MATHEUSPRADO
1ª Edição
O ASSASSINO DA CRUZ
MATHEUS PRADO
Copyright © 2016 por Matheus Prado Copyright © 2016 por Maori Books Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19.2.1998. REVISÃO: Taimy Vanini LEITORES BETA: Nelson Machado, Talita Galbiati Kamyla Luqueti, Angelita Villa Weslei Morais, Maria Netta
ILUSTRAÇÕES: Guido Reni, Caravaggio, Gustave Doré PROJETO GRÁFICO: Maori Criação www.maoricriacao.com.br www.facebook.com/maoricriacao
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) P896e
Prado, Matheus, 1989O Assassino da Cruz / Matheus Prado. Sinop: Maori Books, 2016. ISBN 978-1-329-22729-3 1. Fantasia - Ficção adulta. Literatura brasileira. 2. Terror. I. Título. II. Série. CDU: B869.3
Direitos desta edição reservados à
EDITORA MAORI BOOKS LTDA
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Para Talita. Minha fonte de inspiração. A mulher dos meus sonhos.
PREFÁCIO
“Então você gosta de serial killers?” “Não acho que alguém, em sã consciência, possa nutrir sentimentos respeitosos ou afetuosos por qualquer tipo de genocida. Porém, não posso negar que há, dentro de mim, um constante interesse por suas mentes e por suas pretensões”.
D
a realidade à ficção, da criatividade mórbida de Ed Gein até a histeria perturbadora de Patrick Bateman em Psicopata Americano (2000); da hipnótica retórica de Charles Manson (e sua família hippie/criminosa) até o canibalismo elegante de Hannibal Lecter em Silêncio dos inocentes (1991). Histórias de assassinos em série provocam um misto de sentimentos que transparecem curiosidade e perturbação mutuais. Mas, afinal, por que tanto interesse diante do que nos causa perturbação? Além das mais variadas explicações subjetivas, nosso organismo, quando confrontado com situações de medo psicológico, envolve-se de ansiedade, e então libera neurotransmissores como a noradrenalina e a dopamina; essas substâncias nos deixam mais atentos e preparados para reagir se necessário. Além disso, a dopamina (associada a drogas como a cocaína) também causa uma sensação de euforia e prazer. Observar imagens ou situações que perturbam, de certa forma, faz com que as pessoas se sintam realmente vivas. É o que faz com que indivíduos parem seus carros nas rodovias para contemplar acidentes fatais; é o que nos leva a assistir aos filmes de horror e de gore; é o que contribui para que 7
pessoas comuns como eu, você e o autor deste livro, a quererem conhecer, entender e escrever sobre serial killers. Quando, há alguns meses, meu amigo Matheus Prado me procurou e começou a falar sobre o enredo de O Assassino da Cruz, minha primeira reação foi “estou em casa”. Levando em consideração que minha primeira leitura sólida foi O Exorcista, aos onze anos de idade, e minha primeira locação de filmes sem supervisão adulta foi O Iluminado, aos dez, posso dizer que desde criancinha estive envolvida com esse universo ficcional de terror e suspense. Quando o Matheus comentou qual era o modus operandi e as pretensões do assassino que ele havia criado, o interesse foi total e genuíno, uma expectativa que só se confirmou no decorrer e no desfecho da leitura, cujo o final surpreende pela ligação extraordinária dos fatos e pelo suspense gradativo, porém, isento de prolixidades. Tudo se passa em uma São Paulo nublada e noturna. A movimentação na Divisão de Homicídios da Polícia Civil é grande, pois acabaram de receber um vídeo gravado em DVD. Nele, um homem vestido de preto, gravado por uma câmera profissional, em silêncio, executa um famoso juiz, e ele o faz de uma forma que choca não só a população, já que o vídeo espalha rapidamente pelas redes, mas até mesmo aqueles que estão acostumados com toda a violência e sangue expurgado pelas noites da capital paulista. E é só o começo do caos. As motivações do Assassino da Cruz, bem como a forma como ele executa seus crimes revelam todo o cuidado que o autor teve em relação à pesquisa criminal. Os assassinatos são narrados de forma visceral, atingindo em cheio nossas mentes e criando cenas que permanecem em nossos imaginários. E, se há um homem que precisa matar para sucumbir às suas necessidades, há também um homem que precisa caçá-lo para sentir-se vivo. Pedro Rocha, ou melhor, o investigador Rocha, nos é apresentado já nas primeiras linhas do livro. Por mais que Rocha possa mostrar alguma influência de outros detetives, policiais ou investigadores famosos da ficção, sua personalidade, força e agilidade originais marcam a essência do livro e o tornam uma personagem que todos desejarão ver em outras histórias. Rocha é a dor da injeção que cura a doença, é a casca da ferida que precisa ser arrancada para que uma pele sadia se forme; Pedro Rocha é o homem que abomina a corrupção e o crime, mas que admite que 8
precisa deles, pois, se não estiver na caça, não há necessidades de continuar existindo. O Matheus explorou um gênero bem limitado dentro da literatura nacional, e o fez de uma forma tão magistral que muitos paradigmas a respeito do suspense contemporâneo escrito em solo brasileiro serão quebrados. Eu fico muito grata de ter participado de um projeto que, além de ser dotado de criatividade e objetividade, também foi extremamente pesquisado, baseouse em conceitos de história bíblica, criptografia e criminologia. É fascinante a forma como o autor muniu-se de aprendizados sólidos para elaborar seu primeiro livro. Com pontos finais demarcando diálogos concisos e objetivos, Matheus criou seu próprio estilo de escrita. Poucos adjetivos, descrições apuradas, ênfase nas ações e nos elementos que realmente envolvem o leitor fazem com que a vontade de terminar a página, o capítulo e até mesmo o livro sejam crescentes. Recomendo que o leitor utilize-se de um bloco de anotações, pois os assuntos contemplados pelo autor são tão instigantes que haverá uma necessidade generalizada de se querer conhecê-los mais a fundo. O Assassino da Cruz é uma leitura imprescindível para os fãs de suspense, prato cheio para os que gostam de criminologia e histórias policiais, e essencial para todos que precisam de uma prova de que a literatura nacional de suspense pode ser tão ou até mais instigante do que a importada. Divirta-se, sinta medo, sinta receio e, libere sua dopamina.
Taimy Vanini Janeiro de 2016
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O ASSASSINO DA CRUZ
PARTE UM
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PRÓLOGO
E
u vou acabar pulando dessa janela”. Era nisso que Rocha pensava enquanto deixava o scotch deslizar pela sua garganta, destruindo seu paladar e enevoando sua mente. Ele tinha consciência de que não podia beber demais, mas não conseguia controlar seus próprios instintos. Precisava daquilo ou acabaria enlouquecendo. Também estava com fome e como não havia nada sólido para ser digerido em seus armários, supria a necessidade de seu corpo com álcool. Muito álcool. Os carros transitavam freneticamente alguns andares abaixo. São Paulo nunca dorme, como diz o clichê popular, e a visão da janela do seu apartamento de quinta categoria era a prova cabal de que tal clichê era mesmo verdadeiro. Lixeiros, prostitutas, traficantes, policiais, entregadores de pizza e uma infinidade de seres notívagos transitavam num ritmo alucinado pelas avenidas da maior cidade do Brasil, ao som de sirenes e latidos de cachorros sarnentos. “Que vida feliz”. Pensou. Afastou o rosto da janela e voltou-se para a cama desarrumada. Michelle ainda dormia. Ou fingia dormir, esperando que ele fosse ao banheiro para que ela pudesse sair 13
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sem ter que olhar em seus olhos. Em sua cabeça conturbada, Rocha só conseguia pensar que ela o visitava por pena. Transava com ele apenas para não perder a viagem, talvez. Michelle não era só uma prostituta. Eles se davam bem porque tinham muito em comum. Ela levava uma vida dupla, mas não fazia isso por opção. Durante o dia, tinha um emprego digno, que pagava um salário medíocre. Durante a noite, tinha outro emprego, este não tão digno assim, mas necessário para sustentar sua casa e sua mãe doente, que agora morava com ela. Realmente, eles tinham muito em comum. Exceto pelo fato de que, ao menos durante o dia, Michelle tinha um emprego digno, e Rocha era apenas um policial. Um policial de merda que sequer saia para as ruas. Passava o dia atrás de uma mesa cheia de papéis e burocracias tipicamente brasileiras. O emprego dos sonhos. Caminhou até a mesinha ao lado da cama. Havia poucas coisas sobre ela. Chaves, dois celulares, alguns papelotes de maconha, camisinhas, uma pistola… E o item mais importante: a garrafa de whisky. Encheu o copo muito além do que seria normal para qualquer pessoa que precisava estar de pé às 5:30h da madrugada. Mas quem iria se importar? Bebeu mais da metade do copo em um único gole. Depois olhou a hora no celular: 03h42min. Era melhor nem dormir mais. A cada gota de álcool que entrava em seu estômago, a fome parecia ainda mais insuportável. Ele revirou todos os armários da cozinha em busca de comida, mas a única coisa que encontrou foi uma lata de milho em conserva. Nem se preocupou em conferir se estava vencida. Abriu com uma faca e comeu desesperadamente, como um cachorro de rua revirando restos no lixo. Um telefone tocou, mas não era o seu. Olhou para a cama e viu Michelle atendendo. Não era da sua conta. Voltou para sua lata de milho. Michelle se levantou vestindo apenas uma calcinha e caminhou até onde ele estava. Beijou seu rosto enquanto tentava abraçá-lo, mas seus braços eram curtos demais para envolvê-lo por completo. Rocha era um homem grande. — Eu preciso ir, Pedro… – ela disse. – Tenho um cliente. — Cliente essa hora? — Ossos do ofício.
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— Michelle… Você sabe o que eu acho disso. — E eu tenho escolha, Pedro? Você vive sozinho, sem nenhuma responsabilidade. Mas comigo não é assim. Eu tenho… — Eu sei bem, Michelle. Chega. Não quero ouvir isso agora. — Então por que você não me paga? Se você me pagasse, eu não precisaria atravessar a cidade às quatro da manhã. Mas se eu não fizer isso, se eu não for lá dormir com esse velhote ricaço que me ligou, nem o aluguel eu consigo pagar. — Que drama. Se eu te pagasse não seria especial. — Mas eu preciso comer, sabia? Não sou sua namoradinha. — Achei que fosse. — Olha... — Eu também preciso comer. – ele interrompeu, jogando a lata vazia na pia cheia de louça suja. Pensou em jogar no balde de lixo ao lado da mesa, mas ele já havia transbordado. – Preciso comer alguma coisa de verdade, agora. Vem comigo. Eu te levo. Ambos se trocaram e saíram. Michele vestiu um sobretudo escuro para esconder a microssaia. Rocha calçou suas botas militares, vestiu o casaco e pegou sua mochila. Sabia que não teria tempo de voltar para casa antes de ir para o trabalho, por isso decidiu levá-la. Desceram os sete andares de escada, já que o elevador estava quebrado há pouco mais de dois anos. Mas de que adiantava reclamar? Seu aluguel estava atrasado há mais tempo do que isso. Saíram do prédio e caminharam por alguns minutos até chegarem ao ponto de táxi. Embora Pedro Rocha não tivesse dito nada à sua acompanhante, ele também tinha um compromisso importante naquela noite. Algo que a envolvia, mesmo que ela jamais soubesse. Comeram um salgadinho qualquer no carrinho de lanches do lado de fora do ponto. Rocha pagou o lanche e deu a Michelle mais algum dinheiro para que ela pudesse pegar um táxi. — Pedro… Você sabe que eu adoro ficar com você, não sabe? — Lá vem. — Não fale assim. Você sabe também que eu preciso ajudar em casa. Minha mãe está doente e eu preciso comprar remédios pra ela. E tem a quimioterapia também. O salário do jornal não dá nem pra…
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— E os remédios que eu consegui pra sua mãe? — Isso foi há cinco meses, Pedro. Eles acabaram em três semanas. Mas não vem ao caso. O que eu estou tentando te dizer é que as coisas estão ficando difíceis pra mim. Eu preciso arrumar mais clientes… Clientes que me paguem. — E por que você não arruma outro emprego? — Pra viver igual a você? Desculpe, mas eu já passei por muitos empregos. Tive muitos chefes que só queriam se aproveitar de mim. Já estou farta disso. Na verdade, estou até pensando em sair do jornal e investir em algo mais lucrativo. — Entendo. Não vou te julgar. — Obrigada. — Vamos. Você está atrasada. — Olha, Pedro… Me desculpe por eu te dizer isso, mas… — Não precisa se desculpar. Eu já disse que entendo. — Tudo bem, então. — Eu vou ver se consigo mais remédios pra sua mãe. Ela apenas sorriu. O abraçou e beijou delicadamente a sua boca. Fechou o sobretudo e caminhou até o taxista. Entrou no carro, dobrou à direita na primeira esquina e desapareceu. Rocha respirou fundo enquanto via o veículo se afastar. Acendeu um cigarro e deixou que seus olhos fossem guiados pelas luzes cada vez mais fracas. O frio era cortante. Ergueu a gola do casaco para proteger as orelhas e depois enfiou as mãos nos bolsos. Só então começou a caminhar na direção contrária. *** O despertador tocou exatamente às 5:30h. O som insuportável do alarme ecoou por todos os cantos do enorme e luxuoso quarto. À medida que o ruído se tornava ensurdecedor, o juiz Maurício Medeiros ia acordando. Sentia uma dor intensa nos pulsos e nos tornozelos. O lugar estava escuro e ele não enxergava muito bem. Mas logo seus olhos se acostumaram com o ambiente e ele começou a se lembrar do que estava acontecendo, ainda que vagamente. A prostituta havia se atrasado. Quando enfim chegou, ele correu para abrir a porta. Já estava um pouco alto, afinal, havia passado o dia inteiro em um iate com alguns políticos e muitas
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mulheres. O dinheiro público deveria ser gasto da melhor forma possível, é claro. Quando finalmente chegou em casa, ligou para a primeira garota que viu na sua lista. Ele era insaciável e decidiu que aproveitaria ao máximo enquanto sua mulher estivesse de férias na Europa. Ela deveria estar fazendo o mesmo por lá. Mas, quando abriu a porta, foi surpreendido por uma figura estranha, quase um vulto, que usava um capuz negro. Em seguida, alguma coisa atingiu sua cabeça com tanta força que ele desmaiou. Não sabia exatamente quanto tempo havia se passado desde que fora atingido, mas, como o despertador já havia tocado e os primeiros raios de sol começavam a iluminar as grandes janelas de vidro, supôs que havia ficado desacordado por pelo menos uma hora. Tempo demais. Ele tinha uma reunião importante naquela manhã. Quando seus sentidos finalmente se ajustaram, tentou se levantar, mas viu que estava amarrado na cama pelos pés e pelas mãos, por isso a dor incessante. Enquanto buscava uma explicação racional para a situação, lembrou-se de algumas noites atrás. Estava em busca de novas aventuras e, por esse motivo, contratou uma dominatrix. Embora o sexo tenha sido extremamente prazeroso, não gostava de estar fora do controle da situação. Ela também o havia amarrado. Será que havia ligado para ela novamente sem notar? Talvez. Mas por que ela atingiria sua cabeça? Isso tinha ido longe demais. Tentou falar alguma coisa, pedir explicações, mas só então notou que sua boca estava cerrada com silver tape. O desespero agora era real. Começou a imaginar outra situação, essa não tão prazerosa assim. Nesse momento, se deu conta do líquido gelado que escorria pela lateral do seu corpo e do cheiro insuportável que impregnava o ar. Sangue. Olhou para o lado e viu a garota morta. Sua garganta fora cortada de uma orelha a outra. Seu coração quase parou. Começou a se contorcer, como se isso pudesse ajudá-lo a sair, mas a única coisa que conseguiu foi fazer seus braços sangrarem pelo contato com as fibras grossas da corda. — Fique calmo. – uma voz ecoou no ar. O juiz tentou reconhecer a voz, mas foi em vão. Então
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passou a procurar pela pessoa que havia falado. Demorou alguns segundos até avistar, um pouco mais à frente, aos pés da cama, a silhueta de um homem. Certamente era o mesmo que o atacara antes. O homem de preto estava lá, sentado em uma poltrona, com o capuz levantado até o nariz para que pudesse fumar um cigarro. Na mão esquerda, segurava um copo. — Espero que não se importe. – o homem disse. Sua voz era mais suave do que se esperaria numa situação como aquela, mas isso não a impedia de ser fria, quase isenta de emoções. Definitivamente o juiz não o conhecia. – Eu achei esse whisky no seu bar e não resisti. Há muito tempo que não tomo nada com tanta qualidade. O juiz acenou positivamente com a cabeça. — O senhor vive muito bem aqui. Muito luxo, muita bebida… Muitas mulheres. – o homem de preto levantou o queixo, apontando a cabeça para a prostituta morta. – Garanto que muita gente queria estar na sua pele. Lágrimas começaram a escorrer dos olhos do juiz. O homem de preto terminou o cigarro e virou o resto da bebida num único gole. Levantou-se e caminhou até a borda da cama. — Quer saber de uma coisa, juiz Medeiros? Eu não queria estar na sua pele hoje... O juiz voltou a se sacodir freneticamente na cama, tentando se soltar. Os nós estavam muito apertados e, novamente, a única coisa que conseguiu foi machucar ainda mais os pulsos. O homem de preto abaixou o capuz para que ele voltasse a cobrir todo o seu rosto e depois caminhou até o centro do quarto, onde havia uma grande mesa de carvalho. Sobre ela estava uma mochila preta. Ele a abriu e tirou de dentro um tripé e uma câmera digital DSLR. Armou o tripé e o posicionou nos pés da cama, próximo à poltrona onde havia se sentado pouco antes. Ajustou o foco e pressionou a tecla REC. Voltou para a mochila e retirou de dentro dela um estojo de couro preto, um pouco maior que um caderno escolar. Pegou uma cadeira e caminhou até a lateral da cama. Depositou o estojo sobre a mesa de cabeceira e o abriu. O juiz se esforçou para ver o que tinha dentro, mas não conseguiu. Isso não foi um problema, pois o homem de preto fez questão de mostrar o estojo para ele e para a câmera. Havia
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mais de uma dezena de bisturis presos sobre fitas de tecido em um veludo vermelho. Lâminas de diversos tamanhos e modelos, impecavelmente organizadas em ordem hierárquica. Ele retirou uma das lâminas e repousou o estojo novamente na mesa de cabeceira. Aproximou-a do peito do juiz, que se sacudia ainda mais, tomado pelo desespero. — Quanto mais o senhor se mexer, mais fácil será te cortar. – o homem de preto cochichou para que a câmera não captasse sua voz. Abriu o roupão de seda do juiz com muito cuidado, como se saboreasse cada momento daquele ritual. Deslizou a lâmina de um lado para o outro sobre a pele do homem amedrontado, sem força para cortá-la, enquanto seus olhos acompanhavam o objeto sem sequer piscar. Finalmente achou a posição ideal pouco acima do umbigo, e então pressionou o metal com mais força contra a corpo do homem. Um filete de sangue escorreu. O juiz soltou um gemido abafado de dor. Deslizou a lâmina com uma precisão cirúrgica até que ela alcançasse a altura dos mamilos da sua vítima. O filete de sangue transformou-se numa cascata de fluídos corporais, desesperada por seguir seu caminho rumo ao chão. O homem de preto se comportava como um pintor diante de uma tela em branco. Ainda levaria alguns minutos até que o juiz perdesse totalmente a consciência. E o homem de preto estava disposto a saborear cada um destes minutos.
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