Lia Rennó Ribeiro Costa
A HISTÓRIA da FAMÍLIA ? RENNÓ/RENÓ ?
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SUMÁRIO
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Prefácio
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Introdução
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Parte I 13 Cap. 1, A origem alemã
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Cap. 2, A nova vida no Brasil
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Cap. 3, B atismo, casamento e a primeira filha
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Cap. 4, A viuvez
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Foto 1- LUDWIGSLUST – Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha)
4 ? A família Rennó
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PR E FÁC I O
Para mim, constitui-se em grande honra e mesmo um privilégio apresentar algumas palavras sobre a rica e preciosa obra da Família Rennó. Com efeito, prefaciar um livro elaborado com tamanha dedicação e carinho por uma pessoa tão especial, devo confessar, causa-me um enorme orgulho, além de uma grande responsabilidade. Sei que este excelente trabalho é fruto de enorme e persistente pesquisa, em livros, manuscritos de diversos autores, crônicas, artigos, sem contar, é claro, com a fabulosa memória e vivência da autora, além de pessoas e parentes idôneos de nossa maravilhosa terra. Para os descendentes da Família Rennó, a leitura deste livro se torna atraente e motivadora, enquanto que para os estudiosos da história e os mais jovens, transforma-se numa preciosa fonte de conhecimento sobre as famílias com que o Dr. Johann Rennow ornamentou Itajubá (MG)1. Filho de Conrad Rennow e Leonora Ewert, o Dr. Johann partiu de Ludwigslust, na Alemanha, sua terra natal, com destino ao Brasil, em 1817. Viajou pelo navio holandês Neptunus, até o Rio de Janeiro, de onde se dirigiu para o A cidade de Itajubá aparece muitas vezes ao longo do livro. Por isso, não faremos a referência do estado à qual pertence
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Prefácio ?
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Paraná, fixando residência na Vila Curitiba. Em sua terra era médico do exército prussiano. Quando Itajubá contava com apenas sete anos de existência, ou seja, em 1826, ele já se encontrava em nossa cidade. Logo, o seu sobrenome – Rennow – se a adaptou à índole de nossa língua: a letra final (w) desapareceu, sendo substituída pelo acento agudo na última vogal: Rennó. Depois de residir por muitos anos em Itajubá, mudou-se para São Bento do Sapucaí (SP), onde faleceu. Desaparecia o patriarca de uma das mais numerosas, distintas e tradicionais famílias de Itajubá. Sua fibra e capacidade de trabalho derramaram-se pelos seus sucessores que com muita dedicação, a D. Lia retrata neste fabuloso trabalho. João Otero Diniz Presidente da Academia Itajubense de História
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INTRODUÇÃO
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Por Mírian Adelaide Rennó Ribeiro Costa Pinto, filha da autora
Após ter conhecido Fribourg, na Suíça, de onde veio a família de minha avó paterna, programei para o ano seguinte minha ida à Alemanha para conhecer Ludwigslust. Cresci ouvindo as histórias de meus ascendentes que vieram da Suíça, por parte paterna, e da Alemanha, por parte materna. Por coincidência, tudo se passou à mesma época, em torno de 1820! Os primeiros imigrantes suíços chegaram ao Brasil em 1819, vindos do Cantão de Fribourg, atraídos por D. João VI com o intuito de povoar e “europeizar” as serras fluminenses, e assim fundaram a bela cidade de Nova Friburgo. De uma dessas famílias suíças nasceu minha avó Maria Adelaide Barreto, mãe de meu querido e saudoso pai Amarílio Barreto Costa. Em homenagem a minha avó, recebi meu nome. Mamãe já vinha, há anos, escrevendo este livro sobre a Família Rennó. Isto levou-me a lançar sobre aquela visita um olhar diferente e a sentir uma emoção indescritível, imaginando como seria aquela pequena cidade há 250 anos ... Passei alguns dias em Budapeste, na Hungria, Praga, na República Tcheca, Viena, na Áustria, em Munique e Berlim,
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Alemanha. Isto ocorreu na primavera de 2013, mas no dia em que fui a Ludwigslust fui surpreendida por uma repentina mudança de tempo, e cheguei àquela cidade tão distante, e ao mesmo tempo tão vívida em minha memória, debaixo de muita chuva... Tomei o trem na estação Ostbahnhof, em Berlim, Plataforma 6, às 11h17, com destino a Wismar, e Ludwigslust seria a penúltima cidade desse trajeto. A viagem foi bem agradável, a bordo de um confortável trem, passando por uma dezena de cidadezinhas. Em duas horas de viagem cheguei a Ludwigslust. Pretendia almoçar e caminhar pela cidade, mas como chovia muito, precisei alterar meus planos. Em frente à estação, havia somente um táxi, do qual me aproximei para perguntar se poderia me atender. Para minha surpresa, a taxista era uma senhora que só falava alemão, e não compreendia nada em inglês... E eu tentei, da maneira mais simples possível: “I am brazilian. My grandmother’s grandfather was born in Ludwigslust…” Ela, então, telefonou para o seu chefe, que falava inglês, e finalmente disse a ele que gostaria que ela me levasse para conhecer os principais pontos da cidade. Ele foi solícito e durante todo o percurso houve necessidade de outros telefonemas para que eu pudesse compreender as explicações da taxista. Sem dúvida, o ponto principal da cidade é o Palácio, com bela mobília e adornos dourados, além de ricas pinturas, coleção de armas de caça e relógios.
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Foto 1. Mapa que ilustra a viagem de trem entre Berlim e Ludwigslust
Foto 2. Bilhete de trem
Foto 3. Estação Ostbahnhof em Berlim
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Foto 4. Interior do trem
Foto 5. Estação de Ludwigslust
Foto 6. Rua de Ludwigslust
Foto 8. Igreja Luterana de Ludwigslust, com seu gramado coberto por folhas de carvalho
Foto 10. Interior da Igreja Luterana de Ludwigslust
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Foto 7. Palácio de Ludwigslust Foto 9. Casas localizadas nas proximidades da Igreja Luterana, em Ludwigslust Foto 11. Ao meu lado, as duas garotas que aguardavam comigo o trem para Berlim
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Ao fundo do palácio há um enorme jardim, que não pude visitar em razão da chuva que caía durante toda a tarde. O local que me emocionou bastante foi a Igreja Luterana, onde o fundador de nossa família foi batizado e provavelmente frequentou. A igreja, em tons de rosa, fica numa grande área gramada, que na época da primavera fica coberta por folhas de carvalho. Assim é toda a Alemanha, com ruas cobertas de folhas que só podem ser recolhidas para compostagem (e, de fato, são). Ao lado da igreja ficam algumas casas (foto 9 – sugestão: numerar as fotos e legendá-las). Não fosse pela chuva (repare no detalhe do telhado molhado), haveria muito mais folhas cobrindo todo o chão, inclusive o asfalto das ruas. O interior da igreja, não muito grande, tem características interessantes, como fileiras de bancos fechados por duas portas laterais e bela pintura atrás do altar, que fica num piso mais alto. E entre as duas fileiras de bancos, ao centro da igreja, encontra-se a tumba de granito do fundador dessa igreja, Duque Frederick. Já no final da tarde, retornei à estação, onde aguardei o trem para meu retorno a Berlim. E o fato de estar naquele mundo, no qual me senti ligada pelos laços de sangue, fez com que eu me percebesse inserida, e até mesmo me passando por uma “nativa” de Ludwigslust, tal qual duas meninas que também aguardavam o trem comigo (foto 11). 14 de dezembro de 2013
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O patriarca da Família Rennó
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Datas importantes da Família Rennó: 1º de agosto de 1820 - Nasce a Família Rennó/Renó no Brasil 14 de julho de 2012 - 1º Encontro Nacional, em Itajubá 20 de abril de 2014 - 2º Encontro Nacional, em Itajubá 9 de julho de 2016 - São José dos Campos (SP)
Desde menina, sempre gostei de história, e me interessava muito pelas conversas em família, quando mamãe e seus irmãos contavam dos antepassados e com grande carinho se referiam às famílias maternas Rennó e Carneiro Santiago. Também papai contava de sua família e eu admirava que seu avô tivesse sido senador do Império e ia da Campanha para Ouro Preto (MG) com a família. Também ficava admirada que vovó estudara lá, aprendera piano e tornou-se uma linda moça. Como eu viajava na imaginação! Quando fui pela primeira vez a Ouro Preto, chorei, pensando no sacrifício dos meus e nas dificuldades do meu bisavô, Dr. Manoel Eustáquio Martins de Andrade, advogado e senador, que servia com fidelidade à Pátria e ao Imperador D. Pedro II, representando o Sul de Minas. Nasci numa família de políticos que emprestavam suas capacidades administrativas em prol da região, e, na linha direta, todos os ancestrais maternos foram prefeitos, inclusive o meu pai, Dr. Carlos Ribeiro Filho, duas vezes
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em Itajubá e por dez anos em Pedra Branca-Pedralva, também no Sul de Minas. Aprendi a respeitar todas as opiniões e a viver em comunidade, sempre pensando em “nós” e nunca no “eu”, pois somos uma Família – a “Família Itajubense”. Durante muitos anos, sempre tentei resgatar dados sobre a Família Rennó. Embora com as dificuldades da época, conhecimento pessoal e comunicação, hoje, me orgulho de poder trazer à tona o que guardei no coração e na memória. Tantos anos! A geração de hoje, que usa a Internet e o computador para escrever, talvez não calcule o valor deste trabalho manuscrito, fruto de anos de pesquisa e ideal, de consultas no silêncio das madrugadas, chegando ao raiar do dia. Às gerações passadas, dedico a minha gratidão por terem deixado inerente ao meu ser o ideal de revelar como nasceu, cresceu e chegou até o Século XXI uma única Família Rennó. De Dr. João Rennó de França ou, simplesmente, Dr. João Rennó e Anna Joaquina Ferreira Rennó, somos os atuais responsáveis pela história da Família Rennó.
Figura 2. Convite do 1º Encontro Nacional Família Rennó/Renó
Parte I • O patriarca da famíla Rennó ?
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CAPÍTULO 1
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A origem alemã
Um certo homem, alemão de origem, foi o único responsável por uma família, e quase competiu com Abraão, quando ouviu do Deus Javé estas palavras: “Dar-lhe-ei, tantos descendentes quanto as estrelas do céu e areias da praia” (Gênesis 15:5). Assim, com o movimento para o primeiro encontro da Família Rennó, sentimos o despertar e a resposta de tantos parentes, descendentes de um único casal: Dr. Johann Rennow e Anna Joaquina Ferreira Rennó, ele alemão e ela brasileira. Mamãe e papai se referiam, com carinho, aos seus antepassados e eu me sentia como se vivesse naquela época! Durante 60 anos, guardei em anotações e na memória nomes que marcaram a minha vida, mas pouco pude pesquisar, pelas dificuldades naturais da época. O que me ajudava, era a afinidade e o meu gênio comunicativo, e tudo eu conservava no coração, na certeza de que um dia deixaria nossa história gravada para as novas gerações.
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Numa viagem à Alemanha, o meu grande amigo Fernando Antonio Xavier Brandão e a sua senhora, a Kati, descendente direta do patriarca Rennó, pesquisaram sobre a origem da família Rennow, e me apresentaram uma reportagem interessante, abrindo novos horizontes para este nosso trabalho. Sabíamos apenas os nomes dos pais de Dr. Johann Rennow, que ficaram na Alemanha – Johann Christin Conrad Rennow e Christina Maria Leonora Ewert, conhecidos familiarmente como Conrad Rennow e Leonora Ewert. Dr. Johann Rennow nasceu no dia 17 de dezembro de 1790, na cidade de Ludwigslust, Ducado de Mecklenburg – Vorpommem da República Federal da Alemanha. Batizaram o recém-nascido em 20 de dezembro, com apenas três dias de vida. Foram padrinhos o burgomestre da cidade (hoje o equivalente ao prefeito), o médico e o mestre pintor, que terminou o belíssimo painel da igreja na cidade. Sinal do bom relacionamento e conceito que o Sr. Conrad Rennow gozava na cidade. O duque reinante era Friedrick Franz I, sobrinho do duque fundador e construtor da cidade, do palácio e da igreja – Ludwigslust era a sede do ducado. Da infância do patriarca nada sabemos, pois ele era um homem reservado, lembrando com saudades, de sua mãe, e nunca comentando os horrores da Era Napoleônica. De 1806 a 1815, foi o período em que se preparou para a vida e cursou a Universidade de Medicina em Rostock, extremo norte, no Condado de Mecklenburg-Schwe-
Capítulo I • A origem alemã ? 17
rin, famosa desde o Século XV e a mais próxima de Ludwigslust, sua terra natal. Alistou-se como oficial médico no exército prussiano e participou de inúmeras e sangrentas batalhas nas Guerras Napoleônicas, galgando promoções até o posto de capitão. Desgostoso com o regime imposto na época, deixou o Exército e voltou para a sua terra Ludwigslust, em 1816. Teve, para isso, o seu passaporte assinado e fornecido pelo Rei da Prússia, Frederico Guilherme III. Este passaporte é uma relíquia, e foi guardado pelo seu neto, Antonio José Rennó Junior, o saudoso tio Tonico, falecido em 2 de dezembro de 1940 O passaporte é conservado, pela Família Rennó até os nossos dias. Felizmente, temos cópia em xerox, uma preciosidade para todos. Por muitos anos, não foi possível a tradução do original, por falta do conhecimento da língua alemã ou por seu escrúpulo, receando o desaparecimento de tão importante documento. Isso foi graças aos estudos feitos pela Associação Escolar Alemã, de Belo Horizonte, que arquivou o documento, que está partido em quatro pedaços de papel e pouco legível, por ser xerox. O passaporte foi expedido em Berlim no dia 26 de junho de 1816, e em nome do Sr. Doctor. Johann Rennow, que o assinou: “J. Rennow”. No texto que segue, reproduzimos a tradução do teor do Passaporte de Viagens – nº 3344:
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“Nós, Friedrich Wilhelm, pela graça de Deus, Rei da Prússia. Por meio deste passaporte, solicitamos a todos os militares e funcionários de repartições civis das nações estrangeiras, bem como, a todos os militares e funcionários civis de nosso país, exigir a apresentação deste passaporte pelo portador Sr. Doctor Johann Rennow, nascido e residente em Ludwigslust. Por este documento, visado pela polícia o portador está autorizado a viajar por vários locais, inclusive Hamburg até Ludwigslust, desde que comprove ser ele mesmo, livre e desembaraçado para ir e vir. Sempre que necessário, o portador deverá ser protegido e auxiliado pela policia. O portador deste documento em todos os lugares onde for pernoitar, seja na cidade ou no campo, deverá apresentar este passaporte para o controle da polícia e respectivo carimbo de ‘Visto’. Preenchido em Berlim aos vinte e seis de junho de mil oitocentos e dezesseis. Características Particulares do Portador: Idade: vinte e cinco anos; Altura: cinco pés e cinco polegadas; Cabelos: castanhos; Testa: descoberta: Sobrancelhas: castanhas; Olhos: cinzentos; Nariz: regular; Boca: regular; Barba: espessa e ruiva;
Capítulo I • A origem alemã ? 19
Queixo: oval; Rosto: oval, cheio e barbado; Cor do rosto: corada; Estatura: média; Sinais característicos: nenhum Conforme ordem da mais elevada consideração de sua Majestade Real. Ministério da Polícia do Reino Passaporte de adulto Para o senhor Doctor Johann Rennow Válido até: De acordo com os vistos. Assinatura do proprietário J. Rennow Real Governo da Prússia em Dusseldorf Todas as autoridades civis e militares são solicitadas a permitir que o Dr. em Medicina Sr. Johann Rennow natural e residente em Ludwigslust, transite livre e desimpedidamente de Soligen para Duisburg e adjacências e prestar auxílio e proteção em caso de necessidade Passado de conhecimento próprio, o portador deste é munido de uma ’baixa‘ dada pelo 1º Regimento de Cavalaria Bandense Nacional Soligen, 1º Fevereiro 1817 Ofício do Governo Real Ministério de Polícia Visto do Consulado Geral de Portugal e do Brasil em Amsterdam Registrado debaixo N 115 a fls 34 do Livro dos Passa-
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portes e bom por seguir viagem para Rio de Janeiro, a bordo do navio holandês denominado ‘Nepthunus’ Capitão Okke Oljerts O dito senhor declara ser Médico de profissão e fazer esta passagem por seus próprios negócios Amsterdam, 30 de Abril de 1817” Relação de alguns lugares, no passaporte, e as datas dos vistos. Cidade de Marwitz2 Data: 29 de junho de 1816 Visto até 30 de julho de 1816 Saída em 17 de julho de 1816 Cidade de (ilegível) Data: 8 de setembro de 1816 Cidade de Hasnburg, Data: 28 de setembro de 1816 Cidade de Hannover - Liberado para viajar até Detmold Data: 10 de outubro de 1816 Cidade de Sollingen Data: 11 de novembro de 1816 Nº 4733 – cidade de ( ilegível) Data: 4 de dezembro de 1816
Todas as cidades citadas localizam-se na Alemanha
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Capítulo I • A origem alemã ? 21
Partindo de Amsterdam, na Holanda, seguiu viagem no navio “Nepthunus”, chegando ao Brasil em 29 de julho de 1817. O patriarca percorreu parte do Nordeste brasileiro, passou pela Bahia e se apresentou no Rio de Janeiro à Intendência de Polícia. Sendo médico, trouxe carta de apresentação para trabalhar como cirurgião na Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó, região de Sorocaba, interior de São Paulo. A fábrica ficava em uma fazenda em Iperó, que começou em 1597, quando Afonso Sardinha passava por ali, à procura de ouro e pedras preciosas. Achando minério de ferro em abundância no Morro de Araçoiaba, decidiu construir uma forja rudimentar para derreter o metal. Da fazenda, nasceu, em 1765, a Real Fábrica de Ferro de Ipanema. Ainda existem no local marcos históricos como a Represa de Hedberg, construída em 1810. A represa foi a primeira grande obra hidráulica do país; os fornos, do tipo colmeia, os altos fornos de Mursa e Varnhagem, a oficina de refino e um Cruzeiro fincado numa base de pedra, feito com o produto da primeira fusão de ferro da Real Fábrica. O cruzeiro estava situado em um morro no final da Trilha da “Pedra Santa”. O local já foi rota proibida para aviões, devido ao alto magnetismo do solo, que desorientava os equipamentos de bordo. Esse lugar é ponto disputado por ufólogos, que acreditam ser ele visitado por extraterrestres. Na Real Fábrica foram fundidos os canhões
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usados na Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870. Vários alemães, que já tinham experiência no trabalho com material usado na Real Fábrica, vieram para o Brasil anos antes e se comunicavam com os familiares deixados na Prússia. O nosso médico cirurgião trabalhou algum tempo nessa fábrica, porém, desejava descobrir novos horizontes e rumou para outras plagas, viajando em direção ao Paraná. Chegou à Vila Nossa Senhora da Luz e do Bom Jesus dos Pinhais de Curitiba (PR), hoje, apenas Curitiba. Levou consigo escravos que adquirira, entre eles, Mãe Toca e José Figueiredo, que lhe foram fiéis até a morte. Mãe Toca era cozinheira e preparava a alimentação, um tanto prussiana, mas já adaptada à culinária brasileira. José preparava o chimarrão usado na região dos Pinhais e acompanhava Dr. Johann Rennow em suas caminhadas. Muitas hipóteses desejam mostrar qual foi o motivo da vinda do patriarca para o Brasil. Isso ele nunca revelou, porém, temos a certeza de que a mão de Deus o guiou para este país e nós pudemos nascer e formar esta grande, numerosa e única Família Rennó no Brasil.
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CAPÍTULO 2
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A nova vida no Brasil
Decidido a começar uma nova vida, comprou terras e estabeleceu-se como agricultor. Dr. Johann Rennow, um jovem de 27 anos de fina educação. alemão, que ocupava certa posição social em sua terra natal Ludwigslust, trouxe para o Brasil os princípios básicos de uma verdadeira família,. Médico e capitão do Exército Prussiano. loiro e de olhos azuis, tez corada, testa descoberta, estatura mediana, nariz regular, rosto cheio e barbado, falando o alemão, o francês e várias línguas, dono de uma vasta cultura, inteligente, veio para começar uma nova etapa em sua vida. Logo tornou-se alvo de atenção, e, particularmente, da curiosidade feminina. Adquiriu terras e escravos, estabeleceu-se como agricultor, e clinicava também. Sempre afirmava: “Nunca abandonei a profissão que escolhi em minha vida: a Medicina. Desta profissão, fiz um sacerdócio. Sempre cliniquei gratuitamente. Da terra, tiro o sustento para mim e para aqueles que estão comigo e sob a minha responsabilidade. Da Medicina, é diferente! Aperfeiçoei o
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dom que Deus me deu para ser útil ao meu semelhante! Logo, se Deus colocou em meu ser as qualidades para exercer gratuitamente esta nobre missão, como poderia fazer dela uma troca de favores, envolvendo a parte monetária?” Na qualidade de médico, frequentava a casa de um rico sargento-mor – Antonio José Ferreira – governador da Vila de Curitiba, casado com D. Beatriz Anna de Oliveira. O casal tinha vários filhos. Certo dia, um dos rapazes ficou enfermo e os serviços médicos do Dr. Rennow foram solicitados. Entre os familiares Ferreira, viu uma linda jovem filha do casal, que logo chamou-lhe a atenção. Então Dr. Rennow perguntou se ela não sofria também de algum mal. Qual não foi a sua surpresa quando ela veio com a rápida e sincera resposta de que sua doença não se curava com remédios. Então, ela olhou significativamente para o médico. Sem dúvida, aquele olhar penetrou em seu ardoroso coração e traçou rapidamente o seu destino Procurou pelo pai da linda jovem, pedindo-a em casamento. Logo, o Sargento-Mor perguntou a ele: “Qual das minhas filhas teria merecido tamanha honra?” Com simplicidade, então jovem médico replicou: “A mocinha órfã”. E completou o pensamento: “Sou também órfão, estou longe de meus pais e de minha Pátria”. Na linha genealógica, Anna Joaquina Ferreira era descendente dos primeiros colonizadores de Piratininga – que deu origem à hoje capital do Estado de S -, chegando na
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sua raiz a Pero Dias, casado, em primeiras núpcias com a índia Terebê, filha do Cacique Tibiriçá. Em segundas núpcias, Pero Dias casou-se com uma filha do Cacique Caubí. Assim, Anna Joaquina, por parte de um dos ramos ascendentes, era oriunda muito próxima de índios. O mais remoto ancestral brasileiro, Pero Dias foi o fiel guardião das chaves da cidade de São Paulo, logo depois de fundada pelos jesuítas. Dr. Rennow irmanou-se perfeitamente com os familiares Ferreira e fez deles a sua Família Brasileira. Eram filhos do Sargento-Mor Antonio José Ferreira e de Beatriz Anna de Oliveira3: Alferes Manoel José Ferreira; Pe. Joaquim José Ferreira; Cândido José Ferreira; Antonio José Ferreira Filho; João Antonio Ferreira; Anna Joaquina Ferreira. Ficando viúvo o Sargento-Mor Antonio José Ferreira casou se com D. Maria Caetana de Jesus e com ela teve os filhos: Anna Antonio Ferreira; José Antonio Ferreira; Joaquim Antonio Ferreira Todos os dados dessa família foram obtidos na Genealogia Paranaense
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CAPÍTULO 3
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Batismo, casamento e a primeira filha Anna Joaquina Ferreira era católica e o Dr. Johann Rennow, luterano. Toda a família Ferreira era católica, com fé e convicção, tendo até um filho sacerdote, Pe. Joaquim José Ferreira. Anna Joaquina falou de sua vivência cristã, ensinou e muito ajudou para que o Dr. Rennow encontrasse na religião dela os princípios que lhe faltavam para a conversão. Convicto abraçou, solenemente a fé católica e foi batizado em 25 de junho de 1820. Até aquela data, ele era Dr. Johann Rennow. Ao ser batizado, abdicou de seu nome prussiano “Johann” e o abrasileirou para “João.” Também o Rennow prussiano, passou para uma pronúncia mais brasileira, “Rennó”. Era costume, na época, o batizando acrescentar aos nomes uma homenagem ao seu padrinho. Dr. João Rennó acrescentou ao seu o sobrenome “França”, pois seu padrinho foi Manoel José de França, passando a adotar o novo nome João Rennó de França.
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Foto 13. Reprodução da certidão de batismo do Dr. Johann Rennow Foto 14. Reprodução da Certidão de Casamento do Dr. João Rennó e de Anna Joaquina Ferreira
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Naquele momento solene começou a nova vida do Dr. João Rennó No dia 1º de agosto de 1820, Dr. João Rennó e Anna Joaquina Ferreira receberam a benção nupcial, celebrada pelo mesmo sacerdote que batizou o patriarca – Pe. José Barbosa de Brito. A noiva tornou-se Anna Joaquina Ferreira Rennó, Sra. João Rennó. Foram também testemunhas dos noivos o ouvidor Dr. João de Medeiros Gomes e o Capitão João Antonio da Costa. O casal residiu ainda algum tempo em Curitiba, e o nome do Dr. João Rennó aparecia juntamente com os de outras pessoas importantes da localidade na época. Depois da Independência, subscrevia documentos e memoriais dirigidos a D. Pedro I, nos anos de 1822 e 1823, os quais assinava “Dr. João Rennó” e “Dr. João Rennó de França”, acrescentando o título “Doctor em Medicina”4. Nasce, então, a primeira filha do casal, Maria Luiza Rennó (I).
História da Medicina no Paraná
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CAPÍTULO 4
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A grande mudança O cunhado de João Rennó, Cândido José Ferreira e sua família, havia alguns anos, tinham deixado o Paraná e mudaram-se para a região da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais. Cândido José adquiriu terras, formando a Fazenda São Pedro. Em 1824, convidado e convencido pelo seu cunhado, o Dr. Rennó deixa Curitiba e vem adquirir terras também no Sul de Minas, na bacia do Rio Sapucaí, vizinhando e fazendo fronteira com o seu Cândido José Ferreira. Formava-se, assim, a Fazenda Palmeirinha, onde João Rennó residiu com sua família, passando a viver da agricultura, agropecuária e da Medicina, e tornando-se o primeiro médico do então povoado de Itajubá, onde o pioneiro da Família Rennó se fixou. Partiram de Curitiba com a sua caravana: escravos, gado, e tudo o que necessitariam na nova morada. A esposa, aguardava a chegada de um novo herdeiro e trazia também Maria Luiza. Ao passarem pela Vila de Castro, ainda no Paraná, o
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casal tem a felicidade de ver nascer seu primeiro filho varão, em 4 de agosto de 1824. Foi batizado como Antonio José Rennó nome que homenageava o avô materno, Antonio José Ferreira. O menino foi registrado e batizado na própria Vila de Castro. A família aguardou mais uns dias para continuar a viagem. Depois, Dr. João Rennó e sua família atravessaram todo o sertão paulista, alcançando a Serra da Mantiqueira e o Pico dos Marins. Chegando às terras mineiras, o patriarca comprou a Fazenda Palmeirinha, onde nasceram os seus outros filhos: II. Cândido João Rennó; III. Luiz Francisco Rennó; IV. João Joaquim Rennó; V. Matilde Sofia Rennó; VI. Anna Joaquina Rennó; VII. Virgínia Emília Rennó A Fazenda Palmeirinha tornou-se um marco na região e também na família do Rennó. Com oito filhos a ornarem o lar, a fazenda prosperando, o Dr. Rennó passava os dias dedicado à luta e à família. Os meninos aprendiam as noções da agricultura, da pecuária, da administração rural, e também a negociar e se manter como futuros proprietários de novas terras. As meninas tinham professores particulares em casa. Aprendiam as lições de Português, Francês, Aritmética,
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Geografia, História Universal, História Sagrada e piano. Dr. Rennó sempre afirmou: “A mãe é a primeira mestra e a responsável pela educação e formação dos filhos. O pai completa, ensina a lutar pela vida, dando conselhos e bom exemplo”. Durante 39 anos a alegria, o exemplo e a felicidade conviveram na família. Anna Joaquina, a mãe zelosa, proporcionava aos seus um ambiente de paz e segurança, educando os filhos na fé católica e no respeito mútuo. Dr. João Rennó além das atividades na Fazenda Palmeirinha, clinicava em Itajubá e região. Atendia a tantos enfermos, que se fizeram seus amigos. Como primeiro médico de Itajubá, atendia com presteza e satisfação. Como não havia estradas, o médico atravessava trilhos e atalhos, cavalgando horas até a casa dos doentes. Nunca cobrava a viagem ou a consulta.
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CAPÍTULO 4
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A viuvez
Junho de 1859. No livro de Óbitos da Paróquia Nossa Senhora da Soledade, assim ficou anotado: “Anna Joaquina Rennó – Aos treze de junho de mil oitocentos e cinquenta e nove, sepultou-se nessa Paróquia Anna Joaquina Rennó – e sua alma foi recomendada. Para constar mandei fazer este assento que assino Vigário Pe. Guido Antonio de Paula e Silva”.
Até há pouco tempo, não sabíamos o ano, e o local onde nossa matriarca havia morrido. Os senhores não imaginam a minha alegria e emoção, quando, pesquisando, já alta madrugada, encontrei o que tanto precisava. Tive a vontade de acordar a família toda para participar desta vitória, e da minha felicidade. Hoje, reparto com todos os parentes e amigos que aqui estão conhecendo a nossa história. Mais alguns anos se passaram e o Dr. João Rennó não se consolava com a morte da sua querida Anna Joaquina. Então, resolveu vender a Fazenda Palmeirinha ao filho
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Foto 15. Reprodução do registro de óbito da matriarca da Família Rennó Foto 16. Reprodução do registro de óbito do patriarca da Família Rennó, Dr. João Rennó de França Foto 17. Reprodução do registro da missa de sétimo dia publicado no jornal O Itajubá
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mais velho, Antonio José Rennó, o futuro, Cel. Rennó, que estava casado com Lúcia Pereira dos Santos e já com três filhos. Dr. Rennó rumou para Vila de São Bento do Sapucaí, na então Província de São Paulo, comprando terras e levando consigo duas filhas solteiras e mocinhas, deixando a caçula Virginia Emilia, que ainda estudava, na companhia do irmão mais velho Antônio José e da cunhada Lucia. Logo que chegaram a São Bento do Sapucaí, Matilde Sofia conheceu o jovem professor Antonio Leite Cortez, rapaz preparado, inteligente e culto. Doutor Rennó se deu muito bem com ele, e Matilde Sofia, também professora, casou-se com o jovem. Vivendo em um lar harmonioso, o casal de professores e cultivava as letras. Anna Joaquina teve também a sorte de se casar com Claro Homem de Azeredo, um jovem letrado, experiente e de família tradicional. Dizia Dr. João Rennó: “Com a educação dada às minhas filhas, usada apenas na Europa, procurei transmiti-la a todas elas na primeira metade do Século XIX, na certeza de que educariam com esmero e cultura os seus descendentes”.
Dr. Rennó bem cedinho levava os netos para caminhar pelos campos orvalhados e lhes mostrava as maravilhas da natureza e dos pássaros que louvavam ao Senhor. Ele também os ajudava nas ginásticas e nas aulas práticas. Não ensinou o alemão aos netinhos - dizia ser uma língua difícil depois do bom português. Já maiores, os ne-
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tos de João Rennó conheceriam sua língua materna. Porém, uma estrofe todos sabiam cantar em alemão: “Morgen, morgen, aber nicht heute…” Mas, as estrofes completas Anna Francisca recitava em português: “’Amanhã, amanhã, porém não hoje’!’, sempre fala o preguiçoso. ‘Hoje, eu vou descansar, Amanhã, plantarei Um grande pomar’”
E, numa época em que se encarapuçavam as crianças até o nariz, mesmo nos dias quentes, o Dr. Rennó arrancava as toucas dos netos, deixando-os com as cabeças descobertas, para grande escândalo das mães sambentistas. Além disso, o Dr. Rennó possuía, também conceitos singelos para a prevenção de doenças. E dizia: “Para se ter boa saúde é preciso manter os pés quentes, a cabeça fresca e o ventre livre. Em São Caetano da Vargem Grande – hoje Brasópolis (MG) –, depois em São Bento do Sapucaí, em Itajubá e região, os pobrezinhos idolatravam o patriarca. Os escravos o veneravam, porque era sempre um medianeiro entre eles e os senhores ásperos. O povo todo tributava-lhe profundo respeito. O Dr. Rennó era um homem absolutamente sincero nas ações e nas palavras. Tinha um certo amigo e compa-
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dre de moral austera, mas, como todo comerciante, homem ambicioso em seus negócios. O Dr. Rennó costumava chama-lo de “egoísta”. Tendo essas pequenas rixas, entretanto, abraçavam-se afetuosamente. Ao despedir-se do amigo, o Dr. Rennó arrematava: “Desculpe-me se o magoei. É a minha franqueza prussiana”. Quando João Rennó recebia a visita de seu companheiro de viagem para o Brasil, Dr. Winter, conversavam em alemão e com saudades dos velhos tempos. Muitas lágrimas marcavam esses encontros. Depois da despedida, ele ficava pensativo e os netos corriam para fazer-lhe companhia. Então, Dr. Rennó contava: “A minha Pátria distante é um belo país, de lindos rios e montanhas”. Falava com saudades de sua mãe, que tinha um bonito nome: Leonora. Na parte da tarde, caminhava para acudir a pobreza, curando os doentes, vestindo os maltrapilhos, alimentando os famintos e consolando os aflitos. Sempre afirmava: “Dou por perdido o dia em que não consigo praticar o bem”. Por onde passou, procurou ser mediador entre patrões e escravos, e todos tinham profundo respeito por ele, considerando-o, além de médico, um grande amigo. A sua “franqueza prussiana” o fez conhecido como um homem honesto e sincero. Procurou viver como bom cristão e fiel aos princípios da fé que assumiu no dia do seu batismo, 25 de junho de 1820, em Curitiba (PR). Como médico, pressentiu a morte, e, chamando os fi-
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lhos, recomendou-lhes que praticassem a “virtude da caridade”, tão importante para ser feliz, que conservassem os princípios régios que norteiam a vida e que fossem unidos em família. Olhando para o crucifixo, agradeceu a Deus e disse: ”Como está me valendo o ’Deus lhe pague‘ que recebi dos pequeninos e pobres”. Já havia recebido o sacramento da extrema unção e estava em paz com Deus e com os homens. Era o dia 6 de outubro de 1872. O patriarca João Rennó de França estava com 81 anos de idade e tranquilamente partiu para a Eternidade. Conforme o documento da Cúria Diocesana de Taubaté: “Certifico in fide Sacerdotis, que no Livro de Óbitos do ano de 1872, da Paróquia de São Bento, Município de São Bento do Sapucaí, arquivado nesta Cúria Diocesana, à folha 11, encontra-se o Registro seguinte: Dr. João Rennó de França, aos seis de outubro de mil oitocentos e setenta e dois, encomendei a alma de Dr. João Rennó de França, de idade de oitenta e um anos, viúvo, falecido de febre, envolto em roupa preta e ópa do Santíssimo Sacramento e sepultado no Cemitério e para constar mandei fazer esse assento, que assino. O Vigário Bento Antonio de Souza e Almeida Nada mais se acha no lançamento supra fielmente transcrito e por mim assinado. Taubaté, 24 de Março de 1980. Chanceler do Bispado”
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