ECO DAS
COMUNIDADES Boletim Trimestral da Diocese de Inhambane nº 104 - Ano 2017
MÁRTIRES DO GUIÚA: CATEQUISTAS FIÉIS ATÉ AO FIM
E CO DA S C O MUN I DA DES ECO DAS
EDITORIAL
COMUNIDADES Boletim Trimestral da Diocese de Inhambane nº 104 - Ano 2017
Catequistas fiéis até ao fim: cristãos como nós, mártires do meio de nós MÁRTIRES DO GUIÚA: CATEQUISTAS FIÉIS ATÉ AO FIM
Passam, no próximo dia 22 de Março. 25 anos que morriam (19922017), supliciados por causa da sua fé, os Mártires do Guiúa Com este número especial do ECO DAS COMUNIDADES a Diocese de Inhambane cumpre um dever de gratidão para com os catequistas mártires que ofereceram a sua vida no cumprimento do seu ministério ao serviço da Igreja diocesana. Queremos tributar -lhes uma homenagem de veneração. A morte cruel que sofreram assemelha-os a Cristo. Foram vítimas do ódio. Eles souberam morrer pacientemente, souberam perdoar e se sentiram unidos a Cristo, sace rdote e vítima, manife stando uma c onsciê ncia “martirial” perante os acontecimentos. Os mártires marcaram a Igreja de todos os tempos. Desde os inícios da Igreja os cristãos foram chamados a dar o supremo testemunho de amor perante todos especialmente perante os perseguidores. A Bem-Aventurança dos perseguidos (Mt 5, 10s; Lc 6, 22s) não está reservada apenas aos cristãos dos primeiros séculos ou de outros continentes, mas tornou-se numa das características da Igreja dos nossos tempos, também em Moçambique.
INDICE 2 - Editorial 4 - Edital 5 - Cronologia: ataque, sequestro e morte dos catequistas de Guiúa e seus familiares. 12 - Biografia dos Servos de Deus 20 - Mártires de Guiúa: O caminho para chegar à glória dos céus (Processo de Canonização) 22 - Carta do Bispo de Inhambane por ocasião do 25º aniversário dos Mártires de Guiúa
EDITOR Secretariado de Acção Pastoral Centro de Promoção Humana de Guiúa C:P: 191 INHAMBANE Janeiro—Abril 2017 centroguiua@gmail.com
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O mártir desempenha um papel importante na evangelização. A evangelização realiza-se por meio de testemunhas: porém a testemunha não dá apenas testemunho com as palavras, mas também com a vida. Proclamando e venerando a santidade de seus filhos e filhas, a Igreja dá glória a Deus; nos mártires venera Cristo, que está na origem do seu martírio e da sua santidade. Este número do ECO ajudará todos os diocesanos a manter bem viva a recordação da fidelidade cristã dos nossos mártires do Guiúa. Estes catequistas mártires e tantos outros da nossa diocese por nós desconhecidos são para todos nós um desafio. O mártir interpela: Que lugar ocupa Deus na nossa vida pessoal, familiar, social e eclesial? Interpela-nos sobre o grande mandamento do Senhor: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo. O mártir, para consegui-lo, foi capaz de dar a sua vida. O sangue dos nossos catequistas mártires é semente de vida santa para todos e de evangelização. Estes dois frutos estão sempre relacionados entre si. Especialmente nos momentos históricos como os actuais. O mártir é o testemunho fiel de Cristo. Na sua vida, e especialmente na sua morte cruenta, faz-se evidente a fidelidade a Cristo. Estas páginas estão cheias de recordações para todos os diocesanos, por razão da consanguinidade e da acção pastoral, e
são uma lição de fidelidade simples e clara que sempre é boa e proveitosa para todos que nos coloca á prova em situações novas e incruentas, porém também difíceis. Escutemos, pois, a mensagem d e sta s p á g in a s, ta l c o mo a s comunidades dos primeiros séculos escutavam as “Passiones” ou “Martyria” dos irmãos de baptismo imolados nos estádios e nas prisões, com o desejo e suficiente humildade para descobrir nele “que diz ao Espírito às suas Igrejas” (Ap 2,7). Que força tinham recebido na sua fé em Cristo para afrontar tantas provas e perseverar heroicamente na fidelidade ao seu compromisso? O martírio destes homens, mulheres e crianças constitui uma forte interpelação e também uma grande esperança para a Igreja de Moçambique de hoje. Embebido pelo sangue de tantos mártires, o solo africano é verdadeiramente fértil. Cabe-nos a nós, cristãos de hoje, semear nele, pelo ardor e entusiasmo na nossa fé, as flores de amor, abnegação e dedicação de que o nosso continente tanta n e c e ssid a d e te m p a ra o se u desenvolvimento. P. Diamantino Antunes, imc Postulador
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CRONOLOGIA DOS ACONTECIMENTOS
ATAQUE, SEQUESTRO E MORTE DOS CATEQUISTAS DO GUIÚA E SEUS FAMILIARES ATAQUE AO CENTRO CATEQUÉTICO 22 de Março de 1992: Domingo Quando tudo estava já silencioso e a noite pairava sobre o Centro, os guerrilheiros vindos das colinas limítrofes, circundaram as casas do Centro Catequético. Um som furtivo e surdo, insinua-se por entre os caminhos, pareciam passos, passos de muita gente em ritmo apressado. Na calada da noite, um grupo de homens armados, invade o espaço e cerca as casas. Os catequistas adormecidos acordam com fortes pancadas nas portas e logo os que não as abriram as viram arrombadas com violência. Arrancados ao sono, surpreendidos com a violência da investida, não conseguem resistir e cedem às ameaças. De casa em casa os assaltantes obrigam os catequistas, suas mulheres e filhos a seguilos, imobilizando-os para que não dessem o alarme. Dois, que tentaram fugir, foram mortos imediatamente. 01h00 - Começa o cerco e assalto às casas dos catequistas: arrombo de portas, fuga, sequestro. Os guerrilheiros assaltam as residências. Batem às portas e janelas das residências dos catequistas: “Abre! Sai! 01h15 - Os guerrilheiros disparam sobre os catequistas em fuga. Morte dos catequistas Carlos Makuinane e Faustino Cuamba. TENTATIVA DE INVASÃO DA CASA DAS IRMÃS As Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria – Lucia Constâncio Mucumbi, Lurdes Samussone, Teresa Balela e Elisa Leopoldo Tembe e as noviças estagiárias, Ermelinda António Wache e Lúcia Mirione, acordam com o barrulho. Como havia um luar muito claro veem pela janela pessoas a movimentar-se junto das casas dos catequistas. Ouvem disparos vindos das casas dos catequistas (morte do catequista Carlos). Após 15 minutos repetiram-se tiros (morte do catequista Faustino). Da sua janela, vêem em seguida um numeroso grupo de pessoas que se dirige em direcção da sua residência: eram os guerrilheiros que escoltavam o grupo de catequistas já sequestrados e que se dirigiam à sua residência. Aí chegados gritaram para que saíssem, chamando mesmo pelo nome das Irmãs Lúcia e Lurdes. Estas porém nada responderam. Os assaltantes ainda tentaram arrombar a porta mas, como se esta oferecesse resistência e entretanto se ouvisse o som de uma bazuca, decidiram retirar, sempre mantendo prisioneiros os catequistas e outras pessoas do Centro. 01h30 - Depois do saque, os guerrilheiros, com as pessoas sequestradas, dirigem-se pela rua que, da primeira fila de casas, dá para residência das Irmãs. Pelo caminho, arrancam das costas de Catarina Sambula a sua criança (Cândida Armando), porque chorava muito, e lançam-na ao chão. 5
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TENTATIVA DE RESPOSTA AOS MILITARES 01h45 - Um grupo de guerrilheiros atravessou o rio Guiúa talvez à procura dos soldados que tinham disparado os obuses de morteiro. Não encontraram ninguém nas casas da aldeia. Este grupo no regresso ao Centro, captura Madalena Arone que estava refugiada no alpendre do posto de saúde, próximo da igreja. INÍCIO DA MARCHA 02h00 - Os guerrilheiros deixam a casa das Irmãs e iniciam a sua marcha atravessando o Centro em direcção à Escola Primária INTERROGATÓRIO: O GRANDE TESTEMUNHO No interrogatório a que foram submetidos, os catequistas manifestaram a sua identidade e confessaram a sua fé, falaram da sua actividade apostólica e do motivo puramente religioso e cristão da sua estadia no Centro catequético do Guiúa. Confessaram e não negaram. Interrogaram primeiro as mulheres e depois os homens. 02h15 - Depois de ter percorrido a estrada principal que atravessa o Centro, depois da Residência dos Padres, começam a subir em direcção à Escola Primária. Reuniram-se no recinto da Escola Primária do Centro. Daqui, caminharam uma curta distância e pararam junto de uma casa, onde foram longamente interrogados. CAMINHADA PARA O LUGAR DO MASSACRE 03h30 - Os guerrilheiros abandonam o povoado e avançam pelo mato. Minutos depois que dali tinham partido, mataram uma adolescente ou jovem, talvez para assustar o grupo. JUÍZO FINAL: ELIMINAR ADULTOS E CRIANÇAS Impõe-se uma lógica de guerra e acende-se o rastilho do mal. Há que decidir em segundos que fazer aos bens confiscados e às pessoas raptadas. A escolha é implacável, suprimir imediata e indiscriminadamente homens, mulheres e crianças. Ali mesmo, após cerca de 3 kms de marcha, num local alto e ermo, onde seria difícil chamar a atenção. 04h30 - Depois de andarem cerca de 3 km em direcção ao litoral, pararam. Os guerrilheiros afastaram-se um pouco dos raptados para combinar o que fazer. 04h45 - Depois de discutirem entre si, os guerrilheiros tomam a decisão: separam 10 adolescentes e jovens do grupo dos adultos e crianças. O primeiro grupo (adolescentes) devia ir com eles; o segundo grupo devia ficar ali e ser eliminado. TESTEMUNHO DE FÉ FINAL: REZAR NA HORA DA PROVA Apercebendo-se da inevitabilidade do seu destino, alguns catequistas ajoelham e rezam, outros tentam excluir-se da lógica de guerra que grassava no país e ousam 6
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afirmar que vinham por bem, estudar para anunciar o Evangelho, semear a paz naquele país de famílias desavindas. 05h00 - Perante tal sentença de morte e pressentindo o fim, o catequista Paulo Saieta Cuinhane, convoca todos os catequistas à oração: Nós vamos rezar! Já vemos qual é a decisão destes homens e o final do nosso povo. Vamos rezar, pois já sabemos que chegou o nosso dia. A FUGA DO CATEQUISTA PAULO CUINHANE 05h10 - No momento em que estava para ser morto, o catequista Paulo Cuinhane, decide-se pela fuga. MASSACRE - MARTÍRIO Nada valeu aos sequestrados, o apelo de reconciliação. Brutalmente, à queima-roupa, 20 pessoas, homens, mulheres e crianças pereceram, trespassados por baionetas. O sangue dos mortos ensopou para sempre o chão de areia do Guiúa, num silencioso testemunho que ainda hoje ressoa como um grito de fé. 05h15 - Começa o massacre do grupo de adultos e crianças usando crueldade bestial. Mandaram uma menina de quase 6 anos dizendo para ela: Corre, vai à missão dizer que estamos a matar! Se quiserem, podem vir com soldados quanto antes. Entretanto, um catequista, Paulo Cuinhane, não aguentando ouvir os gritos da sua esposa Verónica que estava a ser morta à baioneta e vendo a sorte que lhe estava reservada, aproveitando uma distração da vigilância, pôs-se a correr “ziguezagueando” por entre os arbustos e conseguiu escapar à perseguição que lhe fizeram. Entretanto começaram a chegar os cristãos da zona para saber do acontecido e manifestarem a sua solidariedade. Depois de algum tempo chegou um grupo de militares vindos de Inhambane para verificar o acontecido. Informámos sobre o que tinha acontecido PROSSEGUEM COM A MARCHA 05h45 - Depois da chacina, os guerrilheiros continuam a sua marcha levando consigo um grupo de adolescentes poupados á morte. DESCOBERTA DOS DOIS CATEQUISTAS ALVEJADOS No Centro do Guiúa, a noite dava lugar à alvorada. Depois do silêncio das armas e do restolhar dos passos dos guerrilheiros, a equipa Missionária - as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria e os Missionários da Consolata - saem das suas residências e recolhem informações mais detalhados do que tinha acontecido durante o assalto ao Centro. Encontram alguns civis que moravam perto do Centro e alguns catequistas que tinham conseguido escapar aos guerrilheiros. Os catequistas que lograram a fuga faziam o relato dos vários momentos do assalto ao Centro, como conseguiram escapar. 05h30 - As Irmãs encontram os corpos mortos dos catequistas Carlos e Faustino próximo das suas casas. 7
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05h45 - As Irmãs vão ao encontro dos Padres e informam-nos sobre o rapto das famílias e a morte dos dois catequistas. 06h00 - A criança de colo (Cândida Armando) arrancada á mãe (Catarina Sambula) e abandonada é encontrada. 07h10 - P. André parte para a cidade de Inhambane para avisar o senhor Bispo D. Alberto Setele dos acontecimentos: sequestro dos catequistas e morte de um catequista. (só tinham encontrado até então o corpo do catequista Carlos). CHEGADA DA MENSAGEIRA 07h15 - A menina, Esperança Benedito, mandada pelos guerrilheiros chega ao Centro e informa o P. John Peter Njoroge e as Irmãs Franciscanas de Maria que os guerrilheiros estavam para matar os catequistas e que era necessário mandar os soldados para evitar o massacre. VIAGEM DO PADRE ANDRÉ BREVI A INHAMBANE PARA AVISAR O BISPO 07h40 - O Padre André Brevi comunica a notícia do assalto ao Centro do Guiúa ao Bispo de Inhambane, D. Alberto Setele, que celebrava na Catedral a Missa. 08h00 - P. André, voltando ao Guiúa recebe outras notícias: a informação trazida pela criança, Esperança Benedito, de que os catequistas iam ser mortos, o filho do catequista Carlos Makuanane que tinha conseguido fugir e agora queria ver o pai, porque tinha visto os homens armados disparar contra ele. A realidade era triste mas primeiro prepararam um pouco o corpo do catequista Carlos. Alguns cristãos fizeram esta obra de caridade. 08h20 - Depois de ter falado com a Irmã enfermeira, o P. André leva com urgência Esperança Benedita ao hospital de Inhambane e uma criança ferida (Arlindo Leonardo) que morreu a caminho do hospital. Esperança Benedito foi atendida imediatamente no pronto-socorro, e em poucos dias recuperou completamente. O P. André volta a correr ao Guiúa para poder acompanhar os factos. DESCOBERTA DO LUGAR DO MASSACRE O local do massacre, revelou-se inacessível aos carros. Os padres André e Njorogue, a Irmã Teresa Balela e outras pessoas percorreram a pé o trajecto entre os carros e o campo de uma batalha sem lei. O horror reflectiu-se no rosto de quantos presenciaram o amontoado de cadáveres e o denso manto de sangue e de morte. Um a um, os mortos foram carregados em cobertores e colocados nos carros estacionados. 09h00 - Dois soldados que se encontravam entre a comunidade cristã acompanharam um grupo de cristãos que com os missionários foram à busca e recuperação dos cadáveres. Partem com três Toyotas para transportar os corpos. 9h30 - Encontram os cadáveres dos catequistas e familiares mortos à baioneta. Uma criança de 6 meses, Juvêncio Carlos, foi encontrada com 4 8
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feridas na barriga e no peito, agonizante, enquanto mamava o sangue da mãe, pensando que fosse o leite materno. Morreu nos braços da mãe. Uma criança de 15 anos gemia e dois bebés choravam entre os cadáveres. Um bebé, Arlindo Leonardo, morreu a caminho do hospital. O outro bebé e a criança foram operados e salvaram-se. TRANSPORTE DOS CORPOS DAS VÍTIMAS 10h00 - Viagem de regresso ao Centro do Guiúa transportando os cadáveres. Um a um, os mortos foram carregados em cobertores e colocados nos carros estacionados um pouco distante do lugar do massacre. 10h30 - Os corpos foram depositados no alpendre do então Posto de Saúde do Centro, atrás da igreja paroquial, ali foram lavados e compostos. Uma forte chuvada ajudou as senhoras que estavam a fazer este piedoso trabalho. CUIDAR DOS CORPOS Chegados ao Centro os corpos foram alinhados na varanda do posto sanitário. Sob a orientação da Ir. Teresa Balela, as mulheres lavaram os cadáveres. Outros irmãos preparavam-se para abrir as campas para sepultar os defuntos. 11h00 - Um grupo de senhoras, dirigidas pela Ir. Teresa Balela, começa a lavar os corpos das vítimas, enquanto um grupo de homens começa a abrir as covas para o enterro num terreno entre a casa dos Padres e a casa das Irmãs. FORTE CHUVADA Nesse Domingo, a temperatura subiu demasiado e, por volta do meio-dia uma trovoada muito forte sacudiu o céu. Um dilúvio de chuva jorrou e lavou a terra, como se quisesse lavar o sangue dos inocentes. A chuva providencial, fez diminuir a temperatura permitindo que os corpos pudessem suportar a espera, sem entrar em decomposição. Nessa noite, só os padres e os defuntos permaneceram na Missão ferida, para sempre, pelo silêncio da morte. 12h30 - Uma trovoada muito forte sacudiu o céu e começou a chover intensamente. 12h35 - Os guerrilheiros, a caminho da base com os jovens sequestrados que carregam os bens pilhados no Centro, ao verem uma chuva tão forte e a água que estraga a comida roubada, exclamam: fomos castigados porque matámos os filhos de Deus! PREPARAR UM ENTERRO DIGNO 13h30 - D. Alberto Setele chega ao Guiúa para informar que já encontrou madeira para fazer os caixões e que o funeral fica marcado para o dia seguinte: indica um novo local, numa colina próxima, para a abertura do cemitério onde serão sepultados os catequistas e os seus familiares. 15h00 - Um grupo de cristãos de de Inhambane com três catequistas da Missão do Guiúa, carpinteiros, começaram a fazer os caixões no pátio da casa episcopal, em Inhambane, para o enterro das vítimas. 9
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16h00 - Os guerrilheiros mandam de volta a jovem Florência Leonardo 17h00 - O P. Brevi, com a ajuda do Frei Andrade, pároco de Inhambane, leva para a cidade os cristãos que vieram ajudar a transportar e preparar os corpos dos defuntos. Levam também as famílias dos catequistas sobreviventes para passarem a noite mais seguros na cidade. Também as irmãs Franciscanas Missionárias de Maria vão pernoitar em Inhambane. 18h00 - Os guerrilheiros chegam com os sequestrados a uma base intermédia: Paindane 18h30 - Chegada ao Centro do Guiúa da jovem Florência Leonardo, filha do cozinheiro dos Padres, Leonardo Joel, que depois do massacre tinha sido levada com os guerrilheiros e depois deixada: é acolhida pelos padres Brevi e Njorogue que se encontram sozinhos no Guiúa. 21h25 - P. André começa a escrever o relatório sobre o Centro Catequético do Guiúa e o massacre. Descreve os factos: assalto, sequestro, massacre, transporte dos corpos, preparação do funeral. 23 de Março de 1992: Segunda-Feira No dia seguinte, os trabalhos de preparação do cemitério começaram cedo. Da cidade chegavam os caixões e os parentes dos falecidos que deveriam reconhecer os cadáveres, já fortemente inchados e quase irreconhecíveis. A cada um era posto o seu nome para não haver troca de pessoas. Chegaram os Sacerdotes das missões vizinhas. Veio de Maputo o Encarregado de Negócios da Delegação Apostólica em Moçambique. O senhor Bispo, Dom Alberto Setele, presidiu à celebração que decorreu fora da capela por o ar ser irrespirável. Depois os corpos foram levados para o cemitério, acompanhados por familiares e conhecidos. Ainda hoje jazem, no alto da colina do Centro e a sua memória, é profundamente venerada. 8h30 -
Chega ao aeroporto de Inhambane Mons. Juan Vicente Segura, Encarregado de Negócio ad ínterim da Delegação Apostólica em Moçambique, acompanhado pelo P. Francisco Lerma Martinez. 11h00 - Missa Exequial de corpos presentes - O funeral realizou-se na SegundaFeira, dia 23 de Março, pelas 11:00hs, em frente da porta principal da igreja do Centro e foi presidido por Dom Alberto Setele, Bispo da Diocese. Concelebraram Mons. Vicente Juan Segura, Encarregado de Negócios da Delegação Apostólica e vários sacerdotes da Diocese. 13h00 - Os corpos dos catequistas e seus familiares foram sepultados no cemitério novo do Centro que se inaugurou nesta ocasião. Preside ao rito litúrgico o director do Centro Catequético, P. André Brevi. 10
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CRONOLOGIA E BIOGRAFIA DOS SERVOS DE DEUS Lista dos Servos de Deus Catequistas do Guiúa e seus familiares
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Ivone Faustino, 5 anos ............................................. Inhambane Cecília Jamisse, 38 anos ........................................... Inhambane Faustino Cuamba, 44 anos ...................................... Inhambane Catarina Sambula, 27 anos ...................................... Vilankulo Isabel Foloco, 45 anos ............................................. Morrumbene Benedito Penicela, 48 anos...................................... Morrumbene Joaquim Marrumula, 53 anos.................................. Jangamo Verónica Sambula, 32 anos ..................................... Mapinhane Madalena Arone, 50 anos ........................................ Guiúa Deolinda Fernando, 30 anos ................................... Mocodoene Gina Fernando, 11 anos .......................................... Mocodoene Peres Manuel, 34 anos (morto no dia 13. 09. 87) .......... Beira Maria Titose, 32 anos ............................................... Guiúa Rita Leonardo, 8 anos .............................................. Guiúa Arlindo Leonardo, 1 ano ......................................... Guiúa Leonardo Joel, 47 anos ............................................ Guiúa Arnaldo Adolfo, 15 anos ......................................... Massinga Zito Adolfo, 4 anos .................................................. Massinga Luisa Mafo, 49 anos ................................................. Massinga Juvêncio Carlos, 11 meses ....................................... Funhalouro Fátima Valente, 21 anos........................................... Funhalouro Carlos Mukuanane, 35 anos .................................... Funhalouro Susana Carlos, 12 anos............................................. Funhalouro 11
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BIOGRAFIA DOS SERVOS DE DEUS
Servo de Deus Peres Manuel (19531987) - Nasceu em Mutarara, Província de Tete, em 14 de Maio de 1953. Filho de Manuel Meque e Mwanacha Olesse. Foi baptizado, aos 24 anos, na paróquia do Alto da Manga, na Beira no dia 10 de Abril de 1977. No mesmo dia contraiu matrimónio religioso com Albertina Pitanga e com ela teve sete. Era de profissão operador de máquinas. Bom pai de família e zeloso catequista. Foi um destacado animador da comunidade paroquial do Alto da Manga. Na altura em que foi para o Guiúa, estava a surgir a nova paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Nhamatanda, situada junto à linha férrea que liga Beira a Machipanda. Peres Manuel foi escolhido pela sua comunidade para frequentar o curso de formação de catequistas no Guiúa, província de Inhambane. A longa distância a percorrer entre a Beira e Inhambane, num país atravessado pela guerra, não o demoveram de frequentar o curso de catequistas que tinha a duração de dois anos. No trágico dia de 13 de Setembro de 1987, ocorreu um ataque armado ao Centro Catequético do Guiúa. Era domingo e Peres encontrava-se fora da sua casa. Alertado pela fuga precipitada dos vizinhos, corre para sua casa no sentido de proteger a sua família. Mal chega, confronta-se com homens armados. Oferece-lhes resistência, pois não os quer seguir na guerra, e é imediatamente atingido nas costas, por balas que o trespassam e lhe causaram a morte.
pescador, de quem herdou a arte e o ofício. Seus pais eram Cuamba e Guiumbe. Baptizado aos 13 anos, no dia 19 de Março de 1961. Contraiu matrimónio com Cecília Jamisse Bande em 5 de Abril de 1970. Foi responsável político da juventude do bairro e era crente assíduo da comunidade. Em 1977 era responsável e catequista da comunidade de Conguiana, pertencente à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Inhambane. Devido às perseguições sofridas pelo regime de inspiração marxista, resolveu abandonar o cargo de responsável político da Juventude para se dedicar à comunidade. Em 1986, agregou as comunidades de Conguiana, Josina, Tecuane e Ilha numa zona pastoral. A sua dedicação e carisma motivaram a sua escolha para o curso de formação anual de catequistas. Ciente do perigo que corria, aceitou a escolha e partiu para o Guiúa. Faustino foi metralhado no ataque ao Centro Catequético, no dia seguinte à sua chegada. Tendo ficado gravemente ferido, acabou por morrer. Serva de Deus Cecília Jamisse Bande (1951-1992) - É oriunda da região do Tofo-Inhambane. Nasceu no dia 15 de Agosto de 1951 na família de Jamisse Bande e Tofo Chaquice. Filha de pais de proveniência cultural Tsonga, deles recebeu valores morais e espirituais. Foi baptizada no dia 5 de Abril de 1970. No mesmo dia contraiu matrimónio com Faustino Cuamba. Era uma mulher adulta, respeitável, acolhedora e trabalhadora. O casal teve cinco filhos, que educaram na tradição do seu povo e nos valores cristãos. As crianças acompanharam os pais na
Servo de Deus Faustino Cuamba Guirengane (1948-1992) - Nasceu em 1948 em Nhamua, Inhambane, filho de 12
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viagem para o Centro Catequético do Guiúa. Pertencente à comunidade de São José de Conguiana, o casal foi indicado pela equipa missionária da paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Inhambane. Cecília e a filha Ivone foram mortas à baioneta. Um dos quatro filhos do casal foi levado pelos guerrilheiros para a base.
Grupo Juvenil, monitora dos grupos de Promoção da Mulher e responsável paroquial da Comissão de Leigos e Famílias. A sua coragem e a firmeza da sua fé são reconhecidas e testemunhadas. Em tempo de guerra nunca hesitou em avançar para cumprir tarefas pastorais, mesmo correndo perigo de vida. Foi escolhida pela comunidade de Machuquele deslocada em Vilankulo para frequentar o curso de formação de catequistas no Guiúa, juntamente com o seu marido. Quando chamaram pelo seu nome, respondeu com determinação, apesar do contexto de guerra e da constante ameaça de perigo e insegurança. No dia do ataque ao Centro, o seu marido Armando consegue fugir com Azarias, o filho mais velho. Catarina, porém, é raptada. Fortemente agredida no trajecto, junto à casa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, é obrigada a abandonar no chão a sua filha Cândida, de apenas um ano de idade, que depois foi recolhida e entregue às irmãs religiosas. Morreu a golpes de baioneta no dia 22 de Março de 1992.
Serva de Deus Ivone Faustino Guirengane (1987-1992) - Nasceu na aldeia de Conguiane (Inhambane) a 16 de Janeiro de 1987. Foi baptizada quando tinha 7 meses de idade, no dia 9 de Agosto de 1987, em Inhambane. Seus padrinhos foram Pedro Jasse e Castília Reginaldo Guirrugo. A pequena Ivone, de apenas 5 anos de idade, mostrava um carácter muito vivo. Ela já começava a ajudar a mãe nos trabalhos de casa. Fazia tudo com dedicação, como se fosse já uma pessoa adulta. Foi morta à baioneta juntamente com a sua mãe no dia 22 de Março de 1992. Serva de Deus Catarina Sambula Murrombe (1965-1992) - É oriunda de Machuquele-Vilankulo, onde nasceu a 2 de Março de 1965, filha de Sambula Murrombe e de Wassinifa Pechisso Boane. Catarina recebeu de seus pais, pertencentes à Igreja Metodista, a primeira educação, o amor à Bíblia, a oração e o gosto pelo canto litúrgico. Frequentou a Escola Primária de Machuquele até à 4ª classe elementar. Em 1983, com 18 anos de idade, fez a admissão ao catecumenado na Igreja Católica e aos 22 anos recebeu o baptismo e casou com Armando Duzenta, no dia 26 de Julho de 1987. Teve dois filhos, Azarias, nascido em 1986, e Cândida, nascida em 1991. Foi sempre muito activa na sua comunidade, tendo sido responsável pelo
Serva de Deus Verónica Sambula Banze (1960-1992) - Nasceu em Mavume, Massinga, em 1960, no seio de uma família numerosa, de quem recebeu uma educação baseada nos princípios da moral tradicional. As dificuldades económicas da família levaram-na a procurar trabalho na Maxixe, aos 13 anos. Aí conheceu Paulo Saieta Cuinhane. De acordo com as leis tradicionais do povo Mutshwa foi lobulada nesse ano de 1973, passando a residir na casa dos sogros, em Murure, paróquia de São José de Mapinhane, no distrito de Vilanculos. A partir de então, frequentou o catecumenado e foi baptizada aos 18 anos, no dia 26 de Novembro de 1977, e, no mesmo dia, contraiu matrimónio religioso. O casal teve cinco filhos. 13
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Não obstante o contexto de guerra, as comunidades da missão de São José de Mapinhane desenvolviam-se e a Igreja iase afirmando. Verónica foi eleita anciã da comunidade, juntamente com o seu marido Paulo. Em 1987, por causa da guerra, refugiou-se em Murure e aí foi escolhida para fazer parte do conselho de zona pastoral e responsável dos jovens, actividade para a qual Verónica tinha especial carisma. Quando havia ataques em tempo de guerra, punha-se corajosamente ao caminho, até mesmo durante a noite, para avisar os cristãos do perigo que corriam. Na Igreja e nos trabalhos da comunidade foi sempre muito activa, sobressaindo pelo seu zelo apostólico e a sua participação nas celebrações litúrgicas. Foram muitas as pessoas por ela preparadas para o baptismo, crisma e matrimónio. Na noite do massacre, foi raptada e forçada, juntamente com o seu marido e filhos, a caminhar até ao local do martírio. Verónica foi assassinada a golpes de baioneta no dia 22 de Março de 1992.
alfaiate, foi um catequista responsável, dinâmico e bom organizador. Conheceu as dificuldades da guerra, durante cerca de oito meses, enquanto esteve sequestrado pelos guerrilheiros. Quando conseguiu regressar, retomou as tarefas pastorais e a experiência passada não o impediu de partir para o Guiúa, quando para isso foi designado pela sua comunidade. Uma testemunha refere que, antes de partir, terá afirmado: “Não recuso, porque Deus me escolheu e vou realizar o seu trabalho. Sou sua criatura. Sei que não voltarei, porque a pessoa não escapa duas vezes. Rezai por mim”. As suas palavras revelaram-se premonitórias. No ataque ao Centro, foi capturado e morto à facada, com ferimentos graves no pescoço e no abdómen, no dia 22 de Março de 1992. Serva de Deus Isabel Foloco (19471992) - Nasceu em Chicongussa, Morrumbene, em 1947. Filha de Foloco e de Lafitissa. Baptizada aos 10 anos, no dia 14 de Julho de 1957, na missão de Santa Maria de Mucodoene, foi criada com valores sólidos que enriqueceu à medida que ia conhecendo o Evangelho. Aos 17 anos, em 6 de Dezembro de 1964, na igreja paroquial de Mocodoene, casou com Benedito e com ele teve cinco filhos. É reconhecido o seu exemplo de vida familiar, disponível para colaborar em todas as tarefas, quando solicitada. Foi morta à facada à frente dos seus filhos, que escaparam ao massacre no dia 22 de Março de 1992. A sua filha Esperança foi enviada pelos guerrilheiros a indicar aos padres o local do martírio.
Servo de Deus Benedito Penicela (1944-1992) - Nasceu em Cocoene, Morrumbene, em 1944, filho de Penicela e Rossina. Baptizado aos 14 anos na paróquia de Santa Maria de Mocodoene, a 14 de Julho de 1958. Foi seu padrinho o professor Saturnino João Samo. No seio de uma família sã e naturalmente boa, recebeu a primeira formação humana. Dos pais aprendeu a ser sincero, honesto, responsável, sensível para com os necessitados, sempre pronto para os ajudar. Na Escola Primária de Cocoane continuou a sua formação, terminando a 4ª classe elementar. Juntamente com as letras e os números, aprendeu também a Doutrina Cristã. Casou com Isabel Foloco em Mocodoene, aos 20 anos, no dia 6 de Dezembro de 1964. Grande agricultor e
Serva de Deus Deolinda Gungave Sevene (1964-1992) - Nasceu em 21-81964 em Matá, distrito de Morrumbene, filha de Samuel Sevene e de Julieta Alberto. Foi baptizada em 21 de Agosto de 1972, na Paróquia de Morrumbene. 14
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Em 9 de Junho de 1990, casou com Fernando Sevene Matsinhe na capela de São Paulo de Matadouro, paróquia da Maxixe, onde o marido era catequista da comunidade. Aí permaneceram no tempo da guerra. Com uma participação muito activa na comunidade, fazia encontros com as mulheres, rezando e promovendo a visita aos doentes. Lialhes a Bíblia, ajudava na limpeza, na alimentação e no vestuário. Deolinda chega ao Centro Catequético do Guiúa juntamente com o seu marido e três dos seus filhos no início de Março de 1992. Na noite do ataque ao Centro, o seu marido escapou, provavelmente devido a um problema motor que o fazia coxear e impedia de carregar as cargas pilhadas que os raptores impunham aos sequestrados. Deolinda foi raptada e morta à baioneta juntamente com a sua filha Gina no dia 22 de Março de 1992. Dois filhos gémeos escaparam com vida e regressaram após quatro meses de cativeiro.
Servo de Deus Joaquim Marrumule Nyakutoe (1939-1992) - Nasceu a 10 de Fevereiro de 1939, em Massinga. Era filho de Marrumula Nyakutoe e Raci Bacela Nyassope. Foi baptizado aos 17 anos, no dia 15 de Novembro de 1956, na paróquia de Nossa Senhora de Fátima de Jangamo. Foi seu padrinho de baptismo o professor Paulo Chicubi. Um ano mais trade, a 1 de setembro de 1957, também em Jangamo, foi crismado pelo Cardeal D. Teodósio de Gouveia, Arcebispo de Lourenço Marques (Maputo). Oriundo de uma família boa e trabalhadora, cedo começou a trabalhar, chegando a imigrar para Maputo, antes de se casar, aos 20 anos, na Paróquia de São João de Deus de Homoine, com Palmira Quezane Mapuiane, de quem teve 10 filhos. Não obstante as interrupções verificadas pelas saídas de trabalho, destacou-se sempre pelo zelo apostólico, pela animação da comunidade e pelo canto litúrgico. Durante a guerra refugiou-se em Cumbana com a sua família, sem nunca esquecer o acompanhamento da sua comunidade. As suas qualidades não passariam despercebidas, pelo que foi escolhido pelo Conselho de comunidade, juntamente com outro catequista, como candidato a frequentar o curso anual de formação de catequistas. Devido à guerra, o colega desistiu. Joaquim rumou para o Guiúa e, com ânimo forte, manteve-se firme, decidido a ajudar a sua antiga comunidade de Guissembe. No dia do ataque ao Centro, foi raptado juntamente com três dos seus filhos e foi morto à baioneta no dia 22 de Março de 1992. A sua mulher, Palmira Quezane Mapuiane, conseguiu fugir. Os três filhos raptados, regressaram a casa seis meses mais tarde.
Serva de Deus Gina Fernando Matsimbe (1977-1992) - Nasceu no Maputo, a 12 de Junho de 1977, filha de Fernando Sevene Matsimbe e de Sabina Alexandre Cacha. Enteada de Deolinda, Gina Fernando era filha do primeiro casamento de Fernando Matsimbe. Na cultura africana, os filhos do marido tornam-se filhos da segunda mulher e são adoptados por ela. Entre as duas desenvolveram-se fortes laços de afecto maternal e filial. A dedicação de Gina aos seus pais era reconhecida por todos, assim como a sua índole dócil e trabalhadora. Gina frequentava o catecumenado e preparava-se para receber o baptismo. Acalentava o desejo de vir a ser Irmã religiosa. Foi raptada e morta à baioneta, juntamente com a sua madrasta, no dia 22 de Março de 1992.
Serva de Deus Luisa Mabalane Mafo (1943-1992) - Nasceu em Moduça, Distrito de Massinga em 1943. Filha de 15
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Mabalane e Favasse. Foi baptizada aos 14 anos na capela de Vinhane, Paróquia do Imaculado Coração de Maria de Massinga, no dia 8 de Dezembro de 1957. Aos 16 anos foi crismada por D. Custódio Alvim Pereira, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Lourenço Marques (Maputo), no dia24 de Setembro de 1959. Aos 17 anos contraiu matrimónio religioso com Adolfo Raul Nombora, na comunidade de Keme, Massinga, no dia 18 de Junho de 1960. Do casamento nasceram 10 filhos. Luisa era humilde, muito simples. Foi mãe educadora nos bons costumes, na fé cristã e no zelo apostólico. Juntamente com o seu marido, Adolfo Raul, em 1977, frequentou o primeiro curso anual de formação de catequistas no Centro Catequético da Missão de Mangonha (Massinga). Foi catequista dedicada na sua comunidade de Kofi e membro da comissão paroquial de Leigos e Famílias. Mulher forte na oração, acompanhava assiduamente os membros da sua comunidade nos momentos de maior sofrimento, procurando proporcionarlhes a consolação do Evangelho e apontando-lhes o caminho de Deus. Uma testemunha disse dela: “Luísa cuidava especialmente dos pobres e dos doentes e reunia as famílias para rezarem nas várias circunstâncias da vida”. Era uma mulher acometida de muitas premonições, a quem o poder da oração parecia conferir a graça da cura. Há o testemunho de uma criança doente que, em perigo de vida, recebeu o baptismo. Luísa rezou por ela e revelou que tivera numa visão em que lhe foi comunicado que a criança “pertencia ao Senhor”. A criança, salvou-se e acabou por se consagrar à vida religiosa. Antes de partir para o curso de formação de catequistas no Guiúa a comunidade organizou uma festa de despedida. Luísa comunicou que tivera um sonho em que
pressentiu que não regressaria a casa. Afirmou que se sentia impelida a partir e, por isso, pediu as orações de todos, despedindo-se com o pressentimento muito forte de que não regressaria. Na noite do assalto ao Centro Catequético do Guiúa, no dia 22 de Março de 1992, Luísa foi raptada e morta a golpes de baioneta. Juntamente com ela pereceram o seu filho Arnaldo Adolfo e o neto Zito Adolfo. Servo de Deus Arnaldo Adolfo Nombora (1976-1992) - Nasceu em Kofi, Massinga, a 3 de Abril de 1976. Filho de Adolfo Nombora e Luisa Mabalane Mafo. Foi baptizado um ano depois em Mangonha, antiga sede da missão de Massinga, sendo seu padrinho de baptismo o catequista Octávio Rafael. Arnaldo cresceu numa família profundamente cristã, onde aprendeu dos pais a amar a Deus e a respeitar com o mesmo amor os seus semelhantes. Era um filho que tanto amava os seus pais. Na comunidade cristã integrava o grupo juvenil. Frequentou a 7ª Classe. Foi aluno exemplar. Distinguia-se na disciplina de Desenho. Bom filho, acompanhou os pais na sua ida ao Centro Catequético do Guiúa, onde a morte o colheu aos 14 anos, ao lado da sua mãe, no dia 22 de Março de 1992. Servo de Deus Zito Adolfo Nombora (1988-1992) - Nasceu na aldeia de Kofi, Massinga, em 1988. Era filho de Vitória Adolfo, filha de Adolfo e Luísa Mabalane, e de pai incógnito. Cresceu e foi educado pelos seus avós maternos, e acompanhou-os na sua ida para o Centro Catequético do Guiúa. Tinha apenas 4 anos quando foi morto juntamente com a avó, Luisa Mabalane Mafo, e o seu tio, Arnaldo Adolfo Nombora, no dia 22 de Março de 1992. 16
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Servo de Deus Carlos Mukuanane (1960-1992) - Nasceu em Mukamba, perto de Tome, no Distrito de Funhalouro, Paróquia de Nossa Senhora da Consolata. Filho de uma família camponesa, cedo aprendeu a cultivar a terra. Frequentou a Escola Primária até à 6ª Classe, obtendo bons resultados. Durante a década de 80, trabalhou na AGRICOM, organismo estatal ligado à comercialização agrícola. Da sua primeira união matrimonial teve três filhos (Susana, Belarmino) que foram acolhidos por Fátima Valente quando contraiu matrimónio católico com ela, em 27 de Maio de 1989, e de quem nasceu Ângelo e Juvêncio. Carlos revelava qualidades de liderança que motivaram à sua escolha para responsável da Paróquia de Nossa Senhora da Consolata de Funhalouro, que se encontrava sem padre residente. Depois da independência, em 1975, a Paróquia perdeu a equipa missionária residente, passando a ser assistida pela paróquia da Massinga. Funhalouro é uma região pouco habitada e semi-árida que sofreu muito com a guerra. A Renamo tinha importantes bases no seu território. Grande parte da população refugiou-se na vila, em Massinga. Para melhor se preparar para a responsabilidade de coordenador da Paróquia de Funhalouro, Carlos Makuanane frequentou em 1991 na Paróquia da Massinga, juntamente com a sua esposa, um curso de catequistas de 90 dias. A ida para o Centro Catequético do Guiúa surge no sentido de completar a sua formação. Na noite do assalto, no dia 22 de Março de 1992, é imediatamente morto a tiro à saída da sua casa.
fraca e muito sensível. Cresceu junto com os seus pais, que lhe foram transmitindo os valores humanos, o amor ao trabalho e as virtudes familiares, que a jovem Fátima soube viver no dia-a -dia. Na Escola Primária de Funhalouro aprendeu a ler e a escrever, frequentado a escola até à 3ª classe elementar, com bom aproveitamento. Foi baptizada aos 19 anos na Paróquia de Funhalouro, no dia 27 de Maio de 1989. No mesmo dia, contraiu matrimónio com Carlos Mukuanane. Em 1991, frequentou com o marido o curso de catequistas de 90 dias na Paróquia da Massinga. Era uma família empenhada na evangelização. Visitava comunidades, dava catequese, ensinava cânticos e animava a liturgia. Em 1992 foi escolhida, juntamente com o marido, para frequentar o curso anual de formação de catequistas, no Guiúa. Fátima morreu no local do martírio, em 22 de Março de 1992, morta à baioneta. Serva de Deus Susana Carlos Makuanane (1979-1992) - Era filha da primeira união matrimonial de Carlos Mukuanane. Nasceu em Mukamba, Distrito de Funhalouro, no dia 7 de Agosto de 1979. Partiu para o Guiúa juntamente com o seu pai e a sua madrasta, Fátima Valente. Aos 13 anos, comportava-se como verdadeira “mãe de casa”, ajudando os seus pais nos trabalhos do lar, na limpeza da casa e no cuidado dos irmãos mais pequenos. Esforçava-se por fazer bem as coisas. Sempre se mostrava alegre. Na noite do ataque, foi raptada e forçada a caminhar noite dentro, até ao local onde os assassinos executaram em massa várias pessoas. Susana foi esfaqueada e acabou por perder a vida no dia 22 de Março de 1992.
Serva de Deus Fátima Valente Nhare (1970-1992) - Nasceu em Makwene, Distrito de Funhalouro, em 10 de Dezembro de 1970. Era de constituição
Servo de Deus Juvêncio Carlos Makuanane - Nasceu em Funhalouro, 17
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em 2 de Março de 1991. Filho de Carlos Makuanane e de Fátima Valente. Foi encontrado com ferimentos no abdómen e no peito, tentando mamar no seio da sua mãe, já morta. Não resistiu aos ferimentos e acabou por falecer no dia 22 de Março de 1992. É o mais jovem dos Servos de Deus.
Rita Leonardo Maniane (1984-1992) Era filha de Leonardo Joel e Maria Titosse. Nasceu em 1984, na aldeia de Nhaduga, Distrito de Jangamo. Tinha 6 anos e já frequentava a Escola Primária do Guiúa. Era muito esperta e trabalhadora. Ajudava a sua mãe nos trabalhos de casa e na machamba. Foi sequestrada com a sua família o Centro Catequético e foi morta a 22 de Março de 1992 junto com o seu pai, a sua mãe e o seu irmão Arlindo.
Leonardo Joel Maniane (1945-1992) É natural de Nhaduga, distrito de Jangamo, onde nasceu em 1945. Leonardo era cozinheiro dos padres há muitos anos. Casado com Maria Titosse de quem teve três filhos, fez a entrada solene para o catecumenado na Paróquia de Santa Isabel do Guiúa, em 28 de Novembro de 1987, e estava a aguardar o sacramento do baptismo. Foi seu garante no caminho do catecumenado o senhor Afonso Maria da Graça, catequista de Nhaduga. Esperava receber o Baptismo na Páscoa de 1992. Foi sequestrado no Centro Catequético com a sua família e morto a 22 de Março de 1992 junto com a sua esposa e os filhos Rita e Arlindo.
Arlindo Leonardo Maniane (19901992) - Era filho de Leonardo Joel e Maria Titosse. Nasceu em 1984, na aldeia de Nhaduga, Distrito de Jangamo. É um bebé ainda às costas da mãe, quando se dá o ataque ao Centro Catequético. Os seus pais e irmã foram encontrados já sem vida, trespassados por baioneta, no local do martírio, ao passo que o pequeno Arlindo muito ferido, ainda respirava e gemia quando foi encontrado, vindo a falecer a caminho do Hospital de Inhambane. Madalena Arone Mbeu(1942-1992) Nasceu no distrito de JangamoInhambane em 1942. Mulher simples, boa e trabalhadora. Vivia sozinha. Recebeu a luz da Fé cristã já adulta. Fez a entrada solene no Catecumenado na Paróquia de Santa Isabel do Guiúa em 2 de Dezembro de 1990. Foi sua garante a senhora Glória Nguiliche Gove. Frequentava o Segundo Ano do Catecumenado. Morava na aldeia vizinha do Guiúa e, temendo a violência da guerra, havia-se refugiado no Centro Catequético. Encontrava-se a dormir numa das barracas da catequese, junto à Igreja paroquial, quando eclodiu o ataque. Foi sequestrada com o grupo dos catequistas e seus familiares. Foi morta à baioneta no dia 22 de Março de 1992.
Maria Titosse (1960-1992) - Nasceu em Nhaduga, Distrito de Jangamo, em 1960. Foi baptizada na Igreja Metodista Livre. Era de estatura baixa e magra. Estava casada com Leonardo Joel, de quem teve três filhos. Mãe laboriosa, educadora dos filhos e piedosa. Desejava entrar na Igreja Católica, pelo que frequentava a catequese para ser admitida solenemente com a Profissão de Fé. Frequentava a catequese junto com os catecúmenos do segundo ano. Tinha iniciado a catequese em 28 de Novembro de 1987. Era sua garante a senhora Laurenciana Jamisse. Foi sequestrada com a sua família o Centro Catequético e foi morta a 22 de Março de 1992 junto com o seu marido e os filhos Rita e Arlindo. 18
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MÁRTIRES DE GUIÚA: O CAMINHO PARA CHEGAR À GLÓRIA DOS CÉUS (PROCESSO DE CANONIZAÇÃO) A diocese de Inhambane está a iniciar o processo de canonização dos catequistas mártires de Guiúa. O Santo Padre poderá um dia reconhecer publicamente o martírio e a santidade dos catequistas e seus familiares mortos por causa da Fé em 22 de Março de 1992 no Centro Catequético de Guiúa. Para levar para a frente o processo o Bispo de Inhambane, D. Adriano Langa, nomeou um postulador, P. Diamantino Antunes, e um vice-postulador, cuja função é coordenar e animar o processo que leva ao reconhecimento do martírio dos candidatos a santos. O que foi feito até ao momento? O Bispo de Inhambane, depois de nomear o postulador (2014), pediu o parecer dos Bispos de Moçambique sobre a oportunidade de iniciar a causa de canonização dos catequistas martires de Guiúa. Os Bispos da CEM deram um parecer favorável (2015). Em seguida, D. Adriano Langa pediu à Santa Sé o Nihil Obstat (uma declaração em que se diz que não existe nada contrário ao início da Causa) para a abertura efetiva do processo, após haver comprovado que a fama de martírio é sólida e baseada em fundamento real, está difundida e não foi provocada artificialmente. Feito isso, a Diocese de Inhambane recebeu o Nihil Obstat da Congregação da Causa dos Santos para iniciar e instruir o processo (2016). Entretanto, a Postulação contactou e identificou todas as pessoas que estão dispostas a dar o seu testemunho sobre os catequistas mártires e foi recolhida toda a documentação escrita sobre o martírio e os mártires (2017) Quais são os passos seguintes no processo de canonização para reconhecer o martírio dos catequistas do Guiúa? Os próximos passos a dar é a realização do processo de canonização. Este processo tem duas fases distintas: a fase diocesana (o trabalho será feito em Moçambique) e a fase romana (o trabalho será feito em Roma-Vaticano-Itália). Na fase diocesana do processo de canonização, que iniciaremos no próximo dia 25 de Março, o mais importante é o Inquérito: Interrogam-se as pessoas que conheceram directamente os catequistas (familiares, amigos, vizinhos) durante a 19
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sua vida e aquelas pessoas que foram testemunhas da sua morte de modo que se recolham todas as provas necessárias para o Papa poder declarar a sua santidade e martírio. Para esse efeito, uma comissão terá a tarefa de redigir as perguntas, presidir ao interrogatório de cada uma das testemunhas que forem convocadas e transcrever tudo o que for dito. Esta comissão de inquérito já foi nomeada e é constituida pelos seguintes padres: Guilherme Costa, Jeremias Moisés, Amaral Bernardo e Anastancio Gemo, Para se ser mártir no sentido cristão não é suficiente ter derramado o sangue, é necessário que tenha sido morto por ódio à fé e que tenha aceite a morte com o espírito de fé. Por isso, vamos ter que interrogar os testemunhas do massacre dos catequistas para provar que verdadeiramente foram mortos por ódio à fé e que aceitaram morrer por Cristo. Terminada a recolha de todos os testemunhos, devemos preparar um dossier bem documentado sobre a vida e o martírio dos catequistas o qual será enviado pelo bispo diocesano à Congregação da Causa dos Santos, em Roma, onde se estabelece a validade do processo, ou seja, a constatação de que nada falta para o seu prosseguimento. Tem assim início a segunda fase do processo, a chamada fase romana do processo de canonização. Toda a documentação e provas que recolheremos passará por um exame sério de consultores históricos e teológicos que vão dar um parecer e um voto sobre o mérito da causa. Este parecer definitivo será em seguida submetido ao juízo de uma comissão de Cardeais e Bispos. Se esta comissão der um voto positivo, o Santo Padre em seguida promulga o decreto de martírio e declarará os catequistas mártires do Guiúa BemAventurados, dignos de culto liturgico e público. Quanto tempo levará o processo de canonização dos martires de Guiúa? Cada caso é um caso. Cada processo tem suas peculiaridades e, por isso, não podemos afirmar com precisão quanto tempo vai demorar. O Vaticano, isto é o Papa, não facilita no reconhecimento da santidade, mas olha com muito carinho para a Igreja em África. Se depender da fé e devoção do povo de Inhambane, os catequistas mártires do Guiúa já estão entre os santos da Igreja. Para se chegar à canonização dos catequistas mártires do Guiúa há um longo e trabalhoso caminho. É esse caminho que estamos agora a iniciar a percorrer. Pode demorar poucos anos se trabalharmos bem e colaborarmos com a nossa oração e anossa ajuda.
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CHAMADOS A TESTEMUNHAR CARTA PASTORAL NA ABERTURA DO PROCESSO PARA A BEATIFICAÇÃO DOS MÁRTIRES DO GUIÚA † ADRIANO LANGA, OFM Bispo de Inhambane
A FAVOR DA VERDADE Deus criou o Homem para este ser santo 1 - Depois de criar os nossos primeiros pais, Deus disse, a estes: “sede fecundos e multiplicais-vos, enchei a terra e submetei-a.” (Gn 1, 28). Mais tarde, Ele disse para todos os homens, de todos os tempos: “sereis santos porque eu sou santo.” (Lv 11,44).Jesus veio repetir aos seus discípulos: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” ( Mt 5,48). Esta é a vontade de Deus em relação a nós os homens. Com estas duas curtas frases, Deus traçou o programa para o homem sobre a terra. Na primeira frase está respondida a questão sobre o que o homem tem para fazer, aqui na terra; enquanto na segunda frase está a resposta do ser e no ser está também a resposta sobre o como ser e como fazer, como agir: o homem, como filho de Deus, deve agir como tal, porque o filho deve ser como o Pai: se Este é santo, o filho deve ser também santo e deve fazer as coisas santamente. Deus sempre procurou o homem para se fazer conhecer 2 - Mas como se pode ser como Deus e agir como Ele, esse Deus que nenhum homem viu e nunca o ouviu falar? Desde o princípio, Deus procurou fazer-se conhecer pelo homem: “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos
nossos pais pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1-2). Mas o homem foi-se fechando e foi perdendo o
ouvido e a vista, em relação a Deus. Enviado por Deus e pelo Espírito Santo, apareceu alguém maior que João Baptista (cf. Mt 11, 11), viveu entre os homens, com eles falou, comeu, bebeu, e os disse: “Quem me vê, vê o Pai.” (Jo 14,9). Jesus é o caminho, a verdade e a vida 3 - Assim, guia e luz temos, é Jesus Cristo, o Messias. O problema permanece sendo aquele de segui-Lo. Como e o que significa seguir Jesus? Neste cruzamento de caminhos, Jesus não nos deixou sozinhos, pois, Ele disse: “Se
observardes os meus mandamentos permanecereis no meu amor, assim como eu observei o que mandou meu Pai e permaneço no seu amor” (Jo 15,10). E “Se me amais, observareis os meus mandamentos.” (Jo 14, 15). Agora, será que somos como o jovem rico, que sabia muito bem e sempre 21
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observou os mandamentos? Nisso é que consiste a santidade! O que importa ao homem é escutar e seguir Aquele que o Pai enviou para vir conduzir-nos e Este disse: “Quem me segue não caminha nas trevas” (Jo 8, 12b); “Esta é a
vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu.” (Jo 6, 39). A caridade cristã 4 - Neste caminho de santificação, através do cumprimento dos Mandamentos, o cristão não deve olhar só para si, isto é, ele não deve pensar só em sim, mas deve olhar também naqueles com quem caminha, que ele chama e são, de facto, seus irmãos, porque também são filhos de Deus e estão fazendo o mesmo caminho. Israel percebeu isto, aprofundou e o reexprimiu bem, como podemos constatar: “O doutor da lei, ouvindo Jesus, que respondia à sua pergunta meódica,
rematou: “muito bem, Mestre!...Amar a Deus de todo o coração, com toda a mente e com toda a fora, e amar o próximo como a si mesmo, isto supera todos os holocaustos e sacrifícios.” (Mc 12, 33).O Apóstolo João veio insistir mais ainda, de uma forma radical ao dizer: “se alguém disser: «amo a Deus», mas odeia o seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4, 20). Assim, podemos responder a Caim, que pretendeu fingir desconhecer a sua responsabilidade (cf. Gn 4, 9). O homem é, de facto, responsável pelo seu irmão e por este deverá responder diante dos outros homens e diante de Deus.
Um caminho necessário 5 - Brevemente vamos iniciar o Processo, que queremos termine na beatificação dos nossos irmãos Catequistas, que foram mortos em Guiúa, no dia 22 de Março de 1992, isto é, desejamos que este Processo termine com o reconhecimento da santidade, por parte da Igreja, daqueles que foram responsáveis nas nossas Comunidades cristãs, aqueles nossos avós, pais, irmãos, filhos e netos, que foram mortos naquela data e naquelas circunstâncias. Seria a resposta, que desejamos, ao nosso desejo e pedido por parte da Santa Sé (o Santo Padre e seus Colaboradores directos). A mesma Santa Sé aceitou a nossa, solicitação, mas, conforme a lei determina, é preciso, primeiro, que se faça um inquérito, isto é, uma investigação sobre a vida de cada um dos mártires: para se saber como é que cada um deles viveu a sua fé, como se comportou no momento da morte e porquê desta morte. Porquê e para quê uma investigação? 6 - Ao ouvir falar de “inquérito” e “investigação,” alguém pode estranhar e perguntar: Será que queremos vê-los declarados santos ou queremos saber dos seus defeitos e dos seus possíveis crimes? Será que estamos num clima de desconfiança ou de fé, de confiança e de fraternidade? Em resposta a estas possíveis perguntas, podemos dizer assim: Quando ouvimos dizer que alguém, que foi militar, e foi à guerra e que é considerado ou deve ser declarado herói (vivo ou morto), imediatamente, queremos saber o eu ele fez de especial para merecer o título de herói. Não queremos chamar de herói àquele que nada fez de 22
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especial. Nós, também, vemos crescer, cada vez mais, a devoção aos nossos Mártires e está-se espalhando, cada dia, a fama, segundo a qual, aqueles Mártires são santos. Ao bispo diocesano chegou o pedido, para se procurar o caminho para que cada um dos nossos mártires seja reconhecido pela Igreja como santo. Considerando estes sinais, a Igreja quer saber a verdade, dos próprios cristãos, porque se for verdade que eles merecem tal devoção, a Igreja pode nos permitir que passemos da devoção para o culto, que parecem merecer e a mesma Igreja poderia orientar-nos nesse possível culto. Candidatos à santidade 7 - Ao ser apresentado ao Bispo diocesano o pedido oficial, pelo Postulador (o responsável da Comissão que leva a frente um processo de beatificação/ canonização), aqueles nossos mártires ganharam um novo título: de “Servos de Deus.” Isto é, o facto de muitos cristãos os considerarem santos e devido à devoção de muitos, até ao ponto de se pedir o reconhecimento da sua pretensa santidade, esses dois factos chamaram atenção à Igreja e fez-lhes merecer o título de Servos de Deus. Isto significa uma subida de categoria, de consideração: eles já não são simples ‘falecidos’ mas são servidores de Deus: aqueles que serviram a Deus, durante a sua vida e se tem a impressão que já estão diante de Deus a louvá-Lo. Impressão esta que necessita de ser confirmada. Assim “servo de Deus” é alguém que está no caminho da beatificação/canonização, é um candidato ao título de beato e de santo. Beato é o penúltimo grau para a santidade. Chamados a fazer a nossa parte 8 - Continuando a responder àquelas duas perguntas, fazemos observar o seguinte: Nós, a Igreja de Inhambane, e não só, pedimos, formalmente, à Igreja (a Santa Sé) para reconhecer a santidade daqueles nossos irmãos. Lembremos o exemplo do militar dado atrás. Agora a Santa Sé quer saber se os nossos irmãos mártires merecem, d facto, ser chamados santos e porquê. Assim, a Igreja quer saber as razões e a verdade das coisas e não há melhor caminho para se saber senão perguntar aos próprios cristãos, sobre o que viram e testemunharam em cada um deles, e o que aconteceu no momento em que estavam sendo mortos, pois, não basta que alguém ser morto assassinado para se dizer que ele é santo. Como também não basta um militar morrer num combate ou no quartel, para se dizer que ele é herói, pois, talvez foi morto durante a fuga ao inimigo, por este, ou quando estava a dormir no quartel ou, ainda, talvez foi morto por um companheiro porque estava a desertar! Há um provérbio que diz: “Voz do povo, voz de Deus.” Isto quer dizer: Deus fala através do povo. Aqui encontramos o valor do testemunho e do número: Tanta gente a afirmar uma mesma coisa, há muita possibilidade de ela não se enganar. Proclamarei a justiça de Deus na grande assembleia 9 - O Senhor disse que a nossa fé devia brilhar diante dos homens para que estes, vendo as nossas boas obras glorifiquem a Deus (cf. Mt 5, 16). Isto significa que a nossa fé não deve ser escondida nem desconhecida dos que nos rodeiam, mas deve ser visível, e, para isso, ela deve traduzir-se em obras visíveis e 23
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testemunháveis. O mundo deve ser capaz de dizer: sim, vimos e conhecemos esse ancião, esse homem, essa mulher, esse jovem, essa criança e constatamos nele/a alguma coisa de interessante, de extraordinário, que nos diz que era uma boa pessoa! Alguém pode confundir isto com o orgulho, com a presunção e busca de louvores, enquanto o Senhor recomenda-nos a discrição (cf. Mt. 6, 1618). O que Jesus deseja ver no cristão nada tem a ver com a ostentação, exibicionismo religioso e busca da própria exaltação, tanto assim que o Senhor começa o seu discurso de encorajamento dizendo que não se acende um candeeiro para, em seguida, colocarmo-lo debaixo da cama ou cobri-la com uma bacia, mas que esse candeeiro deve ser colocado num lugar alto, para que possa iluminar os que estão dentro da casa. Assim, deixar a fé brilhar diante dos homens, significa missão, evangelizar, convidar os outros para Deus, é o anuncio da boa nova. A comunhão dos santos 10 - Por isso, o cristão que vê outro cristão a brilhar na sua fé deve alegrar-se. Assim, a devoção que constatamos nos cristãos aos Catequistas mártires é sinal de que os cristãos de Inhambane e não só, estão a ‘ferver’ de alegria e vontade de ver aqueles mártires a serem reconhecidos santos e os mesmos cristãos pedem à Igreja para lhes deixar gritar alto e livremente, proclamando a sua alegria, face a essa santidade, que é maravilha de Deus entre nós e porque consideramos aqueles mártires como flores das nossas Pequenas Comunidades cristãs. Os cristãos de Inhambane, e não só, querem ser como o salmista, que confessa:
“Não ocultei a tua justiça no fundo do coração, proclamei a tua fidelidade e a tua salvação. Não escondi a tua graça e a tua fidelidade à grande assembleia” (Sal 40, 1). O mal só acontece quando alguém se atribui, a si mesmo, a outro homem ou a uma outra fonte o dom que, afinal, vem de Deus e a este pertence, em último lugar.
A importância de participar na vida da comunidade 11–Tudo o que acabámos de dizer, sobretudo no parágrafo anterior, mostra a importância da inserção e da pertença de um cristão a uma comunidade cristã fixa, isto é, a ligação viva e permanente, a do cristão a uma Comunidade cristã, onde é conhecido. Por isso, estamos sempre dizendo que um cristão não deve viver isoladamente a sua fé, mas que deve juntar-se aos irmãos da Comunidade cristã e à Sociedade em geral, com os quais ele deve partilhar a sua fé com eles, e partilhar a fé daqueles que crêem em Deus e promovem os valores verdadeiramente humanos, para a mútua edificação e construção de uma sociedade realmente humana, porque sã. Aqui, a fé se fortalece e cresce. Um a verdadeira fé deve ser testemunhada, deve dar frutos, que são boas obras e estas não se podem esconder, a pretexto de uma falsa humildade. Em busca da verdade 12 - Portanto, a Igreja, dizemo-lo, mais uma vez, vem junto de nós para ouvir o nosso testemunho, o nosso parecer, fundado na verdade dos factos, a respeito dos nossos mártires, para ela poder responder com segurança à nossa solicitação. 24
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Aqui, o que interessa, é a VERDADE sobre cada um deles, ao longo da sua vida, na família, na Sociedade, na Comunidade cristã, como cristão e como líder da Comunidade cristã, como cidadão, e, finalmente, a Igreja quer saber de nós como é que cada um viveu a sua própria morte, naquelas circunstâncias. Exemplos de testemunhos acerca de Jesus 13 - O próprio Jesus é objecto de testemunhos: uns que O acusam e outros que O insultam e procuram denigri-Lo, como por exemplo: “A multidão respondeu: «Tu tens demónio, quem quer te matar?»: (Jo 7, 20); “Veio o
Filho do Homem que come e bebe, e dizem é um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e de pecadores” (Lc 7, 33); “Ele expulsa os demónios pelo poder de Beelzebu, o chefe dos demónios!” (Mt 12, 24); “Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas, pois ouviste a blasfémia. Que vos parece? (Mt 26, 65);“Como pode ele falar deste modo? Está blasfemando. Só Deus pode perdoar pecados!” (Mc 2, 7). Mas outros testemunhavam favoravelmente: “Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem os mudos falarem” (Mc 7, 37); “Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres realizados por suas mãos? Não é ele o filho do carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de José e de Simão? E suas irmãs não estão aqui connosco?” (Mc 6, 3). 14 - Da sua morte e ressurreição, Jesus teve numerosas testemunhas que viram e ouviram: “Quando o centurião, que estava em frente dele, viu que Jesus
assim tinha expirado, disse «Na verdade, este homem era Filho de Deus!» Estavam ali também algumas mulheres olhando de longe; entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de José e Salomé.” (Mc 15, 39-40); “Então, Maria Madalena, foi anunciar aos discípulos: «Eu vi o Senhor.» e contou o que ele lhe tinha dito” (Jo 20, 18); “Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou e entrou no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus” (Jo 20, 6); “Mas Deus o ressuscitou dos mortos e, durante muitos dias, ele foi visto por aqueles que o acompanharam desde a Galileia até Jerusalém e que são agora suas testemunhas diante do povo” (Act 30-32); Para negarem a ressurreição de Jesus, os sumos sacerdotes montaram a seguinte estratégia: “Reunidos com os anciãos, deliberaram dar bastante dinheiro aos soldados; instruíram-nos: «Contai o seguinte: Durante a noite vieram os discípulos dele e o roubaram, enquanto estávamos dormindo.» E essa versão ficou divulgada entre os judeus, até ao dia de hoje.» (Mt 28, 12-15). 15 - Mas, Jesus não se emocionava com estes episódios, favoráveis ou desfavoráveis, lembremos, por exemplo, o episódio daquela mulher que, do meio da multidão, tão feliz e contente ela se sentia, por aquilo que ouvia e via em Jesus, explodiu em elogios: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram” (Lc 11,27); ao que Jesus respondeu: “Felizes, antes, são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11,28). Num outro momento, Jesus disse solenemente: “Eu não recebo testemunho da parte de 25
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um ser humano” (Jo 5,34): “Eu tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, pois, mostram que o Pai me enviou.” (Jo 11, 36). 16 - Concluindo: Que conclusões se podem tirar destes pronunciamentos? Uma das constatações é que eles formam dois grupos: Uns são favoráveis e outros desfavoráveis à pessoa de Jesus: Sobre a mesma pessoa e, em muitos casos, sobre um mesmo facto, há posições contraditórias. A segunda constatação é que cada um conta o que viu e ouviu e o avalia à sua maneira! O que viu e ouviu, em primeira mão, isto é, viu com os próprios olhos e ouviu com os próprios ouvidos a pessoa em causa ou de uma fonte verdadeira e fiel. É o que somos chamados a fazer neste processo: dizer a VERDADE, do que cada um viu, ouviu e sabe, com segurança, sem mais nem menos. Testemunhas que asseguram a nossa fé 17 - Portanto, a nossa fé em Jesus: de que Ele é Filho de Deus, de que Ele tem poder sobre a vida e a morte, de que Ele morreu e ressuscitou, de que Ele pode salvar, fundamenta-se em testemunhas qualificadas, que reduzem ao silêncio os adversários de Jesus. Ninguém deve esperar, de toda a gente, ouvir louvores a seu respeito. Aquilo que se quer é que o que diz de alguém, a favor ou não, corresponda à VERDADE, verdade que seja consistente, que mereça o testemunho dos honestos e consistente ao juízo de Deus, d’Aquele que conhece o segredo do coração de cada homem. Os milagres que os Santos operam, é Deus que está a testemunhar a favor dos seus servidores e amigos, pois, um pecador não tem poder para realizar obras extraordinárias como aquelas, assim responderam alguns entre o povo, aos adversários de Jesus (cf. Jo 9, 16). Mais ainda: bom se torna aquele que, mesmo que tenha vivido mal ao longo da sua vida, se arrependa e se converta ao bem, antes de expirar, como é o caso do bom ladrão (cf. Lc 23, 39-43). Isto quer dizer que devemos seguir e avaliar o comportamento de uma pessoa até ao último momento da sua existência. Por isso, com a nossa avaliação, com o nosso parecer não podemos pretender que sabemos e dizemos tudo sobre a vida de uma pessoa, mas, apenas, a uma parte, talvez muito pequena dessa vida, pois, mesmo os seus pais e parentes não sabem tudo da vida do seu filho ou parente. Podemos representar a caminhada de uma pessoa sobre a terra por uma linha ondulante, que sobe e desce, desde a nascença até à morte, que, umas vezes nos é visível e outras não. A avaliação final depende de como esta linha terminar: se termina em baixo ou em cima. Esta ponta final do caminho da pessoa é decisiva para Deus. A “comissão” que vai realizar este trabalho 18 - Por isso, as pessoas que vão levar avante o este trabalho, funcionam como verdadeiros juízes. Aliás, a “comissão” chama-se mesmo Tribunal da causa constituído só para cada caso de beatificação/canonização, como esta. Um tribunal não para condenar quem quer que seja, mas para apurar, para distinguir a VERDADE real e sólida, da verdade aparente e frágil, tudo isto para o bem da nossa fé. Na verdade, lemos, sobretudo na Sagrada Escritura, e ouvimos muitas 26
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vezes falar de falsos profetas, dos quais Jesus, os Apóstolos e tantos pregadores nos preveniram e ainda nos previnem contra esses profetas da mentira. A Igreja não quer que veneremos nem prestemos culto a falsos santos. O que sentimos quando somos enganados e acolhemos um criminoso, julgando que é uma boa pessoa, mesmo se a nós, pessoalmente, não nos tenha feio nenhum mal, mas que prejudicou aos outros? Sentimos a mesma tristeza se, por ignorância tratamos ou tomamos uma pessoa honesta por bandida! Num e noutro caso ficamos penalizados e, até, revoltados. CONCLUSÃO 19 - Portanto, queridos diocesanos, o desejo é nosso: de vermos glorificados os nossos mártires como Beatos Mártires, hoje, e amanhã como Santos Mártires e pedimos isso à Santa Igreja. Esta pede a nossa colaboração sincera e honesta, de diversas maneiras: uns testemunhando, oralmente, justificando e contando factos, actos e comportamentos na vida de cada um deles, factos, actos e comportamentos que nos levam a considerar a cada um dele como sendo digno da nossa veneração. Enquanto uns (a maioria) são chamados a colaborar com a oração intensa pelo êxito deste Processo, para que o Senhor apresse a glorificação dos seus Servos e nossos heróis. É um caminho longo que começa, pois, não terminaria só na beatificação, a meta é a canonização. Todo este longo caminho só pode ser percorrido apoiados na bengala da oração fervorosa! Convite à oração 20 - Por isso, convido a todos e a cada um de nós a intensificarmos, cada vez mais, a nossa oração, utilizando, sobretudo, a Oração para a beatificação dos Mártires, que a Diocese elaborou e está em distribuição, recitando-a individualmente e em Comunidade. Que a Rainha dos Mártires interceda por nós e pela glorificação daqueles seus filhos. A nossa bênção, em nome do Senhor. († Adriano Langa, OFM) Bispo de Inhambane Inhambane, 6 de Fevereiro de 2017
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