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SALVADOR DOMINGO 17/7/2011
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Alguns discos em vinil novinhos e álbuns reeditados: Jorge Ben, Chico Science e Nação Zumbi, Tom Zé, Pitty e Bob Dylan
A A empresária Janaína Souza, da Tabacaria Corona, com a Crosley, que toca CD e vinil: aposta na venda de vitrolas modernas
ETERNO RETORNO
O disco em vinil ocupa um mercado cada vez mais refinado, com vitrolas hi-tech e lançamentos de artistas contemporâneos
Texto MARCEL BANE marcel.bane@grupoatarde. com.br Foto FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br
agulha desliza sobre os sulcos do disco, captando as vibrações e convertendo-as em música. Nada de chiados. Os Long Plays e as vitrolas estão de volta às prateleiras. Mas não são antigos. Acabaram de sair dafábrica,têmcheirodenovo,eestãocada vez mais hi-tech. Hoje, as pick ups tocam CDs e mp3, têm saídas USB e se impõem em qualquer ambiente. Em meio às crises e revoluções, que volta e meia se abatem sobre a indústria do disco,hásempreummovimentodepreservação desse velho modo de consumo musical. A “morte” do vinil se deu em meados dosanos1990,comapopularizaçãodoCD. Mas uma legião de puristas agarrou-se ao LP, testando a resistência à renite alérgica em sebos e lojas de eletrônicos usados. A ressurreição que está aí vai na contramão da indústria, fazendo contraponto à saturação do mp3 e à imaterialidade da música. Afinal, o formato álbum, com começo,meioefim,quasedesapareceue,cada vez mais, um público ávido por ouvir discos inteiros (com arte de capa e qualidade sonora) força o mercado a se adequar. Ouvir um vinil é uma experiência multissensorial: auditiva, tátil e visual. Para as os mais velhos e a nova geração, esse novo velho modo de fruição tem despertado, no Brasil, cada vez mais interesse,
«Sempre tem alguma coisa preciosa em vinil, ali, esperando» Tom Zé, cantor e compositor
levando a indústria do disco a oferecer, ainda que para um público restrito, material novíssimo e de alta qualidade. Um mercado que atrai não só audiófilos, mas também um público novo, que se mantinha afastado por conta da poeiras dos sebos.
MEMÓRIA Até onde a memória permite lembrar, Lucas Lopes nunca consumiu música em vinil. O interesse levou o pai a presenteá-lo com uma vitrola Numark USB PT01, comprada em uma loja de instrumentos e que permite, além da audição do disco, converter as faixas em mp3 e wav. “Olha, eu já estava planejando comprar uma vitrola e meu pai me deu essa de aniversário. Confesso que ainda tremo na hora de colocar a agulha sobre o disco. Manipular um LP é uma experiência diferente, envolve mais toques. Não estou interessado em coisas velhas, quero comprar discos de bandas que estão produzindo agora”.
Essa redescoberta pelas novas gerações surpreende, mas não espanta veteranos como Tom Zé, que teve dois dos seus mais emblemáticos discos relançados recentementenoformatonoBrasil(TodososOlhos e Estudando o Samba), além de um boxe de luxo, The studies of Tom Zé, com três LPs, lançado no mercado americano pela gravadora Luaka Bop, de David Byrne. “Toda geração precisa de alguma rebeldia para, depois de compreender seu tempo, realizar a antítese dele. Os jovens sempre confrontam os pais com o modelo dos avós”, diz o artista que, ao lado da mulher, Neuza, é um confesso comprador de discos. “Sempre tem alguma coisa preciosa em vinil, ali, nos esperando”.
GATILHO DIGITAL Aeradigitalfoijustamenteogatilhoque disparou o interesse pelos LPs no Brasil. “Mas o digital é uma radicalização muito grande e algumas pessoas sentiram saudades de lidar com o disco físico e a capa. Quando as pessoas entram em contato com o som, imediatamente, sentem o quanto a música digital roubou deles em qualidade”, diz João Augusto, presidente da Polysom, única fábrica de vinil da América Latina (são 40 no mundo). A empresária Janaína Souza resolveu apostar na venda de vitrolas modernas na tabacaria que comanda em dois shoppings
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DARYAN DORNELLES / DIVULGAÇÃO
da cidade, a partir da percepção de que muitas pessoas possuíam discos, mas não tinham onde tocá-los. Hoje, ela vende entre cinco e seis aparelhos por mês. “Há cerca de três anos, comecei a perceberessademandaefuiatrásdequemfabrica.Quemcompratem gosto diferenciado. Além de ouvir música, acha que o design retrô agrega estilo. E se quiser fazer uma festa, o aparelho tem entrada para alto-falantes mais potentes”. O reaquecimento do mercado nacional se deve, em muito, à reabertura, em 2009, da Polysom, situada em Belfort Roxo, Baixada Fluminense. A fábrica produz material equiparável aos melhores do mundo e tem capacidade produtiva de três mil unidades por dia. Atualmente produz metade disso (incluindo compactos). A série “Clássicos em Vinil” já relançou, em discos de 180 gramas, álbuns de grandes artistas como Secos e Molhados, Tom Zé, Chico Science e Nação Zumbi, Titãs e Novos Baianos. O preço ainda é doloroso. Cada LP não sai por menos de R$ 70. “Os impostos não deixam baratear. A carga é de 66%. Isso é causado por uma cadeia tributária que começa na aquisição das matérias-primas. Mas nossa meta é popularizar”, diz João Augusto. Mas dá para driblar a cascata de impostos e comprar discos im-
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CLARIANA ZANUTTO / DIVULGAÇÃO
João Augusto, da Polysom e João Paulo Bueno, da Livraria Cultura: produção e vendas
portados, inclusive de artistas brasileiros como Mutantes, Caetano Veloso e Tom Zé, ainda não relançados por aqui, em lojas virtuais, por preços que chegam a um quarto do cobrado por encomenda. A nova-iorquina Insound (www.insound.com), por exemplo, tem de tudo: lançamentos, picture discs, acessórios, itens de decoração, e o envio custa menos que um Sedex. Outra opção é recorrer aos sebos. O centro de Salvador está repleto deles.
SANTO DE CASA João Paulo Bueno, coordenador nacional do setor de musicais da Livraria Cultura, tem 200 discos na sua coleção. Afinal, santo de casa também tem de fazer milagres. Ele voltou a vender LPs em 2007, a partir da demanda dos clientes que encomendavam importados. Atualmente, a venda de
LPs se sustenta sozinha e é responsável por 5% do faturamento do setor. E Bueno aposta na estabilização do mercado. “Deve crescer ainda um pouco, mas não muito. Não depende só do consumidor de música, mas sobretudo, dos fabricantes de players. O custo de produção dos nacionais chega a ser bem mais alto que o dos importados”. Jorge Ben, Ultraje a Rigor e Chico Science e Nação Zumbi vendem muito bem, obrigado. E o primeiro estampido da agulha sobre o disco é considerado parte sagrada da liturgia de quem compra, como explica a vendedora da Cultura Clarissa Albergaria, também colencionadora de vinis. “Na loja, não tem audição de LPs, como fazemos normalmente com os CDs. A primeira audição do vinil é única”. A integração dos formatos virou tendência nos Estados Unidos e na Europa e já deu os primeiros passos por aqui. Os produtos vêm “completos”, em um pacote composto por LPs, CDs e cupom para download em mp3 de alta qualidade. “A Sony Music colocou no mercado nacional, em 2009, a coleção Meu Primeiro Disco, que relançou os álbuns de estreia de 30 grandes artistas, como João Bosco, Vinícius Cantuária e Chico Science e Nação Zumbi e foi um sucesso”, conta João Bueno. Em 16 de maio, foi realizado nos EUA e na Europa o movimento “Record Store Day”, com o objetivo de voltar os olhos do mundo para as lojas de discos, em vias de extinção, com a adesão de vários artistas que gravaram faixas exclusivas. “No ano que vem, pensamos em aderir, com preços diferenciados, buscando engajar os brasileiros”. É um movimento também antipirataria. “Como você vai piratear um LP?”, desafia João Augusto.
OS ARTISTAS Além de Tom Zé, baianos como Pitty, que lançou seu último disco, Chiaroscuro, em vinil, e a banda Vivendo do Ócio têm endossado o formato. “Foi uma ideia do (produtor) Rafael Ramos. O vinil, além de expandir o mercado fonográfico, traz uma facilidade para as pessoas que têm esse fascínio pela coisa”, diz Jajá Cardoso, vocalista e guitarrista. “Mesmocomocustodeprodução,amúsicadelesganhouníveis tão mais elevados em vinil que até um gasto a mais passa a valer a pena. A repercussão tem sido tão grande que as gravadoras-parceirasestãocadavezmaisabertasanoslicenciarseustítulos.Enote que estamos falando de um catálogo infindável de discos inesquecíveis”, conta João Augusto. Mas o vinil não veio, claro, para substituir nenhum dos formatos. É uma opção a mais para a já combalida indústria da música. A agulha desliza pelo sulco final do lado A. Talvez seja a hora de trocar de lado. «
ONDE COMPRAR LPs Saraiva 71 3341-7020 Cultura 71 3505-9050 Vitrolas Tabacaria Corona 71 3012-0515 / 71 3204-1440 Foxtrot Candeal 71 3616-7777 / 71 3616.7666 * Promoção válida de 01 de julho até 31 de agosto. Cada modelo de aparelho tem um valor de bônus específico, Consultar valor do bônus em nossas lojas. O modelo GO PRO e produtos descontinuados, não participam desta campanha.