PARTE IV
4 DTI
Educomunicação
Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola Educommunication: a reflection theory abouth radio school Angélica Moreira Pereira 1
Resumo: O presente artigo aborda uma reflexão teórica das práticas educomunicativas, em específico a Rádio Escolar, cruzando com as reflexões dos autores Boaventura de Souza Santos e Edgar Morin, a partir das obras Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social e Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, respectivamente. Percebeu-se que muitos dos saberes e dos preceitos abordados pelos autores dialogam com a epistemologia da educomunicação.
Palavras-chave: Educomunicação, Ecologia dos saberes, Rádio escola. Abstract: This article approaches a theoretical contemplation of the educommunicational practices, particularly the School Radio, crossing with the reflections of the authors Boaventura de Souza Santos and Edgar Morin, based on the works Renewing the Critical Theory and Reinvent the Social Emancipation and The Seven Knowledge Required for Future Education, respectively. It became clear that many of the knowledge and the precepts approached by the authors dialogue with the epistemology of the educommunication.
Keywords: Educommunication, Knowledge Ecology, School Radio.
INTRODUÇÃO ESTE ARTIGO apresenta-se uma reflexão teórica a respeito do campo da Edu-
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comunicação e dos saberes que podem emergir com esta prática, por meio do cruzamento teórico entre os autores Boaventura Souza Santos e Edgar Morin. O objetivo que permeia esta pesquisa é refletir sobre possíveis competências que podem surgir com as práticas educomunicativas por meio da rádio escola. Uma das obras que darão sustento para o presente artigo é livro Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social, cuja autoria é do sociólogo Boaventura Souza Santos. Na visão do autor, a sociedade atual cresceu e se emancipou muito rápido, gerando problemas de regulação e ordem, surgindo assim, a necessidade de novas soluções para problemas antigos. Santos defende a necessidade de uma reinvenção da emancipação social, pois as teorias das ciências sociais que existem hoje, são elaboradas pelos países do Norte, o que acarreta em problema para os países do Sul. A proposta apresentada no livro é a união de cientistas sociais do Sul para propor a realização de um projeto que se chamaria “Reinventar a Emancipação Social a Partir do Sul”, ou seja, a partir de países periféricos e semiperiféricos do sistema mundial, totalizando seis países: 1. Mestranda em Tecnologias Educacionais em Rede da Universidade Federal de Santa Maria. Artigo produzido na disciplina de Mídia e Pluralismo. E-mail: aangell_rs@hotmail.com
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Portugal, Colômbia, Brasil, África do Sul, Índia e Moçambique. O objetivo foi pensar sobre as contradições mais persistentes entre o Norte e o Sul, aliando cinco temas, tais como: 1º) democracia; 2º) produção não capitalista - as formas de economia solidária, de economia social e popular; 3º) multiculturalismo -diversidade cultural, cidadania cultural, direitos indígenas, entre outros; 4º) conhecimentos rivais – a capacidade que o Norte tem de negar a validade ou a existência dos conhecimentos científicos (populares, indígenas) e por fim o novo intervencionismo operário. As abordagens destes temas levaram os cientistas a várias reflexões, entre elas, a de que as transformações sem compreensão levam a sociedade para situações de desastre, pois as dicotomias e as hierarquias não nos permitem pensar fora das totalidades. Não se pode pensar o Norte sem pensar no Sul; pensar no escravo sem pensar no homem; pensar no homem sem pensar na mulher. O que deve ser questionado é se nessas realidades não há coisas que estão fora dessa totalidade: o que há na mulher que não depende do homem; o que há no Sul que não depende do Norte? A partir destes questionamentos é que surgem as cinco monoculturas, que posteriormente são transformadas em ecologias, conforme mostra o quadro a seguir: Quadro 1. Ecologia dos saberes Monocultura do rigor científico
Ecologia dos saberes
Monocultura do tempo linear
Ecologia das temporalidades
Monocultura da naturalização das diferenças
Ecologia do reconhecimento
Monocultura da escala dominante
Ecologia da transescala
Monocultura do produtivismo capitalista
Ecologia da produtividade
Fonte: elaborado pela autora baseado em Boaventura de Souza Santos (2005)
O segundo livro que oferece suporte para o presente trabalho é de autoria de Edgar Morin - Os Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro. Estes saberes surgiram de uma reflexão geral sobre os problemas da educação para o atual século, chegando aos sete “buracos negros” que tangem todos os sistemas de educação conhecidos, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior. Os conceitos das ecologias apresentadas por Santos (2005) serão dialogados com as práticas educomunicativas, por meio da rádio escola, e com os conceitos dos saberes de Edgar Morin, esperando-se, assim, que a partir destes cruzamentos teóricos o trabalhado dos educomunicadores possa ser complementado e conduza a uma reflexão sobre o campo educacional e comunicacional.
O CAMPO DA EDUCOMUNICAÇÃO No Brasil, o campo de estudo que uniu as áreas da Educação e Comunicação surgiu na Universidade de São Paulo (USP), em 1996. No mesmo ano foi criado o Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), que congrega pesquisadores engajados em temas que circundam as áreas citadas. Segundo o Profº Dr. Ismar de Oliveira Soares, Coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USPO, o conceito de Educomunicação está associado como um conjunto de ações destinadas a:
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1) integrar às práticas educativas o estudo sistemático dos sistemas de comunicação; 2) criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos (o que significa criar e rever as relações de comunicação na escola, entre direção, professores e alunos, bem como da escola para com a comunidade, criando sempre ambientes abertos e democráticos. Muitas das dinâmicas adotadas no Educom apontam para as contradições das formas autoritárias de comunicação); 3) melhorar o coeficiente expressivo e comunicativo das ações educativas.
Com a revolução tecnológica, as possibilidades de comunicação expandiram-se e os educadores passaram a ter novas possibilidades de contribuir com o ensino em sala de aula, consequentemente, potencializando o processo didático-pedagógico. A inserção de aparatos tecnológicos ao ensino é essencial, pois amplia as possibilidades de aprendizado, além de exercitar novas capacidades e habilidades dos jovens, entretanto, essa aliança requer um cuidado de não apenas inserir uma nova tecnologia, mas de adaptá-la dentro de uma linha pedagógica. Segundo Citelli et al. (2014), nas primeiras décadas do século XX no Brasil, o rádio tinha enorme importância cultural, informativa e mesmo educacional. Cabe observar que 75% da população vivia no campo e 80% da população total era analfabeta. Dois educadores, Roquette-Pinto e Anísio Spínola Teixeira, identificaram no veículo radiofônico uma enorme possibilidade para ajudar a reverter o cenário de abandono dos brasileiros à educação formal. Ambos os educadores revelaram uma profunda compreensão sobre a importância do rádio para auxiliar nos processos de alfabetização e de difusão cultural. Neste panorama, de acordo com Gaia (2001), o rádio vem sendo utilizado experimentalmente, de maneira bem sucedida, com outras mídias, tornando-se uma valiosa fonte de informação e propostas pedagógicas, que tenham “a midialidade e a intermidialidade com base metodológica” (p.85). O objetivo da rádio escola é transmitir em circuito aberto ou semifechado, no interior da escola, conteúdos que possibilitam aos alunos a produção de seus próprios conteúdos radiofônicos, sob a orientação de educadores. A escola, por muito tempo, foi uma estrutura isolada da sociedade em que seu aluno está inserido. Na procura por essa interação da escola com a sociedade, a comunidade escolar busca utilizar-se dos recursos que os meios de comunicação têm a oferecer. Fazendo com que o seu aluno se aproxime, havendo uma comunicação de mão dupla entre a escola e o aluno. Diante desse contexto, para que esse aprendizado seja efetivado, é necessário compreender a educomunicação. Ela é entendida como “um campo de mediações, um referencial teórico que sustenta a inter-relação comunicação/educação como campo de diálogo, espaço para o conhecimento crítico e criativo, para a cidadania e a solidariedade” (SOARES, 2000, p.12). Com essa aproximação entre aluno e escola com a ajuda dos meios de comunicação, o estudante passa a ser produtor e não somente um sujeito passivo, de modo que esses elementos geram a capacidade de decisão do que é importante para a comunidade em que está inserido, constituindo-se como sujeito crítico. A escola e a comunidade nesse momento se beneficiam dessa prática para fazer com que os alunos se tornem sujeitos participativos e opinativos que podem mudar a sua realidade e da comunidade que o rodeia. A Educomunicação busca a ligação entre escola e sociedade de uma maneira
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diferente, de modo que o aluno se identifique com questões do dia a dia, oportunizando práticas de cidadania, autoestima e a capacidade de julgamento do mundo que o cerca, o que faz com que a escola, além de ensinar as matérias básicas, também forme cidadãos aptos para vivência social. E é neste contexto que os conceitos de Edgar Morin, sobre os sete saberes necessários para a educação do futuro dialogam com as práticas educomunicativas. Ele acredita que qualquer reforma de educação deverá, antes de mais nada, começar pela reforma dos educadores. O primeiro saber apresentado é o conhecimento, pois segundo Morin (2000), não é ensinado o que significa esta palavra, a sua importância. Muitos conhecimentos e crenças do passado contém erros ou ilusões, pois o conhecimento nunca é o “espelho do reflexo da realidade” (p.82), ele é uma tradução seguida de uma reconstrução. Ele é marcado pelo “imprinting cultural”, ou seja, são as impressões que os pais, a escola e demais instituições sociais imprimem nas crianças desde cedo. Essa visão que é imposta para as crianças desde cedo é puramente cultural, mas não quer dizer que não seja fundamentado sobre uma experiência verdadeira. Este primeiro saber de Morin (2000) vai ao encontro com as ecologias dos saberes de Boaventura de Souza Santos (2005), que defende a ideia de não utilizar a ciência apenas como monocultura, mas como parte de uma ecologia dos saberes, em que o saber científico possa dialogar com o laico, com o popular, com o indígena, com o saber das populações urbanas marginais, com o camponês, etc. Todo saber cultural é válido e o principal argumento é contrariar a hierarquia abstrata do conhecimento. O segundo saber é o conhecimento pertinente, que não se constitui em pertinente por conter uma grande quantidade de informações. O problema consiste em como organizamos essa grande quantidade de informação. Esse segundo saber tenta lidar/ situar as informações a partir de um conceito global, e se possível, num contexto geográfico e histórico, para isso, é necessário ter uma visão do todo, do conjunto e entender que as partes também compõem esta totalidade. O terceiro saber é o da identidade humana, da condição humana. Quem somos nós? Qual a nossa condição? Morin (2000) defende que somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie, mas estamos em uma sociedade e a sociedade está em nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em nós. O conhecimento hoje em dia se encontra separado, compartimentado, tais como a sociologia, a psicologia, história, economia, etc. Esse terceiro saber dialoga muito com o segundo saber, pois para conhecermos algo, é necessário que haja alguma distância, ao mesmo tempo em que haja um pertencimento comum. O quarto saber é o da identidade terrena, a compreensão humana, que visa entender o ser humano não apenas como objeto, mas também como sujeito. Compreender não só os outros como também a si mesmo, pois é necessário se auto examinar, se olhar, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão entre os seres humanos. Este quarto saber de Morin pode ser relacionado com a ecologia das temporalidades de Boaventura de Souza Santos que contrapõe a monocultura do tempo linear, constituindose em diferentes concepções de tempo, principalmente para algumas tribos, como camponeses, comunidades africanas, indígenas, etc, pois estas acreditam que cada
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pessoa individual ou grupos de pessoas possuem tempos diferentes para compreender e assimilar fatos/acontecimentos. O quinto saber refere-se a entender as incertezas, ou seja, aprender a enfrentar as incertezas, pois o que se ensina são apenas as certezas históricas e científicas. Ensinar as incertezas é incitar à coragem, incentivar futuras decisões que devem ser tomadas levando em conta o risco do erro e de estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo de ação. Este saber também é bem próximo a ecologia do reconhecimento, que propõe a descolonização das mentes para produzir algo que se distinga dos produtos advindos da hierarquia e só aceitar as diferenças depois que a hierarquia for descartada. O sexto saber é ensinar a compreensão, ou seja, compreender a era planetária, os tempos modernos, a globalização do século XX. Torna-se necessário compreender que vivemos em uma era constituída por uma comunidade de destinos sobre a Terra. Como então, compreender partes da humanidade sem chegar a uma homogeneização, ou seja, sem destruir ou nivelar as culturas? Morin (2000) diz que conhecer nosso planeta é difícil, pois os processos de todas as ordens sociais, econômicas, ideológicas estão imbricadas e são tão complexas que tornam-se um desafio para o conhecimento. O sétimo e último saber é a antropoética, ou seja, a ética em escala humana que exige que desenvolvamos simultaneamente nossa autonomia pessoal, nosso individualismo, responsabilidade e participação no gênero humano. É a ética que conduz os humanos a uma ideia de democracia, a ética do gênero humano com associações não governamentais, como Médicos Sem Fronteiras, Green Peace, etc.
A RÁDIO ESCOLA E O ESPAÇO PARA A CONSTRUÇÃO DO SABER COLETIVO Estas intersecções teóricas com o campo da educomunicação mostram-se muito eficazes para analisar as propostas educomunicativas que as escolas têm trabalhado com os alunos em sala de aula. É sabido que as escolas, durante muito tempo, foram consideradas como um espaço isolado da sociedade em que o aluno está inserido. Na procura por essa interação da escola com a sociedade, a comunidade escolar busca utilizar-se dos recursos que os meios de comunicação têm a oferecer. Isso faz com que o seu discente se aproxime, havendo uma comunicação de mão dupla entre a escola e o aluno. A aproximação entre os estudantes, a escola e as mídias escolares pode acontecer por diversas maneiras, seja através do rádio, do jornal, da fotografia, desenhos, histórias em quadrinhos ou através de um programa de televisão. A possibilidade encontrada nestas práticas é a de incentivar no aluno o desenvolvimento pessoal, a capacidade de refletir criticamente o que está sendo produzido e como este processo ocorre. O projeto rádio escola, por exemplo, realizado em escolas de Ensino Fundamental e Médio, visa que o aluno trabalhe no rádio a interdisciplinaridade e a participação, ou seja, o que está sendo ensinado em sala de aula sobre química, português, matemática ou redação, também seja trabalhado no rádio e contextualizado com a sua realidade social. A educomunicação, neste contexto, busca um elo entre escola e comunidade, inserindo o aluno não apenas como um sujeito passivo, mas como um cidadão crítico, que compreenda onde está inserido, que ele abranja o seu mundo. A autonomia, o protagonismo e o empreendedorismo juvenil são elementos essenciais estimulados pela
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produção coletiva de comunicação. Trata-se de um tempo e espaço onde a criança, o adolescente e o jovem podem exercer livremente sua criatividade e expressar seus anseios. Ele busca sua pauta, pesquisa, escreve, analisa e opina com o suporte do ambiente escolar, mas não subordinado a ele. Uma das consequências dos processos educomunicativos é a aproximação dos educadores e educandos nas conversas, ocasionando a desmistificação da figura dos educadores como únicos detentores de saber, podendo causar uma tensão inicial, pois transforma as relações de poder e hierarquia, trazendo como ponto positivo a possibilidade de se criar novos espaços de diálogos dentro do ambiente escolar. O uso das mídias nas escolas, como o exercício da rádio escolar possibilita, inclusive, interação com diversos temas. É possível realizar entrevistas sobre meio ambiente, divulgar uma competição da escola, criar campanhas para a melhoria da convivência na escola e para a promoção de uma cultura de paz. Uma rádio escola pode, ainda, ser uma ferramenta poderosa para trabalhar o direito à livre expressão e à opinião. É, também, uma estratégia para se debater a responsabilidade inerente ao exercício desse direito com os estudantes, professores e demais pessoas da comunidade escolar. Para a escola implementar a sua rádio, é necessário criar um projeto que esteja de acordo com o projeto pedagógico da escola. O Programa Mais Educação2, por exemplo, disponibiliza um kit de rádio escolar que é composto por uma série de materiais de apoio à atividade de comunicação na escola. São eles: aparelho microsystem; microfones que podem ser utilizados para o exercício de rádio ao vivo e para a gravação de notícias e spots educativos; gravador digital; fones de ouvido para uso dos locutores na rádio e para gravação dos conteúdos e caixas de som. Na maioria das vezes, as rádios escolares funcionam no horário do recreio, do almoço ou entre os intervalos das aulas.
RELATOS DE WEB RÁDIOS NO BRASIL É sabido que a escola precisa estar em sintonia com a comunidade, envolvendo em suas atividades, além do corpo docente, familiares e amigos dos alunos. Com as constantes mudanças mundiais, torna-se necessário que as escolas acompanhem a evolução tecnológica e as alterações comportamentais relacionadas com o processo de ensino e aprendizagem, bem como o fluxo de informações e conhecimento. Em detrimento disso, muitas são as Rádios Escolas que trabalham por meio da internet, transmitindo virtualmente a sua programação. Com o intuito de exemplificar algumas práticas educomunicativas por meio das Rádios Web, será citado apenas algumas iniciativas adotadas por Escolas da Rede Pública que vão ao encontro dos objetivos do presente artigo. Por saber da importância deste tema e da diversidade de escolas que adotaram estas práticas, o assunto não será esgotado neste capítulo, e sim apresentado de maneira a elucidar o que já foi colocado. Um exemplo é a Rádio Escola Web de São Paulo3, pioneira neste formato de rádio no Estado e oportuniza crianças e adolescentes da Rede Municipal a participar das 2. O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral.Fonte: http://portal.mec.gov.br/ index.php?option=com_content&view=article&id=16690&Itemid=1113. Acessado em 08 de dezembro de 2014. 3. Disponível em http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/educom/Anonimo/wr/wr.htm.. Acesso em 20 de maço de 2015.
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Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola Angélica Moreira Pereira
produções e edições de diversos programas. A rádio faz parte do Projeto de Educomunicação “Programa Nas Ondas do Rádio”, que busca nesta iniciativa integrar as rádios escolares em um canal comunitário de promoção do protagonismo infanto – juvenil e de direito a comunicação. Com o intuito de complementar a formação de alunos dos cursos de Comunicação Social, a Escola de Rádio Web4, localizada no Rio de Janeiro, foi fundada em 1994 e oferece cursos presenciais e online profissionalizantes para jovens que desejam se aperfeiçoar nesta área. Na cidade de Santa Maria, localizada no Estado do Rio Grande do Sul, algumas Escolas Públicas implementaram em 2011 as Rádios Escolares, em parceria com a 8ª CRE (Coordenadoria Regional de Educação) e contando com o apoio de um Projeto de Extensão do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria. No total foram contabilizadas 18 escolas5 que estão com o projeto em andamento, tais como: Rádio Fala Galera; Rádio Conexão CESS; Rádio Escola Revolução Jovem; Rádio Escola Castelo Branco; Rádio CB; Rádio Voluntários em Ação; Rádio Ruschi; Rádio Caetaninho Tribal Show, entre outras. Dentro deste esforço coletivo das Instituições promotoras da educomunicação é que os sete saberes necessários para a educação do futuro e as ecologias dos saberes se cruzam e se entrelaçam com o exercício da rádio escola, pois são preceitos básicos não apenas para a vida acadêmica dos estudantes, mas para a vida pessoal, para a convivência em grupo, para a compreensão e transformação da realidade que cada indivíduo está inserido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A rádio escola se constitui como uma prática educomunicativa que visa a construção do saber, a formação cidadã e crítica, que compreende o mundo a sua volta. Muitos dos preceitos fundamentais da educomunicação e da rádio escola vão ao encontro dos Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro, pois o foco não é somente no conteúdo exposto em sala de aula, nas ciências exatas ou humanas, mas se completa através da reflexão de que vivemos em uma sociedade e que entender as partes para compreender o todo, torna-se fundamental. A compreensão humana, quem somos, onde estamos inseridos, a existência de múltiplas culturas, são saberes que Morin aborda e que dialoga com o exercício da rádio escolar, com a intenção que os educadores esperam poder trazer para o âmbito escolar e refletir com os estudantes durante suas práticas. Da mesma maneira que Boaventura de Souza Santos apresenta as Ecologias dos Saberes, pode-se fazer uma conjectura com os saberes que são desenvolvidos através do exercício nos laboratórios radiofônicos, visando a compreensão e o entendimento das diferentes culturas, o saber trabalhar no coletivo, aceitar opiniões contrárias e advindas a partir de um ponto de vista que é baseado na realidade social e econômica de cada aluno, aceitar os diferentes tempos que cada estudante tem para assimilar as notícias e os produtos radiofônicos que estão sendo produzidos ou desconstruídos na rádio escola. 4. Disponível em http://escoladeradioweb.com.br/. Acesso em 20 de março de 2015. 5. A lista de Escolas Estaduais é um relatório do Projeto, constando a data de 12 de maio de 2014 como sendo a última atualização das informações.
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Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola Angélica Moreira Pereira
A proposta deste artigo era de dialogar com estes dois autores – Morin e Boaventura que trazem conceitos extremamente importantes para a melhor compreensão e a reflexão das práticas educomunicativas que utilizam diferentes mídias, em especial o meio rádio. Acredita-se que foi de grande valia a reflexão teórica, pois muitos dos saberes abordados neste artigo possibilitam o cruzamento com as intenções da educomunicação.
REFERÊNCIAS ANDRES, Sagrilo F. et al (orgs). Estudos das Mídias: do relacionamento ao engajamento nas ambiências midiatizadas. Santa Maria, RS: Centro Universitário Franciscano, 2014. CITELLI, Adilson. (org). Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto, 2014. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. GAIA, Rossana Viana. Educomunicação & Mídias. Maceió: Edufal, 2001. MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 3. ed. São Paulo, SP: Cortez, 2005. NUNES, Roseli Pereira. A educomunicação como ferramenta para trabalhar questões socioambientais na escola. In: V Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade. 21 a 23 de setembro de 2011. São Cristovão, Ceará. São Cristovão, 2011. 9p. SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: um campo de mediações. Comunicação & Educação, ECA/USP. Nº 19, ano VII, 2000. SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Globalização e as Ciências Sociais. 4ª. ed. São Paulo: Cortez, 2005
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada Meritocracy in education to a society deschooled C a r o l i n a C a r d o s o D u t r a E va n g e l i s t a 1
Resumo: Este excerto tenta discorrer sobre a sociedade meritocrática e sua inserção no contexto da rede de ensino. Para isso, é dada uma contextualização de como ocorreu esta inserção, primeiramente mundial e depois no contexto brasileiro, considerando a hipótese de que ela foi difundida também pela democratização do ensino. É tratado também da meritocracia como razão para uma sensação de injustiça, que leva a uma “sociedade da desconfiança”, passando pela descrença no sistema de ensino, até a ideia de uma sociedade “desescolarizada”.
Palavras-Chave: Meritocracia, Educação, Sociedade Desescolarizada, Sociedade da Desconfiança.
Abstract: This excerpt aims to discuss the meritocratic society and its place in the context of the school system. For it is given a context of how this insertion occurred, first in the world and then in the Brazilian context, considering the hypothesis that it was also broadcast by the democratization of the education. It is also treated of meritocracy as a reason for a sense of injustice, which leads to a “society of distrust”, through unbelief in the education system, until the idea of a “deschooling society”.
Keywords: Meritocracy, Education, Deschooling Society, Society of Distrust.
INTRODUÇÃO MBORA SEMPRE presente no senso comum das sociedades individualistas e igua-
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litárias, modernas e tradicionais, a meritocracia é há muito um tema que gera controvérsias (BARBOSA, 1999, p. 29), sobretudo nos sistemas de ensino. E é deste “incômodo” que surgiu a ideia de aprofundar os estudos sobre este contexto (meritocracia e educação) e tentar entender o porquê deste sistema me parecer tão “injusto”. Temos pela definição dicionarizada de meritocracia2: “predomínio numa sociedade, organização, grupo, ocupação etc. daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem dotados intelectualmente etc.)”. No sentido que aqui proponho, a palavra “meritocracia” apareceu provavelmente pela primeira vez no livro Rise of the meritocracy, de Michael Young (1958). Para Young meritocracia é “a caracterização de um sistema de governo ou gestão que utiliza o mérito individual para a ascensão social e política”. o livro de Young me interessou particularmente, pois uma das críticas que o autor fez sobre esse sistema é a alusão ao fato de que as medidas referentes a esse mérito, que pode ser validado em inteligência ou esforço, não são muito específicas e, geralmente, são arbitrárias, elegidas pela classe social ou modo de vida dominante. 1. Mestranda na área de Ciência da Informação (ECA-USP). Bacharel em Letras, habilitação Português/ Alemão (FFLCH-USP) e em Licenciada em Português e Alemão (FE-USP), carolina.evangelista@usp.br. 2. HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada Carolina Cardoso Dutra Evangelista
Em minha hipótese inicial, a meritocracia funciona de maneira justa como sistema de oportunidades em tipos de comunidades reduzidas, em que as condições das pessoas costumam ser restritas de distinção; dentro destes nichos, é habitual que as chances das pessoas sejam similares, como, em times de futebol, ou mesmo empresas em que os profissionais tenham currículos, objetivos e aspirações parecidos. Não adentrei nesta hipótese, é claro, no contexto da lógica de mercado ou da seleção que é feita para que se possa atingir esse tipo de comunidade. E por isso, parto do pressuposto que não dá para se trabalhar pequenos nichos como “justos” se a sociedade se mostra meritocrática como um todo. Assim, acabo por renegar esta primeira hipótese e um clássico exemplo disso é nosso sistema de ensino, altamente meritocrático. Voltada à educação, muitos defendem – e concordo – a hipótese de que em um sistema educacional lidamos com pessoas diferentes, e mesmo que adaptado à realidade da comunidade de uma escola, de um “pequeno” nicho, a meritocracia não tratará a todos, necessariamente, com a igualdade e justiça que ela supostamente pressupõe. E muito mais, uma escola meritocrática contribui para a propagação e dá sustentação para uma sociedade baseada no sistema da meritocracia, o que, segundo Souza (2013): “exacerba o individualismo e a intolerância social, supervalorizando o sucesso e estigmatizando o fracasso, bem como atribuindo exclusivamente ao indivíduo e às suas valências as responsabilidades por seus sucessos e fracassos”.
A FUGA DA MERITOCRACIA DESENFREADA 3 O artigo de Bucci (2009a) inicia citando o filósofo Baudrillard, cujo texto inspirou o filme Matrix, dos irmãos Wachowskis, que simula o planeta terra em um futuro em que a realidade é fruto de um poder único que controla todas as nossas ações. Sob essa perspectiva, vivemos em uma cena escrita e dirigida por uma máquina chamada Matrix. Os seres humanos são apenas peça de uma grande máquina e não trabalham com o pensamento realmente criativo (apesar de não saberem). Eles movem um mundo que, em realidade, não participa. Na sequência, o artigo apresenta a teoria de Charles Darwin, a Evolução das Espécies, que postula, basicamente, que as espécies competem entre si: a espécie que melhor se adapta sobrevive. Bucci (2009) e antes dele Jacques Lacan (também citado no artigo) acreditam que essa teoria pode ser lida “como a aplicação do ideário liberal” à vida no planeta Terra, principalmente pela época em que ela foi apresentada à comunidade científica. A natureza, assim, seria a expressão final do liberalismo. Da teoria de Darwin temos uma metáfora da ação capitalista. Sobrevive quem tem mais recursos para isso, assim como é no capitalismo o fenômeno da hereditariedade: o capitalista acumula a riqueza e os meios de vida para sua família, e compete com outros pela riqueza: “Por meio da ideia de que competir é um valor vital, Darwin consagrou, indiretamente, a ação humana em busca da sobrevivência (ou da riqueza) como um vetor natural, instintivo, vital” (Bucci, 2009). Portanto: VIDA = MÉRITO 3. Este tópico foi livremente inspirado no texto: “Aquilo de que o humano é instrumento descartável: sensações teóricas”, do Professor Dr. Eugênio Bucci. In: NOVAES, Adauto (Org.). A condição humana: as aventuras do homem em tempos de mutações. Rio de Janeiro: Agir e São Paulo: Edições SESC SP, 2009. p. 375-394.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada Carolina Cardoso Dutra Evangelista
A teoria de Darwin prega, nada mais, do que a “predação” que acontece dia a dia não só na natureza, mas na sociedade econômica. Bucci (2009) faz ainda um paralelo: “o espécime de Darwin é análogo ao empresário de Adam Smith” ... “o seu laissez-faire na natureza reverbera a ‘livre’ iniciativa” (reverbera o próprio liberalismo). Contextualizando Darwin (1809-1882) em sua época, o autor lembra que o século XIX foram os anos da ascensão e propagação dos direitos fundamentais, dos direitos sociais: Prosperaram aí os valores da fraternidade e da igualdade, mas, que fique bem claro, sem a liberdade econômica, que supõe egoísmo e a ambição, a sociedade não avançará. Portanto, o que alguns passaram a chamar de “darwinismo social” é, desde logo, contrabalançado pela vigência de direitos fundamentais, que redundariam mais tarde também nos direitos sociais. Bucci (2009)
Assim, não foi só a meritocracia que ascendeu naquele século, mas os direitos sociais também. Esses direitos vinham para deixar a sociedade mais igualitária, porque se fosse depender apenas da economia, em tese, sempre haveria pessoas com recursos insuficientes para a sobrevivência. Apenas a conquista do pensar sobre esses direitos significou que a humanidade evoluiu em relação aos bichos, a conquista deles significa a evolução para o estado civilizado. No entanto, o questionamento que faço é sobre o quanto nossa sociedade é realmente “civilizada”, o quanto os direitos sociais alcançados suprem a necessidade de uma sociedade tão revigorada pelos simulacros da meritocracia?
O SISTEMA MERITOCRÁTICO E A DESCONFIANÇA PROVOCADA Eles não suprem. Mesmo com todos os direitos conquistados, continuamos selecionando e diferindo exacerbadamente. “Toda a seleção de um é a rejeição de muitos” (Young, 1958). E analisando significadamente, é muito difícil mensurar o que uma rejeição pode causar na individualidade do ser social, que ao nascer, segundo Freud, já é castrado e vive sempre em busca do objeto de sua castração4. Este ser nem sempre está preparado para lidar com a rejeição, e a possibilidade dessa rejeição, causada pelo sistema meritocrático exacerbado, gera uma sensação de eterna desconfiança que nos é intrínseca, que não é natural, mas já nos acostumamos. A socióloga Claudine Haroche, em seu artigo escrito em 2010, fala da “sociedade da desconfiança”, em que os valores podem ser difusos e mutáveis, pois se baseia no medo causado pela constante avaliação que passamos em nossas vidas, que vem desde o nascimento até nossa morte, que não respeitam a individualidade do ser; e que homogeneízam as pessoas. Seguindo este raciocínio, em meu ponto de vista, o sistema meritocrático contribui para uma sociedade contrária ao que ele propõe inicialmente. Em vez de justiça, é a sensação da falta dela que ele propaga. Muito da sensação de que a vida é “injusta”, que temos a impressão de estar em nossa essência pelo simples fato de sermos “humanos”, parece-me vir da ideia da sociedade moldada pelas questões do mérito.
4. Para um melhor entendimento ver o texto de Eugênio Bucci e Rafael Venâncio: “O valor de gozo: um conceito para a crítica da indústria do imaginário” (2014).
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A MERITOCRACIA NO CONTEXTO ESCOLAR Foi na Revolução Intelectual, que teve início na Inglaterra em 1870, que o mérito se tornou árbitro decisivo na sociedade moderna ocidental em detrimento da hierarquização de pai para filho5. Nessa época, em várias áreas a hereditariedade foi sendo substituída pela compensação do talento. As guerras do século XX foram o ápice da competição entre nações, e representaram grande justificativa para o princípio do mérito. Os testes de crianças de escolas elementares que entrariam no serviço militar eram por mérito, pelo medo da nação perder as guerras em que estava inserida, a escola incorporou definitivamente a base meritocrática. Muito disso foi postulado pelo pensamento tecnocrata, que diferente da meritocracia, mas muitas vezes complementar a ela, é fundamentado na supremacia técnica. Foi em busca do sonho de oportunidades iguais, que denunciavam a herança da propriedade intelectual que o processo de mudança social legitimou uma sociedade do mérito, que acabou apropriando seu sistema de ensino baseada nessa premissa. E minha hipótese é que este sistema foi difundido pela democratização do ensino no Brasil. José Mario Pires Azanha (2004) discorre acerca da apropriação de qualquer ideologia6 sobre o ideal da democracia7, ele fala de um ponto histórico “em que foi a premissa fundamental de todas as posições: a valorização do ideal democrático” que mesmo com certas controvérsias, “todos concordaram na ‘aceitação da democracia como a mais alta forma de organização política e social’8” (Azanha, 2004). E é por essa aceitação e pela ambiguidade da noção de democracia, ainda segundo Azanha, que a noção de “ensino democrático” se distorceu. Neste período, os governos pelo mundo tomaram o ensino como responsabilidade sua e o disponibilizaram como obrigatório. Em muitos países essa “democratização” atingiu um ensino público dito de “qualidade” – mesmo que sirva apenas para a reprodução de um sistema, para a reprodução da “sociedade do espetáculo”9. Em nome do ensino democrático, deu-se a “democratização do ensino” – o ensino para todos –, que se mostrou tão aceitável e tomou forma de solução milagrosa para diversos problemas, o qual a educação estava inserida no Brasil10 – principalmente como bloqueio do crescimento econômico. 5. Ver Toledo Piza, apud Young, 1985, p. 212-213. 6. Saliento aqui os postulados sobre ideologia de Louis Althusser em seu livro Aparelhos ideológicos do estado, que olham a ideologia do plano social e são citados e didaticamente explicados por Cassian (2005) e Bucci (1997). Althusser diz: 1. “A ideologia é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência.” – no caso da democratização do ensino, é perceptível como a apropriação do ideal da democracia foi determinante em como as pessoas iriam agir em sociedade (a apropriação da democracia levou a suposta democratização de inúmeras coisas); 2. “A ideologia tem existência material.”: é a própria ideologia da democracia, neste exemplo, que traça o plano de ação; e 3. “A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”: no exemplo, a interpelação da ideologia foi tamanha, que fez com que o indivíduo enquanto sujeito pensasse no coletivo. 7. Para Weber, a democracia é uma operação impessoal, que dá condições para que o estado não seja clientelista, não seja privado, para que o estado seja administrado sem amor ou ódio (Weber, 1994). 8. Azanha cita nestas aspas o estudo: McKleon, R. (Ed.) Democracy in a world of tensions (a symposium prepared by Unesco), The University of Chicago Press, 1951. 9. Ver o texto “O olho que vaza”, de Eugênio Bucci em que o autor explica que o “espetáculo do mundo” é o trabalho. 10. Veja o texto de J. Nagel citado por Azanha (2004): “Educação e sociedade na Primeira República”, E. P. U. – EDUSP, São Paulo, 1974, p. 206-207.
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No País, a falácia da “democratização” foi ainda maior, ainda mais ilusória do que em outros lugares. Em grande parte das abordagens das políticas públicas, as medidas adotadas acabaram por diminuir a qualidade do ensino, com o intuito de que se abrangesse mais pessoas. Como exemplo, cito a Reforma Sampaio Dória, instituída pelo então diretor de instrução pública do Estado de São Paulo em 1920 (Azenha, 2004). À época, havia a necessidade de duplicar a rede de ensino para abranger toda a população que precisava ser escolarizada, precisava-se erradicar, de uma vez por todas, o analfabetismo, sem grandes recursos financeiros para tal. Um dos principais objetos da Reforma era reorganizar o ensino básico, que passou a ter sua obrigatoriedade não mais a partir dos sete, mas a partir dos nove anos, as séries foram concentradas e o ensino primário passou a ter duração não mais de quatro, mas de dois anos. A Reforma, munida do ideal democrático optou pelo mínimo para todos ao melhor para poucos. Nas palavras de Azanha (2004): “Esta trivialidade do credo democrático em educação, tão facilmente aceita no plano teórico, parece que causa repugnância na prática, porque exaspera a sensibilidade pedagógica dos especialistas preocupados com a qualidade do ensino.” No entanto, o próprio Azanha defende a “inevitabilidade e desejabilidade de planos para a educação”11. Considera-a vencedora, porque hoje a exigência de um plano educacional foi um triunfo elencado pela Constituição. Azanha extrapola suas considerações aos planos sociais, fala sobre “a necessidade de planos como uma aspiração politicamente assentada”, para que se viva em sociedade é necessário os planos governamentais, e esses planos são sim outra conquista social. Hoje, por exemplo, é praticamente impossível, na nossa sociedade, um candidato se eleger sem colocar em pauta seus planos diretivos. No entanto, há quem tenha uma ligeira discordância quando o caso é a educação. Em Educação para além do capital, o filósofo húngaro István Mészaros critica, de certa ponto, planos como esses, apelando para concepção de educação mais vasta: Apenas a mais ampla das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital. Essa maneira de abordar o assunto é, de fato, tanto a esperança como a garantia de um possível êxito. Em contraste, cair na tentação dos reparos institucionais formais – “passo a passo”, como afirma a sabedoria reformista desde tempos imemoriais – significa permanecer aprisionado dentro do círculo vicioso institucionalmente articulado e protegido dessa lógica autocentrada do capital. Essa forma de encarar tanto os problemas em si mesmos como as suas soluções “realistas” é cuidadosamente cultivada e propagandeada nas nossas sociedades, enquanto alternativa genuína e de alcance amplo e prático é desqualificada aprioristicamente e descartada bombasticamente, qualificada como “política de formalidades”. Essa espécie de abordagem é incuravelmente elitista mesmo quando se pretende democrática. Pois define tanto a educação como a atividade intelectual, da maneira mais tacanha possível, como a única forma certa e adequada de preservar os “padrões civilizados” dos que são designados para “educar” e governar, contra a “anarquia 11. AZANHA, José Mário Pires. “Política e planos de educação no Brasil: alguns pontos para reflexão”. Caderno de Pesquisa, n. 85, pp. 70-78, 1993.
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e subversão”. Simultaneamente, ela exclui a esmagadora maioria da humanidade do âmbito da ação como sujeitos, e condena-os, para sempre, a serem considerados como objetos (e manipulados no mesmo sentido), em nome da suposta superioridade da elite: “meritocrática”, “tecnocrática”, “empresarial”, ou o que quer que seja.
Esta passagem de Mészaros é interessante porque ele critica os processos de mudanças graduais, os quais chama de resoluções “realistas”, dizendo que estamos “conformados” com elas. Ele coloca “realistas” entre aspas porque são realmente realistas apenas para alguns setores da sociedade. E este “setores realistas” desqualificam qualquer transformação social profunda, a visão elitista chama de “política de formalidades” qualquer medida mais aprofundada. Mészaros coloca este termo também entre aspas para transcrever um discurso comum hoje em dia: a política, ao ver de muitos, seria uma mera formalidade frente aos interesses do mercado. Mais adiante ele fala e critica a educação tecnocrata, seguida dos estudos de Gramsci, que “argumentava enfaticamente, há muito tempo que ‘não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual – o Homo faber não pode ser separado do homo sapiens...’”. Gramsci difere o trabalho fabril da atividade intelectual que pode ser realizada pelo ser humano, ressaltando a crítica à educação tecnocrata e meritocrática. Sabemos que o discurso de Mészaros, na maioria de sua obra é por uma sociedade que clame por uma política de transição, o que fica bem explícito no subtítulo de seu livro Para além do capital: “rumo a uma teoria da transição”, mas entendemos que no caso da educação, o filósofo tende a ser mais radical. Além disso, ainda sobre o contexto escolar, vamos ao encontro da tese da já citada pensadora Claudine Haroche: as avaliações meritocráticas nas escolas, isto é, as mais tradicionais e completas de austeridade, com notas afixadas e com modelos únicos para todos, sem distinção, são também quantificadas por valores que não respeitam o ser humano, são uma afronta a individualidade.
DESCRENÇA Observando linearmente, a diferença entre o início e o término do século XX, segundo Toledo Piza (1985) é que nos tempos mais recentes, vemos concretamente a luta de classes e as formas de inteligência divididas entre essas classes como processo social, ou seja, as “formas de inteligência” mais bem remuneradas economicamente, geralmente,12 pertencem aos que fazem parte das classes dominantes, dos que já detém o capital, tornando a passagem de uma classe social para outra mais difícil. Toledo Piza cita uma frase do livro de Young13 “a civilização não depende da massa sólida, mas da minoria criativa”, como base para explicação dessa mudança de paradigmas na detenção da inteligência. Hoje, conseguimos observar uma tendência intensificada desse pensamento na educação brasileira. 12. Frisei a palavra geralmente na passagem a fim de salientar o fato de saber e assumir que há exceções, que podem não ser tão raras. 13. YOUNG, Michael. The rise of the meritocracy (classics in organization and management series). Nova Jersey: Transaction Publishers, 1994.
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Vemos o empobrecimento dos valores da instituição escola para seus jovens usuários, que deixam de ser agentes do sistema educacional, para se tornarem meros “frequentadores”, já que estar ali, muitas vezes, não representará mudanças efetivas em sua vida, pelo contrário, representará apenas a reprodução do seu já estabelecido papel social em um sistema que precisará dele apenas como uma engrenagem, não como protagonista14. É exatamente esse tipo de sociedade que Young preconiza em seu livro, baseada no conceito já defasado do QI (coeficiente de inteligência) e do esforço individual. Uma sociedade em que “Não há revoluções, somente o acréscimo lento de mudanças incessantes que reproduzem o passado enquanto o transformam.”15 (Young, 1994). Soma-se a isso, que tal sensação de descrédito no sistema educacional brasileiro é visível também no fato de que nem o próprio sistema consegue se reproduzir por meio deste ensino defasado. A imprensa está sempre a expor notícias sobre a falta de mão de obra qualificada16, influenciando e inserindo a sensação de descrédito, mesmo que tacitamente, na opinião pública17. A educação está circunscrita, hoje, e na história do País como um todo, muito mais como um “distanciador” social do que uma escolha18. Com uma visão ainda, no início do século XX, a educação demarcava os lugares do privilégio (a exemplo das República das Oligarquias; o voto de cabresto, entre outros). Mudamos. Com a democratização do ensino passamos para um estágio diferente. Mas ainda há um caminho árduo para uma escola justa.
DESESCOLARIZAÇÃO COMO MEIO Ivan Illich, pensador e polímata austríaco, já no início dos anos 1970, vai além na sensação de descrédito do sistema do ensino. Ele não fala de uma “sensação”, sequer restringe o descrédito ao sistema educacional brasileiro, em seu Sociedade sem escolas, defende o fim da institucionalização da sociedade: “Não é possível uma educação universal através da escola.”, ele diz que preconizando uma atitude em que o sujeito buscará transformar sua vida, a escola como instituição, se esvaece. O autor cita brevemente a palavra latina schola, que significa “tempo ocioso”, “folga”. Em tempos em que até o olhar e o entretenimento19 podem ser considerados “força de trabalho”, em nossa sociedade moderna e supramoderna20, a “folga” também foi roubada da escola. 14. Este jovem está estaria inserido em uma espécie de Matrix? 15. E por isso, quando se faz um estudo histórico sobre derterminado assunto, muitas temos a impressão de vivermos loopings históricos. 16. Veja: “Falta de mão de obra especializada se agrava e atinge 91% das empresas” (matéria de Renée Pereira, em O Estado de São Paulo, de 12 de janeiro 2014); e “Pesquisa revela que falta de mão de obra qualificada prejudica empresas” (matéria do Bom Dia Brasil, de 29 de outubro de 2013). 17. Usando o conceito de Habermas, citado por Bucci e Venâncio: “opinião pública é o recurso por meio do qual a esfera pública faz a mediação entre o estado e a sociedade”. (Bucci, 2014). 18. Até bem pouco tempo, há 44 anos, o Brasil contava com pouco menos de cinco milhões matriculados no Ensino Médio Veja: IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970; IBGE, Estatísticas da Educação Nacional, 1960-1971; INEP/MEC, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. 101. 19. Para saber mais, ver: Bucci, Eugênio. “Em torno da instância da imagem ao vivo”. MATRIZes, ano 3, n. 1, p. 65-79, ago./dez. 2009; e “O olho que vaza o olho”. In: NOVAES, Adauto (org.). A experiência do pensamento. São Paulo: Edições Sesc-SP, 2010, pp. 289-321. 20. Conceito de Marc Augé, que considera que ainda não ultrapassamos os tempos modernos, discordando do conceito de pós-modernidade do pensador David Harvey. Marc Augé é citado por Egênio Bucci em “Ubiquidade e instantaneidade no telespaço público: algum pensamento sobre televisão”. Caligrama, v. 2,
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Para completar, Illich vê a escola como forma de “emburrecimento” dos alunos, uma instituição que não é transformadora, e sim formadora. Ser meramente “formadora”, em nosso tempo, acaba sendo insuficiente, já que está muito mais perto de apenas moldar os alunos para a reprodução do sistema do que para uma transformação social. Ele relaciona, sobretudo, os estudantes de baixa renda, que no Brasil são, em geral, os alunos da rede pública de ensino: Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. (Illich, 1985)
E não é só a escola, como instituição que está fadada ao fracasso na concepção de Illich. Ele elenca também, em uma lógica única, que as instituições que devem ser mantidas na sociedade são as que contribuem para para ela, não as que fazem os seres humanos agirem como dependentes. Essas instituições não transformam o ser, apenas o utilizam como forma de sua própria manutenção. O autor cita o exemplo das instituições sociais que trabalham desta forma, pois em seu entendimento, esse tipo de instituição não deveria existir, pois elas só existem porque há um problema. Enxerga-se a escola assim delineada como uma dessas instituições, que hoje coloca a formação das pessoas como solução, sendo que teria de fazer muito mais. Para Illich, a escola não consegue transformar, por conta da maneira de como está institucionalizada. O aprender está, afinal, muito além da institucionalização: Pobres e ricos dependem igualmente de escolas e hospitais que dirigem suas vidas, formam sua visão de mundo e definem para eles o que é legítimo e o que não é. O medicar-se a si próprio é considerado irresponsabilidade; o aprender por si próprio é olhado com desconfiança; a organização comunitária, quando não é financiada por aqueles que estão no poder, é tida como forma de agressão ou subversão. (Illich, 1985)
COMENTÁRIOS FINAIS O debate sobre o ensino, seja ele público ou privado, é um assunto da esfera pública, por isso a discussão sobre mudanças viáveis em um sistema escolarizado e meritocrático como o nosso serão debatidas e enfrentadas com muito mais cautela e implicará muito mais tempo, muito mais gerações do que o desejado. Mas o fato é que não há como pensar meritocracia sem estourarmos a bolha. Não vivemos também em uma tela de vídeo game em que esforço, sucesso e riqueza sempre parecem ser uma premiação “justa”. Os “esforços” dados por cada um são relativos, são diferentes e individuais, e isso é decisivo na hora de educar e transformar nossas crianças, p. 1-27, 2007.
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pois “habilidade, conhecimento, importância” são valores individuais “e não em valores sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.)” (Souza, 2013). Por isso, pensamos em uma escola cada vez mais abrangente, quanto mais fatos sociais forem aceitos por elas, mais comportamentos sociais serão considerados bem-sucedidos. Quando comecei a escrever este excerto já não acreditava na meritocracia implicada no sistema educacional, agora tenho dúvidas também sobre a escolarização como melhor maneira de transformar as pessoas. No entanto, sabemos que a história da humanidade, sobretudo a história da sociedade, é feita de processos e passagens, é só percorrendo um estágio, que atingiremos outro. Nossa história é fadada ao desafio constante. Assim, o processo de concepção das escolas, da criação das escolas públicas, da democratização da escola foram extremamente importantes. Processos esses que foram necessários e nos levaram a pensar em uma sociedade desescolarizada, apesar de ela ser hoje quase uma utopia.
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Mészaros, István. Educação para além do capital. Col. Mundo do Trabalho. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2008. _____. Para além do capital. Col. Mundo do Trabalho. Trad. Paulo Cesar Castanheira; Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002. Nagle, J. Educação e sociedade na Primeira República, E. P. U. – Edusp, São Paulo, 1974. Souza, Renato. “Desvendando a espuma: o enigma da classe média brasileira”. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/fora-pauta/desvendando-a-espuma-o-enigma-da-classe-media-brasileira>. Acesso em: 16.03.2014. Toledo Piza, Sérgio Luiz de. Empresa, educação e meritocracia: a propósito de Michael Young. R. Fac. Educ., n. 11 (1/2). São Paulo, pp. 211-222, jan./dez., 1985. Weber, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva (vol. 1). Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1994. Young, Michael. The rise of the meritocracy (classics in organization and management series). Nova Jersey: Transaction Publishers, 1994.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Educommunication as a proposed methodology in Social Communication formation D i va S o u z a S i lva 1 C h r i st i a n e P i ta n ga Se r a fi m
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Resumo: Este artigo relata pesquisa em desenvolvimento sobre práticas educomunicativas no ensino superior, fruto do projeto interdisciplinar que vem sendo realizado há dois anos pelas disciplinas ‘Comunicação e Educação’ e ‘Mídias e Comunicação’, que integram o currículo do Curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Uberlândia. São objetivos da pesquisa: investigar a educomunicação como processo e metodologia na formação do saber jornalístico dos estudantes; analisar como acontece a intervenção social das práticas educomunicativas e sua contribuição na formação dos sujeitos atores do processo; e investigar se as práticas sociais dos projetos contribuem para o repertório crítico, de conteúdo e tecnológico dos estudantes. Assumiu-se a pesquisa de abordagem qualitativa com procedimentos de análise de conteúdo dos planos de ensino das disciplinas, dos projetos e produtos do trabalho interdisciplinar, bem como entrevistas narrativas com professores, alunos e membros da comunidade onde os projetos são desenvolvidos. As análises iniciais apontam que o estudo e empoderamento do campo de educomunicação têm contribuído para o desenvolvimento de práticas educativas críticas em diferentes espaços e ampliado o diálogo entre educação, comunicação e mídias. Palavras-Chave: Educomunicação. Práticas Educomunicativas. Comunicação e Educação. Interdisciplinaridade. Comunicação Social.
Abstract: This paper reports on research in developing educommunicatives practices in higher education, based to the interdisciplinary project that has been realized along two years through by the subjects: ‘Communication and Education’ and ‘Media and Communication’, which form the curriculum of Social Communication Course - qualification in Journalism, from the Federal University of Uberlândia. The objectives of the research are: to investigate the educational communication as a process and methodology in the formation of journalism students; analyze how happens social intervention of educommunicatives practices and their contribution to the formation of the subjects actors in the process; and investigate whether the social practices of the projects contribute to the growing of critical repertoire, contents and technology by the students. We assumed the qualitative research with content analysis procedures of 1. Doutora em Educação, Mestre em Comunicação Social, Graduada em Pedagogia. Professora da Universidade Federal de Uberlândia - UFU - e-mail: diva@faced.ufu.br. 2. Mestre em Comunicação Social, Graduada em Design Gráfico. Professora da Universidade Federal de Uberlândia – UFU - e-mail: chrispitanga@yahoo.com.br.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
teaching plans of disciplines, projects and products of interdisciplinary work and narrative interviews with teachers, students and members of the community where the projects are developed. Initial analyzes indicate that the study and empowerment of educational communication field have contributed to the development of critical educational practices in different spaces and expanded dialogue between education, communication and media. Keywords: Educommunication. Educommunicatives practices. Communication and Education. Interdisciplinarity. Social Communication.
EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO S PROCESSOS de educação e comunicação, hoje permeados pelas tecnologias
O
midiáticas, são, também, elementos constituintes da prática cotidiana e demandam melhor entendimento. Há muito já se reconhece a ação educativa como uma prática social, concebida coletivamente numa reciprocidade estrutural, isto é, numa interlocução respeitosa entre as realidades culturais e sociais nas quais estão inseridos educadores e educandos. Nesse sentido, o saber do educando não pode ser negado, pois a construção do conhecimento é conjunta. Tal perspectiva, cuja base teórica principal encontra-se no trabalho de Paulo Freire (1985), reforça que os homens se educam entre si e, na medida em que constroem o conhecimento e a prática pedagógica, transformam a realidade e libertam o ser humano. Por outro lado, o avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs) contribuiu com a democratização do acesso ao ferramental de produção e publicização de conteúdos (textos, sons e imagens) os mais diversos. A criação de plataformas digitais com interfaces amigáveis facilitou o manuseio de softwares e a produção de conteúdos midiáticos, que não se limita mais a profissionais da comunicação. Atualmente, qualquer indivíduo, mesmo com pouca habilidade nas áreas de informática e/ou comunicação, é capaz de produzir informação e disponibilizá-la na internet, seja nas redes sociais digitais, seja em sites ou blogs próprios. A disseminação das TICs influenciou e têm influenciado o comportamento de muitos segmentos da sociedade, alterando a maneira como as pessoas se comunicam, que em grande parte ocorre de forma mediada e interativa. A internet, por exemplo, transformouse numa rede na qual os indivíduos passaram a se conectar não só para terem acesso a informações, mas para realizarem transações comerciais, pesquisas, entretenimento, compartilharem conteúdos, interagirem, manifestarem e expressarem opiniões. Castells (1999) enfatiza que a constituição das sociedades em rede vem permitindo um fluxo de informações sem precedentes. O acesso e o compartilhamento de informações abrem perspectivas nas mais variadas áreas, incluindo a educação, pois, as novas gerações tendem a absorver conhecimento, dentro ou fora das instituições educacionais, através de novos suportes tecnológicos e midiáticos. No universo educacional, é cada vez mais crescente o uso das mídias em sala de aula, seja como recurso didático, seja como ferramentas que colaboram para a construção de um conhecimento mais amplo e multidisciplinar do aluno. O fazer pedagógico deve estimular a investigação, a reflexão, a produção do próprio conhecimento pelos alunos
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
de forma mais participativa e dinâmica. Freire (1985) destaca, em sua clássica obra Extensão ou Comunicação, a importância da participação coletiva, da troca, do diálogo e da comunicação para a arte do ensino. Dessa forma, a utilização de mídias e das tecnologias digitais pelas escolas tornouse quase um imperativo para despertar interesse nos alunos e inseri-los no processo de construção do conhecimento. Na visão de Barbosa (2010), as tecnologias digitais são recursos mediadores a serem agregados ao processo educativo e ao projeto pedagógico das escolas. E o professor passa a atuar como uma interface do processo de interação, estimulando os alunos a utilizarem tecnologias digitais no contexto da aprendizagem. O uso fluente e especializado dos recursos de comunicação tem modificado alguns conceitos de aprendizagem, dando destaque a uma dinâmica em que o estudante demonstra maior autonomia para a experimentação, o improviso e a autoexpressão. Nesse sentido, a tecnologia se torna, igualmente, uma aliada do educador interessado em sintonizar-se com o novo contexto cultural vivido pela juventude (Soares, 2011, p.29).
Numa sociedade cada vez mais midiatizada e que faz uso frequente das tecnologias digitais, percebe-se que as crianças e os jovens, principalmente, assimilam os avanços tecnológicos paralelamente ao seu desenvolvimento educacional, acessando e compartilhando conteúdos a que são expostos de maneira rápida e intensa. Tal comportamento desafia profissionais de educação, comunicação e tecnologias, exigindo conformações por parte das instituições de ensino e de seus educadores para melhor compreender a realidade social de seus alunos. (...) meios e tecnologias são para os mais jovens lugares de um desenvolvimento pessoal que, por mais ambíguo e até contraditório que seja, eles converteram no seu modo de estar juntos e de expressar-se. Então, devolver aos jovens espaços nos quais possam se manifestar estimulando práticas de cidadania é o único modo pelo qual uma instituição educativa, cada vez mais pobre em recursos simbólicos e econômicos, pode reconstruir sua capacidade de socialização. Cortar o arame farpado dos territórios e disciplinas, dos tempos e discursos, é a condição para compartilhar, e fecundar mutuamente, todos os saberes, da informação, do conhecimento e da experiência das pessoas; e também as culturas com todas as suas linguagens, orais, visuais, sonoras e escritas, analógicas e digitais (Martín-Barbero, 2014, p.120).
O que se apresenta neste artigo é um relato da pesquisa em andamento que pretende discutir as práticas educativas do ensino superior, em especial do curso de Jornalismo, diante da revolução tecnológica e a relação do professor com o mundo da informação e os saberes do aluno. Partindo do pressuposto que os alunos ingressam na universidade trazendo um repertório tecnológico e certo domínio das ferramentas midiáticas, surgem algumas inquietações: para os alunos que já têm habilidade com as ferramentas midiáticas, como aproveitar os seus saberes e estimular a produção de conhecimento? Ou melhor, numa visão freireana, como aproveitar o repertório tecnológico dos alunos para produzir conhecimento e potencializar a aprendizagem? E ainda, como alinhar o conhecimento e experiência do professor com os saberes do aluno no processo de aprendizagem?
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
EDUCOMUNICAÇÃO Uma prática pedagógica que, aparentemente, contribui para sanar essas inquietações é a educomunicação, uma conjugação entre educação e comunicação, que pretende estimular a aprendizagem, aproveitando os saberes dos alunos numa construção coletiva do conhecimento. Soares (2002, p.24) apresenta uma definição de Educomunicação como “o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar a fortalecer ecossistemas comunicativos e espaços educativos presenciais ou virtuais”. Articula-se a esse processo diferentes sujeitos e cenários permeados por expressões de criatividade. Para Soares, os trabalhos em educomunicação têm hoje um papel fundamental em canalizar essas habilidades já evidentes para a produção de mídia de qualidade, marcada pela criatividade, motivação, contextualização de conteúdos, afetividade, cooperação, participação, livre expressão, interatividade e experimentação (Soares, 2011, p.8).
A Educomunicação trilha o caminho apontado pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases)3 para uma educação revolucionária, que compreenda e respeite a trajetória do aluno, que caminhe no mesmo ritmo do mundo e acompanhe as transformações ocorridas no ambiente onde o aluno se insere. Uma educação pautada pela pedagogia de projetos, pela interdisciplinaridade, buscando despertar e valorizar as habilidades e competências. Essa concepção de educação exige ousadia e criatividade de professores e alunos, numa constante preparação pessoal que visa a solução de problemas que surgem a partir da própria prática social. As perspectivas teórico-metodológicas desse novo campo do saber apontam para ações de intervenção social. Assim, as ações oriundas dos projetos são reunidas em seis áreas de intervenção: educação para a comunicação; expressão comunicativa através das artes; mediação tecnológica nos espaços educativos; pedagogia da comunicação; gestão da comunicação nos espaços educativos; e reflexão epistemológica sobre a própria prática. A práxis social é a essência das práticas educomunicativas, isto é, para a educomunicação não importa o ferramental tecnológico ou a mídia utilizada, mas se o processo de mediação promove o diálogo social e educativo. De acordo com Martín-Barbero (apud SOARES, 2011, p. 43), “o desafio que o ecossistema comunicativo coloca para a educação não se resume apenas à apropriação de um conjunto de dispositivos tecnológicos (tecnologias da educação), mas aponta para a emergência de uma nova ambiência cultural”. Na verdade, interessa à educomunicação o uso que as audiências/receptores dos meios de comunicação fazem dos conteúdos compartilhados, como reagem e articulam as informações e ressignificam o seu cotidiano e as suas relações sociais. É desse encontro de sujeitos à busca da significação do significado, momento particular de ativação dos princípios da reciprocidade, ou da retroalimentação, que os atos comunicativos ganham efetividade, conquanto sustentados por mediadores técnicos ou dispositivos amplificadores do que está sendo enunciado (Citelli e Costa, 2011, p. 64).
3. Ver em BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2014.
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O caráter transformador da educomunicação consiste em possibilitar o acesso dos jovens ao mundo da comunicação e de suas tecnologias, dentro de uma perspectiva a serviço do bem comum e da prática da cidadania (SOARES, 2011). Os projetos educomunicativos estimulam a criatividade dos jovens, ampliam o vocabulário, instigam a participação e a visão crítica do mundo. Ou seja, a educomunicação é processo de aprendizagem que parte dos saberes e fazeres que o aluno traz consigo, coloca-o em contato com outros saberes e, por meio da prática social (ações de intervenção social), busca ressignificar esses saberes e fazeres. Ao vislumbrar a educomunicação como uma metodologia aplicada à formação de jovens jornalistas, surgem outras questões: de que forma as práticas sociais redefinem o repertório tecnológico? E mais, essas práticas sociais provocam alguma intervenção no curso, nas práticas educativas? Dessa forma, aponta-se uma hipótese: se a educomunicação, como prática educativa e social, parte do pressuposto que os alunos possuem repertórios e habilidades (saberes e fazeres), então a formação do saber jornalístico ocorre pelas ressignificações dos saberes por meio das relações sociais estabelecidas no processo da aprendizagem. Daí, a pergunta norteadora desta pesquisa: é possível a educomunicação perpassar a formação do saber jornalístico, implicando numa metodologia, como forma de absorver o repertório tecno-midiático dos alunos, estimular o aprendizado, a criatividade, a visão crítica, e promover uma intervenção social por meio dos projetos educomunicativos?
PRÁTICA EDUCOMUNICATIVA COMO PROPOSTA METODOLÓGICA A proposta desta pesquisa é buscar respostas às inquietações aqui expostas, analisando as práticas educomunicativas que ocorrem no curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Uberlândia/ MG. O curso foi escolhido por possuir em sua gênese a interface com a educação, pois está instalado na Faculdade de Educação (FACED). O projeto pedagógico do curso indica que a relação entre educação e comunicação não é apenas institucional, mas vivenciada na prática. No primeiro período, é ofertada a disciplina Comunicação e Educação que, juntamente com a disciplina Mídias e Comunicação, realiza um trabalho interdisciplinar em que os alunos experimentam as práticas educomunicativas e desenvolvem um trabalho educomunicativo em ambientes escolares ou comunidades, grupos sociais ou culturais. A relação com as duas disciplinas, Comunicação e Educação e Mídias e Comunicação, de forma interdisciplinar tem possibilitado o desenvolvimento de postura crítica de conhecimento, pois relaciona teoria e prática a partir do envolvimento com uma realidade e a construção coletiva e cooperativa de compreensão dessa realidade a partir de uma intervenção educomunicativa. É uma vivência de uma proposta metodológica que os graduandos têm a possibilidade de se envolverem como atores também desse processo. As ementas das disciplinas estão assim constituídas através das respectivas Fichas de Disciplinas (PPC, 2009). Comunicação e Educação A demanda do mundo contemporâneo por educação e comunicação. A constituição do
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
campo de estudos da Educomunicação. A interface educação/comunicação e seus reflexos nas práticas educativas e na formação de professores.4 Mídias e Comunicação Conceitos de Comunicação e suas áreas de confluência. Introdução conceitual sobre Jornalismo, Publicidade, Rádio e TV, Relações Públicas e sobre as mídias impressas, eletrônicas e digitais. Jornalismo e Responsabilidade Social. Os meios de comunicação e o jornalismo no Brasil. Introdução à linguagem Jornalística.5
O objetivo principal desse trabalho interdisciplinar é despertar no aluno a consciência da intervenção social da prática jornalística por meio da educomunicação, considerando suas habilidades e competências. Esse trabalho contempla um dos âmbitos da educomunicação na prática educativa ao propor que “os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao fazer uso coletivo e solidário dos recursos da comunicação tanto para aprofundar seus conhecimentos quanto para desenhar estratégias de transformação das condições de vida à sua volta” (SOARES, 2011, p.19). Diante do objeto de investigação, a abordagem de pesquisa que melhor dialoga com os propósitos apresentados é a qualitativa. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que “a investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (p. 49). Denzin e Lincoln (2006) afirmam que a pesquisa qualitativa consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem. (Denzin e Lincoln, 2006, p.17).
Metodologicamente a pesquisa tem se firmado nessas bases qualitativas e procedimentos de análise de conteúdo do Projeto Pedagógico do Curso, dos Planos das Disciplinas, da Proposta Educomunicativa e o desenvolvimento dessas etapas durante o semestre letivo. Segundo os procedimentos a serem adotados, a pesquisa é documental, pois deverá consultar documentos que ainda não receberam um tratamento analítico, mas que são relevantes para cumprir os objetivos propostos (GIL, 2008). Para Bardin (2002, p. 38) “a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utilizam procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Assim, estão sendo consultados os seguintes documentos: as Diretrizes Curriculares dos cursos de Jornalismo (BRASIL, 2014), o Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da UFU, os planos de ensino e cronogramas das disciplinas envolvidas nas práticas educomunicativas, o roteiro dos projetos e os produtos educomunicativos resultantes do processo. Os mesmos têm sido analisados no sentido de compreender o 4. Ficha de Disciplina – Comunicação e Educação no Projeto Pedagógico do Curso. Disponível em: http:// www.faced.ufu.br/sites/faced.ufu.br/files/Ficha%20de%20Disciplina%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20 e%20educa%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 01 de março de 2015. 5. Ficha de Disciplina – Mídias e Comunicação no Projeto Pedagógico do Curso. Disponível em http:// www.faced.ufu.br/sites/faced.ufu.br/files/1P_midias_comun.pdf. Acesso em: 01 de março de 2015.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
processo da Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social. A partir desses dados categorias têm emergido para que auxilie melhor no processo investigativo, em consonância com os objetivos propostos. A partir dessas análises procedem-se as entrevistas narrativas onde os envolvidos se constituem a partir das narrativas. Para Bolívar (2001, p.220), “a narrativa é uma estrutura central no modo como os seres humanos constroem o sentido. O curso da vida e a identidade pessoal são vividos como uma narração.” Esse procedimento compreende mais diretamente os envolvidos no processo educomunicativo na tentativa de compreender como ocorre o processo, em que medida há a ressignificação dos saberes e fazeres dos alunos, ou seja, em quê os projetos educomunicativos, como processo de aprendizagem, acrescentam/modificam os seus saberes. Da mesma forma serão entrevistados alguns membros das comunidades onde são realizados os projetos, para saber se ocorreu e em que medida ocorreu a intervenção social. Um procedimento paralelo é a entrevista em profundidade no sentido de uma conversação orientada, em que os objetivos e os procedimentos metodológicos devem ser bem definidos para validar as informações coletadas. Trata-se de uma “técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada” (DUARTE e BARROS, 2012, p.62). Essa técnica foi escolhida justamente pela flexibilidade e por explorar ao máximo determinado tema, permitindo ao entrevistado liberdade para abordar os temas investigados. Dessa forma, pretende-se entrevistar o (a) coordenador (a) do curso de Jornalismo da UFU e os professores das disciplinas que utilizam a prática educomunicativa para compreender como se estabelece a interface entre educação e comunicação, como são planejados e elaborados os projetos educomunicativos, e quais são os resultados esperados dessa prática. Todos os procedimentos contemplam as questões éticas de pesquisa. As entrevistas narrativas e em profundidade procuram investigar e compreender a educomunicação como processo e metodologia na formação do saber jornalístico dos estudantes. Saberes mobilizados e articulados com outros conhecimentos, bem como perceber se as práticas sociais dos projetos contribuem para o repertório crítico, de conteúdo e tecnológico dos estudantes. Para Bruner (1997, p. 34), “a narrativa é um modo de pensamento, pois ela se apresenta como princípio organizador da experiência humana no mundo social, do seu conhecimento sobre ele e das trocas que ele mantém.” Os procedimentos em movimento tendem a levar à compreensão do cenário educomunicativo de forma mais ampla, requerendo dos pesquisadores uma imersão no campo e na análise de como acontece a intervenção social das práticas educomunicativas e sua possível contribuição na formação dos sujeitos atores do processo.
CONSIDERAÇÕES A educomunicação, uma interface entre educação e comunicação, contribui para uma educação revolucionária, que compreenda e respeite a trajetória dos sujeitos envolvidos e promova ressignificações dos seus saberes, pois, as práticas educomunicativas pretendem estimular a aprendizagem, aproveitando os saberes dos sujeitos numa construção coletiva do conhecimento.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
A educomunicação possui, em sua essência, pressupostos que visam superar possíveis limites conceituais entre as áreas da educação e da comunicação, configurandose como a interface entre estes campos. A educação enquanto ação comunicativa é um fenômeno que permeia todas as maneiras de formação de um ser humano e, assim, sob a mesma ótica, toda ação de comunicação tem, potencialmente, uma ação educativa. Nesse sentido, a construção de uma comunicação dialógica e participativa no ambiente educacional, pautada em uma eficaz gestão compartilhada por órgãos governamentais, administração escolar, docentes, alunos e a comunidade abre oportunas perspectivas de melhoria motivacional e de fortalecimento dos laços entre alunos e professores ao longo do processo de aprendizagem. A investigação em desenvolvimento, a partir da análise inicial de documentos e primeiras imersões em campo, tem revelado que os estudos e o empoderamento do campo de educomunicação têm contribuído para o desenvolvimento de práticas educativas críticas em diferentes espaços e ampliado o diálogo entre educação, comunicação e tecnologias da informação e comunicação. Os estudantes do curso de Comunicação Social da UFU têm vivenciado há pelo menos dois anos a proposta educomunicativa e as vivências têm possibilitado um desenvolvimento crítico e formativo para todos os atores do processo. A pesquisa continua e pretende contribuir no cenário de processos educomunicativos como proposta metodológica no ensino superior.
REFERÊNCIAS Barbosa, R. M. (2010). Ambientes virtuais de aprendizagem. São Paulo: Penso. Bardin, L. (2002). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bogdan, R. C.; Biklen, S. K. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Tradução Maria J. A.; Sara B. S. e Telmo M. B. Porto: Porto Editora. Bolívar, A. (2001). Profissão Professor: o itinerário profissional e a construção da escola. Porto Alegre: EDIPUCRS. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. (1996). Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília. Recuperado em 15 de agosto, 2014, de: http://portal.mec.gov.br/arquivos/ pdf/ldb.pdf Brasil. Ministério da Educação e Cultura.(2013). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Jornalismo, bacharelado. RESOLUÇÃO nº 1, de 27 de setembro de 2013. Bruner, J. (1997). Atos de significação. Tradução por Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed. Castells, M. (1999). A sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura – volume 1. São Paulo: Paz e Terra. Citelli, A. O.; Costa, M. C. C. (Org.). (2011). Educomunicação: Construindo uma nova área de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Paulinas. Denzin, N. K.; Lincoln, Y. S. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed. Duarte, J.; Barros, A. (Org.). (2012). Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
Freire, P. (1985). Extensão ou Comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas. Martín-Barbero, J. (2014). A comunicação na educação. São Paulo: Contexto. Soares, I. O. (2011). Educomunicação: O conceito, o profissional, a aplicação. Contribuições para a reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas. Soares, I. O. (2002). Gestão comunicativa e educação: caminhos da Educomunicação. Comunicação & Educação, São Paulo: ECA/USP [23]. issn: 2316-9125 Universidade Federal de Uberlândia. UFU (2009). Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social: Jornalismo. Uberlândia, MG. Recuperado em: 15 de fevereiro, de 2015, de: http://www.faced.ufu.br/graduacao/comunicacao-social/projeto- pedagogico
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora Public Communication, Education and City Educator P r i s c i l a A n aya
da
S i lva P i va t o 1
Resumo: A comunicação pública caminha de mãos dadas com a educação instruindo e orientando os novos cidadãos, educandos, que constroem novas maneiras de se relacionar. O poder público precisa agilidade para acompanhar a imediata atualização de novos conceitos e informações. Desafio constante para uma esfera conhecida por sua morosidade, que muitas vezes é desacreditada e recolhida à insignificância quando o assunto é eficiência. Surge como opção de política pública o conceito de Cidade Educadora, modelo de gestão em que municípios tomam para si a responsabilidade de proporcionar aos cidadãos acesso e permanência à educação garantindo assim, desenvolvimento humano e social. O município de Santos adota a ideia de Cidade Educadora como política pública.
Palavras Chave: Comunicação Pública, educação, cidade educadora, política pública, espaço público.
Abstract: The public communication goes hand in hand with education instructing and guiding the new citizens, students, building new ways of relating. The government needs agility to monitor the immediate update of new concepts and information. Constant challenge for a ball known for its slowness, which is often discredited and retracted into insignificance when it comes to efficiency. Arises as a public policy option the concept of Educating City, management model in which municipalities take on the responsibility to provide citizens access to education and permanence thus ensuring human and social development. The city of Santos adopts Educating City of idea as public policy.
Keywords: Public Communication, education, educating city, public policy, public space.
A
CIDADE DE Santos ocupa hoje o 6º lugar no IDHM - Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal, de acordo com o Pnud, órgão das Nações Unidas que realiza a pesquisa mediante dados do IPEA e do IBGE. O IDHM de Santos é de 0,840, em 2010, considerado muito alto (IDHM entre 0,8 e 1)2. Entre 2000 e 2010, a dimensão que mais cresceu em termos absolutos em Santos foi a da Educação (com crescimento de 0,093), seguida por Longevidade e por Renda. A política educacional de uma cidade interfere na qualidade de vida dos cidadãos. No caso do município de Santos, destaca-se a participação na Associação Internacional 1. Mestranda em Educação pela UNISANTOS, especialista em Gestão Empresarial também pela UNISANTOS e Relações Públicas pela UNIFACS. Email:pri.anaya@gmail.com 2. http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/santos_sp#idh
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora Priscila Anaya da Silva Pivato
das Cidades Educadoras (AICE) que é uma organização cujos membros são cidades engajadas em projetos para melhoria de vida de seus cidadãos. A educação é levada para fora dos muros da escola, promovendo o encontro entre o poder público, a escola e a comunidade. A cidadania é construída mediante o conhecimento de direitos e deveres cívicos. A informação e o conhecimento fazem parte da formação de um indivíduo participativo, que conhece o seu papel na sociedade e que toma para si a responsabilidade de cuidar do espaço onde interage. A Comunicação Pública tem grande importância na construção desta cidadania. Realizada com eficiência, transmite informação e orienta com relação aos direitos e deveres da população. Heloíza Matos & Patrícia Guimarães Gil 2013 discutem a Comunicação Pública atribuindo papéis ao estado, que deve construir “vínculos entre projeto de redução de desigualdade (de renda, por exemplo) e experiências de exercício político”3. As autoras acreditam que a CP deve recuperar à esfera pública a democracia que permite à sociedade o poder de interpelação do Estado e consequentemente direciona-lo ao atendimento do interesse coletivo. As propagandas massivas precisam dar lugar aos debates de como resolver problemas gerando discussões em torno do que é publico – todos os atores envolvidos neste processo são responsáveis pela formulação das políticas que beneficiam a sociedade em geral. Esse objetivo só poderá ser atingido mediante o entendimento de que o processo é educacional, cultural e econômico, e além de tudo, contínuo. Desta maneira, é possível o empoderamento da sociedade através da participação social. A autora Mariana Koçouski conceitua a Comunicação Pública relacionando o interesse público ao papel do agente responsável pelos direitos dos cidadãos. O Estado toma para si a comunicação pública tendo em vista a exigência que suas atividades emanam com relação à transparência. KOÇOUSKI 2013 define CP como: “estratégia ou ação comunicativa que acontece quando o olhar é direcionado ao interesse público, a partir da responsabilidade que o agente tem (ou assume) de reconhecer e atender o direito dos cidadãos à informação e participação em assuntos relevantes à condição humana ou vida em sociedade. Ela tem como objetivos promover a cidadania e mobilizar o debate de questões afetas à coletividade, buscando alcançar, em estágios mais avançados, negociações e consensos”.
Assim, a CP respeita a perspectiva ética do interesse público, reconhecendo o direito do cidadão e assim, a comunicação deve utilizar as lentes da coletividade. A coletividade deve se traduzir na ideia da vivência em comunidade, que é um entendimento mais complexo a respeito da interação humana. Muniz Sodré 2012 cita John Dewey, filósofo e educador, para definir o que é comunidade – que é a percepção coletiva de efeitos sociais de interesse comum que engendram uma vida em comum. SODRÉ 2012 cita também apud Pogrebinschi que entende que viver em comunidade é ter um mote ético e moral, e que poder participar fará a diferença entre uma mera associação 3. MATOS p. 100
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora Priscila Anaya da Silva Pivato
de indivíduos e efetivamente uma comunidade, além disso, os membros se tornam cidadãos quando engajados em atividades coletivas e também quando reconhecem as consequências compartilhadas destas atividades. Para que isso seja possível, a educação deve fazer parte do ideal comunitário sendo a comunicação a maneira pela qual os cidadãos podem compartilhar interesses comuns que visam criar e manter a própria comunidade. Vivemos em um momento em que as informações estão ao acesso de todos e que o acúmulo de cultura e conhecimento é uma decisão solitária. A educação cidadã perpassa os limites das salas de aula. Para Jésus Martín Barbero 2014 a os meios e a tecnologia são considerados hoje, para os jovens, palco de manifestação de suas expressões. Assim, para que seja possível a socialização e consequentemente a formação para o exercício da cidadania, se faz necessário a construção de espaços nos quais os jovens possam se manifestar. Para BARBERO 2014, é importante “cortar o arame farpado dos territórios e disciplinas (...)”, essa atitude permite a construção do saber que deve ser compartilhado respeitando as diversas culturas e linguagens. BARBERO 2014 acredita que o sistema educativo atual não atende as demandas de vincular a educação com a cultura, a capacitação e formação de cidadãos. É preciso que se busque uma educação de saberes compartilhados proporcionando a diversidade para a construção deste saber. Maria da Gloria Gonh Marcondes 2004 explica a relação da educação com a sociedade na qual se destaca a interação escola e comunidade e o caráter educativo da educação não-formal. A autora define comunidade educativa que abrange um amplo conceito de educação e engloba todos envolvidos com o processo educacional dentro e fora do ambiente escolar, sendo que seu propósito é formar cidadãos. Um aspecto a ser comentado é que MARCONDES 2004 acredita que a democracia é construída mediante a participação sociopolítica. Esta participação para ocorrer de maneira expressiva, precisa acontecer de maneira institucionalizada, seu objetivo é lutar para que o Estado cumpra o dever de ofertar educação de qualidade para todos. “Democratizar a escola exige consciência social de todos”. Além disso, a construção da cidadania é possível mediante as lutas pela educação já que estas lutam também por direitos dos cidadãos, e isso ultrapassa os limites da sala de aula. O papel do Estado gira em torno da definição das políticas estabelecidas. As políticas públicas definem o dia-a-dia dos cidadãos, tendo em vista o pertencimento social, que envolve a todos, independente de participação ou posição política. As políticas públicas educacionais, em especial, dão norte ao futuro do que está sendo implantado hoje, sendo que seus investimentos são, na maioria das vezes, apreendidos à longo prazo, tendo em vista que atinge um público jovem que está em formação com relação aos valores e princípios. Jefferson Mainardes 2006 relata as contribuições da ‘abordagem do ciclo de políticas’ para análise de políticas educacionais. Essa abordagem foi formulada por apud Stephen Ball e colaboradores e é utilizada para analisar políticas sociais e educacionais. Essa teoria quando aplicada a realidade brasileira permite uma análise minuciosa de como o processo educacional ocorre, pois articula seus processos micropolíticos assim como enfatiza quem são seus principais atores. Qualquer mudança estrutural precisa ser avaliada em todos os contextos e quais serão as consequências.
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora Priscila Anaya da Silva Pivato
Como proposta de política pública educacional surge o conceito de Cidade Educadora, que se aplica a ideia de que a educação aliada a comunicação pública promovendo a construção de uma cidadania questionadora dos seus direitos para com o Estado e conhecedora dos seus deveres. As CE promovem discussões em espaços democráticos nos quais a educação não-formal é imperativa e também exerce função educadora. Avaliar o contexto social em busca do entendimento da política pública que impera na comunidade educativa provoca ajustes necessários ao bem-estar social. Analisar a “Cidade Educadora” sob a ótica das políticas públicas educacionais é oferecer uma alternativa para municípios desenvolverem sua cidadania. Um estudo científico se faz necessário na medida em que se percebe o grande número de cidades (4794) engajadas pelo mundo. No Brasil, 14 cidades fazem parte da AICE - Associação Internacional de Cidades Educadoras – que têm os seguintes objetivos: “Para anunciar e reivindicar a importância da educação na cidade. Destacar os aspectos educacionais dos projetos políticos das cidades membros. Promover, inspirar, incentivar e garantir o cumprimento dos princípios contidos na Carta das Cidades Educadoras (Declaração de Barcelona) nas cidades participantes, bem como conselhos e informações para os membros na promoção e implementação dos mesmos. Representar os IPs dos fins associativos, interagindo e colaborando com as organizações internacionais, estados, entidades territoriais de todos os tipos, de modo que o AICE é um processos de influência válidos e significativos, negociação, decisão e elaboração de parceiro. Estabelecer relacionamento e colaboração com outras associações, federações, associações ou redes territoriais, especialmente as cidades, em áreas de ação semelhante, complementar ou concorrente. Cooperar em todas as áreas territoriais dentro dos propósitos desta associação. Para promover a adesão à Associação de cidades ao redor do mundo. Para promover o aprofundamento do conceito de Cidade Educadora e suas aplicações práticas nas políticas de cidades por meio de intercâmbios, encontros, projectos conjuntos, conferências e todas as actividades e iniciativas para fortalecer os laços entre as cidades membros, no campo de delegações, Redes Territoriais, redes temáticas e outros grupos.”5
As Cidades Educadoras buscam projetos que permitam a construção de uma cidadania responsável pelo seu próprio crescimento. No próprio site da AIEC existe uma publicação
a respeito de artigos, entrevistas, etc., que se referem à estudos relacionados ao tema. A primeira publicação é de 20096, portanto trata-se de um tema relativamente novo, a AICE foi inaugurada em 1994, assim, é pressuposto um restrito acervo bibliográfico. Com o objetivo de impulsionar a educação nas cidades participantes da AICE, foi confeccionada “A Carta das Cidades Educadoras” – Anexo I. A Carta baseia-se na ”Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), na Declaração Mundial da Educação para Todos (1990), na Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância (1990) e na Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001)”7. 4. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/ 5. http://www.edcities.org/quien-somos/ 6. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/ 7. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora Priscila Anaya da Silva Pivato
Com o ideal de democratizar as relações Estado-Comunidade o município de Santos as Cidades Educadoras propõe os seguintes objetivos: “Trabalhar a escola como espaço comunitário; trabalhar a cidade como grande espaço educador; aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas; valorizar o aprendizado vivencial; e, priorizar a formação de valores8”. No município de Santos a escolha por aglutinar projetos a partir das AICE – Associação Internacional das Cidades Educadoras faz parte da decisão do poder público desde 2008, o que reflete a tentativa de envolver governo, escola e comunidade em busca da qualidade da educação. O objetivo da cidade é levar a educação para todos os espaços do município9. A proposta de sugerir um caminho para a construção de uma sociedade participativa envolve abordagens da comunicação pública e da educação. O entendimento de como a Cidade Educadora se propõe a discutir novos espaços responsabilizando a todos poder da educação é uma alternativa de política pública educacional aqui apresentada.
BIBLIOGRAFIA Associação Internacional das Cidades Educadoras. Disponível em: http://www.edcities. org. Acesso em 07 mar 2015. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org. br/2013/pt/perfil_m/santos_sp#idh. Acesso em 07 mar 2015. Ciudades Educadoras/ AICE Asociación Internacional de ciudades educadoras. Disponível em: http://www.edcities.org/quien-somos/. Acesso em 21 mar 2015. KOÇOUSKI, Marina. Comunicação Pública: Construindo um conceito. Comunicação Pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas. São Paulo: ECA/ USP, 2013 MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade. v. 27, n. 94, p.47-69, enero-abril 2006. MARCONDES, Maria da Glória Gohn. A educação não formal e a relação escola-comunidade. Eccos Revista Científica, v. 6, n. 2, p. 39-65, dez. 2004. MATIN-BARBERO, Jesus. A Comunicação na educação. Trad. Maria Immacolata Vassalo de Lopes e Dafne Melo – São Paulo: Contexto, 2014. MATOS, Heloíza; GIL, Patrícia Guimarães. Quem é o cidadão na comunicação pública? Uma retrospectiva sobre a forma de interpelação da sociedade pelo Estado em campanhas de saúde. Comunicação Pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas. São Paulo: ECA/ USP, 2013. Prefeitura de Santos – Santos Cidade Educadora. Disponível em: http://www.portal.santos. sp.gov.br/seduc/page.php?156. Acesso em 08 mar 2015. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Memorial da Gestão da Educação Municipal. Santos. SP. 2005/ 2012. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. rev e atual. – São Paulo: Cortez, 2007. SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. 8. http://www.portal.santos.sp.gov.br/seduc/page.php?156 9. Memorial da Gestão da Educação Municipal. Santos/ SP/ 2005-2012
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ANEXO I
CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
PREÂMBULO OJE MAIS do que nunca as cidades, grandes ou pequenas, dispõem de inúmeras
H
possibilidades educadoras, mas podem ser igualmente sujeitas a forças e inércias deseducadoras. De uma maneira ou de outra, a cidade oferece importantes elementos para uma formação integral: é um sistema complexo e ao mesmo tempo um agente educativo permanente, plural e poliédrico, capaz de contrariar os factores deseducativos. A cidade educadora tem personalidade própria, integrada no país onde se situa é, por consequência, interdependente da do território do qual faz parte. É igualmente uma cidade que se relaciona com o seu meio envolvente, outros centros urbanos do seu território e cidades de outros países. O seu objectivo permanente será o de aprender, trocar, partilhar e, por consequência, enriquecer a vida dos seus habitantes. A cidade educadora deve exercer e desenvolver esta função paralelamente às suas funções tradicionais (económica, social, política de prestação de serviços), tendo em vista a formação, promoção e o desenvolvimento de todos os seus habitantes. Deve ocupar-se prioritariamente com as crianças e jovens, mas com a vontade decidida de incorporar pessoas de todas as idades, numa formação ao longo da vida. As razões que justificam esta função são de ordem social, económica e política, sobretudo orientadas por um projecto cultural e formativo eficaz e coexistencial. Estes são os grandes desafios do século XXI: Primeiro “investir” na educação de cada pessoa, de maneira a que esta seja cada vez mais capaz de exprimir, afirmar e desenvolver o seu potencial humano, assim como a sua singularidade, a sua criatividade e a sua responsabilidade. Segundo, promover as condições de plena igualdade para que todos possam sentir-se respeitados e serem respeitadores, capazes de diálogo. Terceiro, conjugar todos os factores possíveis para que se possa construir, cidade a cidade, uma verdadeira sociedade do conhecimento sem exclusões, para a qual é preciso providenciar, entre outros, o acesso fácil de toda a população às tecnologias da informação e das comunicações que permitam o seu desenvolvimento. As cidades educadoras, com suas instituições educativas formais, suas intervenções não formais (de uma intencionalidade educadora para além da educação formal) e informais (não intencionais ou planificadas), deverão colaborar, bilateral ou multilateralmente, tornando realidade a troca de experiências. Com espírito de cooperação, apoiarão mutuamente os projectos de estudo e investimento, seja sob a forma de colaboração directa ou em colaboração com organismos internacionais. Actualmente, a humanidade, não vive somente uma etapa de mudanças, mas uma verdadeira mudança de etapa. As pessoas devem formar-se para uma adaptação crítica e uma participação activa face aos desafios e possibilidades que se abrem graças à
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globalização dos processos económicos e sociais, a fim de poderem intervir, a partir do mundo local, na complexidade mundial, mantendo a sua autonomia face a uma informação transbordante e controlada por certos centros de poder económico e político. Por outro lado, as crianças e os jovens não são mais protagonistas passivos da vida social e, por consequência, da cidade. A Convenção das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1989, que desenvolve e considera constrangedores os princípios da Declaração Universal de 1959, tornou-os cidadãos e cidadãs de pleno direito ao outorgarlhes direitos civis e políticos. Podem associar-se e participar em função do seu grau de maturidade. A protecção das crianças e jovens na cidade não consiste somente no privilegiar a sua condição, é preciso cada vez mais encontrar o lugar que na realidade lhes cabe, ao lado dos adultos que possuem como cidadã a satisfação que deve presidir à coexistência entre gerações. No início do século XXI, as crianças e os adultos parecem necessitar de uma educação ao longo da vida, de uma formação sempre renovada. A cidadania global vai-se configurando sem que exista ainda um espaço global democrático, sem que numerosos países tenham atingido uma democracia eficaz respeitadora dos seus verdadeiros padrões sociais e culturais e sem que as democracias de longa tradição possam sentir-se satisfeitas com a qualidade dos seus sistemas. Neste contexto, as cidades de todos os países, devem agir desde a sua dimensão local, enquanto plataformas de experimentação e consolidação duma plena cidadania democrática e promover uma coexistência pacífica graças à formação em valores éticos e cívicos, o respeito pela pluralidade dos diferentes modelos possíveis de governo, estimulando mecanismos representativos e participativos de qualidade. A diversidade é inerente às cidades actuais e prevê-se que aumentará ainda mais no futuro. Por esta razão, um dos desafios da cidade educadora é o de promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade, salvaguardando os contributos das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindose reconhecidos a partir da sua identidade cultural. Vivemos num mundo de incerteza que privilegia a procura da segurança, que se exprime muitas vezes como a negação e uma desconfiança mútua. A cidade educadora, consciente deste facto, não procura soluções unilaterais simples, aceita a contradição e propõe processos de conhecimento, diálogo e participação como o caminho adequado à coexistência na e com a incerteza. Confirma-se o direito a uma cidade educadora, que deve ser considerado como uma extensão efectiva do direito fundamental à educação. Deve produzir-se, então uma verdadeira fusão da etapa educativa formal com a vida adulta, dos recursos e do potencial formativo da cidade com o normal desenvolvimento do sistema educativo, laboral e social. O direito a uma cidade educadora deve ser uma garantia relevante dos princípios de igualdade entre todas as pessoas, de justiça social e de equilíbrio territorial. Esta acentua a responsabilidade dos governos locais no sentido do desenvolvimento de todas as potencialidades educativas que a cidade contém, incorporando no seu projecto político os princípios da cidade educadora.
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PRINCÍPIOS I – O DIREITO A UMA CIDADE EDUCADORA 1- Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de desfrutar, em condições de liberdade e igualdade, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece. O direito a uma cidade educadora é proposto como uma extensão do direito fundamental de todos os indivíduos à educação. A cidade educadora renova permanentemente o seu compromisso em formar nos aspectos, os mais diversos, os seus habitantes ao longo da vida. E para que isto seja possível, deverá ter em conta todos os grupos, com suas necessidades particulares. Para o planeamento e governo da cidade, tomar-se-ão as medidas necessárias tendo por objectivo o suprimir os obstáculos de todos os tipos incluindo as barreiras físicas que impedem o exercício do direito à igualdade. Serão responsáveis tanto a administração municipal, como outras administrações que têm uma influência na cidade, e os seus habitantes deverão igualmente comprometerem-se neste empreendimento, não só ao nível pessoal como através de diferentes associações a que pertençam. 2- A cidade deverá promover a educação na diversidade para a compreensão, a cooperação solidária internacional e a paz no mundo. Uma educação que deverá combater toda a forma de discriminação. Deverá favorecer a liberdade de expressão, a diversidade cultural e o diálogo em condições de igualdade. Deverá acolher tanto as iniciativas inovadoras como as da cultura popular, independentemente da sua origem. Deverá contribuir para a correcção das desigualdades que surjam então da promoção cultural, devido a critérios exclusivamente mercantis. 3- A cidade educadora deverá encorajar o diálogo entre gerações, não somente enquanto fórmula de coexistência pacífica, mas como procura de projectos comuns e partilhados entre grupos de pessoas de idades diferentes. Estes projectos, deverão ser orientados para a realização de iniciativas e acções cívicas, cujo valor consistirá precisamente no carácter intergeracional e na exploração das respectivas capacidades e valores próprios de cada idade. 4- As políticas municipais de carácter educativo devem ser sempre entendidas no seu contexto mais amplo inspirado nos princípios de justiça social, de civismo democrático, da qualidade de vida e da promoção dos seus habitantes. 5- Os municípios deverão exercer com eficácia as competências que lhes cabem em matéria de educação. Qualquer que seja o alcance destas competências, elas deverão prever uma política educativa ampla, com carácter transversal e inovador, compreendendo todas as modalidades de educação formal, não formal e informal, assim como as diferentes manifestações culturais, fontes de informação e vias de descoberta da realidade que se produzam na cidade. O papel da administração municipal é o de definir as políticas locais que se revelarão possíveis e o de avaliar a sua eficácia, assim como de obter as normas legislativas oportunas de outras administrações, centrais ou regionais. 6- Com o fim de levar a cabo uma actuação adequada, os responsáveis pela política municipal duma cidade deverão possuir uma informação precisa sobre a situação e as necessidades dos seus habitantes. Com este objectivo, deverão realizar estudos
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que manterão actualizados e tornarão públicos, e prever canais abertos (meios de comunicação) permanentes com os indivíduos e os grupos que permitirão a formulação de projectos concretos e de política geral. Da mesma maneira, o município face a processos de tomada de decisões em cada um dos seus domínios de responsabilidade, deverá ter em conta o seu impacto educador e formativo.
2 – O COMPROMISSO DA CIDADE 7- A cidade deve saber encontrar, preservar e apresentar sua identidade pessoal e complexa. Esta a tornará única e será a base dum diálogo fecundo com ela mesma e com outras cidades. A valorização dos seus costumes e suas origens deve ser compatível com os modos de vida internacionais. Poderá assim oferecer uma imagem atraente sem desvirtuar o seu enquadramento natural e social. À partida, deverá promover o conhecimento, a aprendizagem e a utilização das línguas presentes na cidade enquanto elemento integrador e factor de coesão entre as pessoas. 8- A transformação e o crescimento duma cidade devem ser presididos por uma harmonia entre as novas necessidades e a perpetuação de construções e símbolos que constituam referências claras ao seu passado e à sua existência. O planeamento urbano deverá ter em conta as fortes repercussões do ambiente urbano no desenvolvimento de todos os indivíduos, na integração das suas aspirações pessoais e sociais e deverá agir contra toda a segregação das gerações e pessoas de diferentes culturas, que têm muito a aprender umas com as outras. O ordenamento do espaço físico urbano deverá estar atento às necessidades de acessibilidade, encontro, relação, jogo e lazer e duma maior aproximação à natureza. A cidade educadora deverá conceder um cuidado especial às necessidades das pessoas com dependência no planeamento urbanístico de equipamentos e serviços, a fim de lhes garantir um enquadramento amável e respeitador das limitações que podem apresentar sem que tenham que renunciar à maior autonomia possível. 9- A cidade educadora deverá fomentar a participação cidadã com uma perspectiva crítica e co-responsável. Para este efeito, o governo local deverá oferecer a informação necessária e promover, na transversalidade, as orientações e as actividades de formação em valores éticos e cívicos. Deverá estimular, ao mesmo, a participação cidadã no projecto colectivo a partir das instituições e organizações civis e sociais, tendo em conta as iniciativas privadas e outros modos de participação espontânea. 10- O governo municipal deverá dotar a cidade de espaços, equipamentos e serviços públicos adequados ao desenvolvimento pessoal, social, moral e cultural de todos os seu habitantes, prestando uma atenção especial à infância e à juventude. 11- A cidade deverá garantir a qualidade de vida de todos os seus habitantes. Significa isto, um equilíbrio com o ambiente natural, o direito a um ambiente sadio, além do direito ao alojamento, ao trabalho, aos lazeres e aos transportes públicos, entre outros. Deverá promover activamente a educação para a saúde e a participação de todos os seus habitantes nas boas práticas de desenvolvimento sustentável.
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12- O projecto educador explícito e implícito na estrutura e no governo da cidade, os valores que esta encoraja, a qualidade de vida que oferece, as manifestações que organiza, as campanhas e os projectos de todos os tipos que prepara, deverão ser objecto de reflexão e de participação, graças à utilização dos instrumentos necessários que permitam ajudar os indivíduos a crescer pessoal e colectivamente.
3 – AO SERVIÇO INTEGRAL DAS PESSOAS 13- O município deverá avaliar o impacto das ofertas culturais, recreativas, informativas, publicitárias ou de outro tipo e as realidades que as crianças e jovens recebem sem qualquer intermediário. Neste caso, deverá empreender, sem dirigismos acções com uma explicação ou uma interpretação razoáveis. Vigiará a que se estabeleça um equilíbrio entre a necessidade de protecção e a autonomia necessária à descoberta. Oferecerá, igualmente espaços de formação e de debate, incluindo os intercâmbios entre cidades, para que todos os seus habitantes possam assumir plenamente as inovações que aquelas geram. 14- A cidade deverá procurar que todas as famílias recebam uma formação que lhes permitirá ajudar os seus filhos a crescer e a apreender a cidade, num espírito de respeito mútuo. Neste mesmo sentido, deverá promover projectos de formação destinados aos educadores em geral e aos indivíduos (particulares ou pessoal pertencente aos serviços públicos) que intervêm na cidade, sem estarem conscientes das funções educadoras. Atenderá igualmente para que os corpos de segurança e protecção civil que dependem directamente do município, ajam em conformidade com estes projectos. 15- A cidade deverá oferecer aos seus habitantes a possibilidade de ocuparem um lugar na sociedade, dar-lhes-á os conselhos necessários à sua orientação pessoal e profissional e tornará possível a sua participação em actividades sociais. No domínio específico das relações escola-trabalho, é preciso assinalar a relação estreita que se deverá estabelecer entre o planeamento educativo e as necessidades do mercado de trabalho. Para este efeito, as cidades deverão definir estratégias de formação que tenham em conta a procura social e colaborar com as organizações sindicais e empresas na criação de postos de trabalho e de actividades formativas de carácter formal e não formal, sempre ao longo da vida. 16- As cidades deverão estar conscientes dos mecanismos de exclusão e marginalização que as afectam e as modalidades que eles apresentam assim como desenvolver as políticas de acção afirmativa necessárias. Deverão, em particular, ocuparse dos recém-chegados, imigrantes ou refugiados , que têm o direito de sentir com toda a liberdade, que a cidade lhes pertence. Deverão consagrar todos os seus esforços no encorajar a coesão social entre os bairros e os seus habitantes, de todas as condições. 17- As intervenções destinadas a resolver desigualdades podem adquirir formas múltiplas, mas deverão partir duma visão global da pessoa, dum parâmetro configurado pelos interesses de cada uma destas e pelo conjunto de direitos que a todos assistem. Toda a intervenção significativa deve garantir a coordenação entre as administrações envolvidas e seus serviços. É preciso, igualmente, encorajar a colaboração das administrações com a sociedade civil livre e democraticamente organizada em instituições do chamado sector terciário, organizações não governamentais e associações análogas.
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18- A cidade deverá estimular o associativismo enquanto modo de participação e corresponsabilidade cívica com o objectivo de analisar as intervenções para o serviço da comunidade e de obter e difundir a informação, os materiais e as ideias, permitindo o desenvolvimento social, moral e cultural das pessoas. Por seu lado, deverá contribuir na formação para a participação nos processos de tomada de decisões, de planeamento e gestão que exige a vida associativa. 19- O município deverá garantir uma informação suficiente e compreensível e encorajar os seus habitantes a informarem-se. Atenta ao valor que significa seleccionar, compreender e tratar a grande quantidade de informação actualmente disponível , a cidade educadora deverá oferecer os recursos que estarão ao alcance de todos. O município deverá identificar os grupos que necessitam de uma ajuda personalizada e colocar à sua disposição pontos de informação, orientação e acompanhamento especializados. Ao mesmo tempo, deverá prever programas formativos nas tecnologias de informação e comunicações dirigidos a todas as idades e grupos sociais a fim de combater as novas formas de exclusão. 20- A cidade educadora deverá oferecer a todos os seus habitantes, enquanto objectivo cada vez mais necessário à comunidade, uma formação sobre os valores e as práticas da cidadania democrática: o respeito, a tolerância, a participação, a responsabilidade e o interesse pela coisa pública, seus programas, seus bens e serviços. ********** Esta Carta exprime o compromisso assumido pelas cidades que a subscrevem com todos os valores e princípios que nela se manifestam. Define-se como aberta à sua própria reforma e deverá ser adequada aos aspectos que a rápida evolução social exigirá no futuro.
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação McLuhan and “Project 69”: media and education R i c h a r d R o ma n c i n i 1 Resumo: O artigo analisa a pioneira proposta de educação midiática realizada por McLuhan, num relatório conhecido como “Projeto 69”, divulgado em 1960. Este trabalho foi o embrião do livro Understanding media (1964) e, embora não tenha tido desdobramentos práticos, relaciona-se com as ideias que o autor continuou a elaborar sobre a educação. Procura-se mostrar como a proposta do “Projeto 69” possui similaridade com as ideias posteriores e mais gerais de McLuhan sobre a educação e a comunicação, contextualizando ainda o impacto que o autor canadense teve entre os educadores brasileiros. O “Projeto 69” é também discutido em termos do contexto atual de debate sobre a educação para os meios. Em conclusão, percebe-se que o tema da educação midiática é encarado pelo autor como uma resposta à crise da instituição escolar e da educação, cuja causa é localizada na emergência do novo ambiente midiático eletrônico.
Palavras-chave: McLuhan, educação midiática, educomunicação, comunicação e educação
Abstract: The article analyzes the pioneer media education proposal held by McLuhan, in 1959, in a report known as “Project 69”. This work was the genesis of the book Understanding media (1964) and, although not having practical ramifications, relates to the ideas that the author has continued to draw up on education. We intend to show how the proposal of “Project 69” has similarity with the ideas later and more general McLuhan talked on education and communication, contextualizing still the impact that the author Canadian has had between the Brazilian educators. The “Project 69” is also discussed in terms of the current context of the debate on media education. In conclusion, it is perceived that the subject of media education is regarded by the author as a response to the crisis of the school and education, whose cause is derived from the emergence of the new electronic media environment.
Keywords: McLuhan, media education, educommunication, communication and education
INTRODUÇÃO CLUHAN COMEÇOU a trabalhar, em 1959, num projeto, comissionado pela
M
Associação Nacional das Emissoras Educativas, dos EUA, que resultou no “Report on Project in Understanding New Media” (McLuhan, 1960). Este relatório, conhecido pelo nome de “Projeto 69”, foi concluído no ano seguinte e tinha como 1. Professor do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP. E-mail: richard.romancini@gmail.com
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação Richard Romancini
objetivo desenvolver um currículo para o ensino médio com ênfase nos efeitos dos então novos meios. O estudo não teve implicações práticas, mas esteve na origem do livro Understanding media: the extensions of man (“Os meios de comunicação como extensões do homem”), de 1964, que alçou McLuhan à fama. Esta proposta didática destaca-se pelo pioneirismo em termos das iniciativas de reflexão sobre a incorporação do estudo dos meios na educação. Na verdade, mais amplamente, tratava-se de um projeto de reforma educativa, considerando que os estudantes formariam, já naquela época, sua cultura real a partir do consumo dos meios, particularmente da televisão. Outro ponto de vista incomum do trabalho era a adoção de um viés não propriamente moralista, a despeito de suas preocupações de “adaptação” e “proteção” dos indivíduos. Em outros termos, McLuhan também vislumbrava dimensões estéticas e possibilidades pedagógicas positivas nos meios de comunicação. Neste texto, temos como objetivo detalhar aspectos deste trabalho pioneiro de educação midiática, de modo a compreender a concepção de McLuhan sobre o tema, esclarecendo como tal ponto de vista possui relação com as ideias mais gerais do autor sobre os meios de comunicação de massa e a educação. Um ponto de partida inicial para a discussão, e para a própria justificativa do estudo, no contexto brasileiro, é salientar o impacto e influência das ideias de McLuhan entre os educadores do país. A recepção de McLuhan entre os educadores no Brasil ocorreu de maneira mais calorosa do que entre os estudiosos da comunicação.
A OBRA DE MCLUHAN E SUA RECEPÇÃO NO BRASIL Nascido em 1911 e com formação na área de estudos literários, o canadense Herbert Marshall McLuhan aproximou-se do universo dos meios de comunicação de massa em seu primeiro livro, The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man, publicado em 1951, em que faz uma análise de peças publicitárias. No entanto, não foi essa abordagem imanente de conteúdos que o celebrizou. McLuhan voltou-se, posteriormente, para uma linha de investigação sobre o impacto específico dos “meios enquanto meios” na sociedade que o alça ao estrelato acadêmico e midiático, a partir dos anos de 1960, quando publica The Gutenberg Galaxy (1962), Understanding Media (1964) e várias outras obras. O redirecionamento da perspectiva do autor foi bastante influenciado pelo pesquisador também canadense Harold Innis (1894-1952), sendo que McLuhan popularizou a ideia de Innis sobre a sociedade ser radicalmente modificada pela introdução de novos meios de comunicação. No entanto, há diferença de preocupações, ainda que no marco do determinismo tecnológico, entre os dois autores: McLuhan difere de Innis, pois estava preocupado, principalmente, com o impacto da tecnologia da mídia no sensório humano, não com a relação entre a comunicação e a estrutura social (Czitrom, 1982). McLuhan defende que uma mudança no meio dominante influencia quais sentidos usamos, alterando assim nossa visão de mundo2. (Lee, 1996, p. 212) 2. Original: “Marshall McLuhan shares Innis’ idea that society is radically reshaped with the introduction of new media. McLuhan differs from Innis in that he was primarily concerned with the impact of media technology on human sensorium, not the relationship between communication and social structure (Czitrom, 1982). McLuhan argues that a change in the dominant medium influences which senses we use, thereby altering our world view”.
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação Richard Romancini
A correlação que existe entre esta perspectiva de McLuhan e a maior difusão e importância dos meios eletrônicos – particularmente a televisão – é notada por vários estudiosos. A televisão, que ganhava importância na década de 1960, era vista então como um objeto de desprezo, entre os estudiosos e os educadores, sendo pouco levada a sério pelos intelectuais ou percebida como um elemento que provocava a decadência da cultura. Neste sentido, conforme Carey (1998), McLuhan adotou um posição singular: “foi o primeiro intelectual não somente a encarar o meio seriamente, mas também por ver possibilidades nele para algo mais do que a veicular a alta cultura ou rebaixar os produtores populares”3. Pode-se dizer que McLuhan, no contexto das sociedades industriais desenvolvidas de então, foi o autor “quente” de um tema visto como importante, ou cool (na linguagem que o autor empresta dos jovens da época): o modo como a mídia afeta o homem e a sociedade. Novamente de acordo com Carey (1998), McLuhan apontou a história da evolução social como uma história da evolução da comunicação, definindo as tecnologias como extensões do homem, capazes de “tornaram-se literalmente parte de nós, modificandonos, e alterando as bases de nosso relacionamento com nós mesmos”4. Porém, a recepção das ideias de qualquer autor sempre depende dos contextos locais, bem como das tradições e práticas intelectuais de cada área acadêmica. No Brasil, a obra comunicacional de McLuhan logo chamou a atenção, sendo que trabalhos do autor foram inseridos em duas coletâneas influentes e conformadoras dos então nascentes estudos da comunicação no país, organizadas por Luiz Costa Lima e Gabriel Cohn, com edição original, respectivamente, em 1970 e 1973. No entanto, a avaliação feita pelos dois editores (em textos de introdução aos trabalhos de McLuhan) revela ceticismo sobre a perspectiva teórica do autor. Sem entrar nos detalhes do debate, pois o objetivo é simplesmente contrastar o modo como o autor canadense foi lido no Brasil pelos comunicadores e pelos educadores, podese notar que Cohn censura, no encaminhamento reflexivo feito por McLuhan, a ênfase na ideia dos mecanismos de percepção individual, em relação aos efeitos da mídia, pois tais mecanismos, mesmo se explicados, são vistos por McLuhan como subliminares. Desse modo, uma solução propriamente social ou política para a questão se colocaria apenas em termos do controle técnico dos meios. “A partir do momento em que a ênfase é posta nos mecanismos de percepção, condicionados por um ambiente criado pelo homem mas ‘invisível’ e, sobretudo, ‘subliminar’, fecham-se as portas da história e fica-se no reino da natureza” (Cohn, 1977, p. 370). Já Costa Lima apresenta um juízo paradoxal. Por um lado, McLuhan é visto como “curiosamente antiquado”, por propor um esquema de interpretação “evolucionista”, que faria com que perspectiva teórica do autor fosse “anticientífica, defasada e ideológica” (Lima, 2000, p. 150-151). Por outro, Costa Lima acredita que McLuhan teve o mérito de ressaltar aspectos concernentes à linguagem dos meios nos quais as mensagens são elaboradas.
3. Original: “was the first intellectual not only to take the medium seriously but to see possibilities in it for something more than transmitting high culture or debasing the popular arts”. 4. Original: “become literally part of us, modify us, and alter the basis of our relationship to ourselves”.
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No trabalho de Sousa e Geraldes (2013) sobre a recepção de McLuhan na pesquisa em comunicação no Brasil, o período inicial descrito pelas autoras, que vai das décadas de 1960 à de 1980, seria marcado pela ambiguidade e polêmica com relação às ideias do autor canadense. Tal aspecto é interpretado em termos tanto da instabilidade social e política no país, com o advento da ditadura militar, quanto no mundo, com a Guerra Fria. A visão de que as mídias eram um elemento de controle social nas ditaduras direcionara parte da academia para o estudo de seu conteúdo, enxergando McLuhan (avesso a essa dimensão dos meios) como reacionário. Outros, interessados na abordagem peculiar e que considera aspectos da percepção humana, se engajaram em estudá-lo, mas sem lograr constituir uma tradição ou perspectiva consolidada e duradoura no país. Desse modo, para as autoras, a etapa seguinte, nas décadas de 80 e 90 do século passado, caracteriza-se pelo “silêncio” em relação à abordagem mcluhiana. Somente da década de 1990 aos dias de hoje haveria uma fase, de retomada e “apropriação” das ideias de McLuhan, em outro contexto político e tecnossocial (com o surgimento e ascensão da internet), mais favorável. O ceticismo e crítica direcionados a McLuhan, porém, foram bem menores entre os educadores brasileiros. Essa recepção diferencial talvez se deva, em parte, ao fato de que McLuhan tenha sido introduzido por um educador conceituado como Anísio Teixeira, que traduziu A galáxia de Gutenberg, com Leônidas Gontijo de Carvalho, fazendo ainda a apresentação do livro e redigindo um texto para a orelha da edição, publicada em 19725. O educador brasileiro também publicou um artigo, bastante elogioso, no qual diz que: “Como homem cem por cento deformado pelo meio gutenberguiano, a leitura de McLuhan vem sendo para mim um nascer de aurora, no entardecer opaco da minha exclusiva lucidez visual e racional de homem tipográfico” (Teixeira, 1970). O pedagogo Lauro de Oliveira Lima também publicou, em 1971, um pequeno volume abordando o pensamento de McLuhan relacionado com a educação. Esta obra, cuja provável última edição foi em 1998 (a 22ª do livro), teve uma ampla circulação (além de ter sido traduzida para o espanhol), de acordo com o número expressivo de reimpressões. Diante disso, a pergunta que se coloca é: o que o levou (e eventualmente ainda atrai) os educadores brasileiros à obra de McLuhan? No caso específico de Anísio Teixeira, havia a aceitação da tese mcluhiana de que as tecnologias de comunicação reconfiguram a sociedade. De acordo com ele, “esta seria a grande novidade trazida por McLuhan: o meio é a mensagem, porque é o meio que transforma a cultura e a civilização, alterando ‘o nosso modo de perceber e sentir a vida’” (Arena, 2004, p. 175). Essa importância dada à dimensão da técnica na sociedade certamente singulariza a perspectiva de McLuhan e possui implicações para o campo educativo. Como nota Moraes (2012), ao desenvolver algumas aproximações entre McLuhan e Anísio Teixeira em relação ao tema da tecnologia, ambos os autores foram entusiastas da tecnologia eletrônica, percebendo nela possibilidades para a entrada da humanidade numa era de “aldeia mundial”. Porém, essa experiência somente poderia ocorrer, de maneira consciente e planejada, em prol da humanidade, se as 5. Os primeiros livros de McLuhan traduzidos e editados no Brasil foram, em 1969, Os meios são as massagens e Os meios de comunicação como extensões do homem, este uma tradução de Understanding Media, feita pelo poeta Décio Pignatari, que foi um divulgador das ideias de McLuhan entre os comunicólogos e de maneira geral.
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características da experiência do homem com as tecnologias fossem efetivamente compreendidas. Anísio Teixeira acreditava que McLuhan lançara ideias para tanto, de modo a que o homem pudesse dirigir e orientar conscientemente o processo que envolve a “cultura tecnológica”. Teixeira (1971) mostrava-se preocupado com a subordinação da tecnologia ao poder econômico, bem como com a possibilidade das tecnologias limitarem a natureza crítica do conhecimento. No entanto, acreditava que seria possível conceber uma educação humanista que evitasse a direção mencionada. Desse modo, combinando diferentes autores e contribuições (entre estas a concepção de tecnologia derivada de McLuhan), Teixeira [1971] desenvolve uma concepção de educação que, ao mesmo tempo em que adapta, ajusta o homem à sua cultura, lhe fornece as bases para uma compreensão que ultrapasse os limites da pura especialização para o trabalho, tornando-o partícipe no controle, revisão e reforma dessa mesma cultura, que é a grande marca do seu pensamento liberal progressista. (Moraes, 2014, p. 100)
A morte trágica e precoce de Anísio Teixeira, em 1971, impediu que ele tivesse aprofundado o tema ou discutido outros aspectos e trabalhos de McLuhan. Porém, essa reflexão sobre McLuhan e a educação, a partir de uma perspectiva macrossocial –o impacto da tecnologia no mundo –, é sem dúvida relevante e caracteriza o próprio pensamento educativo do autor canadense. Na verdade, pode-se dizer que esta reflexão geral se articula à outra que recomenda ou prescreve mudanças no sistema educativo. O pequeno livro de Lauro de Oliveira Lima (1985 [1971]), com o significativo título de Mutações em educação segundo McLuhan, também toca nessa articulação, mas com mais ênfase nos processos escolares. Formalmente, trata-se de um ensaio em que o autor comenta um artigo sobre educação publicado por McLuhan, em 1969 (no livro Mutation – 1990, editado na coleção Medium, em Paris6). Lima observa que a mudança na realidade social, a partir da emergência de um amplo panorama midiático, fazia com que a informação, já na década de 1960, se tornasse abundante. Por isso, a ideia de escola como uma guardiã do conhecimento perdia sentido e o próprio papel do professor necessitasse mudar. “O professor atual não é mais informador: a informação vem através do rádio, televisão, cinema, revistas, livros, cartazes” (Lima, 1985, p. 8). É deste ponto de vista que o autor apresenta ideias que aproximam McLuhan de pedagogias construtivistas e ativas. Nesse sentido, acompanhando McLuhan, Lima faz uma defesa de métodos (como as dinâmicas de grupo) que procuram engajar os alunos, estabelecendo um potencial lúdico (como o dos meios de comunicação) na educação, com base em princípios de cooperação. Tal mudança deveria levar em conta o papel de alunos e professores, produzindo um fortalecimento da comunicação nos processos educativos, personalizando-a. “A aprendizagem padronizada [tradicional] estimula o isolamento, porque priva da necessidade de comunicação: ninguém tem nada a dizer a ninguém...” (Ibid., p. 29). 6. Parte deste trabalho foi traduzido para o português e publicado com o título de “O futuro da educação”, no livro de Gadotti (1999).
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Em suma, o autor busca destacar no pensamento de McLuhan sobre a educação uma tendência ligada aos autores pedagógicos modernos, que enfatizam a aprendizagem mais do que o ensino. Essa aproximação é abonada pelas três características que Black (2010, p. 26-27) percebe como constituintes de uma abordagem pedagógica relacionada com a “media ecology”: 1) aprendizagem imersiva, 2) promoção de conexões entre teorias, indo do particular ao universal, e 3) conversão das salas de aula em “antiambientes”, isto é, locais em que os pressupostos implícitos de qualquer fenômeno são expostos, permitindo enxergar suas propriedades estruturais de maneira original. Como discute Tremblay (2011), a perspectiva geral sobre a educação de McLuhan é crítica, mas otimista. Ele associa o sistema educativo de massa com a emergência da sociedade industrial, e tendo em vista as transformações tecnológicas vislumbra a possibilidade de uma reforma educativa, enfatizando o lúdico e a criatividade. “As novas tecnologias da informação e da comunicação permitirão criar, num mundo globalizado, novos ambientes pedagógicos interativos e lúdicos, nos quais se praticarão valores caros a McLuhan de engajamento e de participação” (Tremblay, 2011, p. 92-93). Nesse sentido, McLuhan pode ser aproximado dos defensores de pedagogias ativas (Summerhil, Freinet), que seriam potencializadas pelas TIC, o que teria a capacidade de mudar radicalmente o papel de educadores e alunos. Esperançosa, a reflexão pedagógica mcluhiana acredita que “as tecnologias da informação e comunicação constituem os instrumentos indispensáveis ao posicionamento da pedagogia no mundo moderno globalizado, que valoriza a interação, a participação e a diversidade” (Ibid., p. 94). Tal enfoque continua a ressoar entre educadores brasileiros, e também entre aqueles que se interessam pelas questões que envolvem a comunicação e a educação. Assim, Martins (1999, 2000) afirma que, apesar dos limites que possui, a obra de McLuhan contém observações certeiras e visionárias sobre o sistema educativo, como a necessidade deste enfatizar a comunicação, num mundo saturado de informação. Avaliação parecida é feita por Almeida que abona a crítica de McLuhan à “estandardização do ensino, ou seja, a modelagem dos indivíduos sem respeitar suas diversidades” (2006, p. 4), aproximando, de maneira inusual, a reflexão de McLuhan da realizada por Adorno, notando que a escola planeta preconizada por McLuhan (1969) pressupõe pensar a educação contemporânea sob uma nova perspectiva, atravessada pela mídia com suas redes, tecnologias e linguagens, capaz de aportar contribuições que visem à politização/emancipação do indivíduo cuja essência está na polifonia de vozes. (Ibid., p. 10)
A questão é polêmica, tendo em vista que o modo como a “politização” entra no contexto das ideias de McLuhan não é problematizado, assim como o fato de que há diferença na compreensão da tecnologia por Adorno e outros pensadores da Teoria Crítica em comparação com McLuhan. De qualquer modo, os autores voltados à educação, bem como à educomunicação, no Brasil, tomam de McLuhan a visão de uma inevitável mudança nas relações educativas, particularmente escolares, ensejada pela transformação social que os meios de comunicação teriam provocado. No entanto, a discussão específica sobre os conteúdos de
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uma educação midiática, que constitui um elemento da reforma educativa preconizada por McLuhan, é praticamente ignorada. Em que consiste a educação midiática para McLuhan? A partir da análise do “Projeto 69” serão apresentados alguns dos aspectos que respondem a esta questão.
A EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E O “PROJETO 69” Uma definição preliminar útil, para a compreensão da proposta de McLuhan, é a respeito do significado de “educação midiática”. Podemos entender este termo como sinônimo de “educação para os meios” ou media education7 remetendo, simplificadamente, à ideia de “ensinar” a respeito dos meios. Mas ensinar o que e com quais objetivos? Isso depende das assunções teóricas das propostas, bastante diversificadas (Buckingham, 2014, Hobbs e Jensen, 2009), desse tipo de educação. Como nota Meyrowitz (2001, p. 88), “diferentes formas de pensar sobre os media nos levam a diferentes concepções de competências, ou alfabetizações, do que pode ser desejável para o educado e consciente cidadão”. Embora se reconheça a complexidade do tema, parece válido discernir grandes tendências a propósito da educação midiática. Como a reflexão de McLuhan caracterizase pela centralidade no papel da tecnologia, a tipologia de abordagens sobre o assunto associadas a suas implicações educativas, no âmbito da educação midiática, elaborada por Lee (1996), é interessante. São então evidenciadas, conforme a tabela a seguir, características de três grandes compreensões a propósito do relacionamento entre tecnologia e sociedade. Tabela 1. Tipologia de abordagens sobre o impacto social das tecnologias de comunicação Determinismo da tecnologia
Tecnologia determinada
Tecnologia socialmente construída
Ponto de vista
(Tecnologia tanto como causa (Tecnologia como causa) (Tecnologia como um efeito) quanto como efeito) • As novas tecnologias de comuni- • As tecnologias de comuni• A tecnologia de comunicação cação estabelecem as condições cação são reconfiguradas, a é tanto causa quanto efeito; para a mudança social partir de uma formação social é uma parte do processo de específica • A tecnologia possui uma lógica formação social interna de desenvolvimento • O uso e o desenvolvimento da tecnologia são determi- • A tecnologia possui relação nados por uma única força interativa com os sistemas social político, econômico, social e intelectual. Ela é influenciada por esses sistemas, porém não controlada por nenhum deles
Implicações Educacionais
• Abordagem ideológica • Abordagem de limitação de • (Orientada ao produto) danos • Interpretação crítica • (Orientada ao produto) das mensagens dos • “Redução de dano”: resistência meios massivos para e discernimento em relação aos “emancipação” meios massivos, mensagens e formatos de mídia, ou • Adaptação para sobrevivência
• Abordagem socialmente participativa • (Orientada ao processo) • Processo de compreensão e configuração das instituições midiáticas (de modo que a tecnologia de comunicação possa desenvolver-se de um modo saudável e democrático)
Fonte: adaptado de Lee (1996, p. 211)
7. Conforme Pinto, uma definição comum na Europa para “educação para os media” é a seguinte: “o conjunto de conhecimentos, capacidades e competências (e os processos da respectiva aquisição) relativas ao acesso, uso esclarecido, pesquisa e análise crítica dos media, bem como as capacidades de expressão e de comunicação através desses mesmos media” (2011, p. 24).
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A perspectiva teórica comunicacional de McLuhan coloca-o próximo da abordagem determinista, ao lado de outros autores, como Jacques Ellul, Joshua Meyrowitz e Neil Postman. Estes teóricos, a despeito de diferenças de ênfase e interpretações a respeito da temática, possuem a visão de que a tecnologia é uma causa central da mudança social. Com respeito à relação entre essa concepção teórica geral e suas implicações educativas, no caso específico de McLuhan, Lee observa que ele defende que a mídia eletrônica constitui uma transformação da cultura, valores e atitudes quase instantânea e integral. Essa convulsão social gera grande dor e perda de identidade, amenizada apenas por uma percepção consciente de sua dinâmica. Em seu ponto de vista, se entendermos as transformações revolucionárias causadas pelos novos meios, poderemos antecipar e controlá-las. Mas se continuarmos num estado de arrebatamento subliminar, nós seremos seus escravos (Playboy Interview, 1989). [...] Sua noção de educação midiática é na verdade uma espécie de controle da anomia para sobreviver na nova era da comunicação8. (1996, p. 223-224, destaque nosso)
Em contraste com as outras abordagens mostradas na tabela, o esclarecimento produzido pela educação midiática com base na abordagem determinista visa uma “adaptação” ao ambiente e não que o indivíduo – como sujeito político – busque uma “emancipação” a partir da análise crítica de conteúdos (tecnologia determinada) ou da atuação junto aos meios para alterar o funcionamento destes (tecnologia socialmente construída). A “emancipação” associa-se a autores de correntes críticas do pensamento social e da comunicação, como Adorno e demais pesquisadores da Escola de Frankfurt, bem como os que adotam modelos derivados da economia política. Já os autores ligados aos estudos culturais, como Williams, tendem a ver a implicação educacional da pedagogia voltada aos meios em termos de seu processo, objetivando a formação de uma recepção participativa e também crítica. Isso ocorre, pois há a crença na possibilidade de que a transformação associada às tecnologias seja influenciada pela ação dos indivíduos. Meyrowitz (2001) também desenvolve uma tipologia a respeito das “múltiplas alfabetizações” midiáticas relacionadas com diferentes concepções sobre os meios de comunicação. Os três tipos propostos (“mídia como condutora” – ênfase no conteúdo; “mídia como linguagem” – enfoque na gramática específica de cada meio, e “mídia como ambiente” – abordagem das características particulares de cada veículo) possuem diferenças, mas também zonas de relacionamento ou complementaridade no estudo dos meios. A última modalidade proposta (mídia como ambiente) remete diretamente a McLuhan e à chamada “teoria do meio”, envolvendo “a compreensão de como a natureza do meio condiciona aspectos chaves da comunicação tanto ao nível micro como macro, como é o caso da sociedade” (Ibid., p. 95). Também é válido referir-se à diferenciação entre modelos de educação midiática, de acordo com a discussão de Pérez Tornero e colaboradores (2007, p. 44-45), sendo que 8. Original: “McLuhan argues the electronic media constitute a total and near instantaneous transformation of culture, values and attitudes. This upheaval generates great pain and identity loss, ameliorated only through a conscious awareness of its dynamics. In his view, if we understand the revolutionary transformations caused by the new media, we can anticipate and control them. But if we continue our self induced subliminal trance, we will be their slaves (Playboy Interview, 1989). [...] His notion of media education is in fact a kind of anomie control for surviving the new communication era”.
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um deles é caracterizado pelo objetivo da “proteção” do educando (em nível moral, de valores, e também ideológico), o outro enfatiza a “promoção” do uso das mídias, de modo a obter vantagens desta prática. Por fim, um modelo mais eclético combina os dois anteriores, destacando a ideia de “produção criativa”. O modelo relacionado com a proteção associa-se às diferentes correntes teóricas que enfatizam os efeitos dos meios, enquanto a ideia de promoção é derivada de modelos preocupados com o modo como os usuários utilizam a mídia. As propostas podem combinar-se, porém indicam preocupações comuns nas correntes da educação midiática. Feita esta explanação, é possível iniciar o estudo do “Projeto 69” dentro de uma matriz analítica sobre a educação midiática e suas abordagens relacionadas com a tecnologia que ajude a compreender melhor o esforço de McLuhan e suas especificidades. Do ponto de vista da contextualização histórica, esta proposta inicial de McLuhan para a educação midiática surge a partir de um convite da National Association of Educational Broadcasters (NAEB), dos EUA, para a qual McLuhan havia feito, em 1958, uma conferência, apresentando suas ideias. A fala de McLuhan chamou a atenção dos dirigentes desta associação, e houve o convite para ele elaborasse um projeto de estudo dos meios de comunicação nas escolas secundárias. Este trabalho, financiado pelo National Defense Education Act em conjunto com o United States Office of Education, do governo estadunidense, foi realizado em 1959 e teve seu relatório – Report on Project in Understanding New Media (McLuhan, 1960) – concluído no ano seguinte. É consenso entre os estudiosos de McLuhan, o papel importante deste trabalho no desenvolvimento do pensamento do autor, tendo em vista que o manuscrito do relatório continha as ideias centrais, embora com foco mais limitado, do livro Understandig Media que é publicado alguns anos depois (1964). No relatório do “Projeto 69”, Carey afirma que McLuhan, ao tentar convencer o Office of Education que suas ideias poderiam ser uma alavanca para a reforma do sistema educacional, fazia uma proposta na qual a educação deslocava-se de “uma dependência da literatura clássica para um compromisso com a ‘nova mídia’, a mídia que formava e apoiava a cultural real dos estudantes”9 (1998). Carey ainda observa o estilo pouco ortodoxo do texto, com sua mistura de gêneros e escrita inventiva que parece antecipar a abordagem pós-moderna – aspectos que caracterizam o trabalho de McLuhan de maneira continuada (cf. Kellner, 2010) –, e diz que imagina que o relatório deve ter sido recebido com perplexidade no Congresso dos EUA, para onde foi enviado. De fato, as recomendações práticas do trabalho não tiveram desdobramento; por outro lado, na visão de Black (2010), o “fracasso” de McLuhan como consultor educacional foi contrabalançado por este trabalho ter servido para que ele sistematizasse suas ideias (depois apresentadas em livro): “O caráter pedagógico pretendido pela NAEB levou-o a apresentar sua perspectiva detalhadamente, de modo mais coerente e compreensível do que jamais fizera, e permiti-nos conhecê-lo melhor a partir deste texto”10 (Ibid., p. 25). 9. Original: “a dependence on classical literature to an engagement with the ‘new media’, the media which formed and carried the real culture of students”. 10. Original: “The pedagogical role invited by the NAEB compelled him to render his vision in high definition, as coherently and comprehensively as he ever would, and allowed us to know him best through this text”.
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Em sua Iniciação Científica, Gabriela Vasconcelos fez uma comparação entre o relatório do “Projeto 69” e o livro Understanding Media, e mostra que há forte convergência entre as obras, pois: Dois pilares mantêm a essência teórica em ambos os trabalhos de McLuhan, pilares que essencialmente explanam a relação do homem com os meios e a relação dos meios entre si. “O meio como extensão do homem” diz respeito à primeira relação, uma dinâmica pautada pelo efeito causado no homem através da percepção das estruturas das formas midiáticas. A segunda relação é contemplada pela frase “O meio é a mensagem”, que dita a dinâmica de que a forma estrutural do meio é em si o que reconfigura nossos padrões conceituais, e que esse padrão estrutural é a tradução de outro meio diante de uma nova configuração perceptiva. (Vasconcelos, 2015, p. 18)
Existem também diferenças (desenvolvimentos) que mostram maior detalhamento teórico do livro posterior, mas a coerência entre os trabalhos é significativa. Naturalmente, o relatório tem maior enfoque e direcionamento prático, de intervenção na realidade escolar, numa proposta curricular de educação midiática, em certo sentido sui generis. Assim, após uma introdução teórica geral, o autor parte para o estudo de determinados meios de comunicação. McLuhan busca destacar o “impacto estrutural” – isto é, a extensão sensorial provocada por um meio/percepção – de cada mídia, pelo qual se produz um “resultado subjetivo” – ou seja, uma experiência sensória no indivíduo. E sintetiza as principais conclusões em gráficos de teor didático (Figura 1).
Figura 1. Exemplo de gráfico para estudo de meio de comunicação do “Projeto 69”
A partir dessa compreensão, o principal do projeto é proteger os indivíduos contra os efeitos subliminares dos meios (McLuhan, 1960, p. 3) – o que se mostra consequente com o determinismo do autor –, de modo a “sustentar a civilização”, a partir da pressuposição (derivada de Innis) de que os meios sustentam a civilização (Crystal, 2012, p. 1). Ao mesmo tempo, o projeto pressupõe uma ampla reforma pedagógica, ao redor do objetivo exposto. A abordagem de “proteção” ou “limitação de dano”, resultado do estudo da
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mídia, ganha uma centralidade com respeito à educação incomum. A percepção de McLuhan sobre a educação é que, como aponta Kuskis (2011), quando há mudanças expressivas nos ambientes comunicativos – como a migração de uma cultura baseada no impresso para uma eletrônica – a educação deve necessariamente mudar, uma vez que ela relaciona-se totalmente com a comunicação. Assim, o currículo para o ensino secundário proposto no “Projeto 69” enfoca uma dezena de meios de comunicação. Às discussões sobre cada um dos meios de comunicação, apresentadas no relatório, segue-se um roteiro de leituras e questões de estudo, envolvendo, muitas vezes, uma observação ativa do estudante – que é levado a refletir sobre seu consumo midiático (ver exemplo na Figura 2).
Figura 2. Exemplo de questões para estudo de um meio no “Projeto 69”
A proposta relaciona-se diretamente à perspectiva teórica e metodológica de McLuhan, daí sua ênfase na educação da percepção (Friesen, 2011; Marchessault, 2008) e estudo dos “efeitos” dos meios, que os textos de discussão e exercícios propostos exploram. Cabe notar, observando o tipo de atividade e discussão com os estudantes planejados pelo autor que, em que pese o tecnocentrismo ou determinismo tecnológico de McLuhan, há uma centralidade da análise cultural e da experiência das pessoas com os meios.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de um olhar informado pelos desenvolvimentos sociais e teóricos posteriores, é possível dizer que angulação teórica é um eixo de força e de fraqueza da pioneira proposta mcluhinana para a educação midiática. A fraqueza diz respeito ao fato de que alguns aspectos da teoria do autor envelheceram mal (como a distinção entre meios “quentes” e “frios”, no relatório abordada em termos das diferenças entre meios de “alta” e “baixa definição”); já a força relaciona-se a uma unidade de propósitos, relativa ao estudos dos meios, significativa. Em outras palavras, foi a primeira proposta educativa com base na teoria do meio, que então se forjava. Tal abordagem continuou sendo menos comum na educação midiática, tendo em vista que “o ambiente criado por um meio é muito menos observado diretamente do que o conteúdo e a gramática dos veículos. O ambiente do meio é mais visível quando um meio está começando a ser usado por uma porção significante da população”, conforme analisa Meyrowitz (2001, p. 97). Para este autor, nada impede, pelo contrário, que essa abordagem seja complementada por variáveis socioculturais, pois os meios não surgem e se desenvolvem num vácuo histórico. Esta interpretação, sem dúvida, pode contrabalançar as tendências tecnocentristas do modelo teórico de McLuhan, dando maior complexidade ao mesmo. Percebeu-se que, embora a questão da “proteção” – a partir do entendimento sobre a atuação sensória do meio – seja relevante, como se acredita que o uso das mídias é inevitável, há também por isso algum elemento de “promoção” desta atividade. Porém, a “produção criativa” não era enfatizada no projeto, o que se relaciona ao contexto social e histórico em que foi elaborado. Naquele momento, esse tipo de trabalho, em relação aos meios, não era tão acessível aos amadores e não especialistas. Há uma forte dificuldade para colocar em prática a proposta de McLuhan, relacionada à sua amplitude, pois ela possui o caráter de reforma educativa geral; mas ao mesmo tempo a ideia do autor para a educação midiática tem o mérito da ousadia – destacando que não se trata apenas de inserir meios na educação (tecnologia didática), mas sim repensar seus fundamentos. Vale notar que houve elementos de continuidade quanto à temática da educação entre o “Projeto 69” e trabalhos posteriores do autor. Assim, além de diversos artigos e entrevistas nas quais aborda temáticas educativas, McLuhan dedica em 1977 todo um livro, escrito com outros autores (McLuhan et al., 1977), ao tema da educação em meios. Nele, assim como no Report, há estudos e exercícios. E o que se destaca – sendo talvez o elemento que tornou McLuhan atrativo a tantos educadores – é a abordagem pedagógica que enfatiza a atividade do aluno, num contexto que ele percebe como de “crise da educação” – situada entre modelos de sociedade baseadas na escrita e nos meios eletrônicos. Com efeito, a emergência do panorama digital tornou a temática mais relevante e atual, o que se relaciona ao próprio debate contemporâneo sobre a educação midiática, em diversos países. Neste sentido, qualquer proposta que se volte ao estudo do “meio como meio” tem a aprender com a proposta de McLuhan e é, de alguma maneira, devedora das explorações pioneiras do autor canadense.
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Reception and absorption on scientific divulgation in education R o s e ly A . R o ma n e l l i 1
Resumo: Este artigo relata a análise comparativa entre revistas especializadas em educação e periódicos utilizados pelos pesquisadores para divulgação de seus trabalhos. São analisadas a Revista Nova Escola, da Editora Abril; e a Revista Educação, da Editora Segmento. Estas, escolhidas na modalidade de divulgação cientifica. Como periódicos científicos escolheu-se a Revista Brasileira de Educação e Revista Educação & Realidade. A problematização surgiu da curiosidade de se compreender se existe uma relação entre os assuntos divulgados nas revistas especializadas e os que são veiculados nos periódicos cientificos. Pela leitura de uma amostragem destas revistas no período de um ano, percebeu-se em que medida estes assuntos pesquisados podiam ser encontrados nas revistas de divulgação aos professores da educação básica, considerados os principais leitores das revistas de especializadas. Busca-se o entendimento deste material como gerador de competência em informação (PINHEIRO et al., 2013). A pesquisa conclui que não há correspondencia direta entre a temática de periódicos científicos e revistas especializadas, mas que as mesmas ainda cumprem uma função de divulgação científica e popularização da ciência na área da educação, na medida em que a recepção e o consumo das mesmas contribui para a prática cotidiana na educação básica. Palavras-Chave: Educação; Periódicos científicos; Divulgação científica; Consumo. Recepção.
Abstract: This paper reports the comparative analysis between specialized magazines and journals in education used by researchers to disseminate their work. It is analyzed Nova Escola Magazine, published by Editora Abril; and the Education Magazine, published by Editora Segmento. These chosen in the scientific dissemination mode. As scientific journals Revista Brasileira de Educação and Revista Educação & Realidade are chosen. The questioning came from the curiosity of understanding whether there is a relationship between the matters disclosed in journals and those conveyed in scientific journals. By reading a sample of these journals in the period of one year, it was realized to what extent these issues surveyed could be found in magazines disclosure teachers of basic education, considered the main readers of the specialized magazines. The aim is to understand this material as generator of competence in information (Pinheiro et al., 2013). The research concludes that there is no direct correspondence between the theme of scientific journals and periodicals, but that they still meet a scientific dissemination function and popularization of science in education, in that the reception and sbsorption of the same contributes to everyday practice in basic education. Keywords: Education. Scientific journals. Scientific divulgation. Absorption. Reception. 1. Professora doutora em Educação pela FEUSP, docente adjunto nível C-III na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, roselyromanelli@yahoo.com.br .
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação Rosely A. Romanelli
INTRODUÇÃO STE ARTIGO relata a análise comparativa entre revistas especializadas em educação
E
e periódicos utilizados pelos pesquisadores para divulgação de seus trabalhos. São analisadas a Revista Nova Escola, da Editora Abril – NE; e a Revista Educação, da Editora Segmento – RE. Estas, escolhidas na modalidade de divulgação cientifica. Como periódicos científicos escolheu-se a Revista Brasileira de Educação e a Revista Educação & Realidade. A problematização surgiu da curiosidade de se compreender se existe uma relação entre os assuntos divulgados nas revistas especializadas e os que são veiculados nos periódicos cientificos. Pela leitura de uma amostragem destas revistas no período de um ano, percebeu-se em que medida estes assuntos pesquisados podiam ser encontrados nas revistas direcionadas aos professores da educação básica, considerados os seus principais leitores. Esta discussão desenvolve-se sob o referencial teórico de Bourdieu (1983, 2010, 2013a, 2013b). Para conceituar jornalismo científico, jornalismo especializado e divulgação científica, utiliza-se Pinheiro, Chalhub e Nisenbaum (2013), Capozzolli (2005), Massarani e Moreira (2005 e 2012) e Schneider (2006) entre outros. Para problematizar a análise das revistas especializadas escolhidas quanto ao conteúdo veiculado escolheu-se o campo dos estudos culturais, voltados para mídia como Hall (2003), Kellner (2001) e Romanelli e Schneider (2014), por entender que existe uma possibilidade de que a mídia impressa para a área de educação seja discutida como material gerador de competência em informação (PINHEIRO et al., 2013). A intenção era perceber em que medida estes assuntos pesquisados podiam ser encontrados nas revistas especializadas funcionariam como divulgação científica aos professores da educação básica. Para isso, foi necessário conceituar jornalismo científico, jornalismo especializado e divulgação científica. As leituras prévias sobre o assunto sugeriam que existe uma fronteira tênue entre os conceitos. Capozzoli (2005, p.8) diferencia pesquisa científica de jornalismo científico, mas esclarece que distinto não é necessariamente oposto, apontando para a superação dos obstáculos entre ambos para o benefício comum, em especial da sociedade brasileira. Para ele, “a nova cidadania não pode prescindir da cultura científica, (...) na busca de inteligibilidade para a natureza do mundo e do desfrute lúdico da investigação. Ele também afirma que para ajudar a promoção da cultura científica, o jornalismo científico é indispensável. Na trajetória de estudos e pesquisas sobre o tema da divulgação científica o vínculo com o Programa Avançado de Cultura Contemporânea - PACC/UFRJ, tanto quanto à filiação desta pesquisadora ao Grupo de Pesquisa Perfil da Informação - Perfil-i, apontou paraa o aprofundamento na área de Estudos Culturais voltada para a análise de mídia, bem como da área da Ciência da Informação. Ambas as vertentes se preocupam com o escopo da informação no que tange à teoria da recepção (HALL, 2003; KELLNER, 2001) e da divulgação do conhecimento científico como forma de empoderamento através da informação. Estas preocupações vieram ao encontro da preocupação inicial desta pesquisa em saber como uma área acadêmica na qual se pode perceber um avanço enorme, como a área da pesquisa em educação no Brasil, apresenta tantas deficiências em seus resultados práticos.
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Acreditava-se que poderia existir uma relação entre as revistas especializadas e os periódicos científicos de uma mesma área de conhecimento, no que tange ao conteúdo e ao público leitor. Constatou-se, após a levantamento inicial dos temas e títulos dos periódicos científicos, que não havia uma correspondência direta entre estes e as revistas especializadas escolhidas. O encadeamento de ideias entre as diferentes publicações acontece apenas na medida em que os assuntos de pauta das revistas costumam girar em torno do que a comunidade/sociedade civil está discutindo, sobre os temas que se tornam mais relevantes a cada época. Ao examinar a produção e o consumo da informação científica da área de educação, bem como sua divulgação e vulgarização e como funciona a intervenção desta produção no cotidiano da escola de educação básica, buscou-se o papel da revista especializada como divulgadora das inovações educacionais e das novas descobertas teóricas apresentadas nos periódicos científicos e mapeou-se o alcance de distribuição das revistas pesquisadas. Optou-se por verificar o público leitor das duas revistas especializadas, com base nas informações fornecidas pelas respectivas editoras. Estes dados serão apresentados na descrição das mesmas. Pelos dados coletados junto às respectivas editoras, contata-se que os professores2 atuantes neste nível de ensino constituem o público alvo destas revistas, possibilitando que eles fiquem atentos para o aprofundamento de outras leituras como aquelas que encontrarão nos periódicos científicos nos quais os assuntos que lhes interessem são tratados do ponto de vista acadêmico e que a partir disso podem obter conhecimentos que venham subsidiar sua prática cotidiana. Durante a análise dos dados e, com base nestes, percebeu-se que os sites e fan pages de ambas são uma fonte de pesquisa tanto para esta pesquisa, como para os leitores, uma vez que ampliam sobremaneira as informações e conteúdos divulgados por cada revista.
O QUADRO TEÓRICO Resume-se o referencial teórico devido ao espaço deste artigo, que fundamentase nestes autores, com descrições sobre as ideias ou tópicos principais, indicando aos interessados quais obras foram relevantes para se chegar à conclusão que ora se apresenta. Assim, inicialmente utilizou-se Maria das Graças Targino para entender a redação técnico científica e suas implicações acadêmicas. Palmira Moriconi, Marcos Ramos, Ulisses Capozoli, Luísa Massarani, Ildeu de Castro Moreira, Lena Vania Pinheiro, entre outros que pesquisam a divulgação científica propiciaram o entendimento do papel deste campo de conhecimento que se vislumbra imenso, que é a Ciência da Informação e as primeiras leituras esclarecedoras sobre o tema. Com Pierre Bourdieu nas leituras de O Campo científico, A Distinção, O Homo Academicus, que, entre outros títulos, possibilitam o entendimento da hierarquia entre os saberes institucionalizados com os quais, tenha ou não consciência plena disso, os educadores em todos os níveis de ensino são obrigados a se confrontar cotidianamente. Das leituras sobre divulgação científica, um dos melhores conceitos encontrados é o de José Reis (Reis e Gonçalves, 2000, p.36 apud Pinheiro et al, 2009, p. 2) pela simplicidade 2. Fala-se em professores, mas os gestores também são considerados pelas editorias. Considera-se, no entanto, que a base de formação é a mesma, pois o gestor é também professor.
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e objetividade: “...é a veiculação em termos simples da ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega”. Já Bueno (1984,1995, apud Pinheiro et al, 2009), afirma que esta atividade “pressupõe a transposição de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com o objetivo de tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência”. Segundo Pinheiro (et al, 2009) Bueno também introduz um conceito intermediário, de difusão científica, por ele considerado de “limites bastante amplos” pois “... na prática, faz referência a todo e qualquer processo ou recurso utilizado para veiculação de informações científicas e tecnológicas”: periódicos especializados, bases de dados, sistemas de informação, serviços de alerta de bibliotecas etc. (Bueno, 1984, p. 14, 1995, p.1420-21 apud Pinheiro et al, 2009). Dentro de toda a discussão sobre divulgação científica, que também beira a fronteira do jornalismo científico e da comunicação científica, estes dois conceitos acima permitem compreender o tipo de veículo que são as revistas NE e RE, pois eles permitem que se perceba ambas no papel de divulgadoras científicas neste campo vasto de conhecimento que é a educação. Complementa-se esta percepção com a nota de rodapé de outro texto de Pinheiro: “Para ser competente em informação, uma pessoa deve ser capaz de reconhecer quando uma Informação é necessária e deve ter a habilidade de localizar, avaliar e usar efetivamente a informação [...] Resumindo, as pessoas competentes em informação são aquelas que aprenderam a aprender. Elas sabem como aprender, pois sabem como o conhecimento é organizado, como encontrar a informação e como usá-la, de modo que outras pessoas aprendam a partir dela” (American Library Association. Presidential Committee on Information Literacy, 1989 apud Pinheiro 2013, p. 238, notas de rodapé)
A descrição das revistas e dos dados sobre os leitores fornecidos pelas editorias, esclarecem em que medida elas funcionam como geradoras de competência em informação.
OS PERIÓDICOS E AS REVISTAS Iniciando a comparação percebe-se que as próprias revistas apresentam mensagens iniciais em que procuram esclarecer porque publicam, para quem publicam, e por isso porque e como publicam. Assim, na orelha da capa frontal da Revista Brasileira de Educação – RBE3 pode-se ler: A Revista Brasileira de Educação, periódico trimestral da ANPEd, é voltada à publicação de artigos acadêmico-científicos, visando fomentar e facilitar o intercâmbio acadêmico no âmbito nacional e internacional. Em consonância com a lógica da Associação, dirige-se a professores e pesquisadores, assim como a estudantes de graduação e pós-graduação das áreas das ciências sociais e humanas.
Sobre a Revista Educação e Realidade, encontra-se esta mensagem na página inicial de seu site, mas não na edição impressa: 3. A Revista Brasileira de Educação – RBE é classificada no sistema WebQualis-Capes como A1.
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Periódico da área de educação que reúne artigos de diferentes aportes teóricos com temas ligados a vários campos do conhecimento, em sintonia com os debates que acontecem no meio acadêmico nacional e internacional. Classificada como revista A1 pelo Qualis-Capes. Em 2013, passou a ter quatro números por ano e foi indexada no SciELO. Educação & Realidade é publicada ininterruptamente desde 1976. É importante destacar a visão que os professores da Faculdade de Educação tiveram ao criarem uma revista científica de educação, já nos primeiros anos da instituição. Nesses muitos anos de vida, Educação & Realidade tem contribuído de maneira central, para a divulgação da produção de conhecimento científico, filosófico e artístico na área da educação. Mais do que simplesmente espelhar a produção do campo educacional brasileiro – o que já seria um grande mérito –, Educação & Realidade sempre procurou incentivar o debate acadêmico que produz novo conhecimento na nossa área e ampliar as fronteiras do pensamento e da prática em educação.
Na Revista Nova Escola encontra-se na página de índice, que também contém os créditos da equipe responsável pela publicação, abaixo exatamente destes, a mensagem da Fundação Victor Civita que diz: Criada em 1986, NOVA ESCOLA é a maior revista de Educação do Brasil. Vendida a preço de custo, é editada pela Fundação Victor Civita, entidade sem fins lucrativos que tem como missão a melhoria da Educação Básica, produzindo conteúdo que auxilie na capacitação e valorização de professores e gestores e influencie políticas públicas. NOVA ESCOLA não permite publicidade redacional.
A Revista Educação traz também, situada abaixo dos créditos da equipe editorial a mensagem abaixo: Educação é uma publicação mensal da Editora Segmento destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir cartas e artigos.
Ao tomar contato com a edição impressa das revistas e dos periódicos escolhidos, tornou-se importante perceber que suas intenções editoriais diferem do editorial propriamente dito. Estas mensagens querem expressar aquilo que vai perpassar todas as edições publicadas, enquanto o editorial muda em cada edição, de acordo com o tema apresentado, artigos publicados e outros conteúdos que compõem cada número editado. Sobre a escrita nos periódicos, Targino (2012) fala do impacto exercido pela normalização imposta nas diretrizes e parâmetros específicos para publicação, segundo ela enunciados sob títulos distintos como normas editoriais, instruções para os autores ou ainda, normas para apresentação de originais. Isto determina o alcance dos periódicos científicos uma vez que eles veiculam os resultados das pesquisas da área educacional. Quem escreve e quem lê são questões fundantes para a compreensão do papel deste formato de publicação que constitui, atualmente, a forma mais prestigiada pelos órgãos de fomento e avaliação da produção acadêmica do pesquisador.
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Também se entende, na sequência deste raciocínio, que para as revistas especializadas servirem como divulgadoras deste trabalho científico para os que deverão ser atualizados por ele e para ele em suas práxis, deve acontecer um encadeamento de ideias que conduzam aos mesmos assuntos, apresentando possibilidades de aplicação de pesquisas de última geração no ensino cotidiano nas escolas de nível básico. Parte-se deste pressuposto pela compreensão de que isso é uma necessidade real e um caminho válido para que haja uma melhoria sensível no ensino do país. Sendo assim, discutir os conceitos de jornalismo especializado, jornalismo científico e publicação/comunicação científica são meios necessários para que esta reflexão aconteça. Um dos aspectos que se considera para compreender todos os anteriores é a noção de habitus na perspectiva bourdieusiana. Acredita-se, a partir deste autor, que a forma como os diferentes segmentos docentes utilizam – ou não – as leituras dos periódicos e das revistas especializadas seja importante na sua atuação cotidiana. Também parte-se do pressuposto de que o fato destas leituras serem – ou não – parte da formação docente e de suas práxis seja decorrente da formação deste habitus. Por definição: O habitus é, com efeito, principio gerador de práticas classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação (principio divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto), é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida (BOURDIEU, 2013b, p. 162).
Bourdieu (2013b) estabelece uma relação entre as características pertinentes da condição econômica e social, tais como volume e estrutura do capital, cuja apreensão é sincrônica e diacrônica e que fornece os traços distintivos associados à posição correspondente no espaço dos estilos de vida tornados em relações inteligíveis pela construção do habitus como fórmula geradora que justifica práticas e produtos classificáveis bem como julgamentos classificados que constituem estas práticas e estas obras num sistema de sinais distintivos. Dessa forma, condições diferentes de vida geram habitus diferentes, uma vez que os esquemas geradores que se aplicam a cada uma das condições implicam em diferentes sistemas geradores que engendram práticas diversas e seus consequentes habitus. É sabido que existe uma diferença muito grande entre as condições de vida e trabalho dos professores que seguem a carreira acadêmica no ensino superior e aqueles que dedicam sua vida ao magistério na educação básica. No que tange a esta pesquisa, é importante considerar estas diferenças e perceber o quanto elas podem causar uma lacuna na formação continuada dos professores da educação básica, caso se chegue à conclusão de que existem mais pontos de silêncio do que de diálogo entre a produção dos pesquisadores na academia e a divulgação da mesma para que seja popularizada e contribua de fato com a prática docente que se faz na escola básica. No caso dos periódicos científicos, a qualidade de sua produção é direcionada e validada ao sistema Qualis-Capes, e determinada para alcançar os patamares de excelência em pesquisa exigidos para que os pesquisadores e seus programas de pesquisa e pós-graduação sejam considerados como pertencentes a este grupo seleto
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que congrega os melhores. Conseguir publicar em revistas altamente qualificadas e manter-se informado das pesquisas mais recentes através destes periódicos é parte da exigência feita aos docentes pesquisadores, baseando-se na meta de que este habitus é o único caminho de estar no topo das listas de produtividade. No que diz respeito às revistas de divulgação científica / popularização da ciência, sua qualidade será com certeza avaliada pelos parâmetros do mercado de publicação. Neste caso, compreende-se como estes parâmetros agem e influenciam o gosto pela leitura destes veículos de informação conforme Schneider (2006) convida a refletir: Por que se tornou natural que se conceba sabor e saber, ou prazer e conhecimento, como níveis distintos e até antagônicos da experiência vital? Por que se deu essa cisão? De que forma a indústria cultural contribui para reproduzi-la na atualidade? Quais são as consequências sociais dessa reprodução? (SCHNEIDER, 2006, p. 168).
O autor ainda sugere que no campo simbólico houve uma cisão ao longo da história que pode explicar a distância entre o saber e o sabor, que levou a dicotomia entre prazer e conhecimento: Já a cisão do gosto em sabor e saber deve ter ocorrido a partir do momento em que se estabeleceu nas sociedades humanas a divisão do trabalho em braçal (inferior/sabor–labuta) e intelectual (superior/saber–governo), cuja representação no campo simbólico manifesta-se na divisão religiosa entre corpo (sede do pecado) e alma (sede da virtude), e na divisão platônica entre sentidos (percepção–distorção) e ideias (saber–verdade) (SCHNEIDER, 2006, p. 169).
Para se superar as dicotomias entre a notícia e a ciência conforme afirmação de Massarani e Moreira (2005): Os artigos científicos passam por uma série de transformações ao serem adaptados para textos de divulgação científica. Muitas dessas transformações ocorrem na linguagem: “tradução” dos jargões científicos para a linguagem não especializada, introdução de passagens explicativas, omissão de textos referentes às técnicas e aos métodos usados, etc. (MASSARANI e MOREIRA, 2005, p.16)
Estes autores ainda dizem que existem mudanças que “emergem no nível retórico propriamente dito, com o surgimento de diferenças de estilo, de ênfases, de argumentações e com o uso diversificado de recursos visuais” (idem). Para eles no caso jornalístico, particularmente: A estruturação do texto sofre alterações, adotando-se, em geral, o formato de um texto “piramidal”, em que a novidade da pesquisa é o ponto de partida do autor da matéria divulgativa. Outro aspecto relevante no processo acomodativo é a mudança de enfoque no texto, mudança esta que está também correlacionada com a linha editorial do jornal ou revista e com os aspectos culturais e a tradição divulgativa existente no país (MASSARANI e MOREIRA, 2005, p.16).
É importante ver como as revistas especializadas são e como se descrevem, segundo informação das editorias. A Revista NE tem periodicidade mensal durante os semestres letivos, sendo que no final do ano é veiculado um exemplar para Dezembro/Janeiro e
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no meio do ano outro para Julho/Agosto. Isso totaliza dez exemplares ao ano. Além da edição impressa existe o formato digital para PC, tablet ou celular. Existe também uma fan page no Facebook e o site da revista que é vinculado ao site da Revista Gestão Escolar num portal chamado Gente que Educa. Segundo o material de marketing mídia-kit-2015, são 1,8 milhões de leitores, para uma circulação média de 470 mil exemplares; que 73% destes leitores são mulheres, 69% tem de 20 a 49 anos de idade, 14% são da classe “A” e 84% são da classe “BC”. Dentre estes leitores, 57% possuem pós-graduação e “76% declaram que em algum momento mudaram sua prática em sala de aula por causa de uma reportagem de NE; 77% dos professores tem NE como top of mind de revistas de Educação” (midia-kit-2015). Sobre o site da revista afirma-se que se trata de “O maior site voltado para educação do Brasil”. Segundo o marketing da Editora Abril, trata-se do “maior banco de recursos pedagógicos do País: mais de 3000 planos de aula, Projetos didáticos para todas as disciplinas, 28 jogos on line, vídeos e muito mais4.”. Além disso, afirmam que são “2 milhões de visitantes únicos5 por mês” e “6,8 milhões de páginas vistas por mês”. A informação sobre o internauta de NE diz que “84% são mulheres” e “60% têm de 30 a 49 anos”. E que “72% deles declaram que em algum momento mudaram sua prática em sala de aula por causa de uma reportagem do site NE”. Há ainda “770 mil seguidores no Facebook e 16 mil assinantes no Youtube”. O site de NE está vinculado ao Gente que Educa, que se apresenta como uma comunidade profissional para educadores, do qual fazem parte também o site da Revista Gestão Escolar, o Prêmio Educador nota 10 e o site ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Neste é possível encontrar quatro volumes com artigos científicos escritos por pesquisadores de renome nacional e internacional, os quais foram encomendados para as referidas publicações. Há um link que dá acesso a uma lista com diversas revistas científicas na área de educação, em ordem alfabética e Qualis A1. A RE tem periodicidade mensal, sendo publicada inclusive nos meses de janeiro e julho em edições completas. A edição é impressa e não existe versão para tablet ou celular. Seu site é hospedado no portal UOL e há uma fan page no Facebook. De acordo com o diretor editorial6, a RE tem uma tiragem média de 27 mil exemplares em 12 edições no ano. Há 3.309 assinantes, além de uma distribuição dirigida para 12 mil mantenedores e diretores de escolas em todo o Brasil. O público-alvo é o professor em função de coordenação pedagógica ou direção, ou que faz parte do grupo de profissionais dispostos a refletir sobre o processo educacional e sobre suas próprias práticas, enxergando‐se como sujeitos ativos. No caso da versão on line, metade dos usuários que acessam o site são da rede pública. O público que acessa a versão impressa é, em média, mais velho e há mais presença de pessoas com cargos diretivos ou de coordenação; na internet, há um público mais jovem”. As pesquisas também indicam que há uma convergência de 40% entre os leitores da versão impressa e da versão on line. No caso da internet, em 4. grifo meu, pela ênfase que a editora coloca na informação. Nada nesse documento é por acaso. 5. grifo meu, uma vez que me parece ser uma palavra colocada para enfatizar a relevância do número, e, embora não fique muito claro, suscita uma reflexão ou curiosidade...
6. Os dados foram obtidos através de contato via e-mail com o diretor editorial Rubem Barros. As informações foram retiradas do texto-resposta escrito por ele em 16/12/2015.
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação Rosely A. Romanelli
2014 (janeiro a novembro) houve uma média de 100 mil visitantes únicos/mês e 200 mil pessoas que já curtiram a revista no Facebook e 36.100 seguidores no tweeter. Segundo o diretor editorial, a revista utiliza “bastante pesquisas desenvolvidas por professores pesquisadores do ensino superior, mas estas não são prioridade”. O ponto de partida para as pautas, conforme ele diz, “são os grandes temas educacionais, em especial aqueles que, por um motivo ou por outro, estejam em destaque naquele momento”. O site da RE oferece um link com o Portal Guias de Educação, de onde se pode acessar as outras publicações da Editora Segmento. Além disso, neste guia há ofertas de cursos de aperfeiçoamento em nível de pós-graduação e MBA (Master Business Administration), informações sobre vestibular e carreiras, agenda de provas e datas de inscrições em diversos cursos e suas respectivas provas de seleção. Agenda também eventos, pós graduação e intercâmbios para estudos, com possibilidades de bolsas de estudo. Há um link para cursos on line e gratuitos com professores da pós-graduação da FEUSP7. Ao buscar indícios do diálogo entre as diferentes formas de publicação analisadas percebe-se a relevância da produção dos periódicos científicos em relação com a relevância dos assuntos divulgados nas revistas especializadas. A superação dos possíveis silêncios pelo desenvolvimento de uma linguagem jornalística que ao mesmo tempo em que divulgue a ciência, possa também despertar o gosto pelo conhecimento (ROMANELLI e SCHNEIDER, 2014), sem perder a cientificidade dos temas apresentados: É necessário, portanto, desconstruir a concepção corrente de que algo “cientificamente comprovado” possuiria um estatuto de verdade definitiva, enfatizando, sempre, o caráter histórico, aberto, aproximado, polêmico e autorretificador de todas as ciências. Tal desconstrução envolve uma problematização da hierarquia dos saberes ditos científicos, entre si e em relação àqueles não científicos, sem, contudo, cair no niilismo relativista pós-moderno de sumariamente eliminar a priori qualquer possibilidade de hierarquização de saberes. (ROMANELLI e SCHNEIDER, 2014, p.2).
Pode-se dizer que o “niilismo relativista pós-moderno de sumariamente eliminar a priori qualquer possibilidade de hierarquização de saberes.” citado por Romanelli e Schneider (2014) perpassa por uma linha editorial que é marcada por uma característica encontrada em todo veículo de comunicação midiática: o determinismo de relevância de assuntos que vendem notícia e consequentemente vendem os produtos que são anunciados nas páginas. Cada revista especializada analisada possui, em média, vinte páginas de material publicitário por exemplar. Este fato, por si só, merece um outro capítulo de análise. Por ora, arrisca-se a afirmação de que o mercado relativiza a hierarquização dos saberes em sua relação com as descobertas científicas e suas aplicações no cotidiano escolar, gerando um silêncio onde poderia estabelecer um diálogo. Esta postura das revistas especializadas gera um ponto de silêncio em relação à pesquisa feita nas universidades que poderiam contribuir de maneira efetiva com a melhoria do ensino no país, o que seria esperado na medida em que os próprios periódicos e revistas se dizem dispostos a isto. Em vez de gerar o empoderamento dos professores da educação básica e um espaço de resistência no qual eles possam 7. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
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se fortalecer em sua prática e formação (KELLNER, 2001; HALL, 2003), estabelecendo diálogo entre a ciência/teoria e a prática cotidiana, cria-se a lacuna, o silêncio, pelo determinismo econômico da relevância dos assuntos a serem tratados. Retomando Romanelli e Schneider (2014), à divulgação científica, cabe transformar em “conhecimento comum a íntima relação entre o debate teórico e epistemológico inerente ao campo científico e as disputas de poder que o constituem, sem perder de vista a relativa autonomia dos debates e disputas, uns em relação às outras”, especificamente destes em relação às pressões dos campos econômico e político que inevitavelmente atuam neste campo, em graus maiores ou menores. Este aspecto torna-se uma exigência de que seja incorporada a esta discussão e também à divulgação científica, “a dimensão ético-política da ciência, das razões econômicas e políticas que condicionam os financiamentos da pesquisa, teórica e aplicada, aos impactos sociais da ciência e da tecnologia” (ROMANELLI e SCHNEIDER, 2014, p.2-3). Na intenção de suscitar o debate e a reflexão sobre estes aspectos é que se propõe aqui a comunicação desta pesquisa.
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica? Where do students search for scientific information? S i lv i a D o m í n g u e z G u t i é r r e z 1 Resumen: El objetivo principal de este trabajo consistió en indagar acerca de dónde se nutrían los alumnos universitarios cuando requerían información científica y cuáles eran los motivos para dichas elecciones; es un primer acercamiento, fundamentado conceptualmente en el marco de “la sociedad del conocimiento”. Participaron 234 estudiantes de pregrado de la Universidad de Guadalajara quienes contestaron un cuestionario de opciones múltiples y preguntas abiertas. Los alumnos refieren que la Internet es su medio preferido por diferentes razones, entre ellas, porque está más a la mano, es rápida y de fácil acceso. No obstante, reconocen que son los docentes en quienes mayormente confían. De cualquier manera, estos primeros resultados dan pie para abrir mayores interrogantes y cuestionar hasta qué grado los docentes siguen siendo pieza clave en el manejo de información sin ser desplazados completamente por las nuevas tecnologías de la información y la comunicación (TIC).
Palabras clave: Estudiantes, Internet, Profesores, Información científica. Abstract: The main purpose of this work was to find out where do university students look for when they require scientific information and what are their motives for such elections. It is an approximation based on Knowledge Society concepts. In our sample, participated 234 undergraduate students from Guadalajara University, Mexico, who answered a open/close questionnaire. These students refer that Internet is the most used source and also the favorite one because it is at hand, fast, and easy to handle. Nevertheless, it is teachers who they trust the most, when they search for scientific information. These preliminary results open wider questions, since information and communication technologies are growing too fast, but teachers have not yet been replaced by them.
Keywords: Students, Internet, Teachers, Scientific information.
INTRODUCCIÓN N EL presente Siglo XXI se hacen más visibles los nuevos medios a través de los cuales
E
recurrimos para obtener cualquier tipo de información. Ello, en parte, debido a los avances que desde el siglo pasado se han desarrollado a través de las TIC (tecnologías de la información y la comunicación), además de los abaratamientos y disponibilidad en 1. Profesora investigadora en el Departamento de Estudios de la Comunicación Social (DECS-CUCSH), Universidad de Guadalajara, México. silvia_dominguez_g@hotmail.com
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el mercado de algunos productos como computadoras, teléfonos celulares, Ipads o tabletas, que nos facilitan el acceso a lo que queremos saber con relativa prontitud. Aunado a esto, los jóvenes actuales, de acuerdo a la literatura anglosajona sobre las generaciones2, serían integrantes de la generación “Y”, la que es considerada como global y digital, con un libre acceso a la información (Lay, 2013). Específicamente, de acuerdo a Fonseca (2003), la generación “Y” comprende a los jóvenes nacidos entre 1981 y 2000 y se distingue por una actitud desafiante y retadora, aunque según Twenge y Kasser (2013) dicha generación (conocida también como “Millenial” o “Me”) se caracteriza además por ser arrogante, egocéntrica, malcriada y dar por hecho que merecen cosas sin trabajar por ellas3. Dice Fonseca (2003, pág. 2): Nosotros, los adultos, no entendemos que el mundo ha cambiado. Los jóvenes de hoy día nos retan porque tiene el poder para retarnos. El poder viene del acceso continuo que ellos tienen a la información y el conocimiento. La tecnología, el internet, el Cable TV y el mundo globalizado les da un poder a los jóvenes de hoy día que no existía antes. Hoy día, un niño de 15 años sabe muchas más cosas de lo que sabía un “baby-boomer”4 a los 30 años. La generación “Y” está en posición de retar, no por indisciplina, sino porque se ha criado con un conocimiento que le da poder.
A pesar de los avances de las nuevas tecnologías y de que los jóvenes viven en una era eminentemente digital, tales manifestaciones no necesariamente reflejan una mayor calidad y aprovechamiento de dichos recursos en esta sociedad llamada “del conocimiento”, más aún cuando se requiere de información específica, particularmente de tipo científica. Ante tales circunstancias, hemos partido de los cuestionamientos siguientes: ¿A dónde acuden los estudiantes de pregrado en la obtención de temas científicos? ¿Cuáles son los preferidos y los motivos de estas preferencias? ¿A cuáles se les tiene más confianza y por qué? Estamos hablando específicamente de estudiantes de una carrera profesional del Centro Universitario de Ciencias de la Salud de la Universidad de Guadalajara. En particular, se busca analizar las fuentes en la obtención de información científica que realizan los jóvenes estudiantes, los motivos de ello y la confianza depositada en dichos medios.
MARCO CONCEPTUAL Se parte de algunos acercamientos a lo que se ha denominado sociedad de la información, sociedad del conocimiento o sociedad red, como fundamentos conceptuales del tema en cuestión. Dichos conceptos tienen aspectos en común; no obstante, guardan ciertas diferencias que están más relacionadas con su surgimiento y difusión en algunos países, como claramente lo ha expuesto Karsten Krüger (2006). Sin embargo, los conceptos anteriores no son los únicos que circulan en el ambiente académico. Néstor García Canclini (2011) habla de diferentes términos que conciernen 2. Que va desde la llamada “Gran” generación con la que inició el Siglo XX (1901) hasta la generación “Z”, cuyos integrantes nacieron entre 1994 y 2004. 3. Llegan a dichos hallazgos tras estudiar a 355 mil 296 estudiantes norteamericanos entre 1976 y 2007. 4. Los “baby-boomers” pertenecen a la generación “X”, que se distingue por adaptarse mejor a los cánones que impone la sociedad y ajustarse a las reglas de juego (Fonseca, 2003).
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a cuestiones muy similares pero que guardan más diferencias que coincidencias como lo serían la concepción informacional de la sociedad y la concepción sociocultural de la información, y los desafíos teóricos y políticos que implica el pasar de la simple designación de “sociedad de la información o del conocimiento”, a hablar de una “sociedad del reconocimiento” que considere los conflictos interculturales como parte del análisis comunicacional. Su análisis socio antropológico, sin lugar a dudar enriquecedor, demarca cuestiones que deben ser retomadas con mayor amplitud en otros estudios; por lo pronto, sólo haremos mención, a partir de lo anterior, de que la jerga académica sobre el tema es más amplia. No obstante, nos vamos a inclinar por el concepto de sociedad del conocimiento por las razones siguientes: 1. Porque tiene un lugar primordial en la discusión mundial, tanto en las ciencias sociales como en la política. 2. Porque resume las transformaciones sociales que se están produciendo en la sociedad moderna y sirve para el análisis de estas transformaciones. 3. Porque ofrece una visión del futuro para guiar normativamente las acciones políticas (Krüger, 2006), y 4. Porque la participación ciudadana en las políticas públicas sobre ciencia y tecnología son un condicionante importante para la gobernabilidad en la actual sociedad del conocimiento (López Cerezo, 2007). Nos suscribimos precisamente a la postura de López Cerezo (2007) quien dice que “al hablar del conocimiento hago siempre referencia al conocimiento científico y tecnológico, sin incluir otras formas de conocimiento a menos que se indique lo contrario.” (pág. 125). Anota, retomando a Stehr en 1994, que en términos económicos, se puede decir que el conocimiento en la actualidad es la fuente crucial de valor añadido en la producción de bienes y servicios, particularmente en los países desarrollados, no obstante alcance al resto de las naciones (aunque no en las mismas condiciones o proporciones), debido a las redes transnacionales del comercio y la comunicación. Ejemplo de lo anterior es el mantenimiento o mejora de la calidad a un menor costo por: 1. La rápida obsolescencia de los bienes y servicios intensivos en conocimiento (computadoras, asesoramiento especializado, etc.), y por 2. La “desmaterialización” de la producción por el incremento de la eficiencia de máquinas o por mejoras organizativas, es decir, el avance tecnológico hace que cada vez necesitemos menos materiales o menos energía para obtener los mismos o mejores resultados (teléfonos celulares, computadoras, nuevos materiales, mejora genética para cosechas agrícolas, etc.). Dicha importancia económica del conocimiento ha repercutido en el campo de la experiencia y del poder, ya que los grandes y pequeños grupos y sus roles sociales están mediados por el conocimiento científico y tecnológico, mismos que han desplazado otras formas de conocimiento y penetrado casi todas las esferas de la vida en la sociedad actual. En otras palabras, esto significa que a nivel de la experiencia dichos impactos se dan a través de interacciones individuales y de la búsqueda de la satisfacción de las necesidades; y a nivel político, se observa con la creciente institucionalización del asesoramiento especializado con miras a la práctica del poder (López Cerezo, 2007). En el ámbito latinoamericano, espacio en que se circunscribe este estudio, ¿cómo ha sido el proceso -o imposición- de la sociedad del conocimiento? Marques de Melo (2008) manifiesta que desde 1996 la Comisión de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo
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de la ONU (Organización de las Naciones Unidas), ante los avances revolucionarios de la tecnologías de la comunicación y de la información, advirtió sobre la brecha digital, distancia sobre todo entre los países del primer mundo y los periféricos, es decir, entre los países ricos y pobres. Intentando reducir dicha brecha, la misma ONU creó grupos de trabajo con la tarea de producir manuales explicando cómo los países periféricos podrían disponer de tecnologías apropiadas para acelerar los procesos internos de desarrollo. Pero, Esta “ilusión digital” es hija del mismo voluntarismo de los años 60, cuando la ONU estimuló el desarrollo de redes mediáticas en el entonces llamado Tercer Mundo. Prevalecía, en aquella coyuntura, la esperanza de que el proceso de desarrollo fuera desencadenado por los aparatos de difusión masiva. América Latina pronto se presentó como el continente detenedor de la mayor cantidad de aparatos de radio, televisión o cupos en las salas de cine del planeta. Pero no cambió, absolutamente, el fenómeno de la marginalidad social, económica y cultural. (Marques de Melo, 2008, pág. 2).
En pleno siglo XXI, aún cuando tengamos acceso a informaciones rápidas, condensadas y simplificadas que fluyen a través de los medios electrónicos, repunta Marques de Melo (2008), los contingentes mayoritarios de nuestra sociedad no han asimilado los contenidos culturales que les permitan aprender integralmente los sentidos diseminados por productos de la industria cultural. Se encuentran privados de la libertad de expresión en la medida en que no tienen competencia cognitiva. Recuerda el autor que para entrar en la sociedad del conocimiento no es suficiente tener a la mano la disponibilidad de datos, equipos, productos de las tecnologías; sino que urgen incrementar los procesos cognitivos capaces de alcanzar a toda la población, llevando a cada ciudadano a usar los contenidos y por lo tanto actuar en la construcción de una nueva sociedad. No obstante, reconoce que la misma no puede ser reducida solamente a la dimensión cognitiva, pues la garantía de la universalización de los bienes simbólicos está fundamentada en la democracia representativa y en la economía distributiva. De igual manera, en el contexto mexicano Delia Crovi (2004) declara que este tipo de sociedad ha tenido un acceso desigual y limitado a las nuevas tecnologías de información y comunicación. Señala que el abismo o brecha digital se manifiesta por lo menos en cinco dimensiones: 1.Tecnológica (relacionada con la infraestructura material disponible y actualización de la misma); 2. De conocimiento (las habilidades y los saberes de las personas sobre la apropiación adecuada de los nuevos medios y de las TIC); 3. De información (apunta a dos sectores sociales: uno sobre-informado con acceso a diferentes medios y generaciones tecnológicas, y el sector desinformado con acceso limitado a las innovaciones tecnológicas, sus actualizaciones y sus contenidos); 4. Económica (falta de recursos para acceder a las TIC tanto a nivel personal, del sector gubernamental como de algunos sectores privados), y 5. De participación (referida a que los recursos aportados por las innovaciones tecnológicas puedan emplearse en un contexto democrático que permita la igualdad de oportunidades para expresarse e intervenir en las decisiones de un mundo global).
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La investigadora refiere que hasta ahora la solución a la brecha digital se ha avocado a resolver carencias de infraestructura tecnológica, pero se ha olvidado, entre otras cosas, de dotar a las personas de las capacidades cognitivas para seleccionar, jerarquizar, interpretar y hacer uso de la información con el propósito de mejorar su calidad de vida. Estas condiciones han llevado a algunos autores a cuestionar la existencia misma de la sociedad de la información y el conocimiento, SIC. No obstante, el proyecto “México ante la sociedad de la información y el conocimiento” acepta la existencia de este tipo de sociedad, no porque constituya una realidad concreta y unívoca, sino porque ha sido impuesta por los discursos hegemónicos como un ideal de desarrollo, que orienta las acciones que planean y realizan los Estados para alcanzar esa meta. En este contexto, más que negarla, nos parece fundamental delimitar las condiciones específicas en que la SIC se ha ido estableciendo tanto en el país como en otras naciones ( Crovi, 2004, pág. 18).
Como veremos más adelante, tales consideraciones se vuelven más significativas cuando el asunto se vuelca hacia las búsquedas de información científica entre los estudiantes universitarios, objeto de estudio del presente trabajo.
MÉTODO Informantes. Participaron 234 estudiantes de seis carreras de un centro universitario de de la Universidad de Guadalajara durante 2010 y 201, elegidos al azar tomando como parámetro un horario de clase, de primeros y últimos semestres. Son jóvenes de entre 18 y 22 años de edad, de clase media; tres cuartas partes se dedica a sus estudios profesionales y solo una cuarta parte divide su tiempo entre trabajar y estudiar. Producción de la información. Se elaboró un cuestionario compuesto por 27 preguntas con opciones múltiples y preguntas abiertas, que corresponde a una sección de una herramienta más amplia para determinar las representaciones sociales de la ciencia en estudiantes de pregrado (Domínguez, 2012). Algunas de las preguntas que forman el cuestionario, son: “De los siguientes medios, señala 5 a los cuales recurres con mayor frecuencia para obtener información científica. El número 1 es para el medio de donde obtienes mayor información y el 5 para el que obtienes menor información”, “Si utilizas la Internet ¿por cuánto tiempo DIARIO te conectas?”, “¿Qué es lo más haces cuando estás en Internet?”, “En ese tiempo que estás en Internet, ¿buscas información de corte científica?”, entre otras. Se presentan solamente los análisis de las preguntas relevantes a este trabajo, que tienen que ver con los medios o fuentes formales (escuela o universidad, profesores, libros), informales (medios de comunicación), y no formales (familia, amigos, compañeros) de donde los estudiantes obtienen la información científica, como variables u observables del presente estudio. Técnicas de análisis. Después de un trabajo de codificación y categorización de las respuestas a las preguntas del cuestionario, se utilizaron hojas Excel para el vaciado de la información y facilitar el proceso del predominio en las respuestas, así como su graficación posterior. Cabe resaltar que la información recabada, no obstante de alcance descriptivo, ha sido objeto de diversas lecturas, es decir, relacionándola con los referentes conceptuales y empíricos, así como con investigaciones personales previas.
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RESULTADOS Y SU ANÁLISIS Primeramente, todos los alumnos del estudio dijeron tener una computadora en casa (ya fuera de escritorio o portátil), y de éstos el 95% dijo tener acceso a Internet en el hogar; el 5% restante accede a la red en la escuela o trabajo. Es decir, ninguno de ellos se queda sin ingresar a la web, la que consideran vital en estos días. Parece ser, entonces, que nuestros estudiantes en particular pertenecen a un grupo distinto de la media nacional (44% de acuerdo al World Internet Projet México, 2012), y no se aprecia a simple vista la brecha digital en cuanto al uso de esta tecnología en particular. Es importante aclarar que con la muestra del presente estudio, no pretendemos hacer ningún grado de generalización con la población, sino en todo caso, con la del centro universitario donde se llevó a cabo la investigación. El tiempo en la red varía, pero de acuerdo a los estudiantes informantes, predominan buenas horas frente a ésta. En la gráfica 1 se muestran las horas diarias que navegan en Internet. Gráfica 1. Horas diarias conectados a Internet
Si sumamos todas las frecuencias con excepción de “una hora”, “menos de una hora” y “otras”, tenemos 167 estudiantes de 234 que navegan entre 2 y 4 horas diarias en la red, esto es, casi tres cuartas partes de los alumnos, lo que los ubica en una posición mayor que lo reportado por el Conacyt (2012, 2013) en el que se muestra que el 30.6% lo hace por más de dos horas diarias. Incluso, en la opción de “otras” hubo siete alumnos que señalaron que navegaban por la red hasta por más de 6 horas diarias. Quiere decir que los estudiantes pasan buena parte de su tiempo frente a la red. En particular, al preguntarles si buscaban información científica cuando navegaban en la web, la mayoría de los estudiantes informantes dijeron hacerlo. Gráfica 2. ¿Buscas información científica cuando estás en Internet?
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Esto es, la mayor parte de los estudiantes (59.4%) contestaron que sí buscan información de tipo científica5 cuando están en Internet, esto es, bajo sus criterios, ellos consideran que la información recabada es de corte científica (más adelante se muestran las páginas o portales web que visitan para obtener dicha información). Entre los que contestaron que no, que a veces y los que de plano no contestaron a la pregunta, tenemos un buen porcentaje (40.60%), es decir, poco menos de la mitad refiere no hacer este tipo de búsquedas, que puede llevarnos a sugerir o que no les interesa, o que no distinguen aún la información de tipo científica, lo que veremos se redondea con respuestas posteriores. Entrando con mayor detenimiento en el tema de las opciones de los diferentes medios para obtener información científica, los muchachos refirieron que en primer lugar prefieren a la red: Gráfica 3. Medios preferidos en la obtención de información científica
Es clara la elección de Internet, de entre las otras fuentes, como el medio favorito para hacer búsquedas científicas. Más ¿por qué la eligen los jóvenes estudiantes por sobre los otros medios? De acuerdo a sus respuestas, porque es el medio más accesible, cómodo, fácil y económico; hay que recordar, además, que son jóvenes digitales, producto de la Generación “Y”, y esto implica que Internet sea su primer elección, casi de manera “natural”. Notamos que las fuentes no formales como la familia y amigos/compañeros prácticamente son nulas (apenas un 1.7% prefiere preguntarle a los compañeros o amigos); la familia quedó completamente fuera de esta primera elección, no obstante ser una fuente muy importante para los estudiantes como lo hemos constatado previamente en otros estudios (Domínguez, 2012, 2009a, 2009b), y aún a pesar de lo reportado por el 5. Lo que los informantes entienden por información científica la clasificamos en dos: 1. Aquella que remite al proceso científico, a la investigación, a documentos que tienen un aval universitario, y que implica un proceso de sistematización, comprobación y de muestra de resultados. En esta opinión coinciden los estudiantes que cursan los últimos semestres; y 2. Los estudiantes de primer ingreso consideran que “Información científica es aquella que está bien escrita por un autor reconocido y que se puede comprobar”.
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IMJUVE (2010, 2012), la familia constituye una de las instituciones de mayor credibilidad para los jóvenes mexicanos, pero no es una fuente de donde se obtenga información científica en particular, específicamente para los estudiantes del presente estudio. Si hacemos un corte para agrupar a los diferentes medios o fuentes formales -como profesores y libros-, no formales -como la familia y los amigos/compañeros-, y los medios informales o medios de comunicación -como Internet6, tv, radio, revistas y periódicos-, nos damos cuenta de que los alumnos prefieren a los medios de comunicación (en que sobresalen Internet y la televisión) para informarse sobre temas científicos, es decir, los medios informales, por sobre los medios formales, como se aprecia enseguida. Gráfica 5. Medios informales7
Gráfica 4. Medios formales
Por otra parte, causa cierto desconcierto que siendo jóvenes estudiantes de una carrera de licenciatura o de pregrado, prefieran los medios informales que a los medios propiamente académicos o formales, aunque hay que reconocer que en Internet encontramos espacios académicos (desde enciclopedias y diccionarios hasta páginas web especializadas). ¿Será acaso que los profesores universitarios están perdiendo, hasta cierto punto su glamour como entes de conocimiento? Afortunadamente no, y se constata cuando se les preguntó a quién o a qué se le tiene mayor confianza para recibir información científica, respuestas que favorecen en un 82% a los profesores, a los libros con un 7%, Internet con 3% y periódicos, revistas, televisión con un 2%. Si bien los profesores no son la primera fuente a la que acuden los alumnos universitarios en la obtención de información científica, sí son en quienes mayormente confían. No obstante que los profesores están también al alcance de los alumnos (por lo menos en clases), y que por alguna razón (cuestión que habrá que estudiar detenidamente) no acuden a éstos en primera instancia, sí se reconoce al maestro o profesor como un ente confiable en la obtención de información científico-académica. Nuestros datos coinciden con la encuesta que llevara a cabo el IMJUVE (2010, 2012) con respecto a las 6. La Internet, para muchos estudiosos, no es un medio de comunicación en sí; pero para otros reúne algunas de las características de los medios tradicionales de comunicación, sólo que Internet tiene la peculiaridad de ser interactiva (Castells, 2009). 7. La suma de los porcentajes de los medios formales e informales no da el cien por ciento (98.3%) debido a que en estas categorías no se incluyeron a las fuentes no formales como la familia y los amigos o compañeros.
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instituciones que mayor confianza le tienen los jóvenes mexicanos, lo que refuerza la idea de que el imaginario social sobre el profesor es fuerte, a pesar de que en ocasiones les represente ser una figura ambivalente, es decir, de amor/odio (Cf. Domínguez, 2012). Los libros, que en otrora época fueran elementos indispensables, ya no parecen serlo tanto por lo menos para parte de estos alumnos en lo que a su forma impresa se refiere. Ahora encontramos muchísimos libros digitales, que bien pudieran sustituir a los de papel; no obstante, son después de los profesores en quienes más confían los alumnos. Es notorio que dentro de las fuentes formales son los libros a quienes primero recurren los estudiantes, pero la confianza está depositada más en los profesores para esta cuestión en particular. Por otra parte, no extraña que de los medios de comunicación tradicionales e interactivos, es Internet la que sobresale dentro de estas fuentes como la más confiable, aunque por poca diferencia. Enseguida vemos los portales o lugares en que los estudiantes realizan sus búsquedas. Gráfica 6. Páginas web consultadas para obtener información científica
Cuando se les preguntó a los alumnos que si buscaban información de tipo científica en Internet (ver gráfico 2), el 59.40% (139 estudiantes) contestó que sí. Pero cuando se les pidió que mencionaran las páginas o portales de las que obtenían dicha información 103 no contestaron, es decir, el 44.02% prefirió dejar en blanco la respuesta, tal como podemos apreciar en la gráfica 6. Es notorio que son pocos los que recuerdan o saben el nombre de las páginas o portales que visitan, de las que destacan PubMed, la Biblioteca Virtual de la Universidad de Guadalajara (UDEG), Scielo y Redalyc. Hubo quienes dijeron que buscaban en revistas científicas, pero sin especificar el nombre de las mismas. Huelga decir el auge de Google y Wikipedia, que en primera instancia son buenos inicios para búsquedas de toda clase, mas hablando en términos académicos, las revistas científicas especializadas son fundamentales, pero desgraciadamente pocos saben cuáles son las características de estas, y cómo acudir a ellas de manera más directa, con excepción de muy pocos estudiantes. Lo anterior es apenas un indicio de la presencia de la brecha digital, aún para nuestros informantes que han roto varias barreras económicas, sociales y académicas:
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los alumnos tienen la tecnología al alcance, pero todavía está lejos el manejo más certero para cuestiones tan específicas como una búsqueda científica en particular. Como decían Marques de Melo (2008) y Crovi (2004), falta atención en los procesos cognoscitivos en las apropiaciones de las TIC, y le añadimos un factor más, el desconocimiento de las características esenciales para distinguir información científica de la que no lo es, y aducimos que por ello gran parte no contestó a la pregunta referida. Recapitulado, la pregunta inicial hace referencia a los medios preferidos para informarse sobre cuestiones científicas, donde Internet aparece en primer lugar y los profesores en la sexta opción. No obstante, a quien le tienen mayor confianza para recibir información sobre temas de corte científico es el profesor. Se observa también que nuestros informantes no distan mucho de los reportes e informes nacionales y de los de Estados Unidos de Norte América –EUA- (National Science foundation, 2012, 2014; Pew Reserch Center, 2013); asimismo, forman parte de un grupo favorecido, quizá hasta de un subgrupo de los “sobre informados” por el uso y acceso a las nuevas TIC, pero hay que notar que dicho rubro no se cubre en todos los aspectos (el cognoscitivo, por ejemplo). Por lo habrá que ver con mayor detalle si en el uso de la red manifiestan sus capacidades analíticas para diferenciar la enorme cantidad de información que reciben día con día y el uso que hacen de dicha información. Más aún, los estudiantes universitarios de esta investigación han superado algunos obstáculos educativos (deserción escolar, por ejemplo), gozan del estatus de ser de la generación “Y”, y en ese sentido es que la brecha digital es menos notable. No obstante, estamos hablando de un área muy particular: la obtención de información de índole científica, la que por ser tan específica no es del interés de muchos a menos que sea por demandas escolares, y en este sentido, la brecha digital, es aún más notoria.
BREVE COROLARIO ¿Profesores vs Internet? Pudieran parecer contrincantes, pero más que eso hay que apelar a la complementariedad. En esta era de acelerados cambios, los que se dedican a la docencia con varios años de servicio corren siempre el riesgo de quedarse fuera del juego, más si no son producto de las generaciones “Y” y “Z”. Por lo que para entrar en la era del conocimiento, habrá que tener en cuenta muchísimo más que buena voluntad y buenas intenciones. Como bien señalara Crovi (2010), la aparición de Internet ha puesto a las universidades (profesores incluidos) en un doble juego: por un lado se oscurece su superioridad en la distribución del saber, pero a la vez se les da un lugar notable por ser instituciones capaces de avalar el conocimiento. Este es el contexto en el cual la distribución social del conocimiento se recompone orientando su interés hacia las redes, aunque sin dejar de lado a los medios tradicionales. La razón es que Internet ofrece ahora las mejores condiciones para su ejercicio. Ofrece la posibilidad de acercar significaciones y responder a intereses específicos de los receptores. (Crovi, 2010, pág. 16).
Y en este sentido, habrá que significar y reorientar muchas de las prácticas didácticas y pedagógicas de los profesores, e incluso de investigadores, en esta era de aceleradas transformaciones.
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade? Scientific Disclosure: an educommunication action between science and society? St e l l a
de
M e l l o S i lva 1
M á r c i a R e am i P e c h u l a 2 Resumo: Esta pesquisa destina-se a olhar a Divulgação Científica (DC) como viabilizadora de ações educomunicativas em defesa, inclusive, da possibilidade de aproximação entre Ensino Superior e Ensino Básico. O estudo mostra, portanto, resultados parciais do processo de produção de matérias de DC elaboradas por alunos e professores de ambas as frentes de ensino e publicadas no jornal online Biosferas (http://www.rc.unesp.br/biosferas/) em 2014, no Instituto de Biociências da UNESP-Rio Claro. Notou-se, a partir dos textos produzidos, que dois dos principais objetivos da DC (ALBAGLI, 1996) foram – de certa forma - atingidos: o educacional, em que há o esclarecimento dos indivíduos sobre questões cientificamente já estudadas; e o cívico, que se propõe a revolver a opinião pública sobre os impactos da ciência, ampliando a consciência do cidadão. Concomitantemente a estes resultados, conclui-se que há a necessidade de valorização de outro objetivo da DC ainda não contemplado pelo projeto que é o da “mobilização popular”, responsável por ampliar a possibilidade de participação da sociedade tanto nas políticas públicas como na escolha de opções tecnológicas. Palavras-Chave: Divulgação Científica. Educomunicação. Ensino Superior. Educação Básica.
Abstract: This research is intended to look to science communication (DC) as enabler of educommunication actions in defense, including the possibility of rapprochement between Higher Education and Basic Education. The study therefore shows partial production process of DC materials prepared by students and teachers of both educational fronts and results published in the online journal biospheres (http://www.rc.unesp.br/biosferas/) in 2014 in the Biosciences Institute of UNESP-Rio Claro. It was noted from the produced texts that two of the main objectives of the DC (ALBAGLI, 1996) were - somehow - achieved: the education, where there is clarification of the individuals on scientific issues already studied; and the Civic, which aims to stir public opinion on the impacts of science, increasing citizen awareness. Concurrent with these results, it is concluded that there is the need to value another objective of DC not yet approached the project which is the “popular mobilization”, responsible for expanding the possibility of participation of society both in public policy and in the choice of technological options. Keywords: Science Disclousure. Educommunication Action. Higher Education. Basic Education. 1. Doutoranda em Educação pela UNESP-Rio Claro. Professora do UNASP-EC. stella.silva@unasp.edu.br 2. Doutora em Educação e Semiótica pela PUC-SP. Professora da UNESP-Rio Claro. mreami@rc.unesp.br
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BIOSFERAS: O QUE É E QUEM SÃO? JORNAL ONLINE Biosferas é publicado desde 2009 e tem como objetivos – con-
O
forme se lê no histórico do próprio veículo – “criar e alimentar um ‘jornal científico’ on-line, cujo intuito é o de divulgar estudos, pesquisas e reflexões sobre temas relevantes e polêmicos das diversas áreas que envolvem a Biologia e as Ciências Naturais, bem como suas interfaces com a sociedade, a política, a educação e a cultura”. Caracteriza-se como um projeto de extensão do Instituto de Biociências da Faculdade de Educação da UNESP de Rio Claro e, atualmente, sua comissão editorial é composta por 9 alunos da graduação e pós-graduação da universidade, além da docente responsável pelo projeto e de 4 colaboradores. O Biosferas tem um caminho marcado pela interdisciplinaridade, estabelecendo diálogos com profissionais da educação, do jornalismo e da ciência. Por isso, além do processo de produção de matérias e artigos para o periódico – basicamente de cunho científico - o jornal também entende que as imagens são textos; que suas disposições, cores, fontes e tamanhos são relevantes porque comunicam discursos, conforme se observa nos “logos” abaixo (edições especiais de 2012, 2013 e 2014, respectivamente):
Figura 1. Fonte: http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_artigos.php
A despeito do olhar estético-jornalístico, o periódico preocupa-se em postar em sua página matérias e/ou artigos periodicamente, contando com as contribuições de professores, pesquisadores e alunos que estejam interessados em divulgar ciência na rede. Agregado à atividade da produção de informação e reflexão sobre DC, o Biosferas estabelece parcerias e promove eventos relacionados à ela, como o XIX Encontro Nacional de Empresas Juniores da Unesp e a II Jornada de Divulgação Científica: Diálogo entre Ciência, Mídia e Cultura, – ambos realizados em 2013. A escolha das produções textuais que constarão do jornal online é realizada pela comissão editorial, que prioriza alguns critérios de seleção ao mesmo tempo em que orienta os coautores a redigirem diferentes tipos estruturais de textos jornalísticos; dão dicas de escrita; informam os direitos de conteúdo (informações detalhadas no endereço: http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_publicacao.php. O periódico compartilha seu conteúdo também no Facebook, possibilitando maior interação entre a produção científica e seu leitor, na tentativa de estabelecer uma DC mais eficaz por meio dos compartilhamentos e das postagens que essa rede social proporciona. Abaixo, algumas das temáticas de 2013 e 2014 disponibilizadas no site da UNESP-Rio Claro.
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Figura 2. Fonte: http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_artigos.php
A partir da estrutura descrita até aqui, o jornal tem compreendido que ainda são necessários mais (e contínuos) esforços para o avanço do Biosferas como uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade. Entretanto, tomando como parâmetro o início do projeto e comparando-o com as produções atuais, muito já se avançou.
UM PANORAMA EDUCOMUNICATIVO Indiscutível parece ser o papel (e o valor) da informação na educação, bem como o da educação para se ler uma informação na contemporaneidade. O esvaziamento dos discursos, a democracia mal interpretada, a super valorização do sujeito em detrimento de suas relações coletivas… Todas estas questões têm trazido discussões sobre a coexistência do velho e do novo: a imprensa, a televisão, o rádio, a internet, passam pela necessidade de, segundo Burke (2006, p.263), “terem sua estrutura institucional repensada”. Não se anulam, mas se ressignificam. É neste contexto que se discute se a educação, assim como a comunicação, têm pensado em si mesmas como produtoras de conhecimento. Afinal, ambas carregam consigo a obrigatoriedade de perceber as múltiplas racionalidades a partir das quais podem ser pensadas as mudanças civilizatórias atuais, inclusive os processos de elaboração, divulgação e percepção da ciência.
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Atualmente, o conhecimento – inclusive o científico - apresenta-se como algo a ser discutido tanto do ponto de vista espacial (onde está e como circula) quanto do antropológico (quem o constrói e porque o divulga). Sobre essa circunstância, MartínBarbero comenta que A dispersão e a fragmentação, cuja culpa atribui-se aos meios, como se se tratasse de um efeito perverso, adquirem no plano das relações entre produção social e conhecimento um sentido outro, já que é disperso e fragmentado que o saber está podendo escapar ao controle e à reprodução que imperam em seus lugares legitimados de circulação. (Martín-Barbero, 2014. p.80)
Sendo assim, nota-se a importância dos espaços educativos – formais ou informais – serem lugares de comunicação significativa; o inverso também é verdadeiro: os espaços comunicacionais precisam ser lugares de educação crítica, “ecossistemas comunicativos”, segundo conceito de Soares (2011, p.44). Buscando compreender e apreender as sobreposições inegáveis entre educação e comunicação, a Divulgação Científica surge como possibilidade educomunicativa, tentando dar conta das demandas colocadas anteriormente. Sobre tal necessidade, Citelli (2011) afirma: A questão central, quando se busca alcançar políticas emancipatórias e de vida – ambas vinculadas e interdependentes, no compósito de construção identitária e autorrealização - , tendo em mira o amplo quadro educativo em suas interfaces com a comunicação […] está em atualizar as relações entre sujeitos/agentes professores e alunos, atentando para as mediações patrocinadas pelas múltiplas circunstâncias comunicacionais que os circundam. (Citelli, 2011, p.75)
Tentar estabelecer, portanto, uma textura dialógica entre o símbolo e a constituição da subjetividade é o que se propõe a fazer o jornal online Biosferas, apresentado e contextualizado no capítulo seguinte.
DIVULGANDO CIÊNCIA – RELATANDO EXPERIÊNCIA As produções do Biosferas em 2014 tiveram um diferencial, se comparadas às anteriores: o diálogo do Ensino Superior com a Educação Básica. Além de ter sido usado como material didático de leitura em sala de aula e facilitador pedagógico para o professor de Ensino Médio, o jornal viabilizou a produção de textos de divulgação científica através da ótica adolescente, estimulada pela leitura do Biosferas. A partir da primeira reunião de pauta do jornal na UNESP-Rio Claro (2014), começaram as discussões sobre possibilidades de troca entre a graduação e o ensino médio. Cogitou-se visitação à uma escola particular do município de Engenheiro Coelho, no estado de São Paulo, a fim de que o jornal fosse apresentado a seus discentes como um caminho de inteiração social e divulgação de saberes. A proposta se fundamentaria na coautoria desses alunos nessa mídia e, em caso de aceite da escola indicada, todos os textos seriam avaliados pela comissão editorial do Biosferas mediante critérios técnicos de adequação de linguagem e conteúdo.
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Como resultado dos primeiros contatos entre Universidade e Ensino Médio, alunos de 17 e 18 anos (2ºs e 3ºs anos do E.M.) produziram textos que versavam sobre Biologia e Física, a partir dos recortes que mais lhe interessavam em sala de aula. Como exemplo, seguem os últimos parágrafos dos artigos selecionados para a Edição Especial de 2014: Portanto, não existe milagre para se alcançar uma boa forma física com saúde: decisão, persistência e paciência. #partiu #corposaudável (Aluna A) Então, você, antes de dizer que minha irmã e eu somos “clones” um do outro, lembre-se: Não é clonagem. É mais do que genética... É brotheragem! (Aluno B) Nunca se deve deixar a vida em segundo plano! Um momento de descuido pode custar a vida de alguém e, por isso, a informação e a prevenção são a alma do negócio! (Aluna C) Quando o embrião é fecundado, ele é implantado no útero da mulher. Mas, dependendo da idade da mulher, mais de um embrião é implantado, por isso muitas mulheres que passam pelo procedimento acabam gestando gêmeos, trigêmeos etc. (Aluno D)
O que se repara de inovador nos textos dos alunos-autores da escola parceira tangencia questões da ordem da gramática de uso e da do deslizamento de discursos: a) o uso de hashtags no corpo do texto (#partiu #corposaudável); b) o neologismo a partir do anglicismo na concepção das ideias (“brotheragem”); c) a paráfrase na resignificação do discurso (“a informação e a prevenção são a alma do negócio”); d) a reiteração de termos na confirmação de um processo (“embrião”, “mulher”). Notadamente se vê a “marcação de território” do adolescente, tanto por meio de seus registros linguísticos quanto do sentido que dá à escolha dos temas: saúde/regime; clonagem; acidentes domésticos; fecundação. Tais marcadores, ao mesmo tempo em que contrapõem, igualmente complementam a multidiversidade do jornal quando comparados aos textos de professores e jornalistas, também coautores do Biosferas. Destes últimos, alguns exemplos seguem abaixo: Colaborar para uma mudança de atitude desses futuros cientistas e engenheiros em relação à mídia exige um movimento por parte de outras universidades e instituições do país de oferecimento de disciplinas semelhantes, bem como cursos voltados para cientistas, técnicos e interessados atuantes na pesquisa brasileira. Com uma geração de cientistas mais consciente sobre seu papel no diálogo e transferência do conhecimento com a sociedade, todos têm a ganhar com a melhoria da qualidade da divulgação científica. (Pesquisadora e professora no Ensino Superior) Assim, ainda que a sensação final seja a de que “há muito o que fazer”, é preciso reconhecer que em termos de tecnologia e inovação o país tem avançado muito e sua projeção internacional nesta área é motivo de orgulho e compromisso em divulgar que há pesquisadores muito qualificados desenvolvendo sérias e importantes pesquisas para o mundo! Estamos na era digital e cada vez mais conectados com o futuro! (Professor de Biologia no Ensino Médio) O que quis exemplificar com este relato é que o processo de “ministrar aulas” é parecido, a meu ver, com o de “fazer ciência” em laboratório: tanto professor quanto cientista precisam dar/criar condições à informação científica de poder se tornar útil ao beneficiário da “descoberta” (seja ela feita em laboratório ou em sala de aula). A partir da apropriação e do
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entendimento do conceito científico, o receptor da informação passa a opinar sobre temas que envolvam a ciência do cotidiano. (Professor de Física no Ensino Médio) Enfim, a ferida está aberta. E sangra. Antes de serem benéficos, os TDC parecem mais um corpo estranho no organismo estudantil, infeccionando mais do que restabelecendo... Fica o convite a professores, alunos e pesquisadores de todos os níveis para pesquisas-ação que proponham intervenções mais dialógicas na Educação Básica quanto ao ensino de ciências. Os resultados do IDEB estão aí como sintomas. Lamentá-los não seria a cura. (Professora e pesquisadora no Ensino Superior)
Já nestes registros (igualmente retirados dos parágrafos finais dos textos dos autoresespecialistas) observa-se que: a) os períodos sintáticos são complexos e há um apego maior ao registro formal; b) há presença recorrente de elementos de coesão lexical; c) a preocupação com questões sociais relacionadas à questões educacionais é marcante; d) o IDEB como fator delimitador do contexto educacional no Brasil é algo que preocupa docentes e pesquisadores. Estabelecendo um comparativo entre as produções textuais de alunos e professores, é interessante perceber que a despeito do registro linguístico diferenciado, a intencionalidade comunicativa de ambos os sujeitos é muito semelhante; há uma vontade de contribuir para a melhoria do social, do estilo de vida, do conhecimento, do “ser e estar no mundo”. Esta necessidade de produzir e comunicar informação relevante apenas reitera o que Kaplún disse em 1998: […] quando se aspira a uma sociedade global humanizante, não avassalada pelo mercado, pela competitividade e pela homogeneização cultural, e sim edificada sobre o diálogo, a cooperação solidária e a reafirmação das identidades culturais, o desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos atuantes aparece como fator altamente necessário, e em torno do qual gravitam outros aspectos; como acontece, alias, com a participação política e social. (Kaplún, 1999, p.75)
E aqui se entrelaçam a educomunicação com a divulgação científica: comprometemse com uma convivência saudável entre escola e informação, professores e alunos, especialistas e leigos, currículo e vida.
DIVULGANDO (CONS)CIÊNCIA? Um jornal online de cunho científico e utilitário; uma linguagem acessível; uma significação ao conteúdo escolar; uma divulgação maciça de informação; um ambiente democrático de participação: o que mais pode se esperar de uma ação educomunicativa de sucesso?; é possível compreender que a Divulgação Científica seja uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade? A resposta talvez venha do contraponto entre os propósitos da DC, de acordo com Albagli (1996) – educacional, cívico e de mobilização popular – e da Educomunicação que, segundo Soares (2011), são:
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• Dialogar com o poder público – e mesmo com a iniciativa privada que atua no campo – sobre a necessidade e viabilidade de aplicar as propostas inovadoras da abordagem educomunicativa ao contexto pragmático […]; • Promover a formação de educomunicadores; • Fortalecer o Ensino Médio Integrado – […] garantir que a educomunicação possa efetivamente contribuir para a construção de novas práticas pedagógicas, com maior interconexão entre áreas, docents e projetos didáticos. (Soares, 2011, p.83)
A partir destas costuras, conclui-se que o projeto Biosferas, dentro de seu escopo, corresponde aos anseios educativos e cívicos do pensamento educomunicativo; porém, ainda se faz necessário um trabalho especificamente destinado à “mobilização popular”, ao “dialogar com o poder público”, ao “sair do papel/da rede”, e “ir pras ruas”. Se isso não tem aconteceido, é provável existir algum fator bloqueador entre o descobrir da ciência e sua mobilização popular. Talvez ambas as instituições – educação e ciência – estejam competindo pelo domínio do poder-saber em lugar de compartilharem o conhecimento para a necessária reflexão dos múltiplos conteúdos que são disponibilizados por uma e por outra. Aqui caberiam as indagações lidas na apresentação da obra de Agamben (2009), quando propõem uma tentativa revolucionária de “profanação”: Como, nos nossos dias, (...) parar a máquina governamental em que parece ter se transformado toda a política, e ter acesso a uma nova política, uma política da amizade, calcada numa outra experiência do tempo e capaz de nos expor às exigências de compartilhamento da existência das quais não podemos nos esquivar. (Agamben, 2009, p.11)
Quem sabe, a partir dos levantamentos desta pesquisa, as ações educomunicativas possam oferecer caminhos para estas questões, reiterando, inclusive, o pensamento de Rancière (2010, p.11): “Quem estabelece a igualdade como objetivo a ser atingido, a partir da situação de desigualdade, de fato a posterga até o infinito. A igualdade não vem após, como resultado a ser conseguido; mas, sim, deve ser entendida como pressuposto de seus participantes e projetos, principalmente nos sócio-políticos.
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Concursos infantis de beleza: uma forma de se projetar profissionalmente Children’s beauty pageants: a way to project oneself professionally A n t o n i o J o r g e F e r r e i r a K n u pp 1
Resumo: Na contemporaneidade, os concursos infantis de beleza vêm se difundindo por diversos países do mundo, inclusive o Brasil. Pais e mães que desejam projetar os filhos, especialmente as meninas, como modelos, atrizes, apresentadoras de programas infantis etc., vêem esses eventos como uma forma de alcançar tais objetivos. Este trabalho busca investigar como a cultura dos concursos infantis de beleza vai modelando pensamento e comportamento das aspirantes a miss, bem como problematizar como a competição, a vitória e a exposição da imagem tem sido acionada dentro de tais eventos, levando a um consumo exagerado e valorização excessiva da beleza, pregando a cultura da magreza e da espetacularização. Para isso, optou-se em analisar três concursos infantis de beleza: regional, estadual e nacional respectivamente. A pesquisa situa-se no campo dos Estudos Culturais e dos Estudos de inspiração Etnográfica Pós-Moderna. Foram feitos diários de campo (fontes de informações enriquecedoras no que diz respeito às transformações ocorridas nas sociedades ocidentais atuais). Além disso, outros artefatos (jornais, revistas, programas de televisão e sites) que circulam em múltiplas instâncias da cultura foram articulados a esses diários. Também foram consideradas discussões sobre beleza, mídia e espetáculo.
Palavras-Chave: Infância. Concursos Infantis de Beleza. Consumo. Espetáculo. Gênero.
Abstract: Children’s beauty pageants have spread through several countries, including Brazil. Parents who wish to project their children, especially girls, as models, actresses and presenters of children’s programs, see these events as a way to achieve these goals. This paper aims to investigate how the culture of children’s beauty pageants has been modeling the thoughts and behavior of aspiring misses, as well as discuss how competition, victory and image exposure have been incorporated into such events, leading to over-consumption and excessive appreciation of beauty, stimulating the culture of thinness and show business. Three children’s beauty pageants: regional, state and national, respectively, were chosen to be examined in this paper. The research is situated in the field of Cultural Studies and Postmodern
1. Professor do curso Superior de Tecnologia em Estética e Cosmética da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Mestrando em Educação da referida universidade. E-mail: knupp2013@gmail.com
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Concursos infantis de beleza: uma forma de se projetar profissionalmente Antonio Jorge Ferreira Knupp
Ethnographic Studies. Field diaries were filled since they are source of enriching information regarding the changes in today’s Western societies. In addition, newspapers, magazines, television programs and websites were linked to these diaries. Beauty, media and entertainment discussions were also considered.
Keywords: Childhood. Children’s Beauty Pageants. Consumption. Show Business. Gender.
INTRODUÇÃO TÍTULO DESSE artigo funciona como uma provocação para pensar sobre algumas
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estratégias perversas adotadas pelos pais e mães para projetarem suas filhas, com idade entre 1 e 12 anos, em carreiras profissionais de modelos, atrizes, apresentadoras de programas televisivos etc. Busquei investigar como a cultura dos certames infantis de beleza modela pensamento e comportamento das pequenas misses. Além de problematizar como a competição, a vitória e a exposição da imagem têm contribuído para a valorização excessiva da beleza infantil feminina e práticas exageradas e descontroladas de consumo. Para isso, analisei concursos infantis de beleza locais, estaduais e nacionais a partir da perspectiva teórica dos Estudos Culturais2 e de estudos de inspiração etnográfica3.
A BELEZA CONTEMPORÂNEA Segundo Vigarello (2006) o padrão de beleza do século XX, valorizava a altura, o bronzeamento, privilegiando um corpo magro, musculoso e que se movimentava com leveza. Ainda de acordo com esse autor a criação, na década de 1930, do cinema colorido impulsionou “uma fábrica de belezas” com o surgimento de linhas próprias de produtos que carregam o nome das “estrelas” ou dos profissionais que as produzem (Max Factor e Helena Rubinstein, por exemplo). Valendo-se do cinema, a beleza se metamorfoseou nesse século: “maquiagem, penteado, roupa aproximavam bruscamente a jovem banal da estrela de cinema” (VIGARELLO, 2006, p. 163). Em pleno século XXI, a beleza do século XX permanece, mas vem acrescida de diversas outras exigências. Essa beleza contemporânea apresenta-se diante de nós como uma obrigação de fazermos investimentos para “atingir o inatingível”. Investimos em maquiagens; em produtos para os cabelos; em bronzeamentos artificiais; em cremes para rejuvenescer a pele e/ou retardar o envelhecimento; em práticas para (re)modelar os corpos (lipoescultura, massagem modeladora, musculação, natação, caminhada etc.); em alimentos diets, lights, cápsulas da beleza etc.; em cursos de especialização 2. Adota-se neste artigo a constituição dos Estudos Culturais em Educação como uma “ressignificação e/ ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica” (COSTA, SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 54). 3. Segundo Winkin (1998, p. 132) a etnografia hoje é ao mesmo tempo uma arte e uma disciplina científica, que consiste em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma disciplina que exige saber estar com, com outros e consigo mesmo, quando você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte que exige que se saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que você estudou) e, portanto que se saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte de escrever. São estas três competências que a etnografia convoca.
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(além dos referidos cito mais alguns: a nutrição, a educação física, a medicina estética, a biomedicina) para podermos executar tais procedimentos. Na próxima seção faço uma breve contextualização das competições infantis de beleza.
CONCURSOS INFANTIS DE BELEZA Neste momento é importante informar que os primeiros certames infantis de beleza surgiram na década de 1960 nos Estados Unidos e na Inglaterra e tiveram inspiração nos certames adultos. No Brasil, os registros de concursos de beleza, categoria adulta, datam de 1900, quando a jovem Violeta Lima Castro conquistou o primeiro título de Miss Brasil. Nesta época, os espetáculos não tinham uma continuidade e as vencedoras não viajavam para disputar títulos no exterior conforme acontece hoje, até mesmo porque estes eventos não existiam. Já os certames infantis de beleza no Brasil têm origem borrada, pois em conversa com alguns promotores e organizadores dessas competições, obtive respostas divergentes. Mas, de acordo com as reportagens de alguns jornais, os certames surgiram no final da década de 1970 e se expandiram com muita rapidez tornando-se uma “febre”. Muito provavelmente, esta multiplicação se deve ao incrível retorno financeiro que geram: [...] concursos de beleza infantis têm produzido uma série de indústrias de apoio, incluídos os estilistas, os consultores de preparação, os treinadores para entrevista, os fotógrafos e os editores, isso sem mencionar as outras indústrias de “ajuda” de beleza, tais como cosméticos, redução de peso. [...] Em alguns casos, os pais investem muito dinheiro em maquiadores, cabeleireiros e treinadores para ensinar as crianças determinados estilos de modelagem e desfiles na passarela (GIROUX, 1998, p. 43).
É importante mencionar que existem, na atualidade, pelos menos quatro eventos com o nome Miss Brasil Infantil. Segundo reportagens em jornais e revistas sobre o tema, isso acontece porque nenhum evento pode registrar o nome do país para obter exclusividade. Assim com o escopo de ganhar dinheiro, os promotores criam diversos concursos com o mesmo nome. No Brasil, por exemplo, tanto uma empresa quanto uma pessoa física podem realizar um concurso de beleza, sendo o único requisito ter interesse nesse tipo de evento. Não existem leis que determinam como os certames devem ser administrados e as regras são criadas de acordo com os interesses de cada promotor.
UM CERTO TIPO DE SER MENINA NA CONTEMPORANEIDADE Na atualidade as transformações sociais, políticas e econômicas inventam diversas possibilidades de viver a infância, ou seja, tem-se a infância midiática, a erotizada, a digital, a adultizada etc. Todos esses tipos de ser criança são construções sociais presente no meio cultural em que elas estão inseridas. Dentro dessa lógica, as infâncias contemporâneas, entendidas nesse artigo são como um artefato social e histórico, e não simplesmente como uma entidade biológica (STEINBERG e KINCHELOE, 2004). Na Idade Média, por exemplo, não havia diferença entre crianças e adultos, ou seja, elas participavam diretamente do mundo deles, pois não havia ainda o discurso de que as crianças precisavam de um tratamento diferenciado. Já na modernidade as
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crianças eram tidas com seres ingênuos e dependentes dos adultos. Nesse período, professores, psicólogos, pais e a sociedade em sua amplitude consideravam os estágios de desenvolvimento biológico da criança como fixos e imutáveis (FELIPE e GUIZZO, 2003). Pensando nos concursos infantis de beleza, as meninas, em especial, estão cuidando de seus corpos, se embelezando de forma sensual e muitas vezes erotizadas, enfim, tornado-se meninas-mulher. A preocupação com a produção corporal dessas meninas começa muito cedo com hidratação, bronzeamento, depilação de sobrancelha, buço, pernas, alisamentos dos cabelos, massagem, escovas, próteses e clareamentos dentários, maquiagens, cílios artificiais, unhas postiças e pintadas, seios e bumbuns postiços. Todos esses recursos estéticos, antes inimagináveis, são oriundos das representações de beleza que emergem na contemporaneidade. Para Beck e Guizzo (2014): É característica cultural e social (...) fortes e maciços investimentos nos corpos com o intuito de constituí-los dentro de padrões que reforçam sinônimos de moda e embelezamento, veiculados pelas instâncias sociais e culturais (p.180).
Na sociedade contemporânea os certames infantis de beleza4 reforçam, especialmente nas meninas, a importância de esconder, atenuar, disfarçar marcas, pintas e cicatrizes corporais, mesmo aquelas que, de modo geral, consideramos “simples”. Em prol da beleza, por exemplo, mesmo que se tenha uma cabeleira sem sinais de envelhecimento (quase impossível na infância) e farta, se aconselha colocar uma extensão, pois a miss vale-se de uma produção excessiva para atingir a beleza. Tais práticas vão reforçando, nessas meninas, que é preciso investir em embelezamento para se atingir os padrões de beleza “produzidos na esteira da cultura e do social” (BECK e GUIZZO, 2014, p. 181) e “que os investimentos e [essas] práticas são empreendidos não somente para se aceitarem, mas – principalmente – para serem aceitos aos olhos de quem as vê” (BECK e GUIZZO, 2014, p. 181). Nessas competições busca-se investir na aparência do corpo, em produções estéticas e práticas corporais atravessadas pelo consumo e pela espetacularização que conduzem a um borramento de fronteiras entre a infância e a fase adulta. Percebo que na cultura dos certames infantis de beleza são construídas e disseminadas várias formas de comportamentos, de atitudes, de desejos de conquistas que são celebrados como valores dominantes. Desta forma, mães, candidatas, familiares, patrocinadores etc. são capturados por determinadas ideias de competição e vitória e, portanto, capazes de se sujeitarem a determinadas práticas (cílios e unhas postiças, apliques de cabelos, coloração e mechas nas madeixas, bronzeamento artificial, tom de voz adequado, sorriso e gestos programados etc.) impostas dentro de tais eventos. Esse conjunto de coisas (muitas consideradas recentes) está adentrando dentro do universo da beleza, capturando a menina-mulher que faz carreira dentro da beleza a partir do instante em que há uma visualização espetacularizada de sua imagem. Tais práticas vão compondo uma série de “lições” cujo aprendizado seria obrigatório e necessário para se tornar uma pequena miss.
4. Julgo importante ressaltar nesse momento que outros concursos de beleza, além do de miss, também se valem de tais práticas, mas percebo que níveis bem menores. Já ouvi de promotores e diretores de eventos de beleza a afirmação de que “uma miss é montada” e “miss funciona no truque”.
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Segundo assertivas de Costa (2009, p. 36), “as crianças de hoje nascem dentro da cultura consumista e crescem modelando-se segundo seus padrões e suas normas”. Nesse sentido, as aspirantes a miss infantil, e, talvez suas mães e seus pais, são interpelados/ as pela sociedade do consumo e do espetáculo, ambicionando serem “famosas”, “comentadas”, “desejadas”, “vitrines”. Além disso, desejam ser filmadas fotografadas, vistas e admiradas.
ALGUNS ENSINAMENTOS DOS CONCURSOS INFANTIS Nas competições infantis a busca por uma beleza inalcançável é constante e permanente, sendo preciso investir em produções, em treinos de passarela, de postura e de comunicação (não só em saber se expressar bem, mas saber o que pode e o que não se pode falar). Todas essas condutas vão servir para demonstrar que a beleza nesse tipo de competição “precisa ser paga” (GIROUX, 1998, p. 13) e com grandes investimentos financeiros. Em um dos concursos que eu observei, a mãe da vencedora investiu aproximadamente 20 mil reais para desbancar as demais concorrentes na disputa estadual. Entre os gastos estavam à contratação de cabeleireiro, maquiador, estilista, dentista, acompanhante para o show de talento, treinador para entrevista, professor de dança. Além de investimentos em roupas, calçados, acessórios, brindes para jurados, despesas com deslocamento, alimentação, hospedagem, aluguel de ônibus para torcida, valor de inscrição etc. Essas práticas elaboradas para o universo da preocupação com a beleza vão subjetivando essas pequenas meninas e inventado novos modos de ser/ estar/viver a infância. Trago dois excerto de um dos concursos que observei para pensar sobre essas práticas de subjetivação:
‘Só em sapatos eu gastei aproximadamente dois mil reais. Não existe numeração dessas coisas (sapatos) para crianças pequenas. Eu tiver que mandar fazer seis pares para o evento: uma bota azul marinho escura para usar com vestido de mesma cor, outra bota azul claro para usar com vestido claro, mais uma bota para o traje típico, uma sandália de salto alto na cor prata para desfilar com o vestido de gala, um sapato preto básico, outro vermelho para usar com a roupa de couro vermelha. Além disso, mandei fazer também boinas, bolsas e cintos para combinar com diversas roupas. As boinas eu mandei fazer, pois são acessórios a mais que o cabeleireiro dela gosta de usar nos penteados’.
Relato informal da mãe da vencedora infantil
Minha filha tem 4 anos, mas não sai de casa sem maquiagem e não gosta de andar sem salto alto. Relato informal da mãe de uma aspirante a miss infantil Nessas competições a miss ou aspirante a miss coleciona guarda-roupas de vestidos, sapatos, trajes típicos, trajes para apresentações de “talentos”, trajes para desfile gala etc. Estes a partir do momento em que são adquiridos já começam a perder o brilho
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e novos desejos por objetos inéditos surgem de forma inextinguível. A curta duração dos produtos usados por uma miss nada mais é do que estratégia de marketing e sede de lucros que movimentam o concurso visto como uma forma de se obter retornos financeiros. A apoteose das novas ofertas do agora e a difamação das antigas [referindose aos produtos usados pela pequena miss ontem e/ou que ela estar usando nesse instante] faz “a maioria das coisas perder seu brilho e sua atração com rapidez (...)” (BAUMAN, 2008, p. 31 e 45). A menina que já ostenta títulos de beleza acaba sempre sendo convidada a fazer shows de talento, apresentação de dança, desfilar em aberturas ou intervalos de competições para exibir a coroa/tiara, a faixa conquistada etc. Essa pequena miss que vai aos eventos, abrilhantar e espetacularizar, se torna um corpo performance. Dela se exige competências e habilidades, destrezas, atitudes, capacidade de relacionamento, dinamismo, liderança etc. permanentes que vão agregando valor no mercado competitivo da cultura dos certames. Trago um excerto de um concurso estadual que trata dessas exigências: As meninas entravam na sala do júri sozinhas, sentavam em uma cadeira e os jurados faziam perguntas. Percebi que as meninas pareciam “treinadas”, dando respostas previsíveis e ensaiadas. Concurso estadual Nesse momento ela se transforma em trabalhadora infantil. Dela se exige e se cobra responsabilidade, preparação, prestação de serviço para o promotor do evento (declamar uma poesia, dançar ou cantar etc.). Ela se torna um produto, sempre buscando aperfeiçoamento e investimentos em si mesma para ser uma mercadoria vendável, desejável e competitiva (MACHADO, 2013). A realização desse tipo de trabalho funciona como o “abrir das portas” para essas crianças se projetarem no mercado de trabalho remunerado seja como modelo, atriz, apresentadora de programa infantil etc. Essas meninas passam por diversas seções de fotos, assim como as modelos profissionais que fazem campanhas publicitárias; participam de entrevistas para avaliar desenvoltura, habilidades, competências, disponibilidades para se dedicar ao título caso seja a vencedora (igual a um adulto que é submetido a uma entrevista de emprego); desfilam como profissionais, entre tantas outras práticas. Segundo a reportagem “Miniatura de Miss”, da revista Veja (edição online de vinte e oito de maio de 2014), a vencedora do Mini Miss Brasil 2014, Lívia Monteiro, de oito anos de idade, recebeu a faixa e a coroa aos prantos e comentou: “Estou muito feliz, acho que vai ser bom para minha carreira”. Certamente que isso ocorreu, pois dias depois de ser anunciada com a menina mais bela do país ela viajou para São Paulo e para o Rio de Janeiro acompanhada pelos assessores (empresários que gerenciam sua carreira) para fechar contratos de imagens. Sim! Projeção profissional antes dos 12 anos de idade! Em diversas reportagens (jornais, programas de televisão e revistas) feitas com a pequena miss ela afirmou que na primeira semana após o concurso ela recebeu mais de duas mil solicitações de amizade no Facebook. O mesmo já havia acontecido com a Miss Brasil Infantil 2008 Natália do
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Amaral Stangherlin, duas vezes Little Miss World (2008 e 2009)5. As meninas participantes de tais eventos são inseridas no mundo da publicidade e da moda “desde sempre” e acabam tendo suas imagens comodificadas, mercantilizadas e consumidas. Os certames vão ensinando as meninas que para se obter sucesso na vida e se tornar ganhadoras é preciso cuidar do corpo (serem e permanecerem magras) e investir em práticas de embelezamento. Essa preocupação com o corpo de acordo com Felipe (2014) tem acontecido desde muito cedo, pois a mídia tem representado os corpos infantis gordos como resultados de descontrole e indisciplina. Nesse sentido, “o corpo feminino parece estar sempre colocado para devendo ‘arrasar a exibição, em qualquer lugar’” (FELIPE, 2014, p. 37). As pedagogias dos concursos infantis têm ensinado as meninas que para elas obterem sucesso, serem valorizadas e admiradas, precisam estar dentro de padrões de beleza estipulados e ainda consumindo produtos para fazer girar o mercado. E para finalizar esse recorte da minha dissertação, retomo a palavra perversa que inicie esse artigo, pois ela me levou a (re)pensar nas atitudes de pais e mães que expõem as filhas que estão começando a dar os primeiros passos ou ainda que nem sabem andar em competições de beleza. Essas meninas são apresentadas em roupas provocativas, com caminhar e coreografias erotizadas, excessos de maquiagens, penteados rebuscados, salto alto etc. ficando expostas diante de pessoas desconhecidas, plateias barulhentas e comissões avaliadoras. Muitas meninas ficam assustadas, choram, pedem para sair da passarela, mas são forçadas a permanecerem para satisfazer os desejos de pais obcecados em transformá-las em personalidades famosas. Esses pais são capazes de atitudes perversas, desumanas e muitas vezes inimagináveis. A revista News de 17 de maio de 2011 apresentou uma reportagem na qual a mãe confessa ter aplicado injeções de botox no rosto da criança de oito anos para que ela pudesse se destacar em competições de beleza. Já a revista online The mirror, de outubro de 2012, trouxe a imagem de uma menina de 1 ano e 3 meses (fig. 1) usando peruca loura comprida, unhas das mãos e dos pés pintadas, maquiagem carregada e bronzeamento artificial.
Figura 1. Aloka-Romanine Liddle
5. Concurso realizado na cidade de Guayaquil (Equador) que recebe aspirantes a miss de todas as partes do mundo.
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Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo Communication, Cultural consumption and Education: the mediations and agents in social practices of young university students from São Paulo D ay s e M a c i e l
de
A r aujo 1
M a r c i a P e r e n c i n To n d a t o 2
Resumo: O objetivo deste artigo é compreender como os jovens conseguem ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os sujeitos podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade, e em diferentes contextos de Comunicação e Educação. Buscou-se identificar a produção de sentidos de diferentes fontes de informação, para os entrevistados, na escolha de sua carreira e construção do seu futuro. Como hipótese partiu-se da reflexão de Daniel Goleman: “num momento em que a tecnologia e o excesso de informação geram distrações a cada minuto criou-se um geração sem foco, com dificuldade de desenvolver a capacidade de concentração.” O método de “entrevista individual focalizada” tomou por base os apontamentos de Lopes, Bauer & Gaskell, Haguette e Tondato. Os discursos foram analisados segundo os fundamentos teóricos da Análise de Discurso de linha Francesa (Orlandi) e conceitos da Sociologia sobre a sociedade contemporânea de Maffesolli, Oliveira, Cortella e Sayão. A interface “Comunicação e Educação” embasou-se em Baccega e Citelli. A investigação científica ancorou-se em modelos metodológicos qualitativos aplicáveis aos estudos de recepção. Os resultados revelaram que os universitários entrevistados - legítimos representantes da “tribo pós-moderna” de Maffesolli - administram seus problemas com informações advindas do mundo digital e material e em permanente interação com pares e familiares.
Palavras-Chave: Comunicação e Educação; Juventude contemporânea; Sociedade da informação.
Abstract: The purpose of this paper is to understand how young people can be focused to act and make decisions in contemporary society, in which people can access convergent and divergent information with speed, and in different contexts of Communication and Education. We tried to identify the production of meanings of different sources of information for the respondents, in choosing 1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (São Paulo-SP), email daysema@terra.com.br. 2. Pós-Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (São Paulo-SP), email mptondato@gmail.com.
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their career and build their future. As a hypothesis, starting point was the reflection of Daniel Goleman: at a time when technology and information overload generate distractions every minute, has been created a generation without focus, hard to develop the ability to concentrate. The chosen method was an individual interview based on the authors Lopes, Bauer & Gaskell, Haguette and Tondato. The answers were analyzed according to the theoretical foundations of the French Discourse Analysis (Orlandi). Concepts of Sociology on contemporary society included the authors Maffesolli, Oliveira, Cortella and Sayão. The interface “Communication and Education” is based in the authors Baccega and Citelli. Scientific research anchored on qualitative methodological models applied to audience studies. The results revealed that students legitimated representatives of the “postmodern tribe” of Maffesolli - manage their problems with the information coming from digital and the material world and in constant interaction with peers and family.
Keywords: Communication and Education; Contemporary youth; The information society.
1. INTRODUÇÃO TEMA DESTA investigação surgiu de uma reflexão sobre uma afirmação do psi-
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cólogo norte-americano, Daniel Goleman (Revista Exame, 2013) o qual defende que “num momento em que a tecnologia e o excesso de informação geram distrações a cada minuto criou-se um geração sem foco, com dificuldade de desenvolver a capacidade de concentração.” Através da técnica de entrevista focalizada buscou-se identificar a produção de sentidos de diferentes fontes de informação para jovens universitários de São Paulo (abril/maio 2014) na escolha de sua carreira e construção do seu futuro. O problema de pesquisa prendia-se à seguinte pergunta: como os jovens conseguem ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os sujeitos podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade, e em diferentes contextos de comunicação? Ao final das análises verificou-se que os jovens utilizam simultaneamente fontes físicas (anotações manuais, livros, revistas) e digitais (internet) para buscar informações. Em paralelo, ouvem e respeitam as instituições tradicionais como a escola e a família, além de interagir com pessoas de sua confiança (amigos, profissionais especializados). Dessa maneira filtram, hierarquizam as informações e mantém o foco para tomar decisões − no âmbito pessoal e profissional − com o intuito de construir um futuro seguro e prazeroso.
1.1. PRINCÍPIOS DE ESCOLHA DA ABORDAGEM DO OBJETO DE PESQUISA Metodologia quantitativa e qualitativa No âmbito dos processos de recepção e contextos socioculturais articulados ao consumo, a pesquisadora Dra. Marcia Perencin Tondato esclarece que “diferentes tipos de informação sobre o homem e a sociedade são coletados em maior profundidade e de
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forma mais econômica de maneiras diferentes, e é o problema sob investigação que dita o método de investigação” (Tondato, 2014). Para Tondato, a maioria dos investigadores sociais reconhece que não existe uma oposição entre o qualitativo e o quantitativo, mas uma complementaridade.
O processo de pesquisa no campo da Comunicação Com relação à pesquisa científica no campo da Comunicação, a pesquisadora Maria Immacolata Vassalo de Lopes considera que “a historicidade é um a priori essencial para se compreender e avaliar a situação da pesquisa em determinado lugar” (Lopes, 2005, p.15). A socióloga aponta como ponto de partida de uma pesquisa em Comunicação a identificação do paradigma científico que fornece como que um “reservatório disponível” das possibilidades teóricas, metodológicas e técnicas num dado momento de uma situação social determinada (2005, p. 95).
Metodologia qualitativa: o objeto da pesquisa Haguette (1999) defende que a pesquisa qualitativa não é apenas uma alternativa aos métodos quantitativos. Aquelas permitem a compreensão profunda de ações sociais nas quais se privilegia conhecer seus aspectos subjetivos: “os métodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser” (Haguette, 1999, p. 63). Ao optar pelo método qualitativo e coleta de dados através de entrevista, o pesquisador poderá originar vieses na construção de seu roteiro tanto pela forma (palavras, expressões, uso ou apresentação pessoal muito diferente da situação social do entrevistado, entre outros) como pela seleção dos pontos a serem abordados. Os fatores subjetivos que podem causar distorções em entrevistas incluem desde o nervosismo do informante perante o entrevistador até o fato de, eventualmente, se sentir subjugado pelo entrevistador.
Metodologia qualitativa: a entrevista em profundidade Sanchez-Vilela (2004) também aponta que os sentidos produzidos na recepção e circulação são tecidos na oralidade cotidiana. Alertando para as limitações desta metodologia (interferência não intencional do investigador que supostamente pode alterar as respostas dos sujeitos observados) refletiu sobre a fase de análises dos dados coletados. Para autora, em todos os fenômenos sociais observáveis há opacidades a serem analisadas pelos conceitos da Análise de Discurso. As “descrições densas”, advindas de trabalho empírico pela técnica de entrevista em profundidade, irão complementar e melhorar a compreensão do processo de recepção.
Metodologia qualitativa: a construção do corpus Bauer e Aarts (2002) apresentaram a ideia de “construção do corpus”, a partir da linguística, como um substituto, em pesquisas qualitativas, para a amostragem representativa: uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com a inevitável arbitrariedade conforme já apontada por Barthes em 1967. Os autores indicam que um caminho da investigação é a abordagem específica projetada para
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uma finalidade de pesquisa estritamente delimitada. Salientam que tal corpora deve ser composto de materiais relevantes, homogêneos e sincrônicos no período de tempo. No presente estudo optou-se por este caminho.
Metodologia qualitativa: a técnica de entrevista individual Gaskell alerta que “o mundo social não é um dado natural, sem problemas: ele é ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob condições que elas mesmas estabeleceram” (Gaskell, 2002, p. 65). Desta forma, parte-se do pressuposto que a compreensão da vida dos entrevistados é o objetivo principal de uma pesquisa qualitativa. Através de entrevistas individuais, se houver uma boa interação entre entrevistado e entrevistador pode-se explorar os detalhes, ouvir sua história de vida, resgatar a memória, porém se houver constrangimento o objetivo não será atingido. O pesquisador aconselha que dados devam ser coletados até observar o ponto de saturação.
Análise dos dados coletados: os fundamentos teóricos da ADF O objetivo da Análise de Discurso, segundo Eni Orlandi (2007, 31-57), é descrever o funcionamento do texto. Nesta ótica realizar a “leitura” de um texto passou a ser conhecer a sua discursividade que leva em consideração a subjetividade do autor do discurso, os elementos linguísticos utilizados e, principalmente, a história contextual na qual o discurso foi produzido. Segundo Fiorin (2007), “o enunciador é o suporte da ideologia, vale dizer, de discursos que constituem a matéria-prima com que elabora seu discurso. Seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social. Não é livre para dizer, mas coagido a dizer o que seu grupo diz” (Fiorin, 2007, p. 41-42). Para interpretar as vozes dos estudantes que participaram da pesquisa empírica, tomamos primeiramente como referência Baccega (1998), a qual considera que a ADF é muito mais eficaz para as complexas pesquisas no campo da Comunicação: “lugar para onde convergem os discursos sociais e de onde emergem os discursos outros que, amplificados pela tecnologia, ocupam espaços e promovem silêncios” (Baccega, 1998, p. 81).
1.2. A INTERFACE DAS SUBJETIVIDADES DO ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO Subjetividades do sujeito autor, sujeito analista e do sujeito leitor Apreendemos pela visão de Eni Orlandi que o papel do analista de discurso é oferecer diferentes leituras de um texto a um sujeito leitor. A pesquisadora explica que o gesto do analista é determinado pelo dispositivo teórico enquanto o gesto do sujeito autor é determinado pela sua ideologia. E lembrando que estão presentes nas interpretações as subjetividades, simultaneamente, do sujeito autor, do sujeito analista e ainda do sujeito leitor. Ao escrever, o analista deverá explicar a produção de sentidos que levaram à sua proposta de leitura, relacionando a base teórica à metodologia utilizada. Orlandi recomenda, enfaticamente, que a compreensão deve preceder a interpretação. E, através da escrita, isto deve ficar claro ao leitor.
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1.3. O SUPORTE TEÓRICO PARA A ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS A cultura contemporânea De acordo com Don Slater (2002), a ideia de uma cultura contemporânea está claramente ligada aos fatores: predomínio da informação, da mídia e dos signos; desagregação da estrutura social em estilos de vida; prioridade geral do consumo sobre a produção na vida cotidiana e constituição de identidades e interesses. Slater (2002, p. 188) advoga, referindo-se ao slogan baudrillardiano, de “que já não consumimos coisa, mas somente signos”. Em sua visão, no contexto atual, ocorre um fenômeno no qual se desmaterializam objetos, mercadorias com reflexo na economia e na sociedade como um todo. E indica pelo menos quatro processos sociais diferentes: 1. Os bens não materiais desempenham um papel cada vez maior na economia e no consumo. Em termos gerais, há uma mudança notável no centro de gravidade econômica das atividades manufatureiras para as de prestação de serviços. 2. As mercadorias materiais vêm sempre acompanhadas de um componente simbólico abstrato como a “estética da mercadoria” que inclui design, embalagem e imagens de propaganda. 3. Esse conjunto, materialidade + simbolismo, se espraia na mediação dos bens sob a forma de representações nos produtos midiáticos. 4. O processo de produção está sendo cada vez mais governado por funções intelectuais que envolvem saber, ciência e conhecimentos especializados. Com uma visão mais otimista, o filósofo francês Michel Maffesoli acredita que a pós-modernidade se caracteriza pela “sinergia” do arcaico e do desenvolvimento tecnológico. Na contemporaneidade as “tribos pós-modernas” florescem justamente graças à expansão da internet e da tecnologia. Maffesoli argumenta que se trata de um paradoxo, pois “ao longo de todo o século XIX e de boa parte do século XX a técnica se empregava, essencialmente, para racionalizar a vida social e eliminar tudo o que pudesse ser da ordem do emocional, do afetivo e das paixões” (Mafesolli, em entrevista concedida a Castelo, 2012).
A juventude do Século XXI Na sociedade contemporânea, temos um fato novo, profundo e abrangente, o qual afeta as pessoas de todas as gerações. A grande mudança é o aumento da expectativa de vida. E a maior longevidade dos seres humanos resulta na convivência de diferentes gerações. Para analisar os dados coletados em nossa pesquisa, nos concentraremos na observação dos valores das gerações dos pais e dos próprios entrevistados que se encontram na faixa dos 17 aos 24 anos. Provavelmente seus pais encontram-se na faixa dos 45 aos 55 anos. Assim, estamos falando das gerações conhecidas como Babyboomers e X, dos pais, convivendo com a geração Y, dos filhos conforme Oliveira (2012) sintetizou, no Quadro 1:
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Quadro 1. Classificação geracional Nome
Nascidos nas décadas
Centro da geração
Características
Principal ansiedade
Belle Époque
1920 / 1930
75 anos
Idealistas Sonhadores
Disciplina
Baby Boomers
1940 / 1950
60 anos
Estruturados Construtores
Revolução
Geração X
1960 / 1970
45 anos
Céticos Tolerantes
Facilidade
Geração Y
1980 / 1990
22 anos
Desestruturados Contestadores
Inovações
Geração Z
2000 / 2010
10 anos
Conectados e relacionais
Equilíbrio (?)
Fonte: Sidnei Oliveira, 2012.
Os Babyboomers questionaram as intolerâncias de todas as ordens − étnicas, poder patriarcal, preferência sexual − e alteraram para sempre o papel da mulher. Como consequência, a educação dos filhos passou a ser mais liberal. Quando as pessoas das gerações Babyboomer e X tornaram-se pais procuraram proporcionar aos filhos mais bens materiais, mais conforto, mais privacidade e principalmente mais tempo de estudo. Vale lembrar que essa geração cresceu na era da sociedade da informação, com a popularização da internet a partir de 1995. Porém, ficou apenas mais fácil acessar os dados, não necessariamente compreendê-los. De acordo com a “Classificação Brasileira de Ocupações” (Manual do Ministério do Trabalho e Emprego) há, no mercado de trabalho brasileiro, 147 áreas profissionais, com 2.511 diferentes ocupações. E a maior variedade, muitas vezes, provoca dispersão e insegurança. Sobre este aspecto, a psicóloga Rosely Sayão afirma que existe hoje um grande equívoco de pais e jovens: a tentativa de escolher a profissão perfeita. Para Sayão uma consequência dessa ilusão é o altíssimo número de matrículas de alunos que já haviam começado outro curso, mas desistiram por achar que a nova opção seria determinante para sua vida profissional. Em sua opinião, “as carreiras mudaram muito, e hoje as pessoas podem ser mais criativas sobre as várias possibilidades de atuação em uma mesma área, respeitando suas aptidões” (Sayão, 2012).
A internet e a escola A internet é um marco definitivo no comportamento global da sociedade e, certamente, a principal ferramenta na transposição de comportamentos entre os diversos países e culturas. Os jovens da geração Y já perceberam isso e são os mais engajados nessa transformação cultural. Como veremos mais adiante, os entrevistados vivem conectados às redes sociais e utilizam a web para realizar suas pesquisas escolares. Em paralelo, não dispensam as fontes tradicionais de informação (livros, revistas e as aulas presenciais). Neste sentido, Cortella (2009) ressalta que a geração Y adora a escola, pois é um local de encontro e uma “experiência sociocultural insubstituível”. E esclarece que uma parte do conteúdo escolar é que parece ultrapassada ou extremamente datada para esses
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jovens, ao contrário de antigamente, quando a escola era quase que fonte exclusiva para acesso ao conhecimento letrado. E lembra ainda que “hoje há uma multiplicação de fontes de informação tornando-a apenas mais uma” (Cortella, em entrevista concedida a Mesquita, 2009).
Mediações Os conceitos da obra de Jesús Martin-Barbero, “Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia” foram abordados no paper de Desirée Cipriano Rabelo (1998) que analisou esta e outras obras do autor. A autora observou que Martín-Barbero transformou definitivamente os estudos da recepção propondo um trabalho qualitativo e uma perspectiva teórico-metodológica distinta de outros aportes como as das pesquisas de audiência: “o estudo de recepção segundo Barbero quer resgatar a iniciativa, a criatividade dos sujeitos, a complexidade da vida cotidiana como espaço de produção de sentido, o caráter lúdico e libidinal na relação com os meios” (Rabelo, 1998). Para o propósito do nosso trabalho destacaremos o que Rabelo qualificou como uma reflexão brilhante de Martín-Barbero: o cotidiano, por não estar inscrito diretamente na estrutura de produção, é considerado despolitizado e insignificante pelas teorias críticas. A investigação e a análise do cotidiano trazem outras informações: nas práticas cotidianas estão as chaves para a recepção. Os diferentes modos de ler as mensagens estão muito ligados às tradições, preocupações e expectativas da vida prática de cada um. Em linha com as reflexões de Rabelo, Luiz Signates aponta que Orozco-Gómez se apropriou do conceito de “mediação” e o estendeu uma vez que Martín-Barbero não o elaborou em termos mais concretos. Para Orozco-Gomez “as fontes de mediação são várias: cultura, política, economia, classe social, gênero, idade, etnicidade, os meios, as condições situacionais e contextuais, as instituições e os movimentos sociais” (Signates, 1998, p. 44).
2. A PESQUISA EMPÍRICA 2.1. O PASSO A PASSO PARA A COLETA DOS DADOS Para a investigação, elegeu-se a abordagem qualitativa para a metodologia e a técnica de “entrevista focalizada” para a coleta de dados. Foram entrevistados dez estudantes de gêneros diferentes, cinco no início e os demais no final da graduação, pertencem à camada socioeconômica alta portanto não representam a diversidade dos universitários paulistanos. O roteiro de entrevista individual começava com uma pergunta de “aquecimento”, investigando o cotidiano do estudante. Evoluía para perguntas sobre as diferentes formas de informação para estudar, tomar decisões e iniciar a carreira profissional para, finalmente, abordar a questão central da nossa pesquisa: qual era o conceito de foco para o estudante?
2.2. SOBRE O CORPUS Observa-se no Quadro 2 que os entrevistados nasceram entre 1990 e 1997 fazendo parte, portanto, da denominada geração Y a qual descrevemos anteriormente.
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Quadro 2. Dados dos entrevistados Entrevistado
Idade
Fase da Graduação
Curso e Instituição
Gabriel
17 anos
1º semestre
Administração de Empresas na FEA-USP (SP)
Lucas
19 anos
1º semestre
Publicidade e Propaganda na ESPM (SP)
Alessandra
23 anos
2º semestre
Publicidade e Propaganda na ESPM (SP)
Isabela
18 anos
3º semestre
Comunicação Social na ESPM (SP)
Paulo
20 anos
3º semestre
Jornalismo na ESPM (SP)
Fernanda
21 anos
6º semestre
Relações Internacionais na ESPM (SP)
Guilherme
22 anos
7º semestre
Relações Internacionais na FAAP (SP)
Angelina
21 anos
último ano
Comunicação Social na ESPM (SP)
Jaqueline
24 anos
último semestre
Administração de Empresas na PUC (SP)
Rafael
21 anos
último ano
Comunicação Social na ESPM (SP)
Fonte: Elaborado pelas autoras (2014).
2.3. A ANÁLISE DOS DADOS No contato inicial com os jovens, observamos que se encontram inseridos em famílias estruturadas da forma tradicional, com a presença dos pais e dos irmãos convivendo no mesmo ambiente de forma harmoniosa (Gabriel: pra praia... é o que a gente gosta de fazer, então eu minha mãe, meu pai e meu irmão...). Jaqueline, por exemplo, declara que “a gente se dá super bem” e que seus pais “moram juntos”, paráfrase para indicar que não são divorciados. Angelina contou que nas férias viaja com a família. Apreendemos de seus discursos que os estudantes convivem em um ambiente participativo e liberal no qual suas opiniões são ouvidas e respeitadas. Este quadro é compatível com a descrição de Sidnei Oliveira que explicou as razões de a geração Babyboomer e X serem pais liberais em relação aos seus filhos, em oposição aos avós, disciplinados, da geração Belle Époque. A evidência dessa prática vem de Lucas que relatou sua estratégia de sair de Vitória (ES) para vir estudar na ESPM em São Paulo: “minha família é muito liberal.[...] A única coisa que foi muito difícil de convencer foi a de morar em outro estado.” A palavra “liberal” opõe-se à “conservadora” no contexto familiar. No interdiscurso sobre o perfil comportamental das famílias, trata-se de atores sociais que respeitam as vontades e necessidades de seus membros sem descuidar de sua segurança (os pais tinham medo que ele saísse de um ambiente conhecido e seguro para viver em outro desconhecido). Porém, Lucas é um autêntico “Y”, busca a inovação. E fica implícito, pelo não-dito, que respeita os pais, isto é, não os contesta frontalmente, pois buscou convencê-los a apoiá-lo argumentado e negociando. Inferimos ainda, com base em Fiorin, que Lucas revela, no seu discurso, sua ideologia ao valorizar a família. Não buscou desconectar-se dela como faziam os jovens rebeldes dos anos 1960: “seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social” (Fiorin, 2007).
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Atividades cotidianas dos jovens e o contexto familiar Gabriel: não sou aquele aluno que não vai nas aulas. Tô acompanhando tudo direitinho... Jaqueline: tenho 2 irmãos... A gente se dá super bem... Lucas: no sábado eu costumo sair pra balada,...domingo, eu gosto muito de cozinhar. Fernanda: duas vezes por semana eu vou pra academia / no final de semana... eu gosto bastante de assistir televisão, a noite ir pra bar, balada / Eu faço italiano de sábado. Alessandra: fico estudando sozinha de final de semana / pra praia a minha programação é sempre convidar alguém pra ir, pegar o meu carro e ir... tb, não ligo se eu for sozinha. Guilherme: eu costumo sair pra ir pra balada com meus amigos / vou pro treino de jiujitsu Rafael: moro com meu pai, minha mãe e meus irmãos. Angelina: alguns dias vou para um Happy Hour (após o trabalho) / Férias: viajo, com minha família. Paulo: eu estudo na ESPM pela manhã, trabalho às tardes / ocasionalmente pratico esportes Isabela: eu trabalho das três às nove horas da noite / chega em casa e tem a família ... tem namorado, tem rede social que acaba chamando atenção.
A rotina típica desses jovens inclui estudar, trabalhar, sair com amigos, conviver com a família inclusive nos momentos de lazer (apenas Alessandra demonstra ser a mais independente), ver televisão (Fernanda) e praticar esportes com uma conotação de vida bem organizada (Isabela) e previsível. Outro aspecto que surgiu refere-se à frequente e intensa convivência pessoal com os amigos. Esta prática foi mencionada por Cortella ao se referir ao fato que os jovens adoram a escola, local de “experiência sociocultural insubstituível”. Por analogia, inferimos que os jovens não dispensam a convivência pessoal com seus colegas e familiares em paralelo à conexão pelas redes sociais. Dessa maneira demonstraram pertencer às “tribos pós-modernas” descritas por Maffesoli.
Fontes de informação: tudo junto e misturado, agora! De acordo com Don Slater (2002, p. 188), uma das características da sociedade contemporânea prende-se a uma ótica do autor, segundo a qual “o processo de produção está sendo cada vez mais governado por funções intelectuais que envolvem saber, ciência e conhecimentos especializados.” Dessa forma, inferimos que os universitários entrevistados tenham sido educados em instituições que disponibilizaram todas as plataformas de conteúdo para o processo de ensino-aprendizagem. Implicitamente, no interdiscurso da sociedade contemporânea, uma escola boa é aquela que melhor prepara seus alunos para obter os melhores empregos ou ser um empreendedor de sucesso. Em ambos os casos vencerá o que tiver melhor domínio das ferramentas para conectar-se, informar-se e destacar-se no seu campo de competição. O primeiro aspecto que surge é a diversidade de fontes e a forma natural com que os jovens incluem em suas pesquisas objetos físicos e digitais (Jaqueline: Uma ferramenta que eu uso muito é o Google Acadêmico). E sem deixar de dar importância aos familiares, professores (Rafael: pede indicação para os professores de livros), pares (Lucas: Quando eu tô com dúvida, vou muito atrás de amigo meu) e profissionais especializados (Gabriel: fiz uma orientação vocacional) na temática que buscam se aprofundar.
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Gabriel: fiz uma orientação vocacional... a certeza total que era Administração que eu ia fazer foi no dia que eu passei, que saiu o resultado. Jaqueline: Uma ferramenta que eu uso muito é o Google Acadêmico... livros na biblioteca / na fase de procurar o primeiro estágio... (empresa SAP) eu entrei no site, pesquisei bastante, entrei em contato com este meu amigo... para a dinâmica, eu conversei bastante com os meus pais. Lucas: Quando eu tô com dúvida, vou muito atrás de amigo meu, mais do que de professor/ (lazer). A gente pega uma agenda da semana, sempre sai no jornal, no site. Fernanda: prefiro primeiro estudar sozinha e depois estudar em grupo / acabo usando ou o slide ou o livro do professor, eu anoto bastante em sala de aula. Alessandra: (conectada à internet quando estuda);“não, não fico”/ Eu tenho déficit de atenção, eu tenho que estar 100% focada pois qualquer coisinha me desfoca muito fácil. Guilherme: Tem matéria que eu pego só assistindo aula e tem matéria que eu preciso parar e ler depois. Rafael: busca a informação muito mais pela Internet. TCC precisa buscar em bastantes lugares... pede indicação para os professores de livros... também tem que entrevistar aos profissionais que trabalham no projeto ou consumidores... biblioteca eu tenho que ir bastante. Angelina: fico sempre (conectada), volto a olhar o celular. Paulo: recorro bastante... aos meios de comunicação tradicionais... fontes confiáveis... os jornais Estadão, Folha, O Globo (do Rio de Janeiro) e revistas / recorro a uma rede de contatos para poder buscar um especialista. Isabela: estudo muito na véspera, eu tenho as minhas anotações de aulas... e tenho os slides dos professores... um livro que eles passam... caso eu não tenha tudo no meu caderno...vou ver na Internet, coisas práticas / pontos turísticos, pergunto para quem já conhece aquele destino.
Além de manipular com destreza todas as fontes de informação (ninguém falou que não sabia navegar na internet, consultar um livro ou dialogar com um especialista), confiam em si próprios: Isabela: estudo muito na véspera, eu tenho as minhas anotações de aulas; Fernanda: prefiro primeiro estudar sozinha; Gabriel: a certeza total que era Administração que eu ia fazer foi no dia que eu passei, que saiu o resultado. Como já registramos anteriormente neste trabalho, Rabelo (1988), ao estudar a obra de Jesus Martín-Barbero considerou brilhante a reflexão do pensador sobre a importância do cotidiano na América Latina e criticou as teorias que “só apontam para manipulação e dependência, para um sistema impositivo e de fonte única onde só existem dominantes e dominados”. O estudante Paulo revelou a sua condição de sujeito social crítico quando declarou: “recorro bastante... aos meios de comunicação tradicionais... fontes confiáveis... os jornais Estadão, Folha, O Globo (do Rio de Janeiro)... recorro a uma rede de contatos para poder buscar um especialista”. Paulo tem consciência que pode haver manipulação dos dados nas matérias veiculadas pelos meios de comunicação “tradicionais” por ele mencionados. Assim ao diversificar as suas fontes de informação o estudante considera um operador cultural da sociedade contemporânea, o qual intui não ser neutro, e também representantes do seu cotidiano. O especialista pode ser um consultor profissional, um professor, um empresário, enfim, atores sociais ao alcance de sua rede de contatos.
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Vale a pena interpretar a palavra “tradicional” que Paulo utilizou para qualificar os jornais. Dependendo do contexto, “tradicional”, no sentido polissêmico, pode significar velho, ou conservador e até mesmo atemporal. Se o estudante considerasse os jornais velhos, com viés pejorativo de serem descartáveis, não os incluiria em suas pesquisas. Se adotar o significado de conservador, talvez, neoliberal, pode ser que queira comparar o conteúdo a uma visão oposta, possivelmente de cunho socialista. Neste caso estaria operando dialeticamente ao buscar elementos antagônicos − tese e antítese − para propor a síntese. Neste aspecto revela ser um sujeito crítico. E, finalmente, na hipótese de considerar aqueles veículos de comunicação atemporais, revelaria um poder de julgamento característico de um sujeito articulado ao raciocínio complexo e longe de representar o perfil da geração Y apontada por Sidnei Oliveira como “desestruturado”. Adotando qualquer uma das hipóteses, encontramos em Paulo um sujeito social com boa base educacional e ainda jovem, revela sua maturidade e criticidade em relação aos interdiscursos presentes na sociedade relacionados aos meios de comunicação.
Processo para priorizar atividades Para conhecer os critérios de escolha e as formas de agir dos universitários ao resolver problemas difíceis elegemos a técnica de registro das histórias de vida dos estudantes. Selecionamos nos trechos abaixo dois dilemas frequentes que os jovens relataram. Um se refere ao conflito interno de concentrar-se em apenas uma atividade quando têm compromisso no curto prazo: Angelina: um trabalho na faculdade tenho tudo aberto (na tela) mas quando...precisa de muita concentração eu fecho tudo. Guilherme: eu vou colocando pequenos objetivos pra mim / acabo essa página dou uma pausa de 10 minutos, tomo um café,...vejo se aconteceu alguma coisa no Facebook. Lucas: eu sou muito metódico... eu boto um horário. O outro envolve decisões dos jovens que, na ótica do momento, repercutirão ao longo de suas vidas, como a carreira (Jaqueline) ou um relacionamento afetivo (Alessandra): Jaqueline: eu fiz gastronomia,... eu tava um pouco frustrada, porque não era o que eu queria... com quem eu mais conversei foi a minha irmã... dicas da profissão busquei com amigos. Alessandra: Convencer a minha mãe de que meu namorado quer ser alguém na vida, porque só pelo fato dele ser uma pessoa humilde e não ter dinheiro ela acha que ele não é um cara pra mim... Nas duas situações foram recorrentes as menções da influência das mediações conceituada por Jesús Martín-Barbero em 1987 e, de acordo com Signates, estendida por Guillermo Orozco-Gómez posteriormente. No contexto em que há, hoje, no Brasil, mais de duas mil possibilidades de ocupações profissionais é esperado que um adolescente se sentisse angustiado, aos 16 anos, ao escolher um caminho profissional na hora que se inscreve no vestibular. E a psicóloga e educadora Rosely Sayão afirma “que existe hoje um grande equívoco de pais e jovens: a tentativa de escolher a profissão perfeita.” (2012).
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Orozco-Gomez incluiu as instituições nas fontes de mediação. Dentre elas, destacamos a família como influenciadora na produção de sentidos dos sujeitos em diálogo. Jaqueline se aconselhou principalmente com a irmã para convencer os pais da necessidade de recomeçar seus estudos no Ensino Superior. Alessandra negocia com a mãe e defende sua confiança no namorado para poder namorar em paz. Aparentemente as interações pelas redes sociais estão mais presentes no conflito de administração do tempo quando o jovem se vê obrigado a escolher entre estar ou não conectado. E esta escolha não é sem sofrimento. Já nas situações ligadas à esfera da independência para fazer escolhas pessoais prevalecem as influências das mediações familiares.
Conceito de foco E finalmente discute-se o problema de pesquisa: como os jovens conseguem ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os sujeitos podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade, e em diferentes contextos de comunicação? Gaskell (2002) recomendou coletar dados até observar o ponto de saturação, isto é, o ponto a partir do qual não surgem novos fatos a serem interpretados. Embora a amostra fosse de apenas dez entrevistadas observou-se que o conceito de foco para os estudantes é muito similar: identificar o objetivo, hierarquizar as atividades e agir até chegar ao resultado esperado. Em geral, quase todos explicaram “foco” da mesma forma. A única ressalva a ser apontada é que fazer escolhas para um tem conotação renúncia, de sofrimento (Gabriel), mas para outro é uma motivação positiva de realizar um sonho (Lucas). Em suas vozes: Gabriel: acho que é quando você consegue, ... é ter determinação. Jaqueline: é você definir uma direção, você traça estratégias para alcançar isso. Lucas: Eu acho que foco é uma projeção, é um sonho. Fernanda: Eu acho que é você sentar e pensar em alguma coisa, meio que se esforçar para aquilo Alessandra: No momento da minha vida é a faculdade. Guilherme: Não se distrair com coisas supérfluas e se manter.. Rafael: O objetivo é concluir aquela tarefa... sem deixar que nada te atrapalhe. Angelina: Foco é começar e terminar uma atividade. Paulo: Foco é... Você ir direto ao centro de uma determinada questão. Isabela: eu diria traçar metas, mas realizar ações que tenham relação com este assunto.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Identificamos que os jovens entrevistados utilizam todos os recursos disponíveis para buscar informações. Em suas práticas sociais estabelecem conexões concretas e virtuais em interação com dispositivos físicos e digitais, sem dispensar o calor do contato humano para refletir, tomar decisões e atingir seus objetivos. Para Martín-Barbero, a revolução tecnológica afeta todos os meios de comunicação que hoje são constituídos não só por novas máquinas, mas também novas linguagens, escritas e saberes. Para o autor, estamos diante de um novo “ecossistema educativo”. Na
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interface do campo da Comunicação e Educação Citelli observa que o tema da educação “em particular no seu âmbito formal, [...] pede, de maneira crescente, o estreitamento dialógico com informações e conhecimentos gerados em fontes indiretamente escolares” (Citelli, 2014, p. 71). Os entrevistados, mediados pelas instituições e pelos dispositivos de comunicação físicos e digitais, são privilegiados pela sua condição socioeconômica e apoio familiar. Fica a pergunta: quais seriam as práticas sociais de um estrato diferente das características desses entrevistados?
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Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
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A imagem da língua portuguesa na mídia The image of the portuguese language and the media Maria
do
Carmo Souza
de
A l meida 1
Resumo: Em maio de 2011, um episódio sobre questões relacionadas ao ensino de língua portuguesa de grande repercussão nos meios de comunicação do Brasil foi denominado de “a polêmica do livro didático”. Neste ano, em virtude de resultados negativos nas redações do ENEM, em um jornal audiovisual matinal, ouviu-se que “a Língua está virando um dialeto confuso”, e a afirmativa rapidamente gerou discussões nas redes sociais. Compreendendo a cultura como trocas de significados entre os membros de uma sociedade, podemos afirmar que a cultura da mídia contribui para a permanência e a fixação de certos discursos e fenômenos e para a disseminação de certos valores. Pensando desse modo, defendemos que os diferentes cursos de formação de professores necessitam abrir espaço para a reflexão sistemática sobre os discursos veiculados pelos diferentes meios de comunicação. Logo, o objetivo deste trabalho é refletir como a língua portuguesa e o ensino dela têm sido representados pela grande mídia brasileira e, consequentemente, como essa representação repercute nas mídias sociais. Os resultados apontam para uma imagem distorcida do ensino de língua portuguesa que vai de encontro ao que preconiza a educação linguística no Brasil nos últimos anos.
Palavras-Chave: Língua Portuguesa. Mídia. Imagem. Abstract: In May 2011, there happened an episode of great repercussion in Brazilian mass media concerning portuguese language teaching called “the issue on the textbook” because one of the books that Brazilian government had said to be good accepted language variation – which is correct, but not accepted in/by mass media. In the present year, the negative results presented by high school students in the ENEM Exam brought up a comment in a morning news program that said “Portuguese language is becoming a blurred dialect”, a generalized misunderstanding which echoed around the social networking. Comprehending culture as the exchanges of meanings between members of a society, we can say that media culture does contribute to setting and maintaining certain discourses and phenomena as well as to disseminating values. Considering this preview, the aim of the present study is to think over how portuguese language and portuguese teaching have been represented lately in/by the great Brazilian media, and show how this representation reflects on social networking. The results point out that the latest studies in Applied Linguistics and language learning and teaching have a distorted image, being totally disregarded in/by 1. Doutora em Ciências pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté. Professora do Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté. maria.almeida@unitau.com.br
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A imagem da língua portuguesa na mídia Maria do Carmo Souza de Almeida
the great media. Therefore we believe that teachers graduate and post graduate courses should systematically reflect and discuss about discourses conveyed by different mass media comments so they reflect what is actually being done to improve language teaching and learning in Brazil.
Keywords: Portuguese Language. Media. Image.
INTRODUÇÃO O CONTEXTO pós-moderno, dentre os múltiplos fatores que provocam alterações
N
nos modos de vida social e também na construção identitária do indivíduo estão a centralidade e a influência dos meios de comunicação. Deste modo, para Citelli (2014. p.1), os estudos que permeiam a interface comunicação e educação precisam ser compreendidos à luz de várias que variáveis que vão da “abrangência dos meios de comunicação” – as reconfigurações e as operacionalidades – às “novas formas de ser e estar dos sujeitos sociais frente à comunicação, aos processos de ensino e aprendizagem, ao acesso à informação e ao conhecimento”. Considerar as muitas transformações ocorridas na vida social inclui também denotar inúmeras possibilidades de escolhas do indivíduo, o que acarreta a necessidade de uma ação reflexiva por parte dele. Desse modo, a era pós-moderna caracteriza-se justamente pela ideia de constante aperfeiçoamento, isto é, pela possibilidade de reorganizar-se ou refazer-se. E isso vale para as identidades em contínua construção. Destarte, a construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas, estão na esquina esperando que você as escolha. Muitas outras identidades não sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante a sua vida. Você nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe é a melhor que pode obter e a que provavelmente lhe trará maior satisfação. (Bauman, 2005, p.91-92)
As identidades, na “modernidade tardia”, portanto, nunca são unificadas; ao contrário, são “cada vez mais fragmentadas e fraturadas; não são nunca singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos e práticas que podem se cruzar ou ser antagônicas” (Hall, 2007, p.108). Em decorrência de serem construídas no interior do discurso e não fora dele, precisam ser compreendidas “como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas2 específicas, por estratégias e iniciativas específicas”. Não podem, pois, ser pensadas fora dos contextos dos quais fazem parte. Considerar o exposto acima significa também atentar para a seguinte questão: se no mundo hodierno vivenciamos inúmeras transformações, envolvendo tanto aspectos socioculturais quanto sociocognitivos, por que – ainda insistem alguns – a língua 2. Stuart Hall usa formação discursiva no sentido que lhe atribui Michel Foucault em A Arqueologia do Saber: “no caso que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva” (FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995).
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permaneceria inalterada? Se observarmos, o caso específico da língua portuguesa (trazida para o Brasil há mais de quinhentos), sob uma vertente histórica, perseverar na hipótese da permanência, é, no mínimo, absurdo. A heterogeneidade faz parte da constituição das línguas, em virtude de ser por meio delas que temos de dar conta das muitas situações sociais em que nos envolvemos, em nosso dia a dia. Elas são também inevitavelmente voltadas para as mudanças, pois grupos humanos são dinâmicos, e as línguas que eles falam precisam adaptar-se às novas situações históricas. Variação e mudança são propriedades que não impedem a intercompreensão, porque obedecem a uma sistematicidade e uma regularidade, comprovadas por pesquisas de sociolinguistas e de linguistas históricos. Entre outras, a teoria da variação e mudança focaliza essa característica das línguas (Castilho, A., 2010, p.197).
Em maio de 2011, um conjunto de matérias veiculadas pela mídia brasileira ficou conhecido como “a polêmica do livro didático” – falsa polêmica, segundo a visão de Bagno (2011). Um portal de notícias da Internet afirmou que o Ministério da Educação e Cultura havia distribuído um livro que “ensinava a falar errado”. A partir dessa notícia – a frase foi repetida exaustivamente – jornalistas e outros “especialistas”, em diferentes meios midiáticos, censuraram o próprio Ministério da Educação e Cultura, os autores dos livros, o livro e pesquisadores da área da linguagem. De acordo com a visão de linguistas, estudiosos das especificidades da língua portuguesa, dentre os quais citamos Ataliba (2010) e Bagno (2011, 2013, 2014, 2015), o que ocorreu foi um grande equívoco acerca da visão que se tem do que seja uma língua e do que significa ensiná-la seja no Brasil seja em várias outras partes do mundo. Naquele momento, nos principais jornais audiovisuais e portais de notícias da internet, não foi dada aos linguistas pesquisadores da temática ampla oportunidade de posicionamento sobre o fato ocorrido – o que ocorreu, sobretudo, em sites de redes sociais e ou de mídias vinculadas a instituições educacionais –, mas “todas as entidades representativas dos linguistas e educadores brasileiros se manifestaram favoráveis à coleção e protestaram contra a deturpação que a mídia promoveu no conteúdo da obra”, conforme aponta Bagno (2011, p. 942). Neste ano, em comentários acerca dos resultados negativos nas redações do Exame nacional do Ensino Médio (ENEM3), feitos por um jornalista de expressividade em um jornal televisivo matinal da emissora líder de audiência na TV aberta do país, ouviu-se, dentre outras assertivas, que “a língua está virando um dialeto confuso”, e a afirmativa rapidamente gerou comentários nas redes sociais. Desse modo, o objetivo deste artigo é refletir sobre como a língua portuguesa e o ensino dela têm sido representados pela grande mídia brasileira e, consequentemente, como essa representação repercute nas mídias sociais. Para o exame do problema, partimos principalmente dos comentários do jornalista acerca do ensino da língua portuguesa – e seus usos – e a repercussão deles em sites de redes sociais. A observação do fenômeno se faz a partir de campo teórico interdisciplinar. Inicialmente discorremos sobre as implicações entre comunicação, cultura e 3. Não vamos discutir aqui em profundidade os resultados do ENEM, nem as repercussões nas redes acerca desses resultados, pois isso exige uma discussão mais aprofundada; o que faremos em outro texto.
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linguagem; em seguida, pontuamos as relações entre a educação, mídias e língua (e seu ensino) de onde partimos para então ponderar a respeito dos “fluxos de influência” dos discursos entre mídia e escola.
COMUNICAÇÃO, CULTURA, E LINGUAGEM Compreendendo a cultura como trocas de significados entre os membros de uma sociedade, Geertz (2008) defende que a compreensão da cultura de determinada comunidade passa pela assimilação da “teia de significados” que dela emergem. Para o antropólogo: como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis [...] a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível — isto é, descritos com densidade. (Geertz, 2008, p. 10).
A cultura pensada como “um processo, um conjunto de práticas” (Hall, 1997, p.2) , depende de como seus participantes interpretam de forma significativa o que está acontecendo ao seu redor e dão sentido ao mundo de formas muito semelhantes. No entanto, isso não quer dizer que os significados são sempre compreendidos da mesma forma; ao contrário, há uma grande diversidade de significados sobre qualquer tópico e mais de um caminho para interpretar ou representar esse tópico em qualquer cultura (Hall, 1997). Ocorre que se podemos entender a cultura como “um compartilhamento de significados”; eles só podem ser partilhados pela linguagem que é “o meio pelo qual nós damos sentido às coisas e onde os significados são produzidos e trocados”. A linguagem opera, portanto, como um sistema de representações; isto é, como signos e símbolos – sons, palavras, imagens, notas musicais e outros – que representam outras pessoas, objetos, ideias, sentimentos, conceitos. No dizer do autor, “a linguagem é uma mídia por meio da qual pensamentos, idéias e sentimentos são representados na cultura” (Hall, 1997, p.2, tradução nossa). Essa relação intrínseca entre cultura e linguagem pode ser percebida, segundo Costa (2010), ao observarmos que onde existe diferença de linguagem, existe diferença de cultura. Ela afirma também que a linguagem permite 4
ao ser humano distanciar-se de sua contingência – do “aqui/agora” que a experiência imediata propõe. É ela que nos projeta para o futuro, permitindo-nos organizar nossas metas e objetivos, assim como sistematiza o passado, sob a forma de memória. Dessa forma, o simbolismo e a linguagem tornaram o homem um ser histórico, sempre em trânsito entre passado e futuro, um ser não determinado pelos condicionamentos naturais do presente e da herança genética. (Costa, 2010, p.13).
É por meio da linguagem que o significado é construído, ela que o faz circular nas diferentes mídias e nos diferentes momentos ou práticas do nosso circuito cultural – na construção da identidade e da diferença; na produção e no consumo e na regulação da 4. “Culture, is argued, is not so much a set of things [...] as a process, a set of practices”.
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conduta social. Logo, conforme aponta Hall (1997), as linguagens – verbal, imagética, visual, etc – são sistemas de representação justamente porque usam algum elemento – sons, palavras, imagens, cores, roupas, gestos, etc. – para significar ou representar o que queremos dizer. Os significados não estão neles mesmos visto que são somente “veículos ou media” que os carregam porque operam com símbolos que representam os sentidos que desejamos comunicar. São signos. É, portanto, por meio da cultura e da linguagem, que os significados são construídos e partilhados. Na contemporaneidade, ou pós-modernidade, a cultura “passa por desafios imperiosos decorrentes das características históricas” do momento (Costa, 2010, p.65). Há um vínculo estreito entre cultura e meios de comunicação constituindo o que Kellner (2001, p.52) denomina de “cultura da mídia”. Para o autor, a definição hodierna de cultura está estreitamente ligada à comunicação, ou seja, não há mais distinção entre cultura e comunicação, visto que “não há comunicação sem cultura e não há cultura sem comunicação”. Desse modo, a cultura da mídia contribui para a permanência e a fixação de determinados discursos e fenômenos e para a disseminação de certos valores: as narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria identidades pela quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global (Kellner, 2001, p.9).
Deste modo, uma educação, em harmonia com o momento coevo, implica a inclusão de estudos a cerca da mídia e dos processos comunicativos; pois, para nos informar e instruir, é preciso considerar o conteúdo propagado pelos meios de comunicação (Costa, 2013). O espaço educativo formal, em todos os níveis, e com especial atenção às Licenciaturas, exige atentar para essa cultura midiática.
EDUCAÇÃO, MÍDIAS E LÍNGUA Para Martín-Barbero (2014), a educação formal – o “espaço-tempo escolar” não pode mais ser considerado o único local do “saber”, pois está atravessado por inúmeros outros saberes sem lugar próprio e com lógicas de aprendizagens bastante diferentes daquelas estabelecidas pelo modelo escolar. Ele pontua que esses outros discursos não substituem o livro, mas o retira de sua centralidade ordenadora das etapas e modos de saber que a estrutura-livro havia imposto não só à escrita e à leitura, mas também ao modelo inteiro de aprendizagem: linearidade sequencial de esquerda para a direita, tanto física como mental, e verticalidade, de cima para baixo, tanto especial como simbólica (Martín-Barbero, 2014, p.81).
A escola ainda é o local de sistematização dos conhecimentos, porém é urgente considerar a “complexidade social e epistêmica dos dispositivos e processos em que se refazem as linguagens, as escrituras e as narrativas” (Martín-Barbero, 2014, p.82). No dizer de Citelli (2014), a educação formal está em interlocução com os aparatos e dispositivos sociotécnicos, entretanto, é preciso ter em conta que
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O fato de televisores, vídeos, computadores, poderem estar fisicamente ausentes do dia-a-dia da escola não significa que o mesmo ocorra quando se trata das mensagens nele geradas. Elas acompanham o cotidiano dos estudantes e dos professores, sendo reveladas, referidas, discutidas, afirmadas, negadas, promovendo valores, incindindo em comportamentos, etc., ganhando portanto, independência com relação ao lócus maquínico de sua produção. As linguagens ganham tal força simbólica ao se encarnarem materialmente nos compósitos de signos que serão expressos. [...]. Equivale dizer que amplo processo de midiatização circula por sujeitos, grupos, instituições, ajudando a compor modos de vida, formas de cultura, expectativas sociais. (Citelli, 2014, p. 3)
De acordo com o Lopes e Gómez (2014, p.25), “a TV aberta segue sendo o meio que concentra a maior audiência e importância em termos de repercussão no panorama da comunicação ibero-americana”. No Brasil, a televisão ainda é o mais importante meio de comunicação, embora seja crescente o avanço do uso da internet. Segundo Baccega (2003, p.31), o que não está na televisão é como se não tivesse acontecido, porque os meios de comunicação, principalmente a televisão, são os responsáveis por divulgar “as informações (fragmentadas) hoje tomadas como conhecimento, construindo, desse modo, o mundo que conhecemos”. A autora ressalta que informação não é conhecimento, o qual implica observação crítica e prevê a construção de uma visão que totalize os fatos, inter-relacionando todas as esferas da sociedade, percebendo que o que está acontecendo em cada uma delas é resultado da dinâmica que faz com que todas interajam, dentro das possibilidades daquela formação social, naquele pensamento histórico; permite perceber, enfim, que os diversos fenômenos da vida social estabelecem suas relações tendo como referências a sociedade como um todo. Para tanto, podemos perceber, as informações – fragmentadas – não são suficientes (Baccega, 2003, p.31-32).
Para pensar a relação entre as mídias e a escola, Citelli (2012)5 traz o conceito de “trânsitos discursivos multidisciplinares” e pontua a força da linguagem verbal como ponto de intersecção entre os dois campos. Trânsitos, porque, nos dias atuais, esses dois universos estão continuamente conectados e executam movimentos de retroalimentação entre si. Eles têm temporalidades diferentes e níveis de relação igualmente diferenciados. Os discursos das mídias em direção ao espaço educativo são mais frenéticos e fragmentados do que o inverso, em virtude de o tempo da escola ser mais lento. A escola necessita de mais tempo para cogitar os discursos que por ela circulam; talvez, por isso, o faça com mais profundidade, de forma mais sistematizada. Com o termo discurso, Citelli (2012) nos remete às ordens discursivas ou formas de constituição de poderes, isto é, aos “mecanismos de controle” ou “princípios de coerção” que, segundo Michel Foucault (2007), perpassam todas as instituições, em decorrência de determinada ordem de sentido predominar sobre outras em alguns momentos. De acordo com esse princípio focaultiano, não se tem o direito de dizer tudo 5. Esse conceito foi discutido por Adilson Citelli em Mesa Redonda intitulada Comunicação e culturas de consumo: novos desafios para a educação que ocorreu dia 16 de outubro no II Congresso Internacional em Comunicação e Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing – Comunicon 2012.
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em qualquer circunstância, ou melhor, “qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 2007, p. 9); ou ainda, “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo” (Foucault, 2007, p.37). “A polêmica do livro didático”, citada na introdução deste artigo, ilustra bem as ordens discursivas na percepção do autor francês. Já multidimensional abrange três aspectos presentes na escola: a) dinâmicas expressivas diversas, ou seja, diferentes signos circulam pela escola – linguagem verbal, sonora, visual, audiovisual, etc; b) variados dispositivos – embora o discente esteja presente na escola, ele está acompanhada de diferentes meios: telefone celular, notebooks, tablets, etc.; c) muitas possibilidades de produção, pois o aluno pode expressar-se de forma plural. Por fim, Citelli (2012) alerta que “a indústria cultural faz parte do discurso institucional escolar”, visto que é ela produz os milhões de exemplares de livros didáticos utilizados pelos alunos a cada ano. Desta maneira, dentre os diferentes códigos presentes nesses livros e nos discursos que transitam entre a comunicação e a educação está a linguagem verbal. A perspectiva que nos orienta em relação aos usos e ao ensino da língua portuguesa advém da dialogia bakhtiniana, para quem, a língua não pode ser pensada fora de uma situação concreta de utilização, ou seja, a língua é entendida em “sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da lingüística” (Bakhtin, 2005, p.181). Destarte, ela “vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (Bakhtin, 1995, p.124). Os enunciados, ou “unidades de comunicação discursiva”, realizam-se, portanto, em função das necessidades diárias de comunicação do indivíduo (Bakhtin, 2003, p.261). Isso significa que a interação social na qual estejamos envolvidos em diferentes circunstâncias do dia a dia desempenha uma função social em concordância com o papel social que representamos. Deste modo, a linguagem verbal é prática social, mediação, sistema simbólico, possibilidade de ação, ancorada em procedimentos interlocutivos e dialógicos que facultam a construção dos sentidos e seus efeitos, respeitados os diferentes níveis, planos e trânsitos contextuais, cuja realização ocorre segundo fluxos comunicativos presentes na geração/produção, circulação e recepção de mensagens (Citelli, 2006, p. 32).
Perceber a língua ou discurso como prática social (Dijk, 2008, p.12). implica compreendê-lo como um modo de ação, visto que por meio dele os indivíduos podem agir sobre o mundo e uns sobre os outros. Além disso, denota compreender que há uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, isto é, ele colabora para a construção de todas as dimensões da estrutura social e essas mesmas estruturas o moldam e o restringem. Desse modo, discurso contribui para a construção das identidades sociais, das relações sociais entre as pessoas, e da construção de sistemas de conhecimento e crença (Fairclough, 2001). Não existe discurso neutro, visto que “a linguagem está sempre carregada dos pontos de vista, da ideologia, das crenças de quem produz o texto” (Fiorin, 2014, p.74).
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Visto que não existe linguagem neutra, as falas dos jornalistas em relação às afirmativas que originaram a (falsa) “polêmica do livro didático” ou as falas mais recentes6 do comentarista do jornal matinal de grande audiência têm diferentes implicações – vamos nos ater àquelas que remetem à educação linguística: “a língua está virando um dialeto confuso”; “a nossa língua já é muito pouco conhecida no mundo, agora ser pouco conhecida no nosso próprio país, isso nos emudece um pouco”; “com a falta de leitura, o vocabulário é limitado, e aí se usam palavras mais compridas para ter tempo de achar a palavra seguinte. Avião virou aeronave, fim de semana virou final de semana, vender é comercializar; oferecer, disponibilizar, ver, pequenininho, virou visualizar, crime é criminalidade, arma virou armamento”; “ainda se apoiam em muletas da língua: não se veste camisa, não se calça o sapato, apenas se coloca”. As repercussões nos sites de reses sociais, twitter e facebook, acerca desses comentários, em sua grande maioria foram positivas, embora também houvesse posicionamentos contrários. Os compartilhamentos do link do site do jornal demonstram, sobretudo, a boa recepção. Considerar o aspecto dialógico dos discursos midiáticos, como práticas sociais que são, permite-nos compreender a capacidade que eles têm não só de “representar ou designar”, mas também de “construir e inventar” situações, fatos, acontecimentos (Citelli, 2006, p.41). No caso em tela, os comentários do jornalista acabam por evidenciar o desconhecimento das teorias atuais acerca da variação linguística ou de pesquisas sobre as especificidades do português brasileiro (Castilho, 2010; Bagno, 2011, 2013), para ficar só no plano superficial da questão que têm muitas camadas sobrepostas. Voltando-nos, portanto, sucintamente ao aspecto da história da língua, cumpre lembrar que o português brasileiro que falamos hoje foi trazido para o Brasil por mercadores, marinheiros, baixos funcionários, pequenos artesãos, etc. Uma população predominantemente masculina e muito pouco letrada que vinha de diversas regiões de Portugal, por isso falava diferentes variantes do português medieval. Ao amalgamar-se com as línguas indígenas e, depois, com as africanas trazidas pelos homens e mulheres que foram sequestrados de suas terras e escravizados aqui, o português passou por inúmeras transformações (Bagno, 2011, 2013). Assim, a matriz genética do povo brasileiro é resultante da ampla miscigenação de elementos africanos, indígenas e europeus. E a língua que falamos não poderia ficar imune a todos esses profundos e complexos processos sociais, culturais e étnicos. (Bagno, 2011, 2013, p. 28-29)
Importa recordar também, conforme já mencionado na introdução, a heterogeneidade constitutiva das línguas, ou seja, a diversidade decorre de variantes; dentre elas, a variação geográfica (os falantes de um a língua procedem de diferentes lugares), sociocultural (os falantes são de segmentos diferentes da sociedade – escolarizados e não escolarizados, por exemplo), individual (registro – português formal ou informal –, idade, sexo), de canal (português oral e português escrito) e temática (português corrente e português técnico). É interessante ressaltar que essas variações não impedem a comunicação e a intercompreensão entre locutor e interlocutor, que “fazem diferentes 6. Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/01/lingua-esta-virando-um-dialetoconfuso-comenta-alexandre-garcia.html. Acesso em: 15 jan. 2015.
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escolhas no multissistema linguístico, as quais deixarão marcas formais em sua produção linguística” (Castilho, 2010, p197). As mudanças linguísticas são decorrentes, portanto, de diferentes processos sociais (a força das instituições sociais, variações, contatos linguísticos, etc.) e cognitivos (a economia linguística, a gramaticalização e a analogia), conforme aponta Bagno (2014). Ele afirma também que, em geral, as formas linguísticas novas surgem normalmente da fala mais descontraída e, principalmente, das camadas sociais menos prestigiadas (classes média baixa ou classe operária). Com o avanço do tempo, se essas inovações linguísticas passarem a ser usadas também pelas classes médias altas e pelas classes altas, deixam de ser vistas como “erro” e se transformam numa forma “certa”, aceita pela maioria. Quando se incorporam na escrita de textos formais, é porque a mudança já se completou e não tem como voltar atrás (Bagno, 2013, p. 49).
Em síntese, a perspectiva adotada aqui em relação aos usos e ensino da língua portuguesa reconhece que toda situação de comunicação materializada em um texto é “um evento sociocomunicativo que ganha existência dentro de um processo interacional. Todo texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal coprodução se realiza” (Koch; Elias, 2009, p.13). Tendo em vista os aspectos aqui sumarizados em relação aos fenômenos que influenciaram e continuam interferindo nas mudanças linguísticas da língua portuguesa falada no Brasil – uma língua está sempre se modificando, porque, nós os falantes a transformamos o tempo todo (Bagno, 2011, 2013) – e que precisam ser considerados no ensino dessa língua, podemos asseverar que a “nossa língua não está se tonando um dialeto confuso” e também “não é pouco conhecida no Brasil” pelos falantes da língua que lhes é materna. Já afirmativa do jornalista sobre o vocabulário limitado, em decorrência da pouca leitura, mereceria uma discussão mais cuidadosa, mas não é isso o que certamente instiga o falante a “usar palavras mais compridas para ter tempo de achar a palavra seguinte” ou “o motivo de se apoiar em muletas da língua”. Em relação aos comentários e às repercussões nos sites de redes sociais, facebbok e twitter, interessa-nos ainda fazer remissão ao que afirmou o Prof. Adilson Citelli em entrevista concedida à UNIVESP acerca do profissional da Educomunicação: “muitas vezes, as pessoas formadas no âmbito da educação não têm condições de entrar nesse mundo da comunicação, nem tem obrigação” e o mesmo se passa como o comunicador, o qual não é obrigado a discutir questões relativas à educação. Por isso, segundo o professor, a necessidade de um diálogo mais profícuo entre aos dois campos a fim de aproximar as relações da educação com a comunicação. Seria uma forma de estreitar as reflexões sobre “o que a educação pode fazer para a comunicação e o que a comunicação pode fazer para a educação”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que nossas reflexões reafirmam a importância dos estudos que se processam na interface comunicação e educação e a urgência em intensificar nas licenciaturas as discussões que envolvem reconhecer a diferença entre informação fragmentada e o conhecimento da totalidade de um fenômeno a fim de pensar criticamente
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a realidade a partir de um cotejo de conhecimentos oriundos das várias agências de socialização, para, assim, ser possível analisar como se dá a reconfiguração dos sentidos (Baccega, 2011). Logo, significa perceber que a escola, os meios comunicativos e o cotidiano formam um complexo amálgama onde as particularidades de cada um complementam-se enquanto se conflitam (Citelli, 2009). É essencial, portanto, a compreensão, principalmente por quem vai se tornar professor, de que as realidades construídas e divulgadas pelos meios fazem parte da nossa formação identitária (Baccega, 2011). Em virtude de os meios possuírem esse poder de influência, ainda que saibamos que a recepção não acontece de forma passiva, acreditamos que as reflexões sobre os conteúdos midiáticos deveriam ser sistematicamente discutidas na educação formal.
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A imagem da língua portuguesa na mídia Maria do Carmo Souza de Almeida
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental Cognition/visual representation: a study with science and mathematics textbooks at elementary school M aria Ogécia Drigo 1 L u c i a n a C o u t i n h o Pa g l i a r i n i
de
Souza2
Resumo: O artigo apresenta resultados de pesquisa, desenvolvida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, cujo contexto aproxima Comunicação e Educação. Com o propósito de averiguar em que medida as representações visuais contribuem para desencadear processos cognitivos, neste artigo, tomamos como corpus as representações visuais de livros de Ciências e de Matemática que compõem a amostra estratificada com 20% do total de livros, entre os resenhados no Guia de Livros Didáticos – PNDL 2011 – para as séries finais do Ensino Fundamental de Ciências, Matemática, História, Geografia, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira. Após uma primeira sistematização, as diversas modalidades de representação por imagens são classificadas e analisadas sob a perspectiva da semiótica peirceana. A relevância do artigo está na reflexão desenvolvida sobre a relação entre tais imagens e a cognição.
Palavras-Chave: Comunicação Visual. Educação. Representação visual. Cognição. Livro didático.
Abstract: The present paper is a result of a research developed with support from São Paulo State Foundation for Research Supporting (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP), whose context approaches Communication and Education. Its aim is to investigate to what extent visual representations contribute to engender cognitive processes; the paper has, as its corpus, the visual representations from the textbooks of Science and Math that compose the 20% sample of selected books, from the ones reviewed in the Textbooks Catalog - PNDL 2011 (Guia de Livros Didáticos – PNDL 2011) for the final grades of Elementary School, namely: Science, Mathematics, History, Geography, Portuguese Language and Foreign Language. After an initial systematization, the several types of image representation are classified and analyzed from the perspective of Peirce’s Semiotics. Thinking about the relationship between such images and cognition constitutes the relevance of this paper.
Keywords: Visual Communication. Education. Visual Representation. Cognition. Textbooks. 1. Pós-doutora pela ECA/USP. Professora do Programa de Comunicação e Cultura, da Universidade de Sorocaba – Uniso. maria.drigo@yahoo.com.br 2. Pós-doutora com estágio na Universidade de Kassel/Alemanaha. Professora do Programa de Comunicação e Cultura, da Universidade de Sorocaba – Uniso. luciana.souza@prof.uniso.br
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INTRODUÇÃO STE ARTIGO apresenta resultados de uma pesquisa, desenvolvida sob os auspícios
E
da FAPESP, cujo contexto se faz de interseções entre Comunicação e Educação. Do lado da comunicação, há a presença da imagem enquanto representação visual, compondo as mais diferenciadas linguagens; do lado da Educação, o material didático indicado pelo MEC no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2011. A onipresença da imagem em todos os níveis de representação e da psique do homem ocidental ou ocidentalizado torna premente um olhar mais especializado para este fenômeno, inscrito sobretudo na imagem midiática que, conforme Durand (2004, p. 34): Está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como ‘informação’, às vezes velando a ideologia de uma ‘propaganda’, e noutras escondendo-se atrás de uma ‘publicidade’ sedutora.
Para Maffesoli (2005), as imagens podem ser agregadas aos fatores que tecem as relações que configuram a sociedade contemporânea. Trata-se de imagens que brincam, num jogo irônico, com aspectos do cotidiano e que permeiam todas as relações, quer seja por se deixarem ver ou se apresentarem – as representações visuais, de modo geral –, quer seja por incorporarem, em algum aspecto, o imaginário das pessoas. Partimos do princípio de que a imagem invade o contexto pós-moderno de modo anárquico e conforme Maffesoli (2005), pela natureza ecológica de sua construção, ela estabelece correspondências sociais e naturais que favorecem interações. Tais interações podem ser percebidas também no ambiente educacional e nos mais diversos meios, inclusive nos livros didáticos, corpus de nossa pesquisa. Assim se efetiva a interface com a Educação. Para este artigo, como um desdobramento da pesquisa, voltamos nossa atenção para as representações visuais dos livros das coleções de Ciências e Matemática selecionados, uma vez que, considerando-se a primeira sistematização das imagens – exibida em gráficos (Gráfico 1 e Gráfico 2) -, constatamos que há vários aspectos relativos à classificação das representações visuais presentes nos livros didáticos analisados que merecem um olhar mais atento, bem como o excesso delas e a pertinência à cognição. Este segundo aspecto é nosso foco. A observação de coleções de livros didáticos de Ciências e de Matemática levou-nos aos seguintes tipos ou modalidades de representações visuais: reprodução de fotografia (com ou sem pessoas); ilustração ou desenho, que foi subdividida em ilustração com pessoas, sem pessoas e a que utiliza fotografia; mapa; gráfico; tabela; esquema; infografia; retrato (obra de arte, fotografia ou reprodução de ilustração); obra de arte e produto midiático. Nas duas coleções de Ciências, designadas por Coleção A e Coleção B, ambas com quatro volumes destinados aos 6o, 7o, 8o e 9o anos do Ensino Fundamental, encontramos o total de 1.304 e 976 páginas, respectivamente. Contamos 2.067 representações visuais na Coleção A e 2.199, na B, com média de 1,85 representações visuais, por página. Nas duas coleções de Matemática, designadas por Coleção A e Coleção B, com quatro volumes e destinados aos 6o, 7o, 8o, e 9o anos do Ensino Fundamental, encontramos o total de 1.236
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e 1.488 páginas, respectivamente. Contamos 5.095 representações visuais ou imagens na Coleção A e 4.120, na B, com média de 3,4 representações visuais, por página. Gráfico 1. Distribuição das representações visuais nas duas coleções de Ciências por modalidade
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos nas coleções da amostra de livros de Ciências
Gráfico 2. Distribuição das representações visuais nas duas coleções de Matemática por modalidade
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos nas coleções da amostra de livros de Matemática
Consideramos, na perspectiva da semiótica peirceana, que uma disciplina escolar, a Matemática, por exemplo, pode ser vista como linguagem constituída com outras modalidades de representação ou signos, distintas da palavra, como fórmulas, gráficos, tabelas, desenhos, esquemas etc. A gramática especulativa nos fornece as definições e as classificações para análise de todos os tipos de linguagens. Nas palavras de Santaella (2002, p. XIV), este ramo da semiótica ou lógica, além de “nos fornecer definições rigorosas do signo e do modo como os signos agem, (...) contém um grande inventário de tipos de signos e misturas sígnicas, nas inumeráveis gradações entre o verbal e o não verbal até o limite do quase-signo”. Com o objetivo de avaliar a pertinência destas imagens, ou representações visuais, à cognição, apresenta-se uma classificação das representações visuais encontradas nos livros selecionados e, em seguida, a partir da lógica que engendram enquanto signos, realizam-se análises, valendo-se de estratégias metodológicas advindas gramática especulativa, pois deste “manancial conceitual, podemos extrair estratégias metodológicas para a leitura e análise de processos empíricos de signos” (SANTAELLA, 2002, p. XIV).
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CLASSIFICAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES VISUAIS E COGNIÇÃO As representações visuais apresentadas: fotografias, ilustrações (desenhos), gráficos, tabelas e outras podem ser classificadas, na perspectiva da semiótica peirceana, considerando-se sua relação com o objeto. Nessa instância em que signo é sinônimo de representação (lembrando que “representar” é o mesmo que “estar para” ou “fazer as vezes de”), o signo pode ser classificado como ícone, índice e símbolo. Iniciemos com o ícone e suas subdivisões. O signo icônico ou hipoícone se constitui quando a mente do leitor/intérprete resgata relações de comparação entre o signo e o “provável” objeto, que é apresentado pelo signo. Trata-se de uma representação frágil, pois a mediação estabelecida numa relação de comparação tem a natureza de uma hipótese, passível de contestação. São três as modalidades de hipoícone: 1. imagem; 2. diagrama e 3. metáfora. Peirce assim as define: As imagens participam de simples qualidades (...). Os diagramas representam as relações principalmente as relações diádicas ou relações assim consideradas – das partes de uma coisa, utilizando-se de relações análogas em suas próprias partes. (...) As metáforas representam o caráter representativo de um signo, traçando-lhe um paralelismo com algo diverso. (CP 2.277)
As imagens oferecem qualidades ao olhar do leitor/intérprete. Cor, forma, textura e jogos construídos com estes aspectos qualitativos levam a mente do leitor/intérprete a divagações e associações que tecem analogias. As imagens quando muito sugerem seu referente. Já as formas que se relacionam com o objeto e o alcançam, em diferentes nuances, são as figurativas. Sendo assim, no caso específico destas imagens, o caráter icônico é frágil, o que leva a mente do leitor/intérprete à identificação ou à constatação, aspecto reforçado também pela palavra. Para os diagramas, a segunda modalidade do hipoícone, a aparência da representação, ou a semelhança da aparência entre a representação e o representado, não é a condutora do processo interpretativo, mas as relações, “principalmente as diádicas, ou as que são consideradas, das partes de uma coisa através de relações análogas em suas próprias partes” (CP 277). Gráficos, mapas, fórmulas matemáticas são exemplos de diagramas. Em Giovanni (2012, p. 188), encontramos a fórmula: y = -x2 + 4x – 5 (Fig. 1). Diante de duas grandezas “y” e “x”, depreende-se que a primeira é dependente e a segunda independente e que relações se estabelecem entre elas. Estas foram modelizadas, logo, as grandezas “x” e “y” podem ser as mais diferenciadas, ou seja, a generalização está envolvida na construção de modelos, tipo de operação mental presente no “fazer” da matemática. Assim, com a fórmula, as relações são construídas ou reconhecidas com base nas mesmas operações mentais que realizamos quando as percebemos, independentes da matéria em que se realizam. Figura 1. Fórmulas e gráficos
Fonte: Giovanni (9º ano, 2012, p. 188)
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Mas não seria a fórmula um signo de lei, uma vez que essa relação pode se adequar ou se aplicar a contextos diferenciados, ou ainda, por ser construída baseando-se em convenções? Sobre isso, as explicações de Peirce: São particularmente merecedores de notas os ícones cuja semelhança é ajudada por regras convencionais. Assim, uma fórmula algébrica é um ícone tornada tal pelas regras de comutação, associação e distribuição de símbolos. À primeira vista, pode parecer uma classificação arbitrária denominar uma expressão algébrica de ícone; e que ela poderia ser da mesma forma, ou pela mesma razão ainda, convencionada como um signo convencional (...). Mas não é assim, pois uma importante propriedade peculiar ao ícone é a de que, através da sua observação direta, outras verdades relativas a seu objeto podem ser descobertas além das que bastam para sua determinação. (CP 279)
Assim, não é a aparência ou os aspectos qualitativos da materialidade da representação visual que orientam, de modo preponderante, a semiose ou a ação do signo, mas a maneira como os objetos “x” e “y”, no caso, entram na composição da fórmula. Por essa razão, esta se insere na modalidade de hipoícone denominado diagrama. No entanto, quando o aluno vale-se da fórmula para construir o gráfico, outra modalidade de representação das mesmas relações, ou seja, quando ele segue regras e normas que compõem a linguagem matemática, ela se faz símbolo. Neste aspecto, podemos reforçar a ideia de que o signo pode se fazer ícone, índice e símbolo e, num momento ou outro, um deles prepondera. As tabelas e os gráficos também são diagramas. A tabela (Fig. 2), um diagrama um tanto rudimentar, leva a mente do leitor/intérprete a obter informações ao cruzar linhas e colunas. Figura 2. Tabela
Fonte: Trivellato (et al.) (2008, 9º ano, p. 242)
Trata-se de uma representação que utiliza poucas palavras e que permite a construção de caminhos na busca de informações, ou seja, os olhos do intérprete não desenham as linhas em que a escrita se assenta, mas estabelecem cruzamentos. As imagens que constam na tabela, procedimento que não é usual, são desnecessárias, pois são redundantes em relação aos nomes dos seres vivos, postos na coluna ao lado. O uso das imagens, neste caso, reforça a ideia de que os livros didáticos tentam se equiparar aos meios de comunicação, que fazem da emissão – desenfreada – de imagens, a sua marca, para competir com meios audiovisuais.
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O gráfico, como o exibido pela representação visual (Fig. 3), faz uma síntese de dados que, devidamente organizados, mostram detalhes de um fenômeno. As informações podem ser coletadas, quando o leitor/intérprete observa o título que consta no gráfico – o qual informa sobre o fenômeno –, bem como as duas grandezas envolvidas, que estão nos eixos horizontal e vertical, o ano em que a Olimpíada se realizou e a quantidade de medalhas conquistadas, respectivamente. Possivelmente, a medalha (em desenho) foi utilizada como escala para reforçar a memorização e auxiliar na atenção concentrada. As barras – enquanto desenhos – facilitam comparações. Sendo assim, este modo de apresentar, na verdade, propicia tais comparações, com conhecimentos usuais e do cotidiano sobre medidas. Figura 3. Tabela
Fonte: Giovanni (9º ano, 2012, p. 18)
Os mapas também são diagramas. As mesmas relações existentes entre todas as partes do representado devem estar presentes num mapa, o que é possível pelas convenções de diversos matizes: os modos de identificar rodovias, construções, bem como comparações entre grandezas, distâncias, áreas edificadas, objetos diversos e pessoas. Enquanto representação, o mapa também está no lugar do que foi representado, portanto, não é idêntico a ele. Nos livros didáticos analisados, 0,75% das representações visuais eram mapas ou utilizavam mapas para compor ilustrações nas coleções de Ciências e 1,2%, para as de Matemática. Na representação visual (FIG. 4), o mapa compõe uma ilustração, que por agregar informações não relativas ao mapa propriamente dito, no sentido convencional, aproxima-se de um infográfico, que veremos mais adiante detalhadamente. Figura 4. Mapa compondo ilustração
Fonte: Giovanni (2012, 6º ano, p. 12)
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Também podemos denominar diagramas outras modalidades de representação visual, como as plantas (Fig. 5), desenhos que representam particularidades de um edifício projetadas numa superfície horizontal; os esquemas (Fig. 6) e os infográficos (Fig.7). Figura 5. Planta
Fonte: Giovanni (2012, 6º ano, p.263)
Esquema, outra modalidade de representação visual presente nos livros didáticos, também pode ser visto, na perspectiva da semiótica peirceana, como diagrama (FIG. 6). O esquema privilegia o percurso de um fenômeno, ou seja, mostra a sequência de suas etapas ou fases. O esquema em questão mostra a sequência de processamento de substâncias químicas por três tipos de bactérias. Figura 6. Esquema
Fonte: Trivellato (et al.) (7º ano, 2008, p. 88)
Em relação aos infográficos (Fig. 7), que recebem um olhar especial, notadamente nos jornais, não tem origem recente. Os primeiros vieram com os estudos de Michelangelo e Leonardo da Vinci sobre o corpo humano. Tais ilustrações constam de um dos volumes da Coleção de Ciências (Fig. 8). Figura 7. Infografia
Fonte: Santana (8º ano, 2012, p.135)
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Figura 8. Infografias
Fonte: Trivellato (et al.) (8º ano, 2008, p. 9)
Conforme Sancho (2001), a infografia remonta mais de quinze mil anos, quando o homem das cavernas gravava, junto a pinturas rupestres, caracteres que corresponderiam a uma escrita. No contexto atual, o desenvolvimento da informática e dos softwares gráficos deu novas possibilidades à produção desta modalidade de representação. Trata-se de um sistema híbrido de comunicação, pois conjuga a linguagem verbal e a visual, ao empregar tanto palavras e sentenças como imagens e outras representações visuais. Graças ao seu poder de síntese, tal representação tem ampla utilização nos informes e catálogos empresariais, na ciência, na física, na engenharia, na estatística, na publicidade, no design de produtos, na educação presencial e on-line, na tecnologia da informação, nas empresas de comunicação e entretenimento, nos manuais de instruções, na divulgação científica e no jornalismo. As imagens que constam nas infografias oferecem informações adicionais e propiciam a atenção concentrada, por demarcar pontos importantes num arranjo espacial, o que leva o leitor/intérprete a fazer conjeturas, suposições. Tal modalidade de representação deve ser análoga ao modelo mental espacial-analógico necessário à compreensão do conteúdo, pois sendo assim, pode operar, praticamente, a reconstrução de um modelo; enquanto o emprego da linguagem verbal demanda, inicialmente, a construção de uma representação diagramática do conteúdo para, em seguida, vir a elaboração de um modelo espacial-analógico. Colle (2004), Sancho (2001) e Ribas (2004) elaboraram várias classificações para a infografia jornalística. Para nossa pesquisa, consideramos adequada a classificação dada por Peltzer (1991): infografia de vista, explicativa e reportagem infográfica. Vejamos cada uma dessas modalidades. A infografia de vista apresenta desenhos explícitos, que mostram os elementos reais colocados em seu lugar, com detalhes e proporção, acompanhados ou não de legendas e números explicativos. Eles podem ser subdivididos em: a) plano, como a representação gráfica em uma superfície, um terreno, um ambiente ou um local externo qualquer; b) corte, vista do interior de um corpo; c) perspectiva, que faz a representação de objetos em três dimensões e d) panorama, que constrói a vista de um horizonte. A segunda modalidade, infografia explicativa, como o próprio nome indica, explica fatos, acontecimentos, fenômenos ou processos. As subdivisões são as seguintes: a) de causa-efeito, que explica a causa e o efeito do fato, fenômeno, acontecimento ou processo; b) retrospectiva, que explica algo que ocorreu no passado, respondendo às questões: o quê?, quando?, onde? e por quê); c) antecipativa, que explica com previsões, suposições sobre algo que pode ocorrer; d) passo a passo, que expressa as etapas e sequências de um processo;
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e, por fim, e) de fluxo, que descreve as conexões e os passos de um processo ou uma série de procedimentos. A reportagem infográfica, terceira modalidade de infografia e adequada ao jornal, principalmente, apresenta o relato informativo de um fato e pode ser subdividida em: a) realista, na qual as pessoas ou coisas são representadas sob a perspectiva do infografista e b) simulada, na qual as representações seguem o processo criativo do infografista, no entanto, baseia-se em dados reais. As infografias de vista e explicativa são as que predominam nos livros didáticos da amostra selecionada. A exibida pela figura 7 pode ser classificada como infografia de vista, na modalidade corte. Considerando-se a pertinência desta modalidade de representação, por exibir a síntese de uma ideia, conceito ou conteúdo, de forma diagramática, podemos dizer que a presença destas na amostra foi pouco significativa, em comparação com a quantidade de fotografias e ilustrações. Nas coleções de Matemática, os percentuais foram imperceptíveis (0,2% e 0,1%), enquanto que nas coleções de Ciências, foram de 2,5% e 5,3%. O percentual maior foi encontrado nos volumes que tratam do corpo humano, onde tradicionalmente, na educação, elas são mais utilizadas. Após caminhar pelos livros da amostra e classificar as representações visuais encontradas, retomemos a subdivisão do ícone. Mencionamos duas delas: imagem e diagrama. Resta comentar a metáfora. Se a imagem caracteriza-se pela similaridade na aparência; o diagrama, pela similaridade de relações; a metáfora caracteriza-se pela similaridade de significados. As metáforas constroem novos significados ao associarem o caráter representativo do signo com o de um possível objeto. Elas aproximam o significado de duas coisas distintas e transferem, transformam a linguagem literal (denotativa) para a figurada (conotativa). Assim, em “A aurora da minha vida”, o significado de aurora entra em paralelo com o de vida e vice-versa, enfatizando uma relação de semelhança entre ambos. Metáforas também são encontradas na imagem. As formas visuais que correspondem à metáfora “são aquelas que, mesmo reproduzindo a aparência externa das coisas, essa aparência é utilizada apenas como meio para representar algo que não está visualmente acessível e que, via de regra, tem um caráter abstrato e geral” (SANTAELLA, 2001 p.59). Encontramos nas coleções de Ciências apenas duas imagens metafóricas (Fig. 9 e Fig. 10). Figura 9. O céu é o limite?
Fonte: Santana (2012, 6ª. série, p. 12)
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As duas metáforas visuais referem-se a interpretações relativas à Terra e oriundas de outras culturas. A figura 9, uma gravura do século XVI, exibe a crença dos povos antigos sobre a relação entre o aparecimento de estrelas e as chuvas, enquanto a figura 10 é uma representação visual elaborada a partir da explicação que os hindus davam para a forma da terra. Enquanto ícone, esta modalidade de representação visual incita o leitor/intérprete a fazer conjeturas, instiga a imaginação e a curiosidade. Sendo assim, os livros didáticos deveriam utilizar mais as metáforas visuais. Figura 10. O que sustenta a tartaruga?
Fonte: Santana (2012, 6ª. série, p. 12)
Tratamos do ícone e, ao mesmo tempo, percorremos os livros que compõem a amostra. Vamos tratar, em seguida, do índice. As fotografias, que aparecem em grande quantidade, nas duas coleções, considerando-se a sua relação com o referente – o representado – predominam como índices. Vale lembrar que o percentual de fotografias (com pessoas ou sem pessoas) foi de 33,95% e 10,55%, para as Coleções de Ciências e Matemática, respectivamente. A fotografia é um signo que prepondera como índice, devido o seu vínculo com o real, pois o referente (o objeto fotografado), de alguma maneira esteve diante da câmera. Nos livros das coleções de Ciências a quantidade de fotografias é significativa. Mas, em que medida elas auxiliam a cognição? O índice nos conecta ao mundo real e este elo vem como uma força que impele, aponta, impulsiona. Para Peirce, o índice, “como um dedo apontando, exerce sobre a atenção uma força fisiológica real, como o poder de um magnetizador, dirigindo-a para um objeto particular dos sentidos” (CP 8.41). O índice, portanto, nas palavras de Peirce: Refere-se a seu objeto não tanto em virtude de uma similaridade ou analogia qualquer com ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas sim por estar numa conexão dinâmica (espacial inclusive) tanto com o objeto individual, por um lado, quanto, por outro lado, com os sentidos ou a memória da pessoa a quem serve de signo. (CP 2.305)
Conforme Drigo e Souza (2013,) os índices, de modo geral, não são semelhantes aos objetos para os quais apontam ou sinalizam; referem-se a individuais, unidades, singulares, coleções singulares de unidades ou a contínuos singulares e, por fim, dirigem a atenção para seus objetos com uma compulsão cega. Não há índices absolutamente puros, ou seja, sem resquícios icônicos, e signos absolutamente desprovidos de qualidades indiciais. Psicologicamente, a ação do índice depende de uma associação
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por contiguidade, e não de uma associação por semelhança, como requer o ícone, ou de operação intelectual, imprescindível para o símbolo. Os efeitos do índice estão na seara da constatação, da ação-reação. Na linguagem matemática, como exemplo, são índices as letras maiúsculas que aparecem junto aos vértices do sólido geométrico da representação visual; as setas que indicam a altura do sólido representada por um segmento de reta e o segmento de reta que exibe o comprimento da sombra (Fig. 11). Figura 11. Sólido geométrico
Fonte: Souza e Pataro (9º ano, 2012, p. 141)
Retomando a questão das fotografias, podemos inferir que, enquanto índices, elas estão presentes nos livros didáticos para testemunhar, documentar (Fig.12). Os efeitos, em relação ao conteúdo ou conceito tratado, pode ser o de redundância, auxiliando na memorização, portanto. No entanto, considerando-se que as fotografias inundam outras mídias, como a internet, então outras modalidades de representação visual mais adequadas à cognição poderiam ocupar este espaço, que é vasto, tal como já foi comentado a partir dos gráficos 1 e 2. Há ilustrações que utilizam fotografias para documentar a diversidade presente nos ambientes escolares, bem como, neste caso, para construir uma espécie de diálogo com o leitor/intérprete. As explicações que deveriam vir no texto aparecem compondo as ilustrações, como em histórias em quadrinhos. Os dois aspectos contribuem para aproximar o modo de apresentação do livro didático de especificidades de outras mídias. Figura 12. A fotografia como registro do real
Fonte: Santana (8º ano, 2012, p. 56)
O símbolo, a terceira classificação de signo quando tomamos a relação deste com o objeto, ganha novas roupagens, pois não só as palavras constituem a linguagem das ciências e a da matemática. Há símbolos que representam os elementos químicos, as operações matemáticas, os números. Conforme Drigo e Souza (2013), segundo Peirce, o símbolo designa um signo convencional, ou que depende de um hábito que pode ser adquirido ou nato. Ele não indica uma coisa particular, mas uma coleção de coisas.
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental Maria Ogécia Drigo • Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
Assim, são símbolos, um estandarte ou insígnia, uma senha, um emblema, um credo religioso – porque serve como senha ou emblema –, um bilhete ou talão qualquer que autorize alguém a receber algo, uma entrada de teatro. Peirce, em um dos seus exemplos, menciona a palavra “estrela”. Tal palavra não é em si mesma imaginável, uma vez que mesmo quando transposta para o papel ou pronunciada, apenas um de seus aspectos pode ser considerado. É uma palavra quando quer dizer “astro com luz própria”, outra quando significa “celebridade” e outra ainda quando vem no lugar de “sorte”. “Podemos escrever a palavra ‘estrela’, porém isso não faz de quem a escreveu o criador da palavra, assim como, se apagarmos a palavra, não a destruímos. A palavra vive na mente de quem as usa” (CP 2. 301). E é por força da “ideia da mente-que-usa-o-símbolo” (CP 2.299) que o símbolo se conecta ao objeto e sem ela tal conexão seria impossível. A razão de ser do símbolo enquanto signo deve-se ao interpretante – terceiro elemento constituinte do signo responsável pelo sentido que põe em curso a semiose. O caráter do símbolo está na generalidade e sua função é crescer nos interpretantes que produzirá. O símbolo é abstrato, tem o caráter de lei, logo, ele requer manifestações, atualizações, que são denominadas réplicas. Retomemos a Figura 1. A sentença matemática: “y = -x2 + 4x – 5” é um símbolo quando o estudante executa as regras nela explicitas, enquanto a representação gráfica obtida constitui uma outra réplica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, ícones, índices e símbolos constituem as linguagens das Ciências e da Matemática, enquanto disciplinas escolares. A linguagem matemática, que requer tabelas, diagramas e fórmulas, predomina como icônica. Além deste aspecto, o processo de produção dos livros investe em ícones que, na perspectiva da semiótica peirceana, são classificadas como imagens, bem como nos índices, os que têm forte conexão com o real, as fotografias. Priorizar as imagens em detrimento dos diagramas não é a melhor opção, uma vez que são os diagramas – pelo seu caráter de síntese e de modelo – que podem contribuir para a conexão de ideias, para o crescimento delas. Sugerimos que os textos dos livros didáticos estabeleçam uma relação de maior proximidade com os diagramas, a ponto de necessitar de infografias, de metáforas visuais. Os livros didáticos, em geral, deveriam amenizar os efeitos deste bombardeamento por imagens, não só zelando pela diminuição delas como também priorizando as mais profícuas à cognição, bem como se fazem necessárias estratégias metodológicas para interpretar visualmente ideias, ou seja, para elaborar e interpretar diagramas, em geral –, e para análise de imagens ou representações visuais. Os educadores, de modo geral, também precisam se preocupar com a educação do olhar para as imagens.
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental Maria Ogécia Drigo • Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
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Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã Social representations, Environment and Educommunication: the construction of meaning to citizen proactivity S a n d r a P e r e i r a Fa l c ã o 1
Resumo: Trata-se de verificação e análise de nexos entre percepção socioambiental e construção de sentidos proativos mediados pela comunicação ambiental em área urbana ambientalmente prejudicada. Citelli (2006), Soares (2011), Loureiro (2004), Novicki (2007), Moscovici (2011), Ribeiro (2004), Reigota (2010), Coimbra (2004), Goothuzem (2009), Sêga (2000), Lopes (2005) e Pontuschka (2011) integram o arcabouço teórico do trabalho. Os elementos conclusivos apontam para a necessidade de: a) ampliar discussões em torno do cuidado ambiental urbano; b) estimular a proatividade cidadã nesse campo; c) reforçar as mediações educomunicativas (nas escolas, com maior frequência, e também em outros espaços coletivos) referentes à inter-relação indivíduo-meio ambiente nas urbes contemporâneas.
Palavras-Chave: educomunicação socioambiental – comunicação ambiental urbana – educação ambiental emancipatória – educomunicação - trânsitos discursivos multidimensionais
Abstract: This paper treats about verification and analysis links between environmental awareness and building proactive way mediated by environmental communication in environmentally impaired urban area. Citelli (2006), Soares (2011), Loureiro (2004), Novicki (2007), Moscovici (2011), Ribeiro (2004), Reigota (2010), Coimbra (2004), Goothuzem (2009), Sêga (2000 ), Lopes (2005) and Pontuschka (2011) are part of the theoretical framework of the work. The conclusive elements point to the need to: a) expand discussions on urban environmental care; b) encourage citizen proactivity in this field; c) strengthen educommunicative mediations (in schools, more often, and also in other collective spaces) concerning the inter-relationship between individual and environment in contemporary cities.
Keywords: environmental educommunication - urban environmental communication - emancipatory environmental education – educommunication discursive multidimensional transits
1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Bolsista CNPq, sob orientação do prof. Dr. Adilson Citelli. E-mail: sandrapfalcao@hotmail.com.
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Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã Sandra Pereira Falcão
INTRODUÇÃO REVISITAÇÃO TEÓRICA dos processos comunicacionais de natureza socioam-
A
biental envolvendo as relações munícipe e diferentes esferas sociais − poder público, sistema educacional, igrejas, empresas, meios de comunicação de massa, organizações da sociedade civil − revela faces da comunicação sobre o meio fortemente vinculadas com o papel das representações nas Ciências Sociais. O intuito de amarrar os contributos dessa vertente ao objetivo de estudar os processos de comunicação ambiental enquanto produtores de sentido e proatividade entre cidadãos urbanos conduz-nos às reflexões aqui propostas. Organizamos o artigo, portanto, em três momentos coadunados: no primeiro, revisitamos contributos teóricos acerca das representações sociais e suas relações com a problemática socioambiental nas cidades; no segundo, analisamos alguns resultados de pesquisa diretamente vinculados à relação representações sociais-meio ambiente urbano e, na terceira e última parte, reunimos elementos conclusivos que sinalizam o papel da educomunicação nessa rede de relações.
1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PROBLEMÁTICA AMBIENTAL URBANA: UM OLHAR COMUNICATIVO-EDUCATIVO Revisitando o estudo das representações sociais desenvolvido por Émile Durkheim, Reigota (2010, p. 67) traz-nos à lembrança o fato de que o estudioso do século passado – um dos fundadores da Sociologia − discutiu “a importância das representações dentro de uma coletividade e como elas influem nas decisões que os seres humanos tomam individualmente”. A partir da discussão das formulações de Durkheim, frutificaram estudos capazes de nos auxiliar na melhor compreensão da natureza das representações, entre eles os de Moscovici (2011). O interesse de Moscovici pela inovação e a mudança social, afirma Gerard Duveen, seu editor, levaram-no a perceber que, da perspectiva sociopsicológica, não convém considerar as representações como algo dado nem tomá-las como simples variáveis explicativas. A partir da perspectiva tecida é que, ao contrário, a construção dessas ‘formulações’ transforma-se na questão a discutir. Na introdução da obra Representações Sociais, de Serge Moscovici, Duveen realça o fato de que as representações ilustram o papel e a influência da comunicação em nossas vidas, pois adentram nosso mundo cotidiano, circulam na mídia que lemos e olhamos, integram nossas conversas e discussões com amigos e colegas. “Sustentadas pelas influências sociais da comunicação, constituem as realidades de nossas vidas cotidianas” e funcionam “como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nos ligamos uns aos outros” (DUVEEN, 2011, p. 8). As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, do mesmo modo como a ciência ou o mito, correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 1976, ap. DUVEEN, 2011, p. 10).
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Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã Sandra Pereira Falcão
Sêga (2000), analisando os olhares de Jodelet e Moscovici acerca da representação social, assegura que ela é um conhecimento prático, conferidor de sentido aos acontecimentos que nos são normais, forjador de evidências em nossa realidade consensual e auxiliar na construção social da realidade na qual nos inserimos. Isso se dá porque as representações emergem como uma forma de interpretar a realidade cotidiana e refletir sobre ela, um modo de conhecimento da atividade mental que os indivíduos e os grupos desenvolvem “para fixar suas posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações que lhes concernem” (SÊGA, 2000, p. 128). O contexto concreto no qual estão situados os grupos e as pessoas individualmente, a comunicação estabelecida entre eles, o quadro de apreensão disponibilizado por sua bagagem cultural, os códigos, símbolos, valores e ideologia ligados às posições e vinculações sociais específicas demonstram a intervenção multifacetada do social nesse processo (SÊGA, 2000). No tocante à realidade ambiental, a sociedade igualmente traduz seu modo de ver ou sua opinião corrente por intermédio das representações sociais. Tais representações alteram-se conforme as regiões e os patamares sociais, entretanto permanecem ligadas à cultura dominante (REIGOTA, 2010; COIMBRA, 2004). Coimbra (2004) afirma que isso é resultado de fatores históricos, culturais e naturais, considerando-se o paradigma norteador da formação nacional, a visão religiosa de mundo, a organização política, os modelos econômicos adotados, bem como os componentes físicos do ambiente natural e suas influências no meio. Quanto aos influxos ambientais, alinhamo-nos a Sêga, a partir do seguinte argumento: os resultados das pesquisas em psicologia social mostram que existe uma certa impermeabilidade à informação. As informações são dispersas e se manifestam em diversas circunstâncias. Tantos que os sábios ingênuos, as pessoas que tendem a resistir aos fatos, não aceitam as teorias implícitas do conhecimento. Eles tendem a excluir certas informações e apegar-se a outras menos importantes. Essas crenças conservam todas as informações que lhes confirmam e se livram de todas as que lhes invalidam (SÊGA, 2000, p. 131-132, grifo do autor).
No Brasil, pari passu com o desperdício e um sem-número de agressões ao meio ambiente originadas de representações questionáveis, bem como da inconsciência, da ignorância ou da ganância, aparece uma sensibilização vaga e tímida acerca dos problemas ambientais regionais e nacionais. Habitualmente, confirmam pesquisas, o brasileiro age “seguindo a conjunção de ideias, sentimentos e ações, nem sempre em equilíbrio” (COIMBRA, 2004, p. 546), o que dificulta a percepção objetiva dos desmandos ambientais e suas soluções. Tal fenômeno, considerado contraditório por Coimbra, faz-se notadamente perceptível “quando se comparam as representações sociais do meio ambiente com as representações sociais do desenvolvimento e do progresso”. São incoerentes, para o autor, as práticas adotadas e o discurso ambiental em uma sociedade na qual o consumismo se impõe como costume cotidiano da maioria. A trilha de mudanças urgentes a implantar “aponta para as comunidades locais ou pequenas comunidades, para os grupos de militância e os formadores de opinião” (COIMBRA, 2004, p. 546). A abordagem de temas de interesse local contribui para melhorar
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Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã Sandra Pereira Falcão
a percepção social do meio ambiente e, assim, torna-se capaz de criar motivações para uma ação ambiental participativa, à maneira do que disse Goothuzem (2009). Coimbra (2004) agrega a esse raciocínio um velho aforismo filosófico: “nada pode ser desejado se antes não for conhecido” – e a partir daqui vislumbramos um elo adicional entre a comunicação e a questão ambiental, dessa vez condicionado à circulação do discurso produzido nessa interface. O vetor principal da formação das representações sociais é perceptível através das formações discursivas pelas quais circula, segundo Jodelet (1998). Para ela, as representações sociais “circulam no discurso, são realizadas pelas palavras e transmitidas nas mensagens e imagens de mídia, cristalizadas nos equipamentos condutivos e nos agenciamentos materiais ou espaciais” (JODELET, 1998, p. 32, tradução nossa). Associadas ao discurso circulante, as especificidades que explicam a complexidade das representações auxiliam, pois, na construção de sistemas de pensamento e compreensão e, de outro ângulo, prestam-se à adoção de visões consensuais de ação as quais permitem aos indivíduos manter um vínculo social, ou, ainda, “a continuidade da comunicação da ideia” (MOSCOVICI, 2011, p. 216). Outrossim, o status simbólico constituinte dos fenômenos de representação social estabelece um vínculo, constrói uma imagem, evoca, diz e faz com que se fale, partilha um significado por meio de “algumas proposições transmissíveis” (MOSCOVICI, 2011, p. 216). Grize lembra que um indivíduo imerso num dado momento sócio-histórico desenvolve modelos mentais que são em grande medida um reflexo das representações coletivas do corpo social do qual faz parte (GRIZE, 1993). Vignaux, por seu turno, considera o processo de esquematização discursiva inseparável de uma categorização permanente e fixa qualquer expressão simbólica dos nossos relatórios cognitivos como algo que só pode ser expresso simbolicamente, por meio de argumentos que estabelecem as formas comuns dos discursos e representações do mundo (VIGNAUX, 1991). As representações são vistas tanto em Grize e Vignaux quanto em Moscovici como fenômenos que interferem em todas as relações simbólicas criadas e mantidas por uma sociedade e que se interconectam a tudo que gera efeitos em termos de economia ou poder. Não se trata de uma questão ideológica, diz Moscovici − apoiado em Grize (1993) e Vignaux (1991) − mas de “todas aquelas interações que, das profundezas às alturas, das matérias brutas até as efemeridades das estruturas sociais, são transmitidas através do filtro das linguagens, imagens e lógicas naturais” (MOSCOVICI, 2011, p. 216, grifo nosso). As interações referidas por Moscovici objetivam a constituição de mentalidades ou crenças capazes de influenciar os comportamentos (MOSCOVICI, 2011), cuja tessitura, no campo da problemática ambiental urbana concernente à proatividade ou à inação cotidiana dos indivíduos, envolve disfunções específicas de comunicação vivenciadas pelos munícipes (algumas delas capazes de produzir interpretações equivocadas e mesmo a incomunicabilidade socioambiental). Tais trocas informativas merecem atenção redobrada, portanto, quando o assunto é gestão do meio ambiente. Ribeiro considera existir um problema de comunicação quando o público recebe informações inapropriadas ou inadequadas, tecidas e impingidas de maneira autoritária; em
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contraposição a isso, sugere, os interlocutores precisam reconhecer-se nos objetivos traçados pelos gestores ambientais, pois somente assim se alcançará a comunicação eficaz. “Os objetivos da comunicação devem ser coerentes com as opções de ação escolhidas, pois elas devem influenciar as pessoas, fazendo com que mudem suas atitudes e comportamentos no sentido desejado” (RIBEIRO, 2004, p. 82). Importa observar a disponibilidade, apontada pela autora, tanto dos canais massivos de comunicação quanto dos canais que ela lista como alternativos, categorizando-os a partir de três chaves: a) impressos; b) audiovisuais e c) interativos. A pesquisadora menciona cinquenta e quatro possibilidades dialógicas para a interação socioambiental. Quaisquer que sejam, entretanto, as formas de comunicação sobre meio ambiente disponibilizadas ao cidadão hoje, cientes delas, havemos de refletir continuamente sobre o valor da palavra como dispositivo magno, capaz de gerar a multiplicidade de representações que conduzirão ou não a uma postura proativa do indivíduo em plano glocal. Fazendo uso da palavra, pois, seguimos no encalço de pistas capazes de sinalizar proatividade no campo socioambiental urbano: elaboramos um caderno de questões com diversas perguntas envolvendo representações sociais, a ser respondido por nossos sujeitos de pesquisa. Alguns dos resultados serão apresentados e analisados a seguir.
2. REPRESENTAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DE JOVENS E ADULTOS DO DISTRITO VILA MEDEIROS 2 Para reunir em nossa investigação um conjunto de dados consistente, adotamos a multiplicidade de técnicas, conforme sugerem Lopes (2005) e Pontuschka (2011): revisão teórica meticulosa, entrevistas em profundidade gravadas em áudio e vídeo, levantamento e planilhamento de dados, observação in loco, registros fotográficos, questionários aplicados aos moradores do espaço pesquisado. Trabalhamos, quanto aos respondentes dos questionários, com uma amostra estratificada e não probabilística, constituída de 179 sujeitos de pesquisa: 57 adultos (denominado grupo azul), 62 jovens do ensino médio (grupo laranja) e 60 jovens do ensino fundamental (grupo verde). Do total de respostas colhidas, selecionamos algumas, vinculadas com mais intensidade à abordagem teórica empreendida neste artigo. A partir delas, trazemos à discussão a busca de sentidos promotores de maior compreensão da atitude de distanciamento predominante entre os moradores (comprovada no conjunto de nossa investigação). Em dado momento do questionário, propusemos a escolha de apenas um entre uma série de comportamentos possíveis face à degradação ambiental presenciada no lócus de pesquisa − com a intenção de apurar as posturas comunicacionais mais frequentes, para, em ocasiões posteriores, traçar planos de ação local visando à interação com o morador a partir da análise coletiva dessas mesmas atitudes. Iniciaremos a análise pelas respostas dos mais jovens à proposição: “Quando você percebe, por meio da observação direta, que algo vai mal no meio ambiente do bairro, você, primeiramente...” 2. O distrito Vila Medeiros (São Paulo, capital, subprefeitura Vila Maria-Vila Guilherme) possui 7,80km2, população total de 129.919 habitantes (de acordo com o censo 2010 do IBGE) e apresenta múltiplos problemas socioambientais.
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Figura 1. Primeira atitude dos jovens do ensino fundamental ao observar um problema ambiental em seu bairro (fonte: FALCÃO, 2013)
Destacam-se entre os resultados: 1º) o sentimento de não empoderamento dos mais jovens face a questões ambientais do lugar em que vivem: a maioria deles acredita não ter chance de interferir nesses assuntos; 2º) a conversa com a família seria o canal mais empregado caso sentissem necessidade de agir, e não a internet, mencionada em respostas anteriores por esse grupo como o canal mais importante para tratar de assuntos ambientais da região; 3º) uma parcela bastante significativa desses jovens sequer conseguiu responder à questão, o que pode ser um indício da dificuldade de reflexão sobre sua relação com o meio ambiente local. Poderíamos pensar também em cansaço face à quantidade de perguntas feitas no estudo, porém notamos que essa indagação teve alto índice de não respostas, enquanto outras perguntas mais para o final do questionário foram respondidas normalmente. Perguntamos a alguns jovens, no decurso da atividade, por que não responderam àquela questão e duas respostas comuns foram “Achei difícil” ou “Não sei”. Imaginamos que os jovens encontraram, portanto, dificuldade de se localizar em um processo de empoderamento cidadão. Como nossa quarta observação sobre esse conjunto de dados, está o fato de que o jovem parece pensar pouco em procurar a escola, representada na figura de um professor, quando a ideia é tomar alguma providência com relação a agravos ambientais. Isso configuraria mais um distanciamento da escola em relação ao que acontece no espaço exterior a seus muros e pode ter relação com a não aplicação dos princípios propostos pelo Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA, 2008). A dimensão pedagógica responsável por gerar os saberes sobre o meio, do ponto de vista global e local, a partir das interações dos indivíduos entre si e com a natureza, bem como a partir da produção cultural em torno dessas trocas (PRONEA, 2008, p. 10) acha-se
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de algum modo prejudicada em nosso locus de pesquisa. Assim, parecem dissociadas, no momento, as questões ambientais e sociais e o fazer-pensar dos atos educativos e comunicativos (PRONEA, 2008, p. 10) relacionados a elas. O item outra atitude, é bom lembrar, foi criado para investigar se haveria outras conexões educomunicativas que nos tivessem escapado à primeira vista. Apenas dois jovens o assinalaram, mas não esclareceram qual seria sua outra atitude. O gráfico subsequente traz os resultados dos grupos azul (adultos) e laranja (jovens do ensino médio) para a mesma questão3:
Figura 2. Primeira atitude dos adultos e jovens do ensino médio ao observarem um problema ambiental no bairro (fonte: FALCÃO, 2013)
Esses dois grupos também apresentaram índice de ‘não respostas’, o que pode ter acontecido pela mesma razão suspeitada no grupo dos jovens de ensino fundamental (dificuldade de reflexão), mas também por outras possibilidades, entre as quais a seguinte: 3. Elaborada com os mesmo conteúdos, porém com termos ligeiramente diferentes daqueles empregados para os jovens de ensino fundamental I, dada a maior maturidade dos respondentes.
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nesses grupos, o “índice de anulação” existiu, porque vários respondentes assinalaram duas ou três atitudes, quando o enunciado da questão solicitava que assinalassem apenas o primeiro comportamento que lhes era habitual. Como não houve dificuldade de compreensão do enunciado durante os pilotos que realizamos, não foi possível controlar as distorções advindas desse entendimento parcialmente impreciso por parte de alguns respondentes, resultando daí o índice de respostas não tão esclarecedoras na casa dos 18%. Optamos, entretanto, por conservar tais resultados no trabalho, inclusive como forma de alertar outros pesquisadores sobre cuidados adicionais a ter com os pré-testes na fase anterior ao campo. Passemos, então, à avaliação dos demais itens constantes do gráfico, pois estes não se incluem na problemática acima referida. Entre os jovens de ensino médio, empatam como primeira atitude comunicacional diante de uma mazela ambiental detectada em seu bairro a decisão de “não pensar nisso, pois não acreditariam estar em suas mãos a chance de tomar providências” e a “reflexão sobre soluções, com subsequente ‘engavetamento’”. A terceira atitude mais comum declarada por esse grupo foi “pensar por alguns instantes, concordar com a existência do problema e continuar vivendo sua vida como sempre foi”. Em todas as opções destaca-se a atitude de distanciamento face à problemática ambiental urbana. O item outra atitude foi preenchido por apenas três jovens, um com a palavra ‘nenhuma’, outro grafou a frase ‘nunca ocorreu’ e a terceira pessoa trouxe uma reflexão próxima da quinta opção oferecida na questão: “Eu penso, sei que tem problema, mas não tomo nenhuma atitude”. Essa reflexão, embora aponte para a passividade, indica também um grau de consciência em relação ao que é vivenciado cotidianamente no espaço público do bairro. Quanto ao grupo dos adultos, prevaleceu, com ligeira diferença em relação aos demais itens majoritários, a atitude “pensa por um tempo e contata amigos e conhecidos para juntos tomarem providências”, evidenciando uma postura um pouco mais proativa em relação à dos jovens, mas não muito, pois uma observação mais acurada do gráfico revelará que entre os adultos empatam diversas outras posturas comunicacionais além dessa, inclusive as que se referem ao distanciamento. Os índices mais baixos verificados para a opção que envolve o “tentar resolver sozinho” podem indicar uma valorização do fazer coletivo, característico da Educação Ambiental Emancipatória (LOUREIRO, 2004), a partir da qual seria possível engrenar ações educomunicativas para trazer os cidadãos à participação. (O item outras atitudes foi assinalado por quatro respondentes. Apenas três disseram qual atitude costumam tomar, porém as respostas não se conectam de modo direto ao que foi perguntado ). Esse fazer coletivo, desejável do ponto de vista da ação proativa em favor do ambiente, conectava-se, em nosso questionário, a mais algumas perguntas. Os gráficos resultantes de duas delas serão comentados a seguir, pois exemplificam com maior nitidez sentidos coletivos observados (ou não) pelo respondente na região onde reside. Partindo do particular para o geral, indagamos primeiramente qual o seu grau imediato de disposição para engajar-se em um projeto em favor do meio ambiente do bairro. Surgiram as seguintes respostas:
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Figura 3. Disposição atual para engajar-se em uma ação em favor do meio ambiente local (fonte: FALCÃO, 2013)
Os dados evidenciam, para os três grupos pesquisados, uma tendência a situar-se em uma zona de conforto, representada por responder ao pesquisador que tem ‘média disposição’ para participar. Trata-se de uma inclinação importante, embora só possa tornar-se auspiciosa se convertida em maior disposição, que conduza à ação proativa. Do mesmo modo, torna-se possível perceber que a oscilação dos três grupos entre nenhuma, pouca e muita disposição para participar remetem à possibilidade de se ganhar definitivamente a adesão dos grupos a partir de ações educomunicativas que poderiam ser pensadas tanto pelas equipes de educação ambiental e de saúde que trabalham no distrito, quanto pelas escolas e demais instituições/entidades locais. Uma dessas ações pode incluir, por exemplo, grupos de discussão sobre as representações dos moradores acerca de sua relação com o espaço físico do bairro, como ponto de partida para a reflexão sobre a necessidade de ação individual e coletiva no combate aos agravos ambientais vivenciados cotidianamente. Todavia, ao analisar os sentidos produzidos pelos vários discursos em circulação, é preciso estar atento para o que argumenta Adilson Citelli (2006, p.17) : “o que se afirma como o real costuma esconder um mero exercício discursivo, algo cuja consistência diz respeito apenas ao âmbito da própria palavra”. Assim, ainda que exista, desse ponto de vista, uma certa fragilização do termo representação, a qual teria dado, como pondera o pesquisador, “continuidade, apenas, ao desejo de mostrar coisas onde só existem formas de composição delas” (CITELLI, 2006, p.17), pensamos que a análise das representações sociais (MOSCOVICI, 2011; DUVEEN, 2011; REIGOTA, 2010; SÊGA, 2000; COIMBRA, 2004; JODELET, 1998; GRIZE, 1993; VIGNAUX, 1991) permanece insumo indispensável para a compreensão de determinados fenômenos – como o discurso ambiental em trânsito nos centros urbanos. “Não há outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que ele contém, pelos quais as
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pessoas e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar” à busca e realização de “uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade normativa” do conjunto (MOSCOVICI, 2011, p.216). Em nossa pesquisa, dado o intervalo de tempo disponível para o trabalho analítico do que se recolheu com o conjunto de métodos adotado, não nos foi possível agregar também a coleta de representações por meio de grupos de discussão, mas o fizemos com o auxílio de outro expediente: reunimos algumas representações correntes de que tivemos conhecimento em conversas informais com moradores e gestores ambientais do distrito e montamos uma questão. Pedimos que o respondente assinalasse percepções coadunadas, a seu ver, com as da maioria dos moradores da sua região. O quadro a seguir as organiza:
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No grupo dos adultos, a representação majoritária associa-se à preocupação com o desconhecimento das leis ambientais do município. Em segundo lugar, para esse grupo, aparece a preocupação com o fato de que a maioria dos moradores não percebe a piora da qualidade do ar da cidade nos últimos tempos. Essas duas representações sugerem deficiências quanto aos fluxos ou quanto à interpretação dos fluxos de informação ambiental circulantes na região. Em terceiro lugar, aparece a ideia de que faltam aos moradores atitudes concretas, embora muitos digam que é importante cuidar do meio ambiente. Tal representação remete à pesquisa feita por Loureiro em 1997, na qual o autor observou que muitos diziam apoiar a causa ecológica, porém alegavam falta de tempo para envolver-se, enquanto outros expressavam sua desmotivação absoluta para enfrentar o agravado quadro ambiental brasileiro. Daí porque o pesquisador argumenta que “a simples percepção e sensibilização para a problemática ambiental não expressa aumento de consciência, o que faz com que se retome o argumento sobre cidadania: a consciência, para ser ecológica, precisa ser crítica” (LOUREIRO, LAYRARGUES e CASTRO, 2008, p. 32, grifo nosso). Sempre em busca da consciência ecológica e crítica dos grupos, portanto, vejamos agora os resultados dos jovens de ensino médio: para estes, empatam em primeiro plano duas representações: ‘a maioria dos moradores não nota a piora da qualidade do ar urbano’ (item em segunda posição para o grupo de adultos) e ‘as pessoas do bairro não recebem informações sobre como podem melhorar o ambiente de sua casa, rua, bairro, sem gastar muito dinheiro’. Em segundo lugar, aparecem, também empatadas, a ideia de que a maioria das pessoas do bairro desconhece as leis ambientais do município e a ideia de que estão acostumadas com o ‘feio’ e sua criatividade não é estimulada para deixar o lugar onde vivem mais bonito e mais saudável. Em terceiro plano surge o pensamento que no grupo dos adultos também se encaixa como terceira representação mais frequente: há moradores que afirmam ser importante cuidar do meio ambiente, mas não tomam atitudes concretas para contribuir. Entre os estudantes de ensino fundamental, repetem-se alguns resultados: em primeiro lugar para eles está a ideia de que os moradores não percebem a piora na qualidade do ar urbano; em segundo, empatam a ‘falta de informações dos moradores sobre como deixar o ambiente mais bonito e mais saudável gastando pouco’ e a ideia de ‘as pessoas estarem acostumadas com o feio e não terem sua criatividade estimulada para alterar o quadro’. Em terceiro, para esse grupo, também está o fato de que muitos moradores confirmam a importância de se cuidar do meio ambiente, mas não são proativos nesse aspecto.
ALGUMAS CONCLUSÕES As representações eleitas nos três grupos pesquisados (ver TOTAL DOS RESPONDENTES, em fig. 4) parecem conectar-se à falta de contato com ações educomunicativas de natureza socioambiental. O terceiro aspecto assinalado, coincidente para todos os respondentes, leva-nos a pensar na ‘dogmatização’ mencionada por Goothuzem (2009). Quase dogma torna-se hoje a frase “cuidar da natureza é importante”, entretanto as ações requeridas para tanto ficam, não raro, apenas no plano das ideias. Entre os objetivos da
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comunicação ambiental inclui-se a mudança de atitudes e de comportamentos, considera Goothuzem (2009, p. 1), para quem “a utilização dos mecanismos de comunicação, portanto, não deve se limitar à mera transmissão de conhecimento, e sim abordar e até sugerir os meios pelos quais esses objetivos podem ser alcançados”. O movimento comunicacional ora aludido é determinante, pois pode ajudar a combater as chamadas “falsa consciência ambiental”, “falsa consciência tranquila” ou a “falta de consciência ambiental crítica” − mencionadas por Novicki (2007), Foladori (2001), Coimbra (2004), Berna (2010) e Loureiro, Layrargues e Castro (2008). Tanto para o distrito Vila Medeiros quanto para outros espaços geográficos em situação semelhante seriam importantes ações educomunicativas irradiadas de vários pontos do tecido social local, as quais poderiam partir da reflexão em grupos focais acerca das três representações principais para a totalidade dos respondentes: 1) a falta de percepção dos moradores quanto à piora da qualidade do ar na região; 2) o desconhecimento das leis ambientais do município e 3) a discussão de modos pelos quais se torne possível, sem gastar muito dinheiro, melhorar o ambiente doméstico e o espaço público do bairro. Nessa perspectiva, a discussão da legislação ambiental poderia iniciar-se, em um eventual grupo focal, com a apresentação do que existe no Brasil (legislação ambiental em nível federal, estadual e municipal) e comparação com o que se põe em prática noutras cidades, estados e nações − respondendo, de certa forma, à preocupação expressa por muitos munícipes quanto ao desconhecimento da maioria acerca das leis ambientais vigentes. Quanto à análise da problemática referente à contaminação do ar nas megaurbes, faceta medular para a cidade de São Paulo e metrópoles análogas, não faltam elementos em inúmeros aportes midiáticos capazes de alimentar esse debate. E se quisermos sair das questões de ordem prática para tratarmos de questões de ordem ético-estética que envolvem o ambiente urbano, teremos bom ponto de partida na argumentação em torno da ideia de que as pessoas estão acostumadas com o ‘feio’ e sua criatividade não é estimulada para deixar o lugar onde vivem mais bonito e mais saudável (item assinalado por 48 % de nossos respondentes, número nada desprezível). Tendo em vista que a Educomunicação constitui-se paradigma orientador da gestão de ações em sociedade, configurando-se como um campo de intervenção social (SOARES, 2011), propomos, por fim, que discussões em torno do cuidado ambiental urbano sejam mediadas educomunicativamente − nas escolas, com maior frequência, e também em outros espaços coletivos, a fim de: “abordar e até sugerir meios” (GOOTHUZEM, 2009, p. 1) para eliminar ou minimizar as mazelas socioambientais reinantes nas urbes contemporâneas.
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As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação Social midia and the extension of educational opportunities in media education C át i a Lu zi a O l i v ei r a
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A n d r e a P i n h e i r o P a i va C ava l c a n t e 2 Resumo: O “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, em nível de extensão, constituiu-se como uma iniciativa pioneira no estado do Ceará para fortalecer a cultura do trabalho educomunicativo no cotidiano das atividades didático-pedagógicas das escolas da rede pública. Foi promovido pela Célula de Educomunicação do Instituto UFC Virtual em parceria com o Centro de Educação a Distância do Ceará). Sendo semipresencial, o curso combinou momentos de aprendizagem a distância (para estudo e discussão do corpus teórico da área da Educomunicação), com momentos presenciais (para capacitação prática, através de oficinas). Os momentos ofertados a distância contaram com o uso do ambiente virtual de aprendizagem SOLAR 2.0 que possibilitou não só a gerência dos participantes, mas também a publicação de material multimídia, uso de ferramentas de comunicação e interação pelos participantes (web fórum, bate-papo e mensagens eletrônicas). Conforme solicitação dos próprios cursistas, um grupo foi também criado na rede social Facebook para socialização, postagem dos exercícios realizados durante as oficinas; postagem de fotos; discussão de temas administrativos do curso e compartilhamento de arquivos. As mídias sociais serviram para oportunizar a reflexão, o diálogo, a expressão individual e coletiva, bem como o encontro entre todos os envolvidos no curso.
Palavras-Chave: Educomunicação. Educação a distância. Capacitação docente. Design Instrucional. Mídias Sociais.
Abstract: The Professional development Course on Educational Communication - New Methodological Practices in Public School”, in extension level, was established as a pioneering initiative in the state of Ceará to strengthen the culture of educational midia work in daily educational activities at the public schools. It was promoted by Instituto UFC Virtual in partnership with Centro de Educação a Distância do Ceará. As an example of the use of blended learning, the course combined distance learning moments (for study and discussion of the theoretical corpus of the area), with face-to-face moments (for practical training through workshops). The distance education part was offered using the 1. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: catia@virtual.ufc.br. 2. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: andrea@virtual.ufc.br.
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virtual learning environment SOLAR 2.0 which allowed not only the management of the participants, but also the publication of multimedia resources, the use of communication tools and the interaction among the participants (using bulletin boards, chat and electronic messages). As requested by the course participants themselves, a group was also created on the social network Facebook for socialization, publication of exercises performed during the workshops; posting photos; discussion of administrative issues of the course, and file sharing. Social media served to create opportunities for reflection, dialogue, individual and collective expression and the meeting of all those involved in the course.
Keywords: Midia education. Distance Education. Professional development. Instructional Design. Social Media.
INTRODUÇÃO “CURSO DE Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas
O
na Escola Pública”, ofertado entre os meses de setembro e novembro de 2014, em nível de extensão e na modalidade semipresencial, constituiu-se como uma iniciativa pioneira no estado do Ceará para fortalecer a cultura do trabalho educomunicativo no cotidiano das atividades didático-pedagógicas das escolas da rede pública. A opção pela modalidade semipresencial deveu-se à busca da democratização dessa oportunidade educacional, tendo-se o intuito de atingir mais cidades do estado. Os momentos presenciais foram planejados como oportunidade para encontro e para aplicação prática dos fundamentos estudados. A primeira oferta do “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, foi promovida pela Célula de Educomunicação do Instituto UFC Virtual(http://www.virtual.ufc.br), em parceria com o Centro de Educação a Distância do Ceará – CED, inaugurado recentemente em 2014(http://www.ced. virtual.ufc.br). A Célula de Educomunicação, atualmente, constitui-se de um grupo de docentes, alunos e pesquisadores da UFC interessados nos estudos interdisciplinares entre educação e comunicação. A referida célula busca propiciar iniciativas de Educomunicação, alinhando-se à missão do Instituto UFC Virtual ao desenvolver ações, tanto na educação formal quanto não-formal, que transcendam a instrumentalidade técnica, promovendo a conversão da comunicação em processo educativo. É também objetivo da Célula de Educomunicação formar futuros educomunicadores para sua atuação em diferentes esferas: na mídia, na escola, nos movimentos sociais, no terceiro setor e nas empresas de modo geral. Já o Centro de Educação a Distância atua na formação de diretores, professores, estudantes e de todos os profissionais da rede pública de educação básica do Estado do Ceará, da capital e do interior, com ênfase no uso das tecnologias digitais de informação e comunicação e no desenvolvimento de sistemas, mídias e multimídias digitais com foco na melhoria da qualidade da educação por meio da modalidade de ensino semipresencial e da educação a distância (EaD). A certificação dos concludentes é conferida, por sua vez, pela Pró-Reitoria de Extensão da UFC, tendo em vista que se trata de um curso de extensão.
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No âmbito da Universidade Federal do Ceará (UFC), uma disciplina optativa em nível de graduação intitulada “Educomunicação” foi planejada e desenvolvida pela Célula de Educomunicação para o Bacharelado em Sistemas e Mídias Digital e está atualmente em sua quinta oferta. A disciplina tem congregado não só alunos provenientes do bacharelado mencionado, mas também estudantes de Comunicação Social, Pedagogia e Filosofia. É comum também a presença de alunos-ouvintes, bem como de alunos especiais (que já concluíram a graduação, mas retornam para complementar sua formação). As experiências construídas ao longo da disciplina inspiraram a proposta do curso de capacitação semipresencial ora tratado aqui. Iniciamente voltado a professores e gestores da rede pública de ensino, houve a necessidade de ampliar o público-alvo do “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, devido a uma demanda de comunicadores e também de estudantes, interessados em adquirir ou ampliar seus conhecimentos na área da educomunicação. Ofertado de forma inteiramente gratuita, o curso inicialmente contou com um total de 121 inscritos. Desses, pouco mais da metade realmente engajou no ritmo do curso e houve 41 aprovados ao final das atividades. Um formulário de sondagem aplicado no início do curso, com 49 respondentes, detectou que um pouco mais da metade (51%) nunca tinha ouvido falar sobre Educomunicação antes de realizar a inscrição no curso. Em termos de expectativas com relação ao curso, dentre os itens relatados, destacou-se o anseio de melhorar a prática pedagógica, no caso de cursistas docentes. Nas palavras de um dos cursistas: “Aprender, melhorar a minha dinâmica em sala e tornar a minha aula mais atrativa”. Também chamou a atenção, neste mesmo quesito, a errônea concepção de educomunicação como sendo similar a informática educativa: “Minhas expectativas são as melhores possiveis, pois esse é um tema que me chamou muito a atenção usando a tecnologia e a comunicação na educação, isso se aproxima muito de uma certa forma da informatica educativa assunto que tenho muito interesse”. Outro cursista manifetou a intenção de “maximizar o uso dos laboratórios de informática educativa pelos alunos”. Ainda dentre os respondents do formulário de sondagem, 14 cursistas (28,57%) responderam expressamente que nunca tinham participado de um curso semipresencial antes. Perguntados sobre como acessam a internet, caso não tenham computador em casa, quatro (8%) alunos responderam que ainda utilizam lan house e quatro reportaram acessar somente no trabalho. Sobre sua participação em redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram), 45% consideraram-na boa e 39% muito boa.
DESIGN INSTRUCIONAL DO CURSO SEMIPRESENCIAL O planejamento do curso semipresencial, como oportunidade educacional, levou em conta princípios de design instrucional. O design instrucional pode ser definido como “a ciência e a arte de criar especificações detalhadas para o desenvolvimento, avaliação e manutenção de situações que facilitam a aprendizagem e a performance”. (Richey, Klein & Tracey, 2011, p. 3) É um processo sistêmico, apoiado nos conhecimentos sobre a aprendizagem humana e apresenta fases cujo alcance tanto pode ser mais imediato quanto mais longo. (Gagné, Wager, Golas & Keller, 2005) É uma área de estudo, de pequisa
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e também de atuação professional que aplica um processo sistêmico e se ocupa com o processo de aprendizagem, intencional e significativa. Para o planejamento do curso, foram levados em consideração o público-alvo, o tempo e os recursos disponíveis, bem como uma proposta metodológica que valorizasse o próprio fazer educomunicativo. O Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública, apresentou os seguintes objetivos específicos: 1) Elevar a qualidade da formação de profissionais da educação básica do Estado do Ceará; 2) Preparar e compartilhar experiências práticas relacionadas ao contexto da Educomunicação; 3) Favorecer a elaboração de projetos educomunicativos, através do desenvolvimento de uma atitude pró-ativa e da cultura da autoria, em atividades docentes com caráter interdisciplinar. Já a ementa do curso, planejado para ter 40 há, foi a seguinte: Fundamentos epistemológicos da inter-relação entre comunicação e educação; Aspectos históricos da educomunicação; Mídia e educação; As contribuições ibero-americana, europeia e norteamericana; A teoria das mediações; Educomunicação, movimentos sociais e terceiro setor; O perfil do profissional educomunicador; Pesquisa acadêmica em educomunicação; Políticas públicas na área de educomunicação. Metodologicamente, o Curso de Capacitação em Educomunicação teve natureza teórico-prática, possibilitando aos interagentes uma vivência diferenciada da prática educomunicativa. Combinou momentos de aprendizagem a distância (para estudo e discussão do corpus teórico da área da educomunicação), com momentos presenciais (para capacitação prática, através de oficinas), tais como: contos digitais, podcasts, fanzines, fotografia científica. Os momentos ofertados a distância utilizaram o ambiente virtual de aprendizagem SOLAR 2.0, que é acessado através do site http://www.solar.virtual.ufc.br. Este ambiente, desenvolvido e mantido pela própria UFC, possibilitou não só a gerência de participantes (alunos, tutores e professores), mas também a publicação de material multimídia (conteúdo e textos de apoio) e uso de ferramentas de comunicação e interação pelos participantes (web fórum, bate-papo e mensagens eletrônicas). O SOLAR busca oferecer um ambiente integrado e otimizado para ser utilizado com máxima eficiência pelos alunos participantes. Ao todo, o curso compreendeu cinco atividades de forum, duas atividades de bate-papo e duas atividades de portifolio. Houve o cuidado de intercalar tais atividadcas, alternando-as nas unidades temáticas, a fim de não se sobrecarregar os cursistas. Já os momentos presenciais, planejados para ocorrerem na cidade sede do Centro de Educação a Distância, Sobral, foram dedicados à aplicação prática do que foi estudado na teoria, através de oficinas já mencionadas anteriormente. Ao todo, ocorreram quatro encontros presenciais, sendo um encontro para ambientação dos cursistas e outros três para atividades de oficinas. A avaliação dos alunos foi feita na perspectiva formativa, onde o aluno foi avaliado através de sua participação em cada etapa do curso. O interagente foi avaliado durante toda a realização do curso através de atividades, interações em discussões on-line (Web Fórum), presença nos encontros presenciais, entrega dos produtos das oficinas e entrega do trabalho final.
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Cada turma ofertada contou com a presença de um tutor a distância. Houve, também, a presença de um professor especialista, responsável pelos conteúdos tratados, bem como pela proposta didático-metodológica adotada. Tratando-se de um curso de capacitação semipresencial, foi necessário garantir eficiente orientação dos interagentes por parte dos tutores. Já o acompanhamento do trabalho dos tutores foi realizado pela coordenadora do curso. Conforme solicitação dos próprios cursistas, um grupo chamado “Educom_CE” foi também criado na rede social Facebook (https://www.facebook.com/groups/698671906881296/) para socialização, postagem dos exercícios realizados durante as oficinas; postagem de fotos; discussão de temas administrativos do curso e compartilhamento de arquivos, constituindo assim uma cultura de participação (JENKINS, 2009). As mídias sociais, no contexto do curso, mostraram-se eficazes como ferramenta de acompanhamento e de aprendizagem e serviram como veículo de estreitamento do vínculo entre os cursistas. Acima de tudo, a utilização dessas mídias fortaleceu o caráter teórico-prático deste curso semipresencial.
AVALIAÇÃO DA PRIMEIRA OFERTA DO CURSO DE CAPACITAÇÃO SEMIPRESENCIAL – METODOLOGIA Com o intuito de aprimorar o “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, visando a novas ofertas, realizou-se uma avaliação com os egressos da primeira edição. Tal avaliação, vountária e anônima, deu-se tanto em cartáter quantitativo quanto em qualitativo. A investigação ocorreu no início do primeiro semestre de 2015, usando dois instrumentos principais de coleta de dados: um questionário (https://docs.google.com/forms/d/1NICyvQAONUgaF59tUNCIcO6pdBHSjdCnKT4OVA1j20/edit) e uma entrevista semi-estruturada (https://docs.google. com/forms/d/1GnUKCGgtz8DOL0T8dfgKFgFDlLq_Lk9X1FVa_uMIh3Q/edit). Ambos foram elaborados e disponibilizados através da ferramenta Google Drive (Formulários Google). A aplicação dos dois instrumentos de pesquisa se deu para que houvesse complementaridade de informações e para que se aprofundassem, através da entrevista, questões tratadas de forma genérica no questionário. No questionário quantitativo, além de itens de múltipla escolha, optou-se também pelos itens de resposta livre (dissertativos). A montagem dos itens seguiu uma organização em áreas de conteúdos afins. Assim, além de itens personográficos, o questionário investigou o nível de concordância dos interagentes a respeito de questões ligadas ao conteúdo do curso, sua metodologia, os recursos e os materiais utilizados, a tutoria dada a distância, o papel da coordenação, o sistema de avaliação. Foram recebidas 28 respostas. Com a entrevista semi-estruturada, buscou-se investigar com mais profundidade a própria experiência do aluno ao longo do curso, suas opiniões sobre a didática adotada, seu nível de familiaridade com as ferramentas tecnológicas utilizadas, bem como suas sugestões para o aprimoramento da experiência de futuros alunos. Ao todo, ocorreram seis entrevistas.
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RESULTADOS Entre os respondentes da pesquisa, a faixa etária predominante é de 30 a 40 anos. A maioria (75%) declarou-se como docente. Houve grande polarização das áreas do conhecimento em que atuam profissionalmente (Linguagens e Códigos, História, Geografia, Matemática, Ciências, Artes, Educação Física, dentre outras). Ampla maioria declarou ter se inscrito no curso para adquirir novos conhecimentos (82%). Na entrevista, um cursista respondeu: Nunca havia antes participado de curso a distância. Achei o formato interessante e o ambiente virtual é fácil de se trabalhar. O curso me apresentou a novos textos e isso ajudou no conhecimento de autores que são referência sobre o tema. A parte mais relevante foram os debates em sala de aula, nos encontros presenciais. Por exemplo, podemos perceber as diferentes realidades enfrentadas em escolas de todo o Ceará. (Entrevistado 6)
Em decorrência de sua participação no curso, 60,7% concordaram totalmente que seu interesse pelo tema (Educomunicação) cresceu. Isto é corroborado pelo seguinte relato: A Educomunicação hoje “conversa” com minhas práticas pedagógicas no “ensino” de ciências com muito mais sentido que antes, em que aplicava quase que exclusivamente abordagens instrucionistas, onde o(a) educando(a) não participava em quase nada de seus processos nas construções cognitivas. Fato que verticalizavam os saberes, inversamente do que a educomunicação nos chama, para a horizontalidade dos processos entre professores, educandos, currículos e canais de comunicação. Atribuo que a Educomunicação me trouxe uma outra concepção construtiva nos processos sociais de aprendizagem: coletivos e criativos. Cria-se assim, uma nova possibilidade, um novo canal, uma nova prática de produções em que os empoderamentos e autorias são bases nos diálogos de uma nova sociedade do conhecimento. (Entrevistado 2)
A relevância dos encontros presenciais foi atestada por 60,7% dos respondentes, que concordaram totalmente com esse item no questionário de pesquisa. Entretanto, dentre os grandes desafios relatos pelos participantes durante o curso, figurou justamente o deslocamento para os encontros presenciais, realizado na cidade de Sobral, sede do Centro de Educação a Distância do Ceará, parceiro do curso. Contudo, durante a entrevista, um aluno afirmou o seguinte, a respeito da validez do desafio manifestado: Grandes desafios, já que moro em Maranguape e as aulas presencias eram em Sobral e tinha que sair 5:30h da manhã para às 8h estar em Sobral - mais de 500Km de locomoção ida e volta. Com relação ao conteúdo do curso foi tranquilo porque o assunto é encantador. Com certeza tenho pleno interesse em estudar mais o assunto e ficarei grato aos organizadores de novas oportunidades de me avisarem. Nosso país hoje trabalha com uma educação que não consegue chegar nos jovens. Precisamos mudar essa realidade e a educomunicação é uma grande oportunidade para ocorrer essa transformação. (Entrevistado 5)
A respeito da preparação dos materiais usados no curso, 71,6% concordaram totalmente que eles foram bem preparados. E 60,7% concordaram totalmente que os objetivos propostos estavam de acordo com o que foi trabalhado no curso. Um aluno relatou o seguinte:
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Minha introdução ou encontro com a Educomunicação se deu através de um encontro casual com a teoria, que me fez casar concepções pedagógicas fundamentais nos processos da construção do conhecimento. Assim, a participação nesse curso foi uma forma de sedimentar os conhecimentos teóricos junto a outros educadores(as) para reflexões partilhadas, princípio da educom. Nesse caso, os conteúdos que pra mim foram de maior relevância estão ligados as reflexões de uma nova proposta educativa, participativa e que acontece nos coletivos. Todo o curso foi tecido numa sequência lógica para o bom entendimento e de forma que os participantes, principalmente os educadores, pudessem refletir sobre o que e como exercem suas metodologias e abordagens disciplinares. (Entrevistado 2)
Sobre as atividades de bate-papo ocorridas através do ambiente virtual de aprendizagem SOLAR, 64,3% manifestaram que delas participaram e 57% concordam totalmente que elas contribuíram para o melhor entendimento do tópico estudado. Os que não participaram dessas atividades informaram que não o fizeram simplesmente pelo fato de os horários agendados pelas tutoras a distância, segundo a disponibilidade da maioria dos cursistas, não ter lhes servido. Já a respeito das atividades de fórum, estas mostraram-se relevantes para os tópicos de estudo, concordaram totalmente 60,7% dos respondentes. Geralmente, as redes sociais são evitadas em ofertas de cursos da educação formal. Atendendo ao pedido dos próprios participantes, incorporou-se um espaço dentro do Facebook para troca de ideias e de experiências. Perguntado sobre a relevância do uso dessa ferramenta para o curso, um entrevistado respondeu que É uma ferramenta digital rápida e dinâmica, e contribuiu de forma efetiva para a comunicação e informações acerca do grupo, além de poder conhecer um pouco cada participante do grupo, já que os momentos presenciais são poucos. As informações de algumas tarefas eram mais rápidas. (Entrevistado 1)
Contudo, outro entrevistado ponderou o seguinte, a respeito desse assunto: Acho que exploramos pouco os recursos do Facebook. Mas, podemos exercitar mais o curso com essa outra linguagem - em rede. Assim, no curso (apesar do pouco uso) tivemos a oportunidade de agrupar a turma e criar momentos de discussões e partilhar atividades, como a fotografia, as experiências em cada realidade dos cursistas e os momentos dos encontros presenciais. Por isso que, não só foi legal o curso no presencial, como o perfil do Facebook criou o ambiente online que favorece outros encontros e partilhas. Redes são criadas e oportunizadas nesse ambiente (Facebook), discursos, amadurecimento de ideias... A rede online sedimenta um ambiente que proporciona e potencializam outros momentos do presencial. Acredito que o curso pode e deve acontecer nas redes sociais, local de maior praticidade... E tem a vantagem dos cursistas estarem ligados 24h através dos aplicativos e seus telefones móveis, cujos aparelhos atualizam instantaneamente as postagens do perfil. (Entrevistado 4)
Finalmente, perguntados sobre o que modificariam no curso, os interagentes manifestaram o desejo de incorporação de mais oportunidades para prática, bem como o aumento do tempo dedicado a essas atividades nos encontros presenciais, que
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ocorreram nas manhãs de alguns sábados, planejados conforme a disponibilidade da agenda e também de espaço no Centro de Educação a Distância do Ceará. Assim, para um respondente, o curso deveria ser “mais prático em relação às atividades, principalmente nos encontros presenciais. Creio inclusive que os mesmos deveriam ser o dia todo e não só de 8:00 às 12:00” (Entrevistado 1). Indo para além desse ponto e manifestando o desejo de outras oportunidades educativas, outro aluno manifestou: Considerando o fato de ser professor e usar esta concepção na educação, acredito que diante da ineficácia dos cursos de licenciaturas, muitos profissionais não sabem com clareza que concepção adotar em sua vida profissional. Assim, acabam levando suas experiências da vida escolar e replicam o que todos sempre fizeram. Como proposta, a concepção educomunicativa requer que este profissional tenha clareza em suas abordagens e saiba manusear os processos de forma coletiva com seus pares e educandos. Por isso, tal concepção deve vir atrelada às teorias e práticas em que seus adeptos (e futuros) construam de forma clara campos epistêmicos, gnósios e cognitivos que os fortaleçam em sua jornada de professor e pesquisador. Assim, este curso deve sim ser de caráter semipresencial (poderia ser até uma graduação a distância de forma semipresencial), como forma de socializar a educom, mas que neste possamos vivenciar práticas colaborativas e coletivas em suas autorias. (Entrevistado 2)
CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo esta a primeira oferta do “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, há que se tecer considerações que vão além das estatísticas de inscrição e de conclusão. Como iniciativa pioneira no estado do Ceará, há que se levar em conta, também, as adversidades e as restrições de condições e de recursos. Não obstante, houve vários fatores favoráveis e também resultados satisfatórios. Conforme se lê no que foi expresso pelos próprios interagentes, o curso de capacitação em Educomunicação ousou, em seu formato teórico-prático e na escolha da modalidade semipresencial, ao apostar na relevância dos encontros presenciais para a prática da teoria, ainda que desafios de locomoção tenham sido manifestados pelos cursistas. Durante o planejamento do curso já se tinha previsto tal dificuldade, afinal os cursistas estavam espalhados em várias cidades do estado. Desta forma, tomou-se o cuidado de bonificar a participação dos presentes nesses momentos, mas também de não penalizar quem não pôde atender. Outro ponto relevante dessa primeira oferta foi servir de ponto de encontro para vários educadores que trabalham em áreas do conhecimento diversas e lhes propiciar o vislumbre de diferentes realidades educacionais dentro do próprio estado. Tal visibilidade leva, também, ao conhecimento sobre diferentes formas de ensinar e de aprender, à socialização de práticas exitosas e inusitadas. Já no que diz respeito às próprias mídias sociais, estas serviram para a democratização do curso como oportunidade educacional, mas sua incorporação foi além de meras ferramentas de comunicação. Elas serviram para oportunizar a reflexão, o diálogo, a expressão individual e coletiva, bem como o encontro entre todos os envolvidos no curso.
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De que inclusão falamos? Desconstruindo o mito do “nativo digital” numa escola de periferia de Porto Alegre Which inclusion are we talking about? Deconstructing the myth of the ‘digital native’ in an outskirts school in Porto Alegre E d e lv i r a A í d a
da
S i lva M o r e i r a 1
C l áu di a P r esser Sepé 2 Resumo: É voz corrente que as escolas devem estar instrumentalizadas para assegurar, ou qualificar, o acesso dos estudantes às mídias digitais, notadamente o uso do computador em suas múltiplas funcionalidades, que vão além do simples acesso à internet. Parte-se da premissa de que os alunos são nativos digitais e que, por isso, dominam os recursos oferecidos pelas novas TIC. Porém, essa premissa pode ser equivocada, quando nosso lugar de saída é uma escola pública de periferia que, embora seja equipada com laboratório de informática, não é capaz de assegurar a inclusão digital, quer por incapacitação dos docentes, quer por limitações dos alunos ou do espaço destinado a trabalhos com o computador. Isto posto, este artigo mostrará o resultado de um trabalho desenvolvido pela biblioteca e pela disciplina de Língua Portuguesa, cujo objetivo foi a produção de resumos de obras lidas por alunos de uma escola municipal, para serem compartilhados no grupo da biblioteca no Facebook. Constatou-se que os alunos demonstraram dificuldade em editar e postar os arquivos com os textos no Facebook, o que invalidou nosso pressuposto de que a atividade seria realizada com desembaraço.
Palavras-Chave: TIC. Inclusão digital. Ensino. Rede social. Abstract: It is a consensus that schools should be equipped to ensure, or qualify, students’ access to digital media, especially the use of the computer in its multiple functionalities, which go beyond the simple access to the internet. It is assumed that students are digital natives and that they therefore are familiar with the resources offered by the new Information and Communication Technologies (ICT). This assumption, however, may be wrong when we consider an outskirts school that has a computer laboratory but it is not able to ensure digital inclusion to its students because of the inability of its teachers or due to the students’ incapacities or to the number of hours destined to working with the computer. Having this in mind, this paper will show the results of an initiative by the school library and the Portuguese language discipline which aimed at the writing of summaries on books read by the students of a local school to be shared in 1. Graduada em Letras – Português e Literatura; Mestre em Linguística Aplicada; Doutora em Linguística Aplicada. Professora da Instituição Educacional São Judas Tadeu nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. vicasm@terra.com.br. 2. Graduada em Letras – Português e Literatura; Mestre em Aquisição da Linguagem (ênfase – Sociolinguística); Doutora em Comunicação – Mídias e Processos Socioculturais. Professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. claudiapressersepe@yahoo.com.br.
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the library community page on the Facebook. We realized that the students had difficulty in editing and posting their files to the Facebook page, which invalidated our assumption that the activity would be easily carried out by them.
Keywords: ICT. Digital Inclusion. Teaching. Social Network.
1. INTRODUÇÃO AVANÇO DAS novas tecnologias (já não tão novas assim, a julgar pela velocidade
O
com que se tornam obsoletas), de forma irreversível, põe em discussão o papel do professor e do ensino hoje. Se antes o primeiro era visto como detentor absoluto do conhecimento a ser transmitido, e o segundo, por extensão, concebido de forma verticalizada, hoje o que vemos é a descentralização, a fluidez, a incerteza. Não é à toa que Lévy (2000, p. 173) explica que o tom da contemporaneidade, no que tange ao que ele chama de “saberes estáveis”, é o da obsolescência, com isso querendo dizer que, hoje, indivíduos e grupos não estão mais confrontados com [...] a classificação de conhecimentos legados e confortados pela tradição, mas sim um saber – fluxo caótico, de curso dificilmente previsível, no qual deve-se agora aprender a navegar. A relação intensa com a aprendizagem, a transmissão e a produção de conhecimentos não é mais reservada a uma elite, diz respeito à massa de pessoas em suas vidas cotidianas e seus trabalhos. [...]
Dessa forma, o mesmo autor sustenta que a ideia de que alguém escolhe uma profissão para seguir a vida toda também é posta em xeque – aliás, para o autor, a própria noção de profissão parece ter ficado anacrônica; tanto que propõe ser mais adequado falarmos, na atualidade, em desenvolvimento de competências. Segundo Lévy (2000, p. 173), existem competências diversas, das quais “cada um possui uma coleção particular”, que deverá sofrer incremento permanentemente ao longo do tempo. Para tanto, entende que o melhor caminho é a “aprendizagem cooperativa” (2000, p. 171), como a que ocorre, por exemplo, em cursos a distância e mesmo em atividades que se valem das redes sociais, sem a presença física do professor. Nesse processo, os participantes contribuem e se enriquecem com a colaboração de todos, inclusive o docente, que passa a assumir o papel de mediador, ao contrário de mero transmissor de conteúdos já cristalizados pela tradição cartesiana de ensino. Isso significa, usando as palavras de Lévy (2000, p. 171), que [...] a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão a seu encargo [...] (grifo do autor)
Na esteira de Lévy, Sodré (2002, p. 87) enfatiza que a educação deve ser concebida como processo e não como “[...] mero adestramento para a eternização de valores estabelecidos (a pura e simples transmissão de um passado)”. No entanto, pondera o autor, isso não quer dizer que a transmissão deva ser excluída do processo educacional, visto que é uma das condições para que esse processo ocorra, embora não a única.
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Pensar dessa forma é reavaliar o próprio entendimento do que seja escola, termo via de regra confundido com o espaço físico onde se concentram alunos e mestres. Para Sodré, ainda que a imprensa, a cultura da escrita tenham sido decisivas em mudanças ocorridas na forma de ensinar, não é nisso que residiria a definição de escolarização, mas “a singularidade do processo interativo”. (2002, p. 106). Por esse motivo, pensar em escola significa entendê-la como um constructo, cujo funcionamento é atravessado também pelo que ocorre para além do espaço físico e que a constitui histórica e socialmente, como “[...] a crise dos vínculos familiais, o aumento da violência urbana, a multiplicação dos socialmente excluídos [...]”, como afirma o mesmo autor. E nós acrescentaríamos: a massificação das tecnologias móveis, praticamente acessíveis a todos, o que possibilita aprendizagem em qualquer tempo e lugar, de tal sorte que não dependemos mais exclusivamente da escola nem de professor para ter acesso aos conteúdos formais. Diante disso, a questão que se nos coloca é: afinal, como devemos, professores que somos, fruto de uma educação tradicional, agir no meio de todas essas mudanças? Nosso entendimento é que não se trata de abandonar radicalmente tudo o que sempre fizemos ou ensinamos, aqui pensando nas disciplinas, mas de fazer um upgrade em nossos discos rígidos, tentando, pelo menos, fazer uma transição, o menos dramática possível, do quadro verde às novas tecnologias; ou fazendo com que ambos coexistam harmonicamente nesse processo. Para tanto, é necessário que, antes de tudo, façamos algumas reflexões. A primeira delas, o que não é novidade, mas vale reforçar, é que não é a simples inclusão de aparatos tecnológicos no ambiente escolar que garantirá a aprendizagem e a inovação nas práticas pedagógicas: de nada vale um computador, se o que a escola propõe continua sendo mais do mesmo. A segunda é desconfiar de nossas certezas acerca do quanto os alunos efetivamente dominam das novas tecnologias. E, finalmente, ter a clareza do que nós, educadores, realmente sabemos fazer com essas tecnologias e se, de fato, queremos fazer. De acordo com Miranda (2007, p. 44), apoiada em estudos de outros teóricos3, se, na essência, as práticas costumeiramente desenvolvidas na escola continuarem as mesmas, de nada vale a inserção da tecnologia; porém, sustenta a autora, é exatamente o que tem ocorrido, devido aos seguintes fatores que ela aponta: [...] falta de proficiência que a maioria dos professores manifesta no uso das tecnologias, mormente as computacionais [...]; a integração inovadora das tecnologias exige um esforço de reflexão e de modificação de concepções e práticas de ensino que grande parte dos professores não está disponível para fazer.
E são justamente esses fatores que, no entendimento de Miranda, fazem com que muitos profissionais adotem e muitas vezes acreditem que práticas como deixar os alunos plugados em algum site na internet, ou usar softwares educativos, sejam o suficiente para promover mudança no paradigma vigente de ensino. Não se trata aqui de, mais uma vez, colocar rocha sobre as costas já tão pesadas dos professores – especialmente se levarmos em conta o local-sede do trabalho que a seguir 3. Entre os citados pela autora, De Corte (1993) e Jonassen (1996).
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descreveremos: uma escola municipal em zona de periculosidade, assolada pelo tráfico e por limitações socioeconômicas; uma escola que tem como baliza a inclusão, aqui entendida de forma ampla: inclusão de alunos com necessidades especiais; de alunos que, talvez, tenham na escola o único local de referência para conseguirem, de fato, se emancipar e ter uma vida mais digna; de alunos cujas famílias (outro conceito buscando redefinição), na esmagadora maioria, são desestruturadas; alunos que seguidamente afrontam os docentes que, encurralados, já não sabem mais o que fazer. Como, então, falar em novas tecnologias num contexto desses e promover a tão propalada inclusão digital? Antes de tentarmos responder a esse questionamento, é preciso que tenhamos em mente que, se de fato o que se espera hoje de um sujeito que será absorvido pelo mercado de trabalho é o manejo de diferentes competências, seguramente aquelas associadas ao uso das novas tecnologias serão exigidas. É o que defendem Campello apud Kuhlthau (2013, p. 9-10), ao retomarem os PCNs, quando dizem que o exercício da cidadania só é possível se for garantido o acesso aos saberes elaborados socialmente que, segundo eles, são “instrumentos para o desenvolvimento da socialização e, consequentemente, da cidadania democrática”; mas além disso: se tal instrumentalização permite ao indivíduo agir sobre e a partir desses saberes. E se pensarmos que cada vez mais esses saberes estão arquivados digitalmente, é preciso que os alunos sejam capazes não só de acessálos, mas também de produzir conteúdos de forma autônoma e autoral. Se assim o é, precisamos achar as brechas possíveis para garantir minimamente que nossos alunos de escolas de periferia não sofram mais um tipo de exclusão: aquela que os interditará para o mercado de trabalho, por serem, além de analfabetos funcionais, digitais. Com essas reflexões em mente, passemos à contextualização do trabalho desenvolvido.
2. JUSTIFICATIVA: COM A PALAVRA A PROFESSORA DA BIBLIOTECA No ano de 2013, eu e a professora Edelvira, que atua como docente de Língua Portuguesa na EMEF Leocádia Felizardo Prestes, onde somos colegas, decidimos propor um trabalho diferenciado aos alunos sob sua responsabilidade, considerando a costumeira apatia por eles revelada durante as aulas. Como trabalho na biblioteca de nossa escola, pude constatar esse fato, nos momentos em que minha colega levava suas turmas para realizarem atividades de leitura. Convém destacar que minha formação guarda semelhança com a da professora Edelvira: sou formada em Letras, com Mestrado em Sociolinguística, e doutorado em Mídias e Processos Socioculturais. Essa aproximação epistemológica igualmente nos irmanou em reflexões acerca das possíveis causas desse (não) envolvimento dos alunos nas aulas de Língua Portuguesa, bem como sobre as consequências inevitáveis disso: a formação de alunos que não sabem escrever nem interpretar o que leem. Foi então que propus à professora Edelvira que ela tentasse sugerir aos alunos a produção de resumos digitais – para serem postados no Facebook da biblioteca, a partir das leituras que estavam realizando em suas aulas. Detalhe: já era um trabalho em andamento, proposto por minha colega. O que sugeri foram alguns caminhos para reorientar o trabalho com vistas ao interesse dos alunos. Além disso, eles deveriam fotografar a capa do livro para ser postada junto com o resumo. O objetivo, além de motivá-los, era criar um banco digital de resumos dos livros da biblioteca, para serem veiculados na Rede Social em pauta e, a partir dessa espécie de propaganda
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literária, estimular os alunos a buscarem outros títulos no acervo. Complementarmente, esperávamos dar conta do que chamamos autoria, no sentido de construir com os alunos a ideia de que o resumo não seria meramente cópia do que leram nem da sinopse do livro. Nossa expectativa ancorava-se em nossas observações diárias: invariavelmente os alunos andavam colados aos celulares, ouvindo música e trocando mensagens nas redes sociais, mais especificamente o Facebook. Assim, imaginávamos que a possibilidade de usar as redes sociais os instigaria a participar, ativamente, tanto dos trabalhos da disciplina de português, quanto do acesso aos títulos disponíveis em nossa biblioteca, ao mesmo tempo que o fato de termos instituído um polo de recepção claro – todos os colegas de diferentes turmas, vinculados ao projeto, e as professoras – levaria a uma qualificação do fazer escrito: se os resumos seriam lidos por todos, então haveria mais apuro nas produções. Movidas nessa direção é que partimos para o planejamento das etapas do projeto.
3. METODOLOGIA Esta pesquisa foi realizada na EMEF Leocádia Felizardo Prestes, localizada na COHAB - Cavalhada, em Porto Alegre, tendo como público-alvo alunos do II e III Ciclos do Ensino Fundamental, perfazendo, de uma população aproximada de 700 alunos, uma amostragem de 71 sujeitos, durante o segundo semestre de 2013. Esse recorte formou-se com base no critério de maturidade dos alunos selecionados para realizarem múltiplas tarefas, segundo a percepção da professora regente. Por este trabalho ter como objetivo inicial a produção de resumos a partir da leitura de livros, foram apresentadas, em sala de aula, a estrutura e a organização do resumo. Após, os alunos foram conduzidos à biblioteca da escola para que fosse iniciada a leitura dos livros escolhidos por cada um deles. Posteriormente, solicitamos aos alunos que dessem início à escritura dos resumos. Como percebemos resistência de muitos deles em realizar a tarefa proposta, além de dificuldades na realização dos resumos, decidimos, para motivá-los, propor que os textos fossem digitalizados e postados no Facebook da biblioteca, que já havia sido criado para a divulgação do acervo. Esses resumos deveriam ser enviados, primeiramente, para a professora da disciplina de Língua Portuguesa para que fossem corrigidos e indicados os aspectos indicados com vistas à reescritura. Após essa etapa, os resumos foram reenviados para os alunos realizarem as correções apontadas para, só então, postá-los no Face, juntamente com a fotografia da capa do livro (a sugestão é que usassem os celulares para a captura das imagens). Uma vez postados os resumos com as respectivas fotos, montamos no próprio Facebook uma enquete, a fim de que os alunos votassem nos resumos que julgassem mais autorais; nosso objetivo, aqui, era aferir a percepção dos alunos quanto à diferença entre o que seria um texto-cópia e um texto com a identidade de quem o produziu. Na etapa final, elaboramos um questionário, a fim de mapear a avaliação dos alunos sobre o trabalho e sobre o desempenho deles, onde constavam, entre outras, as seguintes perguntas que destacamos como principais para este artigo: “Você gostou do trabalho? Por quê?”; “Você teve alguma dificuldade para realizar o trabalho? Qual?”; “Você tem fácil acesso à internet fora da escola? Como?”
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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Como podemos observar na figura 1, uma parte significativa dos sujeitos participantes desta pesquisa responderam que gostaram de realizar o trabalho, não tanto pela leitura dos livros e pela realização dos resumos, mas principalmente pelo uso das mídias digitais e das redes sociais.
Figura 1. Questão 1: Você gostou do trabalho? Por quê? Fonte: As autoras, 2013.
Tal constatação é ancorada pelas justificativas dadas pelos alunos, que consideraram a atividade inovadora, “diferente”. No entanto, é preciso mencionar que houve dificuldade para a realização do trabalho (figura 2), ainda que 36% dos informantes tenham respondido que “sim”.
Figura 2. Questão 2: Você teve alguma dificuldade para realizar o trabalho? Qual?” Fonte: As autoras, 2013.
A análise das justificativas dadas para essas questões evidenciaram que os principais problemas se concentraram notadamente na edição de textos (a maioria não sabia como usar as ferramentas do Word, por incrível que isso possa parecer), nem atachar
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arquivos para serem enviados por e-mail, fora o fato de muitos não terem acesso à internet. E quando conseguiram produzir os resumos, fizeram-nos no bloco de notas ou manuscritos, neste último caso, quando não dispunham de computador. Vale lembrar que, na época, estávamos sem laboratório de informática em nossa escola, visto que todos os prédios estavam em reforma. Com relação à pergunta 3, a figura 3 evidencia que 69% dos sujeitos responderam que “sim” a essa pergunta, porém, verificou-se, pelas dificuldades enfrentadas para a realização da tarefa que o acesso à internet era limitado e, quando ocorria, era basicamente a troca de mensagens e postagens no Facebook.
Figura 3. Questão 3: “ Você tem fácil acesso à internet fora da escola? Como?” Fonte: As autoras, 2013.
Mesmo assim, foi interessante observar como os alunos conseguiram, mesmo no caos que se instaurou durante a execução do trabalho, dar conta dos problemas que enfrentaram: os que tinham computador e sabiam usar editor de texto se ofereciam para ajudar os demais; os que sabiam anexar documentos e postar no Face faziam para os outros; nós auxiliávamos os alunos, usando o único computador disponível na biblioteca, sempre que era possível, de tal sorte que se constituiu uma verdadeira rede de auxílio mútuo para que a tarefa pudesse ser concluída. Se a aprendizagem colaborativa de que tanto os autores falam é isso, acreditamos ter conseguido, ainda que não fosse um dos nossos objetivos. Por outro lado, o objetivo que previa a criação de resumos autorais não foi totalmente atingido, porque a maioria dos alunos copiou na íntegra ou em parte de resumos prontos, como podemos ver na figura 4. Primeiro, por falha nossa, que, no afã de fazer algo “novo” (é difícil ainda aceitar que o que fizemos foi inédito, quando já é lugar comum para tantos), atropelamos o processo, particularmente no que diz respeito às técnicas de como fazer um resumo – isso podia ter sido aprofundado – e, segundo, na presunção de que, para todos os alunos, seria fácil editar um texto e enviá-lo por e-mail.
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Figura 4. Capa do livro e resumo Fonte: As autoras, 2013.
Da mesma forma que isso nos surpreendeu, também o fato de os alunos não saberem explorar todas as potencialidade do Facebook, caso da enquete (figura 5), visto ser uma rede social tão usada por eles em seus acessos via telefone celular, ainda que só o façam quando conseguem ter créditos para acessar a internet.
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Figura 5. Enquete Fonte: As autoras, 2013.
Quanto ao objetivo relacionado ao aumento da procura pelos livros do acervo da biblioteca, também foi atingido parcialmente. Nossa hipótese é que pode ter havido uma rejeição aos livros do projeto por parte dos alunos que demonstraram mais dificuldade em realizar o trabalho, ao contrário dos demais pares que apresentaram maior desenvoltura ao lidar com as tarefas propostas; neste último caso, os sujeitos locaram os livros que foram divulgados no Face.
CONCLUSÃO Se levarmos em conta os resultados obtidos com nosso trabalho, podemos afirmar que, seguramente, não basta a simples presença física do aparato tecnológico para que se faça inclusão digital; especialmente se considerarmos a realidade dos alunos-sujeitos de nossa investigação. Fosse assim, todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre estariam muito bem no quesito uso do computador, uma vez que, até onde sabemos, todas as escolas dispõem de laboratórios de informática. Some-se a isso o fato de que devemos duvidar daquilo que nossos olhos veem, pois, ainda que a grande maioria de nossos alunos ande sempre com celulares na mão, por exemplo, isso não significa que saibam usar todos os recursos que ele oferece – quer por limitações financeiras, quer por falta de conhecimento; o mesmo vale para o uso que fazem do computador. O que queremos dizer, ao fim e ao cabo, é que, em qualquer trabalho que se proponha no universo escolar, particularmente no que diz respeito às TIC é aconselhável que não se dê por natural aquilo que não é. No caso de nosso trabalho, partir do pressuposto de que os alunos, por estarem imersos num mundo digital – nem tanto assim, como pudemos constatar – sejam proficientes no uso que delas fazem.
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Da mesma forma, há que se questionar o papel do professor nesse contexto: usar as novas tecnologias e, por extensão, laboratórios de informática, requer planejamento, domínio dessas tecnologias e conhecimento do universo onde irá atuar. Do contrário, seu papel será o de propagador de mais uma forma de exclusão dos alunos, no caso dos que atendemos, já excluídos socioeconomicamente. Ainda que nossos objetivos tenham sido alcançados parcialmente, o que se deveu, principalmente, às dificuldades enfrentadas por nossos alunos no manejo no editor de texto, na falta de conexão à internet e de acesso a computadores, o maior ganho que tivemos foram as descobertas que fizemos acerca do quanto nossos alunos não sabem: produzir e editar textos usando ferramentas digitais, por exemplo. Esse dado aponta, de forma dramática, para o quanto não estamos preparando nossos alunos para um ingresso mais qualificado no Ensino Médio, nem no mercado de trabalho, que exige, via de regra, pelo menos o manejo correto do Word e do correio eletrônico – conhecimentos básicos de informática, se pensarmos bem. Se nosso trabalho, além de tudo o que já foi exposto, mostrou também que nossos alunos precisam aprender a escrever dizendo a sua palavra e não só a do outro; a organizar o pensamento de forma lógica, a ler mais, também pôs em evidência que não devemos ter medo de ser propositivos, mesmo em contextos adversos como onde trabalhamos, nem de enfrentar nossas próprias limitações – se não sabemos, vamos aprender. Para tanto, acreditamos que devemos mudar nossa postura de professorestransmissores de conteúdos para o de professores animadores da consciência coletiva, tal como postula Lévy (2000), e enfrentar o novo, adotando o jeito piagetiano de ser: conhecendo para modificar, transformar e compreender.
REFERÊNCIAS Kuhlthau, Carol C (2013). Como usar a biblioteca na escola: um programa de atividades para o ensino fundamental. Tradução e adaptação de Bernadete Santos Campello et al. Belo Horizonte: Autêntica. Lévy, Pierre (2000). Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34. Sodré, Muniz (2002). Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear em rede. Petrópolis, RJ: Vozes. Miranda, Guilhermina Lobato (2007). Limites e Possibilidades da TIC na educação. Sísifo/ Revista de Ciências da Educação. 3 (41-50). Recuperado de: http://portaldoprofessor. mec.gov.br
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo Elisangela Rodrigues
da
Co sta 1
Resumo: O artigo demonstra que é possível o uso da plataforma digital Khan Academy no ensino da Matemática, na escola pública formal, por meio de um olhar educomunicativo. Os resultados de Barueri comprovam.
Palavras-Chave: Comunicação, Internet, Educomunicação, Cultura escolar. Abstract: The article demonstrates that the use of digital platform Khan Academy is possible in the teaching of mathematics, the formal public school, through a educomunicativo look. The results of Barueri show. Keywords: Communication, Internet, Educommunication, School culture.
1.DOS CONTEXTOS ÀS CONDIÇÕES TECNOCOMUNICATIVAS 1.1. Contexto comunicativo CONDIÇÃO CONTEMPORÂNEA exige a adoção dos processos comunicacionais
A
em espaços diversos, na medida em que não é mais possível pensar em sociedade sem a incorporação de recursos tecnológicos; com isto, locais que antes priorizavam apenas uma característica foram invadidos por dispositivos e informações que circulam por meio de uma infinidade de mediações, alterando a sua finalidade inicial, caso da escola. A entrada das tecnologias em espaços de educação formal e o desenvolvimento das mídias resultaram em novas maneiras de produção, mediação e recepção do conhecimento. Neste contexto, os meios tecnológicos e comunicacionais são estratégicos nas reconfigurações sociais “obrigando” a incorporação de suas linguagens no espaço escolar, também como alternativa de aproximação com os alunos, para auxiliá-los no processo de articulação dos conteúdos de diferentes fluxos. O sociólogo Manuel Castells (2003, p.255) defende que, para situar a questão da condição comunicativa hoje, é imprescindível falar de internet, pois “é o tecido de nossas vidas neste momento. Não é futuro. É presente. Internet é um meio para tudo”. O autor chama o atual modelo social de “a sociedade em rede”, justamente por acreditar que “ela é - e será ainda mais – o meio de comunicação e de relação essencial sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos” (CASTELLS, 2003, p. 256). Para ele, o momento é caracterizado pela revolução tecnológica, centrada nos espaços digitais, com uma estrutura societária em rede em todos os âmbitos de atividade e com interdependência global. 1. Jornalista, pedagoga, Mestre e doutoranda em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). e-mail: lisacosta@usp.br
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A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012, sob o comando do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), ressalta a frequência de uso entre crianças e jovens que acessam a Internet no país: 47% afirmam que acessam todos os dias; 38% entram no sistema uma ou duas vezes por semana; 10%, uma ou duas vezes por mês; apenas 5% o fazem menos de uma vez por mês. Em outras palavras, 85% das crianças e jovens usuários de Internet do país já mantêm um relacionamento com o mundo virtual com alguma regularidade. Os dados apontam, contudo, para diferentes níveis de contato e interferências, como, por exemplo, as condições econômicas familiares. Nas famílias com maiores rendas, a frequência de uso da Internet pelos sujeitos pesquisados é maior. Os jovens com maiores poderes aquisitivos têm a própria residência como local privilegiado de acesso diário, enquanto os demais buscam espaço de uso fora do lar. No caso das crianças e jovens das classes com baixo poder aquisitivo, bem como seus pais, o acesso vem sendo garantido por ambientes coletivos, como as escolas e as lanhouses (42% do público infantojuvenil entrevistado acessa a Internet na escola). Sendo a escola um local que abre espaço para o acesso de um grande público à Internet é necessário apresentar o atual contexto educacional.
1.2. Contexto educacional e as tecnologias digitais Ao pensarmos na sala de aula como um local propício para a manifestação dessas transformações sociais, depreendemos que o professor tem a função de orientador na medida em que os conteúdos dos meios tornam-se “invasores” desse universo – assim, a questão do acesso passa a não ser a única preocupação, como anteriormente. Neste momento histórico, a relação em torno do consumo com esses meios, ou seja, o impacto que eles provocam no comportamento da juventude, resulta numa lacuna nos diálogos entre aluno e professor. Por isto se propaga a independência, cada vez maior, do estudante, perante o educador, obrigando reflexões acerca das metodologias em sala. Sendo assim, torna-se importante a elucidação da metáfora do americano Marc Prensky (2010), quanto aos “nativos e imigrantes digitais”. Os conceitos são utilizados para exemplificar as relações pedagógicas entre indivíduos de gerações diferentes. De acordo com Prensky, no primeiro grupo (nativos digitais) encontram-se as crianças e jovens que nasceram com a Internet, que aprendem sozinhos com as tecnologias e fazem delas uma verdadeira extensão de si mesmos. O segundo (imigrantes digitais) é formado por indivíduos que não nasceram no mundo digital e que, em determinada altura, sentiram-se atraídos por ele. Para estes, serão necessárias adaptações ao ambiente e a aquisição de novas aprendizagens, situação contrária à dos nativos, para quem a evolução tecnológica fará sempre parte do processo natural de desenvolvimento. O americano descreve os infantojuvenis como acostumados à rapidez do hipertexto2, a baixar músicas, a usar celulares de bolso, a recorrer às bibliotecas nos laptops, enviar 2. O conceito é de Pierre Lévy, definido como o estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição. “O meio ecológico no qual as representações se propagam é composto por dois grandes conjuntos: as mentes humanas e as redes técnicas de armazenamento, de transformação e de transmissão das representações. A aparição de tecnologias intelectuais como a escrita ou a informática transformam o meio no qual se propagam as representações.” (Lévy, 1993, p. 138).
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mensagens instantâneas, a passar a maior parte de suas vidas “conectados”, daí a impaciência destes com metodologias que utilizem de palestras, lógica passo a passo, ou as instruções sobre “o como fazer”. O autor ressalta a distância entre as gerações, afinal, “nativos e imigrantes digitais são termos que explicam as diferenças culturais entre os que cresceram com a era digital ou não” (PRENSKY, 2010, p.39). A noção de que os jovens vivem na manifesta e-life é apontada por Marc Prensky como um dos grandes desafios da escola formal na medida em que os alunos que nasceram há poucos mais de uma década se transformaram em verdadeiros “especialistas”. Além de processarem com maior rapidez as informações, eles dão primazia às imagens, enquanto os indivíduos mais velhos priorizam o texto. Contudo, a inserção de suportes no ambiente educacional, como lousas digitais e laboratórios de informática, não é garantia de sucesso na prática pedagógica. Na leitura de Prensky, introduzir novas tecnologias na sala de aula não melhora o aprendizado automaticamente, porque a tecnologia dá apoio à pedagogia e não vice-versa. Adilson Citelli (2012, p.8), ao tratar da interface comunicativo-educacional, afirma que “a difusão de computadores/tablets na escola proporcionou aos docentes e discentes não apenas diversificadas estratégias de acesso ao conhecimento e à informação, mas também reposicionamentos”. Por isso a urgência dos ajustes entre as duas áreas. Citelli elucida que a escola pode e deve proceder à incorporação dos recursos tecnológicos, sejam eles digitais ou não, sem, no entanto, cair no perigoso reducionismo tecnicista. Neste aspecto Jesús Martín Barbero (2014, p.120) fala do paradoxo “é uma ardilosa instrumentalização das ‘novas tecnologias’, para cobrir com ruído e brilho digital a profundidade da crise, que atravessam as relações da escola com a sua sociedade”. O autor ressalta ainda o papel das tecnologias para os mais jovens: Pois meios e tecnologias são para os mais jovens lugares de um desenvolvimento pessoal que, por mais ambíguo e até contraditório que seja, eles converteram no seu modo de estar juntos e de expressar-se. Então, devolver aos jovens espaços nos quais possam se manifestar estimulando práticas de cidadania é o único modo pelo qual uma instituição educativa, cada vez mais pobre em recursos simbólicos e econômicos, pode reconstruir sua capacidade de socialização (MARTÌN- BARBERO, 2014, p.120).
Martín- Barbero (2014) enumera o fundo da crise que está deslocando o sistema escolar na América Latina, primeiramente aponta um modelo de comunicação escolar ultrapassado, em termos de espaço e tempo, destaca a inexistência de idade ideal para a aprendizagem e que, hoje, pode-se aprender em qualquer lugar. Ainda quanto as mudanças que atingem o sistema educacional, o autor elenca as seguintes dificuldades: a da vinculação com a cultura, a falta de transmissão da herança cultural; do seu real papel de capacitação e da crescente desvalorização da escola pública fazendo com a educação se transforme cada vez mais numa espécie de “carga” que o Estado deve suportar e não como investimento social. Neste sentido, Martín- Barbero (2014, p.122) ressalta que;
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não por culpa dos professores ou dos alunos, mas pela existência de um ecossistema comunicativo que, ao catalisar as sinergias entre a perda da vitalidade das grandes instituições modernas e o surgimento de outras formas de sociabilidade torna o sistema educativo incapaz de conectar-se a tudo o que os alunos deixam de fora para estar na escola.
Hoje, o fato é que o circuito comunicativo-tecnológico é tão inerente ao cotidiano das novas gerações de alunos que marcam o seu perfil, obrigando os docentes a buscarem apoio e novos conhecimentos no tratamento com as questões midiáticas Contudo os educadores, preocupados com este cenário, expõem suas maiores necessidades na pesquisa “Conselho de Classe: a visão dos professores sobre a educação no Brasil” realizada pelo IBOPE Inteligência e Fundação Lemann. Foram entrevistados 1000 professores do Ensino Fundamental (I e II) de escolas públicas de todo o Brasil, acerca de inúmeros assuntos, entre eles sobre a inovação tecnológica em educação. Na pesquisa a questão acerca da temática era sobre “De que maneira a implementação de propostas inovadoras em tecnologia contribuiria para a qualidade da educação nas escolas públicas brasileiras?” As respostas demonstram a grande preocupação dos docente, pois para 92% deve-se formar os professores para o uso da tecnologia aplicada ao ensino e materiais didáticos digitais de qualidade (jogos, vídeos); 85% deve existir mais e melhores computadores e acesso rápido à Internet na sala de aula; 81% acreditam na aprendizagem personalizada para cada aluno e o acompanhamento pelo professor com o apoio de tecnologias. Os dados comprovam que plataformas digitais de aprendizagem possibilitam um acompanhamento em tempo real e personalizado de cada aluno. Sem contar que, com ofertas de exercícios por meio de vídeos, relatórios e diferentes mídias, ganham cada vez mais adeptos na rede pública educacional brasileira. Um exemplo, disto, é o Projeto Khan Academy nas escolas, uma parceria entre a Fundação Lemann, a Khan Academy.com, com apoio do Instituto Natura, Instituto Península, ISMART e Fundação Telefônica.
2. A PLATAFORMA KHAN ACADEMY: HISTÓRICO E FUNÇÕES Retomando a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012, os resultados revelam que na faixa etária de 10 a 15 anos, 67% dos brasileiros são usuários de Internet e 66% são consumidores de diferentes mídias como o YouTube. E foi justamente por meio de gravações caseiras na plataforma YouTube que, há mais de uma década, em 2004, o norte-americano Salman Khan, um analista financeiro com graduações pelo MassachusettsInstitute of Technology (MIT) e MBA pela Harvard Business School, decidiu ajudar sua prima mais nova que estava tendo dificuldades com os conteúdos de matemática. Como a garota morava na cidade de Nova York e ele em Boston, as aulas eram por telefone. Logo começou a ajudar outros primos e surgiu, então, a ideia de gravar vídeos e colocá-los no YouTube. Assim, Khan só precisaria dar a aula uma vez e os primos poderiam assistir às explicações quando fosse mais conveniente.
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Os vídeos não ficaram restritos ao círculo familiar. Em pouco tempo milhares de jovens estavam assistindo às suas aulas. Entre os estudantes fãs do matemático estavam os filhos Bill Gates, que passou a fazer grandes doações à Khan Academy e impulsionou seu crescimento e divulgação mundial, juntamente com o Google. No Brasil em 2013, a plataforma da Khan Academy (organização sem fins lucrativos), parceria com a Fundação Lemann, afirma ter por objetivo educação gratuita em qualquer lugar. Este projeto, inicialmente, teve seu uso restrito às escolas integrantes na cidade de São Paulo e ABC. Em 2014, foi ampliado para várias cidades e regiões metropolitanas, inclusive, o município de Barueri, experiência a ser explicada mais adiante. Na plataforma (com vídeo traduzidos do inglês) é divulgada a ideia da experiência de aprendizagem personalizada com vídeos e exercícios, sendo o principal foco a área da Matemática (devido as vídeos-aulas de Salman Khan) recomendada do 3º ano ao 9º ano do Ensino Fundamental e também ao Ensino Médio. Vale retomar Castells quando descreve as características de um sistema digital (em relação a Internet) em que a realidade em si (ou seja, a existência material/simbólica das pessoas) está imersa por completo em um ambiente de imagens virtuais, no mundo do “faz-de-conta”, em que os símbolos não são apenas metáforas, mas contemplam a experiência real, o que ele denomina de Cultura da virtualidade real. Apesar do enfoque em Matemática, a plataforma da Khan Academy também oferece outros conteúdos em: Ciências, Programação de computador, História, Artes e Humanidades, Economia e Finanças, além de acesso a grandes museus do mundo. Outro estudioso, Henry Jenkins (2009, p.29) fala em A cultura da convergência como “o fluxo de conteúdos por meio de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre inúmeros mercados e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação”. Sob a perspectiva de Jenkins, é possível a compreensão de que os velhos meios comunicacionais não estão sendo substituídos pelos novos, como se pensava; o que ocorre, em sua visão, é a mudança nas funções com a introdução de tecnologias. O autor explica que a convergência não deve ser compreendida apenas como um processo tecnológico que une várias funções dentro dos mesmos aparelhos já que “representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos” (JENKINS,2009, p. 30). O processo de seleção dos municípios para implantar o projeto da Khan, ocorre por meio de parceria com a Fundação Lemann, inscrição em um edital, visita técnica, adesão das equipes gestoras da rede em questão, uma vez selecionada, a cidade-parceira recebe formação inicial para professores e gestores, os alunos são cadastrados e recebem suas senhas para acesso à plataforma. Para tanto, a principal exigência é a disponibilidade de um professor responsável pela Khan na Secretaria de Educação que acompanhará, com os formadores da Khan, o desempenho dos alunos e escolas de sua rede por meio de relatórios e controle semanais. Com a combinação de tecnologia adaptativa e feedback instantâneo, na Khan Academy os alunos acabam se tornando corresponsáveis pelo seu próprio progresso. Toda conta é uma conta de aluno e de “tutor”, os pais também acesso às atividades dos
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filhos para acompanhamento e das habilidades atingidas. Portanto, todos os recursos estão disponíveis tanto para os alunos como tutores e pais. O termo tutor (neste projeto) é usado para qualquer pessoa que orienta um aluno. Ele pode ser um instrutor, um pai, um mentor, ou até mesmo um colega. Em matemática, os alunos podem usar o painel personalizado para acessar o conteúdo de maior importância para eles, e ainda têm liberdade de escolha e horário para realizarem determinadas tarefas. Esse painel se adapta ao nível do aluno e recomenda as habilidades para as quais está preparado. É válido ressaltar que a Fundação Lemann em seus vários cursos voltados às “Técnicas Didáticas” e programação direciona suas formações à ideia de “altas expectativas” em relação ao alunado, tanto que Doug Lemov (diretor executivo da organização não governamental Uncomon Schools), autor do livro Aluno nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência adotado pela Lemann, frisa a necessidade de criar uma forte cultura escolar. No referido livro, o autor afirma aos docentes que: para construir uma cultura escolar que conduza e sustente a excelência, você deve levar em consideração cinco aspectos de sua relação com os alunos. Professores excelentes oferecem aos alunos muita oportunidade de dizerem sim, de se envolver, de mergulhar em um tema. Engajam seus alunos intensamente em tarefas positivas, desviando sua atenção do que é contraproducente e concentrando suas energias no que é interessante e relevante (LEMOV, 2011, p. 165)
Os cinco pontos que trata o autor são disciplina, gestão, controle, influência e engajamento. É válido ressaltar que o conceito de engajamento, utilizado neste artigo, é sinônimo de envolvimento, interesse e ocupação, como adotado, há cerca de uma década no Brasil pelos pesquisadores do marketing. A plataforma elaborou em 2014 um ranking nacional com os melhores alunos, a mensuração era feita por meio da maior quantidade de habilidades dominadas e horas acessadas. A cada término de determinada quantidade de exercícios de Matemática, os alunos passavam para outra fase e eram condecorados virtualmente com uma medalha de prata, ouro, bronze, de acordo com as habilidades.
2.1. A experiência da Khan em Barueri: do engajamento ao olhar educomunicativo A cidade de Barueri localizada na região oeste da grande São Paulo possui uma população de 240.656 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) censo de 2010. Faz divisa territorial com cinco municípios: ao norte, Santana de Parnaíba; ao sul, Carapicuíba; a leste, Osasco; a oeste, Jandira e Itapevi. Atualmente a rede educacional municipal possui 58 escolas do Ensino Fundamental sendo 4 escolas de período integral e dois complexos educacionais (compostos de escola maternal, pré-escola e Ensino Fundamental I e II no mesmo espaço). A experiência da Khan Academy no município ocorreu após a inscrição da Secretaria de Educação no edital da Fundação Lemann para este e outro curso denominado “Técnicas Didáticas” ofertado aos gestores.
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O projeto piloto em Barueri foi implantando, em junho de 2014, em três escolas do Ensino Fundamental (EMEF´s) Professora Maria Meduneckas (Jardim Silveira), Levy Gonçalves de Oliveira (Parque Imperial) e Prefeito Nestor de Camargo (Jardim Mutinga), esta última de período integral, totalizando 1889 alunos participantes. As unidades escolares foram escolhidas considerando alguns critérios, tais como: infraestrutura dos laboratórios de informática, disponibilidade de conexão de internet, com no mínimo 8 Mbps de velocidade, um computador por aluno e um gestor da Secretaria responsável pela mediação com as escolas e equipe Khan. Em três meses de uso na rede de Barueri, professores de Matemática começaram a relatar que a plataforma estimulava os alunos a serem mais autônomos, embora a mediação do docente seja fundamental na escolha dos exercícios, e desafiados a retomar pontos de conteúdos que até desconheciam. Das três escolas envolvidas no projeto, uma se destacou mais. A EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Professora Maria Meduneckas, parte do chamado Complexo Educacional (Maternal, pré-escola e Fundamental) teve seis alunos que se destacaram nacionalmente. Para exemplificar, a experiência, os próprios alunos relataram sobre o projeto. “Muita gente usa a Internet, mas não para aprender” disse o aluno Davi Serrano, 12 anos, 6º ano, que quer seguir carreira de Engenheiro Civil, classificado em 6º lugar em 2014 no ranking nacional. “O Khan Academy tem vídeos para entender melhor a Matemática. Eu fico umas quatro horas por dia para conseguir ser a primeira na pontuação”, relatou Carina Silva, 14 anos, do 9º ano, que ficou em 1º lugar. “O professor tira sua dúvida na hora que você está fazendo o exercício em casa. Ele vê em tempo real se estamos acertando ou errando, e isso ajuda muito”, explicou o aluno Leandro Reis, 14 anos, também do 9º ano, que ficou 4º lugar. Outro item importante da plataforma é o auxílio, em tempo real, que o professor pode oferecer aos alunos de qualquer lugar que acesse a plataforma. O docente tem condições de mensurar as maiores dificuldades por meio de relatórios e acompanhamento dos exercícios realizados, certos ou errados, pelos educandos. Em outro aspecto, é preciso admitir o grande perigo deste tipo de projeto, com o universo digital, que é reduzi-lo ao puro tecnicismo, por isto a ênfase na importância do olhar educomunicativo. A educomunicação, definida como área da prática social, está preocupada com a natureza dos ecossistemas comunicativos em que os sujeitos sociais estão inseridos. A mediação tecnológica, uma área de intervenção, na prática educomunicativa, de acordo com Ismar Soares (2013), tem como objetivo: Não apenas garantir o acesso aos recursos da informação, mas essencialmente facilitar que o domínio dos novos instrumentos esteja sintonizado com um projeto político que garanta o exercício universal do direito à expressão, no contexto de uma sociedade solidária que faça a cidadania prevalecer sobre o mercado (SOARES & VIANA, 2013, p.50).
A investigação se pautou na diferença desta unidade escolar, em relação às demais, pois, em três meses de projeto, conseguiu colocar sete alunos no ranking nacional da
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Khan, inclusive o 1º colocado do Brasil (disputando com centenas de escolas de outros 44 municípios, inclusive da cidade de São Paulo). Com reportagens de grandes emissoras, visitas da família Lemann e oferta gratuita de formação aos docentes da escola pelo YouTube com orientações sobre vídeos (gravação, câmera, redação), as ações educomunicativas foram estimulando a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos envolvidos. Vale dizer que a preocupação dos educomunicadores não são as TIC´s, em si mesmas, nem suas ferramentas, o foco desta perspectiva é a possibilidade do diálogo entre o poder público, o sistema educacional, os pais e estudantes, além do estimulo do desenvolvimento do protagonismo juvenil, cidadania e da livre expressão comunicativa. Neste sentido, a equipe de gestão escolar elaborou painéis informativos, disponibizou espaços na biblioteca para uso, e pesquisa sobre a plataforma, horários de plantão para os alunos acessarem. Estimulou a produção de vídeos e depoimentos, além da elaboração de reportagens, feitas pelos próprios alunos da escola, os professores, à medida que o projeto ia se desenvolvendo, iam inserindo-se nele com temáticas interdisciplinares. A pesquisa semanal realizada pela Fundação Lemann (com as três escolas participantes) apontou que os alunos desta EMEF Professora Maria Meduneckas iniciaram com 5% de uso e terminaram 75% com picos de 83% (de junho a dezembro). Outra ação desta unidade escolar é que nas reuniões de pais, a gestão convidava-os à acessarem a plataforma. Assim, por meio do projeto, muitos também tinham acesso à Internet e observavam a evolução do filho em Matemática. A importância do olhar educomunicativo, em outras palavras: A educomunicação não pergunta sobre a atualidade dos equipamentos instalados numa escola ou mesmo sobre o tipo de treinamento que se deve oferecer a professores e alunos – isso já faz parte do ideário que preside a modernização do ensino – mas, essencialmente, sobre como pais, professores e alunos devem transformar os recursos da rede em instrumentos de estreitamento de suas relações em benefício do potencial solidário que esse consórcio pode gerar em benefício do conjunto da comunidade educativa em geral (SOARES & VIANA, 2013, p.51).
De acordo com a mensuração dos resultados fornecida pelo relatório de fechamento da Khan Academy nas escolas de Barueri, em dezembro de 2014, por Maristela Alcântara (responsável pela tecnologia educacional) o mínimo de pontos semanal, por aluno, era de 1600 pontos para compor o ranking de habilidade atingidas. Em Barueri, 77% dos alunos envolvidos ultrapassaram o número mínimo. A escola que adotou a perspectiva educomunicativa atingiu 87% dos alunos. Segundo a diretora da EMEF Professora Maria Meduneckas, Márcia Pereira, na avaliação de final de ano, “houve 60% de melhora dos alunos do projeto Khan em Matemática, alteração na ideia de disciplina, melhora significativa da expressão comunicativa, com produtos midiáticos, tanto pelos alunos como professores” A Secretaria Municipal de Educação de Barueri, em 2015, ampliou o projeto para mais escolas, contudo a escola com o olhar educomunicativo tornou-se referência para as outras, com abertura para visitação e trocas de experiências.
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3. CONCLUSÃO Quanto às tecnologias no contexto educativo, o problema não é estreitar a proximidade entre as dinâmicas comunicativo-tecnológicas, mas realizar esta ligação sob um enfoque não instrumental, observação feita, por Raymond Williams acerca dos perigos do determinismo tecnológico. Com isto: O lugar das tecnologias na escola – e mesmo para o chamado ensino a distância - deve ser aquele voltado para o interesse de uma educação anteriormente definida como emancipadora, capaz de facultar autonomia de pesquisa, e, sobretudo, reconhecimento do sujeito no mundo. (CITELLI, 2011, p.80)
Ainda neste sentido, outro autor, Hugo Assmann (2000) enfatiza que a espécie humana alcançou hoje uma fase evolutiva inédita na qual os aspectos “cognitivo e relacional” da convivência se “metamorfoseiam” com rapidez nunca antes experimentada. O autor explana sobre a metamorfose do processo de aprendizado e afirma que a instrumentalização e a reflexão não são alternativas contrapostas, mas racionalidades conjugáveis e complementares. Pressupõe que a resistência de muitos professores a usar livremente as novas tecnologias na pesquisa pessoal e na sala de aula “tem muito a ver com a insegurança derivada do falso receio de estar sendo superado, no plano cognitivo, pelos recursos informáticos” (2000:8). Quanto à crítica à razão instrumental, o autor ressalta ser um desafio permanente, porém, para evitar mal-entendidos, esclarece: Nada de redução do Lógos à Techné. Mas, doravante, já não haverá instituição do Lógos sem a cooperação da Techné. As duas coisas se tornaram inseparáveis em muitas das instâncias – não em todas, é claro – do que chamamos aprender e conhecer. Estamos desafiados a assumir um novo enfoque do fenômeno técnico. Na medida em que se tornou co-estruturador de nossos modos de organizar e configurar linguagens, penetrou também nas formas do nosso conhecimento (ASSMANN, 2000, p.10).
Em resumo, o autor defende que as novas tecnologias têm um papel ativo e estruturante nas formas de aprendizagem e conhecimento, daí a importância de aproveitá-las ao máximo, mas sem desconsiderar as implicações antropológicas e epistemológicas da relação entre seres humanos e maquinário. Em relação ao projeto Khan Academy é fundamental que o professor e a gestão escolar tenham conhecimento da perspectiva educomunicativa para que a autonomia apregoada pelo projeto não transforme os alunos em meros reprodutores de fórmulas, e alimentadores do acesso à plataforma e um espírito altamente competitivo. E que a Secretaria de Educação dê os devidos suportes para que o projeto de desenvolva estruturalmente. Em resumo, o grande questionamento é quanto as razões de uso e do para que fazer. Afinal existe uma dicotomia evidente, toda vez que observamos a realidade das escolas públicas brasileiras, quanto à presença e usos pedagógicos da Internet no ensino formal. É verdade que:
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Para que tais transformações ocorram, são absolutamente necessárias políticas públicas no campo da educação, da comunicação e da cultura que favoreçam a inserção crítica e educativa dos recursos tecnológicos digitais, de seus produtos culturais e da Internet, como parte dos processos educativos a carago especialmente do Ensino Básico (SOARES &VIANA, 2013, P.52).
Ainda há muito o que se fazer neste sentido, contudo, experiências como essa vivenciada em Barueri, podem ser multiplicadas para outras regiões, desde que tenhase o cuidado de entender a importância de um olhar educomunicativo para a questão.
4. REFERÊNCIAS ASSMANN, Hugo. (2000). A metamorfose do aprender na sociedade da informação. Ciência da Informação. Brasília, isnn: 1518-8353 v. 29, nº 2, p. 7-15. CASTELLS, M. (2003). A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. CITELLI, Adilson Odair. (2011). Ensino a distância na perspectiva dos diálogos com a comunicação. Revista Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, issn: 1983-7070, v. 8, nº 22, p. 187-209. _______. (2010). Comunicação e educação: convergências educomunicativas. Revista Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, issn: 1983-7070, v. 7, nº 19, p. 67-85. JENKINS, Henry. (2009). Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph. LEMANN, F. (2015). Conselho de Classe: a visão dos professores sobre a educação no Brasil. São Paulo: Lemann. LEMOV, D. (2011). Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo: Da boa prosa, Fundação Lemann. LÉVY, Pierre. (1993) As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na Era da Informática. Rio de Janeiro: Editora 34. MARTÍN-BARBERO, J. (2014). A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014. PRENSKY, M. (2010, julho). O aluno virou o especialista. Entrevista Revista Época. Editora Globo, edição 634. SOARES, I & VIANA, C. (2013). Pais, filhos e Internet: a pesquisa TIC Kids online Brasil 2012, na perspectiva da educomunicação. In: TIC Kids online Brasil 2012 pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes – ICT Kids Brazil online 2012: survey on Internet use by children in Brazil. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, páginas 47-54.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores The use of ICT in schools: the voice of teachers M aír a Da rido
da
Cunha 1
José Luís Bizelli 2 Resumo: As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação passaram a se inserir sistematicamente nos centros metropolitanos, disseminando-se gradativamente entre as diferentes classes sociais, sobretudo a partir do século XX. Em meio a este amplo desenvolvimento tecnológico que caracteriza a sociedade moderna e suas diferentes instâncias sociais é possível identificar uma preocupação corrente advinda das políticas públicas no que diz respeito à inserção significativa das tecnologias na escola. O avanço de projetos governamentais voltados para a utilização do computador como ferramenta pedagógica, integrada ao projeto da escola, é evidente. Dessa forma, torna-se fundamental dar voz ao agente protagonista dessa mudança: o professor. Nesse estudo, buscou-se investigar a visão dos professores acerca das TICs no ambiente escolar, como estão sendo incorporadas na escola e quais os limites e possibilidades do uso das TICs no processo de aprendizagem. A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa e foi realizada no município de Piracicaba, interior do Estado de São Paulo. Foram aplicados questionários para 150 professores que lecionam no Ensino Médio da rede estadual de ensino de São Paulo e diretores das respectivas escolas. Observou-se que, apesar dos esforços para implementação, ainda há problemas com infra-estrtura das escolas, formação de professores e condições de trabalho.
Palavras-Chave: TICs. Visão dos Professores. Políticas Públicas. Abstract: The New Information and Communication Technologies began to systematically enter in metropolitan centers, spreading gradually among the different social classes, especially from the twentieth century. Amid this broad technological development that characterizes modern society and their different social levels can identify a current concern arising of public policies with regard to the significant inclusion of technology in school. The forward facing government projects to use the computer as a pedagogical tool, integrated into the school project, is evident. Thus, it is essential to give voice to the agent protagonist of this change: the teacher. In this study, we sought to investigate the teachers’ view on ICTs at school, how they are being incorporated into the school and the limits and possibilities of the use of ICT in the learning process. The presented research is qualitative in nature and was carried out in Piracicaba, in the state of São Paulo. Questionnaires were administered to 150 teachers who 1. Mestre pela Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara. 2. Professor Doutor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
teach in high school in the state network of São Paulo teaching and directors of their respective schools. It was observed that, despite efforts to implementation, there are still problems with infrastructure estrtura schools, teacher training and working conditions.
Keywords: ICT. Teachers View.
INTRODUÇÃO SOCIEDADE ESTÁ enfrentando um processo acelerado de transformações que
A
provocam modificações nos pilares que solidificam os valores da sociedade moderna. Essa nova configuração tem como agente responsável o constante desenvolvimento tecnológico. Lévy (2004) analisa o aprimoramento das tecnologias como um novo momento do desenvolvimento humano, em que, por meio de múltiplas formas de produzir conhecimento, refletem-se outras necessidades, desejos e comportamentos, que assumem diferentes direcionamentos na organização social. Transportando a discussão para o cenário da educação, pode-se afirmar que o aperfeiçoamento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (as chamadas TICs), conduz um novo paradigma do processo ensino/aprendizagem, modificando os papéis dos agentes envolvidos na esfera educacional. As TICs ocupam um espaço significativo dentro dessa nova ordem social, criando diferentes maneiras de se comunicar, informar e interagir, permeando ambientes cada vez mais diversificados. Muitas questões na modernidade envolvem as tecnologias, principalmente em relação a sua utilização em ambientes educacionais. Debates sobre os limites e as dificuldades que os professores encontram em abordá-las no contexto pedagógico, por exemplo, são cada vez mais recorrentes. No que tange especificamente ao contexto educacional, faz-se necessário ampliar os espaços de debate, visto que a inserção das tecnologias na escola parece não ter acompanhado o mesmo ritmo das demais instituições sociais, originando a necessidade de entender como este processo tem ocorrido. Acredita-se, nesse estudo, que não se pode negar a importância das TICs no cotidiano escolar e do auxílio destas para o processo educativo, mas é ingenuidade considerar que elas resolverão todos os problemas educacionais. Muitos acreditam que as TICs são um requisito para uma educação de qualidade, porém, se a melhora do ensino dependesse apenas da introdução das TICs nas escolas, melhores soluções teriam sido encontradas há muito tempo. Desse modo, deve-se pensar como inseri-las de maneira efetiva na escola para proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa. Para isso, é preciso conhecer não só a dimensão técnica, mas, também, o que fazer com as TICs. Parte daí a importância de reflexões e debates sobre o uso das TICs em sala de aula e seu processo de implementação nas escolas. Com essa demanda, alimentada pela inserção das TICs no ambiente escolar, nota-se um enorme esforço do ponto de vista político para a compra e elaboração de programas que garantam o seu uso nas escolas. Os altos gastos com programas que visam à inserção das TICs nas escolas, muitas vezes, se mostram pouco eficientes, já que não
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vêm acompanhados de medidas que melhorem as condições de trabalho do professor, a infraestrutura das escolas, a formação continuada dos professores e que repensem as metodologias utilizadas no processo de ensino/aprendizagem. Nessa esteira, buscou-se, nesse estudo, investigar a visão dos professores acerca das TICs no ambiete escolar. De que forma, na voz dos docentes, as novas tecnologias da informação e da comunicação, as TIC, estão sendo incorporadas na escola? No que concerne à visão dos professores, quais os limites e possibilidades do uso delas no processo de ensino/aprendizagem? A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa e foi realizada no município de Piracicaba, interior do Estado de São Paulo. Para tanto, foram aplicados questionários para 150 professores que lecionam no Ensino Médio da rede estadual de ensino de São Paulo. Em continuidade, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um grupo de professores e diretores para que houvesse um aprofundamento das questões levantadas pelos professores no questionário. A pesquisa tem uma amostragem de 150 professorese 7 diretores, distribuídos em 10 escolas do município de Piracicaba, escolhidas aleatoriamente pelo dirigente de ensino responsável pela Diretoria de Ensino de Piracicaba.
A VOZ DOS PROFESSORES QUANTO À INSERÇÃO DAS TICS NAS ESCOLAS Questionados sobre a importância do uso das TICs, 49% dos professores acreditam que o uso das TICs nos espaços escolares é muito importante, 39% acha importante, 11% julga pouco importante e 1% acredita que o uso das TICs nas escolas é irrelevante. Se agruparmos os professores que julgam muito importante ou importante o uso das TICs no contexto escolar, temos o total de 88% dos professores; já os que acham pouco importante ou irrelevante somam 12%. Os dados apresentado aponta uma consonância entre os esforços para implementação das TICs nas escolas e a opinião dos professores. As TICs estão em todos os contextos da vida dos adolescentes, dessa forma, seria estranho se não estivesse presente no processo de ensino/aprendizagem. Segundo a fala de um professor entrevistado, “É preciso ter tecnologia nas escolas, e tecnologia de ponta. É inaceitável que os alunos tenham, na escola, menos do que têm em casa. As tecnologias fazem parte do dia a dia de qualquer cidadão, seria muito estranho elas estarem fora da escola”. Compreendendo que os professores consideram como muito importante ou importante o uso das TICs, é necessário reconsiderar as práticas e refletir sobre o uso das TICs como um meio e uma ferramenta para repensar o processo de ensinoaprendizagem. Há uma tendência em abordar a questão das TICs e pensar nas “velhas” maneiras de abordar a educação. Segundo afirma Lévy (1999, p.30), a educação conta com diversos benefícios da cibercultura, em termos de tecnologias e possibilidades comunicacionais e relacionais. Por outro lado, conforme explica Magalhães e Mill (2013), Há também riscos e dificuldades no ensino-aprendizagem em tempos de cibercultura, como por exemplo: o isolamento potencial, a sobrecarga cognitiva, a dominação e a exploração, a “bobagem coletiva”, a dependência. (2013, p. 322).
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Apesar de entender os perigos de usar as TICs sem uma reflexão prévia, entende-se que as TICs dominam o cotidiano de pessoas de diferentes idades, principalmente dos jovens, dos diversos níveis de escolaridade e classes sociais. São utilizadas no trabalho, nos serviços domésticos, na comunicação, no lazer e na educação (MORAN, 1995). Corroborando com Belloni (2005) sobre a importância das TICs, [...] é preciso também não se esquecer que, embora estas técnicas ainda não tenham demonstrado toda sua eficácia pedagógica, elas estão cada vez mais presentes na vida cotidiana e fazem parte do universo dos jovens, sendo esta a razão principal da necessidade de sua integração à educação (BELLONI, 2005, p. 25).
Outra questão presente no questionário diz respeito a se os professores acreditam que há alguma mudança na aula com uso das TICs, e, se caso acreditasse que há, se poderiam apontá-las, e, caso não acreditasse, se poderiam justificar a resposta. Assim, 62% apontaram que há muitas mudanças na aula com o uso das TICs, 28% dos professores apontaram que há mudanças com o uso das TICs, 9% dos professores apontaram que há poucas mudanças com o uso das TICs e 1% apontou não acreditar haver mudanças nas aulas com o uso das TICs. Assim, 90% dos professores acreditam que há muitas mudanças ou que há mudanças em uma aula com o uso das TICs e 10% acreditam que há poucas mudanças ou que não há nenhuma mudança. Nesse sentido, um dos entrevistados, afirma que “Os alunos prestam mais atenção quando eu uso as TICs em sala de aula, sinto diferença, mas isso não é determinante, é preciso ter claro qual o objetivo da aula e qual conteúdo quer passar. As TICs ajudam a gente a dar aula, mas não nos substitui nessa empreitada”. O processo de inserção das TICs na escola gera transformações na prática docente e na revisão de metodologias do processo de ensino-aprendizagem. Esse novo processo interfere diretamente na relação professor/aluno, fomentando a necessidade de reflexão sobre as mudanças, vantagens e desvantagens das TICs em sala de aula.
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA: METODOLOGIA E AÇÕES PEDAGÓGICAS Quando os professores foram questionados se sentiam-se preparados para o uso das TICs em sala de aula, as respostas chamaram a atenção. Apenas 15% dos professores apontam se sentirem preparados para utilizar as TICs na sala de aula, enquanto 79% deles afirmam não estarem preparados e 6% apontam estarem preparados parcialmente. Esse dado reflete a relação complexa do professor perante as TICs, pois, apesar de majoritariamente acreditarem que o uso destas é importante, apenas 15% se sentem seguros em usá-las. É preciso pensar nos impactos que o bombardeamento das TICs pode causar no ambiente escolar. O uso das TICs sugere uma nova lógica no modelo de aulas, planejamento, currículos e até na comunicação e organização escolar. O processo de inserção das TICs nas escolas extrapola a questão da infra-estrutura e caminha para uma reflexão sobre o choque cultural promovido pela convivência e mudanças geracionais. A inserção das TICs no ambiente escolar é também uma inserção na vida dos professores, que, por vezes, não usam frequentemente as TICs, ou tanto quanto os seus alunos.
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A questão geracional, de fato, é algo que nos chama a atenção. Se essa questão fosse tabulada por faixa etária, 100% dos professores com até 30 anos se sentem preparados para o uso das TICs em sala de aula, enquanto 90% dos professores acima de 50 anos afirmam não estarem preparados, dados que remetem à questão dos nativos digitais. A gente nunca precisou disso (as TICs) para aprender. Eu acredito que seja importante, mas é uma questão de geração; fui aprender a ligar um computador com mais de 40 anos. Hoje em dia, parece que as crianças já nascem sabendo. A minha geração demorou a fazer uso das tecnologias, eu vou tentando, mas reconheço minhas limitações até mesmo para digitar uma prova.
As mudanças desenfreadas causadas pela Modernidade Líquida (BAUMAN, 2001), se refletem na necessidade de reconstruir frequentemente os elementos cotidianos o que, para Bauman (2001), gera uma insegurança para lidar com questões que se renovam cotidianamente e de forma brusca. Para o autor (BAUMAN, 2001, p. 35), esse é o mal estar da docência: “[...] no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam”. O professor é peça chave para o desdobramento das TICs em um processo de ensino e aprendizagem mais eficaz. Dessa forma, é preciso se aprofundar nas reflexões e entender que muitos docentes são “imigrantes digitais” com o compromisso de ensinar “nativos digitais”, que aprendem em ritmos e de maneiras diferentes, havendo, desse modo, um choque cultural geracional muito grande na relação professor e aluno, acentuando ainda mais a crise dessa relação. Assim, este estudo corrobora com os autores (BELLONI, 2005; BIANCHI, 2008; KENSKI, 2007; SILVA, 2011; MORAN 2001) e considera que os docentes precisam de capacitação para utilizar adequadamente essas tecnologias, com preparo para desenvolver metodologias que promovam aprendizagem por meio dessas ferramentas. Isso deve ser acompanhado de condições adequadas de formação continuada, estruturas, recursos, tempo e remuneração. A formação continuada para o uso das TICs deve ser algo sistemático ao longo de uma carreira, já que as TICs têm como característica o constante processo de aperfeiçoamento. Dessa forma, um curso feito há dois anos já está, hoje, obsoleto, uma vez que os programas e software recebem atualizações periódicas, modificando atalhos básicos para uso.
INFRAESTRUTURA E CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE Para Arendt (2000), a crise na educação é um reflexo da crise por que a sociedade moderna passa. Dessa forma, para compreender os problemas na escola, é preciso analisar a sociedade em que ela está inserida. Segundo Cambi (1999, p. 203), [...] a modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e dialético, também, contraditório, animado por um duplo desafio: o de emancipação e o de conformação, que permaneceram no centro da história moderna e contemporânea como uma antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e caracterizante da aventura educativa do mundo moderno.
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A crise na educação, como a própria Arendt (2000) sugere no início de sua discussão, não é má em si mesma, ela é uma possibilidade de se repensar práticas cotidianas inerentes à sociedade moderna. A dicotomia se centra na questão da novidade e conservação que experimentamos na existência humana histórica. Essa dicotomia pode ser observada quando os professores são questionados sobre se usam as TICs em sala. Dos entrevistados, 45% dos docentes apontaram que usam quando possível; 23%, que usam raramente; 17%, que usam muito; 8%, que nunca usam e 7% diz não usar por não ter acesso na escola. Dado relevante é o fato de que 88% dos professores apontaram achar importante o uso das TICs em sala de aula e apenas 62% apontarem que usam muito ou quando possível. Essa reflexão ajuda a desvendar dois aspectos centrais: o motivo por que 26% dos professores não usam, apesar de acharem as TICs na sala de aula importantes e o porquê de 38% dos professores apontarem que usam raramente, nunca usam ou que não têm acesso às TICs nas escolas. Apenas 17% dos professores apontaram que usam muito as TICs em sala de aula, e 45% usa quando possível. Mas, se somarmos aqueles que usam raramente, nunca usam ou não têm acesso às TICs nas escolas, chegamos à porcentagem de 38%. O discurso em questão gera embates dentro do próprio contexto escolar e permeiam a esfera da condição de trabalho do professor da Rede Estadual de São Paulo. O número apresenta o retrato das escolas de Piracicaba, onde calcula-se um investimento grande na infraestrutura e não se considera uma porcentagem efetiva de professores que afirmam utilizar as TICs nas escolas. Sobre os apontamentos feitos pelos professores nos questionários e na entrevista: Esse ano eu dou aula em três escolas. Tive que fazer isso para complementar minha carga. Em todas as escolas que dou ou já dei aula, todas elas têm um monte de computador dentro de caixas que demoram anos ou nunca foram instalados [..] E aí quando a gente questiona a situação, eles [a equipe gestora] falam que já abriram chamado na Secretaria de Educação e que não podem fazer nada se não esperar [..]. Também tem quando o computador quebra e não tem mais jeito, não tem o que fazer com ele, não pode jogar fora porque é bem, ai eles ficam lá, ocupando espaço e poluindo a visão de todo mundo na escola, parece um grande cemitério de computadores que mau foram usados.
O professor, durante a entrevista, afirmou que a maior dificuldade no uso das TICs envolve a baixa quantidade e diversidade de materiais que a escola oferece e o grande processo burocrático para manutenção e instalação dos equipamentos. Infelizmente, o uso das TICs na educação ainda esbarra nas questões estruturais, na falta de equipamentos e sua manutenção (CHAMPANGNATTE; NUNES, 2011), requisitos básicos para que o trabalho com as tecnologias seja realizado de modo adequado. Mesmo com todo o investimento dos programas governamentais, verificou-se que, nas escolas, segundo os professores, a manutenção das TICs não é realizada nem frequente nem adequadamente. Outra questão levantada pelos professores foi o tempo disponível para elaboração das aulas com as TICs, ou, até mesmo, o tempo para instalação do recurso a cada aula:
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Tenho dois cargos na Rede, preciso disso para pagar minhas contas e sustentar minha família. Trabalho de manhã, tarde e noite, os ATPCS são para resolver questões burocráticas e dar dura nos professores. Que horas que vou preparar minhas aulas?
De outro entrevistado: “Eu poderia me esforçar mais para aprender a usar, mas dou 50 aulas semanais, não tenho tempo de organizar minhas cadernetas, muito menos pensar numa aula em que eu possa inserir as TICs”. As condições de trabalho refletem diretamente na qualidade de ensino ofertado. Devido aos baixos salários, os professores sentem a necessidade de acumular funções, jornadas de trabalho ou mais de um emprego. No questionário, 69% dos professores apontaram acúmulo de função, ou seja, além de darem aula como efetivos em alguma escola, possuem outros empregos ou dão aulas em escolas particulares. Número alarmante e na contramão da busca de melhorar a qualidade da educação. Evidencia-se, portanto, a necessidade de melhoria dos salários dos professores, condições de trabalho e valorização social da função docente. A falta de tempo, a falta de capacitação e a falta de infraestrutura da escola foram duas respostas que apareceram com frequência nas entrevistas realizadas com os professores quando questionados do porquê não usavam as TICs em suas aulas: [...] Fiz alguns cursos para usar o computador, o celular, sei ligar e fazer as coisas básicas. Mas as vezes que tentei usar em sala de aula, só me deu dor de cabeça, faltava cabo, faltava adaptador, não tinha tomada suficiente, ninguém achava a caixa de som. Ou seja, fiquei mais da metade da aula para tentar ligar o equipamento e não deu certo. A gente planeja a aula em casa, faz tudo “esquematizadinho” e, na hora, é vencido por uma extensão. Material tem, mas é preciso organizar tudo isso também.
A mesma questão foi feita aos diretores que apresentaram diferentes hipóteses para o baixo uso das TICs na escola e confirmaram a baixa adesão dos professores quanto ao seu uso. Apenas 1 diretora, da única escola de Tempo Integral, teve uma resposta oposta às dos demais diretores: Os professores usam todos os dias os recursos tecnológicos. Foi preciso implementar um sistema de reserva e compramos mais computadores, telões e projetores. Hoje quase todas as salas são equipadas com esses recursos, mas é porque os professores usam bastante, tiveram cursos, há momentos de troca de experiência, aprenderam a usar os recursos para prender a atenção dos alunos e para dinamizar suas aulas.
A fala da diretora da escola de tempo integral destoa dos demais diretores, fazendonos refletir sobre a nova proposta da escola de tempo integral, em que o professor deve ter dedicação exclusiva, espaços para troca de experiência com os demais professores e cursos e aperfeiçoamentos que a direção da escola julgue necessário para aquele contexto. Todos os outros 7 diretores foram na contramão desse discurso, apontando, no geral, 3 hipóteses para o não uso das TICs em sala de aula: a resistência do professor com as TICs e novas possibilidades na educação; a insegurança do professor, fator que pode estar relacionado com as poucas formações para uso e; a falta de tempo para estudo e preparo das aulas utilizando as TICs. Conforme a fala de um diretor:
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A gente sabe que os professores não usam, porque, para usar, têm que preparar bem a aula, coisas que a gente sabe que pouquíssimos fazem, a maioria usam uma seqüência de exercícios e textos que prepararam há anos atrás e usam por muito tempo, não querem saber de coisas novas.
Nessa fala, evidencia-se a questão da resistência do professor em renovar suas práticas e repensar as metodologias no processo de ensino/aprendizagem. O diretor em questão coloca que a maioria dos professores não quer saber de coisas novas, ou não se sente motivada a aprender a utilizar as TICs. Por outro lado, um diretor afirma: É preciso dar tempo para essa renovação, o professor, por sua condição de trabalho, não tem tempo nem motivação para pensar em aulas que usem computadores, tablets e outros recursos, acabam fazendo mais do mesmo com as tecnologias.
Sobre a insegurança dos professores, um diretor aponta: Alguns professores têm medo de usar, porque eles sabem que os alunos sabem usar melhor que eles. É como se der algo errado, ele vai ser menos que os alunos. Tem professor que não gosta de pedir ajuda para o aluno, ou acha que isso é mostrar que não é um bom professor.
Aqui, o diretor entrevistado aponta para o medo e insegurança do professor para usar as TICs em sala de aula. O fato das TICs serem dominadas pelos jovens rompe com a visão tradicional de educação, onde o professor seria o detentor do conhecimento e teria como função depositar no aluno todo seu conhecimento – a chamada educação bancária (FREIRE, 1993). A escola pública enfrenta muitos problemas, como a falta de estrutura, recursos e de professores. De acordo com Belloni (2005), “[...] tentativas de melhoria da qualidade do ensino de 1º grau, através da introdução de inovações tecnológicas e metodológicas esbarram de modo geral em obstáculos pedagógicos e institucionais que as condenam ao fracasso” (BELLONI, 2005, p. 87) Ainda segundo Belloni (2005) e Pretto (2008), a escola pode diminuir as desigualdades existentes em relação ao acesso às tecnologias, incluindo-as no seu contexto. Além da introdução de um suporte tecnológico adequado, os autores consideram a necessidade de transformações metodológicas no processo de ensino-aprendizagem. Segundo um professor: Acho importante usar, mas sinto um pouco de exagero, sempre é necessário comprar algo novo, antes era fios, hoje são softwares, parece que nunca vai ser o suficiente para eles aprenderem. O que é novo pra gente pros alunos já é tudo normal, corriqueiro [...] na verdade é uma tentativa da escola de se situar no tempo deles, já que a escola está anos luzes atrás deles e de suas vontades.
A fala do professor remete a questões ainda mais profundas do que as de infraestrutura ou de formação continuada para professores. A afirmação refere-se ao constante desinteresse dos alunos na sala e reprodução daquilo que vivem no âmbito escolar. A constante mudança, característica da sociedade atual, traz à tona reflexões sobre a velocidade das transformações.
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Bauman (2001) afirma que a marca da modernidade é a “vontade de liberdade”, capaz de acompanhar a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do cotidiano. Neste mundo, não há como se sentir seguro e estável, pois é tudo muito incerto e porque não dizer, assustador. Isso porque as questões modernas não encontram utilidade para a “certeza”, para a “segurança”, ou mesmo para a “estabilidade”. Como afirma Bauman (2001), aquele desejo imenso de poder que animou a busca do definitivo desperta, agora, pouco entusiasmo. Já o que desperta grande paixão é o que a sociedade atual incita-nos a fazer, que é desempenhar o papel de consumidor. Outro professor lembra um problema inerente à vida em sociedade, as relações de poder: O que adianta ter wi-fi nas escolas se os coordenadores não querem passar a senha? Os coordenadores não confiam nos professores, eles veem a gente como inimigos, como se a gente fosse preguiçoso, até parece que não sabem como está a sala de aula. [...] Eles não passam a senha com medo dos professores passarem para os alunos. Como se os alunos precisassem de wifi pra entrar na internet. Fora o que, alguns alunos sabem rackear a senha, independente de quantas vezes por dia os coordenadores mudem.
O relato nos direciona às relações de poder e problemas presentes em várias escolas, o confronto interno entre professores e professores, professores e alunos e professores e coordenadores. Dessa forma, a vida do professor na escola é permeada de conflitos, dificultando a formação de um espaço aberto para o novo, que se readapte ou que se reconfigure para receber as TICs. É na escola que coexistem inúmeras relações de poder, reformulando as estruturas hierárquicas internas a todo mundo. Logo, é preciso compreender as estruturas de poder de uma sociedade para que se possa entender a dimensão da reprodução social (BOURDIEU, 1997) que existe no espaço escolar. É difícil pensar nos múltiplos problemas sociais, sem entender o seu reflexo na escola. A partir dessa constituição, a relação entre poder e educação é muito aproximada, uma vez que os moldes escolares modernos têm suas bases firmadas em modelos disciplinares. Assim, ao invés de considerar que existe a construção do saber somente na ausência dos poderes coercitivos, Foucault (1979) faz o caminho reverso e considera que é justamente o poder que se produz o saber. Não há saber que não construa relações de poder e nem poder que não pressuponha um campo de saber. Baseado no disciplinamento, na vigilância, nas práticas de controle e poder, nas provas e exames, é possível construir um retrato das práticas e estruturas escolares. Desde a disposição das carteiras, da construção dos corredores até a postura dos professores em sala de aula e na construção do currículo escolar, refletem hierarquias e relações de poder que impõem a uma multiplicidade de indivíduos condutas unificadas, que formam sujeitos disciplinados, obedientes e que, assim, respondem às necessidades das instituições geradas pela sociedade moderna. Dessa maneira, é possível dizer que a escola possibilita a realização da modernidade da maneira como ela está (DARIDO & SANTOS FILHO, 2013). O que Foucault (1979) chama de “positividade do poder” pode ser retratado pela forma como as práticas disciplinares passaram de violentas para sutis e se tornaram,
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assim, mais eficazes. O poder não reprime a ponto de nos impedir de fazer coisas; ele molda no sentido de nos tornar atuantes de uma produtividade social enquanto sujeitos. Por um “bom adestramento”, se atinge uma “boa disciplina”. A escola é um ambiente propício para a construção de identidade, de sentimento, de responsabilidade, enfim, de um sujeito capaz de atuar dentro dos moldes que a sociedade moderna exige. É, portanto, neste ambiente também que se criam os sujeitos através do poder e do saber. Nesse sentido, é preciso aproximar-se da escola, entender as relações de poder, em qual contexto e sobre quais reflexões se apoiam a inserção das TICs nas escolas para compreender seus usos e desdobramentos dentro das relações de poder e apropriação do conhecimento. Dessa forma, assuntos que deveriam ser compartilhados e recursos que deveriam ser utilizados para a melhoria pedagógica acabam esbarrando em questões hierárquicas e questões que tangem, principalmente, as relações de poder. É preciso ter um bom diálogo entre gestores e professores, com o intuito de ambos objetivarem uma melhoria no processo de ensino/aprendizagem. Quando questionados, dentre os que usam, de que formas usam as TICs em sala de aula, foram assinaladas 112 respostas para transmissão de vídeos, 72 respostas para transmissão de slides e apresentações dos conteúdos sistematizados em aula, 43 respostas para apresentação de trabalho de alunos, 5 respostas para outros fins e apenas 2 respostas para realização de trabalhos em rede. Nessa questão, os professores poderiam assinalar mais de uma opção, sendo as respostas tabuladas por quantidade total e não por porcentagem. Majoritariamente, as respostas indicam que o uso das TICs nas escolas são restritos à transmissão de vídeos, para projeção de slides e apresentação de trabalhos dos alunos. Apesar dos esforços e investimentos para implementação das TICs nas escolas, nota-se que elas ainda não são usadas como forma de produção do conhecimento. O movimento de transmissão de vídeo na escola começa na década de 1960, dessa forma, a prática de transmissão de vídeos em sala de aula é tratada desde a época de sua inserção como uma prática não reflexiva. Segundo Tardy (1976) é desde os anos de 1960 a escola não faz uma discussão reflexiva a respeito da gradativa assimilação das imagens cinematográficas e objetivo claro do uso dos vídeos na escola. Ressalta-se a dificuldade de uso das TICs através de outras metodologias. Valente (1993) defende que o computador é a ferramenta mais presente no cotidiano dos alunos, devendo ser utilizada na escola. Sua inserção exige a mudança do paradigma educacional, promovendo aprendizagem ao invés de ensino, saindo da pedagogia instrucionista para construcionista, sendo importante que o aluno construa o conhecimento por meio desta tecnologia. Parece que esse modelo não vem sendo implementado nas escolas. Além disso, Valente (2013) aponta que a educação com as TIC só tem sentido se estiver integrada ao currículo escolar, quando não se tornam apenas apêndices das aulas ou marketing para a escola. O mesmo afirma aponta que é importante o letramento digital dos professores e alunos, ou seja, de “[...] não ser um mero apertador de botões (alfabetizado digital), mas sim de ser capaz de usar essas tecnologias em práticas sociais” (VALENTE, 2013). Nessa esteira, segundo Lévy (2004), é importante entender as mídias como um meio de transmitir o conhecimento, já que quem direciona o conteúdo ainda é o professor.
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Mas, não é possível descartar a necessidade de se refletir acerca das novas metodologias para uso das TICs, porque, para fazer “mais do mesmo”, não é preciso usar o aparato tecnológico, mas, sim, encontrar caminhos que possibilitem a produção do conhecimento através da ótica digital. Ainda segundo a autora, há, nesses nossos tempos, uma supervalorização do poder do audiovisual. É preciso refletir para quê se quer as TICs nas escolas, já que elas podem ser usadas de três maneiras distintas: 1) como uma forma instrumental, de sistematizar as disciplinas em sala de aula, ou seja, como forma ilustrativa; 2) como forma de conhecer a gramática audiovisual, através das linguagens e usufruto dos códigos digitais, voltada para uma lógica de preparação do aluno para o mercado de trabalho; ou, por último, 3) como forma de produção do conhecimento, explorando as facilidades e possibilidades de edição e criação por meio das TICs para inovar a relação do processo de ensino-aprendizagem. O grande desafio, porém, é delinear estratégias e formas de apropriação das TICs para a produção do conhecimento. É preciso repensar a prática docente no sentido de uma formação para mediar novos conhecimentos através das TICs, direcionando os caminhos rumo à aprendizagem significativa e auxiliando no alcance dos objetivos e expectativas de aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES Pela fala dos professores e pelas análises a partir das faixas etárias, observa-se que estamos em uma transição do quadro docente. Já há muitos professores da Rede que são “nativos digitais”, mas, para a grande maioria, tudo é novo, ligar o computador e lidar com as TICs no processo de ensino/aprendizagem ainda é um grande desafio. Esse desafio apareceu nas falas dos professores, derivado em medo e insegurança. A inserção das TICs nas escolas fomenta a discussão sobre a crise da prática docente. É a primeira vez que se vê uma mudança tão brusca protagonizada pelos jovens sendo refletida nos âmbitos escolares. Essa transformação evoca a necessidade de romper de uma vez com os modelos conservadores de educação, que posiciona o professor como detentor do conhecimento e o aluno como um ser desprovido de conhecimento. Para tanto, é preciso repensar as práticas escolares, entender as TICs como um meio a mais de fomentar uma discussão crítica entre os professores a fim de traçar caminhos que orientem uma prática docente criativa e reflexiva, em que as TICs poderiam ser compreendidas como um espaço de possibilidade de criação, individual ou colaborativa, e não apenas utilizada como uma forma de chamar a atenção dos alunos ou de sensibilizálos aos conteúdos propostos na aula.
REFERÊNCIAS Arendt, H. (2005) A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida. 3ª reimpressão da 5. ed. de 2000. São Paulo: Perspectiva. Bauman, Z. (2001) Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Belloni, M. L. (2005) O que é mídia-educação. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. 97 p. Cambi, F. (1999) História da Pedagogia. São Paulo: UNESP.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
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TICs nas escolas, o que fazer com elas? ICT in schools, what to do with them? Manuela Pereira
de
A l meida 1
Resumo: Seria um equívoco dizer que a escola pública é hoje um espaço onde as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estão presentes de forma significativa? O cenário das escolas estaduais situadas em Petrolina, sertão pernambucano mostra que não. Assim, o presente trabalho discute sobre os usos das TICs valendo-se das contribuições de Cunha (2014) e Cunha (2010) sobre práticas de letramento, assim como de Kleiman (2010) e Street (1994) sobre letramento escolar e letramento social respectivamente. Com isso, é possível perceber como estes estudos convergem para as práticas de Educomunicação tendo com base de referência Soares (2011) e Gómez (1998). Portanto, é pretensão deste trabalho aproximar estes campos de estudos buscando perceber o potencial de ambos para a construção de um conhecimento significativo na escola.
Palavras-chave: Educomunicação. Práticas de letramento. Tecnologias de informação e comunicação.
Abstract: It would be a mistake to say that the public school is now a space where information and communication technologies (ICTs) are present in a significant way? The scenario of the state schools in Petrolina, Pernambuco backwoods shows that not. Thus, this paper discusses the uses of ICTs by drawing on the contributions of Cunha (2014) and Cunha (2010) on literacy practices as well as Kleiman (2010) and Street (1994) on school literacy and social literacy respectively . This makes it possible to see how these studies point to the practices of Educomunication having with baseline Soares (2011) and Gomez (1998). Therefore, this work is closer claim fields these studies seeking to realize the potential both for building school significant knowledge.
Keywords: Educommunication. Literacy practices. Information technology and communication.
1 INTRODUÇÃO M QUE medida é possível considerar os espaços onde haja práticas de Educomu-
E
nicação como ambientes propícios para pensar e compreender as práticas de letramento? É importante sopesar que esta questão se refere ao contexto escolar, onde as práticas de letramento são variadas, incluindo aí o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Neste sentido, o presente trabalho a partir de um levantamento 1. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, Departamento de Ciências Humanas III/Universidade do Estado da Bahia (DCH III/UNEB), manuellitapereira@gmail.com.
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sobre a presença das TICs nas escolas estaduais de Petrolina (PE), busca refletir como as práticas de letramento ou o uso das TICs na escola são potencializadoras paras as práticas de Educomunicação. É necessário questionar ainda, o que tem a ver as práticas de letramento com a Educomunicação no contexto escolar? Tentando respondê-la e compreendê-la, este trabalho buscou nas pesquisas de Cunha (2014) e Cunha (2010), aproximar ambas as práticas, já que tais investigações tratam sobre letramento se valendo do uso das TICs na escola. A primeira autora em questão realizou um estudo em uma escola periférica na cidade de Feira de Santana (BA), o qual trata das práticas de letramento dos estudantes de Ensino Fundamental II e EJA a partir do uso das TICs. Já a segunda autora desenvolveu um Jornal Escolar em uma escola do interior de São Paulo e a partir disso investigou as práticas de letramento na formação continuada de professores e a ressignificação do ensino da língua portuguesa. Embora ambos os trabalhos não tratem diretamente de Educomunicação eles se materializam também neste campo por investigar as práticas de letramento a partir da elaboração e uso de mídias na escola (jornal escolar, blog, audiovisual) com a participação direta dos estudantes e professores. Com isso, considerando as pesquisas citadas acima, é exercício deste artigo aproximar ambos os campos de estudo considerando que a base de discussão sobre Educomunicação está apoiada nas contribuições de Soares (2001) e Gómez (1998) que debate sobre o uso pedagógico dos meios de comunicação, sobretudo da televisão. Desta forma, para efeito de organização dos temas e conceitos a serem abordados o artigo está dividido da seguinte forma: primeiramente estão descritas as TICs presentes nas escolas estaduais de Petrolina (PE). Após isto, o percurso dos estudos de Cunha (2014) e Cunha (2010), posteriormente o trabalho busca situar conceitualmente Educomunicação e práticas de letramento. E ao fim as considerações sobre o debate em questão.
2 A PRESENÇA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NAS ESCOLAS ESTADUAIS EM PETROLINA (PE) Antes de adentrar nos dados propriamente ditos é importante ponderar que a obtenção destas informações se deu a partir do Mapeamento como perspectiva metodológica. O uso desta metodologia é baseado na proposta de Santos (2002), no qual o autor trata dos mapas como formas de representação da realidade fazendo uma analogia com o Direito. Para Santos (2002) o mapa ocupa na sociedade, um lugar de representação; o mapa uma representação distorcida de um espaço real, e, o direito uma representação distorcida de exclusividade, pois detém o monopólio da regulação e controle da ação social. “Os mapas são distorções reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam condições creditáveis de correspondência, o Direito tal qual os mapas, é uma distorção regulada de territórios sociais” (SANTOS, 2002, p. 198). Na pesquisa, os mapas servem como instrumentos que norteiam o percurso da investigação revelando traços relevantes da realidade que se apresenta. Numa abordagem educacional desta mesma metodologia, Biembengut (2003) sugere uma ferramenta que seja capaz de romper a barreira entre o discurso e a ação. Neste sentido, a autora fala
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que o mapeamento contribui como forma de investigação com a finalidade de perceber o contexto que a problemática da pesquisa está situada, para então construir, através da pesquisa, respostas ou propostas capazes de atender às demandas educacionais. Biembengut (2003) ressalta que mapear não pode ser entendido como um “acúmulo de informações, nem tão pouco como gráficos, porém como um conhecimento mais próximo de uma realidade através de detalhes significativos e relevantes” (BIEMBENGUT, 2003, p. 297). Para saber quais tecnologias de informação e comunicação estão presentes na escola pública foi necessário visitar a 15ª Gerência Regional de Ensino - Sertão do Médio São Francisco, sediada em Petrolina e que compreende mais seis municípios circunvizinhos: Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa Grande, Orocó e Santa Maria da Boa Vista, totalizando assim a abrangência de sete municípios. Ao todo são oitenta e duas escolas urbanas e rurais, incluído quatorze escolas indígenas situadas nas cidades de Cabrobó e Orocó. Conforme dados da 15ª GRE foi possível ver a presença de uma variedade de equipamentos adquiridos através de programas diversos voltados para inserção e uso das TICs nas escolas, as quais estão discriminadas na tabela abaixo: Tabela 1: Laboratórios fixos de informática com internet
Oriundos de programas mais antigos do MEC, os laboratórios não representa uma novidade nas escolas, a não ser pelos programas de conectividade.
Laboratório móvel de informática
Presente em escolas que não tem espaço para comportar um laboratório fixo. Consiste num armário móvel contendo trinta e seis notebooks e assim pode ser transportado para qualquer espaço da escola
Projetor Multimídia
Projetor que já inclui teclado, caixas de som, microfone e sistema operacional Linux, por isso não necessita de um computador. Está disponível em todas as escolas da rede
Lousa digital
Equipamento semelhante a uma lousa tradicional, mas com uma tecnologia touchscreen, sensível ao toque que permite a visualização mais de um conteúdo. Presente em 40 escolas de abrangência da 15ª GRE.;
Softwares educativos da P3D
Programas voltados para o ensino das disciplinas de Biologia, Química e Geografia utilizando imagens em três dimensões. Estão presentes em 7 escolas de abrangência da 15ª GRE.
Tablets
Na rede estadual é destinado a todos os estudantes do 2º e 3º ano do ensino médio e também é distribuído pelo MEC para todos os professores em regência de classe.
Quiosque digital
Mesa onde ficam acoplados 3 computadores. Projetado para as bibliotecas, servem para pesquisas rápidas e complementares. Presente em todas as escolas.
Conectividade
A internet está presente nas escolas através de dois programas: PE Conectada, da rede estadual e Escola Conectada, do MEC. Pretende conectar todas as escolas à internet, inclusive as unidades localizadas na zona rural, através de parceria com o Ministério das Telecomunicações;
Professor conectado
Programa que distribuiu um notebook para cada professor da rede em todo estado de Pernambuco.
Aprender TI on line
Cursos em formato Ead voltados para os professores para uso das TICs na sala de aula.
Contudo, há de se fazer uma ressalva sobre a distribuição destas tecnologias, já que são nas escolas urbanas que se encontram boa parte delas. Em alguns casos como as unidades denominadas de escolas de referência, todas as tecnologias citadas estão presentes. As escolas semi-integrais também dispõem de algumas destas tecnologias e nas demais unidades da área urbana, localizadas nas áreas periféricas da cidade,
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alguns equipamentos mais sofisticados como a lousa digital ou software P3D ainda não chegaram. Já nas escolas da zona rural nem todos estes equipamentos estão à disposição de alunos e professores, apenas os laboratórios de informática com um acesso muito precário ou sem nenhum acesso a internet. E, dentre as quatorze escolas indígenas, apenas três dispõem de cinco computadores com internet através do programa PROINFO Rural do MEC. As informações complementares sobre o uso e política de distribuição das TICs nas escolas foram obtidas por meio de entrevista semiestruturada com uma professora que atua no setor Tecnologia da Educação da 15ª GRE. Para efeito de preservação de sua identidade ela é denominada aqui de “Professora”. No que diz respeito a distribuição das TICs ela afirma A secretaria manda de Recife e nós distribuímos conforme a demanda, por exemplo, o tablets que os professores receberam foi enviado diretamente do MEC para os professores em regência de classe, foi outro programa diretamente do governo federal, já os notebooks foi o programa de nossa rede, o Professor Conectado, que distribuiu para todos os professores da rede estadual. Já os tablets que os alunos recebem nós que distribuímos conforme o critério da secretaria, o aluno está cursando o ensino médio, não ter sido reprovado. Algumas outras como o P3D as escolas que receberam foram aquelas que os professores participaram das formações para o uso do software. Então assim, buscamos atender os critérios propostos pela secretaria, pelo programa. (Professora, 2014)
Sobre a ausência destas TICs nas escolas indígenas e da zona rural a Professora pontua o seguinte: Na maioria das vezes essas TICs nem são usadas de forma satisfatória nestas escolas, pelo difícil acesso, pela precariedade nas instalações elétricas, o sinal da internet é muito ruim. Nós estamos passando por uma mudança nos programas de conectividade para melhorar o sinal da internet no interior. Tem escolas que os alunos não tem energia em casa, eles carregam os tablets na escola para usar em casa. Então assim, são muitas realidades diferentes. As escolas indígenas os professores são indígenas e eles nem sempre querem seguir os programas, usam uma pedagogia própria. (Professora, 2014)
Sobre o uso das TICs nas escolas ou um acompanhamento para o uso a Professora revela que não existe uma avaliação sobre estes programas: Não avaliamos, nós temos aqui um espaço para o professor se qualificar para o uso das tecnologias e a maioria dos professores não vem. Alguns participam dos cursos que são disponibilizados, mas a maioria não. E também às vezes nem sabemos o que vai chegar, os aparelhos chegam e nós distribuímos. (Professora, 2014)
Importante considerar que dentre os programas disponibilizados para s escolas, os únicos questionados pelos professores ou gestores são os programas de conectividade, pois a internet quase sempre é insatisfatória. Os programas estaduais são sintetizados em uma espécie de módulo denominado Tecnologias na Escola e lá o professor conhece as TICs e como trabalhar com elas, assim como há o ambiente virtual para cursos. No
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entanto, a carga horária de trabalho do professor quase sempre é o fator de impedimento para que participe destas formações. “o professor trabalha semana inteira e aí nem sempre pode vir aos sábados para participar dos cursos e os que ocorrem durante a semana é quando ele está em sala de aula” reforçou a Professora.
3 PRÁTICAS DE LETRAMENTO A PARTIR DO USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO. Considerando o contexto dos dados é inevitável questionar: o que fazer com estas TICs, diante de tantos desafios apontados na fala da Professora, sejam eles a falta de planejamento pedagógico para uso destas TICs ou outras questões de infraestrutura de algumas escolas para recebê-las. Foi nos estudos sobre práticas de letramento que se buscou algumas pistas sobre este ponto. O primeiro estudo a ser descrito é de Úrsula Nascimento de Souza Cunha, que se dedicou a pesquisar as práticas de letramento escolar e social na Escola Campo, localizada num bairro da periferia da cidade de Feira de Santana (BA). Seu estudo está descrito no livro: Letramento Escolar e cotidiano – Análise de experiências sobre práticas de letramento à luz da Crítica Cultural. Cunha (2014) apresenta as práticas de letramento a partir da produção textual de estudantes do Ensino Fundamental II e EJA que mesmo em contato com textos de diversos gêneros, sobretudo no meio digital, ainda assim são considerados, por parte do grupo docente da escola, como não leitores e não escritores. Principalmente pelo fato destes docentes desconsiderarem a leitura e a escrita de textos via internet ou através de suportes eletrônicos, como celular, computador, como uma não leitura ou uma leitura e escrita. Importante ressaltar que a autora tem o cuidado de abordar em seu trabalho que o motivo desta concepção de alguns docentes em desconsiderar a leitura e a escrita dos estudantes em blogs, sms, post em redes sociais dá-se por conta do próprio modelo de ensino escolar, problematizando assim o que se considera leitura e escrita para a escola. Deste modo, Cunha (2014) expõe que no contexto pesquisado o uso das TICs é algo periférico da escola, que de uma forma geral está ainda apoiada num modelo canônico do ensino da língua As instituições de ensino nos moldes atuais estão sendo consideradas por diversos educadores, inclusive professores da escola campo como instituições falidas, que não cumprem mais com sua missão: integrar o indivíduo ao meio social em vive. Isto se deve, porque a escola impõe um modelo único de saber, não se adaptando ao pluralismo epistemológico e tecnológico da contemporaneidade. Por isso, mudanças de paradigmas são necessárias com objetivo de tornar mais eficiente o dia-a-dia escolar. (CUNHA, 2014, p. 103)
A autora aponta em seu estudo que o uso do blog permitiu aos alunos da EJA darem sentido aos seus escritos. Em depoimento um dos sujeitos participantes da investigação relatou que escreveu e publicou um poema por conta da possibilidade de ser publicada no blog e que se não fosse pelo blog não teria oportunidade de se expressar, já que os textos que produz na escola “só serve para o professor dar nota, não tem serventia para nada” (CUNHA apud sujeito de sua pesquisa, 2014, p.119). Importante destacar que este
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estudante é um pedreiro que ficou afastado da escola durante 20 anos, pois segundo ele não via na escola algo significativo para sua atividade profissional. É neste aspecto, que a autora destaca a relevância do uso das TICs no ambiente escolar, mais precisamente com foco na escrita e na leitura O trabalho com uso das TICs na escola deve potencializar o diálogo entre o mundo real e o virtual, fornecendo aos sujeitos que as utilizam ao passaram a utilizá-las uma ferramenta para a leitura do mundo e, em sua escrita, uma possível transformação dos textos e de realidades que fazem parte do cotidiano desses indivíduos. (CUNHA, 2014, p. 120)
Outra produção deste estudo foi um documentário sobre a localidade onde está situada a escola e parte dos discentes residem. A comunidade local convive com a precariedade de infraestrutura básica como coleta de lixo, saneamento, transporte público e ainda convivem com a poluição do Rio Jacuípe (que serve de fonte de renda para as famílias de pescadoras e pescadores, que são estudantes ou pais de estudantes da escola). O grupo fez do recurso audiovisual um mecanismo para expressar sua indignação com a situação do lugar e denunciar os problemas vivenciados cotidianamente. Sobre isso Cunha (2014, p. 121) evidencia “O momento da idealização do projeto é, também um instante de letramento, em que a oralidade e a escrita foram mecanismos significativos para os sujeitos”. Ao refletir sobre como os diferentes grupos e indivíduos tem encontrado diversos usos para o letramento, inclusive na esfera digital a autora conclui que o professor deve perceber que a inovação pedagógica não está ligada a inclusão das TICs na sala de aula Mas de um processo de interação permanente com esses suportes, conhecendo seus limites, possibilidade e as concepções textuais oriundos do mundo digital, com objetivo que a escola possa efetivamente representar um ambiente de interação e aprendizagem com os pressupostos da sociedade pós-moderna. (CUNHA, 2014, p. 131)
Já o trabalho de Rosana Cristina da Cunha (2010) trata das práticas de letramento e formação do professor por meio de elaboração de duas edições do jornal escolar “Jornal do Pedro Wolf” juntamente com estudantes de três turmas do ensino médio da escola (duas do 2º ano e uma do 3º ano), ambas sob a supervisão da professora de língua portuguesa. O locus da pesquisa foi a Escola Estadual Pedro Wolf, localizada no interior do estado de São Paulo. A produção dos textos, assim como a diagramação dos jornais era feita pelos alunos que se dividiam em grupos de 3 a 5 pessoas. Para a autora era importante manter a autonomia deles em se agruparem e pensarem nos temas para as seções sugeridas por eles próprios. Com isso, é possível visualizar como o desenvolvimento de projetos com uso de suportes comunicacionais, neste caso o jornal escolar, reflete o potencial para as práticas de letramento social. Importante ressaltar que o foco da autora era se inspirar na prática do fazer jornalístico, no que diz respeito a seleção de temas, elaboração conteúdos conforme os gêneros presente no jornal para investigar as implicações de um Projeto de Letramento. E, assim sendo a autora conceitua Projeto de Letramento como
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Um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve a escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos, professor, cada um segundo sua capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem dos aspectos mais formais apenas) transformando objetivos circulares com “escrever para aprender escrever” e “ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender aquilo que for relevante para o desenvolvimento do projeto. (CUNHA, 2010, p. 21 apud KLEIMAN, 2000, p. 38)
A autora que participou de todo processo a elaboração do jornal fez sua investigação utilizando os textos produzidos pelos alunos; para Cunha (2010, p. 160) o Sistema de Atividade Jornalística, com suas próprias práticas sociais “conferem ao aluno a perspectiva de retórica e a motivação necessária para considerar os gêneros textuais, como ações realizadas em contexto específico visando um objetivo específico”. Para ela o jornal escolar contribuiu para a ressignificação do ensino da língua portuguesa, além de favorecer para que os estudantes envolvidos no projeto assumissem uma posição de atores sociais, pois participaram da construção de seu conhecimento (CUNHA, 2010, p. 162). Como resultado a pesquisa de Cunha (2010) evidencia que ao fazer o jornal houve uma promoção do uso social da escrita, além de mostrar como o uso da tecnologia favorece para a prática de letramento O trabalho com Projetos de Letramento foge da arraigada tradição do ensino da escrita de uma forma descontextualizada, vazia, mecanizada, em que o aluno escreve apenas para a avaliação do examinador. Mas, especificamente ao trazer a escrita jornalística para a escola, trabalhou-se numa ótica em que mais diferentes tipos de escrita tornaram-se significativos para os alunos e não pela aquela tipicamente escolar. (CUNHA, 2010, p. 163)
4 O QUE TEM A VER PRÁTICAS DE LETRAMENTO E EDUCOMUNICAÇÃO? Para este trabalho é importante considerar qual a relevância das práticas de letramento no contexto escolar para Educomunicação ou como a partir do uso das TICs. Assim, esta parte do artigo existe a preocupação de tratar sobre os conceitos de Educomunicação e Práticas de Letramento. Primeiramente, para pontuar do que se tratam as práticas de letramento em questão consideradas para este trabalho é necessário recorrer a contribuição de Kleiman (2010) afirmando que “o letramento surge como forma de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de atividade e não somente as atividades escolares” (KLEIMAN, 2010, p. 10). Daí é possível entender que o letramento está na escola em diversas formas, mas não apenas na escola, ele está presente também em outros espaços formativos, como sindicatos, associações. Outro ponto relevante apresentado pela autora é que
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O letramento significa compreender o sentido, numa determinada situação, de um texto ou qualquer outro produto cultural escrito, por isso uma prática de letramento escolar poderia implicar um conjunto de atividades visando o desenvolvimento de estratégia ativas de compreensão da escrita, à ampliação do vocabulário e das informações para aumentar o conhecimento do aluno e à fluência da leitura. (KLEIMAN, 2010, p. 11)
Sobre Educomunicação é importante considerar que o entendimento sobre o tema se apoia em Soares (2001) que a define como práxis social “a Educomunicação é essencialmente práxis social, originando um paradigma orientador da gestão de ações em sociedade. Não pode ser confundido com a mera aplicação das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) no ensino” (SOARES, 2011, p. 13). Assim, é evidente como a Educomunicação busca suprir uma demanda dos jovens e da comunidade escolar como um todo por conhecimento, por autonomia e isto implica a sua ativa participação no processo de ensino. Este viés contradiz a inserção das TICs nas escolas como demanda meramente política e estatística, sobre este ponto é importante recorrer ainda a Gómez (1998) que destaca Não adianta a tecnologia reforçar o processo educativo tradicional. Isso não contribui. É preciso pensar na educação em primeiro lugar. Repensar a educação e repensá-la a partir das contribuições dos próprios educandos e, a partir daí pensar um novo desenho do processo educativo, ver o replanejamento desse processo e verificar para que pode servir a tecnologia. (GÓMEZ, 1998, p. 81)
O autor se refere as escolas mexicanas, a forma como o ministério da educação daquele país está promovendo esta política, porém é necessário destacar que a partir da fala da Professora da 15ª GRE não existe muita diferença do encaminhamento político do México e Brasil neste aspecto. Para o autor é necessária uma mudança de paradigmas sobre a educação, uma mudança filosófica e metodológica, esta seria a forma de aproveitar melhor as tecnologias. Na maneira como se está entendendo, há um suposto implícito de que a escola parou, está muito atrasada com relação aos aparelhos tecnológicos e que, então a solução é trazer a tecnologia para que a educação tenha êxito. Parece-me que existe um reducionismo, porque a educação não depende só das tecnologias e sim de outras coisas. (GÓMEZ, 1998, p.80)
Neste aspecto, o que se pretende a partir do entendimento do que seja Educomunicação e práticas de letramento é um uso implicado destes recursos com o contexto com o conhecimento e com a participação dos atores sociais presentes na escola. Neste sentido, a Educomunicação se coloca diante da escola a partir de três âmbitos: Gestão escolar, desta forma convida a escola a identificar, e se possível, rever suas práticas comunicativas que caracterizam e norteiam as relações entre a direção, os professores e os alunos, no ambiente educativo. No âmbito disciplinar faz sugestões que a comunicação, enquanto linguagem, processo e produto cultural se transforme em conteúdo disciplinar, isto é, objeto específico do currículo da área “Linguagens, códigos e suas tecnologias.”. E, âmbito transdisciplinar propondo que os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao
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fazer uso solidário dos recursos de comunicação tanto para aprofundar o conhecimento quanto para desenhar estratégias de transformação das condições de vida. (Soares, 2011, p.19)
Contextualizando estes âmbitos com as práticas de letramento, principalmente o âmbito transdisciplinar, vale destacar um estudo relatado por Street (1992) sobre textos de adolescentes produzidos dentro e fora da escola traçando um paralelo entre eles. O autor relata que neste estudo a própria pesquisadora teve que abandonar algumas crenças e suposições sobre a escrita que ela, enquanto professora sustentava, pois se deparara com práticas de letramento, as quais os adolescentes produziam: “letras de rap e notas de ensaio, cartas, diários, páginas de agendas, poemas, rimas e paródias e textos copiados em cadernos”. Assim, conclui que os jovens estavam “se apoderando” do letramento, (Street, 1992, p. 479). O termo “se apoderar”, no relato de Street (1992) espontaneamente se adaptar ao que Soares chama de “estratégias de transformação das condições de vida” (SOARES, 2001, p. 8). Em ambos os casos, os estudiosos estão tratando de jovens que se deparam com uma escola que não diz muito sobre sua realidade, e se diz, é de forma transversal, pois os conteúdos não fazem muito sentido para eles. Isto é pontuado por Soares ao afirmar que Uma educação eficiente precisa inserir-se no cotidiano de seus estudantes e não ser um simulacro de suas vidas. Fazer sentido para eles significa partir de um projeto de educação que caminhe no mesmo ritmo que o mundo os cerca e que acompanhe essas transformações. Que entenda o jovem. E não dá para entendê-lo sem sequer escutá-lo. (SOARES, 2011, p. 8)
Com isso, é necessário destacar ainda que nos estudos de práticas de letramento intercultural proposto por Street (1992) estão voltados para investigar, perceber, olhar para as práticas de letramento dos grupos marginalizados por conta de suas diferenças culturais. Algo que pode ser percebido através da Educomunicação, já que o campo busca dialogar com os jovens e suas diversas formas de vida, seja no campo, seja na periferia das cidades. Tal fato é constatado quando ao buscarmos onde estão as ações educomunicativas fica perceptível que elas atingem predominantemente um público marginalizado. Assim o é no Projeto Casa Grande, desenvolvido em Nova Olinda (CE) e também a Educom.rádio desenvolvido incialmente como instrumento de enfrentamento a violência das escolas públicas de São Paulo (SP). E, assim Street (1992) apresenta focos e olhares diferentes para os estudos de letramento, mas apontando para o que todos têm em comum que é o fato das práticas de letramento não serem isoladas da constituição de pessoa, ideologia e por isso, nem do contexto histórico e social. Finalmente necessário se faz pontuar que a Educomunicação não pretende centralizar na escola todo processo de formação do sujeito, nem propor ao professor mais tarefas do que ele já cumpre. A leitura de Soares é que o Ensino não precisa ser totalmente prazeroso, utópico no seu fazer, e que não exija muito do educando, não impondo a ele desafios. Estaríamos assim repetindo um erro novamente ao distanciar a educação da realidade da vida real, essas muitas vezes difícil. (SOARES, 2011, p. 16)
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TICs nas escolas, o que fazer com elas? Manuela Pereira de Almeida
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir destas leituras, sobretudo dos dados sobre a presença das TICs nas escolas estaduais em Petrolina (PE) é importante trazer o seguinte questionamento, qual sentido se produz com a presença destas tecnologias no espaço escolar para aprendizagem e conhecimento dos sujeitos diretamente situados nas escolas? Os trabalhos de Cunha (2014) e Cunha (2010) dão pistas sobre isso e estão plenamente em diálogo com a Educomunicação embora estas autoras não os situem conceitualmente neste campo do conhecimento. Para os estudos em Educomunicação é interessante visualizar que investigações que trazem resultados como estes estudos das autoras relacionadas são significativos para sua consolidação enquanto campo prático e teórico. De uma forma geral, as ações e atividades vinculadas a Educomunicação estão muito visíveis nas atividades do Programa Mais Educação do Ministério da Educação. Parte do programa é dedicada para o uso das TICs através do desenvolvimento de projetos de Jornais Escolares, Rádios Escolares e Mídias Digitais. As práticas investigadas por Cunha (2014) e Cunha (2010) não se propõe a ser uma face da Educomunicação, mas desvelam algo que podem está presente em outras escolas, muitas vezes de forma pontual e silenciosa, mas fazendo uma grande diferença aos sujeitos ali presentes. É neste sentido, que os trabalhos apontam para a possibilidade de se aliar os estudos sobre letramento com as práticas de educomunicação e vice-versa dando pista do que se faz com tamanha inserção de tecnologia nas escolas e que muitas vezes parece não dá conta de atingir um objetivo muito claro, fazer sentido para os sujeitos mais interessados, professores e estudantes.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes Virtual Learning Environment: the role of interactivity building knowledge collectively M a r c e l o V i c t o r Te i x e i r a 1
Resumo: O artigo apresenta reflexões que buscam indicações para os motivos da evasão em cursos oferecidos na modalidade de educação a distância. Apoia-se nas características da interação e da imersão que podem ocorrer nesses ambientes virtuais de aprendizagem e posiciona o interagente (aluno) como protagonista no exercício ativo e colaborativo da aprendizagem. Nessa arena participam ainda os professores e os recursos oferecidos pelo ambiente. Faz uso como objeto empírico de estudo o curso de Inteligência Artificial oferecido pela Universidade de Edimburgo através da plataforma gratuita Coursera onde o autor aplicou a metodologia de observação participante no papel de sujeito educando (aluno).
Palavras-Chave: Educomunicação. e-Learning. Ensino a Distância. Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Coursera.
Abstract: This article delivers reflexions that seek for indicators for the purpose of abandonment in courses offered through the modality of distance education. It is based in the characteristics of interaction and immersion that could be present in these virtual learning environment and centers the student as responsible in the active and collaborative role in the learning process. In these scenario teachers and technological resources are together. Elected as study object the course offered by Edimburgo University through Coursera free plataform Artificial Intelligence where the autor used the methodology of participant observation acting as student.
Keywords: Educomunication. e-Learning. Distance Learning. Virtual Learning Environment. Coursera.
INTRODUÇÃO O CAMPO da educação na contemporaneidade, capturar a disputada atenção
N
dos sujeitos educandos (alunos) é fundamental para o engajamento e imersão em conteúdos de aulas que se apresentam nos ambientes virtuais de aprendizagem. Desenvolvidos e utilizados de forma destacada no contexto da educomunicação, esses ambientes enfrentam desafios também na busca pela retenção dos alunos a partir das atividades propostas que incluem, em sua maioria, leitura de textos, observação 1. Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Email: profmvt@gmail.com
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes Marcelo Victor Teixeira
de vídeos, participação em chats, entre outros. Este artigo procura avaliar como esses ambientes utilizam estratégias comunicacionais de interação, objetivando centralizar o aluno como protagonista no ato educacional, integrando-o num processo de criação coletiva e compartilhamento de saberes. Parte-se do entendimento de que a interatividade, característica do meio digital, pode possibilitar aos alunos a atuação como construtores e distribuidores de conteúdos informativos, contribuindo assim na formação de sujeitos mais participativos e ativos no processo de aprendizagem. Esse papel de protagonista que o aluno assume, afeta sua participação nestes ambientes, pois ele deixa de ser mero espectador e receptor de conteúdos prontos. Desse modo, através da aquisição de capital social (BOURDIEU) na forma de autoridade e reputação no grupo a partir de sua curiosidade, senso crítico, colaboração no processo, o aluno pode garantir participação mais efetiva, contribuindo para a diminuição das taxas de abandono (evasão). Diante desse novo paradigma para a educação, alguns alunos podem reagir negativamente ao método participativo, “assustados com a queda do autoritarismo no processo educacional” (PRIMO, 2003, p. 207). Na visão de Sevcenko (2001, p. 60), “assim como as inovações tecnológicas alteram as estruturas econômica, social e política, mudam ao mesmo tempo a condição de vida das pessoas e as rotinas do seu cotidiano”. Com essa referência, podemos entender que esses ambientes digitais de aprendizagem são um exemplo significativo de como as características da atualidade foram incorporadas pela indústria da educação. O acesso a conteúdo via múltiplas plataformas oferecidas ao público, segundo Castells (2009, p. 135) é “uma das características da comunicação na era digital globalizada”. O autor reforça que “novas tecnologias fazem com que todas as formas de comunicação se combinem em um ambiente digital, global, multicanal e multiplataforma”. O aparato tecnológico se faz presente na vida de muitos usuários que buscam a rede como espaço que se confunde e se completa com sua própria existência fora das telas. “A tecnologia da sociedade contemporânea é [...] hipnótica e fascinante” (JAMESON, 1996, p. 64) e permite, dentre outras possibilidades, que ambientes digitais estejam disponíveis em esfera global e em diversos dispositivos periféricos, além do computador, tais como celulares, smartphones e tablets. Computadores e a internet como espaço de comunicação foram decisivos nesse processo e o Brasil tem se empenhado em fazer parte desse cenário, já apresentando dados que demonstram a utilização dos mesmos para processos de educação. Segundo dados da Pesquisa TIC Domicílio 2013, divulgada em junho de 20142, entre os brasileiros que utilizam a internet (85,9 milhões de pessoas), já chega a 12% o percentual de praticantes de educação a distância (EaD). Isso significa mais de 10 milhões de pessoas, ou cerca de 9 vezes mais que o número de alunos contados formalmente em cursos de graduação a distância credenciados pelo MEC. Contudo, entre os usuários, a exposição é intensa e com um padrão semelhante: 76% das pessoas acessam a rede todos os dias, com uma exposição média diária de 4h59 de 2ª a 6ª-feira e de 4h24 nos finais de semana. Eles estão em busca, principalmente, de informações (67%) – sejam elas notícias sobre temas diversos ou informações de um 2. Disponível em http://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_DOM_EMP_2013_livro_eletronico. pdf. Recuperado em 22/03/2015.
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modo geral –, de diversão e entretenimento (67%), de uma forma de passar o tempo livre (38%) e de estudo e aprendizagem (24%)3. Nesse cenário, é importante compreender como acontece o processo de educação a distância e um de seus maiores obstáculos para o avanço: a evasão escolar. Por outro lado, a Pesquisa brasileira de mídia 2015 destaca que apesar da sua crescente importância, ainda é alto o percentual de entrevistados que não utilizam a internet (51%).
INTERAÇÃO E IMERSÃO EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM Igarza (2008) contextualiza que os indivíduos que habitam este universo e utilizam os meios de comunicação digital vivenciam um modelo comunicativo que conjuga algumas características fundamentais, onde se destaca a interatividade, que permite aos usuários influenciarem diretamente suas experiências nos meios de comunicação e entre outros usuários. Em estudo sobre interfaces telemáticas e comunicação mediada por computador, Bretas e Silva (2006) explicitam a importância da interação como sendo o momento que define a existência de comunicação. “O simples encontro dos interlocutores não é suficiente para que haja comunicação: eles precisam estar em interação” (Ibid., p. 5), dizem os autores, que definem como “o momento da interface” aquele em que a relação social se efetiva em interação social. Assumindo a interatividade como característica inerente aos meios digitais, resta investigar se o ambiente que se apresenta com finalidades de aprendizagem é capaz de promover interações. Nesse sentido se fazem presentes três agentes: (1) o próprio ambiente em seus aspectos de design, navegabilidade e recursos; (2) a atuação do professor e (3) a participação dos alunos. Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) consistem em mídias que utilizam o ciberespaço para veicular conteúdos e permitir interação entre os atores do processo educativo (PEREIRA, 2007, p. 4). Como sistemas computacionais, têm utilização destacada no suporte às atividades comuns de um ambiente de aprendizagem pois permitem integrar múltiplas mídias, linguagens e recursos, apresentando de maneira organizada as informações. A esses ambientes também é atribuída a capacidade de promover ou facilitar interações entre os alunos e os objetos de aprendizagem ali presentes, bem como entre os próprios alunos. Alex Primo (2003) apresenta uma concepção sobre a interação mediada por computador a partir da importância da comunicação interpessoal e a partir da crítica tecnicista onde se percebe o uso do termo em diferentes contextos. Em conclusão, adota e sugere o termo interação, entendido como uma “ação entre” os interagentes participantes do encontro. Concordamos com tal visão pois a mesma reforça a relação estabelecida entre os interagentes, e não nas partes que compõem o sistema global. Sintetiza em dois enfoques: (1) a interação mútua, na qual os interagentes reúnem-se em torno de contínuas problematizações, existindo modificações recíprocas durante o processo e (2) interação reativa, que depende da previsibilidade e da automatização nas trocas baseadas em relações potenciais de estímulo-resposta por pelo menos um dos envolvidos na interação. 3. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. – Brasília: Secom, 2014. (p. 49).
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Quando se fala em “interatividade”, a referência imediata é sobre o potencial multimídia do computador e de suas capacidades de programação e automatização de processos. Mas ao estudar-se a interação mediada por computador em contextos que vão além da mera transmissão de informações (como na educação a distância), tais discussões tecnicistas são insuficientes. Reduzir a interação a aspectos meramente tecnológicos, em qualquer situação interativa, é desprezar a complexidade do processo de interação mediada. É fechar os olhos para o que há além do computador. Seria como tentar jogar futebol olhando apenas para a bola. Ou seja, é preciso que se estude não apenas a interação com o computador, mas também a interação através da máquina. (PRIMO, 2003, p. 32)
Em estudos desenvolvidos com jogos digitais, Santaella (2007) entende a interatividade como uma propriedade intrínseca da comunicação digital, que pode se apresentar de formas variadas. Há os níveis mais baixos de interatividade em que a ação do usuário é meramente reativa, pois, embora suas respostas sejam imprescindíveis ao jogo, elas se dão sempre dentro de parâmetros que são regras do jogo estabelecidas pelas variáveis do programa. Mas há também um limiar alto de interatividade quando o programa está imbuído de complexidade, permitindo ao jogador a liberdade de participação, de intervenção, de criação (Ibid. p. 410).
Como um processo que se faz presente em AVA, a interatividade está condicionada à exigência de que o aluno realize alguma ação - participar de um chat, assistir e publicar vídeos, ler textos, responder a testes – e não o simples ato de navegar pressionando teclas, pois essas ações são projetadas para ter um significado específico no ambiente digital. Sendo assim, tomando a interatividade como possibilidade de participação na criação de uma obra aberta e dinâmica, podemos afirmar que a aula pode se modificar a cada ato de interação. Assim como a interatividade, a imersão é outra propriedade fundamental da comunicação digital e implica no quanto o sujeito consegue agir sobre o ambiente digital onde está inserido. Para cada vez mais gente, a experiência de navegar nas telas se dá em plataformas móveis como celulares e tablets. A rapidez do desenvolvimento de modalidades de ensino e aprendizagem mediadas por tecnologias digitais e o acesso fácil a atualizações contribui para potencializar esse fenômeno.
O DESAFIO DE CAPTURAR ATENÇÃO Ao avaliarmos algumas das características da contemporaneidade tais como a sobrecarga de estímulos e de informação e os impactos da alta velocidade com que bens materiais e simbólicos são criados e consumidos, podemos considerar que “vivemos cada vez mais em uma economia da atenção, na qual o olhar é uma das mercadorias mais cobiçadas” (SANTAELLA, 2010, p. 302). Em frente ao computador, flanando entre múltiplas telas, encontram-se audiências cada vez mais disputadas por diversos meios de comunicação. Capturar a atenção desse público é o desafio das corporações que ali se apresentam e dividem espaço com outras mídias. Muito da nossa atenção se espalha por uma série de elementos de uma só vez, e é cada vez mais difícil parar e prestar atenção às coisas, às pessoas e aos acontecimentos
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do mundo à nossa volta. Entretanto, nosso tempo médio de atenção é mesmo limitado e muitos de nós subestimamos sua importância. Como o autor de The Information Diet, Clay Johnson4, aponta, não basta somente estender seu foco para prestar atenção por mais tempo, é preciso escolher quando isso realmente importa. Santaella (2010) avalia o papel desempenhado pela atenção sob os impactos das características da sociedade atual, com destaque para a alta velocidade, a sobrecarga de estímulos e informação e a fragmentação do tempo: De fato, vivemos cada vez mais em uma economia da atenção, na qual o olhar é uma das mercadorias mais cobiçadas e, à medida que novas opções entulham o menu, incessantes apelos à mente reativa impõem-se na forma de cores brilhantes, alusões ao sexo, comidas apetitosas etc. […] o trabalho dessa nova economia, a da atenção, consiste grandemente no design e implementação de efeitos simbólicos e retóricos voltados para o fisgamento da demora perceptiva de audiências distraídas (Ibid., p. 302).
Continua a autora: “Embora cada época seja desafiada pelas tecnologias que lhe são próprias, as tecnologias atuais estão nos programando para sermos continuamente interrompidos. Estímulos novos acionam nossa adrenalina e nosso corpo assim nos recompensa por prestarmos atenção ao que é novo” (Ibid. p. 304). O ato de navegar pela rede exemplifica o entendimento da autora nos dias de hoje. Essas interrupções são comuns, quando recebemos mensagens instantâneas sobre os mais variados assuntos, durante o período em que estamos conectados, tais como convites para eventos, novas músicas e vídeos, amigos convocando para bate-papo, promoções e descontos, etc. A pesquisa brasileira de mídia 2015, que traz dados referentes ao ano anterior, destaca as formas de uso concomitante da internet com outras atividades que fragmentam a atenção. Entre os usuários, as principais respostas foram: comer alguma coisa (31%), conversar com outras pessoas (23%), usar o celular (20%), assistir à televisão (18%) e trocar mensagens instantâneas (16%). Mas os dados mostraram que a internet também possui um bom índice de atenção exclusiva: 32% relataram não realizar nenhuma outra atividade enquanto a utilizam. Podemos admitir assim que, no contexto contemporâneo, a atenção é vista como um bem individual, finito, raro e desejado. Sua gestão é objeto de práticas e saberes, dentro e fora dos estudos psicológicos, médicos e pedagógicos. Salientamos que não é escopo desse trabalho aprofundar-se na economia da atenção. Pretende-se apenas estabelecer uma ligação com um tema que nos parece fundamental na contemporaneidade e que aqui se apresenta na forma de indagação. Trata-se de procurar refletir sobre como os AVAs conseguem capturar a atenção de seu público, que por vezes dedica algumas horas diárias estudando. Dentre os possíveis Ambientes Virtuais de Aprendizagem, destacamos os MOOC. Trata-se de modalidade de curso online aberto e massivo (MOOC, do inglês Massive Open Online Course) que visa oferecer para um grande número de alunos, a oportunidade de ampliar seus conhecimentos num processo de co-produção. É um desenvolvimento na área de educação a distância e uma progressão dos ideais de educação aberta. 4. Disponível em http://jezebel.uol.com.br/lifehacker-o-preco-da-sua-atencao/. Último acesso julho/2012.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes Marcelo Victor Teixeira
Embora o projeto e participação em um MOOC possa ser semelhante ao de um curso em uma faculdade ou universidade, normalmente não exigem pré-requisitos mas também não oferecem certificados de participação. De modo a avaliar as possibilidades de interação e imersão em AVA, tomamos como objeto de estudo um curso oferecido gratuitamente na plataforma de ensino Coursera5. Reforçando o caráter massivo, o curso contava com vinte e quatro mil inscritos em sua primeira aula (19/01/2015), sendo que ao longo das seis semanas de desenvolvimento outros cinco mil alunos se inscreveram. Coursera hospeda cursos de várias Universidades como Edimburgo, Stanford, Illinois, La Sapienza ao redor do globo onde também se apresnetam as brasileiras Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e ainda cursos promovidos pela Fundação Lemann. Característica importante nos cursos dessa plataforma é a concessão de licensa de uso do tipo Creative Commons onde os usuários inclusive remixar os conteúdos. Num ambiente denominado “reutilização do conteúdo do curso”6, essas orientações são fornecidas aos alunos que são convidados a compartilhar os documentos, modificá-los e assim produzirem outros. O curso selecionado foi o de Inteligência Artificial, oferecido pela Universidade de Edinburgo (Inglaterra) entre os dias 09/01 e 23/02 de 2015. No período destacado para o estudo não havia oferta de cursos nacionais, uma das razões que levou o pesquisador a optar pelo curso em pauta. A outra reside na afinidade que o tema traz às suas pesquisas. Além da pesquisa bibliográfica, a pesquisa empírica se baseou em observação participante onde o pesquisador atuará como aluno do curso selecionado por objeto de estudo. Serão apresentadas algumas estratégias de interação empregadas pelo desenvolvedor do curso avaliando-se seu potencial como promotoras da construção coletiva de saberes. As interações do curso de Inteligência Artificial ocorrem mediante a utilização de emails. O primeiro dá as boas vindas (uma semana antes do início do curso), o segundo convida a visitar o ambiente das aulas (ainda anterior à primeira aula) e o terceiro anuncia o ínicio. Ao entrar na sala de aula pela primeira vez, o aluno responde 2 questões: (1) define seu interesse com o curso e (2) confirma, mediante atestado de leitura oo código de honra7. Uma vez no ambinet das aulas (sala de aula), nota-se que os conteúdos são apresentados de forma organizada e padronizada com outros cursos da mesma plataforma, embora cada Universidade defina seus conteúdos e relatórios de conclusão. A navegação é intuitiva e facilitada pela leveza do design. A cada nova aula, o aluno recebe orientações específicas sobre o plano de estudos para aquela aula. Essas consistem basicamente de vídeos e textos, além de algumas ferramentas convidam à interação tais como chats e fóruns de discussão. Embora sejam convidados a participar desses espaços de debate, o que se observa é sua baixa adesão. A figura 1 apresenta, em reprodução de uma das telas a efetividade de participação num desses fóruns.
5. www.coursera.org 6. Traduzido pelo autor: Reuse of Course Content. 7. O conteúdo de honra do Coursera reforça o papel do interagente nas atividades do curso.
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Apesar da garnde quantidade de fóruns criados (mais de 100 ao longo das seis aulas), e destacando que os alunos também são convidados a criar seus próprios ambientes de debata, a participação é pouco significativa (vide quantidade de posts8) incluindo o número de visualizações (views). Vale lembrar que o curso em questão possuía mais de vinte mil alunos inscritos.
Figura 1. Tela com performance de Fóruns de Discussão no curso Inteligência Artificial.
Retomando dados do censo EAD.br de 2013, enquanto as instituições indicam que a evasão entre alunos que cursam apenas disciplinas a distância é a menor verificada (10,49%), entre os alunos de cursos regulamentados totalmente a distância há uma evasão indicada pelas instituições como a mais alta – 19,06% em média. Dificilmente deixará de ser uma preocupação, já que os alunos de cursos a distância estão efetivamente expostos a muito mais estímulos concorrenciais em suas residências, no trabalho ou em qualquer outro ambiente no qual escolha estudar. É interessante notar que os cursos livres, para os quais seria natural esperar uma evasão maior, já que os alunos não necessitam sempre se matricular ou vencer ciclos como os semestres, não são necessariamente os mais problemáticos nesse quesito. Em termos percentuais, quase empatam com os cursos credenciados pelo MEC – 18,08% contra 16,94%. As principais causas da evasão apontadas pelas instituições são a falta de tempo dos alunos para estudar e participar dos cursos (32,1%) e o acúmulo de atividade de trabalho (21,4%). No MOOC estudado, os indicadores de evasão e participação ativa paercem mais problemáticos. Como se observa na figura 2, apenas 349 alunos obtiveram algum tipo de certificação (que se paresenta em 3 tipos: com performance superior a 75%, com performance entre 60% e 75% e entre 35% e 60%). 8. Qualquer comentário lançado pelos participantes do fórum.
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Figura 2. Quantidade de alunos que concluíram o curso e receberam certificados com aproveitamento superior a 35%.
A tabela 1 apresenta dados importantes para reflexão acerca dos aspectos aqui trabalhados. Assim, considerando que na última semana de curso haviam 29.483 alunos registrados, a aprovação representa pouco mais de 1%. Notamos ainda que a quantidade de alunos ativos alcançou a média aproximada de 6.300 nas três primeiras semanas, chegando contudo ao final com 1.871. Considerando as aprovações sobre a base de ativos na última semana, chega-se a 18,6% (isso representa evasão da ordem de 80%).
Tabela 1. Resumo de registros no curso de Inteligência Artificial 2015.
Na mesma tabela observa-se ainda, a quantidade de usuários ativos que acessaram vídeos chegando ao final do curso ao número de 9.615. Como esse número é superior à quantidade de alunos ativos, pode-se pensar que muitos usuários apenas acessam a plataforma para ter contato com os mesmos – seja para fins de pesquisa ou mesmo experimentação da plataforma – o que reforça a caracterítica desse ambiente que mantém seus arquivos acessíveis, mesmo após o final do curso. Para compararmos aos dados do censo EAD.br de 2013, o uso de mídias de acesso a vídeo é um recurso utilizado por 84,5% das instituições pesquisadas, sendo que a internet é a mais utilizada por 42% das instituições. São vídeos de todos os tipos, desde tutoriais até aulas propriamente ditas, além de objetos de aprendizagem (produzidos e utilizados por 57% das instituições), animações ou exercícios, que são divulgados por internet, DVD, CD, MP4 e outros meios.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Como observado, o índice de evasão do curso selecionado para objeto desse estudo ultrapassa 80%. Esse dado difere dos índices enconrados nos cursos de educação a distância brasileiros, conforme o censo realizado em 2013 (próximo de 17% nos cursos regulamentados pelo MEC). Algumas razões podem ser apontadadas, porém demandariam estudos mais aprofundados e comparativos com outros cursos no mesmo ambiente. Talvez o próprio ambiente e as condições de oferta indiquem que os cursos gratuitos tendem a ter sua retenção diminuída ao longo do tempo de desenvolvimento. Parece coerente afirmar que apesar dos esforços dos desenvolvedores criando ambientes onde a interação é favorecida, os interagentes acabam por dispersar sua atenção e não concluem os estudos. A obrigatoriedade de um curso ou o fato de ser um curso pago parecem ser fator relevante para diminuir a evasão. Pode-se assim observar que a abertura de espaços de interação mútua nos ambientes virtuais de aprendizagem não garantem em si um processo transformador. A mera disponibilização dos recursos não basta para a concretização de uma proposta de educação. Ou seja, a educação a distância não é simplesmente um problema tecnológico. Exige também uma postura transformadora das instituições promotoras dos cursos, dos professores e da própria conscientização dos alunos. Para os participantes do censo EAD.br de 2013, tais instituições enfrentam: (1) desafios organizacionais de uma instituição presencial que passa a oferecer educação a distância (12,8%); (2) resistência dos educandos (10,7%); (3) resistência dos próprios educadores (9,8%) além da (4) evasão (19,6% das instituições apontaram a falta de adaptação dos alunos à metodologia como elemento que a provoca). Com a inserção cada vez maior do computador nas práticas educacionais, uma problematização sobre o desenvolvimento do saber através da interação demanda ainda maior atenção. “Disso decorre, que o pensar sobre a educação mediada por computador não deve apenas patinar em torno de questões tecnológicas, sob o risco de submergir numa discussão tecnicista, útil apenas para reafirmar a educação tradicional e autoritária” (PRIMO, 2003, p. 192). Nesse sentido, é importante reforçar o papel do aluno, sujeito ativo nesse processo educacional. O aluno deverá estar constantemente interessado no aprimoramento de suas idéias e habilidades e solicitar (puxar) do sistema educacional a criação de situações que permitam esse aprimoramento. Portanto, deve ser ativo: sair da passividade de quem só recebe, para se tornar ativo caçador da informação, de problemas para resolver e de assuntos para pesquisar. Isso implica ser capaz de assumir responsabilidades, tomar decisões e buscar soluções para problemas complexos que não foram pensados anteriormente e que não podem ser atacados de forma fragmentada. Finalmente, ele deve desenvolver habilidades, como ter autonomia, saber pensar, criar, aprender a aprender, de modo que possa continuar o aprimoramento de suas idéias e ações, sem estar vinculado a um sistema educacional. Ele deve ter claro que aprender é fundamental para sobreviver na sociedade do conhecimento (Valente, s/d, p. 41).
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes Marcelo Victor Teixeira
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado? Social media and mediation: who mediates and who is mediated? Marciel A. Consani1 Resumo: A pesquisa fundante realizada pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA/ USP) em 1998 apresentou a Mediação Tecnológica na Educação como uma vertente do campo educomunicativo em franca expansão, por conta, principalmente, da inserção crescente das tecnologias digitais na educação, dentro e fora das escolas. O conceito educomunicativo de “mediação”, aportado da Teoria das Mediações referenciada em Jesus MARTÍN-BARBERO, embasou as reflexões iniciais sobre a natureza e a significação social daquela abordagem, visando afastá-la de orientações tecnocráticas e acríticas. Passada uma década e meia daquela investigação inicial consideramos cabível uma reavaliação profunda das interações entre a educação e a tecnologia pelo viés da Educomunicação. Como justificativa para esta revisão invocamos o surgimento de novos objetos de interesse investigativo para o campo educomunicativo, tais como as Redes Sociais e a Web 2.0. A contribuição esperada de nosso texto é a de atualizar o debate sobre o papel das mídias e tecnologias digitais, apontando novas perspectivas para a práxis educomunicativa, fundamentais para apoiar o trabalho dos educomunicadores. Palavras-Chave: Educomunicação, Redes Sociais Digitais, Mediação, Tecnologia, Web 2.0.
Abstract: The foundational research conducted by the Center for Communication and Education of the School of Communications and Arts, University of São Paulo (NCE-ECA/USP) in 1998, introduced Technology Mediation in Education, an aspect of Educommunication, a field in rapid expansion due to growing inclusion of digital technologies in education, inside and outside schools. The educommunicative concept of “mediation”, as described by Jesus Martin-Barbero in his Theory of Mediation, supported the initial reflections about the nature and social relevance of this approach, distancing itself from a technocratic, acritical orientation. After a decade and a half since that early research, we aim at reassessing the interactions between education and technology through the lens of Educommunication. This revision is warranted, based on the emerging of new topics in Educomunnication, such as social networks and Web 2.0. Our contribution updates the discussion about the role of media and digital technology, offering new perspectives for Educommunication praxis, essential to support the work of educommunicators.
Keywords: Educommunication, Social Networks, Mediation, Technology, Web 2.0. 1. Doutor em Ciência da Comunicação, Professor Doutor efetivo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, contato: mconsani@usp.br.
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INTRODUÇÃO Apresentação M MEADOS de 2001, eu mal debutara como professor no ensino superior (embora
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já acumulasse doze anos de trajetória profissional na educação), quando pude assistir a uma inspiradora série de palestras promovidas pela faculdade na qual eu lecionava. O evento versava sobre as últimas tendências em comunicação, alavancadas pelo “boom” que a Internet brasileira experimentava, naquele início de milênio (o ano era 2001). Um dos convidados era o representante da renomada Fundação Roberto Marinho, indissociável do maior conglomerado de canais de comunicação do país: a Rede Globo de Televisão. Ante o meu questionamento sobre os esforços daquela empresa para estender a proeminência conquistada no mundo analógico ao ciberespaço, o palestrante assegurou que o objeto de sua explanação — o portal Globo.Com — era a resposta à minha pergunta. Intimamente a resposta me encheu de ânimo, ainda que por motivos totalmente opostos aos do meu interlocutor: pude vislumbrar uma perspectiva de democratização da comunicação digital, embalado por uma dose considerável de otimismo (que hoje sei, ilusório) quanto às promessas fabulosas encampadas, então, pela recém consolidada Internet. O aparente desconhecimento dos pretensos gatekeepers em relação ao potencial da web, principalmente, de sua dinâmica como ambiente comunicacional, realmente inspirava os entusiastas da nova mídia a acreditar que estávamos diante de uma revolução tecnológica pronta para subverter a ordem hegemônica dos meios de produção cultural. Esta é uma ilusão que se desvaneceu aos poucos, mas de forma inexorável. É certo que os grandes conglomerados que pautam o agenda setting constritor da informação e da comunicação não lograram estender seu monopólio além da relativa insignificância dos seus portais, os quais funcionam muito menos como postos de parada obrigatória e mais como atrações eventuais, diluídas como outras, num mar de páginas virtuais. Apesar desta dinâmica niveladora da grande rede, a verdade é que hoje, mais do que nunca, nos encontramos enredados em novos tipos de dominação, mais difíceis de se detectar e cerceados por grupos e marcas monopolizadores cujo domínio aumenta na mesma proporção em que viceja a ilusão dos internautas que ainda se acreditam protagonistas no mudo virtual.
Sobre este texto Embora já não tão recente, o fenômeno das Redes Sociais Digitais2 (RSD) persiste como um hábito cultural cada vez mais arraigado: hoje, pertencer ao Facebook, ao LinkedIn ou a qualquer RSD mais popular é quase uma questão de cidadania digital, uma garantia de inclusão em nossa contemporaneidade, cujas implicações merecem ser investigadas. O viés crítico do presente artigo almeja ser apenas o pano de fundo para uma discussão mais ampla sobre o conceito de ação mediadora, que pode ser considerada 2. A escolha desta terminologia específica – a qual traduziremos, doravante por seu acrônimo – procura ser o mais favorável possível à desambiguição do termo. Também busca aproximar-se da completude, contemplando assim o elemento estrutural (R/Rede), social (S) e tecnológico (D/Digital).
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uma modesta tentativa de acréscimo à Teoria das Mediações de Martín-Barbero (2003) à luz das práticas e desenvolvimentos teóricos vivenciados por este pesquisador junto ao Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da USP (NCE-ECA USP)3. Para conduzir nossa argumentação, dividimos o texto em três partes principais. Na primeira, resgataremos a origem do conceito de Mediação Tecnológica na Educação, oriundo da chamada Pesquisa Fundante desenvolvida pelo referido núcleo no ano de 1998. A segunda parte apresenta a tese “Mediação Tecnológica na Educação: conceito e aplicações”, defendida por este autor junto ao Centro de Comunicação e Artes (CCA) da ECA-USP, a qual se propunha a aprofundar as implicações teóricas e práticas da Mediação no campo educomunicativo. Na terceira parte procuraremos responder a pergunta proposta no título deste paper fazendo uso da abordagem analítica apoiada no conceito da MTE, agora acrescida de atualizações e direcionada para o objeto de estudo constituído pelo fenômeno das RSD. Ao final, agregaremos algumas considerações que consideramos pertinentes.
1. A MTE COMO UMA VERTENTE EDUCOMUNICATIVA ORIUNDA DA PESQUISA FUNDANTE DO NCE-ECA/USP Embora o NCE não tenha criado, mas tão somente, re-semantizado o termo “Educomunicação”, é inegável que ele construiu um arcabouço de saberes que sustentam hoje, posições bem esclarecidas dentro da interface Comunicação/Educação. O chamado Paradigma Educomunicativo alcançou, ao longo das últimas duas décadas, avanços decisivos em seu intento de se consolidar como um campo de conhecimento na intersecção entre a Comunicação e a Educação. Tal desenvolvimento conceitual deve sua solidez a uma trajetória concomitante de pesquisas acadêmicas que se somam e se complementam e, também, a um cabedal de vivências práticas acompanhadas junto aos diversos contextos educativos formais e informais. Segundo nos relata Soares (2011) o marco referencial deste processo foi a pesquisa “O Perfil do Educomunicador”, na qual ocorreu o mapeamento preliminar de práticas que viriam a ser aglutinadas como vertentes educomunicativas de intervenção: Para comprovar as hipóteses levantadas a respeito da presumível emergência do campo de inter-relação comunicação/educação, a equipe do Núcleo de Comunicação e Educação — NCE realizou uma pesquisa cujos instrumentos investigatórios foram: aplicação de questionário exploratório junto a uma amostragem significativa (400 questionários respondidos por 178 especialistas de 12 países do continente); entrevistas com 25 especialistas latino-americanos de reconhecido renome, além da promoção de workshops, seminários e de congressos para coleta de dados posteriormente incorporados ao trabalho. (Soares, 2011, 27-28).
Com base naquela recolha de dados, o grupo de pesquisadores do NCE definiu quatro vertentes principais a partir das quais os educomunicadores atuam. Com o 3. Trata-se de uma instância caracterizada como núcleo de extensão ligada à Escola de Comunicações e Artes da USP e que se dedica a identificar e estudar as interfaces sociais entre Comunicação e Educação, principalmente para sustenta projetos de intervenção pedagógica no âmbito das políticas públicas.
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acréscimo de trabalhos posteriores, o leque de intervenções cresceu e abrange, hoje, seis modalidades: (1) educação para a comunicação; (2) expressão comunicativa através das artes; (3) mediação tecnológica nos espaços educativos; (4) a pedagogia da comunicação; (5) a gestão da comunicação nos espaços educativos e, por fim, (6) a reflexão epistemológica sobre a prática educomunicativa (Soares, 2012, 47). Uma das áreas de intervenção presentes no levantamento original e que mais chamou a nossa atenção, foi a de número (3) que, à época da pesquisa, foi chamada simplesmente como “Mediação Tecnológica na Educação”, designação que manteremos neste artigo sob o acrônimo MTE. Nosso interesse específico foi alimentado por dois motivos, sendo o primeiro, a trajetória pessoal do pesquisador, que, entre 1998 e 2002, atuou intensamente como formador de docentes para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na rede pública municipal da cidade de São Paulo. O outro motivo de interesse adveio do fato de que a abordagem comunicativa demonstrava ser muito mais (sócio) interacionista em relação aos agentes do processo pedagógico4 do que as orientações instrucionistas que proliferavam, muitas vezes, sob o guarda-chuvas amplo da “Informática Educativa”. Àquela altura, a reposta para as contradições que nós (educadores) constatávamos na relação Educação/Tecnologia apontava para a práxis educomunicativa no processo pedagógico. Esta privilegiava o aspecto relacional pelo viés da comunicação interpessoal, sobre a abordagem tecnológica, a qual, muitas vezes, era entendida pelos docentes como uma instância técnica que se resumia à necessidade de “dominar a máquina”. Esta conjunção de fatores motivou nosso ingresso no grupo de pesquisadores do NCE (no ano de 2004) com foco, essencialmente, no aprofundamento da investigação sobre a pertinência da MTE como um aporte significativo da educomunicação para a demanda crescente por contextualizar a cultura digital dentro nos espaços educativos. Após um período inicial necessário à definição do recorte da pesquisa que realizaríamos, ficou claro que a própria área de intervenção ser constituiria no objeto da pesquisa, uma vez que existiam ainda poucas pesquisas referenciadas naquele conceito ou que com ele dialogassem, uma vez que faltava-lhe um maior enquadramento epistemológico. A orientação do trabalho ficou a cargo do Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, que levou a conta o envolvimento do NCE intenso, na época, com projetos importantes baseados em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) no âmbito das redes públicas. Dois destes projetos merecem ser mencionados: o Educom.TV 5 e o Programa de Formação continuada em Mídias na Educação6. Assim se delineou a construção da tese (Consani, 2008) que será o tema da próxima seção. 4. É assim que designaremos, quando necessário, os alunos, professores e demais membros da comunidade escolar — no caso da educação formal, como nas escolas — e também os diferentes protagonistas envolvidos em processos comunicativos que promovam a educação — nos contextos não-formais, como nas Organizações da Sociedade Civil. 5. O Educom.TV foi um projeto de educação online desenvolvido em 2002 junto a 2.240 professores do Estado de São Paulo voltado para o uso e análise do audiovisual e da TV no espaço escolar (Soares, 2003). 6. O “Mídias na Educação” foi concebido como um curso de especialização Lato Sensu de professores da rede pública para a implementação de projetos educativos envolvendo uma ou mais linguagens midiáticas. O NCE manteve esta parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre os anos de 2005 e 2013, finalizando sua participação com a emissão de cerca de 450 certificados finais.
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2. A TESE “MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA NA EDUCAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA ANALISAR A PROBLEMÁTICA DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS O ponto de partida desta pesquisa consistiu na detecção de que a Mediação Tecnológica na Educação (MTE) era um conceito central para a Educomunicação, faltando-lhe, porém, a consistência e a clareza necessárias para que ele se constituísse numa referência significativa e epistemologicamente confiável. Assim, a investigação buscou, antes de tudo, definir um sentido preciso para a expressão MTE, no afã de validar e legitimar o seu uso, obtendo os resultados esperados de ampliação e fortalecimento do quadro teórico que sustenta a Educomunicação. A abordagem introdutória escolhida partiu da apresentação da trajetória pessoal, profissional e acadêmica do pesquisador, seguida da recapitulação e reavaliação dos principais projetos educomunicativos desenvolvidos pelo NCE (Núcleo de Comunicação e Educação) da ECA-USP, com destaque para aqueles que implicassem diretamente na relação Educação/Tecnologia. O levantamento dos aspectos filosóficos, epistemológicos e históricos que convergem no conceito de mediação, contextualizam e embasam a discussão nos capítulos centrais da tese, que culminam na análise comparativa de diversos modelos mediadores da interface Comunicação/Educação e sua síntese num modelo inovador denominado “Metáfora da Orquestra”. Antes das considerações finais, um último capítulo é dedicado ao esboço do que seriam as aplicações possíveis da MTE, com ênfase no conceito de Tecnologia Educacional, desde seus primórdios até a problemática relacionada com a chamada Educação a Distância. As considerações finais se concentraram na tarefa de apontar as perspectivas para possíveis desdobramentos investigativos apontados pela tese. Por fim, uma seção de anexos, razoavelmente extensa, procurou apresentar um material de apoio (“Guia do Tutor”) desenvolvido para o curso “Formação Mídias na Educação” como um pequeno compêndio de práxis educomunicativa aplicada ao ambiente virtual específico no qual o curso foi desenvolvido. Apresentaremos, a partir deste ponto, um maior detalhamento do conteúdo do referido trabalho, capítulo a capítulo.
2.1. Capítulo I: os projetos do NCE como exemplos de mediação Como capítulo inicial nos pareceu importante fazer uma espécie de “declaração de princípios”, apresentando o referencial educomunicativo para que o leitor pudesse apreender o contexto dentro do qual as linhas de raciocínio da tese se desenvolveram. A extensão e detalhamento do capítulo, se justificam pelo enfoque do estudo, centrado na análise da mediação com base na atitude dos mediadores. A intenção central foi a de demonstrar que a figura do mediador esteve presente em todas as intervenções desenvolvidas pelo NCE em seus projetos. Assim procedeu-se a uma análise comparativa, organizada em quadros sinópticos, de todos os projetos desenvolvidos pelo referido núcleo de extensão entre 2002-2008.
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2.2. Capítulo II: discutindo a Mediação O Núcleo da Tese pode ser identificado na soma dos capítulos II e III, nos quais se discutem, respectivamente, a problemática em torno do conceito da mediação (II) e sua possível ressignificação (III). A análise da problemática em si objetivou: (a) entender o uso corrente da expressão Mediação partindo de sua etimologia; (b) contextualizar o uso da expressão dentro do referencial educomunicativo na vertente MTE com base nos modelos de mediação abstraídos de algumas correntes de pensamento presentes na Comunicação e na Educação. A pesquisa etimológica, ainda que considerando o apoio oferecido pela linguística e a semântica, não buscava um aprofundamento nessas duas abordagens, mas, tão somente, alguns subsídios que pudessem alavancar a discussão. A origem do termo “mediar” foi mapeada desde sua matriz latina (“medium”) e, de modo particular, também na língua inglesa (“mediation”). A informação relevante ali apresentada consistiu na multiplicidade de sentidos assumidos pelo termo mas, também, sua transformação em algo que não fosse apenas a idéia básica de “um objeto interposto entre dois elementos”. Complementando essa análise, por assim dizer, filológica, a reconstituição do percurso histórico em que o termo ocorre começa na filosofia clássica de Aristóteles a Hegel e adentra pela sociologia marxista, antes de chegar aos estudos comunicacionais contemporâneos. Neles, destacamos os trabalhos de Martín Serrano, Jesus MartínBarbero e Néstor Garcia Canclini. Esta última tríade de pensadores pode ser apontada, sem dúvida nenhuma, como a fonte que origina o uso corrente do termo “mediação” no campo da Comunicação Social, tal como dele se apropriou a Educomunicação. O desenvolvimento da mediação como um conceito central dentro das novas teorias de comunicação e que tem como marco o livro “De los medios a las mediaciones” de Martin-Barbero (2003), pode ser interpretado como uma apropriação de uma abordagem sociológico-socialista dentro de um arcabouço cultural radicalmente diverso: cultura do colonizador versus cultura do colonizado.
2.3. Capítulo III: trazendo a mediação para o campo da educação A esta altura o objetivo da tese de aclarar o conceito de mediação, mesmo longe de se esgotar já havia atingido um patamar propício ao ponto seguinte: a aplicação do conceito no contexto da Mediação Tecnológica na Educação. O capítulo que mais se ocupa desta questão, o de número III, articula-se com o desenvolvimento de três aspectos básicos: (a) uma abordagem ontológica do conceito de mediação; (b) a análise esquemática de alguns modelos de mediação oriundos dos campos da Comunicação e da Educação; (c) a construção de um modelo hipotético que alinhavasse todas estas análises: a Metáfora da Orquestra.
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A contextualização destes modelos emprestados ao campo da Educação resultou no resgate de um “elo perdido” entre a referência pedagógica mais frequentemente invocada pela Educomunicação — a obra do brasileiro Paulo Freire — e o principal estruturador da abordagem sócio-interacionista: L. S. Vigostky.
2.4. Capítulo IV: o recorte histórico da MTE Podemos considerar como função principal deste capítulo o esforço de aproximar uma discussão eminentemente teórica desenvolvida ao longo dos dois capítulos precedentes para o universo “concreto” dos projetos de intervenção vivenciados com proximidade pelo pesquisador. A abordagem escolhida consistiu no levantamento de pontos de equivalência entre os campos da Pedagogia, da Tecnologia e da Comunicação, visando demonstrar que as diferentes denominações para o trabalho educativo envolvendo tecnologias e mídias consistiam, fundamentalmente, em estratégias de mediação referenciadas nos enfoques específicos das áreas de origem. Deste modo, concluiu-se que o conceito de MTE poderia ser proposto como uma abordagem aproximadora de áreas do conhecimento tradicionalmente apartadas entre si.
2.5. Capítulo final: considerações em aberto O último capítulo de nossa tese assumiu como leitor preferencial o educomunicador, identificado como o profissional no efetivo exercício desta atividade ainda em construção, mas também aquele interessado munido de disposição e receptividade suficientes para identificar-se, em algum aspecto, com as propostas sustentadas pela Educomunicação. Ali, procuramos oferecer a possibilidade de diferentes modos de apropriação do trabalho, orientados da seguinte forma: (a) possíveis itinerários na leitura deste trabalho; (b) contribuições conceituais da pesquisa; (c) contribuições metodológicas da pesquisa; (d) tendências e pontos para desenvolvimento futuro e (e) prováveis omissões e incompletudes. Tais pontos de reflexão serviram, inclusive, para a releitura posterior da tese por seu próprio autor, permitindo o necessário distanciamento histórico que permite separar as contribuições ainda válidas para a análise do contexto contemporâneo, daqueles preceitos já datados ou superados pelas rápidas transformações do paradigm comunicacional verificadas no intervalo de quase uma década. Assim, na próxima seção, reafirmamos nossa disposição em lançar alguma luz sobre a mediação no âmbito das Redes Sociais Digitais.
3. AFINAL, QUEM MEDEIA QUEM? MEDIADORES EVIDENTES E MEDIADORES OCULTOS Para responder aquela questão colocada desde o título de nosso artigo é preciso estabelecer alguns pressupostos. I. Tomando-se como hipótese de trabalho a dinâmica própria das redes sociais digitais, é preciso, primeiro, definir o escopo da dupla questão presente em nosso enunciado. De antemão, devemos estabelece a pertinência de alguns denominadores, tais como
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a. O processo da Mediação b. O sujeito da Mediação c. O objeto da Mediação Assim, observe-se o quadro abaixo: Quem Medeia?
Quem é mediado?
Elemento que é o sujeito e protagonista do processo de mediação.
Elemento que é objeto e sofre os efeitos da mediação.
II. Algo a ser reiterado e que consideramos o ponto fulcral estabelecido em nossa mencionada tese de doutoramento (Consani, 2008) é o fato de que a mediação nada tem de espontânea, sendo um processo consciente e ativo conduzido por um ou mais agentes identificáveis. III. Um outro pressuposto importante é o de que a mediação é um processo consensual, ou seja, que todos os agentes envolvidos desejam que o processo educativo se desenvolva e cumpra seus objetivos. Nos dias de hoje, diríamos que a mediação ocorre no jogo de interações (ou forças, no sentido consagrado pela Física) entre os distintos agentes envolvidos, o que aparece de maneira bastante clara quando o mediador nominado — isto é, aquele que assume, ou ao qual se atribui ação mediadora — não dispões das condições suficientes protagonizar, sozinho, o processo em questão. Tomemos como exemplo de cenário da mediação a sala de aula, lócus preferencial da escola como instituição educadora. Aqui, o professor representaria o mediador nominado, ao qual se confia a condução do processo de mediação pedagógica entre o grupo de alunos e a instituição educadora representada na própria escola e seus atributos (currículo, conteúdos, Projeto Político Pedagógico). Caso as orientações que norteiam o professor sejam demasiado limitantes, definidas aprioristicamente, fechadas, inegociáveis; seu poder de mediação enquanto agente se torna bastante reduzido. De outro lado, isto também pode acontecer se os alunos não se considerarem parte do processo7. Uma vez que os discentes se sintam excluídos do consenso necessário, eles deixam de atuar na dinâmica do processo pedagógico, manifestando desatenção e desinteresse em diversos graus. Por falta de um termo mais adequado, no momento, daremos a este processo o título provisório de “Mediação Evidente”. Já numa dinâmica ideal desse tipo de mediação deve haver, realmente, um balanço de forças entre as instâncias que orientam o professor (“acima” dele = os gestores) e as instâncias sobre as quais recaem suas orientações (“abaixo” dele = os discentes). Num quadro de equilíbrio, ou, num ecossistema comunicativo harmônico (Soares, 2012), o 7. Naquilo que Moore & Kearley (2008) denominariam de “uma grande distância transacional”, referindo-se, não a uma grandeza física de distância, mas sim a um distanciamento relacional entre docente e discente.
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processo pedagógico fluiria sem impedimentos, somando a participação de todas as instâncias envolvidas, as quais perseguem os mesmos objetivos e caminham juntas na mesma direção. Tais exemplos de Mediação Evidente, facilitam o entendimento do que chamamos aqui de “mediar”, quando personificamos o mediador na figura do docente. De fato, este papel, corresponde à maior parte dos contextos em que a educomunicação intervém, ainda que o termo “professor” seja, por vezes, substituído por outras denominações, tais como educador, facilitador, tutor e, até mesmo, mediador. Em contraposição, o processo mediador pode ocorrer de forma bem menos explícita, o que dificulta a transposição do modelo de mediação descrito como “evidente” para o chamado ciberespaço, que é, a rigor, um não-lugar. Além da abstração física do processo mediador, ao ambiente virtual apresenta dinâmicas específicas, que se aplicam, por exemplo, no âmbito das Redes Sociais Digitais. Diferentemente de um AVA8, que é administrado centralmente pelos gestores localmente pelo tutor/mediador, os espaços de interação virtual como o Facebook, o Instagram e o Twitter — só para citar algumas das RSD mais populares, se apresentam como instâncias “livres”, dentro das quais os membros — na verdade, usuários inscritos mediante a aceitação plena ou tácita de um contrato de serviços — podem fazer tudo o que quiserem dentro das restrições técnicas e regimentais inerentes a cada rede social específica. Esta percepção superficial, entretanto, escamoteia o fato de que as RSD mencionadas foram criadas e são mantidas por empresas comerciais de capital aberto que lucram com seus serviços. O fato do preço de tais “produtos” ser absorvido por uma amálgama de publicidade, investimento especulativo e custo diluído no acesso do usuário às redes, ilsutra bemo conceito aqui proposto de “mediadores ocultos”. Levando-se em conta que o desconhecimento dos aspectos ligados à gestão financeira e técnica da web alimenta uma espécie de confiança irrestrita naqueles que acessam a rede, nos recordamos daquela palestra relatada na apresentação deste artigo, o que corresponde a um alerta: somos efetivamente mediados de forma constante, invasiva e disfarçada. O alerta cabe, não para despertar impulsos de uma vaga paranóia ou de trazer de volta a atitude “denuncista” da leitura crítica dos meios de comunicação, abordagem já esgotada há algumas décadas, e que não dá conta da atual dinâmica hipermidiática que não corresponde ao contexto da comunicação “de massa”. O que pontuamos, aqui, é a urgência para entendermos os processos comunicacionais que operam neste novo paradigma de cultura digital, virtual e permanentemente conectada. Ou, no dizer de Recuero (2009): Na verdade, a abordagem de rede fornece ferramentas únicas para o estudo dos aspectos sociais do ciberespaço: permite estudar, por exemplo, a criação das estruturas sociais; suas dinâmicas, tais como a criação de capital social e sua manutenção, a emergência da cooperação e da competição; as funções das estruturas e, mesmo, as diferenças entre os variados grupos e seu impacto nos indivíduos. (Recuero, 2009, 21) 8. Ambiente Virtual de Aprendizagem, conjunto de ferramentas criado para funcionar online dando suporte a todas as etapas do processo pedagógico virtual.
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O fato é que defendemos a ideia de que o corpus epistemológico da educomunicação, no recorte da MTE pode oferecer contribuições significativas para a compreensão e o emprego consciente das RSD em contextos educativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância da mediação no processo comunicativo não se limita a um aporte teórico das ciências sociais que contaminou os estudos culturais nas últimas décadas. Ao contrário, vemos a possibilidade nada remota de, aquilo que a Educomunicação chama de Mediação ser, de fato, uma ressignificação do próprio conceito original. Este já se apresentaria reformado dentro de um novo programa e embasado numa vasta gama de vivências práticas em projetos de intervenção social. Assim, entendemos que o objeto de estudo da Educomunicação evidencia-se não como uma construção arbitrária, partilhada por um pequeno grupo de iniciados, mas como um conjunto de tecnologias sociais para o entendimento e resolução de problemas bastante aplicado, razoavelmente estudado e em adiantado estado de sistematização. Dentro deste entendimento, propomos aos educomunicadores que assumam sua função-chave de mediadores nos contextos educativos e que desenvolvam, intensamente, ações que incentivem o questionamento e a reflexão, visando a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e plural, seja no mundo concreto, seja no campo do virtual.
REFERÊNCIAS Consani, M. A. (2008) Mediação Tecnológica na Educação: conceito e aplicações. Tese (Doutorado em Ciência da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, USP. São Paulo. Recuperado em 10 de março, 2015, de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/ tde-27042009-115431/es.php . Martín-Barbero, J. (2003) Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, UFRJ. Moore, M. & Kearsley, G. (2008) Educação a Distância: uma visão integrada. São Paulo, Cengage, Recuero, R. (2009) Redes Sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina. Soares, I. O. (2012). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. São Paulo, Paulinas. (________). (2011) Educomunicação: um campo de mediações. In Citelli, A. O. & Costa, M. C. C. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo, Paulinas. Soares & cols. (2003) O Projeto Educom.TV: formação online de professores numa perspectiva educomunicativa. Separata em format digital disponível para download. Recuperado em 10 de março de 2015 em http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/4.pdf.
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A relação entre capital cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet das classes populares The relationship between cybercultural capital and empowerment in citizen networks internet class popular M i c h e l C a r va l h o
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Resumo: O artigo reflete sobre as possibilidades de empoderamento cidadão das classes populares, levando em conta a ambiência forjada na ciberdemocracia. O acesso às plataformas digitais e a consciência política contribuem para a reflexão sobre a realidade cotidiana, além de estimular diferentes formas de participação (petições online, fóruns, ciberativismo). A partir dessa relação entre capital cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet (RSI), investigamos o comportamento de estudantes de cursinhos vestibulares de caráter comunitário no que se refere ao ativismo no ciberespaço. Neste trabalho, consideramos o capital cibercultural como um conceito que atualiza o sentido de capital cultural de Bourdieu, relacionando-o à apropriação de tecnologias de comunicação e aos processos instrutivos, a cultura participativa e a autonomia criativa. O referencial teórico é norteado pelas contribuições de Levy, Lemos, Benkler, Gomes, Hamelink, Bredarioli e Castells.
Palavras-Chave: democracia digital; redes sociais; educação cidadã; engajamento político.
Abstract: The article reflects on the possibilities for citizen empowerment of the working classes, taking into account the ambience forged in cyberdemocracy. Access to digital platforms and political awareness contribute to the reflection on the everyday reality and stimulating different forms of participation (online petitions, forums, cyber-activism). From this relationship between capital and citizen empowerment cybercultural on social networks internet (RSI), we investigated the behavior of students in college preparatory courses of community character in relation to activism in cyberspace. In this paper, we consider the cybercultural capital as a concept that updates the sense of cultural capital of Bourdieu, relating it to the appropriation of communication technologies and instructional processes, participatory culture and the creative autonomy. The theoretical framework is guided by the Levy contributions, Lemos, Benkler, Gomes, Hamelink, Bredarioli and Castells.
Keywords: digital democracy; social networks; citizenship education; political engagement.
1. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Comunicação Púbica e Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Atualmente, é jornalista na Câmara Municipal de Cubatão (SP). Email: michelcarvalho@usp.br
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A relação entre capital cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet das classes populares Michel Carvalho da Silva
INTRODUÇÃO PARTIR DOS pressupostos de Bourdieu, que indicam que fatores extra-escolares
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(econômicos e culturais) são determinantes para o aproveitamento do estudante, podemos estender essa ideia ao campo do engajamento cívico online e levantar a hipótese de que esses mesmos aspectos influenciam, sobremaneira, o empoderamento político dos cidadãos nas redes sociais de internet (RSI). Em tempos de ciberdemocracia (Lemos; Levy, 2010), em que novas modalidades de intervenção sociopolítica se abrem no ciberespaço, o processo de empoderamento exige tanto um novo capital cultural do cidadão quanto um elevado grau de consciência política, de modo que o “empoderado” possa elaborar conteúdos que expressem um posicionamento crítico diante dos problemas cotidianos. O presente artigo visa compreender, dentro desse novo contexto político-comunicacional, como o processo de empoderamento cidadão nas RSI pode ser segmentado e heterogêneo, apresentando diferentes capacidades de compreensão, produção, compartilhamento e recepção de conteúdos ligados à promoção da cidadania. Se, por muito tempo, as classes populares reivindicavam somente os direitos tradicionalmente reconhecidos pelo Estado, agora, com as mudanças ocorridas no cenário socioeconômico nos últimos anos, os mais pobres têm a possibilidade de ter acesso a práticas sociais e culturais que lhe dão sentimento de pertencimento. Essa inserção permite sua participação em espaços tanto como consumidor quanto como cidadão. Mesmo que a posse de capital econômico não seja determinante para se alcançar um grau razoável de consciência política, ter mais dinheiro significa, ao menos, maiores possibilidades de acesso às tecnologias de comunicação e uma melhor educação formal. O trabalho está dividido em duas partes principais: na primeira, contextualizamos teoricamente a relação entre democracia digital e empoderamento cidadão, assim como capital cibercultural; na segunda parte, descrevemos o procedimento metodológico e analisamos os dados empíricos recolhidos para lançarmos algumas hipóteses sobre o fenômeno investigado.
ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA E CIBERDEMOCRACIA A mudança do ambiente comunicacional, impulsionada pelo crescente uso da internet, influencia as regras de construção de significado e, assim, as relações de ser e estar no mundo. Com isso, surgem novos padrões de sociabilidade, que transcendem o tempo e o espaço. Com a internet, Benkler (2006) enxerga o alargamento desse espaço público, que passa a ser organizado em redes. Cidadãos, que historicamente foram excluídos do processo de deliberação política, ganham voz e visibilidade na arena virtual. Essa esfera pública interconectada (networked public sphere) amplia a produção aberta e coletiva de sentidos, favorecendo novas formas de ação engajada nas e a partir das redes. O autor defende que a esfera pública interconectada emerge da arquitetura distribuída e multidirecional das redes e também pela redução de custos para se tornar um produtor de conteúdo:
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A esfera pública interconectada não é feita de ferramentas, mas das práticas de produção social que essas ferramentas possibilitam. O efeito primário da internet na esfera pública em sociedades liberais recai na produção informacional e cultural de atores que estão fora do mercado: o trabalho de indivíduos sozinhos e em cooperação com outros, ou associações formais como ONGs, bem como o feedback do seu efeito sobre a mídia tradicional (BENKLER, p. 219).
Corroborando com Benkler, Lemos (2010) considera que a transformação da esfera pública midiatizada se dá com o surgimento de funções conversacionais pós-massivas, que permitem a qualquer pessoa, consumir, produzir e distribuir informação, sem ter acumular elevado capital econômico ou pedir autorização a quem quer que seja. Indubitavelmente, a internet produz um efeito democratizante nessa nova esfera pública. No entanto, é preciso pontuar que o ciberespaço, de certa forma, ainda reproduz a estrutura social das sociedades capitalistas, como veremos adiante quando falarmos em acesso às redes pelas camadas mais pobres. Na realidade, vivemos uma reconfiguração da vida social, cultural e política, com reflexos nos comportamentos, nos hábitos de consumo e no exercício da cidadania. A internet promove um novo elo entre o Estado e o cidadão enquanto ator participante da democracia que ajuda a construir. Para esse trabalho, consideraremos que expressões como “democracia digital”, “democracia eletrônica”, “e-democracy”, “democracia virtual”, “ciberpolítica” e “ciberdemocracia” dizem respeito a um mesmo fenômeno, que pode ser assim descrito: [...] qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smart phones, palmtops, ipads), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias sociais) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política (GOMES, 2011, p.27-28).
Como atravessamos uma crise de representação política que evidencia o esgotamento de instituições tradicionais da democracia liberal, a ciberdemocracia se apresenta como uma oportunidade de superação da fraca participação política dos estratos populares e do distanciamento entre as esferas civil e política. Partindo dessa ideia, podemos dimensionar o real impacto da Web no empoderamento cidadão da sociedade e refletir como as ferramentas online qualificam a participação política das pessoas nos debates travados na esfera pública. Essa transformação seria capaz de fazer com que articulações cidadãs forjadas no ciberespaço possam transpor as plataformas digitais e ganharem as ruas? Os levantes ocorridos nos países árabes em 2011 e as Jornadas de Junho no Brasil em 2013 mostraram que o engajamento online pode alcançar um alto patamar de massificação na sociedade e produzir capital social. Coleman (1988) relaciona esse capital aos recursos que motivam e alinham as ações dos sujeitos dentro dos grupos sociais. Ele se desenvolve a partir do momento em que os atores se encontram e com eles estabelecem uma interação colaborativa.
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As “ágoras virtuais” despertaram uma nova espécie de ativismo, em que indivíduos conectados se mobilizam para fazer algo em questão de minutos, coletivos sociais organizam movimentos, disseminam opinião e informação, agregam pessoas, promovendo ações físicas ou virtuais a fim de manifestar insatisfações em relação aos problemas cotidianos. Segundo Lemos (2003), o ciberativismo pode ser entendido por redes de cidadãos politicamente ativos que criam arenas, até então monopolizadas pelas instituições, para expressar suas ideias e valores, para agir sobre o espaço concreto das cidades ou para desestabilizar instituições virtuais através de ataques pelo ciberespaço. Essa nova modalidade de ativismo expressa um novo tipo de ecologia da ação humana, tecnológica e comunicativa. A respeito desse fenômeno, Felice (2008) aponta algumas características identitárias: Utilização das redes digitais, internet, videocâmeras, máquinas fotográficas, satélites, enfim, todos os meios que tornam disponíveis a todos, em tempo real, as informações e sua produção; colocação na pauta das políticas locais da problemática global; desenvolve uma atuação política em nível global e local ao mesmo tempo; não produz formas personalísticas nem confia sua sorte à personalidade e qualidade comunicativa de um político/líder; encoraja o indivíduo não somente à participação, mas à informação; não tem necessidade de vultosos recursos econômicos; não luta pelo poder, mas pela solução colaborativa para uma problemática específica; não é necessariamente ligada a uma ideologia ou uma determinada orientação política; promove ações sem objetivo nem conteúdo iniciais e convida todos à participação, à construção e à sua escolha, com resultados não previstos (2008, p. 54).
O ativismo em tempos de democracia digital se dá principalmente nas redes sociais de internet, lembrando que esse marcador “social” só pode ser vinculado quando uma tecnologia digital de comunicação é apropriada socialmente pelos usuários. A partir disso, e para efeito de terminologia, consideramos as RSI como um conjunto formado por dois elementos: atores (pessoas/ instituições/grupos) e suas conexões (interações ou laços sociais), que possibilitam a criação e o intercâmbio de conteúdo pelos usuários da Web. A introdução dessa nova infraestrutura tecnológica renova as esperanças de modelos alternativos de democracia, que propugnam uma terceira via entre a democracia representativa, que retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer inteiramente consignada ao cidadão. O cibercidadão (netizen), sujeito que exerce sua cidadania a partir do espaço virtual, é um novo ator social que se apropria de mídias e estratégias digitais para influenciar a agenda política, expressando suas demandas aos agentes de governo, ampliando seu campo de ação na esfera pública.
CONSIDERAÇÕES SOBRE INTERNET E CLASSES POPULARES Em função da estabilidade econômica e de uma série de políticas sociais adotadas pela gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal para o público de baixa renda, o Brasil vive um período de intensa mobilidade em termos de ascensão social. Segundo dados da pesquisa do Observador Brasil 2012 (Cetelem), constatou-se que entre 2010 e 2011, 2 milhões e 700 mil brasileiros deixaram a classe DE e mais de 230 mil brasileiros entraram na classe AB.
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Com essa mobilidade, muitos brasileiros saírem da pobreza e passarem a integrar o universo do consumo. Além do acesso a bens materiais, esse estrato populacional passou a consumir bens que representam inclusão sócio-simbólica, como o acesso ao ensino superior e a aquisição de tecnologias de comunicação digital. Como as condições materiais de existência determinam a produção simbólica de um sujeito ou grupo social, as classes populares, com o uso da internet, reivindicam atenção e buscam alternativas de comunicação. Porém, desde sua implementação, a internet se desenvolve num ambiente de desigualdades entre gêneros, idades, etnias e, principalmente, classes econômicas. Na realidade, o universo da Web nunca esteve acessível para todos da mesma forma, até porque ele requer determinada capacidade econômica, geográfica e cognitiva. A tardia apropriação de tecnologias digitais por parte das classes populares evidencia as marcas de uma hierarquização sociocultural, marca do capitalismo cognitivo2. A respeito disso, Castells diz: A centralidade da internet em muitas áreas da atividade social, econômica e política equivale à marginalidade para aqueles que não têm acesso a ela, ou têm apenas um acesso limitado, bem como para os que são incapazes de usá-la eficazmente [...] A diferenciação entre os que têm e os que não tem internet acrescente uma divisão essencial às fontes já existentes de desigualdades e exclusão social, numa interação complexa que parece aumentar a disparidade entre a promessa da Era da Informação e sua sombria realidade para muitos em todo o mundo (2003, p. 203).
Desse modo, temos níveis diferentes de qualidade e velocidade de conexão entre os usuários de internet, principalmente da tecnologia móvel. Quanto maior o poder aquisitivo, melhores são a conectividade e o conjunto de ferramentas interativas do aparelho celular. Essa realidade influencia desde a manipulação de dados, textos, sons, imagens e vídeos até o download de arquivos passando pelo o uso de aplicativos. Apesar de nosso objetivo não ser a discussão em torno dos antagonismos de classe, é importante entender a diferença entre situação de classe e posição de classe. Sodré (2015) entende que um dos efeitos do turbo-capitalismo é tornar as classes menos visíveis. O autor comenta que os setores populares vivem um sentimento de desclassificação, em que o pobre não pertence a nenhuma classe social definida, uma vez que, por meio do consumo de objetos, ele transita imaginariamente, para outra classe social. No entanto, as classes sociais continuam, mesmo sendo mais móveis. Eu posso estar em uma situação de classe social subalterna e me comportar como uma posição de classe média alta. Isso ocorre no Brasil. O problema disso é a ilusão de ascensão, de que a passagem de classe se dá por moradia plena, saúde e educação. Isso não tem. O consumo faz transitar imaginariamente para outra classe. Mas as classes sociais, ao meu entender, continuam (SODRÉ, 2015, p. 122).
O aumento no número de internautas oriundos das classes populares é reflexo da reconfiguração socioeconômica da sociedade brasileira. Segundo estudo do instituto 2. Trata-se de uma teoria centrada nas mudanças socioeconômicas provocadas pelas tecnologias digitais, as quais têm transformado o modo de produção e a natureza do trabalho.
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DataPopular, as próximas gerações dessa classes emergentes apresentarão patamares de conectividade muito próximos aos das classes mais privilegiadas. No entanto, como sustenta Souza (2012), os brasileiros que entraram no mercado de consumo nos últimos doze anos não fazem parte de uma classe média, mas sim de uma nova classe trabalhadora. Retomando a discussão em torno do uso da internet no país, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, quase metade da população brasileira tem acesso à internet, sendo que desse total 37% a utilizam todos os dias, com uma intensidade de quase cinco horas diárias. O estudo mostra que existem níveis desiguais de conectividade entre os diferentes estratos sociais. Entre os inquiridos com renda familiar mensal de até um salário mínimo (R$ 724), a proporção dos que acessam a Web, pelo menos, uma vez por semana é de 20%. Quando a renda familiar é superior a cinco salários mínimos (R$ 3.620 ou mais), a proporção aumenta para 76%. No recorte por escolaridade, a pesquisa também evidencia grandes disparidades, sendo que 87% dos respondentes com ensino superior acessam a internet pelo menos uma vez por semana, enquanto apenas 8% dos entrevistados que estudaram até quarta série do ensino fundamental o fazem com a mesma frequência.
CAPITAL CIBERCULTURAL E EMPODERAMENTO Quem tem elevado capital cultural e reúne mais competências digitais exerce melhor sua cidadania na ciberdemocracia? Talvez sim. O empoderamento cidadão e a ação engajada nas redes exige a aquisição de um novo capital cultural, que associa o saber informal digital ao conhecimento formal escolar, o que, neste trabalho, denominamos de capital cibercultural. A ideia de capital cibercultural remete à teoria de Bourdieu (2007), que entende o capital cultural sob três formas: no estado incorporado, como disposição duradoura do corpo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas; e, enfim, no estado institucionalizado, em que é socialmente legitimado por instituições (títulos escolares). Observamos que o capital cultural está ligado aos recursos econômicos do sujeito, mas também aos laços familiares, às experiências de aprendizagem do indivíduo, entre outras agências de socialização. Com a instauração do ciberespaço, é preciso ampliar a ideia de capital cultural. Hamelink (2000) define capital informacional como a capacidade financeira de pagar pela utilização de redes eletrônicas e serviços avançados de informação, e também a habilidade técnica para manejar as infraestruturas destas redes e a capacidade intelectual para filtrar e avaliar conteúdos, assim como a motivação ativa para procurar informação e aplicá-la às situações sociais, considerando tanto a dimensão econômica, como as circunstâncias políticas e culturais. Numa visão mais geral, Bredarioli (2014) relaciona capital cultural digital à capacidade de os cidadãos se moverem na rede (e consequentemente na sociedade) e apreenderam o potencial de uso desse espaço virtual. A proposta da autora reatualiza o conceito de Bourdieu, aproximando as ideias de capital cultural ao uso das novas tecnologias e sua capacidade de produção simbólica.
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Relacionando os autores acima, entendemos que o capital cibercultural é um estado mais avançado do capital cultural, sendo uma competência digital vinculada tanto à apropriação de tecnologias de informação e comunicação quanto aos processos instrutivos, passando pela cultura participativa e a autonomia criativa do indivíduo. Mas se engana quem acha que esse capital cibercultural seja obtido de forma natural, como um habitus3, por estarmos imersos no ciberespaço, até porque como dito anteriormente, o acesso a esse recurso também está ligado à posse do capital econômico. Por isso, no caso das classes populares, é justamente a educação pública que pode aproximar esses diferentes saberes, numa tentativa de reduzir drasticamente a distância entre sujeitos com grandes competências e aqueles considerados analfabetos digitais. Sabemos que a diferenciação está no cerne da educação, isso ocorre devido ao papel da escola ao legitimar a cisão entre os que recebem uma educação letrada de alta qualidade do restante da sociedade que teve acesso a um ensino precário. A formação de uma elite intelectual depende dessa exclusividade no acesso ao capital cultural. Nesse aspecto, ressalta-se o viés democratizante da internet que possibilita que estudantes, de diferentes classes sociais, utilizem a mesma plataforma digital para manifestar seus descontentamentos sobre os rumos da política brasileira. É evidente que o engajamento online depende de processos contínuos de empoderamento, que não se resumem a roteiros de como usar as mídias digitais, nem a aulas formais de cidadania na escola. Jenkins (2009) entende o empoderamento (empowerment) como a possibilidade de tomar decisões importantes no contexto cívico, e ser capaz de compreender as escolhas feitas e as suas implicações em termos políticos. Isso significa se apropriar de recursos emancipatórios que o possibilitam a interferir em seu entorno, tornando-se protagonista de sua história. Significa participar efetivamente das discussões a respeito de políticas públicas, compreendendo os mecanismos deliberativos que constituem o aparato governamental, superando a ideia de que o cidadão só participa do processo político de dois em dois quando convocado para eleger seus representantes. Os nativos digitais, aquelas pessoas que nasceram nesse novo ambiente comunicacional, ao se empoderarem têm grande possibilidade de aprender como selecionar qual informação da internet tem relevância ou responde a suas demandas. Além disso, o cidadão com maior capital cibercultural terá mais recursos para avaliar conteúdos duvidosos publicados em sites, blogs ou RSI. É lógico que isso não evita completamente que esse indivíduo compartilhe notícias falsas ou relacionadas ao humor como se fossem informações verdadeiras. Por tudo isso, um dos grandes desafios contemporâneos da escola pública é trabalhar com estudantes que vivem always on, que não enxergam a separação real/virtual. Uma educação em consonância com a cultura da convergência e a democracia digital deve dialogar com a linguagem do ciberespaço e suas múltiplas plataformas virtuais. É preciso promover o debate político com esse ator social que é capaz de baixar músicas ao mesmo tempo em que disputa jogos em rede, responde mensagens instantâneas e acessa seu facebook. 3. Bourdieu (1983) entende habitus como sistema de disposições duráveis estruturadas de acordo com o meio social dos sujeitos e que seriam predispostas a funcionar como princípio gerador das práticas e das representações.
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METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS Primeiramente, definimos os sujeitos da pesquisa, realizando os devidos recortes etnográficos para aproximar o objeto empírico dos objetivos do presente trabalho. Dessa forma, optamos por investigar estudantes de três cursinhos comunitários de preparação para o vestibular da Baixada Santista4, (litoral de São Paulo): Cardume (UNIFESP/ Santos), Caiçara (UNESP/ São Vicente) e Educafro/BS. Como a pesquisa trata de classes populares entendemos que os estudantes desses núcleos não formais de ensino se adequam aos parâmetros que os identificam como pertencentes ao grupo investigado. Cabe lembrar que os três cursinhos comunitários adotam, entre seus critérios de seleção, o da renda familiar, diferenciando-se apenas no valor limítrofe para matrícula do aluno. Um questionário online, formado por 21 perguntas fechadas (além das informações sobre gênero, renda e escolaridade), foi elaborado recorrendo ao programa Google Docs. O link das questões foi compartilhado nos grupos dos cursinhos investigados no facebook, durante o mês de julho de 2014, sendo obtidas 38 respostas. Cabe ressaltar que esse corpus ficou abaixo do esperado, mas acreditamos que a amostra represente, ao menos, um estudo preliminar. que caracterizam o comportamento dos sujeitos da pesquisa nas redes sociais. Os sujeitos investigados são majoritariamente do sexo feminino 29 (76%). A renda familiar da maioria, 30 (88%), dos investigados é de até três mil reais por mês. A mídia mais utilizada é a internet (92%), a TV foi apontada por apenas 2%, logo atrás jornais e revistas com 1%. Quando questionados sobre o nível de conhecimento sobre como utilizar as redes sociais digitais, os inquiridos responderam conforme os dados do gráfico 1:
Gráfico 1. Nível de conhecimento sobre as RSI
Quando questionados sobre a possibilidade de as redes sociais digitais contribuírem para o exercício da cidadania, o resultado é altamente positivo, como ilustrado a seguir:
Gráfico 2. Contribuição das RSI para a cidadania 4. Mais informações sobre os cursinhos comunitários em: http://projetocardume.blogspot.com.br/; https://cursinhocaicara.wordpress.com/ e http://www.educafrobaixada.org/
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Como se observa a maioria dos investigados enxerga o potencial das RSI para ações de caráter cidadão, isso é comprovado quando se questiona a respeito do acesso às redes sociais das instituições do poder público, como se vê no gráfico 3:
Gráfico 3. Acesso a plataformas digitais do poder público
A maioria, 23 (61%), já acessou plataformas digitais relacionadas aos governos. Em relação ao ciberativismo como mobilização ou ação coletiva, mais uma vez, a maioria, 23 (61%), afirma já ter participado de alguma modalidade desse tipo.
Gráfico 4. Participação em ações coletivas articuladas nas RSI
Entre essas ações coletivas forjadas no ciberespaço, 24 (63%) já assinaram uma petição online. Em relação à produção de conteúdo para compartilhar nas redes sociais digitais, 26 (68%) assinalaram positivamente. Quando inquirimos a respeito da causa ou “bandeira” que mais mobiliza os investigados a atuar em conjunto nas redes sociais digitais, os resultados foram: meio ambiente, 4 (11%); proteção aos animais, 1 (3%); educação, 8 (21%); ética pública, 2 (5%); transparência, 1 (3%); saúde, 3 (8%); segurança, 3 (8%); ações solidárias, 6 (16%); ações culturais, 2 (5%). Os que responderam “não sei” ou “outros” chega a 8 (21%). É curioso que nenhum participante tenha assinalado “Copa do Mundo” (que estava entre as opções), apesar de o período de investigação coincidir com a realização do torneio internacional de futebol em terras brasileiras. Sobre a afirmação “Uma pessoa que costuma estar nas redes sociais digitais possui mais possibilidades de fiscalizar os representantes eleitos”, os resultados foram: totalmente incorreta, 4 (11%); incorreta, 2 (5%); nem correta/nem incorreta, 17 (45%); e correta, 15 (39%). Chama a atenção que a maioria dos entrevistados tenha optado pela neutralidade (nem correta/nem incorreta), o que indica dúvida sobre a capacidade de monitoramento das RSI a respeito dos ocupantes de cargos públicos.
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Em relação ao desempenho das instituições escolares como espaços de formação para democracia digital, a maioria dos entrevistados, 20 (53%), avalia negativamente, como observamos a seguir:
Gráfico 5. Papel das instituições na prática da ciberdemocracia
Salientamos que, por conta do espaço deste trabalho, optamos por comentar somente as principais perguntas do questionário que dão um panorama daquilo que objetivamos com a pesquisa.
Discussão As múltiplas possibilidades de participação abertas pela democracia digital não são garantia para o exercício pleno da cidadania, até porque a esfera pública interconectada reproduz, de alguma maneira, a opinião pública tradicional. A ciberdemocracia somente será concretizada para as classes populares através da participação dos cidadãos desse segmento nos processos colaborativos de deliberação política. Num ambiente informacional democrático, a informação é vital como suporte para a tomada de decisões da sociedade. No Brasil, a Lei de Acesso à informação pública (Nº. 12.527/11) possibilitou qualquer cidadão solicitar informações sobre atos públicos, dá uma nova dinâmica nas relações entre governos e sociedade civil. Os dados produzidos pelo Estado são de interesse público e devem estar acessíveis a todos os cidadãos, sendo o acesso, a regra; e o sigilo, a exceção. A Lei de Acesso fortalece a cultura da participação e é um instrumento importante de empoderamento do cidadão comum, pois possibilita à população tomar conhecimento de atos públicos e, assim, qualificar suas reivindicações. Os investigados na pesquisa confirmam esse interesse pelas ferramentas de comunicação digital do Estado, que garantem interação com a população e asseguram transparência para suas iniciativas, por meio do governo eletrônico, dos blogs institucionais, do canal no youtube, do perfil no twitter e da página no facebook, entre outras estratégias online. Diante da criação desses canais de aproximação entre Estado e população, as exigências da ciberdemocracia estariam atendidas? Na realidade, essas iniciativas são parte de um movimento para reduzir nosso déficit cidadão e elevar a consciência política dos brasileiros, historicamente alijados do processo decisório. Cabe lembrar que as RSI são arenas importantes para a formação da consciência política, mas não são as únicas, sendo que a conversação cívica ainda é uma das mais
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importantes. Maia (2008) considera que pessoas que discutem política com outras são mais aptas a adquirir uma compreensão mais aprofundada sobre fatos políticos e informações que recebem por meio da mídia do que aquelas que não o fazem. Já Gamson (2011) entende que os cidadãos produzem sentido sobre o contexto político de forma complexa, variando de assunto para assunto e que eles mobilizam, com graus diferentes de relevância, os discursos dos meios de comunicação, a experiência pessoal e o saber popular. É verdade que a construção de formas de participação política deve ser entendida sob diferentes aspectos, observando não apenas as formas de ação resultantes do engajamento na internet, mas também as ações individuais de compromisso com o interesse público. A ciberdemocracia se apresenta como um modelo evoluído de democracia ao superar os níveis de simples consulta ou de tímida participação, sendo capaz de fortalecer a ação engajada na esfera pública por meio da Web. No entanto, não podemos perder de vista o centro da discussão que é refletir no que a internet é essencial para o exercício da cidadania e no que ela é meramente acessória. Uma petição online, por exemplo, pode ser inócua se não for precedida de um amplo debate sobre os motivos que levaram a criação desse documento digital. O ciberativismo como prática de intervenção social exige mais do que um mediador tecnológico; antes é preciso pensar em uma educação emancipatória, que permita a construção de pontos de vista autônomos e críticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho não tem o objetivo de apresentar conclusões fechadas, até porque se trata de uma reflexão preliminar. Após a realização do estudo, o que se pode presumir é que o empoderamento cidadão das classes populares nesses tempos de democracia digital passa pela aquisição do capital cibercultural. A nova classe trabalhadora, àquela que emergiu nos últimos doze anos e teve seus indicadores sociais elevados, ao se apropriar das mídias digitais tem a possibilidade de participar efetivamente da elaboração de políticas públicas, da fiscalização de ações governamentais e de estratégias de accountability. Para isso, esse estrato social precisa superar o estágio em que vê a internet somente como ferramenta de lazer e comunicação. No artigo, defendemos que a educação pública (em que a maioria da classe trabalhadora estuda) seja o agente de socialização que desperte o ímpeto desse público para ações engajadas e associativas baseadas na Web. As diversas manifestações políticas convocadas pelas RSI que ocorreram recentemente no Brasil mostraram o grande potencial da ciberdemocracia. No entanto, os assuntos pautados no ciberespaço ainda costumam representar os interesses de segmentos hegemônicos, com uma agenda de reivindicações que difere muito daquela que afeta o cotidiano das camadas populares. Sem dúvida, podemos afirmar que as diferenças de acesso e de aquisição ao capital cibercultural entre os grupos sociais conferem aos mais privilegiados um poder simbólico que os habilita a interferir mais assertivamente na agenda pública. O desafio é tornar a distribuição desse capital menos segregacionista, uma vez que a ciberdemocracia idealiza a participação política do maior número de cidadãos na esfera pública interconectada.
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O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum Va n i c e
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Resumo: Na WEB navegamos em ambientes digitais, participamos de comunidades, compartilhamos e produzimos conhecimentos experienciando formas expandidas de comunicar e aprender, onde nos auto-regulamos sem a necessidade da intervenção de um terceiro (Burgess e Green; Ostrom). O conhecimento ali produzido é um bem comum em uma intrínseca relação com a cultura do compartilhar (Bollier; Le Crosnier), o que retoma o tema do diálogo socrático (Platão). O diálogo como método contribui na tarefa de conduzir o cuidado de si do outro (Foucault) revelando a ideia da fusão de horizontes (Gadamer) e no surgimento da ágora digital (Santos). O aporte metodológico é dado pela Educomunicação e pela Fenomenologia Hermenêutica, pensando as relações entre a comunidade de diálogo e a EAD, realizado na Graduação em Pedagogia na UFRGS. A análise mostrou interações inesperadas, com momentos de intenso diálogo e comunicações, indicando que o uso da tecnologia não fez desaparecer o genuíno do humano.
Palavras-Chave: Cultura participativa. Diálogo. Bem comum. Ágora digital. Fusão de horizontes.
Abstract: WEB sailed in digital environments, participate in communities, share and produce knowledge experiencing expanded ways to communicate and learn where we self-regulate without the intervention of a third party (Burgess and Green; Ostrom). The locally produced knowledge is a common good in a close relationship with the culture of sharing (Bollier, Le Crosnier), which takes the theme of Socratic dialogue (Plato). The dialogue as a method contributes to the task of leading the self care of the other (Foucault) revealing the idea of fusion of horizons (Gadamer) and the emergence of digital agora (Santos). The methodological approach is given by the Educational Communication and the Hermeneutics Phenomenology, thinking the relationship between the community of discourse and the EAD, held in Graduate Education at UFRGS. The analysis showed unexpected interactions, with intensive dialogue and communication times, indicating that the use of technology did not disappear genuine human.
Keywords: Participatory culture. Dialogue. Common. Digital agora. Fusion of horizons.
1. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac). Doutora em Educação (Ufrgs), Mestre e Licenciada em Filosofia (Unisinos). Líder do grupo de pesquisa NESEF: Regional Planalto Catarinense. Contato: vanicedossantos@gmail.com.
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AMBIENTES DIGITAIS, COMUNIDADES E YOUTUBE ESSOAS VIVEM em comunidades e, com a existência da rede mundial de compu-
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tadores (www) as comunidades formadas por pessoas que circulam em ambientes digitais. Vários são os espaços, várias são as comunidades, algumas conhecidas como ambientes virtuais de aprendizagem enquanto outras, por exemplo, tidas prioritariamente para fins de entretenimento. Mas, para fins de organização interna do texto, no sentido de apresentação e argumentação, iniciaremos por tentar entendê-las na perspectiva de estudos culturais Assim, na busca em refletir sobre a importância das comunidades em ambientes digitais, buscamos a pesquisa de Burgess e Green (2009), qual seja, “Youtube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade”. Indicamos ainda, que o referido estudo está vinculado às reflexões de Henry Jenkins sobre cultura da convergência. Tal deve-se, em parte, ao fato de Green ter tido Jenkis como líder no Convergence Culture Consortium do MIT (Consórcio de Cultura de Convergência), também conhecido como C3. Estar atento ao viés da cultura da convergência indica-nos uma posição, especificamente, de que estamos atentos à diversidade de participantes no que diz respeito a sua formação e/ou inserção. Significa que conseguimos reconhecer que pessoas de áreas diferentes como tecnologia, mídia, entretenimento, educação e ainda comunidades de fãs não só são capazes, mas de fato, estão construindo ampla comunidade com cultura participativa. Assim, trilhando o caminho para encontrar vestígios que nos apresentem características, possibilidades, efetividades do fazer humano, quando imersos em ambientes digitais, debruçamo-nos sobre o estudo a respeito do YouTube (Burgess e Green, 2009). Enquanto pesquisadores de estudos culturais, buscam compreender o YouTube enquanto algo que faz parte da vida das pessoas, como uma das formas de comunicação inserida no cotidiano. Assim, a atenção recai para conteúdo, tecnologias e pessoas. Deste, enfatizaremos aspectos que podem nos auxiliar em nossa problemática da pesquisa. O destaque estará sobre: a) formas de comunicar e dialogar; b) valores produzidos coletivamente; e c) cidadania cultural cosmopolita. Sendo uma das mídias de massa de maior repercussão, o site YouTube pode ser tido inicialmente como site de conteúdos. Para além disso, Burgess e Green (2009) identificam que os usuários criaram uma forma de comunicar propícia para o dialogar: o vlog. A partir destes – vlogs – produtores e espectadores podem entrar no circuito de conversação. Os autores salientam ainda que, muitos vlogs são respostas a outros vlogs. E ainda, que a conversação, as discussões, por vezes originam-se de comentários escritos em postagens anteriores. Com isso, a constatação de que tecnologias digitais propiciam práticas criativas também nas estratégias de comunicação. As questões de ética são observadas por Burgess e Green (2009), tanto no que se refere à discussão sobre a legitimidade da cultura popular, quanto aos usos e modos de entendimento que os jovens possam ter frente às mídias e ainda, especificamente quanto a participação no YouTube. Ética implica pensar, compreender sobre os princípios que orientam nossas práticas cotidianas, nossas condutas. Embora seja um site pertencente a uma empresa, “várias formas de valores culturais, sociais e
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econômicos são produzidos coletivamente en masse pelos usuários, por meio de suas atividades de consumo, avaliação e empreendedorismo” (Burgess e Green, 2009, p. 23). Consciência ética, engloba ainda o pensar sobre as circunstâncias e sobre o alcance das participações e dos (re) posicionamentos enquanto partícipes de comunidade, no caso, digital. A cultura participativa é apresentada como possibilidade de cidadania cultural cosmopolita. O que isso significa? Em primeiro lugar, que o site YouTube tem como característica a participação, a produção e interação por sujeitos muito diferentes. Em uma comunidade cuja participação não é obrigatória - tampouco é regulada por terceiros, “constituem locais de exercício da cidadania cultural. Refiro-me aqui a comunidades colaborativas em especial, sites de atividade coletiva que existem exclusivamente graças a contribuições criativas, compartilhamento e participação ativa de seus membros” (URICCHION, 2004 apud BURGESS; GREEN, 2009, p. 109). Em segundo lugar, o YouTube – objeto de estudo dos autores – pode gerar nos sujeitos a cidadania cultural cosmopolita, pois neste site, em que coabitam pessoas de diversas formações, profissões, vivências socio-economica-culturais, por exemplo, a diversidade de identidades, de pontos de vista pode provocar para o engajamento. Mas, lembram-nos, “o acesso a todos os níveis possíveis de participação é limitado a determinado segmento da população – aqueles com motivações, competências tecnológicas e capital cultural específico do site […]”(Burgess e Green, 2009, p. 112). Destacamos aspectos do YouTube e sua vinculação com a cultura popular participativa, sobretudo no que tange a cocriação, a produção do conhecimento e as diversas participações – vlogs, comentários - como exemplo do fazer humano. A seguir, veremos como Ostrom (2009) e Bollier (2014) apontam que os humanos são capazes de confiar, cooperar e compartilhar em diversas esferas. E ainda, o que é isto: o diálogo? Qual sua relevância para o conhecimento?
O DIÁLOGO: IMBRICAÇÕES COM O BEM COMUM, COM A ÁGORA DIGITAL E A FUSÃO DE HORIZONTES Já identificava Aristóteles (2005) que o ser humano é um animal racional e que é um ser político. Isto diz-nos que temos a capacidade de identificar, organizar e agir com critérios. Além disso, nos tornamos humanos por nossa inserção na comunidade de humanos. O diálogo, segundo a tradição filosófica socrática, caracteriza-se como algo humano, perpassando o pensar e o agir. Buscamos elementos do diálogo socrático em Platão (2008). Encontramos a concepção da vivacidade da oralidade, de outro modo, do pensamento sendo construído durante o diálogo. Também, de que o diálogo enquanto método pode contribuir para a tarefa do mestre, qual seja, de cuidar do cuidado de si do outro. Mencionamos Sócrates, que é tido como o primeiro filósofo se temos como demarcador o periodo antropológico, ou seja, o homem como objeto de investigação pela filosofia. Mas, como podemos saber de Sócrates se ele não deixou registros de seus pensamentos? E mais, por que não os deixou? Bem, vale lembrar que somente com Platão inicia-se o pensar na forma escrita. Isso se deve pela morte de Sócrates. Este fora condenado à morte (399 aC) pelo modo de
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filosofar que exercia na ágora ateniense (praça pública). Em decorrência disso, a filosofia deixa de acontecer em locais públicos, passando a espaços específicos como Academia ou reuniões na casa de algum conviva. Platão presenciou a condenação de Sócrates e começou a filosofar na forma de diálogos escritos – estilo que tomou emprestado do teatro. Conhecemos o pensamento de Sócrates através do personagem Sócrates que Platão inclui em sua obra “Diálogos”. Até então – condenação de Sócrates – havia a compreensão de que o pensamento acontecia na vivacidade da oralidade, no diálogo. Mas, o leitor pode estar se perguntando: a concepção sobre o pensamento, a forma de manifestação do logos mudou repentinamente? Encontramos em Reale (1997) considerações a respeito da tese que as doutrinas nãoescritas de Platão devem ocupar o centro da interpretação da obra do Filósofo grego. Tal tese foi formulada pela escola de Tübingen, em fins da década 50. O minucioso trabalho de análise textual dos “Diálogos” de Platão tinha como emprendimento descortinar o espírito grego. A tradição nos apresentou duas facetas de Platão: o escritor (dos “Diálogos” e das “Cartas”), e o professor (das “doutrinas não-escritas”). A escola de Tübingen, cujos principais representantes são H.-J. Krämer e Konrad Gaiser, apresentanos um “novo modelo de interpretação do Corpus platonicum […]” (REALE, 1997, p. XVII). Nessa dupla modalidade do pensamento, quais sejam, oralidade e pensamento escrito, encontramos em Platão a menção de que há temas que não devem ser escritos e temas que sãao propícios para a discussão oral. Exemplos sobre a autonomia do diálogo, a condenação do texto escrito e a celebração do ensinamento oral podemos encontrar no diálogo platônico Fedro (274b-278e) e na Carta VII. O diálogo faz parte do projeto hermenêutico do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, pois […] só nos aproximamos da coisa mesma em diálogo. É somente quando nos expomos a uma contravisão possível que temos a chance de alcançarmos um âmbito para além da estreiteza de nossos próprios preconceitos. […] uma resposta que não é de modo algum contrária, mas que é resposta como toda palavra é resposta, ou seja, como toda palavra responde a algo em relação ao que nós nos compreendemos como diante de uma pergunta e que, incitado à resposta, se dirige para nós (Gadamer, 2009, p. 340-341).
Um dos fins da filosofia, para os filósofos mencionados, consiste em dedicar-se a compreender o que é necessário para uma vida justa. O diálogo é considerado uma forma de colocar em movimento a questão, os sujeitos e assim, a ação responsável dos sujeitos – pois já examinaram muitas questões. O diálogo como método, especificamente o método da maiêutica socrática, consiste em provocar o interlocutor para que ele encontre as respostas. No diálodo platónico “Alcibíades I” acompanhamos o diálogo entre o Mestre Sócrates e Alcibíades. Neste Diálogo encontramos questões relativas a: estar apto a assumir alguma responsabilidade; posição de discípulo; posição do mestre; função do diálogo; disposição para o diálogo; saber e ignorância. Acompanhamos o trabalho do mestre, conduzindo pelo diálogo, seu discípulo. Acompanhamos momentos de dar-se conta de que ignora, do enfrentar a dúvida, do ousar responder. Ao fim, encontramos Alcibíades disser ao mestre que a partir desse momento (fim do percurso desse diálogo) houve uma mudança de posição:
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“Porque não há como evitar que a partir de hoje eu te instrua e tu deixe de me instruir” (PLATÃO, Alcibíades I, 135e). Uma análise aprofundada do referido Diálogo encontramos em Foucault (2006) e, como estamos ocupados em compreender o diálogo em ambientes digitais de aprendizagem, destacamos a posição do mestre. Para Foucault (2006, p. 73) “o que define a posição do mestre é que ele cuida do cuidado que aquele que guía pode ter de si mesmo.” A tarefa do mestre é conduzir o cuidado de si do outro. O diálogo pode acontecer quando sujeitos colocam-se na direção de outrem, tendo uma questão em comum. Este encontro pode acontecer entre sujeito-sujeito; leitor-texto (GADAMER). “Diálogo e conversação em verdade e método na direção do cuidado de si”. Cada qual traz consigo concepções de mundo. Se por um lado poderíamos dizer que há a mensagem, há o emissor e há o receptor, na perspectiva gadameriana, podemos dizer que há a fusão de horizontes, ou seja, o encontro de diferentes perspectivas e o surgimento de uma terceira possibilidade. O fazer humano está perpassado pela experiência de encontros. O diálogo é capaz de colocar em evidência ”a verdadeira humanidade do homem” (GADAMER, 1998, p. 209).O diálogo pode circular por diversos espaços e formas, como por exemplo, de modo escrito, oral, por imagem, som. Esta pesquisa centra-se no diálogo em ambientes digitais de aprendizagem, entendendo este como ágora digital (SANTOS, 2013). O conceito de ágora digital, de modo aproximado ao da ágora ateniense, refere-se aos espaços que o digital suporta, de outro modo, onde diversos circulam. Pode ser entendido como espaço onde acontece a diversidade de fazeres humanos, como, circulação de mercadorias (compra e venda de produtos), manifestações culturais (artístico-religiosas) e na livre circulação da palavra (homens livres filosofando/pensamento acontecendo na oralidade). Embora tenham espaços específicos, há encontros inesperados. Isto torna-se intrigante quando em contraposição com o modelo consumista/passivo/ de sujeitos incapazes de autorganizarem-se sem a interferência de um terceiro (Estado ou mercado). Os meios digitais, enquanto ambientes em que os sujeitos também exercem suas experiências, podem ser reconhecidos como espaços para o exercício do bem comum. Local onde o fazer humano se apresenta. A educação na modalidade a distância, embora predominantemente aconteça em um ambiente virtual de aprendizagem fechado, se nos colocarmos abertos poderemos ir na perspectiva de bem comum pela experiência, pelo contato com novas comunidades, outras perspectivas, outras questões. Isto pode vir a mobilizar o sujeito para novas posturas (pode apresentar-se como disparador de novos/reformulados acontecimentos). O conceito de bem comum está circunscrito em aspectos éticos e ontológicos, pois está perpassado pela concepção de existência, de experiência, de humanização. Parte da premissa que os recursos naturais e culturais são da humanidade. Assim, é fundamentalmente prático, pois dado que os indivíduos de uma comunidade são co-responsáveis pelos recursos, enquanto bem comum, o usufruir dos mesmo exige o acordo entre os comuns. Também o que está disponível nos ambientes digitais pode ser entendido na pespectiva de bem comum.A cientista política Elinor Ostron (2009) apresentou-nos ideias em contraposição as concepções expostas na clássica “Tragédia dos comuns” (Garret Hardin, 1968). Na “Tragédia dos Comuns” os homens são apresentados
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como incapazes de fazer acordos sobre sua própria existência, no que se refere ao acesso a bens, sendo necessária a presença de um terceiro – Estado ou mercado. Elinor Ostrom (2009) apresenta situações e argumentos sobre a capacidade das pessoas resolverem problemas, através da conversação, estabelecendo confiança, reciprocidade, também cooperando. Portanto, um de seus méritos está em fomentar a criação de espaços para que inicialmente os sujeitos pudessem reconhecer seus saberes, se expressarem, a terem e fazerem ouvir sua voz. O reconhecimento pelo conhecimento dos locais pode ser estendido para as comunidades em ambientes digitais. O conhecimento e sua intrínseca relação com a cultura, entendido como bem comum, é desenvolvido por David Bollier e Hervé Le Crosnier na pesrpectiva da partilha/compartilhar – também do cerceamento – tanto da produção quanto da circulação do conhecimento. O tema do bem comum tem como paradigma a integração dos recursos. Enquanto a Tragédia do Comuns apresenta prerrogativas do estado – e da economia – moderna, buscamos em Bollier e Le Crosnier análises sobre a cultura digital. Naquilo que acontece, emerge de comunidades digitais, que dedicam-se a identificar a fim de resolver um problema. Destacamos ainda a defesa de Burness-Lee, sua reafirmação da internet livre Do que há em comum nos autores mencionados destacamos a vinculação entre mundo cotidiano – sujeitos – pensamento – ação, de outro modo, um intenso olhar sobre o fazer humano, sobre a praxis. A fusão de horizontes (GADAMER, 1993, 1998) que ocorre pelo diálogo, por perguntas, pode ocorrer de diversos modos, Fusão de horizonte implica que o sujeito entra em contato com o texto (conteúdo do emissor mais a compreensão do receptor) e o contexto (dupla historicidade no qual tanto o texto como o receptor está envolvido, historicidade do leitor vai ao encontro da historicidade do texto) no qual este se apresenta.
METODOLOGIA O aporte metodológico é dado pela Educomunicação e pela Fenomenologia Hermenêutica, pensando as relações de limites e possibilidades entre a comunidade de diálogo e a EAD. Realizamos um estudo de caso no Curso de Graduação em Pedagogia na modalidade a distância (Pead), na UFRGS, com um grupo de 400 alunos-professores, 5 tutores e 5 professores, na interdisciplina de Filosofia da Educação. Tendo como guia para compreensão a fenomenologia hermenêutica, criamos categorias ontológicas para lermos os dados que inserimos no software Chic. Procedemos a análise de dados estatística via classificação hierárquica implicativa e coesiva, tendo em vista uma abordagem fenomenológico-hermenêutica da estrutura dialógica da experiência do Pead. O universo da pesquisa foi a primeira edição do Curso de Graduação em Pedagogia na modalidade a distância (Pead) da Ufrgs, que teve vestibular específico para professores da rede pública, municipal e estadual do Rio Grande do Sul. Tal curso estava organizado por eixos temáticos, estruturado numa matriz orgânica, subdividido em 9 semestres. Os dados foram coletados na interdisciplina Filosofia da Educação, do 6 semestre, com 400 alunos-professores e 5 professores articuladores. O Curso ocorreu predominante na plataforma Rooda, ambiente desenvolvido pelo Cinted da Ufrgs. A coleta de dados ocorreu durante o sexto eixo, na interdisciplina Filosofia da Educação.
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A análise dos dados revelou-nos que houve interações para além do previsto, pois ultrapassavam o que estava previsto enquanto desenvolvimento das atividades propostas pela/na interdisciplina. Tais podem ser identificadas: a) pela circulação da palavra, ora entre tutor e aluno, ora entre professor-aluno, configurando-se como diálogo. Além disso, que pelas interações ocorridas, pela observação quanto ao fluxo (tempo necessário superior ao estimado pela equipe de professores), implicou em reorganizaçao do grupo, às vezes na dinâmica para as atividades, outras na alteração de alguma atividade inicialmente prevista, podendo ser referente ao material, ao formato ou ainda quanto ao prazo. Tais situações fazem-nos considerar que o uso da palavra pelos diversos sujeitos é favorecido em ambientes digitais, dado a significativa interação, e que as articulações e as ações empreendidas pelos envolvidos nesse contexto de educação superior, de educação em ambiente digital, configuraram-se como fazer humano orientado para o bem comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise mostrou interações inesperadas, com momentos de intenso diálogo e comunicações que visavam a reorganização da situação visando o bem comum, indicando que o uso da tecnologia não fez desaparecer o genuíno do humano: diálogo, pensamento e praxis. Conclui-se que os ambientes digitais podem suportar a livre circulação da palavra em prol do conhecimento e bem comum, promovendo a cidadania, indicando que na EAD podemos ter a potencialização e incremento do diálogo como estrutura fundamental de troca e aprendizagem.
REFERÊNCIAS ARISTÓTELES (2005). Política. Edición de Pedro López Barja de Quiroga Y Estela García Férnandez. Madrid: Isto. BURGESS, Jean; GREEN, Joshua(2009). Youtube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph. BOLLIER, David (2014). La renaissance des communs: pour une société de coopération et de partage. Paris: Charles Léopold Mayer. University of Bayreuth.Department for Political Geography, Prof. Dr. F. Dünckmann. Seminar on Political Ecology, July 2009.”Governing the Commons”: The Evolution of Institutions for Collective Action by Elinor Ostrom. Disponível em: https://www.academia. edu/487789/_Governing_the_Commons_The_Evolution_of_Institutions_for_Collective_Action_by_Elinor_Ostrom. Acesso em: 07 mar. 2015 FOUCAULT, Michel (2013). L´origine de l´herméneutique de soi. Paris: Vrin ______ (2006). A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes. GADAMER, Hans-Georg (2009). Hermenêutica em retrospectiva. Petrópolis: Vozes. GADAMER, Hans-Georg (1993). Verdad y Metodo I: fundamentos de una hermenéutica filosófica. Salamanca: Sígueme. GADAMER, Hans-Georg (1998). Verdad y Metodo II. Salamanca: Sígueme. HARDIN, Garret. The Tragedy of the Commons. Science, vol. 162. No. 3859 (13 december 1968), pp. 1243 - 1248. http://www.garretthardinsociety.org/articles/art_tragedy_of_the_commons.html. 07 dec. 2014.
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OSTROM, Elinor. (2007): Governing the Commons, The Evolution of Institutions for Collective Action, 20th printing (first published 1990), Cambridge University Press, New York. PLATÓN (2008). Alcibíades I o sobre la naturaleza del hombre. In: ______. Diálogos VII. Madrid: Gredos (Biblioteca Clássica). REALE, Giovanni (1997). Para uma nova interpretação de Platão: releitura da metafísica dos grandes diálogos á luz das “Doutrinas não-escritas”. São Paulo: Loyola. SANTOS, Vanice dos (2013). Ágora digital: o cuidado de si no caminho do diálogo entre tutor e aluno em um ambiente virtual de aprendizagem. Jundiaí: Paco.
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Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo 2007 Sésame Street: content analysis Ana Carolina Franco Maria
da
dos
Santos 1
Gr aça Mello M agnoni 2
Resumo: Esse artigo pretende analisar o programa Vila Sésamo em sua reedição brasileira de 2007 e verificar o potencial educativo do mesmo. Quase quatro décadas depois do final da última versão brasileira, a TV Cultura decidiu relançar o programa. Essa pesquisa tem o programa infantil Vila Sésamo como objeto de estudo tomando como material empírico os conteúdos veiculados por um programa de 2007, analisando os quadros dentro de eixos retirados dos Referenciais norteadores da Educação Infantil nacional. São eles os eixos de análise: Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem oral e escrita, Linguagem matemática, Cultura e Brincar. Utilizaremos como metodologia a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) estabelecendo uma análise quali-quanti, que codifica e interpreta o recorte do programa, assim como verifica se os formatos encontrados corresponderam às necessidades educacionais dos telespectadores infantis.
Palavras-Chave: Educação. Comunicação. Televisão educativa. Abstract: This article analyzes the Sesame Street in its Brazilian reissue 2007 to verify the educational potential of the same. Nearly four decades after the end of the last Brazilian version, TV Cultura decided to relaunch the program. This research has the children’s program Sesame Street as objects of study taking as empirical material the content carried by a 2007 program by analyzing the frames within axles removed from guiding benchmarks the national Early Childhood Education. They are the analysis: Diversity, World Knowledge, Personal and Social Education, oral language and writing, mathematics Language, Culture and Play. Will use as the methodology Bardin Content Analysis (2011) establishing a qualitative and quantitative analysis, coding and interprets the program cut, as well as checks that the formats found corresponded to the educational needs of children viewers.
Keywords: Education. Communication. Educational television. 1. Mestre pelo programa de pós-graduação em TV Digital: Informação e Conhecimento pela UNESP Bauru/ SP, especialista em Psicopedagogia pela Anhanguera educacional, licenciada em Pedagogia pela UNESP, Bauru/ SP com complementação em Gestão escolar e exerce a função de coordenadora pedagógica pela rede pública municipal de ensino de Bauru. E-mail: anak_rol13@yahoo.com.br 2. Doutora em Educação pela UNESP/Marília. Docente do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da UNESP e do Programa de Pós-Graduação em TV Digital da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, ambas em Bauru. Diretoria Executiva Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Bauru. E-mail: sofia@fc.unesp.br.
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Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo Ana Carolina Franco dos Santos • Maria da Graça Mello Magnoni
1. INTRODUÇÃO TELEVISÃO, HISTORICAMENTE tão utilizada e difundida em ambientes esco-
A
lares, ainda hoje, em tempos de profunda mudança tecnológica e convergência midiática, é o meio de comunicação de massa mais utilizado pela população.
Num país onde mais de 100 milhões de pessoas vêem televisão todos os dias, incluindo uma dezena de milhões que, vivendo abaixo da linha de pobreza, têm pouco ou nenhum acesso a bens culturais e/ ou a uma educação de qualidade, é compreensível que a TV goze de considerável poder de penetração e exerça grande influencia sobre opiniões, crenças e visões de mundo daqueles que com ela se relacionam mais intensamente, especialmente dos que têm como única fonte de informação e lazer. (DUARTE, 2008, p. 31).
Dessa forma, a televisão pública e os programas educativos surgem como possibilidade de garantir à população tão excluída de outros bens culturais o acesso ao conhecimento historicamente construído pelo homem. Segundo Pinto (2005) a televisão que trabalha para o público diferencia-se pela exemplaridade. E dessa forma apresenta estética e eticamente programas capazes de alargar horizontes. Esse artigo traz um recorte do programa Vila Sésamo, referencial de programação educativa mundo afora, partindo da premissa que o mesmo atinge hoje mais de 120 países do mundo e participa globalmente da infância de milhares de telespectadores em idade de Educação Infantil.
2. O PROGRAMA VILA SÉSAMO EM 2007: A METODOLOGIA DE ANÁLISE DE CONTEÚDO Para a análise de conteúdo do programa Vila Sésamo de 2007, traremos um episódio do programa exibido na TV Cultura, no dia 13 de janeiro de 2015, às 8h15 AM. Segundo Bardin (2011), a Análise de Conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos diversificados. Um programa televisivo necessita de uma metodologia de análise que preze pela excelência enquanto instrumento polimorfo e polifuncional. Sua perspectiva de abordagem se situa na interface da Linguística e da Psicologia Social. Mas enquanto a linguística estuda a língua, o sistema da linguagem, a Análise de conteúdo atua sobre a fala, sobre os sintagma. Ela descreve, analisa e interpreta as mensagens/enunciados de todas as formas de discurso, procurando ver o que está por detrás das palavras. (SEVERINO, 2007, p. 122).
A escolha por essa metodologia adentra a questão da sua validade, de seu rigor científico, da mesma forma que permite análises qualitativas que não ignorem os dados quantitativos. Bardin (2011) afirma que o método preza pela diversidade e pela unidade, e é difundido definitivamente ao transformar a exigência de objetividade em algo menos rígido e ao mesmo tempo incorporar a contribuição estatística. Dessa foram dividiremos essa análise em três etapas: a pré-análise, a exploração do material e, por fim, o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação.
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Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo Ana Carolina Franco dos Santos • Maria da Graça Mello Magnoni
2.1. A Primeira Fase: Pré-Análise Na pré-análise, escolheremos os elementos analisados, os critérios utilizados, os referenciais que nortearão os dados e as considerações sobre os mesmos. Sendo o telespectador de Vila Sésamo, criança em etapa de educação pré-escolar, foram utilizados os dois documentos que norteiam os educadores no trabalho educativo escolar: os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEIs), de 1998, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2010. A partir desses dois documentos oficiais, foram estabelecidos os eixos de análise: Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem oral e escrita, Linguagem matemática, Cultura e Brincar. Todos os eixos aparecem direta e indiretamente nos documentos citados e estão de acordo com a literatura específica.
2.2 Segunda Fase: A Exploração do Material A Exploração do Material é o momento da pesquisa em que se realiza a aplicação sistemática das decisões tomadas, da codificação, da classificação e da enumeração. Nesse momento, o procedimento planejado resulta em dados que posteriormente serão analisados qualitativamente. Se as diferentes operações da pré-análise forem convenientemente concluídas, a fase de análise propriamente dita não é mais do que a aplicação sistemática das decisões tomadas. Quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de operações efetuadas por computador, o decorrer do programa completa-se mecanicamente. (BARDIN, 2011, p. 131).
Para esse momento, separamos os quadros da programação em alguns itens que facilitarão a estruturação das tabelas e gráficos seguintes. São eles: tempo, conteúdo, personagens e origem dos quadros. Quadros Vila Sésamo 1 –Quadro: Vila Sésamo Tempo: de 0:49 a 3:59 minutos Conteúdo: distinguir objetos (cor, forma e sua utilidade) Personagens: Garibaldo e Bel Gravação: brasileira
5 –Quadro: Bonecos Manipulados Tempo: de 14:01 a 15:13 minutos Conteúdo: o nariz Personagens: Groover Gravação: americana
2–Quadro: Esquete Informativo Tempo: de 4:00 a 8:12 minutos Conteúdo: o ula como dança e costumes do Hawaí Personagens: Groover e crianças havaianas Gravação: americana
6–Quadro: Clipe Musical Tempo: de 15:14 a 17:26 minutos Conteúdo: siga o mestre (brincadeira) Personagens: Ênio e Elmo Gravação: americana
3–Quadro: A letra do dia Tempo: de 8:13 a 10:26 minutos Conteúdo: a letra P Personagens: Garibaldo Gravação: brasileira
7–Quadro: Vila Sésamo Tempo: de 17:27 a 18:39 minutos Conteúdo: sono Personagens: Garibaldo Gravação: brasileira
4–Quadro: Clipe Musical Tempo: de 10:27 a 14:00 minutos Conteúdo: banho Personagens: Ênio e outros bonecos Gravação: americana
8–Quadro: Bonecos Manipulados Tempo: de 18:40 a 20:38 minutos Conteúdo: sentimentos Personagens: Zoe Gravação: americana
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Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo Ana Carolina Franco dos Santos • Maria da Graça Mello Magnoni
Quadros Vila Sésamo 9–Quadro: Vila Sésamo Tempo: de 20:39 a 24:18 minutos Conteúdo: histórias de dormir Personagens: Garibaldo e Bel Gravação: brasileira
11–Quadro: Encerramento Tempo: de 25:42 a 25:58 minutos Conteúdo: despedida Personagens: Garibaldo e Bel Gravação: brasileira
10–Quadro: Clipe Musical Tempo: de 24:19 a 25:41 minutos Conteúdo:medo de escuro Personagens: Bel Gravação: brasileira
Como podemos observar nesse episódio, prevalecem ainda os quadros brasileiros e, apesar de também haver muitos quadros americanos, ambos mantém a opção pelo brincar, pelo lúdico e pela linguagem. Como podemos ver no gráfico abaixo. GRÁFICO 1. ORIGEM DOS QUADROS
Com foco no lúdico e nos temas transversais de aprendizagem, separamos os quadros da programação de acordo com os eixos de análise previamente estabelecidos. GRÁFICO 2. EIXOS CONTEMPLADOS PELOS QUADROS (NOVA VERSÃO)
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No Tratamento dos Resultados, traremos a análise dos quadros que correspondem aos eixos, quais eixos foram negligenciados no episódio e qual foi o foco temático do programa analisado.
2.3. Terceira Fase: Tratamento dos Resultados Para o Tratamento dos Resultados, traremos as análises dos quadros nos seguintes eixos: Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem oral e escrita, Linguagem matemática, Cultura e Brincar.
DIVERSIDADE Segundo Morin (2002), considerar as diversidades humanas é fundamental na educação do futuro. Segundo o autor a diversidade transcende os traços psicológicos, sociais, raciais e culturais; ela adentra a diversidade biológica, que faz de nós seres humanos diferentes uns dos outros. No quadro 2, temos uma esquete informativa extremamente rica do ponto de vista estético e pedagógico. Nesse quadro, o boneco Groover vem com um lei (colar havaiano) e uma saia de palha; cumprimenta os telespectadores com um “aloha” e diz que, quando esteve no Hawaí, conheceu mais sobre os costumes locais e sobre o ula, uma dança típica de lá. Esse tipo de quadro é importante, porque apresenta uma realidade ampliada aos pequenos, mostra que além da sua própria realidade, existem crianças diferentes, que vivendo em lugares distintos, possuem culturas próprias que diferem da nossa. Trabalhar a diversidade significa mostrar aos educandos que o seu mundo egocêntrico deve ser superado, e que há crianças distintas, de outras realidades, com outras identidades, e que isso pode ser válido e proveitoso. O povo havaiano, então, mostra-se um povo distinto do nosso e, apesar de não trazer a nossa mestiçagem e a nossa diversidade brasileira, já considera a existência de outra identidade étnica, religiosa e cultural. Enfim, apesar de não focar na questão da diversidade, o programa analisado considera o eixo e respeita o que sugerem os RCNEIs, que destacam a importância de se criar situações nas quais a questão diversidade seja trabalhada através de conversas ou de trabalhos específicos.
CONHECIMENTO DE MUNDO O âmbito de Conhecimento de Mundo é trabalhado pelos RCNEIs, como um livro próprio, tamanha a sua importância. Nesse livro o eixo se divide em áreas de saber fragmentadas: Música, Movimento, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Nas DCNEIs, o eixo refere-se a uma temática mais ampla, em que o conhecimento de mundo é a extensão do conhecimento de si e do outrem. Indiferentemente do enfoque, esse importante eixo norteador da educação infantil trabalha o conhecimento global do infante a partir de seu contexto cotidiano. A criança precisa entender o mundo que a cerca, o global, munir-separa compreender o entorno e os conhecimentos intrínsecos a ele, como enfatiza Morin (2002).
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Ao assimilar o mundo objetivo com o mundo que a circunda, ela vai se desenvolvendo, mesmo que seus atos não sejam conscientes. Não se trata dos conteúdos assimilados pela criança, trata-se do jogo que ela estabelece com o seu mundo e a forma que vai compreendendo que ele é muito mais amplo do que lhe parece. Essa visualização da amplitude global nem sempre é possível, porque em seu desenvolvimento, muitas vezes uma esfera supera outra. Ou seja, às vezes, um educando desenvolveu-se emocionalmente, no entanto, isso não significa que ele tenha o mesmo avanço motor ou cognitivo. No desenvolvimento integral da criança, muitas vezes ela permanecerá infantilizada, apesar dos estímulos que a levaram para um conhecimento amplo sobre as coisas. Adentrar o eixo Conhecimento de Mundo é também compreender que a criança está se desenvolvendo gradualmente e que esse processo deve ser respeitado. Leontiev (1988) afirma a necessidade de preservar o lúdico e o momento da criança, dessa forma trazendo-lhe informações sem didatizar a televisão, que para ela é puro entretenimento. O quadro 2, já comentado no eixo Diversidade, faz isso, amplifica a visão de mundo da criança ao mesmo tempo que brinca com o surf e o ula. A apresentação do boneco manipulado Groover respeita essa fase pré-escolar, de lúdico e de brincadeira, apesar de ser informativo. Já no quadro 1, que inicia o programa, temos o boneco Garibaldo juntamente com a boneca Bel, cumprimentando os telespectadores e dando as boas vindas ao Vila Sésamo. O quadro traz um âmbito fundamental do eixo Conhecimento do Mundo: o conhecimento das formas, dos tipos e das necessidades dos objetos e pessoas que a circundam. Nesse quadro, Garibaldo diz que está pensando em um objeto que está na cena, e Bel tem que encontrá-lo. Esse objeto é azul, redondo e serve para enfeitar. A classificação e agrupamentos são tarefas árduas para a criança em idade pré-escolar, pois muitas vezes a criança não consegue se focar em mais de um item de uma só vez, e acaba focando-se em itens isolados. Seria comum, nesse caso, a criança pegar a tiara que a personagem encontrou, afinal, a tiara era azul e servia para enfeitar. A habilidade de compreender que faltou ser redonda é uma habilidade importante, pois coloca a criança diante da competência de realizar comparações com base em diferentes atributos. Durante os primeiros estágios do desenvolvimento infantil, as palavras não são um fator de organização na maneira pela qual a criança classifica sua experiência. Não dispondo de um princípio lógico para agrupar os objetos, a criança pequena percebe cada objeto isoladamente. Durante o estágio seguinte de classificação, a criança começa a comparar objetos com base em um único atributo físico, tal como cor, forma ou tamanho. Mas ao fazer essas comparações, a criança rapidamente perde de vista o atributo que originalmente havia destacado como base para a seleção de objetos e o substitui por outro. (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 47)
Quando, enfim, a criança classifica e leva em consideração mais de um item físico, ela está adquirindo habilidades fundamentais para o seu desenvolvimento. O quadro oferece à criança a oportunidade de focar em distintos atributos de análise e ampliar sua percepção gráfica funcional. Sobre essa habilidade e seus benefícios, enfatiza que:
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esta maneira de agrupar objetos não se baseia em uma palavra que permita às pessoas isolar um atributo comum e denotar uma categoria que logicamente subordine todos os objetos. O fator determinante na classificação de objetos em situações desse tipo é chamado de percepção gráfica funcional ou recordação das relações da vida real entre objetos. Vigotskii descobriu que agrupar objetos de acordo com suas relações em situações reais é típico das antigas pré-escolas e escolas elementares. (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 47)
O último quadro analisado nesse eixo é o quadro 4, que traz um clipe musical sobre a importância do banho. Temática que desde o Vila Sésamo de 1970 permeia a programação da televisão educativa. Castelo Rá-Tim-Bum, Rá-Tim-Bum e mesmo Cocoricó já trataram a temática em seus programas. O clipe musical é um formato interessante para trabalhar um assunto que exige bem pouca complexidade e reflexão, além da música em si ser um conteúdo importante do eixo Conhecimento de Mundo. A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. Faz parte da educação desde há muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga, era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado da matemática e da filosofia. (BRASIL, 1998, p. 45)
Utilizar a música como procedimento de aproximação de um assunto, ou até mesmo o conteúdo em si é fundamental na educação infantil, pois além de ser uma manifestação cultural e artística, a música é lúdica e aproxima-se da criança só pela sua existência.
FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL O âmbito Formação Pessoal e Social trata-se do desenvolvimento emocional da criança, da sua sociabilidade e da sua conquista de identidade, autonomia e confiança, fundamentais para um desenvolvimento sadio. Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas características e potencialidades e reconhecer seus limites é central para o desenvolvimento da identidade e para a conquista da autonomia. A capacidade das crianças de terem confiança em si próprias e o fato de sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança para a formação pessoal e social. A possibilidade de desde muito cedo efetuarem escolhas e assumirem pequenas responsabilidades favorece o desenvolvimento da auto-estima, essencial para que as crianças se sintam confiantes e felizes. (BRASIL, 1998, p. 11)
Um dos quadros que trabalham essas questões inerentes à construção da identidade e da auto-imagem é o quadro 4, já comentado no eixo anterior. Ao trabalhar a temática banho de forma lúdica e divertida, o programa trabalha com a higiene pessoal, fundamental na construção de uma identidade de qualquer ser social, pois é um ato próprio da nossa cultura. Segundo Oliveira (2004), “aprender a tecer os fios que nos ligam aos outros de forma saudável e duradoura, mantendo flexibilidade de ambos os lados, não é nada fácil”.
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O próximo quadro atendido pelo eixo, o quadro 5, traz o boneco Groover conversando com o telespectador. Nesse esquete, o personagem carismático conversa sobre a importância de gostar do nariz como ele é; ele fala como seria estranho a sua própria imagem se tivesse um nariz maior ou menor ou uma tromba de elefante, e diz amar o seu nariz da forma como ele é. O quadro americano, extremamente simples, traz um conteúdo fundamental, que tem relação com a auto-estima. Tal temática não é fundamental só para as crianças de idade pré-escolar, mas se faz fundamental para todo ser humano em processo de evolução e construção de amor próprio e auto-imagem. A maneira como cada um vê a si próprio depende também do modo como é visto pelos outros. O modo como os traços particulares de cada criança são recebidos pelo professor, e pelo grupo em que se insere tem um grande impacto na formação de sua personalidade e de sua auto-estima, já que sua identidade está em construção. Um exemplo particular é o caso das crianças com necessidades especiais. Quando o grupo a aceita em sua diferença está aceitando-a também em sua semelhança, pois, embora com recursos diferenciados, possui, como qualquer criança, competências próprias para interagir com o meio. Vale destacar que, nesse caso, a atitude de aceitação é positiva para todas as crianças, pois muito estarão aprendendo sobre a diferença e a diversidade que constituem o ser humano e a sociedade. (BRASIL, 1998, p. 13 e 14)
As crianças, seres inseridas em um contexto social mais amplo, sentem-se muitas vezes inseguras com a sua aparência (em decorrência dos estereótipos que são construídos e alimentados, principalmente pelos meios de comunicação), e quadros como esse auxiliam no processo de aceitação de si mesmo e do diferente. Elas podem pensar: “O Groover gosta do nariz dele, também tenho que gostar do meu!”. O próximo quadro, o 7, reforça o quadro anterior. Ele fala do hábito da soneca, de como ela é importante e de quantas vezes o personagem não queria dormir, apesar de precisar. A criança ganha, com o quadro, o reconhecimento de que há outras crianças que também se sentem como elas. O Garibaldo, por exemplo, as representa em termos sensações e desejos. Dessa forma, além da identificação com o personagem, as crianças pequenas adquirem mais um motivo para irem dormir, sem procrastinações. No quadro seguinte, o 8, temos mais um boneco americano abordando a questão dos sentimentos, de como uma mesma pessoa pode sentir coisas diferentes e como isso afeta sua expressão, seus passos e sua voz. Segundo os RCNEIs, as crianças devem conhecer e ressignificar seus sentimentos. “O trabalho educativo pode, assim, criar condições para as crianças conhecerem, descobrirem e ressignificarem novos sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis sociais” (BRASIL, 1998, p. 11). Os pequenos podem não saber a origem ou explicar como fazem para modificar as emoções, mas já compreendem que podem alterar seus sentimentos. Essa habilidade emocional significa uma conquista extremamente significativa no seu desenvolvimento integral, como a superação do medo, temática trabalhado no quadro seguinte, o número 10.
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O quadro 10 apresenta um clipe musical sobre o medo e insinua que Bel está com medo dos barulhinhos que surgem a noite, pois está escuro e ela não consegue dormir. Como comentado em quadros anteriores, “a música está presente em diversas situações da vida humana”. (BRASIL, 1998, p. 47) Além de estar presente, ela utiliza-se do lúdico para cativar e aproximar as crianças dos conhecimentos cotidianos que lhe são necessários para um desenvolvimento sadio. Partindo da premissa que, conscientes dos sentimentos que nutrem, os educandos são capazes de modificar seus sentimentos e emoções, ao mesmo tempo que elaboram outras, o quadro acima é muito pertinente. Como vimos, esse eixo foi um dos mais contemplados nessa nova versão, e reforça a importância que a nova versão do programa deu aos temas transversais, os quais são fundamentais para a aquisição dos saberes historicamente construídos.
LINGUAGEM ORAL E ESCRITA Nesse eixo, que é um dos fundamentais em todos os processos educativos, temos três quadros pertencentes. Sabendo que essa temática é de extrema relevância no período pré-escolar, pois, como diz Freire (1987), a leitura do mundo precede a das palavras, traremos a análise dos quadros com relação à linguagem e à oralidade. Vygotsky (2007) nos ensina duas funções centrais na formação do pensamento e da linguagem. A primeira é a comunicação e o desenvolvimento da língua para nos comunicarmos, seja, inicialmente, por sons e gestos, e depois com denominações e conceituações em generalizantes. A segunda é justamente o pensamento generalizante, onde a língua se encaixa com o pensamento. Neste caso, quando nomeamos e classificamos alguma coisa, estamos realizando discriminações e agrupamentos e, em conseqüência, agrupando uma classe de objetos do mundo, formando um conceito. É, então, o estreitamento entre pensamento e linguagem que nos possibilita a capacidade de atribuir significado, pois é com o seu atrelamento que podemos formar diversos planos simbólicos. (SAMPAIO; CAVALCANTE, 2012, p. 126-127)
Segundo Sampaio e Cavalcante (2012), que citam o postulado de Vygotsky, a comunicação é função central na formação do pensamento e da linguagem. Segundo o autor, aproximar pensamento e linguagem torna-se fundamental para a aquisição da capacidade de interpretar distintas formas de mensagens. Nesse processo de aquisição da linguagem, de oralidade, de sentimentos e sensações, as crianças elaboram e testam uma série de hipóteses sobre o sistema de escrita. Sabe-se, também, que as hipóteses elaboradas pelas crianças em seu processo de construção de conhecimento não são idênticas em uma mesma faixa etária, porque dependem do grau de letramento de seu ambiente social, ou seja, da importância que tem a escrita no meio em que vivem e das práticas sociais de leitura e escrita que podem presenciar e participar. (BRASIL, 1998, p. 128)
Levando-se em consideração essas questões, o programa elaborou um quadro permanente, que traz o personagem principal, Garibaldo, procurando palavras com a letra do dia.
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A utilização de jogos que ampliam o repertório dos pequenos e os auxiliam na elaboração dos mecanismos mentais, os quais lhe possibilitarão o letramento, também estão presentes nos quadros americanos, que foram aperfeiçoados nesses 45 anos de televisão e trazem as necessidades das crianças em idade pré-escolar. Nesse quadro 6, Ênio aparece cantando e Elmo vira seu “eco” repetindo tudo que lhe é dito. A brincadeira de “siga o mestre” é tão significativa, que é apontada como uma opção pedagógica para o professor de educação infantil nos RCNEIs. “Pode-se propor alguns jogos e brincadeiras envolvendo a interação, a imitação e o reconhecimento do corpo, como ‘Siga o Mestre’ e ‘Seu Lobo’. “(RCNE, vol 3, p. 33) A brincadeira cantada também utiliza diferentes sons e interage com o telespectador, chamando-o de forma indireta, para responder junto com Elmo o chamado de Ênio. O quadro trabalha a oralidade e, dessa forma, prepara a criança para a escrita, via ampliação e análise da linguagem. E, por fim, temos o quadro 9, no qual Bel não consegue dormir e Garibaldo vai lhe contar uma história.A história de dormir de Garibaldo, segundo o mesmo, possuía começo, meio e fim. Durante a história, o personagem acordava Bel, que havia dormido, e resgata oralmente a parte já contada. Essa estratégia é importante para auxiliar a criança em etapa de pré-alfabetização a compreender a configuração de uma história; que ela deve ser finalizada, que um acontecimento possibilita o acontecimento de outro, em situação de causa e consequência. Apesar da história contada por Garibaldo ser simples e pouco explorada, ainda assim o quadro explora a linguagem oral e escrita, embora não em todas as suas possibilidades.
LINGUAGEM MATEMÁTICA Não constatamos nenhum quadro que explorasse essa linguagem tão importante para crianças em desenvolvimento. Vigotski, Luria e Leontiev (1988) enfatizam que o raciocínio matemático ainda está sendo construído nessa fase dos telespectadores de Vila sésamo, e não pode se esperar maiores abstrações nessa faixa etária. No entanto, a iniciação da alfabetização matemática seria válida. Sobre a importância do eixo não contemplado no episódio analisado: Tomemos como ponto de partida o fato de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda aprendizagem da criança tem a sua pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas já muito antes de ir à escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade, encontrou já várias operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto, a criança teve uma pré-escola aritmética,e o psicólogo que ignora este fato está cego. (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 109)
CULTURA O eixo Cultura é um dos principais quando tratamos de programas educativos infantis. Sabemos que a cultura determinou nossas aprendizagens e nossa forma de viver em sociedade, logo, a temática é de extrema relevância, pois significa a sobrevivência e a distribuição dos conhecimentos historicamente construídos.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente diz, no artigo 71, que “ a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. E o Estatuto regula ainda os conteúdos televisivos de acordo com as necessidades das crianças em desenvolvimento. “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” (ECA, Art. 76, p. 46) O único quadro referente a essa temática é o quadro 2, que, conforme já apontado em outros eixos, traz o personagem Groover apresentando costumes do Hawaí. Apesar de ser somente um quadro que mostre as diversidades culturais, sua existência mostra a importância de a unidade favorecer a pluralidade. Os que vêem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou ocultar a unidade humana; os que vêem a unidade humana tendem a considerar secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, á apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a diversidade, a diversidade que se inscreve na unidade. (MORIN, 2002, p. 57)
A pluralidade cultural do nosso país e do nosso planeta deve e pode ser explorado, para que, além de trazer informações para as crianças, ampliem suas compreensões limitadas de mundo.
BRINCAR Todos os eixos, de certa forma, convergem para o brincar. O brincar, atividade propriamente humana, tem como objetivo a diversão. Nesse ato de simulação da realidade, a criança apreende a sua realidade social e altera sua natureza. Tanto nos jogos como nas brincadeiras orais ou de regras, as crianças interagem, usam a imaginação e constroem uma realidade paralela à que vivem, por meio do fazde-conta. “Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças também se apropriam do repertório da cultura corporal na qual estão inseridas” (BRASIL, 1998, p. 15). Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhados em situações de interação social. Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito etc., as crianças também podem internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de justiça. (BRASIL, 1998, p. 23).
Na brincadeira, ao elaborar regras de convivência, ao estabelecer relações com objetos, pessoas e animais, a criança desenvolve sua identidade, sua autonomia e sua compreensão da realidade circundante. Todo o desenvolvimento do homem como ser social e histórico é revivido pela criança que, ao brincar, vai assimilando a cultura, os saberes e os conhecimentos apropriados desde os homo sapiens até os dias atuais.
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Nos brinquedos do período pré-escolar, as operações e ações das crianças são, assim, sempre reais e sociais, e nelas a criança assimila a realidade humana. O brinquedo (como disse Gorki) é realmente “o caminho pelo qual as crianças compreendem o mundo em que vivem e que serão chamadas a mudar”. Dessa forma, o brinquedo não surge de uma fantasia artística, arbitrariamente construída no mundo imaginário de brincadeira infantil; a própria fantasia da criança é necessariamente engendrada pelo jogo, surgindo precisamente neste caminho, pelo qual a criança penetra a realidade. Precisamos destacar isso porque, embora o brinquedo e a fantasia estejam normalmente associados, eles se associam por relações recíprocas .os traços característicos da atividade lúdica da criança surgem de sua fantasia, assim como de sua capacidade ou função “inerente” a ela, e são derivadas dela, isto é, eles delineiam um caminho oposto ao desenvolvimento real. (LEONTIEV, 1988a, p.130).
Pertence a esse eixo, no entanto, somente dois quadros: os quadros 1 e 6. No primeiro quadro, já explicitado em outro eixo, a personagem Bel tem que localizar um objeto. Essa brincadeira de esconder é muito utilizada por crianças em todo o país. No clipe musical do quadro 6, as crianças revivem o jogo de “siga o mestre”, brincadeira famosa por conter um importante elemento do desenvolvimento infantil no seu procedimento: a imitação. Mesmo não estando em muitos quadros, o brincar fica implícito em outros quadros de forma menos evidente que nesses dois, e deveria prevalecer ainda mais por, além de ato intrínseco ao ser criança, é no brincar que a criança se desenvolve e se reconhece como ser humano, social e histórico. Além do fato que o direito de brincar lhe é concedido via Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura em Art. 16. Parágrafo IV.: “brincar, praticar esportes e divertir-se”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa nova sociedade cabe ao programa educativo apresentar às crianças um projeto que envolva temáticas candentes como a diversidade, que a auxiliem a compreender e respeitar o diferente, diminuindo os preconceitos e os discursos de ódio intrinsecamente enraizados na população. Valorizar a cultura regional, defender a tolerância, apresentar distintas formas de cultura, trazer a aceitação do outro se torna mais importante que ensinar as palavras ou a contar. E podemos perceber um pouco dessa preocupação ao analisar o programa na versão atual.
4. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil /Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_ download&gid=9769&Itemid>.Acesso em: 14 mar. 2013. ______. Estatuto da Criança e do Adolescente. (2005). Brasília: MEC, ACS. DUARTE, Rosália. (Org.). A televisão pelo olhar das crianças. São Paulo: Cortez, 2008.
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FREIRE, Paulo. Importância do ato de se ler: em três artigos que se completam.17. ed. São Paulo: Cortez, 1987. LEONTIEV, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar in VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1988. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002. OLIVEIRA, Vera Barros (Org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. PEREIRA, Sara. A minha TV é um mundo: programação para crianças na era do ecrã global. Porto: Campo das letras, 2007. PINTO, Manuel. Televisão e cidadania: Contributos para o debate sobre o serviço público. Porto: Campo das letras, 2005. SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino; CAVALCANTE, Andréa Pinheiro Paiva. Qualidade na programação infantil da TV Brasil. Florianópolis: Insular, 2012. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007. VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1988.
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook Portuguese in images: a proposal of a new reading of Charolles’s textual coherence meta-rules by articulating cell phones and the Facebook C l áu di a P r esser Sepé 1 Resumo: O artigo tratará de uma releitura das metarregras de Charolles (1978), trabalhadas visando à qualificação da análise e produção de textos escritos na cadeira de Português para Comunicação I, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, mediante o uso de celulares e do Facebook, cujo objetivo foi desnaturalizar o entendimento daquelas regras como exclusivas da expressão escrita, além de tornar o conteúdo mais digerível para os estudantes. Os alunos, em grupos e portando seus celulares, deviam capturar imagens, no campus da Unisinos, que representassem uma ou mais metarregras propostas por Charolles, a saber: Não Contradição; Repetição; Progressão e Relação. Os registros poderiam ser fotos ou vídeos, protagonizados, ou não, pelos alunos. As imagens foram postadas no grupo da disciplina no Facebook, sem a indicação da(s) metarregra(s) pretendida(s) no registro, para que os colegas de outros grupos pudessem explorá-las e apontar quais delas estariam representadas nas imagens. Os resultados foram muito interessantes, a começar pela perplexidade dos alunos diante da tarefa proposta, que os obrigou a rever suas concepções sobre como “deveria ser uma aula de português” e sobre a noção de “erro”; depois, pelo impacto positivo, embora ainda embrionário, sobre as produções e análises de textos desses mesmos sujeitos.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Imagens. Celular. Facebook. Texto Abstract: This paper is about a new reading of Charolles’s meta-rules (1978) which aimed at qualifying the analysis and the production of written texts in the discipline Português para Comunicação I at the Vale do Rio dos Sinos University through the use of cell phones and of the Facebook. The goal was to denaturalize the understanding of Charolles’s rules as writing rules. In groups and with cell phones along, the students were supposed to capture images around the university campus that represented Charolles’s meta-rules, which are: No-Contradiction; Repetition; Progression; and Relationship. The records could be photos or videos portraying the students or any other image. The images were posted to the discipline Facebook community without the identification of the 1. Graduada em Letras-Português e Literatura; Mestre em Aquisição da Linguagem (ênfase- Sociolinguística); Doutora em Comunicação-Mídias e Processos Socioculturais. Professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. claudiapressersepe@yahoo.com.br
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook Cláudia Presser Sepé
intended meta-rule(s) by the time they were captured so that classmates from other groups could explore those images and point out which rules would be represented in each post. The results were quite interesting. We point out the perplexity of the students who were driven by the task to reconsider their views on how “a Portuguese class should be” as well as on the notion of “error”. We also highlight the positive impact on their written analysis and productions.
Keywords: Portuguese Language. Images. Cell Phone. Facebook. Text
1 INTRODUÇÃO
E
“Tive medo”. SSA É a resposta que mais ouço de meus alunos, que não são calouros, da cadeira de Português para Comunicação I, no primeiro dia de aula, quando pergunto para eles: “Por que não cursaram a disciplina logo que entraram na faculdade?” Até porque é cadeira pré-requisito para o ingresso nas de Redação Publicitária, de Relações Públicas e Jornalismo. Há 14 anos, tempo em que trabalho na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, isso se repete, e faço uma triste constatação: nesses meus 30 anos de docência, iniciados no Ensino Fundamental (onde atuo até hoje), poucas mudanças parecem ter ocorrido nas práticas de sala de aula, no que tange ao ensino de língua materna, que ainda se ancoram na noção do que é erro (muito mais do que na de acerto), tendo como livroguia gramáticas normativo-prescritivas, repletas de regras que muitas vezes não se sustentam e nos deixam confusos (sim, inclusive a nós, professores de língua materna). Se pensarmos que a primeira gramática de língua portuguesa data de 1536 e tinha como pressuposto trabalhar a arte de falar e escrever corretamente, vemos o quão pouco o ensino avançou nessa área, em nossas escolas, apesar de tantas contribuições que, por exemplo, os estudos variacionistas trouxeram dentro da Linguística, e mesmo a criação de gramáticas como a de Maria Helena de Moura Neves, denominada Gramática de Usos do Português, que tem como objetivo prover uma descrição do uso efetivo dos itens da língua, compondo uma gramática referencial do português [...] Dois são os pontos que a orientação teórica adotada tem como básicos para que se contemple a língua em uso: 1º) a unidade maior de funcionamento é o texto; 2º) os itens são multifuncionais. Nessa consideração de que a real unidade em função é o texto, o que está colocado em exame é a construção de seu sentido, numa teia que é mais que mera soma das partes. [...] (NEVES, 2000, p.14-15)
Assim, se considerarmos a forma como a língua portuguesa parece estar sendo ensinada na escola, uma língua quase estrangeira para os alunos, tamanha a distância que a separa da que usamos cotidianamente, pouco evoluímos. Não quero dizer com essas considerações iniciais que não devemos ensinar o português padrão, variedade que será exigida profissionalmente dos alunos, dentro e fora da faculdade, quando tiverem seus textos publicados em diferentes veículos de mídia. O que quero defender é que podemos fazê-lo sem ignorar as diferentes manifestações que nossa língua pode assumir discursivamente, posto que as situações de comunicação nem sempre são iguais. Há
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quanto tempo já se diz que a língua é como uma roupa: cada ocasião determina o código de vestimenta a ser utilizado. E isso também será exigido dos alunos de Comunicação, uma vez que cada veículo é pautado por uma dada linha editorial, a fim de atingir determinado público (sim, pois o público leitor, por mais óbvio que seja dizer isso, não é uniforme e não consome os mesmos veículos: os leitores têm idades, vivências, interesses diferentes); dessa forma, a linguagem escrita e os recursos visuais também não o poderão ser. É o que Maria da Graça Costa Val (1991, p. 4-5) denomina aspecto pragmático implicado na produção e recepção dos textos. De acordo com a autora, esse aspecto “tem a ver com seu funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa”. Isso implica, ainda de acordo com a mesma autora, pensar no “contexto sociocultural em que se insere o discurso”. Na esteira desse raciocínio, pensar no ensino de língua portuguesa e na produção de textos implicaria ir muito além dos aspectos puramente formais (aqui incluídos os gramaticais). E essa vem sendo minha convicção, desde há muito tempo, reforçada por minha pesquisa de mestrado2, na área da Linguística, e confirmada por ocasião de meu curso de doutorado na área de Comunicação. Esse deslocamento de área, e isso só pude perceber um pouco mais tarde, se deveu, muito provavelmente, a uma intuição de que só os referenciais de minha filiação original de estudos já não davam mais conta do que eu via (e vejo) acontecer tanto na escola como no meio acadêmico: a forma como ensinamos e o que ensinamos nas aulas de língua portuguesa não encontra eco em nossos alunos; consequentemente, eles atravessam uma vida escolar inteira, e quiçá acadêmica, sem aprender aquilo que os professores e a sociedade letrada esperam que aprendam. Afinal, que português é esse que a maioria diz que não sabe, que não entende, mas que usa cotidianamente? E mais: como as instituições de ensino e os professores de língua materna têm lidado com o aluno de hoje, cujas interações diárias são atravessadas/ mediadas pelas novas TIC, notadamente os dispositivos móveis e as redes sociais? Tal quadro se agudiza ainda mais nas escolas de periferia (realidade que conheço muito bem como docente), onde existem os famigerados laboratórios de informática que pouco são utilizados, porque os equipamentos não funcionam ou, quando o são, dificilmente servem de suporte a algum trabalho planejado. Neste último caso, as causas são diversas: os professores planejam, mas, na hora de usá-los, alguma turma, cujo professor faltou, é deslocada emergencialmente para lá; não há conexão com a internet; os docentes não sabem usar a tecnologia disponível ou desistiram, por conta de todas essas variáveis. Enquanto isso, os alunos, em sua esmagadora maioria, andam colados aos seus celulares, apesar de todas as proibições (inócuas) de que o façam dentro da escola. Ora, se os laboratórios não funcionam, por que não usar os celulares? Por que não mostrar aos alunos como é possível que esses aparelhos nos ajudem a aprender e ensinar-lhes a responsabilidade que devemos ter nesse uso (sim, porque as proibições só os incitam a usar cada vez mais os celulares, de forma equivocada, às vezes pelo simples prazer de burlar as regras). 2. Em minha pesquisa de mestrado, empreendi um estudo de Atitudes Linguísticas, cujo objetivo foi elicitar como os professores de Língua Portuguesa em escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre avaliavam o português falado pelos alunos.
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Observando essa realidade dentro da escola, comecei a perceber o grande potencial dos celulares para o ensino, de modo geral, mas principalmente, para o de língua portuguesa. Só que eu tinha dois problemas para resolver: o primeiro era (e ainda é) a impossibilidade de desenvolver um projeto que envolvesse essa tecnologia dentro da escola, devido à proibição institucional; o segundo e o mais decisivo: eu não sabia como fazer. Decidi, então, procurar referenciais sobre o assunto, dos quais apresentarei um pequeno recorte, a seguir.
2 POR QUE TRABALHAR COM CELULARES ? Sem dúvida, o principal motivo é que o celular é parte integrante da vida do aluno (como é da dos professores), tanto dentro quanto fora da escola. E a tendência, como muitos especialistas apontam, é que esse dispositivo acabe substituindo os PCs, especialmente se considerarmos a disseminação do uso de smartphones, verdadeiros computadores portáteis multifuncionais, que apresentam recursos muito além do mais elementar: fazer discagens para interlocução. Aliás, é muito comum observarmos os alunos, sejam de escola ou de universidade, usando os celulares frequentemente para ouvirem música e fotografar, seguido do compartilhamento de arquivos nas redes sociais. De acordo com Saccol et al. (2011, p. 11-12), quando pensamos num contexto de aprendizagem do tipo m-learning3, existe uma gama de possibilidades de trabalho, associada a “diferentes tecnologias que podem ser utilizadas de forma integrada” tal como podemos ver a seguir, na transcrição, na íntegra, do que os autores propõem: • Captura de informações: webcam, máquina fotográfica digital, gravador de áudio, vídeo, microfone, entre outros, que permitem ao sujeito capturar informações em situação de mobilidade. • Busca e armazenamento de informações: repositórios de arquivos, bibliotecas de links, de figuras, de imagens, de sons, de referências e textos, de objetos de aprendizagem4, de teleconferências, os quais são facilitados pela mobilidade. • Compartilhamento de conhecimentos, ideias e experiências (possibilidades que exigem um nível maior de interação): fóruns, chats, listas de discussão, videoconferências, diários de bordo problematizados, que podem estar presentes, por exemplo, em um Ambiente Virtual de Aprendizagem Móvel (AVAM) acessado a qualquer tempo e espaço pelos sujeitos em processo de m-learning. • Construção colaborativa e cooperativa: possibilidades que exigem elevado nível de interação, como por exemplo, softwares para apoiar o desenvolvimento de projetos, a resolução de casos, desafios, problemas, comunidades virtuais de aprendizagem e de prática, as quais também podem estar integradas num AVAM [...].
Como uma aprendizagem desse tipo demanda um sujeito autônomo, pois terá de dar conta dos desafios propostos, criar soluções a partir de resoluções próprias, mesmo que trabalhando em grupo, o paradigma educacional, segundo os autores, ainda predominantemente centrado no ensino, desloca-se para outro, calcado na ação do sujeito. 3. M-learning ou mobiles learning, conforme Saccol et al., é a aprendizagem apoiada no uso das TIC “móveis e sem fio”. 4. Aqui, os autores fazem menção a outro autor (WILEY, 2000: 23), segundo o qual “um objeto de aprendizagem (AO) é qualquer recurso digital que possa ser reutilizado e ajude na aprendizagem [...]”
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Ainda de acordo com Saccol et al. (2011, p. 14), o aprendizado calcado nas tecnologias móveis se dá de forma mais plástica, visto que o conhecimento se constrói em uso. Eu acrescentaria que essa plasticidade também se evidencia na aprendizagem dos alunos, uma vez que se construirá em qualquer tempo e espaço e que o próprio estudante irá gerenciar essas variáveis na resolução das tarefas propostas. Claro está que, quando falam em tecnologias móveis, os autores não se referem apenas ao celular (tablets, câmeras fotográficas, por exemplo, também o são); no entanto, o dispositivo-foco de meu interesse são os celulares, pelo que já justifiquei inicialmente, o que é endossado por outros autores como Kolb (2008), que diz haver uma desconexão digital entre como estudantes usam a tecnologia em sua comunicação diária e na sala de aula. Fora da escola, continua a autora, os estudantes se comunicam por meio de uma variedade de dispositivos digitais, tais como telefones celulares, computadores, iPods, apenas para nomear alguns. Desses, afirma Kolb, os telefones celulares são os equipamentos mais comuns e acessíveis e estão se tornando (já se tornaram) uma parte integrante da vida social dos estudantes. Telefones celulares, prossegue a autora, não são apenas brinquedos; antes, são ferramentas essenciais que os estudantes usam para se comunicar com o mundo que os cerca. No entanto, dentro da escola, a aprendizagem é isolada da cultura tecnológica diária dos alunos, porque eles usam hardware e software desenvolvidos especificamente para fins educacionais (em nossas escolas, considerando o costumeiro sucateamento e muitas vezes uso inadequado dos laboratórios, inclusive isso raramente acontece). Prosseguindo, Kolb diz que muitos educadores acreditam ferrenhamente que os telefones celulares são ferramentas inapropriadas à sala de aula; alguns defendem que os celulares distraem e causam prejuízo nesse ambiente. Despende-se muito tempo e energia desenvolvendo-se políticas e procedimentos para manter os celulares fora da sala de aula. De fato, segundo a autora, e eu também concordo, o celular pode causar alguns prejuízos na sala de aula, mas é papel do professor orientar sobre esse uso. No século XXI, parte do trabalho de um educador, afirma Kolb, é ajudar os estudantes a navegarem de forma segura num mundo repleto de tecnologia e informação. Assim, defende a autora, ao invés de gastar tempo, energia e dinheiro criando políticas para combater o uso dos telefones celulares nas escolas, educadores poderiam despender seu tempo encontrando formas úteis de integrar esses equipamentos como construção de conhecimento, coleta de dados e ferramentas de comunicação colaborativa para ajudar os estudantes a se tornarem mais competitivos no mundo digital5. Seguindo linha semelhante de raciocínio, Adelina Moura (2009, p. 1-5) explica que a alegação costumeira dos professores contra o uso dos celulares em sala de aula, além das leis existentes que proíbem o seu uso no ambiente escolar, é que esses dispositivos provocam distração nos alunos (como se antes dos celulares as distrações não existissem). No entanto, destaca a mesma autora, os celulares há anos já ultrapassaram, em número, os computadores pessoais, e cada vez os usuários são mais jovens. Por conta disso, Moura explica que muitos governos e escolas passaram a utilizar os dispositivos móveis em 5. Toda essa parte (os três parágrafos desta página) traduzida de Kolb (2008), do e-book Toys and tools: connecting student cell phones to education.
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atividades de ensino-aprendizagem, tal como o caso da África, onde o Conselho Nacional Nigeriano decidiu, diante do baixo rendimento escolar de crianças do ensino básico com problemas socioeconômicos de toda ordem e para quem as fórmulas tradicionais do ensino a distância já não funcionavam, inserir o uso das tecnologias móveis nos planos de ensino. De acordo com a mesma autora, resultados preliminares dessas iniciativas mostram “maior alfabetização das povoações abrangidas”. Ora, seria possível listar uma gama enorme de iniciativas como essa, inclusive lideradas pela professora Adelina Moura, em Portugal, onde atua. E como eu não disporia de páginas suficientes para isso, creio ser o bastante dizer que não existem fórmulas prontas, a não ser, a partir das práticas já construídas, e de uma observação atenta ao comportamento dos alunos ao usarem os dispositivos móveis, propor outras. Isso implica, acima de tudo, desterritorializar-se (e nisso vejo um dos maiores problemas na introdução das novas TIC na sala de aula): se o modus operandi de muitos docentes ainda é analógico, como passará a ser digital? Não vejo outro caminho a não ser experimentando. No caso particular deste artigo, o que fiz foi, primeiramente, escolher um conteúdo específico da disciplina de Português para Comunicação I6, com o qual gosto muito de trabalhar e que me parece um tanto árido para os alunos, visto que a maioria deles é recém-ingressante no curso: trata-se das Metarregras de Coerência, propostas por Charolles.
3 A COERÊNCIA EM IMAGENS: EM FOCO, O CELULAR E O FACEBOOK Nos anos de 1970, o linguista francês Michel Charolles decidiu explicitar as regras que estariam subjacentes à correção de redações feitas por alunos de Ensino Fundamental na França. Em outras palavras, buscou explicitar os critérios que pautariam a correção e avaliação dos textos pelos professores, quando faziam observações do tipo “vago” ou “?”, escritas ao lado de trechos sublinhados ou circulados. Analisando, então, diversas redações, (CHAROLLES, 1978 apud Val, 1991), com base em elementos recorrentes nas correções dos professores, categorizou essas ocorrências no que ele designou como Metarregras de Coerência7, a saber: • Metarregra da repetição: “Para que um texto seja coerente [...], é preciso que contenha, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita” (elementos de retomada, como pronomes anafóricos, e advérbios. Ex: Magda foi ao cinema. Lá, ela encontrou uma amiga.); • Metarregra da progressão: “Para que um texto seja coerente [...] é preciso que haja, no seu desenvolvimento, uma contribuição semântica constantemente renovada”; ou seja, a partir do que já foi dito, deve-se apresentar informações novas; • Metarregra da não contradição: “Para que um texto seja coerente, é preciso que, no seu desenvolvimento, não se introduza nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior [...]”; 6. O experimento foi realizado nas minhas turmas da faculdade de Comunicação e Jornalismo, na Unisinos, mas a ideia original fora concebida para ser aplicada na escola onde atuo – infelizmente houve uma série de contratempos que inviabilizaram a realização do trabalho. 7. As metarregras apresentadas foram retiradas de VAL, Maria da Graça Costa (1991), que toma como suporte o artigo de Michel Charolles (1978), intitulado Introduction aux problèmes de la coherence des textes.
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• Metarregra da relação: Os fatos devem manter entre si uma relação lógica, para que o texto seja coerente. Uma vez discutidas as metarregras com meus alunos, pedi que, usando seus celulares, fossem, em grupos, capturar imagens, ou fizessem vídeos no campus da Unisinos, que representassem uma ou mais metarregras, aplicadas ou não– sugeri, também, que eles poderiam estar incluídos como elementos das imagens. Uma vez feitos os registros, cada grupo deveria postar o resultado no Facebook criado previamente para a disciplina, a fim de que identificassem as metarregras. É preciso destacar que minha proposta de usar essa rede social se deveu ao fato de perceber o quanto meus alunos a acessavam, mesmo durante as aulas, e também ancorada nas reflexões de outros autores, como Cerdàs e Planas (2011, p.41), segundo os quais, o Facebook é uma plataforma que, muito embora não tenha sido criada para atender a fins educacionais, em se tratando de usuários mais jovens, torna-se uma poderosa ferramenta, visto que estão acostumados a compartilhar conteúdo e a comunicar-se usando as novas tecnologias; por isso sentem-se motivados a aprender num ambiente em que são protagonistas habitualmente. Além disso, continuam os mesmos autores, essa rede social se ancora numa plataforma que estimula a criatividade, incrementa a dimensão espontânea e lúdica da aprendizagem, num processo colaborativo e flexível, visto que permite tanto a comunicação síncrona quanto assíncrona8. Isso posto, voltando à atividade proposta, os alunos demonstraram uma certa perplexidade diante do que deveriam fazer e me questionaram sobre como dariam conta do que eu havia pedido – não estavam entendendo, afinal de contas, em que consistia a proposta. Cheguei a ouvir de alguns: – É aula de português ou de fotografia? Em momento algum, durante o planejamento dessa proposta, imaginei que os alunos teriam essa reação: afinal, o que eu estava propondo era uma atividade que me parecia desafiadora, diferente do script de uma aula tradicional de português e que, portanto, os alunos da faculdade de Comunicação adorariam executá-la. A atitude deles, num primeiro momento, me deixou um tanto impactada, mas não recuei: expliquei-lhes que deveriam entendê-la como um desafio e que, no momento da análise das fotos e/ou vídeos, tudo faria sentido (pelo menos era o que eu esperava que acontecesse). Um outro problema que enfrentei, embora não significativo, considerando o tamanho da turma, foi que alguns alunos não tinham Facebook e nem tencionavam criar uma conta9. Então negociei com esses sujeitos que eu enviaria as fotos por e-mail para que eles fizessem a análise por esse meio. Depois que consegui acalmar os grupos, os alunos saíram da sala de aula e foram fazer os registros. Uma vez de volta, nessa altura já estavam com outro ânimo, fizeram as postagens no Face da disciplina, usando os próprios celulares, sem identificar as metarregras que imaginavam se aplicar às fotos/vídeos, conforme combinamos previamente. Em seguida, pedi a eles que, ao longo da semana, até a aula seguinte (temos 8. Traduzido de CERDÀ & PLANAS, 2011, Posibilidades de la plataforma Facebook para el aprendizaje colaborativo em línea 9. Tal situação encontra eco em MIRANDA, Lobato (2007, p. 46), num artigo que julgo muito interessante (Limites e possibilidades das TIC na educação), quando diz que “[…] nem todos os estudantes gostam e aprendem nesses ambientes”.
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aulas uma vez por semana), fossem examinando as fotos dos colegas e postando suas hipóteses acerca das metarregras relacionadas às imagens, tais como as que podemos observar nas figuras 1 e 2, a seguir.
Figura 1. Registro fotográfico de uma sala da Unisinos onde se vê um balcão repleto de objetos e um cartaz solicitando que não se coloque nada sobre ele. Fonte: A autora, 2013
Figura 2. Registro fotográfico de uma lanchonete da Unisinos, onde se vê a imagem de uma aluna com aspecto abatido (triste) e, ao fundo, a palavra happy. Fonte: A autora, 2012
No caso das figuras acima, a metarregra identificada foi a de Não Contradição: na Figura 1, o balcão repleto de materiais se antagoniza com o bilhete solicitando que deixassem o móvel sem nenhum objeto sobre ele, visto que seria utilizado; na Figura 2, a palavra happy, ao fundo, se contrapõe ao estado emocional da aluna, que aparenta estar triste.
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À medida que a análise das fotos ia sendo aprofundada pelos alunos (com a minha participação nas discussões), eles começaram a perceber como as metarregras de Charolles podiam ser interpretadas, para além do texto escrito, nas imagens/situações fotografadas por eles; e mais: que, muitas vezes, a leitura dessas imagens não era sempre igual para cada receptor. Assim, por exemplo, uma imagem que, para um aluno, poderia representar Contradição, para outro (e mesmo para mim) poderia ser outra, tal como mostra a Figura 3.
Figura 3. Registro fotográfico de uma moldura com cinco retângulos, sendo quatro na cor rosa, e um, na verde. Ao lado, vê-se a discussão em torno de qual seria a metarregra em jogo. Fonte: A autora, 2014
Para provocar a discussão sobre a Figura 3, perguntei à turma qual seria a metarregra cotejada pela foto: Contradição ou Relação? A autora da foto me responde que é Contradição, pois como “o texto10 é todo rosa, não cabe um argumento verde”. Nesse caso, o quesito cor foi decisivo. Então repliquei, dizendo que a metarregra de Relação também poderia ser aplicada com base no mesmo quesito e também no da forma. O aprofundamento na análise das fotos igualmente permitiu que fôssemos refinando a noção de Competência Enciclopédica de Maingueneau (2001, p. 42), sempre evocada em minhas aulas. De acordo com o autor, essa competência é que nos permite saber para que serve uma sala de espera, ou quem foi Conde Drácula, por exemplo. E mais: 10. Observe-se que a aluna se refere ao objeto representado na foto como texto, o que pode ser evidência de como sua percepção sobre o que podemos considerar texto escape das concepções mais convencionais, que o circunscrevem ao impresso escrito, talvez resultado do tensionamento de trabalhar as metarregras de coerência da forma como propus.
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[...] Esse conjunto virtualmente ilimitado de conhecimentos, o saber enciclopédico, varia evidentemente em função da sociedade em que se vive e da experiência de cada um. Ele se enriquece ao longo da atividade verbal, uma vez que tudo o que se aprende em seu curso fica armazenado no estoque de conhecimentos e se torna um ponto de apoio para a produção e compreensão de enunciados posteriores.
Relacionando dessa forma o conceito de Competência Enciclopédica com a análise das imagens feitas pelos alunos, conseguimos qualificar a discussão sobre os aspectos a serem levados em conta na análise e produção de textos, verbais ou não, para além dos aspectos formais e de sentido (coesão e coerência), trazendo para o centro da reflexão a importância de se equacionar os diferentes repertórios de cada produtor e receptor de textos; em outras palavras, quem produz um texto deve ter em mente o público-alvo a quem esse mesmo texto se destinará e, em função disso, que estratégias linguísticodiscursivas deverá adotar para modular os seus saberes aos dos seus leitores. Assim, os aspectos gramaticais, tão temidos pelos alunos, ganham um novo sentido (eu arriscaria dizer que passam a fazer sentido) e o trabalho na disciplina de Português torna-se mais prazeroso. Esse trabalho, iniciado em 2012, ainda está em expansão: agora, além do registro fotográfico (neste momento, selfies) para exploração das metarregras, proponho aos alunos criarem textos a partir das imagens, com o estabelecimento de um veículo (jornal, revista) e, por extensão, de um grupo definido de leitores, a fim de que o polo de recepção (ainda que muitas vezes fictício), descentre-se da figura do professor.
CONCLUSÃO Neste artigo, procurei mostrar como é possível desenvolver um trabalho que alie os dispositivos móveis e as redes sociais a um conteúdo específico da disciplina de Língua Portuguesa, de forma aplicada, relacionando elementos verbais e não verbais, intra e extratextuais. Os resultados, desde o início da proposta da atividade aos alunos, revelaram o quanto o ensino de língua materna ainda tem de avançar, não só no que tange às práticas pedagógicas, mas aos preconceitos que o cercam, muitas vezes propagados tanto por alguns docentes e instituições quanto por alunos, eles próprios engessados em suas (talvez da tradição escolar) concepções acerca daquilo que devem e como devem aprender (a recusa inicial de alguns ao trabalho proposto foi prova disso). Não é minha intenção, com esse comentário, diminuir o trabalho que é feito nas escolas e universidades e, por extensão, dos professores, pois também sou um deles, vivendo diariamente todos os dramas que nossa categoria experimenta dia a dia e já bem conhecidos de todos. No entanto, isso não nos exime de nossa responsabilidade em repensar permanentemente nosso fazer pedagógico, especialmente nos dias atuais, em que as tecnologias móveis, mais especificamente os celulares, converteram-se numa quase prótese de seus usuários, que os utilizam praticamente em todos os momentos do dia. Isso acontece com nossos alunos; isso acontece conosco. Então, por que não converter esses dispositivos em nossos aliados?
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Não custa reforçar, por outro lado, que a tecnologia pela tecnologia não garante inovação em nossas práticas nem o envolvimento dos alunos, hoje aparentemente tão desinteressados pelos estudos. É preciso, antes de mais nada, que os docentes usem a ferramenta e testem suas potencialidades; que façam um planejamento para sua aplicação com os alunos; e, acima de tudo, que realmente queiram, desejem repensar seu modo de trabalhar. É como se diz hoje em dia: “Sair da zona de conforto”. Evidentemente que a aplicação dos celulares que fiz com meus alunos dependeu de que tivessem os aparelhos e acesso à internet – muitas vezes a falta de conexão (se o aluno não dispunha de 3G, dependia da rede da instituição) inviabilizou a postagem imediata no Facebook; então tivemos de negociar prazos. Da mesma forma, alguns alunos não dispunham de celular no momento de realizar a tarefa; nesse caso, bastava que um aluno do grupo tivesse; o importante é que todos participassem do registro das imagens, colaborando de alguma forma. Assim, ter flexibilidade e tentar antever esses problemas, via planejamento, são posturas recomendadas em atividades desse tipo. Além disso, há que se ter consciência de que de nada adianta usar a tecnologia para fazer mais do mesmo; isto é, propor práticas tradicionais, com uma aparência de novidade, pois os alunos percebem e, daí, botamos tudo a perder. O ideal seria, como diz Castells (2007), saber o que se passa na mente de nossas crianças hoje – eu diria: o que se passa na mente do aluno de hoje– e que o fosso a separar o que acontece fora da escola e dentro dela (aqui pensada igualmente como o sistema educacional) fosse cada vez mais estreitado. É exatamente nisso que vejo nosso maior desafio: muito além de descobrir todas a funcionalidades dos dispositivos móveis, conseguir explorar suas potencialidades de maneira realmente inovadora e significativa para os alunos. Muito embora não creia que o que fiz tenha atingido plenamente essa meta, pois há muito mais já pesquisado e testado nessa área, pelo mapeamento das reações positivas de meus alunos no desenrolar da proposta – eles demonstraram ter se divertido muito (e eu também) – pode ser que, daqui a algum tempo, se práticas como essas passarem a se disseminar também nas escolas, os alunos ingressantes em nossas universidades deixem de evitar, por medo, a cadeira de Português.
REFERÊNCIAS Castells, Manuel (2007). “Es fundamental saber qué es lo que está pasando en la mente de nuestros niños hoy”. Educar El portal educativo del Estado argentino. Recuperado de: http://portal.educ.ar/noticias/entrevistas/manuel-castells-es-fundamental-2.php/
Cerdà, France Llorens & Planas, Neus Capdeferro (2011). Posibilidades de la plataforma Facebook para el aprendizaje colaborativo em línea. Revista de Universidad y Sociedad del Conocimiento.8(2), 31-45. Recuperado de: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=78018793004 Charolles, Michel (1978). Intoduction aux problèmes de la cohèrence des textes. Langue Française. Paris, Larousse, 38: 7-41. In Val, Maria da Graça Costa (1991). Redação e textualidade. Martins Fontes, São Paulo. Kolb, Liz (2008). E-book Toys to Tools Connecting Student Cell Phones to Education. [Kindle-Ipad] Washington, DC: ISTE.
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Maingueneau, Dominique (2001). Análise de textos de comunicação. Trad. de Cecília P. de Souza-e-Silva. São Paulo: Cortez. Miranda, Guilhermina Lobato (2007). Limites e Possibilidades da TIC na educação. Sísifo/ Revista de Ciências da Educação. 3 (41-50). Recuperado de: http://portaldoprofessor.mec. gov.br
Moura, Adelina (2009). Geração Móvel: um ambiente de aprendizagem suportado por tecnologias móveis para a “Geração Polegar”. VI Conferência Internacional de TIC na Educação - Ambientes Emergentes. p. 49-77. Recuperado de: https://repositorium.sdum.uminho.pt Neves, Maria Helena de Moura Neves (2000). Gramática dos usos do português. São Paulo: UNESP. Saccol, Amarolinda et al. (2011). M-learning e U-learning. Novas perspectivas da aprendizagem móvel e ubíqua. São Paulo: Pearson Prentice Hall. Val, Maria da Graça Costa (1991). Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda.
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet Dialogical relations in the educommunication process: analysis in a social network on the Internet D a n i l o F o n s e c a S i lva 1 Resumo: A reunião e a interação de docentes e discentes em uma rede social na internet, como parte de um processo educomunicativo, proporcionam relações dialógicas que contribuem para a livre construção do conhecimento e para a ressignificação desses sujeitos? A partir desta problemática, este trabalho buscou investigar e analisar o processo dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo acadêmico em uma rede social na internet, especificamente discentes e docentes participantes de um grupo virtual no site Facebook, criado com a finalidade de complementar atividades educativas. Além disso, especificamente, esta produção acadêmica objetivou investigar e analisar conceitos sobre processo dialógico e educomunicação em um projeto educativo; verificar e analisar as possíveis contribuições do Facebook, como rede social na internet, no processo formativo; observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de construção crítica e coletiva de conhecimento; e contribuir com o campo de conhecimentos numa área em que os estudos ainda mostram-se bastante incipientes. As análises demonstraram ampla efervescência dialógica, tanto nos ambientes virtuais quanto nos físicos, que viabilizou a construção conjunta do conhecimento, ultrapassando as fronteiras de tempo e espaço acadêmicos e provocando novos olhares desses sujeitos para eles mesmos e para a realidade social experimentada.
Palavras-Chave: Diálogo. Educomunicação. Redes Sociais na Internet. Interação. Facebook.
Abstract: Do teachers and students’ meetings and interaction, in a social network on the Internet, as part of an educommunicative process, provide dialogical relations that contribute to the free construction of knowledge and reframing of these subjects? Taking into account this issue, this academic research sought to investigate and analyze the dialogical process between subjects, specially students and teachers who experience the academic world on a social networking site, taking part in a Facebook group created to provide supplementary educational activities. Besides that, this academic research specifically aimed at investigating and analyzing the dialogic process and educommunication concepts in an educational project context. It also aimed (i) to verify and analyze the possible Facebook contributions as a social networking site in the formation process, (ii) to observe the involved subjects manifestations and the possibilities for critical and collective knowledge 1. Mestrando em Tecnologias, Comunicação e Educação na Universidade Federal de Uberlândia. Professor no curso de Comunicação Social da Faculdade Promove de Belo Horizonte. E-mail: danilo@ad10.com.br
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construction; and (iii) contribute to fields of knowledge in an area where studies still show up to be quite incipient. Analyses showed broad dialogical effervescence, both in virtual and in physical environments, which enabled the joint construction of knowledge, beyond the borders of time, space and academic spaces provoking these subjects’ new perspectives of themselves and of the experienced social reality.
Keywords: Dialogue. Educommunication. Social networking sites. Interaction. Facebook.
1. INTRODUÇÃO STE TRABALHO, uma síntese das pesquisas empreendidas no Mestrado em Tecnolo-
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gias, Comunicação e Educação na Universidade Federal de Uberlândia, investigou e analisou relações dialógicas ocorridas no decorrer de um processo educomunicativo, especialmente no site e serviço de rede social Facebook, por sujeitos participantes de um projeto acadêmico. Tal projeto compõe a matriz curricular de duas disciplinas do primeiro período do curso de graduação em Comunicação Social - Jornalismo da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e propõe a construção coletiva de trabalhos acadêmicos interdisciplinares, com intervenção social, estimulando, no decorrer de suas atividades, interações mediadas, entre docentes e discentes, em rede social no site supracitado. Tais sujeitos, discentes e docentes das disciplinas, foram observados, de forma sistemática, nos ambientes real e virtual, a fim de que o processo dialógico e os significados dados por eles às experiências vividas, conforme suas realidades sociais específicas, fossem melhor compreendidos. As interações estabelecidas, por meio das atividades acadêmicas propostas, contribuíram para o melhor entendimento da importância das relações dialógicas em um processo educomunicativo, que se manifestaram no ambiente virtual através de grupos criados no site e serviço de rede social Facebook. Esta pesquisa propõe um olhar, analítico, para as possíveis relações dialógicas estabelecidas através de redes sociais na internet. Tal perspectiva pretende proporcionar um melhor entendimento dessa realidade social e sua imbricação com os processos escolares, para que, posteriormente, as potencialidades das novas mídias digitais na internet sejam melhor compreendidas e utilizadas como aliadas no processo de educação.
1.1. Problemática de investigação e objetivos Alguns questionamentos nortearam e estimularam investigações que culminaram na problemática central deste trabalho: como as redes sociais na internet podem contribuir para o processo de aprendizado no ambiente educacional? Como os docentes podem interferir, de maneira construtiva e não-punitiva, no uso e nas manifestações dos sujeitos através das redes sociais na internet? Os diálogos estabelecidos na internet são caracterizados por manifestações livres e conscientes? Diante de tais indagações configurou-se a problemática de pesquisa: A reunião e a interação de docentes e discentes em uma rede social na internet, como parte de um processo educomunicativo, proporcionam relações dialógicas que contribuem para a livre construção do conhecimento e para a ressignificação desses sujeitos?
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A partir desse questionamento, definiu-se o objetivo principal da pesquisa, que foi investigar e analisar o processo dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo acadêmico em uma rede social na internet, especificamente discentes e docentes participantes de um grupo2 virtual no site Facebook, criado com a finalidade de complementar atividades educativas. Em relação aos objetivos específicos, essa investigação pretendeu investigar e analisar conceitos sobre processo dialógico e educomunicação em um projeto educativo; verificar e analisar as possíveis contribuições do Facebook, como rede social na internet, no processo formativo; observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de construção crítica e coletiva de conhecimento; contribuir com o campo de conhecimentos numa área em que os estudos ainda mostram-se bastante incipientes.
2. EDUCOMUNICAÇÃO: EDUCAÇÃO EM UM ECOSSISTEMA COMUNICATIVO CONTEMPORÂNEO O termo educomunicação, um neologismo pautado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação), na década de 80, representava o esforço do campo da educação no que concerne aos efeitos dos meios de comunicação na formação de crianças e jovens. A partir da década de 90, devido a pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Comunicação e Educação da USP, o termo educomunicação foi ressemantizado e, hoje, abrange as ações que possibilitam a articulação de sujeitos sociais no espaço da interface comunicação/educação, incorporando o conceito de gestão da comunicação nos espaços educativos. A educomunicação possui, em sua essência, pressupostos que visam superar possíveis limites conceituais entre as áreas da educação e da comunicação, configurandose como a interface entre estes campos. A educação, enquanto ação comunicativa, é um fenômeno que permeia todas as maneiras de formação de um ser humano e, sob a mesma ótica, toda ação de comunicação tem, potencialmente, uma ação educativa. Nesse sentido, a construção de uma comunicação dialógica e participativa no ambiente escolar, pautada em uma eficaz gestão compartilhada por órgãos governamentais, administração escolar, docentes, alunos e a comunidade abre oportunas perspectivas de melhoria motivacional e de fortalecimento dos laços entre alunos e professores ao longo do processo de aprendizagem. Como consequência, defendemos a tese segundo a qual uma comunicação essencialmente dialógica e participativa, no espaço do ecossistema comunicativo escolar, mediada pela gestão compartilhada (professor/aluno/comunidade escolar) dos recursos e processos da informação, contribui essencialmente para a prática educativa, cuja especificidade é o aumento imediato do grau de motivação por parte dos estudantes, e para o adequado relacionamento no convívio professor/aluno, maximizando as possibilidades de aprendizagem, de tomada de consciência e de mobilização para a ação (SOARES, 2011, p. 17).
2. O site Facebook define que os grupos aberto, fechado e secreto “facilitam a conexão com grupos específicos de pessoas, como familiares, colegas de equipe ou de trabalho. Grupos são espaços privados onde você pode compartilhar atualizações, fotos ou documentos, além de enviar mensagens a outros membros do grupo. Você também pode selecionar uma das três opções de privacidade para cada grupo criado”. Disponível em <https://www.facebook.com/help/groups>. (FACEBOOK, 2015)
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Quando se aborda a motivação da expressão dos sujeitos envolvidos, há de se destacar a necessidade de engajar a juventude no seu próprio processo educativo e ampliar as condições para que tal fato se consolide. A criação de um ecossistema favorável por sujeitos significativos para as novas gerações, como pais, professores e gestores de projetos na área de mídia e educação, estimula os jovens a assumirem responsabilidades enquanto elementos essenciais na construção de uma comunicação mais intensa e sustentada por informações direcionadas à edificação de uma sociedade mais humanizada. Ao tratar-se de um ecossistema comunicativo com a participação efetiva da escola e dos sujeitos significativos, torna-se relevante pontuar a importância dos recursos tecnológicos da informação como ferramental midiático no contexto da educação e, também, como suporte para a realização dessa investigação cientifica. Apesar de as novas ferramentas disponibilizarem muita informação, por diversos canais, o que importa, na concepção teórica aqui abordada, é a apropriação dessas mensagens e o processo de dar sentido, de interpretar tais informações, configurando, potencialmente, um cenário propício ao processo dialógico, construído. As tecnologias avançadas trouxeram no seu bojo a expressão de um novo tempo – a era da Informação, modificação de hábitos e comportamentos principais e organizacionais. Isso exige de planejadores organizadores de quaisquer organizações, inclusive e principalmente das instituições de ensino superior, uma postura mais reflexiva sobre uma adequação frente à nova realidade e à educação voltada ao mundo globalizado (SCHAUN, 2002, p. 87).
Nesse processo de apropriação e construção coletiva em novos ambientes comunicacionais é que reside a importância da mediação pedagógica, no que concerne à orientação, pelos docentes e pela gestão escolar, visando ao aperfeiçoamento educacional dos discentes e vislumbrando a efetivação de iniciativas e projetos educomunicativos. É essencial ressaltar que o conceito de educomunicação ultrapassa a mera aplicação das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) no ensino ou a visão míope de uma simples mescla de educação com a comunicação: O desenvolvimento tecnológico, mais especificamente o avanço dos meios de comunicação, desenvolveu um campo novo de convergência de saberes, em que o percurso da educação para a comunicação, ou da comunicação para a educação, passou a ser um campo que perpassa as diversidades aparentes (SCHAUN, 2002, p. 79).
Educomunicação é um campo de intervenção social, e, como tal, é composta por muitas variáveis e demanda investigações e discussões acerca de seus processos constituintes e dos sujeitos deles participantes. Como esclarece Soares (2011, p. 18), “Com relação às tecnologias, o que importa não é a ferramenta disponibilizada, mas o tipo de mediação que elas podem oferecer para ampliar os diálogos sociais e educativos”. Tal reflexão é reforçada por Schaun (2002), quando afirma que: A supremacia do campo dos media não deve, porém, ser compreendida de maneira absoluta e total. O saber por ele enunciado carece da credibilidade reconhecida no discurso educacional, na qualidade de autoridade competente e detentora de um saber mais sistematizado e legitimado do ponto de vista institucional (SCHAUN, 2002, p. 77).
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O cenário constituído no projeto acadêmico desenvolvido no primeiro período do curso de Comunicação Social da UFU, permeado por possibilidades dialógicas através dos dispositivos midiáticos em rede, apresentou-se como campo fértil para a estruturação metodológica e para a realização desta pesquisa.
3. PERCURSO METODOLÓGICO Para alcançar os objetivos aqui propostos, foi adotada uma abordagem qualitativa, com observações em um grupo secreto no site e serviço de rede social Facebook e entrevistas focais presenciais realizadas mediante diretrizes da netnografia, ou etnografia virtual3, metodologia selecionada por considerar os processos de sociabilidade, os fenômenos comunicacionais e a interação dos sujeitos em comunidades virtuais, no universo do ciberespaço4. Segundo Kozinets (2014), a netnografia é pesquisa observacional participante baseada em trabalho de campo online. Ela usa comunicações mediadas por computador como fontes de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de um fenômeno cultural ou comunal (KOZINETS, 2014, p. 61-62).
Cabe ressaltar que as entrevistas focais presenciais foram o procedimento adotado após a observação no ambiente virtual porque fez-se necessário investigar os significados que as experiências educomunicativas, cujos diálogos ocorreram em uma rede social na internet, tiveram para os sujeitos envolvidos. Como esses sujeitos se enxergavam antes, como se viram durante e como se significam após o processo investigado? Como tais vivências, virtuais, presenciais e aplicadas na sociedade, contribuíram para o processo de aprendizagem desses indivíduos? Tal abordagem possibilitou ampliar a compreensão de aspectos observados virtualmente e enriquecer o percurso analítico dos dados coletados no ambiente virtual. Conforme Amaral et al. (2008), uma etnografia virtual pode observar com detalhe as formas de experimentação do uso de uma tecnologia, se fortalecendo como método justamente por sua falta de receita, sendo um artefato e não um método protocolar, é uma metodologia inseparável do contexto onde se desenvolve, sendo considerada adaptativa (AMARAL et al., 2008, p. 37)
A complexidade das questões observadas e o dinamismo característico do universo da internet são abordados por Fragoso et al. (2013), ao afirmarem: Questões complexas e universos heterogêneos e dinâmicos, como a internet, frequentemente requerem observações em diferentes escalas de análise, bem como desenhos metodológicos que combinam diferentes estratégias de amostragem. A composição multiescalar e multimetodológica favorece percepções holísticas e viabiliza o cruzamento de informações, potencializando a validade dos resultados da pesquisa (FRAGOSO et al., 2013, p. 69).
3. A etnografia é uma metodologia de pesquisa oriunda da antropologia e se relaciona com o conceito de cultura. Etnografia virtual é a metodologia que surge da necessidade de se estudar os fenômenos em redes digitais e sua inter-relação com o mundo real. 4. Conceito referente à infraestrutura material, informações e relações estabelecidas no meio de comunicação advindo da interconexão das redes de computação.
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Definido o percurso metodológico, foi acompanhado um projeto acadêmico proposto por duas disciplinas do primeiro período do curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), no primeiro semestre de 2014, que já possuem trabalho interdisciplinar na área de estudos desta pesquisa, mediante o prévio conhecimento e consentimento dos professores e alunos envolvidos, conforme entendimentos realizados. A proposta do projeto abarcou uma intervenção social: cada grupo de alunos elegeu uma comunidade local, na cidade de Uberlândia, conforme a temática definida, e, segundo os procedimentos estabelecidos, os discentes realizaram conexões, diálogos e produções midiáticas em conjunto com os sujeitos daquele grupo social selecionado. Tal intervenção foi realizada em, aproximadamente, um mês, período em que houve uma imersão social para a interação e o levantamento de dados utilizados para fundamentar a construção do projeto educomunicativo junto à comunidade. Educomunicação é essencialmente práxis social, originando um paradigma orientador da gestão de ações em sociedade. Não pode ser reduzida a um capítulo da didática, confundida com a mera aplicação das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) no ensino. Nem mesmo ser identificada com algumas das áreas de atuação do próprio campo, como a “educação para e com a comunicação” (media e educação). Tem lógica própria, daí sua condição de campo de intervenção social. No caso, a universidade – com suas pesquisas e sua docência – tem muito a identificar e a desvendar (SOARES, 2011, p. 13-14).
Esse trabalho de graduação estimulou, como um de seus procedimentos, a postagem de conteúdos e interações referentes aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos em grupos secretos criados no site Facebook, visando a reunir informações relevantes e de interesse geral dos envolvidos. Tal atividade facilitou o compartilhamento de dados e a troca de ideias no ambiente virtual, proporcionando o acesso a informações além do tempo acadêmico formal, a convergência e o armazenamento de dados. Paralelamente, os professores envolvidos orientaram os alunos, registrando suas observações e críticas.
4. RELAÇÕES DIALÓGICAS E AS IMBRICAÇÕES ENTRE OS MUNDOS VIRTUAL E FÍSICO Os trabalhos de análise foram pautados, essencialmente, nas observações realizadas no mundo virtual e amparados pelas entrevistas com os sujeitos discentes e docentes, no decorrer do segundo semestre de 2014. Foram estruturadas três categorias principais para nortear a compreensão do fenômeno dialógico estabelecido na rede social na internet, conforme princípios essenciais estruturantes dos fundamentos teóricos levantados ao longo da pesquisa e que caracterizam a manifestação, conforme pretende essa investigação, de relações dialógicas em uma rede social na internet, como parte de um processo de educomunicação: - Interação e relação social, código analítico utilizado para verificar o nível de envolvimento e diálogo estabelecido entre os sujeitos participantes da rede social na internet, bem como as convergências midiáticas facilitadoras desse processo.
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- Construção coletiva do conhecimento, categoria que reuniu evidências e relatos que demonstraram situações em que houve aprendizado, tanto pelos alunos quanto pelas professoras. - Intervenção e transformação social, eixo que agrega declarações e manifestações acerca das relações estabelecidas entre os sujeitos participantes do projeto educomunicativo e representantes do grupo social participante, bem como as mudanças pessoais, referentes à comunidade acadêmica observada, que essas conexões proporcionaram. Segundo Kozinets (2014), a Codificação é o primeiro de uma sequência de passos para análise, organizados sequencialmente, que se caracteriza por afixar códigos ou categorias para dados retirados de notas de campo, entrevista, documentos, ou, no caso de dados netnográficos, outros materiais culturais, tais como grupos de discussão ou postagens em blogs, rabiscos em murais no Facebook ou tweets no Twitter, fotografias, vídeos e assim por diante, retirados de fontes online; durante a codificação, códigos, classificações, nomes ou rótulos são atribuídos a determinadas unidades de dados; esses códigos rotulam os dados como pertencentes ou como exemplo de algum fenômeno mais geral (KOZINETS, 2014, p. 114).
As análises se concentraram em postagens em que foi possível identificar a incidência de duas ou mais categorias de análise, para que os dados fossem relacionados e, com isso, pudesse emergir uma compreensão mais abrangente do fenômeno dialógico no processo educomunicativo. Essa interpretação se inicia decompondo o texto em seus elementos constituintes, classificando-os, encontrando padrões entre eles que os relacionem, analisando todos os seus elementos, indagando sobre a motivação por trás deles, testando e comparando com dados adicionais, e, depois, lendo-os para a cultura que eles representam (KOZINETS, 2014, p. 119).
4.1. Resultados das análises As relações dialógicas observadas no grupo secreto no site Facebook, bem como as experiências presenciais complementares vivenciadas durante o processo educomunicativo observado, permitem considerações temporárias e se constituem como um pequeno percurso trilhado de novas perspectivas investigativas. Denominar o âmago desta pesquisa como concluído é limitar as potencialidades que um processo vivo, inacabado e imbricado ao tecido social pode oferecer. Responder à problemática principal, a reunião e a interação de docentes e discentes em uma rede social na internet, como parte de um processo educomunicativo, proporcionam relações dialógicas que contribuem para a livre construção do conhecimento e para a ressignificação desses sujeitos?, demandou a compreensão de que a reunião virtual de alunos e professores compõe todo um complexo contexto educomunicativo. Como parte de uma grande manifestação cultural, os eventos virtuais compuseram e fortaleceram uma dinâmica social que clamou, nas investigações, a transposição dos limites de uma míope observação direcionada, limitada às redes sociais na internet. Daí a necessidade dos procedimentos metodológicos presenciais. O que se pode afirmar, mediante as observações e análises empreendidas, é que, na situação vivenciada e com os sujeitos observados, realizaram-se
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diálogos livres, construiu-se, coletivamente, o conhecimento e os indivíduos relataram transformações pessoais significativas. Na perspectiva dos objetivos traçados, cujo principal foi investigar e analisar o processo dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo acadêmico em uma rede social na internet, especificamente discentes e docentes participantes de um grupo virtual no site Facebook, criado com a finalidade de complementar atividades escolares, ressalta-se que tal empreitada realizou-se a partir da inserção do pesquisador no grupo virtual e ultrapassou os limites planejados. No decorrer do processo, emergiu, como parte do procedimento netnográfico adotado, a necessidade de uma convivência presencial com o grupo de professoras e alunos envolvidos, a fim de que dados complementares e interações face a face enriquecessem o percurso metodológico e as análises empreendidas. Como afirmam Amaral et al. (2008, p. 36) a netnografia, apesar de suas vantagens, “perde em termos de gestual e de contato presencial off-line que podem revelar nuances obnubiladas pelo texto escrito, emoticons, etc”. Neste contexto, percebeu-se, naturalmente, ao longo do processo, a necessidade do estar junto como procedimento adicional no estudo dos diálogos e dos sujeitos docentes e discentes envolvidos no percurso educomunicativo vivenciado. Ao ocorrer o aprofundamento do pesquisador como sujeito participante do processo e verificar-se, com mais embasamento, os objetivos específicos pretendidos, abaixo reproduzidos, foi possível: - Investigar e analisar conceitos sobre processo dialógico e educomunicação em um projeto educativo. Para tanto, foram pesquisadas produções acadêmicas recentes e diretamente relacionadas às temáticas de educomunicação e da interação em redes sociais na internet, que se mostraram transdisciplinares e com grande conteúdo complementar. No âmbito transdisciplinar da prática educativa, segundo afirma Soares (2011), autor de grande relevância nesta pesquisa, a educomunicação já pressupõe tal interlocução ao propor que os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao fazer uso coletivo e solidário dos recursos da comunicação tanto para aprofundar seus conhecimentos quanto para desenhar estratégias de transformação das condições de vida à sua volta, mediante projetos educomunicativos legitimados por criatividade e coerência epistemológica (SOARES, 2011, p. 19).
- Verificar e analisar as possíveis contribuições do Facebook, como rede social na internet, no processo formativo. O Facebook constituiu-se como principal canal de interação dialógica e construção das etapas envolvidas no processo educomunicativo, revelando-se como um espaço com múltiplas possibilidades convergentes, que facilitou a realização das tarefas ao possibilitar a reunião de dados textuais e audiovisuais, filtrados e utilizados por intermédio de livres conversações. Ressalta-se que o vínculo social anterior dos sujeitos participantes acrescido à liberdade dialógica proporcionada pelo suporte midiático alavancaram o desenvolvimento do processo em um tempo que extravasou os limites temporais da sala de aula, viabilizando a conclusão do projeto, de considerável complexidade para ser debatido, planejado, executado e apresentado em apenas um mês, entre julho e agosto de 2014. Tal fato demonstrou o quão útil pode se tonar um grupo interativo no Facebook, ao suplantar os limites temporais e espaciais institucionais acadêmicos.
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- Observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de construção crítica e coletiva de conhecimento. Esse objetivo, especificamente, demandou, além das observações e análises empreendidas no ambiente virtual, a participação presencial do pesquisador, em decorrência de outro grande questionamento resultante de um fato especial: havia um grupo virtual geral no Facebook, de todos os alunos e professoras, mas cada conjunto de alunos criou e interagiu em outros grupos virtuais próprios, sem incluir as docentes. Como, então, o grupo apenas de alunos no Facebook pôde caracterizarse como ambiente para a construção coletiva do conhecimento se as professoras não participaram, virtualmente? Como verificado, através de entrevistas presenciais, os alunos consideraram o espaço no grupo no Facebook como um espaço deles, reservado, livre às suas manifestações. Longe de não possuírem um bom relacionamento com as professoras e os demais alunos, o que os membros do grupo selecionado e pesquisado desejavam era o princípio de uma relação dialógica saudável e produtiva: a liberdade, assim como dizia o grande mestre e inspirador desta investigação, Freire (2011, p. 58): “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Ao permitir a autonomia de as discussões serem realizadas em um grupo específico, e não no grupo geral, criado para todos os membros da turma, as professoras proporcionaram um diálogo livre entre os alunos e foram procuradas, naturalmente, quando fez-se necessário. Nesse contexto, resolvia-se um outro dilema: a ausência das professoras significou que não houve uma construção conjunta do conhecimento? Tal questionamento apresentou resposta negativa quando foi possível verificar, presencialmente, que as professoras eram consultadas em sala de aula sempre que os membros do debate virtual, realizado apenas entre os alunos, revelassem pertinente. A opção do grupo foi conversar livremente, esgotar as alternativas processuais para depois dialogar com as professoras. As relações dialógicas entre professoras e alunos ocorriam, então, no ambiente da instituição de ensino e, eventualmente, por e-mail. Tal ocorrência demonstrou, conforme analisado, que os ambientes físico e virtual se imbricam, complementando-se segundo as necessidades e especificidades de cada um. - Contribuir com o campo de conhecimentos numa área em que os estudos ainda mostram-se bastante incipientes. Nas pesquisas em bancos de teses e dissertações empreendidas em diversas fases desta pesquisa, assim como durante o levantamento bibliográfico realizado, foram encontrados subsídios fundamentais para esta construção científica. No entanto, não foi possível constatar nenhum trabalho acadêmico cujo objetivo fosse a investigação das relações dialógicas, em um processo educomunicativo, como aqui realizada. Os trabalhos verificados tinham cunho investigativo mais estrutural, concernente à constituição das redes virtuais, bem como suas possibilidades e limitações. Espera-se, assim como observado em diversas obras bibliográficas e artigos acadêmicos, que os estudos sobre as interações na internet ganhem, aqui, mais um reforço científico. Este empreendimento acadêmico pode tornar-se útil e revelador ao contemplar questões que perpassam as áreas de educomunicação e tecnologia, espinha dorsal interdisciplinar que orienta as linhas investigativas do mestrado em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia.
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5. UMA PAUSA PARA FUTURAS INVESTIGAÇÕES Considera-se que este trabalho teve uma pausa ao se verificar que sua conclusão é temporária. Como processo, a educomunicação intervém, como prática social, e ressignifica os sujeitos. Deste percurso acadêmico, outra constatação alude, então, aos sujeitos. Eles se transformaram. Conceitos, preconceitos e preceitos foram revisitados e professores e alunos manifestaram, com ênfase emocional, sua satisfação em percorrer os caminhos da educomunicação. As relações dialógicas, presenciais ou virtuais, subsidiaram a edificação de conhecimentos e, consequentemente, dos sujeitos que, ao conhecerem e se conhecerem melhor, questionaram paradigmas e se repensaram. Percebeu-se, em meio ao processo educomunicativo verificado, que a dialogicidade permeou as relações estabelecidas em todos os estágios do trabalho: em sala de aula, nos grupos no Facebook, nas reuniões entre alunos e professores e nas entrevistas realizadas. Muito além de uma mera interação reativa, os diálogos são o coração de uma viva construção coletiva do conhecimento. Tal analogia justifica-se por se ter verificado um elevado nível de alegria, intimidade e empatia entre os sujeitos, bem como um grande respeito entre os professores e os alunos. Esses elementos, reunidos em um contexto em que predomina a liberdade, reforçam a capacidade construtiva do amor em um processo educativo dialógico, reavivando o pensamento de Freire (1987, p. 45): “Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens”.
REFERÊNCIAS AMARAL, A.; NATAL, G.; VIANA, L. (2008). Netnografia como aporte metodológico na pesquisa em comunicação digital. Porto Alegre: Revista FAMECOS, n. 20. Recuperado em 21 de janeiro, 2015, de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/ article/viewFile/4829/3687.Acessa FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. (2013). Métodos de Pesquisa para Internet. Porto Alegre: Sulina. FREIRE, P. (2011). Extensão ou comunicação? 15. ed. São Paulo: Paz e Terra. FREIRE, P. (2011). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra. FREIRE, P. (1987). Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra. KOZINETS, R. V. (2014). Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso. Original inglês. SCHAUN, A. (2002). Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad. SOARES, I. (2011). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a reforma do ensino médio. 2. ed. São Paulo: Paulinas.
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/ difusão de conteúdos educacionais midiatizados TVs and radios in federal colleges and universities of North Brazil: thinking about a shortage context and production/ broadcasting of educational content for media Guac i a r a Fr ei ta s 1
1. NOTA INTRODUTÓRIA S DADOS apresentados neste artigo decorrem de investigação realizada para o
O
Ministério da Educação (MEC), no segundo semestre de 2014. De abrangência nacional, a pesquisa Avaliação de estruturas de rádio e televisão nas Instituições Federais de Ensino Superior para produção e difusão de conteúdos educacionais seguiu a metodologia de estudo de caso. A proposta inicial foi a de realizar visitas técnicas, entrevistas e coleta de documentação. Um grupo, formado por pesquisadores que assumiram a função de coordenadores regionais, elaborou o instrumento de avaliação abrangendo informações qualitativas e quantitativas, para serem coletadas in loco ou à distância. O questionário de pesquisa foi constituído por campos específicos para a reunião de características detalhadas (estrutura física, equipamentos, recursos humanos, gestão etc) sobre cada tipo de emissora: rádio FM, rádio AM, rádio Web, TV aberta, TV à cabo, TV Web. Dependendo da natureza dos veículos, o número de perguntas nas seis sessões de formulários específicos variou entre 41 a 64. Os conteúdos reunidos foram inseridos em um sistema da base SurveyMonkey, no qual foram inseridas informações sobre os contextos socioeconômicos dos estados, a situação de distribuição de emissoras, além de algum elemento distintivo sobre a instituição que merecesse ser escandido. Na região Norte, a coordenação realizada pela professora Maria Ataíde Malcher contou com nossa atuação em campo, para o levantamento nas instituições situadas nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Nos estados do Amapá e Tocantins o trabalho de campo esteve a cargo de outros colegas. Por essa razão, esclarecemos que detemo-nos nos casos em que atuamos de forma mais efetiva. O presente texto possui antes um caráter descritivo e analítico, que teórico-conceitual, por que comporta a intenção de expor partes constituintes de uma realidade, levando em consideração os relatos feitos por gestores das emissoras ou por aqueles que assumiram a tarefa de mobilizar ações práticas e/ou articulações políticas no âmbito interno (com os gestores e as comunidades de suas instituições) e externo (em instâncias como o MEC ou a Empresa Brasileira de Comunicação). Dito isto, não afirmamos uma rendição à empiria, mas a valorização de um diálogo com ela e com o sujeito, “trabalhador social” que opta pela mudança e assim sendo, “não teme a liberdade, não prescreve, não manipula, não foge 1. Doutora em Ciências da Comunicação. Bolsista Pós-Doc Capes/PNPD (Universidade Federal do Pará). E-mail: guacifreitas@yahoo.com.br.
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados Guaciara Freitas
da comunicação, pelo contrário, a procura e vive” (FREIRE, 2011, p. 67). Assim buscamos empreender uma análise crítica que nos permita algum nível de compreensão do contexto total e de suas significações. Explicitamos ainda que apesar de os dados terem sido obtidos a partir de uma pesquisa demandada, não nos foi restringido ou vetado utilizá-los em trabalhos acadêmicos, pois se espera que a sistematização, a reflexão e o compartilhamento ajudem a fomentar discussões, que inspirem contribuições com vistas ao melhor desenvolvimento e aproveitamento da estrutura avaliada. Destacamos o fato de que a pesquisa também se voltou para as instituições que não possuíam nenhum tipo de emissora. Nesses casos, o intuito foi detectar por que motivos não havia emissoras em tais instituições, averiguar se havia interesse por tê-las, perceber quais as principais dificuldades encontradas pelas instituições que almejaram, mas não conseguiram colocar em funcionamento algum tipo de veículo e identificar as possíveis razões para uma falta de interesse por parte de alguma instituição. É nesse contexto que entram em cena a instituições do norte do país, pois se fossem observadas exclusivamente as IFES com emissoras, somente cinco da região Norte seriam avaliadas. Dentre essas, somente a Universidade Federal de Roraima possui duas emissoras em funcionamento, uma rádio FM e um canal de TV aberta. Assim sendo, o total de emissoras universitárias em operação no universo de 17 instituições é de seis (ver tabela 1). Tabela 1. Emissoras em IFES da Região Norte Estado
AC
AM
AP
PA
RO
RR
TO
IFES
Emissora
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC)
Não
2. Universidade Federal do Acre (Ufac)
Rádio Web
3. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM)
Não
4. Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
TV a cabo*
5. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP)
Não
6. Universidade Federal do Amapá (Unifap)
Rádio FM
7. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
Não
8. Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra)
Não
9. Universidade Federal do Oeste do Pará (Unifopa)
Não
10. Universidade Federal do Pará (UFPA)
Rádio Web
11. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)
Não
12. Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir)
Não
13. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO)
Não
14. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR)
Não
15. Universidade Federal de Roraima (UFRR)
TV Educativa e Rádio FM
16. Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Rádio FM
17. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO)
Não
* no período de realização da pesquisa a emissora estava fora do ar há mais de seis meses e não conseguimos informações sobre os motivos ou sobre previsão de retorno da programação.
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Em uma rápida comparação com apenas um estado da região Sudeste, Minas Gerais, onde sete universidades somam 12 emissoras (ver tabela 2), é notável o desequilíbrio dessa distribuição. Evidência de que na tessitura de tais contextos, reflete-se um conjunto de desigualdades regionais existentes em outras dimensões, o que impõe um desafio a mais ao propósito de construir e manter uma rede nacional de produção e distribuição de conteúdos educativos através de veículos de rádio e TV em suas diversas configurações. Tabela 2. Emissoras em IFES do Estado de Minas Gerais IFES
EMISSORA
1. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
TV UHF Rádio FM
2. Universidade Federal de Viçosa (UFV)
TV aberta Rádio FM
3. Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
TV aberta Rádio FM
4. Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
TV aberta Rádio FM
5. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
TV aberta Rádio FM
6. Universidade Federal de Lavras (UFLA)
TV aberta
7. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Rádio FM
A seguir, o desenvolvimento do texto se dará em blocos, com base em características, problemas e processos que aproximam determinadas instituições. Em alguns momentos aprofundamos questões a partir de casos representativos.
2. OS INSTITUTOS FEDERAIS E A TROCA DO PNEU COM O CARRO EM MOVIMENTO Ao apagar das luzes do ano de 2008, no dia 29 de dezembro, o governo brasileiro criou um novo ente dentro da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Através da Lei nº 11. 892, como num passe de mágica surgiram 38 IFs, em geral a partir da fusão de instituições existentes até o dia anterior à promulgação da Lei, como Escolas Técnicas Federais, Centros Federais de Educação Tecnológica e Escolas Agrotécnicas. Algumas delas com tradição centenária.
Com mais de 400 unidades nos mais diversos recantos do país, a expansão dessa rede é uma das metas do governo federal para a educação, em sintonia com uma perspectiva de investimento na educação profissional e tecnológica. Os institutos federais trazem como uma de suas características fundadoras, a possibilidade inédita na estrutura da rede pública federal de ensino, de oferecer em uma mesma instituição, desde a educação básica até à pós-graduação. Na região Norte nenhum IF possui emissora de rádio ou TV. Na pesquisa de campo observamos que a principal dificuldade comum entre eles, advém de uma espécie de falta de autoidentificação. Até o ano de 2014, alguns dos institutos, como IFPA, IFRR, IFAC, IFRO ainda eram geridos por reitores pro tempore, ou seja, nomeados pela presidência da república. Percebemos que essa situação gera um ambiente institucional de
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inconstância e um sentimento carente de representatividade por parte das comunidades internas. É como se os gestores estivessem num permanente exercício de sanar urgências e emergências, ao mesmo tempo em que receberam a missão de organizar a casa para um por vir. Isso tudo em circunstâncias permeadas por conflitos originados pela própria forma de constituição dos IFs. Para vislumbrar o nível dessas disputas de origem, imaginemos como se dá a fusão de uma Escola Agrotécnica – que ao longo de uma história de 80 anos lidou com populações rurais e oferta de cursos técnicos na área Agrária – com uma Escola Técnica, voltada para populações urbanas e cursos de ciências exatas, carimbadas como uma mesma instituição. Se considerarmos o princípio da autonomia como necessário à prática educativa (FREIRE, 1996) e à mobilização social, somos levados a reconhecer que o delineamento desse estado de coisas, reduz a possibilidade do diálogo, da construção coletiva e da consciência, capazes de tornar o ser humano sujeito e não objeto de um processo de mudança, principalmente no campo da educação. Evidentemente, esse status quo incide na carência de diretrizes, regulamentações e políticas institucionais. Assim como não existem emissoras nos IFs que pesquisamos, também não há política de comunicação, por exemplo. Mas, em todos eles os responsáveis pelos setores de comunicação reconheceram sua necessidade e em alguns casos, apontaram-na como uma reivindicação da comunidade, como no IF Rondônia. No IFAC, em entrevista concedida para a pesquisa, o jornalista, assessor de comunicação, Evaldo Ribeiro (2014) afirmou que a construção de uma política de comunicação entrou nas prioridades da atual gestão pro tempore. O início das discussões para elaborar essa política, inspira-se no IF Santa Catarina, que sistematizou sua experiência de elaboração de política de comunicação em uma publicação que está servindo de referência no IF Acre. Entre 2011/2012, o IFAC esteve envolvido em processo de solicitação de TV, inclusive em resposta a uma oferta apresentada pelo próprio MEC, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), aos institutos federais. No entanto, a concessão não se efetivou, com a justificativa de falta de canal disponível na região. O Instituto Federal de Roraima obteve, em 2011, um aviso de habilitação para TV aberta, mas segundo a jornalista Virgínia Albuquerque (2014), a gestão do instituto à época avaliou que não havia como prever recursos financeiros para assumir a contrapartida exigida, até mesmo por que não havia dotação orçamentária para tal medida. Para além da questão orçamentária Albuquerque, destacou a falta de recursos humanos e de estrutura física para o funcionamento de uma emissora no IFRR. A falta de estrutura inviabilizaria até o planejamento de uma rádio ou TV web – o que exigiria menos espaço, equipamentos, e pessoal –, por que a qualidade das redes telemáticas no Estado é “muito ruim”, afirmação que foi ratificada nas entrevistas juntos aos profissionais da Universidade Federal de Roraima e também no Amazonas e interior do Pará. O caso do Instituto Federal de Rondônia merece referência, por ser o único IF da região que apresenta um relato concreto relativo a um processo de solicitação de emissora em andamento. Assim como os outros IFs da região Norte, o IFRO apresenta um conjunto de problemas relacionados à falta de investimentos na área de comunicação, devido ao entendimento, que parece ser corrente por parte da gestão da educação profissional e tecnológica, de que os setores de comunicação destinam-se exclusivamente à
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execução de tarefas, em especial, as tarefas promoção da imagem institucional. Apesar da carência de profissionais o IF Rondônia possui uma equipe que tem capitaneado as ações de criação de emissora de rádio. No início de 2013 o Instituto Federal de Rondônia recebeu um aviso de habilitação para rádio educativa. Na ocasião a programadora visual, Viviane Camelo (2014), que nos atendeu para responder às questões da pesquisa, assumia a função de assessora de comunicação e desde então iniciou a mobilização de uma comissão interna para trabalhar na estruturação do projeto da rádio. Em 2014, embora não ocupasse mais a função, ela continuava à frente das iniciativas relacionadas à implantação da rádio. Mas, segundo afirma, não conseguia obter informações junto ao Ministério das Comunicações sobre o processo, embora já tenha estado na sede do MC, em Brasília, em busca de esclarecimentos, com o objetivo de melhor preparar a instituição para atender as solicitações a serem recomendadas. Ela conta que uma funcionária do Ministério a informou que o acesso ao processo é proibido, por que ele deve correr em sigilo, a fim de evitar interferências em seu andamento, e a resposta/parecer poderia ser rápida ou demorar até cinco anos. Apesar de estar ciente de que para obter a autorização de funcionamento, há um longo caminho, que envolve vistorias, documentos, estruturas etc. ela reclama a falta orientações mais específicas, o que estaria deixando a comissão interna de estruturação “de mãos atadas”. Reclamação semelhante é feita pela professora Andrea Cataneo (2014), que está à frente de uma solicitação de emissora para a Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir), ao manifestar-se contra a falta de informações claras, de orientações, de previsão de prazos por parte do Ministério das Comunicações. Considerando-se que internamente a gestão deve fazer previsões orçamentárias, previsão de vagas para concurso futuros etc., a falta de informação se apresenta como um empecilho a mais à instalação de emissoras. Nesses casos, que expõem a mesma reivindicação de outros, as necessidades advindas da realidade concreta desses sujeitos, não são contempladas pelos parâmetros comunicados pelo MC na portaria nº 355, de 12 de julho de 2012, com suas listas de documentos necessários e modelos de solicitação. No IFRO a comissão de implantação da rádio já elaborou um projeto básico de aquisição de equipamentos e de programação. A intenção do grupo é de integrar à programação da futura emissora, os conteúdos produzidos pelas rádios-recreio, que funcionam internamente, com caixas de som distribuídas no espaço interno de dois campi, como ambientes pedagógicos propostos pelos professores. O instituto também já elaborou um projeto-piloto de programação e de acordo com a servidora Viviane Camelo, que preside a comissão, a principal preocupação é manter um conteúdo “realmente educativo”, capaz de envolver as comunidades interna e externa. No projeto entregue ao reitor à época da liberação do aviso de habilitação, houve a proposição de que todas as salas de aula do campus Porto Velho Zona Norte possuíssem uma estrutura conversível para estúdios, de modo que em todas as disciplinas, os professores pudessem transformar seus conteúdos em pautas, que pudessem servir de matéria-prima para a rádio. No entender da programadora, ações desse tipo ajudariam a fazer valer a designação educativa para a emissora. Nesse sentido percebemos que a vontade de realizar o intento às vezes é maior que o entendimento da proposta, dos conceitos e dos processos.
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Fechamos então este ponto, com o registro de uma questão-problema que indaga: até que ponto os esforços mobilizados para alcançar as condições necessárias à implantação de uma emissora educativa, dialogam com algo essencial, que é o próprio conteúdo educativo, as ações necessárias para sistematizá-lo e o que se pensa que deva caracterizá-lo? Para além dessa questão, refletimos sobre o que significam esses esforços em prol de uma emissora, no interior de instituições que possuem tantos problemas de ordem prática para seu funcionamento cotidiano, sobretudo se consideramos um ecossistema midiático contemporâneo que experimenta os tensionamentos entre um modelo massivo de produção e difusão de informações e de um modelo colaborativo, marcado pela auto-publicação e o compartilhamento em rede (d´ANDREA, 2014). Conforma-se, portanto uma ambiência na qual mesmo as produções da mídia massiva comercial buscam interconexões midiáticas, sobretudo através das redes sociais, a fim de assegurarem seus domínios. Tais questões nos parecem relevantes ao refletirmos sobre o contexto aqui discutido.
3. AS UNIVERSIDADES. TER OU NÃO TER EMISSORAS, EIS A QUESTÃO. 3.1. UFRR. Em terras onde são poucas as emissoras universitárias, quem tem duas é rei? Nas universidades da região Norte há registro de emissoras em seis instituições, se considerarmos a Universidade Federal do Amazonas, que possui um canal de TV a cabo, que se encontrava sem transmitir programação há seis meses, à época da pesquisa, sem previsão de retorno ou justificativas oficiais para a suspensão da programação. Além da TV Ufam, a outra emissora de TV universitária na região está na Universidade Federal de Roraima. A TV Universitária da UFRR foi fundada em março de 1990 como TV Macuxi (TVE – Canal 2), concedida à prefeitura de Boa Vista, e encontra-se vinculada ao Núcleo de Rádio e TV Universitária da UFRR desde novembro 1995, quando a Prefeitura de Boa Vista e a universidade firmaram convênio, para a UFRR gerenciar a emissora por cinco anos. Mas, a Câmara de Vereadores, ao analisar Projeto de Lei do Executivo Municipal, aprovou a Lei 395/95 que passou a concessão da TV Macuxi para a UFRR em definitivo. Até a presente data tramita em Brasília o processo de transferência, o que se apresenta como mais um fator que tem dificultado o aporte de recursos para a emissora. O canal da emissora continua sendo 2, a potência é de 2 Kw e não ela não possui repetidoras. Em setembro de 2014 a emissora passou a ser coordenada pelo técnico Renato Rocha, que também dirige o NRTU como um tudo e cuida da parte técnica-operacional das emissoras. Renato Rocha era servidor municipal e está na TV desde quando ela foi inaugurada, ainda sob a tutela do governo municipal. Quando a emissora passou para a responsabilidade da UFRR, ele foi transferido junto. A coordenação do núcleo e das emissoras é uma indicação da reitoria e não há nenhum tipo de processo eleitoral para definir o responsável por essa função. A separação entre o curso de Comunicação e o NRTU é um aspecto que chama atenção, por que nas demais instituições onde há emissoras, o vínculo, principalmente com os cursos ou habilitações em jornalismo, se apresenta praticamente como uma condição para a existência das emissoras, o que nos leva a especular que no caso da UFRR, esse processo se configura de maneira distinta
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por que as emissoras foram herdadas e não resultantes de um projeto concebido nas instâncias da universidade. A TV Universitária está vinculada à reitoria da Universidade Federal de Roraima e embora não esteja atrelada a nenhum curso, oferece vagas de estágio e espaços na programação para os estudantes de Jornalismo. Avaliamos que o vínculo direto com a reitoria é considerado um ponto negativo para a gestão, o financiamento e, consequentemente, o funcionamento da emissora. Os recursos financeiros, por exemplo, são repassados pela gestão da universidade e devem, portanto, ser contemplados na previsão orçamentária da instituição, o que se constitui em um fator limitador, pois o valor fica sujeito a oscilações e até suspensões, a depender das demandas consideradas prioritárias pela instituição. Segundo o coordenador Renato Rocha (2014), esse é um dos gargalos para o funcionamento da emissora, que fica sem autonomia e sem flexibilidade para gerir recursos. Renato Rocha afirma que até mesmo atividades relacionadas às rotinas produtivas sofrem interferências de uma gestão centralizada, na qual a estrutura compreende a emissora como um órgão da Universidade, pois aos finais de semana a programação da TV apenas reproduz o conteúdo da EBC, por que os funcionários são proibidos de entrar no prédio para trabalhar. Dentre as 32 pessoas que compõe o quadro de profissionais da Rádio Universitária da UFRR, nove são efetivas. Os demais são assim classificados: quatro alunos bolsistas e 23 funcionários de empresa terceirizada. Entre a programação jornalística são realizados boletins informativos, reportagens especiais, prestação de serviço e material institucional. Ao todo são produzidos apenas trinta minutos diários de conteúdo inédito próprio, que entra em flashes nos intervalos da programação da EBC, ao passo que seis a dez horas da programação é retransmitida. A emissora não possui acordos de intercâmbio com outras emissoras universitárias. A percepção que temos é de que não existem condições que permitam refletir sobre a produção de conteúdo, tampouco, problematizar o caráter educativo desse conteúdo. Prevalece a urgência, a necessidade de atender demandas, às vezes apresentadas pela gestão, com vistas à promoção institucional, outras pela EBC. Apesar da rede de emissoras universitária capitaneada pelo MEC ainda não existir efetivamente, há iniciativas da Empresa Brasileira de Comunicação e da Associação Brasileira da TV Universitária, mas tais ações padecem de problemas de descontinuidade. A Rádio Universitária fica inserida no mesmo prédio da TV Universitária. Tal edifício é antigo e a concessão do prédio pela prefeitura de Boa Vista para a Universidade Federal de Roraima ainda não está totalmente legalizada. Após um acordo firmado entre o município e a UFRR, começou a ser construída a sede do NRTU no campus Paricarana, mas as obras estão paralisadas. Sobre as instalações e condições de funcionamento da Rádio Universitária, FM 95.9, a coordenadora, jornalista Raphaela Queiroz (2014), pontua resumidamente as seguintes dificuldades: a) A emissora não tem nenhuma estrutura acústica para gravação de áudios; b) Não há suporte e manutenção de equipamentos; c) Não há um veículo próprio para a Rádio, o que gera inúmeros transtornos, pois é necessário dividir o único carro que o NRTU tem com a TV Universitária, que apresenta suas próprias demandas; d) O prédio onde funciona o NRTU é antigo e possui instalações elétricas
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deficitárias, fazendo com que ocorram inúmeras quedas de energia diariamente; e) Não há gravadores de voz; f) Não há pessoal fixo. Somente a coordenadora é efetiva. Os operadores de áudio, a locutora, a fonaudióloga e uma jornalista foram contratados via projeto de extensão, com validade de um ano. O outro jornalista é terceirizado, o que gera uma instabilidade e a inviabilidade de fazer planos a médio e longo prazo; g) Não há uma sala especial para a gravação de offs. É utilizada como sala improvisada para gravação, a própria redação da Rádio. Portanto, quando alguém precisa gravar algo, todos têm de parar de falar e de digitar para o outro fazer a locução; h) A conexão de internet é lenta e, muitas vezes, não existe, o que gera um grande transtorno, pois não se consegue enviar matérias para as Rádios parceiras. A rádio não dispõe de ações multimídia e o contato com o público se dá basicamente por telefone e pela rede social Facebook; i) Não há locutores, nem pessoal suficiente para preencher programas na grade, por esta razão a programação é predominantemente musical. Na parte educativa são produzidos programas voltados para assuntos relacionados à saúde. Ao todo são transmitidas de uma a três horas de conteúdo próprio, ao passo que seis a dez horas da programação é retransmitida de outras rádios universitárias, Rádio Nacional e/ou rádios internacionais, com as quais possui acordos de intercâmbio; j) Como há uma equipe, quando chega um novo estagiário, um dos jornalistas para o que está fazendo para poder auxiliá-lo até o mesmo estar apto para poder realizar tarefas; k) Os alunos de Jornalismo não têm interesse em fazer estágio na emissora, pois o valor da bolsa é de apenas R$ 300,00. Por esse motivo, muitos iniciam no mercado, seduzidos pelo valor dos salários que chegam a R$ 1mil.
3.2. Rádio Web: o exemplo da UFPA As demais universidades da região possuem emissoras de rádio. Em dois dos casos que observamos, se trata de emissoras denominadas de Rádio Web: na Universidade Federal do Acre (UFAC) e na Universidade Federal do Pará. No caso da UFAC, a rádio é acessada por um link inserido no site da universidade. Não há um site da rádio, nem telefones ou endereços de contato, nem uma grade de programação pré-estabelecida e disponibilizada ao ouvinte. Ao abrir o link, o webouvinte pode conseguir ouvir músicas, mas às vezes o sistema não carrega, inviabilizando até mesmo essa experiência. O projeto da Rádio Web UFPA começou a ser idealizado em 2006, nas reuniões do grupo de pesquisa Estudos em Rádio e Divulgação Científica, do Instituto de Letras e Comunicação - Faculdade de Comunicação, coordenado pela professora Luciana Miranda. Ao acessar o site da rádio (www.radio.ufpa.br), além de ouvir de quatro a sete horas de uma programação diária inédita, o visitante encontra o espelho da programação, informações sobre o histórico da emissora, a equipe, arquivos de entrevistas, informações sobre os programas da grade etc. Entre os programas de caráter jornalístico há entrevista, boletim informativo, radiojornal, documentário, mesa-redonda, reportagens especiais, prestação de serviço, debate, universitário (institucional). No gênero entretenimento há programas do gênero musical, cultural, auditório e infantil. No educativo, programas de ciência e tecnologia e divulgação científica. No período de realização da pesquisa a o quadro de profissionais da emissora era composto por três professores, três prestadores de serviço, dois alunos voluntário e dez alunos bolsistas.
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As informações sobre o tipo de estruturação da Rádio Web UFPA ajudam a demonstrar que para se identificar uma emissora como tal é necessário reunir uma série de atributos, que vão além de um link para se ouvir música. Dizer isso, não significa negar a existência de dificuldades, como as apontadas pela coordenadora da Rádio, professora Luciana Miranda (2014), no que se refere à liberação de recursos, aquisição de equipamentos, ampliação de espaço físico etc. Entretanto, há nesse caso, a realização de uma experiência amadurecida em um projeto de investigação, experimentação, que sofre influência de reflexões de quem tem a Rádio como seu objeto de pesquisa. Possivelmente essas razões ajudem a compreender o fato de que em cinco anos de atividades, a rádio tenha recebido prêmios nacionais (Roquette Pinto - Petrobrás, Nossa Onda – Ministério da Cultura) em decorrência de projetos específicos, tenha se tornado uma referência para outras universidades brasileiras (com consultas por telefone e email sobre suas atividades, implantação e funcionamento), tenha se consolidado como um espaço de formação e de divulgação científica regional e nacionalmente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS No universo pesquisado há casos, como os da Universidade Federal Rural da Amazônia, onde a exclusividade de cursos da área de Ciências da Terra e a falta de profissionais de comunicação – há apenas duas jornalistas – tornem impensável a possibilidade de ter uma emissora. Há casos como os dos institutos federais do Amazonas e do Pará, onde a prioridade é “arrumar a casa”. Há casos como das recém criadas Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e Universidade do Oeste do Pará (Ufopa), nas quais os reitores estão pessoalmente engajados na missão de conseguirem uma autorização de funcionamento de emissoras de rádio, as quais, acreditam, ajudariam as instituições a vencerem as grandes distâncias que separam os municípios atendidos por polos das instituições. Seja a partir dos casos aqui detalhados, seja daqueles não mencionados, é notável que o uma avaliação das estruturas de emissoras universitária, requer o entendimento de elementos e contextos importantes, que dizem respeito às estruturas próprias de um sistema de ensino, de políticas públicas, de desigualdades regionais que alcançam desde o tipo de investimento econômico até o tipo de disponibilidade de serviços da área de tecnologia. As tecnologias podem, devem e já são utilizadas pelos “de baixo” como plataforma de libertação (SANTOS, 2008), o que as reveste de sentido político, transformador (MARTÍN-BARBERO, 2004), mas isso requer que sejam acessadas em suas linguagens, tenham suas prescrições de uso subvertidas e sejam materialmente acessíveis, o que já ocorre, sobretudo no que diz repeito ao uso das mídias móveis, mas que não deve ser visto como algo naturalizado, que ocorre da mesma forma em todas as partes. Se essa dimensão, permeada por substâncias como tempo, espaço de autonomia e formas de comunicação sempre teve de ser levada em consideração quando pensamos em conteúdos educativos, tanto mais o é no presente revestido do sentimento de comportar em si, o futuro (ARANTES, 2014).
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Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa I s ab e l P e r e i r a
dos
Santos 1
M a r i a I z ab e l L e ã o 2 M a ria Sa lete P r a do Soa r es3 Resumo: Este artigo descreve o desenvolvimento e a realização do curso “História em Quadrinhos e Fanzine na Escola” do Programa Nas Ondas do Rádio, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no ano de 2014. O texto explicita o desenvolvimento do curso até a concretização do material produzido pelos professores e disponibilizado na internet, assim como discute o processo e produto na perspectiva educomunicativa. O curso teve por objetivo promover aquisição de competências comunicativas, despertar uma perspectiva crítica e estimular a produção colaborativa. Os resultados mostraram, por meio de publicações digitais, que houve não apenas apropriação de novas mídias (em especial fanzine e HQ como recursos pedagógicos diferenciados), mas também discussão nos grupos de trabalho, reflexão crítica, incentivo à autonomia, à criatividade, à colaboração, à produção de conhecimento. Além de propiciar espaços de encontro e trabalho compartilhado, o curso possibilitou e contribuiu para o aprimoramento das competências leitora e escritora e habilidades que envolvem apresentação visual e a livre expressão.
Palavras-Chave: História em Quadrinhos. Fanzine. Educomunicação. Programa Nas Ondas do Rádio. Formação de professor.
Abstract: This article describes the development and execution of the “Comic books and Fanzine at School” coursework by the “Programa Nas Ondas do Rádio”, from the São Paulo Municipal Secretary of Education in 2014. The manuscript describes the conception and the execution of the coursework developed by the teachers which is available online thru the internet. Additionally, this manuscript also discusses the process and the outcomes related to the Educommunication perspective. The coursework aimed to promote the acquisition of communication skills and stimulation of critical analysis and collaborative production. The results showed, through digital publications, not only it was demonstrated that new media was improved (especially fanzine and comic books as educational resources), but also group discussions, critical reflection, incentive to autonomy, creativity, collaboration and overall knowledge production were enhanced. In addition to providing work space for meetings and team work, this coursework allowed and contributed for the enrichment of reading and writing competencies as well as skills related to visual aids and freedom of expression.
Keywords: Comic books. Fanzine, Educommunication. Programa Nas Ondas do Rádio. Teacher training. 1. Doutora FE/USP, NCE/USP, isabelps@gmail.com 2. Mestre ECA/USP, NCE/USP, izabelwiz@gmail.com 3. Mestre ECA/USP, NCE/USP, saletesp@gmail.com
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Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa Jarlene Rodrigues Reis • Maria Izabel Leão • Maria Salete Prado Soares
A
REDE MUNICIPAL de ensino em São Paulo é gerida pela Secretaria Municipal de
Educação do Município de São Paulo – SMESP responsável, dentre outros, pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Centros Educacionais Unificados, Centro de Educação e Cultura Indígena – CECI é estruturada conforme organograma abaixo. Compõe-se de treze Diretorias Regionais de Educação: Butantã, Campo Limpo, Capela do Socorro, Guaianases, Freguesia do Ó, Ipiranga, Itaquera, Jaçanã/Tremembé, Penha, Pirituba, Santo Amaro, São Mateus, São Miguel, instâncias que interligam as Unidades Educacionais e a Secretaria Municipal de Educação no sentido de supervisionar e oferecer assistências às escolas municipais. Para orientar as ações em suas Unidades Educacionais, a SMESP instituiu o Programa Mais Educação São Paulo. Dentre as práticas elencadas pelos grupos de trabalho referentes às ações para concretizar a qualidade social na Rede Municipal de Ensino dentro da Unidade Escolar destacam-se as recomendações sobre as “práticas pedagógicas junto aos educandos” (SÃO PAULO, 2014, p. 24). 1. Reconhecer as múltiplas linguagens como fundamentais à aprendizagem e criar situações para sua experimentação; 2. Aproximar o conhecimento formal dos saberes trazidos pelos educandos: considerar e construir conhecimento levando em conta o repertório trazido pelos educandos; 3. Promover momentos de autoavaliação com educandos; 4. Avançar no Ensino Fundamental sobre questões de avaliação, evitando uma visão de média das notas e trabalhando pelo direito de aprendizagem e evolução do estudante e não apenas pela média ponderada; 5. Buscar a qualidade na inclusão de educandos com deficiência, respeitando as especificidades; 6. Realizar práticas que despertem o desejo e o interesse de aprender e que resultem em sentimentos de prazer em relação aos conhecimentos; 7. Proporcionar aos educandos ferramentas para viverem experiências com a tecnologia; 8. Favorecer o uso das tecnologias a serviço da humanização, da convivência e do enfrentamento à violência.
Tais prática pedagógicas - relevantes para este artigo – aproximam-se daquelas relacionadas a determinadas áreas de intervenção social provenientes do campo da interrelação comunicação/educação: Educomunicação. Segundo Ismar de Oliveira Soares, esse novo campo é definido pelos pesquisadores do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, como os [...] conjuntos das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos, em espaços educacionais ou virtuais, assim como a melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo as relacionadas ao uso de recursos da informação no processo de aprendizagem (SOARES, 2002, p. 24).
As referidas áreas de intervenção educomunicativas são relacionadas abaixo, em síntese, para posterior aproximação com algumas “práticas pedagógicas junto aos educandos”, provenientes do eixo Qualidade do Programa Mais Educação São Paulo.
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1. 2. 3. 4. 5.
Educação para a comunicação; Mediação tecnológica nos espaços educativos; Expressão comunicativa através das artes; Gestão dos processos e recursos da informação; Reflexão epistemológica.
Para os propósitos deste artigo, ressalta-se a relação entre o Programa Mais Educação São Paulo e algumas áreas de intervenção da Educomunicação. Educomunicação Programa Mais Educação São Paulo
Compatibilidades
Educação para a comunicação
Reconhecer as múltiplas linguagens como fundamentais à aprendizagem e criar situações para sua experimentação.
Abre-se a perspectiva e a oportunidade de elaborar “projetos que se caracterizam por implementar procedimentos voltados para a apropriação dos meios e das linguagens da comunicação por parte das crianças e dos jovens” (SOARES, 2011b, p. 26).
Expressão comunicativa através das artes
Aproximar o conhecimento formal dos saberes trazidos pelos educandos: considerar e construir conhecimento levando em conta o repertório trazido pelos educandos.
Diz respeito ao fato de valorizar bons hábitos e comportamentos dos educandos de forma a ressaltar aspectos que os transformem em cidadão reflexivos, críticos e conscientes. “Esta área aproxima-se das práticas identificadas com a Arte-Educação, sempre que primordialmente voltadas para o potencial comunicativo de expressão artística, concebida como uma produção coletiva, mas como performance individual” (SOARES, 2011a, p. 47-48).
Área da mediação tecnológica na educação
Proporcionar aos educandos ferramentas para viverem experiências com a tecnologia; Favorecer o uso das tecnologias a serviço da humanização, da convivência e do enfrentamento à violência.
Sugere o uso das ferramentas tecnológicas da educação e comunicação aos docentes e discentes de forma estratégica na exposição de ideias, liberdade de expressão e práticas solidárias. “[...] propiciando que não apenas dominem o manejo dos novos aparelhos, mas que criem projetos para o uso social das invenções que caracterizam a Era da Informação” (SOARES, 2011a, p. 48).
Cabe notar com essas aproximações a convergência de propósitos e a relevância das ações do Programa sincronizadas com a Educomunicação. Em relação ao Ciclo Autoral que corresponde ao período do 7o. ao 9o. ano do Ensino Fundamental, ressalta-se seu principal aspecto: “[...] construção de conhecimento a partir de projetos curriculares comprometidos com a intervenção social [...]” (SÃO PAULO, 2014, p. 80). Tal processo culmina com o Trabalho Colaborativo de Autoria – TCA. Entende-se que o TCA promove o crescimento intelectual e comprometimento social do educando de forma a torná-lo participante efetivo da sociedade a qual pertence. Será dada ênfase ao desenvolvimento da construção do conhecimento considerando o manejo apropriado das diferentes linguagens, o que implica um processo que envolve a leitura, a escrita, busca de resoluções de problemas, análise crítica e produção. É, portanto, o domínio de diferentes linguagens (lógico-verbal, lógico-matemática, gráfica, artística, corporal, científica e tecnológica) que permitirá a cada aluno, ao final do Ciclo Autoral, a produção do T.C.A. comprometido com a construção de uma vida melhor. (SÃO PAULO, 2014, p. 80)
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O Ciclo Autoral compreenderá um período de desenvolvimento de projetos autorais colaborativos e de intervenção social, com a orientação de professores envolvidos na construção deste processo de ensino e aprendizagem. Nessa esteira, entra em cenário o Programa Nas Ondas do Rádio, que poderá ser um auxiliar no processo de elaboração do TCA.
O PROGRAMA NAS ONDAS DO RÁDIO O Programa Nas Ondas do Rádio atua na formação de educadores da escola básica da SMESP por meio de cursos fundamentados na Educomunicação. A portaria da SMESP no. 5792/09 de dezembro de 2009 implementou o Programa Nas Ondas do Rádio nas Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEI, Escolas Municipais de Ensino Fundamental – EMEF, Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos – CIEJA, Escolas Municipais de Educação Especial – EMEE, Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio – EMEFM. As ações desse Programa estão voltadas para o desenvolvimento de projetos nas Unidades Escolares com o objetivo de promover a gestão democrática, o protagonismo infantojuvenil, a liberdade de expressão, o uso consciente das tecnologias de comunicação e informação, aperfeiçoar as competências leitora e escritora e promover a cultura da paz no espaço escolar. Nesse âmbito a pedagogia de projetos permeia esse processo e propicia produções interdisciplinares com a participação de professores e estudantes de forma colaborativa e solidária. As produções midiáticas resultantes são publicadas em blogs, sites e redes sociais. Os cursos oferecidos pelo Programa Nas Ondas do Rádio são os seguintes: • Gestão de Projetos Educomunicativos; • Agência de Notícias Imprensa Jovem; • Agente Cultural Mídia Rádio; • Curso Cinema na escola; • Nas Ondas do Vídeo; • Nas Ondas da Fotografia; • História em Quadrinhos e Fanzine na Escola; • Jornal Impresso; • Implementando a Rádio Escolar; • Cursos a distância; • Planejamento Educomunicativo: Como elaborar um projeto; • Imprensa Jovem Online; O Programa tem ampla consolidação na Rede Municipal de Ensino, é coordenado desde 2009 por Carlos Alberto Mendes e conta com educomunicadores para ministrar seus cursos. Em 2014 o curso Imprensa Jovem Online teve como público-alvo professores e - pela primeira vez - estudantes. Os cursos presenciais acontecem, em geral, nas Diretorias Regionais de Ensino e nos Centros Educacionais Unificados. Todos os materiais utilizados estão disponíveis na Midiateca do site, abertos ao público.
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LINGUAGENS: FANZINE & HQ Dentro dos princípios do Programa Mais Educação e da Educomunicação, o Programa Nas Ondas do Rádio desenvolveu uma formação para os docentes que tinha como objetivo estimular a capacidade de comunicação e expressão dos alunos por meio de algumas linguagens: fanzine e história em quadrinhos - HQs. Trabalhar com novas linguagens e gêneros permite que os alunos aprendam e transitem por novas tecnologias e mídias que ampliam a competência expressiva. Atividades com fanzines e histórias em quadrinhos na escola incentivam a autonomia, a criatividade, a colaboração e estimulam a produção de conhecimento. Além de contribuir para o incremento das competências leitora e escritora, desenvolvem novas competências e habilidades e também aquelas ligadas à apresentação visual. Mas por que fanzine e história em quadrinhos? O fanzine, por ser uma produção alternativa feita por fãs de determinada arte ou pessoa, permite uma flexibilidade maior na formatação da diagramação do impresso, abrindo espaço para uma maior criatividade. Como aponta Lacerda (2008) os zines são produções marcadas pelo alto grau de inovações criativas, ora na linguagem, ora na concepção gráfica…..por uma grande pluralidade de discursos e que representam uma espécie de arte envolta de idealismo. Não é à toa que nos dias atuais, os fanzines mantêm sua jovialidade, apesar dos seus quase 80 anos de história. (LACERDA, 2008, p. 2)
Os fanzines, assim, representam um importante veículo, maleável, criativo, e mais prazeroso para expressão dos alunos. Histórias em quadrinhos são enredos narrados quadro a quadro por meio de desenhos e textos, boa parte das vezes em discurso direto, característica da língua falada. Essa estratégia de organização de texto é marcante na conversação face a face. Além da linguagem verbal escrita, muitas vezes expressa por meio de onomatopeias, cuja intenção é transmitir ideias sonoras, as HQs trabalham, essencialmente, linguagem visual. São imagens que, muitas vezes, falam por si sós. Essa narrativa verboicônica permite um trabalho de alfabetização visual com os alunos, importante no mundo cada vez mais imagético em que vivemos. Se hoje as HQs são reconhecidas como linguagem e gênero importantes, até meados do século XX eram vistas como publicação menor e de divulgação restrita. Daí porque elas encontraram nos fanzines um valioso canal para publicação. De fato, os fanzines, dada suas características elásticas e abrangentes, permitem a inserção de gêneros variados. Quando se pensa em e-zines, fanzines digitais, aumentase exponencialmente sua capacidade de atingir públicos variados. Foi esse o propósito do curso “Fanzine e HQ na Escola”, desenvolvido pelo programa Nas Ondas do Rádio em 2014: promover uma formação educomunicativa, voltada para aquisição de novas habilidades e competências que permitissem “desenvolvimento da construção do conhecimento considerando o manejo apropriado das diferentes linguagens, o que implica um processo que envolve a leitura, a escrita, busca de resoluções de problemas, análise crítica e produção.” (SÃO PAULO, 2014, p. 80).
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A ELABORAÇÃO DO CURSO Os formadores4 do Programa Nas Ondas do Rádio iniciaram em janeiro de 2014 a produção do curso de 12 horas, organizado em 4 encontros semanais de 3 horas. O público-alvo principal eram os professores da rede pública do Ensino Infantil ao Ensino Médio e cada turma deveria ter um máximo de 25 cursistas. Além de apresentar informação sobre os gêneros e linguagens, estratégias pedagógicas e softwares5 adequados para desenvolvimento das produções, o foco era trazer os professores para o centro do processo para que eles vivenciassem a produção de fanzine e HQ como protagonistas, exatamente o que se pede que eles façam com seus alunos. Desse modo, durante os 4 encontros formativos, ao lado de um conteúdo teórico, foi desenvolvida uma produção em grupo regida pelos princípios da Educomunicação, envolvendo discussão e reflexão sobre a identidade do professor e a elaboração de conteúdo que refletisse essa trajetória. Paralelamente, aos docentes foram apresentados recursos digitais para realização da tarefa. A concepção do curso propunha que o docente percebesse a importância da construção de um fanzine na escola e produzisse um on-line sobre tema ou assunto de que ele fosse fã, utilizando os programas de formatação tais como Word, Publisher, Power Point disponíveis no sistema de informática da Secretaria Municipal de Educação. Esse exercício de construção de fanzine partia do princípio de ser uma experiência livre. Ao trabalhar com história em quadrinhos, além de tratar do conceito, características e variações do HQ (como tirinhas, cartum, charge e mangá), o participante criava, em grupo, sua história: a trama, a ambientação, perfil dos personagens, o conflito. Também verificava, na prática, a importância do desenvolvimento do roteiro, o significado de cada balão, o sequenciamento dos quadrinhos, a escolha das letras e seu traçado e, por fim, o enquadramento. A história criada em grupo tomava forma por meio do software TOONDOO, um editor de HQ on-line, gratuito, disponível na internet. Essa HQ depois era inserida no fanzine criado pelos participantes e publicada pelo ISSUU (aplicativo de publicações on-line).
FORMAÇÃO EM AÇÃO No primeiro semestre do 2014 foram ministrados as primeiras formações nas Diretorias Regionais de Educação – DREs - Butantã, Campo Limpo, Itaquera e Penha. No segundo, foram acrescentadas as DREs de Jacanã-Tremembé, Santo Amaro, São Miguel, Pirituba, Freguesia do Ó. Houve grande procura pelo curso de professores da educação infantil e fundamental 1, cerca de 65% dos inscritos, conforme é possível verificar no gráfico e quadro abaixo:
4. Os formadores que faziam parte do programa em 2014, sob a coordenação de Carlos Alberto Mendes
de Lima eram: Anderson Zotesso, Carlos Eduardo Fernandez, Carmen Gattás, Débora Menezes, Isabel P. Santos, Izabel Leão, Kassandra Carvalho, Katia Cristina, Mariza Pinto, Paola Prandini, Patrícia de Oliveira, Regina Vilela, Salete Soares e Silene Lourenço. 5. Google Drive, boletim no Word, Power Point, Publisher, editores de imagens, software para produção de HQ (Toondoo) e para publicação na internet ISSUU
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Quadro 1. Matriculados no curso HQ e Fanzine na escola, em 2014, por cargo. HQ E FANZINE NA ESCOLA AGENTE ESCOLAR AUXILIAR TÉCNICO DE EDUCAÇÃO COORDENADOR AÇÃO CULTURAL COORDENADOR PEDAGÓGICO DIRETOR ESCOLAR PROF DE EDUC INFANTIL PROF. ED. INF. E ENS. FUND. I PROF. ENS. FUND II E MÉDIO
1 6 1 10 10 92 68 60 248
TOTAL GERAL
Gráfico 1. Perfil dos matriculados no curso HQ e Fanzine na Escola em 2014
O quadro acima evidencia a procura dos professores de Educação Infantil que buscavam linguagens para trabalhar com crianças, tendência que pôde ser constatada em todas as DREs. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) reafirmam a importância da criança ter acesso e interagir com diferentes tipos de texto, aprendendo a ler imagens, de modo a contribuir para a formação de um leitor competente, capaz de usar a linguagem em diferentes contextos e situações.
PRODUÇÕES A diversidade das produções obtidas evidencia a liberdade de expressão proposta pelo curso: nada foi impositivo, inclusive a possibilidade de criar seu fanzine no papel e não no meio digital. Há fanzines de professores cientes de seu papel político, outros que mostraram sua vida particular, alguns protestaram e há também os que reproduziram estereótipos. Com relação à forma, ao aspecto visual, apareceram desde modelos mais tradicionais, em forma de jornalzinho, até diagramações bem criativas. Alguns trabalhos seguiram o espírito dos fanzines tradicionais, das colagens, e realizaram um trabalho de “recorta e cola”, para posterior inserção no digital6. Ficou uma produção híbrida bem interessante, que alterna colagens críticas sobre consumo de bens e uma tirinha sobre água7, ao lado de mais tradicionais como família, amizade e artes (cinema e grafitagem), com a produção de uma HQ digital e a marca final da assinatura dos participantes em letra cursiva, o que por si só já indica uma posição política sobre o uso de recursos digitais.
6. DRE Penha, outubro de 2014, formadora Silene Lourenço, produção coletiva http://issuu.com/
sileneaglourenco/docs/fanzine__produ____o_final.docx/7?e=0/7636700
7. Tirinha “tímida”, antes do acirramento da crise da falta de água, localizada no alto da página 6,
secção “Diversão”.
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Alguns foram criados em preto e branco8, com predominância de HQs que utilizaram recursos menos sofisticados, mas nem por isso menos interessantes e com abordagens criativas. Outros mostram uma inquietação poética-filosófica, em que conteúdo e forma se harmonizaram9 para desenvolver um tema. Alguns optaram pelo visual10, com predominância de imagens sobre o desenrolar do curso, participação e envolvimento dos participantes. As HQs inseridas no trabalho mostraram reflexão crítica não somente dos problemas que a escola enfrenta, como a violência entre as crianças, mas também as idiossincrasias do que se ensina na escola e o que se aprende em casa, finalizando com abordagem sobre atos ruins que podem prejudicar o meio ambiente. Outro fanzine muito criativo e reflexivo11 trouxe discussões sobre as promessas politicas para a educação, abordou diferenças de gênero, falou sobre bullying, a falta de água, conflitos entre pais e filhos. Escola e casa foram os temas recorrentes deste trabalho colaborativo. Destaca-se ainda a produção intitulada “O universo da cultura independente de São Paulo”, que objetivou compartilhar opções e informações socioculturais da cidade12.
RESULTADOS Um aspecto extremamente relevante diz respeito ao fato de que o curso Fanzine e HQ ministrado nas DREs para os professores produziu alguns resultados imediatos. Em Itaquera uma professora participante colocou em uso em sua sala de aula os novos recursos e aprendizados13. No 8o ano B da EMEF Senador Luís Carlos Prestes, a docente incentivou o processo de criação colaborativa e os estudantes expressaram seus interesses demonstrando lealdade aos princípios do fanzine: socializar informações sobre os assuntos preferidos. A avaliação on-line realizada ao final de cada turma mostrou a aprovação dos professores participantes em todos os sentidos. Em uma análise geral os professores aprovaram todos os conteúdos oferecidos afirmando serem adequadas as datas e a forma de divulgação da inscrição, bem como os horários estabelecidos, o laboratório de informática e o material de apoio didático. Quanto à metodologia, os professores tiveram suas dúvidas acolhidas, problematizadas e respondidas pelo formador, que foi muito bem avaliado em todas as DREs, sendo reconhecido que este domina os temas e conteúdos abordados, apresentando estratégias diversificadas e se mostrando sempre solicito para atender àqueles com maior dificuldade no uso de algum software proposto. 8. DRE Itaquera, abril de 2014, formadora Isabel Pereira dos Santos.
http://issuu.com/mariahelenapereira0/docs/grupo_helena_marcio/4?e=0/7512552
9. Fanzine sobre o tempo, DRE Campo Limpo, setembro de 2014, formadora Salete Soares. http://
issuu.com/mislenequeiroz/docs/fanzine_tempo_creusa_mislene_joana__ad4a226e794794/1
10. DRE São Mateus, formadora Kátia Souza: <http://issuu.com/katiacasouza/docs/fanzine_e_hq_
na_escola.pptx?e=10741459/10243427>.
11. DRE Butantã, formadora Izabel Leão.< http://issuu.com/izabelwiz/docs/03_24_04_14_hq_hist__
ria_dre-bt_tod/1?e=0/7639328>.
12. DRE São Miguel, formadora Isabel Pereira dos Santos. <http://issuu.com/nathaliingrid/docs/
one_shot_fanzine/1>.
13. DRE Itaquera, formadora Isabel Pereira dos Santos. <http://issuu.com/poieeliane/docs/fanzine_digital>.
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No caso do curso de HQ & Fanzine, os professores mostraram-se entusiasmados com as diversas possibilidades que o software gratuito Toondoo permite para a criação de personagens, cenários e diálogos e a facilidade de manejo que o Publisher promove para a construção de fanzine. Os quatro módulos do curso foram desenvolvidos de forma que o cursista pudesse ao final de cada um deles praticar o que foi apreendido naquele momento, aplicando diretamente as noções de roteiro, enquadramento, representações dos diálogos, tipo de letras, legendas. Quatro perguntas específicas sobre a contribuição do curso para a prática do professor em sala de aula mostraram que o curso atingiu seus objetivos visto que mais de 90% deles confirmaram que houve aquisição de novas competências comunicativas e que elas têm aplicabilidade em sala de aula, conforme é possível observar no quadro 2, abaixo. Quadro 2. avaliação dos professores cursistas Pergunta 1: Temas e conteúdo correspondem às minhas necessidades de formação continuada?
Em parte
Não
151
9
0
94,4
5,6%
SIM
Pergunta 2: Temas e conteúdo contribuíram para a construção de novos conhecimentos?
Não
Em parte
157
3
0
98%
2%
SIM
Pergunta 3: Temas e conteúdo tem aplicabilidade na minha formação profissional?
Em parte
Não
150
10
0
93,8%
6,2%
SIM
Pergunta 4: Temas e conteúdo favorecem a implementação de projetos ou propostas pedagógicas com as linguagens midiáticas?
SIM
Em parte
Não
148
12
0
92,5%
7,5%
Além disso, em outras perguntas solicitadas revelam que o curso estimulou a produção colaborativa, o trabalho partilhado e o senso crítico. A análise desses dados, dentro de uma proposta educomunicativa, que não se reduz à simples apreensão de novos recursos digitais, mostra o caminho educomunicatiovo trilhado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo que promove um trabalho de formação continuada de seus professores. “O sistema escolar pode e deve proceder à incorporação do potencial oferecido pelas tecnologias, sejam elas digitais ou não – sem com isto cair no reducionismo tecnicista” (CITELLI, 2012, p. 9).
REFERÊNCIAS Citelli, Adilson. (2012) Inflexões educomunicativas. Revista Comunicação & Educação Ano XVII, número 1, jan/jun 2012 Lacerda, Thiago de Oliveira. (2008) Fanzines: Uma faceta da comunicação alternativa na cidade de Campina Grande. Disponível em: <http://www.insite.pro.br/2008/27.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015. São Paulo. Secretaria Municipal de Educação. (2014) Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para implantação. Jan 2014. Disponível em: <http://portalsme.prefeitura.sp.gov. br/Projetos/BibliPed/Documentos/Publica%C3%A7%C3%B5es2014/maiseduc_subsimplantacao2014.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2015. Soares, Ismar O. (2011a) Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. São Paulo: Paulinas, 2011a. Soares, Ismar O. (2011b) Educomunicação: um campo de mediações. In: Educomunicação: contruindo uma nova área de conhecimento. Adilson Odair Citelli; Maria Cristina Castilho Costa (org.). São Paulo: Paulinas, 2011b.
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola The power levels and the radio school activities Lua na A mor im Gom es 1
Resumo: Este artigo discute as relações de poder que se estabelecem na rotina de uma radioescola municipal da cidade de Fortaleza. A pesquisa tem como objetivo identificar como se configuram as decisões sobre a gestão, linguagem, conteúdos a serem exibidos na radioescola. Objetivamos compreender de que forma a direção e as professoras responsáveis pela coordenação das atividades conduzem as atividades de participação dos estudantes na rádio, como por exemplo, decisão de pautas, manuseio dos equipamentos e veiculação dos programas. Como recurso metodológico utilizamos a observação participante com a inclusão de rodas de conversa com os estudantes que participam da radioescola. Para discutir “o poder” faz-se necessário a leitura de Foucault, dentre outros autores, como, por exemplo, Deleuze, Guatarri e Lazzarato.
Palavras-Chave: Radioescola. Poder. Escola. Participação. Abstract: This article discusses the power relations established in the routine of a local radio school in the city of Fortaleza, state of Ceará, Brazil. The research aims at identifying how to sort out the decisions managing, language, and the content to be displayed in a radio school. We intend to understand how the direction and the teachers responsible for coordinating the activities lead the students` participation in the radio, such as decision-making guidelines, handling of equipment and programs broadcasting. As a methodological resource, participant observation was used together with conversation circles and students participating in the radio school. In order to discuss “the power”, it is necessary to read Foucault, among other authors, such as Deleuze, Guatarri and Lazzarato.
Keywords: Radioschool. Power. School. Participation.
INTRODUÇÃO HEGAR À escola para investigar instâncias de poder e a relação entre adolescentes
C
e núcleo gestor no que se refere às atividades de radioescola é ter sensibilidade para observar alguns detalhes e regras que vão desde o momento da abertura do portão e condução à sala da diretoria até a veiculação dos programas de rádio. Disposta a lançar um olhar mais atento àquela realidade, foi possível perceber que existe uma organização específica instituída no espaço escolar. Na minha primeira visita à escola, ainda no estacionamento, vejo o burburinho e a fala do professor que insiste
1. Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/ UFC), Coordenadora e Professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Faculdade Cearense (FaC) e integrante do grupo de pesquisa Reducom luanamelc@gmail.com.
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para que os estudantes permaneçam sentados e quietos enquanto ele aborda conteúdos específicos da História do Brasil. Neste momento pude relembrar a infância e a época escolar onde a situação de permanecer sentado em uma cadeira localizada dentro de um quadrado pintado no chão durante quatro horas. Relembrar este momento foi, no mínimo, aterrorizante. Enquanto recordava do mapa de sala organizado pelos professores e a arguição feita pela direção da escola toda sexta-feira, caminho pela escola com olhar atento até chegar à biblioteca para conversar com a professora responsável pelas atividades de radioescola. A fala contida dos estudantes coordenada pela mediação das professoras responsáveis pela rádio esteve presente durante todo o momento em que permaneci na escola para a realização desta pesquisa. O silêncio forçado que se constituiu, em alguns momentos, até na hora do recreio, ficaram marcados e registrados no meu Diário de Campo, uma das estratégias utilizadas para compor a metodologia desta pesquisa e a elaboração deste artigo. Para discutir “o poder” faz-se necessário a leitura de Foucault, dentre outros autores, como, por exemplo, Deleuze, Guatarri e Lazzarato. Para Foucault as relações de poder estão em todos os lugares, sendo uma instância difusa e exercida com base em inúmeros pontos e abordagens, não existindo, portanto, um espaço privilegiado e exclusivo para a constituição do poder como, por exemplo, as classes dominantes. É possível perceber ainda que a força não está presente de maneira singular, sozinha e isolada de outros aspectos e perspectivas, mas sim relacionada com outras forças. Durante a pesquisa pude perceber que no ambiente escolar, várias forças são estabelecidas e tensionadas. Dentro da escola, como foi pontuado no primeiro parágrafo deste trabalho, as questões relacionadas ao poder e regras estabelecidas estão por toda a estrutura, desde a sala de aula com cadeiras dispostas em fileiras até a sala da rádio com limitações de horários para utilização do espaço, e dos equipamentos, por exemplo. Perceber que existem regras que devem ser seguidas até na hora do recreio é ficar atenta ao olhar da supervisora escolar que encara estudantes e, mesmo em silêncio, consegue transmitir repreensões e punições. Em um dos momentos, após o término do recreio foi possível ver um grupo de meninos sentados em cadeiras no meio do pátio fazendo uma atividade extra por terem rompido com algumas regras durante o horário do intervalo. Estar ali, no meio do pátio, fazendo atividades de punição em silêncio pode ser correlacionado com o que diz Lazzarato acerca das vozes e da relação de poder entre os locutores. E quando estes são silenciados? “La voz implica ya un modo de acción específico del discurso que, en palavras de Foucault, podemos llamar “ación sobre acciones posibles” (LAZZARATO, 2007, p. 27 ). Sobre a questão do silenciar, Lazarato discute a necessidade de uma atividade verbal para a garantia de uma esfera estratégica de ações sobre ações possíveis. “Es último elemento – el sentimiento de la actividad de creación de la palabra – expresa la fuerza del afecto, del elemento no discursivo que engendra no sólo la realidad física de la palabra, sino también el sentido y la apreciación” (LAZZARATO, 2007, pág. 30/31). A fala, carregada de sentimento, acaba sendo a afirmação de um ponto de vista através do enunciado, uma posição carregada de conhecimento de mundo, de si e dos outros que vivenciam a mesma realidade. “un movimiento en el cual son arrastrados a la vez el
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organismo y la actividad semántica, pues lo engendrado es, el mismo tiempo, la carne y el alma de la palavra en su unidad concreta, nos dice Guattari” (LAZZARATO, 2007, pág. 30/31). Foucault justifica que “enquanto o sujeito humano é colocado em relações de produção e de significação, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas”. Para o autor, tanto “a história e a teoria econômica forneciam um bom instrumento para as relações de produção” quanto “a lingüística e a semiótica ofereciam instrumentos para estudar as relações de significação; porém, para as relações de poder, não temos instrumentos de trabalho” (FOUCAULT, 1995, p. 232). Com base em uma perspectiva de diálogo entre teóricos na categoria de poder faz-se necessário considerar novamente a discussão trazida por Lazzarato (2007). Para o autor uma relação de poder se articula sobre os elementos que são indispensáveis para se justificar uma relação de poder como, por exemplo, aquele a qual o poder está sendo exercido e que diante desta relação de poder possa se abrir todo um campo de respostas, reações efeitos e invenções possíveis. Una relación de poder “actua sobre el campo de posibilidade en el que se inscriben los comportamientos de los sujetos actuantes: incita, induce, desvía, amplía o limita, vuelve más o menos probable” (LAZZARATO, 2007. p. 36). Para discutir a perspectiva das instâncias de poder na escola é preciso relatar aqui as dificuldades encontradas pela pesquisadora para ter acesso à escola e aos dados de rádios instaladas nas escolas municipais de Fortaleza. O tempo de pesquisa precisou ser reduzido tendo em vista de que, para visitar a escola e permanecer neste ambiente, seria necessária uma autorização expedida pela Secretaria Municipal de Educação (SME). Para tanto foi preciso fazer solicitação formal por meio de ofício e cópia do projeto de mestrado impresso. Informações desencontradas e falta de manejo na condução de algumas orientações foram vivenciadas pela pesquisadora que aguardou cerca de 45 dias a liberação e a autorização da Secretaria.
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E A UTILIZAÇÃO DO DIÁRIO DE CAMPO De acordo com Guber (2004) a observação participante consiste em duas atividades que podem ser consideradas como principais: observar e participar. Para a autora, a observação consiste em estar atento a tudo o que acontece em torno do investigador, estando o pesquisador fazendo ou não parte das atividades. A observação envolve, além do fato de estar atento ao que ocorre, participar tomando parte das atividades que são realizadas pelo grupo, ou pelo menos de parte delas. (GUBER, 2004. p. 110). Para o observador é importante levar em consideração as suas experiências vividas “La participación pone el énfasis en el papel de la experiencia vivida y elaborada por el investigador desde este ángulo parece que estuviera adentro de La sociedad estudiada” (GUBER, 2004. p. 111). A autora enfatiza a necessidade de anotar as experiências vividas em campo. Acerca deste recurso de registro, optamos por utilizar o diário de campo para anotar as minhas impressões. “(...) desde el ángulo de la observación, el investigador está alerta permanentemente pues, aunque participe, lo hace con el fin de observar y registrar los distintos momentos de la vida social” (GUBER, 2004. p. 111). Os dados registrados no meu
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diário de campo serão analisados de maneira interpretativa, levando em consideração o contexto em que as escolas estão inseridas e próprio do sistema cultural escolar, ambiente no qual a pesquisa se insere. Para Guber (2004) “el investigador debe proceder a la inmersión subjetiva; dar cuenta de esa cultura no es explicarla, sino comprenderla” (GUBER, 2004. p. 111). É importante salientar que, mesmo que haja distanciamento, não significa dizer neutralidade ou apatia, mas sim responsabilidade com os sujeitos pesquisados, até porque o papel do investigador é transitório dentro do grupo. Podendo ser concluído num período em que o grupo ainda continua com as suas atividades e, talvez, o pesquisador não possa mais acompanhar. “Como administrar simultaneamente observações, leituras, reflexões e frustrações?” (WINKIN, 1998, p. 138) Esta pergunta do teórico Yves Winkin (1998) norteou a escrita deste trabalho e as incursões feitas à escola durante a pesquisa. Como eu conseguiria colocar no papel todas as minhas percepções? Como fazer isso diante da necessidade de tentar registrar tudo de maneira fiel e próxima à realidade. Optei pela escrita do diário de campo com base nas orientações do autor com a inclusão de duas colunas sendo a da direita responsável pela escrita das observações no momento da pesquisa e a coluna da esquerda para comentários posteriores. “É preciso que o Diário tenha uma função catártica. É o que Schatzman e Strauss (1973) chamam de função emotiva do Diário” (WINKIN, 1998, pág. 138) Ainda de acordo com o autor a segunda função do Diário é empírica. “Nele vocês anotarão tudo o que chamar a sua atenção durante as sessões de observação” (WINKIN, 1998, p. 139). Para o autor, num primeiro momento as anotações vão ser feitas aleatoriamente, depois vão ter um cunho mais analítico e na sequência, com a prática, o pesquisador anotará coisas relevantes para a pesquisa e de uma maneira muito mais rápida e eficaz. A terceira função do Diário é reflexiva e analítica. “Na verdade, trata-se de impressões de regularidades, às claras ou em filigrama (coisas que não aparecem são talvez tão importantes quanto as que aparecem)” (WINKIN, 1998, p. 139). Em muitos momentos o Diário de Campo foi objeto de desejo por parte das estudantes participantes da pesquisa. As anotações feitas em alguns momentos chamavam atenção das estudantes. Neste momento é importante salientar que por mais que o pesquisador tente se integrar à rotina da escola ou da comunidade pesquisada a sua presença em campo, no ambiente dos sujeitos envolvidos, muda, de certa forma, a rotina de atividades propostas por aquele grupo. Vale pensar que quando colocamos uma máquina fotográfica ou filmadora em um espaço onde estamos inseridos, pequenas modificações são feitas, nem que seja no modo de sentar, se expressar, etc. Diante dessa realidade não foi utilizado gravador ou qualquer outro tipo de equipamento eletrônico, visto que a entrada do pesquisador na realidade do grupo já traria mudanças no comportamento. A utilização de equipamentos só ampliaria a modificação. A escrita no Diário de Campo aconteceu no momento da percepção de algum elemento considerado relevante para a compreensão da realidade do grupo ou alguma manifestação que estivesse diretamente envolvida com o objetivo da pesquisa. Na sequência, ao sair do ambiente escolar, eu relia as anotações e fazia outros apontamentos, com outras percepções e releituras do que havia sido considerado no momento da oficina ou da veiculação do programa. Para a realização desta pesquisa, foram feitas ao todo sete visitas à escola, sendo três delas em momentos de oficinas, uma delas no momento
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festivo de aniversário da escola, produção do programa de rádio e apresentação durante a oficina, veiculação do programa e gravado e veiculação do programa ao vivo.
AS OFICINAS DE RÁDIO E A DISCUSSÃO DOS CONTEÚDOS As visitas à escola foram feitas durante as oficinas de formação em radioescola, momentos festivos e ainda durante a produção e veiculação de programas de rádio, tanto os executados ao vivo quanto os gravados. O objetivo de percorrer todos estes processos junto aos estudantes e professores era acompanhar, em diferentes momentos, a participação, o envolvimento e a condução dos processos que requeriam diferentes instâncias de decisões e envolvimentos dos educandos. Orientada por uma perspectiva metodológica que me estimulou a perceber para além das instâncias da radioescola, me propus a percorrer os corredores da escola e outros espaços para além da sala onde aconteciam as atividades. Durante a veiculação dos programas me permiti passear pela escola para observar como os outros estudantes se comportavam durante a veiculação da programação. O meu foco de observação eram as oficinas de radioescola e as atividades desempenhadas pelos estudantes sob a mediação das professoras. Por acreditar ser o momento das oficinas uma das etapas mais importantes deste processo me amparei na leitura de Mário Kaplún no que diz respeito à produção de conteúdos e a mediação nos processos de aprendizagem. Para Kaplún (1998), uma das características da comunicação educativa é a ênfase no processo. Por conta desta orientação do autor e também relacionando com a minha prática como comunicadora de oficinas de rádio em escolas optei por tentar compreender questões relacionadas ao poder e à rádio partindo do cotidiano de oficinas de rádio por acreditar que neste momento questões são colocadas pelos educandos e conduzidas pelos professores envolvidos. O autor acredita que os meios de comunicação de massa com freqüência se propõem a manipular a opinião do público e moldar e uniformizar suas condutas. Partindo desta premissa, é importante que “a los medios masivos y los emplee ampliamente en sus campañas educativas” (KAPLÚN, 1998, p.37). Na radioescola como essa discussão se processa? Como as falas são conduzidas ou orientadas pelos professores e pelo núcleo gestor? De acordo com Kaplún, muitas vezes a participação se configura apenas como “aparencia uma seudoparticipación: los contenidos y los objetivos ya están definidos y programados de antemano” (KAPLÚN, 1998, p.38). O autor acredita que os educandos participam apenas executando atividades que já foram determinadas previamente. Com base nesta problematização trazida por Kaplún, é importante perceber que as iniciativas de projeto de comunicação e educação inseridas dentro da escola sigam uma orientação dialógica e reflexiva, propondo estratégias, junto aos estudantes, capazes de discutir a realidade e questionar o que é proposto pela mídia considerada “de massa”. “No se vende criticidad, solidaridade, liberación, con los mismos recursos com que se vende Coca Cola” (KAPLÚN, 1998, p.45). De acordo com o autor, a educação é um processo permanente e o sujeito, envolvido neste processo descobre, elabora e reinventa a realidade, fazendo com o que o conhecimento passe a ser seu. “Un proceso de acciónreflexión que él hace desde su realidade, desde su experiencia, desde su práctica social, junto com los demás” (KAPLÚN, 1998, p.45).
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Em outra oportunidade, durante a pesquisa na escola para a produção deste artigo, foi possível perceber que as questões da radioescola, como por exemplo, assuntos a serem discutidos na rádio são orientados pelas professoras e relacionam-se com datas comemorativas e com base em uma demanda da escola em ter aquele assunto pautado seja na rádio ou em outros espaços, como, por exemplo, a Feira de Ciências. Quando perguntado se havia alguma manifestação espontânea dos estudantes para a produção de algum programa de rádio com uma temática que não seja relacionada a datas comemorativas, foi respondido que algumas vezes os estudantes pensam e sugerem programas. Foi possível perceber que quando os estudantes vivenciam momentos de tensão ou discordância de decisões tomadas pelo núcleo gestor da escola, não é discutida a possibilidade de elaborar um programa de rádio discutindo a situação, por exemplo. Durante todo este processo, de compreensão, de dialogicidade, está o educador. Como já foi considerado, anteriormente, a figura deste profissional é de extrema importância para o processo. No entanto, o profissional que está dedicado a questão de ensino/ aprendizagem junto aos educandos não se configura como sendo aquele que ensina e dirige, mas como o que acompanha e estimula o processo de análise e reflexão “para facilitarselo, para aprender junto a él y de él para construir juntos” (KAPLÚN, 1998, p.50). Para pensar a discussão dos conteúdos e como as atividades se configuram dentro das oficinas vamos retomar a observação participante e as anotações feitas no meu Diário de Campo. A fala da professora ecoa “Não é o que você está acostumada e sim a necessidade de seguir as regras”2 parece bastante significativa. Neste momento é possível perceber que uma proposta de construção coletiva de atividades e a elaboração de um programa com “a cara” dos estudantes pode estar sendo conduzida para algo considerado “certo” e um formato pensado antecipadamente. Quem criou as regras que a professora cita em sua fala? Como diz Lazzarato qualquer ato de fala se dirige a alguém em resposta a algo e expressa valores e pontos de vista, assim como emoções, simpatias e antipatias a respeito da situação de passado “y presentes, que circulan en el espacio público. Todo acto de habla apunta a un acuerdo o a un desacuerdo, invoca a los amigos y conjura a los enemigos” (LAZZARATO, 2007, p. 33/34). A fala dos educadores seja em momento de oficina ou não, na rotina da radioescola ou no dia a dia da escola, é carregada de significado e recorre, muitas vezes, ao que é previsto e demandado por questões institucionais que acabam sendo transpostas para o espaço da rádio. Espaço este que deveria ser um espaço de diálogo ou proposição de questões para além do que é posto em outros ambientes ou realizado dentro de sala de aula. Para Lazzarato as relações de poder são assimétricas. Isto significa que, no contexto que observamos, há uma diferença de forças entre duas instâncias, aí representada pela professora responsável pela mediação das atividades e o estudante que pensou em transgredir as regras e produzir o programa de rádio dentro de outra perspectiva e outro formato que não havia sido pautado ou pensado anteriormente. Ainda para Lazaratto essa relação não necessariamente é má se pensarmos dentro de uma perspectiva moral. “Una relación de poder es diferente de una de dominación. Las relaciones de dominación 2. Informação obtida durante pesquisa realizada na escola no mês de novembro de 2011.
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son de lo mismo tipo, sólo que son fijas, es decir, no son móviles, ni reversibles, ni susceptibles de ser modificadas” (LAZZARATO, 2007, p. 76).
OS PERCALÇOS DA PESQUISA Uma manhã festiva em uma escola na cidade de Fortaleza pode não ser tão pacata como imaginamos. Durante a comemoração de 37 anos da escola pesquisada aconteceram coisas que, inicialmente, não estariam previstas no roteiro de qualquer programa radiofônico. Foi o momento de lembrar uma das atividades das oficinas de radioescola quando a professora ponderava a necessidade de um planejamento para o total sucesso da realização das atividades. A comemoração do aniversário da escola aconteceu num sábado pela manhã. Toda a comunidade escolar foi convidada e o grupo de radioescola que hoje já não está mais responsável pelas atividades e não está sendo investigado neste artigo foi convidado pela direção para realizar algumas atividades. Inicialmente estava previsto que duas meninas, as consideradas “the best”3 pela coordenação da rádio, fariam o cerimonial, as entrevistas, algumas intervenções durante a cerimônia, tanto ao vivo quanto com material gravado. Ao chegar à escola fui surpreendida pela abordagem da professora que me informou mudanças nos planos. As meninas ficariam apenas com o cerimonial previamente elaborado pela coordenação. “O tempo está curto e resolvemos tirar a parte das entrevistas”4. As mudanças no roteiro não estavam apenas aí. Em um determinado momento algumas pedras começam a ser jogadas na quadra da escola, onde estava ocorrendo a comemoração. Por alguns instantes todos ficam assustados e interrompem a fala para tentar entender o que estava acontecendo. A direção da escola retomou a fala e as pedras tornam-se mais intensas levando o guarda da escola a ir até a calçada verificar o que estava acontecendo. Enquanto todos aguardam um retorno do funcionário o vento forte derruba os equipamentos montados em data show, assustando uma das apresentadoras da rádio que estava conduzindo o cerimonial da festa. Com o susto o microfone é jogado no chão e o fio se rompe5. A partir deste acontecimento uma nova fase da pesquisa se configura o grupo que estaria sendo formado agora e que ficaria responsável pelas atividades da rádio já não poderá mais realizar as atividades conforme planejado, tendo em vista que o microfone é fundamental para a gravação e veiculação do programa. Sobre esta questão da escola ser alvo de violência, vale contextualizar que o bairro é considerado violento pela comunidade escolar. Outra questão que vale ser ressaltada diz respeito às especulações sobre o ataque à escola. Estudantes apontam que o apedrejamento veio de alguns estudantes que tiveram acesso barrado devido estarem com roupas consideradas inadequadas ao espaço escolar. Durante a pesquisa presenciei conflitos gerados a partir das roupas que os estudantes utilizavam. Muitos tiveram que “voltar para casa” por não estarem com as roupas condizentes com as estabelecidas nas 3. Termo utilizado pela professora responsável pela radioescola e obtido por meio de observação participante durante as oficinas e visitas feitas à escola pela pesquisadora. 4. Informação obtida por meio de conversa informal com a professora responsável pela radioescola no dia 07 de novembro de 2011 durante pesquisa para elaboração de artigo científico. 5. Na sequência da pesquisa, foram realizadas outras visitas e o microfone que havia se rompido não foi consertado, mas alguns equipamentos que haviam chegado à escola e não haviam sido abertos ainda foram disponibilizados para a equipe da rádio para que pudessem fazer programas ao vivo.
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regras da escola. Nesta perspectiva disciplinar, vale destacar o que nos diz Foucault (1977). Segundo o autor, as relações de poder estabelecidas no século XX nas instituições, seja na família, na escola, nas prisões ou nos quartéis, foram marcadas pela disciplina, cujo objetivo principal era a produção de corpos dóceis, eficazes economicamente e submissos politicamente. A questão do vestuário está relacionada à disciplina e ao termo ortopedia social, “que tenta assegurar a ordenação das multiplicidades humanas” (Foucault, 1977, p. 191 apud Prata6, p. 3). Trata-se de produzir corpos dóceis, tornando o exercício do poder economicamente menos custoso possível, estendendo os efeitos do poder social ao máximo de intensidade e tão longe quanto possível, e ainda ligando o crescimento econômico do poder ao rendimento dos aparelhos pelos quais se exerce, sejam pedagógicos, militares, industriais e ou médicos. O autor acredita que, agindo assim, há o crescimento tanto da docilidade quanto da utilidade de todos os elementos do sistema (Foucault, 1977, p. 191). Esta docilidade dentro da escola, por exemplo, repercute no fato de os adolescentes não elaborarem programas que enfrentem as regras impostas pela escola. Os programas de rádio acabam refletindo a programação da própria escola, os eventos festivos e o calendário de atividades ou festejos nacionais como foi o caso do Dia Nacional da Consciência Negra. Após os acontecimentos violentos no dia do aniversário da escola, ainda houve uma oficina de formação em radioescola. Na ocasião os estudantes estavam tendo atividades no laboratório de informática, espaço fechado com poucos participantes e fizeram o programa de rádio “ao vivo”, sem a utilização de microfones ou outros recursos mais específicos. Os programas foram apresentados mais no formato teatral, diante dos outros, sem a perspectiva radiofônica de valorização do som e inexistência das imagens. As locutoras7 fizeram suas apresentações diante do restante do grupo e aproveitaram o restante do tempo disponível para a oficina para realizar tarefas no computador e ainda para tirar dúvidas de edição. De acordo com a professora coordenadora da radioescola o tópico da edição é o mais complicado para os estudantes. Muitos têm dificuldades de levar adiante o processo de edição, ficando a cargo das professoras ou ainda de um ou dois estudantes que têm interesse mais específico neste assunto. Pesquisar na escola, participar do cotidiano da construção de um programa de rádio feito por estudantes sob a supervisão e coordenação de um professor é identificar e tentar compreender questões relacionadas às instâncias de poder que se estabelecem na escola. Procurei caminhar pelo espaço escolar não só durante a veiculação do programa, mas também durante os momentos em que os estudantes estavam produzindo e se preparando para a programação ao vivo. Observar com um olhar de pesquisador é identificar que algumas instâncias de poder estão presentes, por exemplo, na proibição do uso do espaço do laboratório de informática pelos estudantes na ausência do professor. Outra proibição diz respeito ao uso restrito dos equipamentos da radioescola. Para dialogar com essas questões do poder e os modos de vida “micro e macropolíticos” no cotidiano, retomam-se as contribuições de Deleuze (1992) que, nos seus estudos sobre Foucault, destacou a importância do deslocamento dos códigos sociais que se orientavam 6. Artigo disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n28/a09n28.pdf e sem data de publicação. 7. No turno da tarde havia apenas meninas participando da oficina em radioescola.
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pela disciplina para uma sociedade que se mobiliza pelo controle, tendo como alvo a incitação e captura do desejo. É precisamente nessa questão que penso ser interessante operar uma “analítica da formação do desejo no campo social”, ou seja, o modo como se cruza o nível das diferenças sociais mais amplas (que Guattari chamou de “Molar”) com aquele que denominou de “molecular” (GUATTARI; ROLNIK, 1996. p. 127).
A PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES Aliado à metodologia de observação participante com a elaboração do Diário de Campo optei por interagir com alguns estudantes que estavam participando das atividades da rádio diretamente. Reuni-me com alguns meninos e meninas e dialogamos por meio de uma Roda de Conversa. Conversei tanto o grupo que já está a mais tempo nas atividades da rádio, quanto os meninos e meninas que participaram há pouco tempo das oficinas de formação em rádio. A conversa aconteceu antes da veiculação de um programa ao vivo feito por estudantes das duas etapas do curso de radioescola. Conversei com três meninas e um menino dos turnos manhã e tarde. As duas meninas do turno da tarde haviam ido à escola especialmente para participar desta conversa. Encontramo-nos no Laboratório de Informática Educativa, espaço onde aconteciam as oficinas de rádio e as meninas do turno da tarde estavam usando roupas classificadas pela supervisora pedagógica como impróprias. Por conta desta questão elas tinham a orientação de permanecer apenas dentro do Laboratório de Informática não podendo circular pela escola ou ainda participar do programa de rádio da hora do intervalo. Esta questão gerou um inconveniente, pois foi dito que as estudantes só poderiam ficar na escola por conta da pesquisa e da minha presença, caso contrário elas teriam que “voltar para casa”, já que conheciam a regra quando ao vestuário. Passado o constrangimento, começamos uma conversa sobre os interesses em participar da rádio, os temas que mais gostavam de abordar, a rotina de produção. Foram colocados alguns temas geradores e não perguntas fechadas. A ideia era a de que pudéssemos conversar um pouco sobre a atuação de cada uma na rádio. A conversa começou tímida, mas foi possível perceber que, para as novatas, a ideia de participar da rádio tinha surgido do fato de terem visto a movimentação na hora do intervalo e terem se interessado em fazer parte deste espaço, de falar ao vivo no microfone e ser conhecido na escola. No caso do menino que também era do novo grupo que estava se formando, o interesse foi gerado a partir de um convite de uma das professoras coordenadoras do projeto para ser apresentador de um programa de poesia. A menina que está a três anos na rádio e foi responsável pela locução do programa deste dia falou sobre alguns temas que já haviam sido abordados e da sua emoção de estar sempre participando dos eventos da escola, fazendo programas de rádio que são ouvidos por todos e está também na internet. Quando questionados acerca dos assuntos que são abordados e da rotina de produção dos programas os educandos responderam que os assuntos geralmente são pautados de acordo com datas comemorativas ou ainda quando algum deles pensa em algo que poderia ser interessante, como por exemplo, dia das mães, dos pais, comemoração de aniversário da escola, ou seja, acaba sendo voltado para questões e calendários festivos já pautados pela própria escola.
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Fazendo uma relação entre a fala dos estudantes e alguns aspectos observados durantes a pesquisa, o que me chamou a atenção no momento da Roda de Conversa, além das regras de uso do Laboratório de Informática, é que os estudantes comentaram de maneira bastante naturalizada o fato do roteiro do programa ser finalizado pela professora. A digitação e correções são feitas pela professora orientadora e os estudantes têm acesso à versão final para ser lida no momento do programa. A fala dos estudantes soou neste momento como sendo algo “incorporado” à rotina deles e reflete a condição de algumas regras a serem seguidas não apenas na radioescola, mas em outras instâncias participativas da instituição escolar, como é o caso do laboratório de informática. Numa relação com os autores estudados podemos resgatar Deleuze, numa releitura de Foucault, quando o autor afirma que o poder: “passa pelos dominados tanto quanto pelos dominantes (já que passa por todas as forças em relação)” (DELEUZE, 1988, p.79).
ASPECTOS CONCLUSIVOS Foi possível identificar que as instâncias de poder na radioescola estão ligadas a aspectos que já fazem parte da “Instituição” escola. São regras e orientações feitas por profissionais que conduzem o processo educacional a partir de uma perspectiva histórica e que acabam sendo transpostas para a realidade da rádio que está localizada em um espaço central e estratégico, no pátio escolar. As atividades da rádio são consideradas como sendo centrais e estruturantes, dando visibilidade ao que é feito na escola e a um trabalho que é desenvolvido com os educandos. Como pensar, por exemplo, que os estudantes poderiam fazer um programa de rádio questionando a proibição de entrar na escola usando determinadas vestimentas? Ou ainda acerca da orientação de utilização dos equipamentos do laboratório de informática apenas com a presença de um professor? Esse tipo de abordagem não é feita pelos estudantes. É preciso pontuar, por exemplo, o fato de o roteiro do programa ser digitado pela professora orientadora. Esta realidade, como pontua Foucault, este tipo de condução faz parte de um momento de exercício de poder sobre o outro de maneira estratégica e a radioescola seria o momento em que este exercício de poder estaria aberto a inverter esta instância, mas me parece falho a partir do momento em que não é questionado ou ponderado pelos estudantes. Na fala dos participantes da rádio foi possível perceber um sentido de naturalização ou entendimento diante do fato do roteiro ser digitado e editado pela professora e não pelos adolescentes que construíram o texto. Durante a veiculação do programa é a professora quem comanda a operacionalização dos equipamentos. Os botões de início de final da programação são acionados pela professora sem nenhuma participação dos estudantes que permanecem com os microfones nas mãos à espera do play de um programa previamente digitado e aprovado pela professora. Com base nestas questões podemos salientar o que diz Lazzarato com relação às estratégias “Juegos estrategicos que hacen unos intenten determinar la conducta de otros, y que los otros respondan intentando no dejar determinar su conducta, intentando determinar a su vez la conducta de los otros, señala Foucault” (LAZZARATO, 2007, p. 25/26).
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Nesta perspectiva, para os autores, o poder é visto como uma relação de forças que se estabelecem dentro da rotina da rádio e da própria escola que segue com suas questões historicamente inseridas no cotidiano escolar. Nesse sentido, a força tem como objeto outras forças, ou seja, “uma ação sobre ações” (FOUCAULT, 1995, p. 244). Voltando a discussão acerca da questão central colocada inicialmente é possível afirmar que a condução do processo de produção de atividades relacionadas à radioescola e ainda a outras atividades de instâncias participativas na escola são coordenadas e orientadas pelas professoras responsáveis por esta atividade. Desde a proposição dos conteúdos, geralmente pautados pelas professoras ou a partir do calendário de eventos da escola passando pela finalização e aprovação do roteiro até a operação dos equipamentos da rádio. Durante a atividade de comemoração do aniversário da escola, todo o texto do cerimonial que foi lido pelas estudantes da radioescola foi elaborado pelas professoras. Em uma conversa inicial a professora responsável pela radioescola havia comentado que toda a apresentação da comemoração do aniversário da escola seria feita pelos estudantes que estavam pensando em um roteiro especial e entrevistas ao vivo durante a cerimônia, mas não foi o que aconteceu no dia dos festejos de aniversário da escola. O roteiro lido havia sido preparado por gestores e não pelos estudantes. Diante destas ponderações, vale relacionar com a fala de Foucault ao dizer que o poder não é um bem, mas é algo que se exerce em rede, e nessa rede está por toda a escola, e perpassa a todos os indivíduos circulam nela, sendo que qualquer um pode estar em posição de ser submetido ao poder, mas também de exercê-lo. Nessa perspectiva, não se trata da questão de “quem tem o poder”, mas de estudá-lo no ponto em que se implanta e produz seus efeitos reais.
REFERÊNCIAS Deleuze, G.; Parnet, C. (1998) Diálogos. Trad. de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta. Deleuze, G. (1992) Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34. Focault, M. (1995) A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. ______ . (1979). Microfísica do Poder. São Paulo: Editora Paz e Terra. ______ . Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Editora Martins Fontes, ______ . (1977). Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Guatarri; R. (1996) Micropolítica: cartografias do desejo. 4 ed. Petrópolis: Vozes. Guber, R.(2004). El Salvaje Metropolitano. Reconscctrución del Conocimiento Social em el Trabajo de Campo. Buenos Aires: Paidós. Kaplún, M.(1998). Pedagogia de La Comunicación. Madrid: Ediciones de La Torre. Lazzarato, M. (2007). La Filosofia de la Diferencia y el Pensamiento Menor. Bogotá: Instituto de Estudios Sociales Contemporâneos (IESC). Magnani, J. G. C. (2004) Festa no Pedaço – Cultura Popular e Lazer na Cidade. Editora HUCITEC. Neto, O. C. (1994). O trabalho de campo como descoberta e criação. In: DESLANDES, Suely Ferreira et al (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes. Prata, M. R. dos S. A produção da subjetividade e as relações de poder na escola: uma reflexão sobre a sociedade disciplinar na configuração social da atualidade. Recuperado em 18 de março de 2015, de:: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n28/a09n28.pdf Winkin, Y. (1998). A Nova Comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Papirus: Campinas, 1998.
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos Tela Brasil Workshop: how “educating the eye” impacts communities and students A n a Pa u l a S o u s a 1
Resumo: Estimulados a transformar em imagens suas próprias histórias, os alunos das oficinas de audiovisual, modelo que tomou impulso no Brasil a partir de 2003, descobrem não apenas um novo jeito de olhar, mas também de se expressar, ganhando maior capacidade crítica e tendo sua autoestima impactada. A falta de continuidade das oficinas tende, por outro lado, a criar nos alunos um sentimento de abandono e de incapacidade para continuar a lidar com o audiovisual. Já quando realizadas dentro do ambiente escolar, as oficinas parecem propiciar menor engajamento, mas maior possibilidade de continuidade. Tais conclusões são fruto de pesquisa realizada a partir de um estudo de caso: as oficinas Tela Brasil, realizadas pelo Instituto Buriti a partir de 2007. Ao longo de oito anos, as oficinas atenderam 3.158 alunos de diversas localidades do país e deram origem a 407 curtas-metragens. Em 2014, as oficinas passaram a acontecer, exclusivamente, em escolas públicas – tendo beneficiado dez instituições. Teoricamente, o trabalho assenta-se nos estudos relativos à interface entre educação e audiovisual. Empiricamente, a base de análise são as entrevistas qualitativas realizadas com os dois idealizadores do projeto, seis educadores, seis alunos e quatro professores de escolas públicas.
Palavras-Chave: oficinas de audiovisual; educação audiovisual, cinema, pedagogia, comunicação.
Abstract: Encouraged to transform their own stories into images, the students who attended audiovisual workshops, a model program that took off in Brazil in 2003, discovered not only a new way of looking at things, but also a new way of expressing themselves, while also sharpening their critical thinking skills and boosting their self-esteem. On the other hand, the lack of continuity of the workshops tended to make the students feel abandoned and incapable of making progress on their own with audiovisual projects. When held inside schools, the workshops seem to promote less engagement, but improved chances for continuity. These conclusions are the result of research based on a case study: the Tela Brasil workshops, organized by the Instituto Buriti starting in 2007. For eight years, the workshops were attended by 3,158 students throughout Brazil and gave rise to 407 short films. In 2014, the workshops began to be held, exclusively, in ten different public schools. Theoretically, the work is founded on studies 1. Doutoranda em Sociologia no IFCH, Unicamp: apsousa2211@gmail.com.
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos Ana Paula Sousa
regarding the interface between education and audiovisual communication. Empirically, qualitative interviews held with the project’s two creators as well as six educators, six students and four public school’s teachers involved in the workshops served as the basis for the analysis.
1. INTRODUÇÃO CINEMA, COMO escreveu o crítico francês André Bazin (BAZIN, 1992), é, antes
O
de tudo, uma linguagem – linguagem capaz de imitar o inimitável e recriar o mundo. Essa noção é essencial para que se compreenda o sentido das oficinas de audiovisual e a interface entre cinema e educação, temas que serão explorados de forma conjugada neste trabalho. O artigo é fruto de pesquisa realizada a partir de um estudo de caso: as oficinas Tela Brasil, realizadas pelo Instituto Buriti entre 2007 e 2013. As oficinas colocaram 205 educadores em campo, em diversas localidades do país, atenderam 3.158 alunos e deram origem a 407 curtas-metragens. Em 2014, as oficinas passaram a acontecer, exclusivamente, em escolas públicas – tendo beneficiado dez instituições. A origem deste artigo é o livro “Cine tela Brasil e oficinas Tela Brasil: dez anos levando cinema a escolas públicas e comunidades de baixa renda” (BODANSKY e BOLOGNESI, 2014), cujas pesquisas e textos foram realizados por mim. Neste trabalho, à pesquisa de campo que alinhava o livro foram acrescentadas a reflexão teórica a respeito da interface entre audiovisual e educação e um balanço analítico da migração das oficinas para os colégios. Teoricamente, a pesquisa assenta-se nos estudos relativos à educação, à educação audiovisual e à comunicação na educação. Empiricamente, a base de análise são as entrevistas qualitativas realizadas com os dois idealizadores do projeto, seis educadores, seis alunos e quatro professores.
2. EDUCAÇÃO AUDIOVISUAL: UMA BREVE RETROSPECTIVA Já na década de 1970, Paulo Freire (FREIRE, 1974) afirmava que a escola deveria deixar de ser um espaço primordialmente fabricador de memórias repetitivas para tornar-se um espaço comunicante e, portanto, criador. Na visão de Freire, que enxergava a educação como prática da liberdade, estão assentados muitos dos significados da interface entre a escola e o audiovisual, tema que mobiliza educadores e pesquisadores da comunicação neste início de século. Afinal de contas, tão vastas quanto as possiblidades abertas pelo encontro entre a escola e o cinema parecem ser as indagações em torno do assunto. Dentre as perguntas colocadas sobre a mesa estão: [1] Por meio de que caminhos o audiovisual pode chegar à sala de aula? [2] De que modo é possível preparar os professores para o uso dessa nova ferramenta? [3] O ensino do audiovisual como instrumento de cidadania precisa estar restrito ao ambiente escolar? Apesar de ainda não haver respostas definitivas para tais perguntas, tornou-se ponto passivo, entre os estudiosos, que o audiovisual tem uma contribuição a oferecer não apenas ao processo transformação do ambiente escolar mas também no de formação do indivíduo. Afinal de contas, numa sociedade na qual a comunicação audiovisual tornouse hegemônica, a competência comunicativa passa a depender também do domínio dos códigos da expressão audiovisual (FERRÉS, 1996). Em tal cenário, os filmes, sobretudo
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quando transportados para o universo da prática – em processos que envolvam a feitura e não apenas a recepção –, são uma ferramenta capaz de desenvolver o conhecimento racional e de despertar novas sensibilidades, entrelaçando conhecimento formal e informal (TOLEDO, 2010). No Brasil, o cinema começou a ser usado como material pedagógico na década de 1930, mas com características que pouca semelhança guardam com o modelo atualmente perseguido. O papel do cinema educativo era divulgar valores nacionais e fazer frente ao entretenimento hollywoodiano (PIRES, 2011). Tal herança prolongouse por décadas e, durante muito tempo, a presença do cinema na escola limitou-se a um papel de coadjuvante: vez por outra, os professores exibiam um filme para ilustrar determinado tópico ou para cobrir o espaço de uma aula vaga. Hoje é consenso, no entanto, que as funções e o potencial dessa ferramenta vão muito além do papel “auxiliar” (DECAIGNY, 1978). Uma vez que a comunicação audiovisual e as tecnologias da informação “estão presentes e influenciam todas as esferas da vida social”, a escola também precisa integrá-las às suas práticas (BELLONI, 2005, p. 10). Se ver filmes é abrir novas janelas para o mundo, levar o audiovisual para a sala de aula é expandir os significados da ideia de educar: Quando falamos em educação audiovisual estamos nos referindo a uma ideia de que o olhar é educável ou é suscetível de receber uma educação. Lembremos que educável não quer dizer ensinável (...) Educável é mais amplo, não é escolar (...) Quando penso em educação audiovisual, penso em algo que faz parte da cultura, como a educação do paladar, do olfato, da audição, do tato, da inteligência como aponta (ALMEIDA, 2011, p. 72).
O audiovisual, nesse sentido, contribuiria para a construção da cidadania (CANCLINI, 1995) e para o desenvolvimento das competências que os novos tempos requerem. Na visão de MARTÍN-BARBERO (2014), as identidades dos jovens tornaramse fluidas e maleáveis, e não tem sentido aprisioná-los num modelo escolar apoiado apenas na escrita. Dentro desse contexto, o Congresso brasileiro aprovou, em 2014, a lei 13.006, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e determina que as escolas exibam filmes nacionais para os alunos. Dado esse passo, outro desafio se impôs: como fazer com que o professor, cuja formação não inclui o audiovisual, consiga integrá-lo à didática? Cabe pontuar que os professores são, eles próprios, espectadores cuja recepção é limitada pela falta de acesso à produção cinematográfica (BRUZZO, 2011) e que, colocado a serviço de uma velha pedagogia, o novo recurso corre o risco de perder o poder transformador: A significativa quantidade de meios audiovisuais guardados em instituições educacionais confirma que a causa principal da não integração do audiovisual na escola não é a falta de meio, mas a desmotivação e o despreparo (...) O vídeo é uma tecnologia ambivalente. Pode-se utilizar para perpetuar as estruturas do poder ou criar estruturas de participação (FERRÉS, 1996, p. 82)
Coloca-se, assim, a questão formulada por MARTÍN-BARBERO e REY (2004): As escolas estão atentas às modificações na percepção do espaço e do tempo vividas pelos adolescentes inseridos neste fluxo incessante de informações e imagens? Ou será a escola,
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como preconizavam BOURDIEU e PASSERON (1970), uma inevitável reprodutora dos sistemas de legitimação e dominação vigentes e estabelecidos pelas classes dominantes? A julgar pelo pensamento de Bourdieu e Passeron, quando realizadas nas escolas, as oficinas de audiovisual, se comparadas àquelas feitas em comunidades, têm o potencial de transformação diminuído.
3. OFICINAS DE AUDIOVISUAL: NOVOS OLHARES, NOVAS VOZES A pesquisa Educação audiovisual popular no Brasil (TOLEDO, 2010) revela que, entre 1990 e 2009, 26 mil alunos passaram por oficinas e cursos livres audiovisuais no Brasil. Os cursos, segundo a autora do etudo, deram origem a 3,3 mil curtas e médias-metragem feitos, sobretudo, por alunos jovens e moradores de bolsões de pobreza das capitais do país. Paralelamente às ações de entidades da sociedade civil, como Kinoforum, Instituto Criar, Central Única das Favelas, Nós do Cinema, foi criado, em 2004, o programa Revelando os Brasis. O programa, idealizado pelo Ministério da Cultura (MinC), convidava moradores de municípios com menos de 20 mil habitantes a fazerem os próprios vídeos. Antes disso, em 2003, a prefeitura de São Paulo lançou o VAI, Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais, que financia atividades de jovens de baixa renda; em 2005, entidades e coletivos paulistas se organizaram com o objetivo de desenvolver políticas públicas para o setor, realizando o I Fórum Paulistano de Cinema e Vídeo Comunitário Jovem; e em 2007, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura lançou o 1º Concurso de Apoio à Produção de Obras Audiovisuais Digitais, destinado a integrantes ou egressos de projetos sociais com foco na linguagem audiovisual. Tais iniciativas originaram coletivos que usam o audiovisual para se expressar e construir suas narrativas. O deslocamento do discurso audiovisual, antes praticamente um monopólio das classes médias e altas, deu origem ao que MOCARZEL (2012) chama de “autoetnografia”: Num mundo globalizado e cada vez mais virtual e imagético, o ensino da linguagem audiovisual é bem mais que um mero exercício de “educação artística”, mas um instrumento político através do qual jovens e pessoas de todas as idades podem repensar a construção da própria imagem nessa “sociedade do espetáculo” que nos envolve (...) Todos aqueles que tradicionalmente eram “personagens” de filmes documentários (...) hoje estão (...) construindo a própria visão de mundo (MOCARZEL, 2012).
Em filmes que costumam fazer “da precariedade um dado a seu favor” (HAMBURGER, 2012, p. 55), os jovens das periferias vão construindo imagens de si e dos lugares em que vivem – imagens, quase sempre, muito distintas daquelas que terceiros produziam. Os curtas resultantes das Oficinas Tela Brasil são exemplares dessas criação que é, a um só tempo, cinema, educação de olhar e encontro com a própria voz.
4. OFICINAS TELA BRASIL: CÂMERAS COLADAS À VIDA Realizadas em formatos e lugares diversos, as oficinas Tela Brasil têm uma multiplicidade de sentidos que pode ser acessada tanto por meio dos filmes quanto por meio dos relatos de quem delas participou. Aqui, o foco recairá sobre os relatos. A
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narrativa que se segue foi baseada em entrevistas qualitativas realizadas com educadores e alunos das oficinas no primeiro semestre de 2014. “Por mais que os filmes fossem fundamentais, o grande resultado era ver que os jovens saíam do processo sabendo não apenas filmar, mas sabendo se posicionar de maneira mais assertiva. Eles chegavam de peito encolhido e cabeça baixa e saíam de peito aberto e cabeça erguida”, descreve Marina Santonieri, que coordenou as oficinas ao longo de cinco anos. “Influenciamos a vida de alguns desses alunos, e a verdade é que eles também influenciaram muito a minha”, diz Henry Grazinoli, outro educador Não deve ser fruto do acaso o fato de tanto Marina quanto Henry terem se enxergado, ao longo da vida de estudantes, como outsiders. O sistema educacional parecia incapaz de acomodá-los. Henry passou por cinco faculdades: história, filosofia, direito (em duas instituições) e cinema. Marina saiu tão desiludida do colegial que disse para si mesma que não faria curso superior. Só aos 23 anos prestou vestibular para cinema. “Na escola, eu gostava de escrever, mas odiava o resto”, relata Henry. “Depois, mesmo na faculdade de cinema, não entendia porque, na aula de fotografia, tinha de ficar vendo um PowerPoint em vez de estar com a câmera na mão.” Assim como Henry, Marina se saía bem nas disciplinas de humanas, mas caminhava aos tropeços em matemática e sentia-se desencaixada no sistema tradicional de ensino. Convidada por Moira Toledo para integrar o projeto, teve como que uma epifania. O trabalho embalado pela ideia de conscientização coletiva se revelou algo que buscava sem saber. “De repente, entendi que o cinema poderia ser uma ferramenta de transformação social”, afirma. Henry e Marina embarcaram no projeto em seu nascedouro, atuando como instrutores na oficina de formação de 20 professores aprendizes, em 2007. Do workshop, os educadores partiram para a primeira oficina, realizada em Campinas. “No último dia, foi uma choradeira generalizada. Isso se repetiria em quase todas as oficinas”, relembra Marina. Era comum que os participantes agarrassem aquela chance de fazer um filme como se fosse a última. “Os alunos descobriam que, mesmo vivendo sob condições desaforáveis, podiam ter voz ativa e se fazer ouvir. Isso é definitivo para a autoestima. Não era raro ouvir um jovem dizer que aquela tinha sido a experiência mais importante da vida dele”, descreve Henry, resumindo o que, na proposta pedagógica, é chamado de empoderamento. Desde o primeiro momento, os alunos eram convidados a transformar ideias e pulsões em filmes, mesmo que as únicas coisas a guiá-los fossem a incerteza e a dúvida. “Sempre enxergamos tudo o que acontecia nas oficinas como sendo educativo em si”, sublinha Marina. “Eu dizia: como a gente aprende a andar de bicicleta? Caindo, não é? Isso servia para os alunos, mas também para a gente.” Refletindo sobre o poder transformador da arte, Henry recorda um caso passado numa favela da periferia de Hortolândia (SP). Os alunos eram desconcentrados, conversavam entre si e tinham dificuldades para cumprir os horários. Dois irmãos, Danilo e Zico, chegavam a sumir durante algumas tardes, reaparecendo no dia seguinte. Quatro anos depois, o educador voltaria a Hortolândia para dar um workshop sobre como inscrever projetos em editais públicos. Henry relata que, ao chegar, um jovem negro, cheio de si e cheio de estilo, foi abraçá-lo: “Sou o Zico!”. O jovem contou que, depois daquela primeira oficina,
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inscreveu-se em um edital de vídeo lançado pela prefeitura. Não apenas ganhou o prêmio para realizar um documentário como, com o dinheiro, comprou câmera, ilha de edição e abriu uma produtora. Zico e Danilo passaram a fazer vídeos institucionais para a prefeitura da cidade. As razões pelas quais uma oficina marca mais ou menos os educadores são variadas. A realizada no Morro do Alemão, no Rio, em novembro de 2010, ocorreu na mesma semana da ocupação feita pelo Exército e pela Polícia Militar. Do Cantagalo, também no Rio, ficou na memória a qualidade dos filmes produzidos. Outra oficina marcante foi a de Aracruz (ES), feita numa escola indígena. O educador Diego Urbaneja fica com um nó na garganta ao lembrar-se do menino de 8 anos que chegou carrancudo às aulas. O grupo do qual o garoto fazia parte ia filmar a história de uma turma de índios que tinha de salvar o cacique engolido por uma serpente. Como se tratava de uma animação, um passo obrigatório da tarefa era fotografar os personagens. Diego entregou a câmera fotográfica para o garoto de cara amarrada. “Ele ficou vidrado com a câmera e muito tocado pelo fato de eu ter confiado nele. A partir disso, uma coisa tão simples, consegui acessá-lo. Ele mudou completamente. Passava o tempo todo atrás de mim, virou um parceiro”, descreve. No dia da exibição dos curtas, numa escola em forma de oca, os moradores da aldeia levaram artefatos indígenas de presente para os professores. Mas Diego conta que seu presente foi outro: “Ao fim da sessão, esse menino correu para mim e me deu o abraço mais apertado que já recebi na vida. Foi demais. Nessa hora, não tive dúvidas. Pensei: ‘Estou fazendo a coisa certa’”. Igualmente fortes são os casos nos quais os alunos trouxeram à tona suas tragédias e traumas. Uma jovem vítima de abuso sexual roteirizou sua vida como se ficção fosse; uma menina com paralisia infantil escreveu um roteiro sobre uma bailarina que sofre um acidente na véspera de uma apresentação. Nesse processo, um dos grandes dilemas enfrentados pelos educadores dizia respeito ao grau de intervenção, especialmente na edição. Na montagem, os filmes ganham um ou outro sentido, era preciso equilibrarse no meio fio entre a intervenção e a liberdade. O educador Jeff Barbosa diz que sua preocupação era que o filme ficasse com o olhar dos alunos. “Eu fazia sugestões, mas sempre procurando seguir o que eles queriam. Tentava mostrar que não importava se a sequência tinha levado um dia para ser feita; se outra cena, que saiu ao acaso, fosse melhor, era a que deveria ficar”, diz. Para Edu Bezerra, educador egresso das Oficinas Querô, o segredo era, sem descaracterizar a ideia original, conduzir os alunos a um bom resultado. Bezerra admite, porém, que costumava instruí-los, durante as filmagens, para que as gravações já levassem em conta os cortes. “Se eles gostassem do filme e sentissem que o filme era deles, estava tudo certo”, resume. Bezerra montou cerca de 50 curtas nas oficinas. De um deles, guarda uma lembrança especial: Filhos da Ilusão (2009). O filme, sobre um menino que se envolve com o tráfico de drogas, foi feito por internos da Comunidade de Acolhimento Sócio-Educativo (Case) da Bahia, que participaram de uma oficina em Salvador. Como eram internos, passaram o tempo todo com escolta policial. “Pela minha idade, e também por ter feito as oficinas Querô, eu não estava tão distante deles. Sinto que, de algum jeito, eles viram, através de mim, que pelo caráter e pelo pensamento correto, poderiam conseguir coisas boas.” Essa proximidade entre professores e alunos, possibilitada pela idade e pela origem social, é
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uma das chaves do projeto. Os chamados professores aprendizes – alguns egressos das oficinas – tendiam a gerar, entre os alunos, uma identificação muito maior. “A história que o jovem vindo da periferia tem para compartilhar é muito mais interessante que a minha, a possibilidade de troca e de espelhamento é muito maior”, defende Moira Toledo. Exemplo disso é Miguel Nagle. Formado pela Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu (RJ), ele foi ouvinte na oficina promovida na cidade e decidiu, após a realização do curta Folhas Secas (2008), entrar em contato com a equipe para tentar virar educador. “Nos três anos em que trabalhei no projeto, me sentia dando um retorno pelo que tinha recebido. Em toda oficina alguém me chamava de canto pra perguntar se dava mesmo pra tentar fazer cinema”, relata. “Eu sempre dizia pra eles correrem atrás dos sonhos deles. Acho que eu servia de inspiração. Isso era legal, mas era também uma responsabilidade.” Miguel já dirigiu 20 curtas e, em 2014, finalizou seu primeiro longametragem, Metanoia. Outro aluno, Lucas Muller, participante da oficina de Cabo Frio (RJ), autor do curtametragem Vivências (2008), conta que, nos primeiros dias de curso, comportou-se de maneira terrível. “Causei até um motim para fragmentar os grupos. Tudo isso porque não me dava bem com quase ninguém e queria que o filme fosse do meu jeito. Lembro que umas 3 ou 4 pessoas do meu grupo foram embora naquela semana e nunca mais as vi. Os coordenadores disseram que aquilo nunca havia acontecido. Pronto: eu era o mais odiado da oficina”, relembra Lucas que, no meio do processo, foi mudando de maneira profunda. “As gravações me marcaram bastante. No dia da exibição, nosso filme seria o último. E talvez, sem modéstia, foi o melhor, o que mais sensibilizou a plateia.” Desde então, ele decidiu que o cinema seria seu sustento e sua forma de expressão. Hoje, mora em São Paulo, abriu uma produtora e realiza clipes e filmagens de shows. Apesar de, para alguns, as oficinas terem aberto um caminho profissional, o que realmente contava era o potencial de transformação. Marina relata que era comum que pais e professores se surpreendessem com o desempenho de alunos problemáticos: “Os piores da escola despontavam como os melhores ali. Nas oficinas, você pode ser o que você é e, a partir das suas características, gerar sua contribuição. Mesmo quem se vê como o pior, pode se descobrir como o melhor em alguma coisa. Isso se leva para a vida”. A intensidade desse processo explica porque a hora da partida era quase sempre complicada. “A gente sabia que tinha de seguir e levar aquilo para outras pessoas, mas era dolorido. Os alunos se sentiam órfãos”, diz Marina. “Era difícil”, completa Diego. Cansados de “ir embora”, os coordenadores do projeto, os cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, decidiram então mudar o foco das oficinas: para tornar o trabalho perene, era preciso mirar as escolas.
5. CINEMA E ESCOLA: UMA RELAÇÃO DELICADA Se, após dez anos, Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi2 resolveram mudar o foco é também porque estão convictos de que o audiovisual pode contribuir para a transformação da escola pública em um ambiente no qual os alunos gostem de estar. 2. A explicação de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi foi dada durante entrevista concedida à autora deste artigo em 2014, para a feitura do livro mencionado na introdução.
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Além disso, como teoria e prática têm demonstrado, a feitura de filmes contribui para o desenvolvimento de uma leitura crítica da produção audiovisual presente em nossas vidas e pode ser usada como ferramenta de ensino e aprendizagem. Tendo tais ideias como ponto de partida, a equipe desenhou o projeto sobre algumas premissas. A primeira delas é que, além das aulas presenciais, era preciso ter uma plataforma digital que propiciasse, à distância, a continuidade do trabalho. A segunda é que, para garantir que a semente do audiovisual dê frutos, é preciso incentivar as escolas a criar cineclubes e produzir filmes fora do âmbito das oficinas – ou seja, o audiovisual precisa se transformar em algo cotidiano. O primeiro passo rumo à materialização do projeto foi buscar dez escolas que se mostrassem abertas para o novo. Na busca, um dado que serviu de bússola foi o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em tese, quanto maior o Ideb, mais preparado estaria o colégio para um projeto de feição inovadora. Contudo, raras são as instituições com um índice acima da média. Surgiu aí a primeira dificuldade: trabalhar com as escolas que se destacam é trabalhar com um universo limitado. O filtro seguinte seria o das escolas que possuem blogs e os atualizam. Atendidos esses dois requisitos, era hora de começar a fazer os contatos e perguntar se a escola tinha computadores, datashow e internet. Não foram poucas as escolas que sequer quiserem ouvir do que se tratava. Alguns diretores se recusaram a atender as ligações, outros diziam não ter tempo para esse tipo de atividade ou afirmavam já estar tocando algum outro projeto [social ou cultural]. A estrutura básica das oficinas divide-se em dois módulos presenciais e uma série de web-aulas. A ideia inicial era que, ao longo do ano, os educadores Edu Abad e Jeff Barbosa fossem duas vezes a cada escola, ficando três dias na primeira vez e quatro no retorno. Algumas escolas pediram, porém, para concentrar o curso em dois módulos de dois dias, mantendo-se a carga horaria de 42 horas. Inicialmente, previa-se que o retorno se desse três meses depois do primeiro módulo; em alguns casos, a pedido das escolas, a volta aconteceu cinco meses depois. A principal dificuldade enfrentada foi manter essa interação virtual: a internet não mobilizou alunos e professores como se esperava e não é simples encontrar um modelo atraente de web-aulas. “Logo depois das aulas presenciais, cheguei a falar com a equipe pelo Google+, mas ficou tudo meio no ar e, com o tempo, o projeto foi sendo esquecido”, admite o professor Lindomar Araújo, da Escola Vicente Licínio Cardoso, no Rio. Araújo pondera que os alunos, de forma geral, querem botar logo a mão na massa e que, dada a quantidade de distrações e afazeres na vida contemporânea, a única forma de garantir o engajamento virtual seria diminuindo o intervalo entre uma visita e outra. “A internet não é suficiente para manter o vínculo.” Entre as exceções estão os alunos do Centro Educacional Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochón, no Rio, tiveram grande participação via Google+ e Facebook. Mesmo após o fim do projeto, alguns alunos seguiram em contato. A professora responsável na Escola Municipal Professora Ivani Oliveira, em Seabra (BA), também manteve contato intenso via internet, pedindo não só dicas de edição, mas de filmes que pudessem inspirá-los durante o processo – o engajamento era tamanho que o tema da feira cultural da escola, em 2014, foi o audiovisual. “A troca de conteúdo à distância, quando não é formal, tende a não continuar. Para ativar as escolas individualmente, isso nem é um problema sério. Mas, se queremos trabalhar em escala, é imprescindível”, pontua Bolognesi.
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Uma mudança importante em relação às oficinas anteriores foi a opção pelo uso de equipamentos disponíveis nas escolas. “A gente chegava que nem uma banda de rock, depois guardava tudo e ia embora. Eles tendiam a achar que sem aquela parafernália não dava para fazer. O equipamento mais sofisticado pode tanto inspirar quanto gerar frustração”, avalia Jeff Barbosa. A despeito das dificuldades de se filmar com celulares ou de editar com softwares gratuitos, é fato que os filmes saíram – com resultados quase sempre bastante interessantes. Os alunos da Escola Estadual Hugo Simas, em Londrina (PR), produziram um vídeo em 3D. Os do Mochón ousaram a ponto de produzir um filme de terror; para levar a cabo a ideia de filmar uma menina que, em contato com o lixo, se torna uma morta-viva, tiveram de aprender a fazer maquiagem e efeitos especiais. Na Escola Municipal Jonas Barcellos Corrêa, em Belo Horizonte, a diretoria se mobilizou para comprar duas câmeras e um projetor. Em outros lugares, a energia ficou concentrada nos temas. No colégio de Ensino Médio Augustinho Brandão, em Cocal dos Alves (PI), uma das opções foi por uma comédia que brinca com a deficiência física e o amor adolescente. Já os alunos da Escola Municipal Professora Ivani Oliveira, em Seabra (BA), aproveitaram a oficina para contar a história do lugar em que vivem num documentário. Na Escola Estadual General Malam, em Campo Gande (MS), a turma teve de enfrentar o nariz torcido da direção para tratar do romance entre duas meninas. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Conde Luiz Eduardo Matarazzo, um dos cinco colégios participantes da oficina do CEU Butantã, os alunos transformaram o problema da falta de água em São Paulo no drama “Água entre nós”. “O mais importante é a ideia. Para fazer sempre se dá um jeito, né?”, diz Ivani de Paula Medeiros Andrade, diretora da escola paulistana. Se a questão dos equipamentos não é determinante, um outro problema que se colocou ao longo de 2014 parece mais delicado: o da falta de tempo nas escolas. Em muitas delas, o professor que decidia participar da oficina tinha de ser substituído por outro na sala de aula. Outras vezes, sequer havia professores interessados. “É muito comum que os professores, que já são sobrecarregados, prefiram não pegar projetos que os ocupem mais ainda”, avalia o professor Lindomar Araújo, do Rio. Jeff Barbosa, ao chegar às escolas, sentia isso na pele. “Acho que temos de agregar, e não nos tornarmos mais uma obrigação para o professor. Temos de pegá-los de forma mais carinhosa. Ele precisa estar ali sem outras preocupações, e não dividido”, reflete. O que está claro para Bolognesi é que, apesar das dificuldades para se encontrar uma brecha nas agendas escolares, o projeto não pode entrar na grade: “Colocar na grade é uma briga perdida. Temos de comer pelas beiradas. A gente tem de ser opção de turno complementar. Caso contrário, ao invés de um saber dinâmico, vira um saber formal”. O fato de se tratar de uma atividade optativa, porém ministrada no ambiente escolar, também parece ter feito com que o índice de evasão fosse superior ao das oficinas dadas em comunidades, onde a desistência era praticamente nula. Como o projeto nas escolas tem apenas um ano, é cedo para se determinar as razões e a efetividade desse dado – sobretudo porque em algumas escolas o engajamento foi enorme. Foi esse o caso do Centro Educacional Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochón:
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Desde a passagem do Tela Brasil, nossa escola respira cinema. Para você ter uma ideia, a escola desenvolveu um projeto para a discussão da questão racial e todos os alunos fizeram um curta. Detalhe: o trabalho podia ser feito em qualquer formato. O projeto de doação de sangue também virou um documentário. Sinto que os filmes levam os alunos a serem algo completamente diferente do que são em sala de aula. Ao criar alguma coisa, eles se sentem mais livres, mais valorizados (Ana Paula Freitas Rodrigues, diretora do Mochón, em entrevista à autora, 2014)
Hoje, o Mochón tem um núcleo permanente de produção audiovisual e o Cine Mochón, que promove a exibições e debates. Exemplo semelhante pôde ser encontrado na Escola Estadual Koki Kitajima, em Registro (SP): Chegando nesta escola, encontrei professores tristes e alunos com problemas de comportamento e mau desempenho. Nossa escola atende cinco conjuntos habitacionais e dá prioridade a famílias com crianças especiais ou que tenham pai ou mãe presos. Lidamos com uma realidade complicada. As oficinas mudaram tudo. Antes, quando se falava em Koki, todo mundo arrepiava os cabelos. Agora, você não imagina quanta gente vem perguntar quando será a próxima oficina. O cinema entrou de um jeito tal na nossa escola que agora para tudo os alunos querem fazer filme. A gente também criou um cineclube (Célia Monteiro de Mello Rodrigues, diretora da Escola Estadual Koki Kitajima, em entrevista à autora, 2014).
6. CONCLUSÃO Estimulados a transformar em imagens suas próprias histórias, os alunos das oficinas de audiovisual, modelo que ganhou força no país a partir de 2003 (TOLEDO, 2010), descobrem não apenas um novo jeito de olhar, mas também de se expressar, ganhando maior capacidade crítica e tendo sua autoestima impactada. O estudo de caso indica, de maneira não conclusiva, que a falta de continuidade das oficinas Tela Brasil tende, por outro lado, a criar nos alunos um sentimento de abandono e de incapacidade para continuar a lidar com o audiovisual. Já quanto transferidas para o ambiente escolar – que foi o que aconteceu em 2014, em uma experiência piloto –, verificou-se que as oficinas tendem a engajar menos os alunos, mas ganham maior possibilidade de ter desdobramentos perenes. O que é possível concluir é que, em qualquer das duas situações, estimulados a assumir o papel de protagonistas das histórias que contariam, os participantes das oficinas são deslocados dos lugares que estavam habituados a ocupar. A partir desse deslocamento, eles deixam de ser espectadores passivos do audiovisual e, quando têm em mãos os meios para produzir imagens e narrativas, é como se descobrissem, atrás ou diante da câmera, novos olhares sobre si.
REFERÊNCIAS Almeida, M. J. (2011). “Educação visual para os fins do mundo.” Revista universitária do audiovisual, Março. Bazin, A.(1992). O que é o cinema. Lisboa: Brasiliense e Livros Horizonte. Belloni, M. L. (2005). O que é mídia educação. Campinas, SP. Autores Associados.
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade A n d r e a P i n h e i r o P a i va C ava l c a n t e 1 C át i a Lu zi a O l i v ei r a
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Resumo: O presente trabalho discute as aulas de campo da disciplina Educomunicação, do Curso Sistemas e Mídias Digitais (UFC), como práticas significativas na formação de educomunicadores. As aulas de campo, inspiradas nas aulas-passeio de Freinet (1998), são realizadas ao longo do semestre para conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em organizações não governamentais e significam o momento em que a sala de aula se encontra com a realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. É possível aos estudantes articular os conhecimentos teóricos com as experiências práticas, fortalecendo a aprendizagem. Nesses encontros, além de conhecer as experiências de comunicação desenvolvidas nessas instituições, os alunos têm a oportunidade de ministrar oficinas para crianças e jovens, a partir da formação recebida em sala de aula. Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as aulas de campo são iniciativas significativas para a compreensão da educomunicação como área de intervenção social e para a formação do futuro profissional do curso de Sistemas e Mídias Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitário do contexto escolar, contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e participativas favorecem novas formas de aprendizagem.
Palavras-Chave: Educomunicação. Aulas de campo. Aprendizagem. Abstract: This paper discusses the field classes of the Educomunication course of the Digital Systems and Media (UFC), as meaningful practice in developing educommunicators professionally. The field classes, inspired by Freinet’s class outing (1998), are held throughout the semester to meet educomunicative practices in the school context and non-governmental organizations and represent a moment when the classroom meets reality, generating knowledge exchange among the participants. It is possible for students to articulate the theoretical knowledge with practical experience, strengthening learning. In these meetings, apart from understanding the communication experiences developed in these institutions, the students have the opportunity to teach workshops for children and young people from the training received in the classroom. Through an evaluative questionnaire of such activities, it has been established that the field classes are significant initiatives to understand the educational communication as a social intervention area and for the career development of
1. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: andrea@virtual.ufc.br 2. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: catia@virtual.ufc.br
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the future professional of the Digital Systems and Media course because they allowed bridging the university context and the school context, contributing to the understanding that dialogic and participatory practices promote new ways of learning.
Key words: Educational communication. Field classes. Learning.
INTRODUÇÃO DISCIPLINA DE Educomunicação, criada em 2013, é optativa do Curso Sistemas e
A
Mídias Digitais (SMD) da Universidade Federal do Ceará, de natureza interdisciplinar, sendo constituído por docentes de várias áreas do saber, especialmente das áreas de Computação, Educação e Comunicação Social. Foi criado no Instituto UFC Virtual, espaço da Universidade com larga experiência em Educação a Distância, sendo responsável pelos cursos de graduação semipresenciais da Universidade Aberta do Brasil e reconhecido como um dos mais eficazes centros de produção de material didático digital. O curso possui duas áreas de concentração, Sistemas Multimídia e Mídias Digitais. Nos semestres iniciais, os três primeiros, os alunos cursam conjuntamente as disciplinas obrigatórias e a partir do quarto semestre, elegem as disciplinas de maior interesse entre as duas áreas, definindo assim a sua trajetória de formação. Os itinerários formativos, como são designados, compõem-se de um conjunto de disciplinas optativas que orientam a formação do aluno em determinada área do conhecimento, como jogos digitais, sistemas web e animação gráfica. A primeira oferta para ingresso de alunos se deu em 2010. Atualmente são cerca de 300 alunos matriculados nos cursos diurno e noturno. É nesse contexto de conhecimento interdisciplinar que a disciplina Educomunicação passou a integrar o fluxograma de matérias optativas do SMD, com a intenção de contribuir com uma formação mais crítica, mais humanista e mais comprometida com as demandas sociais, na perspectiva proposta por Boaventura de Souza Santos (2011), a de constituição de um conhecimento pluriversitário ou como propõe Morin (2011), do conhecimento complexo. O presente trabalho se propõe a discutir as aulas de campo da disciplina Educomunicação, como práticas significativas na formação de educomunicadores. Inspiradas nas aulas-passeio de Freinet (1998), tais atividades são realizadas ao longo do semestre e visam conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em organizações não governamentais, constituindo um encontro da sala de aula com a realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. O corpus teórico aproxima ainda Soares (2006), Freire (1998) e Avena (2008) para refletir sobre as aulas de campo como espaços formativos. Na próxima seção, apresentamos os conceitos de conhecimento complexo e pluriversitário.
FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA E COMPROMISSO SOCIAL Em contraposição a um conhecimento essencialmente disciplinar e hierarquizado, emerge um conhecimento contextual e transdisciplinar, que Santos (2011) nomeia como conhecimento pluversitário.
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(...) é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores (...) e obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica (Santos, 2011, p.42).
Morin (2011), por sua vez, entende que está na ideia de complexidade a chave para a ruptura com a fragmentação científica. Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida e não atrofiada (Morin, 2011, p.16).
Contrapondo-se ao paradigma antes dominante, que defendia a ideia de que “conhecer significa quantificar”, Santos (2006) propõe a emergência do paradigma social, como forma de superar a fragmentação da realidade proposta pela Modernidade. Santos (2006, p. 155) defende a ideia de que toda forma de conhecimento implica auto-conhecimento e argumenta que a Modernidade ocidental se assentou na base de duas epistemologias por ele denominadas “conhecimento-regulação” e “conhecimento-emancipação”3. No contexto da modernidade ocidental, as possibilidades de emancipação foram reduzidas em função das investidas do capitalismo, dando espaço para o crescimento do conhecimento-regulação e, assim, a ciência moderna, antes uma forma de conhecimento, se “converte no monopólio do conhecimento válido e vigoroso, consagrando a epistemologia positivista, em detrimento das epistemologias alternativas”. (SANTOS, 2006, p. 155). No início do século XXI, pensar e promover a diversidade e pluralidade, para além do capitalismo, e a globalização, para além da globalização neoliberal, exige que a ciência moderna seja não negligenciada ou muito menos recusada, mas reconfigurada numa constelação mais ampla de saberes onde coexista com práticas de saberes não científicos que sobreviveram ao epistemicídio ou que, apesar de sua invisibilidade epistemológica, têm emergido e florescido nas lutas contra a desigualdade a discriminação, tenham ou não por referência um horizonte não capitalista. (Santos, 2006, p. 155-156)
Em oposição à “monocultura do saber”, Santos (2006, p. 154) postula a necessidade de que haja uma “articulação entre as estruturas do saber moderno/científico/ocidental e as formações nativas/locais/tradicionais”, o que ele nomeia como “uma ecologia de saberes”, porque argumenta, “o futuro encontra-se, assim, na encruzilhada dos saberes e das tecnologias”. Nessa mesma linha de entendimento, Morin fala em re-ligação de saberes de modo que seja possível articular a cultura das humanidades e a cultura científica (2011, p.33), favorecendo novas formas de pensar. “É nessa mentalidade que se deve investir, no 3. Segundo o autor, “no conhecimento-regulação a ignorância é concebida como caos e o saber como ordem; no conhecimento-emancipação, a ignorância é concebida como colonialismo e o saber como solidariedade” (2006, p.155).
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propósito de favorecer a inteligência geral, a aptidão para problematizar, a realização da ligação dos conhecimentos” (p.32). A disciplina de Educomunicação assume, pois, esse desafio de, articular as questões dos campos da comunicação e da educação, na perspectiva do conhecimento complexo e pluriversitário. No tópico a seguir apresentamos a disciplina de Educomunicação, seus objetivos e alguns aspectos da ementa, cuja fundamentação teórica tem matriz no pensamento latino-americano.
A EDUCOMUNICAÇÃO NO SMD Temas relativos às áreas da Comunicação e Educação têm sido estudados por diferentes cursos e disciplinas na Universidade Federal do Ceará (UFC). Entretanto, foi somente no âmbito do Curso Sistemas Mídias Digitais, que a primeira disciplina denominada “Educomunicação” foi criada com carga horária de 64 h/a, sendo 32 h/a teóricas e 32 h/a práticas. A iniciativa de criar a disciplina partiu de duas docentes do curso com trajetórias profissionais e acadêmicas ligadas a esse campo e que atuam juntas desde a concepção da proposta de trabalho, a cada semestre, até a realização das aulas. A importância da oferta da disciplina de Educomunicação para o referido curso justifica-se pelo fato de o profissional de Sistemas e Mídias Digitais necessitar transitar em várias áreas (educação formal, não formal, informal), devendo saber transcender a instrumentalidade técnica, promovendo a conversão da comunicação em processo educativo, primando por valores tais como a democracia, a dialogicidade, a livre expressão comunicativa, a gestão compartilhada dos meios de comunicação. Esses são valores que devem estar presentes na formação desse profissional, e também futuro educomunicador, para sua atuação nos processos educomunicativos, sejam eles na área educacional ou não. Entre os objetivos da disciplina estão a abordagem acerca dos fundamentos epistemológicos da inter-relação entre comunicação e educação, aspectos históricos do campo, além do desenvolvimento de conhecimentos básicos sobre mídia e educação e a teoria das mediações. Procurando oferecer ao aluno uma formação básica sólida na área da Educomunicação, são apresentados na disciplina, ainda, conteúdos que tratam das contribuições norte-americana, europeia e latino-americana, ao campo da Educomunicação, com ênfase nesta última, e sobre a aproximação da Educomunicação com os movimentos sociais e populares. De natureza teórico-prática, o plano de trabalho da disciplina procura, em sua metodologia, refletir os valores intrínsecos da Educomunicação, ao desenvolver conhecimentos, habilidades e competências ao longo do semestre que permitam ao aluno exercitar os fundamentos estudados. Dentre as várias oportunidades para trabalhos diversificados durante o semestre, constam as rodas de conversa, oficinas, seminários, aulas de campo, relatos de experiência. Assim, na prática da condução das atividades, a cada unidade temática corresponde a leitura e discussão de um corpus teórico, que por sua vez é trabalhado em cenários práticos e reais, seja por meio de oficinas, seja por meio de aulas de campo. Já foram ofertadas (pelas próprias docentes, pelos alunos ou por convidados), por exemplo, oficinas de podcasting, stop motion, contos digitais e fanzines. Com a capacitação em
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cada oficina, o aluno então desenvolve uma produção relacionada ao que aprendeu, seja individualmente ou em grupo. O objetivo das oficinas não é somente conferir capacitação técnica ao aluno, mas proporcionar-lhe uma oportunidade de reflexão crítica e ainda de expressão das suas subjetividades. Ao criar seu próprio fanzine, conto digital etc, o aluno também é chamado à reflexão para a aplicação educomunicativa do que desenvolveu em cenários educativos reais. A fundamentação teórica da disciplina toma como base o pensamento latinoamericano com as contribuições de Paulo Freire (1988) para quem a aprendizagem está baseada no diálogo, na troca de saberes e na possibilidade de aprender a “ler o mundo para transformá-lo” (FREIRE,1988), de Kaplún (2014) que entende que “educar é sempre comunicar” e que “toda educação é um processo de comunicação” , de Bordenave (1984) e sua “pedagogia da problematização” cuja ênfase está no processo, mais do que nos conteúdos e nos resultados, para que o sujeito aprenda a aprender. Não é recente a aproximação entre os campos da Educação e da Comunicação. Soares (2011), Belloni (2001, 2012), Melo e Tosta (2008), por exemplo, expressam experiências em que esses campos se cruzam desde a década de 1960. Ramos (2001) inscreve a experiência do Plan de Niño, conhecido como Plan DENI, como precursora do trabalho envolvendo educação e cinema, quando em 1968, em Quito, através da exibição de filmes, apresentava às crianças aspectos da linguagem audiovisual. Belloni (2012) situa as experiências realizadas pelo Movimento de Educação de Base (MEB), na década de 1960, como sendo de mídia-educação, em que o rádio era utilizado na alfabetização em massa de jovens e adultos em vários estados do Brasil, notadamente no Nordeste. Soares (2011) reporta-se à atuação da União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC) na década de 1980, com o projeto Leitura Crítica da Comunicação (LCC). Melo e Tosta (2008), por sua vez, consideram as experiências dos Centros Populares de Cultura (CPC) e dos Movimentos de Cultura Popular (MCP) como relacionadas ao contexto da Comunicação e Educação e mais próximas da Pedagogia de Paulo Freire do que a da Educação formal. O pensamento de Paulo Freire, para Martín-Barbero (2014, p. 18), constitui a primeira teoria latino-americana de comunicação, porque tratou de práticas e processos comunicativos essencialmente vinculados à dimensão da linguagem, que, por meio da palavra geradora, “tornou possível a geração de novos sentidos [...] instaurando o espaço da comunicação”. Setton (2011, p. 7, 8), por sua vez, introduz na discussão o componente da cultura. Para ela as mídias precisam ser consideradas “como matrizes de cultura porque atuam enquanto agentes sociais da educação”. [...] as culturas, entre elas a cultura das mídias, devem ser vistas enquanto processo; devem ser vistas nos atos de produção, nos atos que envolvem a divulgação e nos atos de promoção das mensagens, bem como nos atos de recepção daquilo que é produzido. [...] A cultura não se reduziria aos objetos, símbolos morais ou bens materiais de uma sociedade, mas se apresentaria também como resultado das diferenças de sentido ou diferenças de usos entre os diversos indivíduos que a produzem e a consomem [...] A cultura mediatiza uma ideia, um sistema de ideias, ela oferece um discurso que cria os sentidos e as verdades. (SETTON, 2011, p. 19, 21, grifo nosso)
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Afinal, educomunicação ou mídia-educação? O que designam esses termos e em que se aproximam ou se diferenciam? Soares (2011) explica que a expressão Media Education ou Media Literacy designa a recepção crítica das produções midiáticas e é comumente usada na Europa e nos Estados Unidos, respectivamente. Na América Latina, a expressão Educación para la Comunicación nomeou a maioria das ações que se desenvolveram nesse campo e que estavam assentadas em uma pedagogia dialógica e participativa de Educação popular nos moldes propostos por Freire. Foi na América Latina que aconteceram as mais numerosas ações de Educação para Comunicação e que depois se ampliaram para a produção midiática envolvendo especialmente crianças e jovens, situando a perspectiva da Comunicação como um direito humano. Para Soares (2011), o termo educomunicação passou a ser adotado para designar as práticas não restritas ao âmbito da leitura crítica da mídia, mas que envolviam a produção midiática em si, como os jornais e as rádios escolares, por exemplo. O conceito educomunicação legitima-se com suporte em uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Comunicação e Educação, da Universidade de São Paulo (USP), com participação de 12 países latino-americanos, ao concluir “que efetivamente um novo campo do saber, absolutamente interdisciplinar” estava se constituindo (SOARES, 2011, p. 35). Soares (2011, p. 44, grifo do autor), assim, nomeia o campo da educomunicação: “um conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos”. O sentido de ecossistema é para o autor “uma figura de linguagem para nomear um ideal de relações, construído coletivamente, em dado espaço, em decorrência de uma decisão estratégica de favorecer o diálogo social” (SOARES, 2011, p. 44) em oposição ao entendimento de Martín-Barbero, que designa ecossistema como nova ambiência proporcionada pelas tecnologias e na qual estamos todos compulsoriamente imersos. Soares (2011, p. 49) relaciona seis áreas de intervenção segundo as quais as práticas educomunicativas estão situadas. O autor defende o argumento de que as áreas de intervenção funcionam como “pontes lançadas entre os sujeitos sociais e o mundo da mídia, do terceiro setor, da escola”. A primeira delas, educação para a comunicação, tem ênfase na recepção, buscando entender as implicações da atuação dos meios de comunicação. A expressão comunicativa reconhece o potencial criativo das formas de manifestação artística como espaço de comunicação. Aproxima-se da arte-educação. Já a mediação tecnológica na educação se interessa pela presença e pelos usos criativos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), bem como pela gestão democrática de seus recursos por crianças e adolescentes. A pedagogia da comunicação relacionada ao ambiente escolar e a realização de projetos que possibilitem o trabalho conjunto de professores e alunos. A gestão da comunicação é dedicada à criação, execução de planos e projetos educomunicativos. Por último, a reflexão epistemológica é responsável pela sistematização das experiências e é dedicada ao estudo do que vem a ser educomunicativo (SOARES, 2011, p. 48). Segundo Belloni (2012), o termo híbrido mídia-educação é legitimado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na Declaração de Grünwald, de 1982, a qual recomendava programas de educação para as mídias e de formação de educadores. O termo, explica, vem evoluindo. Se antes era
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considerado como “formação para a apropriação e uso das mídias como ferramentas: pedagógicas para o professor, de criação, expressão pessoal e participação política de todos os cidadãos” (BELLONI, 2012, p. 47), atualmente precisa ser entendido em suas várias dimensões, como a leitura crítica das mensagens em múltiplas telas, o uso pedagógico em situações de aprendizagem, a dimensão da inclusão digital e a dimensão como meio de expressão, que busca a participação de jovens (BELLONI, 2012, p. 52). Na seção a seguir discutimos as aulas de campo da disciplina de Educomunicação como espaços formativos.
AULAS DE CAMPO: A SALA DE AULA ENCONTRA A REALIDADE As aulas de campo, inspiradas nas aulas-passeio ou aulas-descoberta de Freinet (1998) são realizadas a cada semestre e tal qual propunha Freinet, são saídas “ao ar livre” para que os estudantes descubram novos cenários e paisagens, estabeleçam contatos, percebam novas possibilidades de aprendizagens. No contexto da disciplina, as aulas de campo, que contam com o apoio institucional da UFC por meio da concessão de diárias e transporte, se caracterizam por serem momentos que implicam deslocamentos para outros territórios fora de Fortaleza, com distâncias que variam entre 130 km e 600 km: viagens para o litoral de Trairi e para a região do Cariri, no sul do estado com vistas a conhecer as práticas educomunicativas da Escola de Ensino Fundamental e Médio Padre Rodolfo Ferreira da Cunha, na localidade de Canaan e da Fundação Casa Grande, no município de Nova Olinda. Sair das rotinas acadêmicas para ir ao encontro do outro, do desconhecido, do novo, um convite para vivenciar o que Foucault (1997) nomeia como “el pensamiento del afuera”, no sentido que a experiência favorece o movimento de colocar-se fora de si, para depois voltar a encontrar-se no final (p.17). Entendemos que tais aulas de campo constituem espaços ricos de formação, como propõe Avena (2008): “A viagem é uma possibilidade de formação, é um espaço sóciocultural de construção do conhecimento, é um movimento multirreferencial. É, em síntese, um espaço de aprendizagem multirreferencial privilegiado para a difusão do conhecimento” (2008, p.93). A viagem como espaço de formação, no sentido proposto por Avena (2008), se relaciona ainda com o conceito de Educomunicação de Donizete Soares (2006, p.01), como sendo um campo de pesquisa, de reflexão e de intervenção social (...) “um campo de ação política, entendida como o lugar de encontro e debate da diversidade de posturas, das diferenças e semelhanças, das aproximações e distanciamentos” (2006, p.04), com o qual temos completa identificação. As aulas de campo proporcionam reflexão, espaços de pesquisa e também de intervenção social na medida em que os estudantes se preparam e em função de conhecimentos construídos coletivamente no decorrer das aulas, compartilham seus saberes com os grupos das instituições visitadas. Algumas vezes buscamos atender as necessidades de formação das entidades e em outros momentos, elegemos de forma conjunta, temas de oficinas que podem ser ministradas durante as aulas de campo, seja pelo interesse dos sujeitos envolvidos, seja pela expertise em determinada área do saber, demonstrada pelos estudantes.
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Ao longo de três semestres foram realizadas quatro aulas de campo e na ocasião foram ministradas oficinas de fanzine, podcasting, stop motion, contos digitais e sobre redes sociais na educação. Em 2015.1 estão previstas duas viagens. Em abril, para a Fundação Casa Grande, em Nova Olinda e em maio, para a Escola Padre Rodolfo Ferreira da Cunha. Estão em fase de preparação as oficinas que serão oferecidas pelos estudantes às crianças e jovens que atuam na Fundação Casa Grande, bem como aos demais estudantes do município e cujas temáticas foram definidas: “Laboratório Criativo de Imagens”, “Campanhas Educativas no Rádio”, “Acessibilidade em portais digitais: Web design e linguagem de programação (CSS e XHTML)” e “Ensaios em Arte-educação”. A equipe da Fundação Casa Grande gostou das propostas e considerando a necessidade de organizar o amplo acervo deles de livros, DVDs, histórias em quadrinhos e CDs, solicitou ainda oficina para uso do software Biblivre. Como não temos no grupo ninguém com conhecimento nessa área, estamos em contato com professores do curso de Biblioteconomia para indicar aluno ou docente que possa capacitar a equipe na utilização do referido software. A Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, fundada em 1992, é uma organização não governamental cuja missão é “a formação educacional de crianças e jovens protagonistas em gestão cultural por meio de seus programas: Memória, Comunicação, Artes e Turismo” (s/d). Na área da Memória, a instituição possui acervo arqueológico e mitológico da região organizado para visitação no Memorial do Homem Kariri. A visita guiada é feita pelas crianças que aprenderam sobre as histórias dos povos indígenas que habitaram o lugar e explicam com pertinência os achados da pesquisa arqueológica feita pela Fundação. O programa de Comunicação reúne a emissora de rádio comunitária, a Casa Grande FM, a série documental produzida semanalmente, “100 Canal”, a editora que produz jornal, histórias em quadrinhos e outros materiais gráficos, o Teatro Violeta Arraes, que através de parceria com o SESC, tem programação regular de espetáculos musicais e teatrais. Toda a produção de conteúdo, desde a emissora de rádio até a série “100 Canal”, é integralmente feita pelas crianças e adolescentes, que também se revezam na gestão dos referidos espaços. A Gibiteca, o Cineclube e a Biblioteca e o laboratório de música integram o programa de Artes. Com grande acervo audiovisual, de livros e gibis, os espaços têm programação frequente aberta aos moradores da cidade. O Programa de Turismo é responsável por receber os visitantes que podem se hospedar nas pousadas comunitárias mantidas pelos pais das crianças e jovens que atuam na Fundação, bem como pela orientação sobre as atividades que podem ser realizadas na cidade de Nova Olinda e na região do Cariri de maneira geral. As crianças e jovens da Fundação Casa Grande também atuam na área de Educação Patrimonial e têm produzido vasto material audiovisual sobre a cultura da região, como é o caso da série SerTão Sonoro, com 30 programas sobre o Patrimônio Cultural Imaterial da região do Cariri. O contexto das aulas de campo que acontecem em Trairi é bem diverso, visto tratar-se de uma instituição educacional. Na sala de aula os alunos vivenciam experiências de educomunicação, tais como o Bioclick, projeto do ensino de Biologia que propõe a observação da fauna e da flora do município litorâneo de Trairi, para além dos livros
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didáticos e das aulas expositivas. Tal projeto consistiu na realização de concurso fotográfico sobre o ecossistema local, através de registro fotográfico, por meio de telefone celular, para publicação no perfil Rizoma do Canaan, o Facebook. Na rede social foi possível interagir com os conteúdos publicados, ampliando assim, o diálogo antes restrito ao espaço da sala de aula. Na visita a Trairi, além de conhecer as atividades realizadas pelos professores educomunicadores, os estudantes da Universidade Federal do Ceará são convidados a conhecer aspectos do meio ambiente local, como o mangue do Rio Mundaú, comprometido devido às inúmeras fazendas de carnicicultura da região, bem como o engenho de cana de açúcar onde se fabrica rapadura e outros produtos e ainda o trabalho da Associação de Moradores de Canaan, que mantém uma emissora de rádio de alto-falantes, uma biblioteca comunitária e oferece cursos gratuitos de informática. Como forma de documentar tais vivências, os alunos da disciplina de Educomunicação produzem memoriais, de caráter individual, em formato livre, em que registram os momentos mais significativos das aulas de campo. O objetivo desse registro é valorizar a expressão das subjetividades dos participantes, menosprezada, de forma geral, nos contextos de aprendizagem, especialmente no âmbito da educação superior. Alguns alunos optam pelo texto, em forma de relatório de campo, outros preferem produzir vídeos, fotografias, relatos sonoros, fanzines, sites, álbuns no estilo scrapbook e até mesmo fotonovelas. Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as aulas de campo são iniciativas significativas para a compreensão da educomunicação como área de intervenção social e para a formação do futuro profissional do curso de Sistemas e Mídias Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitário do contexto escolar, contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e participativas favorecem novas formas de aprendizagem. Entre os depoimentos, o reconhecimento da aula de campo como encontro de saberes. “A experiência como um todo foi bastante proveitosa. O contato com uma realidade diferente da nossa e a oportunidade de contribuir com o conhecimento são os pontos altos dessa empreitada”. O entendimento do processo como em construção, bem como uma visão crítica da atividade, também pode ser observada pelas respostas dos entrevistados. “Acho que é necessário planejar melhor para que não seja uma simples exposição. Também é importante conhecer o público para quem vai falar, de modo que o que vai ser dito, buscando exemplos mais próximos à realidade dos alunos”. A aula de campo como espaço de aprendizagem individual e coletiva também foi comentado pelos entrevistados. A vivência foi muito importante para nossa formação como possíveis educomunicadores. Lá tivemos a oportunidade de ver de perto e experimentar mais do contexto educomunicacional que tanto temos lido a respeito em artigos e discutido em nossas aulas. Foi muito gratificante participar do processo de compartilhamento de conhecimentos. É como se agora nos sentíssemos um pouquinho também responsáveis por aquele projeto. Em suma, foi uma experiência que, com certeza, impactou a todos nós e sempre será lembrada como um exemplo do que podemos fazer e um incentivo para irmos mais além (entrevistado 5).
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Muitos alunos mencionaram ainda, que pela primeira vez em sua formação acadêmica, saíram do espaço da Universidade e vivenciaram realidades distintas das que estão familiarizados. Alguns consideraram gratificante a possibilidade de trocar experiências com grupos de crianças e adolescentes de várias regiões do estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os depoimentos dos entrevistados indicam que as aulas de campo, de fato, se constituem como espaços de formação multirreferencial, como defende Avena (2008). São identificadas ainda como ações de intervenção social, no sentido de que pela troca de conhecimentos, os saberes se interconectam, na perspectiva do conhecimento complexo de Morin (2011). Fica evidenciado também, pelas respostas ao questionário, que pelo encontro, todos os envolvidos são afetados, do ponto de vista das suas subjetividades. Entende-se que tais vivências educomunicativas no ensino superior, discutidas de forma preliminar no presente texto, ensejam uma melhor sistematização, de forma a contribuir para a expansão de tais práticas no âmbito de outras instituições de ensino. Percebe-se ainda que é necessário ampliar a interlocução com outros segmentos da sociedade no sentido de oferecer aulas de campo em outros contextos e porque não, em outros estados nordestinos, considerando a proximidade geográfica e a facilidade de deslocamento. Fica o desafio.
REFERÊNCIAS Avena, B. M. (2008). Por uma pedagogia da viagem, do turismo e do acolhimento. Itinerário pelos significados e contribuições das viagens à (trans) formação de si. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Edução, UFBA. Salvador. Recuperado em 20 de março, 2015, de: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11806/1/Tese%20Biagio%20Avena.pdf Belloni, M. L. (2001). O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados. ______. (2012). Mídia-educação: contextos, histórias e interrogações. In: Fantin. M.; Rivoltella, P. C. (Org.). Cultura digital e escola: pesquisa e formação de professores. São Paulo: Papirus. Bordenave, J.E.D. (1984). A opção pedagógica pode ter consequências individuais e sociais importantes. Revista de Educação AEC, nº 54. Foucault, M. (1997). El pensamiento del afuera. Valência: Letra e. Freinet, C. (1998). Ensaio de Psicologia Sensível. São Paulo: Martins Fontes. Freire, P. (1988). A Importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22. ed. São Paulo: Cortez. Fundação Casa Grande. Ceará. Recuperado em 21 de março, 2015, de: http://www.fundacaocasagrande.org.br/principal.php. Kaplún, M. (2014). Uma pedagogia da comunicação. In: Aparici, R. (org). Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas. Martin-Barbero, J. (2014). A Comunicação na Educação. São Paulo: Contexto. Melo, J.M. de.; Tosta, S.P.(2008). Mídia & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora. Memorial Trairi. Ceará. Recuperado em 22 de março, de 2015, de: http://valeskamesquita. wix.com/memorialtrairi Morin, E. (2011). A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo Communication management on journalism extension courses A n t o n i a A lv e s P e r e i r a 1
Resumo: Este artigo apresenta uma reflexão preliminar do grupo de pesquisa que busca compreender como se dão os processos comunicativos nos projetos de extensão do Curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) que se utilizam do paradigma da Educomunicação, a saber: “Focagen” – Agência de Notícias Júnior; Revista “Se Lig@”; e “Catis” – Centro de Acesso à Tecnologia para Inclusão Social – esse atua mais na capacitação de professores da educação básica. Os referidos projetos contribuem para a prática de um jornalismo cidadão ao proporcionar o aprendizado das técnicas jornalísticas e da produção de um blog por meio de um processo que abre espaço ao protagonismo e ao exercício da cidadania. Ao passar pelas discussões a respeito da Educomunicação e do webjornalismo participativo, o grupo de pesquisa observou queo processo possibilita o aprendizado das técnicas jornalísticas para a produção do conteúdo de conteúdo de uma revista e de um blog jornalístico e acadêmico matérias pelos adolescentes de escolas públicas. Esses indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para a expressão dos atores, negociação de informações, valorização das decisões coletivas e mais do processo comunicativo que do produto final, apontam para as premissas educomunicativas no cerne dos projetos.
Palavras-Chave: Jornalismo Cidadão. Educomunicação. Gestão da Comunicação. Ecossistemas comunicativos. Extensão universitária.
Abstract: This article presents an initial reflection of a research group that aims at analyzing how the communicative processes happen on the extension courses of the Journalism Program from the Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), which has the Educommunication approach, such as: “Focagen” – a junior news agency; the magazine “Se Lig@”; and “Catis” – Technology Access Center to Social Inclusion – it works mainly on teacher education on basic level. The projects above mentioned contribute to the practice of citizen journalism by providing the learning of journalistic techniques and a blog creation through the processes of protagosnism and citizenship. By discussing about Educommunication and collaborative webjournalism, the research group observed that this process enables the learning of journalistic techniques for the creation of a magazine content as well as of a journalistic and academic 1. Mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Professora e pesquisadora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), antoniaalvesjor@yahoo.com.br.
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo Antonia Alves Pereira
blog in which adolescents from public schools are the authors-writers. These indications of dialogical communication, collaborative methodology, space for the actors’ expression, information sharing, the respect of collective decisions and of the communicative process more than the final product, point to the Educommunicative premises at the core of the projects.
Keywords: Citizen Journalism. Educommunication. Communication Management. Communications Ecosystems. University Extension Courses.
E
STE ARTIGO apresenta uma reflexão preliminar do projeto de pesquisa “Gestão da
comunicação nos projetos de extensão: Focagen, Revista Se Lig@ e Catis”, inserido no Curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Os projetos se utilizam do paradigma da Educomunicação, indo além da mera prestação de serviço à comunidade local. Eles contribuem para a prática de um jornalismo cidadão a partir da proposta de extensão universitária que articula saberes acadêmicos, prática discursiva e metodológica, visando a socialização e a coprodução de ideias, conteúdos, processos e produtos jornalísticos. O viés escolhido procura compreender como se dão os processos comunicativos nos mesmos. O Centro de Acesso à Tecnologia para Inclusão Social (Catis)2 atua na capacitação de professores da educação básica a fim de que compreendam as facilidades das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) por meio de sua apropriação para o uso pedagógico. Dessa forma, passam a interpretar dados, relacioná-los e contextualizá-los no seu cotidiano assumindo uma abordagem crítica no processo pedagógico com seus alunos (SILVA; OLIVEIRA, 2014). Por meio de oficinas e minicursos, a proposta metodológica do projeto contempla a apropriação técnica das ferramentas tecnológicas e o debate crítico da mídia a fim de tornar os agentes do processo construtores do conhecimento capazes de transformar a educação básica. Além da capacitação em relação ao conteúdo, os encontros semanais promovem a avaliação constante processual da proposta. Ainda em seu primeiro estágio de capacitação, os atores participam das oficinas em vista da apropriação ferramental. Segundo Silva e Oliveira (2014), num momento posterior, os participantes da rede de ensino serão acompanhados em sala de aula pelos executores do projeto a fim de que compartilhem experiências e vivências alcançadas. Assim, os gestores abrem espaço para o compartilhamento de saberes e para a promoção do diálogo e da livre expressão, em vista da socialização das experiências construídas. Isso corrobora com o pensamento da Educomunicação que rompe com a visão tecnicista (instrumentalização) ou determinista (determinismo tecnológico) ao discutir o processo no qual o professor é um mediador indispensável na promoção da dialogicidade e estímulo ao aluno para que se torne agente do processo, em um trabalho coletivo e colaborativo. 2. Surgiu em 2013 por meio da parceira com a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (Secitec/MT) para promoção da capacitação de docentes da rede pública de ensino do município de Alto Araguaia em vista da incorporação das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) em sala de aula. Foi institucionalizado como projeto de extensão universitária em 2014.
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Tendo o foco nos adolescentes, a revista Se Lig@ 3 visa a criação de ecossistemas comunicativos abertos, dialógicos e interdiscursivos utilizando-se de um jornalismo de concepção social para promover a cidadania a partir do olhar dos atores sociais que se apropriam de técnicas jornalísticas para a produção da revista. Após passar por avaliações desde sua criação em 2011, em sua atual fase, o projeto de extensão contempla a gestão participativa dando mais espaço de expressão aos estudantes de ensino fundamental (8º e 9º anos) e ensino médio. Assim, se transformaram em repórteres-mirins que saem em busca da notícia, trazem o material apurado e produzem colaborativamente a redação e edição do material jornalístico (PEREIRA; LACHOWSKI; TOMANIN, 2014). Por sua vez, a Agência de Notícias Júnior – Focagen4 atua em duas perspectivas. Como espaço laboratorial para os acadêmicos do curso de Jornalismo ao suprir a falta de profissionalização do mercado de mídia local. Enquanto ação de extensão universitária, apresenta-se como espaço experimental para a prática do jornalismo com viés cidadão que se utiliza da convergência midiática para proporcionar participação dos atores sociais, tornando-se espaço de prestação de serviço à comunidade local. Assim, a Focagen é uma agência de notícias experimental comprometida com a independência, credibilidade e pluralidade na proposta de atender o direito à informação da comunidade de Alto Araguaia e região. Tal processo se dá a partir da prática do webjornalismo, já que a mesma se utiliza apenas da plataforma digital para produzir conteúdo jornalístico para a web com envolvimento e participação dos alunos do Estágio Supervisionado e demais disciplinas que desenvolvam produtos informativos como podcasts, vídeos, textos e fotos a serem divulgados por meio do blog da agencia (SARDINHA; SILVA, 2014). Os bolsistas e alunos do projeto participam de reuniões para definição de papeis e atividades desenvolvidas de maneira circular, construção coletiva utilizando-se de estratégias como o diálogo, o intercambio, a reflexão e a produção criando uma vivência agradável que melhora a comunicação entre todos. Foi a partir dessa perspectiva que a equipe do projeto estendeu a experiência para agregar estudantes de ensino médio a fim de criar uma rede de blogueiros na região. Processo que se iniciou com oficinas que ajudaram nessa capacitação. Não sendo a intenção desse artigo discorrer sobre os projetos de extensão em tela, apenas apresentamos os mesmos em linhas gerais para que possam adentrar o foco da discussão, qual seja: a gestão da comunicação nos processos internos e externos de cada um deles. 3. Trata-se de um projeto de extensão universitária surgido em 2011. Nasceu como campo de estágio fomentando um diálogo com estudantes de escolas públicas das cidades de Alto Araguaia-MT e Santa Rita do Araguaia-GO a partir dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O projeto passou por revisões desde sua criação: campo de estágio, pois na cidade há ausência de meios impressos (2011); ganho de profissionalismo editorial e maior diálogo com alunos da educação básica (2012); enfoque educomunicativo ao elevar a participação dos estudantes ao protagonismo na confecção da revista (2014). (PEREIRA; LACHOWSKI; TOMANIN, 2014). 4. A Agência foi criada em 2009 para atender uma demanda da disciplina de jornalismo digital, sendo institucionalizada como projeto de extensão universitária em 2012 a fim de servir de espaço de estágio para os acadêmicos do curso de Jornalismo, o que acontece até julho de 2015, quando a mesma não mais poderá ser espaço de estágio, devido às alterações das Novas Diretrizes Curriculares do Curso.
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O VIÉS EDUCOMUNICATIVO DOS PROJETOS DE EXTENSÃO Assumindo o conceito da Educomunicação entendido como o “conjunto das ações inerentes ao planejamento e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos” (SOARES, 2001, p. 43), os projetos Catis, Focagen e Se Lig@ se pautam em um processo que melhora a comunicação entre todos os atores sociais envolvidos. Situação que é conseguida porque os mesmos atuam a partir de algumas das áreas de intervenção apresentadas pelos pesquisadores do NCE-USP5, a saber: mediação tecnológica, gestão da comunicação, reflexão epistemológica, expressão comunicativa a partir das artes e pedagogia da comunicação. Para o pesquisador brasileiro Ismar de Oliveira Soares, o conceito é emergente da prática sociopolítica das comunidades do continente latino-americano em seu esforço para romper a barreira de silêncio a elas imposta pelo pensamento liberal. Entretanto, de acordo com Roberto Aparici, o mesmo ganha densidade na era digital com as práticas da educação midiática (SOARES, 2014, p. 141). Isso se dá a partir de um ato comunicativo que implica reciprocidade na dimensão pedagógica, metodológica e ideológica (APARICI, 2010). Pesquisadores como Adilson Citelli e Roseli Fígaro também investigam o conceito atentos aos discursos sociais que são fomentados pelo diálogo entre os atores em vista de uma transformação social. A partir do discurso dos participantes, o uso das linguagens do processo comunicativo, bem como o fluxo de mensagens criam num novo sensorium entre os atos comunicativos e presença dos dispositivos técnicos que necessitam de mediação (CITELLI, 2010b, p.15). É nesse terreno sociocultural que os discursos tomam forma, necessitando da presença do gestor de processos comunicativos que atue de maneira dialógica reconhecendo as tecnologias como artefato de cultura que clamam pelo protagonismo da ação humana para desnaturalizar a lógica mercantil das tecnologias e ressemantizá-las pela lógica humanista (FÍGARO, 2010, p. 11). Eis o terreno em que atuam os projetos educomunicativos que tem como liga a gestão da comunicação nos espaços educativos por facilitar a intencionalidade dos processos, recursos e das TIC através de uma mediação participativa e democrática da comunicação. Portanto, essa área leva ao planejamento e à execução de políticas de comunicação educativa que facilitam a criação dos ecossistemas comunicativos envoltos nas tecnologias. Porém, esse ecossistema precisa ser colaborativo, criativo e democrático, já que o sistema da educação formal muitas vezes está carregado de práticas autoritárias e fechadas.
5. O conceito de Educomunicação foi sistematizado em 1999 a partir de uma pesquisa coordenadora pelo professor Dr. Ismar de Oliveira Soares (Universidade de São Paulo), financiada pela Fapesp, com pesquisadores e agentes da comunicação popular que atuavam na inter-relação comunicação e educação na América Latina. Na mesma foi identificado que esses agentes trabalhavam a partir de áreas de intervenção, a saber: 1) educação para a comunicação – estudos que envolvem leitura crítica da comunicação; 2) mediação tecnológica – quando os meios e recursos são utilizados para facilitar o acesso a todos os envolvidos; 3) gestão da comunicação – quando o processo se pauta em metodologias participativas, gestão compartilhada e construção colaborativa; 4) reflexão epistemológica – assegura que a teoria e a prática caminhem juntas; 5) expressão comunicativa através das artes – quando os atores sociais desenvolvem seus próprios produtos a partir da apropriação que fizeram. Atualmente, são sete as áreas de intervenção, pois foram acrescidas a partir de avanços das pesquisas acadêmicas do conceito: produção midiática – quando os meios de comunicação oferecem espaços e/ou produtos para serem construídos juntos com os atores sociais; e pedagogia da comunicação – quando as práticas educomunicativas adentram com intencionalidade o currículo escolar.
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É por este motivo que a área da reflexão epistemológica é considerada primordial para que o mediador confronte sua prática com o discurso educomunicativo e agregue novas contribuições que surgem a partir das pesquisas fomentadas nesse campo. A partir do momento em que este profissional se reconhece educomunicador, coloca em prática a área da mediação tecnológica capaz de superar a visão funcionalista e mecanicista que, geralmente, acompanha as tecnologias educativas. Isso porque as tecnologias só promovem a democratização e o acesso ao conhecimento se vier acompanhada de uma inclusão midiática, estabelecida sobre uma ação política democrática (SOARES, 2008b). É nesse contexto que os adolescentes se apropriam das tecnologias para produzirem cultura, colocando em prática a área da expressão comunicativa através das artes. Assim, ao conhecerem as ferramentas para a utilização de um blog, as técnicas jornalísticas para a produção de uma revista e as possibilidades que as tecnologias oferecem para melhorar a didática e metodologia das aulas, os atores sociais da Focagen e da Se Lig@ conseguem fazer um jornalismo cidadão a partir do seu olhar sobre a realidade. Essa área é visualizada no desenvolvimento do protagonismo juvenil que se expressa na sensibilidade humana, na estética das artes com seu potencial criativo e emancipador de manifestação artística da comunidade educativa como meio de comunicação acessível a todos (SOARES, 2011). Da mesma forma, os educadores do Catis enxergam possibilidades de interagir com seus alunos. De maneira especial, com a capacitação proposta, a área da pedagogia da comunicação reconhece o aluno como alguém portador de objetivos, posicionamentos, conteúdos, experiências e vivências compartilhadas por meio de um diálogo libertador que brota da mediação docente que suscita as manifestações artísticas, críticas, reflexivas, inventivas e discursivas dos alunos conforme defende autores como Ismar de Oliveira Soares e Heloisa Penteado (PEREIRA, 2012). Essa perspectiva dialógica defendida pela Educomunicação vem da prática de Paulo Freire que entendia o processo dialógico como parte do processo educativo que era essencialmente comunicativo construído com a colaboração do aluno que não era apenas um receptáculo de informações. É desse pensamento que educadores, comunicadores e agentes populares passaram a repensar sua maneira de atuação, valorizando a contribuição dos participantes de determinado processo seja na educação popular, nas rádios comunitárias, nos centros comunitários, dentre outros a partir dos anos de 1970. É também dessa premissa que surge a prática do webjornalismo participativo com seus sites/blogs que permitem que o leitor – interagente – participe da construção de notícias e do debate, inclusive, levantando outras questões a partir das notícias propostas. De acordo com Primo (2005, p. 4), “as tecnologias digitais têm servido como motivador para uma maior interferência popular no processo noticioso” já que ampliam as formas de acesso à Internet, assim como “a vulgarização de máquinas de fotografia digital e celulares que podem captar fotos ou vídeos e enviar mensagens multimídia”. Para este autor, “o principal papel do webjornalismo é cobrir o vácuo deixado pela mídia tradicional” (PRIMO, 2005, p. 8). É nesse sentido, que a Focagen se apresenta como uma alternativa criativa. Assim, a proposta de colaboração envolve tanto os produtores quanto os interagentes (autores/leitores) do webjornalismo, levando-os a participarem ativamente da construção
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e debate das notícias. Igualmente, os participantes dos projetos de extensão ora apresentados articulam suas atividades utilizando-se de metodologias participativas seja a partir da “pesquisa-ensino” – uma modalidade da pesquisa-ação que leva o educador a se debruçar em cima de sua própria prática (GARRIDO; PENTEADO, 2010) ou da gestão da comunicação que os mediadores fazem uso em todo o processo educomunicacional.
GESTÃO COMUNICATIVA, UM CAMINHO PROCESSUAL É essa trajetória educomunicativa que guia o presente projeto de pesquisa que nas fases de observação, de análise e de interpretação dos dados, que atualmente, se encontra na primeira fase. Os pesquisadores – três docentes e os bolsistas vinculados – participam das reuniões das equipes gestoras dos três projetos analisados, dos encontros com os atores envolvidos, da execução de atividades e levanta os materiais pertinentes: relatórios, atas, produtos, gravações, etc. Ainda nessa fase, iniciam-se as entrevistas com os atores sociais sobre sua percepção quanto ao processo comunicativo do grupo. Na fase posterior serão analisados os indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para a expressão dos atores, negociação de informações, dentre outros; além de verificar de que forma esses interlocutores dialogam e repercutem as decisões no grupo. De posse dessas informações, será traçado o perfil comunicativo de cada projeto em seu discurso, gestão e produtos. Assim, visa investigar de que forma a gestão dos processos comunicativos contribuem para o sucesso das iniciativas, posto que os resultados a serem obtidos poderão servir como parâmetro para um melhor aproveitamento das energias investidas (ou redirecionamento das mesmas), assim como forma de se criar o hábito da constante autocrítica/autoavaliação de modo a não apenas fazer (desempenhar atividades), mas, sobretudo, refletir sobre o que e como se faz. Finalmente, será apontado a presença dos indícios educomunicativos dos projetos de extensão no sentido de delinear o perfil da gestão da comunicação de um projeto de extensão que atue a partir da perspectiva da Educomunicação. No atual estágio da pesquisa, a fase de observação, percebeu-se que a equipe gestora – docentes, egressos, acadêmicos e bolsistas – faz uso de metodologia participativa de maneira a envolver todos nas decisões do encaminhamento das atividades do projeto. Isso foi percebido quando a coordenadora da Focagen elaborou a pré-pauta da reunião e compartilhou por e-mail com as professoras membros do projeto a fim dos ajustes necessários. Na reunião que se seguiu quando estavam presentes acadêmicos e bolsistas, a pauta fora apresentada e novamente sofrera alterações em relação aos procedimentos de gestão das atividades, bem como sobre as oficinas e facilitadores a serem realizadas com os adolescentes que integrariam a rede de blogueiros da Agência Júnior de Jornalismo. Semelhante situação se percebeu no projeto Catis quando a coordenadora, diante das dificuldades de comparecimento dos professores da rede pública convidados para o projeto a ser desempenhado no segundo semestre de 2014. Em visita da gestora às escolas, esses profissionais definiram o blog na perspectiva educativa para o delineamento das atividades do semestre, porém não compareceram às reuniões alegando sobrecarga de trabalho ou choque de horários entre as escolas interessadas, visto que
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muitas realizam seus momentos formativos na própria escola (hora atividade). Diante desse impasse e até pensando em desistência, a equipe gestora avaliou o processo e apontou como alternativa a participação dos acadêmicos do Curso de Letras do Campus de Alto Araguaia, visto que num futuro próximo estariam em sala de aula. Igualmente, na revista Se Lig@, a equipe gestora reavaliou sua caminhada muitas vezes em busca de encontrar a melhor alternativa para contornar os obstáculos que se apresentavam ao longo do processo, além de verificar se estava, de fato, seguindo um percurso educomunicativo em sua atuação. Para resolver o dilema impressão da revista versus financiamento pelo Campus num curto espaço de tempo (outubro/2014), visto que com as eleições estaduais não seria possível garantir orçamento para tal, a equipe decidiu-se reunir semanalmente com os estudantes ao invés de a cada quinze para que a revista ficasse pronta até o início desse mês. E assim, foram se percebendo diversos momentos em que o grupo como um todo precisava definir alternativas para que o projeto continuasse em seu percurso participativo. Se a equipe gestora se avaliava constantemente, também essa prática fora percebida quando essa equipe integrava os atores sociais envolvidos no projeto. Naquele momento, os gestores atuavam mais como facilitadores do diálogo abrindo espaço ao protagonismo deles, às sugestões que traziam para melhorar a gestão das atividades e oficinas. Foi esse exercício da cidadania que possibilitou o aprendizado das técnicas jornalísticas para a produção de matérias, do planejamento gráfico de uma revista e de um blog. No caso da Se Lig@, os adolescentes redirecionaram alguns passos da caminhada. Eles valorizaram muito o aprendizado das técnicas jornalísticas para a realização de entrevistas, apuração dos acontecimentos e produção de notícias, mas não deram muita atenção ao blog da revista – também parte importante do projeto. Ao mesmo tempo, criaram outros espaços para mostrar sua criatividade como o aplicativo para celulares, construído a partir de um site de internet, que podia ser baixado em celulares, assim como o mascote da revista: o Selinguinha. Outro fato interessante é que mesmo tendo passado pelas oficinas sobre os formatos jornalísticos – notícia, nota, artigo, resenha, entrevista, reportagem, etc. – muitos apareciam com outro formato textual. Diante disso, ao invés de dizer que estava errado, a equipe gestora dialogava com os redatores em busca de como apresentar melhor aquele formato de texto na revista. Diante do fato de alguns alunos terem desistido durante o percurso, alguns assumiram trabalho adicional – pautas e matérias. Tudo isso foi discutido, avaliado e assumido colaborativamente, pois havia um interesse de participação entre todos e a vontade de ver o produto final pronto. Em relação ao Catis, as dificuldades encontradas pela equipe gestora diante de um grupo que apresentava limitação de conhecimentos tecnológicos, inclusive relacionada ao uso de e-mail, foram limitadoras do processo de construção colaborativa do blog. Por este motivo, o processo foi bem mais lento ao que se espera que no primeiro semestre de 2015, a proposta avance um pouco mais. Já o processo de gestão na Focagen, levou os facilitadores das oficinas a ficarem atentos para redimensionar o conteúdo e a proposta da mesma para atender aos interesses dos alunos, visto que alguns temas se mostravam complexos. Diante disso, pode-se perceber que no trabalho educomunicativo, os mediadores vão construindo o processo
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juntamente com os integrantes a fim de que a tônica do percurso seja de fato respaldada pelas metodologias participativas em direção à corresponsabilidade entre os envolvidos. Em sua, podemos que a Educomunicação está permitindo um planejamento e avaliação processual, criando e fortalecendo ecossistemas comunicativos, melhorando as relações interpessoais e utilizando os recursos tecnológicos como instrumentos que auxiliam no processo de aprendizagem (SOARES, 2001, p. 43). Ao se apropriarem das técnicas jornalísticas, de como produzir fotografias, charges e ilustrações diversas, bem como do planejamento gráfico, os estudantes trabalham temáticas relevantes a seu contexto sociocultural. Para Soares (2011, p. 31) esse processo permite que esses atores se abram para “a compreensão crítica da realidade social e [ampliem] seu interesse em participar da construção de uma sociedade mais justa, confirmando sua vocação pela opção democrática de vida em sociedade” [grifo nosso]. Outro fator importante dentro desse processo educomunicativo é a partilha de saberes, já que os graduados ou egressos do Curso de Jornalismo compõem o processo de produção da revista, sendo multiplicadores do aprendizado adquirido. Através de oficinas de charges, fotografia e gêneros opinativos criam um canal de diálogo com os alunos do projeto, por meio do compartilhamento de experiências e apresentação de conceitos jornalísticos. Essa experiência propiciou aos alunos da rede pública que expusessem um olhar crítico sobre a sociedade em que vivem, trazendo temas pertinentes a sua realidade por meio de fotografias, textos e ilustrações. Dessa feita, foram além de uma mera reprodução de suas visões de mundo, tendo que ouvir outros agentes da sociedade para que os conteúdos produzidos se alinhassem a uma vertente cidadã, seguindo aos preceitos jornalísticos de apuração. Da mesma forma, os estudantes multiplicavam seus conhecimentos ao levarem a experiência processual da revista para suas escolas de origem ao elaborarem um jornal mural do projeto extensional da Se Lig@. À medida que se apropriavam das técnicas jornalísticas, deixavam de serem meros espectadores tornando-se protagonistas assumindo uma postura crítica e participativa na apresentação de novas propostas e apontamento sobre o percurso vivenciado. Igualmente, o olhar crítico em relação ao material apurado nas entrevistas permitiu que os mesmos entendessem seus direitos no ambiente em que vivem – escola, bairro, cidade – ao mesmo tempo que passaram a respeitar mais o do próximo em sociedade. Esse exercício de viver em sociedade, de forma crítica e construtiva, com ênfase no respeito aos direitos humanos e a prática da cidadania, é uma decisão coletiva e transformadora (PEREIRA; ALENCAR; SILVA, 2014, p. 4).
CONSIDERAÇÕES PROCESSUAIS Como já foi dito que o presente artigo encontra-se na fase de observação da gestão da comunicação nos projetos de extensão Focagen, Se Lig@ e Catis, os resultados apresentados até o momento são preliminares, pois são frutos apenas de observação das reuniões das equipes gestoras e de encontro com os atores sociais de cada um dos projetos. Os pesquisadores continuam observando esse processo que será contemplado com as entrevistas a serem realizadas com os participantes dos mesmos, além da análise minuciosa dos relatórios, atas, produtos, gravações dos mesmos.
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Em suma, foi importante perceber que o discurso educomunicativo contido na descrição dos projetos perpassa o discurso da equipe gestora e a metodologia de mediação das reuniões e encontros, apontando para a presença do conceito no interior dos mesmos. Diante das dificuldades encontradas em cada caminhada processual, as equipes souberam ser criativas para encontrar soluções a partir do paradigma da Educomunicação, valorizando o diálogo e o espaço ao protagonismo dos atores sociais. Da mesma forma, as oficinas foram além da simples “transferência” de conteúdos em direção a uma facilitação processual que passa pela reflexão, apropriação e expressão crítica. Ainda podemos aponta a melhora na comunicação entre todos os envolvidos, visto que alguns alunos chegaram muito tímidos ao início das atividades. Ao se apropriarem das técnicas jornalísticas e perceberem que seu conhecimento anterior – como no caso do aluno que domina o universo dos games – fora valorizado e aproveitado para a produção de uma matéria, a timidez foi vencida. A mãe6 desse aluno deu um depoimento no blog da revista sobre o quanto o projeto ajudou seu filho a superar a timidez e sair do isolamento dos jogos virtuais. Esses indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para a expressão dos atores, negociação de informações, valorização das decisões coletivas, valorização mais do processo comunicativo que do produto final, apontam para as premissas educomunicativas no cerne dos projetos.
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Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos Intellectual production in radio: contemporary studies L u c i a n o V i c t o r B a r r o s M a l u ly 1 Wi lton Ga rc i a 2
Resumo: Este artigo relata a experiência desenvolvida na Rádio USP 93,7 FM, emissora educativa ligada à Universidade de São Paulo (Brasil), em 2014. A proposta foi a produção de um programa radiofônico acerca dos chamados estudos contemporâneos, com o objetivo de indicar ao público determinadas possibilidades de elaboração do pensamento atual, como produção do conhecimento da comunidade acadêmica. A base teórica foi construída após a recuperação do artigo A Tomada do Rádio e da Bastilha por Walter Benjamin (1989), de Celso José Loge, que discute a disseminação de ideias a partir da democratização do Rádio, tendo como base a palestra radiofônica de Walter Benjamin para o público infanto-juvenil cujo tema foi a Tomada da Bastilha. A possibilidade da construção de um canal educomunicativo para a divulgação científica foi o principal resultado alcançado pela experiência, cuja peça sonora serve como referência para estudantes, docentes, pesquisadores e profissionais diante da multiplicação do saber.
Palavras-chave: Estudos Contemporâneos. Palestra Radiofônica. Radiojornalismo. Rádio USP 93,7 FM.
Abstract: This paper reports the experience developed on Radio USP 93.7 FM, educational station connected to the University of São Paulo (Brazil) in 2014. The proposal was to produce a radio program about the so-called contemporary studies, in order to indicating to the public certain development opportunities of current thinking, as production of the academic community knowledge. The theoretical basis was built after the retrieving of The Taking of Radio and the Bastille by Walter Benjamin (1989), José Celso Loge, discussing the spread of ideas from the democratization of Radio, based on the radio lecture Walter Benjamin for children and youth whose theme was the Bastille taking. The possibility of building a educomunicativo channel for science communication was the main result achieved by experience, the sound piece serves as a reference for students, teachers, researchers and professionals on the multiplication of knowledge.
Keywords: Contemporary Studies. Radiophonic lecture. Radio journalism. Radio 93.7 FM USP.
1. Doutor em Ciências da Comunicação e professor, ambos na ECA-USP (lumaluly@usp.br). 2. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, professor na FATEC Itaquaquecetuba e no Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso (wgarcia@usp.br).
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Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos Luciano Victor Barros Maluly • Wilton Garcia
INTRODUÇÃO QUE E como as pessoas pensam são indagações dos comunicadores quando se
O
deparam com diversos fatos do cotidiano, sendo que várias dessas contribuições estão vinculadas ou mesmo restritas ao universo acadêmico. Possibilitar ao acesso a esse conhecimento é um desafio aos comunicadores. A aventura se faz pela combinatória de se expor, publicamente, um volume enorme de informações para que a mensagem possa abstrair o deslocamento necessário à atenção. Nesse aspecto, o rádio possui características, como a do baixo custo, que auxiliam os intelectuais nessa possível aproximação com o público (ORTRIWANO, 1985, p. 78-81). Foi assim que o rádio permitiu aos pensadores, particularmente aos professores e pesquisadores, revelarem trabalhos científicos e filosóficos, antes restritos aos letrados por meio de artigos e ensaios. Um trabalho árduo e difícil aos comunicadores que buscam formas de encontrar uma linguagem facilitadora à compreensão, por exemplo, de termos técnicos e específicos. A divulgação científica já integra o cronograma das pesquisas, sendo um fator fundamental para o resultado do trabalho. Por isso, os pesquisadores têm como obrigação, a produção intelectual e, para alguns, artística. Mas, como esse trabalho pode chegar ao público? Uma saída para este impasse é a produção, sendo possível ao pesquisador utilizar os meios de comunicação como instrumento interativo. O rádio é um meio tradicional e já conhecido no processo de educomunicação. Nessa perspectiva, os pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti (2008), destacam o pensamento de Mário Kaplún, um dos pioneiros no processo de democratização dos meios de comunicação, em especial na América Latina: Podemos concluir que as propostas de Kaplún para a utilização dos meios de comunicação como forma de promover a constituição de uma massa crítica e a compensação de um sistema educacional falho, ajudando a diminuir as desigualdades sociais e a promover o desenvolvimento, mantém hoje a mesma atualidade de suas publicações (MEDITCH & BETTI, 2008, p. 10).
O ideal de Mario Kaplún continua a influenciar diretamente os comunicadores e os educadores populares (PINTOS, 2001), mas foram as propostas de Bertolt Brecht (2005), com a sua Teoria do Rádio – 1927-1932 e, em particular à divulgação científica, de Walter Benjamin (1986), que o processo de radioeducomunicação começa a conquistar adeptos. A palestra radiofônica de Walter Benjamin para o público infanto-juvenil revela a Bastilha como um instrumento de poder, destinada a ser, no século XVIII, não só lugar de presos políticos e presos policiais, bem como o espaço de lazer da nobreza parisiense. Benjamin estremeia à narrativa do homem da máscara de ferro observações sobre: formas de detenção e tratamento de detentos, sistemas de comunicação entre eles, prevenções contra escândalos, corrupção administrativa, finalizando com a história da administração da justiça. A intenção benjaminiana era popularizar ideias científicas decorrentes de uma prática de democratização do rádio (LOGE, 1989, p. 17).
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O texto “A Tomada do Rádio e da Bastilha por Walter Benjamin” foi publicado na Revista Comunicações e Artes, em novembro de 1989, pelo professor da Escola de Comunicações e Artes, Celso José Loge. O resumo do ensaio é uma síntese do trabalho radiofônico do pensador alemão que, segundo o autor, foi convidado pelo diretor da Rádio Frankfurt/Main, Ernest Scholem, para fazer palestras radiofônicas (remuneradas) a respeito de livros, questões culturais etc. O professor da ECA/USP cita o texto “Dois tipos de popularidade: observações sobre a radiopeça” (1986) para contextualizar o pensamento de Walter Benjamin acerca do rádio. Segundo Loge (1989, p. 18), em relação à popularização do estilo tradicional que omitia os pensamentos mais difíceis do conhecimento científico consolidado e experimentado, como, por exemplo, o que fazia o livro didático, Benjamin coloca o rádio enquanto veículo de popularização abrangente e intenso. [...] Pois aqui se trata de uma popularidade que não apenas orienta o saber em direção ao público, mas, ao mesmo tempo, o público em direção ao saber. Em suma: o interesse autenticamente popular é sempre ativo, transforma a matéria do saber e atua sobre a própria ciência [...]. Foi essa a intenção de minha tentativa (BENJAMIN apud LOGE, 1989, p. 18).
Celso José Loge revela ainda que, na peça radiofônica Tomada da Bastilha, Benjamin tenta uma experimentação acerca da linguagem, a arte de narrar, a possibilidade de recrutar histórias antigas para evocar o passado, entender o presente e sonhar com o futuro (LOGE, 1989, p. 19). Como base na perspectiva da análise de Loge sobre o trabalho de Walter Benjamin é que se procurou construir um programa de rádio com enfoque educativo-cultural, respeitando a linha editorial da Rádio USP FM 93,7. Esta premissa é a base deste artigo que propõe uma reflexão acerca da produção intelectual em rádio, tendo como o objeto um programa cujo escopo seria de levar ao público o pensamento de um pesquisador brasileiro sobre estudos contemporâneos. Utilizou-se de recursos usuais, como a entrevista, a leitura de trechos de obras impressas (como trechos de livros) e músicas. A técnica escolhida pode ser diferente, mas a intenção é a mesma do pensador alemão, ou seja, a de popularizar as ideias científicas – de determinada produção intelectual – por meio da democratização dos meios de comunicação, no caso o rádio.
O PROGRAMA O Programa Especial foi planejado com a intenção de debater a produção do conhecimento do professor, pesquisador e artista visual Wilton Garcia a respeito do tema. A estratégia inicial seria a de utilizar as publicações e a trajetória dele como gancho para a discussão em torno do conceito de estudos contemporâneos. Após consenso entre os produtores e o protagonista, ficou decidido que o melhor formato seria o de perguntas e respostas; ou seja, a entrevista. A diferença é que as perguntas seriam inseridas para auxiliar o entrevistado no desenvolvimento do tema. A função do entrevistador era auxiliar o convidado no desenvolvimento da proposta, justamente para evitar possíveis lacunas durante a gravação.
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O pré-roteiro serviu para orientar o produtor Carlos Augusto Tavares Júnior, radialista e, na época, aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. Solicitou-se ao professor Wilton que indicasse as músicas de sua preferência, que seriam inseridas posteriormente como forma de ilustração do programa, sendo que as músicas escolhidas foram Memorial e Misere de Michael Nyman (as duas foram usadas nas sonoras, apenas para variação de trecho); Guardanapos de Papel e Rouxinol de Milton Nascimento e Sereníssima e Baader Meinholf Blues (trilha musical: violão, baixo e bateria) do Legião Urbana. Ficou decidido, ainda, que o entrevistado faria a leitura de trechos de suas publicações. Apenas duas partes: o conceito de usuário-interator e o prefácio do Livro Feito aos poucos_anotações de blog (2013) seriam lidos, respectivamente, pelo produtor Carlos Augusto Tavares Júnior e pelo mediador, professor Luciano Victor Barros Maluly. O pré-roteiro foi pensando em conjunto, o que facilitou a gravação. Além disso, o envolvimento discente e docente proporcionou uma interação com o objetivo de repassar à comunidade externa à Universidade um pensamento limitado ao universo acadêmico. O rádio foi o meio escolhido pela facilidade de produção, conhecimento dos envolvidos (no caso, os produtores) e pelo acesso à Rádio USP 93,7, emissora educativa da Universidade de São Paulo, que concedeu espaço para a transmissão do programa. A gravação foi realizada no Estúdio Laboratório João Walter Sampaio Smolka (19312002) do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, em 20 de março de 2014. Durante a gravação, ocorreram mudanças no roteiro. Assim, alguns trechos foram modificados pelo mediador e pelo protagonista na busca de facilitar o desdobramento da linguagem acadêmica. Da mesma forma, o produtor interferiu ao solicitar uma conversa aberta e solta, com o roteiro servindo como referencial para o entrevistado e o entrevistador. A Rádio USP FM 93,7 realiza um trabalho diferenciado de abertura para com a comunidade acadêmica. Vários programas são produzidos por alunos e professores, entre eles, o Universidade 93,7, sempre aos domingos, das 11h30 às 12 horas, desde 2008, com o áudio também sendo disponibilizado pela Internet nos sites da emissora e do programa3. O programa é conduzido pelos alunos do Curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, sendo utilizado, também, por professores e pesquisadores da Escola de Comunicações e Artes para a divulgação de trabalhos acadêmicos4. Dessa forma, este espaço foi disponibilizado para transmissão do programa a respeito de estudos contemporâneos, mas com um diferencial: o programa teria uma hora de duração e foi transmitido no dia 23 de março de 2014. 3. www.radio.usp.br e www.eca.usp.br/ radiojornalismo Acessos em 15 de março de 2015. 4. Vale destacar que essa Emissora tem tradição na produção de programas de divulgação científicoeducativa, tanto que o programa Cantores Bons de Bico tornou-se referência à comunidade acadêmica. O programa é uma série sobre os pássaros cantores brasileiros realizado pelo Núcleo José Reis de Divulgação Científica, com a coordenação da professora Gisela Swetlana Ortriwano, do biólogo Ricardo Gandara Crede e da ex-coordenadora de Pesquisa do Núcleo José Reis, Glória Kreinz. A série foi veiculada de outubro de 2003 a dezembro de 2004, com os áudios também disponíveis no site www.radio.usp.br. Com duração média de 3 minutos, a produção era composta por vinhetas, músicas selecionadas sobre o tema, áudios dos cantos dos pássaros e textos - transmitidos pelos locutores - com principais dados sobre o tema. O interessante é a cooperação entre os pesquisadores de diversas áreas, que conseguiram transmitir peculiaridades de um tema específico.
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TEC VINHETA DE ABERTURA – UNIVERSIDADE 93,7 TEC BG/SD MÚSICA – Wilton escolhe uma música de preferência - Michael Nyman TEC – CRÔNICA - WILTON FEITO AOS POUCOS (1) – LEITURA WILTON OU OUTRO Obs: escolher um dos textos + Bom dia, ouvintes. Meu nome é Luciano Maluly, professor de radiojornalismo da ECA/USP e a produção deste programa é de Carlos Tavares Júnior. + Você acabou de ouvir o texto Imagens e Vertigens do livro FEITO AOS POUCOS_ANOTAÇÕES DE BLOG. + Mais uma vez, eu solicitei este espaço para os alunos de jornalismo para conversar com um dos mais importantes pensadores sobre comunicação e cultura do país, que é autor do trecho que vocês ouviram texto acima. + Vamos ouvir um pouco sobre a trajetória dele. TEC BG/SD – Wilton escolhe uma música de preferência - Legião Urbana + Graduado em Letras pela PUC de São Paulo, também é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e Pós-Doutor em Multimídia pelo Instituto de Artes da Unicamp. + Trabalha com fotografia, internet, performance e vídeo, com experiência na área de artes, comunicação e design. + Diante dos chamados estudos contemporâneos investiga temáticas de consumo, corpo e imagem. + É professor da FATEC-ITAQUAQUECETUBA e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNISO (Universidade de Sorocaba). + É autor de diversos livros, como O METROSSEXUAL NO BRASIL e CORPO, MÍDIA E REPRESENTAÇÃO, ambos sobre estudos contemporâneos. + Já o último livro é FEITO AOS POUCOS_ANOTAÇÕES DE BLOG sobre as suas experiências digitais. + Estamos falando do professor, pesquisador e artista visual, Wilton Garcia. + (!) Wilton, muito obrigado pela presença! RESPOSTA/WILTON + Neste programa, vamos conversar sobre ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS, que é a base do pensamento de Wilton Garcia. + (?) Wilton, o que são estudos contemporâneos? RESPOSTA/WILTON + Este pensamento está presente na maioria de suas obras, sendo uma construção que começa com seus estudos sobre cinema, em particular com Peter Greenaway, autor de filmes como o Cozinheiro, o Ladrão, sua mulher e o amante, do qual ouvimos a trilha já no início do programa. + Conta um pouco para gente sobre essa experiência. RESPOSTA/WILTON (Wilton lê também um trecho do livro) TEC BG/SD – MÚSICA Wilton escolhe uma música de preferência (Michael Nayman) + As suas pesquisas também estiveram relacionadas ao entendimento da Homocultura. + Foi assim que você publicou o seu primeiro livro A FORMA ESTRANHA: ENSAIOS SOBRE HOMOEROTISMO E CULTURA. + (?) Como foi o início dessa perspectiva, ou seja, qual era a sua preocupação naquele momento? RESPOSTA/WILTON (Wilton lê também um trecho do livro) TEC VINHETA DE PASSAGEM– UNIVERSIDADE 93,7 TEC BG/SD MÚSICA – Wilton escolhe uma música de preferência – Legião Urbana + Logo depois, surge o livro HOMOEROTISMO E IMAGEM NO BRASIL, que foi fruto de sua pesquisa de doutorado. + (?) Qual é a sua preocupação nessa pesquisa, particularmente com a imagem? RESPOSTA/WILTON RESPOSTA/WILTON (Wilton também lê também um trecho do livro) + Estamos conversando com o pesquisador, professor e artista plástico Wilton Garcia sobre o tema ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS. + Uma outra vertente do seu trabalho diante dos estudos contemporâneos foram retratados nos livros CORPO, MÍDIA E REPRESENTAÇÃO e mais recentemente na obra O METROSSEXUAL NO BRASIL. + Nesses livros, a sua linguagem é mais acessível ao público. + (?) Qual foi a sua intenção? RESPOSTA/WILTON TEC BG/SD MÚSICA – Wilton escolhe uma música de preferência (Milton Nascimento) + (?) O conceito de usário-interator já é muito utilizado. Gostaria que você explicasse esse pensamento? RESPOSTA/WILTON TEC – Sonora Carlos Tavares lê trecho sobre o conceito de USUÁRIO-INTERATOR + No seu último livro FEITO AOS POUCOS_ANOTAÇÕES DE BLOG, você retrata a sua experiência com as mídias digitais. + (?) Revele para a gente o seu pensamento sobre esse universo? RESPOSTA/WILTON + (?) Voltando ao livro, o que você pretendeu revelar? RESPOSTA/WILTON TEC BG/SD – MÚSICA SOBRE O TEMA Wilton escolhe uma música de preferência – Milton Nascimento + O programa está chegando ao final e o microfone está aberto para suas considerações finais. RESPOSTA/WILTON + Muito obrigado a todos e até o próximo Universidade 93,7. + Os trabalhos técnicos foram de Carlos Tavares Júnior. + Para terminar, eu vou ler o prefácio que escrevi sobre FEITO AOS POUCOS_ANOTAÇÕES DE BLOG. TEC TRECHO LUCIANO POUCOS_ANOTAÇÕES DE BLOG. TEC VINHETA DE ENCERRAMENTO
Figura 1. Pré-Roteiro do Programa sobre estudos contemporâneos Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS Tal experimentação delineia o saber atestado pela complexidade (o complexus) efervescente e contínua do pensamento desdobrado em uma infinita fluidez (ação) sobreposta no contexto/objeto. Com isso, o contemporâneo contempla atividades que cooperam entre si – como desígnio de auto-realização, autopoiesis (MATURANA, 1997). Elas compõem uma experiência (inter)mediada por uma manifestação quase indescritível do objeto. Trata-se de uma proposta crítico-conceitual que equaciona estética, técnica e ética. Ou seja, relacionam-se aspectos econômicos, identitários, socioculturais e políticos, a partir de estudos contemporâneos (BAUMAN, 2008, 2013; CANCLINI, 2008; EAGLETON, 2012; GUMBRECHT, 2010; HALL, 2005; PELBART, 2013; VARGAS-LLOSA, 2012; VILLAÇA, 2011), a efetivar produção do conhecimento. A expectativa dos estudos contemporâneos seria investigar um contexto capaz de prolongar a expressão de novas/outras” possibilidades, a evidenciar uma dinâmica que pontua a fruição de diferentes áreas do conhecimento, tais como: arte, comunicação, design, moda e publicidade. Essas áreas desdobram-se o interdisciplinar (BASSIT, 2010) e convergem em redes de coordenadas de conversações (MATURANA, 1997). Isso se arma pela compreensão do objetivo proposto: tentar inovar e avançar a discursividade agenciada pelas estratégias que informam acerca de mercado-mídia, que vetoriza o consumo. Como desdobramentos dessas implicações, aciona-se uma atmosfera investigativa interdisciplinar sobre as tramas do corpo. Com efeito, a área dos estudos contemporâneos associa e desdobra os estudos culturais – em suas variantes (o multiculturalismo, o pós-colonialismo e a diáspora) – às tecnologias emergentes. Verifica-se um esforço congruente que estimula a sinergia entre diferentes correntes do pensamento. Nesse sentido, tais estudos atualizam a cooperação entre discursividades contemporâneas, cujo escopo concentra-se na discussão teórica e prática acerca de responsabilidades socioculturais, políticas e identitárias (HALL, 2003). Importante destacar que essas responsabilidades possibilitam fluxos de informações as quais transitam em diferentes segmentos acadêmicos e/ou mercadológicos. Constata-se um enlace, por exemplo, entre escola e empresa. Grosso modo, são estudos que exibem e investigam um fértil território de agenciamento/negociação. Tanto nos estudos culturais quanto nas tecnologias emergentes, a reflexão a respeito da proposição binária (centro/periferia, hegemônico/subalterno, opressor/oprimido ou tradicional/moderno) demonstra ser ineficaz, bem como reduz a possibilidade de indagar outras abordagens teóricas mais avançadas, que debatem a realidade, de fato. Esse posicionamento serve como contraponto de agenciamento/negociação da exclusão de termos. Os estudos contemporâneos, assim, permeiam as fronteiras de qualquer sistema, em que há uma agudeza com o limite conflitivo da tentativa de uma voz de domínio/ controle – com o discurso hegemônico mainstrean – já estabelecido. O campo contemporâneo da comunicação, por exemplo, estratifica-se no viver compartilhado pela tecnologia e pela lógica do mercado-mídia que acentuam o impacto do consumo. O violento volume das manifestações pulsante na sociedade está efetivamente (de)marcado pelo consumo, cada vez mais enfático de táticas ferozes, com seus enunciados eloquentes. Por isso, vale o pensar. São muitas as possibilidades comunicacionais do sujeito no cotidiano, em sua sujeição (inter)subjetiva contingencial.
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Entre natureza e cultura urge o sujeito envolto ao ato comunicacional. Para garantir um diálogo, é preciso que a memória esteja viva. Tão viva quanto à possibilidade de o pensar (saber) e o agir (fazer), que consolidam uma sutura a se estender nas artimanhas de teoria e prática. Ao reiterar o pensar e o fazer, a atualização incorpora fatos que surgem com a experiência cotidiana na aplicação da pesquisa – daquele instante da produção de conhecimento – como ato constituinte de atualizar o saber e o fazer. Olhar para os estudos contemporâneos seria (re)considerar as atualizações e as inovações recorrentes na sociedade contemporânea. Para o mercado, inovar seria, decididamente, criar “novos/outros” produtos e/ou serviços. Para a mídia, cabe o lançamento de novidades; a bola da vez. “Nenhum estilo de vida na história tem sido mais amante da transgressão e da transformação, mais emaranhado do hibridismo e do pluralístico do que o capitalismo” (EAGLETON, 2005, p. 166). O capital é um referente significativo que comanda e atualiza a lógica mercadológica, que inclui a dita contemporaneidade. Com isso, destaca-se o consumo no mercado-mídia, na atualidade, de acordo com distintas maneiras de experimentar, avaliar e conferir o processo de desenvolvimento como produção de conhecimento. Segundo Baitello Jr. (1997, p. 78): O contemporâneo apresenta-se como rede na qual os acontecimentos se desenvolvem indissoluvelmente associados ao seu contexto. Nada se dissocia de nada, tudo se associa a tudo. A causa se transforma em caso e inaugura com isto uma reação em cadeia da qual o receptor participa com sua presença, com sua percepção, com suas emoções Acontecimento e percepção do acontecimento são temporalmente inseparáveis. O contemporâneo destrói a temporalidade; resta apenas a simultaneidade como elo que liga o que passou com o que está por vir.
Do que comporta o cotidiano, o campo contemporâneo da comunicação agencia/ negocia “novas/outras” chances de estabelecer mensagens significativas de diálogo e adesão. Observa-se esse tipo de experiência vinculada ao consumo atualmente. Nessa sociabilidade de acontecimentos, (re)dimensiona-se a troca de informações, cujo desafio inscreve a força do passado, na memória, que se presentifica (GUMBRECHT, 2010). Para Beatriz Sarlo (2007, p. 9) “O retorno do passado nem sempre é um momento libertador, mas um advento, uma captura do presente”. Entre o presente e o passado, determinado momento pode ser absorvido pelos elementos disponíveis na cena memorável, pelas derivativas do aqui-agora. Essa noção de contemporâneo destaca enfrentamentos para além o fator temporal a ser agraciado por sua própria conceituação. Isto é, uma noção muito além do cronológico que exprime o agora, o hoje o atual. Aqui, o conceito de contemporâneo tem mais valor. De acordo com Homi Bhabha (1998, p. 23): “Além” significa distância espacial, marca de um progresso, promete o futuro; no entanto, nossas sugestões para ultrapassar a barreira ou limite – o próprio ato de ir além – são incognicíveis, irrepresentáveis, sem um retorno ao “presente” que, no processo de repetição, torna-se desconexo e deslocado. O imaginário da distância espacial – viver de algum modo, além da fronteira de nossos tempos – dá relevo a diferenças sociais, temporais, que interrompem nossa noção conspiratória da contemporaneidade cultural.
Assim como o autor dos estudos culturais pensa o termo “além”, o mesmo equivale à sua própria expressão “quase que”. Se o primeiro visa ultrapassar o objeto e sua representação,
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o segundo tenta atingir uma condição anterior. Nesse caso, o contemporâneo indica circunstâncias previstas sobre algo do mesmo tempo, que vive na mesma época vigente. Ser presentificável ou comparecível a um referente – portanto, não deixa de ser sintoma de alguma coisa. Já a extemporalidade (o que está fora do tempo) abole tal propósito. As diretrizes de espaço-tempo, no entanto, auxiliam na contextualização e localização de objetos, sujeitos e suas representações. Uma efervescente passagem da ação diacrônica (marcada pela condição temporal: o já agora), à ação sincrônica (marcada pela condição espacial: relacional, da simultaneidade). Nesse bojo, vale a pena investir um olhar crítico-conceitual, capaz de estabelecer uma abertura flexível acerca da contemporaneidade como atualizações emergentes. O que urge, de imediato. Diante da emergência que aproxima pensamento e experiência. O enfoque acerca do contemporâneo, deste modo, visa alertar o que ocorre, agora, no evento/acontecimento. Diante da urgente necessidade, verifica-se o que está na agenda do debate. Mais que indicar uma questão temporal, a ideia de contemporâneo denomina um território de reflexões e desafios, em que noções, premissas, pressupostos, fundamentos e conceitos são (re)visitados, (re)lidos e (re)atualizados. Isso garante um exercício laboratorial do pensamento sobre as recorrências da sociedade atual. Há quem defenda a idade contemporânea instaurada por determinado campo da história, compreendida a partir da Revolução Francesa até os dias atuais, muito embora, fique a controvérsia de estabelecer essa larga e distante temporalidade. Tal idade contemporânea se pontuaria pelo regime capitalista no ocidente e, consequentemente, pelas disputas e hegemonia das grandes potências mundiais. Logo, constata-se a precariedade de resultante para apontar esse lugar do contemporâneo. O contemporâneo ressalta como enigma de deslocamentos acelerados da representação das coisas no mundo. A expectativa acerca de uma representação no contemporâneo (re)qualifica-se mediante frenéticas alterações, as quais colocam em evidência, estrategicamente, sua própria expressão. Tais alterações demonstram uma experiência, cada vez mais, superficial e instável. Nesse caso, somente seria possível causar efeito diante de uma situação impactante. O que surpreende. A novidade. O fascínio pela perplexidade expressa uma emoção tenaz com a (re)dimensão de atos surpreendentes, excessivos. Caso contrário, não há resposta. No contemporâneo, as coisas alteram-se – de modo instantâneo, imediato – sem necessariamente operacionalizar uma síntese de pensamento (teórico) ou realização (prática) de algum desfecho. Há mudanças. Torna-se quase impossível haver apenas um ponto de vista exclusivo, fixo para uma resposta concreta. As coisas padecem de ser agenciáveis, negociáveis: nada de esgotamento. Questões abertas e propostas pela contemporaneidade parecem impossíveis para o(s) observador(a) tomar um único ponto de vista: uma mera verdade. A noção de verdade está, amplamente, relativizada pela dinâmica da verossimilhança. Portanto, não há certo ou errado em uma resposta que tenta suprir uma pergunta, pois se deve ponderar aquilo que se aproxima e/ou distancia do propósito indagado. Ou seja, os parâmetros da relatividade continuam em alta. Dessa forma, os estudos contemporâneos mapeiam e entrecruzam diferentes conceitos, teorias, métodos, técnicas e críticas atuais, a fim de realizar (inter)mediações
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de experiências, cujos aspectos sincréticos reforçam as malhas (inter/trans)textuais. Estrategicamente, o fluxo de intercâmbio (re)vela um registro aberto – em constante transformação – e, por isso, necessita de uma ordem intercambial. Embora, intercambiar seria muito mais que trocar informações, pois garante o desdobramento sistêmico, fazendo com que cada eixo, cada percurso, cada bifurcação articule a dinâmica de resultados híbridos. Isso só é possível com um pensamento contemporâneo capaz de validar aberturas necessárias para trocas e/ou intercâmbios (re)feitos em compartilhamento de ideias e soluções criativas. Dito de outra maneira, o esforço desses estudos restitui uma tentativa de atualizar a escritura de ideias e conceitos que possam renovar a efetivação do discurso atento à sociedade. Atualizar refere-se à disposição de uma condição adaptativa para deslocar os enunciados discursivos. Atualizar implica mais que considerar as (re) configurações que inovam, reinscrevem, reinventam os dados do produto, do objeto, do resultado. No discurso da contemporaneidade, utilizo o termo “atualizar” para apontar “novos/outros” parâmetros, que às vezes podem ser mais coeso e/ou coerente, dependendo da flexibilidade e do deslocamento necessário dos enunciados. Assim, revolve-se a ideia de contemporâneo. Ao tentar atualizar um discurso aproxima-se do contexto reformulado como nova imagem, nova aparência, nova possibilidade, novo caminho. Destaque: atualizar requer aproveitar/otimizar recursos e diretrizes, já instalados (ou a serem), para se obter remodelações que intensificam a vivacidade de cada ação atualizadora, como somatório constante de (re)formulações e novidades. Somatório que pode gerar danos tanto positivos quanto negativos, dependendo de sua incursão técnica. Eis a imagem: quanto mais, melhor – como bola de neve! Para tanto, pretende-se relacionar a cada objetivo específico, uma atenção específica. Os estudos contemporâneos podem ser julgados como experimentação intelectual, uma proposição emergente – algo novo, ainda em discussão. Isso demonstra uma articulação peculiar de estratégias discursivas em processo. Tais estratégias são mecanismos que (re) instauram a condição adaptativa do objeto, cuja leitura crítica apoia-se nos estudos contemporâneos. Esse último suplementa categorias como: alteridade, ambiguidade, desejo, diferença, gênero, imaginário, intertextualidade, ironia, fronteira, poética, resistência e subjetividade. O movimento meticuloso desses estudos serve para “novas/outras” derivativas se expandem e estão empenhadas na promoção do conhecimento humano e sua carga afetiva. As impressões acerca do contemporâneo inserem “novas/outras” abordagens e leituras crítico-conceituais dos enunciados no trânsito mercadológico e/ou midiático. Ecologia, consumo, globalização, meio ambiente, sustentabilidade, por exemplo, envolvem algumas drásticas transformações recorrentes, mediante a urgência do debate. O modo de olhar contemporâneo tenta transformar imagens, contextos, objetos, produtos e/ ou processos. Mudanças que com sua voracidade afetam o intempestivo cotidiano; que reitera a morada das coisas no mundo. Mudar para melhorar! Por isso, patamares, cada vez mais agenciados/negociados, derrubam limites que circundam determinadas fronteiras. Fronteira aqui serve para ser abolida. Consideram-se, inclusive, as fronteiras que operam a comunicação do sujeito. Portanto, os territórios das representações replicamse acidentais, contaminados, contingenciais, híbridos, mestiços, relativos e sincréticos. Os deslocamentos de posicionamentos econômicos, identitários, socioculturais e políticos promovem um fluxo recorrente de instabilidades.
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Na vulnerabilidade de espaço-tempo, o contemporâneo agrupa e reformula pontos de investigações crítico-conceituais que se desdobram com a prática e o pensamento (re)inscritos por avanços e avatares tecnológicos – sobretudo com as implementações dinâmicas da cultura digital. Efetivam-se noções de interface e interatividade que, atualmente, se impõem pela possibilidade de sincretizar linguagens (verbais e/ou não verbais) hipermidiáticas, em tecnologias emergentes. Sem utopia, a ideologia se transpõe, agora, à tecnologia. Mudou o destino dos fatos. Bússola nova. Trocam-se as velhas posições conservadoras pela novidade sofisticada dos aparatos tecnológicos da cultura digital. Assim, a cultura digital sem a impressão humana não é nada, porque necessita de um valor representacional. Ou seja, o desenvolvimento tecnológico deve se basear, também, na preocupação sociocultural e política. Isso constitui uma mudança de paradigma, uma vez que aciona o estado de percepção-cognitiva, no qual envolve o ser/estar do sujeito contemporâneo. Isso é fundamental para legitimar sua posição social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A noção de contemporâneo, portanto, recorre-se de instabilidades a fluir uma dinâmica muito própria, (de)marcada por um estado eminentemente provisório, parcial, inacabado e efêmero, em um grau significativo de indecidibilidades (BHABHA, 1998), com expressões incomensuráveis. Ou seja, deslizante, latente, pulsante, plural, multidimensional. Diante de tamanha instabilidade, sem dúvida, isso requer (re)pensar a respeito das ações pulsantes, latentes, que estremecem e acusam efeitos de sentidos. Alto grau de instabilidade recombina conceitos, dados, informações e inquietudes. Essas instabilidades ilustram as expressões que associam uma condição contemporânea, capaz de prever a flexibilidade e o deslocamento como atividades inerentes à linguagem e suas caracterizações: não-linear, fragmentada, descontínua, simultânea, heterogênea, sincrética, acelerada, aberta, hermética, paródica, incompleta e impactante. Porém, cuidado ouvinte/leitor/a, pois diante da gama de distintas inserções não seria um “vale-tudo”. Pelo contrário, a eclética (re)paginação paradoxal dos dados tenta (re)inscrever os objetos, sujeitos e suas representações no contemporâneo. Ainda que acarretem uma possibilidade de risco, já que o perigo apresenta-se pelo desconhecido: aquilo que está por vir. São resíduos que compreendem e acusam o efeito – longe da busca de sentido –. O efeito verte um atrator significativo para ressaltar impacto, surpresa, inovação e novidade. Esses feixes de efeitos equacionam uma maior distensão a representação e contexto, sobretudo na escritura expandida pela atualidade. Experimentar, nesse caso, seria a palavra de ordem, em que as coisas podem ser tocadas e as novidades ressurgem com a artimanha interativa de envolver os participantes. Seria intervir nas coisas do mundo para mudar. É renovar as (de)marcações com a força das mudanças registradas pelo deslocamento de ideias e ideais. As resultantes, aqui, problematizam elementos das relações humanas na discussão sobre a comunicação, capital e desigualdade social, o que preocupa o acesso para que a informação chegue ao público leigo. Por isso, esses estudos possibilitam um posicionamento teórico e político. E foi assim, por meio deste pensamento, que se apresentou a proposta de um programa intelectual, com a intenção de aproximar a academia do cidadão. Independente
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do formato, o ouvinte tem, ao ligar a estação de rádio, a opção de sintonizar um conteúdo diferenciado, produzido por educadores que, assim como Walter Benjamin (1986, p. 86) desejam construir “uma popularidade que não apenas orienta o saber em direção ao público, mas, ao mesmo tempo, orienta o público em direção ao saber”.
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A Prática Cine Social em ONG: Construindo um imaginário social The Cine Practice in Social NGOs: Building a social imaginary Pâ mel a
de
Bortoli M achado 1
Resumo: Este artigo apresenta os principais tópicos de um projeto que visa aliar o cinema à educação, e propõe, no âmbito dos movimentos sociais, uma prática educativa-cine social. Junto a uma instituição que congrega jovens adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a ONG denominada Obra Social São João Bosco localizada em Campinas-São Paulo, será objeto de caso para a aplicação dessa prática, de modo que os processos de aprendizado possam ser re-significados a partir da instigação de um pensamento crítico promovido pelos filmes apresentados. Partindo desse pressuposto, faremos uso do conjunto inicial de documentários: Ilha das flores (1989), Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999), Babilônia 2000 (1999), A negação do Brasil (2000), O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (2000), Justiça (2004), Lixo Extraordinário (2010), e Paradise or Oblivion (Paraíso ou Esquecimento, 2012), de modo que a partir de suas temáticas possamos explorar uma pedagogia da leitura de imagens de um audiovisual, em que os participantes não só analisem como a narrativa foi construída, mas que haja provocação na formação de opinião a partir do conteúdo que a imagem comunica em situações concretas.
Palavras-Chave: Educação. Cinema. Social. Análise crítica. Abstract: This article presents the main topics of a project that aims to combine cinema education, and proposes, in the context of social movements, a socialeducational cine practice. Next to an institution that brings together young adolescents in social vulnerability, the NGO called Social Work St. João Bosco located in Campinas, São Paulo, is the case object to the application of that practice, so that the learning process can be re- meanings from the instigation of critical thinking promoted by the films presented. Based on this assumption, we will use the initial set of documentaries: Ilha das Flores (1989), Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999), Babylon 2000 (1999), A negação do Brasil (2000), O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (2000), Justiça (2004), Lixo Extraordinário (2010), and Paradise or Oblivion (2012), so that from its themes can explore a pedagogy of pictures of an audiovisual reading in which participants not only analyze how the narrative was built, but there is provocation in forming an opinion from the content that the image communicates in concrete situations.
Keywords: Education. Cinema. Social. Critical analysis. 1. Mestre e doutoranda em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. pam.dbmac@ gmail.com
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A Prática Cine Social em ONG: Construindo um imaginário social Pâmela de Bortoli Machado
INTRODUÇÃO: ISAMOS ABORDAR as possibilidades do cinema enquanto instrumento de meto-
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dologia na prática da educação cine social. Diante de uma televisão cada vez mais tomada por banalidades e leituras superficiais do país e do mundo, o cinema brasileiro apresenta-se como uma alternativa enriquecedora de experiências e ampliadora dos horizontes culturais daqueles que têm a chance de assisti-lo. Nesse sentido, consideramos importante e urgente a tomada por novos vieses de práticas educativas, da mesma forma que possamos ter noções sobre as diferentes formas de exploração do cinema brasileiro. Como Pasolini (1982), estamos certos de que “o cinema não evoca a realidade como a língua da literatura; não copia a realidade como a pintura; não imita a realidade como o teatro. O cinema reproduz a realidade: imagem e som” (PASOLINI: 1982, 107). E, assim, a base formada pelo conjunto cinema e sala de aula traduz-se na satisfação de que, por meio dessa interação, existe a possibilidade de re-significações e amplitude de novos conhecimentos. Além disso, a ideia de implementação desse projeto viabiliza a natureza da interação aluno-professor, uma vez que o educador, ao trabalhar com o filme, não deve limitar-se somente às questões temáticas; o filme, além de ser assunto, é imagem, som e movimento. As narrativas, as imagens e a música mexem inevitavelmente com os sentimentos de emoção, lembrança, memória, medo, etc. Com isso, sabendo que cada aluno terá sua perspectiva e compreensão do filme, o debate será o passaporte para a provocação de mudanças substancias no significado do filme, bem como sobre como isso pode ampliar os conhecimentos perante a classe de aula. Portanto, percebemos que uma obra cinematográfica que chamou a atenção por sua temática de crítica ou problema social, pode ser aproveitada em aulas e discussões, abordando questões como reorganização do espaço urbano, exclusões, violências, e a própria situação do aluno quando este pode se identificar na problemática apresentada pelo audiovisual.
ASPECTOS CONSIDERADOS NA PRÁTICA DO PROJETO: Movimentos sociais e transformação social pelo cinema: A Obra Social São João Bosco (OSSJB) é uma instituição não governamental sem fins lucrativos, pertencente à Rede Salesiana de Ação Social (RESAS) e atua no âmbito da prevenção de situações de risco social (uso de drogas, iniciação sexual, gravidez precoce, situação de rua e violação de direitos no núcleo familiar) promovendo o desenvolvimento intelectual, ético, humano e profissional de crianças, adolescentes, jovens e adultos, possibilitando o exercício da cidadania. Há ações culturais no campo da música e dança instaurada e, aqui o cinema será a arte cujo propósito é provocar um novo significado perante as identidades coletivas. Nesse contexto, os comportamentos e valores da sociedade transmitidos pela imagética serão a fonte para a criação de um pensamento crítico, viabilizado por meio de debates e reflexões. Autores como Eyerman e Jamison (1998), mencionam que ONGs são fontes para a produção do conhecimento científico e do senso comum, abarcando tanto suposições sobre realidade quanto abordagens cientificas. Dessa forma, as ONGs podem proporcionar contextos significativos para a formulação de novos paradigmas culturais, uma
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vez que estimula os trabalhos inventivos, criativos da experimentação artística, e a crítica reflexiva no trabalho de avaliação, incluindo a perspectiva de valores individuais e coletiva. Logo, ao aliarmos a reprodução de realidades pelo audiovisual ao pensamento reflexivo do espectador, há a construção de um novo processo pedagógico.
Educando pelo olhar: possibilidades da filmografia inicial e conceitos de Visual Literacy Segundo Duarte (2010), quando empregado de forma crítica em processos de aprendizagem, o cinema funciona como construtor de um conhecimento novo. Substituem-se, assim, os discursos “que se originam numa concepção de conhecimento que almeja a objetividade e têm a função de difundir conhecimento”, por diálogos cuja meta “é a própria intersubjetividade” (DUARTE, 2010:24). Nesse sentido, a escolha inicial da filmografia é baseada em temáticas cujo corpus ressalta grupos sociais que se encontram em condições de risco ou cujo enfoque remete a questões sociais como preconceito, desigualdade e comportamento: • Ilha das flores (1989), de Jorge Furtado: O curta-metragem de mesmo nome acompanha a colheita, compra e descarte de um tomate, que vai parar na ilha, junto com outros alimentos que foram descartados por milhares de pessoas na cidade. Alimentos que são destinados aos porcos do dono do terreno em questão e, depois, são deixados lá para que os moradores de Ilha das Flores possam recolher o que puderem, em grupos de 10, em cinco minutos. Irônico e ácido, o filme de 13 minutos retrata o desperdício oriundo dos processos de produção e consumo atuais e como o capitalismo gera desigualdade social, interferindo na liberdade do ser humano e, por meio desse retrato que acompanha a trajetória de um tomate até tornar-se lixo, nos remetemos ao processo de geração de riquezas e desigualdade social. • Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999), de Marcelo Masagão: O documentário faz uso de imagens de arquivos, extratos de documentários e de algumas obras clássicas do cinema. O filme faz uma retrospectiva das principais mudanças que marcaram o século XX, retratando tanto os personagens que entraram para história, como homens comuns que em seu cotidiano também fizeram a história desse século. O mundo e o homem do século XX, antes, durante e pós-guerra fria: guerras, revoluções, golpes, ditaduras, nacionalismos e movimentos sociais. Pontua questões de memória e identidades. Baseando-se em elementos que remetem à diversidade, diferença e consequências da intolerância e indiferença de seres humanos para com outros seres humanos, procuraremos estimular o questionamento sobre o meio e o homem contemporâneo. • Babilônia 2000 (1999), de Eduardo Coutinho: Na manhã do último dia de 1999, uma equipe de filmagens sobe o Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro. Lá existem duas favelas, Chapéu Mangueira e Babilônia, as
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únicas situadas na orla de Copacabana e cujos moradores podem acompanhar ao vivo o réveillon de Copacabana. A vida dos entrevistados é revelada pelas câmeras que adentram nos barracos dos habitantes do morro da Babilônia. A proposta é refletir sobre a vivência desses personagens que são pobres, negros, desempregados e que não trocariam o morro por nada – lamentam os infortúnios junto à crença de que não seriam felizes longe dali. • A negação do Brasil (2000), de Joel Zito Araújo: Assinala a força e as influências que as telenovelas exercem nos processos de identidade étnica dos brasileiros. Por manifestar a incorporação positiva dos afrodescendentes nas imagens televisivas do país, ressaltaremos questões pertinentes ao preconceito. • O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna: “Alma sebosa” é aquele indivíduo que não presta, que faz mal à comunidade e, portanto merece ser despachado desta para a melhor. Tudo isso acontece nesses lugares onde a polícia não entra, o Estado não atua e a sociedade procura (em vão) esquecer. Nessas paragens, “pequenos príncipes” e “almas sebosas” foram feitos uns para os outros. Nascidos da mesma carência, crescidos no mesmo abandono, um transformou em música a raiva e a impotência que o outro pratica, sem nenhuma mediação simbólica. A interferência e modificação na situação do local feita por ambos é o ponto de discussão sobre alternativas de amenizar a violência. • Justiça (2004), de Maria Augusta Ramos: Na busca demonstrar a realidade da sociedade brasileira, o filme utiliza as lentes dos Tribunais, o que teoricamente seria local onde a justiça é exercida. A reflexão se dá quando o filme faz uso das lentes do sistema punitivo para realizar uma exploração da sociedade brasileira, uma vez que o sistema judiciário nada mais é do que um reflexo reduzido de nosso corpo social. • Lixo Extraordinário (2010), de João Jardim, Karen Harley e Lucy Walker: Exploraremos as possibilidades de inclusão e expressões culturais que são temáticas neste documentário que ilustra o contato do artista plástico Vik Muniz com os catadores de material reciclável do Aterro do Jardim Gramacho, maior da América Latina, no Rio de Janeiro. • Paradise or Oblivion (Paraíso ou Esquecimento, 2012), de Roxanne Meadows: Reflexões sobre um mundo em que haveria uma sociedade de oportunidades e com fartura de alimentos, recreação, roupas, meios de transportes, novas tecnologias e acesso ao conhecimento. O diretor lança a ideia de que “não há problemas de negros, poloneses ou judeus, problemas de gregos ou mulheres. Há problemas humanos”. A partir desse conjunto de documentários procuraremos implantar os conceitos de Visual Literacy. O termo Visual Literacy é empregado no conceito de letramento visual, em que o estímulo visual se destina no enfoque a determinadas temáticas que se pretende ensinar, aqui focado na área do cinema. Sua definição também tem sido vinculada ao
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processo de “compreender, interpretar e avaliar mensagens visuais” (Bristor e Drake, 1994). Segundo entrevista concedida por Martin Scorsese (2006), “quando se quer alcançar jovens ou crianças para moldar suas mentes de uma forma crítica, deve-se saber como as ideias e emoções são expressas visualmente. O formato visual pode ser um vídeo ou filme, mantendo as mesmas regras, mesmo vocabulário e mesma gramática” 2. Baseando-se na ideia de que o vocabulário do filme é tão válido quanto o utilizado na literatura, temas de maiores complexidades sociais poderiam ser mais facilmente entendidos quando visualizados. Ao inserir o cinema em um processo metodológico, há o envolvimento dos alunos na exploração de como as ideias e emoções são expressas de forma audiovisual, proporcionando a informação e formação do pensamento sobre o tema. Logo, investigamos como o cinema pode ser um espaço de ensino e aprendizagem, afirmando-se como um novo sistema de linguagem na realidade social e validando-se como instrumento científico em processos sociopedagógicos. Apontamos assim o fato de que, ao educar os alunos a compreender e comunicar através de modos visuais, os professores podem capacitar seus alunos com as ferramentas necessárias para prosperar cada vez mais pela mídia em diferentes modos de representação midiática. Por fim, colocamos em ressalva a questão de que a definição de alfabetização está desatualizada, e, essa a nova definição de difusão de conhecimentos, leva em conta a transformação tecnológica decorrente nos dias atuais.
A APLICAÇÃO QUALITATIVA E ETNOMETODOLOGIA NO ESTUDO DE CASO: Considerando a temática do presente projeto, optamos pela abordagem qualitativa e estudo de caso para a formação da metodologia a ser aplicada, uma vez que o objeto da pesquisa se insere em estudos cine sociais da educação informal. As questões de pesquisa procuram investigar os processos de proximidade entre a pedagogia e a construção do imaginário social que será instaurado pela pesquisadora na ONG selecionada. Segundo Bogdan e Biklen (1982), a pesquisa qualitativa possui características fundamentais que a permitem traçar uma linha identificadora entre o papel do pesquisador, ao observar as ações no próprio ambiente, havendo possibilidades de estabelecer relações com o contexto no qual estão inseridas e compreender suas circunstancias. Dessa forma, haverá uma constante observação participante no contexto das ações e a entrevista, em diferentes modalidades, como estratégias para a condução da pesquisa. Assim, na relação entre o pesquisador, a imagética e a captação desta pelo pesquisado, há a formação de informações sobre o que pensam os sujeitos a respeito de suas próprias experiências, suas vidas e o meio que o cerca. Logo, o pesquisador não está acima do mundo social que está estudando, mas imerso nele. A partir da obra Studies in Ethnomethodology, de Harold Garfinkel, partimos para a vertente da etnometodologia. Tal metodologia foi elaborada para a pesquisa empírica 2. “The reality is that if one wants to reach younger people at an earlier age to shape their minds in a critical way, you really need to know how ideas and emotions are expressed visually. Now, that visual form can be video or film, but it still has the same rules, the same vocabulary, the same grammar.” Tradução nossa. Disponível em: http://www.edutopia.org/martin-scorsese-teaching-visual-literacy
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que trata “dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar” (COULON, 1995:30). Nesse caso, a tarefa dessa metodologia é examinar fatos sociais, “exatamente em todo e qualquer fato social, indagando, por cada coisa, o que a faz exatamente descritível, e o que é exatamente esse fato social” (GARFINKEL, 2002 apud HAVE, 2004:16). Dessa forma, complementaremos o estudo de caso à etnometodologia dada às circunstâncias da pesquisa em atividades do campo empírico. Aqui, os processos interativos entre a pesquisadora e os participantes são relevantes no estudo da realidade social, bem como o entendimento de que o raciocínio do senso comum deve ser considerado na trajetória da construção dos dados coletados.
Forma de análise a partir do estudo de caso: O primeiro contato com a Obra Social São João Bosco foi em julho de 2014, havendo o propósito de realizar a educação social por meio de oficinas culturais. Houve formalização da permissão em realizar, junto às oficinas, a pesquisa fazendo uso do audiovisual. Nesse caso, havendo antecipadamente a proximidade da pesquisadora com os alunos, haveria melhor aproveitamento na aplicação deste projeto de pesquisa. Dessa forma, em paralelo à pesquisa de campo, listamos elementos mencionados por Merriam (1998) como uma condução para destacar informações significativas e presentes no contexto da ONG, sendo o resultado analisado perante o estudo de caso que foi planejado, a partir de elementos que serão norteadores para o processo de coleta de informações, são eles: • O cenário físico: Como e o que é? Que tipos de comportamentos são designados para esse espaço? Como o cenário é organizado? Que tipos de recursos, objetos e tecnologias existem? • Os participantes: Quem está em cena, quantos, e seus papéis? O que faz a convergência dessas pessoas? Quais as características relevantes dos participantes? • Atividades e interações: Como as pessoas interagem com as atividades e uma com as outras? Como as pessoas e as atividades são relacionadas ou interconectadas – do ponto de vista dos participantes ou do ponto de vista da perspectiva do pesquisador? • Conversação: Qual é o conteúdo das conversas no contexto? Quem fala com quem? Anotação de silêncios e comportamentos não verbais que adicionam significados. É importante a possibilidade de registros em áudio e vídeos. • Meu próprio comportamento: Sou tão parte da cena como os participantes. Qual é o meu papel: como íntima participante ou como uma observadora? Afeto a cena que estou observando? Acrescentando, quais pensamentos tenho tido sobre o que está acontecendo? Tais anotações serão partes importantes do comentário das notas de campo. Dessa forma, os registros serão baseados em coleta de informações, considerando as impressões dos participantes sobre a pesquisa e o conjunto de documentários que será exposto, sentimentos que serão aflorados, dificuldades e seus contextos sociais.
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A Prática Cine Social em ONG: Construindo um imaginário social Pâmela de Bortoli Machado
Aqui, além da parte escrita elaborada na pesquisa de campo, haverá uso de diferentes materiais de áudio, tais como entrevistas, depoimentos e bate-papos. Assim, esse material será uma das bases para a interpretação dos aspectos relevantes associados à prática educativa-cine social para com os participantes da pesquisa. A partir da implantação dos conceitos de Visual Literacy e na prática de uma metodologia cine social, procuramos explorar a ideia de que o cinema pode ser utilizado como forma de discurso que contribui para a construção de significados sociais, sendo potencializado quando inserido em processos de aprendizagem. Assim, procuraremos comprovar como o cinema instiga a produção de novos significados em temáticas socioculturais, sendo capaz de redefinir processos pedagógicos, criando novas possibilidades no âmbito da educação.
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Adolescência: discursos e sentidos sobre saúde, sexualidade e aids no contexto de um grupo de discussão Adolescence: discourses and meanings about health, sexuality and AIDS in the context of a discussion group R enata R e z en de 1
Resumo: Dados epidemiológicos sobre a aids demonstram aumento de 11% de pessoas infectadas nos últimos oito anos no Brasil, sendo um terço dos novos registros entre jovens. Este trabalho tem como objeto de estudo a adolescência e os discursos e sentidos produzidos entre adolescentes. Define como recorte temporal, o período de 2008 a 2014, marcado pela intensificação das campanhas de prevenção e testagem. Do cruzamento de pontos de vista pretende-se responder quais são os discursos e sentidos produzidos sobre saúde, sexualidade e aids entre adolescentes de uma escola de ensino médio da Rede Estadual do Rio de Janeiro. A pesquisa-intervenção possui base teórica pautada no levantamento bibliográfico da produção científica; em materiais educativos sobre DST/aids produzidos pelo Ministério da Saúde do Brasil; na seleção de artigos e no uso do banco de imagens da pesquisa de Materiais Educativos sobre DST/Aids, do Laboratório de Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Laces/Icict/Fiocruz). O grupo de discussão será composto por conveniência. Espera-se que, com os adolescentes criando seus próprios referenciais e representações e oferecendo propostas, este trabalho complemente outras pesquisas já realizadas.
Palavras-Chave: aids; saúde; discursos; sentidos; adolescência Abstract: Epidemiological data on AIDS reveal an increase of 11% of people infected in the last eight years in Brazil, one third of new records among young. This work has as object of study adolescence and discourses and meanings produced among adolescents. Defined as time frame, the period from 2008 to 2014, marked by the intensification of prevention and testing campaigns. The crossing points of view intended to answer what are the discourses and meanings produced on health, sexuality and AIDS among adolescents from a high school in the State of Rio de Janeiro. The intervention research has theoretical basis guided the literature of scientific production; in educational materials on STD/AIDS produced by the Ministry of Health of Brazil; the selection of articles and use bank Search pictures Educational materials on STD/AIDS, the Laboratory of Communication and Health of the Institute of Communication and Information Science and Technology in Health (Laces/Icict/Fiocruz). The 1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), renatafcrezende@gmail.com.
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Adolescência: discursos e sentidos sobre saúde, sexualidade e aids no contexto de um grupo de discussão Renata Rezende
workshop will consist of convenience. It is expected that, with teens creating their own structures and representations and offering proposals, this work complements other previous studies.
Keywords: aids; health; discourses; meanings ; adolescence
A
SÍNDROME DA Imunodeficiência Adquirida (SIDA) 2 é tema de crescente inte-
resse e, nem mesmo uma revisão exaustiva da vasta literatura existente, parece ser suficiente para trabalhar as multiplicidades que envolvem a discussão sobre o HIV/Aids. O interesse em contribuir com uma compreensão e crítica acerca do tema tem um caráter ambivalente que perpassa a trivialidade, a pretensão e a relevância. Pesquisar aids não é falar mais do mesmo. É desdobrar-se em pluralidades e ancorar-se em reflexões que se aproximam de questões sobre interfaces e políticas públicas (PASSARELLI, 2003); assistência e prevenção (PASSARELLI, 2004); gênero, identidade e comportamento (UZIEL e PARKER, 2004); direitos sexuais e reprodutivos (GUIMARÃES, 2001); ética, medicina e biotecnologia (CZERESNIA, 1995); epidemia, cultura e ciência; sexualidade, saúde, doença e estigma (MONTEIRO e VILLELA, 2013); comportamentos e práticas sexuais (PEDROZA e CASTRO, 2008), dentre inúmeras outras formas de contextualização. O primeiro desafio está no exercício de reconhecer o contexto sociocultural que antecede a epidemia, marcado pela conquista de liberdades individuais e pelo avanço no reconhecimento de populações socialmente marginalizadas (SOUZA, 2010). É a partir desse envolvimento que as políticas públicas para a aids se desenharão ao longo dos primeiros anos da década de 1980, tendo a criação do Programa Nacional de DST e Aids3 como marco para a inclusão da ideia de direito na agenda das políticas públicas (MONTEIRO e VILLELA, 2009). Ainda de acordo com Monteiro e Villela (2009), a discussão sobre aids ganhou centralidade a partir da visibilidade internacional dos aspectos positivos da mobilização social e do papel da sociedade civil no contexto da formulação de políticas públicas. Isso porque o direito à saúde como prerrogativa de direitos humanos balizou a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS)4, criado em 1988, marcado pela concepção de acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país, tendo o Estado, papel fundamental na garantia desse direito.
2. A Aids é uma síndrome (ou seja, um conjunto de sinais e sintomas) que se manifesta após a infecção do organismo humano pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, conhecido pela sigla HIV (BASTOS e MALTA, 2011). 3. O Programa Nacional de DST/Aids atua no âmbito da promoção à saúde; da proteção dos direitos fundamentais das pessoas com HIV/aids; da prevenção da transmissão das DST, do HIV/aids e do uso indevido de drogas; do diagnóstico, do tratamento e da assistência às pessoas portadoras de DST/HIV/ aids; e do desenvolvimento e fortalecimento institucional dos gestores locais de programas e projetos na área (BRASIL, 1999). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_17.pdf> Acesso em: dez 2014. 4. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/ web_sus20anos/20anossus/legislacao/constituicaofederal.pdf> Acesso em: fev 2015.
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Adolescência: discursos e sentidos sobre saúde, sexualidade e aids no contexto de um grupo de discussão Renata Rezende
O surgimento da aids no painel mundial inaugura um modelo de articulação entre Estado e sociedade civil inédito até então no enfrentamento das questões de saúde, caracterizado pelo estabelecimento de parcerias e pelo financiamento direto do governo para organizações não governamentais que já estavam atuando na área e cuja penetração nos meios atingidos facilitava as ações previstas (Id.Ibid, p.33).
Conforme o documento Política Nacional de DST/aids: Princípios e Diretrizes, “a luta contra a aids no Brasil criou bases para um novo tipo de relação entre Estado e sociedade” (BRASIL, 1999). Isto porque as primeiras iniciativas de enfrentamento à epidemia se deram em resposta à pressão de ativistas, inserindo-a numa agenda compartilhada entre sociedade civil, governo e comunidade científica (Id.Ibid.). Durante a década de 1980 (os 10 primeiros anos), a experiência de adoecimento foi carregada de estigmas e incertezas. O diagnóstico era sinônimo de morte. (MONTEIRO e VILLELA, 2013; MALTA e BASTOS, 2012; TEIXEIRA, 1997; CAMARGO JR, 1995). 30 anos depois, a doença, considerada uma questão de saúde pública (BRASIL, 1999, 2002, 2014), ainda se coloca como um desafio seja pela ausência de uma vacina ou pela presença de dados epidemiológicos que trazem um alerta sobre o número de infectados e acendem o olhar sobre a necessidade de uma resposta social à epidemia. 5 A aids engloba questões éticas relacionadas à pesquisa científica, relações entre cultura e ciência, aspectos educacionais, atividades de prevenção, epidemiologia do comportamento, dimensões antropológicas, dados, descaso, preconceito, metodologias de investigação, atuação profissional. Os termos que a designam pressupõem a existência do objeto-doença e aids é mais um objeto, dentro de uma extensa lista de denominações (CAMARGO JR., 1995). Ainda de acordo com Camargo Jr. (1995), A noção estigmatizante acerca da doença foi reforçada – involuntariamente - por grupos que militavam por questões ligadas à opção sexual. As concepções médicas sobre o conceito de doença e sexualidade também propiciaram o reforço desta perspectiva, assim como o discurso religioso moralizante. A disputa pela preleção de falas, que não possuíam neutralidade e que por vezes se contradisseram, reforçaram estes aspectos negativos. Devido à elevada taxa de letalidade, a doença ganhou espaço nos meios de comunicação e tornou-se campo de disputa nas ciências, religião, pesquisa e indústria. Segundo Cardoso (2001, p. 111), “a aids provocou uma reinterpretação das narrativas sobre doença, afirmando o caráter ideológico e dialógico dos processos comunicacionais (...) contribuindo para a constituição de novos discursos e sujeitos”. Ao longo dos anos, novas enfermidades ganharam destaque na saúde e, após a introdução, em 1996, dos coquetéis antirretrovirais6, as discussões sobre aids receberam 5. BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde - Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico - Aids e DST; Ano III - nº 1 - até semana epidemiológica 26ª – junho de 2014. Disponível em www.aids.gov.br 6. Os medicamentos antirretrovirais surgiram na década de 1980, para impedir a multiplicação do vírus no organismo. Eles não matam o HIV, vírus causador da aids, mas ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico . Por isso, seu uso é fundamental para aumentar o tempo e a qualidade de vida de quem tem aids. Desde 1996, o Brasil distribui gratuitamente o coquetel antiaids para todos que necessitam do tratamento. (BRASIL, 2014). Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/quais-sao-os-antirretrovirais> Acesso em: fev 2014.
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uma conotação mais tênue. O discurso da letalidade foi substituído aos poucos e a doença passou a ser reconhecida como crônica e tratável, havendo um distanciamento da juventude atual das primeiras vítimas fatais (BRASIL, 2014). Este novo cenário de condição controlável, causou importante impacto na morbimortalidade (FAZITO-REZENDE et al., 2010), oferecendo maior perspectiva de um futuro com qualidade de vida às pessoas vivendo com HIV/aids (CHEQUER et al., 1992, MARINS et al., 2003, MATIDA et al., 2008). Além da introdução da terapia antirretroviral, as ações preventivas e de controle da infecção e de outras doenças sexualmente transmissíveis resultaram em alterações no padrão da epidemia (DOURADO et al., 2006). De acordo com Departamento de DST/aids e Hepatites Virais7 do Ministério da Saúde foram registrados no Brasil até junho de 2014, 757.042 casos diagnosticados e notificados de aids. O país anda na contramão mundial, com aumento de 11% dos casos registrados nos últimos oito anos, sendo um terço, jovens entre 15 e 19 anos (WHOUnaids, 2014). Na última década, 34 mil jovens contraíram o vírus. No resto do mundo, o número de novos casos de HIV entre os jovens caiu 32% no mesmo período. Desde 2006, os casos de aids nos jovens entre 15 e 24 anos aumentaram mais de 50%.8 Este processo de juvenilização da epidemia (WHO-Unaids, 2014; BRASIL, 2014) estimula o investimento do Ministério da Saúde em campanhas educativas e em programas de prevenção, testagem e tratamento. O aumento da prevalência da infecção pelo HIV na população jovem permanece, portanto, como um desafio para os profissionais de saúde, para este grupo etário. O Brasil ocupa a vanguarda para a resposta ao HIV/aids, pois desenvolve ações de prevenção desde o início da epidemia e oferece gratuitamente o acesso universal à terapia antirretroviral (TARV) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1996, o que transformou a história da infecção pelo HIV. Tornou-se, em dezembro de 2013, o primeiro país em desenvolvimento e o terceiro do mundo a recomendar o início imediato da TARV para todas as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) - (BRASIL, 2014). Contudo, é necessário problematizar a atuação do programa, articulando-o ao contexto social atual, considerando quais as perspectivas destes jovens diante das ações de promoção à saúde e, como a aids é compreendida por este grupo. Considerando a “comunicação sobre sexualidade, saúde e aids”, este trabalho – que integra a pesquisa “Jogo de Imagens: Sexualidade, Saúde e Aids sob o olhar de adolescentes do ensino médio do Estado do Rio de Janeiro”9, tem como objeto de estudo e intervenção a adolescência e os discursos e sentidos produzidos entre adolescentes sobre este tema. 7. Ligado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o Departamento trabalha para reduzir a transmissão do HIV/aids e das hepatites virais e promove a qualidade de vida dos pacientes. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-faz-o-departamento 8. BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde - Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico - Aids e DST; Ano III - nº 1 - até semana epidemiológica 26ª – junho de 2014. Disponível em www.aids.gov.br 9. Aprovada pelo edital da Faperj E_28/2014 - Apoio à produção de material didático para atividades de ensino e/ou pesquisa – sob a coordenação da pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Laces/Icict/Fiocruz) Professora Doutora Adriana Kelly Santos.
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Adolescência: discursos e sentidos sobre saúde, sexualidade e aids no contexto de um grupo de discussão Renata Rezende
Além disso, define como recorte temporal, o período de 2008 a 2014, marcado pela intensificação das campanhas de prevenção e testagem, com a inclusão de outros públicos além dos heterossexuais, transparecendo uma possível mudança na abordagem do tema pelo Ministério da Saúde, instância escolhida considerando a reconhecida posição de seu Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, espaço que se tornou referência mundial no tratamento e atenção a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Nesse cenário, o projeto, ao se interessar pelos discursos e sentidos produzidos entre adolescentes, exige uma interseção dos campos da comunicação e da saúde, com as perspectivas da sexualidade e da aids, no contexto de vida do adolescente, saindo do escopo de uma classificação etária, para uma ampliação da adolescência que se deseja representar. O cruzamento de pontos de vista – aparentemente singulares - permitirá uma análise plural dos sentidos, a fim de responder quais são os discursos e sentidos produzidos sobre saúde, sexualidade e aids entre adolescentes de uma escola de ensino médio da Rede Estadual do Rio de Janeiro. O trabalho compartilhado entre pesquisadores, educadores e jovens permitirá que os sentidos produzidos e circulantes sobre os temas – ‘sexualidade’, ‘saúde’ e ‘aids’ sejam considerados como motores para a articulação e construção de novos espaços de interlocução, entendendo a comunicação na saúde pública como um direito de todos10. A comunicação aqui abordada encontra-se em oposição ao modelo em código, ao modelo informacional onde é vista como unidirecional, onde há a presença de um emissor detentor de um conhecimento ou ‘verdade’ e um receptor inerte e ‘desconhecedor’ (ARAUJO & CARDOSO, 2007; KELLY-SANTOS, 2010), que está ali apenas para apreender a informação de modo estático. Aqui a comunicação está entrelaçada ao campo semântico das consciências envolvidas e, que para ser compreendida, não suprime, mas valoriza a existência de ruídos, considerando-os fundamentais para o entendimento do fenômeno (ARAUJO & CARDOSO, 2007; CHRISTINO, 2012). Por isso a importância sobre o modo como o ser humano constitui sentido (ARAUJO, 2003) e afetos (SODRÉ, 2006). Pode ser tratada como um encontro de fronteiras (DUARTE, 2003). E, para compreender suas linhas de atuação é necessário o exercício defini-la em seu espaço temporal. Este ‘movimento’ de intencionalidades – do enunciador e do receptor – só pode ser interpretado, se os sentidos existentes entre estas consciências forem considerados [e também os contextos ali existentes]. Um mecanismo interpretativo entre o elo do sujeito com o seu mundo simbólico (CHRISTINO, 2012). Bakhtin (2009) defende esta perspectiva por meio da existência de um sujeito contextual, cuja essência é constituída de acordo com seu envolvimento e interação com o mundo. A presença deste mundo simbólico associado [direta ou indiretamente] ao mundo real é que possibilita a formação de elos e campos comuns de interesse e a formação de espaços de percepção e troca. O trabalho consiste numa pesquisa-intervenção cuja etapa empírica será executada entre junho e setembro de 2015, numa Escola da Rede Estadual de Ensino do Rio de 10. Constituição Federal 1988 - Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Disponível em: http:// conselho.saude.gov.br/web_sus20anos/20anossus/legislacao/constituicaofederal.pdf
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Janeiro. Sua base teórica será pautada no levantamento bibliográfico da produção científica sobre ‘sexualidade’, ‘saúde’, ‘HIV/Aids’ e ‘adolescência’; em materiais educativos sobre DST/aids produzidos pelo Ministério da Saúde; na seleção de artigos entre 2000 e 201511 e no uso do banco de dados da pesquisa de Materiais Educativos sobre DST/ Aids, do Laces/Icict. Segundo Aguiar e Rocha (2007), a pesquisa-intervenção é definida como uma investigação de caráter participativo que objetiva a intervenção na produção de micropolíticas de transformação social. O ato de pesquisar e intervir, considerando realidades sociais e cotidianas, desencadeada pela demanda, com o compromisso ético e político de produzir novas práticas, contribui para a criação de dispositivos de análise coletiva (MOREIRA, 2008). Com o intuito de realizar o trabalho de forma compartilhada entre pesquisadores, educadores e jovens, o grupo de discussão será composto por conveniência12, considerando interesse e disponibilidade dos participantes em discutir temáticas ligadas à comunicação, sexualidade, saúde e aids. A pesquisa-intervenção se efetivará a partir de observações participantes do cotidiano da instituição escolar, tais como aulas, atividades recreativas, esportivas, eventos e reuniões docentes, a fim de compreender como os signos relativos à saúde circulam neste ambiente. E também mediante a formação de um grupo de discussão, por meio de quatro (4) oficinas, com temas escolhidos pelos adolescentes, a partir do primeiro encontro. Cada oficina terá duração de 1h30 minutos e será registrada a partir de diários de campo e por meio e gravação de áudio e vídeo das interações entre os participantes. Os resultados versarão sobre os sentidos produzidos e circulantes sobre os temas – ‘sexualidade’, ‘saúde’ e ‘aids’. Para identificação dos discursos propostos sobre sexualidade, saúde e aids, o modo como os adolescentes são representados e, como as relações de saber e poder entre os enunciadores e os destinatários são expressas, será utilizada análise de discurso (VERÓN, 1980; PINTO, 2000; ORLANDI, 2008), compreendendo enunciador e destinatários como “entidades discursivas”, (PINTO,2000). A observação participante13 nas reuniões do projeto de pesquisa entre adolescentes e pesquisadores será utilizada para coleta de dados – interpretação – após discussão em grupo, baseada nas trocas empíricas e em contribuições teóricas sobre o tema. Espera-se que, com os adolescentes criando seus próprios referenciais e representações e oferecendo propostas, este trabalho contribua para uma das etapas da pesquisa “ Jogo de Imagens: Sexualidade, Saúde e Aids sob o olhar de adolescentes do ensino médio do Estado do Rio de Janeiro”, e também, possa ser complementar às pesquisas já realizadas.
11. Período marcado pelo estabelecimento das metas do milênio, conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), firmados pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o apoio de 191 nações, e que possui, dentre as oito metas apresentadas, o combate à Aids, a malária e a outras doenças, até o final de 2015. 12. Ver Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2010. 13. Ver MINAYO, M. O desafio do Conhecimento – pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2013, 13ª edição.
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Dialogismo na prática educomunicativa de produção coletiva de videoclipe ambiental Dialogism in the educommunication practice in collective production environmental videoclip V â n i a B e a t r i z Va s c o n c e l o s
de
Oliveira1
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o processo dialógico na metodologia de produção coletiva de videoclipe ambiental com uso de música amazônica, prática educomunicativa desenvolvida em projetos de divulgação científica e educação socioambiental, na Embrapa Rondônia. Tem-se como referencial teórico o dialogismo em Paulo Freire e M. Bakhtin, uma vez que Freire estimulou a comunicação dialógica para alcançar a transformação necessária das práticas educativas e que, referida prática tem a oficina como o lugar de interação de parceiros para a produção de sentido e elaboração de novos discursos. A pesquisa busca entender se a interação estabelecida nas oficinas, nas quais a metodologia foi aplicada, permite aos participantes produzir um novo discurso que expresse suas realidades. Os resultados da análise apontam que a interação ocorrida em oficinas de produção de videoclipes com acadêmicos de Comunicação Social e educadores ambientais, contribuiu para leitura crítica do discurso literário da música e sua expressão em outro gênero textual, neste caso, o videoclipe. Conclui-se que o uso da música no processo reflexivo/ educativo com grupos em oficinas, caracteriza-se como comunicação dialógica e recurso didático de educomunicação socioambiental, que pode ser utilizado para sensibilizar para questões ambientais e recomenda-se sua aplicação na educação formal e não formal.
Palavras-Chave: dialogismo, discurso ambiental; videoclipe; Abstract: This paper analizes the dialogic process in a metodology developed for scientific diffusion projetcs and socioenvironmental education in Embrapa Rondônia. This educommunicative practice consists of workshops for collective production of environmental videoclips using amazon music. Theoretical references include dialogism in Paulo Freire and M. Bakhtin, considering that Freire fostered dialogic communication to achieve the necessary change of educomunicative practices and that the workshop represents the means for partners interaction to search for sense and to elaborate new speeches. We aimed to understand if the interactions during the workshops is effective for participants to produce a new speech, which expresses their realities. Analizing the results, the interaction in workshops for videoclips production with social communication academics and environmental educators contributed 1. Comunicóloga, Mestre em Extensão Rural, pesquisadora da Embrapa Rondônia. vania.beatriz@embrapa.br
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Dialogismo na prática educomunicativa de produção coletiva de videoclipe ambiental Vânia Beatriz Vasconcelos de Oliveira
to a critical view of music literary speech and its expression through other means such as the videoclips. As a conclusion, the approching of using music in the reflexive/educative process with workshop groups is characterized as dialogic communication and a didatic resource for socioenvironmental educommunication, which can be used to highlight environmental issues. We suggest its application on formal and non-formal education.
Keywords: dialogism, environmental discourse; videoclip.
1. INTRODUÇÃO S MUDANÇAS na comunicação de massa, como resultado do acesso da população
A
às das novas tecnologias de comunicação, trouxe como consequência, dentre outras, o aumento do volume de informação que circula nas mídias globais, alcançando dimensões socioculturais inimagináveis, representando uma ameaça de homogeneização da cultura do planeta. Com o surgimento da internet, de consumidores de produtos das mídias tradicionais (jornais, rádio e televisão), o público passou a utilizar essa plataforma virtual para exercitar a autoexpressão, produzindo e difundindo todos os tipos de conteúdos. Se a quebra dessas fronteiras entre quem é produtor e quem é consumidor de informação, favoreceu a difusão de modos de sentir, pensar e agir das pessoas, por outro lado coloca em discussão, dentre outras questões, a maneira como elas estão usando as novas mídias para a sua autoexpressão. Faz parte dessa discussão a leitura crítica dos meios em relação às imagens e representações de gênero, raça, sexualidade, etc.; e o contexto em que elas se inserem. No cenário da comunicação digital protagonizada pelas mídias sociais, a produção de videoclipes é um fenômeno de cultura e de comunicação que vem sendo dominado pela juventude. O acesso a tecnologias como câmeras de vídeo, fotográficas e celulares; programas de editoração em computadores, permitem a produção de vídeos de baixo custo. O videoclipe é um gênero midiático que se compõe de imagens (fotográficas e em vídeo) e música, ambos portadores de múltiplas possibilidades de representação de seus conteúdos. Por isso, consideramos ser necessário o estabelecimento de um processo dialógico na sua elaboração, de modo que as mensagens e valores nele expressos, sejam o mais fiel possível à realidade que se quer representar. Sendo o propósito deste Congresso de trazer para o debate questões relacionadas ao crescimento e diversificação das chamadas mídias sociais, interessa-nos particularmente as questões relacionadas aos entendimentos interculturais e discursos comunitários. Neste contexto é que se insere a proposta metodológica de “Oficina de produção coletiva de videoclipe ambiental com o uso de música amazônica”, prática educomunicativa desenvolvida em projetos de divulgação cientifica e educação ambiental, como estratégia para produção coletiva de informação a partir da interação entre diversos atores sociais (estudantes, professores, educadores ambientais, pesquisadores etc.) (OLIVEIRA, 2010a) A oficina de produção de videoclipes já foi objeto de análise, numa perspectiva de formatação metodológica do uso da música amazônica como prática educomunicativa. No presente trabalho, o objetivo é avançar na análise do processo de pesquisa que
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Dialogismo na prática educomunicativa de produção coletiva de videoclipe ambiental Vânia Beatriz Vasconcelos de Oliveira
envolve a formulação, aplicação e avaliação dessa metodologia. Para isso, faz-se um novo recorte, desta vez para a questão do processo de interação visando a elaboração de um novo discurso, tendo como questão de cunho metodológico, procurar saber se: “- a interação estabelecida nas oficinas permite aos participantes produzir um novo discurso que se aproxime mais de suas realidades?” Para isso, faz-se o relato do percurso metodológico, empreendido a partir de 2007 e análise do processo interativo ocorrido em uma Oficina, na qual a metodologia foi aplicada, considerando que a base da concepção de linguagem em Bakhtin (1997) é a interação verbal, caracterizada pelo seu aspecto dialógico. Neste caso trata-se do diálogo entre a arte (presente no discurso literário da música) e o cotidiano dos cidadãos (representados pelos participantes da Oficina).
PERCURSO METODOLÓGICO DA PRODUÇÃO DE VIDEOCLIPES AMBIENTAIS O percurso metodológico refere-se ao caminho percorrido, desde a apropriação dos princípios do dialogismo à prática da interação social em espaço educativo até os estudos de recepção do videoclipe produzido. (OLIVEIRA, 2010b; OLIVEIRA e SOUZA, 2010). Nas primeiras oficinas, realizadas em 2007 com alunos de uma escola pública, a oficina era denominada de “produção de videoclipes educativos”. Posteriormente, com a percepção da importância do discurso literário para sensibilizar para questões ambientais, e o processo coletivo de produção da narrativa audiovisual, as oficinas passaram a ser denominadas de “produção coletiva de videoclipe ambiental”, na qual se definia um tema, conforme fosse a música escolhida para trilha sonora. (Fig.1)
Figura 1- Capa do Roteiro de Participantes de Oficina
Com o desenvolvimento da prática, com diferentes músicas, temas e públicos, foi possível identificar os elementos constitutivos da elaboração coletiva de videoclipe: (a) a fala, ou seja, o “dito” no discurso literário de músicas amazônicas e suas relações com o discurso ambiental; (b) o “olhar”, a percepção ambiental dos enunciatários do discurso, participantes das oficinas. Também identificou-se a necessidade de produzir informação, em interação com os diversos atores da vida social.
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Na fase de validação da Oficina de produção coletiva, situa-se a inter-relação entre Comunicação/Educação, se desenvolve a produção do discurso ambiental, a ação-cidadã e a produção de videoclipes ambientais em um processo participativo. Em síntese, os conteúdos básicos da metodologia são: a música amazônica, como portadora de um discurso ambiental; a produção de videoclipe ambiental que é antecedida pela criação de uma narrativa audiovisual e a prática educomunicativa socioambiental, que contém a interação dialógica em oficina. A produção de videoclipe ambiental em oficinas se caracteriza como tecnologia social e educacional na qual, os procedimentos adotados reúnem componentes de comunicação e educação ambiental, que sensibilizam e estimulam a ação-cidadã. Em sua origem, é uma prática educomunicativa desenvolvida em projetos de divulgação científica e educação ambiental, como estratégia para produção coletiva de informação a partir da interação entre diversos atores sociais. Quando submetida a análise, aborda-se a dimensão comunicacional da oficina, como espaço de interação e de diálogo entre comunicadores, pesquisadores e artistas autores da música. Outra abordagem que orienta nossa discussão é o da Educomunicação, campo do conhecimento onde situamos a relação educação/comunicação voltada para a divulgação da ciência. Enquanto conceito e enquanto prática social, a educomunicação vem ganhando legitimidade, especialmente no Brasil e nos países da América Latina, como uma opção para promover a melhoria das relações nos espaços educativos, bem como para a eficácia dos programas que utilizam a mídia no ensino. Surgem assim as práticas educomunicativas como consequência das múltiplas interações para educar com e para a relação com as mídias. A partir das primeiras experiências de produção de videoclipe por meio do projeto Com.Ciência Florestal, identificou-se a possibilidade de ampliar a aplicação dos princípios da educomunicação, para a divulgação da ciência, pautada pela inclusão social e percepção ambiental, conceitos estreitamente ligados a educomunicação e que deram base para a formulação de uma proposta metodológica de educomunicação para a divulgação científica, que se apoia no princípio de produzir e desenvolver ecossistemas educacionais e comunicativos, com base na comunicação grupal e na linguagem audiovisual; e na organização e disseminação de informações, em linguagem acessível, sobre questões socioambientais, a partir da compreensão de como e para que “se faz ciência”, e qual a sua aplicabilidade no dia-a-dia do cidadão comum. (OLIVEIRA, 2008). Na fase atual, de validação, tem-se trabalhado com a música “Canto dos Castanhais”, cujo autor do discurso literário é o artista paraense, radicado no Amapá, Joaozinho Gomes. A música aborda o modo de vida dos produtores extrativistas castanheiros e, a partir de 2008, foi empregada em eventos com três segmentos de público: produtores
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organizados de reservas extrativistas no Acre e no Amapá; com educadores ambientai (OLIVEIRA e FERNANDES, 2012) , com estudantes de nível fundamental e médio de escolas públicas e com acadêmicos de Comunicação Social, em oficinas nos Congressos Regionais Norte da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação – Intercom, em Roraima, Manaus e Belém, nos anos de 2011, 2013 e 2014, respectivamente.
DIALOGISMO EM FREIRE E BAKHTIN A questão dialógica aparece de distintas formas nas formulações teóricas de Paulo Freire e Mikhail Baktin. O primeiro, estimulou a comunicação dialógica entre pesquisadores, extensionistas, com os produtores rurais, para alcançar a transformação necessária das práticas educativas. Isto significava abandonar a educação bancária, depositária de conhecimentos de forma hierarquizada. Diante da existência empírica de objetos de análises (narrativas audiovisuais para videoclipes) resultante de produção coletiva, o estudo da construção/reformulação do discurso da divulgação científica ora proposto, tem como instrumental de análise a teoria do Dialogismo de Mikhail Bakhtin (1895-1975), que contribui para a compreensão sobre os gêneros discursivos e suas análises. No vasto campo de formulações teóricas de Bakhtin, está a questão dos gêneros discursivos. Dentre os diversos conceitos formulados pelo autor, lançamos mão da noção de contrato de comunicação, “... parceiros em interação co-construindo o sentido.” no qual situamos a Sala de Aula/Oficina como lugar de interação social, através do uso da linguagem. Ao refletir sobre o diálogo como forma elementar de comunicação o autor, refere-se às relações que todo enunciado mantém com os enunciados produzidos anteriormente, bem como com os enunciados futuros que os destinatários poderão produzir: “Todo enunciado retoma e responde necessariamente à palavra do outro, que está inscrito nele; ele se constrói sobre o já-dito e o já-pensado que ele modula e, eventualmente, transforma (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008:216). Desta forma, trata da palavra como “...uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros” (BAKHTIN, 1997, p. 113). A base da discursividade em Bakhtin é portanto, a relação com o Outro e é nessa relação que se vai pensar o discurso no contexto enunciativo da comunicação, uma vez que “ enunciado “ e “discurso” pressupõem a dinâmica dialógica da troca entre sujeitos discursivos no processo de comunicação , seja num diálogo cotidiano, seja num gênero secundário” (MACHADO, 2008).
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Inicialmente, foi realizada revisão de literatura sobre análise do discurso, dialogismo e práticas educomunicativas; e organizadas as informações sobre o percurso metodológico, empreendido a partir de 2007, quando da primeira aplicação da metodologia. As interações em análise foram processadas em duas das três Oficinas realizadas em eventos, caracterizadas como prática educomunicativa e lugar de contrato de comunicação, de parceiros em interação na reformulação do discurso fonte, neste caso o discurso literário da música (autores_enunciadores), reformulado por acadêmicos de comunicação social (enunciatários), mas, ao mesmo tempo locutores/ enunciadores / reformuladores e produtores de um segundo discurso.
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Colocar a música Canto dos Castanhais em discussão com esse segmento de público, faz parte das estratégias de capacitação do projeto Kamukaia – Repensa, que dentre outras atividades de pesquisa, trabalha com a difusão de boas práticas para a castanha-do-brasil. Embora tenham sido realizadas três oficinas com a música Canto dos Castanhais, os registros em áudio da oficina realizada em Manaus foram extraviados, portanto foram analisadas apenas as informações obtidas nas Oficinas realizadas no Intercom Regional em Roraima (2011) e Pará (2014). Os participantes eram alunos do Curso de Comunicação Social, de Universidades e Faculdades de Ensino privado, de praticamente todos os Estados da Região Norte, exceto do Tocantins. O roteiro da programação do evento, com carga horária de 4h , consiste de uma dinâmica de apresentação dos participantes e dos objetivos da Oficina. A técnica para registro das falas foi a Roda de Conversa, e os registros foram feitos de várias formas: digitados diretamente no computador acoplado ao data-show , em áudio, em lousa tipo quadro-branco e manuscrito em caderno de campo. A análise do processo interativo ocorrido em oficinas em que a metodologia foi aplicada, aborda a dimensão comunicacional da oficina, como espaço de interação e de diálogo entre comunicadores, pesquisadores e artistas autores da música. A discussão se dá na perspectiva da leitura crítica do discurso de músicas que enfocam a temática ambiental. Com estas análises, a pesquisa busca entender se a interação nas oficinas, nas quais a metodologia foi aplicada, permite aos participantes produzir um novo discurso que expresse suas realidades. Isto significa a busca por produzir informação discutida em grupo como os atores sociais (pesquisadores, comunicadores e acadêmicos) envolvidos no processo de interação para a elaboração de uma narrativa audiovisual e um discurso de sensibilização para a realidade do produtor e da atividade produtiva castanheira. Os estudos sobre a inter-relação comunicação educação, que por muito tempo estiveram restritos ao campo da educação formal, passaram a partilhar experiências no campo da educomunicação socioambiental e elaborar reflexões sobre os desafios que o meio ambiente e sua preservação apresentam para a mídia, para o ensino e para as práticas das organizações sociais. Este foi o propósito ao levar para as Oficinas a discussão sobre a atividade extrativista castanheira , dar visibilidade ao produtor e aos produto castanha-do-brasil.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Oficinas de Produção de Videoclipes Ambientais O objetivo do evento foi capacitar os participantes para produzirem videoclipes ambientais, utilizando música produzida por artistas da (e na) região amazônica, que possam ser utilizados em eventos de sensibilização para as questões ambientais, em especial as relacionadas com o bioma amazônico. A oficina foi realizada no dia 02 de junho de 2011, em Boa Vista-RR, com 22 participantes e a colaboração da jornalista Síglia Souza da Embrapa Amazonas, na discussão com o grupo e no registro das informações digitadas.
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O tema da Oficina foi: “Música amazônica, PFNM2 e educação ambiental no Ano Internacional das Florestas”. Depois da audição da música, foi feita a análise textual e crítica do discurso literário. No processamento, inicialmente foi solicitado que dissessem uma palavra ou expressão, ou impressão do que lhes chamou a atenção na música. As palavras e expressões mencionadas foram: “Morte e vida, castanheiros e seringueiros, som dos terçados, beleza da melodia, devoção do povo, as castanheiras – Fé, Filho ausente, Santa transfigurada pelo povo - a dor do povo”. O público desta Oficina demonstrou ser mais participativo - comparado com os alunos de Ensino Fundamental e Médio, com quem foram realizadas as primeiras Oficinas de produção de vídeo - e essa participação fez com que o tempo destinado ao debate, não fosse suficiente. A construção da narrativa audiovisual (Quadro 1) foi feita estrofe a estrofe. Embora a orientação fosse para que soltassem a imaginação, as imagens pensadas e compartilhadas após a audição da música, ficaram num nível de “tradução” literal, ou ao pé da letra, dos versos da música: Quadro 1. Narrativa audiovisual para videoclipe da música Canto dos Castanhais. Música 1 - Canto dos Castanhais
Origem: Amapá
Canto dos Castanhais (Val Milhomem e Joaozinho Gomes) Letra da música
Imagens partilhadas por Oficineiros
A vida que leva essa gente , É um canto plangente , No meio dos castanhais
Trabalhadores germinação
Tem som de facão no ouriço, De castanha entre os dentes , De pele nos espinhais
Ambiente de trabalho no castanhal
É o baque na porta do quarto , De um filho ausente. Que não voltou nunca mais
Líderes assassinados, Lapide de cemitério Arvores e imagem trabalhada
Aqui quando o sol se levanta Essa gente levanta, E entra nos castanhais
Amanhecer – trabalhadores saindo
A vida que leva essa gente Não é tão diferente, Da vida dos seringais
Poente – retorno dos trabalhadores
Por isso essa gente canta , E o seu canto plangente, Torna-se um canto de paz
Áudio e imagens pessoas cantando
A fé dessa gente é tanta Que a dor que ela sente Passa a doer na santa
procissão, ritos, romaria
Que pega no ventre e senta Enquanto essa gente canta
Imagem da mãe , o acalanto
A fé dessa gente é tanta , Que a dor que ela sente Passa a doer na santa
Imagens que demonstrem fé
É a voz Que diz quando está descontente Que grita ao mundo seus ais Que fala contesta desmente Que ecoa pelos castanhais
Pessoas que representam movimentos sociais: imagens de mártires. (Chico Mendes, Irma Doroty Imagens de situações de conflito na Amazônia
Verificou-se também que o título da Oficina induziu erroneamente a inscrição de participantes que se inscreveram na expectativa de trabalhar técnicas de produção de videoclipe e não o processo de produção da informação. 2. Produtos Florestais Não Madeireiros
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3.2. Oficina de Metodologia de Produção de Videoclipes como prática educomunicativa para a Divulgação Científica e Educação Ambiental A oficina foi realizada no dia 02 de maio de 2014, em Belém – PA, com cerca de 35 participantes, na Universidade Federal do Pará, com o tema: “Conhecimento e valorização da atividade extrativista castanheira”. Na atividade inicial em que foram solicitar destacar palavras da letra da música, obtivemos: REALIDADE, COTIDIANO, ESPERANÇA, POBREZA, PENOSIDADE, SOFRIMENTO, DOR, FÉ, LABOR, TRABALHO, VOZ, DOR, “AIS”, SONS, GRITOS. Após a audição da música os alunos foram solicitados a esboçar a narrativa audiovisual. Depois de uma rica troca de informação, sobre conteúdos relacionados ao produto castanha, hábito de consumo da noz e seus derivados, local de compra e a imagem que tinham de um castanheiro; a discussão firmou-se na questão: como expressar uma comunicação que valorize o produtor extrativista castanheiro e seu projeto? Diante da informação passada pela facilitadora, de que produtores extrativistas, contestaram algumas mensagens contidas na música e mesmo o tom melancólico da mesma, os estudantes decidiram por fazer uma paródia da canção, desta forma a construção da narrativa audiovisual não foi elaborada, masn definiram alguns versos para a paródia. Quadro 2. Quadro 2. Narrativa audiovisual para videoclipe da música Canto dos Castanhais, no Pará. Música 1 - Canto dos Castanhais
Origem: Amapá
Canto dos Castanhais (Val Milhomem e Joaozinho Gomes) Letra da música
Texto sugerido para a Paródia
A vida que leva essa gente , É um canto plangente , No meio dos castanhais
Após o suor do trabalho, um cheiro (aroma) suave de perfume. “ A VIDA DO CASTANHEIRO É ... “um canto contente... no meio dos castanhais”
Tem som de facão no ouriço, De castanha entre os dentes , De pele nos espinhais É o baque na porta do quarto , De um filho ausente. Que não voltou nunca mais
QUE NÃO VOLTOU PRA FAZER MAIS (saiu pra estudar e não voltou para a comunidade
Aqui quando o sol se levanta Essa gente levanta, E entra nos castanhais
- “Quando TEM GENTE ACORDANDO, O CASTANHEIRO ESTÁ VOLTANDO” ( ENQUANTO TEM GENTE ACORDANDO, ai tem castanheiro voltando)
A vida que leva essa gente (AVQLEG) Não é tão diferente, Da vida dos seringais
– AVQLEG – não é tão diferente dos demais. TODO MUNDO GARGALHA E PRA ISSO MUITO BATALHA
Por isso essa gente canta , E o seu canto plangente, Torna-se um canto de paz A fé dessa gente é tanta , Que a dor que ela sente Passa a doer na santa Que pega no ventre e senta, Enquanto essa gente canta A fé dessa gente é tanta , Que a dor que ela sente Passa a doer na santa É a voz , Que diz quando está descontente Que grita ao mundo seus ais. Que fala contesta desmente, Que ecoa pelos castanhais
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4. CONCLUSÃO, CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES Num mundo em que as pessoas são cada vez consumidoras e produtoras de informação e autoexpressam seus conteúdos nas mídias sociais globais e estas por sua vez representam uma ameaça de homogeneização da cultura, cabe uma reflexão sobre o poder da cultura e da música popular brasileira como ferramenta de transformação, ao transmitir ideias políticas e sociais, em promover a justiça social. O desenvolvimento da prática educomunicativa de produção coletiva de videoclipes com o uso de música de artistas amazônidas, tem em seu escopo a valorização da cultura amazônica e reflexão coletiva sobre as possibilidades de uma música contribuir para a sensibilização das pessoas em relação as questões ambientais e, em se tratando da Amazônia, principalmente os impacto ambientais decorrentes das queimadas e derrubadas da floresta. São muitos os aspectos a ser observado nessa proposta metodológica: a escolha da música, o volume de informações que as pessoas recebem diariamente e, no caso de imagens em vídeo, uma certa competição em produzir um vídeo, que no linguajar popular se diz que é “prá bombar na net”. Essas questões vem sendo debatidas com diversos tipos de público, em oficinas de produção de videoclipes ambientais com o uso da música Canto dos Castanhais. Em uma delas um participante disse não encontra na música uma mensagem que sensibilizasse para os problemas ambientais. Talvez isso se deva ao fato de que não há na letra da música nenhum verso que implicitamente peça “não deixe o meu rio morrer” como encontramos em uma toada de boi do Amazonas. Um dos enfoques das discussões propostas nesses eventos é refletir sobre o que faz a Ciência e o que a sociedade pode fazer para minimizar os impactos ambientais sobre as florestas naturais. Uma das intenções, ao se promover esse processo de interação entre acadêmicos de comunicação e futuros profissionais, formadores de opinião é apresentar informações sobre soluções tecnológicas geradas pela pesquisa florestal e discutir possíveis soluções e atitudes cidadãs já exercidas ou que podem ser adotadas pelos cidadãos, contribuindo assim com a preservação do Planeta Terra. Uma das linhas de pesquisa do Nucleo Florestal da Embrapa em Rondônia visa a implementação das diretrizes do MMA para o manejo da castanha, que consiste definição de boas práticas para o manejo e práticas de pós-colheita para melhoria da qualidade do produto. A expectativa é que esse processo de discussão e reflexão resulte na produção de videoclipes cujo o discurso elaborado, represente mais fielmente a realidade dos grupos sociais representados. Estas oficinas, no contexto da comunicação dialógica que se quer exercitar, representa o espaço de comunicação em que se processa o contrato de comunicação, de parceiros co-conscruindo sentidos. No caso dos vídeos com a música Canto dos Castanhais, se quer promover a valorização do produtor extrativista castanheiro, cuja atividade é considerada sustentável por ser um produto não madeireiro e que tem grande valor de mercado por suas propriedades nutricionais. Inserir o homem como pertencente a esse meio ambiente que as pessoas costumam declarar querer defender. Portanto, o desafio é, pela veiculação de um conteúdo de mídia fazer a sociedade conhecer a identidade sociocultural do
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extrativista castanheiro, cuja música Canto dos Castanhais, apresenta uma narrativa do seu modus de vida (habitus). Outro aspecto é dar visibilidade aos produtos da sociobiodiversidade na economia formal. Neste aspecto, tem se verificado uma certa dificuldade dos participantes das oficinas em elaborar uma narrativa audiovisual ou definir os argumentos de valorização do produtor extrativista, em razão de serem portadores de informações que denunciam relações comercias de grandes industrias cosméticas, as quais seriam de exploração do produtor. Outro é com relação ao discurso da música, por considerarem que a música é “triste”, o que justificaria a proposta dos oficineiros do Pará que se propuseram a elaborar uma paródia da música e acabaram por desconstruir a proposta de valorização da música amazônica Não obstante essas dificuldades, a experiências com o uso da música, para além do lúdico, o uso da música, em um processo reflexivo/educativo com grupos, proporciona agregar conhecimentos e argumentos como um processo de comunicação dialógica, em um espaço de interação, no qual a oficina representa o espaço comunicacional e de interação social através do uso da linguagem e também é um recurso didático de educomunicação socioambiental, aplicável na educação formal e não formal. Os dados obtidos, já permitiram proceder algumas mudanças na metodologia, tais como incluir a palavra Metodologia no título da Oficina, para deixar claro que o objetivo não é trabalhar técnicas de edição de vídeo , mas, pelo processo dialógico contribuir para criar ou transformar paradigmas de comunicação que garantam a diversidade cultural, remetendo a uma outra questão a ser pesquisada: os amazônidas estão estimulando sua identidade social com o discurso sócio ambiental de suas músicas? Compreender que a iniciativa de introdução da música amazônica no processo educomunicacional tem por base o entendimento da relação homem/ambiente numa perspectiva intercultural dos discursos de músicos da Amazônia como detentores de um saber local. O presente trabalho, trata-se de um recorte de uma pesquisa mais ampla sobre interações dialógicas dos sujeitos do discurso científico (da pesquisa florestal) e do discurso literário (presente nas letras das músicas), problematizando a possibilidade de sensibilizar jovens estudantes de escola pública urbana, para a construção de um segundo discurso, sendo este destinado à educação cientifica e ambiental. Os resultados da análise apontam que a interação ocorrida em oficinas de produção de videoclipes com acadêmicos de Comunicação Social e educadores ambientais, contribuiu para leitura crítica do discurso literário da música a ideologia que está por trás do discurso do “canto plangente” e sua expressão em outro gênero textual, Promove a participação da comunidade escolar, particularmente de adolescentes, na discussão sobre os problemas sociais e ambientais da comunidade; consideramos ser este um caminho para que nas Conferência na Escola essa prática educomunicativa seja exercitada, uma vez que o acadêmico de comunicação , seja jornalista, seja publicitário, ao estabelecer relações entre o seu cotidiano e a temática da produção extrativista de produtos florestais não madeireiros poderão elaborar textos para divulgação , pecas publicitarias para a veiculação nas mídias, que representem mais adequadamente a realidade do sistema de produção da castanha na Amazônia e mais condizentes com a demanda de ações em prol da cidadania ambiental integral
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Consideramos ainda que, o desenvolvimento de outras experiências e estudos nessa linha, podem vir a contribuir para que se desenvolvam práticas educomunicativas focadas na produção de informação de forma integrada e promotora de ações-cidadãs e na potencialização do uso dos recursos de comunicação disponíveis em suas escolas; bem como para a discussão teórico-metodológica nos estudos sobre comunicação e cidadania.
REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria E. G. G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Coleção Ensino Superior) BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 9.ed. São Paulo: Hucitec, 1999. CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2008 OLIVEIRA, Vânia Beatriz Vasconcelos. Metodologia de produção de videoclipes com o uso de música amazônica para a educomunicação científica e ambiental. Porto Velho, RO: Embrapa Rondônia, 2010. (Série Documentos, 139). OLIVEIRA, Vânia Beatriz Vasconcelos. Uso de música amazônica na educomunicação científica e ambiental: produção e interpretação de videoclipes por alunos da Escola Marcelo Cândia, Porto Velho-RO. 90fl - Monografia (Graduação) - Curso de Comunicação Social - Jornalismo, Faculdade - UNIRON, Porto Velho. 2010. OLIVEIRA, Vânia Beatriz Vasconcelos; FERNANDES, Carla V. Soares. Inferências sobre a música Canto dos Castanhais, por educadores ambientais, em Oficina de Produção de Videoclipe. In: ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA, 8, 2012, Salvador. Anais... Salvador: Enecult, 2012. CD-ROM. Disponível in: http://www. cult.ufba.br/wordpress/?page_id=1566
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A formação de professores para a era da conexão móvel: um estudo reflexivo sobre as práticas da cultura móvel e ubíqua Teachers training for the era of mobile connection: a thoughtful study on mobile and ubiquitous culture practices A n g e l e s T r e i t e r o G. C ô n s o l o 1
Resumo: Este artigo refere-se a um estudo sobre os telefones celulares aplicados a práticas educativas. O objetivo geral está centrado nas influências e as potencialidades pedagógicas que estão causando na educação formal no século XXI. Também procurou-se entender as possibilidades e as preocupações que um futuro professor deverá ter na Educação formal. A abordagem teórica tem caráter multidisciplinar; as referências situam-se entre autores que trataram de processos comunicacionais, educacionais e tecnológicos. A pesquisa de campo foi realizada em três universidades da rede particular, com professores e alunos dos cursos de licenciatura. No final, apontam-se algumas considerações tais como: os professores ainda não estão pensando em tecnologia móvel para apoiar a Educação, ela é viável desde que esteja inserida em projetos pedagógicos na escola e nos currículos e que haja o envolvimento de toda a comunidade escolar, as instituições educacionais têm que oferecer condições para que os professores se atualizem e se preparem para exercer novas atividades com os alunos. Como também o resultado da pesquisa indica que os dispositivos móveis, como qualquer outra tecnologia, são mais uma ferramenta que pode ser usada no dia a dia de um educador ou de um educando desde que tenha um direcionamento.
Palavras-Chave: Educação. Celulares. Ensino-aprendizagem. PotencialidadesHabilidades. Mobilidade.
Abstract: This article refers to a study on cell phones applied to educational practices. The aim of this work focuses on the influences and the pedagogical potential and the communicative and commercial proposal that they are causing in formal education in the twenty-first century. Also sought to understand the possibilities and concerns that a future teacher should have the formal education. The theoretical approach has a multi-disciplinary character, since the early stages of written communication in societies and along its development. Such field research was carried in three universities of the private sector, with the participation of professors and students of degree courses. As a result of this work, one concludes that professors are not yet considering the possibility of using that kind of technology to support education. Such use is viable, as long 1. Doutora em Educação: Currículo (PUC-SP) – Pesquisadora: Novas tecnologias na Educação – Professora Universitária. Mestre em Tecnologia da Inteligência e Design Digital (PUC-SP). E-mail: angeles.treitero@ gmail.com
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as it becomes part of pedagogical projects in schools and of the curriculum. The involvement of all school community is also necessary. Additionally, educational institutions must offer conditions for professors to keep themselves updated and get ready to engage in new activities with students. This paper shows that mobile devices, like any other kind of technology, are one more possible tool to be used on a daily basis by educators.
Keywords: Education. Cell Phone. Teaching-learning. Potential-Skills. Mobility.
INTRODUÇÃO STE ARTIGO tem como objetivo apresentar algumas transformações que as tecno-
E
logias móveis, em especial os celulares, vêm trazendo para a educação formal no Brasil, como também destacar possibilidades que eles podem causar no ensino-aprendizagem e as influências e preocupações que um futuro professor deverá ter para a Educação no século XXI. Procura-se, refletir, também, como o professor trata essa questão e como dialoga com seus alunos a respeito disso.
A TELEFONIA MÓVEL Há grande diversidade de tecnologias móveis tais como: tablets, celulares, tocadores de áudio digital, câmeras digitais, pendrives, netbooks (computador com aproximadamente 10 polegadas). Essas tecnologias foram desenvolvidas após a introdução da nanotecnologia2 no mundo, fato que contribuiu para a produção de equipamentos de tamanho reduzido e com grande capacidade de armazenamento de informações, as quais podem estar na memória do aparelho ou facilmente acessíveis por intermédio da Internet. É uma tecnologia que possibilita a conexão constante que pode se dar quase em tempo integral. A conexão, em certa medida, faz parte da vida de quem possui um equipamento dessa natureza na Sociedade da Informação (CASTELLS, 2005). Entre as tecnologias móveis disponíveis, foi selecionado, para o desenvolvimento deste artigo, o telefone celular. Para referência, serão utilizados os termos a saber: celular(es), tecnologia móvel, dispositivos, dispositivos móveis, equipamentos móveis ou aparelhos móveis. Outras denominações, relacionada aos usos de aparelhos celulares a serem utilizadas: ferramentas, funções ou recursos e aplicativos (quando se tratar de um programa “baixado” ou que já estiver na memória do celular). A tecnologia móvel historicamente descrita por Castells foi a tecnologia que mais rapidamente foi introduzida na sociedade. “La comunicación inalámbrica se ha difundido con mayor rapidez que cualquier otra tecnología de la comunicación de la historia” (CASTELLS, 2006, p. 15). No Brasil, esse fato se justifica em vista dos problemas que existiam com a telefonia fixa na época. Segundo dados de um estudo realizado por NOMADS USP (2007), em 1995, apenas 26,8% dos domicílios brasileiros tinham telefone fixo. Assim, quando surgiram alternativas de telefonia, como é o caso dos aparelhos celulares, as pessoas 2. Nanotecnologia – segundo dicionário Houaiss, “significa tecnologia que trabalha em escala nanométrica, aplicada frequentemente à produção de circuitos e dispositivos eletrônicos com as dimensões de átomo ou moléculas”.
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automaticamente procuraram adquiri-los. Em menos de 30 anos de telefonia móvel, conforme relata Castells (2006), esse meio de informação e comunicação propagou-se como nenhum outro na história das mídias. Neste início de século XXI, vivencia-se um período de plena expansão da tecnologia móvel caracterizada pela comunicação e conexão contínua, rede que se constitui pela mobilidade de pessoas e de tecnologias nômades que circulam em espaços físicos não contíguos. Para fazer parte desse espaço, um nó (ou seja, uma pessoa) não necessariamente precisa compartilhar o mesmo espaço geográfico com outros nós da rede móvel, transformada, segundo Silva (2006), em “espaços híbridos”, criados pela junção entre lugares diferentes e desconectados. Este período pode ser caracterizado por uma comunicação integrada na qual são reunidas várias linguagens. A criação do hipertexto e modalidades escrita, oral e audiovisual, que por meio de dispositivos móveis fazem com que o homem, e principalmente as crianças, desenvolvam a habilidade de compreender essa linguagem não linear. Essa nova tecnologia está presente em todas as áreas e vem trazendo muitas discussões, tensões e reflexões, na área da Educação, todas essas possibilidades que a tecnologia móvel promove, se bem usadas, pensadas e planejadas, podem refletir de forma positiva, e como um potencializador do ensino-aprendizagem. É isto que tem levado tantos professores, pesquisadores e filósofos da Educação a congressos nacionais e internacionais para discutir e refletir sobre a influência dessa tecnologia na sociedade estudantil da atualidade, que tanto atrai, distrai ou entretém os alunos nas salas de aula. Segundo dados da TELECO - Inteligência em Telecomunicações (2013), em pesquisa realizada pela Anatel, o Brasil terminou agosto de 2013 com 268,4 milhões de celulares e 135,45 de celulares por 100 habitantes, ou seja, com mais de um telefone celular por pessoa. O celular se tornou um equipamento indispensável para o cidadão brasileiro, as pessoas não saem de casa sem levar esse pequeno aparelho, o que vem refletindo direta e indiretamente no mundo educacional. André Lemos (2004, p.24) definiu os celulares como “a radicalização da convergência digital, transformando-se em um “teletudo” para a gestão móvel e informacional do quotidiano.” Podem ser utilizados para realizar atividades bastante simples como comunicação oral, fazer uma foto, enviar uma mensagens escrita, ou tarefas mais complexas como acessar a conta bancaria, pagar uma conta ou, ainda, para organizar uma mobilização social ou política, esta última foi denominada por Howard Rheingold (2003) de smart mobs e flash mobs. Para algumas pessoas, ainda, os celulares servem até para substituir a própria memória; pois armazenam todos os tipos de informações, que vão de uma simples data de aniversário a uma apostila que o professor sugeriu, um calendário de provas, a agenda com os horários de reuniões. Segundo pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br, 2011, p. 161), as atividades realizadas com o uso desse pequeno aparelho e seus percentuais são os seguintes: receber e fazer chamadas (99%), enviar mensagens de texto (57%,), acessar músicas (31%), enviar e receber fotos e imagens (23%), acessar vídeos (21%), acessar a Internet (17%) e consultar mapas (8%). Esses dados apresentados pela CGI.br
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(2011) confirmam que a comunicação por celular já não se concentra mais somente na voz, ela foi ampliada, aparecendo na linguagem escrita ou na linguagem visual (fotos e imagem), ou tudo isso em conjunto. Essa tecnologia possibilita a ampliação do formato comunicacional, que pode ser estudado por vários professores de diversas disciplinas. Uma vez que os celulares podem ser transformados em “teletudo”, muitos estudantes estão realizando uma série de tarefas com eles, como por exemplo tirar foto da lousa que o professor acabou de escrever. Isso, de certa forma, reflete na comunicação e, consequentemente, na Educação. Essa forma de comunicação tem natureza dicotômica. Se, por um lado, a comunicação se amplia, pois pode acontecer com uma ou várias pessoas ao mesmo tempo, ou pode ocorrer por meio de distintas linguagens (oral, imagética, a escrita, sonora, combinada); por outro lado, faz com que os estudantes se distraiam e desviem a atenção para outros focos que não a aula. Todas as tarefas realizadas em mobilidade. Dominique Carré apud WEISSBERG, 2004, apresenta duas características importantes para a mobilidade: a ubiquidade e a onipresença. “A ubiquidade destaca a coincidência entre deslocamento e a comunicação, pois o usuário comunica-se durante o deslocamento” (WEISSBERG3, 2004 apud SANTALELLA, 2010, p. 17), por exemplo, andando na rua, no metrô ou no ônibus ou na sala de aula e ao mesmo tempo pode se comunicar por meio de voz, imagem ou texto com amigos ou parentes, ou seja, existe a possibilidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, não apenas em um espaço físico, mas em um território/rede comunicacional e informacional híbrido, como denomina Lemos (2008a, 2008b). Isso vem desviando a atenção dos alunos em uma aula, por exemplo, pois se divide a concentração com outras atividades à aula em particular. E “A onipresença oculta o deslocamento e permite ao usuário continuar suas atividades mesmo estando em outros lugares” (WEISSBERG, 2004, apud SANTALELLA, 2010, p. 17). Por exemplo, em uma sala de aula, enquanto o aluno assiste a uma aula, envia uma mensagem ou uma foto para um colega ou acessa redes sociais. Esses temas têm gerado muitos problemas, atrapalhado e preocupado os professores cada vez mais. Stone4 (2006 apud Santaella, 2007) chamou esse comportamento de atenção parcial contínua, definida como o desejo de fazer parte de um nó em uma rede social viva, desejo de estar conectado constantemente, de não perder nada e estar sempre em alerta. “Isto é fruto da tendência de se mover na vida escaneando os ambientes, buscando sinais e deslocando a atenção de um problema para o outro” (SANTAELLA, 2007, p. 239). É necessário ter consciência das transformações que a tecnologia móvel tem gerado. Em particular, o professor deve ter maior preocupação com essa questão, pois ela trafega nas mãos dos alunos cotidianamente. É tecnologia que foi implantada na sociedade por uma perspectiva comercial e não instrucional. O educador e pesquisador Paulo Freire (1979) acreditava que os meios de comunicação de massa e as novas tecnologias de informação e comunicação não deveriam ser 3. WEISSBERG, Jean-Louis. “Paradoxos da Teleinformática”, in: PARENTE, André (org.) Tramas da rede. Porto Alegre: Sulinas, 2004. 4. STONE, Linda (2006). “Continuouns partial attention”. Disponível em http://www.lindastone.net>.Acesso em 16/02/2007.
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rejeitados na Educação, mas discutidos e enfrentados. Defendia que, por meio das mídias, é possível reforçar a humanização do homem, afirmava que o uso das mídias se faz necessário, entretanto, de modo cuidadoso e crítico. Acrescentava Freire que a Educação não se dá somente nas escolas formais ou oficiais, mas também por intermédio dos meios de comunicação, que buscam fundamentar o ensino-aprendizagem em ambientes interativos, com uso de recursos audiovisuais. Como educador, introduziu a informática, a TV e o vídeo para reforçar o ensino-aprendizagem. Incentivava o uso dos meios de comunicação e de informação em sala de aula, como recurso de aprendizagem significativa, pois acreditava que esses faziam parte do universo sígnico de seus alunos. Acreditava Freire na existência de uma relação dialógica entre os meios de comunicação e mundo. Essa relação produz e estabelece significados nos indivíduos, pois há interatividade entre o meio e o mundo. O educador dizia que: O diálogo supõe troca, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. “...e educador já não é aquele que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também educa ... (FREIRE, 1979, p. 29).
Na perspectiva de Paulo Freire, o professor deve dialogar com o aluno sobre o que está acontecendo entre o indivíduo e o celular, para conscientizá-lo em relação às potencialidades e perigos que apresenta. A tecnologia móvel, como qualquer outra, envolve interesses mercadológicos e mercantilistas tanto das operadoras quanto dos fabricantes de aparelhos celulares, que têm como objetivo vender aparelhos e serviços, esses não se preocupam com a Educação. O professor precisa ter essa consciência para trocar ideias com seus alunos e discutir essa questão. Parece até que essa tecnologia criou certa “esquizofrenia” da conexão constante. Principalmente os mais jovens ficam conectados com seus aparelhos de celulares durante 24 horas por dia, sete dias por semana, pois isso lhes dá uma sensação de estarem ligados em seu mundo, em sua rede social constantemente.
A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MÓVEL NA VIDA DOS ESTUDANTES As crianças recebem seu primeiro celular cada vez mais cedo e estão lidando com a tecnologia na mais tenra idade, muitas vezes, aprendem sozinhas a utilizá-lo mesmo antes de serem alfabetizadas. Em pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (2012), dos entrevistados, 59% de crianças na faixa etária entre 10 e 15 anos já possuem seu próprio celular, 41% não os possuem. Esses números vêm se alterando, ano a ano, de modo que, se essa tendência permanecer, dentro em breve, o primeiro presente dado a uma criança será um celular. As crianças têm aprendido a executar atividades por meio desses dispositivos cada vez mais cedo. Se, por um lado, existe o ponto positivo com relação às habilidades que estão desenvolvendo desde muito cedo; por outro lado, existe o ponto negativo, que são os acessos que ocorrem sem nenhuma orientação ou conscientização sobre o que pode ser executado ou não. Em muitos casos, nem professores nem pais sabem lidar com essa questão.
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Estudo realizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (2012) informa que 70% dos jovens entre 9 e 16 anos têm seu próprio perfil em algum site de relacionamento. O que nos leva a concluir que, para ter um perfil em redes sociais, não é mais necessário parar diante de um computador de mesa com um adulto para realizar essa atividade, com um celular apenas e acesso à Internet já se pode utilizar esse recurso. É muito comum encontrar pessoas em lugares públicos acessando redes sociais utilizando o celular, mais especificamente, o Facebook (rede mais visitada no Brasil atualmente), inclusive nos espaços escolares. A pesquisa ainda constatou que a popularização das redes entre crianças e adolescentes pode ser preocupante, já que 13% dos jovens pesquisados disponibilizaram os endereços de suas casas em sites de relacionamento e 12% divulgaram seus telefones particulares. O estudo informou, ainda, que as crianças não sentem pudor em publicar informações privadas e fotos nas redes sociais. Esses dados mostram que eles não têm noção dos transtornos ou prejuízos que isso pode causar em suas vidas, caso esses dados caiam em domínio público. A pesquisa também informou que 86% dos entrevistados possuem pelo menos uma foto de seu rosto na rede; outra informação importante é que 69% dos entrevistados já divulgaram seu sobrenome e 28% informaram a escola em que estudam. Outro dado bastante preocupante é que 23% dos jovens já tiveram contato com desconhecidos por meio da Internet. Dentre eles, 23% afirmaram terem se encontrado com a pessoa contatada na Internet. Os jovens não têm noção de possíveis consequências desse acesso em suas vidas. Todas essas atividades têm sido praticadas com muito mais facilidade, já que os celulares são ofertados às crianças desde tenra idade, o acesso a redes sociais por meio da Internet está disponível em grande parte das escolas principalmente nos grandes centros urbanos. Até que ponto as crianças e os jovens sabem fazer escolhas sem prejuízos em suas vidas? Os professores estão sendo preparados em seus cursos de graduação para lidar com essas questões? Este artigo pretende responder a essas questões.
A PESQUISA DE CAMPO A pesquisa realizada teve como objetivo verificar como professores e estudantes dos cursos de licenciatura e de pedagogia da rede particular, utilizam os celulares na sala de aula de seus cursos e o que pensam sobre isso. A pesquisa de campo foi feita com 8 professores, entretanto foi enviado o questionário e solicitação de entrevista para mais de 50 professores, porém somente 8 deles é que se prontificou a responder. O interesse em escolher os cursos de licenciatura para realização da pesquisa, e não outro tipo de curso, deu-se pelo fato de esses formarem professores, e de constatar como estão sendo preparados os futuros professores para enfrentarem a questão do uso dos celulares nas escolas. Os questionários foram elaborados com perguntas fechadas e foi o instrumento utilizado para coleta de dados. Com as perguntas fechadas, foi possível obter os dados quantitativos para a análise qualitativa.
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Quadro 1. Ferramentas mais usadas em aparelho celular – Professores Não utiliza
Utiliza de vez em quando
Utiliza com frequência
Uso Pessoal
Consultar agenda
3
3
2
5
Enviar e receber mensagens (SMS)
1
2
5
5
Receber e enviar fotos
5
1
2
2
Acessar Internet
2
1
5
6
Jogar
7
1
1
Tirar fotos
2
4
2
8
Produzir vídeos
6
2
Assistir a vídeos
5
2
Assistir a TV
8
Ouvir música
7
1
Consultar mapas(GPS)
5
1
2
2
Acessar e-mails
3
2
3
3
Redes sociais
5
1
2
3
Consul. culturais
3
2
3
4
Fazer gravações de voz
8
Uso em sala de aula
1 1
3
1
Obs.: Os números indicam a quantidade de respostas em cada item perguntado.
Pelos dados, percebe-se que nenhum dos entrevistados usa as ferramentas apresentadas na pesquisa para auxiliar uma aula; nenhum deles assiste à TV ou faz uma gravação de voz com os celulares. Outros aplicativos pouco usados são aqueles destinados a ouvir música ou jogar atividades amplamente realizadas por jovens e adolescentes, conforme foi mencionado acima neste artigo, sendo que sete dos professores entrevistados disseram que nunca utilizaram essas ferramentas. Outro dado importante é que seis dos entrevistados disseram que nunca produziram um vídeo com o celular, atividade bastante comum também entre os jovens. Outras atividades não realizadas pela maioria (5 dos entrevistados): receber ou enviar fotos, consultar mapas (GPS), acessar redes de relacionamentos. A utilização desses aplicativos, quando acontece, só se dá de forma pessoal, nunca profissional. Assistir a um vídeo é outro recurso pouco utilizado. Cinco professores responderam que não o utilizam, dois usam de vez em quando e somente um usa frequentemente, revelando-se que essa é uma ferramenta também pouco usada por essa classe de pessoas. As atividades como consultar visitas culturais (cinema, teatro, museu etc.), e acessar e-mails não são realizadas por três dos professores, são realizadas por dois professores de vez em quando e por três, frequentemente, para uso pessoal. É um dos aplicativos mais usados nesse meio. Em relação à ferramenta “consultar agenda”, verificou-se que três não a usam, três fazem uso dela frequentemente e somente dois, constantemente.
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Somente dois professores disseram que não acessam Internet e tiram fotos, muito provavelmente estes dois devem usar pouco o celular ou talvez o usem mais para fazer chamadas telefônicas. As atividades de enviar e receber mensagens são realizadas pela maioria dos entrevistados. Cinco disseram que usam frequentemente e dois, que usam de vez em quando; um professor respondeu que não usa esse recurso. O envio de mensagens é uma atividade que vem em segundo lugar nas pesquisas realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br, 2011). Os dados obtidos indicam que os professores também têm utilizado os aplicativos que a tecnologia móvel proporciona, nem que seja para uso pessoal. Vale salientar que os mais usados são aqueles de mais fácil manuseio. Os dados nos indicam que os professores não estão preocupados com essa tecnologia quando se fala de Educação, tendo em vista que nunca utilizam nenhum aplicativo para auxiliar uma aula, como também não pensam nela com objetivos pedagógicos.
Análise do Quadro 1 Pode-se observar no Gráfico1 logo abaixo, todas as funções/aplicativos são utilizados, mesmo de vez em quando. Esse público conhece bem os recursos. Por exemplo, sobre as leituras de artigos, um aluno disse que é uma atividade complexa pelo celular porque o visor é muito pequeno e, consequentemente, demora muito mais para ler e entender o texto, assim, dá-se preferência a outro meio. Como consequência, os alunos usam o aplicativo quando não têm outra alternativa. Os números que aparecem acima de cada coluna se referem à quantidade de alunos que responderam que não utilizam as funções/aplicativos do seu celular. E os números e as cores que aparecem na legenda dizem respeito à sequência de colunas criadas no gráfico. Gráfico 1. Pesquisa para os alunos de licenciaturas e pedagogia: Quais funções/aplicativos que você utiliza de vez em quando no seu celular?
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Análise do Gráfico 2 Como se observa no item de número oito, 51 pessoas não assistem à televisão pelo celular, ou seja, mais de 50% dos entrevistados não usa essa função. A funcionalidade mais usada com o celular é o SMS, somente três dos entrevistados não utilizam esse aplicativo, o que quer dizer que quase 100% desse público usa esse aplicativo. Isso coincide com os dados apresentados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br (2011). Consultar a agenda é uma função também bastante usada. Somente sete dos entrevistados não se utiliza desse aplicativo. Os celulares servem até para substituir a própria memória, pois armazenam todos os tipos de informações; desde uma simples data de aniversário, a memória é delegada a um pequeno aparelho. Gráfico 2. Quais ferramentas você não utiliza no seu celular?
Análise do Gráfico 3 O terceiro desmembramento da pergunta de número 10 foi para constatar as ferramentas/aplicativos que esse público usa com frequência, conforme é mostrado no Gráfico abaixo. Os números que aparecem acima de cada coluna se referem à quantidade de alunos que responderam que usa com frequência funções/aplicativos do seu celular. E os números e as cores que aparecem na legenda dizem respeito à sequência de colunas criadas no gráfico.
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A formação de professores para a era da conexão móvel: um estudo reflexivo sobre as práticas da cultura móvel e ubíqua Angeles Treitero G. Cônsolo
No Gráfico abaixo, destacam-se o envio de SMS e o uso de agenda. O uso de frequência ao acesso à Internet é bastante representativo, é um hábito que está se desenvolvendo muito rapidamente, como já mencionado anteriormente. Ouvir música é função bastante usada, somente quatorze dos entrevistados não utiliza essa função, atitude que se confirma no cotidiano, pois é comum ver pessoas em escolas, metrô, ônibus ou nas ruas conectados com fones de ouvidos. Assistir à vídeos e enviar foto apresentam frequência bastante pequena, quase 50% dos entrevistados não utilizam essas ferramentas. Gráfico 3. Quais funções/aplicativos você utiliza com frequência no seu celular?
Os jogos aparecem com o uso de frequência também bastante significativo, ou seja, é atividade muito comum na vida desse público, pois somente 24 dos entrevistados não usa esse aplicativo, isto é, mais de 50% dos entrevistados gosta de videogames.O dicionário é pouco utilizado, 38 dos entrevistados não o usam , mais que 50%, um número significativo em se tratando de universitários. Outras funções como redes de relacionamentos, pesquisas para a faculdade, consulta a visitas culturais (cinema, teatro, museu, etc.), leituras de artigos: (jornais revistas, científicos), gravações de voz, produções de vídeos e recepção material didático dos professores e colegas, são pouco utilizadas, mais de 50% dos entrevistados não as usam. Aplicativos que exigem mais complexidade como leitura, pesquisas, gravações de voz, recepção de material didático dos professores e colegas são menos usados. O que nos leva a crer que seja devido à necessidade de equipamentos modernos, ou até pouca motivação em estudar, pois os aparelhos mais antigos apresentam alta dificuldade de manuseio. Além disso, é necessário maior conhecimento tecnológico e nem todos possuem essas habilidades.
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A formação de professores para a era da conexão móvel: um estudo reflexivo sobre as práticas da cultura móvel e ubíqua Angeles Treitero G. Cônsolo
CONSIDERAÇÕES FINAIS E para concluir, na escola, surgem várias indagações sobre o que é a tecnologia móvel e sobre qual é a melhor forma de usá-la em benefício do desenvolvimento de habilidades cognitivas. Nessa perspectiva, o trabalho realizado e aqui exposto nos conduziu a algumas considerações, que apresentamos a seguir. Uma delas, e talvez a mais importante, é que a tecnologia, seja ela qual for, não é o fator decisivo para que os alunos aprendam; a tecnologia, por si só, não é nada. Ela proporcionará desenvolvimento de habilidades se houver direcionamento, encaminhamentos adequados. A escola, como diz Almeida (2007), é um ambiente de aprendizagem (não único), com disciplinas e um currículo preestabelecido, em que os indivíduos vão sendo preparados para aprender coisas novas, a indagar para que serve aquilo que é apresentado, como serve; para saber como melhorar aquela tecnologia. No caso do telefone celular, podese utilizá-lo em sala de aula com objetivos de mostrar para que essa tecnologia serve e qual é a melhor forma de utilização. Vista por esse prisma, a tecnologia pode mediar um processo de ensino-aprendizagem ou pode tornar-se a ferramenta que apóia a execução de uma determinada tarefa. Também pode ajudar o homem a realizar trabalhos mais confiáveis e de forma mais rápida. É mais rápido e mais confiável fazer uma conta com muitos dígitos em uma calculadora do que na mão: a calculadora executa o trabalho que uma pessoa demoraria muito mais tempo para fazer e o faz sem cometer erros. O mesmo ocorre com as máquinas das indústrias agrícola, automobilística, farmacêutica ou de celulose, que fazem trabalhos cuja execução pelo homem seria extremamente difícil ou até, em certos casos, impossível. Convém salientar que essa tecnologia é viável somente com projetos pedagógicos na escola e nos currículos bem como com o envolvimento de toda a comunidade escolar; isto inclui os até os pais. Entretanto, isso não quer dizer que tudo vai ser resolvido a partir da introdução desses projetos, queremos deixar bem claro que o celular é uma tecnologia a mais, algo a mais para ser trabalhado em sala de aula e que pode ajudar no desenvolvimento de certas habilidades para o indivíduo atuar no mercado de trabalho, muito exigente. Os professores, assim como quaisquer outros profissionais, necessitam desenvolver diversas habilidades nesse sentido, tais como lidar com equipamentos tecnológicos ou fazer os alunos refletirem apoiados neles. Querendo ou não, os celulares são uma tecnologia que faz parte integrante da sociedade do século XXI. Está inserida no cotidiano e é necessário treinamento para aplica-la na educação formal, pois como foi visto os professores não estão nem preparados nem preocupados em utilizar essa tecnologia na educação formal.
REFERÊNCIAS Almeida, Fernando José de. (2007) Computador, Escola e Vida: Aprendizagem e tecnologias dirigidas ao conhecimento. São Paulo: Cubzac. Castells, Manuel.; at al. (2006) Comunicacion Movil y Sociedad: una Perspectiva Global. Ariel Espanha. Recuperado em: 20 de junho, 2013. http://www.eumed.net/libros-gratis/2007c/312/ indice.htm
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Recepção da formação em educomunicação: descobertas e sentidos Training of reception in educomunication: findings and directions C l au de m i r E dson Vi a na 1
Resumo: Este texto apresenta uma análise sobre o processo formativo em educomunicação a partir de duas situações específicas: numa disciplina curricular da licenciatura em educomunicação, e como curso de atualização profissional oferecido ao público em geral pelo NCE – Núcleo de Comunicação e Educação. Este recorte de contextos serve para focar a análise na recepção dos participantes destes dois tipos de curso e, consequentemente, sobre suas percepções quanto ao campo da educomunicação e do perfil de seu profissional. A análise permitirá, como resultado, a indicação e problematização de alguns elementos estruturantes da representação dos sujeitos da amostra envolvidos na formação em educomunicação, contribuindo para avançar nos estudos em epistemologia da educomunicação e na prática de formação do educomunicador.
Palavras-Chave: Educomunicação. Formação profissional. Representação
SOBRE OS CURSOS DE EDUCOMUNICAÇÃO E O PERFIL DOS CURSISTAS STA INVESTIGAÇÃO está circunscrita ao contexto de dois tipos de cursos para
E
formação profissional em educomunicação oferecidos na Escola de Comunicação e Artes da USP: a Licenciatura em Educomunicação e cursos de extensão para aperfeiçoamento profissional oferecidos pelo NCE/USP (Núcleo de Comunicações e Artes), durante os anos de 2013 a 2015, assim organizados: Curso da Licenciatura: • 2º. Semestre 2013: 50 matriculados na disciplina Fundamentos da Episte-
mologia da Educomunicação; • 2º. Semestre 2014: 40 matriculados na disciplina Fundamentos da Epistemologia da Educomunicação Curso de atualização profissional • 2º. Semestre 2014 – Curso Educação Midiática e práticas educomunicativas – 8º. USP Escola: 30 matriculados; • 1º. Semestre 2015 – Curso Educação Midiática e práticas educomunicativas – 9º. USP Escola: 44 matriculados; • 2º. Semestre 2014 – Curso de extensão cultural Educomunicação na perspectiva do Núcleo de Comunicação e Educação I: 100 matriculados; 1. Historiador, Mestre e Doutor em Ciências da Comunicação. Prof. Dr. da Licenciatura em Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP. cviana@uol.com.br.
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• 2º. Semestre 2014 – Curso de extensão cultural Educomunicação na perspectiva do Núcleo de Comunicação e Educação II: 60 matriculados. No caso da disciplina de Epistemologia da Educomunicação, o perfil dos cursistas tem sido uma mescla entre jovens que fazem a primeira graduação e uma pequena maioria formada por profissionais com mais de 25 anos que já tem outra formação e busca ampliar conhecimentos e/ou aperfeiçoar habilidades para potencializar oportunidades de ocupação profissional. É interessante notar que alguns dos cursistas já possuem mestrado ou até doutorado, e buscaram a Licenciatura em Educomunicação como oportunidade para adquirir conhecimentos sobre este novo paradigma aplicado às interfaces entre comunicação/educação como campo de conhecimento. E é possível perceber neste público um pequeno crescimento no número de pessoas que já tinham um certo nível de conhecimento a respeito da educomunicação, e aí passaram a se familiarizar com esta área (pela internet ou participação de atividades livres ou práticas culturais e educativas em que a educomunicação é referida explicitamente ou não). Há ainda alguns cursistas da Licenciatura em Educomunicação que já vêm de contextos sociais e/ou de trabalho em que a problemática sobre a mídia e a sociedade contemporânea está de alguma forma presente como tema, conteúdo de estudo, capacitação para uma atuação cidadã mais efetiva, ou representando um conjunto de habilidades técnicas e conceituais para atuação no mercado de trabalho em diferentes áreas. Este público procura deliberadamente o curso de Licenciatura em Educomunicação para aprimoramento profissional na área em que já atua, ou para profissionalizar-se neste novo campo do conhecimento. De outro lado, alguns cursistas, sobretudo os que fazem o curso como a primeira experiência no ensino superior, optaram pela licenciatura sem ter clareza tanto do que seja este campo do conhecimento em constituição, quanto o que seja o mercado de trabalho para este tipo de profissional, já que prevalece a ideia de que, por ser licenciatura, estaria restrito à atuação profissional no ensino formal, e, mesmo assim, num novo perfil de atuação nos processos educativos, a busca de um “novo modelo de professor”. Já quanto aos cursos de extensão oferecidos pelo NCE destacados acima, em que o objetivo principal é promover um aperfeiçoamento profissional, o perfil dos cursistas que se destaca é o de educadores que já atuam no ensino formal (municipal, estadual) ou no ensino informal (projetos sociais e similares), e que têm formação em outras áreas do conhecimento e atuam (como educadores sociais, agentes culturais, profissionais da mídia – jornalista, editor etc) em projetos sociais, culturais e educativos junto às comunidades para a promoção da educação cidadã e o empoderamento de seus integrantes, em razão da defesa de direitos, da ampliação de consciência política e social, bem como para o empreendedorismo e protagonismo dos cidadãos e suas comunidades com vistas à transformação de suas realidades para melhor. O tipo de profissional deste último grupo, e o perfil de formação complementar que representa um curso de extensão, já constituem elementos diferenciadores do contexto de formação em relação ao grupo anterior, o de alunos da licenciatura. Entretanto, em ambos os casos, o que se nota é, na maioria dos cursistas, a busca por novas oportunidades de trabalho ou de aperfeiçoamento da atuação profissional já em prática, através da
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aquisição de novos conhecimentos sobre os processos educomunicativos, ou seja, processos decorrentes dos fenômenos sociais das diversas e múltiplas inter-relações entre as duas áreas: a da comunicação e a da educação, constituindo-se assim num novo saber profissional e de novas práticas profissionais. Há, no entanto, alguns aspectos particulares aos tipos de curso em análise e que precisam ser apontados. O primeiro deles é o fato de que na disciplina de Fundamentos Epistemológicos da educomunicação o foco está na abordagem teórica sobre este novo paradigma e a respeito do campo de conhecimento comunicação/educação, e não tanto sobre as práticas e vivências entre os cursistas porque isto é atendido por outras disciplinas da grade curricular da Licenciatura em Educomunicação. Isto permite ao curso explorar e aprofundar os estudos sobre referências históricas e filosóficas que consubstanciam a definição conceitual sobre educomunicação, bem como diretrizes para atuação do profissional/pesquisador neste campo através das áreas de intervenção da Educomunicação. Os cursos de extensão, embora tenham um total de horas de formação igual à disciplina Fundamentos Epistemológicos da Educomunicação, oferecem um programa constituído por uma breve fundamentação teórica sobre o paradigma, e a contextualização sobre ideias contemporâneas, e ainda, por encontros pautados por temas centrais no atual contexto social, tais como: educação socioambiental, educação integral, educaçãogênero e etnia na educação, cultura e consumo, dentre outros, e que recebem a abordagem a partir do paradigma da educomunicação. Além disso, estes cursos se propõem a promover momentos de práticas entre seus cursistas a fim de vivenciar a elaboração de projetos, a produção midiática, a aplicação e reflexão sobre os processos educomunicativos vivenciados, e de como eles podem proporcionar caminhos alternativos para uma educação mais eficiente e condizente com o contexto contemporâneo. Assim, atuar de maneira profissional visando colaborar para a renovação dos processos de ensino (formal, informal ou não formal), é o objetivo dos cursos de extensão sobre educomunicação. Os cursos de extensão e de licenciatura em educomunicação procuram atender a grande demanda de atualização na formação dos docentes de todos os níveis de ensino para tratar de questões relativas à presença da mídia como ator social e mediação educativa (MARTÍN-BARBERO:2001), para explorá-la como conteúdo e como estratégia de suas práticas pedagógicas. Para tanto, os cursos realizados exploram diversas abordagens quanto às interfaces entre dois campos do conhecimento (a educação e a comunicação), para dar conta de entender o fenômeno sócio cultural representado pela presença das mídias no cotidiano de todos e, assim, favorecer processos de aprendizagem para a leitura crítica da cultura midiática. Por isso, a educomunicação apresenta novas propostas para compreensão destes processos, e representa um novo campo do conhecimento interdisciplinar para uma educação midiática autoral e cidadã, crítica e comprometida com a transformação social (SOARES, 2000).
A PERCEPÇÃO DOS CURSISTAS QUANTO À FORMAÇÃO E AO PARADIGMA DA EDUCOMUNICAÇÃO A análise sobre a recepção dos formados nos dois tipos de cursos sobre educomunicação é feita a partir da leitura, seleção e classificação das manifestações
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dos mesmos, colhidos através de questionário misto (fechado e aberto) elaborado no formulário google online, cujo link foi enviado aos alunos por email logo após a conclusão do curso. O questionário traz sete questões sobre a avaliação dos cursistas quanto ao desempenho do curso, e três questões abertas direcionadas à avaliação sobre o conteúdo trabalhado, ou seja, o que o educando apreendeu sobre educomunicação e sobre a prática educomunicativa do profissional para atuação nos mais diversos contextos. Durante os cursos dos dois tipos aqui agrupados também foram explorados outros recursos e espaços tecnológicos onde ficaram registradas as participações de cursistas em atividades promovidas pelos cursos, como o uso de grupo fechado no Facebook para cada turma de educandos do curso de Licenciatura em Educomunicação, e o uso do perfil do NCE no Facebook no caso dos cursos de extensão. Estes recursos foram utilizados como espaços de registros e interação visando a ampliação do conteúdo e das atividades promovidas no curso. Nesta investigação vamos considerar apenas as respostas do formulário enviado e em consideração aos objetivos aqui delineados, e integra um conjunto maior de pesquisa entorno da educomunicação como paradigma, campo do conhecimento e prática profissional.
A INVESTIGAÇÃO E SEUS RESULTADOS Num universo de 303 matriculados em cursos para formação em educomunicação, passamos ao universo de 204 sujeitos que conseguiram concluir os cursos. Deste grupo de cursistas formados, um total de 107 sujeitos responderam ao questionário online, constituindo-se na amostra desta investigação. Após a identificação e classificação destas informações, é possível desenvolver uma análise quanto a possíveis elementos fundantes da ideia sobre educomunicação, e sobre alguns aspectos da representações manifestadas pelos educandos a propósito da educomunicação e de como o profissional desta área se caracterizaria, por exemplo. Estas e outras questões decorrentes da problemática entorno da representação que os educandos construíram a propósito deste novo campo do conhecimento e sobre suas práticas profissionais ou sociais, serão desenvolvidas com maior precisão conforme o avanço nos estudos e sistematizações dos dados colhidos. Por isso, a partir dos dados em mãos sobre o cenário constituído por seis diferentes grupos de pessoas diretamente envolvidos com a formação em educomunicação, pudemos inicialmente tecer proposições quanto ao processo em questão, isto é, ao constructo elaborado por sujeitos participantes de cursos sobre educomunicação, sobre o conceito, o campo, o perfil do profissional deste campo, bem como a percepção e avaliação que os mesmos apresentaram sobre os cursos por eles frequentados, participando assim do processo de constituição da representação social do profissional e do conceito de educomunicação. Em todos os questionários analisados, a primeira parte que diz respeito à avaliação do curso em si, isto é, quanto a conteúdos trabalhados, metodologias de ensino utilizadas nas aulas, palestrantes convidados, bibliografia, instrumentos de avaliação etc, os resultados foram muito positivos e não serão o foco desta análise. O outro bloco do questionário que aqui nos interessa foi organizado com três questões. A primeira questão é sobre como responderia a alguém que lhe perguntasse
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sobre o que é educomunicação, a segunda questiona sobre as habilidades que o profissional em educomunicação requer, e a terceira solicita aos respondentes que indiquem cinco palavras-chave que representem o conhecimento adquirido no curso. Desenvolvendo a análise sobre as respostas colhidas nestas questões, podemos apresentar algumas características que indiquem os principais aspectos em cada um dos temas em questão. Quanto à definição de educomunicação, podemos identificar alguns aspectos nas respostas colhidas sobre como responderia a alguém que lhe perguntasse o que é educomunicação. Surgem como ideias-chave para tal definição as seguintes expressões mais frequentes: direito à comunicação, protagonismo do aluno, expressão da criatividade, autoestima, consciência crítica, autonomia, estudo da mídia, leitura crítica da mídia, produção de mídia, empoderamento, processo formativo contra hegemônico, complexidade, polifonia, educação midiática, mediação, uso crítico das TIC (tecnologias da informação e comunicação), processo, fazer coletivo, autoria. Estas ideias-chave indicam aspectos da definição conceitual apreendida durante o curso e reelaborada por cada respondente. Nesse sentido, vale a pena destacar algumas das expressões que procuram definir o paradigma em respostas muito representativas do conjunto das concepções entre os sujeitos da amostra: “Educomunicação é a dobra na história onde comunicação e educação não são mais realidades distintas ou distantes…”, “É uma forma de enxergar a vida e de se relacionar com ela, de tal modo que as relações sociais se deem de modo horizontal e colaborativa”, “Educomunicar é ensinar aprendendo, aprender ensinando”. A segunda questão em análise diz respeito às habilidades que o profissional em educomunicação precisa ter ou desenvolver. As respostas analisadas podem ser resumidas em algumas palavras-chave como: capacidade de diálogo, criatividade, participação, afetividade, pro atividade, mediação de processos, atuação multidisciplinar, olhar sistêmico, planejar e implementar projetos de intervenção, fazer a gestão de conflitos, liderança, disponibilidade para escuta, crença na transformação, autonomia, abertura para a complexidade. Além destas qualidades acima descritas, o profissional em educomunicação precisa desenvolver a capacidade de: “atuar em diferentes contextos e processos educativos” , “saber lidar com diferentes valores e concepções do público alvo da mediação do educomunicador”, “deve estar afinado com as inovações tecnológicas e os acontecimentos da atualidade”, “saber dialogar a teoria com a prática, e ser capaz de fazer uso das tecnologias, da comunicação e educação para criar ou gestionar ecossistemas educomunicativos”, “estimular a reflexões e o pensamento crítico”, “capacidade de incluir os produtos midiáticos em abordagens pedagógicas de maneira educomunicativa”, “bagagem cultural em permanente construção”, “identificar caminhos para que os processos educomunicativos possam emergir, além disso é necessário experiência no sentido de conhecer as realidades para possibilitar um fator indutivo nas mediações”. Estas qualidades profissionais de um educomunicador estão, de certo modo, destacando aspectos importantes a propósito do perfil do educomunicador que podem ser resumidos em quatro grupos de qualidades, conforme aponta Ismar de Oliveira Soares:
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“a) a abertura para o outro; b) o diálogo na gestão dos conflitos, c) capacidade de contextualizar os problemas e encontrar soluções de interesse para a coletividade; d) grande poder de acolhida, assegurando a adesão de seus interlocutores às propostas que defendiam”. (Soares, 2011, p. 65).
Percebe-se, então, que as qualidades profissionais para o educomunicador acima destacadas, tanto nas respostas colhidas como na citação de Ismar de Oliveira Soares, são confluentes na atenção para o processo educomunicativo e para o papel de mediação do profissional na educação midiática, pautada pelo objetivo de desenvolver condições para uma aprendizagem crítica e conceitual sobre os fenômenos da interface comunicação/ educação, ao invés de uma percepção meramente instrumental limitadora quanto ao papel e a atuação deste profissional, cuja habilidade estaria apenas em incorporar as TIC de maneira eficiente num modelo educativo já existente. Esta percepção mais significativa dos cursistas numa amplitude mais ampla da comunicação e da política, demonstra que a formação oferecida em educomunicação nos cursos em análise foi eficiente no sentido de favorecer a construção pelos cursistas de uma representação social deste profissional de maneira bem apropriada aos princípios do paradigma da educomunicação. A representação sobre o educomunicador acima delineada resulta de um “...sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controla-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social” (MOSCOVICI, Serge, 2003, p.21).
Neste processo de elaboração do perfil do educomunicador como profissional reflete um movimento individual e coletivo, simultaneamente, e diz respeito à construção da representação social deste novo profissional. E, conforme aspectos sobre o educomunicador descritos acima, nota-se o destaque que é dado a habilidades de mediação dos processos educativos bem como da incorporação da cultura midiática no contexto social onde o profissional atua, superando, aos poucos, o modelo de educador e de comunicador centralizadores do processo educativo ou comunicacional fundamentados no paradigma tradicional de hierarquia do poder, seja da escola ou do educador, seja da mídia como agente cultural e educativo. A educomunicação como paradigma vem também proporcionando aos profissionais que nele referenciam novos modelos de atuação, e vem possibilitando a reelaboração da função social de ambos contextos, o da educação e o da comunicação social, e, consequentemente, do agir de seus profissionais. A função e a atuação do educomunicador se constitui, neste processo de reelaboração, um tipo profissional cujas habilidades representam a superação de uma autoimagem centrada na concentração do conhecimento e do acesso à informação, e da transmissão como essência do processo educativo e sua transmissão e mera repetição como práticas que refletem o exercício de um certo tipo de poder de um sobre o outro, como bem nos mostra Paulo Freire em sua obra, em especial quanto à pedagogia da opressão e anulação.
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Complementando o cenário sobre a percepção dos cursistas quanto à educomunicação e sua aplicação social e profissional, podemos depreender das respostas dadas para a terceira e última questão que nos interessa aqui tratar, a das cinco palavras-chave que representam o conhecimento adquirido no curso, que se estabeleceu um “compromisso” dos cursistas com algumas noções chaves que constituem o paradigma da educomunicação, como é possível visualizar na imagem a seguir. O tamanho das palavras em relação às demais representa a sua frequência entre os respondentes.
Figura 1. Mapa de palavras sobre a ideia de educomunicação expressada pelos cursistas.
Notam-se facilmente na figura acima as principais ideias que representam concepções, valores sociais e profissionais entre os cursistas que servirão de referência para atuação como profissional e cidadão. Dentre elas há de se notar o quanto a ideia de inter-relação comunicação e educação prevalece, de acordo com o destaque que a expressão “comunicação/educação” tem em relação às demais palavras-chave, a despeito do conceito de educomunicação, foco dos cursos em questão, e que aparece em frequência menor. Entretanto, é possível também notar a importância de alguns fundamentos, noções-chave que constituem o paradigma da educomunicação, como diálogo, complexidade, cidadania, leitura-crítica, protagonismo, mediação, tornando-se num segundo nível de percepção pelos cursistas e indicando um forte aspecto de responsabilidade social e de compromisso com a transformação de práticas educativas e comunicacionais presentes no cotidiano. Dando sequência à leitura da figura, notam-se noções-chave num terceiro nível de frequência entre os cursistas. Dentre elas destacamos: processo, interdisciplinaridade, diversidade, criatividade, colaboração, polifonia, mídia etc, completando assim a rede tridimensional formada por conceitos abstratos ancorados em práticas da educomunicação. Percebe-se, assim, uma formação em educomunicação que “apresenta uma filosofia e
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uma prática da educação e da comunicação baseadas no diálogo e na participação, que não exigem somente tecnologias, mas também uma mudança de atitudes e de concepções pedagógicas e comunicativas (APARICI,2014, p. 37). Este mesmo recurso técnico para análise sobre as ideias-chave foi aplicado nas respostas das outras duas questões, e serão objeto da apresentação oral sobre esta investigação, no Grupo de Trabalho Educomunicação, integrante da programação oficial do IBERCOM 2015.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A investigação realizada entre os cursistas conforme acima apresentada serviu para confirmar diretrizes centrais na formação do profissional em educomunicação tendo em vista a sua preparação para atuação como mediador de processos educomunicativos, e de forma a promover a educação midiática emancipadora inspirada em Paulo Freire, a fim de modificar práticas sociais prevalecentes em contextos como o da educação e o da comunicação, e de potencializar novas maneiras e processos de interação com a informação e com os processos de construção do conhecimento, de modo a promover outros modelos de processos educativos e, sobretudo, novos patamares de consciência e participação crítica dos sujeitos participantes do processo formativo em educomunicação, de tal modo que se constituam num determinado ponto de vista sobre a função social deste profissional, o educomunicador. Nota-se a necessidade de aprofundar as reflexões a respeito da formação do profissional em educomunicação cujo perfil esteja, simultaneamente, em condições de aproveitar as oportunidades de atuação no mercado de trabalho já instituído, mas que vem requerendo habilidades específicas como a deste profissional, ao mesmo tempo em que tem como norte e desafio a transformação de modelos instituídos na sociedade, em particular no que diz respeito à educação e à comunicação. Este desafio requer coragem de enfrentar as contradições dos processos inovadores como a de um profissional que, ao mesmo tempo, atuará nos contextos vigentes mas motivados pelo compromisso de fortalecer o processo emancipatório entre aqueles atingidos pelas suas atuações, seja na escola, num canal de tv, ou numa determinada estação de rádio, enfim, em qualquer contexto social.
REFERÊNCIAS APARICI, Roberto (org.). Educomunicação, para além do 2.0.Paulinos:São Paulo. 2014. MARTÍN-BARBERO, Jesus. A comunicação na educação. São Paulo. Ed. Contexto. 2014. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais. Investigações em psicologia social. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2003 SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação. O conceito, o profissional, a aplicação. Ed. Paulinas. 2011.
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Formação do educomunicador: as contribuições de uma rede associacionista em Recife, a Rede Coque Vive The media-literacy and the training of the educommunicator: a study in Rede Coque Vive, an associationist network D o r i e l e S i lva
de
A n dr a de Co sta D u v e r noy1
Resumo: O objeto central de nosso estudo é a formação do educomunicador, mais especificamente os elementos de formação intrínsecos às ações de uma rede associacionista, a Rede Coque Vive (RCV). A perspectiva teórica utilizada aponta para a emergência do educomunicador na redefinição dos papéis profissionais. Buscamos a aproximação entre comunicação, cultura e educação para compreendermos os fundamentos da educomunicação, desde a leitura crítica das mídias à comunicação de resistência. Assim, investigamos as ações educomunicativas realizadas pela RCV entre 2006 e 2011. Trata-se de um estudo de caso etnográfico, com dados obtidos a partir de entrevistas, questionários, análise documental, e observação participante. As ações da RCV levam seus membros a experimentaram novas formas de conceber e praticar a comunicação, ampliando percepções, imagens, discursos, a fim de intervir e limitar o desenvolvimento de estigmas negativos sobre a comunidade do Coque e seus habitantes. Podemos afirmar que a RCV constitui um espaço formativo para os educomunicadores, uma vez que ela potencializa um ecossistema comunicativo. A RCV constitui um espaço legítimo de práticas educomunicativas. Esta rede, através de suas atividades, promoveu formas diversificadas de ação e novas experiências de formação e transformação.
Palavras-Chave: Educomunicação. Rede associoacionista. Rede Coque Vive. Abstract: This article aims at analysing the issue about the training of the educommunicator who is a key character in the Media Literacy (ML).We inquired about the context of the interactions which are the vectors of training in education to medias. The inquiry was made inside the associationnist network the Rede Coque Vive. Our aim was to check how the interactions among the members of Rede Coque Vive make up for a vector of training for the educommunicator,so as to be able to identify the different elements of training coming from the interactions among the members. We verified that the association network was a vector for the circulation and the distribution of knowledge in ML.The trainers as well as the young people from the Coque community are involved in a process of training which goes beyond ML. Other elements of training such as the dialogue, the “otherness” feeling, the sense of belonging, the “being
1. Doutorado em Educação- Université Lumière Lyon 2, Universidade Federal de Pernambuco. doriele. andrade@gmail.com
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Formação do educomunicador: as contribuições de uma rede associacionista em Recife, a Rede Coque Vive Doriele Silva de Andrade Costa Duvernoy
together” feeling, and the communication involvment at a wider level, are the basis for a real human training. These elements are the main vectors that allow how to get more knowledge about educommunication.
Keywords: Media Literacy. Associationnist network. Educommunicator.
INTRODUÇÃO ONSIDERANDO A diversificação de espaços de formação do educomunicador,
C
lançamos um olhar sobre as condições e circunstâncias das interações que podem levar o educomunicador a construir novos conhecimentos em educomunicação. É nesse contexto que situamos nosso trabalho de tese intitulado “L’éducation aux médias et la formation de l’éducommunicateur: une étude sur les apports des interactions au sein d’un réseau associationniste au Brésil - Rede Coque Vive”. Desenvolvida no quadro de Doutoramento da Université Lumière Lyon 2 (França). O estudo das ações da Rede Coque Vive (RCV) nos permite ilustrar as discussões tecidas em torno da formação do educomunicador. Partimos de um quadro mais geral que coloca a educomunicação no centro dos debates educacionais, para assim problematizarmos a emergência do educomunicador. Nosso estudo visou a demonstrar os elementos formativos originados em um contexto específico: uma rede associacionista. Não pretendemos, contudo, negar as contribuições das formações institucionalizadas concretizadas pela educação formal. Propomo-nos a mostrar as contribuições dos contextos e princípios que regem a educação não formal para a formação do educomunicador, enfatizando as experiências, que chamaremos de atividades educomunicativas e que podem ser identificadas em diversos contextos educativos. A educomunicação é aqui entendida como um processo em que a comunicação é o elemento central dos processos educativos e é regida pelos princípios de promoção do acesso democrático à produção de conhecimento e à difusão da informação, pelo seu uso criativo, promovendo a expressão comunicativa dos membros de uma comunidade. (SOARES, 2002). Não desconsiderando as formações institucionalizadas do educomunicador, a nossa problemática centra-se na diversidade de contextos favoráveis para essa formação. Para isso, adotamos neste trabalho uma compreensão de educomunicador como todos os profissionais que desenvolvem atividades educomunicativas, independentemente da sua formação inicial. É por isso que vamos nos concentrar nas práticas educomunicativas e nas aquisições oriundas dessas práticas.
REDE COQUE VIVE: UMA REDE ASSOCIACIONISTA NO CORAÇÃO DE RECIFE A pesquisa foi conduzida dentro de uma rede associacionista, a Rede Coque Vive (RCV). Esta rede é composta por três atores: Movimento Arrebentando Barreiras invisíveis (Mabi), a Organização Não Governamental Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Freitas (2005, p. 43), através de suas pesquisas, pode verificar que os membros de uma rede e, suas diferentes formas de participação em associações específicas da sociedade
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civil, não são unicamente motivados pela afinidade a certos espaços para expressão relacionadas a práticas sociais específicas, tais que religião, lazer e esporte, “mas por representarem opções para a consociação, promoção e representação de interesses que não encontram reconhecimento direto no espaço das instituições públicas tradicionais”. Pedro Amador (2010), apoiando-se nos trabalhos de diversos autores, nos oferece interessantes discussões sobre a noção de rede social, mostrando que elas constituem campos de sociabilidade estruturadas, através da circulação de bens diversos, e podem representar um terreno favorável para motivar novas formas de ação política e cultural. A rede social, enquanto conjunto de relações interpessoais concretas que liga indivíduos, representa uma estrutura social dinâmica composta de nós de indivíduos e/ou de organizações. Essas relações podem se manifestar sobre diversos níveis e podem ser mantidas por laços de amizade que permitem conservar a esperança e a confiança sobre a rede. O formato horizontal e multicêntrico é a principal característica de uma rede social, o que permite a potencialização de recursos e a criação de novas alternativas na resolução de problemas. Nesse sentido, Freitas (2005) problematiza os novos desafios para a formação humana na contemporaneidade, ao analisar o impacto das redes sociais sobre a regulação de políticas públicas. A palavra associacionismo nos remete à teoria econômica segundo a qual a procura de soluções para os problemas sociais é feita através a associação de pequenos grupos. Freitas (2005), nos mostra que, atualmente, as redes associacionstas são vistas como estratégias de gestão de riscos aos quais são expostos os atores mais vuneráveis da sociedade. Essas redes atualizam os princípios de cidadania, liberdade e justiça social. Mais precisamente, para Freitas, “as redes associacionistas emergem como agentes articuladores da cidadania ativa, mobilizando os atores sociais e redefinindo a relação Estado/sociedade. Reiventa-se as bases da gestão pública” (Freitas, 2005, p. 228). Para caracterizar o contexto da comunidade do Coque e mais especificamente da Rede Coque Vive, façamos aqui uma breve descrição da cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco. Com estimativa de 1 608 488 habitantes (IBGE, 2014), Recife é constituída por 94 bairro, 6 regiões político-administrativas e 66 Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). A comunidade do Coque contava em 2011 em torno de 40.000 habitantes. O cantor e compositor Chico Science (1966-1997) musicou o mangue e a desigualdade social de uma cidade atravessada por pontes, sobre os rios Capibaribe e Beberibe. Mas, esses rios são também as marcas de um cenário de habitações precárias sobre palafitas situadas a margem do rio. Dos “mocambos” de Gilbert Freyre (1936) ao “ciclo do caranguejo” de Josué de Castro (1966). Um dos elementos que nos ajudam a compreender os contrastes da cidade de Recife é a evolução histórica da ocupação do solo. Se nos anos 80 foram criados, a partir da mobilização de Dom Helder Câmara, o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS), a especulação política e mobiliária contribuem para a cristalização de uma imagem negativa da comunidade do Coque. Igor Ferreira Silva (2011) e João Vale Neto (2007) apontam que, mesmo que os problemas sociais sejam vastos, o impacto das violências psicológicas e simbólicas às quais os habitantes dessas comunidades são submetidos cotidianamente, fruto de humilhações e violações de seus direitos humanos, pode ser a gênese da estigmatização
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e da violência local. Consequentemente, pode-se observar que as ações políticas (privada ou governamentais) visam sobretudo a prevenção da violência acima da promoção dos direitos humanos e da cidadania. Iniciativas, essas, geralmente fragmentadas e que não reconhecem o potencial de participação dos habitantes para a resolução de seus próprios problemas. A representação estereotipada dos habitantes do Coque é reforçada pelas mídias comerciais, ampliando o quadro de violências de direitos aos quais esta população é submetida. Souza Silva (2009), a partir de um estudo analisando as manchetes de um jornal local entre 1970 e 2007, afirma que as mídias, sua linguagem e seu poder tiveram um papel determinantes na manipulação e na consolidação do que é possível, ou não, ser visto na comunidade do Coque. Com o pretexto de mostrar a violência, as mídias tem historicamente estigmatizado os habitantes dessa comunidade. Nesse contexto de degradação social, os habitantes perdem a memória de suas construções positivas, de suas mobilizações e de suas resistências. Foi nesse contexto que, historicamente, a Rede Coque Vive se constituiu, inicialmente com o projeto de extensão universitária com a comunidade do Coque. O projeto de extensão universitária: “Coque Vive: comunicação, educação e cultura” originou-se em 2005, do encontro entre um estudante de jornalismo da UFPE e alguns jovens do coletivo MABI (Movimento Arrebentando Fronteiras Invisíveis), situado na comunidade do Coque, em Recife, e o lugar desse encontro, a ONG NEIMFA (criada em 1987 e voltada para fins sócio-educacionais). Os jovens do MABI tinham o desejo de rebater a imagem estereotipada que as mídias locais fazem dos habitantes do Coque (lugar violento, de criminosos, marginais, carentes de ajuda), através da produção de um “Jornal do Coque” e, por isso, precisavam dos conhecimentos em comunicação do estudante de jornalismo da UFPE. Na sequência da experiência do “Jornal do Coque”, os estudantes de jornalismo foram convidados pelos jovens do MABI a continuar na comunidade, a fim de promover uma “comunicação comunitária”. Em 2006, o projeto de extensão universitária “Coque Vive: Comunicação, Educação e Cultura”, em parceria com o coletivo MABI e a ONG NEIMFA, foi oficializado na pró-reitoria de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (PROEXT). A rede associacionista Rede Coque Vive tem objetivo principal desconstruir os estigmas e construir novas representações da comunidade do Coque, através da produção de mídias pelos próprios habitantes daquela comunidade. No período de 2006 a 2012 identificamos várias produções realizadas pela RCV, dentre as quais, podemos citar: Jornal Coque, Fanzines “Desclassificados”, Revista Mabi, blog Coque Vive, Banco de Imagens Coque Vive, Radio Coque Livre, Estação Digital de difusão de conteúdos, Vídeo documentários, produções acadêmicas, publicações, biblioteca popular do Coque, livro “Coque Vive Notícias”, eventos socioartísticos de divulgação das ações, Cine Coque, Caravana Arco-Íris, circuitos das escolas, seminários acadêmicos, material didático, formação “agentes de educomunicação solidária”, essa última com os módulos de análise crítica das mídias, técnicas, imagens, vídeo, fotografia, filosofia, produção textual, cidade e espaço, construção de notícia. Dessas ações, muitas foram contempladas com prêmios com repercussão nacional.
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Posto isso, a metodologia do nosso estudo visou a identificar em que medida as interações entre os membros da Rede Coque Vive constituem um vetor de formação do educomunicador. Nosso objetivo principal foi de identificar elementos de formação a partir das interações entre os membros desta rede, para assim verificar se a RCV é um vetor de circulação e apropriação do conhecimento em educomunicação. Adotamos os princípios do estudo de caso etnográfico. Os dados foram obtidos a partir de entrevistas, de questionários, de análise documental, e de observação participante. Foram identificados 26 membros diretamente envolvidos nas ações educomunicativas desenvolvidas dentro da RCV, nossa amostra é de 18 pessoas.
A FORMAÇÃO DO EDUCOMUNICADOR Para Soares (2005), a educomunicação é compreendida como um “ecossistema comunicacional”. É através da cultura que a comunicação e a educação se cruzam. A educomunicação é regida pelos princípios de promoção do acesso democrático à produção e à difusão da informação, da percepção crítica sobre o modo como as mídias podem enquadrar nossa percepção do mundo, do uso criativo das mídias, e da expressão comunicativa dos membros de uma comunidade. Esse mesmo autor esclarece que o termo “educomunicação” não quer dizer uma educação que utiliza os instrumentos de comunicação (as mídias), mas é a comunicação que se torna o elemento central dos processos educativos (SOARES, 2002). É necessário propor um “educar pela comunicação” e não “para a comunicação”. Dessa forma, as mídias são situadas em um projeto pedagógico mais largo, pois a comunicação educativa remete à comunicação como relação e não como um objeto. A alteridade, a consciência social, o diálogo, a integração social, a cidadania, as relações colaborativas entre sociedade e indivíduos, o processo educativo como espaço público, a aprendizagem como processo coletivo e a democratização das mídias são os ideais buscados pela educomunicação (DOMINGOS DA SILVA, 2009). Embora no âmbito internacional os termos “éducation aux médias”, “Medias Literacy” e “educação para os meios” sejam considerados equivalentes à educomunicação, epistemologicamente este conceito é expresso no Brasil de forma muito mais ampla, ultrapassando o desenvolvimento de uma “postura crítica face às mídias”, e avançando para a criação de ecossistemas comunicativos. A formação do educomunicador é uma categoria teórica central no nosso estudo. Por isso, os diferentes modelos que sustentam a formação de professores se mostraram pertinente para lançar um olhar sobre a formação do educomunicador, sobretudo nas diversas maneiras de adquirir competências profissionais e nas questões de formação diante das novas exigências sociais. Assim, examinamos os fundamentos da formação no domínio da Educomunicação, destacando a emergência e atuação do educomunicador na educação formal e não formal, para assim examinarmos se isso implica a aparição de um novo profissional ou uma redefinição de papéis. Embora professores e jornalistas apareçam como figuras recorrentes neste estudo, por sua incidência nas práticas educomunicativas identificadas ao longo da nossa investigação, isso não exclui profissionais oriundos de outros campos.
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As discussões sobre a formação são apoiadas nos trabalhos de Maggi (2000) e Develay (1994). Do ponto de vista das finalidades da aprendizagem, Develay (1994) identifica cinco tipos de formação: o “ter” (a formação como informação), o “fazer” (formação como ativação), o “ser” (formação como desenvolvimento), o “comunicar” (formação como comunicação) e o “mudar” (formação como transformação). Em relação à função social da formação, Develay (1994) indica que é possivel distinguir três tipos de formação: o tipo transmissivo (de orientação normativa onde o aluno é o objeto da formação); o tipo incitativo (de orientação pessoal, onde o aluno é o sujeito de sua formação); e finalmente, o tipo apropriativo (focado na inclusão social, onde o aluno é o agente de sua formação). Nos interessamos particularmente no modelo apropriativo, que nos oferece pistas para o trabalho de formação do educomunicador. Neste modelo, centrado na inclusão social, o conhecimento é visto como uma necessidade e a pedagogia é voltada para quebrar as determinações sociais. O trabalho é feito em comum, pela apropriação do real e pela definição dos referenciais. No modelo apropriativo, a dialética fundamenta o ato de formação pelo reconhecimento da realidade pedagógica, social, cultural e profissional das pessoas em formação. Considerando a concepção do sistema social como fator determinante sobre a concepção de formação, Maggi (2000) parte da ideia que toda formação é ativada pelo seu contexto. Para ele, é a maneira como concebemos o contexto que irá determinar os modos de formação concretizados. O caráter essencial da formação é proporcionar oportunidades de formação para viver diferentes situações. Mas, em se tratando da formação do educomunicador, que tipo de formação pensar? Domaille et Buckigham (2001) em um relatório apresentado à Unesco sobre o estado da educomunicação no mundo, constataram que a formação destinada aos professores apresenta um caráter diversificado de um país para outro: de módulos facultativos oferecidos na formação inicial à formação continuada, de numa perspectiva de promoção interna nos estabelecimentos escolares a formações curtas e voluntárias, além das associações parceiras que oferecem formação aos professores sensibilizados. Em 2007, reuniram-se em Paris os representantes políticos, especialistas, professores e profissionais das mídias com dois objetivos: fazer um balanço dos avanços e obstáculos encontrados na implementação dos dispositivos e práticas de educomunicação; e fazer recomendações destinadas a difundir a educomunicação e mobilizar todos os interessados. Assim, foram traçadas 12 recomendações, chamadas “Agenda de Paris”, organizadas em quatro troncos: 1) O desenvolvimento de programas integrados em todos os níveis de ensino; 2) Formação de educadores e sensibilização dos diversos atores na esfera social: 3) Pesquisa e redes de divulgação; 4) Cooperação internacional traduzida em ações. Além disso, o documento especifica a necessidade de se levar em conta alguns fatores determinantes: os fundamentos políticos, o currículo, a formação de professores e outros mediadores, o papel das indústrias das mídias, a participação dos pais, os recursos didáticos, a pesquisa e avaliação e, finalmente, o intercâmbio e o diálogo em escala internacional.
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Acreditamos que uma maneira de pensar sobre a formação do educomunicador é considerar as competências que os alunos devem desenvolver em suas relações com as mídias. David Buckingham (2001) aponta alguns conteúdos: Em princípio, o aluno deve ser capaz de fazer a ligação entre os fundamentos das diferentes mídias. Para este autor, o currículo da educomunicação deve abordar os seguintes temas: a) as mídias como organismo (quem comunica o que e porquê?); b) as mídias e suas categorias (tipos de textos, formas, gêneros); c) as mídias e suas tecnologias (como esse texto foi produzido); d) as mídias e suas linguagens (o que significa, o sentido, códigos, estruturas narrativas); e) as mídias e seus públicos (quem é o receptor? O que ele retém?como responde?); f) as mídias e as representações (como o texto apresenta o tema? os estereótipos e consequências). No entanto, a delimitação desses temas-chaves suscitam questionamentos por sua simplificação, sobre os valores, as atitudes e competências que os alunos devem adquirir e finalmente sobre a avaliação da mudança. Para Catherine Becchetti-Bizot et Alain Brunet (2007), inspetoras no Ministério da Educação Francesa, que escreveram um relatório sobre as questões, o estado e as perspectivas de educomunicação na França, os conhecimentos básicos nesta área devem ser orientados em três áreas de especialização: a estética, a semiótica e a cívica. Para essas autoras, a ação não deve estar centrada unicamente no uso das mídias, mas discutir “as mídias estão a serviço de quem?”. Essa questão mostra que as mídias não são boas ou más em si, mas são os usos que as determinam. Identificar o que fundamenta estas práticas, a fim de compreender a sua razão de ser. No Brasil, é possível repertoriar cursos de Licenciatura, Extensão e Especialização Lato Sensu, oferecido por Instituições Ensino Superior, e desde os anos 90 a Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA/USP) reconhece e legitima o educomunicador como o profissional que age no campo de intersecção educação-cultura-educação. No entanto, se por um lado, a formação em educomunicação se destina a formar um novo profissional, por outro lado, é necessário considerar todos os profissionais que há muito tempo realizam atividades educomunicativas nas mais diversas áreas sem necessariamente ter uma certificação para isso. Tomemos por exemplo a tese desenvolvida por Silva (2010) sobre a constituição da identidade do arte-educador e o papel formativo das experiências de vida na construção e consolidação dessas identidades. Ele mostra que, no campo da arte-educação, alguns arte-educadores acumularam conhecimentos de experiências através de seus percursos profissionais, mas têm dificuldade em serem reconhecidos por seus pares por causa da ausência de certificação específica em Educação Artística. Ele disse que a partir de sua própria experiência: “o problema não é ser reconhecido como um educador, mas não ser reconhecido como um arte-educador” (SILVA, 2010, p. 24). Assim, ele aponta os conflitos internos entre os “ate-educadores nãocertificados” e os “arte-educadores certificados”, indicando que esses conflitos podem levar a uma depreciação no campo da arte-educação, já que esta área ainda está à procura de um verdadeiro reconhecimento no domínio da Educação e da Arte.
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Embora no campo da educomunicação ainda não encontremos trabalhos indicando este tipo de conflito, é preciso conhecer o impacto das políticas públicas de formação acadêmica na legitimação dos profissionais que têm práticas educomunicativas consolidadas em vários setores da sociedade e um possível inicio de tensões. Acreditamos, e expressamos nesse trabalho, que os educomunidores são todos os profissionais que implementam projetos educomunicativos, independentemente da sua formação inicial e de seu pertencimento institucional; assim como todos os profissionais que estão envolvidos em experiências educomunicativas, mas não as classificam como tal, ou que tenham dificuldades em se definir como educomunicadores. Pier Cesare Rivoltella (2005) questiona a identidade profissional dos educomunicadores, destacando a dialética existente entre o papel e a função. Ele mostra que, por um lado, se o educomunicador é um papel, então vamos falar de um novo profissional, agrupando-o aos perfis profissionais tradicionais, como por exemplo, professor. Por outro lado, se educomunicador é uma função, são as habilidades que importam, não o perfil do profissional, pois as habilidades para trabalhar a educomunicação se tornarão características de todos os profissionais que trabalham em um contexto marcado pela presença das mídias. O autor levanta a hipótese de que as duas perspectivas (papel e funções) não são mutuamente exclusivas, o educomunicador pode assumir um papel e uma função. Assim, educomunicador pode ser um especialista em educação ou em comunicação, ao mesmo tempo possuindo as competências de intervenção necessárias no campo da educomunicação. Para tratarmos do perfil profissional do educomunicador, é importante lançarmos um olhar sobre os princípios do trabalho em educomunicação, como também é importante reconhecer que há profissionais que realizam atividades de educomunicação e não as nomeiam como tal, ou as enquadram em objetivos mais amplos, como a educação para a cidadania. É por isso que consideramos que o educomunicador é o profissional que implementa a educomunicação, seja de maneira teoricamente fundamentada, seja em experimentações.
REDE COQUE VIVE: UM ESPAÇO DE DIÁLOGO E VÍNCULOS PROMOVENDO SABERES EM EDUCOMUNICAÇÃO Buscamos compreender a formação do educomunicador também a partir das ações promovidas da Rede Coque Vive, resultando em um vasto repertório de materiais a atividades. Observamos que, mais do que os conteúdos específicos da educomunicação, nos defrontamos com suas concepções de formação humana, formação profissional e aquisição de conhecimento que, em seu conjunto, nos indicam o diálogo e o vínculo como parte primordial da formação integral. O diálogo promovido pelas ações da RCV possibilitou dar um novo sentido à existência desses jovens do Coque e à sua comunidade. O verdadeiro diálogo, visando a compreensão do outro, a desfragmentação das relações humanas, e potencializando a sensibilidade nas relações. Esse tipo de diálogo une o que os preconceitos separam. Da idéia de um sujeito que se apropria de conteúdos da educomunicação, lançamos um olhar sobre as interações, a fim de captar não só o conteúdo, mas também os recursos relacionados à formação desses sujeitos, em um sentido mais amplo. Evocando essas
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interações como situações de aprendizagem, destacamos as condições e circunstâncias que podem levar o educomunicador a construir novos conhecimentos e desenvolver competências em educomunicação. Assim, privilegiamos a perspectiva de sujeitos que, através das interações, se apropriam de recursos variados. Encontramos vários elementos que indicam as contribuições da RCV para a formação do educomunicador. Mais precisamente, as suas ações provocaram nos membros da rede, um constante questionamento sobre o significado profundo de educação e de comunicação. Eles experimentaram a aprendizagem de novas formas de ver e praticar a comunicação: como contato humano, como uma prática participativa de relacionamento com os outros. É a partir disso que eles promoveram a comunicação comunitária, construindo e ampliando percepções, imagens, discursos, a fim de intervir e limitar o desenvolvimento de estigmas negativos sobre a comunidade do Coque e seus habitantes. O que corrobora com as proposições de Porcher (2006) que defende uma “educação à comunicação”. O trabalho desenvolvido pela RCV é também focado nas respostas que os indivíduos dão aos conteúdos e aos estereótipos que as mídias veiculam, em outras palavras, o que as pessoas fazem dos conteúdos e representações que as mídias hegemônicas propõem. Este processo se realiza através da reflexão sobre a prática, promovendo a construção de conhecimentos exigidos pelo contexto, no qual o estabelecimento de laços é a condição sine qua non para a realização da “educomunicação”. Esses elementos de formação podem constituir uma contribuição significativa para as formações institucionalizadas de professores, jornalistas e, mais precisamente, de educomunicadores. Vimos então que esses conhecimentos não são apenas relacionados aos conteúdos, mas às estratégias, à gestão do espaço comunicativo, ao desenvolvimento da expressão pessoal. Os membros da RCV estão envolvidos em um processo de formação que vai além da educomunicação. Há outros elementos de aprendizagem, tais como o diálogo, a alteridade, um sentimento de pertencimento, o “estar junto” que fornecem a base para formação humana. Estes elementos são um veículo essencial para a aquisição de conhecimentos em educomunicação. Na RCV as ações e as aprendizagens se produzem simultaneamente na concretização das ações, colocando em valor o processo, mais que os resultados. Assim, a aprendizagem não é vista somente como uma simples aquisição de saberes, mas como um processo de participação social. Dessa forma, as experiências que analisamos no seio da RCV nos permitem afirmar que esta rede constitui um espaço formativo para os educomunicadores. As ações da RCV levam seus membros a experimentaram novas formas de conceber e praticar a comunicação, ampliando percepções, imagens, discursos, a fim de intervir e limitar o desenvolvimento de estigmas negativos sobre a comunidade do Coque e seu habitantes, a partir de um processo de formação baseado no diálogo, na alteridade, protagonismo juvenil, num sentimento de pertencimento e “estar junto”. Podemos afirmar que a RCV constitui um espaço formativo para os educomunicadores, uma vez que ela potencializa um ecossistema comunicativo. A RCV constitui um espaço legítimo de práticas educomunicativas. Esta rede, através de suas atividades, promoveu formas diversificadas de ação e novas experiências de formação e transformação.
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CONCLUSÕES Evidenciando as práticas educomunicativas na Rede Coque Vive, buscamos apontar as suas contribuições na formação dos educomunicadores. A Rede Coque Vive criou um ecossistema comunicativo na medida em que ampliaram os espaços de comunicação de uma comunidade, até então marcada pela ausência de voz nas mídias. A RCV constitui um espaço legítimo de práticas educomunicativas que privilegiam o diálogo, o senso de pertencimento, a criação e fortalecimento de laços de afeto, e o comprometimento. Esta rede, através de suas ações, estabeleceu uma comunicação que vai além dos produtos midiáticos, promovendo uma linguagem em comum entre a educação e a comunicação, numa busca constante de novas formas de ação e de novas experiências de formação e transformação. Acreditamos que as ações que se apóiam nos ideais da educomunicação podem contribuir na formação de profissionais comprometidos com a justiça social e os direitos humanos. Nesse processo de desenvolvimento do protagonismo juvenil, ampliando as possibilidades de formação humana e profissional. As ações desenvolvidas pela Rede Coque Vive devem ser associadas a um movimento acadêmico de educomunicação no Brasil. Além das contribuições que este trabalho pode oferecer no campo da educação e comunicação, buscamos contribuir para a legitimidade dessas práticas educomunicativas e às reflexões sobre educomunicação. Por fim, esperamos que essas ações educomunicativas promovidas pela Rede Coque Vive possam oferecer elementos necessários à reflexão sobre as políticas públicas de formação de educomunicadores.
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Educomunicação: caminhos e perspectivas na formação pastoral. A experiência do Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC) Helena Corazza 1 Resumo: Este artigo tem como foco o caminho educomunicativo na formação de lideranças pastorais para atuarem, como mediadores, na área da comunicação nas comunidades e em espaços educativos. Trata-se de alguns aspectos da tese cujo objetivo geral foi pesquisar a Educomunicação na formação para a comunicação de agentes pastorais e educativos a partir do espaço não formal. A pesquisa empírica realizou-se no Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC), um projeto iniciado em 1982, por meio do exame de publicações, monografias elaboradas pelos cursistas de Especialização de questionários enviados aos mesmos com o objetivo de verificar a experiência realizada, a metodologia e a continuidade em projetos de intervenção, uma vez que a formação integrada compreende reflexão e ação no campo da Educomunicação na Pastoral. Entre os resultados, encontra-se a interface comunicação e educação e comunicação e pastoral, bem como uma metodologia que facilita a experiência do pensar e do produzir a comunicação. Este trabalho se insere na caminhada latino-americana de construção da reflexão e prática educomunicativa e foi decisivo para a emergência e consolidação junto ao segmento da Pastoral da Comunicação no Brasil.
Palavras-chave: Pastoral da Comunicação. Educomunicação. Sujeito. Interface. Abstract: This article focuses on educommunication way in the formation of pastoral leaders to act as mediators in communication in communities and educational spaces. These are some aspects of the thesis whose general aim was to search the Educommunication training for communication of pastoral and educational agents from the non- formal space. The empirical research was held in the Pastoral Service Communication (SEPAC), a project started in 1982, through analysis of publications, monographs drawn up by the course participants of specialization and through questionnaires sent to them in order to verify the experience conducted, the methodology and the continuity in intervention projects, since the integrated training includes reflection and action in the field of Educommunication in Pastoral. Among the results, the interface communication and education and communication and pastoral, as well as a methodology that facilitates the experience of thinking and produce communication.This work is part of the Latin American Walking building of reflection and educommunication practice and was crucial to the emergence and consolidation together with Communication Pastoral segment in Brazil.
Key-words: Communication Pastoral. Educommunication. Subject. Interface. 1. Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, jornalista, diretora do Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC) – E-mail: helenac@usp.br; helena.corazza@paulinas.com.br.
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DUCOMUNICAÇÃO E Pastoral2 são dois campos de estudo e de atuação com aspec-
tos comuns que unem reflexão e práticas e expressam o ser e o atuar na sociedade. Assim, o tema da Educomunicação está em evidência como objeto de pesquisa acadêmica e sua aplicação no campo da educação formal e na formação pastoral. Se a Educomunicação aponta caminhos novos na interrelação comunicação e educação, a formação requer revisão de métodos e linguagens, por inserir-se na ambiência da comunicação como cultura, tanto na forma presencial quanto na mediada pela técnica em que os sujeitos estão imersos em seu cotidiano. Por sua vez a Pastoral da Comunicação (PASCOM)3 nasce do conjunto de duas realidades que interagem reciprocamente: comunicação e pastoral. Comunicação entendida como processo de relações entre as pessoas de forma presencial ou mediada pela técnica. A PASCOM define-se como “um processo dinâmico, dialógico, interativo e multidirecional” (CNBB, 2014, p. 14), o que requer pessoas que conheçam, compreendam, apliquem e assumam visão para as diferentes realidades da comunicação contemporânea. Educomunicação e Pastoral são realidades em que se torna visível a questão da interface entre questões da educação e da pastoral relacionadas à comunicação e tem em comum o ser humano como sujeito dos processos comunicacionais, presentes no cotidiano. Essas realidades inserem-se no contexto das mudanças culturais e sociais, as tecnologias fazem parte do cotidiano e do relacionamento, e afetam a educação para a comunicação no espaço formal e não formal. Nessa mudança cultural estão em jogo valores e princípios de uma sociedade que tem na escola o lugar da socialização e da formação do cidadão, e convive com a “escola sem muros” da sociedade midiatizada. Este trabalho tem como foco o caminho educomunicativo na formação de agentes pastorais para serem pessoas capazes de promover a reflexão e as práticas comunicacionais no seu ambiente de atuação nas comunidades ou em espaços educativos. Trata-se de alguns aspectos da tese cuja pesquisa empírica consistiu em verificar a experiência educomunicativa na formação para a comunicação de agentes pastorais e educativos a partir do espaço não formal. A hipótese principal desta pesquisa, é que a contribuição do SEPAC na linha de princípios e de ação foi decisiva para a emergência da teoria e prática educomunicativa e sua consolidação junto ao segmento da Pastoral da Comunicação no Brasil.
EDUCOMUNICAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO Há um processo de construção do campo da Educomunicação que se revela em diversas abordagens de pesquisas acadêmicas, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Esta não é somente uma área de conhecimento, mas uma maneira de compreender e posiciona-se perante a produção cultural e a reconfiguração dos espaços comunicacionais, que requer abordagens interdisciplinares. 2. . A palavra deriva de “pastor”, relacionada ao período nômade da história de Israel. O Salmo 23 (22) apresenta Deus como pastor que guia, salva e protege o seu povo. No Evangelho de João 10,11, Jesus é o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Conforme o exemplo de Jesus, pastoral é toda a ação da Igreja no mundo, como povo de Deus, destinada a ser semente de vida nova em Cristo Jesus, relacionando os valores do Evangelho com as situações concretas e levando as pessoas a serem discípulas missionárias na vida cotidiana e a assumirem o projeto de Deus. 3. Expressão que nasce do conjunto de duas realidades: comunicação e pastoral. Sua missão é articular e animar a reflexão e ações nesse campo.
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A formação para a comunicação traz aqui o conceito de capacitação para pensar e atuar em ambientes comunicativos, mediante o compromisso com valores humanos e de cidadania, de modo que o sujeito possa ser “ator social”. O conceito de Educomunicação, empregado por Mário Kaplún na, década de 1980, foi ressemantizado pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da ECA/USP, como um campo de ação emergente na interface entre as áreas de comunicação e educação. A Educomunicação é um meio de reconhecimento da centralidade da comunicação. Trata-se de expressão que não apenas indica a existência de uma nova área que trabalha na interface comunicação e educação, mas também sinaliza para uma circunstância histórica, segundo a qual os mecanismos de produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação se fazem considerando o papel da centralidade da comunicação (Citelli, 2011, p. 7).
Na interrelação Comunicação e Educação ou Educomunicação, a pesquisa se apoia em autores como Adilson Citelli, Ismar de Oliveira Soares e Martín-Barbero, que trabalham a educação a partir da comunicação. Este é um campo de mediações e de busca de novos caminhos e linguagens quanto aos paradigmas da modernidade e pósmodernidade. Entendido como “novo campo, por sua natureza relacional, estrutura-se de um modo processual, midiático, transdisciplinar e interdiscursivo, sendo vivenciado na prática dos atores sociais, através de áreas concretas de intervenção social” (Soares, 2011, p. 25), como da Educação para a Comunicação, da mediação tecnológica, da gestão da comunicação e da reflexão epistemológica.
EDUCAÇÃO PARA A COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO PASTORAL No Brasil, os Estudos sobre Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tratam do tema da formação para a comunicação para as lideranças religiosas, agentes da Pastoral da Comunicação, profissionais da comunicação, dando indicativos de um perfil do comunicador na Igreja e incentivando o planejamento da Pastoral da Comunicação. A necessidade da formação se situa numa compreensão da própria Igreja que convive e precisa dialogar com uma sociedade em mudança, sobretudo com a cultura digital. O documento da CNBB (1997) retoma alguns princípios na formação, como a participação e o diálogo, a formação dos comunicadores e de lideranças, a especificidade do trabalho dos agentes de pastoral e da formação em nível local, regional e nacional. Recomenda, ainda, a mística da comunicação ou a espiritualidade, pois a formação para a comunicação tem um indicativo preciso voltado à reflexão: “A grande preocupação vai residir em valorizar o PENSAR. Isto é, compreender os mecanismos sociais que impedem os indivíduos e as comunidades serem sujeitos ativos de sua comunicação” (CNBB 75, 1997, p.15). O documento de Aparecida (2007)4, ao tratar da Pastoral da Comunicação, dá um salto qualitativo quando pede o conhecimento, a competência e o compromisso: 4. As Conferências do Episcopado Latino-americano (CELAM), assumem o nome da cidade onde são realizadas, elaboram documento final que leva o mesmo nome, neste caso, Aparecida (SP), Brasil.
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conhecer e valorizar esta nova cultura da comunicação, promover a formação profissional, formar comunicadores profissionais competentes e comprometidos com os valores humanos e cristãos na transformação evangélica da sociedade, com particular atenção aos proprietários, diretores, programadores, jornalistas e locutores, educar para a formação crítica quanto ao uso dos meios de comunicação a partir da primeira idade (CELAM, 2007, p. 219).
A Pastoral da Comunicação não envolve apenas a atuação em meios de comunicação, nem pode ser reduzida a isso, “pois ela é elemento articulador da vida e das relações comunitárias” (CNBB, 2014, p. 193). Este é um desafio uma vez que a formação integral e profissional faz parte de um projeto a ser colocado em prática em todas as comunidades. Sendo ela um elemento articulador da vida e das relações comunitárias, a própria instituição entende que as pessoas que a ela se dedicam precisam estar preparadas para exercer essa missão. O pensamento da Igreja católica sobre comunicação não se restringe ao âmbito religioso, mas se abre ao espaço educativo, graças à assessoria de pesquisadores e especialistas na área, que são convidados para contribuir na reflexão, com uma abordagem do pensamento comunicacional contemporâneo, a nova cultura, as transformações sociais, culturais e antropológicas pelas quais passa o ser humano, as comunidades e instituições. Ao considerar a formação e novas competências, o texto diz que é preciso pensar uma forma específica no âmbito da comunicação, tendo em vista a autenticidade e eficácia da comunicação na própria Igreja. A proposta é de uma comunicação que vá além da aprendizagem e dos elementos técnicos, “próprios do fazer midiático”, e tenha em conta as condições para uma comunicação dialógica. O estudo pretende alargar a assimilação e o envolvimento da comunicação para além dos especialistas e produtores uma vez que ela está presente no cotidiano, tendo em vista a formação do cristão, a família, a escola, a paróquia, as associações. A insistência é de que o processo formativo acompanhe a missão de todos quantos fazem parte das comunidades. O conceito de Educomunicação envolve um conjunto das ações voltadas a criar, desenvolver ambientes que favoreçam a expressão dos indivíduos e grupos humanos, “mediante a gestão compartilhada e democrática das linguagens e tecnologias da informação, de forma a garantir intencionalidade educativa a todo esforço comunicativo, tendo em vista o pleno exercício da cidadania” (CNBB, 2011, p. 43). No que diz respeito à abrangência do processo comunicacional, o estudo da CNBB adota os conceitos da Educomunicação, falando de um projeto a ser desenvolvido no âmbito da educação para o processo comunicativo, em si mesmo, voltado a incluir a ação comunicativa entre as preocupações pastorais da Igreja, tanto em nível individual quanto grupal e setorial, de caráter eminentemente existencial e testemunhal; o da educação para o exercício da produção de conteúdos evangelizadores, de caráter enunciativo e o da educação para a convivência no mundo da informação, incluindo tanto a relação com a indústria da informação, recepção crítica da mídia, quanto o uso estratégico dos recursos da informação na ação evangelizadora (CNBB, 2011, p. 58).
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A educação para a comunicação é acentuada e assumida pela Igreja no Brasil5, que retoma orientações anteriores, recomendando que essa formação seja sistematizada. Nos seus objetivos aponta três eixos: a educação para processos dialógicos, a análise crítica perante os meios de comunicação e oferecer formação para o uso adequado dos recursos para o bem comum e, ao mesmo tempo, para as novas linguagens, o que revela o empenho em trabalhar a comunicação como processo e não apenas como meios. (CNBB, 2014, p. 168-171). O documento indica oito âmbitos de atuação na educação para a comunicação: familiar, escolar, comunitário, político, profissional, pastoral, da recepção midiática e da alfabetização digital (CNBB, 2014, p. 173-182), expandindo possibilidades de atuação, não só no interno, mas também em outros segmentos. Há uma consciência crescente sobre a necessidade de um pensamento comunicacional na educação da fé, tendo em conta a formação de educadores no campo da catequese e também da qualificação da comunicação nos momentos celebrativos, a comunicação na liturgia (CELAM, 1979, p. 341). Considerar a comunicação de modo transversal, passa pela maneira de comunicar, lembrando também a comunicação nas celebrações, nas mobilizações populares, na comunicação da Palavra, nas homilias, nas linguagens (CNBB, 1997, p. 14-15). No caso das políticas públicas, coloca-se o interesse do interlocutor e das suas necessidades e não apenas os interesses de audiência e lucro, conforme palavras do papa João Paulo II, os comunicadores6 “devem procurar comunicar-se com as pessoas e não apenas falar a elas. Isso exige um interesse pelas necessidades delas, a consciência das suas lutas e a apresentação de todas as formas de comunicação com a sensibilidade que a dignidade humana exige”. As políticas também se voltam ao público das crianças pedindo a intervenção quanto ao “suscitar leis para promover uma cultura que proteja as crianças, os jovens e as pessoas mais vulneráveis, para que a comunicação não transgrida os valores e, ao contrário, criem critérios válidos de discernimento” (CELAM, 2007, p. 220). As políticas de comunicação voltam-se para a dimensão social e da constatação da situação de pobreza, marginalização e injustiça que acomete grande parte da população latino-americana e “de violação dos direitos humanos, a Igreja, no uso de seus meios próprios, deve ser cada dia mais a voz dos desamparados, apesar dos riscos que isto implica” (CELAM, 1979, p. 343). Por cinco anos consecutivos, a mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações, celebrado no mundo inteiro no dia da Ascensão do Senhor, tratou da temática das tecnologias e redes sociais7. Os textos orientam uma temática de reflexão em torno da convivência no mundo digital, colaborando no cultivo dos valores humanos e cristãos: “Desejo encorajar todas as pessoas de boa vontade, ativas no mundo emergente da comunicação digital, a que se empenhem na promoção de uma cultura do respeito, do diálogo, da amizade”. Convida o os jovens para que “povoem o continente digital”, incentivando-os a viverem esses valores e a educarem-se para estar neste ambiente. 5. Trata-se do “Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil”, doc. 99 da CNBB, 2014. 6. Discurso aos Especialistas da Comunicação, Los Angeles, 15 de setembro de 1987. 7. 2009 – “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo e de amizade”; 2010 – “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”; 2011- “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”; 2012 – “Silêncio e Palavra, caminho de Evangelização”; 2013 – “Redes sociais: portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização”.
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O ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade cotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens. As redes sociais são o fruto da interação humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação que cria relações: por isso uma solícita compreensão por este ambiente é o pré-requisito para uma presença significativa dentro do mesmo (Bento XVI, 2013)8.
A cultura das redes sociais e as mudanças nas formas e estilos da comunicação colocam sérios desafios, por isso, a mensagem recomenda, aos fiéis, autenticidade nas redes sociais, evidenciando a partilha da fonte profunda da sua esperança e da sua alegria.
ALGUNS RESULTADOS DA PESQUISA Para verificar a formação na área da comunicação, a pesquisa empírica centrou-se em publicações do SEPAC9, em monografias elaboradas por cursistas, organizadas em três categorias na interface comunicação e educação, comunicação e Igreja, análise de produtos midiáticos. Também foi enviado um questionário aos que terminaram o curso para saber de sua participação e continuidade em projetos de intervenção. As publicações são parte do projeto de formação dos agentes pastorais e visam facilitar o aprofundamento de temáticas da comunicação, partindo da leitura crítica e produções populares, temas de aprofundamento, manuais que apoiam a reflexão e a produção prática, seguindo o método da comunicação participativa. Observa-se que as linhas teóricas norteadoras repercutem no campo da análise da mídia, produção, reflexão e interface, com o objetivo de socializar o conhecimento em vista da formação do agente multiplicador, para apoiar sua reflexão e práticas de intervenção no espaço pastoral e profissional10, que não permanecem restritas aos que fazem os cursos. O eixo das produções está voltado a formar pessoas capazes de serem multiplicadores e produtores de conteúdos, na reflexão e prática com o conhecimento da produção nas diferentes linguagens. A linha sobre Leitura Crítica da comunicação, segue uma metodologia de análise que problematiza, analisa e favorece o crescimento e capacidade de crítica para que as pessoas se tornem sujeitos na sociedade. As publicações do SEPAC, de 1983 a 2012, no método da reflexão e da prática, favorecem ao público não especializado em comunicação, a aplicação dos conceitos teóricos e práticos, bem como a apropriação do conhecimento reflexivo e da produção. Isso se observa na série sobre Leitura Crítica que mescla os elementos teóricos com os exercícios práticos de análise de produtos da mídia, sugerindo roteiros de debate, o diálogo nos grupos, a partilha de opiniões contribuindo para a formação da consciência crítica, o que fundamenta a Educomunicação. A análise da sociedade, a reflexão teórica, o processo de diálogo e a participação nas produções que alimentam a reflexão crítica e a interface com as pastorais, encontram sintonia com a Educomunicação. 8. http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_ mes_20130124_47th-world-communications-day.html – Acesso 20/3/2015. 9. Curso de Especialização Cultura e Meios de Comunicação, uma abordagem teórico-prática do SEPAC em convênio com a PUC-SP (COGEAE). www.sepac.org.br 10. As publicações mais recentes estão disponíveis no mercado e não se restringem ao SEPAC ou a comunidades para a formação pastoral e são indicadas na bibliografia acadêmica em faculdades de comunicação. As demais estão apenas em bibliotecas.
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Abrangência e representatividade No recorte desta pesquisa, para mostrar a representatividade, um dos critérios foi fazer um levantamento dos cursistas por regiões de procedência, formação e área de atuação do Curso de Especialização de 1990 a 201211. Este levantamento quer comprovar a hipótese principal de que a contribuição do SEPAC na linha de princípios e de ação foi decisiva para a emergência da teoria e prática educomunicativa e sua consolidação junto ao segmento da Pastoral da Comunicação no Brasil. A pesquisa em relação ao número de cursistas, fornece dados quanto a participação por Estado, sendo que nos primeiros 10 anos, abrange todo o território nacional com a participação de pessoas dos 26 Estados e o Distrito Federal, Argentina e Chile. Nos últimos 10 anos a representatividade cai para 22 Estados e o Distrito Federal, o que pode ser explicado pela criação de cursos de Especialização em diversas regiões e a expansão de instituições de ensino para o interior do país. Um diferencial do SEPAC é o de trabalhar a educação para a comunicação a partir de um espaço não formal e estabelecer convênio com universidades, o que confere uma dimensão qualificada no contato com a pesquisa estendida aos agentes pastorais e culturais, um salto qualitativo em relação à educação popular. Para Soares o Curso de Especialização do SEPAC “trazia como novidade uma orientação teórica sedimentada numa parceria com as áreas de pesquisa da universidade”. Práticas educomunicativas e suas interfaces A contribuição do SEPAC na linha de princípios educomunicativos reflete-se também nas monografias produzidas. A partir da visão integrada para pensar, produzir e atuar há uma metodologia adotada, conforme descrito no capítulo quatro, que resulta na reflexão das práticas comunicacionais. A análise das monografias produzidas de 2002 a 2012 observa por onde caminha a contribuição da pesquisa para a elaboração e disseminação do pensamento educomunicativo no campo pastoral e educativo. A análise restringese aos temas pesquisados em práticas relacionadas à comunicação, na diversidade de interesses e regiões, e sua relação com a Educomunicação. As monografias foram organizadas em três categorias: Comunicação e educação, Comunicação e Igreja, Diálogo com a sociedade: produção e análise da mídia, todas com o eixo central da comunicação. A diversidade de práticas analisadas revela a interdisciplinaridade no campo educativo, pastoral e na análise de produtos da mídia. A interface da comunicação com as áreas de conhecimento revela-se como um “novo sensório”, recorrente nas pesquisas realizadas. Até mesmo sem os pesquisadores mencionarem a interface ou preocuparem-se com o seu sentido, ela permeia os estudos e as práticas impulsionada pela entrada das tecnologias, que precisam de reflexão para identificar o conceito de comunicação subjacente, muitas vezes, o uso instrumental e não do processo, conforme estudo monográfico, referindo-se a escolas públicas: “É preciso ainda estar ciente de que a integração da interface comunicação-educação vai 11. Os cursistas que participaram de cursos livres não foram objeto desta pesquisa, pela necessidade de delimitá-la. Publicação relata que “nos 30 anos de existência, o SEPAC contribuiu na formação de aproximadamente 52 mil agentes de Pastoral de todo o Brasil e de alguns países latino-americanos e da África”. Revista Paulinas. São Paulo: Ano 12, n. 47, Junho 2013, p. 7.
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muito além do simples fato de dotar a escola com aparatos tecnológicos” (Alves, 2012, p. 57). O argumento da pesquisadora é de que requer reflexão sobre a possibilidade de convergências dessas duas áreas do saber na abordagem teórico-prática. É preciso capacidade crítica para apreender as implicações socioculturais, econômicas, políticas e educacionais da revolução midiática e problematizá-la de modo que a inserção das novas tecnologias no ambiente escolar não seja realizada de forma superficial ou se transforme em repetição de antigas práticas pedagógicas utilizando ferramentas modernas. Cinco monografias são voltadas à Educomunicação, no espaço educativo, em projetos relacionados a escolas públicas da rede municipal, estadual, particular e também de associações educativas, na tentativa de trabalhar com professores e alunos. Um dos estudos propõe aprendizado para novas linguagens como no caso de uma webrádio numa escola católica, enfrentando dificuldades e resistências por parte dos docentes para entrar nessa cultura na qual os alunos já convivem. No campo da pastoral a interface com a comunicação aparece de forma espontânea, sobretudo em relação às celebrações. A comunicação na liturgia ocupa diversas análises, bem como o relacionamento interpessoal, a expressão vocal, corporal e da produção. Observa-se que aperfeiçoar a comunicação é uma necessidade em vista dos objetivos da evangelização e da pastoral, o que constitui um desafio para o anúncio da Palavra de Deus em linguagem acessível à sociedade contemporânea.
Projetos de intervenção com a comunicação A Educomunicação promove processos de intervenção, que envolvem o pensar e o atuar, conforme encontramos em pesquisas analisadas nesta tese. Ao considerar esses projetos, a tendência é caracterizar a intervenção apenas em questões sociais, mobilização, entretanto, ela também se refere a uma comunicação inclusiva no processo educacional como a que envolve crianças com deficiência auditiva permitindo um trabalho interdisciplinar; o relacionamento de mães com filho portador de deficiência; profissionais de comunicação que produzem programa de televisão com pessoas portadoras de deficiência, sendo participantes, o que requer um aprendizado para a equipe de produção, conforme pesquisas realizadas por cursistas. Denominamos projeto de intervenção a capacidade de rever processos de comunicação no interior das instituições escolares, como rever as relações interpessoais, reconhecendo limites e perspectivas no espaço educativo; repensar e ressignificar instituições a partir de políticas em relação à comunicação, tendo em vista a centralidade da comunicação e capacitação da comunidade educativa. As pesquisas sobre políticas e práticas de comunicação na Igreja católica também se situam no campo da intervenção, uma vez que a Pastoral da Comunicação é uma política, enquanto organiza as ações das comunidades num projeto comum que estabelece um trabalho norteador para a comunicação na Igreja, em cada região, mas nem sempre é assim considerada pelos documentos da Igreja. No intuito de pensar projetos de intervenção na sociedade, no questionário enviado aos cursistas perguntou-se sobre projetos de continuidade, após o curso. Dentre os que atuam diretamente na Pastoral da Comunicação, 18; Jornal/boletim, 34; Rádio, 29; Programa de TV, 7; site/blog, 31; Educação, 26, pudemos observar que a atuação é
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mais intensa na imprensa escrita, seguida pela Internet, Rádio, Educação e Pastoral da Comunicação, que inclui a presença nas mídias citadas e coloca-os como produtores de conteúdo e fontes. Essa atuação remete ao pensamento de Kaplún com relação à pedagogia da comunicação: “a apropriação do conhecimento pelos alunos se catalisa quando eles são instituídos e potencializados como emissores. Seu processo de aprendizagem é favorecido e incrementado pela realização de produtos comunicáveis e efetivamente comunicados” (Kaplún, 2011, p. 78).
CONTRIBUIÇÕES DO SEPAC À EDUCOMUNICAÇÃO Esse estudo e a pesquisa empírica levam-nos a afirmar que o SEPAC é um ecossistema comunicativo que acolhe agentes pastorais e sociais no campo da educação para a comunicação. De fato, a educação não se resume apenas à apropriação de um conjunto de dispositivos tecnológicos (tecnologias da educação), mas aponta para a emergência de uma nova ambiência cultural, que pode se aplicar às análises realizadas. Em entrevista sobre a atuação no SEPAC Soares12 fala das primeiras experiências realizadas com escolas católicas que possibilitaram o amadurecimento da experiência educomunicativa, antecipando sua implantação na escola pública. A experiência das “Feiras de Comunicação” do SEPAC, antecipou em 17 anos o trabalho que o Núcleo de Comunicação e Educação - por mim fundado na USP, em 1996 - passou a propor às escolas públicas municipais de São Paulo, através do Educom.rádio, em 2001: o emprego de uma metodologia de educação para a comunicação de forma problematizadora mediante a pedagogia de projetos, numa perspectiva construtivista e dialética. Afinal, uma experiência nitidamente educomunicativa! (Silva, 2010, p. 182).
Esse depoimento ratifica que a experiência do SEPAC, ao lado de outras latino-americanas, precedeu a organização do NCE, sendo assim, não só um espaço mediador da Educomunicação na formação de intelectuais orgânicos, mas sendo o espaço de gestação da proposta educomunicativa. A publicações também contribuíram para o reconhecimento público do conceito de Educomunicação no Brasil, conforme depoimento de Soares: foi graças à colaboração de livros do SEPAC que o tema se difundiu e ganhou legitimidade, chegando a ocupar lugar de destaque no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, elaborado para a Câmara dos Deputados, no início dos anos 90 (Silva, 2010, p. 180).
Tendo como ponto de partida a leitura crítica e a comunicação popular, o SEPAC seguiu sua vocação de educar para a comunicação e se consolida como um centro de formação continuada voltado à Educomunicação na Pastoral a partir do espaço não formal. Capacita para o conhecimento integrado entre teoria e prática, o que confere ao interlocutor a competência na reflexão para busca de estratégias de ação e intervenção na sociedade. 12. De 1982 a 1988 – Ismar de Oliveira Soares foi assessor pedagógico do SEPAC, gestando os projetos iniciais de Leitura Crítica da comunicação e o trabalho com escolas católicas, por meio da Associação das Escolas Católicas (AEC). A partir de sua atuação na ECA/USP dá continuidade e amplia esse trabalho na universidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da pesquisa e relatos leva a afirmar que o SEPAC contribuiu para criar uma Educomunicação na Pastoral ou uma PASCOM educomunicativa, pois nela se reconhecem elementos da Educomunicação, na formação continuada em relação às origens da formação do conceito e a visão do processo comunicacional, não apenas na apropriação das tecnologias, mas na construção de práticas embasada na reflexão. Os depoimentos de Soares permitem afirmar que a Educomunicação encontra seu espaço e embrião no trabalho na capacitação de agentes pastorais no método da reflexão e da prática, realizado inicialmente em escolas católicas e depois aplicado às escolas públicas. Pode-se afirmar que o SEPAC se consolida como um projeto Educomunicativo pela metodologia adotada em seus cursos, pela produção de conhecimento no campo da reflexão e das práticas comunicativas, com novas linguagens no campo da pastoral. Permanece, entretanto, no contexto da comunicação midiática e suas implicações, o desafio da tendência do uso instrumental da comunicação por parte dos agentes de pastoral, tendo em vista mais os resultados e as tecnologias, que o processo e a participação. As determinantes que configuram o SEPAC um projeto educomunicativo na formação de agentes pastorais foram já descritas pela metodologia que trabalha reflexão, prática e convivência e prioriza o interlocutor no processo de formação, favorecendo projetos de intervenção no contexto onde vive e atua. As pesquisas realizadas trazem uma contribuição para a diversidade de aplicações que envolvem a Educomunicação, sobretudo, o novo sujeito na cultura digital e o desafio da comunicação continuada para os docentes e lideranças pastorais. A inter-relação ou interface da comunicação com as pastorais nas diversas áreas aparecem na análise das monografias e das produções da mídia, como impresso, rádio, cinema, televisão, internet e são outra vertente de diálogo com a sociedade. Na experiência de trabalhar a formação para a comunicação com lideranças das pastorais, em sua maioria de adultos e jovens, portadores de uma formação e de projetos relativos à comunicação para suas comunidades e instituições e considerando o caminho explicitado até aqui, pode-se afirmar que a Educomunicação é ou deveria ser um estilo de vida. A partir do momento em que a pessoa assume a comunicação como mediação cultural na reflexão, nas práticas e na convivência, torna-se um modo de ser, de pensar e de atuar, que se reflete no cotidiano da postura pessoal, nos ambientes e na atuação junto à mídia.
REFERÊNCIAS Adorno, T. W. (2006). Educação e emancipação. São Paulo, Editora Paz e Terra. Alves, J. M. (2012). Interface Comunicação - Educação em Escolas Públicas de Ensino Médio de Salvador (BA): Um Estudo de Caso da Recepção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LEI 9.394/96). Monografia PUC-SP (COGEAE)/SEPAC. São Paulo. CELAM, (2007). Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: CNBB/Paulus/Paulinas. _______ (1979). A evangelização no presente e no futuro da América Latina. Conclusões da Conferência de Puebla. Texto oficial. São Paulo: Paulinas, 12a. Ed.
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Educomunicação: caminhos e perspectivas na formação pastoral. A experiência do Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC) Helena Corazza
Citelli, A. e Costa, M. C. C. (Orgs.) (2011). Educomunicação, construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas. CNBB, (2014). Diretório de comunicação da Igreja no Brasil. Documentos da CNBB, n. 99. São Paulo: Paulinas. ______ (2011). A comunicação na vida e missão da Igreja no Brasil. Estudos da CNBB, n. 101. São Paulo: Paulus. ______ (1997). Igreja e comunicação rumo ao novo milênio. CNBB, n. 75. São Paulo: Paulus. ______ (1997). Igreja e comunicação rumo ao novo milênio. Conclusões e compromissos. n. 59. São Paulo: Paulinas. Freire, P. (1982). Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 6ª. Ed. Kaplún, M. (2011). Processos educativos e canais de comunicação. In: Citelli, A. e Costa, M. C. C. (Orgs.). Educomunicação, construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, p. 175-186. Silva, F. G. V.(2010). A Igreja Católica e a Comunicação na Sociedade Midiatizada: Formação e Competência. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Faculdade Cásper Líbero. Soares, I. O. (2011). .Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. Contribuições para a Reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas.
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático The potential of media literacy in the transmedia learning Pat r i c i a G a l l o Maria
das
de
França 1
Gr aças Pinto Coelho2
Resumo: A aprendizagem transmídia consiste em uma dinâmica de ensinoaprendizagem voltada para a associação do estudante ao universo midiático. Busca-se integrar o currículo escolar à vida e às demandas socioculturais contemporâneas, observando um fluxo comunicacional e informacional contínuo. Nesse processo, o letramento midiático pode ser privilegiado. Esse artigo apresenta as potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático dos alunos das séries finais da educação básica pública. Após observação empírica de como está se dando na prática a relação entre os artefatos e significações midiáticas no fazer pedagógico, apuramos que o livro didático ainda é o principal suporte utilizado; Os artefatos tecnológicos digitais apenas são mencionadas pelos alunos quando esses realizam atividades por interesse próprio; O letramento midiático do professor interfere em sua abordagem de privilegiar ou mediar o letramento midiático dos alunos; A aprendizagem transmídia modificou a dinâmica de ensino-aprendizagem, propiciando maior entusiasmo e interação dos alunos com/sobre o objeto de conhecimento.
Palavras-Chave: Aprendizagem transmídia. Letramento midiático. Tecnologias e mídias. Prática pedagógica.
Abstract: The transmedia learning consists of a dynamics teaching and learning for association of the media universe by student. Intended to integrate the curriculum to life and contemporary socio-cultural demands, observing a communication and informational continuous flow. In this process, the media literacy can be privileged. This paper presents the potential of transmedia learning for student media literacy in the final grade of formal public education. After empirical observation of how is happening the relationship between technologies and media meanings in pedagogical practice, we found that the textbook is still the main media used; Digital technologies are only mentioned by students when they conduct activities in their own interest; Media literacy of teacher interferes in their approach to privilege or mediate the media literacy of students; The transmedia learning changed the dynamics of teaching and learning, providing greater enthusiasm and interaction of students with / on the object of knowledge.
Keywords: Transmedia learning. Media literacy. Technologies and media. Pedagogical approach. 1. Doutoranda em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRN) – patiprof@yahoo.com.br 2. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (UFRN); Professora Adjunta no Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRN) – gpcoelho@ufrnet.br
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
INTRODUÇÃO AS NOVAS redes de comunicação, nas quais signos globais misturam-se
N
com os locais, os indivíduos (atores sociais) envolvem-se em processos de apropriação de saberes e técnicas, de sociabilidades, de identidades deslizantes, de cultura híbrida, de letramentos, de produção e consumo de informação, e de fluxos interacionais cognitivos, em diversos graus de engajamentos, facilitados pela computadorização das linguagens nos padrões tecnológicos, pela convergência midiática e pela internet. Segundo Castells (2004), a socialização da sociedade, que é a construção de uma prática cultural comum a qual permite que indivíduos e grupos sociais vivam juntos (mesmo em uma união conflituosa), realiza-se hoje em dia no espaço de comunicação em rede, digitalizada e interativa, centrada em torno de mídias de massa e da internet. Além disso, os processos instaurados pela comunicação e sociabilidade, mediadas por meio das redes eletrônicas, são complexos, vão muito além da apropriação técnica do saber usar e mexer, para que se tenha a compreensão das dimensões econômicas, culturais, sociais e políticas dos espaços virtuais que carregam, em princípio e essência, a bidirecionalidade. Por isso, modificam-se as formas de consumo e produção da informação e de acesso aos bens culturais. Por sua vez, a mudança do papel do indivíduo, passando de consumidor (alienado ou não) e espectador passivo para um indivíduo produtor/consumidor ativo e crítico, não é natural e simples. Pelo contrário, são necessários esforços individuais e coletivos para que ele se torne um ator social consciente das implicações e imbricações de sua atuação local/global nos espaços em que transita, sejam eles físicos sejam virtuais. A esse respeito, Coelho (2012, p. 731) observa que “quando as interfaces abrigam sujeitos que não tecem teias de aproximações simbólicas, elas não geram cognição e, por conseguinte, a interação também é alienada do processo social”. Nesse sentido, é preciso compreender as oportunidades que se abrem nesse novo universo interacional propiciado pela conectividade em rede e pela mobilidade, bem como é preciso que haja uma apropriação acerca dos novos signos e linguagens que ali circulam, como resultado de uma imensurável quantidade de informações para ser acessada, analisada, avaliada, selecionada, lida, compartilhada, editada, remixada (ou apropriada), reproduzida e interpelada, no complexo processo de ser e estar em um mundo interconectado. Ou seja, para que haja uma participação cidadã, também mediada por tecnologias e mídias, é preciso que o indivíduo, além de ser alfabetizado seja também letrado midiaticamente. Desta forma, sugerimos a aprendizagem transmídia, que baseia-se nos princípios da Narrativa Transmídia, um processo de exploração de um universo (ficcional ou não) por meio de variadas mídias e linguagens, sendo que cada conteúdo/mensagem contribui de forma distinta e valiosa para o todo, criando uma experiência midiática unificada e coordenada (JENKINS, 2009), como instrumento para dinamizar o processo de ensinoaprendizagem e privilegiar ações que favoreçam o letramento midiático dos alunos. Segundo Jenkins (2011), a transmídia ainda está em um período de experimentação e inovação. Por essa razão, “novos modelos estão surgindo por meio de práticas de produção e debates críticos, e nós precisamos estar abertos para uma ampla gama de
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
variações do que significa transmídia em relação a diferentes projetos” (JENKINS, 2011, p. 1, tradução nossa). Assim, com as adaptações necessárias – pois os contextos de seu uso no entretenimento e na educação são diferentes –, o jovem aluno é convidado a explorar o currículo escolar por meio das variadas tecnologias e mídias, fazendo conexões com a vida e as demandas sócio culturais. E nesse processo, investigamos suas potencialidades de letramento midiático. Dito isso, esse artigo tem como objetivo apresentar a aprendizagem transmídia e suas potencialidades para o letramento midiático de alunos em séries finais da educação básica pública estadual do Rio Grande do Norte.
ABORGADEM METODOLÓGICA: O CAMINHAR DA PESQUISA No sentido de alcançar nosso objetivo, realizamos uma pesquisa de cunho qualitativo, a partir do uso das diretrizes investigativas da etnometodologia para conhecermos as atividades cotidianas dos indivíduos, com atenção ao modo como eles tomam decisões, seja por ações corriqueiras seja por eruditas. Segundo Coulon (1995, p. 30) a etnometodologia “é a pesquisa empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicarse, tomar decisões, raciocinar”. Assim, buscamos os procedimentos e métodos utilizados pelos professores e alunos de uma escola estadual pública de Parnamirim/RN, ou seja, a construção que fazem do mundo social, observando, assim, como se comunicam, ensinam, aprendem e como utilizam as tecnologias e mídias em seu cotidiano. Em seguida, ao conhecermos os procedimentos do uso cotidiano das tecnologias e mídias pelos alunos, mapeamos as habilidades e competências que estão (ou não) mobilizando para, então, propormos uma prática de ensino-aprendizagem, planejada em parceria com os professores, com olhar no letramento midiático, que é a aprendizagem transmídia. Quanto aos instrumentos utilizados para a coleta dos dados, foram: o questionário, a observação participante, a entrevista semiestruturada e a conversação, em um esforço de introdução no mundo social dos nossos sujeitos de pesquisa (seis professores e 24 alunos do 9º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio regular, na faixa etária de 15 a 19 anos), ouvindo-os, observando-os e dialogando com eles, para que expressassem suas opiniões o mais naturalmente possível e relatassem os procedimentos adotados em suas ações cotidianas e habituais. A pesquisa ação, no que se refere à intervenção pedagógica proposta por nós, forneceu-nos as diretrizes essenciais para adoção da aprendizagem transmídia pelos professores. Toda pesquisa-ação é do tipo participativa, envolvendo pessoas implicadas com o problema investigado. Thiollent (2003, p. 16) destaca que a pesquisa-ação deve ser usada quando os pesquisadores “querem pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a ‘dizer’ e a ‘fazer’ [...]. Com a pesquisa-ação, os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados”. No nosso caso, sugerir a aprendizagem transmídia para favorecer e privilegiar o letramento midiático. Com esse propósito, observamos o conjunto de aulas planejadas pelos professores, no entanto, apenas um deles adotou a aprendizagem transmídia, considerando suas
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
orientações pedagógicas por completo. Desta forma, esse texto enfatiza as estratégias adotadas por esse professor, bem como apresenta os resultados dessa intervenção.
O LETRAMENTO MIDIÁTICO E A APRENDIZAGEM TRANSMÍDIA No Brasil, a literatura científica e os documentos oficiais utilizam duas palavras distintas, quais sejam: alfabetização, para abranger o domínio do sistema de escrita; e a palavra letramento , para tratar das práticas sociais que utilizam esse sistema. Em Portugal, o termo adotado é Literacia, fazendo a tradução ao pé da letra do termo em língua inglesa Literacy , que abrange tanto o conceito de alfabetização quanto de letramento. Ambos os saberes, alfabetização e letramento, têm forte presença na educação formal. Nesse cenário, a escola tem sido o principal lugar em que essas aprendizagens são ofertadas e promovidas à sociedade. Por conseguinte, a escolarização e o letramento, na maioria das vezes, ocorrem simultaneamente. Para Soares (2003) há duas dimensões de letramento: individual e social. Na dimensão individual, o letramento é o “estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 2003, p. 18). A associação com a dimensão social do letramento traz “as práticas sociais cujos modos específicos de funcionamento têm aplicações importantes para as formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade e de poder” (KLEIMAN, 1995, p. 11). Por entendermos que o letramento é um processo que se realiza ao longo da vida, especialmente por depender das necessidades, das demandas sociais, do próprio indivíduo, do seu meio e do contexto sociocultural, adotamos o conceito de mundos de letramento proposto por Barton (1993), ao defendermos que as práticas sociais de leitura e escrita são situadas e, por isso, não há um único letramento, pelo contrário, há letramentos, incluindo o letramento midiático. Para nós, a escola é um lugar propício para promover e mediar um processo formativo sobre e para as tecnologias e mídias de forma integrada ao currículo escolar, ou seja, a escola pode privilegiar a aquisição de competências e habilidades para que o indivíduo faça um uso consciente e crítico da informação e de seus suportes em variados contextos socioculturais, tanto dentro quanto fora do ambiente escolar. Um dos problemas que temos encontrado acerca do letramento midiático, a partir do contato constante com jovens alunos , refere-se à não mobilização de algumas habilidades no processo de interação com o mundo mediante as diversas tecnologias e mídia, que poderiam ser instrumentos para emancipação e transformação social. Nessa perspectiva, referimo-nos à mobilização de habilidades e competências que darão suporte às práticas socioculturais para que os jovens alunos não sejam apenas consumidores de conteúdo de mídia mas também cidadãos, exercendo uma participação crítica e consciente nesse processo comunicacional mediado pelas tecnologias e mídias, conforme ressalta Livingstone (2004). Acerca do que consideramos ser competência e habilidade, entendemos por competência a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos (internos e/ou externos) para enfrentar um tipo de situação (PERRENOUD, 2000). Já habilidades são
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
recursos internos mobilizados em operações mentais e concretas, ou seja, operações específicas que estão a serviço de múltiplas competências (PERRENOUD, 2013). As tecnologias e mídias, nessa concepção, são recursos externos (objetos visíveis) “às vezes criados pela natureza ou, na maioria dos casos, produzidos pelos seres humanos para auxiliá-los em suas ações” (PERRENOUD, 2013, p. 47). Nessa direção, uma competência mobiliza vários recursos internos e externos, ou seja, na relação com o nosso objeto de estudo, as habilidades, as tecnologias e mídias. Após apropriação do arcabouço teórico acerca do letramento midiático, definimos que as essenciais competências e habilidades socioculturais devem propiciar ao indivíduo a capacidade de, individual e coletivamente: - Acessar as informações, contando também com conhecimentos operacionais; - Comunicar através dos meios; compartilhando conhecimento e expressando pontos de vista e opiniões; - Consumir conteúdo de mídia, analisando e avaliando a confiabilidade e a credibilidade das informações; - Criar mensagens, produzindo e remixando conteúdo de forma criativa e consciente, considerando suas consequências; - Atuar sobre/com a mídia, participando com responsabilidade social, princípios éticos, e também, refletindo sobre essas ações. Esse conjunto de habilidades e competências foi organizado por nós, a partir das indicações e recomendações dos principais estudiosos e organizações do campo, quais sejam: Jenkins et al (2006); Livingstone (2004); Reilly (2009); Hobbs (2010); NAMLE (2007, 2014); P21 (2011). Como o processo de aquisição do letramento midiático deve partir das práticas sociais que fazem uso de tecnologias e mídias para atingir algum fim para além de seu aspecto técnico (saber usar), e, por ser esse um processo dinâmico e ativo já que também é pautado pela cultura, visualizamos a aprendizagem transmídia, por suas potencialidades interacionais, como uma prática de ensino-aprendizagem escolar ao estimular formas de participação, comunicação e engajamento, fazendo com que os indivíduos (alunos e professores) atuem em uma experiência mais ampla de interação com o objeto de conhecimento com base nas tecnologias e mídias, de forma individual, mas principalmente coletiva, fazendo uso de múltiplos textos em variadas linguagens (JENKINS, 2009). As competências acionadas quando os jovens interagem com o mundo por meio de mídias e tecnologias, colocando as habilidades (recursos) em sinergia para agir e tomar decisões em variadas situações foi um dos nossos focos de observação. Assim, verificamos quais competências e habilidades ligadas ao letramento midiático, a aprendizagem transmídia mobilizou. De acordo com Fleming (2013, p. 371, tradução nossa), podemos definir aprendizagem transmídia como “a aplicação de técnicas das narrativas, combinadas com o uso de múltiplas plataformas de mídia para criar um cenário de aprendizagem imersivo que permite pontos de entrada e saída multivariados de aprendizagem e ensino”. Em linhas gerais, referimo-nos a ler e a escrever em nova abordagem, por meio de variados gêneros textuais que transitam nas mídias e tecnologias. Para tanto, estamos propondo um contato interacional não linear com o objeto de conhecimento. Dessa
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forma, a aprendizagem transmídia parte de quatro estágios3 básicos, adaptados e ressignificados da narrativa transmídia , a saber: descobrir, conhecer, conectar e apropriar-se. Sob essa ótica, os alunos, em primeiro momento, descobrem o objeto de conhecimento e fazem conexões com a ciência, a vida, a cultura e as demandas sociais. Nessas conexões, vão conhecendo mais o objeto de conhecimento para, então, apropriarem-se dele, recriando-o. Esses quatro estágios fazem parte de um ciclo que vai se repetindo ao longo do processo de aprendizagem já que as conexões podem levar a novas descobertas e a novas apropriações acerca do objeto de conhecimento ou mesmo a novos objetos a ser conhecidos. A aprendizagem, aqui, é entendida em termos de um conceito geral como “um processo dinâmico e ativo que produz modificações cognitivas e comportamentais, relativamente duradouras, mesmo que não imediatamente visíveis, nos indivíduos” (SANTAELLA, 2013, p.189-290). A autora acrescenta que a aprendizagem acontece “na interação do indivíduo com o meio, a incorporação de um conhecimento ainda não adquirido a um conhecimento prévio, já adquirido”. Em todos os quatro estágios, as tecnologias e mídias deixam de ser apêndices tecnológicos e se integram à aprendizagem como ferramentas cognitivas, ou seja, capazes de expandir a capacidade intelectual dos alunos (WESTON; BAIN, 2010 apud ALMEIDA & VALENTE, 2011), ao acompanharem e agirem sobre o fluxo informacional acerca do objeto de conhecimento. Nessa concepção, as tecnologias e mídias são vistas como instrumentos mediadores na relação aluno e objeto de conhecimento, externos ao indivíduo com a função de mudar ou controlar processos da natureza nas ações concretas (VYGOTSKY, 1998). A esse respeito, Fleming (2013, p. 371, tradução nossa) acrescenta que “a aprendizagem transmídia combina as capacidades das tecnologias onipresentes, as experiências da vida real e a pedagogia centrada no aluno, retiradas de uma rica ecologia de conteúdo e mídia”. Nessa perspectiva, ao explorar o objeto de conhecimento, os alunos o estão descobrindo. Além disso, a aprendizagem por meio da descoberta envolve constantemente os alunos na exploração de alternativas desafiadoras para desvendá-lo e conhecê-lo (BRUNER, 2001). Entretanto, para que esse processo de descoberta seja possível, o professor não deve entregar o objeto de conhecimento pronto e acabado, em forma de dados informativos, como tanto tem sido feito nas salas de aula. É, portanto, fundamental que haja espaços e brechas para que os alunos possam descobri-lo e explorá-lo. O professor, por sua vez, deve estimulá-los com perguntas sem respostas, menção de rotas alternativas para ser percorridas, bem como com indicação de espaços a ser complementados pelos alunos a partir da exploração individual e coletiva. Dessa forma, considerando o objeto de conhecimento como um universo a ser explorado (o todo), cada parte complementar que o aluno conecta com o todo tem o objetivo de engajá-lo em sua própria aprendizagem. Nessa direção, não apenas o processo de aprendizagem por descoberta mas ainda os achados dos alunos e as rotas percorridas vão sendo compartilhados entre eles, 3. Long (2013, tradução nossa) propõe o uso de quatro estágios nos projetos em narrativa transmídia: descobrir, coletar, consumir e reagir.
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
mediados pelo professor e pelos instrumentos da cultura, como signos e significações. Dessa forma, juntos, conhecem e estabelecem conexões acerca do objeto de conhecimento, chegando a conclusões que sozinhos, talvez, não chegassem. O pensar e o agir com a ajuda do outro são, portanto, estimulados na aprendizagem transmídia. Na aprendizagem transmídia, o estágio conectar refere-se à conexão que orienta a prática pedagógica do currículo escolar com a vida e a cultura do aluno, assim como com a realidade com base no passado, presente e futuro. Em relação a currículo, essa é uma palavra que se origina do latim curriculum e do verbo currere, com significado de corrida e correr, respectivamente. Assim, o currículo passa a ter o sentido de um curso a ser corrido, de uma trajetória de um curso. Para Bruner (1990 apud DOLL JR., 1997), um currículo orientado para o currere torna centrais a autorreflexão, a imaginação e o discurso público, essência da transformação. A esse respeito, o autor propõe um currículo não apenas para verificar o que foi apreendido mas também para entender os porquês das escolhas feitas e dos procedimentos adotados. Nessa perspectiva, a relação professor-aluno deixa de ser apenas informativa (unilateral) para tornar-se dialógica (bilateral) e os processos avaliativos também se alteram passando da ênfase somatória para a generativa. Em suma, o autor orienta que é preciso pensar e desenvolver planos curriculares que façam uso das interações dialógicas aluno-aluno e aluno-professor. Ao tratar a relação dialógica entre aluno-professor e aluno-aluno e ao pensar no currículo escolar, remetemo-nos a Freire (2011, p. 91) que esclarece, dizendo que a “educação é comunicação, é diálogo, na mediada em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”. Esses significados são construídos socialmente e compartilhados pelos indivíduos pela linguagem. Assim, o currículo, como uma construção social, é continuamente reconstruído, sendo, portanto, afetado, visto que resulta das mudanças socioculturais, econômicas e políticas da sociedade e deve contemplar uma interação dialógica entre a escola, a vida, a cultura e o conhecimento socialmente aceito. Ao planejar as relações entre o currículo e as demandas sociais, o professor abre espaço para que os alunos façam suas próprias conexões entre a sua vida e o objeto de conhecimento. Nessa perspectiva, o objeto de conhecimento aproxima-se do cotidiano do aluno, da sua cultura, fazendo com que ele possa se interessar mais pelo processo de aprendizagem, envolvendo-se, por conta própria, na busca de informações e de respostas que satisfaçam a sua curiosidade. Na aprendizagem transmídia, as práticas em sala de aula têm como objetivo incitar o aluno a estender o contato com o objeto de conhecimento, por conta própria, quando não está nas dependências da escola. Além disso, o retorno dessa ação autônoma, por parte do aluno, é resgatada em sala de aula para que o professor possa mediar o processo e estimular novas conexões que passam a ser permanentes, sem rupturas entre os espaços formais e informais de educação. Na continuidade dos estágios da aprendizagem transmídia, a concepção de que essa aprendizagem, refere-se a reagir ao que foi conhecido, recriando-o e reinterpretando-o em uma ação consciente da realidade. A apropriação leva o aluno a ter a propriedade sobre o objeto de conhecimento, tornando-o seu. Para Vygotsky (1998), esse processo
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estabelece-se pela internalização. Dessa maneira, o indivíduo, ao tomar posse das formas dadas pela cultura, torna-as suas e as utiliza como instrumentos pessoais de pensamentos e ação no mundo. Assim, a apropriação do objeto de conhecimento permite ao aluno transportá-lo para diferentes contextos, recriá-lo a partir de suas próprias intenções e objetivos, ou seja, ressignificá-lo. Nesse sentido, muitas atividades podem ser elaboradas para estimular a recriação do objeto de conhecimento. Assim, o letramento midiático vai sendo privilegiado no pensar e no agir com e sobre o objeto de conhecimento. Em suma, a aprendizagem transmídia tem o propósito de promover a aprendizagem a partir da extensão e exploração do objeto de conhecimento para que os alunos envolvam-se na descoberta, por iniciativa própria, dentro e fora da escola, indo além do que é apenas dado pelo professor. Nessa perspectiva, sugerimos um planejamento sistematizado da aprendizagem transmídia, por parte do professor, envolvendo algumas orientações pedagógicas para a sala de aula: - Estabelecer conexões do objeto de conhecimento (assunto do currículo escolar) via passado, presente e futuro, fazendo o uso de estruturas narrativas ou de outros mecanismos para conectar as informações acerca do objeto de conhecimento; - Acessar o objeto de conhecimento por meio de tecnologias e mídias (pelo menos 3 tipos, criando uma interação em multimodalidade, por exemplo, o livro didático, um filme e uma enciclopédia on-line); - Relacionar o objeto de conhecimento com as demandas socioculturais, tornandoos relevantes para a vida atual em sociedade; - Instigar a participação dos alunos através de perguntas que os façam pensar, pedaços de informações como pistas para que eles busquem as respostas e os complementos informacionais acerca do objeto de conhecimento. Ao mesmo tempo, com essa ação, o professor incentiva o uso de outras tecnologias e mídias e faz a mediação das descobertas dos alunos; - Resgatar o interesse dos alunos e vinculá-los ao objeto de conhecimento com o intuito de estimular a expressão de si e o engajamento pela própria aprendizagem; - Propiciar situações de aprendizagem individuais e coletivas para que o aluno seja protagonista e colaborador nos processos de aprendizagem; - Estender os espaços de aprendizagem para além da sala de aula e da escola, numa dinâmica de vai e vem (escola 1 mundo), por meio de tecnologias e mídias em rede. O planejamento das aulas, seguindo as orientações mencionadas, abrem espaço para o letramento midiático dos alunos ser privilegiado no espaço escolar, pois nesse processo de exploração e descobertas estão sendo mobilizadas e desenvolvidas algumas habilidades e competências necessárias ao indivíduo para a interação com o mundo também por meio de tecnologias e mídias. A aprendizagem transmídia como abordagem pedagógica aberta e não rígida pode propiciar o suporte necessário para que a aprendizagem aconteça de forma prazerosa e pela participação constante dos alunos nesse processo. Quanto à avaliação, pauta-se não apenas na tomada de decisões adotada pelos alunos para atender as demandas da aula como também nas produções e atuação acerca do objeto de conhecimento que são feitas por eles.
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As potencialidades da aprendizagem transmídia para o letramento midiático Patricia Gallo de França • Maria das Graças Pinto Coelho
Sob tais orientações pedagógicas, os professores planejaram um conjunto de aula, que foram observadas minuciosamente por nós. Após a coleta dos dados, chegamos aos resultados a seguir.
RESULTADOS Nas aulas de Oiti (nome fictício), os quatro estágios da aprendizagem transmídia foram identificados, alguns com maior evidência e ênfase que outros. Já quanto às orientações pedagógicas da aprendizagem transmídia, Oiti planejou suas aulas, e na maior parte, considerou-os. Vale ressaltar que Oiti fez uso de tecnologias e mídias que nunca havia usado dentro da escola ou em suas aulas, alinhavou e propôs atividades que as integrasse. Ademais, organizou o conjunto de aulas e as articulou sozinha, considerando seus dias letivos. Oiti estabeleceu todas as conexões que visualizou, dentro da proposta que oferecíamos. Como não intervimos no planejamento das aulas, reconhecemos sua autonomia e confiança das ações diante do novo. Ainda sobre as aulas de Oiti, desde o início do ano letivo, havia a intenção de utilizar o filme Somos tão jovens em sua estratégia de ensino, mas não havia pensado ainda em como conectá-lo com o seu conteúdo curricular. Com as orientações pedagógicas em aprendizagem transmídia, Oiti visualizou essa integração, bem como estendeu a dinâmica interacional com o objeto de conhecimento para outras mídias, criando um fluxo informacional contínuo para os alunos explorarem e se envolverem. Antes de iniciarmos o período de observação em sala de aula, pedimos aos professores para escreverem sobre suas concepções acerca do letramento midiático. Ao analisarmos os dados coletados na observação das aulas, identificamos uma aproximação relevante entre as concepções dos professores acerca do letramento midiático e as estratégias de ensino adotadas por eles na intervenção pedagógica. Ou seja, os professores privilegiaram com maior ênfase as habilidades e competências de letramento midiático de acordo com sua própria concepção, independende da abrangência do conceito ou da literatura apresentada para eles antes da intervenção. Consideramos que o resultado foi excelente, dentro do contexto da escola-campo de pesquisa, contribuindo qualitativamente na reflexão-ação da prática docente, bem como na aprendizagem dos alunos. Com isso, queremos dizer que na medida em que o professor alarga e aprofunda sua visão analítico-crítica sobre as tecnologias e mídias – apropriando-se de seus usos, vai oportunizando mais momentos em sala de aula para privilegiar o letramento midiático de seus alunos, mediando, assim, a aprendizagem. Nesse processo, a interação professor-aluno torna-se fundamental, pois é com base no diálogo e no intercâmbio de vivências que muitas das conexões entre as práticas socioculturais e as tecnologias e mídias se estabelecem, seja originada na fala de um aluno seja na do próprio professor. Constatamos ainda que o livro impresso tem sido o recurso básico das disciplinas no processo de ensino dos professores. E que os alunos relacionam o uso de tecnologias e mídias digitais/eletrônicas às suas ações espontâneas e de lazer, ou seja, apenas quando realizam pesquisas por vontade própria sobre algum assunto, sem que seja uma
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demanda da escola. Além disso, apenas o livro impresso e o caderno são considerados pelos alunos como materiais de apoio à aprendizagem dentro e fora da escola. Incentivar o uso das tecnologias e mídias nas atividades escolares fora da escola é um caminho para reverter a baixa adesão às tarefas de casa. À medida que as atividades passem a ser mais envolventes, permitirão o protagonismo do aluno na continuidade do fluxo informacional do objeto de conhecimento entre a escola e a casa, por suas próprias descobertas, conexões e apropriações.
CONCLUSÕES Diante das observações e reflexões que fizemos ao longo da pesquisa, concluímos que a aprendizagem transmídia apresenta uma capacidade qualitativa de trabalho e ação em letramento midiático, ou seja, tem potencial para o letramento midiático. Entretanto, o trabalho e as ações para esse fim não são apenas em consequência de sua adoção, em uma relação de direta ou por consequência. O trabalho e as ações de letramento só serão concretizadas de forma elaborada, consciente e efetiva quando houver um direcionamento para isso tanto no planejamento quanto no desenvolvimento da aprendizagem transmídia. Caso contrário, algumas ações de letramento midiático serão privilegiadas na prática pedagógica pela potencialidade, porém serão superficiais, ou seja, sem que haja um pensamento abrangente e efetivo para isso. Como exemplo, podemos citar um professor que solicita uma pesquisa sobre um determinado assunto na internet e fala para os seus alunos: “Prestem atenção nas informações que vão coletar”. Nesse caso, há um direcionamento de letramento midiático, mas que não abrange outros aspectos relevantes da pesquisa e da coleta de informações. Por essa razão, consideramos uma ação superficial, uma vez que não mediou ou orientou tal coleta, considerando a confiabilidade da informação, a credibilidade da fonte, a análise e avaliação do conteúdo para atender o solicitado, observando a reapropriação do texto, tornando-o autoral, a citação das fontes de pesquisa e dos autores, o direito autoral etc. Com isso, queremos dizer que a apropriação tecnológica e midiática do professor mensura a plenitude do letramento midiático dos alunos. É fato que abrir espaço em sala de aula para o uso de tecnologias e mídias, por si só, promove uma dinâmica de ensino e aprendizagem diferenciada, e por isso, em algumas situações o letramento midiático pode ser privilegiado, independentemente de sua plenitude e aprofundamento, não exclusivamente pela adoção da aprendizagem transmídia, no entanto, a aprendizagem transmídia facilita esse processo. No que se refere à aprendizagem transmídia, afirmamos que sua adoção promoveu a aprendizagem a partir da extensão e exploração do objeto de conhecimento, com reflexos significativos quanto ao envolvimento dos alunos nas aulas, motivando-os e engajando-os em saber mais, indo além do que é dado pelo professor. Além disso, por meio da aprendizagem transmídia, o diálogo professor-aluno e aluno-aluno em sala de aula foi estabelecido, propiciando a participação ativa dos alunos durante o processo de ensino-aprendizagem. Outra confirmação que vale destaque foi a relação, por meio da aprendizagem transmídia, entre o objeto de conhecimento e as demandas socioculturais, criando
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uma dinâmica de vai e vem (escola 1 mundo). Mesmo sem uma relação direta com o letramento midiático, o uso das tecnologias e mídias dentro das especificidades da aprendizagem transmídia aproximou a escola das práticas socioculturais dos alunos. Com isso, identificamos o interesse e o prazer desses em participar do processo, pesquisando, compartilhando ideias, expressando-se, interagindo com o objeto de estudo e dialogando com os colegas e os professores.
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Resumo: Com este texto apresentamos alguns andamentos de pesquisa que foram efetivados em investigação envolvendo as inter-relações comunicação/ educação. A pesquisa esteve voltada ao acompanhamento de professores do ensino básico da cidade de São Paulo e entorno, objetivando a identificar hábitos midiáticos, usos dos dispositivos tecnológicos nas salas de aula, formas de (auto) representação da atividade pedagógica, considerando os fatores de midiatização que marcam a escola e a vida social. Os procedimentos metodológicos compreenderam a aplicação de questionários e realização de entrevistas de docentes. Os principais resultados apontam para um quadro de professores envolvidos com os dispositivos comunicacionais, tendo acesso quase universalizado aos recursos digitais, numa reversão importante dos dados que levantamos em pesquisas realizadas há quase uma década. Verifica-se, porém, que as potencialidades didáticas permitidas pelos aparatos comunicacionais prosseguem tensionadas por expedientes tradicionalmente afeitos ao discurso escolar.
Palavras chaves: Educomunicação. Meios de Comunicação. Pesquisa. Professores Abstract: This text aims to present the ongoing research involving the relationships between communication and education. The research is directed towards the City of São Paulo middle and basic school teachers and its main concern is to grab and identify mediatic habits, technological uses in the classrooms and pedagogic forms of (auto) representation, considering mediatic factors that involve the school and social life. The procedures to reach such a result is based upon questionnaire and interview application with the student body. The main results point to an universal access to digital resources by teachers, in a clear trend that shows an important shift compared to the data generated by the research conducted almost a decade ago. Nevertheless it is important to show that this potential is still in tension with classic school discourses powered by communication apparatus.
Keywords: Educommunication. Media. Research. Teachers.
1. Prof. Titular junto ao Departamento de Comunicações e Artes. Escola de Comunicações e Artes.
USP. Pesquisador 1C do CNPq. Coeditor da revista Comunicação & Educação. Autor, entre outros livros e artigos, de: Imagens do professor na mídia (Org.). São Paulo, Paulinas, 2012; Educomunicação. Construindo uma nova área do conhecimento. São Paulo, Paulinas, 2011. Volume organizado com Cristina Costa; Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo, Cortez, 2006; Comunicação e educação. A linguagem em movimento. São Paulo, SENAC, 2000; Linguagem e persuasão. São Paulo, Ática, 2000. citelli@uol.com.br
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INTRODUÇÃO XISTE EM nosso tempo o reconhecimento de que os pensares e os fazeres educati-
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vos formais alcançaram alguns pontos críticos cuja complexidade mistura desde a indefinição afeita aos projetos didático-pedagógicos a serem seguidos, passando por indagações acerca do papel reservado à escola na sociedade contemporânea, alcançando os cenários tecnológicos que abrem enormes leques de acesso à informação e mesmo ao conhecimento, franqueados por mediadores digitais como as múltiplas telas móveis, os computadores, as redes conectoras de interesses, expectativas, comportamentos, maneiras de ser e estar no mundo. Neste contexto, ocorre a formação dos docentes que desempenharão o seu trabalho junto ao ensino básico. Parte significativa destes professores está em uma faixa etária que ronda os trinta e cinco anos, com dez anos de magistério. Ou seja, falamos de profissionais marcados, fortemente, pelas circunstâncias da sociedade digital, cercados por um universo sociotécnico contemplado por computadores, telefones celulares, redes sociais, instantaneidade, encurtamentos espaciais, virtualidade, etc. A constatação segundo a qual os jovens docentes exercem o trabalho educador segundo ambiente tecnocultural distinto do que regia a vida dos seus pares até, ao menos, os finais do XX, não deve ser entendida, apenas, como expressão naturalizada de certo fenômeno histórico. Ao contrário, situamo-nos, apenas, no início de um percurso voltado a entender vários problemas cujos impactos estão a ser reconhecidos e sentidos pela vida associada e cuja tradução pública ganha o lema indiferenciado de “crise na educação brasileira”. O escopo desta comunicação não é avançar nas implicações do lugar comum referido no sintagma posto acima entre aspas, mas apenas localizar o elemento de referência tecnocultural em que se dá a graduação e a licenciatura dos jovens docentes. E, nestes limites, apresentar alguns procedimentos de pesquisa voltados ao âmbito da educomunicação cujo objetivo esteve voltado à apresentação e reflexão dos perfis e envolvimentos profissionais de um grupo de jovens professores atuantes em escolas do ensino básico da cidade de São Paulo e entorno. Assim, a nossa preocupação, neste texto, é mais a de sinalizar possibilidades de pesquisa e apontar algumas conclusões do que analisar de forma sistemática os dados resultantes dos levantamentos realizados.
SOBRE A PESQUISA “A concepção da mudança tecnológica como um processo semiautônomo, impulsionado por um processo de autopiesis ou de auto-organização, faz com que muitos aspectos da realidade social contemporânea sejam aceitos como circunstâncias necessárias, inalteráveis, como se fossem fatos da natureza” Jonathan Crary
A investigação de que tratamos seguiu duas dimensões articuladas: de um lado serviu para embasar determinadas questões teóricas que vimos perseguindo no campo dos estudos educomunicativos, de outro, procurou expressar conceitos e ideias amadurecidos em decorrência das respostas aos questionários, às entrevistas, aos diálogos procedidos junto ao nosso corpus. Ou seja, houve o intuito de preservar o movimento
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entre elementos da tradição que marcaram a presença dos meios de comunicação no âmbito educativo e as respostas ou eventuais proposições formuladas pelos docentes frente às questões suscitadas pela comunicação, no que se incluem os mediadores técnicos e tecnológicos. O acompanhamento amiúde dos dados compulsados2, e parcialmente tratados nesta comunicação, permite reconhecer as expectativas, interesses, propósitos, solicitações, realizações, que circundam as atividades dos docentes em sala de aula. Ademais é possível identificar determinados hábitos midiáticos, ou comunicacionais em sentido largo, presentes no cotidiano dos entrevistados. Neste caso, abre-se, inclusive, a possibilidade de tratar as formas como um grupo etário de profissionais educadores processa a circulação discursiva disponibilizada pelos meios de comunicação. E, do mesmo modo, suscitar perguntas acerca do tipo de relação estabelecida entre tais docentes e os suportes com os quais convivem, seja em suas casas seja nos espaços escolares. No momento pretende-se destacar o fato de a pesquisa facultar o levantamento sobre como os mediadores técnicos da comunicação agregaram-se à experiência vivencial dos professores. Aqui, surgem duas grandes questões. De um lado, a presença dos processos de aceleração e disseminação, ou seja, os dados coletados pela pesquisa autorizam dizer que os jovens professores não apenas aportam de maneira mais rápida à telemática – o grupo pesquisado, proporcionalmente ao que se apresentava em investigações que fizemos nos anos anteriores com os docentes, manifesta celeridade na aquisição, por exemplo, de computador e internet –, como tal acesso ganhou forte capilaridade. É de 97% o número de jovens professores que possuem computador com internet para uso pessoal, conforme tabela abaixo:
De outro lado, as escolas montaram salas de informática, passaram a dispor de computadores, filmadoras, máquinas fotográficas, permitindo àqueles docentes utilizar recursos técnicos com potencial para melhorar as dinâmicas didático-pedagógicas. Em plano reduzido, a nossa amostra expressa metonimicamente esta realidade, pois todas as escolas citadas pelos docentes possuíam uma série de suportes tecnológicos, em teoria com potencial para permitir aulas mais proficientes. O problema da presença do computador ou da televisão na escola tem, entretanto, implicações 2. Referências completas podem ser encontradas em: Citelli, Adilson. Relatório CNPq. Linguagens da comunicação e desafios educacionais. Formação de jovens professores e circunstâncias midiáticas (II). Material de posse do Autor. citelli@uol.com.br. As tabelas e dados que fazem referência à pesquisa em tela foram todos extraídos do relatório acima indicado.
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múltiplas, escondendo faces não exploradas na presente generalização, mas que permite, redutoramente, indicar linhas de força: falta de projeto interno das unidades para uso dos equipamentos; defasagem entre o que a escola fornece ao aluno como suporte tecnológico e o que ele próprio possui; questões curriculares que engessam as grades e abrem poucas possibilidades à implantação de atividades não afeitas de modo direto às disciplinas ministradas, etc. Com isto, deseja-se exemplificar o fato de a pesquisa realizada detectar a existência de situações e particularidades nas relações da comunicação com a educação que contêm traços singulares quando remetidos ao universo dos docentes em atividade no sistema educativo. E, talvez, três categorias possam centrar as nossas preocupações quando desejamos indagar acerca dos quadros tecnoculturais circundantes da vida das escolas e dos profissionais que nela atuam: aceleração, disseminação, extensão. Entenda-se, no primeiro caso, o dinamismo temporal refletido nas reacomodações entre sujeitos e técnicas (o professor que entra no sistema educativo é ao mesmo tempo desafiado, pessoalmente, pela convivência direta com os dispositivos e pelo ritmo temporal das técnicas, em suas mudanças, obsolescências, superações, etc.). No segundo caso, trata-se da capilaridade das tecnologias, que colocam, agora, professores e alunos diante, praticamente, dos mesmos dispositivos (o telefone celular, por exemplo, faz parte do cotidiano de alunos e professores). O terceiro elemento considera a amplitude e o alcance dos sistemas e processos comunicacionais, que passaram a abranger todas as sequências da vida contemporânea, permitindo a formação de redes capazes de suprir, dentro de certos limites e condições, aquelas funções atribuídas exclusivamente à escola. Vale dizer, isto que chamamos de tecnoculturas ou socioculturas, constituem, ao mesmo tempo, o ambiente no qual os jovens professores se movimentam e pelo qual estão desafiados – em particular pelos fatores de aceleração, disseminação e extensão – quando iniciam as suas jornadas de trabalho nas salas de aula. Posto de outro modo, os processos comunicacionais tecnomediados jogam papel de extrema relevância na mundividência, nos planos simbólicos, no mundo de representações que matizam a sociedade inclusiva e, conforme o caso particular do nosso interesse, dos jovens professores. Neste passo, estamos diante de fato novo, talvez o que mais diferencie as orientações de pesquisa em comunicação e educação feitas até aqui. Precisamos entender melhor o universo de valores, os interesses, os domínios técnicos, os conceitos de educação, enfim, o logus que orienta a inserção dos docentes na escola básica. Tratamos de alguém cuja formação ocorreu no interior da chamada sociedade digital – no que, aliás, está bastante próximo dos alunos com os quais irá trabalhar no ensino fundamental e médio – restando saber até onde tal marcador tecnocultural se traduz ou retraduz em ações mais consentâneas com projetos educativos afinados às solicitações do nosso tempo.
ANDAMENTOS DA PESQUISA “Vivíamos no campo, fomos viver nas cidades e agora vamos viver na internet”. Afirmativa de Sean Parker, personagem do filme A rede social, dirigido por Aaron Sorkin e David Fincher.
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Continuando as investigações que realizamos desde os finais dos anos 19903, envolvendo as relações da comunicação/educação empreendemos, nos primeiros meses de 2010 e inícios de 2011, novas rodadas de visitas a escolas, entrevistas de professores e aplicação de questionários. Elaboraram-se duas condutas visando a recolher, organizar, tabular e comentar os dados resultantes das enquetes e encontros com o grupo de docentes que compôs a amostra. Inicialmente, aplicou-se um questionário com cinquenta e quatro perguntas abertas e fechadas, afora o recolhimento de informações gerais que serviram como substrato para a maior compreensão do nosso grupo, sem que houvesse preocupação em segmentar as diversas disciplinas, ou mesmo níveis de ensino com os quais o depoente estivesse vinculado. Como isto, tivemos acesso a informações e manifestações livres afeitas a variáveis profissionais, interesses culturais, expectativas com relação ao trabalho, etc. Os questionários alcançaram um universo de noventa e dois docentes do ensino básico da cidade de São Paulo e municípios próximos, em sua maior parte ligados a escolas públicas, caso de Barueri, ou localizados no vale do Paraíba, como Taubaté, Lorena, Caçapava, Campos de Jordão e Tremembé. O ensino básico, segundo capitula a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), abrange três níveis: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio. Educação infantil: creches (até três anos de idade); pré-escolas (quatro a cinco de anos de idade). Ensino fundamental: duração de nove anos, sendo que a partir da lei 11.274, de 2006, este ciclo tem início com crianças de seis anos. Ensino médio: duração de três anos. Do ensino básico fazem parte, também, a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a Educação Profissional e a Educação Especial. No Estado de São Paulo, segundo o censo escolar de 2006, existem nove milhões de alunos no ensino básico, espalhados por seiscentos e quarenta e cinco municípios e, aproximadamente, cinco mil e quinhentas escolas. 85% dos discentes estudam em instituições públicas e 15% em privadas, porcentagem quase diametralmente oposta à registrada no ensino superior. Deste contingente, seis milhões estão no ensino fundamental (48.9% são escolas estaduais; 37.4% municipais e 13.6% privadas). No nível médio estão um milhão e oitocentos mil alunos (85.2% são escolas estaduais, 13.8% privadas e 0.9% municipais). Na cidade de São Paulo, o ensino básico reúne dois milhões e meio de alunos, sendo um milhão e seiscentos mil no fundamental; quatrocentos e oitenta e cinco mil no médio; quatrocentos e vinte e seis mil na pré-escola. Em números aproximados, a rede pública paulista de ensino básico é composta por um universo de duzentos e quarenta mil professores e algo em torno de trezentas mil funções docentes (o conceito de função diz respeito ao fato de um mesmo profissional trabalhar em mais de uma escola). Considerados os postos de trabalho que incluem a rede privada, sempre admitindo a categoria de funções docentes, o número atinge quase 3. Do conjunto de pesquisas feitas desde 1992 até esta data, todas para o CNPq, resultaram uma série de publicações das quais destacamos, em livro: Citelli, Adilson (Org.) Aprender e ensinar com textos não escolares. 5ed. São Paulo, Cortez, 2002; Citelli, Adilson (Org.) Outras linguagens na escola. Publicidade, Cinema e TV, Rádio, Jogos, Informática. 4ed. São Paulo, Cortez, 2004; Citelli, Adilson. Comunicação e educação. A linguagem em movimento. 3ed. São Paulo, Senac, 2004; Citelli, Adilson. Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo, Cortez, 2006; Citelli, Adilson e Costa, Cristina (Org.) Educomunicação. São Paulo, Paulinas, 2011.
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quinhentos mil, assim distribuídos: trezentos mil no fundamental, cento e vinte e cinco mil no médio e setenta mil na pré-escola.4 Por certo, não reside em nosso escopo apreender a complexidade e o gigantismo deste sistema, mas elaborar – a partir dos dados e depoimentos fornecidos por um grupo de professores – análises e algumas categorias pertinentes a esta comunicação, e que ajudem a pensar nas interfaces comunicação/educação. Neste sentido, dois foram os objetivos principais que, integrados, nortearam o trabalho: identificar alguns hábitos dos docentes referentes à frequência e uso dos veículos de comunicação, entendidos em sentido amplo, no que se incluem os dispositivos analógicos e digitais; verificar se os professores incorporam, no cotidiano das salas de aula, os suportes, as linguagens, as mensagens, mediadas tecnologicamente. Fixamo-nos, como acontecera em investigação realizada em 2007, num segmento etário de jovens docentes, grupo que deveria ter, até o final da recolha dos dados, à altura de março de 2010, no máximo 30 anos. Em parte, as razões desta escolha diziam respeito ao fato de pretendermos saber como uma geração de professores, formada no interior da chamada sociedade digital, (re)funcionaliza o trabalho didático-pedagógico, considerando que gerações anteriores de docentes, chamados por Mark Prensky de imigrantes digitais (2006, p. 11), passaram por experiências tecnculturais diferentes e, portanto, poderiam continuar ativando práticas didático-pedagógicas também distintas. Cabe, pois, a indagação: será que pelo fato de haverem se formado sob a égide dos computadores, da internet, do iphone, estariam os jovens professores mudando as suas práticas didáticas e pedagógicas? Tais docentes possuem relação mais fluente e flexível com os discentes dado existir maior recorrência no campo de experiências comunicacionais vividas entre eles? Neste contexto, estaria superada a conhecida afirmativa feita pelos professores com idade mais avançada de que não se atreviam a operar com os computadores – equipamento a ser tomado como expressão metonímica de uma determinada realidade tecnológica – porque os seus alunos tinham, para isto, maior competência, facilidade, agilidade? Como se verifica, é importante ampliar uma linha de investigação voltada a indagar sobre possíveis mudanças no perfil dos professores do ensino básico quanto aos assuntos envolvendo comunicação e aportes tecnológicos. E compreender melhor em que circunstâncias este professor chega à escola para exercitar o trabalho profissional que lhe diz respeito é uma forma de reconhecer tanto as competências como os limites dele, maximizando as primeiras e desenvolvendo estratégias para superar as segundas.
O RECORTE ETÁRIO Segundo adiantamos, existem objetivos e justificativas para a presente investigação, que continuam, ajustam e expandem razões pelas quais se busca enfocar determinado segmento etário, aqui chamado de jovem docente. Vejamos alguns dos motivos que levaram a tal opção investigativa: 1) Existe a hipótese de que tendo os jovens docentes cumprido percurso pessoal e escolar sob um contexto técnico e tecnológico definido em torno da midiatização 4. Ver: www.ibge.gov.br.cidadest e www.inep.gov.br
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2)
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4)
5)
e digitalização dos sistemas e processos comunicacionais estão em situação próxima à dos seus alunos, eles também vivendo influxos de tais contextos. Isto abre a possibilidade de os diálogos entre docentes e discentes ganharem fluidez e agilidade. Estamos, portanto, frente a um quadro novo, com sociabilidades que se forjam, igualmente, pela convivência em torno de alguns dispositivos de comunicação, cujas possibilidades de domínio ou, no mínimo, de operacionalização, deixam de ter as cores dramáticas que registravam há alguns anos e que se materializavam em gerações de professores mais afinados com as lógicas da sociedade industrial e que reclamavam estar em posição desfavorável quando comparada à dos seus alunos – estes já prontos para usar computador, jogar videogames, programar a gravação em videocassete, para ficarmos com equipamentos, alguns deles perdidos na poeira do tempo. Os dados referentes à idade dos noventa e dois professores pesquisados mostram que os mais velhos nasceram em 1979 e os mais novos em 1989, sendo que a maior concentração encontra-se entre vinte e quatro e vinte e nove anos. Apenas para registrar um dado aproximativo, os professores mais velhos deste grupo terminaram a Faculdade em 2001 e os mais novos em 2010. Vale dizer, estamos frente a uma amostra cujo percurso escolar aconteceu sob a consolidação da informática, da internet, da digitalização. Admite-se que convivendo em cenários tecnológicos de maior proximidade – elemento teoricamente facilitador da aproximação entre docentes e discentes –, as propostas de ensino ganham densidade, com resultados positivos para os programas de ensino básico. Do ponto de vista do andamento da pesquisa quisemos comparar dados extraídos de enquetes passadas, com o fito de verificar a existência de convergências e ou divergências no que tange ao comportamento dos professores frente aos meios de comunicação. Atente-se, neste passo, que estamos trabalhando com informações atinentes, inclusive, a pesquisas efetuadas em anos anteriores e não dirigidas a um perfil etário particular.
O ELEMENTO COMUNICACIONAL Ainda em linha com procedimento que vimos adotando em nossas pesquisas frente aos jovens professores, juntamente com a questão etária, buscamos examinar como se desenvolvem, em determinado segmento de docentes, hábitos de frequência aos meios de comunicação. Este é o motivo pelo qual várias das perguntas foram dirigidas à maneira como os professores se posicionam diante dos dispositivos comunicacionais. Foi verificado que a formação inicial dos pesquisados aconteceu no interior de uma cultura sociotécnica disseminada. O cenário social, o cotidiano dos sujeitos e instituições é cruzado, portanto, pelo ecossistema comunicativo. É neste território particular que o futuro licenciado transita; isto implica ou, ao menos, deveria implicar em procedimentos formativos distintos quando comparados os modelos seguidos pelos docentes mais velhos, já em fase adiantada da vida profissional. Aqui, não se deve identificar qualquer juízo de
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valor que oponha docentes de gerações diferentes, imputando a uns e a outros seja maior seja menor qualificação ou competência didático-pedagógica. Certamente não se trata disto. Deseja-se destacar, apenas, o fato de estarmos frente a um grupo etário de professores composto por “nativos digitais”, portanto, em tese, capazes de superar um problema que acompanhou os docentes mais velhos, uma espécie de tecnofobia ou mesmo um olhar enviesado para os temas da comunicação. Daí havermos formulado na investigação uma série de perguntas voltadas à leitura de livros e jornais, acesso a fontes digitais de informação, hábitos com relação às mídias, etc. A isto chamamos de vetor comunicacional da pesquisa. Ao juntarmos recorte etário e vetor comunicacional retomamos a pergunta que continua alimentando as nossas indagações: o fato de existirem novas sociabilidades, vínculos “naturalizados” entre o sujeito e os diferentes suportes técnicos teria alcançado a formação profissional do futuro docente, ele próprio formador de outros tantos jovens, ainda mais afeitos ao circuito da comunicação social ampliada? Na eventualidade de haverem recebido formação adequada para trabalhar neste novo circuito social estariam os jovens docentes (re)traduzindo em sala de aula os fluxos e processos formulados pelas culturas midiáticas, segundo uma perspectiva educacional e pedagogicamente equacionada aos ditames da escola, dos propósitos que devem reger a construção de uma cidadania crítica e transformadora?
CONCLUSÕES Como já indicamos, o intuito desta apresentação é, sobretudo, a de sinalizar caminhos e perspectivas para a pesquisa em educomunicação. Entretanto e apenas a título sistematizador arrolamos poucas reflexões franqueadas pelos dados levantados, a serem mais bem trabalhados em outras circunstâncias, mas que indicam alguns resultados da investigação que realizamos. 1. O nosso corpus é formado de maneira dominante por professoras, característica presente em todo o ensino básico brasileiro, em quase 80% dele composto pelo gênero feminino. A maioria do grupo provém de instituições de ensino superior privadas, muitas delas sem qualquer tradição acadêmica. O número de formandos em universidades públicas ou particulares com certo reconhecimento de qualidade é minoritário. 2. Foram identificadas mudanças nas relações dos jovens docentes com os meios de comunicação e as novas tecnologias. Isto é perceptível quando se acompanham os dados das pesquisas por nós efetivadas nos últimos anos, sobretudo aquelas desenvolvidas até por volta de 2005. Agora, existe um aumento significativo no acesso dos professores aos computadores, à internet, aos dispositivos orientadores das novas maneiras de se buscar informação, trocar mensagens, etc. Tal inflexão tecnocultural não significa, contudo, maior sintonia com proposições dotadas de alcance inovador no terreno propriamente didático-pedagógico e de práticas em sala de aula. Ao que tudo indica assistimos a uma espécie de interregno entre a adesão dos docentes às inovações tecnoculturais e a efetiva possibilidade de reconversão destas mudanças para as salas de aula. 3. A presença das tecnologias nos ambientes escolares revela uma espécie de contradição aparentemente insolúvel. De um lado, existe a necessidade de prover os ambientes educativo-formais de equipamentos capazes de sintonizar o cotidiano dos
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alunos e professores à dos processos didáticos e pedagógicos. Os jovens docentes e seus discentes estão cada vez mais frente aos computadores, à internet, às redes sociais, aos blogs, enfim, àquilo que Jesús Martín-Barbero chamou de “ecossistema comunicativo” (2014, p.55), no qual não faltam suportes e dispositivos que já se fazem como instâncias da cultura contemporânea, algo, portanto, que não se esgota em sua dimensão maquínica. A nossa pesquisa mostra, ademais, que os noventa e dois professores entrevistados dizem trabalhar em escolas contempladas por uma série de dispositivos técnicos, alguns deles, como os computadores, presentes em todas as unidades de ensino abrangidas na enquete. Nelas estão alocadas salas de informática e, na maioria dos casos, com acesso à internet. De outro lado, há o problema que chamamos de “perecibilidade constitutiva”. Vale dizer, os equipamentos destinados às escolas, em prazos muito curtos, ficam obsoletos. O caso mais evidente é o do videocassete. Apontado em meados dos anos 1990 como importante aliado na “modernização” do ensino, recurso que apoiava, inclusive, programa com as dimensões abrangentes da TVEscola, caiu em rápido desuso. Como se lê na pesquisa, tanto as escolas como os próprios professores colocaram os videocassetes no baú das inutilidades, certamente como decorrência da mudança nos padrões tecnológicos que promoveu o DVD à condição de nova coqueluche para gravação e reprodução de som e imagem. Os pesados investimentos promovidos em nível federal, estadual e municipal, visando a equipar unidades escolares com aparatos técnicos, têm como adversário permanente a “perecibilidade constitutiva”. Já não se trata mais, sequer, da chamada obsolescência programada, mas de outro estágio que marca a gestão da indústria da informática em sua voraz vocação para condenar os seus produtos ao opróbrio sem que nem mesmo tenham entrado em circulação mercadológica. Esta é uma questão sobre a qual o sistema escolar terá que refletir; no fundo trata-se de gerir a complexa relação entre necessidades reais da educação e imperativos da indústria da comunicação, sobretudo no que ela impacta sobre o segmento de hardwares e softwares. 4. Ocorreu impressionante aumento no número dos professores que possuem computadores; 98.9% dos respondentes indicam ter o equipamento, sendo que quase todos, à exceção de três, mantém internet. Apenas um docente entre os noventa e dois diz acessar o computador fora do ambiente doméstico. Ademais, o uso é constante e diversificado, incluindo leitura de informativos, digitação de textos, elaboração de powerpoint, montagem de filme. A utilização média do computador está entre dez e quinze horas semanais (algo próximo de duas horas diárias). Observe-se que ao passo da retração da leitura dos jornais diários, existe aumento na frequência aos veículos eletrônicos. Enquanto 56.14% asseveram ler jornais impressos, 82.61% afirmam fazêlo por meio digital. Entretanto, em ambos os casos, é baixo o índice de constância. Os que responderam ler os jornais impressos diariamente correspondem a 11,9%, e, eventualmente, a 16.30%. No formato eletrônico o item diariamente é preenchido por 20.9% dos professores e, eventualmente, por 26.87%. Estamos frente a importante aumento absoluto quanto ao indicador diariamente, um salto de quase 100%, malgrado o ponto de partida seja baixo. De toda sorte, a presença do meio eletrônico na vida dos jovens docentes vai se revelando de maneira evidente. 5. O tempo dedicado pelos professores à TV se mantém em níveis relativamente reduzidos. O indicador até dez horas semanais é citado por 89% do nosso corpus, o que
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significa algo em torno de uma hora por dia. A mudança mais visível, comparando-se os números levantados em 2002, está no período máximo, mais de vinte horas. Os dados atuais indicam que 0.46% do grupo pesquisado revela permanecer mais de vinte horas semanais frente ao vídeo, contra os 4.09% de 2002. A contratação da TV paga aumentou de 36% (2002) para 45,57% (2007) a 58% (2010). E fica reiterado o que se havia notado nas duas pesquisas anteriores: a Globo como o canal mais assistido, seguido pela TV Cultura. 6. Do mesmo modo, a utilização das mensagens midiáticas, sejam filmes, anúncios publicitários, músicas, jornais, matérias de revistas, programas de rádio, histórias em quadrinhos, vem aumentando. 80% dos entrevistados esclarecem lançar mão das produções disponibilizadas pelos meios de comunicação a fim de se promover vínculos com as aulas. Desta sorte, o conteúdo que está sendo ministrado pode receber o aporte de exemplos ou mesmo servir como elemento motivador da aula ou desencadeador de debates proporcionados pelos docentes. 7. Existe, conquanto a maior presença das mensagens midiáticas para fins didáticopedagógicos, uma divisão entre os professores que entendem haver entre eles e as escolas algum tipo de conflito, seja de caráter ético, moral, seja acerca de visões do mundo e concepções de conhecimento. Para quarenta e dois entrevistados, contra quarenta e cinco, há problemas em se aproximar meios de comunicação e discurso pedagógico-escolar. 8. Entre as razões apontadas para o referido conflito, um deve conhecer destaque. E diz respeito ao fato de os professores afirmarem não possuir formação para trabalhar com as manhas e artimanhas das mensagens midiáticas. Compreende-se. É pequeno o contingente de professores que cursaram em suas graduações disciplinas capazes de permitir a compreensão acerca do funcionamento das mídias e sua produção de mensagens. Apenas 35%, um pouco mais do que os 28% registrados na pesquisa de 2007, dizem ter tido algum contato com itens que permitiam discutir as questões referidas ao campo comunicacional. Ao solicitarmos que os professores indicassem disciplinas que de algum modo tivessem contribuído para esclarecer um pouco melhor como funciona aquele campo, 70% deixaram de fazer qualquer indicação. E, mesmo assim, as poucas disciplinas referidas, nem sempre possuem relação direta com a nossa temática central. É inegável que prossegue existindo descontinuidade entre os projetos acadêmicos das instituições de ensino superior e seus diplomados, mesmo quando, como no caso em tela, composto por jovens circundados pela telemática, pelos novos mecanismos de produção comunicativa. Em síntese, a despeito de estarmos frente a um grupo de docentes composto por “nativos digitais”, a nossa pesquisa demonstra continuarem existindo descontinuidades entre o mundo da escola e as novas gerações de professores. Torna-se imperativo, para que esta nova realidade de docentes que vivem e operam segundo os dispositivos da sociedade tecnocultural seja potencializada em termos de experiências inovadoras no âmbito da educação, a ocorrência de mudanças importantes quer no processo de formação inicial dos licenciados quer na ativação de programas de formação continuada com abrangência e suficiência para suprir as dificuldades longamente identificadas nesta pesquisa.
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