Arabica Ano I
A Produção de Café em Pernambuco Saúde e Produtividade: usando o café a seu favor Entrevista com o fundador do Café Liberal
Arabica
Expediente Edição Sarah Melo
Textos Manuela Valença Guilherme Carvalho Helena Portilho Julie Marques
Orientação e Revisão Isaltina Gomes Carolina Vasconcelos
Projeto gráfico e diagramação Davi Galindo
2
Índice EDITORIAL
4
A PRODUÇÃO DO CAFÉ EM PERNAMBUCO
5
O CAFÉ A SEU FAVOR
10
O MOVIMENTO DAS CAFETERIAS
13
ENTREVISTA com Sergio Bivar
18
RESENHAS
21
CRÔNICA Um bom café
24
3
À
4
Editorial
noite, o Recife apaga. A partir das 20 horas, a balbúrdia das ruas dá lugar à solidão. Mas os cafés permanecem abertos, tumultuados, abrigando os debates da vida boêmia de jornalistas, poetas, intelectuais, políticos, estudantes da Faculdade de Direito. São as primeiras décadas do século passado, mas poderiam ser também uma descrição fiel do Recife 100 anos depois. Esta revista é uma tentativa de, não só documentar, mas transmitir o espírito de época do Recife neste início do século XXI, da volta do cafés como espaço de discussão de ideias e apreciação culinária. É também uma investigação do próprio café como objeto - seu histórico de mistificação dos sentidos e transmutação em base de trocas humanas. A tendência dos cafés do Recife ressurge com a “gourmetização” dos espaços, mas também com o encontro de ideias e pessoas. A paixão urbana parece ir muito além do uso funcional do café. Temos histórico para isso. Na década de 1930, um café do Recife levou um jogador do Santa Cruz Futebol Clube a tornar-se um dos maiores poetas da história do Brasil. João Cabral de Melo Neto dizia ter começado a escrever para ser aceito no grupo de poetas assíduos do Continental, mais conhecido como Café Lafayette. Essa transmutação de lugar a arte pelo café no Recife, cidade quente, úmida, não é à toa. Do plantio ao consumo, o café se enveredou na tradição recifense. Esta revista é, afinal, uma apreciação dos cheiros, gostos e hábitos culturais condensados numa xícara de café.
Boa leitura!
A produção de café em
F
alar sobre a produção do café em Pernambuco é falar ao mesmo tempo de um passado, presente e futuro do modo de produzir e distribuir o grão. Com histórias que perpassam a memória afetiva e o amor pelo café, falaremos aqui sobre os bastidores de produção do grão que nasce em terras pernambucanas. Vamos fazer uma caminhada pelo passado para entender os modos de produção de hoje e as perspectivas que temos para o futuro.
Per nam buco
5
Uma infância cheia de história
Quando convidado para falar sobre o café do estado, o professor da pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Alcindo Sá topou prontamente. E a entrevista não poderia ter começado de maneira diferente: ele pediu uma pequena pausa para coar a sua adorada bebida. Na volta, foi logo iniciando com o caminho que o café fez até chegar em terras pernambucanas. O sargento português Francisco de Melo Palheta foi o grande responsável pela entrada do grão no Brasil, no século XVIII, que chegou primeiro no atual estado do Pará e foi adentrando o Sul e o Sudeste do país. “Inclusive tem até uma cafeteria chamada Palheta, em vários lugares no Brasil. Aqui no Recife mesmo tinha! Não sei se ainda existe...”, lembrou Alcindo. Nessa época, o café mais comum plantado era o arábico, o “café tradicional”. Em Pernambuco, no início do século XX, as plantações intensivas desse café ocupavam principalmente a região Agreste. Uma forma mui6
to comum, que acontece até os dias de hoje, é a plantação das sementes embaixo de árvores que fazem sombra, normalmente em regiões de brejo. Alcindo lembra que tem até uma foto, ainda nos anos 80, em sua infância, mostrando um pé de café já maduro e carregado, que se situava embaixo de uma mangueira, para holandeses, que nunca tinham visto a planta. “Eu fui dar uma caminhada de tarde em Rainha Isabel [distrito de Garanhuns] e passei por uma área de brejo muito grande, muito extensa, com lama que quase batia na canela. Eu fiquei extremamente admirado com três grandes casarões belíssimos de grandes cafezais. Não eram plantações intensivas, mas plantações que se situavam na sombra de outras árvores, uma plantação muito grande. Aqueles terreiros que você vê no final do século XIX, começo do século XX. Um terreiro imenso para a secagem de café. Também me deparei com máquinas inglesas para o secamento do café [...] que eu tive a sorte de ver.” Para Alcindo, a experiência foi como voltar no tempo em apenas uma caminhada. Ao lembrar
bastante nostálgico, fez também um convite: Rainha Isabel é parada obrigatória para quem quer ver a história do café brasileiro com os próprios olhos. Contudo, seu semblante foi mudando ao falar que, infelizmente, os três casarões são hoje raridade na produção de café na cidade. Ele relata que, agora, o número de cafezais na região não se compara à quantidade que via em sua infância. “Produção intensiva, como de certa forma já aconteceu em algumas regiões no Agreste, como Garanhuns e adjacências, deixou de existir”, comentou o professor.
A grande queda na produção do café
Contudo, essa mudança repentina não foi sem razão. Marcelo Nicolelis, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e técnico formado em cafeicultura, entrou em detalhes sobre a diminuição brusca no número de cafezais do Nordeste. Nos anos 60, foi criado pelo governo o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que tinha como objetivo criar e coordenar políticas para produção e distribuição do grão. “Mas o
IBC tomou algumas decisões que, olhando com os olhos de hoje, são bastante questionáveis: o IBC definiu que não seriam todas as regiões do Brasil que iam plantar café. Olharam assim pra Pernambuco e disseram: ‘Pernambuco é cana-de-açúcar, vocês querem fazer o quê com café?’. Mais ou menos desse jeito.” A medida, conhecida por regulação da produção do café, durou até os anos 90, e definiu que a produção seria focada nos estados de Minas Gerais e São Paulo. “Foi uma decisão de governo. Acreditou que centralizando, regulando, seria a melhor maneira de produzir. Então erradicou quase toda plantação de café daqui do estado [Pernambuco].” Nos anos 90, com a redemocratização do país, o IBC foi extinto. Então, todos os estados que quisessem voltar a produzir o grão poderiam iniciar a produção. Marcelo adiciona ainda que, com a desregulamentação, diversos estados anteriormente inativos nessa produção começaram a ganhar mais destaque, como foi o caso da Bahia, de Rondônia e do Espírito Santo. Nessa volta, Pernambuco tam-
Rainha Isabel bém voltou a recuperar a cultura do grão. Contudo, Marcelo adiciona ainda que não foi uma volta tão expressiva como muitas vezes se fala.
A mudança na forma de consumir café Apesar de tímida em relação a outros estados, a volta do café em Pernambuco traz outros significados também para a cultura do consumo - que vem mudando e passando por uma nova onda na forma como compramos e apreciamos a bebida. O café produzido aqui é o tipo arábica, aquele que normalmente consumimos. Apontando para o café que estávamos tomando na cafeteria, Marcelo explicava: “Esse que você tá tomando é o café arábica. É o café que é plantado em clima de altitude. É um café menos
ácido, é bem mais gostoso. É considerado de melhor qualidade. No Agreste aqui do estado voltou a ter exatamente o café arábica, que é o que tem de interessante aqui”. Foi nesse momento da entrevista que Nicolelis começou a explicar sobre o contexto atual: estamos na chamada terceira onda do café. É nela em que o grão vira um artigo valorizado a partir de suas características e diferenciações. É a busca pela apreciação de cafés diferentes que encontramos agora nas cafeterias, como Frapuccino e Macchiato. Significa também o aumento do próprio número de cafeterias na cidade, que viram um local de apreciação profunda da bebida. “Lojas assim como essa que a gente tá, que eu pedi um café Mocha, que vem misturado com chocolate, 7
em que o grão é selecionado, ele tem uma origem, ou seja, é diferenciado, isso é uma tendência recente. Ela começou nesse período desde a desregulamentação nos anos 90 e veio tomando mais força agora nessa década de 2010 aqui no Brasil”, exemplificou Marcelo.
A tendência dos cafés especiais
Na terceira onda, a forma de cultivar o grão também muda e precisa se adequar a essa nova demanda. “O atributo especial no café permite que o produtor possa cobrar um valor um pouco melhor, mais atrativo, ser melhor remunerado, do que por exemplo por uma cotação da saca que está na bolsa. Com um café especial, ele pode trabalhar com um valor um pouco melhor”, explicou o professor. Um dos principais atributos dos cafés especiais de Pernambuco é o selo orgânico. Quando um grão tem esse certificado, significa que foi produzido sem nenhum tipo de agrotóxico. Para ganhar esse selo, ele precisa ser avaliado por uma agência certificadora. Além do orgânico, há outros selos importantes: 8
As ondas do café
As quatro ondas do café definem o contexto de consumo e produção do grão em determinado local. Elas não são necessariamente cronológicas. Aqui no Brasil, por exemplo, há locais vivenciando a terceira onda, enquanto outros locais, a segunda ou até quarta onda. Primeira onda Foco no efeito do café no corpo: energia. Foi quando criou-se o hábito de sair de casa para tomar um café. Momento de surgimento das cafeterias. Segunda onda Foco na diferenciação do café. Produtores percebem o crescimento e melhoram a qualidade do grão. Começa uma personalização da bebida: café deixa de ser “tudo igual”. Terceira onda Foco na padronização desse café especial. Crescimento das certificações e valorização do local de produção do grão. Aqui há o surgimento dos vários amantes do café, que estão preocupados com o processo de produção do grão. Destaque para a profissão de barista. Quarta onda Foco na busca de conhecimento especializado sobre a produção da bebida por parte dos amantes do café. Alguns já têm acesso facilitado à maquinaria de micro-torrefação, por exemplo.
fairtrade (quando há repartição justa dos rendimentos em toda a cadeia de produção do grão), rainforest (se a plantação naquela região não fere problemas ambientais, se promove
ações ecológicas), origem (de acordo com a região específica onde é cultivado). “Antes pras pessoas, era assim, café é tudo igual. Hoje café é como vinho: tem em todo lugar mas a gente
sabe que vinho de determina- educação a distância que perdas regiões são melhores que mite um suporte próximo”, cooutros.”, conclui Marcelo. mentou Marcelo com uma certa esperança. Profissionalização Com essa formação, os producomo caminho tores podem fazer uma melhor para o futuro seleção dos grãos, aprendenMas nem tudo são flores. Per- do a torrar e lidar com pragas nambuco ainda precisa dar pas- e doenças do cafezal - que sos importantes para se estabe- nem sempre acometem outras lecer entre grandes produtores plantas já conhecidas pelos nacionais de café. Marcelo des- produtores. Com esse tipo de taca que ainda falta uma forma- profissionalização, a produção ção para os produtores adequa- de Pernambuco pode dar um da aos dias de hoje. “Aqui no passo à frente com grãos espeestado não tem nenhuma espe- cialmente selecionados e valoricialização em cafeicultura. Não zados pelo mercado e pelo paprecisa ninguém ser um agrô- ladar dos ávidos consumidores. nomo para fazer esse curso, é um curso técnico, de dois anos. Acho que é um conhecimento Método Koar que só vai agregar”. Você sabia que Pernambuco tem um método próprio Mesmo com grande vontade de coar café? Batizado como Koar, o processo tem de criar um curso nesse estilo como diferencial o suporte para o filtro de papel, à distância, Marcelo comenta uma peça produzida artesanalmente em cerâmica que ainda enfrenta dificuldades vitrificada. para desenvolver a formação. Diferente dos suportes para filtro que a gente conhece, “As pessoas falam ‘a produção o Koar tem pequenos sulcos ao longo de toda sua é pequena, ficamos muito temcircunferência. Esse formato de estrela, com suas po sem plantar café, estamos dezesseis pontas, é essencial para que o papel do filtro retomando faz pouco tempo’ não entre em contato com o suporte, e assim a água e falta oportunidade. As fazenescoa mais rápido. Ideal para cafés de moagem média das são um pouco distantes dos a fina. O resultado é uma bebida encorpada, com grandes centros, então falta doçura e acidez ressaltados. gente pra ir lá ou um projeto de 9
O cafĂŠ a seu favor
10
S
egundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), o café é a segunda bebida mais consumida pelos brasileiros, e só perde para a água. Essa bebida tem uma ação estimulante sobre todo o organismo, aumenta a atividade motora e também a atenção, mas é necessário tomar cuidados para que esta forcinha extra não tire seu sono e não comprometa suas atividades. Mas também, segurar uma rotina intensa de 40 horas de trabalho por semana não é fácil, nem em atividades intelectuais. O jornalista Mano Ferreira toma aproximadamente um litro de café por dia, ao longo de sua jornada de trabalho. “O café ajuda muito na minha produtividade. Eu só começo o dia com café, ele ajuda a aumentar a concentração nas horas de dispersão”, conta o jornalista. O café também é um aliado dos nutricionistas para aprimorar dietas, planos de exercícios físicos, e a saúde do paciente. “O café possui vitaminas do complexo B, magnésio, fósforo, zinco. Porém o mais importan-
te benefício é proveniente do ácido clorogênico, um polifenol vegetal com ação antioxidante que pode inibir inflamações e, portanto, reduzir o risco de doenças cardiovasculares e outras doenças inflamatórias prolongadas”, explica a nutricionista clínica e esportiva Tamara Rocha, especializada em emagrecimento consciente. “O café acelera o metabolismo devido a ação da cafeína, auxilia no emagrecimento: tem efeito termogênico e, com isso, auxilia na perda de peso. Tem ação diurética, eliminando mais toxinas do nosso organismo. Excelente pré-treino, reduz a sensação de fadiga, melhorando o desempenho e rendimento físicos”, acrescenta.
Ação neural
O efeito energizante do café começa no cérebro. “A principal substância do café é a cafeína. Ela é um estimulante do sistema nervoso central. Ao chegar no cérebro, ela se liga a receptores que potencializam as atividades das células nervosas”, explica o neurocientista e professor de farmacologia da UFPE Michel Melo. “A cafeína realmente aumenta a atividade motora, au-
50 ml de café
Calorias 3 kcal Proteínas 0,35 g Lipídios 0,5 g Carboidratos 0,75 g Cálcio 1,5 mg Magnésio 3 mg Fósforo 3 mg Ferro 0,01 mg Sódio 0,7 mg Potássio 39 mg Cobre 0,005 mg Zinco 0,025 mg Vitamina B3 0,025 mg Vitamina B1 0,005 mg Vitamina B2 0,005 mg Ácido Clorogênico 5 g Cafeína 1 g
menta a atenção, aumenta a vigília e a memória”, completa. A cafeína, quimicamente conhecida por 1,3,7-trimetilxantina, quando chega no sistema nervoso central, diminui a absorção da adenosina, uma substância neurotransmissora usada pelo cérebro para indicar que é hora de descansar. Ou seja, o cérebro não recebe a mensagem de que é hora de parar um pouco. Ao mesmo tempo, a dopamina, estimulante do cérebro, tam11
bém tem sua recaptação diminuída, e fica perambulando pelo sistema nervoso, contribuindo para manter as sinapses a todo vapor.
Hábito saudável ou vício?
A cafeína é a principal substância do café, mas pode estar presente em muitas comidas e bebidas, como chocolate, chá verde, chá preto, chá mate, refrigerantes de cola e de guaraná, e até alguns remédios para dor. Com tantos benefícios, e estando presente de cafeteiras de fiteiros a escritórios, é possível pensar que essa bebida é cem por cento saudável. Mas não tem jeito, tudo em exagero faz mal mesmo. “Consumido em excesso, pode aumentar o cortisol, que é o hormônio do estresse. O cortisol elevado vai prejudicar a qualidade do sono e pode atrapalhar as pessoas que querem perder aqueles quilinhos indesejados. E aqueles que sofrem de problemas como glaucoma, ansiedade, osteoporose, labirintite, hipertensão, gastrite, Síndrome do Intestino Irritável, não devem consumir 12
café sem antes passarem por uma consulta nutricional e uma avaliação médica”, diz a nutricionista Tamara Araújo. Do ponto de vista neurológico, “com seu uso contínuo e ininterrupto, potencializando os efeitos por muito tempo sem descanso, as funções benéficas do café começam a se degradar e o desempenho reduz, pois causa dessensibilização dos receptores nos quais a cafeína se liga. Isso resulta no aumento da tolerância, até que poderemos alcançar a saturação, um limite máximo de resposta à substância, e não ter mais os mesmo benefícios que tínhamos quando começamos a fazer o uso do café”, complementa o neurocientista. Mano Ferreira não consegue passar um dia de trabalho sem tomar seus cafezinhos. “Me considero um apreciador dos diversos tipos de grãos e métodos de extração, mas ao mesmo tempo sou sim um pouco viciado. Quando eu não tomo café, meu raciocínio fica mais lento, principalmente no começo da manhã, e tenho muito sono após o almoço”, justifica. Assim como o álcool e a nicoti-
na dos cigarros, a cafeína é uma substância química que tem potencial de dependência comprovado cientificamente. “O cérebro admite que a cafeína é própria do corpo e precisa da mesma para executar algumas funções. Então, ele vai ativar circuitos de recompensa para que o indivíduo busque tal substância. Isso se reflete em sintomas físicos como dor de cabeça e baixa atenção”, explica o neurocientista. Além disso, uma boa orientação para quem sofre de insônia é não tomar café após as 16 horas. O jornalista toma esse cuidado: “No meu cotidiano o café entra pela manhã e tarde, mas não à noite, exceto em demandas excepcionais de trabalho ampliado para fora do horário”, ele se defende. Como tudo na vida, o importante é manter o equilíbrio. No fim do balanço, a nutricionista considera que o café é sim um bom aliado para manter a saúde. “Na medida certa, não ultrapassando o consumo de quatro xícaras de 50 ml ao dia. O ideal é que o seu consumo seja sem adição de açúcar ou adoçante”, diz Tamara.
O movimento das cafeterias
A
preciar um bom café tem se tornado cada vez mais fácil na capital de Pernambuco. Amantes da bebida e degustadores minuciosos encontram satisfação com o festival Recife Coffee 2019: um circuito de 35 cafeterias da Região Metropolitana do Recife (RMR). A proposta é oferecer a degustação de um menu fechado e harmonioso com café, salgado e sobremesa: a sugestão do barista. O menu sai por R$ 25,90 nas 35 casas participantes. O evento anual já está na sua quarta edição, o que mostra o quanto esse festival cresceu. Sua história começou em 2015 quando sete amigos proprietários de cafeterias da RMR resolveram fazer uma espécie de rodízio de clientes. O projeto de “cartão infidelidade” consistia em indicar cafeterias dos amigos para incentivar o gosto por cafés especiais nos consumidores.
13
“As reuniões foram acontecendo e a amizade foi se desenvolvendo, tudo espontâneo e natural. Na época, tínhamos um público pequeno, as pessoas não conheciam tantas cafeterias. Então o mesmo cliente visitava várias e assim fomos criando um espírito de colaboração”, explica Izabela Hinrichsen. Ela é proprietária do Lalá Café & Cozinha Afetiva e participa da organização do festival desde sua primeira edição. Izabela contou que o ponto de convergência de todos esses empresários foi a barista Lidiane Santos: seu curso era o começo para todo mundo que queria empreender no ramo em meados de 2014 e 2015. Lidiane é pioneira no movimento das cafeterias no Recife. Antes mesmo de acontecer o que chamamos de “boom do café”, ela já dava cursos e fazia formações. Ter tantas opções de cafeterias assim é algo que os coffelovers recifenses só estão vivenciando de uns cinco anos pra cá.
Izabel Hinrichsen
Ela é proprietária do Lalá Café & Cozinha Afetiva. Em 2014, resolveu seguir sua veia empreendedora, saiu do mercado publicitário e virou sócia da mãe para dar vida ao Lalá e continuidade à tendência culinária da família. Ela acredita que as redes sociais são valiosas para seu negócio e para o Recife Coffee, já que sempre atuou dando voz ao festival. Izabela também integra a diretoria da Associação dos Empresários de Cafeterias de Especialidade de Pernambuco. O café especial com que o Lalá trabalha atualmente é da torrefação do Café do Brejo, que traz os grãos de Minas Gerais. Alguns foram especialmente trabalhados e feitos para o Lalá. Izabela sempre toma em casa os grãos que serve na cafeteria, mas ela gosta de várias os métodos de extração - seus favoritos para o dia a dia são a prensa francesa e o Koar.
Lalá Café & Cozinha Afetiva Rua Amélia, 470 Graças
do ramo notaram o crescimento no número de cafeterias na cidade - que já era percebido em outras cidades, mas até 2014 era um movimento tímido em Recife. Em 2015, donos de cafeterias criaram um circuito que seria o ensaio para o Recife Coffee. O primeiro passo foi dado na direO boom de cafeterias ção de organizar o movimento. no Recife No ano seguinte, aconteceu a Fica claro que o Recife Coffee primeira edição do festival com surgiu porque os empresários a participação de 15 cafeterias. 14
Em 2017, o número de participantes quase duplicou: chegou a 25. No entanto, o marco foi superado logo em 2018 e permaneceu o mesmo até a quarta edição, com 35 cafeterias participantes. Izabela Hinrichsen conta que abriu o Lalá em 2014 e que o boom aconteceu exatamente em 2015, quando surgiram mais cinco cafeterias ao mesmo tempo e depois outros empresários seguiram a tendência. Todas
essas novas cafeterias tinham a mesma pegada comercial e onde isso fica claro é no Recife Coffee: 35 cafeterias funcionando e servindo café especial. “A gente começou a ver várias cafeterias surgindo, inclusive fora dos bairros ditos nobres e mais pelo centro da cidade”, comenta Izabela, que passou por várias fases do movimento. “O mercado tá muito aquecido, mas ao mesmo tempo existe uma preocupação geral para que ele não passe por um retrocesso”. Para Izabela, essa alta vem com a necessidade de ser acompanhada por aspectos mais substanciais, como manter a cadeia produtiva aquecida e promover um suporte de informação sobre o nicho. “Eu não acho que essa terceira onda do café, e até já se fala de uma quarta, vai acabar. Ninguém vai deixar de tomar café no Brasil. No entanto, para um negócio se sustentar precisa ser substancial e se comprometer a trabalhar com o que promete”, defende. Sobre conquistar o público, a proprietária do Zoco Café em Olinda, Danielle Leal, conta que o público coffeelover está sem-
pre crescendo. “Alguém vem, se apaixona pelas nuances do café, curte o ritual, aí traz um amigo, aprende a fazer o café em casa. É uma rede que só cresce”, disse ela. O festival quer dar um impulso comercial e também disseminar o que é café especial. Com o surgimento de tantas cafeterias, houve a necessidade de explicar para o público que elas trabalhavam com um produto diferenciado e o que é, de fato, um “café especial”.
O compromisso com cafés especiais
O café passou por uma fase muito interessante dos últimos anos pra cá. Segundo Izabela, as pessoas começaram a entender que estavam acostumadas a tomar um café de má qualidade. A partir de certo momento os consumidores entenderam que os grãos que tomam diariamente não têm critério de seleção. “ É um café torrado de qualquer jeito para disfarçar que é ruim”, conta.
Danielle Leal
Dani é diretora secretária da ASCAPE e proprietária do Zoco Café há pouco mais de 3 anos. Ela e o esposo, Rodrigo Gonçalves, se tornaram sócios para criar em Olinda o espaço acolhedor e com comida gostosa que sentiam falta. O casal sempre curtiu gastronomia e já colecionavam boas referências através das viagens que faziam. Deram vida ao Zoco em 2016, em 2017 já estavam participando do Recife Coffee e a partir de 2018 mergulharam na organização do festival. No Zoco, trabalham com os grãos do Kaffe - uma torrefação recifense que usa Grãos trazidos de outras regiões do Brasil como Minas, Espírito Santo e Bahia. Para Danielle, o café ideal é um filtrado - morninho para reconhecer bem as notas sensoriais. De preferência, ao entardecer ou aproveitando o jardim.
Zoco Café
Av. Gov. Carlos de Lima Cavalcante, 1828 Casa Caiada Olinda - PE 15
O que ocorreu por muitos anos no Brasil é que o sabor do café foi mascarado. Com informação, o público começou a entender mais sobre a bebida, que hoje é vista como vinho: você aprecia, treina o paladar, reconhece que tem o tipo que gosta e o tipo que não gosta. Comparado aos cafés comuns, o café especial não é só mais caro e possui o selo gourmet: é um café bom, com características próprias, com processos de torra, produzido em localidades diferentes e mantendo essas características. A missão do Recife Coffee também é educar sobre a importância de toda a cadeia produtiva do café de especialidade e mostrar ao consumidor que essa dedicação fica explícita na xícara. Danielle Leal explica que o circuito sempre traz novos apreciadores de café especial. “Muitos acreditam que não gostam de café até provarem um grão especial e comentarem: mas esse é doce! Esse não tem amargor!”, afirma. Ela também conta sua experiência como proprietária de uma cafeteria que participa desde 2017 do Recife Coffee. “O festi16
val serve também para quebrar alguns preconceitos. Ano passado apostamos em um café filtrado no método Koar, e muita gente que acreditava que seria sem graça por não ter leite condensado ou algum outro ingrediente se apaixonou pelo método e virou cliente fiel.”
O que essas cafeterias têm em comum?
que visitava para o portal PorAqui e o Café na Cidade. A iniciativa foi movida pelo apreço à bebida, mas principalmente pela conveniência do conceito desses locais. “Eu gosto muito de cafeterias, acho o ambiente muito fácil e muito aconchegante. O café enquanto ambiente é um lugar que você pode ir o dia todo. E tende a sair mais barato. É um combo: comer coisa gostosa e não pagar muito, visitar um ambiente legal e diferente que dá para ir só passear e comer e também fazer coisas úteis como trabalhar, estudar e ler”, explica. O espírito de colaboração, que não é uma competência técnica, é essencial para que uma cafeteria possa participar do Recife Coffee. Foi por conta desse princípio colaborativo que os empresários que realizam o festival decidiram dar um novo passo e fundar a Associação dos Empresários de Cafeterias de Especialidade de Pernambuco (ASCAPE).
A primeira coisa que uma cafeteria precisa para participar do Recife Coffee é trabalhar com cafés especiais. Para isso precisam ter baristas, profissionais especializados em extrair as melhores características do café, além de incentivar que os funcionários conheçam bastante sobre esse universo. Todas as cafeterias que fazem parte do festival são de rua. Não são grandes franquias nem ficam dentro de shoppings. Têm como atrativo serem locais acolhedores, com decoração temática e detalhezinhos que captam olhares atentos e tornam toda a experiência mais gostosa. Suzana Souza é frequentadora De festival a do Recife Coffee e estudante de associação jornalismo. Em 2017, começou Izabela Hinrichsen explica que, a escrever sobre as cafeterias para os microempresários, o
mercado brasileiro é cruel. Das taxas aos fornecedores, tudo é custoso demais. Com essas dificuldades, os empresários de cafés de especialidade foram criando uma aproximação, e o hábito de colaborar entre eles foi crescendo a partir de coisas simples. Por exemplo, como toda cafeteria precisa de guardanapos, se um proprietário encontrava um fornecedor que vendia mais barato, passava o contato para os outros. “Se a gente buscasse individualização, a gente se enfraqueceria. Se a gente prezasse pela união, a gente ia ganhar a força de um
movimento”, conclui Izabela. O grupo de empresários já era unido, mas o que chamou atenção para criar a ASCAPE foi ver o surgimento de outras associações como a de cerveja artesanal - bem articulada, organizada e que tem dado resultados para os cervejeiros. Para os empresários do ramo, o desafio está na articulação para encontrar o equilíbrio entre o que você gasta e o que você fatura. Enquanto associação, os donos de cafeterias conseguem realizar suas compras gastando menos, além de terem mais força para se posicionarem numa
feira nacional ou internacional do ramo de café. São vantagens que fazem toda a diferença para microempresários que só uma associação com CNPJ pode garantir. A ASCAPE foi fundada em março de 2019 e sua primeira atuação oficial foi a realização da quarta edição do Recife Coffee que aconteceu entre dois de maio e dois de junho. Esse movimento das cafeterias já pensa no futuro e promete desenvolver muitos projetos para beneficiar e educar o público coffeelover, além de auxiliar os empresários do ramo. 17
Escritor, empresário e amante de café, Sergio Bivar (41), inaugurou em setembro de 2018 o Café Liberal 1817 , no Bairro do Recife.
Café Liberal
18
O
Café Liberal 1817 carrega a ambição de recriar uma época em que os cafés eram espaços de discussão de ideias, política e artes no Brasil. Inaugurado em setembro de 2018, funciona no coração do Recife Antigo em um prédio de mais de 100 anos e conta com cardápio de almoço, música ao vivo e, claro, café. Fomos recebidos pelo escritor e empresário Sergio Bivar, fundador do “Liberal”, para uma conversa sobre o que o café representa para o Recife, para o público e para ele.
REDAÇÃO - O cenário econômico do Brasil atual não é o mais propício para a abertura de novos empreendimentos, mas ainda assim você tirou a ideia do Liberal do papel. De onde saiu o ímpeto de realizar esse investimento mesmo em condições adversas? SÉRGIO BIVAR - Apesar do cenário adverso, o Café foi um projeto concebido três anos atrás, e fazia parte de uma empreitada maior, que era a reconstrução de todo o prédio onde ele se encontra. Em 2006, eu e mais dois sócios fundamos o Club Nox. Como hoje, nem de longe quero ver uma boate na minha frente, quis fazer algo que eu pudesse frequentar, e que não fosse desaparecer como um circo. Algo que dissesse do meu estado de espírito. Mas a concretização, por um viés mais pragmático, se deu por tratar-se de imóvel pertencente a família, onde o custo de aluguel não seria um problema maior. Afinal, uma coisa é investir num imóvel que lhe pertence. E ainda, o uso como café, ao meu ver, trata-se de uma vocação natural do espaço. Por fim, como trabalho no Recife Antigo já há 18 anos, senti que sabia das necessidades do bairro. O modelo de café bistrô, também serve pAra otimizar a utilização do espaço. Abrimos às 7 da manhã e alguns dias fechamos após a meia-noite. Quais os tipos de grãos utilizados no Liberal e de onde eles vêm? Usamos um fornecedor de café do interior de Pernambuco. Vem de Taquaritinga do Norte. Chama-se Puro da Serra.
Para você, o café pode ser considerado um elemento gourmet? Diria que tudo é gourmetizavel... mas essa palavra tornou-se demasiado plástica. Todo produto do segmento de alimentos e bebidas tratado pelo prestador com um pouco mais de carinho parece buscar esse reconhecimento. Buscamos servir algo de qualidade superior, feito na nossa terra, e com o cuidado que o insumo requer. O selo de gourmet já não diz o que almejamos ser, soa pretensioso.
Na sua opinião, qual o diferencial do Liberal em comparação com outros cafés da cidade? O diferencial do Liberal é que ele tenta recriar um ambiente onde os cafés eram locais onde se discutiam ideias, política e as artes, um espaço de vanguarda, onde se confabulam revoluções, e onde a amizade e a lealdade se constroem. Gostaríamos de ser esse lugar para todos que usam o Bairro do Recife, e por isso insistimos numa pegada cultural com música ao vivo, à noite.
Gostaria que você comentasse a respeito do ambiente do Liberal. É um conceito diferente, ao menos em Recife, para uma cafeteria. Entendo que cada lugar deve almejar ser único. O Liberal é diferente porque é no lugar mais central do Recife Antigo, fica num prédio de mais de 110 anos. Queremos trabalhar esse acolhimento proveniente da nossa história. Lembrar que dá pra se ter orgulho dela, de que coisas excepcionais ocorrem aqui, como a Revolução de 1817. 19
O que se diz político hoje é algo muito visceral, cheio de interesses paralelos e intolerância. Toda essa tensão deixa o debate na superficialidade A posição política do estabelecimento, em um cenário tão polarizado como o do Brasil atual, chegou a atrapalhar os negócios? Entendo que gerou certa desconfiança. A questão ideológica está bastante tensionada por conta das últimas eleições e materializada em personagens que muitas vezes nem representam as ideias nas quais são vinculados. Contudo, acho que a maior parte dos nossos frequentadores, na parte da noite, são eleitores de esquerda. Quem pensa, não cai nessa, não se mostra intolerante, não tem medo dialogar, até porque acredita no que fala. Mas nem de perto nos metemos no eleitoral. Muitas pessoas mais à esquerda que conheço só não se veem liberais porque não acreditam que o liberalismo possa existir de verdade. Contudo, a prova da existência do liberalismo são as sufragistas, os movimentos abolicionistas, todas as conquistas que remetem a liberdade do indi20
víduo, antes até de qualquer arrebanhamento. São questões, ao meu ver, consensuais. Não tem nada ver com o que tão banalmente se discute por aí. O lugar já recebeu algum ataque ou boicote? Se sim, como você lidou com isso? Já houve um esboço de boicote, se não me engano, no intervalo entre o primeiro e segundo turno. Rebatemos esclarecendo nas redes sociais, quem somos e o que nos propomos. O lugar é mais frequentado por pessoas liberais? Acredito que não. Mas eles se disfarçam bem, posso estar enganado. Você sente falta de outros lugares com este posicionamento político em Recife? Não, não sinto falta. O problema é que há pouco espaço para as ideais, a coisa vira Fla-Flu com muita facilidade. O que se diz político hoje é algo muito visceral, cheio de interesses paralelos e muita intolerância. Todo essa tensão deixa o debate na superficialidade. Você espera que o Liberal tenha algum impacto, politicamente falando, na conjuntura recifense? Espero que consiga resgatar a memória da Revolução de 1817. Que possa inspirar o diálogo, a fraternidade e um senso de que estamos todos no mesmo barco, na mesma história, e que devemos sempre buscar motivos para brindar, criar e almejar alguma coisa de melhor.
A
Resenhas
bra a porta do Borsoi, pisque mais demorado, inspire e sinta o cheirinho de café que toma conta do lugar. Esse café clube fica no Edifício Califórnia no Pina e coleciona muitos pontos positivos, apesar de um ou outro desagrado ao cliente. O lugar é pequenininho e conta com poucas mesas e um balcão, de onde dá para ver interessante preparação das bebidas servidas na casa. Cinza, metal e madeira tomam conta do ambiente que tem um ar industrial. As paredes também se tornam galeria para algumas obras de arte que visitam o local e alguns produtos artesanais ficam expostos à venda numa pequena estante. No mesmo local, também estão livros que os clientes podem dar uma olhadinha ou ler numa tarde chuvosa. Mesmo pequeno, o Borsoi também tem a coragem de ser pet-friendly, mas há de se questionar o bem estar dos bichinhos num ambiente tão restrito. Além disso, às vezes está lotado e não tem mesa, mas sempre é difícil de estacionar nos arredores. A equipe do Borsoi só pode ter sido escolhida pela simpatia, cada colaborador é capaz de receber os clientes com sorriso largo e prontidão para apresentar a casa. No entanto, quanto ao serviço o café deixa a desejar. Em ocasiões distintas os pedidos chegaram à mesa sem o devido cuidado, porque não há nada mais desconfortável do que quando o seu cremosíssimo milkshake Madame Decor (R$18) de chocolate branco (com pedacinhos macios!), com calda de frutas vermelhas e 21
chantilly chega à mesa e você sente a obrigação de esperar o pedido da sua companhia chegar também. Pior ainda é quando você convida uma pessoa para jantar e vocês acabam comendo em momentos diferentes porque a sua Salada Caesar com adicional de tiras de filé (R$25) chegou quase 10 minutos depois do Rocambole de Queijo e Presunto (R$ 17), que por sinal parecia um salgado e era pequeno demais para estar na parte do cardápio em que ficam os pratos principais. Para acertar em cheio no pedido foi só pedir a recomendação da barista Renata. Para a tarde, ela recomendou a fatia de bolo do dia (R$8) com um café especial filtrado pelo método de extração Aeropress (R$ 9). Surpreendente. O bolo chegou bem quentinho, a massa era de canela com pouca marcação de sabor da especiaria - que ficava por conta da cobertura de brigadeiro também de canela. O café foi servido numa xícara charmosinha que lembra copo americano e por ter notas pouco ácidas e ser encorpado, harmonizou bem com o bolo. Uma delícia aproveitar um fim de tarde aconchegante no Borsoi. Continuando com as boas surpresas, o local tem opções veganas e conta até com uma ver-
Borsoi Califórnia
Da terça à sexta-feira, 9h - 22h No sábado e no domingo, das 8h (café-da-manhã) às 22h 2º Jardim de Boa Viagem
22
são fit do pão de queijo que leva linhaça, chia e ricota, é fofinho por dentro e tem aquela casquinha crocante por fora. A versão do Borsoi da delícia mineira é muito gostosa, é servida em porções de 6 unidades (R$7) pequenas. Em linhas gerais, o Borsoi vale a pena quando cumpre o que promete: café e os tradicionais acompanhamentos para uma tarde saborosa. Com mais de 20 tipos de café e métodos de extração no cardápio, a casa faz moagem própria e se garante em ofertar cursos e oficinas sobre café para os apaixonados pelo grão e para os profissionais da área. Por isso o Borsoi é um lugar no Recife para saborear um café bem feito ou um capuccino tradicional, preparado apenas com leite vaporizado, espuma de leite e café. E o melhor de lá com certeza é o cheirinho de café.
A
ideia inicial do Praliné era só servir café. Com o tempo, o projeto evoluiu e incluiu lanches e refeições com menu mais robusto, além de compartilhar o espaço com a produção de tortas, vendidas pela marca de mesmo nome. A casa oferece sete opções diferentes de preparo do café, sendo duas delas os filtrados. A variedade pode ser baixa para os mais exigentes, mas ao menos os preços são bem acessíveis. Nenhuma opção passa dos R$ 9. Se a fome apertar, um dos destaques do menu são os sanduíches, que o cliente pode optar por virem no croissant ou no pão ciabatta. As versões recheadas com ricota, rúcula, ratatouille, geleia de cebola e castanha de caju (R$ 14) e rosbife, gorgonzola, mostarda dijon, tomate e
rúcula (R$ 18) valem cada um por uma refeição e são muito saborosos. À noite, é a vez das sopas satisfazerem o estômago, vendidas em dois sabores diariamente. As opções são de caldo verde, milho, cebola, ervilha e jerimum. Todas custam R$ 16 e vêm acompanhadas de torradas de ervas. Quanto a opções de sobremesa, tortas, cup cakes e brownies reforçam a vocação do Praliné para doces.
Praliné Café et Délices
Da segunda ao sábado, 9h - 17h No domingo, das 11h às 17h Rua Guimarães Peixoto, 80 Casa Amarela Informações (81) 3019-1345
23
Um bom café
24
H
á alguns dias vi uma foto no Instagram. Copo da Starbucks na mão, o homem na foto era um daqueles com barba, óculos de armação grossa, algum dinheiro na conta e uma graduação de humanas. Na legenda, “excelente começar o dia com um bom café!”. Continuei vendo o feed, mas parei. Voltei para a foto. Um “bom café”? Da Starbucks? Absurdo. Lembrei de Ratatouille, a animação. Há uma cena em que o temido crítico gastronômico prova um prato e mergulha num vórtice para o dourado da infância, o calor da comida materna. Uma das mais bonitas que já vi. Café ruim desperta em mim uma viagem parecida, mas obscurecida pela raiva com que lembro de certas experiências. O expresso de aeroporto, feito numa máquina que nunca conheceu a felicidade da limpeza. O café já gelado do escritório da firma nova, feito com um filtro que, descobri depois, estava meio mofado. O latte horrível e caro, com a consis-
tência de um chá da pior qualidade, frio como “adoro esse bolo” ou “adoro essa roupa”. Cera morte, comprado num hotel chique, onde eu tos adjetivos não podem ser despejados por aí obviamente não estava hospedada. em qualquer coisa. Nem mesmo em legenda de E, claro, o primeiro e único café da Starbucks que instagram. tomei. Avenida Paulista, 2017. Terrivelmente ralo, O pedantismo da minha indignação até me fez retrogosto de fumaça, afogado numa camada de refletir por um bom tempo. Afinal, pra que julgar pelo menos 5cm de chantilly. Puro açúcar. A an- alguém por uma legenda de foto? Mas imagino gústia da lembrança é ainda maior pelo preço do que minha indignação não era pedante, só um erro. Nenhum dos cafezinhos de fiteiro - tomei o instinto de proteção de todas as memórias desde Seu Sandro diariamente nos anos de pobreza se prazer específico que cresceu comigo. Foram estudantil - chegaram àquele nícafés suaves, amargos, com chovel. E custavam 1 real. colate, gelados, de Minas, da Entre Na vida, alguns prazeres ultraEtiópia, em canecas de cerâmiestranhamento e passam o entretenimento. Torca e copos de isopor. Cafés da paixão, há sempre máquina que sempre quebrava nam-se um interesse, uma característica definidora. E café pra e engolia nossas moedas na esgradualismo – mim não é bolo de chocolate. É cola, quando saíamos em banprazeres cheios de um prazer até difícil de sentir. do pra tomar um na hora do recamadas precisam Mas pode levar do doce ao sucreio. São degraus na escada do disso. Uma boa ave, do amargo ao refrescante, gosto à apreciação. Memórias do cansaço ao vigor em poucos de formação que tornaram um xícara de café é minutos. Um prazer que pede bom café a base de lembranças um deles paciência, interesse, experiênfelizes. Talvez eu tenha ficado cia para ser desfrutado. Se bem triste pelo homem da foto, que aproveitado, é complexo, o que geralmente sig- pode ter perdido experiências igualmente colonifica causar estranhamento no primeiro contato. ridas ao assumir a graxa da Starbucks como um Entre estranhamento e paixão, há gradualismo - estado de graça. prazeres cheios de camadas precisam disso. Um Ou talvez eu esteja sendo pedante mesmo. Probom café é um deles. vavelmente ele sequer pensou muito antes de Daí meu espanto indignado com o título de “um publicar a foto. Era uma legenda, não um soneto. bom café” desperdiçado na Starbucks. Paulo De todo modo, minha tese aqui é outra: “bom Coelho não é Machado de Assis - há limites. Mi- café” é uma expressão de respeito. Até no Instanha avó que o diga. Criou todos os netos com a gram deveria ser usada com moderação. máxima “adorar, só a Deus” - jargão que repete até hoje, sempre que escuta um de nós falando Sarah Melo 25
Eu medi minha vida com colheres de cafĂŠ. - T. S. Eliot
26
Arabica