maior parte dos adolescentes hoje tem algum discurso relacionado à raça, gênero e orientação sexual. É a geração mais multiétnica até hoje, convivendo com tal diversidade desde bebês. Consequentemente, a bandeira desta geração é a equidade humana.
Envolvem-se em ativismos muito mais cedo do que as gerações passadas e vivem uma renascença do movimento social, assemelhando-se aos idealistas baby boomers. A diferença é o meio: há muita oportunidade de se envolver com várias causas em qualquer lugar ou momento, graças à tecnologia. Possuem natureza ativista e atuam conscientemente dentro das suas comunidades, seja por meio de vlogs, fotografias, zines ou debates. Certos conceitos já são dados como pressuposto — questões como sexualidade fluida, transparência e aversão a preconceitos de qualquer raiz.
“s ão os adole s cen te s mai s an s ios os da h is tória (at é mais qu e os adu ltos ) e preocu pados com s eu s u ce s s o e fu tu ro.” Ainda que ser jovem tenha tido significados parecidos ao longo dos anos, os drivers comportamentais se alteram de acordo com os contextos de cada época e os avanços da tecnologia. Embora os Y sejam a primeira geração que compreende uma realidade composta pelo mundo digital quando o físico, os Z são os primeiros a nascer e crescer nesse contexto — a divisão entre físico e digital já não faz mais sentido na medida em que eles entendem o mundo em camadas sobrepostas de uma realidade única e indivisível. A bandeira da equidade humana é potencializada pelas tecnologias que estão disponíveis hoje e, com isso, ganha mais visibilidade. A diferença entre o questionamento do status quo das gerações anteriores para esta reside no poder das ferramentas tecnológicas de comunicação social usadas para promover mudança.
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um possível processo de transição no vestuário CAMILA YAHN
ESSES DIAS me deparei com o perfil @filmeindigo, de uma menina que planta sementes de índigo japonês no quintal de sua casa para fazer tingimento natural. As fotos do perfil são bonitas e bucólicas e mostram um universo delicado, apaixonado e em contato com a natureza. E meio a imagens de plantações, estufas, experiências azuis e o dia a dia num sítio, há fotos que parecem um print de uma tela de filme, como a de um fusquinha chegando na fazenda ou a fazenda molhada através da janela do carro. Bem diferente do que a gente pensa quando imagina uma estudante de moda. Sim, a dona do perfil, Kiri Miyazaki, 29, está terminando a faculdade de moda na Belas Artes. Nada lá nas fotos dá essa dica, a não ser pelos potes com tinta azul e as roupas que ela tinge artesanalmente. O nome @filmeindigo é porque ela está finalizando um documentário que é o seu projeto de TCC. “Tingimento Natural com Índigo: da germinação à extração do pigmento azul” venceu um edital e recebeu financiamento do ProAC. Vamos voltar um pouco atrás porque a história da Indigo se mistura à história pessoal de Kiri. Filha mais velha de pai japonês, foi com sua família morar no Japão aos 17 anos, no ano em que deveria entrar na faculdade aqui no Brasil. Por mais que ir ao Japão possa parecer um sonho para muitos de nós, Kiri sempre gostou de estudar e seu sonho naquele momento era entrar na faculdade. Lá, teve que interromper os estudos porque seu japonês não estava fluente e precisou trabalhar. “Trabalhei dentro de uma fábrica de eletrônicos montando celular”, diz. E a gente sabe como é no Japão: Kiri ralou pra caramba, mas seu esforço era recompensado. “Lá, por mais que você seja operário, vive com dignidade”, disse em uma conversa por Skype. A família retornou três anos mais tarde, mas Kiri voltou com sentimentos cruzados em relação ao Japão. Não era aquele Japão das fábricas de celular que ela queria ter vivenciado. Logo mais voltaremos a esse assunto.
FOTO DE @FILMEINDIGO
Quando precisou escolher uma faculdade, escolheu moda e entrou na Belas Artes. “A moda tem essa coisa de vilã, essa carga de ser superficial. Então demorei para aceitar que queria fazer isso. Eu gosto da parte da reflexão, não só da roupa. Gosto de pensar”. Foi em uma aula de superfície têxtil com a professora japonesa Mitiko Kodaira que ela teve sua primeira experiência com tingimento natural. Tinha interesse em descobrir formas diferentes de tingir, usando plantas, e fez seu primeiro teste com açafrão. “Foi quando eu comecei a descobrir o que gostava numa roupa, a aparência que eu gostava em um tecido e também a entender que eu queria seguir esse caminho mais natural. Gosto de usar ingredientes naturais que não agridam o meio ambiente”. Em 2014, Kiri começou a estudar tingimento natural. Fez o primeiro curso aberto de Flavia Aranha, a quem ela chama de orientadora. “Ela me ensinou sobre o mundo do tingimento com plantas. Uma mulher de extrema sensibilidade e que sempre ouviu minhas histórias”. E foi em outro curso com a estilista que Kiri teve seu primeiro contato com tingimento com índigo. Passou a estudar sobre o assunto e viu que dentro da sua própria história havia uma conexão com esse ofício. Descobriu uma fazenda na região de Tokushima, no Japão, que plantava e
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comportamento
FOTOS DE @FILMEINDIGO
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FOTOS DE @FILMEINDIGO
“ vo lt e i t r a n s f o rm ada p or q u e vo lt e i com u m p ro je t o d e vida”
fazia todo o processo de tingimento. E lá foi ela fazer um curso de 30 dias. “Voltei transformada porque voltei com um projeto de vida”. De volta ao Brasil, fez vários experimentos e levou seis meses para conseguir germinar as sementes de índigo japonês. “Aqui temos outro solo e outras condições climáticas. Não tenho nenhum repertório de agronomia, então vou atrás de quem pode me ensinar”. Iniciou uma plantação em Juquitiba, mas teve problemas com o solo. “Além dele estar pobre pois nada é cultivado faz muito tempo no local, tivemos infestação de formigas cortadeiras que destruiu por três vezes nosso transplante e como não usamos nenhum veneno em respeito a nossas crenças de cultivo orgânico decidimos diminuir a quantidade”. E trouxe tudo para o quintal de sua casa em São Paulo. “Tenho 16 vasos de quase 100 quilos no meu quintal”. E hoje o seu mundo gira em torno dessa plantação, já que o índigo japonês exige uma dedicação diária. Existem várias espécies de índigo (no Brasil há três delas, segundo Kiri), mas na espécie japonesa, o processo de extração é diferente e vem acompanhado de um ritual: de plantar até você ter o composto, o processo leva um ano. “É uma coisa linda, é de uma paciência oriental mesmo”, ri. “Imagina viver nessa sociedade que a gente vive hoje e fazer uma coisa que leva um ano do começo ao fim”.
Depois de colocar as sementes em uma sementeira com terra, deixa por um mês dentro da estufa e só então transplanta pro chão. Daí, surge a folha de onde você tira o pigmento azul. A partir do momento que você colhe a folha, ela entra num processo de fermentação de 120 dias e só então fica pronta para uso. O material orgânico que resulta se chama Sukumo e é o índigo fermentado pronto para fazer a mistura do tingimento. Sobre a questão do tingimento artificial nas grandes empresas, ela explica: “o índigo natural pode ser usado em maquinário industrial de tingimento para larga escala, mas a empresa teria que assumir que nunca um azul iria ficar igual ao outro. E isso é difícil dentro de uma grande empresa. Você pode fazer tudo exatamente da mesma maneira, mas ele não vai sair igual”. E qual seu objetivo final?, eu pergunto. Imaginei que ela pudesse lançar uma linha só com produtos tingidos manualmente, mas a resposta dela foi: ensino e pesquisa. No segundo semestre Kiri inicia o mestrado sobre tingimento natural e deve transformar sua pesquisa em um livro com uma linguagem mais acessível. “Quero que seja um conhecimento compartilhado e que não seja esquecível. Estou até buscando uma casa maior para aumentar a plantação e poder oferecer o índigo para outros artistas e profissionais”.
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a transição de mulheres na área tecnológica AMÉLIA DIAMOND EM PARCERIA COM OLAY
As recentes conversas sobre as disparidades de gênero na força de trabalho se concentraram em várias coisas: remuneração, mobilidade, respeito. Mas por baixo de todas essas coisas, se trata apenas de cultura. As normas culturais moldam os ambientes profissionais em níveis visíveis e invisíveis, e a mudatnça dessa narrativa leva tempo, energia e resistência ao status quo. Isto é especialmente verdadeiro em indústrias dominadas por homens e brancos, onde a tradição e o legado ainda desempenham um grande papel na forma como as empresas crescem e mudam. Falamos com Kirsten Koa, engenheira de software da Niantic, Inc., a empresa de desenvolvimento de software por trás da Pokémon GO, que trabalha em um campo dominado por homens, para aprender mais sobre como essa transição que está acontecendo - e como é estar no meio dela. Uma introdução ao mundo da codificação (e videogames): Eu sou engenheira de software. Parte do meu trabalho é escrever código, mas há muitos outros aspectos, como tentar arquitetar o código que você está escrevendo. Você tem que planejar com antecedência como deseja estruturar o código antes de mergulhar e escrever, ou então você pode simplesmente entrar em uma grande confusão. Há também muita colaboração com outras pessoas em várias disciplinas (produto, design, arte, marketing, etc.) para descobrir o que vamos construir e, em seguida, trabalhar juntos para desenvolvê-lo. A principal razão pela qual eu comecei a codificar é por causa dos videogames. Quando eu era criança, jogava videogames com minhas irmãs ou minhas primas, às vezes com meu pai. Eu adorava jogar Mario Party, Smash Brothers, Pokémon (é muito legal poder trabalhar em uma franquia de videogame como Pokémon que eu cresci amando). No ensino médio, eu gostava muito do Neopets, que foi minha primeira introdução à codificação porque você pode codificar em HTML e CSS para melhorar a aparência do seu perfil. Na verdade, esta é uma história engraçada: eu meio que tive uma introdução à codificação através do Neopets. No ensino médio, eu sabia que você tinha que codificar para fazer videogames, mas isso era basicamente tudo que eu sabia sobre isso, então eu fui para a biblioteca e verifiquei C ++ para Leigos. Eu não tinha ideia do que era o C ++, exceto que era alguma linguagem de programação. Comecei a ler e fiquei tipo, Ok, então você escreve esse código para fazer um loop ou algo assim FOTOS DE ASHLEY BATZ
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- onde eu escrevo? Então eu pensei: se eu escrever em um documento de texto, o código realmente fará alguma coisa? Então tentei escrevê-lo em um documento de texto e nada aconteceu. Eu estava tipo, “Ok, obviamente há mais coisas que eu não entendo”. Minha escola secundária não tinha ciência da computação, então eu realmente não tentei engenharia de software ou codificação durante o ensino médio. Mas quando eu me inscrevi em faculdades, pensei: isso é algo que eu quero tentar de novo, embora eu não tenha dado em nada com isso antes, e por sorte acabei me apaixonando por ele na faculdade. O desânimo e o que a mantém indo: Acho que muitas mulheres não se vêem como engenheiras de software enquanto crescem. Eu queria estudar ciência da computação ou programação por causa dos videogames, mas acho que os videogames são comercializados principalmente como uma coisa de menino. Eu costumo jogar videogames com meus amigos e não com minhas amigas. Mas a engenharia de software e a ciência da computação são muito mais do
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que os videogames. Agora, há mais visibilidade sobre isso, então, com sorte, está melhorando. Eu também acho que ter experiências negativas durante o trabalho pode realmente desencorajar as pessoas de continuar no campo. Eu costumava dar aulas de Introdução à aula de Java na faculdade e pedia que os alunos me dissessem: “Ah, você realmente sabe do que está falando” ou “Uau, você é muito útil”. Eu fiquei muito feliz em poder ajudá-los e, na época, não pensei em nada disso. Eu fiquei tipo, Oh, eles estão surpresos que um tutor foi capaz de ajudá-los com seu problema ou algo assim. Mas olhando para trás, eu sinto que talvez seja porque eles não esperavam que eu realmente soubesse o que eu estava falando como mulher, apesar de eu ter sido contratada para ser uma tutora para essa classe. Então, eu tive algumas experiências como essa, ou com outra pessoa levando crédito por algo que eu fiz (nesse caso específico, conversei com um gerente sobre isso). Mas esses eram realmente pequenos pedaços da minha experiência geral. Eu fiz muitos amigos no meu programa de ciência da computação e estávamos todos juntos, lutando para aprender esses conceitos juntos. Eu também tinha alguns amigos que eram mais velhos do que eu que conheci através de tutoria - eles eram veteranos quando eu estava no segundo ano ou calouro. Eu realmente olhei para eles e eles foram todos muito encorajadores e inspiradores. Eles estavam fazendo estágios, trabalhando no Google, trabalhando no Facebook, fazendo todas essas coisas muito legais. Eu também tenho uma amiga muito boa, o nome dela é Brina Lee, que foi a primeira engenheira de software do Instagram. Fomos para a faculdade juntos e tutelamos pelo mesmo professor. Ela é alguns anos mais velha do que eu, e tem sido uma grande amiga e um modelo em engenharia de software - mas também, em geral. Ela me incentivou a candidatar-se à bolsa Grace Hopper do Facebook (Grace Hopper é uma conferência para mulheres na computação). Ela me incentivou a se candidatar à Out in Tech Scholarship, uma conferência para estudantes LGBTQ. E ela está sempre disponível para me ajudar.
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Amando o seu trabalho: Eu acho que a coisa que eu mais amo no meu trabalho agora é ser capaz de construir coisas que deixam as pessoas felizes. Neste momento, estou trabalhando no Pokémon Go, que tem muitos jogadores apaixonados. Acabamos de sair com os recursos sociais e comerciais; Eu era a líder técnica no lado do Pokémon GO, e implementar esses recursos foi um grande esforço de equipe multifuncional. Passamos muito tempo interagindo com o que queríamos para ajudar os jogadores a se divertirem jogando com os amigos e também para ajudá-los a fazer novos amigos. Quando o recurso saiu, a recepção foi tão positiva e os jogadores estavam tão animados que me deixou muito feliz. Todo o trabalho duro valeu a pena. Há muito mais que eu quero fazer para melhorar o recurso, e estamos trabalhando nisso agora, mas acho que ver como meu trabalho afeta positivamente as outras pessoas é realmente a melhor parte. Conselhos durante a universidade: Quando eu comecei na faculdade como um curso de Ciência da Computação, eu basicamente só tinha a experiência de programação do Neopets. Durante minha aula de Introdução à Ciência da Computação, fui a todas as palestras e li o livro, mas depois fiz minha primeira parte do semestre e obtive um C sobre ele. Quando eu estava no colegial, onde eu era quase uma aluna normal, eu ficava tipo “Oh meu Deus! Este é meu maior! O que eu estou fazendo?! Como posso ter tirado um C? Eu quero ser boa nisso! O professor que eu tinha para minhas aulas de introdução era realmente ótimo e sempre dava ótimos conselhos. Um de seus primeiros conselhos foi fazer amizade com pessoas do mesmo grupo de estudo principal e formado, então um grupo de pessoas ao meu redor formou um grupo de estudo em conjunto. No final do trimestre, consegui trazer minha nota de volta para um A. Eu tive experiências semelhantes com outras classes também; foi muito trabalho para aprender o material. Também foi difícil não se sentir desanimado porque as pessoas entram na faculdade com diferentes níveis de experiência em programação. Eu tinha praticamente zero experiência, e algumas pessoas já tinham conseguido estágios ou tinham ciência da computação na escola. Mas eu decidi dar o meu melhor.
“se al guém est á pedi ndo aj uda, eu t ent o c hegar a el a c o m a ment e aber t a e ver se po demo s reso l ver o pro bl ema j unt o s ” Outro grande conselho que o mesmo professor deu foi fazer um estágio, obter experiência no mundo real - mesmo se você for rejeitado 500 vezes porque você é um novato e ainda não sabe muito. “Você tem que ser rejeitado”, disse ele. “Você será rejeitado. Mas continue aplicando, e você nunca sabe, talvez alguém diga sim para você”. Eu realmente levei isso a sério e me candidatei a todas as coisas. Desafios de ser uma mulheres na área de engenharia: A maioria das minhas experiências tem sido muito positiva e conheci muitas pessoas legais e legais. Eu trabalhei em muitas equipes onde eu era a única mulher e, normalmente, não era um problema. Houve alguns exemplos no início da minha carreira em que ouvi comentários sexistas (como “eu nunca poderia ter uma gerente”), ou onde eu pedi ajuda em um projeto difícil e foi descartado como um problema fácil, ou foi assumido que eu estava fazendo algo errado - só para depois ter essa pessoa admitir que eu estava certo, ou que era difícil de resolver. Por causa dessas experiências, tento ficar atenta quando as pessoas me fazem perguntas ou precisam de ajuda. Eu não sei tudo e não tenho resposta para tudo. Se alguém está pedindo ajuda, eu tento chegar a ela com a mente aberta e ver se podemos resolver o problema juntos. Essas experiências também me ensinaram a importância de procurar um bom grupo de pessoas, uma boa equipe, durante as entrevistas. É muito importante trabalhar bem com seus colegas de trabalho, mas também adoro quando você realmente gosta de seus colegas de trabalho, porque isso torna o trabalho divertido. Você nunca sente que precisa de alguém para cima. Isso torna o trabalho muito melhor, menos estressante e mais feliz. Quando comecei a trabalhar em tempo integral no Google, fui colocada em uma ótima equipe. Pude aprender muito e crescer tanto quanto engenheiro de software, porque ninguém me fez sentir mal por fazer qualquer pergunta. Todos os meus companheiros de equipe me ensinaram. E eu me certificaria de que se eu tivesse uma pergunta e alguém me ajudasse com isso, eu escreveria como resolvemos o problema juntos para que da próxima vez eu não tivesse que fazer a mesma pergunta. Foi um ótimo ambiente porque foi aberto e colaborativo.
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Se divertir é seu principal objetivo de carreira: Em termos de minha carreira, meu objetivo principal é continuar me divertindo e aproveitando. Eu amo meus colegas de trabalho com quem trabalho e sinto que podemos fazer muito mais juntos se continuarmos trabalhando juntos. Também adoro o produto e o jogo em que estamos trabalhando. É definitivamente super divertido e me deixa muito feliz por poder trabalhar aqui e trabalhar neste produto. Eu quero continuar aprendendo coisas novas. Aprendi muito no ano passado e em alguns meses em que estive na Niantic. Eu quero crescer mais como indivíduo e como engenheira de software. Mas também acho que é muito importante para mim aproveitar o tipo de trabalho que estou fazendo e me divertir e ser feliz. Eu sinto que esse é basicamente o meu objetivo na vida também. Uma coisa que tenho pensado recentemente é o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Todos com quem trabalho são super apaixonados pelo que estamos fazendo e, por isso, às vezes, para mim, o equilíbrio entre trabalho e vida fica em segundo plano. Eu tenho conversado com meu gerente e outras pessoas na empresa e acho que isso pode ser melhorado. Todo mundo ama o que estamos fazendo; Somos super apaixonados, queremos fazer os melhores recursos para nossos usuários, mas o trabalho é apenas uma parte da vida. Não é tudo da vida. É importante ser capaz de equilibrar ambos os lados, isso com nossa família ou nossos hobbies ou apenas ter tempo para nós mesmos.
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Conselhos para entrar em Ciência da Computação: Encorajo qualquer um no ensino médio ou faculdade a fazer uma aula de informática para ver se você gosta. Há também muitos ótimos vídeos no YouTube, onde as pessoas ensinam como codificar ou falar sobre sua experiência como engenheiro de software. Se você acha que pode estar interessado, pesquise “a vida como engenheiro de software”. Ou, se você tiver uma coisa específica que queira aprender, como fazer um aplicativo ou um jogo, procure por ela. Existem tutoriais para tudo. Quando você está entrando pela primeira vez em ciência da computação ou talvez em qualquer campo, parece que há pessoas que sabem tudo e você não sabe de nada. Eu ouvi muitas pessoas dizendo coisas como: “Você precisa fingir até conseguir”, mas, sinceramente, eu não sou muito boa em fingir, então isso [não me ajudou]. Quando eu estava começando, poderia ter me ajudado se eu tivesse percebido que mesmo que as pessoas pareçam saber tudo, e elas possam realmente saber muito, ninguém sabe tudo e há muito mais a aprender. E você não deveria se sentir mal se você não sabe tudo sobre um determinado tópico. Desde que você seja capaz e esteja disposto a aprender, você poderá fazer grandes coisas. E também aberto, é uma grande área que possui cada vez mais oportunidade e diferentes objetos de estudo e para especializações. Com essa graduação, a sua chance de crescer em qualquer área pode ser gigante e seu potencial para um conteúdo multidisciplinar aumenta. Basta seguir com a cabeça e coração aberto.
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comportamento
uma mudança improvável sobre viver sozinho HALEY NAHMAN
Desde que EU me mudei para o meu apartamento de um quarto, há três meses, eu provavelmente limpei mais do que limpei meu último apartamento, onde morei por dois anos. Minha transição de ser uma pessoa geralmente arrumada para uma aberração limpa do tipo A aconteceu rapidamente. Era como se, em um único dia em movimento, as bagunças passassem de uma leve irritação para uma leve ansiedade. Uma pia cheia de pratos passou de testar minha paciência para servir como um teste decisivo para a minha capacidade de cuidar de mim mesmo. Agora que eu morava sozinho, a desordem da minha casa se tornou minha responsabilidade ou minha culpa, e o meu auto perpétuo culpado escolheu o primeiro. No começo, fiquei impressionada com o quanto meu desejo de manter um lar ordenado me exigia: Acorde. Faça a cama. Arrume a sala de estar. Lave os pratos. Tire o lixo. Vá trabalhar. Chegue em casa. Coloque minhas coisas fora. Varre o chão. Limpe os contadores. Arrume a geladeira. Limpe o banheiro. Pegue, arrume, arrume, limpe, repita. Eu estava sempre limpando! Por um tempo, eu me perguntei se eu poderia realmente continuar assim.
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Logo descobri que não podia, não para sempre. Nos dias ou semanas seguintes, eu pularia minha lista rotineira de tarefas em favor de atividades que me trouxessem uma satisfação mais imediata, como ficar no sofá (e ficar lá por horas). Como ficar acordada até tarde demais para assistir a um show porque isso deu a minha mente algo para mastigar que não era meus pensamentos. Como pular meu banho noturno para ir para a cama à uma da manhã ou jogar minhas roupas de um lado para o outro enquanto me vestia, porque isso me fazia sentir despreocupada de uma maneira que eu não sentia autenticamente por dentro. Logo, durante esses períodos, meu espaço começaria a se parecer com o que eu sentia por dentro: despenteado e não-cuidado. A conexão entre o meu espaço físico e o estado mental era palpável. Eu estava vivendo uma metáfora. Logo, eu voltaria para a minha rotina de limpeza. Lave, varra, limpe, arrume, repita. Claro, eu inicialmente teria medo do pensamento. A limpeza é tão chata! Ficar na minha pia por 30 minutos enquanto a torneira passa sobre pratos crocantes e copos nublados não estimula meus sentidos ou desperta minha imaginação. Pegar pedaços de comida de gato nas minhas mãos e joelhos não me oferece uma nova perspectiva. Mas enquanto eu passava pelas batidas rítmicas e sem graça, algo em mim mudava. Comecei a notar a extensão da metáfora da mente-lar: que ter um tipo de orgulho quieto no meu espaço poderia ser um análogo para ter um tipo de orgulho silencioso em mim mesmo. Minha mãe costumava dizer: “se você está entediado, você é entediante.” É uma frase atraente que sempre ficou comigo, mas não tenho certeza se envelheceu bem. Numa época em que posso levar meu telefone comigo para fazer xixi - o céu me proíba de olhar para alguns azulejos ou a parte de trás de uma garrafa de xampu por 45 segundos em vez de ler as últimas notícias - a falta de tédio
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tornou-se menos indicativa do meu tendo uma personalidade interessante e mais como prova, não consigo encarar o interior da minha própria cabeça. O que aconteceria se eu fizesse? Na limpeza diária, encontrei uma oportunidade consistente para fazer isso. Para virar a mudança frouxa na minha cabeça, livre de estímulos. Em vez de pensar na limpeza como uma responsabilidade ou uma maneira de evitar a culpa, agora penso nela como uma oportunidade de ficar entediado, auto-acalmar-se, reentrar no mundo físico nos dias em que não faço nada além de olhar para o colorido, colorido telas. A limpeza requer minha atenção e corpo. Eu não posso trabalhar, assistir TV, estar no meu celular. E mesmo que me afaste dessas distrações às vezes pode parecer tão difícil quanto amarrar um par de tênis, uma vez que eu faço, tudo flui. Anos atrás, um amigo sábio compartilhou um pouco da sabedoria de um monge budista chamado Thich Nhat Hanh: “Existem duas maneiras de lavar a louça. O primeiro é lavar os pratos para ter pratos limpos e o segundo é lavar os pratos para lavar os pratos. ”Passei muito tempo considerando esta citação, mas não tenho certeza se entendi de verdade. até agora. Cuidar de mim e do meu espaço não precisa ser uma tarefa Sísifo. Se eu remover a lente da produtividade ou buscar um objetivo específico, ela pode se tornar outra coisa. A limpeza não é produtiva a longo prazo. Fazê-lo hoje não me impede de fazer isso amanhã. Quando faço isso, não estou aprendendo, trabalhando em um hobby, ganhando dinheiro, rindo, sorrindo, chorando, fazendo memórias. Eu estou apenas olhando para o espaço. Mas apreciar essa ociosidade intelectual e reformular o trabalho em si como objetivo tornou-a uma atividade muito mais restauradora. Ao aprender a limpar minha casa pelo bem, finalmente aprendi a meditar.
Thich Nhat Hanh é um dos mestres do zen-budismo mais conhecidos e respeitados no mundo de hoje, poeta e ativista da paz e dos direitos humanos.
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inacessibilidade e a transição da expressão atual EDUARDO BIZ
o não-registro, a contemplação, o digital-detox e o monotasking propõem a reconexão consigo e com o mundo ao redor. Em um mundo acostumado a operar em um ritmo inalcançável, é crescente o despertar pela desaceleração. Desconectar para reconectar passa a ser um comportamento aspiracional à medida que o constante recebimento de mensagens, notificações e curtidas é visto como uma interrupção ruidosa. Isolar-se da poluição visual, sonora e de informação é valorizado como forma de se reconectar consigo mesmo e com o mundo ao redor. Quiet Bliss é a ressignificação da pausa e a urgência pela desaceleração do cotidiano, manifestações observadas através de breaks digitais ou na busca por espaços revitalizantes. Assim, a quietude tem sido vista não só como medida preventiva, mas também como um recurso para aumentar a produtividade. Mais do que isso, o silêncio passa a ser revalorizado como medida essencial para resgatar o equilíbrio e a criatividade pessoal. O não-registro, a contemplação, o digital-detox e o monotasking entram em cena para propor uma maior presença e contemplação do momento. Neste contexto, tecnologias analógicas são resgatadas com o objetivo de reduzir o mais temido dos inimigos contemporâneos: o estresse. Combatê-lo é uma causa que será crescentemente abraçada pelo mercado nos próximos anos. Uma crescente minoria adere a um contra-movimento comportamental que prega o monotasking como a solução para uma vida mais linear. Capacidade de foco e contemplação é uma característica pouco presente nessa geração, que cresceu em um contexto
FOTO DE STÅLE GRUT
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T
multitasking e tem como comportamento vigente a ausência de linearidade. Isso é um reflexo da Internet: navegar entre abas, abertas às dezenas, é tão natural quanto monitorar o cotidiano através de fotos, check-ins e updates. É um constante esforço coletivo em marcar presença e sentir-se presente. O abuso dessas ferramentas de registro geram dependência e promovem o desfoque, mesmo que não intencionalmente. Todos sabemos disso. Mas todos seguimos fazendo isso. Porém essas interrupções têm sido evitadas por uma crescente minoria, convencida de que criatividade e atenção são irmãs siamesas. Hoje observa-se um contra-movimento comportamental que prega o monotasking
como a solução para uma vida com mais memórias, saúde e dedicação e busca de interesses pessoais. O presente passa a ser revalorizado pelo agora, e não pelo registro que deixou. Nessa lógica, filmar sua música favorita durante um show faz tão pouco sentido quanto fotografar sua comida. O não-registro, a contemplação, o detox digital e o monotasking entram em cena para propor uma revalorização do momento. Não é à toa que a artista contemporânea mais debatida nos anos recentes seja Marina Abramovic. O principal aspecto de suas obras performáticas é a concentração, como foi o caso do célebre trabalho The Artist Is Present, que consistia no contato visual entre artista e público, sentados um de frente para o outro, sem fala, sem movimento, somente presença. A arte de Marina é tão pautada no foco que ela está fundando um instituto que ensine meios de aumentar a consciência física e mental do momento presente.
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comportamento
FOTOS DE PONTO ELETRÔNICO
“o que eu quero é ter contato com vocês como audiência, não com iPhones ou câmeras. Eu sei que é pedir muito,mas isso vai nos ajudar a compartilhar esta experiência juntos” Na moda, quem vetou os flashes foi Tom Ford, em 2010. Quando voltou ao prêt-à-porter após um intervalo de 6 anos, o estilista realizou um desfile para 100 convidados bastante exclusivos, que tiveram de deixar seus celulares e câmeras na entrada do evento. O único fotógrafo presente foi Terry Richardson, que transformou o desfile em um livro posteriormente. “Quero que a moda se torne divertida de novo, como era nos anos 60, e as pessoas não viam a hora de ter as roupas e vesti-las. Acho que perdemos isso”, comentou Ford. No restaurante Momofuku Ko, em Nova York, foi proibido fotografar os pratos, o que acabou gerando uma discussão sobre os novos tabus da etiqueta moderna.
Em 2013, Fiona Apple abandonou o palco de um evento de moda em Tóquio. Depois de algumas tentativas de pedir silêncio à plateia inquieta, a cantora perdeu a paciência e atacou verbalmente o público e a grife anfitriã — no caso, a Louis Vuitton. Kate Bush, ao anunciar seu primeiro show depois de 30 anos afastada dos palcos, pediu aos fãs que não filmassem nem tirassem fotos durante sua apresentação. O consentimento foi unânime. “O que eu quero é ter contato com vocês como audiência, não com iPhones, iPads ou câmeras. Eu sei que é pedir muito, mas isso vai nos ajudar a compartilhar esta experiência juntos”, disse.
Retromania ou desconexão? Durante muito tempo, possuir o mais novo modelo de smartphone e usufruir das mais impressionantes novidades tecnológicas eram sinônimos de status. Hoje, parece algo desesperado. A clássica fila na loja da Apple se tornou o retrato de uma triste máfia consumista. Enquanto isso, aquele seu amigo buena-onda, que insiste em não ter Internet no celular, passa a ser entendido como um trendsetter acidental — ainda que esse título seja tudo que ele mais quer evitar. Ligações e SMS são as especialidades de um flip phone, um dos primeiros celulares a se popularizarem. Por mais que pareça arcaico em um contexto contemporâneo, este saudoso gadget representa uma nova expressão de luxo: a inacessibilidade.
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Trata-se de reduzir os excessos da conectividade de modo a evitar distrações.Quando online e offline são conceitos que deixam de se distinguir, ausentar-se é visto como cura para a ressaca do multi-tasking. Hackathons são situações extremas de monotasking. São maratonas de programação onde projetos complexos são resolvidos em horas. Segundo Randi Zuckerberg, “existe um foco muito intenso quando você sabe que só tem 12 horas para resolver um problema”. Mas como conseguir focar vivendo em um mundo onde janelas tem abas? Singelas soluções tem surgido. Tabless Thursday é uma proposta da revista The Atlantic que sugere a quinta-feira como o dia em que você só poderá abrir 1 aba do seu navegador. Na Internet, serviços do tipo “leia depois” tem se popularizado, eles contribuem com o monotasking ao permitir que se deixe para mais tarde aquilo que tira a atenção do agora.
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Quando só a urgência é capaz de captar a atenção, é hora de rever se o FOMO ainda é capaz de assustar. Estamos em todos os lugares parcialmente e em nenhum lugar totalmente. Em um tempo de realidades infinitas e possíveis, a onipresença cede espaço para o foco. Em um mundo acostumado a operar em um ritmo inalcançável, é crescente o despertar pela desaceleração. Desconectar para reconectar passa a ser um comportamento aspiracional à medida que o constante recebimento de mensagens, notificações e curtidas é visto como uma interrupção ruidosa. Isolar-se da poluição visual, sonora e de informação é valorizado como forma de se reconectar consigo mesmo e com o mundo ao redor. Quiet Bliss é a ressignificação da pausa e a urgência pela desaceleração do cotidiano, manifestações observadas através de breaks digitais ou na busca por espaços revitalizantes. A quietude tem sido vista não só como medida preventiva, mas também como um recurso para aumentar a produtividade. Mais do que isso, o silêncio passa a ser revalorizado como medida essencial para resgatar o equilíbrio e a criatividade pessoal. O não-registro, a contemplação, o digital-detox e o monotasking entram em cena para propor uma maior presença e contemplação do momento.
ANNA WINTOUR COM SEU FLIP PHONE - REPRODUÇÃO PONTO ELETRÔNICO
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passarelas da não linearidade JULIA OLIVEIRA autor-subversão no sistema da moda cobra de si valores capazer de transformar obetos em sujeito. Efemeridade sempre foi a espinha dorsal do sistema da moda. Tanto é que, nas últimas décadas, o ritmo desenfreado de desfiles e lançamentos foi tão intenso quanto o interesse por seu consumo. O fenômeno do fast fashion é o principal responsável por isso. Nunca antes na história tantas pessoas de diferentes partes do mundo se vestiram da mesma maneira. É uma estética globalizada que confunde os divisores entre diferenciação e identificação. Porém, neste cenário em que a palavra de ordem sempre foi passageira, sinais de desgaste são crescentes. A estratégia da obsolescência planejada, um conceito dos anos 1950, passa a ficar datada e abre espaço para um novo momento na relação das pessoas com o vestir-se. Trata-se de uma subsversão em que a própria moda cobra de si valores como autenticidade individual, memória e consumo durável. O movimento Unfashion propõe que as roupas deixem de ser apenas objetos para se transformarem em sujeitos que constroem com as pessoas uma relação mais emocional. A rua evidência como está desgastada a ideia de que uma tendência de moda vem sempre de cima para baixo — da elite para o popular. Assim como os antigos tutoriais de etiqueta, a seção de “certo e errado” de uma revista de moda não faz mais sentido. Nos últimos anos, a moda tem estado menos engessada por mandamentos das passarelas, enquanto a voz das ruas tem ganhado indiscutível relevância. A mentalidade não-linear típica da contemporaneidade contamina também a moda e implode os padrões tradicionais de referência. A glorificação das fashion weeks como lançadoras absolutas de tendências cai por terra quando todos parecem beber da mesma fonte de inspiração. A rua se torna tão influente quanto a passarela, mudando a ideia de que tendências são unidirecionais e classistas.
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FOTO DE VERSACE CAMPAIN
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Essa dinâmica fica clara no blog “O que o povão usa” que, de modo bem humorado e provocativo, compara roupas usadas no cotidiano de pessoas comuns a looks de passarelas. Quem teria inspirado quem? O idealizador do blog, Douglas Carlos, responde: “Falei como pude da classe C, que sempre foi excluída pelos ultrapassados ditadores da moda.”Clara evidência deste movimento é o fenômeno dos blogs de streetstyle, que explodiram na segunda metade dos anos 2000, permitindo que o #lookdodia de anônimos virasse referência de estilo. Democrático, o formato passou a influenciar uma legião de seguidores. As marcas mais espertas souberam se aproveitar deste movimento, criando parcerias com blogueiras que figuravam em desfiles e até assinavam coleções. Foi o ápice das it girls. Hoje, no entanto, são raras as blogueiras que continuam influentes. Muitas caíram no lugar comum que apresenta um visão parcial e bastante tendenciosa do que é a moda. Algumas transformaram seus blogs em instrumentos de exibicionismo, ostentando roupas distantes da realidade da maioria dos leitores. Nessa dinâmica, o que surge como curiosidade de conhecer novos estilos termina em afastamento. Ou em um ótimo exemplo de humor Smart Trolling. Plataformas como Pinterest e Lookbook ganham força como referência, uma vez que pulverizam as fontes e abrem espaço para o que está fora do radar das grandes publicações. O Tumblr, inclusive, tem convidado seus principais usuários para fazer a cobertura oficial de eventos como a semana de moda de Nova York. São novos olhares em relação à moda, disseminados entre um público desacostumado a consumir as tradicionais revistas do segmento. A cantora M.I.A. criou uma coleção em parceria com a Versus Versace, lançada simultaneamente a seu álbum “Matangi”. Outro de seus mais recentes clipes, Y.A.L.A., também teve ligação com a moda, com styling assinado pela Kenzo. Kanye West se juntou à Adidas para lançar uma linha de roupas masculinas em parceria com a marca parisiense A.P.C. Composta por camisetas, moletons e jeans minimalistas, a coleção esgotou em questão de horas depois de lançada oficialmente no site da marca.
Em fevereiro de 2014, Solange foi diretora artística de uma linha da Puma chamada “Girls Of Blaze Disc Collection”, selecionando estilistas promissores que tivessem cacife para reinventar um ícone da marca, o tênis Disc Blaze. As fontes são outras. É necessário, no entanto, ponderar sobre a apropriação do estilo street. Quando há excesso de produção em um styling inspirado na rua, torna-se difícil comunicar despretensão — característica que geralmente se espera das ruas. O capítulo sucessor dessa história é o surgimento de uma contra-tendência que valoriza o conforto e o minimalismo que o streetstyle nem sempre supre. Normcore e Acting Basic são conceitos derivados da ressaca do excesso, ressignificando o valor das “roupas de ficar em casa”, antes ignoradas e até debochadas pela moda. A abordagem mais honesta e crua da revista Transmission deu margem para que uma sandália Crocs aparecesse em um editorial de moda. Parece piada um dos símbolos de suicídio fashion ser tratado com status de ícone, mas é justamente esse o ponto: perdeu-se o medo de ser considerado fora de moda. Marc Jacobs colocou uma pitada de pé no chão com uma de suas campanhas: o casting foi selecionado pela rede social Instagram. Na temporada italiana de Verão 2013, a Dolce & Gabbana fez um desfile em que homens comuns da Sicília — padeiros, pescadores, motoristas — substituíram organicamente os modelos usuais. A marca tratou o ordinário como raro, reatando laços com suas raízes patrióticas: ser italiano basta para ser lindo. Políticos, executivos e cientistas bem sucedidos foram os protagonistas de uma recente campanha da Louis Vuitton. Modelos podem ter beleza e riqueza, mas os verdadeiros visionários são gênios das ciências e dos negócios, que tem aparência comum e valores que vão muito além do superficial. Quando os recursos parecem estar se esgotando em si mesmos, vale a pena lembrar o conceito básico de que as roupas servem às pessoas, e não o contrário. A ideia de que uma tendência vem sempre de cima para baixo — da elite para o popular — está desgastada. Assim como a sociedade evolui ao passo que acompanha as sinuosidades da rua, a moda também se reinventa seguindo essas novas referências. Hoje, as inspirações transitam fluidas e podem estar em qualquer lugar: o molde é a inexistência de um molde.
A moda segundo iconoclastas. A moda está tão cansada dela mesma que as criações mais interessantes têm partido de artistas que não são originalmente estilistas. São iconoclastas da cultura atual que mantém um forte vínculo com sua própria identidade estética.
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FOTO DE REVISTA TRANSMISSION
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o fim da norma e a pesquisa comportamental EDUARDO BIZ
Fronteira demográfica e econômica: limite territorial do povoamento de uma sociedade nacional, cujas atividades econômicas estão integradas aos núcleos geoeconômicos dessa sociedade.
Quando as fronteiras demográficas não são mais suficientes para classificar um perfil de consumidor, deixa de fazer sentido a classificação por gênero, idade ou renda. Todo o mercado de consumo contemporâneo foi moldado a partir da ideia que compreender o comportamento de um público-alvo seria uma premissa básica (e um dos maiores desafios) para se traçar a estratégia de qualquer marca. Nessa lógica, até pouco tempo atrás, dados demográficos — como idade, classe social e gênero — eram critérios tidos como “suficientes” para tal. A expectativa default de um briefing de pesquisa sempre foi o levantamento de um retrato objetivo: estamos lidando com homens ou mulheres? Crianças ou adultos? Adolescentes ou idosos? Classe A, B ou C? Do que eles gostam e em que acreditam? Marcas e instituições baseiam suas decisões em determinados perfis e se posicionam da maneira que acreditam melhor se comunicar com eles. Dessa forma, direcionam o consumo e estabelecem segmentos generalizados no mercado: quanto mais vasto o leque de pessoas enquadradas pelo alvo estudado, mais efetiva a comunicação do produto. Afinal, no pensamento capitalista, quanto maior a abrangência, maior a possibilidade de venda. Mas o que acontece quando as fronteiras demográficas não são mais suficientes para classificar um perfil de consumidor? Como prever comportamentos de uma geração cada vez mais fluída? Como estabelecer padrões de identidade em pessoas que valorizam acima de tudo a autenticidade?
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FOTO DE REPRODUÇÃO PONTO ELETRÔNICO
Assim, a metodologia mudou e a norma morreu, muitas vezes, a sociedade é lida por meio de estereótipos que se organizam em uma “hierarquia de diferenças”. Tudo aquilo que é “normal”, que se encaixa nos padrões de um esmagador senso comum, tende a se localizar no topo dessa hierarquia ilusória. São preconceitos implícitos no inconsciente coletivo que se fortalecem com a insistência mercadológica em voltar-se aos clichês. Mais do que um absurdo, a construção dessa hierarquia é um desserviço político. Como se operassem em modo automático, as marcas tentam se conectar com lifestyles generalizados e, dessa forma, ignoram o “diferente”, alimentando uma mentalidade que apenas reforça estereótipos. Aprisionadas em categorias que não antecipam e nem representam comportamentos, algumas pessoas são privilegiadas, enquanto outras desaparecem. Para a eficácia de uma metodologia de pesquisa, é preciso enxergar
além da hierarquia do “normal”. A norma morreu e, com isso, deixa de fazer sentido a classificação por gênero, idade ou renda. Quando as maiorias já estão bem representadas, valorizar o que não é a norma significa viabilizar que todas as identidades possam se expressar. Isso cria um impacto social que reduz a discriminação, além de empoderar vozes ainda pouco ouvidas. Cria-se uma noção de que, seja qual era essa norma, ela não opera necessariamente como aspiracional a todos. Mais do que nunca, falar de seres humanos implica em abordar pulsões, sentimentos e peculiaridades. São as jornadas individuais que representam o indivíduo, cujo caráter se constrói pelos aprendizados que ele carrega de cada experiência que viveu — e isso foge de qualquer recorte seco fornecido por etiquetas demográficas. Não há certo ou errado em prestar vestibular aos 60.O status quo ainda persevera, mas na era pós-Internet há livre acesso para pronunciar-se sobre o quão limitado ele pode ser. Hoje, questionamos todos estes conceitos empoeirados: limitar-se pela antiga tríade classe-gênero-idade é insuficiente para explicar o comportamento humano. Daqui pra frente, qualquer projeto de inovação deverá considerar em sua pesquisa as 3 macro-tendências abaixo.
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TRANScenGENDER — a morte do gênero: O binômio homem-mulher se amplia em uma multiplicidade de possibilidades. A cada dia, mais pessoas estão dispostas a empurrar as barreiras pré-estabelecidas cada vez mais longe. TRANScenGENDER é um estudo que busca compreender como estamos evoluindo da normatividade para uma maior liberdade de escolhas. O gênero passou a ser encarado como algo perfomático, em desenvolvimento constante e aberto a transformações e liberdades individuais, ampliando as possibilidades de convivência com as diferenças. Questões de gênero estão na pauta popular e a discussão não tende a decrescer. Mercados que movimentam trilhões estão atentos a isso, ampliando a discussão e influenciando diretamente a maneira como as empresas irão posicionar seus produtos e se comunicar daqui pra frente. YOUTH MODE — a morte da idade: A rapidez das mudanças no comportamento humano torna confuso o conceito de geração e dificulta a estabelecer cortes racionais em uma linha do tempo. Estereótipos de idade não representam o mundo contemporâneo: o conceito de juventude mudou, fazendo emancipar o não-etário. O ser humano nunca viveu tanto. Todos sentem necessidade e vontade de se adaptar às novas maneiras de viver, conectar, relacionar. E isso independe da idade de cada indivíduo.
Mais do que isso, hoje a vida é menos linear do que antigamente. Vivemos em um tempo pós-Internet e todos fazemos parte de uma geração cujo habitat natural é relativamente democrático e horizontal. Navegamos entre dezenas de abas simultâneas. Há espaço e há para todos. Vozes são ouvidas como nunca antes e potencializam a expressão individual, inaugurando novas fases na história da evolução humana. Para uma trajetória individual, não faz sentido preencher protocolo: é menos sobre cronologia e mais sobre estágio de vida. A consequência disso é que a classificação tradicional das pesquisas demográficas não mais permite conectar um comportamento à determinada idade biológica. A subjetividade é maior do que o senso comum, além de que o senso comum nem sempre é o senso melhor. Qual a melhor hora para mudar de profissão? Ter um filho? Sair da casa dos pais? Youth Mode é o entendimento de que comunicar-se com as pessoas só será possível por meio de suas pulsões e seus momentos de vida. Nos próximos anos, o mercado compreenderá que celebrar o ampliamento da capacidade de atingir pessoas é mais interessante do que resmungar sobre tais tempos modernos.
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“ p a r a u m a t raje t ó ria i n d i v idual, não faz s e n t ido pre e nch e r p r ot o co lo : é m e n o s s o b r e cro n o lo gia e m a i s s o bre e st ágio de v ida”
UNCLASSED — a morte da classificação por renda: Parâmetros financeiros deixam de definir decisões de consumo quando as pessoas se percebem protagonistas de suas próprias aspirações. Apropriar-se dos ideias vindos das classes sociais mais altas — como acostumou-se pensar ser aspiracional — pode ir contra os gostos individuais e limitar diferentes estilos de vida. Isso significa que a compreensão dualista entre o topo e a base da pirâmide de classes não basta sozinha para medir as aspirações sociais de uma população. Eis o multiverso social, enormemente influenciado pelo universo da informação em rede. O que antes era uma pirâmide, fez-se um prisma. Qualquer indivíduo não só recebe informação mas também produz e vira referência por isso; influencia qualquer outro. Unclassed é um movimento que problematiza o modelo de pesquisa acostumado a cruzar poder de influência com renda ou classe social. A maneira de analisar influências de comportamento e consumo não segue mais necessariamente o fluxo top-down da pirâmide de renda da sociedade e, por isso, o desafio agora é outro: sair da zona de conforto para ir além da compreensão de segmentos de mercado, faixa de renda ou classe social; é hora de começar a pensar em afinidades e, principalmente, em pessoas. É a mistura de referências que moldará os futuros comportamentos.
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a transição como processo crativo amanda knoll e manuela luz
Amanda Knoll, 22 anos, recém-formada em Design de Moda, aprendiz no mercado de trabalho, atuando na área Curadoria de produtos da Imaginarium. 2017 foi o ano da minha vida. O ano em que um ciclo da minha vida se encerrou e uma nova fase iniciou. O ano da formatura, dos novos desafios, do início da carreira. E que ano! Eu vivi uma mistura de sentimentos, uma linha tênue entre desespero e felicidade. Esse foi o ano em que apresentei minha coleção de moda que marcava o fim da faculdade, aquele momento em que eu tanto sonhava ao longo do curso. Loucura resume esse ano!
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Todo o resultado do meu trabalho - e da minha loucura - foi mostrado ao mundo em um desfile de moda chamado Octa Fashion, e aqueles 3 minutos na passarela se resumiram a um sorriso de nervoso e um suspiro de alívio, além de uma forte sensação de missão cumprida. Naquele momento, foi muito recompensador pensar nos últimos dois anos da faculdade. As dificuldades para encontrar um tema para a coleção, as incansáveis horas desenhando, modelando, costurando, o stress físico e psicológico, isso tudo parecia muito pequeno durante aqueles 3 minutos. Tudo começou em 2016 com a escolha do tema. Meu pontapé para a criação da coleção foi o livro 1984, de George Orwell. Ele foi lançado em 1948 e faz um jogo entre o tempo, criando uma previsão para o ano de 1984. Partindo disso, a coleção se baseou no passado, mais especificamente nas décadas de 1940 e 1980, para prospectar o futuro, trazendo projeções para o ano de 2052. No livro, a dinâmica de tempo entre 1948 e 1984, estabelece um intervalo de 36 anos. O ano de 2052 foi pensado por estar 36 anos à frente do ano em que o tema foi escolhido, 2016. Permeando pelo passado e projetando o futuro, a coleção trabalhou a transição temporal e visava explorar um olhar vanguardista, rompendo com o comum e criando novas perspectivas. Eu sou o tipo de pessoa que tem sérias dificuldades em escolher entre isso ou aquilo, e com o tema da coleção foi exatamente assim! É aí que se encaixa o livro 1984. Eu queria um tema que representasse quem eu sou, que eu pudesse me entregar e sentir prazer em passar horas me debruçando sobre ele. E é por isso que o livro de George Orwell foi uma boa escolha. Ele me permitiu trabalhar com temas opostos que eram do meu interesse: a história, a qual eu podia estudar o passado e entender o espírito do tempo, e a previsão do futuro, que me possibilitou mergulhar sobre o universo das tendências de moda e comportamento. 1984 é um romance distópico do escritor inglês George Orwell e publicado em 1949. O romance é ambientado na "Pista de Pouso Número 1" (anteriormente conhecida como Grã-Bretanha), uma província do superestado da Oceania, em um mundo de guerra perpétua, vigilância governamental onipresente e manipulação pública e histórica. Os habitantes deste superestado são ditados por um regime político totalitário eufemisticamente chamado de "Socialismo Inglês", encurtado para "Ingsoc" na novilíngua, a linguagem inventada pelo governo. O superestado está sob o controle da elite privilegiada do Partido Interno, um partido e um governo que persegue o individualismo e a liberdade de expressão como "crime de pensamento", que é aplicado pela "Polícia do Pensamento"
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“o se n t im e n to de acabar a faculdade e in iciar a v ida pro fiss io nal é u m a m ist u ra de e uforia e medo” Olhando pra trás, você algum dia pensou que chegaria aqui hoje? Eu como (quase) pisciana sou por consequência sonhadora nata. Nos meus momentos mais otimistas, sim, eu me imaginei tendo dias de glória. Mas nada vem fácil, né? Foram muitos dias de luta, dias em que deu vontade de chutar o balde. Logo quando entrei na faculdade de moda, ouvi o quanto seria difícil chegar no mercado de trabalho, notei olhares tortos de familiares. Mas segui andando por esses trilhos, afinal, o curso de moda era o que eu almejava desde a infância, e eu queria fazer acontecer. E aconteceu! Como foi a transição entre essas duas etapas da sua vida (a carreira acadêmica chegando ao fim e a no mercado apenas começando)? Eu mentiria se dissesse que foi fácil. O sentimento de acabar a faculdade e iniciar a vida profissional é uma mistura de euforia e medo, afinal, essa é uma fase de transição onde tudo é muito novo, e é também o momento de colocar em prática o que até então é muito teórico na faculdade. Ao mesmo tempo, essa fase foi para mim um grande sentimento de vitória, me senti 100% realizada no momento em que consegui o meu diploma e minha carteira assinada. O meu objetivo era claro durante a faculdade: me tornar uma profissional completa e preparada para o mercado de trabalho. E essa transição, foi para mim, uma grande realização pessoal. Quais foram as maiores dificuldades que você teve ao longo do processo? O mais difícil para mim foi conciliar trabalho e faculdade. Eu sempre me cobrei muito, e eu queria dar o meu melhor em ambas as coisas. E aí vinha o questionamento, como equilibrar? Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, a pressão do tcc, a vontade de crescer profissionalmente. E eu queria ter o controle de tudo, o que era ainda mais difícil. Queria estar 100% presente em todos os projetos da minha vida, mas pra isso acontecer, precisei abdicar de muita coisa. Abri mão do netflix, das horas de descanso e do tempo só para cuidar de mim, foi um mal necessário (e doloroso).
Como você estruturou a sua coleção e qual a relação dela com a transição que você estava passando na sua vida? 2016 foi o ano em que comecei a pensar na temática que desdobraria a tese de conclusão do curso e a coleção. Naquele momento, eu me encontrava em uma fase um tanto quanto pessimista da vida, que refletia toda uma atmosfera negativa e um ciclo de retrocesso do país. Eu, como boa pisciana por lua e ascendente, me deixei abalar profundamente, e tudo isso influenciou o meu processo criativo. E aí veio a primeira pedra no meio do caminho: eu estava de-ses-pe-ra-da por um tema. Dos meus vários brainstorms, tudo me levada a guerra, revolta, manifesto, e isso não era quem eu queria ser e o que eu queria expressar na minha coleção. Mas esse ponta pé inicial me fez chegar no livro que me fez enxergar tudo de um diferente viés, 1984, de George Orwell. Não erro em dizer que esse é meu livro favorito, e ele apareceu para mim em uma hora mais do que certa e foi aí que todo o quebra-cabeça se encaixou (ufa!) Quais foram suas principais inspirações? Apesar de ser difícil escolher, uma das maiores inspirações foi Yohji Yamamoto. Com forte influência nos anos 80, esse estilista e artista japonês é conhecido por desenvolver uma moda vanguardista, por romper com as fronteiras da época. Seguindo como estética o Japonismo, ele trazia ideias libertárias, sem amarras com tabus e convenções do vestir ocidental, formas arquitetônicas inovadoras, propostas ousadas, utilizando em suas criações novas técnicas e materiais japoneses, tecidos tecnológicos e cortes inovadores. Ele foi uma forte referência para mim durante meu processo criativo! Quais os principais conceitos da sua coleção? LEGACY, como foi nomeada a minha coleção, partiu do conceito de dualidade, a partir da obra 1984, de George Orwell. A coleção faz uma previsão para o futuro explorando o passado, marcando a transição entre esses tempos. É nesse sentido que os contrastes ganharam força: tecnologia e sustentabilidade, vintage e moderno, funcionalidade e estética, sobriedade e luz. A roupa transmite isso através das formas híbridas, assimétricas e amplas. O nome LEGACY representa o legado, herança para posteridade. Resume a herança deixada pelo passado, a qual a coleção busca sentidos e inspirações, e herança que será deixada para o que está por vir, já que a coleção reflete uma previsão para o futuro.
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Como foi seu processo criativo? O meu processo criativo teve início com escolha do tema que desdobraria a coleção, partindo do tema geral definido para o desfile Octa Fashion, Disrupturas. Após definição do conceito principal como dualidade, meu ponta pé inicial foi mergulhar nas pesquisas sobre as décadas de 1940 e 1980. Além de buscar referências visuais, busquei estudar sobre o espírito da época e os significados que a roupa carregava. Posteriormente, me aprofundei nas pesquisas de tendências futuras, estudando moda e comportamento. Nesse momento estudei sobre tecnologias vestíveis, buscando entender como eu poderia aplicar isso na coleção. Todo o processo de pesquisa foi um grande brainstorm de referências, trabalhei de forma bem livre para não frear a criatividade e isso me permitiu explorar novos universos. O sketchbook foi meu maior aliado nesse processo. Ali, eu soltava todas as ideias e referências que surgiam. Tinha um pouco de tudo: poemas, imagens de revistas, desenhos, amostragens de tecidos. A partir dessas pesquisas e melhor definição do tema, selecionei minhas referências imagéticas desdobrando-as na criação de painéis que representavam a essência do tema. Foram desenvolvidos painéis imagético, moodboard, lifestyle, parâmetros de moda e cartela de cores. E foi aí que consegui organizar meu pensamento e clarear as ideias, definindo o público, amarrando o conceito e por consequência, a estética da coleção. Gosto de trabalhar de forma muito experimental, então meu próximo passo foi colocar a mão na massa esboçando desenhos e fazendo testes com tecidos. A partir da inspiração dos painéis imagéticos, criei 100 desenhos, e desses rascunhos, escolhi 20 croquis para olhar com mais calma. Nesses 20, foram feitos testes de cores e pensados tecidos e aviamentos. E foi a partir daí que escolhi os 3 looks que foram desfilados no Octa Fashion. Após a definição do desenho, comecei a materializar a coleção através da modelagem. E claro, esse processo todo foi muito dinâmico. Mesmo após a escolha final dos 3 looks, muita mudança aconteceu na hora de colocar a mão na massa. Na medida em que a modelagem de cada look ficava pronta, era feito o protótipo para ajustar o que era necessário, e então a roupa tomava forma na costura. E foi assim, construindo tijolinho por tijolinho, que nasceu uma coleção!
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Quais os principais aprendizados que essa etapa da sua vida trouxe? Aprendi a fazer algo só por mim, para mim. A minha insegurança sempre me fez questionar a minha capacidade, e essa etapa me fez enxergar o quão capaz eu sou. Tudo foi mérito próprio e tenho orgulho de olhar para minha coleção e dizer: eu que fiz! Aprendi muuuito sobre resiliência, aprendi a ser forte, a saber lidar com as situações adversas, a transformar problemas em soluções. O que você gostaria de saber antes de entrar nessa área? Eu gostaria de ter tido um panorama de expectativas x realidade. É muito natural que um estudante de moda entre na faculdade com percepções bem diferentes (e utópicas) sobre o mercado. E comigo não foi diferente. Entrei achando que tinha muito glamour por trás de tudo. Mas a moda é um trabalho real, árduo e contínuo. Para ser estilista na Chanel ou trabalhar na Vogue, é preciso ralar muuuito! E ralar muito significa significa começar de baixo. Como em qualquer área, para ser um profissional bem sucedido, é primordial ainda mais do que a graduação, é preciso ter prática, repertório, experiência e atitude para correr atrás e se jogar no mundo. Qual foi o melhor conselho que você já recebeu? Minha vó me disse um dia "encare o mundo com curiosidade", e isso significa muito para mim. Eu levo esse conselho pra tudo que faço. Ser curiosa faz de mim persistente, e esse é o combustível para chegar aonde eu quero. Encarar o mundo com curiosidade, é não deixar de explorar o novo. É não se contentar com o pouco, mas também saber ver beleza nas coisas mais simples e corriqueiras. É não deixar de evoluir!
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em fevereiro de 2018, a prada foi e contratou uma influenciadora para uma parceria, que incluía, entre outras ações, um take over de seu Instagram durante o desfile de Inverno 2018 da marca em Milão. Em meio a muitas opções, Lil Miquela (mais de um milhão de seguidores) foi a escolhida para postar fotos suas no cenário do desfile, vestida inteiramente com roupas da nova coleção que ainda seria mostrada. No perfil da marca no Instagram, Miquela fez um tour do lugar com um drone que ela controlava pelo celular. Miquela foi nomeada It Girl do verão pela Vogue e até lançou uma música no Spotify, Not Mine, que viralizou. Ela também usa sua plataforma para chamar atenção para causas como Black Lives Matter e Black Girls Code. Parece o trabalho de uma influenciadora no seu melhor, não fosse apenas um detalhe: Miquela não é real. É virtual. E tudo o que ela faz só mistura mais ainda a linha que separa os mundos real e virtual – é bem nesse ponto onde ela vive. Olhar seus posts no Instagram é de confundir a cabeça, mesmo sabendo que ela foi criada no computador (aparentemente, tem gente que não percebe). Miquela escreve sobre frustrações da vida humana, decepções com empresários e até mesmo com seus criadores, uma turma vinculada a empresa de Los Angeles Brud, que soluciona problemas em robótica e inteligência artificial e faz da vida de Miq (rsrs) um drama de reality show a la Kardashians. E, como boa influenciadora, ela também posta seus publiposts, parcerias com marcas, looks da Off-White e encontros com bffs como @ blawko22, outra das criações da Brud. Tudo isso gera confusão, emoções cruzadas e traz muitas perguntas porque… Miquela não está sozinha. Lembram em 2016 quando Lightning, a heroína de Final Fantasy, apareceu na campanha de Verão 16 da Louis Vuitton? Na época, Nicolas Ghesquière disse que “Lighting é um símbolo de novos processos pictóricos que anunciam uma nova era de expressão”. Neste caso, a LV usou uma personagem de anime, mas parece que Ghesquière antecipou uma tendência. Neste ano, a Fenty Beauty, marca de beleza de Rihanna, repostou uma foto no Instagram de uma nova
o mundo inacreditável e bem real das influenciadoras virtuais CAMILA YAHN
modelo, Shudu, “usando” seus produtos. Shudu é uma criação do fotógrafo britânico Cameron-James Wilson utilisando softwares de inteligência artificial inicialmente usados em games. Na bio de sua conta no Instagram, ela se define como a primeira modelo digital do mundo. Wilson criou Shudu em uma tentativa de recapturar o tipo de beleza de modelos como Alek Wek e Duckie Thot e sua intenção inicial era criar mais uma obra de arte do que uma influenciadora. “Vejo Shudu como uma celebração virtual de lindas mulheres negras”, diz Wilson. Mas assim que ela começou a fazer sucesso e foi crescendo em presença online, ele precisou tirar ela do armário e assumir sua virtualidade. Shudu é agenciada pela The Digiitals, uma agência de modelos virtuais. Sim, isso já existe. Por enquanto você pode bookar apenas mulheres (Shudu, Brenn, Riza e Bex) e criaturas (Galaxia), mas as categorias Men e Development logo estarão disponíveis. As influenciadoras virtuais estão fazendo dinheiro usando seus milhares ou milhões de seguidores e também recebem presentes e têm contratos. O Instagram de Shudu, por exemplo, já se provou ser uma plataforma bem lucrativa para marcas alcançarem novos mercados.
SHUDU / REPRODUÇÃO INSTAGRAM @SHUDU.GRAM
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Elas parecem mais controláveis do que influenciadores reais. Quando uma marca se associa a uma pessoa famosa, seja ela estrela da internet, do cinema ou do esporte, há um risco envolvido já que não podemos prever alguns comportamentos. Celebridades digitais como Logan Paul e Julio Cocielo são apenas alguns exemplos de como as coisas podem dar bem errado. Ambos levaram as marcas a repensar suas estratégias e, claro cancelar os contratos polpudos com eles. Isso não acontece no caso das meninas virtuais. Parece um bom negócio e, quem sabe, o futuro disso será as marcas criarem seus próprios influenciadores. Mas claro, tudo tem os dois lados e há alguns pontos que precisam ser observados: levamos décadas para que um mínimo de diversidade passasse a fazer parte da imagem de moda. Muito esforço, trabalho, ativismo, reclamação e boicote foi necessário para que belezas fora do padrão inatingível de revistas e desfiles começassem a surgir. Essas influenciadoras virtuais são absolutamente perfeitas – seus criadores não levaram em conta o momento atual e as construíram em cima de suas próprias fantasias – Cameron-James Wilson, criador de Shudun, foi massacrado online quando a notícia de que ela não era uma mulher de verdade veio à tona. Entre as reclamações estão o fato de que ela é uma mulher negra criada por um homem branco, uma pessoa virtual contratada no lugar de uma modelo negra real e a questão de que quem lucra é seu criador. “Um fotógrafo branco descobriu uma maneira de lucrar com as mulheres negras sem nunca ter que pagar uma”, diz um dos muitos tuítes de revolta.
MIQUELA / REPRODUÇÃO INSTAGRAM @LILMIQUELA
Essas meninas existem e fazem sucesso não apenas por causa da tecnologia, mas também porque a superficialidade das redes sociais fertilizou o terreno antes. Um artigo na Dazed resume bem esse fenômeno. As redes sociais e os influenciadores que mostram suas vidas nas plataformas, “são uma fonte de conteúdo altamente artificial mascarada como uma documentação da realidade”, escreve Emma Hope Allwood. Um dos fãs de Miquela, quando questionado sobre o fato dela não ser real, questiona: “Mas na realidade, não seriam todos influenciadores digitais? Você apenas sabe que ele existe porque eles existem na plataforma digital, seja ela Instagram, You Tube ou Twitter”. Um exemplo é a foto de street style da pessoa andando na rua com cara de quem sem sabe que está sendo fotografada. A imagem postada é resultado de várias andadas de um lado ao outro até o fotógrafo captar o momento perfeito – sem os filtros ou apps que suavizam imperfeições. “Como cultura, nós nos acostumamos a – e até mesmo a preferir – a versão editada das coisas. Anúncios de moda altamente produzidos, encenados e retocados são mais sobre representar uma fantasia do que representar a vida real, mas as mídias sociais transformam a vida real na fantasia”, continua a autora. O que é fantasia e o que é real? Uma foto da dupla Mert & Marcus tem tanto photoshop que faz a modelo parecer uma boneca – a internet está cheia de “antes e depois” de fotos de celebridades e modelos. Enquanto as criações virtuais são cada vez mais convincentes e eficientes, especialistas advertem que a distinção entre o que é real e o que é fake será cada vez mais difícil de discernir. Segundo Justin Rezvani, fundador da TheAmplify, agência de marketing que conecta marcas a influenciadores, a era do influenciador apenas começou e será continuada em espaços virtuais. Rezvani está na lista dos 30 visionários com menos de 30 anos na revista Forbes e disse à BBC: “Nós teremos AIs que são influenciadores com uma tonelada de seguidores que também não são pessoas reais”. Seja lá o que nos reserva o futuro, é melhor a gente ir se preparando.
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no brand: a transição de marcas que nascem sem logo e marketing CAMILA YAHN
Temos visto o quanto tem se falado hoje em logomania de novo de uns tempos para cá. Mas a tendência que foi um dos grandes hypes do final dos anos 80 e parte dos 90, acabava por encontrar seu oposto, o das marcas que criavam sua comunicação aplicando o design gráfico de forma minimalista e inteligente. Logos sempre foram trabalhados como ferramenta de marketing, uma maneira de chamar a atenção, causar reconhecimento e conectar sua marca à palavras chave como qualidade. Assim, se você usava e gostava de um produto da marca X, da próxima vez era só ir direto atrás do logo que era seu porto seguro e sinônimo de que estava gastando bem seu dinheiro. E assim foi a vida toda para comprar cosméticos, roupas, tênis, sabão em pó, shampoo para bebê… Quem tinha mais verba, anunciava mais e abocanhava fatias maiores do mercado. Lembro quando lojas da japonesa Muji começaram a aparecer em pontos comerciais de cidades como Londres. Era um respiro entrar naquele mundo brandless, minimalista, transparente e com bons preços. E ainda assim, tudo parecia ter qualidade, nada parecia barato ou ruim.Pois um movimento parecido está ganhando cada vez mais força, o das marcas sem logo, mas com ética e qualidade inegáveis. Uma delas é a The Unbranded Brand, grife de jeans lançada por Brandon Syarc, veterano do segmento (ele lançou a Naked & Famous). Sua nova empreitada é comunicada assim: “jeans with no branding, no washes, no embroidery, no ad campaigns and no celebrities”. Não tem nem a etiqueta com o nome (ou o não nome). Quer dizer, tem a etiqueta, mas ela é um patch de couro liso, sem nada. Outra iniciativa é o e-commerce Brandless, que vende produtos de toda ordem (papelaria, beleza, cozinha e até alimentos) sem comunicação via logomarca e com atenção à produção – sua linha de beleza, por exemplo, é livre de 400 ingredientes que prejudicam a saúde, como parabenos, polipropilenos e sulfatos. Uma informação importante: todos os produtos estão à venda por apenas 3 dólares (e não se trata de trabalho escravo). Em uma entrevista ao site The Fashion Law, a empresa diz que consegue oferecer preços baixos porque conseguiu abolir o BrandTax™, “os custos escondidos” que você paga por uma marca nacional. “Nós fomos treinados a acreditar que esses custos aumentam a qualidade, mas raramente é o caso. Estimamos que um consumidor comum paga pelo menos 40% a mais para
produtos de qualidade similar a nossa. E às vezes 370% a mais para produtos de beleza como creme para o rosto”. 370% é realmente um número que chama atenção. Portanto, está implícita nessa nova geração de marcas uma consciência em relação ao que você gasta para operar uma empresa da maneira antiga. De acordo com a The Unbranded Brand, sem campanhas ou outros esforços de marketing, o consumidor paga apenas pelo produto – no caso deles, um calça jeans sai por entre $82 e $118 (em comparação, uma calça da Acne pode custar até mais de US$ 300). “A diferença entre um jeans que custa US$ 250 e um que custa US$ 80 é o hype – aka custos de marketing”, diz Svarc. O que ele fez foi eliminar tudo o que era desnecessário e focar em bom caimento, construção sólida e um jeans de ótima qualidade. “Enquanto outras empresas tentam criar uma imagem através de campanhas publicitárias super caras ou pagando celebridades, nós fazemos o oposto. Achamos uma besteira jeans que são muito caros ou muito hypados. É por isso que decidimos focar nos essenciais. Ao eliminar o que não é necessário, podemos oferecer um produto melhor por um preço melhor”, diz a marca em seu site. Essa é uma tendência é crescente no mercado e está alinhada com o interesse do consumidor atual em pagar menos por produtos de marca. Hoje, com o acesso não só à informação, mas também ferramentas de criação e sites, plataformas, e-commerces e claro, redes sociais, fica mais fácil de fazer, vender, comunicar e comprar (ainda com a ajuda dos reviews de quem já usou). Outra marca nos Estados Unidos que está indo por esse caminho, é a Glossier, da blogueira-empresária Emily Weiss, fundadora do blog Into the Gloss. Sua grife de beleza estourou e tem crescido a passos largos desde que foi lançada em 2014. Weiss trabalha com o logo
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de diversas formas, mas alguns produtos não têm logo algum, apenas uma super elaborada direção de arte que acende sob nossos olhos – as embalagens da linha Cloud Paint, com design minimalista e apenas a cor do balm na tampa. Aqui no Brasil, marcas pequenas como a Nu Cosméticos, vendem produtos naturais e artesanais e aplica os ingredientes dos produtos na própria embalagem em vez de um logo. Esses são apenas alguns exemplos que evidenciam uma nova maneira de se relacionar com as marcas, bastante focada em transparência. Se antes, o quanto mais caro o produto, melhor ele seria – na nossa convicção antiga – hoje, ao menos em alguns casos, essa premissa cai por água abaixo. Não se discute a qualidade e o valor de muitas empresas que investem no marketing tradicional. O que muda agora é que há opções de qualidade a preços mais acessíveis e que se comunicam através de valores essenciais, valores que por sua vez, atingem os novos consumidores, uma geração mais informada e com maior poder de escolha. Além disso, ainda pode ser citado o brandless, a tendência que aproxima as marcas de beleza do consumidor, “A indústria da beleza foi construída em cima da venda de um conto de fadas aos consumidores. Um estilo de vida que eles não podem ter e anúncios em que as modelos são lindas de um jeito que jamais seriam”. Quem faz essa afirmação é Marcia Kilgore, fundadora da marca Beauty Pie. Marcia também está inserida no negócio dos cosméticos, porém de uma forma que tem ganhado cada vez mais adeptos: as marcas “brandless”, que têm uma comunicação muito mais direta e transparente com o consumidor. Sempre foi regra e tradição na indústria que, para uma marca ter sucesso, ela precisa ter sua personalidade bem definida, seja através da estética da embalagem ou das lojas, seja pelas estrelas que estão
“esses são apenas alguns exemplos que evidenciam uma nova maneira de se relacionar com as marcas, bastante focada em transparência. Se antes, o quanto mais caro o produto, melhor ele seria – na nossa convicção antiga – hoje, ao menos em alguns casos, essa premissa cai por água abaixo. Não se pode discutir a qualidade e o valor de muitas empresas que investem no marketing tradicional”
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em suas campanhas ou pelos anúncios nas principais revistas do mundo, gastando milhões de marketing e branding para que sua marca seja reconhecida. Abertura de lojas, expansão global de pontos de venda e contratação de celebridades fazem parte do pacote. Mas de uns anos para cá, novas marcas têm aparecido e questionado esse modelo de negócio. Seu foco é outro: comunicação transparente em relação aos ingredientes e sua eficácia e preço justo. Vale conhecer a super premiada The Ordinary, com produtos levam o nome dos ingredientes que carregam, como Retinol. “Se o consumidor pesquisa retinol no Google, nós aparecemos muito bem porque eles estão buscando o nome do meu produto em vez de algo como elixir milagroso, por exemplo”, diz ao site Fashionista Nicola Kilner, CEO da Deciem, empresa por trás da The Ordinary. Seu slogan é “fórmulas clínicas com integridade”. Esses ingredientes que já são estabelecidos também custam bem mais baratos. Nicola faz uma boa comparação: “Se você vai à uma farmácia e encontra uma aspirina de R$ 5 e outra de R$ 500, você não vai fazer a loucura de gastar R$ 500 se sabe que a mais barata vai acabar com sua dor de cabeça. Não há nada de errado em ser barato”. Cortando os excessos que normalmente são direcionados ao branding e ao marketing, marcas como a Ordinary e a Beauty Pie conseguem oferecer um ótimo custo benefício. A Beauty Pie tem um sistema que funciona assim: as pessoas pagam US$ 10 por mês e têm acesso aos produtos sem markup, direto da fábrica. “As pessoas estão prontas para experiências novas. Essa coisa de conto de fadas virou um tédio”, diz Kilgore. O preço é um pilar importante deste movimento: os clientes não têm medo de arriscar ao comprar algo novo pelo fato de não estar pagando uma fortuna no produto. Aqui no Brasil, esse movimento aparece em empresas pequenas e artesanais, que estão ficando cada vez mais melhores e profissionais. Marcas como Sal do Beija Flor, Simple Organic e Nu Cosmetics trabalham com a mesma transparência e suas embalagens são clean, destacando o próprio produto e não o sonho que ele vende. Cremes, esfoliantes, loções, shampoos e óleos falam por si. O fato de não haver branding – ao menos o branding ao qual estamos acostumados – acaba sendo um atributo.
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uma reflexão sobre futuro e transição LARISSA ROVIEZZO
“agora Estamos diante de um novo ciclo, de um novo momento, de um novo mundo. Mudanças disruptivas, processos inovadores, tudo se transforma. Ficar parado achando que o mundo vai ser o que foi, não vai acontecer”, Paulo Borges.Inspirada pelas palavras de Paulo Borges ao descrever a 43ª edição do SPFW, achei pertinente fazer uma reflexão sobre futuro, moda e sustentabilidade, porque afinal de contas essas três palavras caminham juntas para transformar a indústria de acordo com as diversas mudanças que vemos hoje em dia. Da mesma maneira que existe um movimento para evidenciar o valor do artesanato e dos maravilhosos artesãos, que para mim são os grandes guardiões da cultura, existe também uma onda tecnológica com as técnicas 3D, os wearables e toda essa inovação criativa assumindo novos papeis, reinventando e agregando funções na indústria da moda. Isso exclui um ao outro? Não! Movimentos de consumo consciente e “slow” estão cada vez mais fortes, fazendo as pessoas reverem seus atos, serem menos impulsivas e reavaliarem as conseqüências de suas ações. Ao mesmo tempo, chegamos no auge da velocidade do acesso e disponibilidade. Um exemplo disso é a nova onda do “see now buy now”, em que é possível comprar o que acaba de ser mostrado na passarela. E será que dá para lutar contra? Existe uma verdade absoluta? Não! Reeducar os consumidores é fundamental e, ao mesmo tempo, o maior desafio. O fato é que a nossa economia é baseada no consumo, e se o consumismo está mesmo com os dias contados, surgirá uma nova estrutura social. Porém, é ele que movimenta nossas vidas, nos dá trabalho e dinheiro para sobreviver. A ideia de economia circular com certeza é nossa grande promessa, e merece um texto para refletirmos a respeito. Mas a grande questão aqui é esse processo de transição que
estamos enfrentando e que carrega a beleza das oportunidades. Isso Paulo definiu bem no vídeo: “impactos, com novos pactos (…) fazer o futuro agora”. A verdade é que a indústria do vestuário é a segunda que mais polui, ficando atrás apenas da indústria do petróleo. Representamos 10% das emissões globais de carbono, mais de 90% do algodão é geneticamente modificado, usamos globalmente 24% de todos os inseticidas e 11% de todos os pesticidas, afetando o solo e a água. Entre 17% e 20% da poluição industrial da água vêm do tingimento e tratamento têxtil, que têm seus resíduos despejados em fontes de água doce. O que vale frisar também é que não apenas a produção de matéria-prima é poluente, mas também a lavagem e o cuidado do consumidor com as peças influenciam no meio ambiente. Um vídeo da National Geographic ilustra bem o tópico. Globalmente, estima-se que cerca de 70 milhões de barris de petróleo são usados todos os anos para fazer fibra de poliéster, e que a mesma demora mais de 200 anos para se decompor (a verdade é que não sabemos ainda como funciona essa decomposição!). Já vimos que a indústria da moda é o segundo maior poluidor de recursos de água doce do planeta, e os micro plásticos que saem das roupas
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FOTO REPRODUZIDA OSKLEN SPFW
reotipo “green” ou ecologicamente correto. A ética e moral já não são um detalhe escondido na maneira de fazermos negócios e cada vez mais a transparência se faz necessária. “Quem fez minha roupa” (Fashion Revolution), onde, quando, como,… enfim, são perguntas e campanhas em prol da transparência, da honestidade e da consciência que não dá para ignorar. Humanização! Somos uma indústria feita por pessoas e para pessoas. Qual o valor do trabalho humano? A moda é o palco para criatividade, inovações, expressa sentimento e identidade, fascina, é arte, agrega, gera emprego. Não apenas influencia consumidores, mas também tem força econômica de um setor que pode sim, reavaliar e buscar soluções inteligentes. Esse texto é para lembrarmos que não só os tempos estão mudando, mas os valores também. “Ficar parado achando que o mundo vai ser o que foi, não vai acontecer”, como definiu Paulo. sintéticas, geralmente quando lavamos, é um dos principais problemas encontrado nos litorais, ameaçando a vida marinha e, obviamente, interferindo na nossa cadeia alimentar. Isso tudo sem mencionar a indústria do couro e os números absurdos de descarte de roupa em aterros. Com todo esse impacto, temos muitas oportunidades e necessidades pela frente. A reciclagem de fibra têxtil está em processo de desenvolvimento, e os resultados estão começando a aparecer na nossa indústria. Mas a verdade é que além da qualidade da fibra de algodão reciclado, por exemplo, ser baixa, ainda não há solução para reciclagem de tecidos mesclados. Em vez de observar passivamente, será que não podemos criar soluções? Afinal de contas, como Paulo disse, “somos uma economia criativa… ela é compartilhada e de afetos. São esses novos afetos, essas novas ideias, esse novo momento que pede coragem, que pede força, que pede um avanço de processo”. Investimentos em tecnologia têxtil, diminuição no impacto de energia e recursos naturais, novas estratégias de desenvolvimento de produto e novas maneiras de fazer negócios são algumas das oportunidades. Agora, cabe a nós designers, consumidores e profissionais do ramo, discutirmos a respeito com pró-atividade. A verdade é que num futuro nem tão distante assim, empresas não lucrarão se não olharem para as pessoas e para o planeta. Esses três princípios – lucro, pessoas e planeta -, terão o mesmo peso na balança. Talvez o discurso sustentável carregue um certo peso muitas vezes pela cobrança, pela “prestação de contas” e abordagem de novas praticas que o conceito propõe, mas vamos tá na hora de entender melhor esse conceito e ir além do este-
A moda e a sua constante busca pela natureza e o silêncio: Fatos de uma experiência pessoal: quando deixei São Paulo para viver na praia, senti uma mudança repentina. Não no movimento em si, o de me adaptar – e à minha família – a um novo ambiente (escola, fazer novos amigos, outro ritmo, etc), mas na rápida transformação de mentalidade que se deu pouquíssimo tempo após me instalar em Ilhabela. O movimento que essa mudança causou (ainda causando) dentro de mim. Quando você está em um ambiente de natureza abundante e linda, a vida ganha outros contornos, muito mais poéticos. Por exemplo, qualquer caminho que eu faço, seja para levar na escola, supermercado, banco, reunião, ele é sempre de frente pro mar. Vemos a manhã surgir e a tarde cair. Quando a lua está cheia, sua luz dá contornos deslumbrantes às montanhas na frente de casa. Você dormir e acordar cercado por beleza tem um impacto enorme em como você lida com a vida. Tudo muda, algumas coisas que eu já sabia serem velhas tornam-se somente…. coisas velhas, pois deixam totalmente de fazer sentido. No lugar, entram ideias arejadas, sem vícios, novos valores e um outro olhar para a vida. Com muito mais energia
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e discernimento. É como se a gente acordasse. É assim, acordada, desperta, que estou me sentindo. Tenho certeza de que essas palavras irão ecoar em muitos de vocês lendo esse texto. Cada vez mais, um número maior de pessoas tem feito essa escolha. Não me surpreende então que a moda esteja acordada para isso e buscando traduzir essa experiência de alguma maneira em suas roupas ou desfiles. Usar a natureza e o silêncio para tentar, mesmo que momentaneamente, oferecer um espaço de contemplação no tempo presente. O desfile da À La Garçonne aconteceu na Biblioteca Mario de Andrade. Os modelos caminharam no silêncio total e foi uma experiência rica em muitos sentidos. O que cabe aqui é que em um momento em que os desfiles viraram shows instagramáveis, com luz, cenários, celulares em punho, desfilar no silêncio em um ambiente que impõe essa necessidade (afinal, era uma livraria), nos libera para prestar atenção no que realmente importa: as roupas. Como elas se movimentam, o barulho dos tecidos, do sapato tocando o chão. É outra experiência. Normalmente, o que tem acontecido ao final dos desfiles é que quando o estilista entra para agradecer, ninguém mais bate palma porque todos estão fotografando cada segundo com o celular, ou seja, assistindo ao desfile através da tela. As poucas palmas que sobram são normalmente cobertas pela música. Aqui, todos pareciam conectados ao agora, em silêncio, sem poder conversar, sem desfocar. Não tinha outra coisa acontecendo para desviar sua atenção. O silêncio permite que o cérebro dê sentido à informação. Se em outras estações a Chanel criava cenários como supermercados ou data centers, nesta última temporada eles criaram um grande bosque, em execução impecável com direito até a névoa que desce pelas árvores nos dias frios. Imediatamente, o público sente o clima de introspecção, de calma e acolhimento. Um estilista que trabalha muito bem com isso é o belga Dries Van Noten. Quem acompanha seu trabalho, é familiar com seu envolvimento com a natureza. Os 55 acres que cercam sua casa foram planejados para que uma parte do terreno esteja sempre florescendo enquanto a outra está morrendo. Um lado encerra seu ciclo, o outra inicia. São desses jardins que vêm sua inspiração, onde ele encontra os motivos florais e os tons que reconhecemos em suas roupas. Seu próprio jardim é a origem de seu processo criativo – e que
FOTO REPRODUZIDA DESFILE CHANEL
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“os períodos transcorridos na calmaria da natureza, permitem que a massa cinzenta – quase sempre fervilhante – experimente o sossego, em contraste a estados de esforço mental constante” nunca se repete. Seu maior talento é saber olhar para as flores e as cores, criando um rico vocabulário de tons que acabaram virando sua marca registrada e são imediatamente associados a ele. As cenografias dos desfiles também têm um papel importante nessa comunicação. No Verão 15 ele chamou a artista argentina Alexandra Kehayoglou para fazer um carpete verde na passarela onde as modelos se deitavam depois de desfilar. Descanso, ócio, contemplação em meio ao tumulto de uma semana de moda. No Verão 17, Dries convidou um dos mais incríveis floristas do mundo, Azuma Makoto, para reproduzir sua série Iced Flowers, enormes cubos de gelo com flores dentro. Apenas com o passar do tempo, é possível notar as modificações da escultura com o derretimento do gelo e os micro movimentos que geram nas flores. No fim, a gente não apenas gosta do trabalho do estilista pelas roupas, mas também porque queremos estar mais perto da pessoa que fecha os olhos e consegue ver tanta beleza. O tema da principal exposição do V&A, em Londres, Fashioned from Nature, é justamente a relação entre moda e natureza e como os estilistas se baseiam nela para criar. Nesta temporada de Inverno 2019, a estampa floral apareceu como uma das principais tendências – normalmente os florais são muito comuns nas coleções de verão. De novo, as flores imediatamente te transportam – ou o seu cérebro – para outros lugares, provocam outras sensações. Num período em que o presidente dos Estados Unidos insiste em dizer que não existe aquecimento global e a extrema direita tem ameaçado a democracia e os direitos humanos em tantos países, as flores surgem como uma mensagem de otimismo, alegria e delicadeza, sentimentos que estão em falta no dia a dia do mundo.
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Segundo a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora da UFRJ, “os períodos transcorridos na calmaria da natureza, permitem que a massa cinzenta – quase sempre fervilhante – experimente o sossego, em contraste a estados de esforço mental constante”, que é como a gente vive. É por isso que tanta gente se refaz do desgaste cotidiano em meio à natureza. Somente lá existe o encontro com o silêncio, com a essência, com a verdade, a possibilidade de limpar o nosso filtro pelo qual enxergamos o mundo. Lao Tzu, filósofo da Antiga China e fundador do taoismo, teria dito há mais de 2 mil anos: o silêncio é uma grande fonte de força. Mas a gente logo desaprendeu – se que é um dia aprendeu – e hoje vivemos no ápice do barulho, da confusão, das informações cada vez mais velozes e cruzadas, perto e à disposição de tudo e todos a um clique de distância – do celular, do relógio, do computador – buscando saber sobre tudo antes, rastreando as incertezas, tentando achar o melhor caminho para chegar mais rápido, esgotando nossas energias e nossa capacidade de reflexão e de entendimento verdadeiro sobre o que estamos vendo, lendo e ouvindo. O filme Me Chame Pelo Seu Nome, como bem me lembrou meu amigo Jackson Araujo, fala exatamente sobre essa relação tempo – natureza. “Do tempo que sem saber, passaria tão rápido, deixando marcas indeléveis em nossas memórias, que andam tão apagadas nesses tempos de hiperconexão, redes sociais, aplicativos e afins”, ele escreveu em um post no Medium. “Do tempo em que viver o presente sem ter a certeza do depois era uma condição a ser vivida na pele do aqui e agora”. Estar mais conectado com a vida em si em vez de querer controlar cada segundo dela, dar tempo ao tempo e entender um ritmo que vem de um aspecto muito mais amplo e que não gira em torno do nosso umbigo, significa estar disposto a uma vida de incertezas, pequenas e grandes. Como gratificação, ganhamos o poder de não renunciar ao que é belo.
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Muitas vezes, o bom gosto determina a forma como as marcas se comunicam com o público — entretanto, hoje vemos a ascensão de uma nova tendência visual, que dá importância à subversão do que é considerado aceitável. As marcas e a comunicação contemporâneas são moldadas pela autenticidade. As análises meticulosas sobre cultura contemporânea e herança de marca estão por toda parte, se é que já não atingiram o esgotamento. Tem-se a impressão de que o universo da comunicação de marca é constituído apenas por monólogos intermináveis e repletos de referências sobre legado, herança, autenticidade e ofício. Porém, a geração atual de consumidores não é do tipo que acredita em tudo de olhos fechados. Muito pelo contrário, ela é conhecida por não deixar nada passar sem questionamento. Assim, hoje em dia, quem aposta todas as fichas na autenticidade demonstra uma atitude um tanto quanto preguiçosa e previsível. Por outro lado, uma nova narrativa visual anárquica e jocosa vem sendo construída em resposta ao esgotamento da “autenticidade”. Embora grande parte das estratégias das marcas hoje se paute no que é e não é aceitável dizer ou retratar, essa nova narrativa desafia e brinca com essas noções de gosto e aceitabilidade. Em um cenário dominado pela seriedade e pela autoridade, um novo conjunto de marcas e materiais publicitários está se rebelando e desafiando as regras do setor ao introduzir novas imagens e conteúdo que testam os nossos limites de gosto. Um novo conceito de baixa cultura. A cultura highbrow e high-end é exclusivista: os mundos do luxo e do prestígio foram tradicionalmente regidos por ideias do que eles podem ou não abarcar. Os símbolos e produtos para consumo
subvertendo transitanto aos gostos ANNA BURZLAFF
das massas e da classe trabalhadora ficaram de fora por serem considerados vulgares, inferiores e cafonas. No entanto, o elitismo e a ênfase que as marcas de luxo faziam questão de dar à alta cultura não têm mais relevância para uma nova geração de consumidores que está recontextualizando símbolos convencionais de riqueza, prestígio e inteligência antes considerado sagrados. “A vulgaridade e o mau gosto são a transgressão das normas sociais em sua essência. Ser vulgar é quebrar as regras.” — Sean Monahan, especialista em tendências e fundador da agência K-Hole. Na nova estética do mau gosto, as fronteiras entre alta e baixa cultura são mais fluidas, quiçá totalmente irrelevantes. Sob a batuta do diretor criativo Alessandro Michele, a Gucci tem se mostrado particularmente habilidosa em mesclar referências de alta e baixa cultura. Sua última campanha com memes pegou um meio de comunicação tradicionalmente associado ao universo de plataformas clickbaits, como o LADbible, e dos subtópicos de discussão do fórum Reddit, e o inseriu no contexto de uma marca de luxo italiana. Em seu vídeo da campanha Outono/ Inverno 2017, lançado recentemente, a marca também brincou com ícones da cultura popular. As cenas de alienígenas usando óculos Gucci encravados de brilhantes, monstros marinhos, um gato gigante e um dinossauro parecem despropositadas em sua representação do mundo cafona e lo-fi da ficção científica típica de meados do século passado.
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É claro que boa parte dessa transgressão nada mais é que as marcas competindo entre si. Misturar a cultura erudita com a cultura popular é uma prática artística que remonta a década de 1950, quando Andy Warhol se apropriava do que havia de mundano nos objetos domésticos e dos recortes de anúncios de tabloides para criar lembretes fortes sobre a avassaladora cultura do consumo. Recentemente, a Toiletpaper, uma revista semestral com forte pegada imagética, criada por Maurizio Cattelan e Pierpaolo Ferrari, desenvolveu um repertório de trabalho com fotografias que combinam um alto valor de produção comercial com narrativas ambíguas e itens comerciais comuns. O conteúdo traz imagens chamativas, brutas e incompatíveis, por vezes dispostas em um cenário um tanto quanto perturbador. A revista lançou há pouco tempo uma loja online onde os visitantes podem comprar itens exclusivos de design de interiores, como um tapete circular estampado com a imagem de um gato imerso em um mar de pílulas. Outro bom exemplo é o último vídeo de Christopher Shannon, criado para promover sua “Merchandise Collection” em janeiro, uma coleção que mistura símbolos da alta moda e elementos comerciais populares, como um suéter e uma sacola estampada com imagens modificadas de logotipos de bebidas famosas. O vídeo de curta duração segue uma estética nostálgica, que lembra os antigos canais de vendas de TV, ou seja, um meio que engloba o ápice do materialismo e da moda de consumo de massa. Assim como o exemplo da Gucci, o vídeo-paródia de Shannon brinca com o conceito de esferas exclusivas de cultura, embaralhando e subvertendo as referências de “cafona” e “comum” para desafiar, envolver e surpreender seu público.
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A subversão do belo: Em entrevista para a W Magazine ano passado, Demna Gvasalia, a mente brilhante por trás da Vetements, explicou o conceito dessa badalada marca. Para Gvasalia, a Vetements não vem para rebater o universo da moda de luxo com uma teoria intelectual inédita e contestadora. Em vez disso, a sacada de sua marca está em admitir que não existe nenhuma ideia genial por trás de sua proposta. “É feio e nós gostamos do que fazemos justamente por isso”, admite Gvasalia. Como bem explica o designer, o gosto tem muito mais a ver com os valores estéticos associados ao belo do que com a consciência intelectual e o discernimento elitizado da alta cultura. “É quase como se precisássemos dessa estética bruta, grosseira e ligeiramente feia para romper com o mundo normcore, millenial-cor-de-rosa que criamos para nós mesmos.” — Joanna Tulej, diretora de arte e especialista em tendências visuais. Seguindo essa filosofia, novos agentes criativos estão surgindo, jogando o conceito de belo pela janela sem nem ao menos pedir a nossa opinião. O trabalho da maquiadora Isamaya Ffrench exemplifica perfeitamente essa revolução. Trabalhando atualmente como consultora artística criativa da Tom Ford Beauty, ela discorda completamente da ideia de que a maquiagem serve para nos deixar “bonitos e bonitas”. Ao contrário, Ffrench tece uma narrativa em seu trabalho que, muitas vezes, vai de encontro à essência do que é considerado tradicionalmente belo. As campanhas anteriores da Camper, por exemplo, trazem visuais diversos criados por Ffrench, como a cabeça de uma pessoa coberta com fita crepe, uma imagem sem olhos, como se feita em papel machê; ou seja, algo desconcertante e totalmente inesperado para uma marca associada com calçados resistentes e ortopédicos. A Camper é uma marca que se mostra claramente à vontade para subverter sua estética. Em uma campanha lançada em agosto, pensada junto com o artista multidisciplinar Dom Sebastian, os calçados da marca apareciam mergulhados em uma substância pegajosa colorida sobre um cenário azul claro. O artista afirma que procurou criar um plano estético como “uma atmosfera de outro mundo, beirando a ficção científica”. Segundo Joanna Tulej, diretora de arte e especialista em tendências visuais, o trabalho da Camper resulta de um desejo de aproveitar essa “estética bruta, grosseira e ligeiramente feia para romper com o mundo normcore, millenial-cor-de-rosa que criamos para nós mesmos”. O cenógrafo e artista Gary Card sem dúvidas é uma das pessoas que fez essa ruptura. Em seu recente projeto pessoal, Happy Breakfast, uma zine de 22 páginas repletas de imagens coloridas e chamativas retratando monstros, ele se libertou das amarras das ideias inquestionáveis que rodeiam a noção de gosto. Conforme ele mesmo explicou para a Dazed em julho, o projeto era sobre ser infantil: “Por muitos anos, eu resisti trabalhar com temas infantis para buscar uma estética mais “adulta”. Happy Breakfast sou eu dando ouvidos a esse meu instinto infantil, passando por cima do que é considerado ‘de bom gosto’! ”.
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FOTO REPRODUZIDA CAMPANHA GUCCI
A campanha The Hans Brinker Budget Hotel também brinca com as noções de gosto. Criada pela agência de Amsterdã KesselsKramer, as imagens da campanha mostram cômodos repletos de percevejos, camas sujas e um quarto intitulado “museu da tortura”, em uma grande gozação com a fama do hotel ser o pior do mundo. “Essa foi a campanha mais feia que eu fiz, porém perfeita em transmitir a mensagem que queríamos”, afirma o diretor de arte da KesselsKramer, Gijs van den Berg ao explicar essa antiga campanha do hotel. “Acredito que é bom encarar os próprios limites e às vezes se sentir desconfortável com o que a gente cria, porque podemos acabar surpreendendo alguém com isso. No entanto, sempre temos que trabalhar em prol do que a marca quer comunicar”. Um ataque aos sentidos: O mau gosto choca as pessoas. Ele pega imagens e conteúdo grosseiros e contraditórios para provocar indignação e resistência do público. E ele é mais eficaz quando ofende a sensibilidade e as ideias pré-concebidas sobre o que um tipo de conteúdo deve ou não deve ser. Entretanto, o consumo de imagens e informações mudou com a revolução tecnológica. “A forma como a gente consome elementos imagéticos é totalmente diferente. A maioria das coisas que vemos hoje está na internet. Tudo é mais saturado. Eu diria que hoje as marcas têm uma necessidade de que seu conteúdo seja altamente viralizável ou compartilhável”, explica Sebastian.
“O mau gosto está sendo adotado pelas marcas até certo ponto, porque elas ainda estão cautelosas, certificando-se de que tudo ainda siga aquele olhar antigo.” — Dom Sebastian, artista multidisciplinar Nesse embalo, as marcas já entenderam que precisam fazer algo de diferente para se destacar. Neste verão, Charles Jeffrey lançou um vídeo em colaboração com o artista Jenkin van Zyl para anunciar seu próximo desfile de moda. O vídeo traz uma sequência de cenas chamativas, com modelos usando roupas e pênis feitos de papelão rosa, além de máscaras assustadoras – ou seja, uma representação totalmente oposta ao estilo de vida luxuoso retratado pela indústria da moda. Mais uma vez, a arte parece ser a precursora dessa tendência. Os cérebros criativos das novas mídias, como Claudia Mate, construíram seu trabalho com imagens explícitas de funções corporais e figuras combativas e espalhafatosas que costumam ser desagradáveis aos olhos. De fato, o vídeo de Jeffrey e o trabalho de artistas semelhantes a ele são exemplos extremos. Além disso, muitas marcas de luxo evitam se envolver nesse universo estético vulgar com medo de perder seu público principal. De acordo com Sebastian, “a vulgaridade e o mau gosto estão sendo adotados pelas marcas até certo ponto, porque elas ainda estão cautelosas, certificando-se de que tudo ainda siga aquele olhar antigo. Elas ainda não estão mergulhando de cabeça nessa nova tendência”.
Jenkin van Zyl é um artista contemporâneo, nascido em 1993, vive atualmente em Londres e é reconhecido pelo seu diferencial e autenticidade artístico.
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No entanto, a sofisticada Kenzo já molhou os pés – embora de uma maneira muito mais sutil e segura. Em agosto, a marca francesa lançou uma propaganda de perfume sensacional, em que a modelo e atriz Margaret Qualley gesticulava, se contorcia e dançava freneticamente ao som de Mutant Brain, do Ape Drums, percorrendo os corredores e salões de um estabelecimento luxuoso. Tal proposta fugiu completamente à estética composta e previsível dos anúncios de fragrâncias, que costumam ser contidos e plácidos. Muito pelo contrário, o anúncio em questão é perturbador. Em três minutos e meio, Kenzo e Spike Jonze, diretor do anúncio, põem abaixo as nossas ideias pré-concebidas do que deveria ser uma propaganda de perfume, apresentando uma figura agressiva, inquietante e desenquadrada do ambiente de prestígio e decoro que a rodeia. É como Monahan diz, “a vulgaridade é a revanche da ironia contra a seriedade”. Verdade seja dita, nesse anúncio, a Kenzo está longe de ser séria, adotando uma postura subversiva e profundamente jocosa. Os limites: De forma paradoxal, o mau gosto precisa ser administrado com cautela. As marcas que erram na mão correm o risco de alienar os consumidores. Para testar esses limites e desafiar os consumidores, as marcas ainda precisam considerar o contexto da propaganda, e é esse contexto que muitas vezes determina as regras do jogo. “Às vezes, é bom estar no limite do gosto. Na KesselsKramer, a gente realmente se esforça para ficar justamente nesse limiar. A pergunta aqui é: você trabalha com uma determinada estética, mas como é possível identificar os limites ou fronteiras dela?”, questiona van den Berg. “As marcas estão tentando aproveitar essa sensibilidade que as rodeia; elas enxergam na vulgaridade uma possibilidade de expressar seu desejo de serem um pouco transgressoras.” — Sean Monahan, especialista em tendências Ter a coragem de subverter noções de gosto estabelecidas, de chocar e desafiar os consumidores com uma estética nova, com justaposições entre alta e baixa cultura são atitudes cada vez mais relevantes para uma era dominada por eleições com resultados inesperados, sentimentos
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“as marcas e s tão ten tan do aprove itar es s a s en s ibilidade qu e as rode ia; e las en xergam n a v u lgaridade u ma pos s ibilidade de expre s s ar s eu des ejo de s e rem u m po uc o tran s gres s oras . E tu do is s o faz par te do m ome n to h is tórico e m qu e es tam os v ive n do” contestadores e movimentos populares. “As marcas estão tentando aproveitar essa sensibilidade que as rodeia; elas enxergam na vulgaridade uma possibilidade de expressar seu desejo de serem um pouco transgressoras. E tudo isso faz parte do momento histórico em que estamos vivendo”, conclui Monahan. No reino livre da Internet, não há economia de opiniões. Todos têm algo a dizer sobre tudo, e assuntos levianos muitas vezes são levados demasiadamente a sério. A falta de pudores permitida pelo anonimato virtual gera comentários provocadores, geralmente com o objetivo de causar controvérsias e desviar o foco de um assunto principal. Este fenômeno é conhecido como troll. O tom subversivo, típico da cultura prankster, fez do troll o maior impulsor do excesso de comentários que carrega a Web. Seu segredo é a franqueza, fundamentada pelo conceito de online disinhibition effect. Hoje observa-se no troll uma esperteza cada vez mais refinada. Smart Trolling é um movimento em que a trollagem deixa de ser uma agressão vazia e passa a ser lida como uma linguagem repleta de nuances. É um humor perspicaz, uma ironia construída de forma cirúrgica que coloca uma vírgula no pensamento de um crescente número de entendedores. Essa piada interna coletiva acontece nas entrelinhas, em um limbo onde paira a dúvida entre o que é verdadeiro ou falso, proposital ou acidental. Smart Trolling é uma espécie de hackeamento com boas intenções. Não se trata de cyberbullying, mas de uma resposta sarcástica à opinião da massa e, acima de tudo, da capacidade de deslocar a piada para que cada pessoa possa rir de si mesmo.
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moda não binária e a desaceleração do fast fashion MARINA COLERATO E EDUARDO BIZ
A maneira como a indústria lida com o fim dos estereótipos de gênero pode variar, mas é fato que será preciso aprender para continuar no jogo. Quais são as marcas que protagonizam essa evolução? Você já prestou atenção em como as roupas são apresentadas em filmes de ficção científica? Pense, por exemplo, no figurino de Matrix ou Aeon Flux e você notará que as barreiras entre feminino e masculino ficam embaçadas. Para Hollywood, quando o assunto é a maneira como nos vestiremos no futuro, não há grandes distinções entre moda masculina e moda feminina, assim como acontecia até o período vitoriano no Ocidente, onde homens e mulheres vestiam praticamente as mesmas roupas. O binarismo de gênero na moda foi selado durante a Era Industrial, quando homens começaram a usar ternos e abandonaram as cores e as mulheres continuaram presas ao vestido. Para elas, usar calças era absolutamente escandaloso e a diferença nos trajes começou a representar a diferença dos sexos, inclusive na Ásia. “Essas diferenças nas roupas vieram para simbolizar a suposta diferença nos sexos: homens, assim como ternos, eram sérios e práticos; mulheres, assim como vestidos com babados, eram frívolas e superficiais.” — Marc Bain Foi com o movimento feminista e a luta pelo sufrágio feminino, no final do século XIX, quando essa distinção começou a ser questionada pelas mulheres. Amelia Bloomer, sufragista, editora e ativista, desafiou o binarismo de gênero na moda e a sociedade ao usar calças, até então consideradas propriedade exclusiva do homem. Desde então, em períodos espaçados, e normalmente relacionados à ascensão do movimento feminista, conseguimos observar a tentativa de romper com esses códigos sociais tão fortemente representados pelas roupas.
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O desafio às normas de gênero hoje é uma continuação da luta por objetivos inalcançados dos anos 1960 e 1970. Movimentos de direitos sociais, o movimento gay, a comunidade LGBTQ e a contracultura sempre questionaram papéis de gênero e, consequentemente, isso tem a ver com como performamos gênero ou, basicamente, como nos vestimos para representar o gênero que nos foi “dado”. A indústria da moda e o gênero: Na história da moda, alguns estilistas foram subversivos em questionar essas normas. Jean Paul Gaultier, por exemplo, causou alvoroço ao colocar homens de saias nas passarelas pela primeira vez, em 1985. Ann Demeulemeester, Martin Margiela, Comme des Garçons e Helmut Lang levantaram a pauta da androginia durante os anos 1980 e 1990. “Eu não acredito que tecidos tenham gênero.” — Jean Paul Gaultier. Atualmente, Hood By Air, Rick Owens, Saint Laurent e Gucci são algumas marcas que incorporam este debate. Essa última apresentou sua primeira coleção de menswear sob o comando de Alessandro Michele como diretor criativo, em março de 2015, com padrões, formas e adereços considerados femininos. O passo foi bem recebido, especialmente por se tratar de uma marca tradicional que, temporada após temporada, apresentava ternos, ternos e mais ternos. Diferentes marcas tentam quebrar o binarismo, inclusive quando o assunto são modelos. Além de figuras masculinas estreando em campanhas femininas, cada vez mais notamos modelos de gênero fluido, como Goan Fragoso e Elliot Saillors, no casting de desfiles e campanhas. Dias depois do atentado à boate LGBTQ em Orlando, Marc Jabocs lançou a primeira imagem de uma campanha com o (agora ex) casal queridinho da moda Carlos Santolalla e John Tuite, conhecidos como “o primeiro casal gay” a assinar com uma agência de modelos. Mesmo que existam milhas de distância entre a fantasia da passarela e a realidade das lojas, seja de luxo ou popular, varejistas tomam
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atitudes para aproximar-se desta tendência. Em iniciativa pioneira, a Selfridges criou em 2015 um departamento onde as roupas não eram separadas por gênero. Marcas de fast-fashion como C&A e Zara também entraram no debate e levantaram questões sobre até que ponto estratégias publicitárias podem ser consideradas sinceras e benéficas ao assunto. Para a comunidade LGBTQ, a absorção do tema pela indústria de maneira massificada pode ser problemática, mas cumpre o papel de colocar o assunto em perspectiva. “Por uma lado, linhas sem gênero na moda mainstream encorajam todo mundo a aceitar formas mais diversas de expressão de gênero, o que cria uma mudança positiva para a comunidade queer. Por outro lado, a indústria parece focada em estilos masculinos para todos os gêneros, apagando identidades femininas e perpetuando um padrão responsável por dizer que a feminilidade é muito restrita e apenas aceitável para um escopo limitado de identidades.” — Anita Dolce Vita. O ponto crucial é gerar debate e não devemos esperar que ele cesse. É uma reinvindicação social refletida na moda. A maneira como a indústria lida com tal demanda pode variar de acordo com cada público alvo, mas é fato que ela terá que aprender para continuar no jogo. A importância da moda queer e também das marcas independentes: Enquanto a indústria ainda procura caminhos, a moda queer e agender já pega fogo há tempos nas cenas underground das capitais. Paralelamente à semana de moda de Nova Iorque, em setembro de 2015, o maior evento de moda queer do mundo, intitulado Verge, apresentou 8 designers independentes que desafiam o binarismo de gênero. O evento ganhou muita atenção de mídia, principalmente porque aconteceu no meio da semana de moda oficial, na qual a androginia foi apontada como a principal tendência. No Brasil, este cenário também floresce nas mãos das pequenas marcas e designers independentes. Novas marcas se comprometem em servir homens, mulheres ou indefinidos da mesma maneira e com peças curingas. Tricoma é uma marca paulista que produz tricôs sob encomenda. São poucos modelos, numerados, pensados para servir diferentes tipos de corpos, sem delimitação de gênero. A Tricoma faz questão de trabalhar com cor em seus designs, reafirmando que uma ampla cartela não deve ser opção exclusiva às mulheres. Ben reforçou seu posicionamento como marca disposta a servir a gêneros fluídos na edição de Verão 2017 da Casa de Criadores.
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Com estética ímpar e pé fincado na vanguarda, a marca mistura processos tecnológicos e artesanais para criar peças destinadas aos jovens que não se sentem mais na obrigação de performar um gênero específico. Trendt já é conhecida no mercado por trafegar por uma rota diferente, a rota minimalista. Essencialmente, a moda da Trendt é designada como feminina, mas Renan Serrano, designer da marca, desenvolve peças indiscutivelmente agênero como camisetas, e propõe questionamentos por meio do seu próprio modo de vestir. “Nesse novo modo de vestir, eu gero neutralidade com um visual sem precedentes, o que faz com que as pessoas queiram se aproximar e saber quem sou. Tomo cuidado para respeitar o espaço visual das pessoas, usando uma roupa neutra que, com alguns detalhes de inovação, influencia o inconsciente e mostra novas formas de pensar.” — Renan Serrano. Beira propõe amplitude. Uma moda limpa, mas expansiva nas proporções capazes de deixar corpos escondidos, em segundo plano. A marca nasceu com peças que chamava de unissex e, hoje, aproveita a versatilidade deste conceito. O futuro, a fluidez de gênero e a importância da moda infantil. Quando se fala em fluidez de gênero, ainda há divisão de opiniões, reflexo de certo conservadorismo: de um lado, gigantes como Luisa Via Roma acreditam que espaços agêneros ou lojas agênero serão o futuro, enquanto outros, como Neiman Marcus, nem pensam no assunto.
“é um desafio ampliar a compreensão da sociedade de que não há distinções estéticas entre gêneros“ A história mostra que o binarismo é arbitrário: depende da vontade daquele que age. É um desafio ampliar a compreensão da sociedade de que não há distinções estéticas entre gêneros. Repensar o segmento infantil é bastante estratégico neste sentido e muitas empresas já quebram as diferenças entre as roupas de meninos e de meninas. Até antes do século 20, crianças de até 6 anos eram normalmente vestidas de branco, por questões de praticidade. A distinção de cores e formas começou
a ganhar campo em 1918. Jo B. Paoletti, historiadora americana e autora do livro Pink and Blue: Telling the Girls From the Boys in America, relembra que propagandas da época diziam que azul era uma cor mais sutil e, por isso, mais indicada para meninas, e rosa uma cor mais forte e austera, sendo assim indicada para meninos. Foi em 1940 que aconteceu a inversão das cores, e o rosa passou a ser cor de menina e o azul cor de menino. Atualmente, o mercado infantil aponta para marcas que libertam as crianças (e as cores) da generificação das roupas. Quirkie Kids lançou a campanha #setcolorsfree(“liberte as cores”); Shava, oferece peças com estampas “neutras” como astronautas, ninjas e dinossauros; Iglou Kids e Matiz, no Brasil, também se direcionam ao assunto. Geralmente criadas por pais decepcionados com a moda infantil, essas empresas são ativas na transformação do pensar moda, roupa e gênero para futuras gerações. Elas propõem reflexão para outros pais e responsáveis ao oferecer um vestir baseado no universo infantil, e não nos desejos ou concepções dos adultos. Para que essa moda menos endurecida por normas estéticas seja vista além das passarelas, precisamos andar a passos largos. No que tange a indústria da moda, não há dúvidas de que seu papel sempre foi, é, e será, de coadjuvante; acompanhante das mudanças vindas das pessoas. Enquanto a sociedade questiona imposições e protagoniza a evolução, a moda observa, entra na dança e segue o fluxo. Vamos mostrar para eles que homens de saia, mulheres de terno e fluidez de gênero — e, acima de tudo, liberdade — representam o futuro da moda. O cenário da efemeridade defendido pelo fast fashion começa a apresentar sinais de desgaste. Quando olhamos para a história da moda no século XX, temos uma divisão bem definida das décadas e seus respectivos estilos. Glamour nos anos 1920, masculinização nos 1940, revolução sexual na década de 1960, supermercado de estilos em 1990… Porém não é fácil identificar uma estética que defina os primeiros anos do século XXI. Foi dos anos 2000 pra cá que a moda começou a se inspirar historicamente nas décadas do século anterior, revisitando-as e criando imagens novas. Pense na grande miscelânea de estéticas vistas desde a virada do século: as mulheres de Sex & The City, Lady Gaga e seus Little Monsters, o movimento emocore, os ecofriends com seus tecidos sustentáveis, o lenço estampado da Balenciaga, high-low, androginia, hipsterismo… Impossível listar todas as referências, e muito menos eleger a mais marcante.
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Porém é possível afirmar que um bom resumo da estética dos anos 00 seja o multiculturalismo. A moda nunca foi tão globalizada, e nunca tantas pessoas em tantos lugares diferentes do mundo se vestiram da mesma maneira. Um dos grandes responsáveis por isso, além da estimada Rede Mundial de Computadores, é o fast fashion. Desde o final dos anos 1990, o fast fashion vem dominando o planeta com seus preços camaradas, design contemporâneo e qualidade questionável. É uma engrenagem que defende exatamente a grande essência da moda: a efemeridade. O filósofo Gilles Lipovetsky comenta que, desde os anos 1950, a chamada “estratégia da obsolescência planejada” faz com que as empresas criem pequenas mudanças estilísticas em seus produtos, lançando-os como novos. Embora obras “imortais” ainda possam ser realizadas, os projetos de curta duração são o principal fruto dessa cultura, na qual os objetos têm sua morte programada com antecedência e, muitas vezes, são consumidos antes mesmo de sua posse. O sociólogo francês Jean Baudrillard defende uma relação mais ativa com os objetos. Segundo ele, em todos os tempos comprou-se, possuiu-se, usufruiu-se, gastou-se e, contudo, não se consumiu. Segundo ele, o consumo se dá quando se estabelece uma relação entre o indivíduo e o significado do objeto, ou seja, é o signo do qual o objeto se reveste que o torna consumível. É aí que nasce o “objeto de desejo”: algo carregado de valores e signos que é oferecido ao homem contemporâneo como capaz de suprir suas carências internas. No entanto, ao perceber que o objeto não pode preencher esse vazio, ele permanece frustrado, gerando uma doentia compulsão para o preenchimento dessa realidade ausente. É um ciclo infinito que jamais se realiza, justamente por não ter limites. Porém, este cenário já apresenta sinais de desgaste. Observa-se hoje um comportamento em relação à moda que sugere uma maior valorização de tudo que consumimos. Os produtos estão cada vez mais incorporando ao seu design valores intangíveis, deixando de ser apenas objetos para se transformarem em sujeitos que constroem com os consumidores uma relação mais emocional. Marcas que acreditam neste conceito já estão pipocando mundo afora. Recentemente, a especialista em moda vintage Gill Linton falou com o portal PSFK sobre o enfraquecimento do atual formato da indústria do vestuário. Segundo ela, sua loja Byronesque existe para “instigar a imaginação das pessoas e não deixar que elas se vistam todas da mesma maneira”. Gill acredita que peças vintage são cada vez mais valorizadas, não somente
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pela autenticidade de seus designs ou pela história que carregam, mas pela durabilidade que oferecem, por terem sido confeccionadas com um primor de qualidade muito superior ao que estamos acostumados. Aqui no Brasil, os incríveis tricôs de Helen Rödel nadam fortemente contra a corrente do fast fashion. Outras tentativas — ainda tímidas — levantam a bandeira do Slow Fashion tupiniquim: a coleção MB Infinito da grife Maria Bonita, com modelagens clássicas que duram muito mais do que apenas uma estação; a estilista Flávia Aranha, que utiliza materiais orgânicos na confecção de peças atemporais; Martha Medeiros, conhecida por seu trabalho realizado junto às rendeiras do Rio São Franscisco. Um depoimento publicado na Folha de São Paulo em 2013 salienta esse cansaço geral em relação ao efêmero. O texto de Vivan Whiteman critica a grande fábrica de “tendências” que as fashion weeks se tornaram, e como é humanamente impossível acompanhar essa montanha russa de lançamentos. Concomitantemente, em uma série de entrevistas do Style.com sobre o futuro da moda, o estilista Azzedine Alaïadisse que “é inconcebível que um designer tenha uma grande ideia a cada dois meses”. Tanto é que muitos apelam para a cópia, como mostrou uma polêmica matéria da revista Piauí em 2007. Mesmo grifes consideradas carros-chefe da moda mundial já assumiram ter copiado modelos de outras marcas. A própria indústria do fast fashion já está atenta a estas novas correntes e vem planejando alternativas para continuar no jogo. Hoje, as principais redes competem pelo melhor básico: ganha quem oferece a camiseta branca feita com malha de qualidade, modelagem perfeita e preço justo. A canadense Aldo tem investido pesadamente em sua linha básica com uma campanha chamada “Give Me Aldo”. No Brasil, o estilista Francisco Costa desenvolveu junto à C&A uma linha de moda barata com tecidos bons. Foram abolidos os materiais de qualidade baixa, abrindo espaço para couro verdadeiro, algodão nobre e um tipo de seda que, apesar de mais acessível, ainda é seda. Nesta indústria em que criadores copiam criadores, resgatar o “significado” de uma roupa — aquele capaz de gerar desejo no consumidor — será o grande desafio do setor para os próximos anos. Afinal, a busca pela autenticidade é o que deve marcar a imagem desta segunda década do século XXI.
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wearables: a transição para uma tecnologia mais sensível SOPHIE ESPITALIÉ E GUSTAVO NOGUEIRA
Em uma movimentação natural, os wearables fundem moda e tecnologia com benefícios mútuos. Viver sem tecnologia tornou-se impensável. Ainda assim, é unânime a observação de que devemos nos reconectar com a realidade para viver o presente. De fato, hoje lidamos com uma quantidade de dados que não conseguimos processar. Neste contexto em que o contato com a tecnologia é invasivo e permanente, parece certo buscar uma vida menos congestionada. A solução pode ser confiar nos nossos instintos, na habilidade de filtrar todas as informações para criar uma voz pessoal e uma experiência subjetiva. Sugerindo uma alternativa aos dispositivos tecnológicos comuns, os wearables têm potencial para serem grandes, pois misturam estilo e funcionalidades moldadas pelas emoções. Os wearables costumavam ser um nicho específico de mercado, visando atingir a comunidade geek do Silicone Valley. Mas, finalmente, há chances de que eles se tornem um sucesso também no mainstream. O principal desafio para este tipo de tecnologia é evitar ser mais uma tela trazendo dados que as pessoas não sabem como usar — o que está acontecendo no momento com rastreadores fitness. A metrificação está em todos os cantos, fato que gera um comportamento opressivo e restringe a intuição. Observar os updates de interações nas redes sociais pode ser uma prisão. Para que tenhamos uma experiência online mais tranquila, existem iniciativas que tentam injetar humanidade na tecnologia. Exemplo disso é o Demetricator, um navegador que faz com que os números do Facebook desaparecem, removendo likes ou comentários para que se possa fazer um uso mais relaxado da rede social.
Por serem dispositivos que funcionam em conjunto com um smartphone, os wearables acompanham nosso dia a dia e podem conduzir a um uso mais inteligente e personalizado da tecnologia. O Apple Watch, por exemplo, não foi feito para ser apenas mais uma telinha que nos distrai o tempo todo. Buscando o essencial e repudiando o superficial, o relógio surfa no sucesso progressivo dos “monoprodutos”, fenômeno que foca na produção de um único produto que concentra alta qualidade e diversas funcionalidades. Através de notificações bem enxutas, ele oferece a possibilidade de uma desconexão momentânea do iPhone. Este sistema de comunicação condensada torna as informações mais providas de significado. Pode-se observar um conceito semelhante no Light Phone, da Light, cujo slogan “your phone away from phone” (em português, “seu telefone longe do telefone”) é a definição de um destes novos dispositivos de companhia filtrando as informações que vêm do smartphone. O Light Phone foi projetado para ter o menor design possível, apto somente para receber ligações específicas, o que proporciona mais liberdade.
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A tecnologia encontra a moda: À medida que a tecnologia se lança em novas ambições para ser mais intuitiva, há uma movimentação natural em direção à moda. Trazendo calor humano para a tecnologia, o anel Moodmetric é uma versão aprimorada do anel do humor, melhor dizendo, um “smart ring” com um trackeador de humor. Ele permite que se veja a “voltagem emocional” ou que se possa saber o “poder emocional” de uma pessoa. Embora a utilidade real desse anel possa ser questionável, eles são esteticamente agradáveis e parecem divertidos de se usar. Smart rings são interessantes porque, para que os wearables sejam um sucesso, não basta que eles façam mudanças somente na tecnologia. Mais que objeto de necessidade, eles também precisam ser objeto de desejo, exatamente como um produto de moda. Ninguém gosta de ser lembrado que é dependente da tecnologia. Melhor é acreditar que se trata de algo que se escolheu usar. Wearables precisam ser itens que as pessoas realmente querem, para além do que eles são capazes de fazer. Afinal, quem se preocupa com moda não vai usar qualquer coisa, não importa o quão high-tech essa coisa seja. A Apple mostrou que entendeu bem esse recado ao fazer o lançamento do Apple Watch coincidir com as semanas de moda ao redor do mundo, além de expor o produto na vitrine da boutique Colette e na capa da Vogue China. A moda encontra a tecnologia: Por outro lado, a moda também está em um momento de grande mudança. Marcas mais técnicas e de sportswear, como Adidas e Nike, estão prosperando — e parece que é justamente porque elas não são marcas de moda. Em um mundo pós-tudo, a indústria não consegue acompanhar o ritmo frenético das tendências de moda. Como diz Li Edelkoort, pesquisadora de tendências, em seu recente manifesto, “Anti-Fashion”: “A moda está morta, vida longa às roupas.” Com a moda ficando mais técnica e a tecnologia tentando seguir a moda, pode-se argumentar que estas áreas estão se valendo de estratégias opostas. Embora seja impossível prever como a relação entre tecnologia e moda vai se desenvolver, é certo que as duas se encontrarão. Na verdade, já se encontram. A união entre a técnica e o mercado de luxo da moda
concretizou-se, entre outros momentos, no desfile de Diane Von Furstenberg, em que as modelos usaram o Google Glass, e na confecção de uma edição de ouro do Apple Watch. Vale apontar que o lançamento do Google Glass foi diferente do Apple Watch no sentido que não convenceu o consumidor logo de cara. Alguns desacreditam no projeto, uma vez que ele deixa o usuário ainda mais imerso em sua vida digital, além de ser esteticamente inviável. É importante lembrar, porém, que o Google Glass ainda está em fase de testes e adaptações, e, em tese, é uma tecnologia promissora. Pode ser cedo para apontar uma opinião mais certeira sobre o gadget. A tecnologia precisa da moda para evoluir e propor uma experiência mais significativa. Mas a moda, que constantemente tenta redefinir sua proposta, também precisa da tecnologia para se superar. Se a própria definição da moda tem muito a ver com o tempo, é esperado que moda e tecnologia fundam-se a fim de trazer um frescor de benefício mútuo. Hoje, consome-se para criar, não para possuir. Os jovens preferem reblogar conteúdos já existente a comprar produtos novos, preferem gastar dinheiro em produtos hi-tech que em roupas. Procura-se um consumo mais significativo em que se possa ser agente das próprias escolhas. Dispositivos tecnológicos devem ser uma ferramenta à nossa disposição. A tecnologia está perto de se tornar um acessório para o corpo e para a vida, ajudando-nos a aproveitar o tempo presente e viver as emoções mais intensamente em vez de filtrá-las. As informações ainda precisam ser processadas por um espectro subjetivo e pessoal, o que torna a curadoria um desafio sério. Modificando o uso da tecnologia, os wearables oferecem um sentimento de controle sobre este mundo dominado pela metrificação, criando conteúdo de qualidade através da valorização do sentimento, que, afinal, é mais importante que um monte de dados. Vivemos na transição entre o fim do atual modelo econômico em crise e o despertar da economia distribuída, colaborativa e compartilhada — acesso, reputação e senso de comunidade são as moedas das transações do futuro. Um cidadão médio, ao comprar uma furadeira, não tem como principal intenção a posse da furadeira como objeto em si, mas sim solu-
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cionar a necessidade de fazer alguns furos na parede. Sendo assim, ter acesso a uma furadeira (pertencente a um familiar ou amigo, comprada coletivamente entre os moradores de um prédio residencial ou a partir de um serviço de assinatura que dá acesso a diversas ferramentas quando necessário) traria o mesmo benefício por um custo igual ou até inferior, certo? Este exemplo ajuda a fundamentar o que Kevin Kelly, co-fundador da revista Wired, considera um dos principais marcos da transição para um potencial novo contexto econômico: o entendimento de que o acesso é mais relevante que a posse. Serviços como Uber e AirBnb operam com modelos de negócio que consideram o acesso mais importante que a posse: o Uber atualmente é a maior empresa de transporte com carros particulares do mundo e não possui um veículo em sua frota. O AirBnb é a maior empresa de reservas de hospedagens do mundo e não possui nenhum imóvel. No entanto, nos permitem acesso a toda uma frota de carros e diversas acomodações ao redor do mundo. Em meio a uma profunda crise de confiança nos modelos já estabelecidos – instituições públicas, partidos políticos, marcas e empresas convencionais, etc – passamos a buscar novas perspectivas. Vivemos na transição entre o fim do atual modelo econômico e o despertar de novas economias, mais abertas a colaborar e compartilhar. É o que argumenta a autora Rachel Botsman em seu livro “O que é meu é seu: como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo”. Em todos os serviços da economia colaborativa, a construção de comunidades ao redor de um propósito e a manutenção contínua da reputação, são essenciais. De fato, para Rachel, as moedas desta nova economia são transparência e confiança. Acesso, comunidade, propósito, reputação, transparência, confiança: são as bases para, a partir das tecnologias que evoluem exponencialmente, construirmos uma nova forma incorruptível de realizar e registrar transações financeiras – e mesmo outros tipos de transações para praticamente tudo que tenha valor. Esta nova forma se consolida por meio de um protocolo digital: o Blockchain. Satoshi Nakamoto é o pseudônimo utilizado pela pessoa ou pessoas que criaram a moeda virtual bitcoin. Há diversas teorias a respeito de quem poderia estar por trás da verdadeira identidade de Satoshi Nakamoto, mas por enquanto são apenas especulações.
A essência do Blockchain é a confiança, como já afirmou Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS). Fica para trás o modelo de organização centralizada, no qual quem tem a posse – dos recursos, da mão-de-obra, dos meios de produção, da informação – dominava o mercado, e entra em cena uma rede descentralizada na qual, por meio de plataformas tecnológicas, comunidades participam da economia (oferecendo e demandando) e o acesso é a força principal da dinâmica. É o caso do Uber e AirBnb. Mas e se o modelo descentralizado for ainda uma solução intermediária? Essas empresas podem rapidamente se tornar novos centralizadores. Uber e AirBnb, mesmo trazendo acesso e possuindo vários concorrentes, tornaram-se gigantes dominantes em muitos mercados. Ainda estamos no meio do caminho. Conceitualmente, os estudos do matemático Paul Baran e seu diagrama de redes, datado de 1964, apontam que a evolução natural para a sobrevivência de uma rede de modelo centralizado e posteriormente descentralizado seria o modelo distribuído, ou seja, em que todos os pontos estão diretamente conectados e acessíveis entre si. O Napster, já em 2004, valia-se do modelo distribuído, em que todos os usuários do sistema também eram responsáveis por distribuir os arquivos ali disponíveis. O mesmo vale para os atuais serviços P2P (peer-to-peer), como o protocolo torrent de distribuição de arquivos, exemplos que sem dúvida impactaram e transformaram a indústria do consumo de música, cinema e entretenimento. Mas como aplicar este modelo em escala e em maior complexidade a ponto de direcionar novos paradigmas mercadológicos, econômicos, políticos e sociais? Em síntese, Blockchain é um banco de dados distribuído e independente de computadores que, por consenso, valida as ações realizadas uns pelos outros. Estas informações são confiáveis porque são validadas graças às ações da própria comunidade e, uma vez inseridas, ficam registradas em blocos virtuais de informação sempre associados aos blocos anteriores, de modo permanente, o que o torna potencialmente incorruptível. Na prática, a tecnologia tem potencial de eliminar instituições financeiras ou outros intermediários na venda de bens e serviços. Esse modelo foi criado por Satoshi Nakamoto, mas ninguém sabe ao certo quem é/são ele(s) ou ela(s), visto que sua identidade nunca foi revelada, e as pessoas por trás do modelo jamais confirmaram sua autoria. Mas mais interessante do que a questão da autoria é a reflexão de como, por meio da tecnologia, algo pode ter o poder de transformar a estrutura econômica do mundo como um todo, assim como foi o surgimento da internet.
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Bitcoin: usos e aplicações do Blockchain: O Bitcoin é a aplicação mais conhecida do Blockchain e o surgimento de ambos ocorreu conjuntamente, de modo que os nomes são muitas vezes interpretados como sinônimos. Vale ressaltar que esta moeda digital tem lastro real (à época desta publicação 1 bitcoin, representado pelo símbolo, ou pelas letras BTC, estava com cotação de cerca de mil dólares ou três mil reais) e já é aceita como forma de pagamento em vários locais ao redor do mundo. Para começar a transacionar essa moeda, basta criar uma carteira digital, onde os dados do proprietário permanecerão seguros por criptografia. Plataformas baseadas em Blockchain permitem construir desde moedas distribuídas – como é o caso do Bitcoin, em que todas as transações são validadas pela própria comunidade de usuários sem a necessidade de uma instituição financeira –, passando por crowdfunding de empresas que fazem pré-venda virtual de seus futuros produtos, até mesmo começar organizações virtuais em que os membros tomam decisões transparentes por meio de votos baseados em suas participações. Não param de surgir diversas novas iniciativas baseadas em Blockchain. Os tipos de usos e modelos de negócio variam de acordo com a complexidade e o nível de automação, desde a criação de contratos inteligentes (smart contracts que, após validados, executam automaticamente todas as suas definições), agentes autônomos operando em rede, redes de empresas transparentes e abertas (ONE, open network enterprises), e até um modelo mais complexo, de organizações distribuídas autônomas (DAO, distributed autonomous organizations). O Ethereum é um dos principais espaços onde essas aplicações podem ser construídas.
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Nenhuma tecnologia é neutra, toda tecnologia é ambígua: Quando quem demanda e quem oferta estão diretamente conectados, os intermediários são eliminados. No futuro, negócios baseados em centralizar os meios de produção, fornecedores ou informações não mais farão sentido, e isso dá mais importância àqueles que têm real valor a agregar ao sistema. É isso que faz com que o Blockchain seja tratado como potencial desencadeador de uma revolução na economia e na sociedade.
“é u m cen ário des ejável, porém em abe r to. Para con cre tizar as prome s s as qu e e me rgem c o m as tecn ologias , é pre cis o par ar de se orie n tar pela es cas s e z e p assar a re s pe itar a abu n dân cia” Se queremos causar mudanças, precisamos dar o primeiro passo. Não podemos encarar o mundo pelo paradigma da escassez, que ensina que não há o suficiente para todo mundos, ou seja, que não há posses, recursos, oportunidades para todos. Com essa crença, há competição para estocar, há escassez de ofertas, devido à escassez os custos aumentam, o que gera exclusão dos que não podem pagar… Esta lógica alimenta uma profecia auto-realizável viciosa, em que sempre falta algo para alguém. Ao adotarmos uma cultura mais aberta, compartilhando patrimônios, processos e conhecimentos, passaremos a operar sob o paradigma da abundância. A partir deste paradigma acreditamos que há tudo para todos, colaboramos para criar, o fluxo aumenta, os custos diminuem e há a inclusão daqueles que antes não podiam pagar. Vale a reflexão de que não devemos alimentar um olhar utópico e idealista sobre o Blockchain. Não só o medo é um sentimento comum à quem se enxerga como plateia das novas tecnologias, mas também o vislumbre. Toda tecnologia deve ser encarada como ferramenta de ação, e nós somos agentes de qualquer mudança que queremos criar com ela.
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W h e n yo u m ake th e tran s ition you u n fo ld and yo u le t you r own tru th b e t o ld. W h at eve r o n e e l s e th in ks does n’t q u it m at t e r has m u ch . Yo u st ar t t o live you r life you r way a n d yo u s t ar t t o take ris k, s u ffe r yo u r ow n co ns e q u en ce s . A l l t hat h appe ns wh en you make th e t rans it io n.
Q u ando vo cê pa s s a por u ma t r a n sição , vo cê s e des dobra e deixa s ua pró pria ve rdade s er con tada. O qu e que r qu e ou tra pes s oa pen s a n ão im po r t a m ais tan to as s im . Vo cê co m e ça a viver a s u a v ida, s e u cam in ho e você come ça a c o rre r risco s , s o frer s u as próprias c o ns e quê n cias. Tu do is so aco n t ece qu an do você faz u m a t rans ição .
c h ant e l brow n
revista viés
TRANSIÇÃO zi/ substantivo feminino Origem: ETIM lat. transit(i)o,ōnis ‘ação de passar, passagem etc.’ 1. Ação ou efeito de transitar. 2. Estágio intermediário entre uma situação e outra. 3. Mudança de uma condição a outra. 4. Maneira de relacionar as ideias ou partes de um discurso. 5. Arte plástica - Conjunto de características que prenunciam o surgimento de tendência artística. 6. Cinema, rádio, TV - Mudança de uma tomada de cena para outra ou de um para outro. 7. Música que marca a mudança de cenas ou de falas de um roteiro. 8. Música - Preparação para a entrada de outro tema modulando de um tom a outro vizinho; divertimento, ponte modulante.
uma som
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paul schafer
henrik donnestad
stanislav kondratiev
alexa mazzarello
lurm
simon shim
de 01 a 06 de setembro
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a revista viés é um periódico semestral e colaborativo, produzido pela plataforma digital viéis com apoio e assistência de diversos colaboradores. edição 01 - março de 2019 | tema transição tiragem 5 mil exemplares distribuídos contato revistavies@vies.com.br | conheça mais em www. plataformavies.com.br todos os direitos reservados ™ veja a versão online em:
impressão por gráfica boa impressão, em florianópolis, santa catarina. miolo em papel pólen bold 80g/m2, capa em color plus 240g/m2, lombada quadrada, formato 22,5x31,5cm. tipografia neuton e mr eavens XL Mod ot.
projeto acadêmico desenvolvido para a disciplina de projeto de graduação I e II em 2018 no curso bacharel em design gráfico pela universidade do estado de santa catarina orientação por anelise zimmermann, maurício dick e pedro franz projeto gráfico por manuela luz. todo conteúdo foi extraído de plataformas e sites já existentes, com créditos dados aos autores em todos os casos.
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agradecimentos ao meu pai, por todo apoio, amor, ida à gráfica para fazer teste de impressão rs e por acreditar em mim em todos os momentos. à minha mãe, por toda paciência, credibilidade e amor, além de todas as jantas feitas para uma filha extremamente cansada. aos meus avôs por entenderem a minha ausência e por sempre acreditarem em mim. aos meus amigos, que listar acaba sendo difícil, mas que fizeram de tudo para me confortar em momentos de desespero e me abraçavam com toda força do mundo sempre. um agradecimento especial à minha amiga amanda knoll que separou um tempo para desenvolver uma das matérias comigo, obrigada amiga! aos meus amigos da faculdade, por escutarem todos os desabafos, seja do projeto ou não, e ainda por me apresentar uma parceria que eu nunca tinha conhecido. aos meus colegas de trabalho, pelo apoio, carinho, risadas, ensinamentos e por me entenderem até em dias difíceis. e aos professores, por toda orientação e credibilidade.
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