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VERTICALIZAÇÃO EM SÃO PAULO NOVOS MODOS DE MORAR NO CENTRO 2
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO MARCELLA FRANÇA FERNANDES CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO ORIENTADORA: PROFº. DRA. ALINE NASRALLA REGINO
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AGRADECIMENTOS
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Agradeço primeiramente aos meus pais, sem eles este sonho não seria possível. A todos meus amigos que conquistei durante estes cinco anos, especialmente a: Aline, Carol Padovan, Carol Paschoalin, Marina e Yan por todo o suporte, companheirismo e paciência ao longo desta jornada, vocês deixaram este processo mais ‘leve’ e divertido. A minha melhor amiga Monique, que mesmo longe, durante esses seis meses foi mais que uma amiga e sempre esteve ao meu lado, não de corpo presente mas de coração. A todos os mestres que estiveram presente na minha vida acadêmica de alguma forma, que sempre foram tão presentes nesta jornada agregando conhecimento para minha formação. E por fim, mas não menos importante, a minha orientadora Prof. Dra. Aline Nasralla Regino, por todo apoio, dedicação, e aprendizado adquirido em cada orientação, obrigada por me auxiliar de maneira tão presente e correta, você foi parte fundamental neste trabalho.
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RESUMO A dissertação tem como tema principal o processo de verticalização na cidade de São Paulo, com foco no Centro, e seus novos modos de morar que surgiram entre as décadas de 1920 a 1960. O trabalho vai desde de São Paulo nos séculos XIX para o século XX - fazendo uma breve contextualização da cidade - explicando como a capital passou de pequeno burgo a grande metrópole, até o processo de verticalização, que foi iniciado na década de 1920, e teve seu auge nas décadas de 1950 a 1960. É mostrado como a verticalização passou por várias fases, percorrendo predominantemente de caráter terciário, e após a aceitação da população, á caráter residencial. Para caracterizar os novos modos de morar, foram propostos três estudo de casos para demonstrar este morar vertical em apartamentos. Palavras Chave: Verticalização, Arquitetura Moderna, Morar Vertical, Apartamento.
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SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO P.10
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1. A METRÓPOLE EM FORMAÇÃO P.14
2. OS PIONEIROS DA VERTICALIZAÇÃO (1920-1940) P. 28 2.1 OS PRIMEIROS EDIFÍCIOS VERTICAIS P. 32 2.2 URBANISMO X VERTICALIZAÇÃO P. 48
3 3. EXPANSÃO DA VERTICALIZAÇÃO (1940-1960) P. 56
4 4. ESTUDO DE CASOS P. 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS P. 124
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INTRODUÇÃO O tema do presente trabalho surgiu a partir de uma inquietação: compreender como os edifícios residenciais se consolidaram na cidade de São Paulo; e, também, como os novos modos de morar surgiram por meio do intenso processo de verticalização que se iniciou na década de 1920. As questões supracitadas são estudadas nesse trabalho, cujo foco encontra-se na região conhecida como Centro Novo entre as décadas de 1920 a 1960 - período no qual a cidade estava em ascensão, passando por diversas transformações no âmbito cultural, social, econômico, urbanístico e populacional. 10 A pesquisa inicia-se com uma breve contextualização da cidade de São Paulo na passagem do século XIX para o século XX, onde se propõe a compreensão da fase de transição da metrópole do café à metrópole industrial. Busca entender como a capital cresceu tão abruptamente em curto espaço de tempo, e os diversos fatores que contribuíram para este feito, dentre os quais se destacam o aprimoramento e os inúmeros investimentos urbanos no intuito de embelezar a cidade, além da chegada das primeiras empresas de abastecimentos públicos, construção de novos edifícios públicos, entre outros. Outro fator crucial para a expansão e desenvolvimento da futura metrópole foi a chegada das ferrovias, uma das responsáveis por trazer o estilo europeu (Ecletismo) para a cidade, criando fortes vínculos entre a cultura francesa e a sociedade paulistana daquela época, tanto na arquitetura como nos hábitos e costumes da população, tudo isso graças à presença de novos materiais que possibilitaram a construção de edifícios nesses novos moldes.
A partir daquele momento a cidade de São Paulo foi elevada a metrópole, ocasionando uma nova forma de cultura, novos meios de morar, de construir e de viver. Ao correlacionarmos essas alterações ocorridas na metrópole do café, podemos perceber o surgimento do processo de verticalização, no qual a cidade começou a exibir seus primeiros edifícios verticais, de grande altura. No capítulo 2 buscou-se compreender como a verticalização teve início na cidade, mediante a promulgação de leis e planos de incentivo; e, também, de que modo os edifícios ganharam destaque na paisagem. Essa primeira fase, compreendida entre 1920 a 1940, teve foco no caráter terciário a partir do surgimento de vários arranha céus, com sua construção predominante no Centro. A linguagem arquitetônica dominante naquela época foi o Ecletismo, pois ainda havia uma grande preferência da população por adornos e ornamentações (influências europeias) que remetiam aos palacetes europeus e residências burguesas. Esses edifícios, a principio, não foram bem aceitos pela classe média, foram comparados e chamados de cortiços verticais. Essa situação só foi alterada na década de 1950, quando a verticalização já estava praticamente consolidada na cidade, assunto abordado no capítulo 3. Foi considerada por diversos autores como a segunda fase da verticalização paulistana, compreendida entre as décadas de 1950 e 1960, seu foco estava voltado para o setor residencial, expandindo-se para outras áreas.
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A partir da década de 1950, a linguagem arquitetônica predominante foi aquela vinculada aos preceitos e ideais da Arquitetura Moderna, eliminava as ornamentações e adornos. Naquele momento, as influências socioculturais e econômicas deixam de ser europeias e passam a ser norte-americanas, existiu uma grande transformação nos hábitos culturais (presença do cinema e televisão) e nos costumes cotidianos da população, buscava-se, incessantemente, ser moderno. No capítulo 4, para complementar a pesquisa realizada sobre os novos modos de morar no Centro, serão analisados cinco edifícios significativos para o tema e, também, de grande importância para historiografia. Procuramos caracterizar e exemplificar os novos modos de morar que foram surgiram ao longo do período mediante do estudo e análise dos edifícios listados abaixo: 12
Edifício Esther, 1938, Álvaro Vitar Brazil e Adhemar Marinho Edifício Japurá, 1945, Eduardo Kneese de Mello Edifício Araraúnas, 1955, Franz Heep
O objetivo das análises é responder às inquietações em relação ao tema da habitação e verticalização, compreender quais os vínculos existentes entre o Movimento Moderno, a verticalização e esse novo modo de morar – em apartamentos – que atingiu todas as classes sociais da cidade de São Paulo.
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Fonte: REGINO, Aline - 2006, p. 93
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METRÓPOLE EM FORMAÇÃO
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Sob o influxo do crescimento comercial, da concentração de recursos financeiros e da assimilação de novos preceitos e valores burgueses europeus, a capital viu surgir palacetes, avenidas desenhadas para receber os automóveis e diversos tipos de indústria. Com aspirações de cosmopolitismo, esforçava-se para apagar seus traços coloniais. Para sua elite alcançar a ‘civilização’ implicava despojar-se daquilo que remetia a um passado ‘atrasado’, renegando os elementos culturais e raciais. A futura metrópole crescera demais para orgulhar-se dos antigos costumes, mas ainda era provinciana para romper com eles, enfrentando 17 uma transição com forte dualidade. (CAMPOS, GAMA, E SACCHETTA, 2004, p. 90).
Apresenta-se, neste capítulo, um breve histórico das inúmeras transformações que aconteceram na cidade de São Paulo ao longo do século XX, dentre as quais se destaca a grande expansão territorial e populacional, resultando no surgimento da grande metrópole. O crescimento da capital paulistana aconteceu de uma forma abrupta e veloz. Durante os primeiros três séculos e meio de sua existência, São Paulo apresentava, ainda, feições coloniais, limitando suas atividades e respectivas edificações, ao triângulo histórico. Somente no final do século XIX, com a 18 expansão cafeeira, a cidade sofreu diversas transformações, passando de pequena vila, para importante centro urbano. (XAVIER, 2007). A sociedade do café não mediu esforços para a modernização e crescimento da capital, com objetivo de trazer um 'estilo europeu' para São Paulo. A partir da década de 1870, a cidade recebeu grandes investimentos e aprimoramentos urbanos, como a substituição da construção de taipa pelos tijolos, surgimento das primeiras empresas de serviços de abastecimento (água, luz, esgoto, etc), e criação de novas construções públicas.
Algumas cidades brasileiras, já na segunda metade do século 19, assimilavam intervenções modernizadoras em suas infraestruturas, a maneira das metrópoles europeias ressonância da questão (central na cidade europeia oitocentista) do sanitarismo ou salubrismo. Cidades como Rio de Janeiro (a partir de 1826), Recife, Santos, São Paulo, Manaus e Salvador, contaram com empresas que instalaram e operaram sistemas de drenagem, abastecimento de água e esgoto urbano. (SEGAWA, 1998, p. 19).
Um advento fundamental para a -'vinda do estilo europeu'-, e expansão da cidade, foram as construções das ferrovias no final do século XIX. Estas surgiram graças à economia cafeeira da época e facilitaram a chegada dos materiais para a construção de uma nova cidade, seguindo os moldes europeus. As ferrovias, São Paulo Railway, Sorocabana e Central do Brasil, aceleraram a expansão urbana, - criando novos loteamentos -; e, ainda facilitaram o transporte do café, dando à cidade condição de centro de redistribuição do mesmo, enquanto se instalavam as primeiras indústrias. (HOMEM, 1984).
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De acordo com Pasquale Petrone (1955, p.2) o forte crescimento da capital paulistana, se deu pelos seguintes fatores: "aumento de exportações agrícolas; crescimento econômico e político; surgimento de importantes construções; expansão cafeeira e alto desenvolvimento industrial". Essas transformações mudaram a fisionomia e arquitetura da cidade por meio de grandes expansões territoriais, aumento significativo das construções e crescimento demográfico. Exerceram, também, grande influencia na paisagem urbana, assim como nos hábitos e comportamentos da população, gerando uma cultura bastante diversificada, devido ao intenso fluxo de imigrantes na capital. 20
Uma das primeiras regiões a sofrer estas grandes modificações, durante o final do século XIX, foi a área do triângulo histórico1 - conhecida também como Centro Velho. Essa pequena colina triangular é quase plana, com altitudes variando de 750 a 760 metros, mas cercada por um forte desnível, de cerca de 30 metros em relação aos cursos d’água que a delimitam. É uma acrópole que abrigou a cidade em seus três primeiros séculos de existência. (TOLEDO, 1981, p. 13).
1 A área do Triangulo Histórico estava compreendido entre: Rua Direita de Santo Antonio (hoje Rua Direita), Rua do Rosário (hoje Rua XV de Novembro) e Rua Direita de São Bento (hoje Rua São Bento).
Este local foi o grande pioneiro das transformações pelo fato de ser uma das primeiras áreas que se consolidaram na capital, e consequentemente foi o primeiro núcleo terciário da cidade, suprindo as necessidades da elite cafeeira da época. Para se tornar um dos primeiros núcleos terciários da cidade, a burguesia local exigiu uma alteração radical no uso e ocupação daquele território. Para isso, foram feitas políticas de remodelação e embelezamento da área, surgindo assim o Código de Posturas (1894), o qual visava proibir habitantes indesejáveis, como operários, e usos inadequados, como cortiços na área central. O Código contava com normas policiais, incentivos para moradias operárias na zona suburbana, desapropriações, demolições e a substituição de inquilinos levaram à expulsão das populações de menor renda do centro, enquanto os moradores da classe dominante se mudavam para os novos bairros de elite. (CAMPOS, 2004, p.3).
Juntamente com esta nova reestruturação do triângulo histórico, surgiram uma série de novas edificações públicas favorecidas pela Prefeitura de São Paulo, que contribuíram para a criação da imagem europeia da cidade.
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Essas construções, em sua maioria, sofreram fortes influências europeias devido à presença de arquitetos formados no exterior, os quais passaram a edificar conforme os moldes acadêmicos, seguindo a tradição da École des Beaux-Arts de Paris. Dentre esses arquitetos, podemos destacar nomes como: Victor Dubugras, Ramos de Azevedo, Samuel das Neves e Christiano Stockler das Neves, que realizaram obras de suma importância para a cidade, tais como Largo da Memória, Palácio da Justiça, Pinacoteca do Estado, Estação Julio Prestes, dentre outras.
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23 Na gestão de Antônio Prado (1889-1911), - integrante da burguesia cafeeira paulistana -, o prefeito não mediu esforços para ‘eliminar’ qualquer traço não europeu que restava na cidade. Diante disto, o centro ganhou não só novas edificações, como foram abertas novas avenidas e construídos viadutos, que garantiriam a expansão da cidade. Uma das obras públicas realizadas naquela época e que, merece destaque é o Viaduto do Chá, inaugurado em 1892.
1 Estação Júlio Prestes
3 Largo da Memória
2 Pinacoteca
4 Palácio da Justiça
Graças à ligação estabelecida pelo Viaduto entre as duas margens do Rio Anhangabaú, finalmente o triângulo histórico pode se conectar com a considerada -'cidade nova'-, localizada do outro lado do rio, fato este que possibilitou o crescimento da cidade para a vertente oeste. A travessia complicada do vale do Anhangabaú era uma necessidade antiga da população, mas, para ligar a 'cidade' - como era chamado o centro histórico- e a nova ocupação do outro lado do córrego, era preciso vencer um vale com 20 metros de profundidade de 150 metros de largura. (ALEIXO, 2005, p.77).
Nesta nova região da cidade, conhecida como Centro Novo, se investiu em muitos equipamentos públicos. Áreas como a Praça da República e Largo do Arouche foram totalmente arborizadas e embelezadas, tornando se assim uma região muito valorizada. 24
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Mediante inúmeras transformações e investimentos realizados na capital - feitos até então, em sua maioria no Centro - surgiram às adversidades da falta de planejamento da cidade, e algumas novas intervenções propostas pelo poder público. Com a chegada do automóvel na capital, o Centro com suas vias muito estreitas, começou a enfrentar problemas como congestionamentos, devido aos principais serviços e atividades estarem concentradas neste local. Se fez necessário a reestruturação das vias existentes, e a proposição de novas vias. Com isso, entre 1911 a 1914, na gestão de Barão de Duprat, foi implantado o Plano Bouvard na região central.
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5 Viaduto do Chá 6 Um dos primeiros congestionamentos da cidade, aconteceu na inauguração do Theatro Municipal em 1911.
Foi promovido novo alinhamento, entre outras, das ruas 15 de novembro, Álvares Penteado, Quintino Bocaiúva, da Fundição (Rua Floriano Peixoto). O antigo Largo do Rosário transformou- se na moderna Praça Antonio Prado. A iluminação pública foi grandemente melhorada. O riacho Anhangabaú foi encanado em 1906 e extensas obras de saneamento foram realizadas na Várzea do Tamanduateí. (TOLEDO, 1996, p. 69).
Foi proposto também o alargamento da Rua Líbero Badaró, e a criação de dois parques, o Anhangabaú, e Várzea do Carmo (que mais tarde foi chamado de Parque Dom Pedro II). Este plano culminou em diversas demolições na cidade, com intuito de 'reformulação' de espaços públicos para a metrópole paulistana. 26
Não foi só de prestígio e ‘embelezamento’ que a cidade viveu nesta época, as décadas de 1910 e 1920 foram marcadas pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e pela crise na bolsa de Nova Iorque (1929), que influenciou diretamente a economia do país. Esta crise afetou a exportação cafeeira, gerando uma instabilidade na principal atividade rentável da capital.
Entretanto, “a economia cafeeira não foi a única responsável pelo primeiro surto industrial de São Paulo, mas financiou e criou condições necessárias ao desenvolvimento industrial.” (SOMEKH, 1987, p. 66). Favoreceu o desenvolvimento de um mercado interno, formado pela mão de obra assalariada de imigrantes, por meio da riqueza gerada pela atividade cafeeira. Com o incentivo ao desenvolvimento da industrialização promovido pela economia cafeeira e seus barões, atividade esta que até então crescia lentamente, a cidade passou a exibir em sua paisagem os primeiros edifícios de maior altura. Teve início, desta maneira, o processo de verticalização em São Paulo - assunto que será abordado com mais profundidade no próximo capítulo -.
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OS PIONEIROS DA VERTICALIZAÇÃO EM SÃO PAULO (1920-1940)
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Os arranha céus no Brasil provem de um erro profundo. É injustificável e lamentável numa terra rica de espaço esse sistema de construções que em outras cidades, em Nova Iorque, por exemplo, tem sua explicação e sua razão de ser. No Rio de Janeiro a existência dos arranhas céus não tem sentido. (PIRANDELLO, 1989, p. 98).
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2.1
OS PRIMEIROS EDIFÍCIOS VERTICAIS
Um fenômeno que esteve totalmente atrelado à grande expansão de São Paulo, e ao desejo de modernização da cidade, foi o processo de verticalização. Este, por sua vez, constituiu traços marcantes para a urbanização das grandes cidades brasileiras, e teve a tecnologia como grande aliada para sua propagação. Durante o século XX, a cidade de São Paulo, apresentava não só avanços econômicos e aumentos 32 populacionais, mas, além disso, a habitação também foi foco dessa ‘modernização’, evoluindo juntamente com o processo de expansão da cidade dando lugar à verticalização da capital paulistana, que se iniciou na década de 1920 alterando a paisagem da metrópole. Segundo Nádia Somekh (1987, p. 24) “a verticalização teve origem nos Estados Unidos e está relacionada à formação das cidades, e aos centros terciários americanos”.
Alguns fatores impulsionaram a verticalização na cidade, sendo que um deles foi a garantia na oferta de energia elétrica fornecida pela companhia canadense Tranway, Light and Power Company1, proporcionando assim a instalação de elevadores, e consequentemente a construção de edifícios em maior altura. Outro fator de suma importância para o processo foi a instalação da primeira fábrica de cimento (1926), em Perus, contribuindo para a redução dos custos na construção civil. (ZUFFO, 2009). Nos primórdios, a verticalização teve seu foco maior na região central da cidade, pois como visto anteriormente, São Paulo em seus três primeiros séculos se limitava ao triângulo histórico, e aos poucos se expandiu para outras áreas. Este processo começou focado no setor terciário, e de acordo com Nádia Somekh (1987. p.23) "até 1957, cerca de 65% dos edifícios construídos, tinham funções de serviços".
1 São Paulo Tranway, Light and Power Company, mais conhecida como Light São Paulo, foi uma empresa de capital canadense que atuou em São Paulo, Brasil em atividades de geração, distribuição de energia elétrica e transporte público por bondes.
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O primeiro período da verticalização, compreendido entre as décadas de 1920 a 1940, foi denominado por estudiosos de verticalização europeia, no qual os edifícios eram construídos seguindo estilos e padrões europeus, incentivados e muitas vezes idealizados por grandes proprietários e industriais, como Conde Prates, Plínio da Silva Prado, e Horácio Belfort Sabino. Esses integrantes da burguesia paulistana valorizavam a arquitetura e modalidades francesas de se morar, incentivando a elite a seguir os preceitos europeus. (VILLA, 2002).
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Em contrapartida, o hábito de morar em edifícios não foi muito bem aceito. A princípio, estes tinham uma aceitação restrita pela classe média, pelo fato do edifício ser associado aos cortiços, e pelo medo de possíveis tragédias. Além do que, a edificação em altura era considerada um desafio, sendo que a sociedade até então desconhecia esse novo modo de morar. Havia também uma resistência nas novas localidades onde eram implantados os edifícios, como no Centro Novo. Sendo que, no início da verticalização o triângulo histórico, ainda era o local com mais prestígio da cidade.
Não era visto com bons olhos morar em uma situação tão promíscua como a de sobrepor várias famílias sobre o mesmo lote, ou pior, várias famílias morando no mesmo edifício. Isso dava uma sensação de encortiçamento que não entusiasmou a muitos no início. (FIGUEROA, 2002, p.25).
Para melhor aceitação e com intuito de cativar a classe média, estes edifícios, pioneiros da verticalização, foram projetados com o mesmo programa dos palacetes burgueses. "Era a reconstituição da tradicional planta burguesa de casas térreas adaptadas aos novos edifícios de apartamentos." (FIGUEROA, 2002, p. 26). Dessa maneira, os antigos sobrados e as casas térreas de taipa, vão dando lugar a edifícios de três a quatro pavimentos, com uma distribuição vertical semelhante entre eles: serviços no andar térreo, e habitação nos pavimentos superiores. Aqui em São Paulo, o apartamento foi criado de início para a classe média - classe de hábitos modestos e de passadio frugal, mas quase sempre ostentando, da porta da rua pra fora, costumes na verdade não bem condizentes com as posses de sua camada social. Classe de gente vinda das antigas propriedades, que ainda se agarra ao nome de família com certa vaidade ou então, oriunda das fábricas ou do comércio. (LEMOS, 1978, p. 161).
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Com relação à dimensão dos apartamentos existentes nos edifícios residenciais, estes apresentavam plantas de diversos tamanhos em um mesmo terreno. "Além de facilitar o aproveitamento máximo do lote - sugere a experimentação de soluções variadas, na busca de atender às expectativas ainda desconhecidas de um novo mercado." (PINHEIRO, 2008, s.p).
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Para agradar a classe média, a planta deveria ter pelo menos duas salas, incluindo uma de visitas, e quartos de tamanhos generosos. O acabamento deveria ser o mais 'nobre' possível, incluindo "pisos de mármore nos vestíbulos, decorações de estuque em alto-relevo, cristais lapidados, e lambris de madeira nas entradas principais." (LEMOS, 1978, p.162). A entrada dos edifícios deveria ser imponente e nobre para os moradores, e uma entrada mais 'simples' para entrada de serviço. Alguns cômodos muito comuns hoje em dia, foram aos poucos sendo introduzidos nestas residências, como a lavanderia e o quarto de empregada, que muitas vezes, não se sabia ao certo sua localização. Uma solução proposta foi a concentração destas dependências para os empregados (quartos e banheiros), no último pavimento do prédio. Tais soluções se disseminaram neste período, como nos edifícios Regência e São Luiz.
7 Edifício São Luiz - construído em 1944, projeto do arquiteto Jacques Pilon.
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Hábitos e desejos dessa classe social é que definiram para sempre as normas, os programas e os partidos dos prédios de apartamentos. Era preciso que fosse oferecido à classe média um apartamento apto, em tudo, a substituir a casa isolada, não a casa modesta de gente pobre, mas o palacete da classe já abastada. (LEMOS, 1978, p. 161).
Por serem implantadas em lotes estreitos e profundos, - característicos do período colonial e ainda existentes no centro-, estas edificações não possuíam, na maioria dos casos, recuos laterais ou frontais, dando destaque apenas para a fachada principal. 38
A arquitetura destes primeiros edifícios surgiu como uma mescla de linguagens arquitetônicas anteriores, como o Art Nouveau, Art Déco e o Ecletismo, pois possuíam grande ornamentação em suas fachadas frontais, - como frisos, volutas e adornos. Dentre alguns edifícios que surgiram nesta época, destacam-se Edifício Dona Verdiana (Rua Martinico Prado), Gonçalves Biar (Avenida São João), e Zena (Rua Frederico Abranches), estes tinham uma linguagem Art Déco - que ficou conhecido como 'estilo modernizado'-. (PINHEIRO, 2008).
8 Edifício Gonçalves Biar 9 Edifício Zena
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Naquela época era comum que grande parte da população apreciasse edifícios com muita ornamentação e que faziam referência aos palácios europeus e residências burguesas, tais como os projetos elaborados pelo arquiteto Christiano das Neves, por exemplo, o Edifício Riachuelo Durante esta primeira fase de verticalização começaram a surgir alguns edifícios com uma linguagem 'modernizada' que se destacavam dos demais pela falta de ornamentação. 40
Destes exemplares, podemos destacar o Edifício Esther (Álvaro Vitar e Adhemar Marinho, 1938), que foi considerado um marco para a arquitetura moderna brasileira A paisagem verticalizada da cidade de São Paulo do século XX foi surgindo por meio de uma mescla de edifícios dos estilos mais variados. Esta confusão de linguagens acontecia porque, as grandes firmas e os engenheiros-arquitetos que atuavam na construção civil projetavam e construíam a 'gosto do cliente'.
10 Edifício Esther - construído pelos arquitetos Álvaro Vitar Brazil e Adhemar Marinho.
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É possível notar que, aos poucos, houve percebe se uma mudança na linguagem arquitetônica dos edifícios implantados na cidade, passando do eclético para um estilo modernizado, conforme afirma a arquiteta Nadia Somekh: A passagem do ecletismo para o Art Déco e, em seguida, para o estilo modernizador - que se intensificou na década 1950 -, sem ornamentação, fica clara na amostra dos pedidos de aprovação na Prefeitura da cidade de São Paulo.
(SOMEKH, 1997, p.151).
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Nesta época houve um grande aumento na produção de edifícios residenciais para aluguel. As famílias tradicionais cafeeiras visavam na construção civil, uma oportunidade de auferir lucros por meio da multiplicação do solo urbano. Devido ao ciclo de cultura do café ser muito longo, a construção de edifícios para aluguel era usada como alternativa para períodos incertos das safras. Conforme o decreto 5.491 de 25/06/1920, que instituía a figura jurídica do condomínio, estes edifícios eram construídos "para renda" por um único investidor, proprietário, portanto, de todos os apartamentos geralmente destinados a serem alugados. Esta situação só muda de cenário, em 1942, com a instituição da Lei do Inquilinato - que será visto com mais detalhes no próximo capítulo -. (PINHEIRO, 2008).
O edifício veiculava a imagem de progresso e avanço técnico, gerando uma rentabilidade bem superior à das habitações horizontais de aluguel construídas até então, inclusive por permitir a sobreposição de unidades numa mesma gleba, em vários pisos. (VILLA, 2010, p.1).
Diante da implantação de diversos edifícios na cidade, surgem as primeiras leis para regulamentar a verticalização. Em 1918, um projeto elaborado por Victor Freire, Alexandre de Albuquerque, Ricardo Severo, dentre outros, estipulava um limite de altura das edificações, de acordo com a largura da rua e com a zona em questão. Após inúmeras alterações, o projeto aprovado em 1920, foi chamado de Padrão Municipal (Lei Municipal n. 2.332), sendo que, nesta versão havia uma liberação das alturas das edificações, ideia totalmente contrária ao projeto de Vitor Freire. Em 1921, essa foi atualizada, coibindo a construção vertical fora da área central da cidade. (ZUFFO, 2009). Esta lei foi de suma importância para a cidade, pois era a responsável por permitir a alteração dos gabaritos nas construções, assim:
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Nas vias de mais de 12 metros de largura, permitia- se uma altura de três vezes a largura da rua. Quando a via possuísse de nove a doze metros de largura, a altura seria de duas vezes e meia da largura da via. Quando fosse de nove metros, o prédio no alinhamento teria, no máximo, cinco metros de altura. (HOMEM, 1984, p. 48).
É notório, entretanto, o fato desta lei ter sido burlada em algumas ocasiões, como foi o caso de alguns arranha céus implantados na capital, dos quais podemos citar: Edifício Saldanha Marinho - treze andares (1933); Edifício Martinelli (1929) - vinte e quatro andares e Edifício Altino Arantes (1939) - trinta e cinco andares. 44
Estes eram construídos cada vez mais altos, no intuito de valorização e multiplicação dos valores fundiários, sendo um veículo muito importante para a especulação imobiliária. Apesar de darem a ideia de progresso e modernidade para a população, grande parte destes arranha céus não poderiam ser construídos devido à legislação vigente na época. Ainda que o foco nesta primeira fase ter sido no setor terciário - como visto anteriormente -, aos poucos os edifícios residenciais foram sendo implantados na cidade.
11 Edifício Saldanha Marinho 12 Edifício Martinelli 13 Edifício Altino Arantes
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Merece destaque o Edifício Columbus, projeto do arquiteto - Rino Levi, considerado um dos primeiros grandes residenciais da capital, projetado em 1930, e concluído em 1934, mais de vinte anos após o primeiro edifício comercial da cidade, o Guinle, de 1912. Ambos tinham oito pavimentos. (LORES, 2017). Esta relutância na moradia vertical se perdurou até meados da década de 1950, sendo que "em 1939, havia apenas 813 prédios com elevador na capital, e dois terços eram apenas de escritórios, e em 1945, menos de 1% da população paulistana vivia em apartamentos". (LORES, 2017. p. 60). 46
Com a expansão da cidade em um curto espaço de tempo, e o aumento do número de edificações, foram necessárias algumas intervenções públicas para controle e organização do processo de verticalização e crescimento da capital. Surgiram, assim, o Plano de Avenidas, Código de Obras Arthur Saboya e Lei do Inquilinato - objeto de estudo do próximo item -.
14 Edifício Guinle 15 Edifício Columbus
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2.2
Urbanismo x Verticalização
Diante das inúmeras leis que foram criadas para regular e controlar a verticalização vertiginosa da cidade, o Código de Obras Arthur Saboya1 (1929-1934), foi uma das primeiras medidas que teve grande impacto na construção civil.
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No que compete à questão da verticalização, este código foi visto, “como um divisor de águas, resultado da sistematização de outras leis e posturas que a precederam”. (PIMENTEL, 2006, p.148). A promulgação aconteceu na gestão do Prefeito José Pires do Rio (1926-1930), e foi considerado uma das primeiras tentativas concretas de regulamentação da verticalização na cidade. O Código de Obras estabeleceu um padrão municipal de construção em relação às edificações. “Desde as condições gerais do edifício e especificações do projeto ate o licenciamento e fiscalização da obra.” (LEME, 1982 apud FIGUEROA, 2002, p. 28).
1 O Código leva este nome, em homenagem ao engenheiro Arthur Saboya, Diretor de Obras e Viação, e o responsável pela sua formulação.
Este código sofreu forte influência de modelos urbanos internacionais, como o Plano de Chicago e Building Zone Regulation de Nova York. Com intuito de tentar ser o primeiro zoneamento da cidade de São Paulo, o código propunha em seu Artigo 4, a divisão da capital em quatro zonas: 1. 2. 3. 4.
Primeira Zona ou Central; Segunda Zona ou Urbana; Terceira Zona ou Suburbana; Quarta Zona ou Rural.
A primeira zona (central), a princípio, foi uma das únicas a ter incentivo de adensamento por meio da verticalização, fato que não ocorreu nas outras zonas. Com relação à altura das edificações, permaneceu a relação de largura da via - como na Lei 2.332 (1920) -, porém dependendo da zona em questão, pelo fato de cada uma ter uma especificidade.
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Na zona central, por exemplo, a altura mínima deveria ser de cinco metros, e no máximo duas vezes a largura da via. Se a rua tivesse menos que nove metros de largura, a altura deveria ser de até três vezes a largura da via. Esta regra era uma exceção para a zona central (devido ao incentivo a verticalização), as outras em questão, deveriam ter altura de no máximo uma vez e meia a largura da via. (FIGUEROA, 2002). O código não se limitou apenas à questão da altura das edificações, propunha, também, controlar e restringir os edifícios esteticamente. Dependendo da localização da construção, deveria seguir um padrão estético proposto.
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É livre a composição das fachadas, salvo para os locais em que devido a sua situação especial, a lei estabelece restrições, visando solução de conjunto. É reconhecida a Prefeitura de exigir acabamento adequado para os edifícios visíveis de logradouro, tal seja sua localização. (FIGUEROA, 2002, p.30).
Ficou em vigência até a década de 70, e sofreu diversas revisões ao longo do tempo, sendo de suma importância para o incentivo da verticalização na capital.
Não foram apenas leis, porém, que estimularam o fenômeno da verticalização da cidade, no âmbito urbanístico houve estímulos para tal processo, e tentativa de sanar eventuais problemas de crescimento demasiado. Diante de todas as transformações e expansões desordenadas pelas quais a cidade de São Paulo passou durante meados do século XIX, especialmente no começo do século XX, era notória a saturação da cidade, principalmente no triângulo histórico, e mais adiante no Centro Novo. "Com suas ruas estreitas, irregulares e fortemente acidentadas, o centro, já não suportava a demanda de novos espaços urbanizáveis." (PIMENTEL, 2006, p. 135). Surgiram, a partir deste momento, diversas 'tentativas' urbanísticas com intuito de sanar os problemas da capital. Uma delas foi o Plano de Avenidas de Prestes Maia, concebido em 1930, e considerado um dos planos urbanísticos mais importantes no Brasil, sendo o pioneiro ao estudar e analisar a cidade de São Paulo como uma totalidade, contrapondo-se aos planejamentos anteriores, como dos urbanistas, Vitor da Silva Freire1 e Anhaia Mello2.
1 Vitor Silva Freire propôs uma solução perimetral, constituído por um anel de circulação que abrigava as ruas Líbero Badaró, Benjamin Constant, Boa Vista, Largo de São Francisco, e Pátio do Colégio. Afim de ‘aliviar’ o afogamento do Centro Velho, desviando parte do fluxo para a região das novas bordas. 2 Anhaia Mello foi um dos prefeitos de São Paulo (1930-1931), e tinha muitas influências de planos urbanísticos norte americanos e europeus. Acreditava que a única solução para controlar os problemas urbanísticos da cidade (como automóvel e o arranha céu) eram os modelos norte americanos de regulamentação e zoneamento. Contrapondo se a outros urbanistas da época, Anhaia Mello era contra a verticalização e adensamento excessivo.
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O plano tinha como objetivo, além da melhoria de fluxos urbanos, o aperfeiçoamento real do espaço da cidade, procurando estabelecer eixos urbanos claros, além de produzir espaços de maior qualidade para a capital. (ZUFFO, 2009). Apesar de ter sido proposto em 1930, só foi implantando, - mesmo que parcialmente -, quando Prestes Maia assumiu a prefeitura de São Paulo (1938-1945). Através de uma estrutura radial - perimetral, o plano expandiu a área central, possibilitando o crescimento vertical e horizontal da cidade. Era dividido em duas partes, a primeira 'Perímetro de Irradiação' compreendia em um anel de largas avenidas, envolvendo a área central. Na segunda parte, era chamado de 'Sistema Y' que tinha o objetivo de facilitar o acesso norte/sul da cidade, por isso foram alargadas várias vias públicas. (AZEVEDO, 1954. p. 27).
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Durante este período, a cidade passou por muitas outras reformulações, como a abertura, o alargamento e a criação de novas vias e avenidas, assim como: “A conclusão da Avenida Nove de Julho, e o alargamento do perímetro de irradiação para desafogar o centro: Senador Queiroz, São Luiz, Ipiranga, o prolongamento das avenidas Paulista e Pacaembu e alargamento da Avenida São João”. (SOMEKH, 1987, p. 135).
O Plano de Avenidas teve papel fundamental no incentivo à verticalização, mas por outro lado não previu limites para o crescimento excessivo dos loteamentos na cidade. Ocasionando diversas demolições de um grande número de construções, devido a inúmeras reestruturações para melhoria da capital, causando uma crise habitacional no cenário paulistano.
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16 Esquema teórico do Plano de Avenidas
Como o plano teve grande parte de sua execução na área central, classes de menor renda que anteriormente residiam em cortiços e vilas operárias perto desta área, foram 'relocadas' para locais periféricas da cidade devido à escassez de imóveis baratos na região central. Essa periferização desprovida de equipamentos ou serviços públicos evitou a desvalorização das regiões centrais, ao mesmo tempo que eliminava o gasto com aluguéis do custo da reprodução da força de trabalho. (GALESI, 2002, p. 86). 54
Iniciativas do governo Vargas foram implementadas no setor da moradia, como incentivo à construção da casa própria, barateando o preço da habitação. Outra prática que teve o intuito de ajudar a classe operária foi à criação da Lei do Inquilinato - implantada em 1942, durante o Estado Novo, esta inibiu a produção de edifícios para aluguel (prática muito comum anteriormente). No período que antecedeu esta lei, os investimentos na habitação eram uma ótima opção de renda para os investidores. Segundo Nabil Bonduki:
A construção de moradias de aluguel, de diversos tipos e tamanhos, fora, desde a segunda metade do século XIX, excelente investimento, com rendimento certo e seguro. Além de uma renda mensal, o investidor contava com a excepcional valorização imobiliária ocasionada pela expansão da cidade. Uma casa de aluguel era, ao mesmo tempo, reserva de valor e fonte de renda, e não é por outro motivo que a propriedade imobiliária era tão atraente para os investidores. (BONDUKI, 1998, p. 47).
Tinha como principal objetivo congelamento dos preços dos aluguéis, assim regulamentando a relação entre os inquilinos e proprietários dos imóveis. Esta nova legislação, porém, foi um tanto quanto contraditória. Por um lado trouxe benefícios para a classe trabalhadora, entre os quais uma certa proteção contra possíveis despejos, um risco constante numa época de inflação crescente. Mas ao congelar os aluguéis, conseguiu provocar uma redução considerável da parcela de salário destinada a moradia. (GALESI, 2002,). Como a produção de imóveis de aluguel deixou de ser uma atividade lucrativa, a especulação imobiliária mudou seu foco de atuação e investiu na produção de apartamentos residenciais de classe média para compra e venda. Este cenário caracteriza a segunda fase da verticalização, com foco no setor residencial, e exclusivo para venda - item que será abordado no próximo capítulo.
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Fonte:http://www.skyscrapercity.com/ showthread.php?t=1637697&page=2
C A P Í T U L O
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EXPANSÃO DA VERTICALIZAÇÃO (1940-1960)
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A década de 1950 significou um período crucial não só da história da cidade de São Paulo, mas da história do país. Naquele momento, o sentido de modernidade se torna, mais do que uma meta, um destino á ser edificado pela nação". (XAVIER, 2007, p. 43).
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O período compreendido entre as décadas de 1940 a 1960 foram marcados por um grande desenvolvimento no Brasil, especialmente em São Paulo. Evidenciado pelo progresso nas mais diversas áreas, destacaramse, naquele momento, o crescimento das indústrias, comércios, serviços e, principalmente, da construção civil. Atrelado a este fenômeno, a cidade passou por um grande aumento demográfico e expansão de sua área urbana, por meio de intenso crescimento vertical, até então limitada basicamente ao Centro. Na metade do século XX, a capital já contava com mais de dois milhões de habitantes, chegando em 1954 ao número de 2.817.600 de pessoas, superando o Rio de Janeiro, que, até então, era considerada a cidade brasileira com maior número populacional. (OKANO, 2007). 60
Surgiu, junto com esse crescimento e desenvolvimento exacerbados, “um espírito metropolitano orgulhoso de sua condição desenvolvimentista” (XAVIER, 2007, p. 51), gerando uma série de slogans como, por exemplo: “A cidade que mais cresce no mundo”. Esse lema demonstrava o pensamento progressista da capital naquela época, foi divulgado em diversas manchetes e propagandas comerciais.
ANO 1900
239.820
1920
579.033
2,41%
1930
887.810
1,53%
1940
1.337.644
1,50%
1950
2.198.096
1,64%
1960
2.817.600
1,28%
Tabela de crescimento populacional do século XX, nota se o aumento exacerbado da população absoluta, em um curto espaço de tempo. Fonte: IBGE - Estatísticas do século XX
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Mesmo com o espraiamento da verticalização para outras áreas, como a região Sudoeste na direção das Avenidas Paulista e Nove de Julho, o Centro ainda era o grande alvo deste fenômeno. Com ruas sempre muito movimentadas e congestionadas, assumiu-se então um modelo norte-americano de cidade: "São Paulo passava um padrão de vida metropolitana baseada pela velocidade das relações e intensidade de estímulos". (XAVIER, 2007, p. 53).
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Um dos grandes influenciadores e propagadores da cultura norte-americana foi o cinema, por meio dos filmes e padrões de Hollywood foi intensamente divulgado o modo de morar típico dos Estados Unidos da América, o famoso American Way Of Life, que, por sua vez, exerceu forte influência na cultura dos modos de morar paulistanos. As mudanças, porém, não se limitavam apenas no aspecto cultural, extrapolavam a diversos outros setores da cidade. Antecedendo o IV Centenário de São Paulo (1954), foi criado o programa chamado Plano de Melhoramentos Públicos da Câmara Municipal de São Paulo (1951), que tinha como objetivo preparar a cidade para tal comemoração. “O evento foi tido como uma oportunidade de projetar uma imagem de São Paulo progressista e moderna, fortalecendo o poder dos paulistas.” (ARRUDA, 2001 apud ZUFFO, 2009, p.98).
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17 Cartaz de divulgação do IV Centenário de São Paulo 18 Festejos IV Centenário
Surgiram, assim, inúmeras realizações em prol de uma cidade que contasse com uma série de equipamentos, se igualando às grandes metrópoles internacionais, dentre os quais se destacam: o Parque do Ibirapuera - que seria o palco dos festejos; a compra do Autódromo de Interlargos; criação da Orquestra Sinfônica Municipal; e, a realização de eventos, como, Feira Internacional das Indústrias e II Bienal Internacional de São Paulo (Artes Plásticas e Arquitetura)1.
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Diante de toda a euforia do IV Centenário, acrescida dos inúmeros investimentos feitos na capital, e com a chegada de inúmeras indústrias em São Paulo, o fluxo migratório que já acontecia anteriormente, se intensificou progressivamente com a aceleração do crescimento industrial.2 O aumento na oferta de empregos trouxe para a cidade muitas famílias que buscavam uma melhor condição de vida, contribuindo para a composição da vasta mão de obra da capital. (ZUFFO, 2009).
1 Considerada uma das Bienais mais lembradas dentre as outras edições, ficou conhecida como ‘Bienal da Guernica’ - referência à obra mais famosa de Pablo Picasso. Foi realizada no então recém inaugurado Parque do Ibirapuera, contendo quase o dobro de obras em relação à edição anterior, se estendendo até o ano seguinte, devido as comemorações do IV Centenário de São Paulo. 2
Como mostrado na tabela ao lado
PERÍODO 1930-35
47%
23,9%
10,3%
1935-40
43,2%
29,9%
9,6%
1940-45
37,1%
36,1%
10,2%
1945-50
35,9%
37,5%
10,9%
Tabela de mudanças da economia brasileira - de agricultura de exportação para produção industrial Fonte: Tais Lie Okano, 2002, p. 34
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Apesar da cidade, ter passado, naquela época, por grande progresso e desenvolvimento, surgiram inúmeros problemas urbanos a serem superados. O grande crescimento populacional veio acompanhado de uma enorme carência habitacional, bem como a falta de transporte público adequado, comprometendo a população paulistana de menor renda. (ZUFFO, 2009).
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A crise habitacional se agravou após a promulgação da Lei do Inquilinato (Decreto-Lei nº 4.598, de 20 de Agosto de 1942), onde grande parte da população de menor renda deixou de lado a moradia de aluguel, e se propagou o processo de casas autoconstruídas (favelas e assentamentos ilegais) ou a construção de conjuntos habitacionais em locais periféricos da cidade. As desigualdades se acentuavam e a segregação sócio-espacial se manifestava na cidade de forma clara: grande concentração de ricos no vetor sudoeste e grande concentração de pobres nas periferias, em todas as direções. Enquanto as áreas nobres da cidade prosperavam, as regiões mais periféricas careciam de estrutura e saneamento básico. (ZUFFO, 2009, p.106).
Diante desse contexto, tanto a classe média como a classe de menor renda, mesmo após muita relutância, passaram a morar em edifícios residenciais, que ganharam destaque na capital naquela época. Esses prédios se configuravam como uma nova opção de moradia, mais coerente com o momento, exprimiam modernidade e praticidade para grande parte da população paulistana. Os famosos casarões da burguesia e elite cafeeira foram, paulatinamente, demolidos e substituídos por edifícios residenciais ou galerias comerciais, em sua grande maioria seguindo os preceitos modernos, intensamente divulgados naquele período.
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A segunda fase da verticalização, ocorrida entre 1940 e 1960, foi denominada por estudiosos, tais como, a Profa. Dra. Nádia Somekh, de verticalização norte-americana. Contrapondo-se ao período anterior, quando a cidade era considerada compacta e de verticalidade moderada, o padrão construtivo valorizado passa a ser o estadunidense, sinônimo de cidade congestionada e vertical, com ênfase no setor residencial. Alguns arquitetos se destacaram nesta nova fase, produzindo obras de grande relevância para a cidade, como: Oscar Niemeyer, Franz Heep, Artacho Jurado, entre outros.
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Surgiram, portanto, novas tipologias de edifícios que não eram muito comuns no período anterior, como as quitinetes e os edifícios de uso misto. As quitinetes começaram a ganhar destaque em 1950, suas unidades habitacionais variavam de 25 m² a 40 m² com um programa que se desenvolvia em um único espaço multifuncional. “Essa tipologia destinava-se à classe média emergente que não tinha possibilidade de adquirir um bem de porte maior em locais privilegiados como o Centro”. (ROSSETTO, 2002, apud OKANO, 2007, p. 101). Destacam-se os edifícios Icaraí (Pç. Roosevelt, 128 - 1953) e Araraúnas (Av. São João, 1833 - 1958), pelo seu layout tão inovador para a época, ambos do arquiteto Adolf Franz Heep.
19 Edifício Araraúnas 20 Edifício Icaraí
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Os edifícios multifuncionais, muito comuns na década de 1950, eram chamados, também, de edifícioscidade, pois englobavam, em sua maioria, os seguintes usos: habitação, comércio e serviços. Tinham alto grau de aproveitamento do lote, pois, até então, a legislação era bastante genérica permitindo uma intensa verticalização e o surgimento de grandes prédios como o Copan projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em 1951, localizado na Av. Ipiranga (OKANO, 2007).
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A partir da construção desses novos edifícios e suas tipologias – inusitadas para a São Paulo daquela época – surgem novas leis e regulamentações para controle da verticalização na cidade. Alteram-se as regras de altura das edificações, ao contrário do período anterior, a verticalidade não era mais limitada pela largura das vias, e sim pela ocupação máxima de acordo com o tamanho do terreno. Somente no ano de 1957 foi criada uma legislação1 que, de fato, tinha o intuito de conter em partes a expansão urbana, tanto vertical como horizontal. Com a lei 5.621 mudaram-se as regras de altura das edificações, ao contrário do período anterior, a verticalidade não era mais limitada pela largura das vias, e sim pela ocupação máxima de acordo com o tamanho do terreno.
1 Este cenário seria alterado após 1957 com o surgimento de novas leis mais especificas, criando os coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação dos lotes com o intuito de regulamentar a verticalização. 21 Edifício Copan em construção na década de 1950
21
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A partir de sua promulgação instituiu-se o Coeficiente de Aproveitamento (C.A.) que regulamentou a permissão, para edifícios residenciais, de se construir quatro vezes o tamanho do terreno, e em caso de edifícios comerciais, seis vezes o lote. Em alguns casos, como era de costume, principalmente naqueles edifícios considerados icônicos, essa lei foi burlada. A diferença entre os coeficientes gerou uma prática muito comum entre os empreendedores: mudar o uso do edifício após sua aprovação. 72
Prédios para uso comercial, e até hospitais prevalecendo, portanto, o coeficiente de aproveitamento 6, e após a obtenção do habite-se eles se tornavam prédios de apartamentos cujo coeficiente, para construção, seria quatro. (SOUZA, 1994, p. 225).
Outra norma que merece destaque na tentativa de controle da verticalização foi o Ato 1.366 que exigia os recuos obrigatórios no topo de alguns edifícios, causando um escalonamento chamado muitas vezes de 'bolo de noiva', essa nova legislação interferiu na paisagem paulistana, em exemplos que vemos até hoje como, o Edifício Maracaí (1953) e Estados (1953) ambos localizados na Av. Nove de Julho.
A linguagem arquitetônica existente nesses edifícios era completamente distinta da fase anterior. O que antes era apreciado, como a ornamentação, na década de 1950 passa a ser repudiado. O gosto predominante era de linhas retas e sem adornos, difundindo-se, assim, a Arquitetura Moderna. Nesse contexto, “a verticalização modernista buscava criar tipologias racionalistas adequadas ao mercado e a legislação paulistana". (OKANO, 2007, p.106). Apesar dos preceitos do Movimento Moderno terem sido difundidos na capital a partir de meados da década de 1920 por meio dos projetos residenciais de Gregori Warchavchik, essa linguagem arquitetônica só se tornou comum em meados da década de 1950, sendo responsável por significativas alterações na paisagem urbana e cotidiano da população. Essas transformações aconteceram durante um período de grandes mudanças sociais, culturais e econômicas, motivando a população a adquirir novos hábitos e modos de viver. A cidade dos anos 50 havia perdido as feições acanhadas das primeiras décadas, marcadas pela economia cafeeira, pela arquitetura de estilos e pelos costumes centenários para ganhar ares renovados. A sequencia de chaminés e edifícios altos desenhava uma nova paisagem urbana, que associada às mudanças sócio econômicas e culturais transformavam a vida na cidade e davam a São Paulo o contorno definitivo de metrópole. (ALEIXO, 2005, p. 73).
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Conceitos como os cinco pontos da nova arquitetura1 de Le Corbusier foram empregados nos mais variados edifícios implantados na paisagem urbana paulistana. O Edifício Esther, projeto dos arquitetos Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho (1938), localizado na Praça da República, foi um dos grandes pioneiros na propagação dessa arquitetura ao utilizar os princípios corbuserianos vinculados à racionalidade arquitetônica. Com a procura cada vez maior por edifícios residenciais e por esse ‘novo modo de morar moderno’, começaram a ganhar destaque, também, os conjuntos habitacionais2, que em grande parte eram financiados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAP’s). Por meio dos IAP’s, diversas famílias se acomodaram em edifícios modernos, incentivando esse novo modo de morar, como por exemplo, no Edifício Japurá, projeto do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, que possui 310 unidades habitacionais, 74 sendo um projeto muito inovador para a época, devido a mescla de layouts em um só edifício, que variam entre apartamentos de quitinetes a duplex.
1 O arquiteto franco-suísso Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), conhecido pelo pseudônimo de Le Corbusier, exerceu papel fundamental para a divulgação da Arquitetura Moderna. Elaborou, dentre outras teorias, na década de 1920, os cinco pontos para uma nova arquitetura, sendo eles: Planta livre, Fachada livre, Janela em fita, Terraço jardim, Pilotis. 2 Diferente da nossa realidade atual, onde grande parte dos conjuntos habitacionais apresenta má qualidade projetual, na década de 1950 o contexto era outro, e em sua maioria, os conjuntos habitacionais eram muito bem pensados e muitas vezes requisitados não só pela população menos abastada, como por pessoas da classe média. 21 - Edifício Japurá
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Diante do esgotamento do Centro Histórico, por ter sido uma das primeiras regiões a se verticalizar, e estes edifícios com desenho predominantemente moderno, vão sendo destaque em outras regiões, com foco no Centro Novo, Higienópolis, Av. Paulista, dentre outros. Como exemplo, temos o edifício Copan Oscar Niemeyer (1951), e o Conjunto Nacional - David Libeskind (1955), localizados no Centro Novo e Av. Paulista respectivamente.
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Essa fase grandiosa e de grande qualidade arquitetônica, só mudou de cenário a partir de 1967, devido à criação do BNH (Banco Nacional de Habitação), onde foram financiados diversos empreendimentos residenciais para a classe média. Devido a este fato, a produção de edifícios passou a ser replicada e padronizada, fato comum até nos dias de hoje, e como consequência direta dessa repetição desenfreada pode-se notar uma perda de qualidade nos projetos arquitetônicos residenciais. Ao mesmo tempo, a moradia vertical já havia se consagrado como prática de incorporação, como técnica construtiva e como opção habitacional para as camadas médias urbanas e não dependia mais do pioneirismo racionalista, nem da legitimidade conferida pela produção modernista de melhor nível. Assim, de certa maneira, encerrava- se o período áureo da verticalização residencial moderna em São Paulo. (ZUFFO, 2009, p. 111).
O período estudado, portanto, aquele que se refere à intensa verticalização da cidade de São Paulo, ocorrida entre as décadas de 1920 a 1960, foi considerado uma fase muito importante tanto para a paisagem urbana da capital paulista, como para a arquitetura - principalmente para a divulgação da profissão e de seus representantes. A partir daquela época surgiram diversos exemplares significativos de edifícios emblemáticos para a arquitetura paulistana, que se incorporaram à paisagem e são entendidos como símbolo dessa cidade, usados como referências até os dias atuais.
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C A P Í T U L O
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ESTUDO DE CASOS
A ESCOLHA DOS EDIFÍCIOS Com o intuito de compor e caracterizar o estudo de casos foram selecionados três edifícios na região do Centro Novo, de diferentes arquitetos. Busca-se, com isso, exemplificar o objetivo de estudo dessa pesquisa: os novos modos de morar, e, principalmente, compreender como estes se consolidaram na verticalização. Os edifícios são:
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• • •
Edifício Esther, arquitetos Adhemar Marinho e Álvaro Vitar Brazil; Edifício Araraunas, arquiteto Adolf Franz Heep; Edificio Japurá, arquiteto Eduardo Kneese de Mello.
Para a seleção dos edifícios, foram estipulados alguns critérios, tais como: • • • •
Terem sido construídos no período de análise, entre as décadas de 1920 a 1960; Possuírem características da Arquitetura Moderna; Estarem localizados na área do Centro Novo de São Paulo; Terem sido inovadores para a verticalização da cidade.
Os edifícios foram analisados em ordem cronológica e identificados por uma ficha técnica contendo: arquiteto, ano de construção, endereço, bairro, cidade, números de pavimentos, área do terreno, área construída e tombamento. Além dos critérios em comum listados acima, foram selecionados, também, buscando layouts que exemplificam esses novos modos de morar, e seus usos, sendo que, um mescla unidades habitacionais e escritórios, o seguinte conta com apartamentos de quitinetes (opção muito difundida na década de 1950), e por fim, um conjunto habitacional. O objetivo desta análise é identificar as inovações que aconteceram nos modos de morar daquela época, e, ainda, como esses edifícios trouxeram inúmeras soluções arquitetônicas que são usadas até hoje (e que muitas vezes erroneamente são consideradas 'inéditas'). Pretende-se, consequentemente, demonstrar como esses edifícios foram pioneiros para a moradia vertical da população paulistana, e, ainda, como as décadas de 1920 a 1960 foram importantes para a arquitetura e para processo de verticalização da cidade.
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Edifício Esther Ficha Técnica
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Arquitetos: Álvaro Vitar Brazil e Adhemar Marinho Ano: 1938 Endereço: Praça da República, 32 Bairro: República Cidade: São Paulo
Dados do Edifício Número de Pavimentos: 10 Área do terreno: 2100 m² Área construída: 10.000 m² Tombamento: CONPRESP (1992) - CONDEPHAAT (1985)
1
2 1 Planta Pisos 1,2 e 3 2 Planta Piso 4
3 83
4 3 Planta Pisos 6 4 Planta Piso 7
7
5 84
6 5 Planta Piso 9 6 Planta Piso 10
7 Corte
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9
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8 Elevação 9 Corte Esquemático
10 O edifício Esther, projeto dos arquitetos Álvaro Vitar Brazil e Adhemar Marinho, localizase na região da Praça da República, em um terreno privilegiado do Centro Novo, bem em frente à Praça, entre as ruas Barão de Itapetininga, Sete de Abril, e Gabus Mendes. Ganhador de um concurso, o projeto vencedor foi executado na década de 1930, sendo de suma importância para a verticalização por ter sido um dos primeiros edifícios modernos e verticais da cidade de São Paulo. O edifício marcou o período do deslocamento de diversas atividades do Triangulo Histórico para o Centro Novo, como afirmou Yara Vicentini: “[...] um bom negócio, além de moderno, que participou do processo de transformação em curso na cidade, marcando o deslocamento de sua centralidade”. 86
De acordo com a legislação vigente na época, o Código de Obras Arthur Saboya, o entorno ainda não era permitido construir em grandes alturas, porém com algumas revisões na lei, o Esther é construído com dez pavimentos, em uma área que ainda era predominantemente horizontal, assim, destoando de seus arredores, que até então, em sua maioria, era composto por casas de até dois pavimentos. De início, o Esther seria construído, para abrigar a sede de algumas empresas - como a Usina Esther -, do proprietário do terreno, Paulo Almeida Nogueira. Porém, visando à rentabilidade de seu edifício, Nogueira propôs unidades habitacionais e comércios, que ‘auxiliariam’ nas despesas do edifício.
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11 A principio foram apresentadas duas propostas: uma em 1934, e outra em 1936, sendo que, na proposta inicial não foram previstos apartamentos duplex, e sua fachada não possuía as faixas de vidrolite, assim, o projeto aceito foi o de 1936, contando com grande parte das características que vemos até hoje. Resolvido o anteprojeto o Esther foi construído. Como sua inserção no lote era bem específica, fez-se necessário a abertura de novas vias, visando ‘retangulizar’ o terreno, deixando o edifício alinhado ao lote, como era imposto no Código de Obras Arthur Saboya. O edifício ocupa só a parte da frente do terreno, permitindo o acesso, pela via dos fundos, a outro prédio: o Arthur Nogueira, também projetado por Álvaro Vitar Brazil. (GALESI, 2002). Sua arquitetura foi influenciada pelos cinco pontos da Nova Arquitetura que foram difundidos pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier a partir de meados da década de 1920, com algumas ressalvas. Alguns destes princípios arquitetônicos – planta livre, janelas em fita, terraço-jardim, e estrutura independente – podem ser observados, claramente, no projeto elaborado pelos arquitetos Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho, com exceção do térreo livre, que não consta no projeto do edifício. O maior desafio desses arquitetos foi: “atender as exigências de um programa complexo explorando as possibilidades construtivas abertas na época e desenvolvendo suas potencialidades formais”. (GALESI, 2002, p. 159).
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12 O edifício foi projetado para abrigar uma mescla de tipologias habitacionais e salas de escritórios, do qual três andares abrigam as salas de escritórios, sendo 23 módulos de trabalho por andar, com dimensão de 3m x 7.5m (largura x profundidade), sendo que, sua circulação é independente dos apartamentos. (ATIQUE, 2004). Com relação às unidades habitacionais, o edifício possui uma grande diversidade de layouts que vão do quarto ao décimo andar, totalizando 50 exemplares residenciais. Ao total são sete tipos de plantas, a saber:
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1 (12) sala/dormitório - 30 m² 2 (8) 1 dormitório - 35 m² 3 (16) 2 dormitórios - 73 m² 4 (8) 1 dormitório - 50 m² 5 (8) 3 dormitórios - 102 m² 6 (8) 3 dormitórios - 153 m² 7 (2) 3 dormitórios - 177 m²
No quarto andar estão localizadas as quitinetes e apartamentos de dois dormitórios, as unidades menores (30 e 35m²) são desprovidas de cozinha, e, em sua maioria, são ocupados por solteiros, recém-formados ou em início de carreira. Já os demais apartamentos, contam com cozinha, e apresentam quase sempre a mesma configuração nas áreas de serviço, como afirma Atique:
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13 Um retângulo azulejado com uma pia embutida em superfície de trabalho e circulações que permitem lê-la como mediadora entre as áreas de serviço e a esfera pública da casa. A cozinha de um apartamento no Esther, contava com certas ‘regalias’ raras no Brasil, como presença de água quente e fria, bem como de aparelhos sonoros capazes de sinalizar, para a empregada doméstica, qual cômodo da casa estava necessitando de seus serviços. (ATIQUE, 2004, p. 180).
Do quinto ao oitavo andar temos unidades de dois ou três dormitórios e no nono e décimo pavimentos encontram-se as quatro unidades duplex, que são uma das tipologias mais famosos do edifício, mas ao mesmo tempo, uma das mais controversas, como contesta Atique: Apesar de trazer em seu bojo elementos plásticos advindos das teorias de Le Corbusier - os quais se tornaram bem caros ao modernismo arquitetônico -, o apartamento duplex do edifício Esther é, na realidade, uma variação do apartamento burguês do século XIX. (ATIQUE, 2004, p. 183).
O objetivo dos arquitetos era de inovar nesse tipo de planta, mas infelizmente, acabaram reproduzindo programas que a população já conhecia, como a tripartição burguesa usada nos duplex-. O edifício foi pioneiro em muitos aspectos, especialmente naqueles vinculados às questões arquitetônicas como visto no decorrer do texto. Entretanto, sabe-se que a moradia em edifícios verticais, de início, não foi bem aceita pelos paulistanos. Por ser composto por janelas muito extensas, com vista para a Praça da República, o Edifício Esther, assim como alguns outros, foi considerado ‘imoral’ por parte da população, alegando que as famílias ficariam muito expostas.
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14 Após a aceitação da verticalização no uso residencial, o edifício passou por uma nova ‘crise’ na década de 1960, quando a Usina Esther desocupou o prédio e perdurou por quase três décadas. Atualmente, o Esther ganhou destaque graças à requalificação ocorrida no Centro, que promoveu uma renovação, não só em seu entorno, como no edifício. O Edifício Esther, mesmo com algumas ressalvas e críticas, teve papel fundamental na disseminação da Arquitetura Moderna no Brasil, por ter sido um dos primeiros edifícios projetado com base nos princípios de Le Corbusier, e pioneiro em abrigar uma mescla de residências, escritórios, e comércio em um mesmo edifício. Propiciou grandes inovações não só para cidade, como também, para todos os seus moradores. 94
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Edifício Japurá Ficha Técnica Arquitetos: Eduardo Kneese de Mello Ano: 1945
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Endereço: Rua Japurá, 55 Bairro: Bela vista Cidade: São Paulo Dados do Edifício Número de Pavimentos: 16 Área do terreno: 6.668 m² Área construída: 28.925 m² Tombamento:
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1- Jardim 2- Playground 3 - Areia 4- Lago 5- Garagem 6 - Cozinha 7 - Restaurante 8 - Elevador 9 - WC Masculino 10 - WC Feminino
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15 Planta Subsolo
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1 - Cozinha 2- Sala 3- Lojas 4- Elevadores 5 - Circulação 6- Poço 7 - Corredor 8 - Escada 9 - Vazio 10 - Paisagismo
16 Planta Andares Ímpares
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1- WC 2- Banho 3 - Dormitório 4 - Elevadores 5- Circulação 6 - Poço 7 - Sala 8 - Corredor
17 Planta Andares Pares
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18 Fachada Principal
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19 Fachada Posterior
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20 Planta Apartamentos Duplex Tipo 1 21 Planta Quitinetes
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22 Planta Apartamentos Duplex Tipo 2
23 O edifício Japurá (1945 projeto/ 1957 final da construção), projeto do arquiteto Eduardo Kneese de Mello para o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI1) , localiza-se na região central da cidade de São Paulo, mais especificamente na Rua Japurá, e como afirma Nabil Bonduki: "foi um dos pioneiros a empregar os conceitos de, mais especificamente na Rua Japurá, e foi um dos pioneiros a empregar os conceitos de 'Unite D' Habitation'2 de Le Corbusier". (BONDUKI, 1998, p. 172). O terreno onde foi implantado abrigava, anteriormente, um complexo de cortiços, chamado de Vila Barros e era composto por alguns edifícios, entre eles: Pombal, Vaticano, Navio Parado e Geladeira. O edifício foi construído na depressão do antigo córrego do Bexiga, sendo que este foi canalizado sob o prédio. Seu formato assemelha-se à implantação do antigo cortiço 104 'Navio Parado' possui uma volumetria curva, acompanhando a forma das curvas de nível do terreno. Suas principais características são: Edifício lamina suspenso por pilotis sobre área de lazer, com estrutura aparente e independente da vedação, marcação da circulação e das aberturas horizontais na fachada, terraço jardim e equipamentos de serviço como prolongamentos da moradia. (ELIANE, 2003, p. 98)
1 O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) foi criado em 1936 durante o Estado Novo e, após 1945, expandiu suas áreas de atuação, passando principalmente a financiar projetos de habitação popular nas grandes cidades. 2 As Unités d’Habitation são grandes edifícios modulares projetados pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier.
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24 Este grupo de cortiços era um forte símbolo da produção rentista e caracterizado pela precariedade, irregularidade, insalubridade e promiscuidade, perduraram até a década de 1940, sendo demolidos, somente, para dar lugar ao Edifício Japurá. O conjuntos destes cortiços foi visto, a partir do governo varguista, como um símbolo de um modo de vida que o Estado Novo procurava apagar, na tentativa de criar uma nova imagem para o país: a imagem de um país moderno e de um Novo Homem, cujos hábitos definidos a partir do padrão da burguesia favorecessem um cotidiano compatível com o progresso da era industrial. (p.94)
A área onde encontra-se o edifício era muito desvalorizada, naquela época, devido à presença dos cortiços, porém, com a implantação do Plano de Avenidas durante a gestão do então prefeito Francisco Prestes Maia (1938-1945) e a subsequente demolição dos cortiços, foram construídas novas avenidas e viadutos neste local. Essas ações faziam parte do Perímetro de Irradiação 107 proposto pelo próprio Prestes Maia anos antes e visavam incentivar o objetivo principal do plano: a renovação destas áreas. Dessa maneira, o projeto do Edifício Japurá foi desenvolvido com apoio da Prefeitura que visava à requalificação daquela área, e foi promovido pelos IAPI, com intuito de oferecer moradia digna para os trabalhadores das indústrias, pessoas com menor poder aquisitivo. Esse novo modo de morar buscava alterar os hábitos e costumes daquela população, sendo que, as unidades habitacionais tinham a finalidade de abrigar os contribuintes do IAPI que trabalhavam em indústrias nas proximidades do edifício, afim de que o trajeto trabalho-moradia pudesse ser feito a pé.
25 Para maximizar o aproveitamento do terreno, foi criado um subsolo, com algumas vagas para os moradores, e abrigaria também, restaurante, lavanderia, uma área destinada às crianças do edifício e uma pequena piscina. O edifício é composto por dois tipos unidades habitacionais, sendo, 288 apartamentos duplex com dois dormitórios, e 22 quitinetes. Possui, ainda, uma área destinada à espaços comerciais e de serviços, que eram chamados pelo próprio arquiteto de 'peças complementares', estas seriam locais acessíveis para os moradores do edifício usufruírem, contando com locais de recreação infantil, garagem, restaurantes, farmácias, dentre outros. Os apartamentos de tipo duplex estão localizados no volume principal do edifício, e foram 108 criados visando um melhor aproveitamento na verticalização do edifício, e graças a eles, pode se verticalizar mais dois andares do prédio, de acordo com a legislação da época, como o próprio arquiteto apontou suas vantagens: • Aumento de dois andares no edifício dentro do gabarito determinado pelo Código de Obras Arthur Saboya; • Redução de 50 cm de altura em cada dois pavimentos; • Supressão do corredor comum aos andares destinados ao dormitório; • Estando todos os banheiros localizados sobre o corredor central, cada poço de ventilação pode servir a quatro banheiros por andar, além disso, suas dimensões podem ser reduzidas, visto que há só banheiros em cada segundo andar; • Separação entre os cômodos que tem contato com o exterior (sala e cozinha) e os dormitórios, tornando estes mais privativos e confortáveis;
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• Não havendo corredor comum nos andares destinados a dormitórios, o número de paradas dos elevadores fica reduzido á metade tornando-os mais econômicos e eficientes; • Economia de mais de 12 mil metros cúbicos de construção em comparação a um edifício que fosse projetado com 16 andares de três metros de pé direito e com corredor em todos os pavimentos. (KNEESE DE MELLO, 1948 apud REGINO, 2010, p.177). Estes são providos de dois dormitórios, variando seu layout entre 58 a 65 m², divididos entre o andar de baixo com: sala, cozinha, dispensa, hall de escada e porta chapéus. Já no andar de superior, encontra se os dois dormitórios, banheiros e hall de escada. Sob o patamar da escada, foi previsto um segundo patamar, que serviria como depósito de malas ou recanto de costura. As quitinetes, previstas para os trabalhadores solteiros do IAP, tem dimensão de 20 m² e contam com banheiro e sala/quarto. Em sua cobertura, Kneese utilizou de outro recurso inspirado nas ideias de Le Corbusier, o terraço jardim, que seria de uso exclusivo de lazer para os moradores, e projetado com uma marquise curva, trazendo um jardim elevado para o edifício e formando uma espécie de mirante para o Centro da cidade. (REGINO, 2010). O Edifício Japurá foi pioneiro em vários sentidos tanto arquitetônicos como urbanísticos, e usou conceitos que se repetiriam em muitos exemplares residenciais posteriormente. O arquiteto, diferente de grande parte dos casos de hoje em dia, não deu ‘menos importância’ por ser um conjunto habitacional, muito pelo contrário, pois projetou um edifício inovador para sua época. Atualmente, recém-reformado, o volume principal tem uso residencial para uma população de classe média e o volume menor do prédio está desativado, mesmo com grande parte de seus equipamentos terem sido desativados, o edifício agora conhecido como, Edifício Dr. Armando Arruda Pereira, ainda oferece moradia de qualidade aos seus moradores.
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Edifício Araraúnas Ficha Técnica Arquitetos: Adolf Franz Heep Ano: 1953
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Endereço: Avenida São João, 1821 Bairro: República Cidade: São Paulo Dados do Edifício Número de Pavimentos: 15 Área do terreno: 609 m² Área construída: 6.152 m² Tombamento:
1 Acesso Social 2 - Área Descoberta 3 - Acesso Serviço 4 - Lojas
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1 Apartamento 42 m² 2 Quitinetes 25 m²
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2 Quitinetes 23 m²
29 27 Planta Térreo 28 Planta 1º a0 13º pavimento
2 Quitinetes 39 m²
30 29 Planta 14º pavimento 30 Planta 15º pavimento
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31 Corte AA 32 Planta Quitinete 25 m ²
1 - Banho 2 - Mini Cozinha 3 - Sala Living 4 - Terraço
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1 - Banho 2 - Cozinha 3 - Dormitório 4- Sala 5 - Terraço
2 1 3
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33 Planta Quitinete 39 m ² 34 Planta 42 m ²
1 - Dormitório 2 - Banho 3 - Cozinha 4- Sala Estar/ Jantar
35 O edifício Araraúnas (1955), projeto do arquiteto alemão, radicado no Brasil, Adolf Franz Heep, localiza- se na região do Centro de São Paulo, mais especificamente na esquina da Alameda Glette com a Avenida São João1 . Esta foi considerada uma das avenidas mais importantes da cidade, por essa razão foi uma das primeiras vias pavimentadas na cidade. O terreno, onde foi implantado o edifício, contava com uma área de 570 m² distribuídos em um formato irregular, o que acabou por influenciar diretamente na forma do Araraúnas. O prédio possui quinze andares mais o térreo, sendo que, os dois últimos pavimentos são escalonados devido à legislação da época - Ato 1.366 do Código de Obras Arthur Saboya - que exigia recuos nos topos dos prédios, permitindo a construção de mais andares. 116 O gabarito do Edifício Araraúnas, diferente do Edifício Esther não causou espanto aos paulistanos e, muito menos, discrepância com relação à paisagem urbana. Isso se deve pelo fato dos prédios localizados em seu entorno terem sido construídos, em sua maioria, na mesma época (década de 1950). O térreo do edifício é composto por seis lojas, das quais cinco delas possuem acesso pela Avenida São João, e apenas uma localiza-se na esquina da Alameda Glette. O subsolo não foi projetado para veículos, portanto é desprovido de elevadores para os usuários. Funciona apenas como estoque das lojas.
1 Segundo o Arquivo Histórico de São Paulo a Avenida São João sofreu sucessivas reformas, entre 1910 e 1937, nas quais foram realizados alargamentos e prolongamentos. Numa de suas últimas reformas, entre as décadas de 1980 e 1990, a construção do novo “Vale do Anhangabaú” alterou o seu início, dando origem ao “Boulevard São João”.
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Com relação às unidades habitacionais, o edifício possui, predominantemente, quitinetes com variação em seus tamanhos. Sabe-se que essa tipologia foi muito usada na década de 1950, devido ao fato da população optar por uma melhor localização do imóvel, ao invés do tamanho de sua planta. Ao total são cinco tipos de plantas, distribuídas da seguinte maneira: do primeiro ao décimo terceiro pavimento onze unidades de 25 m² e uma de 42 m²; décimo quarto pavimento dez unidades de 23 m²; e no décimo quinto pavimento cinco unidades de 39m². A primeira tipologia das quitinetes, de 25 m², está situada na parte curva do edifício voltada para a Avenida São João. O seu acesso se faz por meio de um corredor, ventilado e iluminado por cobogós, para o qual grande parte dos caixilhos de cozinha e banheiros estão voltados. Por essa razão criou-se a necessidade de uma maior ventilação, feita por meio dos elementos vazados. Essas unidades são providas de: cozinha, banheiro (muitas vezes usados, também, 119 como área de serviço), sala e terraço com caixilho piso-teto. As quitinetes de 23 m² possuem quase a mesma disposição, altera-se apenas sua metragem devido ao escalonamento nos dois últimos andares. Estas quitinetes são consideradas as menores unidades habitacionais projetados por Heep em São Paulo. (LUCCHINI, 2010, p. 180)
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As unidades maiores, com dimensões que variam entre 39m2 e 42 m², correspondem aos apartamentos voltados para a Alameda Glette e Avenida São João, respectivamente. Essas unidades habitacionais são providas de: hall, sala de estar junto com sala de jantar, dormitório, cozinha e banheiro. O Edifício Araraúnas teve papel fundamental na verticalização e disseminação desse novo modo de morar: as quitinetes. Incentivou a população a morar no Centro independente das reduzidas dimensões das unidades habitacionais. 120
Apesar de sua importância arquitetônica, o edifício encontra-se, nos dias de hoje, extremamente descaracteriza quando comparado ao projeto original. A situação se agravou com a implantação do Elevado Presidente João Goulart no final da década de 1970, pois essa via elevada foi construída a, apenas, seis metros da fachada principal, obstruindo a visão de parte dessa fachada. Os caixilhos colocados em modelos e cores aleatórias é o que mais descaracteriza o projeto, que a principio, eram pintados todos na cor branca.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante o desenvolvimento deste trabalho o objetivo principal da dissertação era compreender como o processo de verticalização se consolidou na cidade de São Paulo e, também, entender como aconteceu a transição das residências unifamiliares para os edifícios residenciais (coletivos), resultando nesses novos modos de morar dos paulistanos entre as décadas de 1920 a 1950. A São Paulo que precedeu o processo de verticalização tinha uma fisionomia completamente distinta da paisagem urbana observada nas décadas seguintes, especialmente a partir de 1950. Durante muito tempo a capital do café foi considerada um pequeno burgo, tendo como principal meio de transporte 122 os bondes, e com uma paisagem preponderantemente horizontal. Com o incentivo da industrialização, após a crise cafeeira, a cidade se transformou abruptamente, em um curto período de tempo, tanto na extensão da sua área urbanizada quanto no crescimento populacional. A cidade que anteriormente era classificada como pequeno burgo, 'ganhou' não só diversos arranha céus em sua paisagem, como novos hábitos, transformando-se, muito rapidamente, em uma das mais importantes metrópoles do País.
Os primeiros arranha céus foram implantados na paisagem paulistana em terrenos situados no Triângulo Histórico, com predominância de uso terciário, pelo fato de que, os edifícios residenciais não foram muito bem aceitos pela classe média, costumavam alegar que o morar vertical e coletivo era um hábito promíscuo. Esse período de predomínio terciário se iniciou a partir da década de 1920, perdurando até meados da década de 1940. A arquitetura daquela época, considerada a primeira fase de verticalização, era predominantemente Eclética (Art Déco e Art Noveau) com fortes influências europeias, principalmente francesas, tanto no modo de construir com inúmeros ornamentos e adornos presentes na edificação, 123 como no modo de morar (setorização haussmaniana). São Paulo começou, portanto, a 'ganhar' seus primeiros exemplares verticais em sua paisagem no Triângulo histórico, sendo que, este processo se intensificou no início da década de 1950 permanecendo até meados da década de 1970, mudando o foco da verticalização para o Centro Novo.
Esse período é considerado por muitos estudiosos, entre eles a arquiteta Nadia Somekh, como a segunda fase de verticalização paulistana, com caráter predominante residencial e fortes influências norte americanas. Foi o momento em que a Arquitetura Moderna Brasileira se consagrou com suas linhas mais sóbrias e ângulos retos, ressaltando ausência de ornamentos. Neste contexto, a população buscava cada dia mais, o ser moderno, alterando seus hábitos e modos de morar. Foi quando os apartamentos ganharam destaque como uma nova opção de moradia, permanecendo até os dias de hoje. A verticalização, portanto, foi introduzida em São Paulo, como uma 'saída' para uma cidade que apresentava grande parte de sua infraestrutura concentrada no Centro, incentivando a população de classe média e operários a habitar naquele local e seus arredores. 124 É curioso notar, dentro do recorte temporal estudado, a grande quantidade de projetos arrojados e inovadores para a época, com exemplos admirados até os dias de hoje, como é o caso do Conjunto Nacional, Copan, Edifício Louvre, entre tantos e tantos outros. Foram muitos os projetos desenvolvidos, na década de 1950, que demonstraram grande preocupação com a cidade, não estavam fechados em si, mas abertos a se relacionar com o espaço urbano em seu entorno. A preocupação do arquiteto não residia na beleza da construção, voltava-se para as questões mais humanas e sociais. Durante a realização dessa pesquisa diversas indagações surgiram. Para algumas, respostas foram atingidas, para outras nem tanto. Ainda nos questionamos sobre os motivos que levaram os arquitetos, na década de 1950, a projetar edifícios inovadores e diferenciados, independente da classe social, visando (quase) sempre benefícios à cidade?
Essa é uma inquietação que nos aflige, pois nos dias de hoje temos uma realidade totalmente discrepante daquela vivida cinquenta anos atrás. O que vemos, atualmente, é uma produção arquitetônica em massa, padronizada, visando quase que exclusivamente o lucro do mercado imobiliário. Por meio desse estudo pudemos entender que o processo de verticalização foi algo necessário para a cidade, não necessariamente no curto período de tempo em que ocorreu e nem da maneira abrupta como foi concretizado, mas foi sim muito importante para o desenvolvimento de um pensamento arquitetônico voltado às questões sociais e dos modos de morar. Para a cidade de São Paulo aquela geração de arquitetos deixou um legado constituído por projetos icônicos, muitos deles usados como símbolo de progresso e modernidade. Terminamos esse trabalho com uma questão: será que nós arquitetos e urbanistas regredimos?
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LISTA DE IMAGENS Imagem 1: Estaçãoo Julio Prestes - Fonte: http://caiuby.com.br/estacao-da-luz-pinacoteca-estacao-julioprestes/panorama1/ Imagem 2: Pinacoteca - Fonte: https://diariodeviagemysaigh.com/2011/02/03/a-cidade-de-sao-paulo-aos457-anos/ Imagem 3: Largo da Memória - Fonte: http://acervo.estadao.com.br/noticias/lugares,largo-damemoria,11720,0.htm Imagem 4: Palácio da Justiça - Fonte: http://www.visormagico.com.br/palacio-da-justica-centro-velho-desao-paulo/ 132 Imagem 5: Viaduto do Chá - Fonte: https://www.buzzfeed.com/rafaelcapanema/20-fotos-lindas-dacidade-de-sao-paulo-de-1924-a-1980?utm_term=.qeB3aj3bv#.sm63Ro3P9 Imagem 6: Theatro Municipal - Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1396728 Imagem 7: Edifício São Luiz - Fonte: https://www.buzzfeed.com/rafaelcapanema/20-fotos-lindas-dacidade-de-sao-paulo-de-1924-a-1980?utm_term=.qeB3aj3bv#.sm63Ro3P9 Imagem 8: Edifício Gonçalves Biar - Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-47142013000100009 Imagem 9: Edifício Zena Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-47142013000100009 Imagem 10: Edifício Esther - Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1637697&page=2 Imagem 11: Edifício Saldanha Marinho - Fonte: http://www.atitudebrasil.com/capital/?p=296 Imagem 12: Edificío Martinelli - Fonte: https://spcity.com.br/visite-o-edificio-martinelli-e-veja-sp-do-alto/ Imagem 13: Edifício Altino Arantes - Fonte: http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/edison-veiga/edificio-
Imagem 14: Edifício Guinle Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-47142013000100009 Imagem 15: Edifício Columbus - Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/avenidas/b/ brigluizantonio.htm Imagem 16: Esquema Teórico Plano de Avenidas - Fonte: OKANO, 2002, p. 30 Imagem 17: Cartaz IV Centenário - Fonte: https://br.pinterest.com/pin/393290979936905363/?lp=true Imagem 18: Festejo IV Centenário - Fonte: http://www.saopauloinfoco.com.br/iv-centenario/ Imagem 19: Edifício Araraúnas- Fonte: LUCCHINI, 2010, p. 183 Imagem 20: Edifício Icaraí - Fonte: LUCCHINI, 2010, p. 102 133 Imagem 21: Edifício Copan - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/07/1487424-o-colossoda-ipiranga.shtml?fb_action_ids=10152281880758785&fb_action_types=og.recommends Imagem 22: Edifício Japurá - Fonte: http://www.arquivo.arq.br/edificio-japura?lightbox=image9tm ESTUDOS DE CASO Imagens 1,2,3,4,5,6,7,8,9 - Desenhos Edifício Esther - Fonte: ATIQUE, 2004, p. 89 Imagem 10 - Edifício Esther - Fonte: http://www.marketingimob.com/2012/04/historia-imobiliaria-edificioesther-o.html Imagem 11 - Edifício Esther - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/morar/2017/04/1879455marco-do-modernismo-edificio-esther-mistura-diferentes-epocas-na-republica.shtml Imagem 12,13,14 - Edifício Esther - Fonte: Milena Leonel
Imagem 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22: Desenhos Edifício Japurá - Fonte: REGINO, 2006, p. 55 Imagem 23, 24: Edifício Japurá - Fonte: http://www.arquivo.arq.br/edificio-japura?lightbox=image9tm Imagem 25, 26: Edifício Japurá - Fonte: https://quandoacidade.wordpress.com/2015/05/19/o-ar-da-graca/ Imagem 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34: Desenhos Edifício Araraúnas - Fonte: LUCCHINI, 2010, P. 95 Imagem 35, 36, 37: Edifício Araraúnas- Fonte: LUCCHINI, 2010, p. 183 Imagem Capa: Fotógrafo Alex Filho
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