Riqueza e pobreza no cristianismo primitivo

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MARIA GRAZIA MARA (Organizadora)

RIQUEZA E POBREZA

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no cnstiamsmo pnmihvo

Tradução

LUlZ JOÃO GAIO

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Titulo original:

Ricchezza e povertà nel cristianesimo primitivo

© Città

NUOVQ

Editrice, 19SC

ViQ deglí Scipionl, 265 -

00192 Roma

A AUTORA

Maria Grezie Mara é professora titular de História

do cristianismo na Faculdade de Letras da Univer­ sidade de Roma. Ocupa-se de pesquisas sobre o cristianismo das origens. Entre os seus trabalhos: I martiri dalla Via

seten«

(ed, crltlca}, Studium,

Roma 1964; L'tvangl/a da Plarra (apócrifo), texto critico, tradução, comentário, cal. "Sources Chré­

Com aprovação eclesiástica

tiennes", Paris 1975: Ambrogio. La storia dI Naboth, comentário, tradução, ad. critica, L'Aquila 1975_

Revisão Sllvana Cobucci Leite

Edlçlio. Loyola Rua 1822 n. 347

04218 - São Paulo - SP

Caixa postal 42.885

04299 - São Paulo - SP

Tol.: (011) 914-1922

Reservam-se todos os direitos de repro· dução ou do adaptação em português e por todos 08 meios para todos 08 pa/s8S.

ISBN 85 -15 - 00501 - 8

© EDIÇOES WYOLA,

sso Paulo,

Brasil, 1992


PREFACIO

A amplidão e a complexidade do tema convidam a demarcar os limites de tempo e de conteúdo do presente estudo, 9 obrigam lambém a Indicar o ponto de vista do qual procede a análise. Em vez de apresentar de maneira sistemática o tema da escra­ vidão ou o da usura, ou da propriedade privada, ou da composição social das comunidades cristãs dos primeiros séculos, ou ainda a questão social no cristianismo das origens, 1 procurei identificar, 1. Dada a vastidão da literatura sobre estes temas e o diferente ponto de vista a partir do qual foram enfrentados, remeto a alguns estudos de parllcular interesse: para o problema da escravidão, cf. P. A. Mllani, La achlavltú nal pana/aro politico. Dai gracl ai basso medloevo, Milão 1972; para o problema do empréstimo e da usura, cf. M. Glacchero. AspeW 'economlc/ tre /I 111 e 1/ IV eecoto. Prestlto ad Interesse e commerclo nef peno/ero dei Padr/, am "Augustlnlanum", 1 (1977), pp. 25-37: L.. Rugglnl, Economia a soe/etll nell'ltallo onnonorla, Milão 1981, ap. IV: II penslero aconam/co deI Padri della eh/asa aproposito dell'usura, pp. 190-202. Para uma visão de conjunto do pensamento dos Padres sobre a usura, cf. o

verbete Usure, de autoria de A. Bernard, em DThC, XV, cal. 2316-2333. Para o problema relativo à posse dos bens e por Isso li propriedade, ct, S. Giet, La doctrlna de I'appropriatlon des blens chez quelques-uns des

Péras, am "Racherchas de Selence Rellglauae", 35 (1948), pp. 55-91: P. Chrlstophe, Las devoirs moraux des rlches. L'usaga du drolt de pro­ priélfl dana Ucr/tura or la Troditlon pafrlotlque, Paris 1984: L. Orabona, CrisUanasimo e proprletiJ. Sagglo sulle fonU enUche, Roma 1964. Uma co­ Jatânea de textos pafrlstlces sobre o tema da riqueza e pobreza foi orga­ nizada por A. Hamman, Rlches et pauvres dens I'igllss ancienne, Paris 1962. Para um quadro hIstórico-social do cristianismo primitivo. ct, P. -Brezzl, La compos/zione soc/a/e dslle communitiJ crlstlane nel prlml secoll, em

"Studi e Malerlall di Slorla delle Rellglonl", 22 (1950), pp. 22-55; A. Puech, t.e chrisrlanlsme des prem/ers s/éClas at la questlon soclale, Paris 1905;

E. Troeflach, La doUrlna socloll delle Chlase e dai grupp/ crlatlonl, Irad. II.. Florença 1949, 2.• ed.; G. Barbero, /I peno/ero politico dei crlotlonl doi Vongell a Pa/aglo, vai. I, Turim 1982; V. Grossl, La Chieso pracostontlnleno di Ironta alia povertll, am L'Annunclo dei Regno 01 poverl (Atll della XV sesslone di formazlone ecumenica), Turim 1978. pp. 69-101. Contrlbulçõe.s especrtlc88 relativas ao tema EconomIa e soc/eUl nel Padrl foram pubü­ cedes em "Augustlnlanum", 17 (1977).


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PREFACIO

PREFACIO

através do comentário dos Padres a algumas passagens neoteste­ mentárias, qual era a ralação estabelecida, nos primeiros cinco séculos, entre anúncio evangélico e instâncias sociais; ou então como a referência à Escritura e por isso a sua interpretação incidia na vida das comunidades cristãs de épocas e de culturas diversas. Tal análise permite captar, em realidades históricas e sociais bem concretas, as diversas Interpretações que fluem dos próprios textos escriturístlcos; 9 portanto avaliar, através do exeme de ele­ mentos constantes ou mutáveis, qual a relação estabelecida em cada caso entre o evangelho e os bens terrenos. Visto que os Padres são os homens da Palavra bíblica, procuramos seguir um esquema de história da exegese: uma exegese que, enquanto exprime nas textos da literatura cristã de cinco séculos a atenção e a preocupe­ ção da comunidade cristã com os fatos sociais, econõmicos e polí­ ticos, nunca perde de vista a história da salvação. Limitaremos a análise a dois textos bfblicos: o epis6dlo do jovem rico (Mc 10,17-31; Mt 19,16-29; Lc 18,18-30) e a parábola do rico tolo (Lc 12,16-21). A escolha de tais passagens em vez de outras 2 foi determinada pelo fato de que se trata de duas passagens do Evangelho e que pertencem a gêneros literários diversos. O pri­ meiro é um episódio da vida de Cristo, o segundo é uma parábola posta na boca do Senhor. O primeiro epis6dio é referido por todos os SIn6tlcos num texto onde, de um lado, se pode captar mais fecilmente a contribuição redacíonal de cada evangelista e, de outro, se apresenta mais segura a trsnsmissão da mensagem originai. O se­ gundo texto, pelo contrário, é específico de Lucas e, correspondendo à sua sensibilidade ao problema social, se torna, neste ãmbito, um texto-chave pare compreender o anúncio cristão. 8 Também para a escolha dos autores e das suas obras, é preciso esclarecer que o presente trabalho não examina todos os cornen­ táríos e as referências que os padres dos primeiros cinco séculos dedicaram às duas passagens evangélicas de que nos ocupamos. Não existe, pois, a pretensão de completeza: esta, aliás, nem teria sido possível num único estudo, dsda a mole de material que o 2. Para o exame de At 2,42-47; 4,32~37 remeto ao estudo de P. C. Borl, ChlesB prlmltlve, ãrescle 1974; no âmbito do tema especrflco da co­ munhão dos bens, et, L Orabona, I passl neotestamentarl sutt« comunione dei bani nal commento de; Psdrl delis Chiesa, em "Annall della Facol\à

di Lettera e Filosofia di Napon", 8 (1958-1959), pp, 77-100. Estudos par­ ticulares sobre algumas passagens véterc e neotestamentérlas foram publl­ cedas em "Augustlnianum". 17 (1977). 3. Cf. J. Jeremias, Le parabo/e di G6SU, trad, lt., Brescla 1973, 2.8 ed., p. 11.

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tema oferece. Escolhi dez grandes figuras: Clemente, Orígenes, Cipriano, Hilário, Basíllo, Gregório Nazianzeno, AmbrósIo, Crls6s­ tomo, Agostinho, Cirilo, buscando, através de algumas de suas obras, a maior representatividade de concepções diversas que, por sua vez, refletem posições práticas diversas. < O presente estudo se divide em quatro partes: I) resenha dos textos blbllcos relativos ao tema da riqueza e da pobreza, numa tentativa de leitura que mostre o desen­ volvimento dos conceitos e da linguagem; II) apresentação das duas passagens evangélicas:

III) análise de comentários patrísticos para tais passagens;

IV) tradução dos comentários patrístícos.'

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4. Além dlsso, o interesse por esta pesquisa especifica, ainda que em âmbito mais reduzido, já nvera ocasião de exprlmlr-sa num meu estudo anlerlor: Annune/o evangelfco e Instsnze soe/all nel IV seco/o, em "Augus~

ttnlanum", 17 (1977), pp. 7-24. 5. As traduçõea para o Italiano, com excsção de Ambrósio, De Na­ buthae historia e de Origenss, CommentBrlus ln Metthaeum, foram feitas pela doutora Lella Scarampl, a quem agradeço vivamente pela colaboraçlio.


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BENS TERRENOS E POBREZA NO ANTIGO E NO NOVO TESTAMENTO n"

1. No Antigo Testamento A escolha de duas passagens do NT psrs procursr conhecer em que termos se põe s relsção entre anúncio evangélico e bens terrenos no crlstlsnlsmo antigo obriga a recordar que são numerosos os textos da Escritura referente a ao tema dos bens terrenos, e por lsso referentes à riqueza 1 e à pobreza.s em eatreita associação com as vicissitudes da história de Israel.

1. A variedade de vocábulos usados na Blblla para Indicar o rico e a riqueza denota o lnteresse pelo tema e sublinha realisticamente os matizes particulares de cada situação. ct. verbetes Riche, RíchessfJ, de

auloria de H. Laaêlre, em OB, coI. 1093-1094, onde alo assinalados no AT hebraico os seguintes vocábulos: a) datssn, equivale a gordo, pIngue. ~ um dado frslco que Indica a origem de tal estado no bem-estar, na opulência, nas riquezas. 'ê o termo mais comum. b) m88h, tem o mesmo significado de dBf88n, mas é pouco usado (apenas duas vezes). c) sOa'I equivale a abundante (Iocup/es) J poderoso. d) 'etser, equivale a rico. e) kabêd, equivale a pessoa de peso, de valor (grav;s). Também este é um termo multo comum.

Na Blblle grega dos Selenla:

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o termo datsen foi traduzido por pachynô gordo, consistente, vIgo­ galo. alegre (porque de nada carece); roso e também por hllaros rico, abundante, ouro (Plu­ o termo 'asar foi traduzido por plautos to deus do ouro); o termo Icabêd foi traduzido por megas grande, forte e também rico, abundante. por p/ouslos As riquezas são chamadas: chtdmata = possessões, bens. chrdmatas = dinheiro. p/autos = riqueza.

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2. Os vocâbulos mediante os quais é Indicada" a pobreza" e cons:~ qüentemente a situação do pobre são numerosos, cf. verbete Pauvre,


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o tema da pobreza é, certamente, o mais paradoxal da revelação bíblica. Diante das exígências fundamentais e elementares da exis­ tência humana, o ponto de vista da Bíblia é o mais realista possível: nenhum elogio à pobreza por si mesma. A riqueza é um bem; por isso nenhuma Idealização de uma sociedade do mal-estar em contra­ posição a uma do bem-estar. autoria de A. George, em DB5 (Paris 1966), cal. 387-408.

No AT o

texto hebraico Indica o pobre com os seguintes termos: a) ébyOn, equivale a oprimido, Insatisfeito, não porque cobiçoso, mas porque' sem possibilidade de alcançar alguma plenitude. E também o mendigo, aquele que pode olhar com Inveja o rico. Com freqüêncla é aquele' que sofre sob a ocupação estrangeira e cuja pobreza contrasta com a opulência dos ocupantes. As vezes adquire um significado moral, porque Deus tem compaixão dos oprimidos, daqueles que sofrem por causa do Insolente orgulho que com freqüêncla acompanha os ricos e

poderosos. CI. DI 15,4.7; 15,11; SI 40,18; 70,6; 72,4; 86,1; 109,22. Para o período do exflio de Israel cf. Is 25,4i 41.17. O termo Indica, ao mesmo tempo, uma carência e a espera de que ta1 carência sela satlsfelts.

b) dai, equivale e Iraco, grdell. Com Ireqüêncla é usado em sentido flslco, mente lação o daI

mas o significado do termo não fisiológica; às vezes é contraposto entre o significado existencial e o é aquele que sofre pela opressão

se esgota numa realidade pura­ ao pingue, ao bem-nutrido. A re­ ético com 1reqüência é Indicada: social, com as repercussões que

lal estado provoca também em seu IIsieo. CI. Is 25,4; Pr 14,31; 22,16; SI 41,2; 72,13; Ex 23,3; Lv 14,21; 19,15; 15m 2,8; RI 3,10 ele. c)' rash, equivale a indigente, entendido em sentido social. O indi­ gente é sempre tal em contraposição ao rico: ct, Pr 10,4; 13,23; 14,20; 18,23; ,22,7. d). ani, equivale a humilde, àquele que Inclina a cabeça sob o golpe da sorte, da miséria, da aflição. I:. o aflito e este termo adquirirá logo um sentido moral. O ani é aquele que assume uma atitude mansa diante de Deus e dos homens. O Messias anunciado em Zc 9,9 é apresentado como

um enl: a passagem é retomada em Mt 21,4-5; cí, SI 18,28; 10,2.9; 14,6; Ex 22,24. e) anaw, equivale a pobre segundo o esplrito e aparece nos textos proféticos a partir do século VIII a.c. Com treqüêncla está presente no um termo relacio­ plural:' anawlm e os anawlm são os pobres de Javé. nado, mais estreitamente que os outros, com a piedade religiosa de Israel, cf. SI 10,17; 22,27; 25,9; 34,3; 69,33; 147,6; 149,4; Nm 12,3. Os diversos tradutores da Bíblia grega, chamada dos setenta, não mantIveram constantemente o mesmo termo grego para traduzir cada um dos vocébulos hebraicos que indicam o pobre. Os termos empregados são: adymatos = o fraco, flslca ou socialmente asthenês = o grácil, doentio endeês = o Indigente, aquele que carece de alguma coisa penês = o trabalhador que dá duro para vIver prays = manso ptochos = o mendigo tapeinos = o inferior, pela condição social, ou o vencido, o humilde 'oprlmldo pelos outros.

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A este propósito, bastaria lembrar o elogio que se faz no AT do êxito mundano como ainal da bênção de Deua. a O homem é abençoado por Deus por sua fidelidade; e essa bênção consiste em ter descendentes, em estar bem, em ter prestígio, em ser escutado. Verifica-se ali uma primeira e desconcertante aproximação entre o tema dos pobres e o tema da retribuição: o Justo e o lmpio são recompensados por Deus sobre esta terra por sua jusliça ou Impie­ dade. O Justo é cumulado com a plenitude da vida humana, ou seja, com o destaque da vida de relação, com a longevidade, com o bem­ -estar, com uma descendência que perpetue o seu nome e prestfglo.· O ímpio, pelo contrário, tem uma sorte Inversa.· A aproximação entre os dois temas também tem um longo desen­ volvimento, e um momento de crise decisiva, quando à longa cadela de textos que afirmam o que foi exposto agora se justapõe uma nova cadela de textos completamente oposta aos precedentes, onde se sublinha com ânimo aflito uma realidade inegável: neste mundo o justo com treqüêncta está mal; mais ainda, o justo está habitual­ mente mal e o ímpio habitualmente bem; 6 chegando..e até a esta­ belecer que o justo está. mal precisamente porque justo. Desta for­ ma, aquelas primeiras afirmações parecem negadas pela raiz. Daqui um paradoxo, que leva a ulteriores desenvolvimentos e aprofunda­ mentos do tema. Já vimos como a Blblla elogia a riqueza, porquanto a riqueza é em si mesma um bem: nlio s6 porque todas as coisas pertencam a Deus, e sua ampla disponibilidade pode ser interpretada como sinal de proteção e predlleção por parte de Javá (ê o caso de Abraão, Isaac e Jacó); , mas antes de tudo porque o piedoso Israelita, nlio menos do que qualquer outro homem, tem necessidade de bena materiais - a terra, a fecundidade dos rebanhos e dos campos ­ como complementos indispensáveis à existência dele e de seus des­ cendentes. O conforto se reflete logo na vida de relação, e condi­ ciona também por este caminho o homem: a riqueza assegura a Independência e impede a situação humilhante indicada por Pr 18,23:

3. Gn 13,2; 26,125S.; Dt 8,7-10; 28,1-11. 4. Assim, por exemplo, em Gn 13,2; 20,14~ 24,13-14.35; 30,30; 1Rs 10; Pr 3,16; 15,6; 19,23; 28,20; Jó 5,24; 42,10-12; Eelo 11,21-25; 31,11; SI 1,1-3; 112,1-3. 5. Dt 26,15-46; SI 109,10-12; Pr 6,6-11; 10,4; 12,11; 13,18.23.25; 14,23; 20,13; 21,17; 23,20-21; 24,30-34; 28,19; Eelo 18,33-19,188.; Jó 5,1-7; 15,25-35; 20,20-22; 22,20; 27,16-19 ele. 6. Jr 12,1-4. 7. CI. Gn 13,2; 26,12ss.; 30,43.

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"O pobre fala suplicando, mas o rico replica duramente". A riqueza é garantia de liberdade: permite não ter credores, com o risco ­ ou a certeza prática - de se tornar depois seus escravos.' Além disso, o bem-estar material é útil para conseguIr amizades no mo­ mento oportuno.' Os bens terrenos dão testemunho, pois, da ami­ zade do Deus da Aliança: oferecem vantagens Imediatas bem visí­ veis, mas são também um Indicio que revela precloaas qualidades humanas, segundo o que se diz em algumas passagens do Livro' dos Provérblos. 'o A riqueza, mesmo sendo um bem, nunca é o bem melhor. Há multas coisas que o AT convida a antepor à riqueza: a paz da alma, 11 a boa fama, lO a justiça," a boa saúde,'4 a sabedoria, que da riqueza pode ser fonte " e que ensina a desconfiar do ouro e da prata. 16 O diffcll equillbrio existencial entre pobreza e riqueza, e as vantagens de uma e de outra, são resumidos mediante a oração expressa pelo Livro dos Provérbios: "Peço-te duas coisas, não mas recuses antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira, nem me dês pobreza nem riqueza" 130,7). Com Uma atitude rigoro­ samente realista, tanto a excessiva pobreza como 8 muita riqueza são vistas como um risco espiritual. Porque também a pobreza é espiritualmente perigosa;" o pobre - qualquer que seja a forma pela qual sua pobreza se exprime - está exposto a ressentimentos e rancores. Mas multo mais danosa é a excessiva riqueza: expõe a preocupações Inúteis: 18 sobretudo insufla Ilusões de auto-suficiên­ cia, e por Isso torna arrogantes diante de Deus" e, evidentemente, do pobre. 2o No AT. em várias ocasiões, a tentação de esquecer-se de Javé é relacionada com a abundãncia e a segurança que Israel alcançou: para Osélas e Ezequiel o bem...star faz com que Israel es­

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queça sua origem e o seu significado. 21 enquanto se evidencia o estreito vínculo que se estabeleceu entre riqueza e idolatria. 22

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Segundo a legislação do AT, no povo de Israel não pode e não deve haver pauperismo: e portanto não pode haver pobreza absoluta, que comporta necessariamente uma condição de dependência e por

isso - equivalentemente - uma volta à escravidão da qual Israel foi libertado desde suas origens, quando foi tirado do Egito. Sob este aspecto, mais do que em qualquer outro caso, vale o modelo do ~xodo: na peragrlnação do deserto é imposslvel a divlsão em classes sociais; todos são virtualmente pobres e iguais, nem é poso' sível que exista o miserável. A legislação mosalca, assim como se fixou no texto bíblico, é composta de camadas diversas; comporta adaptações e acrésci­ mos, onde o novo não cancels nem substitui o antigo, mas se justa­ põe a ele, documentando assim a superposlção de épocas e a vsrie­ dade de circunstâncias históricas. Mas não é só Isto; em algum momento ii mais projeto e programa ideal do que norma efetlva, como - pelo Que se pode supor pela insuficiência da testemunhos nos textos narrativos - o r.esgate automático dos eacravos no fim de sete anos e a instituição do jubileu." Mas trata-se sempre de codificação Imperativa, qua gara obrigações morais e reflexões de fá, e constitui a base para todo propósito de reforma. Por essas normas parece ferIdo o próprio mecanismo da pobreza, e por isso a possibilidade da uma verdadeira e própria classe social de pobres, que não só não possuem nada, mas são possuldos por outros. Em particular, há textoa do Levitico le estes confirmados, ainda que com variantes, pelas narrações) onde se introduzem inIciativas

8. CI. Pr 22,7. 9. CI.Eclo 13,21ss. 10. CI. Pr 10,4: 20,13: 12,11; 21,17. 11. CI. Pr 15,15. 12. CI. Pr 22,1. 13. CI. Pr 18,S. 14. CI. Eclo 3O,14ss. 15. CI. lRs 3,11ss.; Jó 28,15-19; Sb 7.a-l1. 18. CI. DI 17,17.

17.' CI. Pr 30,9.

18. CI. Ecl 5,9-10; 2,la-23. 19. CI. DI a,12; 8,12; 31,20; 32,15; Os 13,6; Jr 9,22; Pr 10,15; 11,2a: SI 52,9. 20. Cf. Ne 5,1-5; Am 4,1; 5,12; 6.4~6; JO 24,11; Ez 16,49j Is 3.1e~24;

Jr 22,13; MI 3,5; Mq 2,1-9: 6,10-12; Zo 5,5-11 sIc.

qua são originais de Israel. Não se deve ceifar além dos limites do campo, onde o pobre tem direito de ceifar: .. o qual tem também o direito à respiga, que comporta o devar para o dono do campo de não respigar;" existe a proibição de recolher completamente os cachos da videira," o dever de não emprestar a Juros, 21 de res­ 21. 22. 23. 24. 25. 28. 27.

CI. O. 2; Ez 16. CI. O. 10,1; Is 2,7-ll; 7,20: E2 7,19-20.

Por exemplc, Ex 21,1-11; 23,11; Lv 25,3-9; DI 15,1-la.

Lv 19,9. Lv 25,3~; et, RI 2,1-3. Lv 25,3-8; 19.10. Ex 22.24; Lv 25,35.


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tituir O manto que foi dado como penhor, porque é a coberta do pobre." Todas estas normas têm na base uma real paridade que não é uma afirmação de princípio abstrata. Num livro relativamente recente. como o de Neemias. ela se encontra operante em suas normas e sobretudo em suas razões essenciais. 29

••• A primeira etapa da hiatórla de Israel, ao se estabelecer na terra de Canaã, é constltuida pela passagem do regime fundamen­ talmente patriarcal de um povo repartido em tribos e clãs, COmo é o dos Juizes, para a monarquia. Mas em Israel, para além das razões que em toda a Asla anterior sacralizavam a figura do rei, a Instituição monárquica encontra-se inserida no sistema da Aliança: por Isso uma mediação sacerdotal - e de fato assim será interpre­ tado mais tarde em algumas idealizações p6s-exilicaa - onde o rei representa o povo, a SUa fidelidade e o seu futuro, diante de Deus e, ao mesmo tempo, embora sem constltulr Um personagem de categoria divina, visibiliza a paternidade de Deus ante todo o Israel. De fato, a instituição monárquica deu concretamente início ao tema . do messianismo, talvez o mais Importante entre os temas blblicos e estreitamente ligado, de várias maneiras, ao tema da pobreza. A monarquia é para Israel uma Instituição necessária, como instituição necessárIa é a riqueza: mas na Biblia não há nada óbvio que seja aceito tal e qual. Uma série de textos monárquicos e anti­ monárquicos em 1,2 Samuel so exalta ou difama a monarquia; ela é exaltada como verdadeira libertação dos opressores quando, para enfrentar os Inimigos, a única poaslbllidade de salvação é a unifica­ ção politica, militar e administrativa sob um soberano. Mas é igual­ mente evidente que o rei é um explorador. O início histórico da monarquia comporta Imediatamente que à velha administração tribal, com a sua rudeza e simplicidade, mas também com a sua inocência, se sobreponha uma administração centralizada que Ignora comple­ tamente os confins das tribos. As conseqüências são bem precisas: aumentam as taxas, difunde-se o latifúndio, o rei se torna o principal latifundiário do país; e os mais fracos, onerados por uma adminis­ tração que - ao contrário da tribal - nada tem de original e de

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sagrado, vêem-se obrigados a vender o pr6prio patrlmõnlo repre­

sentado pela terra. E é um escândalo grave, porque a porção de

terra prometida que se recebeu dos avós e que se quer transmitir aos filhos exprime visivelmente a inserção do homem no povo de

Deus. Nestes termos, o latifúndio não é simples injustiça sccial,

não se limita a cancelar a paridade originária que caracteriza todos

os membros do povo de Deus, mas conduz diretamente a uma des­

sacralização de Israel, arranca o povo da terra, quando povo e terra

- uma descendência e uma pátria - são os dois termos indisso­

ciáveis da promessa a Abraão. Sl

••• Por mais incerta que seja a história interna da legislação mo­ saico, o desenvolvimento de algumas idéias de fundo permanece; dentre as quais a imagem de um Deus que, entre ricos e pobres, apesar de sua justiça absoluta, se posiciona sempre em favor do pobre; remonta-se assim à razão última das garantias que a lei procurava oferecer aos pobres e que constituiam uma limitação do direito dos ricos. A razão desta singular parcialidade de Deus responde a uma evidência de fé: o rico já tem suas garantias que são precisamente as riquezas; o pobre, pelo contrário. não as tem, e a paridade entre os dois é restabelecida por Deus que se cons­ titui avalista, intervindo em favor do pobre. Esta idéia de fundo é explicitada e desenvolvida pelos profetas, que se apropriam de todos os temas essenciais da lei e os relan­ çam, atuallzando-os. Nada de demagógico ou populista nas célebres invectivas dos profetas contra os ricos; e nada de paternalismo, mas apenas uma certeza de fé que se torna protesto e condenação, diante da opressão do pobre. aa Chega-se assim à identificação da causa de Deus com a causa do pobre, .. à Idéia do pobre como amigo e fiel seguidor de Deus. Tal Identificação subverte claramente o conceito de pobreza, que não é mais apenas econOmico ou socio­ lógico, é também espiritual e a partir de um certo ponto ­ totalmente espiritual." O pobre se torna uma só coisa com o 31. Mq 2,1-5; Oa 5,10; 1Rs 21,2; 's 5,6. 32. ~ a denáncla dos tributos desonestos (Am 4,1; 5,11-12; Is 3,14-15); do comércio desonesto (Am 8,4-6): dos julgamentos Inlquos (Is 10,1-2;

28. Ex 22,25-26. 29. Em Na 5,1-13 é sublinhada a proibição de praticar a usura. 30. A monarquia é exaltada em 28m 5; 6; 7 e é condenada em 18m 6; 1011788.; 12,1285.

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32,7; Jr 5,28; 21,11-12; 22,13ss.). 33. Is 11,4; 14,30-32; 41,17; 49,13; 54,11; 61,1; 25,4; 26,6; Am 2,6-7; 4,1; 5,11; Sr 2,18. 34. CI. SI 2,3, texto-chave desta transformaçfto: no paralelismo poé­ tico do texto oracular, o vocabulário da pobreza equivale aos termos que Indicam a santidade.

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BENS TERRENOS E POBREZA NO AT E NT

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BENS TERRENOS E POBREZA NO AT E NT

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que se entrelaçam: a riqueza e a pobreza, o poder politico e a fact­ IIdade com que o poderoso dispõe dos outros, o pobre e a terra, o lmpio e o justo. t um conjunto de dados que fazem parte da história de Israel e esta história se tornará um modelo e um exem­ plo para as comunidades cristãs dos primeiros séculos, apesar da distância de tempo e de cultura. 'o

hOmem com o qual Deus está de acordo." O pobre não é apenas uma só coisa com o santo. mas o santo é necessar1amente um pobre; e a razão da pobreza é, para ale, o próprio Deus a sua palavra. Personagem emblemático desta nova definição interior da po­ breza é Jaremias, o profeta que vive entre o fim do século VII e o Inicio do século VI, aproximadamente contemporâneo de Sofonlas. Sua vocação, evidente desde o primeiro capitulo, mostra-o como um profeta fragilizado por Deus pare que, preclssmente através de sua fragilidade, passe a Iniciativa divina. ao Desenha-se nas confis­ sões de Jeremias a figura do aflaw, o pobre de Javé. Com Jeremias ínlcta-ee o exillo, em 586, e, durante o exflio, além das mudanças radicais que atetam rallglos a e culturalmente todo o Israel, o messianismo monárquico - depois do fracasso da dinastia davldica _ assuma novo dlreclonamento, segundo o modelo da história Interior de Jeremias. 8T Mediador de salvação para o povo dos deportados é agora, em vez do soberano, o Servo de Javé: uma figura measlãnlca de profeta humilde, rejeitado e condenado 1l morte, e contudo realizador de uma missão universal !l qual Deus dá cum­ prlmento precisamente em virtude dos sofrimentos do profeta. 1'8­ A mudança é relevante: o Messias não tem mais o poder absoluto de um rei orientai, mas é um "pobre de Javé". cuja autoridade porém é Imensamente maior dIante de Deus. que escuta e acolhe a sua medtaçâo em beneficio dos pecadores a. e diante de todos os homens, não maIs apenas dos Israelitas. O tema da pobreza atingiu assIm o seu vértice: a salvação que Deus oferece aOS homens é dada por obra de um pobre.

•••

o tema dos pobres de Deus ou, segundo uma expressão técnica que se afirma depois do exllio nos textos sapienciais, dos "pobres de Javé", refere-se. como vimos, 8 um conjunto de experiências 35. Na literatura sapiencial. reencontramos o tema do pobre agradá"s' a Deus, do oPrimido, do exilado qua encontrou e IIberteção em Javé: cl. SI 9,13-19; 12,13: 22,29; 34,7; 35,10: 37,9-11; 72,2-4 etc, 38. Jr 11,18; 12,6; 15,10-21: 17,12-18: 18,18·23; 20,7.18, 37. Para tudo o que se refere 80 desenvolvimento dos temas mes­ B1Anlcos. e também para a relativa bibliografia, cf. o verbete Messlan/sme~

de autoria de A. Gelln, em DBS, V, coi. 118S-1212.

38. Para os cânticos do Servo de Javé, contidos todos nO Oêutero­ -teeree, ct, Is 42,1-7; 49,1-6; 50,4--9; 52,13--53,12.

39. CI. Is 53,10-12.

2. No Novo Testamento

t difícil determínar a transformação, ou a realização, que o tema dos pobres recebe no NT, com textos numerosos, sob diversas linhas de desenvolvimento. De seu conjunto emerge uma novidade global: a salvação madlante o pobre que, no Dêutero·lsalas, se encontrava personificada na figura do Servo de Javé, agora se tornou Pessoa e evento hIstórico em Cristo.

I

40. Quando na história de Israel o teme da pobreza chega a uma espiritualização, para a qual o. pobre é aquele que nao tem segurança e garantlae, toda a história anterior ao exOlo e todos os textos bfbllcos pertencentes a esta h1stórla são obleto de uma releitura, a começar pelo Livro das orIgens (Qn 1-11) e depois com a história patrIarcal. Abrallo é o modelo do pobre, e o serlo JecO, José, Moisés e todos os que são protagonistas e Iniciadores das etapas sucessivas de uma história que é grande, mas que passa atravéa de um empobrecimento completo. Se no Génesis e no ~llodo é sempre um povo de pobres que Invoca a

üeue do profundo de eua prOprfe Impotência, o Livro de Josué sublinha a reallzaçAo da promessa. a ocupaçlo da terra. Mas o LIvro dos Jult.es põe em evidência, precisamente em contraste com o Livro de Josué, a Incompletude da posse da terra. A promessa não cancela a Identidade do povo como povo de pobres; pelo contrário, a esta altura é focalizado um novo motivo de pobreza: o pecado. Este se torna a principal fonte da pobreza do homem porque rompe a sua possibilidade de viver em releção com Deus. O Uvro dos Ju(zas sublinhe e releçAo crcuea que

se varlllce: hIl quem esteja bem porque 101 llbartedo e estando livre não tem mels neceesldade de Deus; começa assim a pecer 8 pecando chega ao desespero. e no desespero reencontra a evidência da própria depen­ déncla de Deus. Nos Livros de Samuel, com a 11gura de Davi. aparece de maneira vlsfvel o vrnculo entre o pobre e o eleito. A elelçtlo é pura­

mente gratuita e é escolhido o mais Ireco, o mais pobre, preclsamonte para pôr em evidência e Iniciativa de Deus. O tema da pobreza e do pobre continua nos livros Sepjenclejs até chegar, dois séculos sntes do aparecimento de Cristo na história, à coletãnea de sentenças, chsmsda o Eclesiástico, onde estio presentes as Idéla9 lê vletaa: o significado da

prove <2,1-6; 6,18-37; 34,10; 51); o chemado li bondade pera com os pobres dos quais Deus é protetor; o valor do que SEl relaciona com a riqueza e os relativos perigos. O livro do Eclesiástico ou Slrécida termina com um cãnttco de louvor a Deus que salva o Justo humilhado. pro-vado,

solredor <51,2.s.).


BENS TERRENOS E POBREZA NO AT E NT BENS TERRENOS E POBREZA NO AT E NT

20 Bens terrenos e pobreza são objeto, no NT, de uma dupla ava­ liação. De um lado, tnsíste-se em dizer que a pobreza não é puro mal a ser cancelado. De fato, jamais será eliminado na história humana: sofrimentos trsícos ou morais existirão sernpre.r'! Não só, mas na linha do AT, a pobreza é sentida como altíssimo valor positivo. IÔ a teologia das bem·aventuranças, em Mateus e Lucas; ·12 a pobreza é a primeira dentre as bem~aventuranças e retorna, em cada um de seus aspectos, também em todas as outras. Com a pobreza. segundo o discurso evangélico, alcança-se a plenitude esca­ tológica, precisamente a bem·aventurança desde hoje iniciada. Mas há também o ponto de vista complementar, da condenação das riquezas. A admoestação referida por Lc 6.24-25: "Mas. ai de vós. que sois ricos, porque já tendes o vosso consolo! Ai de vós, que agora estais fartos, porque tereis fome!", tem todo o aspecto de uma condenação absoluta dos ricos." Na realidade. o difícil aqulllbrio enunciado nos Provérbios não se perdeu: recebeu uma nova unidade de medida: o reino dos céus, que é o bem supremo, comparado à pedra preciosa. ao tesouro- oculto que é preciso vender tudo para conquistar." Porque não se pode servir a dois senhores: Deus e mamona. 4 3 E "mamona" será chamada iniqüidade em um fogion que à 'aquisição das riquezas acrescenta a Idéia de injus­ tiça. 46 O dinheiro é um senhor tirano porque sufoca a palavra do

41. Cf. Me 14.7.

42. M1 5,1-12; Lo 6,20-23. Para o tema das bem~aventurança5 e das maldições .em Mateus e Lucas. ot. J. Dupont, Le b8atJtudinJ, I e II, trad. It., c

Roma 1976, 3.· ed,

43, Esta passagem adquire relevo quando, lida depois das bem-aven­ 28. A obediência a Deus é premiada no AT com um longo elenco de bênçãos que se concretizam na abundância de bens, segundo toda dimensão hu­ mana; ao passo que a desobediência provoca um longo elenco de mal­ dições que se poderiam Identificar com concretas situações de pobreza. As bem-aventuranças do NT, à primeira vista, estão certamente mais próximas das maldições do que das bênçãos de Dt 26. Sobre 8 particular atenção de Lucas com relação aos pobres, cf. C. Stuhlmuller, II Venge/o secondo iuce, em Grande Commentar/o Bfblico, trad. it., Brescla 1973,

turanças, é confrontada com as bênçãos e as maldições de que fala

p, 972. 44. CI. MI 13,44-46.

ut

45. Cf. Mt 6,24; te 16,13. A palavra aramaica mammon, conservada pelos evangelistas na forma originária, indica as riquezas. Em Eclo 31,6 Já era usada num confronto com os (dolos cananeus aos quals os hebreus haviam oferecIdo sacriflcios. Sobre o significado do termo mamona, cf. F. Hanck, s.v. mam6nas em Grande Less;co deI nuov» Testamento, VI, trad. it., erescte 1970, cal. 1047~1054.

46. ct. Lc 16,9.11: ct. F. Henck, op. cll., cal. 1052.

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Evangelho.47 A riqueza com todas as preocupações e os prazeres que traz consigo desvia a atenção do convite ao banquete de nüp­ cias.48 A negatividade dos juízos expressos com relação às riquezas deve ser vista à luz de uma passagem que explicita sua positivi­ dade, tendo mais uma vez como ponto de referência o reino. A Pedro que faz a observação ao Senhor: "Eis que abandonamos tudo e te seguimos", é dada a seguinte resposta: "Não há ninguém que tenha abandonado casa, mulher, irmãos, pais. filhos. pelo reino de Deus, que não recebe muito mais neste tempo. e no século futuro a vida eterna". 4" É claro que a promessa do multo maIs se refere, entre outras coisas, aos bens terrenos. Ao lado da passagem lucana, há outros textos evangéllcos' o que parecem abrandar a critica ra­ dicai a tais bens. Jesus não pertence a uma classe de escravos e deserdados, mas à dos artesãos. nl Os dtsctpulos que ele chama são, no seu ofício de pescadores" ou de exatores.·· pequenos proprietários. O comportamento de Jesus é claramente diverso do rigorosamente ascético, de João Batista." pois aceita que alguns dos que lhe estão próximos tenham propriedades e, em sentido amplo, bens" dos quais ele mesmo usufrui;'· ele mesmo não se recusa ao cantata com os ricos. IIi Quando ensina que o dinheiro emprestado não deve ser pedido de volta, pressupõe que axistam os que o possuem. 118 No Evangelho de Mateus, diversas sentenças do sermão da montanha são dedicadas ao tema dos ricos e das riquezas.'· O Evan­

li

47. CI. MI 13,22; Me 4,18-19; Lc 8.14. 48. CI. Lc 14.18-19. 49. Lc 18,29-30. 50. Cf. L. Orabona, Cr;stlaneslmo ... , ctt., pp. 27~29. Um in1eressante comentário aos textos que têm diferentes valorizações dos -bens terrenos

é oferecido por M. Henge', Property 8nd R/eh.. ln lhe Early Chureh. File­ délfia 1974. pp. 28-26. 51. Me 8,3. 52. Me 1,20; MI 4.21. 53. Me 2,14. 54. Mt 9,14; 11,16; Mc 1,6ss.; Lc 7,34j Jo 2,1ss.

55. 56. 57 58.

Me 1.29; Lc 8.2-3; 10,38. Me 14,13-14.

Me 2,3-17; 14,3; Lc 7,365s.; 11.37; 14,1-12. Mt 5,42; Lc 6.30-34.

59. Cf. 5,3-6; 6,19-21.24ss.

A propósito da bem-aventurança relativa paralela de Lc

80S famintos e sedentos de Justiça (Mt 5,6 e passagem

6,21, que fsla só de "famintos"), Cf. J. Dupont, op. clt., I, pp, 311-319. Sobre a interpretação patrfstica de Mt 5,6 cf. o recente estudo de pe;, Ms­ loni, "Beati gll affamati di giustiz/s". L'/nterpretazione patrlstlca, em San­ dalion" (Sassari) 1979. pp. 144~219. Cf. além disso as passagens de

MI 13,22.44-46: 19,16-30; 25,31-46; 27.57-58.

!I I: I'.,


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gelho de Luces sobretudo rIquezas. 00

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Insiste nos perigos que derivem das

o

motivo da liberdade é Importante: não se reduz à ausência de Imposições, à simples espontaneidade; mas apela para a liberdade da lei proclamada por Paulo e constitui a expressão mais radical e profunde da' pobreza." Porque as riquezas são garantia; também - ou sobretudo - as riquezas espirituais, os méritos adquiridos com a fidelidade à lei; ao passo que a pobreza é, essencialmente. falta de garantias. A libertação que vem de Cristo subtrai o homem ao peso das observâncias legais e comporta uma dependência ime­ diata do Espirita, única norma escrita no coraçâo.·7 A comunhâo dos bens não é. pois, apenas sinai de uma aceitação reciproca entre os fiéis, e por Isso da comunhão com Cristo, presente com o seu Espírito em cada um deles; exprime sobretudo, enquanto manifas­ tação da pobreza. que lodo cristão é, como Cristo, um Servo de Javé. A pobreza passa a fazer parte Integrante do anúncio cristão porque se enralza no mistério pascal de Crismo Na pãscoa de Cristo, a kénosis que ele sofre - ou seja. o abaixamento da encar­ nação a o esvaziamento de sua própria existência através do fra­ casso da pregação. a rejeição. a condenaçâo e a morte - comporta que ele ae torne, na sua própria humanldade, o Kyr/os. o Senhor absoluto de homens e coisas." Mas a "glorificação" é devida pre­

• • • Uma págins de Mateus sobra o julgamento do último dis" for­ nece a razão da posição de privilégio que o pobre adquire com relação ao reino: o pobre é o sinal da presença de Cristo no meio dos homens. Um sinai universal: não se trata de homens que o conheceram. ou que ecredltarem nele, moo de qualquer homem, a quem se pede conta de seu relacionamento com os pobres. e tais relações são Imediatamente com Jesus Juiz. Nesta página se afirma a centralidade de Cristo - e por isso da. sua pobreza - na vida de cada homem. ~ esta a experiência, expreSSa de ",anelra vl.slvel e Institucional. pela primeira comum­ dllP!t."de Je~usal.ém, como é apresentada nos Atos.'· Do texto h.íCanCl. rellultlil que a comunidade de Jerusalém não quer que haja ~em rlc9~nain 'pobrea: "Ninguém. dizia que era propriedade sua nem. um il611a seus bens; pelo contrário, tudo lhes era comum"," aplllalídoPllra a' paridade de condição que Já a leglalação Judaica propunha como meta Ideal. A comunidade judeu-crlstã de Jerusalém exige uma igualdade que exclua a miséria; mas a comunhão dos bena," ao contrário do que acontecia entre os essênioa, era livre escolha de pobreza.• e

diferença entre a liberdade cristã e a obrigatoriedade qumrAnlcs, cf. Pe. I

60. cr. Lo 1,52-53; 6,20.24-25; 8,14; 12,13-21.32-34; 14,12-14.16-24; 16,12-13.19-31;· 18,la-30; 19,1-10; 21,1-4. Alguns ensinamentos partencem sõ ao Evangelho luceno (et, Lc 12,13-14; 14,15-33: 18,12-13.19-31; 19,1-10), enquanto outros, também significativos sobre a riqueza, são comuns, com

algumas vartantes, aoa Irêa 51nOllcos (cr. MI 19,18-30; Mc 10,17-31; Le 18,29-30). 61. C1. MI 25,31-48. 62. C1. AI 2,44-46; 4,32-37. Para a Inlerpretaçêo patrístlca destas pas­ sagens, ct. o estudo de P. C. Borl, Chleaa ... , clt.; para a utilização da expre8SAo: Tinham tudo em comum e a sua reminiscência aristotélica, cf.

tr·

M. Hongel, op. clt., 31. 83. AI 4,32.

64. Para o tema da comunhão dos bens na primitiva comunidade

de Jeruselém, cl. J. Dupont. La comun/lé dei bem nel prlml templ delle Ohlosa, em Studl augll ArtI dBg11 Apostoll. Irad. II., Roma 1971, pp. 881-889;

M,~Del. Verme, La comunlone dei benl nsl/e comunltã primitiva di Gerusa.. ,!,"ma; em

RI..

Blbl. tI., 23 (1975), pp. 353-382. J<'t!~.e6,., Cf. At 5.4. No que S8 refere a concordâncias e discordâncIas

:~~t8;r' esqAnlos

e crlstAos de Jerusalém. cr., entre outros, M. Dei Verme. 'lJ!onfl e condlvie/one dei benl, Brescla 1977, pp. 12()"131. Sobre a

2..1

I

Brezzl, FonU e studl di stor/a dalla Chlosa, "'11~0, 1962. p. 142. 68. O eplalolá~o paullno, no ámblto do lama da riqueza e da pobreza, ev1dencla a exortação do apóstolo ao trabalho. A comunidade de Teaaa­ 10nlca é convidada a ganhar o pêo com o trabalho daa próp~aa m~oa (1Ts 4,12; 5,14 e também EI 4,28); de resto, é o que faz aprOprio Paulo (At 18,3; lCor 9,6). As comunldadas a que Paulo ae dirige não são abastadas (teor 1,26); mas o seu padrão de vIda é melhor do que o da comunidade hler08011mltana, como demonstre a coleta por ele feita entre os ét",co~crlstãos em favor dos pobres que se encontram entra os santos de JerusaMm (Rm 15,25~26). Também nas comunidades fundadaa por Paulo há àa vezea notávals dlaparldadea .oclala (lCor 11,20). Paulo prege contra a avareza e a cobiça (Rm 1,29; 1Cor 511055.; 6,10; 2Cor 9,5; 1Tm 6,8-10) que em CI 3,5 Idenllflca com a ldoletrla: pade aos que possuem dêem aos que não possuem, de modo que haJa Igualdade (2Cor

8,1355.); lambra que o tampo é breva (lCor 7,9); que os últimos tempoa

lê. estão pr6xhnos (Rm 13,12), e por Isso nasce o convite a considerar os bens possuldos como se não se posaulseem (1Cor 7,30). 67_ CI. Rm 3---a; GI 1--4. Para a disponibilidade do pecador (que é pobre da maior mieérla) a receber aredenção, ct, em particular a parébola

do farIseu e do publlcano (Lc 18,9-14). 66. O texto mala Indicativo deste conceito, fundamental na teolpgla

de Paulo, é o hino da carta aoa Flllpenaea (2,6-11).


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II

clsamente à anterior kénos/s, que é pobreza e que como tal consti­ tui o fundamento da experiência pascal de Cristo e, através dele, dos cristãos. 69

• • •

o anúncio cristão confrontado com os bens terrenos deve ser lido em chave de história da salvação e não de história das doutrinas sociais, económicas ou políticas. Tal anúncio deve confrontar-se, sempre de novo, com as sltuaçóes de cada tempo e de cada cultura para mostrar, de um lado, a sua completeza e, de outro, a sua encar­ nação diária. ~ o que procuraremos captar através do exame dos dois textos evangélicos propostos, nos comentários dos Padres dos primalros séculos.

"

APRESENTAÇAO DAS DUAS

PASSAGENS EVANG~LICAS

1. O epl86c110 do jovem rico

o episódio do Jovem rico 1 narrado pelos Sinótlcos 2 mostra a atitude de Jesus ante a riqueza. Segundo Me 10,18-22, à pergunta do jovem: "Oue devo fazer para conseguir a vida eterna?" (Me 1<1,17),· Jesus responde: "Co­ nheces os mandamentos", e cita o decãloqo.» Em Me 10,19, depois da expressão: "Não levantes falsas acusações". acrescenta-se: "Não deves fraudar", ordem que, segundo paralelismos biblicos, foi Inter­ pretada como: "Não deves reter o justo paqarnento"." Mateus omite esta expressão, cita cinco dos dez mandamentos e conclui acrescen­ tando o mandamento do amor ao próximo; "Ama o próximo como a ti mesmo", segundo o texto de Lv 19,18. Para alguns exegetas, o discurso de Mateus seria uma catequese voltada para os judeu­ 1. Mais precisamente Me 10,17-27 o Indica com o aramalsmo "um" (he/sl; Mt 19,20 diz que é um Jovem (nooniskosl; Lo 18,18 'ala de um de nobre ramllla (archOn). Na exposição seguiremos o texto de Marcos, por­ que dele, com multa probabilidade, dependem Mateus e Lucas: cr. J. Du­ pont, La boatiludlnl, II, tred. It., Albe 1977, p. 235.

2. Me 10,17-31; Mt 19,16-29; Lo 18,18-30. A história do Jovem rlco é narrada também no Evangelho dos Nazareus; 01. J. Jeremias. Gil agrapha

di GesiJ, trad, lt., Brescla 1975, 2.· ed., pp. 65-68. 3. "Que devo fazer de bom para conquistar a vida eterna?" (Mt19,16); "Que devo fazer para herdar a vida eterna?" (Lc 18,18). Omitimos, por­ que não é diretamente Inerente ao nosso estudo. o que se refere à axpres­ são "Bom Mestre",

69. Cf. Mtlo,17-25; 16,21-26; 17,22-23; 20,17-19; 8,31-38; 9,31; 11,32-34; 13,a-13; Lo a,22-27.43-45; 18,31-33; 21,12-19; Jo 15,18-23; lJo 3,12-13.

4. CI. Ex 20,12-17; Dt 5,16-20. 5. CI. DI 24,14; MI 3,5; Eolo 31,22 segundo os getenta; Tg 5,4 e R. Schnackenburg, L'es/stenza cristiana secondo 11 Nuovo Testamento, trad. lt., Módena 1971, p. 128.


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DUAS PASSAGENS EVANGl!lLICAB

DUAS PASSAGENS EVANGItLlCAS

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exegese literal, alegórica ou simbólica de que se lançou mão," Tal loglon de Jesus se apresente com poucas diferenças nos Slnólicos, mesmo que alguns manuscritos do Evangelho de Lucas tragam a versão kaml/os (amarra de navio) em vez de kame/os (camelo). A se­ melhança com ditos rabínicos ,. e com hipérboles presentes no Corão e no Ta/mude" Inclina à leitura kame/os, amplamente atestada. ,. Além disso, é improvável a hipótese de que por fundo de uma agulha se quisesse Indicar uma pequena porta de Jerusalém. ie Ouvindo tels afirmações de Jesus, a admlreçllo dos discípulos aumenta: "Eles ficaram mais Impressionados alnda. E comentavam entre si; Mas então, quem pode se salvar?" (Mc 10,26), Este espanto foi Interpretado como a reação de quem se encontra diante da revi­ ravolta da convicção comum no judarsmo, segunde a qual a amizade com Deus e a sua bênção se traduzem em prosperidade e bem-estar terreno. 17 Talvez seja necessário também ter presente que o termo chtêmata devia significar pars os redatores dos Slnótlcos um vocá­ bulo compreensivo de todo bem, possuldo pelo homem, do qual portanto ninguém estava totalmente prlvsdo e do qual era Impos­ sível separar-se apenas com a própria força e vontade. Uma reali­ dade, portanto, que seguramente envolvia muitas outras "coisas" além das riquezas, Com efeito, quando Pedro toma a palavra, a fim de reivindicar para si e para seus companheiros o esforço feito para realizar o que é exigido pelo 'Senhor: "Abandonamos tudo e te segui­ mos" (Mc 10,28), recebe como resposta a garantia de que a quem, como ele, deixar tudo será devolvido "cem vezes mais em casas, Irmãos, irmãs, mães, flihoa, terras e também perseguições, e, no

-crlstãoe: • é a estes que, através da perícope do jovem rico, seria apresentado o que vai além do legalismo Judaico. À resposta do jovem: "Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha adolescência" (Mc 10,20), Jesus, de quem Marcos ressalta a atitude de afeto, dá então uma ordem precisa: "Uma coisa te falta: vai, vende tudo quanto tens e dá 80S pobres, e, então, terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me" (Mc 10,21).7 A re­ cusa do Jovem de seguir Jesus· é a ocasião para uma nova refe­ rência às riquezas: "Como é dlflcll aos que têm riquezas· entrar no Reino de Deus" (Mc 10,23),'· Diante do espanto dos discípulos, Jesus insiste: "Filhinhos, como é dificil aqueles que confiam nas riquezas entrarem no Reino de Deus! I! mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus" (Mc 10,24-25).11 Deram-se diversas Interpretações deste último versículo, de acordo com a

e. cr, R. Schnackenburg, L'6Il/alenza .. " clt., p. 126, 7. As divergências entre os SlnOllcos são agora mais slgnlflcallvas. "Tenho guardado tudo lato (desda criança); qua me falta ainda? Jesus então concluiu: 'Se queres ser perfeito, vai, vende 08 teus bens, dê aos pobres B terás um tesouro no céu. Depois. vem e segue-me' ti (MI 19, 20~21). Em Mateus o Se queres ser pertelto não é o convite a conseguir um particular grau na' cemuntdede, mas equivale 8 tornar-se dleclpulo de Cristo. cf. J. L. Mackenzle, II Vange/o 8ecando Mettea, em Grande CommentBllo Blblíco. Breaela 1973, p. 945, onde se observa também a relação entre ó convite da Jesus e o testemunho que de tal prátíca dá a

Igrela prlmlllva (At 2,44); "Obsarvo tudo lato desde a mInha mocidade. Depois de ouvl~lo. Jesus disse: IAlnda te fàlta uma coisa: vende tudo o que tens, reparte com os pobres e terás um tesouro nos céus. Depois,

vem e aague-ma'" (Lc 18,21-22). Igual racomendaçllo em Lc 12,33. 8. IlSeu rosto ficou sombrio. E retirou-se triste, porque. tinha muitos

bens" (Mc 10,22). "Tendo ouvido Isto, o moço foi-se ambora, entrlsta­ eldo, porque possuIs multos bens" (MI 19,22). ''Quando ouviu Isto, ficou multo entrlatecldo, vlato que era axtremamente rico" (Lc 18,23). 9. Esta referência expUclta às riquezas .(chrémata) deu a impressão de limitar bruscamente 80s ricos apenas um discurso que pareceria, pelo contrário, dirigido a lodos, como é o do aegulmento de Crlato e da difi­ culdade de entrar na vida do éschafonj ct. E. J. MaUy, /I vange/o secando Maroo, am Granda Commenfar/o Blbllco, clt., p. 877. 10. Esta passagem B a primeira referência ao espanto doe dI8Clpu~os, que seguem logo em Marcos, nêo BStlO presentes em Mateus e Lucas. 11. "Eu vos declaro esta verdade: é dlflcll para um rico entrar no reino dos céus. Repito: é mala fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus" (Mt 19,23·24). "Como é dltrcll psra os que possuem rlquezae entrar no ReIno de Deus! É maIs fécll um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de üeee" (Lc 16.24-25).

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12. CI. G. Alcher, Kamel und Nadeloahr,· em "Neutestamentllche Abhandlungen" (MOnater), I (1903) 5; var também C. Lattsy, Camalus par toremen acua, em "Verbum Domlnl", 34 (1953), pp. 291-292. 13. CI. J. Jeremlaa, La parabo/e di G6Il(), trad. n, Brescla 1973, 2.· ed., p, 238, n. 79. 14. F. M. Lopez Melus, Pobreza y rlqusza en los evangal/os, Madri 1983. p, 154. 15. Cl. G. Bonslrven, Las enselgnemenls de Jésus-ehrlsl, Paris 1946, p. 170j entre os Padres propendem para a amarra: Cirilo de Alexandria, ln Mt 19,24; Comment. ln Lucam 18; Or'genes, cr. Zahn Th., Das EvangeJium das Matlha9us, Lalpzlg 1903, p. 593. 16. Cl. J. L. Macksnzle, op. elt., p. 945. A Intarpretaçllo asplrltuallsta vê indicado no fundo o caminho estreito, a porta estreita através da qual é preciso passar para ter a vida. Para Agostinho, Quaestionum eVMge­ lIorum II, 47, o cameto é Crlato a o fundo da agulha é a aua palxllo. E mais fácil que Cristo sofra por aqueles que amam o mun.do, do que este9 se converterem.

17. cr, E. J. Mally, op, clt., p. 877.


28

DUAS PASSAGENS EVANGEll,rCAS

mundo futuro, a vida eterna" (Mc 10,30),18 No elenco dos bens abandonados que serão restituídos com tanta abundãncla, só dois, a casa e os campos, pertencem à categoria de "riqueza econõmica"; todos os outros bens, Irmãos, Irmãs, mãe, pai, filhos, só quando considerados numa perspectiva muito mais ampla do que a pura riqueza económica, podem fazer parte das "riquezas". De todo modo, é claro que o prêmio pela renúncia é, em parte, no mesmo tom da pergunta. Nem o espanto dos discípulos com o paradoxo parece dissipado pela declaração de Jesus: "Isto é impossivel aos homens, mas não a Deus: porque a Deus tudo é possível" (Mc 10,27). li' Para alguns exegetas estas palavras significam que só Deus pode operar no homem o desapego das riquezas. ,. Por fim, as palavras de Jesus: "Muitos dos que agora são os primeiros se tornarão os últimos e os últimos se tornarão os primeiros" (Me 10,31) afirmariam a inversão de certas hierarquias terrestres no últi­ mo dia e seriam a mensagem à qual se direciona toda a narração. 21 O episódio propõe alguns temas fundamentais relativos à rela­ ção entre o anúncio da salvação e os bens terrenos: 1) a vida eterna e o que o jovem rico ou quem possui bens terrenos deve fazer para consequl-la: 2) os mandamentos da lei; 3) a execução e ao mesmo tempo a superação destes mediante a renúncia 80S bens; 4) a promessa de uma recompensa terrena e de uma recompensa eterna por parte de Cristo; 5) a Impossibilidade, para quem possui bens (todo homem, ou só os ricos?), de entrar no reino. A lrnpos­ sibilidade do homem é socorrida pelo poder de Deus; 6) a "novl­ dade" do anúncio como inversão na hierarquia de certos valores.

ta. UE todo aquele que abandonar casas, ou Irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou campos por amor de meu nome, receberá cem vezes mais, e terá por herança a vida eterna" (Mt 19,29). "Não há ninguém que tenha abandonado casa, ou mulher, ou Irmãos, ou pais, ou filhos por amor do reino de Deus, que não receba muito mais no presente e, no tempo futuro, a vida eterna" (Lo 18,29-30). 19. "Isto é impossível ecs homens; mas a Deus tudo é possivel" (Mt 19,26). "O Que é imposslvel aos homens, é possível a Deus" (Lc 1827). 20. Cf. J. L. Ma.ckenzie, op. clt., p. 945. Para o Evangelho de Marcos cr. N. Walter, Zur Analyse von Mc 10,17~31, em "Zeltschrift für die neutes­ tamentliche Wissenschaft" (ZNW), 53 (1962), pp. 206~218i para o Evan~ gelho de Mateus, cf. O. Da gplnetoll, Matteo, Assis, 1971j J. Rademakers, Au 1/Is de I'Evanglle seton saint Maffhieu, I, II, Heverler 1972. . 21. Cf. J. Jeremias, Le parabole ... , pp. 38-39. A antlgüidade do loglOn é afirmada por J. Jeremias, op. cjt., p. 41; J. Schnlewind (II Nuovo Testamento, trad. It., Brescla 1970) lulga que Mc 10,31 não é mais do que um provérbio.

DUAS PASSAGENS EVANGI!:LlCA8

29

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2. A parábola do rico tolo

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A parábola do rico tolo,22 que só se encontra 28 no Evangelho de Lucas [12,16·21). tem cama introdução um episódio concreto. Um homem pede a Jesus que intervenha porque o irmão se recusa a dividir com ele a herança. Jesus lhe responde: "Meu amigo, quem me constitui vosso juiz ou vosso árbitro?" (Lc 12,13·14).24 A impor­ tância destes versfculos, que se julga terem sempre feito parte da pericope evangélica, é notável: eles encaminham para a compreen­ são da própria parábola. Com efeito, o ep1sódio oferece a ocasião para apresentar diversos ensinamentos sobre as riquezas. Uma pri­ meira advertência põe de sobreaviso contra a avidez (pleonexla);·· como demonstrará a parábola, a avidez se apodera de tal forma do homem a ponto de fazer dele um eiron, um negador de Deus, enquanto a vida de um homem, mesmo na abundãncia, não depende dos bens que possui (Lc 12,15b).2. A parábola do rico tolo é o desenvolvimento deste ensinamento [vv. 16-20). Um agricultor dedicado à cultura do trigo, enriquecido por uma abundante colheita, programa todo o futuro: "E ele pensava consigo mesma: 'Que farei, se não tenho lugar onde armazenar a colheita?' Depois disse: 'Isto é o que vou fazer: vou demolir os meus celei­ ros, construir outros maiores e ajuntarei aí todos os meus bens e direi à minha alma: ó minha alma, tens muitos bens depositados

,

22. CI. J. Duponl, Le beatitudlni, I, clt., pp. 111-113; M. Hermaniuk,

La parabo/e évangélique. Enquête éxegétlque et critique, Paris 1927, p. 251,

dá a esta parbola um valor. exemplar porque, partindo de um caso parti­

cular, oferece um ensinamento geral em ãmbito religioso sem efetuar

tranepcslcões a outros campos. 23. No quadro dos Evangelhos canónicos, a parábola de que nos

ocupamos só se encontra em Lucas; ela está presente, ainda que abrevia­

da, no Evangelho apócrifo de Tomé 72; para as parábolas de tal evan­

gelho, cf. L. Oerfaux-G. Garljte, Les parBboles du Royaume dans I' "Evan­

glle de Thoma e", em "Le Mu.éon" 70 (1957), pp, 307-327.

24. Segundo J. Jeremias (Le parabole di GesiJ... , clt., p. 203), a

recusa de Jesus em emitir um julgamento é devida a dois motivos: I) não

é esta a sua tarefa; II) o seu anúncio mostra que possuir bens de nada

serve para a vida eterna. 25. Sobre o uso do termo pleonsKla nos Evangelhos. cl. J. Dupont,

op. clt., pp. 111~112, n. 31. Em CI 3,5 Paulo chama idolatria a p(eonex.ia.

ze . .Julzoa diversos foram expressos pelos exegetas sobre o v. 15 que

serve de ligação entre o episódio do herdeiro e a parábola do rico tolo;

or. J. üupcnt, op. clt., p. 111. A primeira parte do verslculo, pondo de

sobreaviso contra a avareza, explicita o ensInamento, a segunda introduz

II parábola.


DUAS PASSAGENS EVANGItLICAS

30

para longos anos: descansa, coma, bebe, goza da vida' " (Lc 12,17-19). Mas a realidade Interrompe O sonho: e a realidade aqui é dada pelo próprio Deus, que se dirige dlretamente ao homem deapertando-o do sono e anunciando-lhe a morte Iminente. Deus lhe disse: "Louco (e/,on)l Nesta mesma noite a vida te será tomada" (Lc 12,20). O ter­ mo stton com qua é apostrofado o rico agricultor indica, na lingua­ gem blbllca, o homem que não reconhece a existência de Deus:" "Diase o Insensato (e/ron) em aeu coração: Deus não existe" (SI 14,1). Com efeito, os seus cálculos não só prescindem de' toda referência que nâo seja exclusivamente terrena, mas reduzem a própria visão terrena ao ãmbito do próprio bam-estar. Uma parábola que noa seus alementos esaenclais antecipa a lucana é apresentada num taxto sapiencial do século II a.C. Diz o Slrácida: "Há os que enriquecem por esforço e avareza, mas eis a recompensa: quando dizem: 'Achei repousai Viverei agora de meus bens', não sanem quanto tempo durará; deixarão seus bens a outros e morrerão" (Eclo 11,18-19). As preocupações com o futuro que a riqueza acumulada, sem outro eacopo a não ser o próprio bem-estar, traz consigo não têm nenhuma safda e nenhum resultado prático: "E para quem ficará o que ajuntaste?" (Lc 12,20).

DUAS PASSAGENS EVANG~LICAS

31

Stuhlmueller," O aspecto dominante da parábola é o conlfnuo julga­ mento escatológico do Espírito. O texto propõe alguns elementos que Iremos reecontrar: 1) a riqueza não é condenada, mas lhe é Indicado um limite: a vida do homem não depende dela; 2) condena-se a pleonexia, que torna a pessoa estranhs a Deus e aos homens; 3) dá-se um ensinamento relativo ao Juízo final e anuncia-se um contínuo lufzo do Espirita.

A conclusão parenétlca propõe a Imagem relativa ao tesouro sobre a terra {enriquecer para si mesmos) e ao tesouro no céu (enrlquacer diante de Deus), preaente também no episódio do jovem rico: 28 U Assim acontece com quem ajunta riqueza para si, em vez de se enriquecer diante de Deus" (Lc 12,21).2' J. Jeremias 80 enfa­ tizou o significado escatológico da parábola, onde a fé na Iminência do )ulgamento finai prevelecerla sobre e Instrução voltada a um homem particular, referente à Imprevista chegada da morte. Segundo

~7.

01. J. Jeremias, Le perebo/e di Geau ... ,

crt., p. 203.

28. CI. MI 19,29; cl. lambém Lc 12,33. 29. Diversas cpjnlõea foram emitidas sobre a pertence ou não de

Lc 12,21 à parábola; cl. D. Buzy, La. ..manca. Ilnales des parabo/es evangeliquee, em RB 40 (1931 l, pp. 321-322. O !exlo luceno prossegue com a sPClo dita lidos péssaros do céu e doe 1Ir108 dos campos" (t,c 12,22-31), cuja IntroduçAo: "Não vos preooupel8 cem a vossa vida" (Lo 12,22) pode ser entendida como o verdadeIro ensinamento finai da pará­ bola. ao 1=188S0 que o v. 31: "Prooural então o Reino e todas estes coisas vos serão dadas por acrésclmo", volta a propor a promessa do cêntuplo. A propósito dos doia verbos thss8ur/zo (acumular tesouros,· para sl) e pluteln <enriquecer, diante da Deus), J. M. Lagrange. Evanglle selon saint Luc, Parla 1921, p, 360, põe em evldéncla a Idéia de averaza presente no primeiro 8' de uso liberei no segundo. 30. J. Jeremias, La parabo/e di Geaú ... , clt., p. 203.

31. C. Stuhlmueller, /I ",angelo secondo Luco, am G,ande Comman­ lar/o Blblleo, cll., cal. 1011.


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ANALISE DOS COMENTARiaS PATRISTICOS AS DUAS PASSAGENS EVANGI!L1CAS

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li 1. Clemente de Alexandria

o primeiro documento que trata diretamimte fi

de maneira ampla do problema da relação entre bens terrenos 'e anúncio evangélico

é O Quis dives ss/vetur? de Clemente de Alexandria. Nascido· pro­

segunda metade do século II, Clemente

vavelmente em Atenas, passou a maior parte de sua vida em Alexandria, dedicado ao ensino

na tentativa de elaborar entre os "doutos" cristãos uma síntese

entre cultura pagã e revelação cristã. A vastidão de conhecimentos

e o assíduo empenho de estudo e ensino não lhe permitiram perma­

necer estranho aos problemas de caráter prático e social;· também Íl estes direcionou-se sua atlvldade de escritor e de mediador. Até que ponto a obra de Clemente, precisamente no ãmblto da avallaçâo que ele faz dos bens possuídos pelo cristão (partindo da Interpre­ tação da Escritura), foi objeto de atenção e de diversas apreciações é Indicado por alguns estudos reallzados em nosso século. Autores houve que consideraram a Interpretação que Clemente faz de Mt

·19-21 (e passagens paralelas: Me 10,21 e lc 18,22) tão literal que o torna um precursor do comunismo. 1 Para outros, a referência à comunhão dos bens no texto clementina é apenas Indicativa do papal de administrador que cabe ao homem diante dos bens dos quais Deus é o único verdadeiro senhor e proprietário; 2 para outros ainda, a Interpretação clementina do episódio do jovem rico seria tão alego­ rlzante e espiritualista a ponto de ·se poder arrolar o autor entre os defensores do capltallsmo. 8 Mais recentemente fizeram-se análises

na

1. Cf. L. Brentano, Dle Wlrtschaftllchen~Lehren der chrJstlJchen Alter

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tome, Munique 1902, pp. 150-152.

2. Cf. O. J. van der Hagen, De C/ementls AlexandrlnJ sentent/ls oeeo­ nomlels, soelallbus, palltle/s, utrecht 1920, pp, 26·28. 3. Cf. G. Walter, Les orIgines' du communJsme Judaiques, grecques, Istln.s, Psrls 1931, p. 181. I,

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COMENTARIOB PATRISTlCOS

que ae afastam de apreciações tão diametralmente opostas e se caracterl.am por uma malar atenção a uma multiplicidade de ele­ mentos ...

A exegese de Clemente é, de lato, mais complexa do que uma ou outra teae desejarlam, porque está atenta ao diferente grau de fé e de conhecimento do fieI.' Das obras de Clemente apresentamos quatro passagens em que se comentam o episódio do' Jovem rico e a parábola do rico tolo. O episódio do jovem rico é amplamente analisado no Qu/s divas salvetur?, do qual apresentamos a parte que trata dlretamente da Mc 10,17-31; além disso, o meamo eplaódlo está presente, com uma referência a Mt 19,23, em Paadag. III, cc. 6-7 e, com a parábola do rico tolo, em Paadag. Ii, c. 3. Ao rico lnsenaato dedlca-se depois um comentário em Paadag. II, c. 12. No QuIs d/ves sa/vatur?, dirigido aos cristãos abastadoa da co­ munidade de Alexandria, e Clemente, no capitulo I, condena os adu­ ladores doa ricos, defende-se da acusação 'de ser ele mesmo um adulador, manifesta aos rlcoa o seu dese]o de oferecer-lhes não discursos encomlás1icos, de Inspiração laocrática, maa esperança que segundo a palavra do Senhor em Mt 19,24 (Mc 10,25; Lc 18,25), lida sem refletir, perece fechada a eles. Esta premissa situa o texto de Clemente ante um auditório bem preciso: trata-se daqueles que, Já cristãos e ricos, se interrogam ou Interrogam seu mestre na fé, sobre a possibilidade de harmo­ nlaar as rlquezas com a vida crIstã, tendo preaente um texto como o de Mc 10,17-31, que numa exegese literal parece categórico e sem alternatlvaa na condenação que faz doa ricos. Além dlaso, a perplexidade dos cristãos abastadee de Alexandria já é um elemento Indicativo da compoalção social da comunidade e das tensões que nela exlatlam. A obra de Clemente quer dar, através de uma exegese que rejeita a Interpretação literal, um fundamento teológico à solução 4. CI. P. Chrlstophe, Lo. devo/r. moreux dos r/eh... L'u.age du droil de propr/tllá dana I'~erlture et le tred/t/onpelr/.tlque, Paris 1964, pp. 77-89; e em particular para o Influxo exercido por Clemente n08 séculos seguin­ tes no desenvolvimento de uma moral crista, sobre as possfveis alteraç5es da

mensagem neotestamentérla e sobre a noção de progresso no NT, sobre o enfraquecimento da tensAo escatológica, et, Q. Prunet, La morais de C/ément d'A/exandrl9 st la Nouveau Testament, Paris 1966. 5. Cf. V. Messans. L'economla nal Quis dives sslvetur? Alcune csser­ vaz/on/ /II%g/ehe, em "Augustlnlanum"17 (1977), pp. 133-143. 6. Cf. A. Brontesl, Ls 80ter/a ln Clemente Al9sssndrlno, Roma 1972.

pp. 405-407.

COMENTARIOS PATR!BTlCOS

35

de um problema concreto: o comportamento do rico que se torna crtstão, ente auas riquezas. A sua argumentação parte desta pre­ missa: o episódio do Jovem rico tem necessidade de uma releitura mais profunda para ser entendido corretamente. Ele voltará mais vezes a esta premissa; é preciso que "recordemos sempre que o nosao Salvador nada disse com linguagem puramente humana ( ... ) e que não demos ouvidos ao sentido literal de suaa palavras, mas procuremos e descubramos o significado oculto" (QlIls dlv., 5). "O que nos anuncia e nos enslna de tão extraordinário o Filho de Deus? Nilo nos anuncia algo vlslvel (.,.), mas algo que seja sinaI de outra coisa, algo mais Importanta, mais divino, mais perfeito" (QuIs dív., 12). Além dlaso, Clemente compare Mc 10,29 com Lc 14,2&: "Aquele que não odiar pai, mãe, filhos e até a próprle vida, não pode ser meu dlsclpulo", para concluir que é 1mpassivei ume Interpretação materialmente literal do texto (QuIs dlv., 22). Para Clementa, a tristeza do Jovem tem ests Justificação: ele não compreendeu o sentido oculto das palavras do Senhor' (Qui. tiiv., 20), • Clemente dirige-se e três categorIas de "ricos": 1) os que, per­ dida toda esperança de alcançar o reino, consideram como ünlca vida e da terra; 2) os que não compreendem como é passivei e Deus o que é Imposslvel aa homem; 3) os que, embora compreen­ dendo o significado do texto evangélico, não se preocupam com as açóea que conduzem à salvação. 8 A referência a estas três categorias de "ricos" convldadoa a entrar em liça, tendo como alimento e bebida o NT, permite ao. autor passar de um /ul.o sobre as rlque.as a urna avaliação sobre a ma­ nelre como o homem rico vive a realidade do reino, da onlpotêncla de Deus e que Incidência estas realidades têm sobre o seu compor­ lamento. Depois, Clemente apresenta a passagem que narra o episódio do Jovem rico: o texto slnótico mais semelhante ao que ele usa é Mc 10,17-31, mesmo se está presente uma varle!!te de notável interesse. O texto de Mc 10,30 proposto por Clemente o é o sa­ guinte: "De que serve neste tempo, em melo e perseguições, possuir campoa, rlqu ezas, casa e irmãos? Mas no tempo que virá é a vida eterna" que não aparece em nenhum dos Slnótlcos e onde a sepa­ 7. Sobre a exegese de Clemente cr. MondéBert, C/áment d'A/exsn­ dr/e. Introduction à I'átude de S8 psnsás reUglsuss à partir ds I'tcrlturs, Paris 1944, e particularmente para se passagens citadas, p. 90. 8. CI. Qu/s atv., In\rodução. 9. Ct. s edlçDo erltles de Q. Slaehlln em GCS, III, 183.


COMENTARIOS PATRíSTICOS

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raçAo dos bens terrenos parece proposta tendo presente, em pri­ meiro lugar, as perseguições. Clemente antepõe ao texto evangélico a oração, dirigida ao Senhor, para que saiba "apresentar aos irmãos argumentos verdadelroa, convincentes, portadores de salvação" (Quis div., 4).'· A pergunta do Jovem sobre o dom da vida eterna é interpretada como resumo de todas as outras perguntas: sobre a.vida, a salvação, a doutrina ensinada, a vardadeira imortalidade, a Palavra do Pai. o perfeito repouso, a verdadeira incorruptibilidade: estes termos per­ mitem a Clemente apresentar os. correspondentes títulos cristoló­ gicos: Vida, Salvação, Mestre, Verdade, Verbo, .Perfelto, Ser Incor­ ruptlvel (Quis dlv., 6)." O termo bom presente . napergunta do jova m• remete ao anúncio da unicidade de Deus, ii necessi.dade de conhe­ cê-lo porque "não conhecê-lo é· a morte" (Quis dlv ; 7J. O comentário da passagem evangélica· articula-se através do desenvolvírnentc progressivo de algumas idéias, às quais se .apela com freqüência nos séculos seguintes: . 1) Na vida cristA, toda precedência deve ser dada ao conhecimento de Deus, Pai. e Filho e ii "grande novidade da sua graça" (Quis div., 7; 8). ~ a novidade do anúncio que é preciso captar, e Isto gera a novidade de vida (Quis div., 12).12 o

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2) A pergunta de Cristo: Se queres ser perfeito é Indicativa da livre faculdade de escolha que está no homem e daquilo que o jovem israelita precisa para ser perfeito (Quis âiv, lO); de um lado, a lei, de outro. "a graça e a verdade por melo de Jesus Cristo" (Quis âtv., 8), a primeira incapaz, apesar da observância dos mane damentos, de dar a vida, e a segunda portadora de vida eterna. A polêmlca judeu-crlstâ entre lei e fé está presente, como o está a polémica entre as "multes coisas" feitas e "a única coisa Impor­ tante", a adesão a uma Pessoa, que emerge da aproximação do episódio do Jovem rico com o episódio de Marta e Maria (Lc 10,41) (Quis div., 10).

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10. Cf. A. Brontesi, La soteria ... , clt., pp. 405--407 onde é particular­ mente Interessante a sua Interpretação sobre o "verdadeiro, conveniente, salutar"• 11. Sobre a riqueza de significados destes termos ct C. Mondésert, VoeabUlalre de C/émant d'Afexendr/e, em Reeh. Se. Rol" 42 (1954), pp. 258-285.

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12. A propósito da novidade de vida ct, A. Brontesi, La soterla .. "

crt. p. 356.

COMENTARIOS PATR1STICOS

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3) O ensinamento de Cristo: Vende o que tens, deve Ser interpre­

tado como convite a desapegar o coração das riquezas, sem que

Isto obrigue a prívar-se totalmente delas (Quis div., 11; 14; 18).

Como Me 10,21 (Mt 19,21; Lc 18,22), também a passagem de Lc

14,33, com a exortação a renunciar ao que se possui, deve ser enten­ dida como convite à renúncia e ao abandono das paixões da alma. Para ae riquezas, o discurso se desloca da posae ao uso que o homem faz delas (Quis div., 14). O difícil equilíbrio entre possuir as riquezas e não apegar o coreção a elas' é sintetizado numa per­ gunta e num convite: "Podes tu ser male forte do que as riquezas? Pensa bem; certamente, Cristo não te prolbe poasulr bens, o Senhor não tem ciúmes deles. .Ou então te dás conta de que és vencido pela paixão e alienado pelo dellrio que elas proporcionam? Aban­ dona-as, então, lança-as fora, odeia-aa. expulsa-es" (Quis dlv., 24). 4) A grande profusão de riquezas pode ser Justificada se estas são fruto de prudente parclmônla ou de herança; a riqueza é justificada principalmente se for devida ao fato de alguém nascer rico; porque ela não é por si masma· uma condenação; Deus' seria injusto se condenasse a uma morte eterna um homem apenas porque é rico, e também seria injusto se deixasse crescer sobre a terra uma riqueza que só trouxesse morte (Quis âlv., 26). A preocupação antl­ dualista leva a reafirmar a bondade das coisas criadas (QuIs d/v., 14), a considerá-Ias, num juizo moral, Indiferentes, enquanto é para .o homem, para a "liberdade e responeabilldade pelas coisas conce­ didas para o uso" que se desloca o JuIgamento (QuIs dlv., 14; 26); as realidades más sAo as paixões (Quis dlv; 15).'8 5) As riquezas' são até louvadas (utilizando os textos de Lc 16,9; Mt 6,20; 25,41-43), porque permitem Ir em auxfllo de quem tem ne­ cessldede, cumprir as obras de misericórdia; como aerla passivei cumpri-Ias se ninguém tivesse bens (Quis div., 13)? O bom uso das riquezas possuldas encontra na parábola do bom samaritano um mo­ delo no qual se Inspirar (Quis dlv., 28),'4 mas este bom samaritano é Jesus, que o cristão deve Imitar (Quis d/v., 29). 6) Se o fato de alguém ser rico sem avidez não é um mal, o tomar­ -se pobre pode ser um mal porque Implica a falta das coisas neces­ sárias (Quis dlv., 12); assim é preciso entender a bem-aventurança 13. 'Sobre o significado das paíxõee neste contexto. c1. A. Brontesi, Le soler/a.... clt., p. 408. 14. Sobre a ''1terprstação tipológica desta passagem. cf. J. Oanlélou, Méssaf}e évangéllque et culture hellénistlque, Tournal 1961. p. 219.

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COMENTARIOS PATRtBTICOS

COMENTARIOS PATRíSTICOS

imitação de Deus que deve guiar o comportamento humano, tanto do pobre como do rico.

da pobreza segundo o texto de Mt 5,3: Bem-aventurados os pobres de espIrIta (Qula dtv., 16). Uma retlflcação de tal Interpretação encontra-ee na pergunta dos apóetolos: Quem pode salvar-se? Eles haviam deixado toda riqueza (redes, barcos, gabeis), mas temiam não serem pobres de espirita, ou seja, livres das paixões (QuIs dlv., 20). Também a expressão de Mc 20,26 é entendida por Clemente como afirmação da impossibilidade para o homem de libertar-se das paixões só com suas forçss. Além disso, a pobreza sem a .lIber­ dade das paixões ou por amor da vã filosofia, sem o conhecimento da Deus e da sua Justiça, não dá a vida (Quis dtv., 111. 10

4) O rico que oculte os bens deste mundo e os nega aos outros é "homicids, semente de Caim, discípulo do dia" (QuIs dtv., 7.). 5) Na base do dar sem discriminações, Clemente põe a dignidade

do homem: em todo corpo "habitam em segredo o Pai e seu Filho" (QuIs dlv., 33). A caridade de Crísto, proposts coma modelo da caridade dos cristãos, exige a circulação dos bens como slnsl con­ creta de um amor fraterno (Qui. dlv., 37.).

Estes penssmentos da Clemente levaram a entender o seu texto como uma substanciai defesa dos ricos e das riquezas. 16 Outras passagens da mesma obra estabelecem limites para esta tese. 1) A riqueza que a pessoe guarda para si mesma é Iniqua: "Todo bem material que elguém retém para si como se fosse um bem privado e não o põe em comum com quem se encontra em neces­ sidade, torna-se íníquo" (QuIs dlv., 311; por Isso ordena-se a comu­ nhão dos bens entre os homens (QuIs dlv., 131.

2.) O rico não deve esperar ser procurado, mas deve procurar aquele que está em necessidade (auis div., 32); 17 não foi pobre que recebeu a ordem de receber do rico, mas o rico que recebeu a ordem de dar (Quis dlv.. 32).

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Deus, torna-se doador do reino ao rico (QuIs dlv., 32); mais ainda, ele mesmo torna-se o se­ nhor a cuja porta o rico, Indigente, bate para que suas riquezas sejam acolhidas (QuIs dlv., 31). Este pobre-senhor que pode dar ao rico-indigente é o dlsclpulo de Cristo; é perigoso fazer discrimi­ nações procurando dar só ao pobre amigo de Deus; não é Iíctto julgar, é melhor dar a quem quer que peça (Lc 6,30.), para serem, também os rlcoa, Imitadores de Deus (QuIs dlv., 31.). Portanto, é a

3) O pobre beneficiado, à imitação de

15. Nesta passagem do Quis d/v., 11. Brontssl percebe "um certo aristocrático dssprezo" de Clemente diante dos pobres nlo-or18tI08 (op.

clt., pp. 406-407, n. 155), 18. CI. G, W61ler, ep, cll.. pp. 18188. 17, A expre88ão clementina: "A quem lovar auxilio, que eela digno dlsclpulo do Sonhar" 101 Intorpretada por Brontesl (op, clt., 402) como "o convite de um cristAo a preferir 08 orl8tl08 na esmola", alnda que pouco antes ele mesmo tenha observado como Clemente em Quis atv, 33,3 põe de sobreavIso sobre B dificuldade que deriva de querer Indagar sobre qual seja o pobre "amigo de 08US".

39

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Um' breve comentário a Mt 19,23 encontra-se no terceiro livro do Pedagogo, onde do homem, possuldo pela cobiça das riquezas (Paedsg. III. 6, 37) (cobiça que se manifesta também numa desre­ guiada avidez no comer e no beber), se diz que é muito dlflcil que "possa herdar o reino". O remédio para s cobiça ,. é a parclmõnla, o uso razoável, e generoso das riquezas. Estss são comparadas a uma' serpente: quem não sabe prendê-las da maneira certa, facll­ mente é picado e fica envenenado. Quem acolhe os ensinamentos do Logos encanta e domestica e serpente; quem recebe a norma da vida da Escritura ,. descobre que o verdadeiro rico é aquele que possui o Logos. que a verdsdelra riqueza não consiste em guardar os bens, mas em distribuí-los, que o possuir 'os bens não dáfelici­ dade, enquanto esta se conqulata qusndo se compartilhamos bens com os outros homens. A frugslldade tem exemplos na Escritura (lAs 19,4.6.) como os tem o convite a possuir só o essencial (Lc 10,4.). A Imagem do pé coma medida, do sapato. do corpo como' medida daquilo que csds um pode adqulrir,2. dê a dimensão ds frugalidade, da parcimõnla, da limitação dos bens de que cads quel pode dispor. ~ preciso livrar-se do supérfluo para possuir a vida eterna, conseguir um forte bastão - o dar sos pobres para subir ao céu. As riquezas podem também ser um melo pararasgatar a própria vida, desde que os bens sejam distribuídos. Uma refe­ rência à realldede social ds comunidade de Alexandria está pre­ sente em Paedag. III, 6, 39. quando Clemente sustenta que se às vezes ao justo falta o pão ("coisa esta bastsnte rara") Isto se veri­ fica onde falta "um outro justo", como se afirmasse que Isto acon­ tece raramente na comunidade de Alexandrls, onde Jê não fsltam' 18. é com tal lermo que evidentemente Clemente interpreta 08 "bens"' que o Jovem rico deve dalxar,

la, Pr 8,10-11.19; 11,24: SI 111.9.

20. CI. a sentença do Eplteto, Enchlr. 39 e Plutarco,. De tranqulll.

an. 446.


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as pessoas abaatadaa.! Mas se poderia também captar uma alusão ao fato de que Isto acontece onde o cristão (ou seja, o Justo, "que possui o onipotente Deus Logos") se encontra no meio dos pagãos ("ali onde não hã outro justo"). O discurso sobre a posse dos bens condicionada ao uso que se faz deles é retomado por Clemente num quadro que reproduz com vivacidade a ostentosa vida das classes ricas de Alexandria 2~ em Paedag. II, 3, 35, onde se utilizam, entre outras passagens escri. turlstlcas. o episódIo do jovem rico e a parábola do rico Insensato. A critica à ostentaçâo, tornada .mals mordente pela lembrança do fim dos tempos (ICor 7,29-30), adquire um tom particular quando Clemente cita Mt 19,21: Vende o que tens, dá-o aos pobres, depois vem' e segue-me. O que não pode ser jogado fora, para Clemente, é o que não pode ser malpossuído: a fé em Deus, a confissão da paixão de Cristo, a caridade para com os homens. Ele estabelece uma estreita relação entre a fé sólida e a aceitação das conseqüên­

elas existenciais que disto derivam: a riqueza mal-usada "é uma montanha de maldade", A referência ao rico insensato que açam­ barca: para. si e não divide com os outros é um exemplo dlsto. q juízo negativo que Clemente faz das riquezas neste capítulo é mitigado pela perspectiva do bom uso que se pode fazer delas: mas a verdadeira riqueza está em desprezá-las e em antepor-lhes a sabedoria, cujo preço é o Logos imortal. A crítica das riquezas e da ostentação que elas produzem não tem em Clemente o tom da apocalfpt1ca [udeu-crlstâ nem o rigor do ascetismo, ea mas emerge da avaliação racionai que delas pode fazer o cristão à luz do Logos, pelo qual os bens terrenos não são destruidos, mas utilizados, com parcímõnla para si, com generosidade para os outros, em virtude da vida divina (Paedag. II, 3; 38)' que torna o homem Imitador do Psi e de Cristo. .. Três perguntas retóricas sobre o porquê da existência dos bens criados por Deus e sobre a sua utilidade para gozo do homem,:·' 21. A propõslto da contríbulçâo qua o Pedagogo oloraco pors o co­ nhécimento do aspecto social da comunidade de Alexandria, c1. H. J. Marrou, CI'ment d'Alllxandr/e. L' Pédagogu9 I. L'lroérêt h'storlqulJ du "P6dBgp­ gue". Un document sur fhlatolTe sociaIs du chrIstian/sme, em SCh, 10 (1960), pp. 62-66. 22. Cf. M. Hengel, op. clt., p. 76. A passagem de Clemente lembra .8 diatrlbe XX de MusOnlo dedicada à crítica da ostentaçâo de balxela.s e mobflias. 23. ct. M. Hengel, op. ett.• p. 77. 24,. Pedag. II, 12.119: Por que não user o que Deus pôs diante ~e nossos olhos?" "EstA aqui para mlrn; por que não aproveItar isto'?" fi • • •

Para quem foram feitas estas coisas senAo para nós?"

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oferecem a Clemente, em Paedeg. II, 12, 119.120.125.126, oceslâo para voltar ao discurso sobre os bens terrenos. As riquezas são subdivididas em necessárias e manifestas, como a água e o ar, e em não-necessárlas e ocultas, como o ouro e 3S pedras preciosas. Esta distinção mais vistosa tem uma ulterior explicitação: Tudo é permitido, mas nem tudo é proveitoso [ICor 10,23), que introduz ao conhecimento da pedagogia de Deus. Para que o homem aprendesse a pôr em comum os bens, Deus fez "tudo para todos os homens" e "pôs em comum par. todos o seu Logos"';. quando o homem possui algo, deve dar-se conta da exigência de distribui-Ia. O tema bíbllco da igualdade volta com insístêncla: "Portanto, todas as cotsas são comuns, e os ricos não podem exigir para si mais do que os outros". "I: indigno que um só viva das riquezas enquanto a maioria passa necessidade". ~ o ensinamento tirado da parábola do rico insensato aquele a que se refere C/emente para mostrar o absurdo do supérfluo, ansiosamente entesourado. .Se o Quis dives salvetur? é o primeiro texto patrístico onde, diretamente e com certa sistematlcidade,211 se trata da relação entre anúncio evangélico e bens terrenos, no âmbito das obras clemen­ tinas é difícil atribuir a esta obra Uma anteriori~8de COm relação às outras aqui citadas. 26 Por outro lado, através das diversas pas­ sagens não parece surgir uma diferença substancial. A exegese alegorizante, que é fruto de "escola", ti também fruto de um conti­ nuo medir-se com a Palavra escutada num ambiente que tem exí­ gências bem precisas, como as que emergem precisamente do tipo de exegese de Clemente. Se Alexandria é, naquela época, a malar e mais rica cidade do Império e numerosos são os cristãos abasta­ dos, o modelo da comunidade de Jerusalém descrito em At 2,44-45; 4.32~35. deve permanecer nos elementos que encarnam "a "mensa­ gem, mas não pode ser reproposta naqueles componentes que estilo ligados a uma situação geográfica, cultural, politica e social. A es­ pera Iminente da parusla lá tinha deixado atrás de si mais de um século de história; sobre a espera da segunda Vinda de Cristo levs vantagem a realidade da salvação, do reino que, com a primeira vInda de Cristo, já está presente. A espera de um novo e grande 25. Embora levando em eonelderação a acertada observação a pro­ póSito da aS8istematlcldade do pensamento clemsnnno "por E. F: oanorn, The Phllosophy 01 C/emenf 01 Alaxandrla, Cambridg8 1957, pp. 7-11. 26. Para o problema referente à datação das obras de Clemente, c1. a tese de E. de Faye, C/ément d'AlexandTls. ~tud8 SUT 18s TBppor.S" du christian/sme el de /a phllosoph/e grecque eu ttv sião/e, Paris 190$, 2.8 ed., retomada por G. Lazzatl, Introduzlone alio studio di Clorn&nte di AlessB"­ dr;a, Mllfto 1939.

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evento transforma-ae na atenção voltada para O sentido novo que as coisas já presentes adquirem. Sem dúvida alguma, o pensamento de Clemente sobre a relação anúncio evangélico - bens terrenos, particularmente na obra mats Or­ gânica que é o Quis dlves sá/vetur?, pode parecer um compromisso: não mais o radlcal abendono dos bens como emerge da interpretação literal do episódio do Jovem rico, nem a renúncis ao possuir que desse episódio e da parábola do rico insensato se poderia deduzir, mas o ecento posto no uso dos bens. Na realidade, as exigências do anúncio cristão em fsoe da comunhão dos bens são reapresen­ tadas por Clemente em todo o seu rigor por outro caminho. Não· o despojamento total, mas a co-participação através de um liso dos bens que permita reter só a medida ditada pelo convite à parclmônia e à frligalidade, mas sobretudo pela imitação ds llberalidede do Pai, da caridade de Cristo e da dignidade do homem. O snúncio evangé­ lico na Interpretação de Clemente apresenta-se como gratuidsde do dom da salvação; .como proposta de apreciação dos bens à luz de uma história que ainda não está completa; como julgamento de condenação para uma riqueza não compartilhada; como .respelto de uma liberdade que na cristão tem: como regra não lets, .mas a pes808 de Cristo. No pensamento de Clemente confluem a tradição da sabedoria judaica (os bens são bons e alnal de bênção, no povo de Deus não deve existir o pobre). a ética estóica (as riquezas são um perigo), o anúncio evangélico (a circulação dos bens é sinal de amor fraterno).

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27. Sobre o Btslus quaestlonls relativo à composiçfto do Comentário

ao Evangelho de Mateus e à tradlção do texto, cl. P. Nautln, Or/glme, Paris 19n, p. 242; R. Glrad, La Iraductlon letlne anonyme du "commenla/re sur Mstthleu. em l'O rlg8Olana"', 1975, pp. 126-138. No que Se refere ao tema de que tratamos ct. G. Massar1, Socletã e 81slo nel cr/stlenes/mo primitivo. La doncez/one di Or/gene, PAdua 1932. 28. Sobre a exegese origenlana é fundamental a obra de H. de tueac, HIslolre er Esprlt. L'lnfell/genee de I'~erlture d'sprlJs Orlglmo, em "TMolo­

glo", XVI (1950).

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e a sua fé, sem por isso privar o anúncio evangélico de sua força; ao contrário, para poder compreendê-lo no seu Inexaurrvel rato, . Na primeira parte, com uma exegese de carãter literal, Orígenes expllce em que sentido Cristo rejeita o titulo de bom: só Deus é bom, enquento ele é "imagem de sua bondade". Pare que este reali­ dade não leve a uma errada concepção cristológica, Orlgenes se apressa em esclarecer que há malar analogia entre a bondade do Pai e a bondade do Filho do que entre a bondade do Filho e a ·dos homens. Mais ainda, da parte do homem é um abuso dizer. que realiza boas obras porque as obras do homém só podem ser cha­ modas boas se comparadas com as obras más que são próprlss do homem, mas não se compsradss às obras boas que são próprias de Deus." O fato de falar em termos tão absolutos e unívocos da bondade de Deus comporte a necessidade de enfrentar o tema da "Ira de Deus": esta é para Orlgenes - que ·segue o texto de Hb 1?,3ss. ­ uma ira que provém sempre de um Psi e portanto o seu objettvo é apenas o de corrigir os filhos. Se às vezes o homem não se dá conta da mtsarlcõrdta de Deus, Isto acontece porque ele a oculta para evltsr que, conhecendo-a, alguns se .eprovenem dela reallzendo males maiores. 30

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No Comentário de Mateus, composto por volta de 246, >1 Orige­ nes se detém em vários tipos de exegese 2. e. l!'ofundidada de pensamento sobre o episódio dp jovem rico. O Alexandrino tenta ume leitura que satisfaça ao mesmo tempo a Inteligência do homem

COMENTÁRIOS PATRISTICOS

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A expressão: Se queres entrer ne vide é intarpretada por Orfqe­ nes em sentldo mlstlco: a vida do próprio Cristo. Esta exegese com­ porta o fato de que, enquanto alguém não morre e não se despoja do próprio corpo, não pode dizer que tenha entrado plenamente em Crlsto-Vlda. De todo modo, Orlgenes não se pronuncia de forma totalmente segura nesae ponto; ele prossegue seu discurso prefe­ rindo falar de "inicio ds vida" para entrar no qual se faz mister observar os mandamentos. SI Orlgenes considera exato .0 que é transmitido por Mateus, o qual - ao contrário de Marcos e LUC9s­ relata também a ordem: Ame teu pr6Klmo. Mas esta ordem não teria sido seguida pelo Jovem, ao contrário do que ele afirma. Cristo, para fazê-lo compreender a falsidade de sua afirmação, lhe propõe o mandamento de outra forma: Ve/, vende o que tens. Com efelto. conclui Orfgenes: "~ imposslvel cumprir a ordem que diz: Ame o pr6Klmo corno a ti mesmo, ao mesmo tempo ser rico e sobretudo ter bens tão grandes"" 32 .

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29. 30. 31. 32. chegou

Comm. ln, MI XV 10. Comm. ln MI XV 11­ Comm. ln MI XV 12. Comm. ln MI XV 14. Esta part9 lalta em grego, ao pa..o quo Bté nós na verefto latina.


COMENTARIOB PATRISTICOS

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queira desfazer-se deles. O tempo necessário para esta "venda" pode ser breve ou longo; disto depende a consecução Imediata Ou adiada da perfeição." A interpretação moral ou espiritual que Origenes dá ds passa­ gem evangélica não elimina, contudo, a sua condenação para quem quer manter a posse dos bens materiais. Para o Alexandrino, a rejeição do jovem ao convite que. lhe foi dirigido por Cristo e a sua tristeza demonstram "quão profun­ damente está enralzads no ânimo...• ·do homem a. convlcçllode que riquezas e glória são coisas· boas. A frase de Cristo: Um rico dificilmente entrará no reino dos céus, é mais uma vez suscetível de uma dupla lnterpretação.ê? de­ pendendo de que se entenda o rico corno o homem Cheio de rtqee­ zas materiais ou como o pecador. De todo modo; é anunciada a dificuldade de ambos para entrar no reino. Mas Origenes sublinha que não foi dito que é "I mpoaslvel". A parábola do camelo é Interpretada alegorlcaniente em csda um dos seus elementos; o camelo é o rico (tsnto de bans como de pecados); o fundo ds agulha é o reino dos céus. 'Para que o rico possa entrar ali é necessária a intérvenção de Deus que ou diminua a espessura do mal (a tortuosidade do 'corpo do 'camelo) ou amplie a entrada com melas conhecidos só por ele, por Cristo e por aqueles a quem Cristo os quis revelar.·· No que se refere ao diálogo entre Pedro e Jesus, a. Orlqenas oferece antes de tudo uma interpretação literal; mesmo tendo' dei­ xado poucas e pobres coisas, Pedro e os outros apóstolos são aumamente agradáveis a Deus porque o fizersm com amor perfeito; se tivessem possuldo bens malares, certamente estariam prontos a delxâ-los em vista da glória prometida por Cristo. Segundo a interpretação ansgóglca, que não consIdera suficientemente digno de Pedro o ter feito referência às pobres colsss por ele deixadas, estas deveriam antes aer entendidas como os "pecados". Segundo a interpretação literal, haveria dois grupos de destinatários das promessas feitss por Cristo: os primeiros são os apóstolos e os discipulos que, tendo deixado tudo, o seguiram e a eles é prometida a honra de julgar as tribos de Israel; os segundos, pelo contrário,

Alexandrino Julga ser humanamente possível despojar-se das próprias riquezas: exemplos de gregos e pagãos, e aquilo que é relatado em At 2,44-46 demonstram que isso foi realizado por muitos. As palavras com que Cristo se dirige ao' Jovem: Se queres ser perfeito ( ... ) v81, vende ( ... ) e dá 80S pobres levantam uma inter­ rogação: se é perfeito aquele que tem todas as virtudes, como pode sê-lo aquele do qual se diz apenas que vende tudo e o dá aos pobres? Será que, pelo fato de vender oa próprios bens e dá-los aos pobres, se adquirem Imediatamente todas as virtudes e se per­ dem todos 'os vIcias? As respostas que Orlgenes propõe são duas. Encontra-se a primeira seguindo uma exegese literal: quem dá pode ser perfeito porque dá aos' pobres e estes, se são materialmente pobres, podem contudo ser, como os apóstolos, espiritualmente ricos.; Quando recebem dos rlcos, estes pedem a Deus por seus benfeitores, e visto que Deus ouve a oração do pobre, obterão riquezas esplrttuals (a posse de todss as virtudes e a perda de

todo vicio) para aqueles que, dando, se tornaram por sua vez pobres

de bens materiais. Orlgenes esclarece que talvez Isto não se realize

no mesmo dia em queo rico dá ao pobre os seus bens; mas é certo

que começa a realizar-se a partir dsquele dia. Outra resposta pode ser dada segundo a interpretação "mo­ rai": 83 vender os bens significa vender as coisas más, entre as quais também o amor às riquezas; por Isso Cristo disse que devem ser v!,ndidos todos. os bens. Tais bens devem ser dados "às po­ tências .que os produziram"; estas são indicadas por Cristo nOS pobres porque privadas de coisas boas. Mas Orlgenes se dá conta de que tal interpretação não é suficiente. Um aprofundamento ulte­ rlor espiritualiza mais o discurso: o rico é o pecador; ele está cheio deesplrltos em correspondência com seus pecados (os bens); como a pai volta aos apóstolos se estes augurando·a não encontram nino guém 'que a queira acolher.f" assim os pecados voltam aos espí­ ritos (os pobres) que são sua causa, se encontram alguém que

33. A Interpretação "tropológlcs" ou "moral" pode ser entendida por quem, mais avançado na fé Él no estudo, progride maIs na penetraçAo do mistério oculto na esàrltura. Sobre a concep.çAo de Orlgenes referente 808 diversos nlvels de fé a que pode chegar o crente, cf. J. Lebreton. Les degrés de la conna/ssance religieuse d'aprés Orlgêne, em Rech. Se. ReI. 12 (1922), pp. 265-296; J. Rlus-Csmpa, fi dlnam/amo t,lnlla,lo en la dlvlnlzacl6n de loa aere• • egdn Or/genea, Roma 1970, pp, 299-306. No que se refere à diferença entre vários tipos de crente no âmbito doS COmmentarll. d. M. Slmone«l. Note sulla reologla rrlnltarla dI Orfgens, em "Vetera Chrlallanorum", 6 (1971), p. 307, n. 113. 34. C1. Lo 10,5-6.

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CI. MI 11,27. CI. Mt 19,27-30.

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COMENTÁRIOS PATRISTICOS

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são os que deixaram, depois dos apóstolos e dos discípulos, casas, Irmãos e campos. Mas há quem queira, segundo Orlgenes, corrigir uma divisão tão nitida recordendo que a "Imitação" de Cristo não é exlgide apenes daqueles que o seguiram durante a sua vida, mas é exigida de todos.'.

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deaejam ae tornar seguidores da Criato, ou melhor, por aqueles que querem tdentiftcar-ae com Orlato-Vlda. Orlgenes não se detém na anállae domado pelo qual os bens terrenos podem ser deixe­ dos; o seu pensamento dirlge·se ao essencial: é necessário estar privados de pecados para participar da vida de quem, único, é "sem

pecado". 4ft

O Alexandrino se detém para faler do segundo grupo de pessoas: '·~f oa que deixaram as coisas que são lembradas de maneira especi­ \1;: 3. Cipriano fica. 41 Com base na letra do dlacursocompreende-se como, ~ com freqüêncta, quem aegulu a Cristo tenhasldo odiado e abandonado Por: volta de 246, enquanto exercia a profissão de reitor, Cecílio pelos próprio. familiares; pelo contrário, é necessária uma Inter­ Cipriano, chamado Tásclo. converteu-se ao cristianismo, ,. e deu pretação alegórica para entender o verdadeiro significado das colaas testemunho de sua fé com o martlrlo em2S8, durante e perseguição que constituem o multo mais prometido por Cristo a quem deixa de Valerlano. Com ele é o ambiente da Africa romana 47 que se os famlllarea e os bens para segui-lo. ~< faz ~ plenamente presente no comantárlo às duas passagens neotes­ Tels "coisas" seriam para Orlqenes assim interpretadaa: os tamentárlas de que nos ocupamos. 4• Pouco depois do batismo. toro Irmlos - "os que conaagulram a medida da estatura da Crlato";" nou-se sacerdote, e pelo fim de 248 e Início de 249 foi eleito bispo aa Irmãs - os homens e "as remanescentea potências que foram de Cartego. apreaentadas a Cristo como virgem casta";" os pais - trata-se Dols fatos marcam de modo particular s vida do bispo Cipriano: doa "pala" em cujo aelo repouaam a partir de Abraão todos oa que o problema dos lapsl e aquele. referente à validade do batlsmo con­ morrem na fé e na paz; os filhos - todoa aqueles que são possuídos ferido pelos heréticos. Como evento próximo no qual se originam segundo a forma pela qual se diz que Abraão possuiu filhos {ou os dois fetos está a perseguição de Décio de 249-250. Os que seja, segundo a fé]; os campos e as casas - o psrarso e a cidade haviam cedido à ordem de reellzar um ato de culto pagão - e o de Deus. 44 número destes era notável .:- aram considerados apóstatas (Iaps;). O comentário de Orfgenes ao episódio do jovem rico não se O problema que se propunha referia-se ao comportamento a assumir detém de maneira peculiar no tema de posse dos bens e de sua relação com o anúncio evangélico. O Alexandrino tende a ampliar 45. Comm. ln MI XV 23-24. A parébola do rico lneenaelo não é ob­ para outras dlreções a sua reflexão mesmo se - aampre que a

jato de um particular comentário por parte de Orlgenes. O Alexandrino a cita em várias obras, tendendo quase sempre a mterpreté-la com uma exe­ gese alegórica. O vers(culo mais cttado é Lc 12,20; o rico Insensato morre de noIte porque as suas rIquezas são os seus pecados e toda a sua vida traneeorreu nas" trevas (ln Num. Horn. 27; ln Joh. XIX, 78); cr. A. Orbe, op.

lnterpretação mais espiritual o leva de certa forma a esquecer a realidade dos termos noa quais ae articula o dlacurso - ele se apreasa a declarar qua precisamente a eapirltuallzação do discurso (que para ele é o aprofundamento da realidade a não evasão dela) torna ainda mais evidente - e por isso quase supérfluo - Q juízo qua a simples leitura da passagem impõe: as riquezas materiais são causa de pecado e por iaso devem ser deixadas pelos que 40. Comm. ln MI XV 22. Sagundo P. C. Borl o aplaódlo do Jovem rico serJa comentado por Orlgenes "prevaJentemente em chave de busca da uma perlalçAo Individuai" (Chlaea .... cll., pp. 55-57). 41. Comm. ln MI XV 25.

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42. CI. EI 4,10. 43. CI. 2Cor 11,2. 44. Comm. ln MI XV 25. A esta séria da Interpretações Orlganaa en­ de uma oplnlAo pessoal de cuja plau­

repõe a advertência de que se trata

albllldada não aaté certo,

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clt., II, pp. 109-114. 46. No Ad Donatum, uma dss primeiras obras escritas como cnstão, falará da sua conversAo. Para 8 blografla de CIpriano, ot. Ponzlo, Vlta e marllrlo di San Cipriano, organizado por M. Pellegrloo, Alba 1955. No que se refere A dlstrlbulOAo de seus bens a08 pobres depois da conversAo. cI. Ponzlo, op. cn, II, 7; De op. el eteem. 7. 47. Para a sltuaçAo da Afrlca romana, ct, P. Monceaux, Hlstolre Iffté­ ralre de I'Alrlque chrétlenne, II. Salnl Cyprian el sori lamps, Paris 1902. 48. Na obra de Tertuliano, o primeiro grande teólogo africano, encon­ tramos apenas breves reférênclas ao episódio do Jovem rlco (em De resurr. 9,3: 35,13: 57,11: Adv. Prax. 10,7: Adv. Marc. IV, 16,17; De monog. 14,6: De bept, 2,3; Idol. 12,2-4) e à parábola do rico InsenBalo (em Adv. Marc. IV, 28 pare a Interpretação deste passagem cf. A. Orbe, Par~bo/as evangfJllcas. II, Madri 1972, p. 106 - . e em De oral. 6,4); mas ele não se detém no comentário aos dois textos.


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COMENTARIOS PATRíSTICOS

COMENTARIos PATRíSTICOS

49 diante dos lapsi quando, passada a perseguição, pedissem para ser readmitidos na Igreja. As várias Igrejas ficaram na Incerteza sobre a conduta a seguir. Na Igreja da Afrlca, o bispo Cipriano enfrenta o problema dos lapsl e o da autoridade dos "confessores"," ape­ lando para uma disciplina mais atenta a respeito da autoridade epis­ copal. A linha adotada por Cipriano coincide nesse caso com a de Roma: depois de um período de penitência msis ou menos longo, seja concedido o perdão a todos os lapsl. Outro eplaódlo porá Cipriano em dificuldade pelo fim de sua vida: a controvérsia com o papa Estêvão s propósito da valldsde do, batismo conferido pelos heréticos. Para Cipriano o único batismo válido é aquele administrado na Igreja; os batlzados pelos heréticos - por aqueles que se encontram fora da Igreja - devem aer bati­ zados na Igreja se nela quiserem permanecer. Em Roma, tal préxls é vista como uma duplicação do sacramento batismal, considerada Inaceitável. O martírio de Estêvão e de Cipriano porá fim ao con­ flito. Para o problema dos lapsi, Cipriano adere à solução proposta pelo bispo de Roma, ao passo que para o' problema do batlsmo discorda dele. Tal comportamento corresponde a uma teologia do episcopado que se afirmará na Afrlca. su Profundamente convencido da unidade da Igreja universal (os bispos em comunhão com o bispo de Roma)," está também profundamente convencido daquilo que o bispo é para a Igreja local e de quais sejam os limites de sua

autonomia. 62 Precisamente tendo presentes as conseqüências que o compor­ tamento de Cipriano teve para a Igreja africana," parece-me que,

49. Trata-se daqueles que, mesmo não tendo sofrido o martlrlo, ha­ viam testemunhado sua fé e estavam no cárcere. Eles Julgavam, em vir­ tude do testemunho dado, poder absolver os lapsi, prescindindo da euto­ ridade do bispo. 50. Sobre 8 posição de Cipriano com relação a Roma. ct. 88 aprscla­ ções contrastantes de J. P. Brlsson, Autonomlsme at christian/sme aens I'Atrique romalne de Septlme-Sévêre â "Invaslon venda/e, Paris 1956, p. 207 e A. Mandouze, Encare /8 danat/sme, em "L'Antlquité Classlque U 29 (1960), pp. 106-107. 51. 01. o seu De unltate Eoc/as/ae. 52. Cf. sobre esse ponto o Jurzo de J. Daniélou, Nouvelle hlstolre de I'Eg/lse, Paris 1963, pp. 235-237. Sobre a eclesiologia de Cipriano, cl. R. f. Evans, One and Holy, Londres 1972. 53. Sobre a vida da comunidade africana, cr, V. Saxer, Via liturgiqua et quotldlenne à Carlhaga vers la mil/eu du lIIe siéc/a Clttã' dei Vaticano l00a '

além do aspecto juridico da sua eclesiologia, é preciso ter presente a diflcil reflexão sobre a realidade ontológica da Igreja, que com ele tem início explícito. Tal reflexão reapresenta claramente, sobre­ tudo na Afrlca para o período de que tratamos, mas não só na Afrlca através dos séculos, a tensão entre duas diversas concepções de Igreja: a primeira a vê como "Igreja dos puros',', a outra como Igreja de santos e pecadores ou corpus permtxtum.»

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A situação histórica particular certamente não é estranha a tais concepções. O episcopado clpriânlco desdubra-sa no âmbito de uma comunidade onde os cristãos se dizem tais de nome, mas não o são de fato; são ávidos de ganho, estão preocupados em aumenter o seu patrlmônlo," Invejosos, ladrões e usuários; nem mesmo o clero age de outra forma.'. Na' comunidade, há os que dispõem de muitos bens enquanto outros morrem de fome; 07 exor­ ta-os a se preocuparem com os pobres e os Indefesos." O clima de decadência que domina a Igreja africana' antes da perseguição de Décio e a situação que se verificou depois da peste que se abateu sobre ÍI Africa em meados do século III levaram Cipriano a reapresentar como modelo de vida cristã a comunidade de Jaru­ salém .••

Das numerosas obras de Ciprisno, três são parcialmente citadas no presente trabalho: o De lepsls, ali onde a referência a Mt 19,2'1 leva o bispo de Cartago a mostrar qual o comportamento que os ricos deveriam assumir para poder seguir a Cristo; o De opere et eleemosyn/s, onde o tema da esmola está também relacionado com o COnvite dirigido por Cristo ao jovem rico (Mt 19,21) como

ensinamento tirado da parábola do rico insolente (Lc 12,20); o De

domlnlca oretione, porque na petição: Dá-nos hoje o nosso pão cou­ diana, Cipriano sublinha a contradição com .aqullo que é dito pelo

rico insensato (Lc 12,20), enquanto Indica no ensinamento dado por

Cristo ao jovem rico o caminho a seguir (Mc 10,211.

a

54. Sobre o problema relativo à excessIva importAncia atribufda por Cipriano ao aspecto vlsrvel da Igreja, cf. G. Klein. Dia· hermeneutlsche Struktur des Kirchangedsnkens bel ·Cyprian, em UZeltschrift für Klrchen­ geschichlle", 68 (1957), PP. 67·66.' A propósito da oposição clprlilnlce ao conceito de Igreja como corpus perm/xtum, cf. P. C. Borl, Ch/esa ...• ctt., pp. 70-71. 55. or, De cath eoot. uno 26. 56. De leps/s 6. 57. De dom. oral. 20. 58. Ep. 7. 59. A presença de At 2,42-47; 4,32-37 em Cipriano' é estudada. por P. C. Bort, Chleee ... , pp. 64-83.


:50

COMENTÁRIOS PATRIS TICOS

As três obras sttuam -se num erco de tempo que vai de 251 a 256 ao e como todas as obras clprlân lcas são um tecido de citações

escriturfstlc88. 61 Entre as causas que contrlbulram para a perda da fé durante a peraegulção de Déclo, .Clprlano relaclona o apego dos cristão s às

riquez as;" Ficou esquecido o ensinamento do Senhor BOJov ein rico, e o que aconte ceu no pasaado verttlcou-se de novo: o .rnedo de perder oa bens . terrenos Impediu de. seguir a Cristo le entre os. bens a abandonar, Ci.prlano Indica também a vida, atuallza ndo o. episódio através da citação da bem-aventurança lucana sobre o ódio e a perseguição a sofrer por causa do Filho do homem ). Neste csso, Cipriano não ae pronuncia sobre a Ilceldade da posse das riquezas, mas sobre a maneira de possuf-las e sobre o uso que se faz delas. A exortação mais Inaistente do biapo de Cartago refere-ae ao dever da esmol a," apresentada como capaz de libertar do pecado , a. de obter a ajuda divina. a. de valorizar a oração e o jejum. " A pas­ sagem de Mt 19,21 é citada para Indicar qual é, depola do cumpri. menta da lei, a perfeição máxima. A citação de Mt 13,45-46 a, parece esclarecer que tal máxima perfeição - para adquiriIa necessário vender tudo - não é algo supérfluo, mas é a prõpria vida eterna. a. Para Cipriano, ao' contrário da interpretação dada por outros Padrea, o jovem rico observou todos os mandamentos, incluída o da caridade. Embora alirme 'Impllcitamente que a observâ ncia da lei não é por si só capaz de obter a graça e a salvação eterna, ele estabelece um eatrelto vinculo, quase uma dependência, da graça s da salvação com relação aos gestos exteriores. O esforço pastoral para reatabelecer através da distribuição das riquezas uma malar Igualdade na sua comunidade leva-o a explici tar a relação entre fé e obras: "Certamente. aquele que aegundo o preceito de Deus dá eamola acredita em Deus".

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60. Na obra clprl4nlca aparecem referências parciais,

sem adequado ecmeetétto, ao eplaódlo do jovsm rico em: De calh. scll. on., 2: Tasl. III, 1,16; Ad For/un, 12; Ep. 56; a à parábola do rico tneensetc em III, 6. 61. Pare e presença da 'Escrttura sm Cipriano, cf, M. A. Tasl. De Fahey, Cyprlan and lha Slbla: a Sludy ln Thlrd-Canlury Exagasis, Tubinga 1971,

62. Da lapa/s 11. 63. De op. el a/aem. 5. 84. Sr 29,12; Dn 4,24. 65. Pr 21,13; SI 40.2.

66. Tb 12,6.

67. Trata-se da parébola do reino dos céus e da pérola preciosa. 68. Da op. ar aleam, 5.

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OOMENTÁRIOS PATRtS TICOS

51 Depoia da exortação à esmola, segue a condenação da cobiça das riquezas, de que a parábola do rico lnaensato é símbolo . Quem acumula rlquezaa torna-se escrava delas e perde a liberdad e .que 'lhe é dada por Cristo. a. A exortaç ão à esmola é d/recion ada a um motivo antropológico: o homem morada de Cristo Deus. TO O contraste entre riqueza mundana e riqueza divina é aprese n­ tado por Cipriano através da exegeae alegórica de Ap 3,17-19: as ríqueza a, por melo das esmolaa e boas obras, tornam-se ouro puri­ ficado com que se compra de Crlato a veste cândlda (a.' graça), que cobre a nudez de Adão (o pecado), o colfrlo de. Cristo (a fé) com que ae pode chegar a ver a Deua. . Cipriano propõe um momento concreto como verificação da generosa esmola:' o dia do Senhor" em que as ale rendas aão postas em Comum. A realidade inataurada por CrIsto, ' pela qual o crlatão é Irmão de cada homem, não eatá sujeita nem ãsexlg ên­ elas ditadas pela conaangülnldade e pelos aleloa naturai s. 11 A ge­ neroaldade de Deus toma tudo o que é seu comum a todos. QUem divide os seua bens com o pobre torna-se Imitador do PaI. O modelo ' exemplar Que Clpriario apresenta á a comuni dade de Jerusalám lembrada em At 4,32 onde é vlslvel nos cristão s a fé na filiação divina que torna imitadores da Justlça do Pai e estabe­ lece uma base de Igualdade entre os homena. A petição do pal-nos­ soo Dá..os hole o nOS80 plib diário é Interpretada por Ciprian o como o testemunho do abandono. por parte do Cristo, do mundo . das rlquezaa e das honras; ele só pede para ai o alímento diário porque a exigência da última vinda de Cristo, coerentemente, o liberta da preocupação do amanhã. A parábola do rico Insolente é lembra da para falar da negatividade das rlquezaa: eatas são perIgosas e devem ser desprezadas. porque Impedem o homem de pôr toda confian ça somente em Deus e na sua providência. Nestea textos, como ficou dito, Cipriano não díscute a legitim i­ dade de poasulr bens, mas desloca o acento para o uao das riquezas que, explicitamente, nunca são declaradas boas. A preocupação de acumular riquezas é vista como desejo de uma segurança que se põe fora de Deus. A neceaaldade de, Igualdade, já propos ta pelo Antigo e Novo Teatamento, deriva para Cipriano não só da Imitaçã o de Deus, mas também da dIvinização do cristão. Estas reflexõe s do bispo de Cartago não derivam de .partlculares eapeculações filo­

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69. Da op. si s/eam. 13. . 70. Em De oP. et e/eem. 15 volta 80 mesmo conceito:· "Quem tem . misericórdia dos pobres empresta 8 Deu8".

71. MI 10,37: DI 33,9; lJo 3,17; IR. 17,12-16.


COMENTÁRIOS PATRISTICOS

52

sóficas ou aprofundamentos teológicos, mas da assim; lação da Escri­ tura traduzida em vida no dia-a-dia. A exortação à igualdade. 11 partilha dos' bens, 11 prática da esmola não parece, pelos discursos de Cipriano, comprometer os cristãos fora de suas eomuntdades.w

4. Hllérlo de Polllera Em alguns dentre os Padres mais significativos do século IV, a tensão entre anuncio evangélico e riquezas chega, às vezes, a soluções mais definidas e radicais, embora não se apague a plurali­ dadede vozes e interpretações. A posição da Igreja em nlvel histórico mudou completamente no transcurso de um século. Depois da perseguição de Valerlano de 257-258 até os quatro éditos de perseguição sob Diocleciano (303-3041, o cristianismo gozou de um período de relativa paz graças ao édito de toleràncla de Galeno (2601, que .Ihe permitiu expandir-se geograficamente e penetrar com malar profundidade nas diversas camadas sociais, 7S mas também facilitou o corromper-se do modelo da comunidade das origens. A perseguição de Diocleciano sobre­ vém à Igreja num perlodo que Eusébio descreve como de decadência de costumes e de fé; n a partir de então, graças à paz constantl­ níana, sempre segundo Eusébio, reemerge aquele modelo de comu­ nidade descrito por At 4,32,. alegoricamente interpretado e atuali­

zado, 'r3 De outro lado, não se deve esquecer a situação do lmpérlo romano que, tanto no Oriente como no Ocidente, se vê diante dos problemas de uma economia em transformação, e também dos pro­ blemas que derivam de fortes dlsparldades sociais entre ricos e pobres. Resta apenas recordar a politica de Juliano, definida como

72. cr. 'M. Hengal, op, clt., p. 82. 73. CI. J. Oanlélou-H. Marrou, op, cit., pp. 264-268.. 74. CI. Eusébio, Hlsrórls Ecl..illstlc~ VIII, 1,7: "Mas por eleito da multa liberdade calmos na soberba e na balxeza; Invejávamo-nos e inJuriávamo-nos mutuamente; como se estivéssemos em guerra ·Intestina, combatlamo-nos usando as armas e as lanças das palavras; os chefes dilaceravam os chefes; os povos se InsurgIam contra os povos; a maldita hipocrisia e a slmulaçAo haviam chegado ao àplce da malícia. EntAo, enquanto as' assem­ bléias doa fiéis ainda podiam ser realizadas, o juiz divino, como costuma fazer, com mão leve, lenta e pacatamente começou a punlr-nos. A perse­ guição começou com os Irmãos que estavam' no exército" (trad. It. orga­

nizada por G. DeI Ton, Roma 1964, p.628). 75. Cf. Eusébio, op. cit., X 3, t4 e a interessante Interpretação de

P. C. Bori, eh/ass.", clt., p. 92.

COMENTARIaS PATRISTICOS

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"politica de um asceta da idéia do Estado" a quem não' agradava "a idéia dos 'Iucra' não só dos burocratas. mas também dos sol­

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dados". 78 Os comentários de Hilário 77 às passagens evangélicas de que nos ocupamos devem ser lidos à luz da particular tensão politico­ -religiosa determinada pela crise ariana e pelas polêmlcas teoló­ gicas que caracterizam o século IV. 78 No seu comentário a Mateus, escrito antes do exílio na Frígía, onde algumas evocações de caráter mais literal deixam amplo espaço à exegese alegórica. se detém no episódio do jovem rlco. 7 9 O mesmo episódio está novamente presente nas outras duas passagens que citamos, do Comentário aos Salmos 51,9 e 118,57." Hilário Identifica o jovem rico com Israel que confiava naquela lei, à qual contudo não havia obedecido realmente; havia recebido a ordem de não matar, e havia matado os profetas; de não cometer adultério, e havia adorado os deuses estrangelros_" Na exortação a vender os bens e dá-los aos pobres, o jovem é admoestado a abandonar a confiança na lei. Na Interpretação alegórica, o pensa­ mento de Hilário está, pois, totalmente voltado para a polêmlca antljudaica, e por isso o jovem rico é o povo da primeira Aliança;. as suas riquezas são constituídas pela confiança que deriva da convicção de ter cumprido as obras da lei, enquanto a Impossibi­ lidade para o homem rico de entrar no reino dos céus considera-se 76. S. Mazzarlno, Aspertl s.oclell dei IV sacolo. Rlcarcha di Storía rardo-romana, Roma 1951, p. 184; cf. também M. G. Mara, op, clt., p. 14. 77. Eleito bispo da Poltlars por volta da 350. 78. O nome de Constâncio, com o exll/o de AtanásIo e de Hllârlo por ele determinado, e os dois concllios, primeiro de Milão (355) e depois de Béziera (356), bem Indicam o novo vigor da heresia. Para o lugar que Hilário ocupa na reflexão trlnltárla e no âmbito da polémica ántlarlana", ct, P. Smulders, La doclrlne trln/la/re da Saint Hllalre da Poma,., am "Analac!a Gregoriana", 32 (1944); P. Galtler, Saint H/la/ra da Poltlars, Pari.s 1960; M. Slmonattl, La crlsl ariana nal IV secoto, Ro.ma 1975, pp. 220'221; 248, n. 84; 298-312. 79. Comm. ln Mt XIX 6-29; cr. também J. Oolgnon, H/la/ra da PoltIsrs. Sur MaUhleu I, am SCh, 254 (1978). 80. O Tractatus supsr psalmos 101 escrítc depois da volta. da HIIMo do exrl!o. Embora seguindo substancialmente o mesmo método exegético com que comentou o Evangelho de Mateus, Hllálio se preocupa mais com o sentido IItaral. No De Trlnltare IX 25,18-17 a propósito do Jovem rlco, HilárIo observa que estar dispostos a amar de vez em quando não é perfeito amor; este sõ existe na medida em que se dê ao pr6xlmo tanto quanto se dá a si mesmo. A lnterpreteção vê 8 recusa do Jovem como a confiança que ele punha na lei, Ignorando que o verdadeiro fim dela é Orlsto; cr. M, G. Mara, op, clt., pp, 15-18. 81. Comm. ln MI XIX 4-5. .

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COMENTAmOS PATR:lSTICOS,

QQnflrmada pelo restrito número de judeus que passaram ao crls­ 'tíllnlsmo. Dlato darlva que é mais fácil que um camelo (os gentios; QQm efeito, asaim Hilário havia interpretado anteriormente a veste de, pêlos de camelo do Batlsta) paaae pelo fundo de uma agulha (a pragação do evangelho), do que um rico (aquele que se gloria da.101) entre no reino.

, Comentando o Salmo 51,9. Hilário volta àquele Israel (o jovem rico)' que julgou ser rico através' da lel; ao paaso que ela não é mais do que a sombra dos bens futuros, mas se serviu mal das riquezas, depositando sua segurança na glória do reino davldlco, no ouro do templo, naa leis humanas. segundo o que afirma o taxto da la 29.13. Na Interpretação hllarlena, o comportamento de Israel foi aquele de quem, tendo "uma grande riqueza", tornou-se arrogante e Ingrato para' com o' doador de todo bem. Para Hilário, a condenação' se dá pelo comportamento diante' das rlqu8Zaa (ale­ goria da lei e das obras' da lei) qua oe tornam subatltutívas de Deus ria aegurança' que oferecem ao homem. ' Este mesmo discurso,' com um acento novo, é retomado no o c,êntuploprometldo por Orleto a qU~m délxar 00' bons terrenos é Interpretado como a inabltação de Deua no homem que tiver abandonado toda sua segurança terrena para pô-la somente em Deus; cornentérlo ao SI 118.57:

Hilário aatá na esteira da tradição clamentlna quando afirma que poasulr rlquezaa não é em ai um delito, pois o delito é um modo de possuI-Ias que prejudicá" ao outroa; quando Interpreta a recusa do jovem rico incap"c\c1"de de, abandonar as segu­ ranças (que .na sua exegese, são -a lei), para aderir à novidade da mensagem crlatã;" quando adverte que é parlgoso querer enrí­ quecer porque, aquele que vai atrás das coisas do mundo absorve tamb'ém 'os vícios do mundo; quando mostra'que os ricos se tornam Irraligiosos, não' agradecendo ao' doador de todo bem.

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No e8aenclal, Hilário 'hiterrJréta o episódio ,do jovem, rico como uma catequeae mateana para os .ludeu-crtstãos, moa ela ainda é válida no contexto hlat6rlco de Hilário, para aqueles que não sabem fazê. de Cristo a única lei; Aaslm o problema doa rlquezas paasa 'fum ae,guridó plano., Mas 'o ariCinclo do' Deus criador e doador de ':-t9do'.bem e de' Cristo, única lei, é apresentado como norma do "Biliar ao próximo: MBa Hilário, renuncia B ulteriores desenvolvimen­ 'aplicações mais COncretas.

COMENTARIOS PATR1STICOS

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5. Basilio de Cesaréla Entre os padres capadóclos, Basülo, bispo de Oesaréta, 88 certa­ mente é o mais atento. sensivel e participante dos problemas soclaia vividos na sua Igreja. Ele une a uma solfcita e profunda preocupação teológica em face da doutrina, para cUJo desenvolvimento e expli­ citação deu contribuições decisivas 8. - juntamente com o Irmão Gregório, bispo de Nisso, e o amigo Gregório, bispo de Nazlanzo ­ uma Incessante atlvldade pastoral voltada para a prática da caridade, e particularmente para as categorias mais nécessltadas. Para estas, organizou um centro de obras assistenciais, chamado Basilíade.' às portas da cidade de Cesaréla. ao 8~.

Basilio tol nomeado bl.po depola da morto de Eu.éblo, em 370,

84. Contra os arianos e para ajudar 8' compreenefto da ortodoxla pro­ clamada no concilio d~ NJcéla em 325. escreveu Contra Eunômlo. enquanto em defesa de uma doxologla trinitária s em polémica com maçedo­ nlanos, escreveu em 375 o tratado sobre o Esplrlto Santo" No que se refere ao pensamento de Basilio sobre o ·Fllho e sobre o Esplrlto Santo, o

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cl. M. Slmonetll, La crlsl .... clt.. pp. 462-484; 486-467; 512·518.

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vida asoétlca, da exigência de testemunhar comunltarlarnente a re~lIdad.e da fé, da sua experiência como monge e fundador 'de uni mosteiro ds caráter cenobftlco onde viveu sté a consagração eplsc'opãl'. temos Infor­ mação dlreta através de sua obra Ascética, uma coletAnea c;le vários ··textos

d.dlcado. ,li formulação de uma ética monéstlca fundada am' pas.sgana blbllca. (Mor.llal. e de duas Regras Moq/lsf/o.s iiue ,a.lão na. ~~a., de quase todas a. ardan. cenobmcas sucesslvae, A sua atlvldada aX~étloa .atá voltada particularmente li prsgação: aliSlm as hom1lla. sobra' o Exaé. mSron 'comentando o relato sobre '08· seis dias da'· crfaçAo, as homlné,s sobre os Salmos, vários discursos pronunciados para ,-Instruir. . e . edlflcar

os fiéis e para combater toda forma de abuso, especialmente no campo das riqueza. a daa explorações por parte dos poderosos. O eplstolérlo de mais dé 300 cartas mostra a amplidão dos seus compromlesos e dos seus Interesses, além da constante preocupação em orlsntar para as con­ cretas necessidades do homem todo pensamento e atlvldade. Morreu ~ em

379. O eplatolárlo perrnltlu a J. ',Courtonna (Un témoln du IV. s/éc/. oriental.

se correspondance, Paris 1973) trsçar um quadro reallata da altuação piJlltlca e eoclel da Capadócia. Ct. parU­

Sa-'nt 8asl/e et son tampa d'aprês

cularmente, para o tema de que nos ocupamos, o cepltulo IILe défenseur

das falblas", pp. 360-423. 85. Cf. oa trabalhoa de St. Glat, Las Idé.s st ractlon aoclales de Saint 8a81/e, Paris 1941; Id., Saint 8asllé

aI

I'asslsfance aux malheuraux,

em /nsplr.tion r.l/g/euse at structures temporel/es, Parla 1948, pp. 107-137. Cr. o estudo de G. Grlbomont, Un arlstocrate réVolut/onnsire:_Saint 888lle,

em "Auguatlnlanum", 17 (1977), pp. 179-191, que contém na primeira parte (pp. 179·183l. uma slntéfica e axaustlva bibliografia crlllca doa ••tudos dlretamente referentes ao aspecto socloeconOmlco da vids e da produção

15.

literária de Baalllo. Para a Incldllncia do modalo da primitiva comunidade crlatã de.crlta pelo. Ato. do. Apó.tolo., ct. P. C, Bort, Chlesa.... cit., pp. 97-98.


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Apresentaremos para o nosso tema algumas partes de três obras de Basilio, onde se apresenta mais explicito e amplo o comentário aos dois textos evangélicos. No De baptismo I, 1, alguns versículos tirados do episódio do jovem rico põem à mostra a figura do disclpulo de Cristo que Basilio quer esboçar: para poder seguir o convite de Jesus: Vem e segue-me (Mt 19,20) e assim 'tornar-se seu 'dlscipulo é necessário afastar-se "antes de tudo ( ... ) completamente do pecado, e em segundo lugar de cada coisa" (I, 1, 64). A observãncia dos manda­ mentos que o Jovem declara ter praticado é sinal de que ele já se afastou do pecado, mas o Senhor lhe pede ainda que se liberte das preocupações terrenas e das "coisas até mesmo necessárias para viver" II, 1, 64). O amor e a solicitude para com os familiares, no caso de Impedirem "mesmo um pouco só a profissão da obe­ diência mais firme devida ao Senhor", embora sendo obrigações , racionais e humanas, devem tornar-se "estranhos ao dlsclpulo do Senhor" II, 1, 149.161). A homilia VI De '8v8rJtia é um amplo comentário à parábola 'lucana do rlco Insensato. Este é apresentado por Basílio como exemplo .típlco de quem se deixa tentar pelas riquezas cedendo à aoberba. Na homilia parte-se da observação de que Deus - de 'quem provêm todos os bens, que os concede a todos, justos e injustos, bons e maus - permite a acumulação das riquezas do ,homem Insensato, na esperança de que a sociedade o torne final­ mente generoso e humano. Deus é bom por um, duplo título: porque dá a todos lndlstlntamente e porque procura e espera a conversão do homem (VI, 1). ., Mas o homem rico não agradece a Deus e não o imita. Ele não pensa na comum natureza dos homens que o deveria levar a com­ partilhar; pejo contrário, assume a mesma atitude atormentada do pobre sintetizada na angustiosa pergunta: Que farei? (VI, 1). Basilio descreve qual deveria ser a Justa posição do rico: ele é o adminis­ trador dos bens dlvlnos. 8o Para o bispo de Cesaréia, o rico deve ser "o executor das ordens de Deus benfeitor, o ecõnomo de quem tem a mesma sorte"; e visto que ele á administrador e não senhor, está obrigado a prestar contas dos bens que tem nas mãos (VI, 2). ~ olhando antes de mais nada para o próprio benfeitor e em segundo IU9ar para a natureza (VI, 3) que o rico poderia compreender qual é a resposta a dar à sua pergunta: Que farei? O próprio desejo de tirar mais proveito passivei dos próprios bens seria plenamente 86. CI. G. Grlbomont, op. clt., p. 186.

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57

satisfeito se o rico dlstrlbulsse as suas riquezas: a 91órla eterna e a série de bens Incorruptivels a ele prometidos, precisamente por sua Incorruptibilidade não são sequer comparáveis com as riquezas terrenas. No discurso de Basílio estão presentes imagens usadas pelos estóicos em sua critica às riquezas e à desigualdade que elas criam: 87 mas" ele volta sempre a tais imagens com uma particular atenção às situações realmente vividas pelo seu auditório, e as atualiza para tornar praticável o novo modelo proposto. A análise da parábola é conduzida segundo uma exegese atenta às diversas expressões das quais procura extrair logo um ensinamento de cará­ ter ético, não isento de uma certa dose de sátira para melhor subli­ nhar o absurdo do comportamento do avaro. Para Basilio, a condição social do pobre e do rico, daquele que nada tem e daquele que tem sté mesmo o supérfluo, 88 não é que­ rida por Deus; é o fruto do pecado do homem e - em tal contexto - do homem que é avaro porque transforma o supérfluo em neces­ sário, que é ladrão porque transforma em posse aquilo de quem tem apenas a administração. A referência ao julgamento do Se­ nhor (VI, 8) no comentário de Basílio não significa, como para Clemente, elogio às riquezas que permitem dar, mas condenação da recusa a compartilhar. Na homilia VII ln dlvites, Basilio comenta em grandé parte o episódio do jovem rico segundo o texto de Mt 19,16-26.'" Põe em evidência como este cal em contradição consigo mesmo: não se­ guindo o último mandamento do Senhor (Vai, vende o que tens), torna vã a observãncla da lei por éleobservada e revela a falsidade daquilo que havia afirmado ao dizer que havia amado o próximo. Basfllo adverte que aquele que ama não pode ter nada mais do que aquilo que o próximo possui; não sofreria ao ouvir que deve

87. Cf. por exemplo aquela dos lugares no teatro (VI, 7).

Sobre tal

aspecto veja-se .também M. Hengel, Properly, .. , clt., pp. 2-3. A. Dlrklng (S. 8as//// Magn/ de dlvitlls et paupe,tal9 senlentlae quem habesnt ratlonem CUm vetetum philosophorum doctrlna, em "Dlssertetlones mcnaeterlenses" [1911] 40 nota como também o tema do rico-admlnlstrador estava pre­

sente na filosofia do gênero "consolatório". 88. Sobre o supérfluo, ct, SI. Giet, op. cit., pp. 9995. e J. La prédlcal/on das Péras Cappadociens. Le prédlcateur at san Paris 1968, p. 401. Cf. também o Interessante estudo de S. Rlcchezza e poverté nette amelle di GIovanni Cr/sostomo, L'Aqulla

Bernardl, aud/folre, zmeene, 1973. pp.

119-135.

89. Para a utilização e E. A. de Mendieta, L'asce3e

a interpretação de Mt 19,21 em Baslllo, cf. monsstlque de Saint Bas;Je. Essa; hlstorfque,

Paris 1949, pp. 13000.; 31900.


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deixar tudo, porque há muito se teria "dedicado a compartilhá-lo com os pobres" (VII, 1I. O texto dá e Basílio a ocasião de apre­ sentar o paradoxo do comportamento cristão: quem guarda as rlque­ zas, perde-as, e quem as dá conserva-as (VII, 2). As palavras de Jesus registradas pelos Sinótlcos: t mais fácil que um camelo passe pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus, são interpretadas segundo o seu ·signiflcado

Imediato: para entrar no reino não basta. ter observado todos os outros mandamentos, se não se observa o da ·caridade,·' de que é sinal a partilha dos prõprtos bens com os homens (VII, 31. Quem ama o dinheiro não põe limites à própria avidez; faz das riquezas um Instrumento de tirania (VII, 5). A famllla, os filhos dos quais é preciso cuidar, a própria vida, não podem conalltulr uma Justifl­ cação para acumular riquezas; para "posaulr a vida eterna é preciso dIstribuir e compartilhar nesta vida terrena" (VII, 8.91. Para Basfllo, o tema da posse dos bens· ' por parte do rico deve ter uma solução normal na partilha, que. não permita ao rico o supérfluo, que mude a condição social do pobre e restabeleça a justiça querida por Deus no dar a todos. Como vimos, para O' bispo de Cesareia _uma situação social onde existem ricos e pobres é fruto do pecado do homem. A situação determinada pela carestia que se abateu sobre a Capadócia em 368 torna ainda mais realista o seu discurso."

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contemplativa e solitária para enfrentar as exigências' pastorais ou de amizade. Pertencente a uma rica e nobre famllla da Capadócia, pôs a serviço da proclamação e de defesa de fé a sua prof~nda cultura literária e sue consumada arte retórica." Ocupam um luger de particular destaque, entre seus escritos, 45 discursos.·' Um destes, o 14, é dedicado ao amor dos pobres. Deste dlacurso extraimos as partes em que Gregório se detém no comentário ao episódio do Jovem rico (citado do texto de Mateus) e, sinda que mais brevemente, a parábola do rico Insensato. O pensamento do Nazlanzeno desenvolve-se a partir de ums consideração preliminar: todos os homens são pobres porque têm necessidade da' greça divina (14,11. Precisamente esta consideração o levá a ensinamentos sobre o amor aos pobres, do qual a miserI­ córdia represente a maior manltestação.' porque torna o homem semelhsnte a Deus em um de seus aspectos mais próprios: Com efeito, Deus é essencialmente mlserlcordloao (14,51. Deade as pri­ meiras IInhss, fica claro o fio condutor de todo o discurso: é e exlqêncla, para o homem de fá, de tornar-se quanto poséíve! seme­ lhante àquele Deus em quem. crê.·.. ~ na -lmlteção de Deus, que escuta e socorre a todos, que' se encontra e rezão de uma miseri­ córdia que dá ao' pobre, sem procurar saber li causa de sua pobreza e a motivação profunda dó áglr humanO (14,61. A revelação do mis­ tério da unidade dos hômiins em Cristo' (14,81 corrobora o' principio Já exposto. Uma particular situação de pobreza. como li lep·ra,·· é

8. Greg6rlo de N8z18nzo Gregório, bispo de Nazianzo por vontade do amigo Baslllo, teve de contrariar repetidamente seu dese]o de dedicar-se a uma vida

93. Naacldo por volta de 330, 101 ordenedo sacardole pelo pel em

90. CI. D. M. Nolhomb, ChBrlM et unll6. Doclrlna da Saint 888l1e la Grsnd 8ur Is charltiJ envers la procha/n, em "Proch6-0rlent Chrétlen" 5

(1955), pp. 7 e 12. 91. O tema referente à -posse doa bens, sob o aspecto especlflco do direito à propriedade privada, no pensamento de. aasmo, teve lnter.· preleçôes dlverses. Para E. F. Morlaon, Se/nt 88811 and h/. Ru/e. A StudY in Early Monast/c/sm, Oxford 1912 e J. Courtonne, Homélies Bur la rlchasse,

Paris 1935, a SI. Glel, op, clt., Baalllo nagarla a legitimidade da proprie­ dade privada; para L Orabona, op. clt, p. 7E$y não é negado o dtrelto de

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382 e conaagrado, pelo amigo "Baslllo, •bispo da cidade da Saslma, psra a qual contudo nAo quis Ir, preferindo ficar em Nazlanzo onde, depois da morte do pai, aucedeu-lhe na cátedra episcopal. Informações precisas aAo lomecldàa por P. Galley. La vle de SiJ/nt Grégolre de Nez/anze, LllIo­ 'Psrla 1943. Sobre e prageçllode Nazl.nzeno; cl. J. Bemerdl, La prlldl­ oallon ..' ., pp. 93-280. . 94. Alguns, de ceràter teológico, foram escritos para defender, contra eunomlanoa e macedonlanoe, o dogma trinitário; outros, e são a maioria, foram pronunciados para honrar a, rnemó.rla dos santos em suas festlvl~ dadea ou para outraa comemoraçOes Inclusive de carâtar familiar. 95. Sobre -a ImltaçiD de Deus no pensamento de Nazlanzeno cl. lh. Spldllk, Orégolre ds Nez/anze. IntroducUoné rélude d. 8S doetrlna .plrl­

propriedade privada, mas é Imposto o dever de não reter o que é 'desne­ cessário. Nas passagens citadas no presente estudo não me parece que

tuel/e, Rome 1971, p.69.

B881110 enfrenle o problema lurldlco do dlralto ê proprledsde, mas o dever

Nlaaa, De paupar/bus amand/s 2 e A. Van Heek, Gregorll Nys.anl. De pau­

para o crfstAo rico de compartilhar de modo a restabelecer a justiça querIda por Deus. 92. InformaçlSes sobre tal carestia silo fornecidas por Basfllo na Ep.

XXVII e XXXI. Na Oraçlo fúnebre para Basilio 35, Gragórlo de Nazianzo laia da atlvldade que

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desenvolveu durante a carestia.

98. A propósito da sJtuaçAo dos leprosos, cf. também Gregório de

perlbuB emsndl«, Leida 1964,. pp. 115~118. Sobre o Interesse dessas obras do Nlsseno para o conhecimento da realidade hlstórlcs em que Interveio também o Nazlanzeno, ct E. Cavalcantl, I 'due dlscorB/ CJ8. pauperlbus eman­ dia di Gregório di Nla.a, em "OrlentaUa Chrt.tlana Penedlca", XLIV (1976) 1, pp. 170-180. Para algumas referências ao problema dos leprosos no


COMENTÁRIOS PATRISTICOS

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posta em evidência pelo Nazianzeno, porque a impossibilidade da cura e o isolamento fazem do leproso o mais pobre entre os po­ bres (14,9). A ostentação, o luxo, o Inútil e o supérfluo (como o possuir mais de uma casa) provocam a condenação do bispo (14,10), porque tal comportamento evidencia uma lepra espiritual ainda mais grave do que a primeira. Com eficaz arte retórica, Gregório deseja para si uma morte repentina, semelhante à do rico insensato, caso ele não compartt­ Ihasse com quem tem necessidade o fruto das suas fadigas (14,18). A precariedade dos bens terrenos Já é um motivo para não depo­ sitar neles segurança alguma. Mas é preciso saber discernir entre riquezas passageiras e riquezas eternas (imagem e verdade; moradia terrena e cidade celeste; terra de exílio e pátria; sombra e luz; carne e esplrito; príncipe deste mundo e Deus). Tal capacidade pertence a quem, através do batlsmo, morre e ressurge com Cristo (14,20.21). O cristão, seguindo o Verbo, deve desenvolver a capaci­ dade iniciai que recebeu; deve reconhecer que a única parte de bem. que as riquezas têm está na possibilidade de serem dadas e compartilhadas (t4,22). O discernlmentà diário que o cristão deve realizar entre "riquezas passageiras e riquezas eternas funda-se na recordação daquilo que ele é: filho de Deus, co-herdelro de Cristo, divinizado ele mesmo. Tal realidade exige, como resposta, o amor aos homens (t4,23)." Deus quis manifestar a Igualdade entre os homens mantendo à disposição de todos 'as mesmas coisas. Gre­ gório fala de um amor voltado Indistintamente a todos, e nisto repete um motivo que já apareceu com freqüêncla em outros textos; mas quando ele convida os cristãos a amar Indistintamente todos reapresentando o anúncio evangéllco. 9 • dlferenela-ae de Clemente e Cipriano que para enfrentar problemas concretos reduzem ao ãmblto da comunidade cristã a exortação. a. dar ao Irmão pobre. Com particular Insistência, Gregório convida a ser Imitadores da "lei primária de Deus" 00 que, de alguma forma, ale contrapõe

COMENTÁRIOS PATRlSTlCOS

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1930, pp. 255-257. 97. Sobre o amor dos pobres em Grag6rlo, ct, Th. Spldllk, op. clt.,

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98. Cf. MI 5,45. 99. A propósito da contraposição entre lei natural e lei escrita nesta obra de Nazlanzeno, ct, L. Orabona, crlst/aneslmo .. ' J clt., pp. 90-92. o qual levanta o problema de saber se 8 lei natural "significa condeneçâc do direito legal e positivo de proprfedede, ou se não se refere antes à exIstência de um estado de natureza anterior à culpa de origem, no qual não existia a propriedade lndlvldual". Parece-me que o discurso do Nazlan­

a uma lei posterior, feita pelos homens, que delimita os confins da propriedade, "que defende o poderoso". Tal lei primária de Deus é para o Nazianzeno a lei natural anterior ao pecado. e requer a comunhão dos bens, a Igualdade dos dons, a Igualdade natural: "Liberdade e rlquaza estavam .ligadas à obediência de uma única ordem". Ao passo que pobreza e escravidão aparecem num segundo momento e são frutos do pecado (14,25), porque "a verdadeira po­ breza e a escravidão" estão na transgressão da única ordem. Se para Gregório não há nada tão comum com Deus como a possibilidade de fazer o bem (t4,27), o que foi dito ao jovem rico não pode ser por ele interpretado como um conselho, mas como uma condição necessária para ter a vida eterna; 100 uma prova disso é a condenação que espera os que "não foram em auxilio de Cristo na pessoa dos pobres" (14,39). O direito de possuir os bens está vinculado ao dever de dar aos pobres para restabelecer a Igualdade primitiva. A força do discurso do Nazianzeno se baseia na identidade Cristo-cristão 101 e na exigência, vivida experimentalmente, de uma Identificação sempre malar do homem com Deus. O forte sopro mistico de Gregório nada tira da Incisão e concretude de seu dis­ curso: a comunhão de bens divinos e terrenos. devida li comum origem dos homens, foi rompida pelo pecado que, entre os outros males, trouxe também a servidão social. Tal pecado, que se tomou "doença comum, exigia um remédio comum. 102

7. AmbrÓ8io de Mlllo

século IV, ct E. Fleur'Y, Saint Grégo/re de Naz/anze et son temps, Paris

p. 56. CI. também o estudo de M. Serra, La vlrtfJ di carltà verso II proeeimo ln San Gregorlo Naz/anzeno, Roma 1956.

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As referências às duas passagens evangélicas de que nos ocupa­

mos são" freqüentes nas obras de Ambrósio. 103 o qual contudo não

dedica a elas uma exposição sistemática. As passagens aqui citadas,

zeno não se ocupa do díreHo legal da" propriedade privada, mas constata na desigualdade social que determina a" existência do pobre uma altuação de pecado que encontrou na lei posterior um defensor. Amplas Informa­ ções sobre a relação entre lei de Deus e" dlrelto natural, lei escrita e estado encontram-se em E. Troeltsch," Le dottr/ne ... , clt.. pp. 191-226: particularmente Interessantes as referências patrlatlcaa das notas 102, 105,

108, 109, 110.

100. Diversa é a interpretação de L. Orabona, Cr/st/anes/mo ... , cit .•

pp. 94·95.

101. Sobre a Imitação de Cristo no pensamento de oregórlo, ct Th.

Spidlik, op. clt., pp. 107-11t. 102. Cf. Th. Spldllk, op. clt., p. 82.

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103. Nascido em 337 (outros julgam que em 339), de famllla abasta a e Influente, enquanto se encontrava em Milão na q"u"àlldade de consularls


COMENTÁRIOS PATIUSTlCOS

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de cinco obras ambroslanas, toram escolhidas entre outras do jovem rico ,•• e a 'parábola do rico Insensato ,•• slio comentados COm malar amplidão, ou apresentam uma lnterpre­ tação sob algum aspecto nova com relação às outras. No coméntãno ao Salmo 118,'00 Ambróslotratil do episódio do JoveM rlco, A não;disponlbilldade do Jovem a deixar as riquezas e' a sua tristeza depois do convite do Senhor silo interpretsdas como um slnsl evldenta da Incompatlbilldsde que existe' entre ter psrte com Deus e ter parta com as riquezas. , •• ' Sobre o ter parte com Deus, Ambrósio já havlsdlacorrldo falando dos filhos 'de Levl.108 Poasulr' aDeus e Ser por ele possuldo dá a IIberdsde que permite não depender de ninguém enqusnto proporciona como vherançs, de msnelrá nova, o mundo Inteiro: no IlIgar dos campos. o homem poasurdo por Deús tem uma colheità que nunca mingUa, no lugar ds caea ele mesmo se torns "morada e templo de Deus". Além disso, o dlsbo não encontrs nele nada de seu...9 O exemplo de Pedro que deixou tudo para ter psrtecom o Senhor é confrontado com li do jovem rico, aquem a posse das rlqueaas nllo perm1te ter parte com Deus. A resposta do jovem: Sempre obeerve; estas eotsee (as mandsmentos), o que me falta? é Interpretada por Am­ brósio como o desejo de "ser reconhecido Justo" embora não o sela,

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Ugurlse 91 Aamllfae, antes mesmo, de receber o baUemo foi aclamado bispo por srlsnos s cstóllcos. Foi bispo de MIIIlo de 374 a 397, ano de sua morte. A aua Intensa atlvldade pastoral. voltada principalmente para a InstruçAo catequétlca e moral, para a luta contra as opostçõas antIcatólicas

(arlsnos. psgAos, Judeus), para a reflexão sobre a relação Igrelá-Impérlo. psra as missões diplomáticas tendentes a manter dllrcels equlllbrlos ou restabelêcêr 8' paz é amplamente documentada pela sua vasta produção literária. onds ocupa um lugar notável o tema da Justiça social. Ponto de referência de homilias e tretados á psra Ambrósio a Escritura, que ele explica e Interprets apelando freqOentemsnte para Filo, Orlgenes e Basilio. Ofsreoe á Igrels ocidental a possibilidade de haurir, graças á sua msdltação, dsprofunda reflellAO. teolOglca da IgreJa orientai. 104. Em Exp. Ps 118 e em De o"/clls I. 106. Em Exp. Ev. s. Luc. v-VII e em De Nsbuthae hlsl. VI-VIII. 108. SObre esta obra, 01. L F. Plzzolato, La "Explsna"o Psslmorum XII". Sludlo 'letterBllo suresegesl dI ssnrAmbroglo, em "Archlvlo Ambroslsno", XVII (1985). A dlflculdadede ume datação csrta para as obras ambrosla­ nas aqui apresentadas nlo permite captar o desenvolvimento de alguns temas, ainda que uma cronologia seja proposta: assim o Exp. Ps 118; o De ol/lclls, o De NsbUlhse h/el., sltuam..e em torno de 389-390: o Exp. Ev. s, Luc. em torno do tempo que vai de 377 a 389, e o Explsn. Ps. 48

no ~ltlmo perlado da vida de AmbrÓsio. 107. Exp. Ps. 118,9. 108. Exp. Ps. 118,4.

109.. Exp. ee. 118,5.

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~ difícil que o rico entre no reino dos céus, mas é possível através da via proposta pelo Senhor: deixar tudo e segui-Ia. Quem age deste modo terá como herança o céu e sobre a terra o cêntuplo, de modo que se torne novamente rico e é .este rico, segundo Ambrósio, que entra no reinados CéUS. 119 A lembrança de uma igual origem da vida e .de uma igual morte para todo homem faz compreender que é melhor ser herança de Deus, melhor pedir a sabedoris em vez dos bens terrenos. Na ExplanaI/o Salm; 48 entrelaçam-se as referências ao rico insensato e ao jovem rico. A aproxlmaçllo dos dois personagens é devida ao fato de que amboa são considerados avaros. O juizo sobre o valor, das riquezas tem seu ponto de partida na polêmica antljudalca: não são as muitas observâncias enSinadas por esçrlbas e fariseus. não é a oferenda de dinheiro e o valor das moedas que justificam os homens, mas o preço do sangue de Cristo. O discurso de Ambrósio sobre os herdeiros, a casa e o nome repropõe a leitura de taIs bens cama de sinais cuja tarefa é a de recordar as reali­ dades verdadeiras que eles fazem entrever: os únicos verdadeiros herdeiros são aqueles de Deus. co-herdeiros de Cristo; a única ver­ dadelra casa é o céu onde só tem significado que esteja escrito o nome de cada homem. No De ofllcils, 111 as palavras do Senhor ao jovem rico: Se que· ree ~hegar à vIda eterna, observe os mandamentos e: Se queres ser perleito vende todos os leus bens ( ... ) depois vem e segue-me, indicam a Ambrósio a existência de deveres "médios", como a ob­ servílncia dos mandamentos, e de deveres "perfeitos" Como o da caridade. Cumpre-se tal dever Imitando o Pai que põe à disposição de todos os homens os seus bens. 11. Dar sos pobres mostra como o rico recorda que os produtos da natureza são para todos, que para proveito de todos são os frutos da terra, porque comum é a sorte' dos homens. Dar aos pobres obtém de Deus mais do que se dá, porque obtém a salvação e torna O próprio Deus devedor do homem. 118 Se a misericórdia é louvada, 8 avarezs é condenada

110. Exp. Ps. 118,10. 111. Para as Informações sobre esta obra, ct. G. Sentaria Sant'Am­

broglo. I dovsrl, Milão-Roma 1977, Inlroduçflo, pp. 9-18,

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112. Para a dependêncIa do De offlclls de Clcero dos tarmos presentes neste discurso e para a dIferente utlllzaçAo que Ambrósio faz deles, cf. ,F. Homes Duddan, The Ufe snd Tlmss 01 Ssfnt Ambrooe, Oxford 1935, II, pp, 521-522. Para o confronto entre os temas morais do Da Offlalia de cteero e os do De ol/lclls mlnlslrorum de Ambrósio, cI. R. Thamln, Ssfnt Ambrolse et la morale chrfJtlenne su No .1(Jcle, ParIs 1895. 113. De 0/1. I, 38-39.


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no lucro; a maior fecundidade da terra, ainda que devida ao esforço do agricultor não permite subtrair para uso próprio "os frutos que cabem atados". A avidez faz nascer no coração sentimentos contrários à caridade; o cálculo para conseguir um maior ganho leva à rapina e à usura. Com efeito, tal é a exploração no preço do trigo de que é imagem a avidez do rico insensato que constrói sempre novos celeiros, em vez de distribuir aos pobres." 4 Na Interpretação ambrosiana, o convite a vender tudo e dá-lo aos po­ bres constitui o dever que quem quer ser Imitador de Deus deve cumprir. Tal dever perfeito é a caridade que corrige parte da falha presente nas ações humanas. O recurso à parábola do rico insensato, com elementos caros à diatribe e à retórica, move-se exclusivamente no âmbito da exor­ tação pastoral. No comentário ao Evangelho de Lucas, 110 a bem-aventurança dos pobres leva Ambrósio a precisar que nem todos os pobres são bem-aventurados, porque a pobreza não é, por si só, uma realidade positiva. São bem-aventurados aqueles pobres que se tornaram tais pela imitação de Cristo; eles são pobres porque não têm pecados. não têm vicias, nada têm que pertença ao principe deste mundo. A parábola do rico insensato representa uma condenação não das riquezas, mas da cobiça, que subtrai ao gozo dos outros homens aqueles bens "dados para vantagem de todos". Na exegese 'aiegó­ rtco-mcraltzante, o rico insensato é para Ambrósio a imagem do "povo judeu, dos hereges, dos filósofos do mundo"; como o rico insensato, eles consideraram riqueza a segurança que provinha de raclocfnlos humanos. de eloqüência ambiciosa, de observânclas pos­ tas em prática. A realização plena da vida escatológica tornará evidente que a verdadeira riqueza é a simplicidade da fé. Ambrósio comenta Lc 12,13 116 sublinhando que o Senhor não se .faz árbitro entre os dois irmãos por diversos motivos: porque a sua vinda não é devida a interesses humanos, mas divinos; porque bem diverso é o julgamento que deverá exercer sobre vivos e mor­ tos; porque entre irmãos "não é o juiz que deve ser mediador. mas o ateto"; porque não se deve buscar um património corruptível, mas o património imortal. A avidez do rico insensato é desfeita 114. Da 0//. /II, 37-44. 115. Exp. Ev. s. Luc. V, 53. Sobre a exegese ambroslana na Expos/tlo EvangellJ secundum Lucarn, cf. Dom G. Tlssot, Ambrolse de M/lan. Tralté SUr J'Évangfle de Saint Luc, Paris 1956, tntroauctton. Exégése, pp. 18-23. Para o comentário de Ambrósio li bem-aventurança dos pobres, cf. P. Me­ tont, aeatl gll a/lamatl ... , cll.. pp. 186-188. 116. Exp. Ev. s. Luc. VII, 122.

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pela incerteza mesma da vida e pelo fato de que depois da morte o homem levará consigo apenas as corsas eternas, aquelas que são verdadelramente suas; as coisas corruptíveis. pelo contrário. não sendo suas, permanecerão. Quando o rico dá com i1beralidade aos homens tem a possibilidade de mudar o corruptivel em eterno. Nenhuma coisa pode ser considerada como propriedade pessoal por­ que tudo é comum a todos; por isso a causa da pobreza de alguns está na cobiça de outros. Para Ambrósio, o diálogo entre Cristo e o Jovem rico 117 sublinha que o jovem não cumpriu toda a lei. Com efeito, quando se recusou a dar seus bens não foi misericordioso. As palavras de Jesus; ~ mais fácil que um camelo . . . são Interpretadas em sentido literal, alegórico e moral. Em sentido literal indica que "para o rico é contra a natureza ser misericordioso". Segúndo o significado alegórico, o camelo representa os gentios,118 pecadores, que entraram pela via estreita. Cristo, que "como se fosse uma agulha consertou a veste rasgada de nossa natureza"; ao contrário dos gentios, os Judeus eram ricos da lei, mas pobres na fé. Na Interpretação moral, o camelo é todo homem pecador, todo rico arrogante que, confessan­ do-se, entra no reino de Deus (passa através do fundo da agulha) mais facilmente do que o judeu arrogante. A culpa dos ricos, se­ gundo Ambrósio, não está na possuir, mas no usar mal as riquezas. O exemplo de Zaqueu, generoso e justo, ensina contudo que não basta dar com generosidade aos pobres, é preciso antes reparar a injustiça cometida. Ambrósio comenta com amplidão a parábola do rico Insensato no De Nabuthae historia 119 que, entre outros problemas, tem em vista as riquezas enquanto exorta, apelando para modelos clássicos e para as homilias de Basílio, a uma mais equânime distribuição dos bens. 12• A lamentação do rico: Não tenho onde armazenar as colheitas é comentada ironicamente pelo bispo: "Eu imaginava que dissesse: não tenho melas para viver ( ... l. Será feliz quem se sente em dificuidades na abundância?" Na origem deste comporta­ mento está o fato de que o rico subverteu a realidade que vem de Deus criador e senhor de todo bem e o rico administrador dos bens recebidos, que possui apenas para dar aos outros. Ambrósio 117. Exp. Ev. s, Luc. VIII, 6!H2; 84-90. 118. cr, a interpretação de Hllârio. 119. De Nabuthae h/51. VI, 29 - VIII, 40. 120. A propósito de tal obra. da sua dependência de Basilio e da sua originalidade, remeto à introdução e ao -comentérlo do meu estudo. Am· broglo. La stor/a dI Naboth, l'Aqulla 1975.

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COMENTARIOS PATRISTICOS

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uma terra qualquer, mas de uma herança religiosa que se traduz em "terra" para o AT e em "Igreja" para o NT. Ouando declara que "o rico e o pobre são Igualmente criaturas do Senhor", AmbrósIo reafirme a fé num Deus criador do homem, e não da situação do pobre e do rloo. Ele enfrenta a reatldade htstôrlca da injustiça e propõe, para aanâ-la, uma redistribuição de bens que se baseie não em méritos. mas nas necessidades, não na pura lei positiva, mas na Imitação da mIsericórdia da Deus. 124 Igual é a origem da vida e Igual é o fim' de todo homem. Na base do pensemerrtoembroslano há motivos já conhecidos: os . bena da terra foram dsstlnados por Deus para que o homem deles Gozasse; o rico é apenas o sdmlnlstrador, não o dono; não é licito o monopólio dos bens por parte de poucos; a recusa em dá-los e compartilhá-Ias é recusa de vide eterna;"3 não só a morte contradiz a poase duradoura dos bans terrenos, mas sobretudo a vlaão escatológica da vida que manlfeata aeu carãter de provlso­ rledade. Dois motivos, o primeiro hlstõrtco-soclal, o segundo teoló­ gico, parecem caracterlzar o pensamento de Ambrósio: se exIste pobre lato se deve ao avaro e a Igualdede deve ser restabelecida através da redistribuição doe bens; 126 eetes sãq sinais .de realidades Invlsrvels. A radlcelld.ade do Julgam!lnw .deAmbrósI6;llor mais que quelramosmatllé-Iá, permsneea :ta(

1\11aGlna a metanóia do rico no reconhecimento da necessidade de pôr as riquezas li dlaposlção de todos, mas na realidade o rico, considerado como "um sorvedouro sem fundo de riquezas, uma fome ou sede insaciável de ouro", tem um comporlamento diferente. Diz, com efeito: Demolirei 'meus celeiros. Ambrósio chama esses celeiros "magazlnea da mtqütdade" porque "não há pobre que volte de lá carregado da trigo". O bispo de Milão inicialmente chama as riquezas "COIS89 más" das quais 8.8 deveriam tlrar. coisas. boas; depols, "coisas boes" quando eão consumldes pelos pobres e órfllos. Mas o discurso de Ambrósio sobre .seu uso nunca substitui' a sua reflexão sobre a posse' dos bens. Nesta' obra Ambrõslo repete, ser­ vlndo-se de ImaGens diversas tlredas da. natureza, que posauir é um direito de cada homem e tal direito retere-se, no contexto espe­ cfflco, li terra com todos os seus bens, Na História de Nabot, ele não diz· se a propriedade privada é ou não contra a natureza. 121 Enfstlza seus limites, A propriedade privada não só não pode existir para sempre, '22. mas não pode existir nunca se a sua existência tira ainda que de um só homem o direito de possuir equeles bens que Deus põa à dlaposlçllo ·da todos. E isto é tão verdadeiro que dar do que é próprio é apenas restituir. Como se explica então a defesa que da herança .do seu pedaço de terra faz o pobre Nabot? Já tive ooasião de obsarvar ,.. que Ambrósio não fala da harança de

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8, Jé>AéJ" ,CItê68tômo·· ',-",,' ., .... :.

121. A relação énlre dl,e/lo de possuir e direito à proprlBdede p,/vsdll no pensamento ambrosiano é um dos temas pelos quels os estudíosos mais se Interessaram, dando Interpretaç6es diversas. Compare-se nsate pente: Bt. Glet, La doctr/ne .. ", clt.• pp. 55-91; G. O. Oordlnr, La propr/et. secando Senl'Ambroglo, am "Ambros\us", 33 (1957>, pp. 15-35; L. OraOOna,

A Inceesan\e atlvidade PllàÍJ>rel da Crisóstomo, lO, primalro como

sacerdote e depois como blepo, e es partlculsres condições histô­

Crlsllen88lmo • . ., cll.; M. Mees, Le 101 nelurelle selon Ambro/se de M/lan, Roma 1967; J. A. Mera, 7he Nollon 01 Solldar/ly ln S8Int Ambroses's tea­ ching on Creallon, Sln ena Redamptlon, Roma 1970. Uma paseaaem do De oll/clls m/nls/,orum (1,28, 132) slgnlllcallve pare a orlgam da prcprle­ dade privada tol obJato de particulares estudos e discordantes interpre­ 100698. CI. pertlculermenta S. Calafato, Le propr/efà prlvele ln Sent'Am­ brog/o. Turim 1958. pp. n-101; L. Orabona, L'''usurparJo'' ln un passo ar Senf'Ambroglo (De 011. 1,28) perellelo e Cloerona (De 011. 1,7) "lus commune" e "IU8 prlvafum". em "Aevum" 33 (1959), pp. 5--6, 495~504;

124. De Nabufhee hlsl. 40. 125. Da Nebufhee h/SI. 58, onde se encontra cltsdo MI 19,21. 126. Pere o espacto hlstórlco""oclal em que o dlscu.." de AmbróSio se Insere,' cí, entre mÍlltlplos esfudos, J.-R. Palanque, Saint Ambro/se er

I'Emp/,e rome/n, Conlr/bul/on à "h/elo/re des rsppo,ts de f'tgllse /I le IIn du IV' slàC/e, Parle 1953; F. H. Duddan, The Ufe soo Times 01 Selnl Am­ broas, Oxford 1935; A. Paredl, Sant'Ambroglo Is sua elé, Milão 1980, 2.· ad.; L. Crecco Rugginl, Ambroglo di tronte e//a compagine soc/e/e dei suo lempo, em Amb,os/us Eplscopue,. Mllao 1977, pp. 230-285.

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E. Frsttlnl, Propr/etA

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duzido de maneira Que fosse comum 8 todos e a terra foss&, em certo sentido. propriedade de todos. A natureza, portanto, criou o dIreito comum, a usurpação constituiu o dlrelto privado (natara Ig/tur Jus oammuoe gen9­ ravlt, usutpstk» Jus /eeU prlvatum)" abona a tnterpretação, nesta passagem, de uma origem da propriedade privada não na natureza, mas M usurpaçAo~ 122. De Nebufhao h/st. 2; 11; 29. 123. CI. Ambroglo. Le stor/e di Nebolh, cll.. pp. 39-40.

-_ _---­ ..

e

rlcc;hezza nel pens/ero di Sant'Ambrog/o. em "Alvlsta

Inlamallane'a dI Fllosofls dei Dlrlllo", 1982, pp. 745-766. A ,acenle lre­

dução de G. Banterle. op. clt., 103: "Deus ordenou que tudo fosse pro­

67

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127. Ordenado sacerdote em 386 pefo bispo Flaviano

de Antloqula

(cldeóe onde nescau em 344 ou 354) desde o Inicio de sua pragsçao ImpOs-se à atenção' de todos tanto pelos dotes de etcqüêncla como pela franq..,aza e força com que atacou lodo abuso comatido contra os pobres. Depois de se tornar bispo de Constantinopla em 398. foi perseguido e exilado em 404 por ter denunciado sacerdotes sJmonlsco5 e parsonagens poderosos, entre os quais a própria Imperatriz Eud6xla. Morreu em 407 em Comana, no Ponto.


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ricas e sociais em que viveu, 128 fazem dele um pregador 129· cons­ tantemente atento às necessidades e aos problemas vividos pela sua Igreja. Como pregador. preocupa-se menos com a especulação teológica e mais com a edificação moral dos fiéis. com a denúncia - que com freqüêncla assume tons fortemente violentos - de todo gênero de abuso. de discriminações sociais, de injustiças. No presente estudo apresentamos algumas homilias que comen­ tam O' episódio do Jovem rico, segundo o texto de Mt 19,16-29. e outras que, dedicadas à exegese de cartas paullnas, mediante refe­ rências às duas passagens evangélicas de que nos ocupamos. apre­ sentam reflexões relativas ao tema da relação entre posse dos bens e realização do anúncio evangélico. ". Na Homilla.63 todo o episódio do jovem rico é objeto de co­ mentário crtsostõmlco. A análise se atém ao. sentido· literal de cada uma das expressões. O jovem que se dirige a Cristo não quer tentá-lo· nem enganá-lo. Ele é apenas amigo do .dlnhelro, e precisamente este apego àquilo que é terreno faz com que o .Senhor não se lhe revele logo como Deus: reJeita·o tftulo de bom, deixa 126. O próprio. Crisóstomo em S.1,I!3- produção literária oferece abun­ dantes ínformaçOes sobre a altuaçâo social, econOmlca e rellglo~a do seu tempo. Numerosos estudos aprofundam' o quadro' histôrlco-soclal em que Orlsóstomo viveu, baseando-se com freqüêncla em dados fornecidos por ele mesmo. Sobre este tema, ct, G. Haddad, Aspects 01 Soc;al Llfa in

Anlioch ln lhe fl/enlslle·Roman Period. Chicago 1949;· 'J. ··.C. aaur, Der hel/Iga Johannes Chrys08fomus und seme Zelt. Munique 1929-1930; M. Ros­ tOYZ9V, Slorla aconam/ca s socia/e de11'Impero romalJo, trad.. lt., _Florença 1946; G. Barbero, op. clt.: A. SIIoniu, Las·'ondamants lurldiques de reumõne er de la charlté chez Jean Crysostome, em "Bavue de droit canonlque", 14 (1964); P. Rentinck, La. cura pastora/e ln Antlochia nal IV secolo, Roma 1970. 129. Na produção literária de Crisóstomo prevalece a homilética, tan­ to para as obras exegéticas (duas sérles de homilias, pregadas em épo­ cas diversas, sobre o Génesis; homilias sobre os Salmos e sobre lsaias a, para o NT, 90 homilias para o Evangelho de Mateus, 7 sobre Lu­ cas, 88 sobre João, 64 .sobre os Atas e 250 sobre o corpus paullno) como para cs discursos pronunciados em várlas clrcunetânclas e para as obras de caráter mais dlretamente polãmlco-doçrnátlcc (12 homilias contra os anomeus, e 8 contra os Judeus, 12 catequeses batlsmals). 130. Diversos estudos tratam deste aspecto da obra crlsostômlca;· ct. por exemplo, A. Puech, Un réformateur de la sociafá chrétienna au IVe siécle: Saint Jean Chrysoslome et las moeurs dfJ son temps, Paris 1691: A. Albornoz de Carrlllo, Más 'sobre el comunIsmo de S. Juan Crlsos'omo, em "Razón y fe", 110 (1936), pp. 60-96; M. Pellegrino. San Giovanni sastcmo: rtconezze e povertll, Roma 1947; L. Daloz, La travai! se/on Saint J. Chrys08fome, Paris 1959j S. Zlncone, Rlcchezza ... , clt.: Id.• Ola e la 1,suguagllanza soclale: I'esegesl crlsostomlca dI Agg. 2,B; Provo 22,2; SIr 1,14, em "Augustlnianum", 17 (1977), pp. 209-219.

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que o jovem o julgue puramente homem. Para Crisóstomo, Cristo eleva gradualmente o jovem do amor aOS bens msterlals para o reconhecimento de Deus como fonte de todo bem. ~ um dado positivo que o Jovem pense que para obter a vida eterna, além da observância dos mandamentos, é preciso algo mais. Crisóstomo adverte como o Senhor antea de apresentar o mandamento: Vende. dá, com sensibilidade pedagógica. mostra a recompensa: a conse­ cução da perfeição e.a posse de um tesouro no céu. A própria oferta de seguir Jesus é um prêmio (63,2). Nas palavras de Jesus. Crisós­ tomo descobre uma gradualldade que ele apresenta a seu auditório: vender as riquezas torna-se mais fácil se se penaa que elas não são eternas, ao passo que eterno é o tesouro que se adquire no céu; mas o desprezo pela riqueza não basta. é preciso dar aos pobres; a renúncia aos próprios bens é o primeiro passo no segui­ mento de Cristo: este primeiro passo é Importante para que depois se possa conseguir dar até mesmo o prõprío sangue. Quem possui muitos bens está como que aprisionado por eles, que se tornam verdadeiros e próprios patrões; fazem dele um pobre. escravo da cobiça. A tristeza experimentada pelo jovem manifesta a que ponto de pobreza havia chegado, ele que era rico. A condenação não é para as riquezas. mas para quem se deixa dominar por elas; e neste sentido é condenado: o rico, mas o explorador que rouba os bens de outrem o é ainda mais. ~ dlfrcil que um rico entre no reino dos céus, mas para os ricos que vivem crlatãmente 181 - e isto é fruto da graça de Deus - está reservada "uma recompensa não peque­ na". O viver crlstãmente se traduz para o rico em gestos con­ cretos: abandono das riquezas. superação das paixões. A pertur­ bação dos discípulos é sinai do "espirita apostólico" que já os anima e os leva a se afligir pela sorte dos outros. O interesse de Crísós­ tomo em remover qualquer sombra que possa ofuscar a figura dos apóstolos é evidente. Com efeito. sublinha várias vezes que o dis­ curso de Cristo não deve ser entendido como dirigido diretamente à sua situação: eles silo pobres e só são mencionados porque não devem envergonhar-se de sua pobreza. mas antes empenhar-se mais no combate à cobiça.

131. O verbo usado é phllosophaln entendido em sentido religioso-mo·

rat, cr, G. W. Lampe. A PatrlsUe Greek Lexlcon, Oxford 1961. e.v. phlfo80lheIJ, 1481: ct, também Ao Mallngrey, "Phllosophls". étude d'un groupe do mols dana la littf§rBture gracque des PrfJsocrat1ques au IVe s/éc/9 aprés J. C.•

Paris 1961, pp. 263·286.

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A menção que Pedro faz às coisas abandonadas serve para que Crisóstomo mostre que o Impossível se torna factfvel: deixar tudo é passivei se se começa a deixar o supérfluo. Também aqui propõe-se uma gradat/o: deve-se primeiro eliminar o desejo de pos­ suir mais e depois deve-se deselar os tesouros do céu. Tal desejo não provoca as preocupações que brotam da cobiça de riquezas e pode ser allmentsdo com a recordação do que fizeram os apóstolos e o próprio Cristo. Mas o homem pode voltar. a desejar o que havia conseguido desprezar; nesse caso a6 a firmeza das palavras do Senhor, que negam ao rico a entrada no reino, pode dar a força para manter-o propósito feito. Se a Homilia 63 é dirigida aos ricos, rnostràndo a eles com firmeza pedagógica a necessidade de delxer as riquezas para seguir a Cristo, a Homilia 64 - também ela dedicada ao comentário de Mt 19,27 - é dirigida mais aos pobres. No primeiro plano está agora a figura de Pedro. O seu exemplo, e o que ele afirma em relação às coisas por ele deixadas, faz compreender que também os pobres são Interpelados pelo convite de Cristo: Se queres ser perfeito . . . Também nesta homilia volta a reflexão atenta à gradua­ Iidade com que se sucedem as palavras do evangelho: aos apósto­ los, já completamente desapegados de tudo o que é "mundano", é feIta a promessa que ae refere aos bens futuros: o juizo escato­ lógico; aos outros, pelo contrário, aquela promessa que se refere também aos bens terrenos. Mas para que seu auditório não pense que os bens futuros são reservados apenas aos apóstolos, Crisós­ tomo recorda que a gradualldade nas promessas se verificou tam­ bém para eles: quando ainda não eram perfeitos Cristo os convidou a "deixar a pesca", prometendo fazê-los "pescadores de homens"; uma vez chegados à perfeição, "fala também das realidades do

céu" . Para Crisóstomo, as palavras de Cristo: Vende o que tens e dá-o aos pobres, depois vem e segue-me têm sua atualização ecle­ sial'; não são dirigidas apenas aos ricos e aos pobres. 182 mas tam­ bém "aos chefes da Igreja, a propósito das riquezas da Igreja".'"

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E o que afirma Crisóstomo na Homilia 85 lO' sobre o Evangelho de Mateus, onde trata da impossibilidade para o clero de se ocupar do que lhe compete dlretamente (a oração constante, a catequese, o ministério da reconciliação) porque os leigos não se preocupam ern ajudar 05 necessitados. Os sacerdotes se encontram na neces­ stdade de possuir bens terrenos e de negociar com eles para ajudar os pobres, e isto lhes causa uma série de problemas, corno os referentes aos cobradores, tornando-os malvistos pelo povo.v'sujet­ tos 8 sarcasmos e injúrias". Tal estado de coisas impede os sacer­ dotes de seguir a Cristo e progredir no bem, aos leigos de obter os bens eternos praticando a caridade mediante a partilha de suas própria.s rendas, através de uma esmola generosa. 1M O modelo da primitiva comunidade apostólica 136 ficou. comple­ tamente invertido: enquanto os apóstolos nada possufam, agora os sacerdotee são obrigados a conseguir bens para evitar que os pobres não encontrem ninguém disposto a ajudá.los.,31 Na Homilia 90 do comentário a Mateus, Crisóstomo retoma a imagem da comunidade hlerosolirnttana ' e se interroga e interroga seus ouvintes sobre os motivos que tornaram a Igreja de Antioquia diferente do modelo primitivo. O amor ao dinheiro, à fama e à segurança que ele proporciona impede o homem de seguir o convite de Cristo a abandonar as .riquezas. Este convite é para Crisóstomo um conselho e não um: manda­ mento: mas precisamente porque aconselhado pelo Senhor, é impe­ rioso segui-lo procurando todos os seus aspectos poaitivos. Estão. 134". rraia-se de uma homilia em que Crisóstomo apresenta dedos 'bem precisos sobre a extensAo da comunidade cristA (que conta com um grande grupo de pessoas abastadas) em relação a toda a população de Antioquia: ela lnclula cerca da metade dos cldadãos alcançando .o número de 100.000 unidades. Estes dados servem a Crisóstomo para mos­ trar que, se os crtstães fossem generosos, não haveria pobres. Cf. S. Zln­ cone, Rlcchezza, .. , op. clt., p, 30." 135, Sobre o tema da esmola em João Crisóstomo, ct, O. Plassmann, Das Almosen bel Johannes Chrysostomus, MOnstar 1961, e P. Rentinck,

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136. As chamadas de Crisóstomo ao exemplo da primitiva "comunidade foram estudadas recentemente por P. C. Borl, Ch/asa"' clt., pp. 108-112; antes dele por L. Meyer, Saint Jean Chrysostome ma/tre de perlectlon chréttenne, Paris 1933, 324-326 e por L. Orabona, Crist/anea/mo ... clt., pp. 100.125, mais Interessado no tema da propriedade privada. 137. CI. neste ponto S. Zlncone, Rlochezza ... , clt., pp, 36-31 .que, numa enénee detalhada de toda a homilia, observa como Crisóstomo Jus­ tltlca "hlatorlcamente eeres bens e este compromisso" da Igreja nlJM momento em que ela "teve de assumir uma tunçlo, por assim dizer, ~ suplência às carências de outros". J

132. Sobre a proporção existente em Antioquia entre ricos e pobres

er, S. Zlncone, R/cchezz•...• clt., pp. 17-18 e n, 20. 133. Sobra a atitude pessoal asaumlda por Crisóstomo com relação aos bens possurdos pela Igreja de Constantinopla quando foi, chamado a suceder como bispo a Nectário, e sobre a maneira como ele se preocupou em primeIro lugar em vender todo . objeto precioso possuldo por seu pre­ decessor, cr. A. Puech, Saint Jean Chrya06tome, Parla 1900. p. 1:22.

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presentes no discurso aqueles topol característicos de toda crítica das riquezas: elas tornam o homem escravo, desconfiado, ganancioso, ao passo que a pobreza não só é um mal, mas é o melhor dos bens. Se a critica das riquezas segue os esquemas já conhecidos da filosofia estóIca, o elogio da pobreza é, pelo contrário, recheado de testemunhos evangélicos: a pobreza torna "bem-aventurados", ou seja, semelhantes aos apóstolos, que. tendo deixado tudo, recebem a promessa do cêntuplo no presente e depois a vida eterna. A Homilia 34, um comentário à primeira carta aos Coríntios, é um dos textos de essencial importância para compreender a posição de Crisóstomo na polémica contra os ricos. 138 Procurando investigar a origem da riqueza e da pobreza, verifica que 'nem sempre elas derivam de Deus. O' rico que é tal por dom de Deus é útil ao próximo; exemplos disto aão tanto Abraão, como Jó, que puseram seus bens a serviço de todos. Mas quem se fez rico COm a fraude possui riquezas que não servem a ninguém e que são esbanjadas de maneira pecaminosa; a punição de Deus não chega logo porque Deus espera a conversão do rico. Também com relação à pobreza, pode-se fazer uma distinção: o homem' pode estar em dificuldade por causa dos esbanjamentos e da loucura com que administrou os seus bens, ou pode ter-se tornado pobre por ter seguido o' con­ selho de Cristo: Se queres ser perfeito. vende o que lens e dá-o aos pobres. depois vem e segue-me. Para confirmar o seu discurso, Crisóstomo serve-se continua­ mente de exemplos blblicos: assim o rico epulão é imagem de um rico que não deve sua riqueza a Deus; o mesmo se pode dizer de Acab, que arrebatou a vinha do pobre Nabot; ao passo que Zaqueu e o apóstolo Mateus provam com a sua conversão quanto pode ser efícaz a paciência de Deus que adia os seus castigos. ' Três textos que apresentamos neste estudo, tirados respectiva­ mente da Homilia 11, sobre a prlmeirs carta aos Tessalonlcenses e das Homilias 18 e 33 sobre a carta aos Hebreus, referem-se sobre­ tudo aos pobres e à avaliação positiva que deles faz Crisóstomo, em termos qusse utópicos. Na Homilia II, o pobre é visto como mestre de tolerância e gratidão. Ouando os pobres estâo às portas das igrejas convidam os que entram a depor a soberba e tornar-se misericordiosos. Além disso, como guardas da casa de Deus revelam

138. Crls6stomo Imagina duas cidades, uma ccnsuturde somente por ricos e portanto Incapaz de ser auto-suficiente, a outra habitada s6 por pobres que conseguem viver e bastar-se a si mesmos: cf. S. Zlncone, RlcchezZ8 . . . • clt., pp. 69-75.

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com sua presença as preferências de Deus: entre pobres e ricos, são os primeiros os que ele elege. Mas nem por isso os ricos _ mesmo' se para eles é difícil entrar no reino - estão excluidos­ eles também são convidados a que, escutando as palavras do Senho~ deponham a soberba e arrogância e prefiram às riquezas a POSSibi: IIdade de entrar no reíno dos céus. O sinal da ígualdade entre ricos e pobres na comunidade cristã é a comum participação à mesa eucarística.

Na Homilia 18 à carta aos Hebreus, através de numerosas cita­ ções do NT. Crisóstomo tece louvores à pobreza. Ele não Ignora que no AT as riquezas eram consideradas uma bênção, mas quer mostrar, através da recordação de Elias, Eliseu, Batista e Jó, como foram estes pobres, que só em Deus punham sua confiança, os h0­ mens mais admirados. Uma das vantagens da pobreza é, além disso, a de dar ao pobre a liberdade de falar: assim Elias pôde dirigir-se com franqueza a Acab e João Batista pôde censurar Herodes porque, sendo pobres, não temiam perder nada; precisamente porque em tais condições, os' apóstolos foram enViados por Cristo a pregar o evangelho. À liberdade de que gozà o pobre opõe-se a escravidão a que está sujeito o rico, sempre necessitado de alguma coisa. A pobreza deve ser procurada, para entrar no reino dos céus. Para que a po­ breza seja bem-aventurança é necessário que seja acolhida e buscada voluntariamente: "Só quem é pobre por sua vontade possui todos os bens". E é por Isso que é necessário convencer-se da bondade inerente ao conaelho de Cristo: Se queres ser perfeito ... Na Homll1a 33 à carta aos Hebreus, Crisóstomo ensina que também o Senhor pode privar o homem das riquezas quando quer libertá-lo dos males que elas podem causar, e torná-lo livre: Vende o que tens. Mas o homem teme .a pobreza, porque a considera um mal; o único mal, porém, é o pecado.

9 , Agostinho A maneira pela qual Agostinho. bispo de Hlpona, tratou do tema da riqueza e da pobreza na sua vaatíssima produção literária, que Inclui tratados e homilias, comentários blbllcos e escritos polê­ micos ou apologétlcos, obras de edificação, de ascética, de espiri­ tualidade, foi amplamente estudada em obras gerais ou em mono­ grafia. diretamente interessadas no assunto. O presente trabalho oferece uma contribuição às peaqulsas. freqüentémente exauatlvas


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e precisas, já levadas a termo. m A pesquisa está voltada excíusl­ vamente para as passagens nas quais Agostinho enfrenta a relação entre bens terrenos - ·anúncl0 evangélico no contexto de alguns, entre os muitos, comentárloa às duas passagena neotestamentárias, objeto particular do presente estudo. O Sermão 84 comenta dlretamente as palavras do Senhor: Se queres entrar na vida, observa os mandamentos (Mt19,17). Agos· tinha se alonga mostrando coma o equivoco sobre a apreciação das riquezas e de qualquer outro bem terreno nasce de um conceito errado que o homem tem da vida: a verdadeira vida não é a deste mundo, mas a eterne. Com efeito, e vida terrena é caracterizada pela caducidade 141 e Isto a torna cheia de perigos e preocupações, causade ansiedades: "Os prazeres ailo enganosos e não há nenhuma certeza de alegria; ( ... ) o medo nos atenaza, a cobiça nos devora" (Ser, 84,2) enquanto "não pode haver vida senão a bem-aventurada, e não é bem-aventurada se não é eterna". Por lsso, quando IJ Senhor indicou ao jovem a maneira de entrar na. vide, não acrescentou. o termo "eterna", porque devia ser claro que só' aquela era a verda­ deira vida. Sobre a rnesrna expressão de Mt 19,17, Agostinho volta no Sermão 85. Inicialmente ele se detém a mostrar a gradual idade das exigências da vida cristã: em prlrnelro lugar a observância .dos mandamentos, depois "as metas mais altas:', que pelo discurso do blspo não parecem facultativas, mas conseqüência necessárta à. qual

chega quem sequlu o primeiro convite: "Com efeito, de que te adianta ter feito rodo Isto e não segulr-me" (85,1)? Depois AgOstinho começa a estabelecer uma espécle de diálogo com os seus OUvintes dlrlgindo-se ora aos ricos ora aos pobres, 148 depois de novo aos ricos e por fim aoa pobres. Ambas as categorias sociais estão incluldas no convite dirigido por Cristo. O rico entra em contradição consigo rneemo jse, querendo possuir coisas boas, não quer ser bom ele mesmo: a sua conduta contradiz os seus desejos (85,11. Ele ainda não deu o primeiro passo que consiste na observãncla dos mandamentos, quando rouba e arrebata os bens alheios. Mas se é difícil para o rico entrar no reino, pode ser dtfícll também para os pobres. Eles são numerosos entre os ouvintes de Agostinho (85,2) ao passo que ele nâo está seguro de que haja ricos (85,3). '" Portanto, a' dificuldade para os ricos de entrar no reino é causada pela soberba: eles poderiam orqulher-se da própria pobreza e assim perder a vantagem que têm sobre os ricos. ~ o orgulho, segundo Agostinho, o Impedimento para a entrada no reino também para os ricos: para eles o orgulho nasce das riquezas, é o seu "prlrnelro verme" porque é sobre elas e não sobre Deus que fundam a própria experlênclai sâo ricos neste mundo, mas são pobres no outro. Volta de novo nas expressões de Agostinho o tema da caducidade e portanto vacuidade daquilo que é "terreno" comparado com a eternldade e verdade do mundo de Deus. Ma,s este não é' apenas o mundo futuro, que se deve esperar: é aquele em

139. AssInalamos algúns' entre os muitos trabalhos que se reterem ao tema: H. Rondet, Rlchessa at pauvreté dans la prédlcatlon de Sainf Au~ guotln, em "Revue d'Ascetlque at de Mystlque", 1954, pp. 193·231; L Ora­ bana, Crlstían98lmo ... , clt., pp. 166:186; P. Vlsmara Chiappa, II tema do/Ia povorté ne/ls predlcazlone di sant'Agostlno, Milão 1975. S. Vlcastillo, La doctrina sobre los bl6nes terrenos en S. 'Auguslfn. em "La ciudad de

142. De modo diverso' exprlme-ee Agostinho na Ep. 157, 4, 24ss., em que- mostra que o conselho de vender todos os bens é seguido por aqueles que tendem à perfelçAo, ao passo que todos são chemados à partilha das riquezas e a antepor a elas a fidelidade a Cristo. Vender os bens, partilha das riquezas e desapeço delas nAo são fruto do esforço humano, mas da' graça de Deus. .:: preciso ter presente que a carta,

H.

Dias" (1967), pp. 86-115, subünhe como a atitude de A90stlnho diante das realidades terrenas é em parte uma reação contra a corrupção a que havia chegado O paganismo. Uma Intereesante coletânea de passagens relativa à presença de At 2,42-47; 4,32~37 na obra agostiniana foi feita por P. C. Borl, Chlesa ..., clt., pp. 280-279. P. Meloni, Beali gl/ al'ameli.." clt.• pp. 195-208, examina o pensamento de Agostinho relativo a Mt 5,6. 140. Nem todas as passagens (mais de trinta) em que estão pre­ sentes. os dois textos neoteetàmentàrlos sAo apresentadas aqul. Escolhe~ mos- aquelas que nos parecem iluminar melhor' o 'pensamento de Agos~

tinha. 141. Trata-se, segundo Vlsmara (op, clt., p. 16), de "um dos temas mais freqüentes em toda a pregação agostiniana"; ct. na p. 20 o elenco dos verbos empregados pelo bispo de Hlpona para dellnlr o caréter de precariedade da vida presente. Cf. também o SermiJo II apresentado entre os textos que citam a 'parábola do rico insensato.

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escrita entre 414 e 415, polamlza com a doutrina de Peláglo, que fazia das passagens referentes ao abandono das riquezas uma norma- evançé­ IIca cuja observância era indispensável para a salvaçAoj et. o De dlvltlis V,

3 de âmbito palaglano. ' 143. Também am Ena". Ps. 136, 13-14 Agostinho se dirige a ricos e pobres, Indicando .a ambos as vias próprlaa para a salvação. 144. Sob", a composição eoclal da África aetentrlonal, cf. Rostovzez,

Storla. ", clt., pp. 38188., 49388. Uma ampla blbllografls encontra-se om eh. A. Julian, Hlstolro do I'A/rlquo au Nord (Tun/.'o, Algérlo, Maroc) dê. origine. é la conquêle arabo (647 eo. J. C.), Pa,ls 1951, pp. 281·319.

Estudo Interessante mesmo S8 limitado a uma pesquisa sobre os Serm~88 agostinianos é o de M. M. Getty. The Vle 01 the North A/ricans as revesl ed in lhe Sermon of Saint Augusllne, Washington 1931; um quadro da situa­ ção social e econõmlca no ambiente em que se moveu Agostinho emerge também do estudo de O. Períer, La V'oyages de Selnt Augustln, Paris 1969.


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que se vive desde agora se, como os apóstolos, desde agora se possui a Deus. ,," Para não se ensoberbecer, o rico deve estar pronto a dar. Por isso Agostinho convida os ricos à partilha. e ainda uma vez volta a propor a dupla realidade: o que acontece de puramente "terreno" e o que se realiza no âmbito divino: "Com­ partilha aqui e compartilharás lá" (85,4). Aqui se compartilha o pão terreno, lá se compartilha o pão celeste. Compartilhar não significa "perder" todos oa bena; não foi esta a ordem do Senhor quando convidou a ser generosos. 140 Mas Agostinho recorda também que dar o dízimo muito pouco; repreaentaria a Justiça feita por escri­ bas e fariseus, e no evangelho diz-se que tal justiça deve ser supe­ rada. Mas o bispo não quer ser ele mesmo a indicar a medida do "dar": prefere convidar cada um a entrar em si mesmo e a medir "o que dais e o que guardais; o que empregais para a misericórdia e o que reservais para a luxúria" (85,4). Também dirigindo-se aos pobres, Agostinho' os convida a limitar seus desejos, a fugir. do desejo de se tornarem ricos: é no desejo que se encontra a cobiça e-esta, segundo Paulo, é 8 '81z de todos. os meles, 147 Ricos e pobres devem confrontar-se com a palavra de Deus para conseguir encon­ trar-se. Agostinho conclui comentando Pr 22,2: "O Senhor .riou , um e outro: serve-se do rtco para ajudar o pobre e por meio do pobre põe à prova o rico" (85,6). O Sermão 86, em grande parte dedicado ao comentário de Mt 19,21: Vai, vende o que tens, dá-o 80s pobres, traz também uma referência à parábola lucana do rico insensato. Trata-se de um sermão dirigido principalmente aos ricos. São estes que Agostinho quer convencer de uma dupla conveniência de seguir o convite de Cristo: dando os próprios bens aos pobres dá-se a Deus: "Nenhum receio de distribuir seus bens aos pobres, ninguém pense que estes bens serão recebidos pela mão que se vê. Na verdade, quem recebe é aquele mesmo que manda dar" (86,3); só ·desta maneira as riquezas, não só são guardadas com segurança.• mas aumentam e serão restituídas em medida incomparavelmente maior do que se poderia obter com o empréstimo usurário (86,S). O tema referente à segurança das riquezas, uma vez postas nas mãos dos pobres, e por Isso de Deus, é desenvolvido também com base na parábola do rico Insensato. Agostinho mostra como as palavras de Deus e as palavras da luxúria e da cobiça podem parecer Iguais, mas na é

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145. Agostinho usa a sxpressAo de Paulo (2Cor 8,10) pondo-a na boca de todos os apóstolos: "Gente que nada tem e que poseuí tudo" (Ser. 85.3). 148. CI. lTm 6,18-19. 147. 1Tm 6,7.

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realidade são opostas: ambas convidam a estar bem COm a própria alma. mas enquanto o Senhor assegura uma vida eterna. a cobiça e luxúria não conaeguem manter em vida, nem por uma noite, aquele rico que queriam persuadir a gozar sozinho de suas riquezas (86. 12.14), Neste sermão já se delineia em todos os seus matizes o grande tema da esmola [86,14),148 um daqueles aos quais Agostinho deu mais atenção no contexto dos deveres cristãos diante das exigên­ cias da caridade evangélica. À parábola lucana do rico Insensato· é dedicada grande parte do Sermão 107, um sermão onde Agostinho parece dirigir-se preva­ lentemente aos ricos. A atenção dirige-se em primeiro lugar à lntro­ dução que Lucas antepõe 11 parábola verdadeira e própria, Pela análise destes primeiros versículos, Agostinho chega ao motivo pelo qual Cristo não se limitou a põr 05 homens de sobreaviso COm relação' à cobiça, mas especificou: toda cobiça (107,1)."9 Uma observação de Aqostlnho-tende a fazer sobressair a generosidade de Deus, que permite satisfazer o justo desejo do homem, superan­ do-o: o homem pede que o irmão' lhe restitua a metade do patrl­ mõnio, e o Senhor lho ofereçe inteiro no céu: "O Senhor dava mais do. que ele queria" (107,1). 'A exeqese. do bispo está· atenta a cada palavra; detém-se assim no título com que Cristo chama aquele que lhe havta pedido que servisse de juiz: Homem. Tal é, COm efeito, aquele' que se detém nas' realidades terrestres, esquecendo que está destinado a tornar-se filho de Deus; para tornar-se tal, re­ quer-se O' abandono de toda cobiça [107,2). No comentário 11 parábola do rico insensato, Agostinho denuncia novamente o absurdo de quem quer possuir" os bens. mas não quer ele mesmo tornar-se bom (107,5). ise A cobiça não se refere só ao dinheiro. Agostinho observa como também a licenciosidade e a idolatria são chamadas "cobiças" (107,7) e se detém na análise dos diversos casos em que aparece como é falso considerar-se livre de cometer injustiças; Isto pode acontecer tanto ao rico como ao pobre. Ambos, mesmo estendo livres da paixão pelo dinheiro, poderiam não estar livres com relação 11 própria vida, e a cobiça da vida é definida COmo "horrlvel e espan­ 148. Cf. J. MartIn, La doetrlns soelale de, Saint Augustin, Paris 1912. Mas o estudioso. limita o dever da esmola no pensamento agostiniano ao reconhecimento da Igual natureza que une o rico e o pobre (ct, particular­ mente p. 135). No Ssrw a8 é estebetectde. como motivo primário que pode tornar 8 esmola obrigatória a 1dentiflcaQAo do pobre com o próprio Cristo.

149. Lc 12,15. 150. CI. também Sor 85,1.


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tosa" (Hl7.9)_ Tal cobiça levs ao equívoco de considerar que a vida terrena é ,a única, vida à qusl é chamado o homem: "Não sejas demasiadamente desejoso de viver, e não correrás' o risco de mor­ rer por toda a eternidade" (107.9). O Sermão 14 que comenta o SI 9.35'" põe em evidência qual é o verdadeiro interesse de Agostinho ao tratar dos temas msls dlretamente socisls: ele quer que todos, ricos e pobres, se deixem guiar pela palavra de Deus, se confrontem continuamente com, ela. descobrindo cada qual o próprio lugsr e o comportamento correto a seguir. Agostinho dlrlge-se principalmente s pessoas que não se 'encolltram em condições de ter de mendigar (14,1), que querem abandonar-ae s Deus e nele encontrar seu apolo. Ele enslns que é necessérlo tornar-se pobre de esplrlto. ,Se asta afirmação pode parecer conciliadora para quem é rico. o que Agostinho declara logo em seguida não permite compromissos de espécle alguma diante das rlquazas: o exemplo de Zaqueu. que dá a metade dos seus bens e' msntém s outra para poder restituir o quádruplo sos que feram;,explorados por ele.... oferece' um primeiro esclsreclmento. Ms/t:,o,dlsCUrlll!'se.,aprofunda 'lI:msdlda que se Interioriza: Abrsão foi, pObre;pl1rque,t'fil! Justlflcado'pels"graça de Deus, não pelos méritos qUe'pM,lil'jlW!8Umlr 'Jer" (14A].·A pobreza II qual se deve tender llbtsOé.<P<lI/Í.: PRIS' ,Agostinho, a totelldade do homem. Voltando depoIS)a';ÇCl~ldersr as riquezas materiais. ele as considera fontes ds'p,lIlll:UpaçlleaH 4,6) e põe am evidência como podem afaster da fé (i'4,7t' O dls(lurso sobra a fé leva Agostinho a propor a seu illidltórlo oexemplo mais completo: Cristo. como rico e como pobre, Coino 'rico, o Ssnhor criador de toda riqueza. é exemplo a Imitar porque nlio possui o que é dele; como pobre, porque tornsdo homem, ortança, sofredor, humllhado, cruclflcsdo, pode ser exemplo pars todo homem que ace/tendo a própria condição humana é "varda­ delro pobre" (14,9]. Se no 8ermIJo 14 AgostInho se dirige sobretudo aos ricos. moa­ trando-Ihes o que é preciso fszer para se tornarem "verdadelros pobres". no 8ermBo 11 é tsmbém sos pobres que ele dirige as suas reflexões. Trate-se de um sermão no qual confluem os temas já Indicados: as riquezas são fonte de escrsvldão e de preocupações sem limites das quais o pobre pode flcsr livre sfsstsndo de si o desejo de enriquecer (11.2.3] e o rico dando esmola. ou seja, dando a Deus, o linJco capaz de guardar para a eternldsde as riquezas possuldss pelo homem (11,5). 151. A l/ aa abandona o pobre, do ()fMo 6s o ouotanto (SI 9,35), 152. cr, Lc 19,8.

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'Assume particular importância para a compreensão do pensa­ mento de Agostinho aquilo que ele declara aos ricos: a riqueza afasta deles a Imagem de Deus porque quem prefere ser "rico" escolhe ser assim como ele se fez, em vez de ser como Deus o criou (11,4). Mais uma vez é a reflexão sobre a caducidade da vida terrena contraposta à eternidade da vida em Deus que oferece a Agostinho os elementos para o seu discurso. 1I'S3 ,O Sermão 345 nasce de uma situação bem precisa: a festa litúrgica das mártires Suburbanas. Esta ocasião, serve para Agostinho como motivo de fundo para convtdar os "rícos", explicitamente mencionados (345,11, a perder as riquezas, como sempre vistas no duplo aspecto de fonte de preocupações e causa de soberba. adis· curso não se detém no dado puramente ascético; é o episódio do jovem rlco que oferece a possibilidade de um ulterior aprofundamento através da evocação do exemplo das mártires. O rico que comparo tilhoú todos os seus bens ainda possui uma coisà:' e/e mesmo. As palavras de Cristo: Vem, segue-me, Indicam qual deve ser' o passo aeguinte a dar: perder a si mesmo para seguir o caminho de Cristo que, mesmo passando pela cruz. tendo sido por ele per­ corrida tornou-se praticável até mesmo pare mulheres, como o comprovam as mártires Suburbanas' (345,6]. No 8ermBo 36 Agostinho recorda como Cristo é ao mesmo tempo rico e pobre: a rlqueza é constltulda pela sua imortelldade; a pobreza, pelo contrário, foi assumida por ele "fazendo-se mortal" (36.3]. A expressão de Paulo: (Cristo) de rico que era fez-se po­ bre, ,.. permite a Agostinho seguir sua reflexão sobre a riqueza e sobre a pobreza do Senhor: "E/e, sendo rico, fez-se pobre; assumiu a pobreza sem perder a riqueza". Portento ricos e pobres são igualmente chamados a participar da vida de Cristo (36,51, mas ambos devem assumir a parte de condição essencial que lhes falta: os pobres devem reconhecer-se ricos e os ricos, pobres. E Como Cristo escondeu uma parte de si - a sua riqueza - para manifestar a outra - a sua pobreza - , .asslm pobres e ricos devem descobrir a realidade oculta do seu ser também, respectivamente, ricos e pobres. Os pobres encontrarão a sua riqueza, oculta neste mundo quando, como prêmlo de sua fidelidade ao Senhor no seu retorno

153. V'smara (op. ult., p. 48) notou como nas obras de Agostinho há uma certa evoluçAo no conceito de bem-aventurença; esta é sempre mais considerada pBlo bispo como uma realidade escatológica, ao paseo que nas primelraa obras (partIcularmente no De beata vlta) ele Julgava possrvel atlngl-Ja lá durante a vida terrena. ' •

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154. 2Cor 8,9.


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os manifestará na glória (36,4). Os ricos encontrarão a sua pobreza não despontando nenhuma esperança nas riquezas possuídas (36,5), compartilhando-as (36,6), comportando-se de maneira oposta daquela do rico insensato (36,9). O versfculo de Mt 19,21: Vende o que tens ... é novamente comentado por Agostinho no Ensrrstiones in Ps 103, onde, dirigin­ do-se aos pobres e indicando-lhes o exemplo de Pedro, os encoraja a seguir também eles o exemplo de Cristo. Eles com efeito, mesmo não possuindo muitas coisas, nos desejos possuem todo o mundo e é esta totalidade de mundo desejado que "Pedro deixou. e por isso ( ... ) recebeu todo o mundo" (103,3.16). De todos estes textos nos quais Agostinho, COm maior ou menor amplidão, comenta as pasaagens evangélicas de Mt 19,16-29 e lc12,16-21, emergem alguns dados: I) O episódio do jovem rico oferece a base para mostrar a oposi­ çãO: vida terrena - vida eterna (Ser. 84); a gradual idade das exigên­ cias requeridas pela vida cristã e ao mesmo tempo a necessidade para cada um de chegar à "perfeição" (Ser. 85); a coerência que o ,cristão deve ter entre o que deseja e o que ele é (Ser. 85); o envolvimento de todas as categorias sociais às quais sempre é dirigida a palavra de Cristo (Ensrr. Ps. 103). II) A parábola do rico insensato é analisada sobretudo com relação ~ mais uma vez à coerência do cristão entre os seus desejos e a sua identidade (Se,. 107); à generosidade de Deus que satisfaz as exigências mais profundas do homem [Ser. 107) e ao mesmo tempo ao discernimento que o homem deve realizar para distinguir entre' voz de Deus e voz do próprio egoísmo (cobiça e luxúria) (Se,. . 86); à radicalidade do despojamento exigido pelo evangelho: a própria segurança não pode ser colocada na riqueza e nem mesmo na própria vida (Se,. 107). No que se refere ao tema do rico e do pobre no respectivo confronto com o anúncio evangélico, dos textos analisados evlden­ clarn-se como fundamentais alguns motivos, recorrentes: os ricos e os pobres são sempre considerados diretamente em sua relação com Deus; para ambos o perigo maior a evitar é a soberba: para os pobres (Se,. 85) e sobretudo para os ricos (Se,. 85; 14; 11; 345); a negatividade das riquezas, que Agostinho várias vezes põe em evidência para facilitar seu desapego, consiste em sua caducidade (Se,. 84; 85; 107; 11) e nas preocupações que geram em quem quer conaervã-las (Se,. 84; 14; 345); disto deduz-se que para conser­ vá-las é preciso confiá-Ias a Deus mediante a partllha dos bens (Se,. 85; 86; 11) e, sobretudo, a esmola: dando ao pobre dá-se a Deus que é capaz de tornar as riquezas eternas e seguras: tal

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discurso é dirigido em primeiro lugar aos ricos, mas também aos pobres, para afastá-los da avidez de possuir (Se,. 85; 11); aos ricos Agostinho propõe algo mais do simples compartilhar os bens e dar esmolas: devem perder a si mesmos, estar prontos a dar a vida por Cristo (Se,. 85; 107; 345); aos pobres pede que se privem do desejo de se tornarem ricos e neste sentido também eles de.' vem converter-se: passar de pobres a pob,es de esplríto (Ena". Ps. 103); lO. o rico é puramente "homem", enquanto a pobreza-desa­ pego o torna "filho" (Se,. 107) e lhe conserva o dom de ser "ima­ gem de Deus" (Se,. 11); o exemplo de Cristo, rico e pobre ao mesmo tempo. demonstra que tanto os ricos como os pobres são igualmente convidados a participar dele e de sua vida, reconstruindo em si a unidade de riqueza e pobreza vivida por Cristo (Ser. 36; 14).

10. CirilO de Alexandria Conhecido sobretudo pela sua luta contra Nestório e o nesto­ rianismo travada a partir de 429 até a morte, que se deu em 444, Cirilo, bispo de Alexandria, ocupou-se com particular veemência da defesa da ortodoxia cristológica. sublinhando a unidade das duas naturezas em Cristo mas privilegiando, de fato, a natureza divina. rse Além das obras mais diretamente dogmáticas e polêmicas, tam­ bém em confronto com novaclanos. judeus e arianos. numerosos são seus escrttos exegéticos tanto sobre o Antigo como sobre o Novo Testamento. Se para os livros veterotestamentários a sua inter­ pretação é preferentemente alegórica, para os escritos neotesta­ mentários torna-se mais fiteral. l 67 . 155. Para o tema das bem-aventuranças em Agosllnho, ct.. A. Becker, De l'lnotlnet du bonheu, li rextese de la Mel/tude. Thâologie f1I pédagogle du bonheur dans la prédicstion de SaInt Augustln, Paris 1967 e L'sppel aes blJatitudes. A récoine de Saint Augusl/n, paris-Friburgo 1977. 156. Cirilo presidiu o UI Concilio Ecuménico iniciado em êreec no dia 31 de julho de 431: foi exilado Juntamente com seu adversário Nestórlo (que negava o titulo de "Mãe de Deus" à Virgem e tendia antes a distin­ guir a natureza humana da natureza divina em Cristo Jesus) pelo Impe­ rador Teodósio II depois do contra-alnodo convocado pelo patriarca João de Antioquia. Ao contrário de Nestórlo, readquiriu a liberdade continuando a defender dos mais diversos ataques a sua doutrina. Para uma visão de .conlunto sobre o atormentado período em que Cirilo se enc~ntrou no centro de polémicas, com freqüêncla devidas à particular vtolêncla de seu caráter, cf. J. Danlélou - H. Marrou, op, clt., pp. 387-393. : 157. Para a exegese de Cirilo de Alexandria ct, A. Kerrlgan, Saint Cyrlf 01 Alexandria, Interpreter 01 the Old Testsment, Roma 1952; Id., ~hft Ob/ects 01

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No Comentário ao Evangelho de Lucas,"· a exegese literal à parábola do rico Insensato com a condenação explicita das riquezas. leva Cirilo a citar também alguns verslculos tirados do episódio do Jovem rico. O pedido feito a Jesus, de ser Juiz entre irmãos para uma herança a dividir, oferece a Cirilo a ocasião da esclarecer que Cristo veio para fazer conhecer a vontade do Pai e que ele responde, estabelecendo deveres e leis e distribuindo a "herança do céu", só a quem o Interroga, como no caso do jovem rico, ..obre a vida eterna. Pelo contrário, Cristo deixa sem resposta quem o invoca para os bens terrenos, admoestando-o que se guarde de toda cobiça. Cirilo define a cobiça como "fossa diabólica" e "ido­ latria" porque "só é própria de quem não reconhece a Deus", A cobiça é dita infrutuosa porque os seus frutos são destruidos e ela não prolonga a vida. Oposta à cobiça é a caridade, conside­ rada particularmente naquele seu fruto que é a esmola. Da parábola lucana, Cirilo põe em evidência a atitude do rico insensato: o homem que se tornou multo rico torna-se também medroso; assume as mesmas expressões do pobre e como ele se pergunta: Que larei? A sua culpa está em não reconhecer que é apenas administrador daqueles bens dos queis Deus é o dono. A atitude diante das próprias riquezas é semelhante à que o insen­ sato tem diante da própria vida: julga poder estabelecer a duração dela. Cirilo atualiza a parábola quando, ao declarar: "Ainda hoje o rico fala com a mesma linguagem", se refere ao contexto histórico em que se situa a comunidade alexandrina do século onde a abundAncla e o esbanjamento em que vivem alguns contrastam com a pobreza de muitos. No fim do seu comentário, ele recorda

o paradoxo cristão segundo o qual quem quer ser rico de bens terrenos se apresentará pobre diante de Deus, ao passo que quem for rico em obras boas "terá um tesouro seguro no céu". Mais uma vez é o topos da caducidade daquilo que é o terreno, comparada com a eatabilidade dos bens celestes, um dos motivos a que recorre o bispo para exortar à prática da caridade e combater a cobiça. Nos capítulos que apresentamos do De adoratione et cultu . . . , ec Cirilo apresenta a pedagogia divina no ensinar aos homens a prática da caridade e da misericórdia. As leis do ~evltlco e do Dautaro­ nOmlo,., ensinaram o homem a dar os primeiros passos neste cam­ po, de modo a preparar o cumprimento da "vida perfeita" que Cirilo vê realizada na primitiva comunidade de Jerusalém e sintetizada nas palavras de Cristo que convidam a vender tudo e a dar como esmola. A legislação do AT ordenada à caridade é para Cirilo sinai desta realidade que no NT chega com Cristo à sua plenitude. Segue­ -se que as riquezas devem ser postas em comum e sua partilha é estendida a todos os homens. Sempre através de uma comparação com textos veterctesta­ mentárlos, Cirilo comenta o episódio do jovem rico: como os levitas, entre todas as tribos de Israel, não possuem nada porque esperam somente em Deus que constitui sua parte de herança, assim o jovem rico que quer dedicar-se ao serviço de' Deus deve ·deixar os bens terrenos. O sacerdócio da antiga Aliança é interpretado como figura do sacerdócio crlstAO.l60 Esta obra de Cirilo parece reduzir o alcance do convite feito por Jesus ao jovem rico limitando-o aos "homens consagrados a Deus".

lO Saint Cyr/l 01 Alexandria, em "Studl. Patrlstlca", I (1957>, pp. 354~74. Recordamos, allim disso, a InterpretaçAo alegórica que de At 4,32 dá Cirilo (cf o Inventário dos textos olerecldos por P. C. Borl. Chiesa... , cl1., pp. 226-227>.

Uma sintese das posições assumidas pelos Padres, no que se refere li relação entre anúncio evangélico e bens terrenosç permtte pôr em evidência alguns dados. Segundo uma exegese alegórica, várias silo as interpretações dos dois textos evangélicos:

V,"·

158. O Comentário ec Evangelho da LUC88, resultado de uma Série de homilias onde o ensino relatIvo 8 problemas prétlcos e pastorais pre­

valece sobre o dedo dogmlitlco, li datado do fim de 430 por A. ROcker, Dle Lukes/rOmlllen das hl. Cyrlll von Alexendrien, Breslau 1911, pp. 338s.; para Interessantes oQservaçOeB do ponto de vista exegético, ct, pp. 73-86. 159. Elementos de partfcular Interesse do parlado pós-constantinlano como o desmoronamento do Estado, a sua crIse eccnõmtce, a funçAo substltutlvfl. dos bispos através da beneficência para fazer frente à acen­ tuada mlsérfa social, e o râpldo aumento do número de fiéis, são assina­

Isdos por Troallsch (op. clt., pp. 174-181), o qual conludo )ulga aue "os efeitos que disto derivaram, de abrandamento e de malor interioridade reclproca das relações humanas, foram naturalmente Imensos e importantes, mas dIsto não surgiu nenhuma orgânica reforma socIal".

•• •

160. A obra, em dezessete livros, utilizando a forma dlal6gica, lnter­ preta segundo uma exegese aleg6rlco~tlpor6glca as diversas passagens do Antigo Testamento. 181. Trata-se das passagens que contém algumas prescrições pare socorrer o pobre, como a prolblçAo da respiga, de reter durante ~ noite a capa tomada como penhor, de emprestar com usura, Cf. Lv 19,9,10j 25; Dt 24,10~1-3 a que nos referimos na primeira parte do nosso estudo,

cl. p, 15. 162. CI. verbete Cyr/lle (Se/n/), pa/rlarche d'Alexandrle, rsdigldo por J. Mahé, em DThC, III, coi. 2484.


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o jovem rico é o pecador (Origenes); é Israel que confia na lei (Hilário); é o ecónomo dos bens comuns (Basílio); á aquele que quer dedicar-se ao serviço de Deus (Cirilo);

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entrar na vida eterna significa entrar em Cristo-Vida genes);

(Ori~

- _vender os bens é convite a vender as coisas más, os peca­ dos, entre os quais está o amor pelas riquezas (Orlgenes); é convite a abandonar a confiança na lei (Hilário); a afastar o coração das riquezas (Clemente); a perder a si mesmo para seguir a crrsto (Agostinho); -

-

as riquezas, das quais o jovem não quer desfazer-se, são as seguranças provenientes de ter cumprido as obras da lei (Origenes, Hilário, Ambrósio); são os pecados de que é preciso afastar-se (Orlgenes); são uma serpente que deve ser agarrada pelo lado certo (Clemente);

o camelo é o rico tanto de bens como de pecados (Orlgenes); são os gentios (Hilário, Ambrósia); é todo homem pecador, todo rico arrogante (Ambrósio);

-

o fundo da agulha é a pregação do evangelho (Hilário);

-

o rico é aquele que se orgulha da lei (Hilário);

-

o cêntuplo, prometido corno prêmio, consiste em: irmãos, todos os que atingiram a estatura de Cristo; Irmás, "quem foí apresentado a Cristo como virgem casta": pais. os "pais em cujo seio repousam os que morrem na fé e na paz"; filhos, os que são possuidos segundo a fé; campos, o parai­

so: casas, a cidade de Deus (Orlgenes); consiste na inabi­ tação de Deus no homem que abandonou toda segurança terrena [HiláriO); -

o rico insensato é

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imagem da povo judeu, dos _heréticos,

dos filósofos do mundo (AmbrÓSio); é o Infiel administrador de bens dos quais Deus é o dono (Cirilo); é o idólatra· (Am­ brósio); -

Os ce/eiras são os armazéns de iniqüidade (Ambrósio).

Também a Interpretação mais atenta ao significado imediato das duas passagens evangélicas permite captar uma pluralidade de peno sarnento e de atitudes concretas dos Padres: a) os bens terrenos e portanto as riquezas são coisas boas. não devem ser condenados (Clemente, Cipriano, Hilário, Basílio, Grepó-

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rio, Ambrõsto, Crisóstomo); é lícito possuí-los (Clemente, Cipriano,

Hilário); foram dados apenas para serem distribuídos (Basílio, Gregó.

rio Noz/anzeno, Ambrõslo): derivam de Deus, não são eternos (Crisós­

tomo); por Isso a riqueza guardada para si só é inlqua (Clemente);

os bens terrenos são de todos, possuí-los como próprios só é tíclto

quando ninguém fica privado deles (AmbrÓSio); o direito de possuir

está vinculado ao dever de dar aos pobres para restabelecer a

igualdade primitiva (Gregório); a recusa de dar e compartilhar os

bens é recusa da vida eterna (Agostinho).

b) Pór isso todo julgamento moral deve ser transferido das riquezas

para o uso que se faz delas (Clemente, Hilário); não são uma posse do homem, são destinadas ao uso, devem ser dadas aos pobres

(Crisóstomo); o rico que oculta os bens é homicida (Clemente); a condenação não é para as riquezas, é para o rico que é escravo delas e não as dá (Crisóstomo); quem as possui de modo a preJudicar o próximo é digno de condenação (Hilário); quem as segura perde-as;

quem as dá conaerva-as (8asíllo, Ambrósio, Agostinho); para o rico

é contra- a natureza ser misericordioso (Ambróslo)~ mas também o

rico pode viver crlstãmente quando a graça o tornar pobre (Crisós­

tomo).

c) Ordene-se a comunhão dos bens entre os homens (Clemente, Cirilo); é necessário compartilhar os bens através da esmola (Ci­ priano); a partilha é exigida pela imitação da liberalidade de Deus, pela caridade de Cristo. pela própria dignidade do homem (Cle­ mente); é preciso dar sem discrlminaçõea porque em todo corpo habitam" Pai e o Filho (Clemente, Cipriano); partilha e distribuição de bens não são reguladas por leis, mas são ditadas pela liberdade do cristão, por aquela única lei que é a pessoa de Crlato (Clemente). d) Para entrar no reino é preciso ter observado o mandamento do amor, aquele mesmo que Cristo propõe ao jovem com o convite de "vender" e "dar aos pobres" (Orlgenes); para entrar no reino é necessária a caridade (Ambrósia); quem não compartilha não tem caridade, porque quem ama não tem nada mais do que aquilo que o próximo possui (Basílio); a partilha deve ser tão eficaz que mude a condição do pobre e restabeleça a Justiça querida por Deus, que a todos dá porque todos os homens têm igual origem (Cipriano, Basílio, Ambrósio): a comunhão de bens, divinos e terrenos, é de­ vida à comum origem dos homens (Gregório); a lei primária de Deus ou lei natural, anterior ao pecado, exige a comunhão dos bens em virtude da iguar natureza dos homens (Gregório); 8 lei posterior,

escrita, delimita os confins da propriedade com vantagem somente

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COMENTARIOS PATRISTICOS

para os ricos (Gregório); a comunhão dos bens foi quebrada pelo pecado, que trouxe também a servidão social (Gregório); distribuir aos pobres é restituir (Basilio, Ambrósio); a Igualdade entre ricos e pobres na comunidade tem como sinai a comum participação na Eucaristia (Crisóstomo). e na Eucaristia dominical pode haver a confirmação disto pela generosa esmola (Cipriano). e) Vender tudo e dã-lo como esmola é virtude perfeita não exigida de todos (Cirilo); não é ordem (Crisóstomo); tudo deve ser deixado por equele que quer Identificar-se com Cristo (Orlgenes); tal máxima perfeição não é algo supérfluo. mas é a própria vida eterna (Cipria­ no); não é conselho, mas condição necessária para ter a vida etema (Gregório); é dever perfeito de caridade (Ambrósio).

fi Uma situação social onde há ricos e pobres é fruto do pecado do homem (Basfllo); se existe o pobre. Isto é devido ao avaro (Am­ brósio); se o Justo não tem pão, é sinal que ao lado dele não há outro justo (Clemente). g) A Igualdade deve ser restabelecida com a distribuição dos bens (Ambrósio. Basilio); estando isentos do pecado (Origenes); imitando a Cristo rico e pobre. que convlds a reconstruir em cada homem a unidade de riqueza e pobreza por ele vivida (Agostinho); o limite da partilha para o rico é o dom da vida. para o pobre a conversão em "pobre de esplrlto" (Agostinho). Esta pluralidade de vozes é davlda a daterminadas circunstâncias históricas (perseguições, falta de ação do poder politico diante dos problemas sociais. decaimento mora' e também de fé da comunidade criatâ, pestes. carestias), embtemel« (de Alexandria. um dos mais ricos centros do lmpérto.:a Antioquia. onde a porcentagam dos ricos supera de longe o número dos pobres, a Hípona, onde Agostinho pode duvidar que em seu auditório haja ricos). pessoete, de cada Padre (Cipriano. Basílio, Ambrósio. pertencentes a famfllas abasta­ das, que ao se tornarem cristãos doam suas riquezas; Agostinho, pelo contrário, é de modestas condições económicas). Tal plurali­ dade. sinai da Inexaurrvel profundidade da Palavra bíblica. eco do respeito pela liberdade das consciências às quais é proposto o anún­ cio. torna-se concordância em alguns pontos Irrenunclávels; a bon­ dade das cotees, a Igualdade dos homens. o dever de compartl/har até mudar a condição do pobre,

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CLEMENTE DE ALEXANDRIA

Uma 86 coisa te falta 1. [ ... ] Aquele que se ensoberbece e se exalta, quando o curso das coisas mudar, recairá profundamente humilhado, como ensina a palavra divina. 1 Estou convicto de que uma grande prova de amizade aos ricos consiste em não adulá-los baíxamente, cantando hinos àa suas malvadezas, mas buscando ajudá-los e salvá-los com todo remédio posslvei: seja orando para Isto incessantemente a Deus, que concede tais bens aos seus filhos com constância e com alegria; seja curando suas almas mediante a graça do Senhor, iluminando-os e conduzindo-os a atingir a verdade [ ... ]. 2. Mostrar por que é mais difícil aos rlcos do que aos pobres alcançar a salvação não é uma coisa simples, pelo contrário, é algo complexo. Com efeito, alguns escutam com superficialidade e sem refletir estas palavras do Senhor: t mais fácil um camelo passar ,pelo buraco de uma agulha do que um rico ent, ar no reino dos céus,2 perdendo toda esperança de um dia chegar à salvação, abraçando totalmente o mundo como se lhes fosse concedido viver apenas esta vida; apegados a ela, afastam-se completamente' da via que conduz ao céu, sem procurar compreender quem é que o Senhor e Mestre chama rico, e de que maneira o que é impossível ao homem é possível a Deus. 3 Outros, pelo contrário, compreendem de maneira justa e conve­ niente estas palavras, mas não se preocupando com as ações que conduzem à salvação, não realizam os atas necessários para obter o que corresponderia à sua esperança [. .. J. 4. Oueira o Salvador, no momento em que Inicio o discurso, conceder-me a graça de saber apresentar aos irmãos argumentos 1. CI. MI 23,12 e Rm 11,35. 2. MI 19,24. 3. Lo 18,27.


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CLEMENTE DE ALEXANDRIA

QUIS DIVES SALVETUR?

97 verdadeiros. oportunos, portadores de salvação, que possa levá-los antes de tudo à esperança e depois ao caminho que conduz à espe­ rança. Aquele que ouve quem o invoca e instrui quem o pede dissipa a Ignorância, sacode o desespero, repropondo estes discur­ sos aos ricos que se interpretam por si mesmos e oferecem um comentário seguro. Nada pode ajudar mais do que ouvir novamente estas palavras que encontramos no Evangelho: Jesus estava saindo para uma viagem, quando chegou um homem que se ajoelhou diante dele e perguntou: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus lhe respondeu: "Por que me chamas de bom? Nin­ guém é bom senão Deus. Conheceis os mandamentos: Não mates, não cometas adultério. não furtes, não levantes falsas acusações, não prejudiques a ninguém, honra teu pai e tua mãe!" Ele então lhe disse: "Mestre, tenho observado tudo isto desde minha adoles­ cência". Jesus olhou para ele atentamente e sentiu ateto por ele. Por Isso lhe declarou: "Uma coisa te falta: val, vende tudo quanto tens, dá-o aos pobres, e, então, terás um tesouro no céu. Depois vem e segue·me". Mas, a esta palavra, seu rosto ficou sombrio. E retirou-se triste. porque tinha muitos bens. Jesus, olhandó 11 sua volte, disse aos discípulos: "Como é dificll aos que têm riquezas entrar no Reino de Deus!" Os dlscipulos ficaram desconcertados com estas palavras. Mas Jesus Insistiu: "Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! ~ mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!" Eles ficaram mais impressionados ainda. E comentavam entre si: "Mas então, quem pode se salvar?" Jesus olhou atentamente para eles e lhes disse: "Isto é impossivel aos homens, mas não a Deus: porque a Deus tudo é passive!!" Pedro então começou a dizer: "Nós abandonamos tudo e estamos te seguindo!" Por isso Jesus afirmou: "Eu vos declaro esta verdade: ninguém que deixar uma casa, ou irmãos, ou irmás, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou terras por causa de mim e do Evangelho, ficará sem receber, já agora, no presente, cem vezes mais em casas, em Irmãos, em Irmãs, em mãe, em filhos, em terras, e tembém perseguições, e, no futura, a vida eterne. Mu/­ tos que agora são os primeIros se tornerõo os últimos e os últimos se tornarão os primeiros". '"

5. [ ... ] ~ Importante que recordemos sempre que o nosso Salvador nada disse com linguagem puramente humana, mas ensinou todas as coisas aos seus discípulos com divina e mtsttca sabedoria 4, C1. Me 10,17--31, com alguma diferença do texto dos Slnótícos; ver ensaio Introdutôrlo. p. 38.

e que não demos ouvido ao sentido literal das SUas palavras, mas procuremos e descubramos o significado oculto delas com o neces­ sário e Inteligente aprofundamento J_

r. _.

6. A pergunta feIta a nosso Senhor e Mestre certamente era para ele muito agradável e extraordinariamente oportuna. Com efei­ to, a pergunta era feita à 'Vida, sobre a vida; ao Salvador, sobre a salvação; ao Mestre, sobre uma questão de fundo da doutrina ensi­ nada; à Verdade, aobre a verdadeira imortalidade; ao Verbo, sobre a Palavra do Pai, ao Perfeito, sobre o perfeito repouso; ao ser incorruptível, sobre a verdadeira Incorruptibilidade. A pergunta que

lhe era dirigida, dizia respeito precisamente àquilo para que 'havia vindo, aquilo que ele explicava, anunciava, ensinava, para oferecer­

r. ..

-nos o dom da Boa Nova, o dom da vida eterna J. Tendo sido chamado "bom", parle desta primeira palavra para explicar o 'seu ensinamento e para conduzir o ãnimo do discípulo para aquele Deus que é Bom, primeiro e único dispensador da vida etema, que o Filho nos oferece tendo-a recebido dele.

7. O malar e mais importante ensinamento da Salvação, que devemos esculpir desde o tnrcto no nosso coração, é este: reco­ nhecer que Deus é eterno, que dá a eternidade: que é o primeiro, o supremo, o único e procurar possuir a Deus que é Bom com o nosso conhecimento e InteligêncIa. Este é o principio imutável e

invariável, o fundamento da vida: o conhecimento de Deus que

realmente é e que dá as coisas que são, ou seja, as eternas; do

qual também para os outros seres desce o ser e o perdurar. Não

conhecê-lo é a morte. A única vida, pelo contrárIo, consiste em conhecê-lo, compreendê-lo, amá-lo, tornar-se semelhantes a ele. 8. Por isso quem deseja possuir a vida eterna deve antes de 8 quem ninguém conhece a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o tiver revelado.' Depois deie devemos co­ tudo conhecer aquele

nhecer a grandeza do Salvador e a grande novidade de sua graça,

de quem assim fala o apóstolo; "A leI nos foi dada por mala de Moisés; mas a graça e· a verdade nos vieram por meio de Jesus

Cristo".· Com efeito, não podem ser de Igual valor as coisas dadas por servo fiei e as coisas dadas por verdadeiro filho. T Portanto, se a lei de Moisés tivesse sido suficiente para dar-nos a vida, Inutil­ mente teria vindo o Salvador em pessoa e teria sofrido por nós 5. MI 11,17. 6. Jo 1,17. 7. CI. Hb 3,2-6.


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CLEME NTE DE ALEXA NDRIA

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desde o Inicio de sua vida até a morte, percorrendo todas as etapas humanas. Por isso, inutilmente aquele que havia observado todos os preceitos desde a juventude teria pedido a outro a imortal idade, lançando.sa a seua pés. Este, além disso, não só observava a lei, mas desde a sua primeira juventude se havia dedicado a ela [ ... I. Todavia, mesmo tendo-se comportado tão bem, estava certlssl mo, embora não faltasse nada à sua justiça, de que lhe faltava total­ mente a vida: por Isso a pede à única pessoa que lha pode dar. Enquanto diante da lei se sente seguro, diante do Filho de Deus se torna suplicante. Passa de uma fé a outra. 8 9. Jesus não o censura como faria se não tivesse observa do todos oa artigos da fé, pelo contrário o ama, moatrando-Ihe predl­ leção pela aua obedlllncla a tudo o que havia aprendtdo. Todavia ainda o Julga imperfe ito para alcançar a vida eterna: não alcanço u a perfeição da virtude ; chama-o bom operário da lei, mas praqulç oso na busca da vIda eterna [ ... I, 10. Se queres ser perfeIto . . . : portanto ainda não era perfeito. Com efeito, nada é mais perfeito do que a perfeição. E aquele divino ee queres mostra maravilhosamente a livre faculdade de escolha daquele eo qual se dirigIa. No homem, enquanto livre, estava a escolha; em Deua, enquanto Senhor, a faculdade de dar I ... I. Por isso se queres, se realmente queres e não enganas a ti mesmo,

adquIre o que ainda te falta: Uma s6 coisa te falta,· a única, aquela que é minha, aquela que é boa, aquela que está verdadeirame nte acima da fel, que a lei não pode dar, que a lei não contém , que é própria dos viventes. ~ claro que este, que desde jovem havia obaervado toda leI, e havia apresentado a si mesmo com grande orgulho, não pôde acrescentar, a todas as coisas que tinha, a única indicada pelo Salvador, de modo a obter a vida eterna que tanto desejava: afastou-se triste e aflito do mandamento da vida, para a qual vIera suplicar. Com efeito, realmente não queria a vida. como afirmava com palavras; mas revestia-se apenas com a apa­ rêncla das boas Intenções e, enquanto se preocupava com muitas colsaa, não estava em condições de realizar a única ação que lhe teria dado a vida, e nesta era negligente e inepto. A mesma coisa o Senhor disse a Marta que, entregue às muitas ocupações, dls­ traíde e atarefada em aervlr li mesa. se inquietava contra a irmã que, deixando todo o trabalho e estando sentada aos pés de Jesus, 8. CI. FIm 1,17. 9. Le 18,22; Me 10,21.

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o escutava tranqüilamente enquanto ensinava: Tu te afliges e te preocupas com multas coisas; Marie escolheu a melhor parte, que não lhe seré ttrede. 10 Também a eate jovem Jesus aconse lha dedl­ car-se à única coisa importante, abandonando a vida cheia de ocupa. çõea, aderir a uma só coisa: permanecer na graça daquele que concede a vida eterna.

11. O que foi, pois, que o levou a fugir, a afastar-se do Mestre , tornando Inútil a sua súplica, a sua esperança, a sua vida, os resul­ lados conseguidos com fadiga? Vende o que tens. O que é que significam estas palavras? Certamente. nllo o que alguns entend em, interpretando em sentido literal: não se nos pode jogar fora as propriedades e afastar de nós as riquezas: mas arrancar do ânimo a consideração e a estima pejas riquezas, a exagerada paixão por estas, a cobiça, as preocupações: os eaplnhos do mundo que aufocam a semente da vida. 11 Porque certamente não é coisa grande nem admirável nllo ter riqueza, sem buscar a vida eterna. Com efeito, oa que não possuem mais nada e, prlvadoa de todo confort o que a vida oferece. se abandonam pelas estradas pobres e mendic antes. sem conhecer a Deus e a Justiça de Deus, ,. pela slmplea motí­ vação de estarem oprimidos por uma extrema pobreza. privados de todo bem e despojados de todas as coisas, seriam os mais bem­ -aventurados e mais amados por Deus, ou os únicos dignos da vida eterna. Nem é coisa realmente nova renunciar às rlquezas e dlstrl­

bul-laa aos pobres e necessitados. Muitos fizeram isto antes mesmo da vinda do Salvador. para melhor se dedicarem aos estudos das letras e a doutrinas mortas, ou para obtar uma inútil fama e uma glória efllmera: os Atenágoras, os Demócrltos, os Crates. (Quis dtves se/vetur?)

BUlcal adquirir teaouroa no céu 12. Dual é, pois, este novo preceito, que SÓ pode vir de Deus e que é o único que pode dar a vida aos homens, a que não pôde salvar aqueles homens antigos? Que coisa nos anuncia e nos ensina de tão extraordinário a nova crietur e.w o Filho de Deus? Ele não nos anuncia algo visível. como outros fizeram, mas algo que seja 10. Le 10,41. 11. Referência à parábola do semeador; ver Mt 4,19s8. 12. Cl. FIm 10.3. 13. CI. 2Cor 5,17; Gf 6,15. Neste contexto Clemente refere a Cristo as expressões usadas por Paulo para o homem.


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ele é filho de Abraão. ae Assim, pois, aprova o uso das riquezas a ponto de ordenar a comunhão dos bens entre 08 homens, acres~ centando estes preceitos: dar de beber quem tem sede, dar pão ao faminto, acolher o sern-teto, vestir o nu. Só se pode obedecer tendo riquezas. e se ordenasse que nos despojássemos das riquezas, o que faria o Senhor senão pedir-nos ao mesmo tempo que demos e não demos, que alimentemos e deixemos morrer de fome, que

digno de outra coisa, de maior, de mais divino, de mais perfeito: despojar o ânimo e o coração das paixões, extirpar e afastar de nós as coisas a ele estranhas. Esta é a tarefa própria do fiei, este o ensinamento digno do Salvador. Com efeito, os antigos, que des­ prezavam os bens exteriores, sem dúvida abandonaram seus bens e os venderam. mas as paixões do seu ânimo. creio eu, aumentaram ainda mais. Caíram na soberba, cheios de ostentaçâo e arrogância para com toda a humanidade, como se fizessem algo superior aos outros homens. Como poderia o Senhor ordenar aos herdeiros da vida eterna um comportamento prejudicial e negativo para com aquela vida que ele mesmo promete?" Com efeito, poderia acon­ tecer isto: sem dúvida poderieis deixar as riquezas, mas conti­ nuarlela a ter o desejo e a sede Insaciável do dinheiro, que renasce no ânimo; depois de ter renunciado ao uso dos bens, pela pobreza e pelo arrependimento do patrlrnônlo destruido sofrerleis dupla­

a

acolhamos e fechemos a porta, que ponhamos em comum e "lia

ponhamos em comum nossos bens? O que é completamente absurdoI 14. Por tsso não se deve deixar os bens que podem ser úteis para o próximo; com efeito, são chamados propriedades, porque Sua natureza está em ser possuídos; e são chamados bens, porque podem distribui r o bem e sâo destinados por Deus ao bem dos homens. Tais coisas nOS foram dadas e estão dlsponfvels para um justo uso, como a matéria ou um instrumento, para aqueles que sabem usá-los. O instrumento, se for usado com perfcla, torna-se eficaz; mas se tu não és hábil, assume o. defeito de tua lncapaci­ dade, ainda que em si mesmo esteja isento de culpa. Assim tam­ bém as riquezas são instrumentos. Estás em condições de usá-Ias com Justiça? São Instrumentos de Justiça. Sâo usadas sem justiça? Tornam-se por sua vez ocasião de Injustiça. Por sua natureza foram criadas para servir, não para mandar. Portanto. visto que em si mesmas não têm nem bem nem mal e são totalmente Inocentes. não são elas que devem ser censuradas, mas aqueles que podem

mente: seja porque vos faltarla O necessário, seja porque vos arre­

pe.nderiels de ter renunciado. Com efeito, não é posslvel que quem não tem o necessário para viver não se desespere e com ânimo pr~ocupado não se afaste das coIsas superiores, enquanto procura

alcançar aquelas de qualquer modo e em qualquer parte. 13. ~ muito mais conveniente o contrário: possuir bastante para não sofrer nós mesmos e para poder ajudar quem tem neces­ sidade. Que comunhão existiria entre os homens se ninguém tivesse,

JUrZD

nada? Acaso este preceito não contradiria abertamente os muitos

servir-se delas, a seu

outros Importantes ensinamentos que o Senhor admiravelmente nos deixou? Conquistai amigos com a riqueza injusta para que, quando esta vter a faltar. esses smlgos vos acolham naS moradas eternas: 16 acumulai para vÓS tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferru­ gem os consomem e onde os ladrões nlio penetram para roubar. 16

do homem. em resumo, quem tem o poder de usar com liberdade e responsabilidade estaa coisas concedidas para uso. Não destrua­ mos, pois, as riquezas e os bens, mas as paixões do ânimo que

não permitem usar bem o que possuímos: depois de tornar-nos bons e honestos, poderemos fazer bom uso das riquezas. Renun· clemos, portanto, àquilo que temos

De que modo se poderia alimentar o pobre, dar de beber ao sedento. vastir o nu, acolher o estrangeiro; e quem não fizesse isto poderia ser lançado no fogo e nas trevas da nolte.!" se cada qual fosse mais pobre do que todos esses? Pelo contrário, o prõprlo Senhor aceitou a hospitalidade de Zaqueu e ordenou a Mateus acolhê-lo: e eram ricos publlcanos; e nâo .lhes ordena que se desfaçam de seus bens, mas. corrigindo um jutzo errôneo, pronuncia uma justa sen­ tença, dizendo: Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também

14. 15. 18. 17.

CI. por exemplo, Jo 10,28. Le 18,9. MI 8,20. CI. MI 25,41.

e à sua vontade: a mente, a consciência

19

e vendamos os nossos bens, 00

mas compreendamos que Isto se refere ás paixões do ânimo. 15. [. .. 1 Renunciemos aos bens que prejudicam e não aos que, se bem usados, podem ser proveitosos: são úteis as riquezas que são usadas com prudência, sobríedade, piedade. Expulsemos, pelo contrário as que prejudicam; as riquezas materIais em si mes­ mas não são prejudiciais. O Senhor nos leva a usar os bens mate­ riais e nos ordena que deixemos não o que nos faz viver mas I

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18. Le 19,9.

19. CI. Le 14,33.

20. Cl. Mt 19,21.


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aquelas coisas que nos levam a um uso desonesto das riquezas. Isto é, as doenças da alma, as paixões. 16. Este tipo de riqueza, sli onde está presente, é para todos motivo de morte; se for destruída trsz a salvação. ~ preciso que purifiquemos a nossa slma, isto é, que a tornemos nus e despojada. e que escutemos nesta sltueção o Salvador que diz: Vem e segue-me. Ele é um csmlnho para quem possui um eoração puro, Com efeito, na alma impura não entra a graça do Senhor quando ela está im­ pregnada de desejos e paixões mundanas. Pelo contrário, quem considera as próprias rlquezss, o ouro, a prata, as casas, como dons de Deus, e dá testemunho a Deus que tudo concede e propor­ ciona com tais substâncias, em honrs de Deus benfeitor, beneficios para os outros homens, e ssbe que possui tais coisas mais para os' seus Irmãos do que, pars si mesmo, e se eleva pela sua virtude e não pelos seus bens, e não é escravo daquilo que tem [ ... I, e se um dia tiver de privar-se de tudo Isto saberá auportar a privação com coração tranqütto, com a mesma serenidade como no tempo da abundância: ela que este é o homem que o Senhor chamou bem­ -aventursdo, o pobre de esplrlto, o herdeiro certo do reino dos céus, não o homem amante das riquezas que não pode ter a vida.

17. Mas aquele que traz as riquezas em seu ãnlrno, e que em vez do Eapfrltode Deua tem no coração o dinheiro e as, terras; que busca sempre aumentar seus bens e contlnusmente s6 pensa em ter mais, voltado pars as coisas terrenas, preso nos laços do mundo - e não é msls do que terra e à terra voltará -, como poderá este tender ao reino dos céus e dirigir seu desejo para ele? No lugsr do coração tem um campo ou um monte de ouro, e será reptado pels morte no melo dss pslxõespelaa quals se deixou prender em vlda, porque onde está a mente do homem.' sll está também seu tesouro. 21 (Quis dlves s8111etur?)

Quem pode 8e ..lvar? 18. Ouais são os ricos que tão dificilmente entrarão no reino dos céus? ~ preclao comprsender esta frase com Inteligência e perspicácia e não com uma compreensão estúpida, grosseira e ma­ terial. Esta aflrmaçllo significa que a salvaçllo não reside nos bens que estão fora do homem, sejam eies poucos ou muitos, pequenos 21. CI. MI 6,21.

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ou grandes, Importantes ou insignificantes, buscados ou despreza­ dos; mas nas virtudes do nosso ãnimo, na fé, na esperança, cari­ dade. no amor pelos irmãos, no conhecimento, na mansidão, na modéstia, na verdade: a recompensa destas virtudes é a salva­ ção. [ ... ] Assim também um pobre, que não tenha sequer do que viver, poderia um dia tnebrlar-se de desejos, ao passo que um rico poderia ser sóbrio e livre de prazeres: obediente. sensato, honesto, moderado. 19. ~ rico precisamente aquele que possui todas as virtudes e sabe permanecer santo e fiel em qualquer circunstância. Pelo contrário, é um fslso rico o rico segundo a carne, que pôs sua vida 'nas colsss exteriores, caducas, mortais, que podem passar a outras mãos e que no fim serão reduzidas a nsda. De forma semelhante existem os verdadeiros pobres e os outros, que erroneamente são chamados pobres: os primeiros são os pobres do espirlto, que é o caráter próprio da pobreza, os outros. são os pobres segundo o mundo, ou sela, nas aparências 'exteriores: esta 'é uma caracterfstica imprópria ds verdadeira pobreza.' Ao pobre segundo o mundo, mas rico de paixões, o pobre segundo o espirita e rico segundo Deus diz: "Livra-te da riqueza lIe­ gitima que puseste em teu ânimo para que, purificado, possas ver a 'Deus", ou seja, com outras palavras, possaa entrar no reino dos céus. De que modo te livrarás destas coisas? Vendendo?! Recebendo ri­ queza em troca de riquezas, transformando tuas propriedades em dinheiro? Não, certamente. Pelo contrário, no lugar das que antes se 'haviam estabelecido em tua alma que queres salvar. porás outras riquezas, que farão de ti um deus e te alcançarão a vida eterna: a dis­ posição de ãnimo para os mandamentos divinos; assim como recom­ pensa terás honra sem fim, salvação eterna e eterna Incorruptibili­ dade. ~ bom vender assim os teus bens, que são muitos e supér­ fluos e que te fecham o caminho do céu, trocando-os por aqueles que te possam dar a salvação. Oue os pobres segundo a carne fiquem com os outros bens, como também aqueles que têm neceasidade deles; quanto a ti, aco­ lhendo a riqueza espiritual no lugar daqueles, terás um tesouro no céu. 20. Este homem rico, que viveu à sombra da lei. não compre­ endendo estas coíses ditas em forma de metáfora, nem como seja possível ser ao mesmo tempo pobre e rico, ter bens e não tê-los, usar as coisas do mundo e não uali·las,·· foi embora triste e pertur­ 22. CI. 1Cor 7,29&&.


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bado, abandonando a vida que tinha apenas desejado, mas não havia conseguido alcançar, julgando Impossivel para ai o que era apenas dlflcil. Certamente, era diflcil não ficar transtornado e vencido pela abundãncla das riquezas materiais e por seus atrativos esplendoro­ sos; mas não era imposslvel encontrar também nesta aituação a salveção: era mister transferir o próprio ânimo das coisas senslveis às que aão captadas pela mente, que Deus lhe havia revelado, e aprender a usar estes Instrumentos neutros de modo justo e racional, de modo a tender à vida eterna. Oa prõprtos disclpulos, num primeiro momento, foram tomados de temor e estupor. Talvez por causa das palavras ouvidas? Pos­ suíam também eles grandes riquezas? Eles Já haviam abandonado as humildes redes, os anzóis e os barcos de pescador que repre­ sentavam as suas únicas riquezas. Quem pode se salvar?" Haviam entendido muito bem, como bons discipulos que eram, o significado oculto do discurso de Cristo, e haviam compreendido a sua profun­ dldad.e. No que se referia à renúncia dos bens podiam confiar na salvação, mas, no tocante às paixões, bem sabiam que não estavam perfeitamente purificados [fazia pouco tempo que se haviam tornado discípulos, pois o Senhor acabava de chamá-los), e ficaram espan­ tados, desesperando de si mesmos, de modo não diverso do jovem tão rico e tão apegado ao seu património, a ponto de preferi-lo à vida eterna. E justificava-se plenamente que os disclpulos tivessem medo, visto que estão excluidos do reino dos céus tanto os que tám riquezas, como os que são cheios de paixõea, das quais tam­ bém eles ainda estavam ricos; com efeito, a salvação está reservada às almas puras e livres de toda paixão. 21. Mas o Senhor respondeu: O que é Imposslvel aos homens 24 [ ••• I. Ouvidas estas palavras, o bem-aventu­ rado Pedro, o chamado, o eleito, o primeíro dos discipulos, para o qual apenas e para. si mesmo o Salvador paga o tributo," com­ preendeu logo o discurso e captou o seu significado. Qual foi sua reaposta? Eis que deixamos tudo e te seguimos. 2 • Não há dúvida de que, se com aquele tudo indicava os seus haveres, podia orgulhar-se de ter deixado mais ou menos quatro moedas - pois era este o valor da sua propriedade - e distraidamente avaliava ao mesmo preço

é posslvel a Deus

23. Me 10,26. 24. Me 10,27. 25. CI. MI 17,23-27. 26. Me 10,28.

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o reino dos céus. Se, pelo contrário, como dissemos, significa aegulr as pegadas do Meatre rejeitando os precedentes desejos da mente e as doenças da alma, isto é próprio daquele que será Inscrito nos céus! [. .. ] 24. Podes tu ser mais farta do que as riquezas? Penaa bem: Cristo certamente não te prolba possuir bens, o Senhor não tem ciúmes dales. Ou te dás conta da que és vencido pela paixão e alienado pelo delirio que elas proporcionam? Abandona-as, então, lança-as fora, expulsa-as, foge. Se o teu olho direito te '/eva ao pecado, arranca-o a atira." longe de ti. t preferlvel que se perca um só dos teus membros a que todo o teu corpo sela atirado à geena. E assim a tua mão, assim teu pé, assim o coração, odeia-os se te escanda­ lizarem. O que perderes aqui por Cristo porlÍs a salvo 18 no alto 01 [. .. ]. 26. [ ... ] Mas. o Senhor anunciou-nos também que de forma alguma afastará nem excluirá da salvação os ricos, por causa de suas propriedades ou de sua opulência, se eles souberem subme­ ter-se aos mandamentos divinos e anteporem sua vida eterna às coisas do mundo; tendo os olhos fixos em Deus, e esperando com grande atenção dele, como de um bom timoneiro, a indicação do que ele quer, do que ordena, do que Indica, que ordem dá aos seus homens, através de que caminho indica o porto. Que culpa e que pecado existe ae, antes da conversão, vivendo com parclmônla. ganhaste riquezas para viver com honesta abas­ tança? E não será algo ainda mais distante de toda culpa se rece­ beste de Deus, que é o dispensador da alma, a possibilidade de nascer nume famflla de ricos, numa família abastada e poderosa? Se o rico já foi condenado pela Vida porque não nasceu nas riquezas por sua vontade, certamente sofre injustiça da parte do Deus criador que, enquanto dá prosperidade na vida terrena, priva da eterna. Por que deixar crescer sobre a terra a riqueza. se ela não mantém" e não abrige outra coisa além da morte? Se, pelo contrário, mesmo sendo rico, conseguires despojar-te do supérfluo, ter pensamentos moderados, manter-se sóbrio, buscar unicamente a Deus, desejá-lo, querer estar em comunhão com ele, então, verdadeiramente pobre, serás observante dos mandamentos, livre, sem peias, não enfraquecido pelas riquezas. Do contrário, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que 21. CI. Mt 5,29; Me 9,42-47.

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um "rico entrar no reino de Deus. 28 Ê possível que a imagem do ·cameloque passa melhor do que o rico pela porta dlffctl e estreita signifique e oculte algo mais profundo: este sentido mais oculto, mistério do So/vador. é passivei compreendê-lo no Comentário sobre os principias e sobre a teologia. 29

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o que era necessário para Curar o ferido: vinho, óleo, ilgaduras. um jumento, dinheiro para a hoapedagem. e deu logo ao hospedeiro uma parte, prometendo der-lhe mais depoIs. Quem destes, perguntou Jesus, te parece que foi o próximo daquele que se ancontrava em perigo? E visto que o outro lhe respondeu: Aquele que teve. compai­ xão dele. disse-lhe: Vai e faze também tu o mesmo:"32 porque a cari­ dade é o mãe das boas obras.

27. Contudo, quero expor o significado, que aparece à primeiro viste. da parábola. e pare quem foi pronunciada. Ela ensina os .rtcos a não abandonar a idéia da salvação, como se para eles toda esperança já estivesse perdida; nem de outro lado lançar ao mar e amaldiçoar aa riquezas como perigosas inimigas da vida; mas apren­ der a usá-Ias de maneira que possam conduzir à vida [ ... J. procure­ mos descobrir que tipo de esperança o Salvador dá aos ricos, de que modo aquilo que parece ser motivo de desespero se torna digno ds fé e aquilo. que se espera pode ser conseguido. Interrogado sobre qual fosse o malar dos mandamentos. o Mes­ tre respondeu: Amares o Senhor teu Deus com toda a tua alma e com todas as tuas forças; so dizendo que não há nenhum mandámento malor do que este. Certamente é o maior, porque se .refere ao primeiro e supremo ser, o próprio Deus. nosso Pai, por meio do qual todo o universo nasceu e existe, e 80 qual voltarão todos aqua­ les que se tiverem selvedo. (Quis divas salvetur?)

Dá.

29. Em ambos Os mandomentos Jesus ensina a caridade, toda­ via Com uma dlstlnçâo: atrIbui a Deus a parte malar da caridodee reserva ao próximo a caridade que vem em segundo luqar. Quem é mais "próximo" do que o Salvador? Quem nos tratou com maior misericórdia do que ele, quando estávamos para ser anlqúilados pelos golpes, pelos temores, ·pelos desejos, pelas Iras, pelas dores. pelas fraudes e pelos prazeres dos senhores do mundo das trevas? O únIco médico de todas estas feridas é Jesus [. .. J.

a lodo aquala qua pada

28. o segundo mandamento, em nado inferior ao primeiro, diaae que é:· Amarás o próximo como a ti mesmo." Por iaso é preciso amar a Deus mais do que a ai mesmo. E perguntando-lhe ainda aquele que falava com ele: Quem é meu próximo?, o Senhor não respondeu com a definição dos judeus, Identificando o próximo com os parentes, os concidadãos, os prosélitos, os circuncisos ou quem tem uma mesma fé; mas falou daquele homem que desci o de Jericó para Jerusalém; disse que ele fora ferido por ladrões, deixado semi­ morto no caminho; um aacerdote passou ao largo, um levita não lhe dirigiu sequer um olhar; mas um aamarltano (gente desprezada que os Judeus mantinham II distância) teve compolxão: como se não passasse ali por acaso, como aqueles, chegou trazendo consigo 28. MI 19.24. 29. Obra de Clemente Qlle se perdeu. 30. Lo 10,27. 31. Lo 10,27.

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31. [Oo.] Ele nos diz: Conquistai 'amigos com a riqueza da Inlqüidade para que. quando esta vier a faltar, esses· amlgoa vos acolham nas moradas eternas.'9 Ele revela ssaim que por natureza toda substâncie que cada um retém para si como se fosse um bem privado e não põe em COmum com quem se encontra em necessi­ dede se torna algo Inlquo; mas que desta propriedede injusta e Iníqua pode brotar algo salutar e Justo, e se pode prestar ajuda a elguém destinado II morada eterna junto de Deus. Note, antes de tudo, que ele não te ordens esperar as súplicas, nem os Inslatentes pedidos, mas que busques tu mesmo, de prefe­ rância, a quem prestar ejuda, que seja digno discípulo do Senhor. Bela é a expressão do Apóstolo: Deus ama a quem dá com alegria; •• quem se alegra em dar li semeia com largueza de modo a também recolher com largueza;" e distribui sem lamentações nem distin­ ções nem reticências: Isto é próprio da beneficência. A palavra que o Senhor diz em outro lugar é alnds mais impor­ tante: Dá a quem pede.'9 Esta é a generosidade t1plca de Deus. Mas o ensinamento realmente malar de toda perfeição é: não eaperer o pedido, mas procurer quem tem necessIdade de ser ajudsdo [. . .J. 32. Depois estabelece a grandlsslma recompensa para a distri­ buição dos bens: a morada eterna! Ó extraordinário comércio, ó 32. CI. Lo 10.27-37. 33. Lc 18,9. 34. 2Cor 9.7. 35. CI. 2Cor 9,8. 38. Lo 6,30.


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divina permuta! Adquire-se a Incorruptibilidade com o dinheiro, em lugar dos bens caducos do mundo recebe-se em contrapartida a morada celeste para a eternidade. Se és prudente ou rico, dedica tua vida a este comércio. Se for necessário, percorre toda a terra, não poupes nem fadigas nem perigos para alcançar o reino dos céus durante e tua vida terrena. Por que tanto te alegram as brilhantes pedras, as esmeraldas, a casa que o fogo destrói, o tempo racha, os terremotos desmoronam, os prepotentes usurpam? Em vez disso, aspira ter tua casa no céu, de modo a reinar junto a Deus. Um homem te dará este reino, Um homem imitador de Deus: em troca de poucas coisas recebidas aqui, te tomarás habitante do reino pela eternidade. Suplique-lhe que aceite, apressa-te, empenha-te, receia o seu desprezo, visto que não é ele que recebeu a ordem de receber, mas és lU que rece­ beste a de dar. O Senhor também não disse: "Dai", "sede generoso", "fazei beneficência", "prestai aJuda", mas: Fazei amigos." E a amizade nasce não de um s6 donativo, mas de uma longa familiaridade. Com efeito, nem a fé, ou a caridade, ou a paciência são o resultado de um s6 dia, mas quem perseverar até o fim será salvo. B8

33. De que modo um homem pode conceder-nos este dom? Porque é o Senhor que dá, pela honra, a benevolência, a atenção demonstrados a ele. "Darei não s6 aos smigos, mas aos amigos dos amigos". Quem é verdadeiramente amigo de Deus? Não de­ vemos querer Julgar quem é digno e quem não o é; pode acontecer que com teu julgamento Incorras em erro. Quando há incerteza, é melhor ajudar também as pessoas indignas, por causa das dignas, para não correr o risco, querendo evitar os Indignos, de tratar mal também os justos. Usando muita precaução para distinguir quem deve ser ajudado e quem não, corre o risco de deixar de lado também os amigos de Deus e esta negligência é castigada com a pena eterna. Pelo· contrário, se socorres todos os necessitados, certamente também encontrarás aquele que te dará a salvação junto de Deus. Não iulgueis os outros para não serdes Julgados; porque com o iulgamento com que lulgardes, sereis ;ulgados, e com a me· dlda com que medirdes sereis medidos: uma boa medida, bem cheia, sacudida e transbordante." 37. Le 16.9. 38. MI 10,22. 39. Me 7,1: Le 6,38.

QUIS DIVES SALVETUR?; PAEDAGQGUS II,3

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Abre o teu coração a todos aqueles que Deus pôs no número dos seus discípulos, não os olhes com olhos desconfiados por causa de seu aspecto físlco, não os afastes por causa da Idade. Se alguém é pobre, maltrapilho, disforme. doente, não te aborreças e não te afastes. Este nosso corpo é uma aparência exterior. um instrumento de que nos servimos para viver neste mundo e para entrar nesta escola comum: mas no Interior habitam em segredo o Pai e o Filho, que por n6s morreu e por nós ressuscitou.

37. [ ... ] Estando prestes a oferecer a si mesmo em libação, e dando a si mesmo como preço do resgate, deixou-nos um novo Testamento: Eu vos dou a minha certdede.s» Qual e quão grande é esta caridade? A cada um de n6s ele oferece a si mesmo, o malar presente que possa existir no mundo. De n6s ele exige que vivamos um para o outro. Portanto, se devemos viver para os irmãos e se estipulamos este pact-o com o Salvador, .continuaremos a reter para nós e a esconder os bens deste mundo, .miserávels, vis, alienantes, fúteis? Acaso iriamos ne­ gar aos outros estes bens que o fogo dentro em breve devorará? Palavra divina e cheia de solicitude é a de João: Quem não ama o pr6prio Irmão é homicida: 41 semente de Caim, dlsclpulo .do diabo. não tem parte com Deus, não tem a esperança das coisas maiores; é estéril, é seco; não é um ramo da vinha celeste que vive para sempre: será lançado fora, o fogo eterno o espera. (QuIs dlves salvetur?)

Onde estão. .. os que Juntaram ouro e prata? 35. O uso de taças de prata e ouro, ou de outros utensillos incrustados de pedras preciosas é inútil e s6 serve para manter OS olhos ocupados. Com efeito. se nelas se derrama um líquido quente, se tornam desagradáveis de tocar, dado que se aquece também o recipiente; se. pelo contrário, se derrama um líquido frio, a matéria transmite as suas aubstânclas, deteriorando o conteúdo: assim a bebida unida ao luxo se torna danosa. Lancemos fora, pois, os cálíces terlcleus e antlqônldes , os cân­ taros e os labrôntos, as lepastas e a incrível quantidade de copos. e entre estes os psictérios e otnocoe.w Com efeito, em geral "o ouro e a prata. tanto em público como em particular. são uma

as

40. Cf. Jo 13,34. 41. 1Jo 3,15.

42. Séria de taças e vasos de diferentes formas e para usos' variados.

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\ CLEME NTE DE ALEXA NDRIA

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PAEDAG OGUS II, 3

111

.aos Com muito acerto diz, pois, a divina Escritura, dirigindo-se supérfluo: é ;';"! rlq~eza que gera o ódio"; " o seu uso é totalme nte soberanos das nações, Os os estilo Onde s: soberbo aos e s egolsta . .... adquiri-Ias, dltrcll conservá-los e desconfortável usá-tos. as aves dominadores dos animais da terra, 08 que se divertem COm Também a [actãncla aollclta dos vidros cinzelados, mala fáceis e confiam homens os quais nos do céu, acumulando prata e ouro, beber e o, de quebrar pela maneira como são feltoa, que nos leva a dinheir am amonto que os Onde limite? cu/as posses são sem bons ao mesmo tempo a temer, deva ser eliminada dos nossoa cujas obras não deixam vestlglo s? Desapareceram descendo ctosos, pratos, os lca, acetábu os costumea. Os leitos de prata, os vssoa, ao Hades .·· Esta é a recompenss psra a ignorância do bem.

servem

as sopeiras, e além disso os vasos de ouro e prata, alguns que nar, para o alimento, outros para usos que nem seq~er ouao mencio 37. Com efeito, se quando trabalhamos a terra serve-nos o for. te, fragran madeira outra em ou ffssll cedro de prata em dos trlpodes trabalha cada e o arado, e nlnguám certemante forjaria .uma enxada tadoa marche e prata de péa os com conta camas em as ; s marfim levamo de tura ébano, da ou uma foice de ouro, visto que na agricul de q~e Impade que o idade, de marfim, portas Incrustàdaa de ouro, recobertas com crosta precios a eficácia da matéria, não a aua diffcels também opinião mesma a tartaruga, cobertores tingidos de púrpura a de outras cores tenham aquales que pensam desta lorma os a utlli­ de Identificar: sinais de um luxo sem gosto, privilég ios Insidios com relação aos utenslllos domésticos? Oue a medida seja devemos pela Invels e volúpia que provocam; são todas coiaaa que não a rlquezs. dsde, ração afaster de nóa, não tendo em si nenhum motivo de conside tem Dlze-me, por que a fsca de mesa não deveria cortar se não fadiga. granda tão com as buscad serem para então, Ou ? marfim de é não os pregulnhos de prata ou se o cabo O tempo /á se fez breve, .. diz o Apóatolo. Resta ainda a obser­ do vêem psra dividir os pedaços de carne deve existir um ferro trabalha se como s, rldlcula a var que não devemos assumir maneira guerra? a para arnês um uir conseg de mos impres­ ns [ndla, cama se tivésse durante as proclsaõee certas peasoas que extarlormente dão uma ­ Interna to a pia é de barro não receberá a água para lavar aa mãos? E anquan Se çlio, admlra m suscita qua são de tente aantldade pés? os lavar para nhs baclazl mente são miseráveis. Será que ums mesa que tenha os pés de marfim deverá enver­ 36. Esclarecendo melhor tal conceito, o Apóatolo acrescanta: a não gonhar-sa de carregsr um pilo de pouco valor? E uma lâmpad os que ? Eu Por Isso, os qua têm mulher vivam como se nlio tivessem; ouriveS Um de não e oleiro um iluminaria se fosse obra de com de leito compram, como se não possul ssem." Se tals pslsvras disse um que do pior ser não pode digo que uma cama simples lcal­ relação ao matrlmônlo, com relação ao qual Deus disse: Multlpl haja que sem couro um er estend bem multo pode marfim, e que se falta de a -vos, como poderemos pensar que não se deva abolir a idade de colchaa de púrpura ou de fênix; em vez disso, necess diz: Senhor o Isso Por ? é medida, precIsamente por ordem do Senhor que luxo frugalidada é condenada pela tolice da busca de Um Segue •Vende o que tens, dá-<> aos pobres, depois vem e segue- me.·· cauaa de ruína, o, carre­

a Deus despojado da arrogllncla, despojado do luxo efêmer tirado: de

gando contigo o que é teu, o único bem que não te pode ser 38. Vede o que é esta opinião enganosa, esta presunção para obras boas as sofreu, fez

que e prato naquele ão simples conflas a um Deus, a fé em belaza: Cristo comeu o alimento usando lavou os com os homens: riquezas preciosJaalmas.

os dlsclpu los se sentarem no chão, sobre a relva: e lhes soberba, sem Deus o eie, Eu acolho também a palavra de Platão, o qual ensina aberta toalha, uma com pés, cingindo os flancos 7 e prstal de bacia ums céu mente que "não se deve ter riquezas nem dinheir o nam ouro",4 do trazido havia não o Senhor de tudo; tes nem utensllios inúteis , mas que sejam necessérloa e suficien uma E pediu água à samarltana que a hsvia tirsdo do poço com e sela a e que o mesmo objeto posss ser usado para multas fins, do-nos ensinan mas régio, Ouro o Jarra de argila, não buscando eliminada a grande quantidade de utensüloa. e, utilidad a fim como ha Propun frugal. maneira matar a sade de s sem não a vaidade que Ignora o bem. Comia e bebia nas reuniõe tas

fragran vasos CI. PlalAo, Leg. XII, 955 E. tirar da tarra metais preciosos, e não se servia de lCor 7,29.

lCor 7,29-30.

MI 19,21. 48. Br 3,16-19.

'·;<It,· cl; PlatAo, Lag. VII, 901 B.


PAEDAGOGUS II,12

CLEME NTE DE ALEXANDRIA

113

112

ões Inconveniente; Com efeito, não convém pôr as próprias aspiraç ria sabedo A praças. nas r adquiri pode um r qualque que nas coisas praça, na adqUire não pode ser comprada Com moedas, e não se Imortal, mas no céu; e se adquire com a Justa moeda, com o logos régio. com o ouro

chaíro de ouro e de prata, ou seja, de ferrugem: com efeito, este . matéria é produzido por aquela cega o ves­ Em resumo, devemos recoeda r-noa de que os alimentos, coisas outras tuário, os utensílios e, em poucas palavras, todas as vida

de regras as que estão na casa, davem estar de acordo COm ao Idade, à . pessoa à adas do cristão, de modo que sejam apropri Deus,

só um de res servido somos que tipo de vida, ao tempo. Visto devem

tanto o que possulmos como também os utensílios de casa toda disso, Além vida. de estilo honesto mesmo um ser sinais de

IPaedagogus II, 3)

BUlcal prImeIro o reIno dos céus

a esta Insti­ pessoa que tenha uma fé firme deve fazer corresponder

119. [ ... ] "Por que não usar o qU6 Deus pôs diante de nossos "Para olhos? " "Aqui está para mim: por que não aproveitar disto?" nós?" quem foram feitas estas colaas senão para e a

Estaa palavras aão palavras de quem Ignora completament

manI­ a maneir de fornece Deus tudo de vontade de Deua. Antes não

As ar. o e água a como árias, necess coisas festa a todos es necessárias ele as escondeu ne terra e dentro d'água.

que tuição acolhida livre e sinceramente todas as conseqüências ito. propós se seguem e que se harmonizam com este úniCo

As coisas que adquirimos sem trabalho, visto que as usamos e de boa sem preocupação, as acolhemos e conservamos facilmente, sas as vantajo mais São outros. vontade as compartilhamos corn

mais coisas úteis; por Isso os bens modestos sem dúvIda vaiem do que aqueles preciosos. de mal­ Por fim. a riqueza não bem-governada é uma montanha não nela, dada"; a maior parte dos homens, tendo os olhos fixos nas munda coisas entrarão no reino dos céus,' . estando doentes das e vivendo cheios de orgulho nas devassidões.

guar­ 120. Por isso as formigas escavam o ouro; na os abutres ocupais vos vós Mas a. dam o ouro e o mar esconde a pedra precios

todo o com coisas inúteis, que não é oportuno procurar. Eis que s Aquele Deus. a is procura não vós céu está aberto diante de vós, e

são homens dentre nós que escavam o ouro oculto e as pedras

39. Aqueles que buscam com solicItude a salvação devem, por­ do seu tanto, ter compreendido que cada coisa foi criada em vista para

ário necess é que daquilo função em está U80 e que o possuir que os tolos nte realme São pouco. bem de nós. e necessItamos pre­ objetos em deleitam se vel insaciá desejo seu de por causa

condenados à morte.

em Mala ainda, vos opondes também à Escritura que proclama 'os coisas estas todas e céus. dos reino o o primeir alta voz: Buscai serio dadas em acréscimo. ~4 Mesmo se todas as coisas foram é licito, dadas aos homens. se todas foram concedidas, e se tudo iu conduz Deus mente, diz o Apóstolo, nem tudo convém ." Efetlva antes particip o-nos tornand o gênero humano à comunhão das coisas, fazendo dos seus bens, pondo em comum para todos o seu Logos e . comuns são coisas as todas isso Por . tudo para todos os bornens

ra: Quem ciOSO$;, que conservam com grande cuidado. Diz a Escritu

gU8rda os seus g8nhos os põe numa bolsa fur8da."' Quem recolhe que e açambarca 8S colheitas e depois sai prejudicado é aquele não partilha o seu com ninguém [ ... ].9' e, Por IS80 o spegO ao dinheiro é considerado o ápice de maldad Apega­ : dizendo males, os todos de raiz e o Apóstoio o define como ram dos à ganância muitos se desviaram para longe da fi! e se tortura com muitos sofrim entos. " eiro Por isso a maior riqueza é e falta de deseloe e o verdad em mas s, orgulho está em não se ensoberbecer com as riqueza nte

totalme coisa é os desprezá-Ias. GlorIar-se por causa dos utenstlí

a os ricos não podem reclamar para si mais do que

08

outros.

que Por Isso afirmar : "Isto é meu, tenho em abundância, por coma­ a com nem homem o com não devo -aproveitar?", não combina "Isto nidade humana. Pelo contrário, é próprio da caridade dizer: é efeito. Com "

itados? necess aos l-lo dlstrlbu é meu, por que não , 53. Há aqui a referêncIa ê lenda de um tipo de grandes formIgas que cavavam areia misturada com ouro.

49. Mt 19,23. 50. Ag 1.6. 51. CI. Lo 12,16-21. 52. 1Tm 6.10.

54. MI a,33.

55. lCor 10,23.

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114

CLE MEN TE DE ALE XAN DRI A

per feito aquele que cumpriu o mandamento: Amarás o prÓximo como a ti mesmo. 56 Este é o verdadeiro Júbilo, este é o luxo que acumula os tasou­ roa. As despesas feita s para sati sfaz er os des ejos vãos, pelo co" , trãr lo. tornam-se uma perda, não um ganho. Bem sei que Deu s nos deu a faculdade de usa r os bens, mas só enquanto necess ários, e quis que o uso fosse comum. IÕ indigno que um só viva " nas riquezas enquanto a mai oria passs necessidade. Não é mel hor ajudar a mui tos do que leva r uma vida suntuosa? Não é mul to mais sábio gas tar em favo r dos homens do que com pedras prec iosas e ouro? Não é mul to mel hor adornar-se com amigos do que com oble tos aem alma? A que m os campos renderão tant o quanto os ben effc ios feit os a outros? 121 . Falta.nos ainda esc lare cer esta outra objeção: para que m Irão as coisas mais preciosa s, se todo s escolhem as mai s mo­ destas? Aos homens, respond eria eu, se usarmos as riqueza s sem cobiça e sem fazer diferenças. Se é Imp oss lvel que todos sejam tão sábios, pelo menos quem propôs renu ncia r ao supérflu o deve bus car as coisas mais fáceis de con seg uir e de que tenh a real necessidade [ .... J. 125 . [ ... J. O Senhor no Eva ngelhO chama abertamente tolo aquele rico que junt ava seu s tesouros nos cele iros e dizia a si mesmo: Tens ii disposição mui tos bens, por mui tos enos: com e, bebe e a/egra.te, e afirm a: Neste mes me noite será pedide tua vide ; e as coisas que Juntaste de quem serão? 07 O pint or Ape les, tend o vist o um dos seus disc lpul os que havia pint ado Helena ornada com mui to ouro, dlsse-lhe: "Rapaz , com o você não conseguiu pintá-Ia bonita, pintou-a rica !" Semelha ntes a Helenas des te tipo são as mui herea do nosso tempo, não bela s por natureza, mas enfe itad as com riquezas, 126. A estes prof etiz a o Esp irito por melo de Sofonras: Nem sue preta nem seu ouro poderão selvá-/os no die da ire do Sen hor. •• Não convém às disc ípul as de Cris to adornar-se com ouro , mas com o Logos: aõ atra vés dele o ouro se manifesta. [Peedagogus II, 12},

56. Lv 19,IS; MI 22,39; Mo 12,3 1; Lo 10,27. 57. Lo 12,18-20. 58. SI 1,16.

PAEDAGOGUS 111,6·7

115

o meu frulo vale mais do que o ouro e do qIIe as pedras preciosas 34. Devemos usar as riqueza s de um modo digno de um ser .. racionai, e dist ribu i-Ias generos emente, sem evareza e sem osten­ tação: não se deve desviar o amor do belo em amor de si mesmos e em Igno rllnc ia do belo, para que não se diga também de nóa: "O seu cavalo. a sua terra, o seu servo. o seu ouro valem quinze tale ntos , mas ele vale pouco msls de três moedas". Com efei to, tire mos por exe mpl o o ornamento das mulhere s, tiremos Os servos dos senhore s, e veremos que os senhore s em nada dife rem dos escravos, nem no modo de andar, nem no olha r, nem nes palavraa, pois são praclsamente semelhantes aos servos; mais alnda, dife rem no fato de sere m mais fracos do que os servos e educados de modo a ests rem mais suje itos às doença s. Por Isso é prec iso can tar con tinuamente aquela belfssima sen­ tença: o homem bom, sendo moderado e just o, ecumula um teso uro no céu .· u Este, depois de ven der os bens terrenos e dá-los aos pobres, encontra um tesouro inde stru tive l lá onde não há nem traç as nem ladrõea. ao Ele realmente é "fel iz", mesmo se é pequen o, fraco, obscuro: desse form a possui real men te uma grandfssima riqueza. Mes mo que alguém foss e inal s rico do que Mid as e Cinlra, mas foss e Inju sto e soberbo, com o aquele que se vestle luxuosa mente de púrpura e linh o e desprez ava láza ro," seri a mis eráv el, vive ria

tristemente e não teria a vida . 62

35. As riquezas parecem-se com uma serpente que, se não form os capazes de agarrá·la de longe sem perigo seguran do.a pela ponta da cau da, ela se enrolará na mão e morderá; tembém as rique­ zas, que se agarram tant o em quem é perito como em que m não é per ito em segurá-Ias, silo hábeis em enrolar-se e morder. Mas se alguém souber usar delas com sten ta prudência e destrez a, acari­ ciando o animai com os enc antamentos do logo s, flcerá incólume. Parece-me, porém, que estamos esquecendo que só é rico aqu ele que pos sul as coisas mels vali osas. Aa coisas de mal ar vaia r não

silo as gemas, a prata, as ves tes, a beleza do corpo, mas a virtu de,

ou seja, o logo s que nos é ded o pelo Pedagogo como prát ica de vida.

59. 60. 61. 62.

CI. MI 6,20. Ibld. CI. Lo 16,19-20. CI. Plal !o, Lag. II, S60 F.


~ ..,.. ,'

CLEMENTE DE ALEXANDRIA

116

Esta é a Palavra que renega o luxo e chama à eção a virtude do saber fazer por si, louva a frugalidade, filha da temperança: Buscai meu ensino, não a prata; e 8 ctêncte, mais que o ouro puro!

PoIs a SabedorIa li mais que pérolas e nenhuma jóia lhe é compa­ rável . •sE einda: Meu iruto: mais que ouro. ouro puro; meus produtos: melhores que a prata pura.·' I. .. I. Aquele que prodigaliza enriquece: o, deste está escrito: Dá ter­ gemente 80S pobres, B sua iustiçe permanece para sempre. (1(\ De modo que não é rico quem tem e guarda seu ouro, mas quem distribui generosamente; não é a posse que dá a felicidade. mas O partilhar com os outros.

36. Mss a liberalidade é um fruto do ânimo; por isso a riqueza está na alma. As coisas boas pertencem apenas aos bons e bons são os cristãos. O homem insensato ou intemperante não pode ter a percepção do bem e não pode allngir a Sua posse; por Isso só os cristãos podem possuir as coisas boas; mas não há nada mais rlc~ do que as coisas boas, por Isso sõ o cristão é rico. Com efeito. a verdadeira riqueza é a justiça e o logos é o mais precioso dos tesouros: tesouro que não aumenta com os rebanhos e es terras, mas é dado s6 por Deus. propriedade que não no~ pode ser arrebatada, pois s6 a alma é o seu lugar; riqueza excelente para quem a possui, que torna o homem verdadeiramento feliz. Na realidade. quem não busca o que não é para nós e obtém tudo aquilo a quem aspira, mais ainda. recebe de Deus o que arden· temente deseja pedindo. este cartamente será um rico que possui tudo. tendo um tesouro eterno. Deus: A quem pede será dado. a quem bafe será aberto." Se Deus não nega nada. tudo é do homem piedoso.

37. [... ] Julgar que o prazer seja um bem é próprio de quem ignora completsmante o que é o bem. A cobiça das riquezas desvia o homem do reta caminho. de modo que se aproxima sem enver­ gonhar'se das coisas Ignóbeis; "está satisfeito desde que tenha a possibilidade de comer. como os animais. qualquer coisa. da mesma forma de beber e saciar por todos os modos os seus desejos". ns 63.

Pr

87. MI 7.7-8. 68. CI. Plalão. Leg. VIII. 831 DE.

117

Por '8S0 é multo raro que ele possa herdar o reino de Deus. 69 De que serve. portanto. preparar tantos manjares se servem para encher um só ventre? Vll-sa pelos lugares afastados onde os nossos ventres se libertam dos restos dos banquetes quão Incômodo é o supérfluo do alimento. Por que usar tantos copeiros. quando podemos eactar-nos com um só cálica? Por que os armários. os objetos dourados, os orna. mentos? Tudo Isto é preparado para os ladrões de roupas. para os malandros. para os olhoa insaciáveis. Esmola e fé nêo te ebenâ«: nem nunca. 10 diz a Escritura.

38. Eis um exemplo de frugalidade para nós. o tesbita Elias. quando foi sentar-se debaixo de um iunlpero e o anjo lha levava alimento: um pão cozido sobre pedras quentes e um jarro de água: 11 esta foi a refeição que o Senhor lha enviou. Por isso, no caminho rumo à verdade devemos tornar-nos leves:

Não I~eis bolsa, nem sacola, nem sandálias,

12 ou seja, não con­ serveis 8 riqueza que constitui um tesouro só na bolsa, não enchais os vossos celeiros, querendo tsmbém aqui guardar a semente na bolsa, mas partilhai com os outros que estilo em necessidade; não busqueis jumentos e servos. que são chamados alegoricamente os sapatos dos ricos. visto que carregam os pesos. Por Isso devemos pôr de lado o grande numero de utenallloe. 08 objetos de ouro. os vasos de ouro, o grande número de domés­ ticos; em vez disso, acolhamos as belas e veneráveis virtudes com. panhelras do Pedagogo; trabalhar com as próprias mãos e contentar. -se com pouco. Com efeito, é preciso avançar em harmonia com o Verbo, e mesmo ali onde hll mulher e filhos, a famflia não é um peso se souber acompanhar o vtajor temperante.

39. Também a mulher que ama o marido deve comporter-se como o esposo, de modo a estar preparada para a viagem. Um bom vi~tlco para o caminho que conduz ao céu é saber unir a frugalidade a uma santa temperança. Na realidade. a medida do ter de cada um é o corpo. como a medida do sapato é o pé. O supérfluo. que chamamos ornamentos, 08 utensUlos dos ricos, são um peso. não um ornamento do corpo. Ouem se esforça por aublr ao céu deve usar no camInho um belo bastão, a baneflcêncla, e alcançar o verdadeiro repouso depois

8,10~11.

64. Pr 8.19. 85. Pr 11,24. 68. SI 111,9.

-.-­

PAEDAGOGUS III. 6-7

69. MI 19.23; t,c 16.24; lCor 15.50. 70. Pr 3.3. 11. IRa 19.4.8. 72. Lo 10.4.


CLEMENTE DE ALEXANDRIA

n6

de ter compartilhado seus bens com os aflitos. Com efeito, a Escri­ tura reconhece que se pode resgatar a própria vIda com a rtqueze, T' ou seja, se alguém é rico poderá salvar-se distribuindo os bens. Como aqueles poços que por sua natureza são vertentes de água e quando se tira deles a água sobe ao nível anterior, assim a liberalidade que é como uma fonte de amor do próximo, dando de beber aos sedentos aumentará novamente e ae encherá, assim como das tetas sugadas e ordenhadas continua a afluir o leite. Na realidade, quem posaul o onipotente Deus Logos é rico, e não lhe falta nunca aquilo de que necesalta, visto que o Logos é um bem ao qual não falta nada e é fonte de toda abundância. E se alguém dlsaer que com freqüêncla viu o justo carente de pão, o que aliás é baatante raro 14 e acontece ali onde não existe outro justo, lembre-se também daquela palavra que diz: Nem só de pão vive o Justo, mas da palavra do Senhor, que é o pão verda­ deiro, o pilo do céu. T. (Paedagogus III, 6-7J

T'

t( 73. 74. 75. 76.

Pr 13,a. CI. SI 37,25. DI 6,3; Mt 4,4: Lo 4,4. Cl. Jo 6,32-33.

ORIGENES

ferás um tesouro no céu 16. Alguém poderia perguntar como precisamente pode acon­ tecer que seja per/e/to quem vendeu todoa os seus bens e os deu aos pobres, 1 visto que é perfeito aquele que tem todas as virtudes e nada faz com malicia. Imaginemos o csso de alguém que fez Isto: como se tornará logo também sem Ira, se for Inclinado à Ira? Como ficará logo Isento de aflições e superior a tudo aquilo que poderia acontecer de doloroso? Como estará também totalmente Imune ao temor da dor e da morte ou de qualquer outra coisa que pode per­ turbar a alma ainda imperfeita? De que modo eatará livre de toda concupiscência quem vendeu seus bens e os deu aos pobres? Com "feito, alguém dirá que pode acontecer que uma pessoa, sofrendo algo humano por causa da pobreza devida ao fato de ter vendido todos os bens. se arrependa da ação praticada e deseje a riqueza do próximo. Se depois também aquela que é chamada volúpia, que é um Inchamento Irracional da alma, é uma paixão, como pode acontecer que alguém, logo que vendeu todos os bens e os deu aos pobres, fique imediatamente livre do desejo de Inchar-se irracio­ nalmente? Mais ainda, como sdendo s esta questão alguém poderis dizer: como pode alguém, pelo fato de ter vendido os bens e os ter distribuldo, tornar-ae também sábio e receber a sabedoria de Deus de modo que possa dar explicações a quem o Interrogar sobre a fé que está nele, sobre cada uma das verdades acreditadas e sobre o que é dito de maneira oculta nas Sagradas Escrituras? Note-se que a pergunta é dlffcil, isto é, leborlosa e de não fácil solução. Com efeito, se dizemos que alguém se torna perfeito também se não tem as virtudes que elencamos, mas pelo simples fato que deu aos pobres, calmos no absurdo de afirmar que alguém é ao mesmo tempo perfeito e pecador. {Efetlvamente, é pecador o iracundo, e 1. CI. MI 19,21.


oRtGENES

120

quem se aflige com as tristezas do mundo,' e quem teme as dores ou a morte, quem deseja o que não tem, quem sem razão se envaidece como se fossem boas certas coisas que não o são.) Ou então dizemos que no meamo momento em que alguém vendeu os seus bens e os deu aos pobres tornou-se como um receptáculo de Deus para poder receber todas as virtudes e depor toda a malícta, dizem-no corretamente segundo a fé (para falar de maneira comum), mas não sai se segundo a verdade. E talvez zombem de n6s como se tivéssemos falado sem sabedoria os que tiverem ouvido tal solu­ ção aduzida por quem progride. 17. Portanto, a alguém poderia parecer mais sábio conservar o sentido literal [ .•. I. Dirá então: se aquele que compartilha com os pobres é socor­ rido pela oração para sua salvação, recebendo em auxilio de sua pobreza espiritual a riqueza espiritual daqueles que são pobres em colsss materiais [ ... I. a a quem mais poderia acontecer isto e ser socorrido por auxilio tão grande, visto que Deus ouve as orações de tantos pobres que são auxiliados? E talvez entre eles haja alguns semelhantes aos ap6stolos ou pouco Inferiores a eles, pobres como eles -no que se refere às coisas materiais, mas ricos no que tange às espirituais? Este, portanto, que substituiu as riquezas pela pobre­ za para se tornar perfeito (obedecendo às palavras de Jesus) será ajudado abundantemente como também os ap6stolos de Cristo, para se tornar sábio em Cristo, forte, justo, prudente e Imune a toda paixão. Aquele que aceita esta interpretação da passagem dirá que não é necessário responder que Isto tenha acontecido no mesmo dia àquele que vendeu os bens e os deu aos pobres, mas que provavelmente a partir daquele dia o auxilio divino começará a conduzi-lo a tais coisas, como a louvável Imunidade das paixões e a plenltuda da virtude [. .. I.

1B. Outro, pelo contrário, não sei se porque já está na pleni­ tude . da fé e por desejo de penetrar na sabedoria, ou se pelo contrário buscou e encontrou nestas passagens alguma elevação de reflexões dignas de Deus, deixando a interpretação literal passará à moral e dirá que bens para cada um são as coisas que o seguem depois da morte, 4 de modo que entre os haveres há os haveres bons para os Justos e os haveres adversos para os maus. Por isso quem disser que o rico tem multas bens Indicará Isto como símbolo 2. CI. 2Cor 7,10. 3. Cf. 2Cor 6,14. 4. CI. Ap 14,13.

COMMENTARIUS lN MATTHAEUM XV

121

de quem possui multas coisas más, entre as quais pode estar o amor pelas riquezas. a concupiscência da glória e outras coisas terrenas que encham sua alma de riqueza reprovável. Visto, pois, que às vezea quem é rico deste modo pode abster-se de certas ações más, adultério, horntcídlo, furto, falso testemunho, e pode honrar os pais e também ser misericordioso para com o próximo e todavia não ainda perfeito, o Senhor ordena a tal homem, de maneira alegórica, que venda todos os bens maus como se os entregasse às potências que os produziram, as quais são pobres de todo bem [ ... I, Mas sei perfeltsmente que esta explicação pare­ cerá um tanto forçada [. .. ]. Como se estivesse em apuros neste ponto, direi: quem defende esta explicação pode julgar que o pecador está cheio de espíritos por analogia com seus pecados; por exemplo, se é fornicador está cheio da fornicação de que se fala nas profecias, se é irascível, está cheio do espíríto de furor, assim também se fala mal, do espírito de maledicência. Portanto, adquiriu estes bens aquele que foi mau [ ... I. E visto que ele adqulriu aqueles bens comprando-os com a sua vontade que cede ao mal, do mesmo modo poderia ven­ dê-los e dã-los àqueles pobres de que se fala na nossa passagem pelo fato de acreditar na palavra de Jesus. Com efeito, como a paz doa ap6stolos volta a elas se não houver um filho da paz que acolhe aquele: A psz esteJa convosco,' assim a fornicação e todos os outros pecados voltarão aos pobres que são a origem dos peca­ dos. Assim não haverá dóvida alguma de que se torne logo perfeito aquele que vendeu desta maneira todoa os bens concedidos e os deu aos pobres. Se os bens são concedidos por muito tempo e é neceasárlo multo tempo para que sejam entregues aos pobres de que falamos, o motivo do tempo não Impedirá que [ ... l quem faz Isto se torne perfeito. ~ claro que quem aga aaslm terá um tesouro no céu. e ele mesmo é tornado celeste. Com efeito, qual o terreno - ou seja, o maligno - taIs silo também os terrenos; e qual é o celeste - ou seja, Cristo - tais são também os celestes.' Por isso terá na Sua parte de céu um tesouro quem 'tiver querido tor­ nar-se perfeito e tiver vendido todos os bens e os tiver dado aos pobres. Mas não se deve pensar que seja possível encontrar tal homem entre os ricos de coisas temporais. Entre estes, na reali­ dade, quem é que depôs o amor às riquezas e (por assim dizer) 5. Lc 10,5-6. 6. Mt 19,21. 7. lCor 15,48.


I:

r;:'" COMMENTARIUS lN MATl'HAEUM XV

ORtGENES

122

o amor pelo mundo? Quem depôs completamente o espirita de vanglória, para acolher no seu céu O tesouro da glória de Deus e das riquezas que se encontram em toda palavra e sabedoria de Deus? Além disso, quem depôs o espirita de concupiscência, de temor, de volúpia e de ira? ~ preciso contentar-ae que quem quer lnves­ tiger as coiaas segundo a verdade diga que um tal homem (perfeito) pode encontrar-se entre os apóstolos e entre os que lhes são serne­ Ihantea. Aquele que vendeu tudo e tem. um tesouro no céu (como expusemos) pode também depois seguir Jesus; com efeito, tal homem não será dlstrafdo por nenhuma posse má que o possa Impedir de seguir Jesua. (Commentar/us in Matthaeum XV)

Deixades es redes, Imedielemente o seguirem 19. Depois disso está escrito que o lovem, ouvindo aquelas palavras, foi embora triste; pais tinha multas bens.' Considera (se­ gundo uma Interpretação anagóglca) como está profundamente enral­ zada em nosso ânimo a convlção de que as riquezas e a glória terrena são a190 bom [ ... I. Mas aqui não se fala nem de um homem idoso, nem de um homem que tenha abolido as coisas pueris, 9 mas de um lavem, que ouvida a palavra, foi embora triste. Pois era assim que ele se sentia e é por Isso que, abandonando Jesus, foi embora (de fato, a expressão foi embora é usada como uma censura). E foi embora triste, certamente com a trlatezado mundo que produz a morte. 'o Porque tinha multas bens que amava, e amando se Irava e entristecia - por Isao foi embora triste - e amando todas as colaas que, derlvendo da maldade, haviam Invadido o seu ãnlmo [ ... 1. Verlflca-se que este Jovem é, em perte, digno de louvor e, em parte, digno de censura; pois à medida que não cometeu adultério, não matou, não roubou, nem prestou falso testemunho, mas, sendo ainda Jovem, também honrou o pai e a mãe e foi tomado de tristeza por causa das palavraa de Jesus que propunham e' prometiam a perfeição se tivesse vendido os bens, havia algo de bom nele. Mas à medida que se afastou de Jeaus triste por causa das riquezas, ao passo que deveria se ter alegrado que em troca daquelas lhe seria dado um tesouro no céu, e caminhar aegulndo Jesus nas pegadas do Filho de Deus, era merecedor de censura. B. Mt 19,22. 9. lCor 13,11. 10. 2Cor 7,10.

r-

1llS

20. Quando aquele foi embora, Jesus disse aos seus dlsc/pulos: Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no reino dos céus. 11 ~ preciso observar como é sutil o discurso do Salvador aqui referido; com efeito, não disse que um rico não entrará n~ reino dos céus, pois se tivesse dito assim, teria excluido completa­ mente o rico do reino dos céus. Mas diz que um rico dificilmente entrará, ensinando que a consecução da salvação é diflcil para o rico, mas não impossível. E a coisa parece derivar do próprio con­ texto onde aparece que os ricos dificilmente podem opor-se às paixões e aos pecados de modo a não serem capturados por eles. Se o rico for entendido em sentido moral, eu perguntaria como, ainda que dificilmente, entrará no reino dos céus. Que o rico enten­ dldo de ambas as maneiras não posaa entrar senão com dificuldade na salvação. moatra-o a parábola: ~ mais fácil que um camelo passe pelo buraco de ume agulhe, do que um rico entrar no reino dos céus. 12 Nesta psrábols o rico é comparado s um camelo, não, apenas pela Impureza deste animal, como o ensina s lei,'8 mas também por toda a tortuosidade de seu corpo; o reino dos céus é campa­ rado a um buraco de agulha para demonstrar como é estreito e muito atribulado o Ingresso no reino dos céus para os ricos. Mostra além disso que por si só é impossível que o "camelo entre por um buraco de agulha:', ao passo que é possível para Deus. Assim também é Impossivel que o rico, no que depende dele, entre no reino de Deus, .ao passo que para Deus, a quem são passIveis todas as coisss, por seu poder Inefável é passIvei também Isto,' ou diminuindo a espessura do msl ou tornando s estreiteza do ingresso apta a fazê-lo passar. O motivo pelo qual se serviu do exemplo do buraco da agulha e do camelo pars mostrar como é dlficll que o rico entre no reino dos céus mas não Imposslvel, fica claro por aquilo que respondeu aos discípulos (que havrarnperqun­ todo: Quem então pode se sa/var?):" Isto é Impassivel aos homens, mas a Deus tudo é passivei. ,. Por Isso é passivei que o camelo passe pelo buraco da agulha. não para os homens e sim para Deus; assim também que o rico entre no reino de Deus. Os melas com que Deus torna passiveis tais coisas, compete a ele conhecê-los,

11. 12. 13. 14. 15.

MI 19,23. MI 19,24. CI. Lv 11,4. MI 19,25. Mt 19,26.


,--

124

ORtGENES

como também a seu Criato e aquele a quem Cristo quis revelá­ 'los [. ... l.'6 21. Depois é preciso ver a interpretação relativa às palavras: Então Pedro, tomando a palavra, lhe falou: "Eis que abandonamos tudo e te seguimos. Qual será, então, a nossa recompensa?" 17 Al­ guns interpretarão estas expressões segundo a letra, ao passo que outros, considerando a letra como não suficientemente sublime, re­ correrão ao comentário moral. Aquele que se atlver ao aentido literal dirá assim: com efeito, como em relação ao dom, Deus - acaitando não a coisa doada, mas o impulso afetivo de quem dá - justifica e se agrada mais de quem dá menos, mas com mais perfeito amor, do que de quem dá mais, quanto à quantidade, mas com menor afeto (como aparece daquilo que está escrito na grande oferenda dos ricos e das duas pequenas moadas que a viúva lançou no tesouroI," asaim também entre aqueles que por amor de Deus deixaram o que. possuíam para seguir inseparavelmente o Cristo de Deus fazendo tudo segundo a sua palavra, certamente não é mais agradável aquele que deixou mais do que aquele que deixou menos, sobretudo se por acaso deixou menos coisas com toda a alma do que aquele que aparentemente desprezou mais coisas.

e

Portanto é verdade que Pedro, juntamente com seu irmão André, deixou coisas pequenas e de nenhum valor quando ambos, tendo ouvido: Segui-me e farei de vós pescadores de homens . . . Imediata­ mente o seguiram largando as redes; ,. todavia não considerou aquelas coisas como pequenas, pois compreendeu que eles haviam feito isto com um afeto tal que, mesmo que tivessem tido muitos bens e maiores substâncias, o impulso do deaejo de seguir Jesus não teria sido por eles nem dlmlnuído nem impedido. E confiando - creio - no seu afeto mais do que na matéria das coisas deixadas, Pedro dlase com franqueza a Jesus: Eis que deixamos tudo e te seguimos; qual será a nossa recompensa? [ ... l Por isso algo de grande é mostrado a propósito de Pedro e de seu Irmão, porque logo que ouviram: Segui-me e vos farai pesca­ dores de homens, sem nenhuma demora logo, deixadas as redes, seguiram, 26 não imitando aquele que disse: Vou te seguir, Senhor,

°

18. CI. Mt 11,27. 17. Mt 19,27. 18. CI. Me 12,41-44. 19. Mt 4,19-20. 20. MI 4,19 se.

COMMENTARlUS lN MATTHAEUM XV

125

mas deixa que eu vá primeiro me despedir da famtlta; 21 nem se comportaram como aquele que disse: Permita-me que eu vá emee se­ pultar meu pai [ ... I. 22 Ao mesmo tempo é preciso observar qua Pedro falou depois de ter consldarado aquilo que Jesus havia dito: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem a segue-me; 2. a depois de ter visto que o jovem que havia escutado isto fora embora com tristeza porque tinha preferido os muitos bens sobre a terra a ser petielto em Deus: depois de ter considerado também como ara di­ flcl/ para o rico entrar no reino dos céus," Como se também ela tivesse feito uma coisa não fácil quando deixou tudo e seguiu o Salvador, disse as coisas de que agora tratamos. Por isso a Pedro, que falava com franqueza, o Salvador responde com a grande pro­ messa que segue, ou sela, que Pedro seria um dos juizes de Israel. 2 ' (Commentarlus ln Matthaeum XV)

Recebereis multo mais 22. Mas aquele que despraza o sentido literal corno não Idóneo para persuadir um ouvinte de mais eminente engenho [' .. l dirá que este discurso: Eis que deixamos tudo e te seguimos 2. depois de ter deixado as pequenas redes, a pobre casa, a vida cheia de dores na pobreza, não é um discurso muito elevadó nem corres­ ponde à dignidade de um discípulo como Pedro [ ... I, Mas talvez as coisas expostas anteriormente para a explicação da passagem: Vai, vende o que tens etc., sejam úteis e verdadeiras para a pre­ sente questão. Com efeito, Pedro deixou todas as coisas nas quais era pecador e por causa das quais havia dito: Afasta-te de mim, Senhor, porque sou homem pecador; 27 por Isso constituía um grande louvor, para aquele que confiava não mais pecar, dizer: Deixamos tudo, e não deixamos apenas as coisas piores, mas te seguimos. Aquele te seguimos pode equivaler a: visto que o Pai nos revelou totalmente, como a Pedro, quem és tu, e qua és justiça, nós te se" guimos enquanto és justiça, assim também enquanto és santificação 21. 22. 23. 24. 25, 28. 27.

Lc 9,81.

MI 8,21. MI 19,21. MI 19,23.

CI. Mt 19,28.

MI 19,27. Lc 5,8.


COMMENT ARIUS lN MATTHAEUM XV

ORtGENES

126

Izr

e enquanto sabedoria, paz, verdade, caminho que leva a Deus e

las consangüíneas apenas ao corpo. e pais dos corpos. e

verdadeira vida. o. Por ISSO, como um atleta vencedor, depois da luta. procura saber do organizador dos jogos quais são os prêmios pela disputa, se por acaso ainda não souber, assim [Pedro), com

da carne e campos, aqueles postos na terra maldita, 34 e as casas

filhos

construídas nela, e deixou isto não por outro motivo, mas por causa do nOme de Jesus, receberá muito mais. Muito ma/ores com efeito

e (se convém dlzê-io assim) infinitamente malares são as coIsas espirituais em comparação com as carnais, e além do fato de rece­

a audácia que confia nas belas ações realizadas, S6 informa com o

Salvador, dizendo: Oual será a nossa recompensa? E se também nós quisermos receber a resposta dada a Pedro por ocasião da pergunta dele, deixemos tudo do mesmo modo, não aderindo mais à maldade e às suas obras. e sigamos a palavra de Deus. para que também a nós e a todos os que o seguem diga o que segue: Jesus lhes disse: "Em verdade vos digo que vós que me seguiste" etc. '" Estas palavras têm tanto um significado mais simples que exorta a deixar os bens, como outro significado mais profundo em com­ paração com o primeiro. Por Isso aquele que quer interpretar esta passagem do Evangelho segundo a letra dirá assim: (nem) a todos o discurso mandou seguir Jesus, mas chamou (para segui-Ia) aqueles que então eram apóstolos e aqueles que como eles o haviam seguido constantemente; mas os põsteros foram indicados com estas pala­ vras: E rodo aquele que tiver delxedo Irmiios ou Irmãs etc. 80 Mas alguém reJeitará como forçada esta explicação do vocábulo seguir, dizendo que o seguIr é dito com raferêncla a todos naquela passa­ gem: Ouem não toma a sua cruz e não me segue não é digno de ser meu dIBclpulo.· ' Portanto, os que seguiram O Salvador sentarão sobre doze tronos para fulgar as doze trIbos de Israel [ ... I. s,

ber coisas muito maiores, a pessoa as obterá como herança estando

não numa vida temporal. mas numa vida eterna. Na verdade, é fácil demonstrar a existência de irmêcs e Irmãs muito mais nume­

rasos do que aqueles que alguém deixou pela palavra de Deus; efetivamente, também neste mundo são em número multo maior

os Irmãos segundo a lé do que aqueles que pela Incredulidade loram deixados por aqueles que abraçaram a fé. Assim também como pais, em lugar daqueles dois que deixou. a pessoa recebe todos os bispos irrepreensíveis e os presbíteros sem culpa. Da mesma forma também recebe como filhos todos aqueles que têm Idade de filhos. Como pelo contrário se receberão como herança multo mais campos ou casas do que aqueles que foram deixados, não é mais passivei Interpretá-lo de maneira semelhante [ ... I: de outro lado, uma vez interpretados de maneira alegórica 05 campos e as casas, a pessoa será obrigada a Interpretar de maneira conseqüente também as afirmações anteriores [. .. ]. Portanto são irmiJos (creio), no meio das potências eantae e bem-eventuradas. aqueles que chegaram "ao homem perfeito" entre os que obtiveram a "medida da estatura de Cristo" ee e Irmãs todos aqueles que, procedendo não apenas de homens (creio), mas tam-' bém das remanescentes potênctas, foram apresentados a Cristo como

25. Por Isso se alguém deixou tudo e seguiu Jesus. receberá o que foi respondido li pergunta de Pedro; mas se alguém não deixou tudo e sim exclusivamente as coisas elencadas depois, este rece­ berá multo mais e terá como herança 8 vida eterna." Ouals sejam as coisas que não são tudo, mas que são recordadas de maneira especifica, II preciso aprendê-lo da frase: E todo aquele que tiver deixado irmiJos ou irmãs etc. Ora, levando em conta o contexto é claro que muitos daqueles que creram em nossa Salvador foram odiados pelos parentes e preferiram abandonar estes e todos os haveres para ter como herança a vIda eterna, acreditando que todo aquele que deIxou irmãos, aqueles seguindo a carne, e irmãs. aque­ 28. 29. 30. 31.

08

virgem casta;

30

pais excelentes poderiam ser como aqueles de

quem se disse a Abraão: Irás aos teus pais em paz, sepultado numa·

boa velhice.

87

Se também eles se tornarem uma vez pais de outros

(de modo análogo àqueles pais), receberão também multo. mais filhos como Abraão. E considere os campos e as casas, em numero muito maior do que aqueles deixados, na paz do divino paraíso e na cidade de Deus. da qual são ditas coisas glor;osas, os em cujas fortalezas Deus é conhecido quando se apoderará dela, ao de modo

34. Ct. Gn 3,17. 35. EI 4,13.

CI. lCor 1,30. MI 19,28. MI 19,29.

36. CI. 2Cor 11,2.

37. Gn 15,15. 38. SI 88,3. 39. SI 47,4.

Mt 10,38. 32. Mt 19,28. 33. MI 19,29.

+


OR1GENES

128

que se possa dizer aos Que obterão como herança as casas postas lá: Como ouvimos, assim vimos na cidade do Senhor das potências, na cidade de nosso Deus; 40 desta diz-se: Reparti-vos as suas torte­ lezss.»: Portanto, é coisa feliz herdar a vida eterna nestas condt­ çães, tendo como herança tantos campos e tantas árvores cultiva­ das por Deus e casas de pedras vivas, 42 nas quais repousará todo aquele que tiver deixado Irmãos ou Irmãs e as outras coisas.

CIPRIANO

(Commentarius in Matthaeum XV]

Se queres ser perfello t 1. Irmãos, não devemos ocultar a verdade, nem calar a natu­ reza e 8 causa de nossos males. Muitos ficaram cegos por causa de um amor desordenado aos seus bens, nem estiveram prontos e foram capazes de deixar tudo, amarrados como estavam. às suas riquezas. Estes foram os laços Que os aprisionaram, estas ascadelas Que ·enfraqueceram a virtude, sufocaram a fé, subjugaram o Intelacto, fecharam a alma, tanto que se tornaram tão apegados às coisas terrenas, presa e alimanto da serpente que pela condenação divina se alimenta de terra; por isso o Sonhor, mestra dos bons, nos lembra o nosso futuro admoestando-nos: Se queres ser per/elto, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue~me. 1 Se os ricos se comportassem assim. não se perderiam por causa das riquezas; guardando um tesouro no céu, não teriam nesta vida um Inimigo Que os domina em sua casa; se o Seu tesouro fosse no céu estariam no céu também o coração, o esplrito, as suas aspirações e não poderia ser vencido pelo mundo Quem não tIvesse no mundo nada pelo Qual pudesse ser dominado. Teriam seguido o Senhor livres e sem pelas, como o seguem os apóstolos, e muitos no tempo dos apóstolos, e muitos outros em outros tempos, os quais, tendo abandonado propriedade e familia, se unlram a CrIsto com vtnculos Indlssolúvels.

40_ SI 47,9. 41. SI 47,14. 42. cr. 1Pd 2,15.

II?

I .

I

12. Pelo contrário, como pode seguir a Cristo Quem astá ligado com os laços dos próprios bens? Como pode aspirar ao céu, como subir a alturas sublimes quem está oprimido pelo peso da cobiça pelas coisas da terra? Esses julgam possuir quando na verdade são possuídos; escravos das próprias riquezas, não donos do dinheiro, mas vendidos a ele. O Apóstolo descreve claramente esta situação,

I

I 1. Mt 19,21.

I

I


CIPRIANO

130

DE OPERE ET ELEEMOSYNIS

este tipo de homens, quando diz: Quem quer ficar rico cal na arme­

Senhor o liberta. 7 Tendo presentes estas admoestações Daniel quando o rei Nabucodonosor se espantou por causa de um sonh~ terrfvel, otereceu uma solução para afastar a desgraça com a ajuda do Senhor que ele devia Invocar e disse: Portanto, 6 rei, 8celta o meu conselho! Resgata teus pecados com esmo/as e tuas InlqOI. dades com obras de mlserlc6rdla para com os inlelizes. se quiseres longa prosperldade. 8 Não tendo seguido e,ste conselho. o rei foi vitima das calamidades que havia visto em sonho e que poderia ter evitado ae tivesse resgatado os seus pecados com as esmolas. O mesmo testemunha o anjo Rafael. que exorta B que nos voltemos de boa vontade e generosamente 11 esmola: 808 coIsa é a oração com o ietum e a esmola; porque a esmola salva da morte e purifica de todo pecado, 9 Isto nos mostra que as nossas orações e os nossos Jejuns nllo têm valor se não forem acompanhados da esmola, qus as súplicas, por sI sós, pouco valem se não forem alimentadas e reforçadas com açôes e obras boas. O anjo revela, manifesta,

dllha, na tentação. numa multidão de deselos loucos e perigosOS. que precipitam os homens na perdição e na desgraça. Porque a ga­ nbncla pelo dinheiro é a raiz de todos os males. Apegados a ela, multoa se desviaram para longe da fé e se torturaram com muitos sofrimentos.

2

Com que recompensa o Senhor n05 solicita ao desprezo pelos bens? Com que prêmios compensa esta insignificante e pequena perda das riquezas terrenas? Não há ninguém que tenha deixado casa ou campos ou pais ou Irmãos ou mulher ou filhos pelo reino

de Deus que não receba cem vezes mais nesta vida e no futuro e vida eterna." Em vista de tala coisas e reconhecendo a verdade das promessas dlvlnae, não só não há o que temer, mas deve-se até desejar uma perda de tal gênero, visto que o próprio Deus repete a recomendação, dizendo: Felizes sereis quando os homens vos odia­ rem, quando vos condenarem II expulsão, vos Insult"rem e vos de· clsrerem Infames por causa do Filho do homem. Alegral·vos multo nesse dIa

e exultai, porque a vossa recompensa

declara e assegura que as nossas orações se tornam eficazes, que a nossa vida se selva dos males, que a nossa alma se liberta da morte, através das esmolas [ ... I.

sBrá grande no

céu. • (De teosls)

7. O mesmo Senhor, gula de nossa vida e mestre de salvação eterna, que vivifica o povo dos crentes e que culda para sempre daqueles aos quais deu e vida, entre as suas recomendações divinas e os seus preceitos celestes nada recomenda e prescreve com malar Insistência no aeu evangelho do que o compromisso em dar esmola. em não se preocupar com os bens da terra, mas em vez disto guardar tesouros no céu. Vendei o que tendes e del-o como esmo/a; 19 e em outra passagem: Niío lunteis para v6s tesouros na terra, onde 8 traça e a ferrugem os consomem, e onde OS ladrões

Encerra a e8mola no coração do pobre 5. As prescrições para remar-nos Deus propicio foram dadas em suas próprias paíavras: o seu ensinamento mostrou o que devem fazer os pecadores: causar satisfação a Deua com boas obras. purt­ ficar-se dos pecados com 8ÇÓes meritórias de misericórdia. Assim lemos em Salomão; Encerra a esmola no coração do pobre. e esta te impetrará a Iibertaçiio de todo met.» E em outro lugar: Quem fecha o ouvido ao grito. do pobre invocará por sua vez a Deus e não obterá resposte.» Com efeito. não poderá impetrar a mlserr­ córdla de Deus aquele que não tiver sido misericordioso. nem com as orações obterá nada da sua piedade ,quam não tiver tido piedade da súplica do pobre. ~ o que afirma o Espirita Santo nos Salmos: Feliz do homem que se preocupa com o fraco e o pobre. no dia da desvemur» o

penetram para roubar.

Querendo ensinar, depois de observada a lei. em que consiste a máxima perfeição, disse: Se queres ser perlelto, vai, vende o que tens. âé-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois. vem e

2. 1Tm 6,9'10.

3. Me tO,29.

4. Lc 6,22. 5. Ecl 29,t2. 6, Pr 21,13.

Mas acumulaI para vós tesouros no céu,

onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não penetram para roubar. Porque. onde estiver o teu tesouro, ali estárá também o teu coração. 11

I

L

7. SI 40,2. 8. Dn 4.24. 9. Tb 12,8. 10. Le 12.33. 11. MI 6,t9-21.


r.TP'Q·IANO

132

o

segue-me." Assim, em outro lugar, diz que quem quer comprar a graça celeste e procura alcançar a salvação eterna, depois de ter vendido todos os seus bens deve adquirir, com o preço dos seus haveres, a pérola preciosa, ou seja, a vida eterna, que custou o sangue de Cristo: O reino dos céus é semelhante a um mercador que vai em busca de pedras preciosas: encontrada uma pedra de grande valor, vai, vende todos os. seus bens e a compra. 13

8. Por fim, o Senhor chama filhos de Abraão os que se dedicam a ajudar e a sustentar os pobres. Com efeito, dado que Zaqueu tinha dito: Eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se fraudei alguém restituo o quádruplo, Jesus respondeu: Hole a salva­ ção entrou nesta casa, porque também ele é filho de Abraão. 14 . Com efeito, se Abraão acreditou e isso lhe foi creditado para sua lustifl­ cação, lO certamente aquele que segundo o preceito de Deus dá es­ moia crê em Deus: possuindo a verdade da fé, temeya Deus, e quem conserva o temor de D!lus pensa nele quando socorre os pobres. Na realidade. este realiza tais obras porque acredita em Deus: ele sabe que é verdade o que anunciam as palavras de Deus, e que a Escritura não pode mentir quando diz que as árvores esté­ reis, ou seja, os homens sem fruto serão cortados e lançados no fogo, e que os misericordiosos serão chamados ao reino dos céus. tu Em outra passagem, o Senhor diz que são felizes os que realizam boas obras, e afasta os infrutuosos e desprovidos de obras, dizendo: Se não fostes dignos de confiança quanto às riquezas alheias, quem vos confiará a que vos é pr6prls? Se não fostes fiéis no alheio, quem vos confiará o que vos pertence?" 9. Talvez tenhas medo de que, dando esmolas em demasia, acabes com teus bens e, por causa de contlnuas doações, sejas reduzido à pobreza; quanto a Isto, posso garantir que não deves ter receio. Não pode acabar aquilo que é usado para Cristo nem o que é empregado em obras do céu. A garantia que te dou destas coisas não vem de uma simples convicção minha; mas as prometo fundando-me na fé na Sagrada Escritura e na autoridade das pro­ messas divinas. O EspIrita Santo fala com a voz de Salomão, e diz: 12. 13. 14. 15. 16. 17.

ílftl:rh:

MI MI Lo Gn CI. Lo

19,21. 13,45. 19,6-9. 15,6; Rm 4,3. MI 25,34-41. 16,11-12.

DE OPERE ET ELEEMOSYNIS

133

Para quem dá ao pobre não há Indlgencia, mas quem fecha os olhos terá grandes maldições, 18 mostrando que os misericordiosos e os que praticam o bem não podem cair na pobreza; pelo contrário precisamente quem quer poupar nas oferendas em aegulda poderá encontrar-se na miséria. Da mesma forms o Apóstolo afirma, Inspi­ rado por Deus: Aquele que dá a semente ao semeador, e o pão para o seu sustento, também fará com que vossa semente se multi­ plique e cresçam os frutos de vossa lustiça. Porque a rea/lzação desta coleta não atende s6 às necessidades dos santos, mas trans­ borda em múltiplas ações de graças a Deus. 18 Ouando as orações dos pobres fazem subir a Deus louvor e gratidão pelaa nossas ações misericordiosas, Deus aumenta com sua recompensa as riquezas de quem deu esmolas. O Senhor, no evangelho. levando em conal­ deração desde então os pensamentos de tais homens e denunciando nas suaa admoestações os maus é os pérfidos, assim nos exorta: Portanto, não vos preocupeis, dizendo: Que havemos de comer? Que havemos de beber? Com· que havemos de nos vestir? São os pagãos que se preocupam com todas estas coisas. Ora, vossa Pai celeste bem sabe que precisais de tudo isto. Portanto, acima de tudo tende todo o Interesse pelo Reino e pela lustiça de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas a mals.L .. 1. 2 0 10. Temes que o teu patrimônio possa se acabar se te dedicas a distribuir com prodigalidade aos pobres e não sabes, miserável, que enquanto te preocupas com os teus bens, tua saúde e tua pró­ pria vIda podem acabar. E que enquanto te preocupas em que não diminua nem uma pequena parte das tuas riquezas, não te dás conta de que tu mesmo consomes a tua vida amando mais o dinheiro do que tua alma; enquanto temes perder os bens, perdes a ti mesmo. Justamente por Isso o Apóstolo exclama: Nada trouxemos s este mundo e dele nada levaremos [. .. I. O apego ao dinheiro é a raiz de todos os males. 21 11. Temes que o teu patrimônio possa acabar se te põe a dis­ tribuir generosamente aos pobres? Ouando foi que ao justo faltou o necessário para viver? Está escrito: O Senhor não afligirá com a fome o justo." Elias, no deserto, era alimentado pelos corvos.

16. 19. 20. 21. 22.

Pr 26,27. 2Cor 9,10-12. MI 6,31-33. Cf. rrm 6,7-10. Pr 10,3.


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CIPRIANO

134

e para Daniel, posto por ordem do rei num fosso para servir de alimento aos leões, foi preparado um alimento por Intervenção divi­ na: e tu temes que te falte o sustento se deres esmolas, e se procurares méritos Junto de Deus? O próprio Senhor. no Evangelho. reprova aquele que tem uma fé Incerta e vacilante. dizendo: Olhai as aves que voam no céu: não semeiam O grão, nem colhem, nem acumulam a colheita n08celelros; pois o vosso Pai ce/este lhes dá de comer. Acaso nIlo vaieis multo mais do que e/as1~· Deus alimenta as aves e garente a raçlio diária para os pássaros, não deixa faltar nem alimento nem água a eles que não possuem cone­ ciência alguma de sua divindade, e Julgas que deixará faltar algo a ti que és cristão, a li servidor de Deus, que te dedicaste às boas obras, que és amado por ele? [ ... I. 13. Por que compartilhas estes frívolos e loucos pensamentos, como se o temor e a preocupaçlio com o futuro te impedissem de dar esmola? Por que buscas fúteis pretextos para. uma Inútil justi­ ficativa? Confessa antes a verdade e, visto que não podes enganar quem o sabe. menlfesta teus ocultos e secretos pensamentos. As trevas da cobiça ocuparam teu espirita. e afastou-se de ti a luz da verdade, a profunda escuridão da avareza cegou teu coração ape­ gado aos bens materiais. ~s prisioneiro e servo de teu dinheiro. envolvido nos ISÇ08 e nas correntes da avareza, e tu que havias sido libertado por Cristo, novamente és escravo. Guardas as rique­ zas que, precisamente porque as guardaste. não poderão te guardar; acumulas um patrimllnlo que te oprime com seu peso e não te lembras do que Deus respondeu ao rico que ostentava com loucs lactllncla a abundância de 8lIe colheita. Louco, disse, nesta mesma noite ser·te-á pedida 8 vlde. De quem aer8 o que preparaste?" Por que te ocupas somente com tuss riquezas. por que aumentas o peso de tua rulna, de modo que, quanto mais rico fores pera o mundo, mais pobre te tornarás para Deus? Divide com teu Deus tuas rendas, partilha com Cristo teus frutos. torna-o partlclpante de teus bens terrenos, para que também ele te torne seu co-herdelro dos reinos celestea. 14. Erras e te enganas a li mesmo. quem quer que sejas, se te lulgas rico no mundo. Escuta a VOZ do teu Senhor no Apocalipse. quando repreende com justas censuras quem se comporta de seme­ lhante maneIra: "Sou rico. enriqueci-me e nlio preciso de nada", e 23. MI 6.26.

24. Lc 12,20.

DE OPERE ET ELEEMOSYNIS

-135

não sabes que és um Infeliz, miserável. pobre, cego e nu. Eu te aconselho a comprares de mim ouro provado no fogo, para ficares riCO; roupas brancas para te vestires, a fim de que não apareça a vergonha da tua nudez; e um colirfo para pingsr nos olhos, de modo que possas enxergar. 25 Portanto, tu que és rico e abastado compra de Cristo. com vantagem para ti, ouro provado com fogo para que. se te purificares com esmolas e boas obras, possas tornar-te ouro

puro, depois de ter purificado no fogo a tua abjeção. Compartilha o hábito branco para vestir-te com a veste cândida de Cristo. tu que como Adtio foste antes nu e cheio de vergonha. E tu. senhora rica e poderosa. unge os teus olhos, não com o cosmético do diabo. mas com o coítrto de cnstc, para poder conseguir ver a Deus, se o tiveres merecido, com a tua conduta e com as tuas boas obras.

15. Pelo contrário. permanecendo como estás. não podes rea­ lizar boas obras na Igreja; os teus olhos, cheios de escuridão, co­ bertos com as trevas da noite, nllo vêem o infeliz nem o pobre. Poderosa e rica como és. julgas celebrar o dia do Senhor. tu que nem sequer te dignas olhar para o prato das oferendas para o templo, que vens à igreja sem oferecer nada. que tomas para ti parte da oferenda que o pobre apresentou? Consídera a viúva do. evangelho que. lembrada dos preceitos divinos, dá esmola ainda que em melo a dificuldades e à angústia da pobreza, e deposita no tesouro do templo as únicas duas moedl­ nhas que lhe restavam. Tendo-a observado e avaliado a sua oferenda, . não pelo valor em si, mas pela Intenção, não quanto era dado. mas quanto possuía. o Senhor afirmou: Eu vos asseguro: esta pobre viúva dau mais do que todos os outros. Pois todos aqueles deram do que lhes sobrava, ma8 esta deu. da sua Indigência, tudo o que lhe ficava para viver.'. Mil vezes feliz eeta mulher, e digna de glórIa, que ainda antes do dia do julgamento mereceu ser louvada pelas palavras do Juiz! Envergonhem-se os ricos por sue avareza e mesquinhez. A viúva certamente é pobre. mas não na esmola que faz; pois tudo o que é dado como esmola é entregue às viúvas e aos órfãos, e ela pelo contrário dá aquilo que deveria recebar. Por este episódio Imaginamos o castigo que espera o rico avaro, a partir do momento em que. segundo esta passagem, também os pobres devem fazer boas obras. Para que compreendamos que esta esmola é dada a Deus e Deus recompensa todo aquele que a dá.

25. Ap 3,17-19. 26. Lc 21,34.


136

DE OPERE ET ELEEMOSYNIS

CIPRIANO

Cristo chama as obras de misericórdia donativos feitos a Deus. e faz compreender que à viúva deu de presente a Deus as duas moedas: para que seja sempre mais claro que quem mostra mise­ ricórdia com os pobres empresta a Deus. 16. O cristão, irmãos carlssimos, não pode eximir-se das justas obras de misericórdia aduzlndo como pretexto o fato de ter de pensar nos filhos, visto que para as obras do espirita sabemos que é Cristo que recebe, por sua própria afirmação; não é que prefiramos os nossos colrmãos aos nossos filhos, pois é a Deus que preferimos, como ele mesmo nos ensina e nos Indica: Quem ama o pai Ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.·7 Igualmente no Deuteronômlo, para sustentar a nossa fé e o amor para com Deus, encontramos escrito: Aqueles que disseram ao pai e à mãe: Não sei quem sois, e não conheceram os próprios filhos: estes guardam as tuas palavras, observam o teu pacto. 28 Porque se amamos a Deus de todo o coração, não devemos preferir-lhe nem pais nem filhos. Também João na sua carta expõe o mesmo con­ ceita, dizendo que não ama a Deus aquele que não quer socorrer os pobres: Se alguém tem riquezas deste mundo e, vendo seu irmão passar necessidade. lhe fecha o próprio coração. como permanece nele o smor de Deus?" Se é Deus quem recebe como empréstimo as esmolas dadas aos pobres e tudo o que se dá aos mais pequenos se dá a Cristo, não há motivo para preferir o terrestre ao celeste.• o humano ao divino.

17. Recordemos também a viúva do terceiro livro dos Reis: nos dias da seca e da fome, tendo consumido todos os seus recur­ sos, com a pouca farinha e o óleo que lhe restava, preparou um pão para cozê-lo sob a cinza, para comer e depois morrer junta­ mente com os filhos; chegou Ellss, e pediu que desse de comer primeiro a ele, e depols ela e os filhos comeriam do que tivesse sobrado; aquela mãe não hesitou um instante em obedecer-lhe, nem pensou, mesmo na fome e na necessidade extrema. em antepor os filhos a Elias; pelo contrário, fez logo o que era do agrado de Deus; ofereceu prontamente e de boa vontade o que lhe era pedido; não deu apenas uma parte das suas riquezas. mas deu tudo o que lhe sobrava. alimentou um estranho antes dos próprios filhos farnlr» 27. MI 10,37.

28_ DI 33,9.

29. 1Jo 3,17.

c

13'1

tos, estando na malar pobreza e na fome pensou antes na miseri­ córdia do que no alimento, e com a Sua caridade salvlflca, despre­ zando a vida temporal, assegurou para a alma a vida espiritual. Por isso Elias, que era figura de Cristo, mostrando como o Senhor a teria recompensado pela sua piedade, disse: Assim diz Javé, Deus de Israel: "A vasilha de farinha não se esvaziará, nem acabará o azeite que está na jarra até o dia em que Javé enviar a chuva sobre a face da' terra" . [ ... ] 8. Aquela mulher ainda não conhecia Cristo, não havis escutado os seus preceitos, nem, redimida por sus cruz e pela paixão, dava o alimento é a água em troca do sangue de Cristo; disto tudo devemos meditar sobre o pecado que comete o cristão que, na Igreja, antepondo a si mesmo e os próprios filhos a Cristo, guarda para si as suas riquezas e não divide o abundante patrlmõnio com os pobres ie os deserdados [. .. ].

25. Consideremos agora, caríssimos irmãos, como se compor­ tou o povo dos crentes no tempo dos apóstolos, naquele tempo iniciai em que os ãnimos floresciam com grandes vlrtudea, quando a fé dos cristãos ainda fervia pelo novo calor da fé. Vendiam casas e bens e ofereciam aos apóstolos o dinheiro arrecadado, de boa vontade e generosamente, para dá-lo aos pobres; vendiam e aliena­ vam o patrimõnio desta terra, transportando as suas propriedades para onde podiam produzir frutos de vida eterna, preparando lá uma moradia que iriam hsbitar para sempre. Naquele tempo, o grande número das boas obras se harmoni­ zava com o consenso na caridade, como lemos nos Atas dos Após­ tolos: A multidão dos crentes como que tinha um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que era propriedade sua nem um .,ó de seus bens; pelo contrário, tudo lhes era comum." Isto significa tornar-se verdadeiramente filho de Deus, por nascimento espiritual, isto é, Imitar segundo a lei divina a justiça de Deus Pai. Com efeito, tudo o que é de Deus é comum a todos para nosso uso e ninguém está excluldo dos seus dons e dos seus beneffcios, para que todos os homens possam fruir de maneira Igual da bondade e generosi· dade de Deus. Assim o dia Ilumina. o sol brilha, a chuva Irriga, o vento sopra de modo igual para todos, e igual para todos é o sono, comum é o esplendor das estrelas e da lua. Seguindo estes exemplos de

30. cr, 1Rs 17,12-16 31. AI 4,32.

(~

3Rs).


DE DOMINICA ORATIONE

,CIPRIANO

138

zoa deste mundo, e se gloriava na abundância de

139

suas colheitas

Igualdade, aquele que, possuindo sobre a terra rendas e ganllos, dlvlde-os com fraterno amor, se torna Imitador de Deus PaI.

dizendo-lhe: Insensato, ainda nesta noite se pedirá tua alma. E o

(De opere et ereémosynrs)

que emontoeste de quem será? ae Insensatamente se alegrava por causa das colheitas, enquanto naquela mesma noite devia morrer; pen­

sava na abundância quando a vida se lhe eacapava. O Senhor, palo contrário, ensina que se torna completamente perfeito aquele que, depois de vender tudo o que posaui e dá·lo aoa pobres, prepara para si um tesouro no céu. Afirma que aó pode seguir o Seu cami­ nho e Imitar • sua gloriosa paixão aquele que, pronto e livre, não está preso nos laços do seu patrlmõnlo, mas livre e sem pelas, siga ele mesmo as suas riquezas que já enviou como oferenda a

Aquele dentre v6s que nilo renuncia a todos os bens 18. [, .. 1 Se não comerdes da carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, nlío tereIs a vIda." Por Isso pedimos que todo o dia nos seja dado nosso pão, Isto é, Cristo, para que, perma­ necendo em Cristo e vivendo nele. não nos afastemos de sua santi­

ficação e de seu corpo.

Deus. 3 '1 Para Que cada um de nós possa preparar-se para isto, deve

aprender a rezar a conhecer, pelo conteúdo da oração, como com­

19. [O pedido: Dai-nos hoje o nosso plío cotidiano] pode ser entendido também assim: visto que peia fé na graça espiritual renen­

portar-se.

clamos

21. Nem pode faltar o pão diário ao justo, como está escrito: O Senhor nêo afligirá o justo com a fome,'. e ainda: Fui criança e agora sou velho, nunca vi o justo abandonado, nem os eeue filhos mendigar o pão.•' Assim o Senhor promete: Náo vos preocupeis, dizendo: "Oue havemos de comer? Oue havemos de beber? Com que havemos de nos vestir? São os pagáos que se preocupam com

mundo, desprezamos 8S SU&S riquezas e as suas honras, pedimos psrs nós apenas o sllmento, segundo a Instrução que nos dá o Senhor: Quem d~ v6s não renunciar 8 todos os seus bens não BD

pode ser meu dlsc/pu/o. 88 Aquele que decide ser discípulo de Cristo renunciando ,; tudo, segundo a palavra do seu Mestra, deve pedir o alimento diário, e não ampliar multo os desejos e os pedidos; com efeito, em outra passagem o Senhor prescreveu ainda: Não vos preocupeis, então, com o dia de amanhli, porque o dia de ama­ nhã traTA consigo suas próprIas preocupações. S4 Por isso o dlscí­ pulo de Cristo pede justamente o seu sustento dia após dia, ao passo que estã proibido de preocuper-se com o amanhã, porque seria contraditório e Inconveniente procurar viver por longo' tempo neste mundo enquanto pedimos que o reino de Deus venha quanto antes. Aaslm também o Apóstolo nos adverte, para formar e fortificar a

todas estas

CO;S8S.

Ora, vosso Paf celeste bem sabe que precisais

de tudo Isto. Portanto, acima de tudo tende todo o interesse pelo ReIno e pela justiça de Deus, e todas estas coIsas vos serão dadas 8 mais" _40 Aos que buscam o reino e a justiça de Deus, promete­ -se tudo com acréscimo. Visto que tudo pertence a Deus. nada faltará a quem possui a Deus, se a própria pessoa não faltar ii Deus. Assim se explica que a Daniel, encerrado por ordem do rei no

recinto dos leões, tenha sido miraculosamente enviado o alimento, e o homem de Deus se alimentou estando entre os animais selva­ gens que o pouparam. Assim aconteceu que Ellaa foi alimentsdo pelos corvos que o servIram durante a fuga e no deserto, e pelas aves que lhe conseguIram o alimento durante a parsegulçõo. Cruel­ dade humana realmenta detestável! Os animais perdoam, as aves procuram o alimento e os homens armam ciladas a praticam cruel­ dades. (De domlnlca oratione)

nossa esperança e tornar firme a nossa fé: Nada trouxemos para

este mundo e dele nada levaremos. Por isso, quando temos o que

comer e com que nos cobrir. podemos estar contentes. Pelo con­ trário, os que querem enriquecer caem em tentaçlío ( ... ] ... 20. Cristo nos ensina Que as riquezas não só são Inúteis, mas

também perlgoaas. e que nelas se nutrem as rafzes dos males que com falsas aparênciaa acariciam e enganam a cega mente humana. Por Isso Deus censura o rico insensato Que se comprazia nas rique­

36. Lc 12,20. 37. cr. Me 10,21. 36. Pr 10,3.

32. Jo 6,53. 33. Lc 14,33. 34. MI 6,34.

39. SI 38,25.

35. ci, lTm 6,7-10.

40. Mt 6,31-33.

'­


HILARIO DE POITIERS

I

,o, . I

Que devo lazer de bom para ter a vida eterna? 19, 4. E eis que alguém se aproximou e lhe disse: Mestre, que devo fazer da bom para obter ,a vida eterna? etc. 1 Muito oportuna­ mente, depots do relato que precede, em que as crianças são man­ tidas longa e se afirma que a elas pertence o reino dos céus, apre­ senta-se agora este jovem que pergunta com que obras boas pode obter a vida eterna. Este jovem começa fazendo perguntas 'e se mostra soberbo, e depois fica triste, Todas 8S' coisas que estão escritas nos evangelhos realmente aconteceram; mas já lembramos que tudo isto que se realizava por vontade de Deus prenunclava, nos fatos reais 'que aconteciam naquele momento, a imagem dos acontectrnentos futuros: rias Sagradas Escrituras todo discurso era regulado de modo a adaptar-se não só a ilustrar' os fatos que acon­ teciam. mas também a aplicar-se aos fatos que deviam se realizar.

Este Jovem representa o povo Judeu, muito seguro da lei, que só se fundava nos' precaitos de Moisés e que não depositava em Cristo nenhuma esperança. Ao responder-lhe, o Senhor mostre a severidade, qua empregará no Julgamento futuro, dizendo: Por que me chamas bom? 2 Ele, com efaltc, e quem caberá punir as lmple­ qualificação de "bom", reser­ dades e as malvadezas, não quis ter vando este adjetlvo a Deus Pai que, confíando a ele a tarefa de julgar, se despojou da severidade: não porque ele mesmo não fosse bom, mas porque como Juiz deverá comportar-se diante do jovem com 8 necessária severidade.

a

S. Este jovem, que se apresentou soberbo por causa da lei, preocupado com a salvação, foi reenviado por Cristo à iei, precise­

1. Mt 19,18.

2. Evidentemente, Hllérlo tem presente também oe textos paralelos de Me 10,17 e Lc lS,18.


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."N:'I:'; 142

HlLARl O DE POITIE IlS

mente para que. considerando aquela lei na qual se gloriava . com­ preendesse que não havia feito nenhuma ação [usta, Com efeito. o Senhor lhe respondeu com a palavra da lei. Mas o jovem que só confiava na lei. na realidade não tinha observado nenhum pre­ ceito. tal como o povo soberbo e jactancioso. Estava escrito : Não

matar, e havia matado os profeta a; não cometer adultér io, e havia

corrompido a fé e adulterado a lei; não roubar. e antea que Cristo restltulsse a liberdade de acreditar na

havia destruído os man­ damentos depredando a lei; não proferI r fBlso testemunho. e negou que Cristo tivesse ressuacltado dos mortos; honrar pai e mãe, e ele mesmo não reconheceu a famflia de Deus Pai e da Igrela mãe; ama o próxImo como a ti mesmo,» e perseguiu a Criato que havia assumido o corpo de nós homena e se havia feito próximo de cada um de nós. tendo escolhido a condição humana até a conden ação li morte na cruz. Por Isso o Senhor ordenou que retornasse li lei. abandonando e cancelando todos os vicias.

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7. Mas, depois de ouvir estas coisas, o jovem vai embora triste: 7 na realidade. ele depositava multa confiança na riqueza que 3. CI. Ex 20.12-18; DI 5,16-17; Lv 19.18. 4. CI. Mt 19,20. 5. CI. Mt 19.21.

6. Nfto há dúvida de que Hllérlo com o termo veritas entende Cristo.

7. CI. MI 19.22.

lhe vinha da lei. Também para esta figura é mantido de dar interpretação tipológica ao evento, dizendo que adolescente. enquanto ele mesmo antes havia afirmado a sua juventude fora fiel aos preceitos contidos na lei'

143 o princípio aquele era que desde [ ... I. Mas

estas palavras. isto é, Que ele fosse observante desde a sua [uven­

1 , ~

íé,

6. Mas esse homem responde que já havia observado todas eatas coisas desde a juventude. e perguntou o que ainda falteva .· Mes. como dIssemos. ele na realidade não tinha observado aqueles mandamentos aos quais havia sido reenviado e. orgulhando-se des­ tes. falava como se os tivesse obaervado. O Senhor lhe respon deu que devia vender tudo o que possuía e dá-lo aos pobres; então ele seria perfeito e teria um tesouro nos céus,' Portanto. aquele jovem recebeu COmo resposta aquele grandíssimo e utlllsslm o preceit o de deixar o mundo, pois mediante Isto podemos adquirir os tesouro s do céu, privando-nos das riquezas terrenas; mas, no preceit o de vender os seus bens e dá-los aos pobres. havia e exortaç ão a aban­ donar a conflançe na fé a a trocá-Ia por algo bem superio r; para que ele se lembrasse de que nela a6 havia a sombra da verdade e que a própria verdade. mediante a sua encarnação.· a partir da­ quele momento devia ser compartilhada com os pobres. ou seja, com os gentios; e que ninguém poderia realizar lato a não ser aquele que tivesse seguido Cristo.

COMMENTARIUS lN MATTHAEUM 19;20

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tude. mostram que já era longo o tempo em que o povo judeu estava sob a obrigação da lei.

8. Por isso o Senhor. vendo a tristeza do jovem, responde que dificilm ente um rico entrará no reino dos céus, o Como já dissem os. Israel se gloria de ser rico porque presume da lei. ~ dlflcil para ele o ingresso no céu porque considera com a ambição de uma inl1tll linguagem as antigas obras realizadas sob Abraão. 9. Mais ainda. acrescenta que é mais fácil que um camelo

passe pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino

dos céus. I. Possuir não é um mal, mas devemos manter a .medlda no possuir. Com efeito, como se pode repartir e pôr em comum oe bene ae não hé msrs nada a partilhar? Portanto é pecado possulr de maneira injusta. e não o próprio fato de possuir. Mas o querer enrIquecer é uma ocupação perigosa: a honestidade se enfrequ ece quando se preocupa em aumentar as riquezas. O serviço de Deus, quando vai atrãa daa coisas do mundo. assume tsmbém seus vícios. Por laso é dlflcl! que um rico entre no reino dos céus. Para que muitos possam usar corretamente o que possue m. acrescentemos que nesta afirmação é mantido o princip io, o qual não signific a que de maneira absoluta nenhum rico possa entrar no reino dos céus, mas que. pela dificuldade da coisa. se compre enda a raridade de tal evento. O que dissemos refere-se à compre ensão do significado literal. maa no mesmo contexto é preciso sublinh ar o desenvolvimento do sentido mais profundo.

10. O jovem soberbo. como dissemos. quando lhe é ensinado que deve desfazer-se da lei. torna-se trtste e aflito. Assim também • cruz e s paixão são um escândalo para este povo. e por Isso ela não é fonte para ele de salvação. Pelo contrário. ele continua a gloriar-se da lei e despreza os gentios que são co-herd elros: recusa-se a passar à liberdade do evangelho. e por isso d\flcllm ente 8. O texto de Mateus que Hilário tinha sob os olhos devia ser análogo ao seguinte: Omn/a haec custOdivl a luventute mes.

9. CI. MI 19.23. 10, CI. MI 19,24.


,,1 1

144

HlLARlO DE POlTlERS

COMMENTARIUS lN MATTHAEUM 19; 20

145

entrará no reino dos céus. Efetivamente, poucos deles, pouqulssl­ mos mesmo, em comparação com a quantidade de gentios, acredi­ tarão e será dlficil dobrar a vontade empedernida na lei 11 humildade do evangelho.

vangloriando-se, ter feito, e que Deus reconheceu que eles haviam realizado? E, depois deles, porventura não surgiriam muitos prontos a abandonar tudo, chegando até o êxtase do martírio? [ ... I. Na realidade, todo o discurso tem um significado espiritual.

11. Mas com malar facilidade um camelo passará pelo buraco de uma agulha: um camelo não tem nada a ver com o buraco da agulha, e nem mesmo nos estreitos meandros de' uma pequena caverna pode encontrar abrigo a grande massa de um animal enorme. Mas no inicio deste comentário vimos que no vestuário de João Batista o couro de camelo indicava os pagãos. Com efeito, este animai é obediente às ordens, é controlado pelo medo, resiste ao jejum e, convenientemente adestrado, se adapta ao peso que car­ rega; como ele, a rudeza dos pagãos educa-se para a obediência aos preceitos divinos. Por Isso estes entram no caminho estreito do reino dos céus; a agulha indica o anúncio da nova palavra, com o qual cobrirão as feridas do corpo, costurarão de novo os farrapos das vestes e contra-atacarão a própria morte.' Tal é, pois, o caminho desta nova pregação, no qual entrará mais facilmente a fraqueza dos pagãos do que a opulência dos ricos, ou seja, daqueles que se orgulham da leI.

3. Atendendo ao significado espiritual, os apóstolos compreen­ dem que ninguém pode ser salvo pela lei, e eles mesmos ainda viviam naquele tempo segundo a lei; com efeito, sentiam uma grande devoção e um forte amor 11 lei; por isso eles, não tendo ainda descoberto até o fundo a verdade do mistério evangélico, temem que ninguém possa salvar-se sem a lei. pois ainda põem na lei toda salvação. Mas o Senhor, de maneira incisiva e perfeita, liberta-os da ignorância e do medo, dizendo: O qu« é lmposslvel aos homens, é passivei a Deus. 18 Efativamente, o que pode parecer tão impos­ sível para um Judeu como esperar a salvação de um homem mais do que da lei, a ponto de negligenciar, fundando-se no escândalo da cruz," a legislação, o testamento, a adoção, a herança? Pelo contrário, o que há de mais possível para o poder de Deus do que o salvar mediante a fé, regenerar mediante a água, vencer por meio da cruz, adotar por meio do evangelho e dar a vida com a ressur­ reição dos mortos?

20, 1. Ouvidas estas palavras, os dlscipulos ficarão atônltos e tomados de temor, dizendo que ninguém poderia salvar-se. O Senhor respondeu que o que é Impossível aos homens é possível a, Deus. Então, às afirmações do Senhor' eles respondem que haviam del­ xado tudo. Etc. 11 [ ..• ]

4. Tendo ouvido isto, os apóstolos logo acreditaram declarando ter abandonado tudo. O Senhor recompensa logo esta obediência, resolvendo toda a dificuldade da pergunta anterior, dizendo: Vós que me seguistes na regeneração. Julgareis as doze tribos de Israel. ,. Eles o seguiram na regeneração, no banho batismal, na fé santificante, na adoção recebida como herança, na ressurreição dos mortos. Com efeito, é esta a regeneração que os apóstolos conseguiram, que a iei não pôde conceder e que, sentados sobre doze tronos para julgar as doze tribos de Israel, os uniu à glória dos ,doze patriarcas. Também a todos os outros que o seguem no desprezo pelo mundo (o Senhor) promete a abundllncia da recompensa centupli­ Esta recompensa centuplicada é a que se realiza de maneira cada. '• completa na alegria celeste da centésima ovelha. 11 Esta recom­ pensa centuplicada é a que se consegue pela fecundidade de uma

2. Há muitos motivos que não nos permitem acolher as pala. vras do evangelho com uma Interpretação literal. Introduzem-se ali diversas afirmações que em si mesmas contradizem a natureza do conhecimento humano e que nos levam a procurar o princípio de uma Inteligência das coisas celestes. Os apóstolos dizem que se­ guirão a Cristo, como também dizem que abandonaram tudo; 12 por que, então, ficam tristes e por que temem, dizendo que ninguém pode se salvar? Com efeito, também outros podiam fazer isto, visto que' eles mesmos o haviam feito. Além disso, visto que o fizeram, por que o medo e de onde este medo nascia? Na resposta do Senhor dlz-se que o que é Imposslvel aos homens é passivei a Deus. Será que era Imposslvel aos homens aquilo que os apóstolos diziam, 11. CI. MI 19,25-30. 12. CI. MI 19,27.

13. 14. 15. 16. 17.

MI CI. MI CI. CI.

19,26. GI 5,11. 19,26. Mt 19,29. MI 16,12-13; Lc 15,400.

"


HILÁRIO DE POITIERS

146

'l'RACTATUS lN PSALMUM 51; TRACTATUS lN PSALMUM lls. HET

terra parfelta. t a honra que agora está reservada à Igreja no nome

das riquezas adqulrldas, foi arrancado da terra dos vivos, desenrai­ zado e expulso do ssgrado tabernáculo; julgeva·se demaaladamente forte pelo fato de confiar nas vaidades humanas; ou seja, na giórla do seu poder. na ouro do templo, nos preceitos dos homens, se­ gundo aquilo que O Profeta disse: Veneram-me sem razão, ensinando doutrInas e preceItos humanos;" tendo substltuldo a lei de Deus pela regra do costume terreno, que ultraja a Deus.

de Sara is e que é merecida através do abandono da lei e mediante a fé no evangelho; e assim é que aqueles que eram últimos serão primelroa, porque oa que eram primeiros serão últimos. ,. (Commentarlus ln Matthaeum 19; 20)

Eis

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I: I I

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homem que confiava na sue.. grande riqueze

21. Uma grande riqueza torna certos ricoa Insolentes. e uma confiança fundada de maneira vê nas riquezas afasta completa­ mente do temor de Deus; insensatos, visto que não compreendem que precisamente porque são ricos tanto mais devem ser nevotos a Deus, pois é conveniente ser gratos para com aquele que deu largsmente aqueles bens que eles tanto desejam; tanto mais é Ines­ cusável e culpada a cobiça do dinheiro a partir do momento em que a riqueza não justlflca necessariamente tal desejo. Como é realmente insane a confiança depositada em coisas vãs. que leva a negligenciar a Deus no momento que se possui o ouro, como se o ouro não fosse uma coisa criada por Deus: quer o homem com o discernimento de uma mante sadia busque mediante o ouro a vantagem de uma vida feliz. acreditando talvez qua o oura acumulado esteja sob o seu dominlo e que o homem não seja feito, segundo a comum natureza, de slms e corpo, mas possa tor­ nar-se algo diverso de como nasceu; quer se pense que, quando deixar esta vida. poderá usar o seu ouro na morta! E na realIdade só lha servirá se o tiver usado corretamente durante o tempo da vida, S9 com o seu pão tiver alimentado o faminto, se com o seu vestuário tiver coberto O nu, se às próprias custas tiver sustentado o enfermo. ae tiver devolvido o prisioneiro II própria liberdade. ,. Estes são os dons da humana riqueza que podem obter audiên­ cia Junto de Deua, estes são os verdadeiros e poderosos sufrágios que realmente obtêm o perdão dos pecados. Servindo-nos do ouro tornar-nos-emos, assim, de cidadãos da terra em cidadãos do céu, de mortais em eternos. Aquele povo Infiel que não meditou estas coisas, negligenciando os preceitos divinos porqua se considerava rico da lei que não era mais do que a sombra dos bens futuros, e que usou Indevidamente

cr, Gn 17,158. 19. cr, MI 19.30.

18.

20. CI. MI 25,34·38.

.147

(rractatus ln Psa!mum ~IJ

A minha BDrte, eu dls.., SenhDr...

I ,

2. A mInha aorte, eu dlase, Senhor, é guardar as tuas palavras. Bem poucos siio os homens nos quais há tanta fé a ponto de dizer que Deus é a herança deles. ~ preciso renunciar ao mundo e a todos os seus Interesses, para que Deus seja a nossa sorte. Palo contrário, se a ambição nos mantém em seu poder, se O amor ao dinheiro se apoderou de nós, se os atrativos dos prazeres nos pren­ deram, se os negócios da família nos retêm, Deus não poderá ser a nossa sorte, a partir do momento em que os pensamentos muno danos e pecaminoaos nos tem em aeu poder. 3. Quando Moisés recebeu a ordem de diatribuir as partes às doze tribos dos filhos de Israel, assim lhe foi prescrito para a tribo de levi: Os filhos de Levl não têm parte nem herenç« com os seus lrmêos: o Senhor é a sua herança;" a recordemos também a outra palavra: Eu, o Senhor, sou a sua parte_'s Por laso, segundo s pala­ vra da lel, nenhuma parte terrena devia ser daqueles que se subme-' tiam a Deus, porque Deus era a sua herança.

4. O próprio Pedro, o anunciador do evangelho, recordou a quem lhe pedia esmola que ele não tinha nenhuma porção dos bens humanos: Não possuo prata nam ouro, mas o qua tenho te dou; .. o que é que possuis, Padro? Tinhas renunciado a tudo, dizendo a teu Senhor: EIs que deixamos tudo e te seguImos. Dual será. então, a nossa recompensa? E ele havia respondido: Eu vos declaro esta ..~er­ dede: na nova geraçlio, quando o FIlho do homem se assentar na trono da sua gl6rla, v6s, que me seguistes. vos sentareis também

j

L

21. 22. 23. 24.

Is 29,13. DI 10,9. Nm 18,20.

AI 3,8.


148

HILÁRIO DE POITIERS

sobre doze tronos, para fulgardes as doze tribos de Israel. 25 Aos outros que haviam deixado todas as coisas seguindo o vosso exem­ plo havia prometido que receberiam o cêntuplo e depois obteriam a vida eterna. O que é, então, que possuis, Pedro? Certamente possuis e não quero dizer que obtenhas mais do que o cêntuplo; mas digo, sem pôr-me a calcular, que possuis; com efeito, dizes: O que tenho te dou; em nome de Jesus Cristo levanta-te e anda! 2. Ó feliz posse, 6 parleita herança de Deus! Não distribuis bens terrenos, mas refazes a obra da natureza e curas os danos de um fruto concebido no pecado. Ordenas a um coxo de nascença entrar no templo a incitas um homem de Idade avançada, imperito no caminhar. Deus concede realizar semelhantes coisas àquele que o escolhe como sorte. Também Paulo se gloriou da própria riqueza quando disse: Quanto a mIm, que não aconteça gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus CrIsto. Por eIs O mundo está cruci­ ficado para mIm e eu para o mundo.·7 Esta é a glória do Apóstolo, esta é a sua sorte.

TRACTATUS lN PSALMUM 1t8,HET

Deus, e enquanto caminhar conosco ele mesmo seja a nossa riqueza: se abandonarmos o mundo, se renunciarmos à ruína Que os bens terrenos produzem, se recusarmos a herança das coisas caducas,

se sairmos, vivos, do mundo. Haverá mérito em abandonar o mundo quando o corpo está morto e estamos livres dos seus vinculas, tendo a alma saído do corpo? É preciso privar-se dele, desprezan­ do-o; Ignorá-lo, não aceitando os prazeres que ele oferece; devemos morrer para o mundo, visto que não vivemos para ele. Paulo bem sabe que não vive para si, quando diz: Eu v/voo Mas não mais eu: é CrIsto quem vive em mim.;)O (Tractatus in P8almum ft8, het)

5. Escolhamos, portanto, só a parte, entre as heranças terrenas, que seja a mais útil. Se na divisão hereditária referente às rique­ zas terrenas se procura obter a porção mais

conveniente, com

quanto maior cuidado escolheremos a porção da herança celeste. O Senhor promete o cêntuplo: o cêntuplo não na vida eterna, mas na presente; com efeito, a racompensa dos bens eternos será imensa e Infinita; mas com a especificação do cêntuplo indica-se a medida dos bens terrenos; mas eu duvido que a porção de Pedro não superasse este cêntuplo. Certamente, segundo a Palavra do Senhor. agore nesta vida, a recompensa que nós esperamos é o cêntuplo, se abandonarmos todos os bens do mundo, visto que é Deus a nossa herança, é Deus quem nos diz: Habitarei com etes:» Portanto não é o cêntuplo o prêmio de obter que neste nosso misero corpo terreno Deus venha habitar? Mas, o que digo, habitar? É ele mesmo quem o diz: Caminharei com eles. É próprio do homem fiei estar aberto a Deus de modo que ele possa habitar e caminhar em nós. Mas aquele que habita em nós, que caminha em nós acrescenta ainda uma terceira coisa: seret o seu Deus.· D Eis qual é a porção que n08 é prometida por ele para que nos tornemos habitação de 25. MI 19,2700. 26. AI 3,6. 27. GI 6,14. 28. 2Cor 6,16,

29. Ibld.

149

30. GI 2,20.


BASILIO DE CESAR~IA

Se alguém quiser seguir-me, renegue a si mesmo 45. Como aprendemos dele mesmo, é dlsclpulo do Senhor quem se aproxima do Senhor para segui-lo. ou seja, para ouvir o que ele diz. crer e obedecer a ele como dono, rei, médico, meatre de vardad~. na esperança da 'Ilda eterna; e ssalm será se permanecer nestas coises, como também está escrito: EntiJo, Jesus disse 80S judeus que acreditaram nele: "Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadelremente meus dlse/pulos, conhecereis a verdade e a verdade vos IIbertar6": 1 fala evidentemente da liberdade da alma fim face da tlranla do diabo ~ liberdade própria de quem se subtrai à tirania .do pecado -, porque, dlsae, quem comere o pecado é escravo do pecado 2 e da aentença da morte. [ ... ] 64. Por isao, quem crê no Senhor e se mostra favorável a tor­ nar-se seu disc(pulo, deve antea de tudo afastar-se completamente· do pecedo, e em aegundo luger de qualquer colse, ainda que aparen­ temente racional. que possa afaatá-Io da obedlêncía que por muitas razões cabe ao Senhor. Com efeito, é Imposslvel que aquele que "atá no pecado ou eatá preao àa preocupações terrenas, ou preo­ cupado com as coisas, mesmo as necessárias para viver, possa servir 80 Senhor, e muito menos tornar-se aeu dlsclpulo; na realidade, ele não disse àquele jovem: Vem e segue-me, entes de ter-lhe ordensdo vender o que tlnhs e dá-lo aos pobres; e também Isto não lhe foi prescrito sntes que equele lhe tivesae ssssgurado: J6 observei todas estas calsas. 11 75. Com efeito, quem elnda não obteve e remissão dos pecedos " a purificação daa culpes no sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, 1. Jo a,31'.

2 . .lo

1l,3~.

3. Mt 19,20-21.


152

BASíLIO DE CESARlllIA

mas é escravo do diabo e dominado pelo pecado que habita nele, encontra-se na impossibilidade de servir o Senhor; ele nos deixou uma sentença Inviolável com as palavras: Quem comete pecado é escravo do pecado. Ora, o escravo do pecado não permanece sem­ pre na casa.' Paulo também dá testemunho disto quando escreve: O escravo do pecado é livre com relaçlJo à Justiça.' O Senhor diz ainda: Ninguém pode servir a dois senhores. e outras coisas seme­ Ihantas. E com um ensinamento definitivo e repetido mostrou que nem aqueles que vivem preocupando-se com as coisas necessárias podem servir a Deus. [. .. ]

149. [ ... ] Dessa forma não só aprendemos a não dar nenhum valor aos recursos que possuI mos nem a tudo o que serve para viver, mas somos educados também a negligenciar as obrigações recíprocas e 05 usos da convivência humana, Justas segundo a lei e segundo a natureza. visto que nosso Senhor Jesus Cristo disse: Quem ama o paI ou a mãe mete do que a mim não é dIgno de mtm, 7 referlndo-se da mesma forma aos outros familiares, e evidentemente aos que estão mais distantes e estranhos com relação à fé. Acres­ centa: Quem não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim,· e o apóstolo Paulo, que observou este ensinamento. escreve para nossa edificação: Estou crucificado para o mundo e o mundo para mim; e não sou mais eu que vivo, mas Cristo em mim. o Recordemos ainda as palavras do Senhor àquele que lhe havia respondido: Permite-me Ir antes sepultar meu pai [ ... 1. Deixa que os mortos enterrem seus mortos; quanto 8 tt, vai e anuncIa o reino de Deus; ,. e àquele que lhe havia dito: Permite que antes eu vá

despedir-me daqueles de cass, 11 COm mais grave censura, com maIs veemente ameaça disse: Quem põe a mão no arado e olha para trás náo é apto para o Reino de Deus. ,. Assim também. uma obrigação humana que Impeça um pouco só de professar a obediência mais firme devida ao Senhor, mesmo que possa parecer realmente racionai, deva ser estranha a quem quer tornar-se dlscfpulo do Senhor, e merece uma gravíssima amea­ 4. 5. 6. 7.

e.

9. 10. 11. 12.

Jo e,34. Rm 6,20. MI 6,24. MI 10,37. Mt 10,38. GI 6,14; 2.20. Lo 9,59-60. Lo 9,61. Lo 9,82.

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153

ça: com uma expressão mais compreensiva ele expõe sua lei: Se alguém quer seguir-me negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e me sIga.

LR

(De baptismo I, 1)

Afastai·Yos de mim, maldlloB, para o fogo eterno

~( ~:.

1. Há dois tipos de tentações. Ou as tribulações, como o ouro no eadinho," põem à prova os corações quando, pela paciên­ cia que exigem, refutam a sua boa reputação, ou então com multa freqüência é a prosperidade mesma da vida que constitui para multas um motivo de tentação. Com efeito, é igualmente difícil conservar um ânímo forte nos momentos de desgraça quanto, nas situações de prosperidade. abster-se da soberba. Um exemplo do primeiro tipo de tentações é o grande Jó, o atleta invencível: ele suporta todos os assaltos do diabo. violentos

como uma torrente impetuosa, com um coração firme e um espírito Intrépido. e tanto maior saiu das tentações quanto maiores e lnven­

cíveis pareciam as provas lnfligldas por seu Inimigo. Multas são os exemplos das tentações nos momentos de pras­ perídade e, entre estes, o que acabamos de ler agora, daquele rico que possuía grandes riquezas e desejava ainda mais. O Senhor, na sua bondade. não o puniu logo por esta sua dureza de coração, pelo contrário, acrescentava sempre novos bens àqueles que ele já possula, esperando Induzi-lo, finalmente saciado, !l generosidade e à bondade de ânimo. Leiamos o texto: Havia um homem rico,

f.

cujas terras tlnham produzido boa cotneite.

E ele pensava consIgo

mesmo: "Que farei, eu não tenho lugar onde colocar a colheita?" Depo/s disse: Isto é o que vou fazer: vou damollr os meus celeiros e construir outros malares. 16 Por que é que tinham frutificado tanto as. terras deste homem. que não devia praticar nenhuma boa obra tendo uma colheita tão abundante? Para que mais sobressaísse a grande' indulgência de Deus que difunde a sua generosidade até sobre homens desse tipo, pois faz chover sobre os Justos e os injustos, e faz nascer o sol para maus e para bons. 16 Mas bondade tão grande de Deus exige para os culpados um castigo maior. Ume­ deceu com a chuva as terras trabalhadas com mãos avaras, deu 13. MI 16,24. 14. C1.

se 3.6.

15. Lc t2.t8-18. 16. MI 5,45.


---

154

.

aOMILIA VI, DE AVABITIA

BASiLIO DE CESARl!íIA

o sol para aquecer as sementes e para multiplicar as colheitas Com a fertilidade dos campos. Estes eram os dons de Deus: uma terra fértil. um clima tempe­ rado, abundância de sementes, bois para o trabalho dos campos, e tudo o que pode ajudar no cultivo ds terra e torná-la rica de frutos. Mas qual é o comportamento deste homem? Maneiraa grosseiras, temperamento misantropo. avareza. Assim retribuia a quem tanto o havia ajudado. Não considerava que os homens têm a natureza em comum, nem que devia distribuir aos pobres o supérfluo de suaa substâncias; negligenciava totalmente o preceito: Não negar um favor a quem tem necessidade. 17 e: Bondade e fidelidade níio te abandonem, IS e ainda: Olvide o teu pão com o faminto. 19 Nâo queria escutar a voz de todos os profetas, de todos os doutores da lei que o incitavam: 08 seus celeiros cediam sob o peso do trillO armazenado. mas o seu coração cobiçoso não estava nunca satisfeito. E visto que novas colheitas se juntavam às precedentes. e 8 provlsâo la aumentando a cada ano, deixou-se levar por esta insana loucura de não querer prlver-se, pela mania de possuir. das velhas colheitas e de não saber onde guardar as novas. muito abun­ dantes, Por 1980 8S suas decisões são Ineficazes e as suas preo­ cupações Inúteis. Que farei? Como não ter pena de um homem tão atormentado? Atormentado pela abundância, lamenta-se pelas colheitas já armazenadas e ainda mais por aquelas s armazenar. A terra não lhe proporciona ganhos. mas lhe causa lamentações, não abundâncla de colheitas. mas aborrecimentos. ansiedades e preocupações sem fim, Por isso fica desesperado como Um pobre. Não se desespera precisamente assim aquele que está na miséria? Que farei? O que fazer para matar a fome. para vestir-me? Também o rico diz estas mesmas coisas, Atormenta-se oprimido pelaa preo­ cupações. O que alegra os outros, oprime o avaro. Com efeito, quando todoa oa espaços dos celelros flcsm cheios. ele não se alegre, pelo contrário; as colheitas que lhe chegam de todas 8S partes e transbordam nos armazéns lhe põem um cupim no coração e, não lançando aequer um olhar aos que estão lá fora. teme proporcionar algum alívio aos indigentes.

2. O vício que toma conta dele é semelhante ao dos gulo­ sos, que preferem arrebentar de alimento a distribuir os restos

aos pobres. Procura pensar, rico. no teu benfeitor; entra em ti mesmo, recorda quem és. quais os bens que administras, de quem os recebeste em confiança. e por que motivos foste escolhido entre

muitos outros. lOS executor das ordens de Deus benfeitor. o ecõnomo de quem tem a tua mesma sorte, e por Isso não deves pensar que tudo seja destinado ao teu ventre.

19.

---~-

'S 58.7.

Usa 09 bens que estão em

tuas mãos como se pertencessem a outros. Por algum tempo te causam prazer. depois se desvanecem como poeira .impalpável, en­ quanto se te pedirá conta minuciosa da maneira como os, usaste.

Em vez disao os manténs ocultos por trás de portas e cadeados;

trancaste a sete chaves os teus tesouros. mas a preocupação te mantém vigilante, remoendo teus pensamentos, escutando- aquele

louco conselheiro que está em ti mesmo: Que fare/? A resposta era fácil: vou satisfazer as neceasidades dos que têm fome. abrirei oa celeiros, convidarei todos os pobres. Imitarei José.'" anunciando publicamente a minha magnanimidade e pronunciarei estes generosas palavras: "Todos vós que estals sem pão vinde a mim: cada qual poderá tomar. como de uma fonte comum, os beneficias que Deus concedeu", Mas não te comportas assim. Por quê? Porque não queres que também os outros homens aproveitem dos bens. preso por teu ânimo celerado te preocupas, não em distribuir a cada um aquilo de que necessita. mas em privar os outros. tendo.juntado todo fruto, do ganho que podiam conseguir. Já estavam presentes oa que lhe pediriam a vida, 2' e ele se . alegrava consigo mesmo. pensando naquilo que iria comer. Naquela

mesma noite ele seria levado. e ainda estava fazendo cálculos sobre suas colheitas armazenadas por muitos anos! Teria tido a possibi­ lidade, em vez disso, de tomar euas decisões, de manifestar a

sua boa vontade; assim receberia um julgamento condizente com a aua boa vontade. 3. Também nós, pois, devemos guardar-nos de tudo lato. Esta parábola foi escrita precisamente para que evitemos semelhante

\

I

I

modo de. viver. Imite a terra, homem: produze, como ela, fruto; não te mostres inferior à matéria que não tem alma. Com efeito. esta produz os seus frutos não para o seu prazer, mas para a tua

utilidade: em vez disto. éa tu que recolhes os frutos da tua gene­

rosidade, visto que o reconhecimento e s recompenss das boas obras recai sobre quem as praticou. Deste de comer ao famlnto.

17. Pr 3.27. 18. Pr 3,3.

155

20. CI. Gn 47.11 ••. 21. lo 12,20.


BASILIO DE

156

CESA~IA

HOMILIA VI, DE AVARITIA

reconhecer a falsa e a verdadeira, mas Ignoras completamente o companheiro que se encontra em necessidade. [ ... ]

e o que deste volta a ser teu com o acréscimo do juro. Como o grão caldo na terra produz fruto para quem o lançou, assim o pão estendido ao faminto te proporcionará um grande ganho no tempo futuro. Cultiva, pois, a terra para poder semear no céu: Semeai para vós segundo a tueuçe, 22 diz a Escritura. Por que te atormentas, por que te afadigas, procurando trancar as riquezas com pedra e cal? Um bom nome vale mais do que grandes riquezas. '" Se apre­ cias as riquezas pelas honras que podem proporcionar, considera quanta maior glória proporciona o fato de ser chamado pai de milhares de crianças, em vez de ter milhares de moedas na tua bolsa. Além disso, queiras ou não, deverás deixar aqui este teu dinheiro, enquanto carregarás contigo diante do Senhor a glória que adquiriste com as tuas boas obras, e todo um povo estará em torno de ti diante do tribunal do juiz supremo, e te chamará com o nome de salvador e benfeitor, rico de toda caridade. Não ves aqueles que nos teatros dão seu dinheiro aos gladiadores, aos pa­ lhaços, aos homens que combatem com as feras espetáculo execrável - por aquele breve momento de gl6ria, pelo entusiasmo e pelos aplausos que eles despertam na multidão? E tu és sovina na despesa, quando podes obter um ganho tão grande? Terás a aprovação de Deus, o aplauso dos anjos, os louvores de todas as gerações, receberás o prêmio da glória eterna, a coroa da justiça, o relno dos céus, por 'ter compartilhado de maneira justa os bens corruptlvels. Não te interessas por tudo Isto, e a busca das coisas presentes te torna negligente ante a esperança dos bens futuros. Animo, pois, distribui a um e outro as tuas riquezas, sê munificente e generoso na ajuda aos pobres. Faze com que se diga de ti: Ele dá largamente aos pobres, a sua Justiça permanece para sempre." Não explores quem está em apuros vendendo a preço majorado; não esperes o tempo de carestia para abrir os celeiros. Com efeito, quem açambarca o trigo é amaldiçoado pelo povo." Não desejes que o povo passe fome para poder enriquecer-te, nem esperes a miséria pública para os teus interesses pessoais. Não negocies ga­ nhando sobre as catástrofes humanas; não aproveites a ira de Deus para aumentar as tuas riquezas; não cutuques as feridas abertas pelo golpe da adversidade. Contemplas o teu ouro e não lanças um olhar para teu irmão; conheces toda espécie de moedas e sabes

22. 23. 24. 25.

Os 10,12. Pr 22,1. SI 111,9. Pr 11,26.

157

5. [ ... ] Se vier a crescer a vossa riqueza, não deixeis que o coração a ela se apegue. 2. Tu, pelo contrário, reténs para ti estes bens que fluem copiosos e fechas as possiveis vias de salda. Tran­ cados e imobilizados, que vantagem te oferecem? Muito fechados e transbordantes de todas as partes, rompem as barreiras destruindo OS armazéns do rico e devastando 05 seus celeiros como um inimigo avassalador. Poderá rico construir celeiros mais espaçosos? Aos herdeiros talvez não deixe mais do que estes celeiros destruidos. Com efeito, ele mesmo, arrebatado pela morte, poderia desaparecer mais depressa do que o tempo necessârlo para reconstruir os celei­ ros de acordo com seu projeto avaro. Por isso este merece um fim de acordo com .seus objetivos maldosos; mas vós, se me derdes ouvido, abrireis todas as portas de vossos armazéns e deixareis sair abundantemente as vossas riquezas; da mesma forma que se faz correr água abundante de um rio por mil canais sobre a terra fértil, assim também v6s pondes à disposição vossas riquezas de modo que dividindo-se em mil ria­ chos cheguem às casas dos pobres. A água Jorra mais abundante quando é tirada dos poços até secá-los; mas apodrece quando os poços são deixados Intsctos. Assim também as riquezas: deixadas paradas tornam-se Inúteis e prejudiciais; se as deixarmos passar de um para outro serão de grande utilidade para todos. Ah, quão grandes serão os louvores das pessoas beneficiadas: não os desprezes! Quão grande será a recompensa do Justo juiz: não duvides! Tem sempre presente o exemplo deste rico acusado de avareza que guardava ciosamente os frutos já colhidos, preocupava-se' com os futuros e, sem saber se no dia seguinte ainda estaria vivo, antecipava um dia antes o pecado do amanhã. [ ... ] Enquanto a terra preanunclava todas as abundantes riquezas dos' seus produtos, [ ... ] ele não querle ser nem generoso nem abundante. Ainda não havia feito a colheita e já olhava os pobres com olho desconfiado. [ ... ]

o

6. Falas secretamente contigo mesmo, mas as tuas palavras são julgadas no céu. Por isso de lá recebes a resposta. Quais são estas tuas palavras? 6 mlnlJa alma, tens multas bens daposltados para longos anos: descansa, come, bebe, goza a vida. 21 Que lou­

I I

L

26. sr 61,11. 27. Lc 12,19.


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BASILIO DE CESARltIA

curai Se tivesses a alma de um porco que outra boa noticia poderias dar-lhe? ~s tão rude. tão Ignorante dos bens da alma. que não fazes outra coisa senão enchê·la de alimentos para o corpo e oferecer-lhe aquilo que depois acaba nas latrinas. se a alma é ornada de virtude. repleta de caridade, se vive na Intimidade de Deus, ela possui multas bens; assim pode estar repleta daquelas alegrias que são condi. zentes com ela. Mas visto que só tens pensamentos terrenos, tens como deus o ventre e és apenas corpo, sujeito 80s prazeres e às paixões, ouva a sentença que mereces, pronunciada contra ti não palas ho­ mens, mas pato próprio Deus: Louco, nesta mesma noite ela ta será tomadal E para quam flcsrá o que a/untaste?s Esta irrisão da lua tolice é pior do que o castigo eterno. Com efeito, aquele que dentro am .breve será arrebatado da vida, que pensamentos está alimen­ tando consigo mesmo? Destruirei os meus celeiros e construlral outros mais espaçosos. 2. Fazes bem - dlr-lhe-ta eu de minha par. te - : os celeiros da iniqüldade não merecem outra coisa senão ser abatidos. Destrói com tuas mãos O que construíste com a tua mal­ dade, demole os celeiros de onde ninguém saiu saciado. Aniquila toda a tua casa, guardiã de Injustiça, descobre os telhados, desrno­ rona as paredes, expõe ao sol teu trigo bolorento, liberta do cárcere as tuas riquezas aprisionadas, expõe ao desprezo de todos os refü­ gios ocultos da Mamona. [ ... 1 Escuta Salomão: Não digas a teu pr6ximo: "Vali Volta, e ama. nhã te dareI"; 80 Com efeito, não sabes o que te reserva o amanhã. Que mandamentos desprezas com teus ouvidos tapados pela cobiça! Quanta gratidão deverias ter para com teu benfeitor, e estar cheio de alegria e de orgulho pelo privilégio que te é concedido, visto que não precisas Ir bater às portas dos outros, mas são OS outros que vêm esmolsr à tua? Em vez disso, tu te fechas e te afastas, desviando de medo de encontrar-ta com eles. para não ser obrigado a deixar escorregar de tua mão alguma moedinha. Não sabes dizer outra coisa senão: "Não tenho nada, não posso dar nada, sou pobre". E realmente és pobre, privado de todo bem: pobre de amor, pobre de fé em Deus, pobre de esperança eterna. Compartilha o tau trigo com os Irmãos, distribui hole aos pobres a colhelts que amanhã mofará. A cobiça aparece como um vIcio tremendo quando não dá aos pobres nem os frotas que apodrecem. 28. lo 12.20. 28. Lo 12,18. 30. Pr 3,28.

'HOMILIA VI. DE AVARITIA

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7. "Com quem sou Injusto, diz o avaro, visto que reservo para mim o que ma pertence?" Dize-me: quais são as coisas que te .pertencem? De onde as tiraste para Introduzi-Ias na vida? Assema­ lhas-te àquele que, tendo tomado lugar no teatro, dapois quer im­ pedir a entrada dos outros, como se o espetáculo fosse só para ele, ao passo que é felto para que todos posaam aproveitar: assim seo os ricos. Visto que se apoderaram dos bens que são de todos, apropriam­ -se deles pelo fato ds terem sido os primeirOs a aposaar-ae deles. Se cada qual tomasse só o que é necessário para as suas neces­ aldades a deixasse aos pobres o que lha é supérfluo. não haveria mais nem rico, nem pobre, nem Indlgente.· ' Não safste nu do seio de tua mãe? Não voltarás, outra vez nu, II terra? De onde te vêm estes bens que agora possuis? Se responderes; do acaso, és um descrente, visto que não reconheces o Criador, nem és reconhecido para com aquele que te deu tudo. E se reconheces que teus bens vêm de Deus, expllca-nos o motivo de tua fortuna. Será que o Injusto é Deus que dlatrlbui aos homens os bens da vida de ma­ neira desigual? Por que. enquanto tu és rico, aquele é pobre? Será porventura para que possas conquistar a recompensa da tua bondade e da tua honesta gestão dos bens, e aquele posaa obter o prêmio prometido à sua paciência? Tu que escondes todas as coisas nas inextrlcáveis pregas da tua cobiça, subtraindo-as a tantos, Julgas não cometer nenhums inJuatiça? Quem é o homem ávido de dinheiro? Aquele que não se contenta com o necessário. Quem é o ladrão? . Aquele que tira o que é do outro. E tu não és um ávido. nllo és um ladrão? Os bens que recebeate para distribui-Ias a todos, tu os açam­ barcaste. Quem despoja um homem de suas vestes é um assaltante, e quem não veste o nu. podendo fazê-Io, que outro nome marece? Ao faminto pertence o pão que conservas em teus armários, ao descalço pertencem as sandálias que estão mofando em tua casa; ao pobre pertence o dinheiro que guardas. Assim cometes tantas injustlçaa quantos são os pobres que poderias aludar.

a. [... 1 Quanto

horror gélido, quanto suor frio, quantas' trevas

descerão sobre ti quando ouvires a sentença que será pronunciada

contra os condenados: Afastal·vos de mim. malditos. para

Q

fogo

31. Nos textos dos Padres deste perfodc é clara a dIferença entre

pên8$. pauper == pobre e êndens, egenus = indigente; cf. Ambrósio, p. 189;

JoAo Crisóstomo, p, 218; Agostinho, p. 257.


BASILIO DE CESARll:IA

160

eterno preparado para o Diabo e os seus anjos! Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber. Era um estrangeiro e não me acolhestes. Estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não viestes me visitar. 82 Com efeito, aqui não se condena quem rouba, mas quem não compartilha seus bens com os outros. (Homilia VI, De avaritia)

Recebeste teus bens durante a vida 1. Foi contada, recentemente, a história daquele jovem: ss quem escutou com atenção se lembrará das conclusões que foram tiradas: antes de mais nada, que este era bem diferente daquele doutor da lei de que fala Lucas. 8. Com efeito, o doutor queria tentar Jesus interrogando-o com simulada Ingenuidade; este fazia perqun­ tas sinceras, mas não escutava com coração obediente. [' .. l A se­ qüêncía do relato demonstra como o seu ânimo estava voltado não para o verdadeiro bem, mas para aquilo que lisonjeia os homens; que não tinha escrito em sau coração o ensinamento salvffico do Mestre e não tinha respeitado os seus preceitos; cego pela paixão da cobiça, afastou-se desani mado• ., Esta passagem mostra como nas suas ações era incoerente e contraditório consigo mesmo. Dizes: Mestre, e não te comportas como disclpulo? Reconheces que é bom e recusas os seus dons? Mas quem é bom é pródigo em bens. Tu o Interrogas sobre a vida eterna, mas queres ser completamente prisioneiro dos prazeres da vida presente. Afinal, o que foi que te aconselhou o Mestre de tão dlffcll, trabalhoso ou insuportável? Vende o que tens e dá·o aos pobres." Se te tivesse proposto o duro trabalho dos campos, ou a vida perigosa do comerciante, ou as contrariedades que deve enfrentar aquele que quer ganhar, seria justo que ficassee desani­ mado diante de preceito tão duro; mas quando se abre diante de ti um caminho tão fácil, que não requer nem preocupações nem suores, e o Senhor promete que terás a herança da vida eterna, em vez de alegrar-te por poderes obter a salvação de maneira tão fácil, vaie embora triste e soturno, deeperdlçando todo o esforço que havias realizado até então. Com efeito, se como afirmas ­ 32. 33. 34. 35.

MI CI. CI. Mt

25,34-36. 41.43. MI 19,16-26. Lc 10,2500. 19,22.

HOMILIA VII, lN DlVITES

161

não mataste, não cometeste adultério, não roubaste, nem deete falso testemunho contra ninguém, tornas Inútil para ti o zelo com que te empenhaste em realizar tudo lato, vleto que não eabes alcan­ çar a última virtude que falta, a única coisa que poderia fazer-te entrar no reino de Deus. [. .. I, Na realidade, estiveste bem longe do grande mandamento, e te mostraste falso com aquela tua afirmação de ter amado o teu pró­ ximo como a ti mesmo. Eis que o convite do Senhor te demonstra o quanto estás longe da caridade. Com efeito, se fosse verdade o que aflrmeste, que desde a Juventude praticaste a caridade, dis­ tribuindo a cada um a meema parte que reservas para ti, de onde viria esta grande quantidade de riquezas? O fato de partilhar com os pobres acaba com o patrimônlo; porque, segundo as suas neces­ sidades, cada um recebe aquele pouco que lhe é necessário, mas todos põem em comum oe próprioe bens e gastam ao mesmo tempo para si mesmos. Assim quem ama o seu próximo como a si mesmo não possui nada mais, para o supérfluo, de quanto tem o seu próximo. Mas todos sabem que tens muitas riquezas. De onde virão elas? ~ claro que consideras mais importante a tua vantagem peseoal do que a ajuda prestada aos outros. Assim, estás !ante mais repleto de riquezas quanto mais pobre de caridade; se tlvessas amado o teu próximo, há tempo te terias empenhado em compartilhar com os outros os teus bens. Mas agora as tuas riquezas aderiram a ti mais do que teus membros; se eetas riquezas te fossem arrancadas, sofrerias mais do que se te arrancassem membros do teu corpo. Se tivesses vestido aquele que eatá nu, se tivesses estendido o teu pão ao faminto, aberto a porta ao forasteiro, se te tivesses tornado pai dos órfãos, se tivesses misericórdia com o Infeliz, com que riqueza te preocuparias hoje? Como podarias hoje sofrer por te despojares do que te resta, se já há tempo te tivesses dedicado a compartilhá-Ia com os pobres? No mercado ninguém se lamenta peJo fato de gastar o que lhe pertence, a fim de conseguIr aquilo de qua precisa; antes, quanto menor for o preço que paga para comprar as coisas de malar valor, tanto mais se alegra por ter feito um bom negócio. Tu, pelo contrário, te queixas de tar dado ouro, prata, bens - que não passam da pedrae e pó - , para obter a vida eterna. 2. Mas para que te servem as rlquazas? Quares vestir-te com roupas mals caras? Mas basta-te uma brave túnica de um metro de comprimento a um só manto para cobrir-te; Isto satisfaz toda


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BAstLlO DE CESARJ1:IA

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necessidade de vestuârlo. Será que as riquezas te servem para viver com mais ebundãncla? Um s6 pão é suficiente para aaclar o teu ventre. Por que, pois, te afliges? De que coisa te sentes privado? Da gl6ria que a riqueza proporciona? Se não procurares a gl6rla terrena, encontrerás a verdadeira glória, esplendorosa, que te conduzirá ao reino dos céus. Mas o fato de possuir rIquezas - me dirás - é uma coisa agradável em si mesma, ainda que disto não se tire utilidade alguma~ Realmente, é sem vantagem e utllidsde algums este culto das coisas inúteis, como todos sabem. Talvez te pareça estranho o que estou para te dizer. e contudo é muito verdadeiro: quando 88 riquezas são disseminadas na maneira indicada pelo Senhor, se conservem; mas se são acumuladas, paasam para ao mãos de outros. Se as guardas ciosamente, não as poderás ter; se as distribuis, não as perderás. Dá largamente sos pobres, e a tua justiça permanece para sempre~" Não, não é por causa do veatuário nem por causa do alimento que tantos ficam prlaloneiros do desejo das riquezas. O dia­ bo propõe todo tipo de aliciamento aOS ricos, sugerindo mil ocasiões de gastar suas riquezas, e asstm chegam a desejar cotaaa supérfluaa e InúteIs como se fossem Indlapensávels, e nada consegue satis­ fazer sua necessIdade de continuas despesas. [ .. ~].

3. Mas quando, depois de tê-lo esbanjado de mil maneiraa, ainda resta multo dinheiro. este é enterrado e conservado em lugares secretos. "O futuro li Incerto, e nunca estamos certos de que não se apresenta uma necessidade Imprevista." Reelmente. é Incerto se um dia teráa necessidade de teu ouro enterredo; o que sem düvtda niio é Incerto é o csstlgo que te será infligIdo por teu egofamo; se nem com mil Idélao conseguiste gostar completamente as tuas riquezas, as escondes debaixo de terra! ~ realmente ume grande loucura. Quando ainda estava mtsturado com a escória, o ouro era procurado dabaíxo da terra; depois que foi descoberto. é enterrado novamente. Creio, aliás, que, enterrando teu ouro, estás enterrando também teu coraçllo: Onde está o teu tesouro. a/l estará também teu coração. 8 7 Por Isso 08 mandamentos tornam tristes os ricos; 8M para eles a vida se torna Intolerável se não passam o tempo gastando Inutilmente. O caso deste Jovem, e de outros como ele, parece-me semelhante àquele de um via/ante que. impelido pelo desejo de

IIOMILIA VII. lN DtVlTES

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visitar uma cidade, procure com grandes esforços alcençá-la; depois, tendo-se hospedado em um hotel que fica perto das muralhas, tomado pela pregUiça de percorrer o último trecho de estrada, torna Inútil a fsdlga empregade até aquele momento e se priva de vlsltar os belos monumentos da cidade. Assim se comportam aqueles que aceitam observar os outros mandamentoa, mas se recusam a abandonar as suas prcprledadas. VI muitos que Jejuam, rezam, fazem penitência. observam todas as prátices da piedade que podem ser realizadas sem despesas: mas não dão uma moeda sequer de esmola aos pobres, Qual é a utilldada para eles das outras virtudes? O reino dos céus não os acolherá porque: ~ maIs fácil um camelo passar pelo burE/cade uma agulha, do que um rIco entrar 110 reino dos céus.·' A sentença é tão evidente. e quem B pronuncia não mente, mas poucos são os que se deixam persuadir ~ "Como viveremos depois de nos ~termos despojado de tudo? exclama. Qual será a organlzaçlío do mundo se todos venderem seus bens e se forem elimlnadaa as propriedades?" Não me perguntes qual é o sIgnificado profundo dos mandamentos dtvtnos. Aquele que estabeleceu a lei, saberá também como tomar a lei posslvel. De todo modo, o tau coração é pesado como que numa balança para verificar se ela se Inclina para a verdadeira vida ou para os prazeres &filmaras. [. .. I.

4. [. .. ] Se, além dlaso, também a tua mulher gosta das rlque­ zas, o mal li ainda malar, porque ela Inflama em tI o amor pela vida sensual, desenvolve o teu gosto peloa prazeres, exclta e provoca Inótels dese'os, sonhando com todos os tipos de pedras preciosas, pérolaa, esmeraldas, ametlstas, ouro para j6las, ouro para empres­ tar a Juro. Aselm S8 agrava a tua doença com todo este luxo pri­ vado de bom gosto. Além disso, eseas coisas não são para ela um capricho pessagelro, mas noite e dia ocupam seus pensamentos. Além disso. mil aduladores, antecipando-se aos seus desejos, lhe levam tintureiros, ourives, perfumistas, tscelõe•• recamedores de todos os tipos. Ela não deixa ao marido um momento sequer para respirar, oprlmindo-o continuamente com inflndas exigências. [. ~ ~] Quando é que se preocupará com a pr6pria alma aquele marido sujeito aos desejos da mulher? Como os furacões e as tempestades submergem os barcos deteriorados, asslm as paixões perversas das

mulheres transtornam os ânimos fracos dos maridos. Depots de esbanjar desta forma as riquezas com tais e tantas loucuras de um 36. Si 111,9. 37. MI 6.21.

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CI. MI 19,22.

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164

JlOMILIA VII, lN DlVlTES

BAStLIO DE CESARl!lIA

vida, dele espera os recursos para viver. Será que não é também pare as pessoas casadas o que está escrito no Evangelho: Se que­ res ser perfeito vende o que tens e dá-o aos pobres? Quando pedias ao Senhor uma prole numerosa e rezavas para que te fizesse pai de multas filhos, acrescentaste também: "Dá-me filhos de modo que possa transgredir os teus mandamentos, dá-me filhos de mo. do que eu não entre no reino dos céus"? Além do mais, quem dará garantias do comportamento do filho e esterá certo de que ele usará corretamente as riquezas que lhe são deixadas? [ ... ]

e da outra, que disputam para superar-se mutuamente em imaginar as aquisições mais absurdas, não é de estranhar que não sobre mais nada para ajudar oa outros. Se ouves estas palavras: Vende o que tens e dá-o aos pobres, a fim de conaeguir um passaporte para a felicidade eterna, tu te afastas entristecido. Se, pelo contrário, ouves o seguinte: "Dá as tuas riquezas às mulheres que gostam do luxo e dos prazeres, dá-as aos cortadores de pedras, 80S marceneiros, aos mosalstas. aos pintores", então te alegrarias como se conseguisses alguma coisa mais preciosa do que o dinheiro. 5. [ .. _] O mar conhece os próprios confins; a noite não ultra­ passa os seus limites que lhe foram determinados de uma vez por todas; mas o avaro não respeita o tempo, não reconhece um i1mite, não aceita uma substituição periódica, Imita a violência do fogo: tudo captura, tudo devora. Como os riachos pequenos próximos às suas nascentes, para 80S poucos alcançar outras correntes, ores­ cem enormemente e levam de roldão na corrente tudo o que encon­ tram pela frente e lhes obstrui O caminho, da mesma forma também os que adquiriram um grande poder se servem daqueles que oprl­ miram para provocar um dano maior [ ... I. Nada resiste ao assalto da' riqueza, tudo cede à sua tirania, tudo treme diante de sua pre­ pofência. [ ] 7. [ ] Contudo, qual o homem, rico e bem-vestido, que foi capaz de prolongar a sua vida por um só dia? Quem foi poupado da morte através da riqueza? Quem conseguiu manter-se longe da doença com a ajuda de seu dinheiro? Até quando este ouro, arma­ dilha da alma, anzol da morte, isca do pecado? Até quando as riquezas, que causam as guerras, forjam as armas, afiam as espadas? Por sua obra, os parentes esquecem os vínculos de sangue, os irmãos se olham com olhares assassinos; pela sede de dinheiro os deser­ tos ailmentam os homicidas, o mar, os piratas, as cidades os dela­ tores. Quem foi que fabricou os falsários? Quem gerou a mentira? Quem produziu os perjuros senão a riqueza, senão a grande preo­ cupação em adquiri-Ia? Oue fazeis, homens? Quem mudou os vossos bens numa traição contra vós? "Ajudam-nos a viver": as riquezas que vos foram concedidas tomam-se então um recurso para o mal? "servem para resgatar a alma": não são antes o motivo de sua per­ da? "Mas as propriedades são necessárias para os filhos": este é um motivo ilusório para a Vossa avareza, Com o pretexto dos filhos vos garantis a vós mesmos. Não deveis acusar um inocente: vosso filho tem o seu mestre, o seu tutor; recebeu. de outro a

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8. [ ... ] Aquele que não tem filhos, que outro bom pretexto aduzirá para a sua avareza? "Não vendo o que possuo, nem o dou aos pobres, porque me é necessário para viver." Portanto, o Senhor não é teu Mestre, o evangelho não é a regra de tua vida, maa és regra para ti mesmo I Vê. a que perigo te expõem estes teus pensa. mentos! Com efeito, o Senhor nos ordenou estas coisas como necessárias, tu pelo contrário as declaras tmpossfvets: Isto signi­ fica que te consideras mais sábio do que o próprio Legislador. "Mas depois que tiver aproveitado das riquezas por toda vida, farei dos pobres os herdeiros de todos os meus bens depois da morte, e os declararei senhores dos meus haveres com um testamento púbilco." Quando não viverás mais no meio dos homens, então te tornarás caridoso para com os homens? Quando eu te ver morto te chamarei benfeitor do irmão? Multo obrigado por teu zelo soli­ cito que, estendido no sepulcro e reduzido a pó, te tornaste pródigo nas oferendas e magnânimo. [ ... ]

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9. [. .. ] Também a ti Abraão dirá: Recebeste os teus bens durente a vida. 40 Não poderás passar pela via estreita e difieil, se não tiveres abandonado o impedimento das riquezas, (HomllJa VII, ln d/vites)

40. Lo 16,25.


GREGORIO DE NAZIANZO

III

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E porá as ovelllas li sua direita e à sua esquerda

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1. Irmãos e companheiros de pobreza -

com efeito, todos nós

somos pobres e necessitados da graça dIvina, e mesmo se parece que um 1eva vantagem sobre o outro. é apenas por insignifIcantes

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diferenças _, deixai-vos instruir sobre o amor aos pobres escutando

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não com coração indiferente, mas com aquele entusiasmo "que vos

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conquistará o reino dos céus. [. .. ]

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5. [ ... J Se pois, segundo o que atestam Paulo e o próprio Cristo, o amor é o primeiro. o maior dos mandamentoa, fundamento da lei e dos profetas,' considero que a sua expressão mais alta é o amor aos pobres, a benevolência e a compaixão para com os nossos semelhantes. Nada dá tanta honra a Deus quanto a misericór­

dia, porque nada é mais próprio do próprio Deus, pois a misericórdIa'

e a verdade te precedem, 2 e a ele deve ser oferecida miseri­

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S Mais do que qualquer outra coisa, ele responde à benevolência com benevolência, recompensando se­ gundo a justiça e pondo sobre o peso e como medida a mlseri·

córdia em vez de Julgamento.

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cõrdte. '

6. Devemos abrir o nosso coração a todos os pobres e aos

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sofredores. qualquer que seja a cousa de sua afliçeo, segundo o

preceito que nos ordena alegrar-nos com quem está alegre e chorar com quem chors .• Visto que também nós somos homens, demos

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aos outros homens o nosso tributo de caridade, às viúvas. quando

III

1. ct, Mt 22,36.8. 2. SI 88,15. 3. 0.6,6. 4. CI. I. 28,17.

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5. CI. Rm 12,15.

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GIl.EGóRIO DE NAZIANZO

168

houver necessidade, aos órfãos, aos exilados, aos que sofrem por causa da tirania dos patrões, ou por causa da desumanidade dos que estão no poder, por causa da dureza dos cobradores de impos­ tos, da ferocidade doa assaltantes, da rapacidade dos ladrões; a quem é vitima de um confisco, de um naufrágio; todos são dignos de com­ paixão, e se dirigem a nós como nós nos dirigimos a Deus quando temos necessidade de alguma coisa. [ ... ]

DE PAUPERUM AMORE, ORATIO 14

trclas aos olhos? E talvez, mesmo morando já numa casa, construi­ remos outras7 Para quem? Talvez nem para os nossos herdeiros, mas para estranhos, desconhecidos; para genta que não será nem amiga, mas Invejosa e inimiga, e isto é o pior que possa acon­ tecer. [ ] '·'1

16. Por Isso eles sofrerão abandonados aoa quatro ventos, e nós permaneceremos em esplêndidas casas ornadas com todo gê­ nero de mármores, reluzentes de ouro e prata, ricas de delicados mosaicos e de pinturas varlegadas que oferecem inimagináveis artl­

6. CI. Rm 12,5.

18. [

] Por que abandonar-nos aos prazeres, enquanto os

Irmãos estão na desgraça?

Não desejarei nunca estar na riqueza enquanto eles são afligidos pela miséria, ou com boa saúde sem levar alívio às suas feridas; nem ter abundante alimento e vestuário ou repousar sob um teta, sem conseguir-lhes - na medida do pas­ sivei pão, roupas, hospitalidade. Certamente, devemos deixar todas as coisas por Cristo, para poder segui-lo com sinceridade, tomando sobre os ombros a cruz, e para tornar-nos ágeis e rápidos rumo ao caminho do céu, livres de toda pela. Então ganharemos a Cristo, em vez de todo o mundo, feitos grandes pela humildade, ricos pela pobreza. Se não conseguimos mais, pelo menos parti­ lhamos com Cristo as nossas riquezas a fim de que, possuídas de maneira honesta e distribuidas aos pobras, sejam de alguma forma santificadas. Se eu semear para mim só, que eu semeie de modo que os outros recolham; ou, para servir-me das palavras de J6, que em lugar de trigo. a terra produza para mim urtigas, e espinhos em vez de cevede." Que o vento impetuoso e o furacão arranquem e dispersem o fruto das minhas fadigas, de modo que eu tenha trabalhado em vão. Mesmo que eu tenha construido celeiros onde armazenar os frutos de Mamona e para amontoar Mamona, que nesta mesma noite me seja pedida a alma," em compensação da­ quilo que acumulei indevidamente I [ ... ]

8. Todos n6s somos um s6 no Senhor, "tanto ricos como pobres, tanto escravos como livres, tanto sadios como doentes, e para todos não há mais do que uma só cabeça, Cristo, do qual tudo recebe vida. E, como fazem os membros de um corpo um para com outro, assim também fazemos n6s: cada qual se ocupa do outro, e todos de todos; por isso não negligenciamos, não abandonamos os primeiros a cair na desgraça que pode ser de todos, não nos alegramos por causa da nossa boa saúde, mas choramos pelas aflições dos irmãos: pensamos que a única segurança para o nosso corpo e a nossa alma está no amor que dedicaremos aos irmãos. 9. Mas alguns deles sofrem apenas por uma desgraça, pela pobreza', o tempo, o trabalho, a amizade, a famflla. a mudança das circunstâncias podem eliminá-Ia. Para os leprosos, pelo contrário, a' pobreza é tanto mais grave e desesperada à medida que, não tendo possibilidade de trabalhar ou de prover a si mesmos, lhes é tirado, com a mutilação da carne, todo meio para conseguir o necessário sustento; por isso neles o temor da doença prevalece 'sempre sobre a esperança da cura, por isso eles encontram pouca ajuda em tal esperança, que é o único ponto de apoio de tais Infelizes. Com efeito, à pobreza acrescenta-se a terrlvel doença, o pior, o mais atroz dos males, que com freqüêncla é evocada nas maldições. Mais ainda: muitfssimos não querem aproximar-se deles e nem vê-los, mas fogem deles, os temem, os evitam com desa­ ,grado, Sentir-se rejeitado e odiado pelos outros na desgraça inflige­ -lhes um tormento ainda mais grave do que a própria doença. Vendo a sua miséria, não posso deixar de chorar e o pensamento deles perturba-me profundamente. [ ... ]

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20. Não se glorie o sábio da sua sabedoria, diz o Senhor, não se glorie o rico de sua riqueza, não se glorie o lorte de sua iorçe,» ainda que estejam no cume da sabedoria, da riqueza, do poder. Depois acrescento também outra coisa: não se glorie quam goza de boa saúde pela sua eficiência, nem quem tem belo aspacto pela sua presença, quem é jovem pela sua Idade, nem, numa palavra, por nenhuma outra coisa exaltada pelo mundo; antes, quem quiser gloriar-se, glorie-se em conhecer e buscar a Deus,'0 em participar do sofrimento dos sofredores e em garantir um capital para a vida

7. J6 31,40. 8. cr. Lo 12,16-20. 9. Jr 9,22. 10. Ct. Jr 9,23.


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GREGóRIO DE NAZIANZO

futura. Todas estas coisas são fugazes e incertas e, como no jogo dos dados, passam e se tranaferem de um para outro, e nada per­ tence verdadeiramente a ninguém: ou acaba por obra do tempo, ou é levado embora pela inveja; estas, pelo contrário, são estáveis e eternas, não podem ser nem perdidas nem esbanjadaa, nem enganar a esperança de quem põe nelas toda esperança. [ ..• ] 21. Quem é sábio e saberá compreender estas coisas? 11 Quem saberá abandonar' os bens fugazes? Quem se apegará às riquezas eternas? Quem considerará as coisas presentes como caducas, e aquelas em que pomos as nossas esperanças como as únicas que permanecem? Quem discernirá a realidade da aparência, perseguin­ do aquela, desprezando esta? Quem distinguirá entre imagem e ver­ dade, entre moradia terrena e cidade eterna, entre terra de exilio e pátria, entre trevas e luz? Quem saberá ver o fundo lamacento e a terra santa, a carne e o espírito. Deus e o príncipe deste mundo, distinguir entre sombre da morte e vida eterna? Quem adquirirá o futuro com o presente, as coisas perenes com as caducas, o invisível com o visfvel? Bem-aventurado aquele que, [ ... 1 cructü­ cado para o mundo juntamente com Cristo, com Cristo ressurge e juntamente com Cristo sobe ao céu, herdeiro de uma vida que não é mais corruptível mas eterna [ ... 1.

22. Por isso, sigamos o Verbo, não procuremos descanso a não ser no céu, desprezemos as riquezas deste mundo: de tais riquezas aproveitemos só o bem que podem alcançar-nos; dando esmolas adquirimos riquezas para a nossa alma, partilhamos os nossos bens com os pobres para conseguir tesouros no céu. Dá uma parte também à alma, não apenas ao corpo, uma parte a Deus, não apenas ao mundo, tira alguma coisa ao ventre e reserva-o ao espirita, arran­ ca algo ao fogo e coloca-o em lugar que esteja livre das chamas terrestres, subtrai ao tirano e oferece a Deus. [ ... 1 23. Reconhece de onde se origina o fato de que exlstes. de que respiras, pensas e, sobretudo, de que conheces a Deus, de que esperas no refno dos céus, na Igualdade com os anjos, na contemplação da glória, hoje oculta num jogo de espelhos e de Imagens, então, na sua forma mais pura e resplandecente; que és filho de Deus, co-herdeiro de Orlsto e, ouso dizê-lo, tu mesmo um ser divino. De onde vem tudo Isto a de quem? E também para falar das coisas diárias e visíveIs, quem te deu a possibilidade de 11. Os 14,10.

DE PAUPERUM AMORE, ORATIO 14

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contemplar a beleza do céu, o curso do sol, o movimenlo da lua os bilhões de estrelas, a harmonia e a ordem, sempre renovadas: que brotam de todo o universo como do som de uma lira; as mu­ danças do tempo, o alternar-se das estações, o auceder-se dos anos, o ritmo igual do dia e da noite, a imensidão do ar, os frutos da terra, a Infinita auparflcie do mar, movida e imóvel, a profundidade dos rios, o correr dos ventos? Ouem te deu as chuvas, a agricul­ tura, os alimentos, as artes, as habitsções, as leis, o ordenamento social, a civilização, a amizade do homem para o homem? Quem te deu os animais, estes para domesticar e [unqlr, aqueles para o alimento? Quem te tornou senhor e rei de toda a terra? Por fim, para não elencar cada coisa, quem te deu tudo isto que distingue o homem de todo outro vivente? Não é talvez aquele que agora te pede, em troca de tudo isto, que ames os outros? Não nos deveriamos envergonhar, tendo recebido tanto dele, e esperando obter tanto, não oferecer-lha este único dom, o amor fraterno? Ele nos diferenciou dos animais e, somente nós entre todos os seres da terra, considerou dignos do dom maior; e nós nos comportamos como animais ferozes para com nossos semelhantes e nos deixamos corromper pelo prazer? [ ... 1 25. Imitemos a suprema e primária lei de Deus, que faz chover sobre justos e pecadoras e . faz surgir o sol sobre todos, sem dife­ rença.19 Ele eslende terras sem Iimiles, fontes, rios, florestas, para todas as criaturas terrestres. Para os animais alados criou o ar, e s água para os aquátlcoa, a proporcionou em abundância para todos os principais meios de suatento, não sotopostos ao domfnio de algum poderoso, não regulados por uma lei, não delimitados por um confim; deu-os em comum a todos, com abundância, deu-os de modo que não faltasse nada. Assim sublinhou a igualdade natural com igualdade dos dons, mostrando o esplendor de sua munificêncla. Maa oa homens iuntaram e esconderam ouro, prata, vestes sun­ tuosas ainda que supérfluaa, pedras preciosas e outras coisas aeme­ ihantes que são motivo de guerras, discórdias. de tlranlaa, e por Isao a sua loucura os endureceu na soberba. Excluem toda piedade para com os Irmãos daserdados, não se Inclinam sequer a dar o neceasárlo para viver. tirando-o do supérfluo (astúplda e grande IgnorânciaII nem pensam que pobreza e riqueza, IIbardade (como a chamam) e eacravidão e outras sernelhentes condiçóes aó apare­ ceram num segundo momento entre os homens e irromperam como

12. CI. MI 5,45.


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GREGóRIO DE NAZIANZO

DE PAUPERUM AMORE, O&ATI0 14

uma epidemia moral juntamente com o pecado, por ele mesmo inventadas. Mas no princípio, diz o Senhor, não foi assim. 18 No início, quem criou o homem deixou-o livre e senhor da sua vontade, obrigado a respeitar uma só prescrição e rico das delícias do pa­ raíso. Assim Deus queria que acontecesse para todo o gênero hu­ mano, através da semente do primeiro homem. A liberdade e a riqueza estavam ligadas à obediência de um único mandamento, ao passo que a verdadeira pobreza e a escravidão estavam na sua transgressão.

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38. Bem-aventurados os misericordiosos, diz o Senhor, porque encontrarão mtsorlcôrale.w A misericórdia não é a menor entre os bem-aventuranças, Bem-aventurado aquele que se preocupa cam o miserável e COm o pobre; 16 e ainda: Feliz do homem que tem pieda­ de e empresta; 17 e em outro lugar: Ele todo dia tem pena e em. presta. 18 Portanto tomemos para nós esta bênção, façomos de modo que sejamos chamados sábios, sejamos caridosos. Nem a noite te subtraia às obras de misericórdia. Não digas a teu próximo: "Yeíí Volta, e amanhã te darei"; lD não deve haver intervalo entre a intenção e a realização. Assim é, com efeito: a caridade não tolera adiamentos. Reparte o pão com o faminto, acolhe em tua casa os pobres sem 8brigo, veste Os desnudos, 20e faze estas coisas com solicitude e zelo. Quem faz obras de misericórdia, realiza-as com alegrla. 21 A pronta generosidade dobrará o valor da tua açâo. Com efeito, uma oferenda realizada de má vontade ou forçadamente perde todo mérito e toda beleza. Façamos beneficência com alegria, não com lamentações.

26. Desde que a inveja e a discórdia entraram no mundo, junta­ mente com a tirania falaz da serpente que nos encanta com a isca do prazer e joga os mais fortes contra Os mais fracos, desde aquele tempo o gênero humano, antes unldo, dividiu-se em muitos povos de diferentes nomes; a avareza rompeu a generosidade natural, lançando mão até mesmo da lei. que defende o poderoso. Tu, pelo contrário, conserva a Igualdade Inicial, não as suces­ sivas divisões, não a leí dos mais fortes, mas o do Criador. A.fuda com todas as forças a natureza, honra a liberdade primitiva, respeita a ti mesmo, livra da desordem a nOSSa raça, presta-lhe ajuda na doença, ajuda-a na pobreza. [ ... ] Torna-te um deus para o infeliz, imitando a misericórdia de Deus.

Se romperes as cadeias e os Jugos, 22 disse, isto é, a rnesqut­ nharla, as desconfianças, se deixares de hesitar e de murmurar, o que acontecerá? Grande e admirável graça! Oual e quanta recom­ pensa através desta! Então tua luz romperá como a aurora, e tua ferida logo se curará. 2 ' Ouem não deseja a luz e a salvação?

27. O homem não tem nada de tão comum com Deus como a possibilidade de fazer o bem; Deus pode fazê-lo de maneira bem maior, e o homem de maneira menor, mas um e outro, creto, se­ gundo as próprias forças. Ele criou O homem e o reconciliou depois da queda: tu não deves desprezar quem cai. Ele, tendo piedade da grande miséria do homem, mandou-lhe. além de todas as outras coisas, a lei, os profetas e. antes destes, a lei natural! não escrita, para julgar as ações: conduztndo-nos, aconselhando-nos, caatlqan­ do-nos: por fim, deu a si mesmo pela redenção do mundo; susci­ tando depois os apóstolos, os evangelistas, os doutores, os pas­ tores. H as curas e os prodígios; chamando-nos à vida, vencendo a morte, triunfando de quem nos havia vencido, dando-nos a aliança em Imagem, a aliança em verdade, os carismas do Espírito, o mis­ tério da nova salvação. [. .. ] Tu, pelo menos, não deves desprezar o Irmão, não deixá-lo de lado, não fugir dele como de um criminoso. um Infame, uma pessoa a evitar e a temer. [ .. .J

39. ( ... ] Foi indicado àquele jovem de onde brota e em que consiste a perfeição: no dar os próprios bens aos pobres. 24 Mas julgas que a caridade não é necessária. mas facultativa? Julgas que não é uma ordem, mas um conselho? Gostaria que fosse assim, de boa vontade acreditaria; mas espanta-me a mão esquerda de Deus, os bodes, as invectivas pronunciadas contra eles por aquele que fez aquela separação; 25 com efeito,' foram condenados a unir-se ao grupo dos pecadores não porque tinham roubado os bens dos outros, ou assaltado os templos Ou cometido adultário e realizado alguma 15. Mt 5,7. 18. SI 40,1. 17. SI 111,5. 18. S/ 36,26.

19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.

13. MI 19,8. 14. CI. EI 4,11.

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Is 58,7. 12,8. Is 58,6. Is 58.8. CI. MI 19,21. cr, MI 25,32-33. Rm


II GREGóRIO DE NAZIANW

174

outra ação proibida, mas porque não tinham prestado ajuda a Cristo na pessoa dos pobres.

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40. Por Isso, enquanto não é multo tarde, vós que sois servi­ dores de Cristo, seus irmãos, seus co-herdelros, acreditai naquilo que eu disse, visitai a Cristo, culdsl de Cristo, alimentai a Cristo, vesti a Cristo, acolhei a Cristo, honrai a Cristo, não só convidan­ do-o II vosaa mesa, como fez alguém,2. nem perfurando-o com ungüentos, como Maria, 27 e nem apenas.dando-lhe o sepulcro; como José de Arimatéla, nem conseguindo o necessário para s sepultura, como Nlcodemos, que amsva Jesus só pela metade,2. nem com ouro, prata e mirra. como fizeram 08 magos,211 antes daqueles, mas, porque o Senhor do universo quer mIserIcórdia e não sacrlflcios, 8. e compaixão, que vale mais do que mil gordos cordeiros: 31 ofereça­ mo-Ia a Cristo através dos pobres que hoje vedes prostrados no chão. para que, quando formos chamados deste mundo, eles nos acolham nas moradas eternas, no mesmo Cristo, nosso Senhor, a quem é dada a gl6rla pelos séculos. (De peuperum amare, oraflo 14)

AMBRÓSIO DE MILAO

EstarAs comigo no paralso 3. A minha sorte é o Senhor 1 [diz o Salmistal Como é raro encontrar alguém sobre a terra que possa dizer: A mInha sorte é o Senhor; que seja estranho aos vicias, distante da toda mancha de pecado, que nlio tenha nenhum comércio com o mundo, que não se deixe dominar por nenhum pensamento mundano, que não oculte em si as paixões da carne: não seja excitado pelo prazer. agul1hoa­ do pela cobiça, enervado pela Iasclvla, degenerado pela 'luxúria, vencido pela ambição, consumido pela inveja, preocupado com a.lgum interease: verdadeiro sacerdote, nascido para Deus, não para si mesmo. [ ... ]

9. Mas os ricos não estão em condições de ouvir estas colses. têm os ouvidos fechados e ensurdecidos pelo rumor das moedas; para eles, soa melhor o dinheiro do que as palavras divinas. Com efeito, aproximou-se do Senhor um rico, que não considerava o Senhor como sua parte na herança: tinha muitas riquezas, mas entre as muitas que tinha não enumerava o Senhor; na verdade, ele não tolera ser misturado com as coisas do mundo: O que pode haver em comum entre a Justiça 'e a Inlqüldade? 2 Este rico dIsse: Oue devo fazer pera conseguir a vIda eterna?' O Senhor lhe responde: Conheces os mandamentos: Não mates, não cometas adult6rlo, não levantes falso testemunho,' ensinando que a vida eterna está na­ queles mandamentos. Mas aquele, querendo ser reconhecido como justo, diz: Sempre observeI estas coIsas: que me falta aInda? Para que nem o dinheiro nem as riquezas fossem a sua parte de herança,

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26. 27. 28. 29. 30. 31.

cr, Le

7,36. CI. Jo 12,3. CI. Jo 19,39. cr, MI 2,11. MI 9,13. CI. Do 3,40.

1. cr. SI 118,57. 2. 2Cor 8,14. 3. Lc 18,IS. 4. Lo 18,20.


AMBROSIO DE MILAO

176

mas o Senhor verdadeiro Deus fosse a herança. disse-lhe o Senhor:

Se queres ser perfeito, vet, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nas céus; depois, vem e segue- me.' Aquele . que punha a sua sorte no ouro e na prata, sem os quais não podia viver. e junto com os quais Deus não podia constit uir a sua herança. ficou triste. Por Isso o Senhor afirmou que é Impossível que um rico entre no reino dos céus. mas o que é imposslvel para a avidez humana só pode tornar-se possível pela graça divina. 10. E ele disse ainda: Todo aquele que abandonar casas. ou Irmãos ou irmãs. ou paI, ou mãe. ou filhos, ou campos por amor de meU nome, receberá cem vezes mels, e terá por haranç a a vIda eterna. o Podemos também dizer assim: quem tiver seguido a Deus deixando a próprIa casa - e por casa entendem-se aqui todos os bens - e os próprio s familiares. é conatltuldo como herança do Senhor e Deus é a sua herança. obtém a vida eterna e visto que se torna rico já nesta terra obtendo o cêntuplo. eis que o rico entra no reino dos céus. Por isso. se o' Senhor dá o cêntuplo das coisas que. mesmo sem malícia. geralmente criam dlflculdadea para a aquisição da herança eterna, dará como propriedade o cêntup lo do valor de uma só coisa possuída. o cêntuplo do peso de ouro, para cada medida de peso. 11. Com efeito, ssbemos que' multas que deram seus bens aos pobres já nesta vlds se tornaram ainda mais ricos; mas não devem esparar do Senhor tal racompensa nesta vida, nem esperar os bens do mundo: mas algo muito maior, porque quem deixou todas as coisas tem a Deus como herança. Ele é a recompensa perfeita de todas as virtude s. e não se mede com o cálculo do cêntupl o, mas com o valor da máxims perfeição: Eu. diz, sou o teu Deus: ' não disse: "Serei ".' mss: "Agora o sou, agora habito. 'agors possuo". Não faz nenhuma dilação quando ouve a confissão de fé do Justo. Certamente disse também: Hoie estarás comIgo no paraís o;' pro­ mete algo no futuro. mas não quer sdiar no tempo o que só é futuro pelo Interva lo de um dia.' Assim diz: Estarás comigo no paraíso. mas acrescenta: boie, para não empobrecer a graça. adiando-a.

5. MI 19.20-21. 6. MI 19,29. 7. Gn 17.1.

a. Lc 23,43.

EXPOS ITIO PS.

iza, e.

8; EXPLANATIO PS. 48

177

12. Não só a ele o Senhor diz: Hole estarás comigo no perelso ,

mas diz também a ti: Estarás comígo no paraíso, se confess ares o senhor Jesus, Se junto a ele Intercederes por tl, se também tu dissere s: Lembra-te de mIm, Senhor, quando estiveres no teu reino; D mas não diz a ti: Hoie estarás comigo, dl-lo ao mártir: Hoie estarás comigo no paralso. Não o diz a ti, porque ainda estás neste corpo febricit ante. impaciente, ávido das coisas da terra. Quando puderes dizer: Rompeste 8s mInhas correntes,lO ou seja, interrom peste o curso desta vida, me libertas te deste corpo votado à morte ." então te dirá: Hoie estarás comIgo no paraíso. 13. Portanto deves ter. ó homem, Juntamente com as multas metas que te propões, também o projeto desta herança. O Senhor te apresentou a possibilidade de ter como sorte o ouro. s prata. os cargos honoríficos, a fama Ilustre; propôs-te também a possibi­ lidade de tê-lo como herança. Tens muitos tipos de herança s. escoo lha a que preferes. Não te confunda a quantidade, mas ta faça alcançar a graça; não te desvie a fadiga. mas te solicite o êxito.

[Exposltio Psa/ml 118. s. 8)

Mas a vossa pálrla eslá nos céus

16. Quem tiver observado os mandamentos da vIda não verá tumba, 13 ao passo que verá marrar aqueles que neste mundo se julgavam sábios e multo prudentes; isto se refera de modo particular aos escribas e farIseus, que reIvindicam pata si o ensinam ento nas sinagogas, como se tivesse m o primado da sabedoria. Inutilme nte se agitsm, Julgando estar justifica dos por uma oferenda em dinheiro, enquanto desprezam o valor espiritual de sua alma, o sacrlffclo irrepetí vel do corpo do Senhor pela vã Interpretação da lei, rejei­ tando o sacramento do batlsrno: com efeíto, o sangue dos bodes e dos touros não redime ninguém, mas o sangue de um só, Cristo, liberta todos os homens. do qual no levltlco está a imagem . não a verdade: não fomos libertados pelo valor das moedas. mas pelo preço do sangue dele somente. 8

17. Irmãos, sejamos seguidores de Deus, para que ninguém de nós deva perecer no dia em que serão condenados à morte eterna 9. 10. 11. 12.

Lc 23,42. SI 115,16. CI. Rm 7.24. SI 48,11.


AMBROSlO DE MILãO

EXPLANATIO PSALMI 48

179

178

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III

os sábios deste mundo, e os chefes supremos dos Judeus: quando o Insensato e o tolo perecerão luntos; 18 um e outro representam' duas coisas diversas: tolo é quem não sabe nada e compreende de maneira boba; Insensato é aquele que tem um conhecimento maldoso. O Insensato diz: Deus não existe, U enquanto é maldoso, não porque não conheça a justiça; comete iniqüidade pela maldade do seu coração; é chamada também perverso, porque quer destruir a justiça com a sua malícia, não porque ignore a justiça. Estes dois tipos de homens, pois. o Insensato e o tolo, quando morrem, deixam a pessoas estranhas as suas riquezas;" com efeito, não têm um herdeiro legitimo de sua tolice e malvadeza. Com efeito, os her­ deiros legítimos dizem: Somos filhos de Deus. Se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herde/ros de Cristo. Porque, se tomamos parte nos seus sofrimentos, também tomare­ mos parte na sua g/Órla. ,. Por isso os Insensatos não possuem riquezas, visto que não têm nem herança: quem não tem fé não tem propriedade, não tem bens; com efeito, ao crente pertence o mundo Inteiro. Não têm herança porque a única herança é para quem crê no Senhor. Mas têm as suas riquezas, e por Isso o avaro diz: Não tenho onde colocar as minhas colheitas;" na realidade, .não são verdadeiras colheitas; a verdadeira colheita do avaro está no seu dinheiro, e o Senhor diz ao 'avaro: Vai, vende o que tens; depois, vem e segue-me: 18 os bens que poaauimos não são um bem perfeito; mas os bens dos avaros são aqueles que podem tornar-se uma ajuda para o próximo; por isao o Senhor diz ao avaro: "Vende estas coisas que julgas tuas. mas que tuas não são, de modo que como um rio fluam sobre os outros; e segue-me, de modo que aprendas a conhecer o bem Imor­ tal". Os sábios, pois, a quem o Senhor oculta o que revela aos pequenos, ,. são levados à rulna. Perecarão e astarão Juntos no mesmo lugar com o Insensato e o tolo, e deixarão a outros as suas riquezas, porque a maldade não pode ter um herdeiro legitimo.

18. O sepulcro será sua casa para sempre, e sua morada para todas as gerações; e no entanto deram seu nome ê terra. A Escrl­

tura sempre afirma que os sepulcros serão o destino dos homens sem valor, como a gente corrompida e ávida das coisas do mundo: A sua garganta é um sepulcro aberto." Para estes, pois, que vivem sem perspactivas escatológicas, o sepulcro constitui a casa. Porque a casa dos Justos não está sobre a tarrs, mas no céu, como nos ensinou o Apóstolo dizendo: A nossa pátria, pelo contrário, está nos céus. 00 A nossa caaa li a própria casa de Crlato, e por isao a Sagrada Escritura afirma: Moisés, por sua parte, foi fiei em toda sua casa, como servo, para dar testemunho das coisas que Iam ser ditas. Mas Cristo foi fiei na qualidade de Filho, posto ê frente de sua casa. 2S Portanto, para o Justo a caaa é a igreja, para o Justo a' pátria é o céu, por isso o Justo diz: Junto a ti sou um forasteiro sobre a terra, um estrangeiro como todos os meus pais. o. Para os luxu­ riosos a casa é o sepulcro; com efeito, aqueles que ousam dizer: vivem como Comamos e bebamos. porque amanhã morreremos, num sepulcro, sem esperar na ressurreição. Permanecem pregados e sepultados am seus túmulos porque não acreditaram poder ressus­ citar: sua habitação é o sepulcro, que permaneca sua morada para todas as garações sobre a terra: eles deixam seus corpos como herança aos vermes, de modo qua sua mamórla pardure apanas sobre a terra a não passa para a vida eterna.

o.

19. Portanto deram seu nome à terra,'· porque suas obras são corruptíveis e mundanas; o seu nome permanecerá ali onde ales escolheram viver. Pelo contrário, àqueles qua souberam elevar as suas obras. assim se fala: Entretanto, nllo vos e/egrels porque os esplrltos se submetem e vós, mas alegrai-vos porque vossos nomes estão escritos no céu." Disto compreendemos que com justiça Daus censurou os que constroem sepulcros para si a suntuosos monumentos fúnebres para os profetas. Com efeito, os judeus eram acusados de honrar com um culto terreno, não com dons eternos, os profetas que eles haviam matado." Por Isso proíbe sos discl­ pulos Ir sepultar o pai,'· porque o ânimo dave estar voltado sampre

o.

13. SI 46,11. 14.' SI 13,1. 15. SI 48,11; cl. Lc 12,20. 16. Rm 8,16-17, 17. Lc 12,17.

18. MI 19,21. 19. Cf. Mt 11,25. 20. SI 46.12.

21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 26. 29.

SI 5,10. FI 3,20. Hb 3,5-6. SI 36,13. Is 22,13. Si 48,12. Lc 10,20. CI. MI 23,29. CI. Mt 6.22.


AMBRóSIO DE MILAO

DE OFFICIIS 1:111

180 e só para o Psi celeste. No Livro de lsalas encontrsmos: Por que escavaste e construlste. para ti um sepulcro?'o Tsmbém Maria é censurada por ter procurado Cristo no seputcro.P Abandona os sepulcros, como os abandonaram aqueles que ressuacitaram dos túmulos ouvindo a voz do Senhor, no tempo da sua paixAo,32 não habites entre os mortos, tu que vives. Ouve a voz de Jesus que te ressuscita: Desperta, tu que dormes, levanta-te dos mortos," para que a luz de Cristo te ilumine para sempre. A sua luz é o Espírito Santo que Iluminou os santos apóstolos, dividindo-se em linguas de fogo.

o

(Explanatlo Psa/mi 48)

açambarcador de trigo é amaldiçoado pelo povo

I, 36. Todo dever pode ser "médio" ou "perfeito", e bem pode­ mos mostrar Isto com a autoridade das Escrituras. Com efeito, encontramos no Evangelho que o Senhor disse: Se queres entrar na vida guarda os mandamentos. "Quais"?, perguntou o jovem. Res­ pondeu de novo Jesus: Não matar. não cometer adultério, não roubar, não proferir falso testemunho; honra pai e mãe e assim amarás o teu próximo como a tI mesmo.' 4 Estes são os deveres "médios", aos quais falta alguma coisa.

37. Depois o jovem disse: "Tenho guardado tudo isso. Que me falta ainda?" Jesus então concluiu: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me". aIS Já antes encontramos escrito isto. ali onde se diz que devemos amar os Inimigos e orar pelos que nos caluniam e perseguem, e abençosr quem nos insulta." Assim de­ vemos comportar-nos se quisermos ser perfeitos como o Pai nossa que esté nos céus, que manda o sol difundir seus rslos sobre bons e maus, e que envia a chuva e o orvalho para dessedentar a terra de todos os homens, sem nenhuma discriminação. Por isso este é dever perfeito (que os gregos chamam "ação realizads retamente")

com o qual se emendam todas aquelas ações que podiam ter em si algum erro.

38. Também a misericórdia é coisa boa, mais ainda, torna perfeitos, visto que Imita o Pai que é perfeito. Nada engrandece tanto o ânimo do cristão quanto a misericórdia: antes de tudo para com os pobres, de modo que se considerem comuns a todos os produtos da natureza: ela faz nascer os frutos da terra para proveito de todos, de modo que demos aos pobres os bens que poasutrnos e ajudemos os que, semelhantes a nós, compartilham a nossa sorte. Tu dás uma moeda e ele recebe com que viver; dás dlnholro e oste é para ele toda a sua substância. Os teus poucos centavos são para ele a riqueza.

39. Ele te dâ mais do que lhe deste, pois te é devedor de sua vida. Se vestes aquele que está nu, revestes a ti mesmo de justiça; se acolhes em tuacass o forasteiro, se cuidas do indigente, ele te consegue a smizade dos santos e a morada eterna. Este não é um beneficio de pouco vslor. S.emelas bens materiais e recolhes bens. espirituais. Admiras os julzos do Senhor sobre o santo Jó? Admira-te antes com sua virtude, que o fszls dizer: Eu era os olhos do cego e os pés do coxo; eu era o pai dos Indigentes, e patrocI­ nador da causa dos aesconnectdoe.v' A lã de minhas ovelhas o aquece." O peregrino Jamais passou a noite fora, mas abri ao viandante a minha porta.'. Verdedeiramente feliz aquele que nunca deixou sslr da 'sua casa o pobre com s bolsa vszisl Com efeito, ninguém é mais feliz do que aquele que conaegue compreender as necessidsdes do pobre e do fraco, e a mlsérls de quem está des­ provido de tudo. No dls do julgamento receberá do Senhor a salva­ ção, 40 o terá como devedor ds próprls misericórdia. III, 37. A busca do lucro não prevslece sobre a honestidade, mas a honestldsde sobre o lucro; falo daquele lucro que é apreciado pela mentslidsde corrente. Cesse a cobiça, morra a concupiscência. O santo afirma que não entrará nos negócios, porque procurar obter o aumento dos preços não é fruto de honestidade, mas de astúcia. E outro diz: Quem procura ganhar no preço do trigo é amaldIçoado

entre o povo. '1 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36.

~

Is 22,16. CI. Jo 20,15. CI. Mt 27,52. EI 5,14. MI 19,17-19. MI 19,20-21. CI. MI 5,43-46.

181

37. 3S. 39. 40. 41.

Jó 29,15-16.

Jó 31,20.

Jó 31,32. C1. SI 40,2. Pr 11,26.


1(1:1

182

AMBROSIO DE MILAO

38. ~ uma afirmação por todos aceita, que não dá lugar a dispu­ tas, [ ... ) dizer que a agricultura é considerada digna de louvor, que os frutos da terra aão honastos, que tanto mais será louvado aquele que mais tiver semeado, que os ganhos obtidos com o maior trabalho não são frutos de fraude e que, palo contrário, é Justa a censura pela negligência e Incúria com um terreno não cultivado. . 39. "Lavrei com diligência, diz o camponês, semeei abundante­ mente, trabalhei com todo cuidado, tive boas colheitas, transportel-as com grande fadiga, conservei-as com atenção, guardei-as com previ­ dência. Agora no tempo da carestia as vendo, socorrendo os famin­ tos; vendo meu trigo. não o de outrem, não vendo mais caro do que os outros, pelo contrário, e um preço menor. O que há de mal nisto, vlato que muitos poderiam encontrar-se em má situaçlio se não tivessem algo a comprar? Será que a laboriosidade é crime? Criticaremos a economia? Censurare moa a previdência?" Este po­ deria também dizer: "Também José acumulou trigo no tempo da abundência e o vendeu durante a carestia. Será que alguém está obrigado a comprar por preço mais elevado? Ou se estará fazendo vlolêncía ao comprador? A todos é dada a oportunidade de comprar, não se. comete Injustiça contra ninguém I"

41. Dos frutos da terra fecunda deves esperar o ganho para o teu trabalho, da fertilidade e da riqueza da terra podes esperar o Justo lucro. Por que transformas em fraude a laboriosidade da natureza, por que aubtrals ao uso comum os frutos que são desti­ nados a todos? Por que limitas a abundãncta ao povo? Por que invocas a carestia? Por que te comportas de modo que os pobres desejem que a terra não produza mais fruto? Com efeito, eles nlio aproveitam dos beneffclos de sua fertilidade, porque aumentas os preços, açambarcas o trigo, e por Isso preferem que nlio se produza mais nada, de preferência a negociares com a fome de todos. Desejas a falta de trigo, a eecaasez de alimento, lamentas a riqueza das colheitas, choras quando todoa estão na abundância, conside­ ras-te perdido se vês os celeiros cheios de cereais, esperas com ansiedade que os frutos se tornem escasaos, as colheltaa, mais pobres. Alegras-te se o mau augúrio de que nada mais cresça para ninguém realiza os teus desejos. Alegras-te por ter vendido a tua colheita precisamente no momento em que podes amontoar para ti riquezas com a miséria dos outros; chamas laboriosidade, consi­ deras prudência o que não passa de esperteza ardilosa e astúcia fraudulenta; chamas remédio o que é Invenção de inlqüidade. Não

DE OFFICIIS I; III

183

devemos antes chamá-Ia roubo ou usura? Explorando as ocasiões, como por um roubo, te insinuas insidiosamente e sem coração nos maios de sustento dos homens. Aumenta-se o preço, como se fosse aumentado pelo cõmputo do juro, o que aumenta o prejulzo para as pessoas. Por tua causa multiplica-se o ganho sobre os pro­ dutos' acumulados e tu como um usurário ocultas o trigo, como um mercador o vendes em leilão. Por que desejas o mal para todos, que venha uma carestia sempre maior, de modo que não permaneça mais nenhum produto e o ano seguinte seja ainda mais estéril? O teu ganho está no prejuízo comum. 42. O santo José abriu todos os seus celeiros; 42 não os fachou, não buscou o ganho sobre o trigo; garantiu uma reserva duradoura; não tomou nada para si, mas agiu de tal modo que, com previdentes disposições, também no futuro se pudesse evitar a carestia.

43. Lemos como o Senhor Jesus no evangelho descreve o explo­ rador' de preço do trigo, cuja terra havia produzido uma sbundante colheita e ele; como um pobre, andava dizendo: Que farei, visto

que nãer tenho onde' armazenar as minhas colheitas? Demolirei os meus celeiros e construirei outros maiores," não llaben'doque na noite seguinte se lhe pediria a alma. Estava Incerto sobre o que fazer, estava' Inseguro como se lhe faltasse o alimento. O~ celeiros não podiam conter todo o trigo e ele pensava estar na indigência. 44. Acertadamante diz Salomão: Quem. conserva o trigo o dei-· xaré às nações," não aos herdeiros, visto que o ganho produzido

pela avareza não passa aos sucessorea. O que foi acumulado com a injustiça é dissipado pelos estranhos que o dispersam como ven­ tos violentos. E acrescenta: Quem <í açambarcador de trigo é amal­

diçoado pelo povo; mas a Mnção estaré sobre a cabeça dos que compartilham." Vãs, pois, que é colaa conveniente distribuir o trigo e não especular sobre o preço. Não é verdadeiro ganho aquele em que se tira da honestidade mais do que se adquire como van­ tagem. (De offlclls I; III)

42. CI. Gn 41,588a. 43. Lo 12,17-18. 44. Pr 11,28.

45. Ibld. Ambrósio cita em breve distAncia o texto de Pr 11,28 de formas diferentes.


AMBRóSIO DE MILAO

184 AI de vós, ricos

53. Bem-sventuredoe os pobres. 4' Nem todos os pobres são bem-aventurados, visto que a pobreza é uma situação neutra: pode haver pobres bons e pobres maus, a não ser qua antendamos como bem-aventurado o pobre descrito pelo Profeta, quando diz: É melhor um pobre Justo do que um rico mentiroso. 4T Feliz o pobre que gritou e que o Senhor ouviu: 4. pobre de pecado, pobre de vlcios, pobre Junto ao qual o príncipe do mundo nada encontrou.é" pobre na imitação do pobre que sendo rico se fez pobre por nós. '" Por isso Mateus diz de maneira mais completa: Bem-aventurados os pobres de espirita:" porque o pobre de espírito não se incha, não se exalta em seus pensamentos terrenos. [ ... 1 69. AI de vós, ricos, pois Já tendes a vossa consolação. Embora a abundância das riquezas 'possa provocar muitas solicitações ao mal, contudo às vezes pode também ser um incentivo à virtude. A virtude certamente não tem necessidade de tais ajudas, e a contribuição do pobre tem mais' valor do que a generosidade do rico, contudo o Senhor condena com a autoridade da sua afl rmação celeste não quem possui as riquezas, mas quem não as usa bem. Como é mais digno de louvor o pobre que compartilha o seu junto a outros com solicitude de coração, nem é Impedido ou retido pela miséria que o ameaça e não se considera pobre se possui apenas o que é necessário para a sua condição; assim é mais repro­ vável o rico que deveria pelo menos dar graças a Deus pelas riquezas que recebeu, e não subtrair, sem que sejam uaados, os bens dados para vantagem da todos, não guardar os seus tesouros sepultados debaixo da terra. Portanto, não é a riqueza que deve ser condenada, mas a cobiça. Ainda que por toda a vida a mente do avaro se canse vigiando continuamente em uma mesquinha vlgilãncla - nenhum su­ plicio é mais grave do que este - para conservar com ansioso temor o que será útil para os herdeiros," contudo, visto que as preocupações surgidas por causa da cobiça e da avidez se alimen­

46. Lo 6,20. 47. Pr 19,1. 48. Ct. SI 33,7. 49. cr, Jo 14,30. 50. cr, 2Co, 8.9. 51. Mt 5,3.

52. Ct. Lo 12,1a-20.

EXPOSITIO EVANGELII S. LUCAM V; VII

185

tom como que num sutll prazer. quem teve a sua consolação nesta vida perdeu a recompensa na vida eterna.

70. Podemos interpretar aqui, na figura do rico, o povo judeu, ou os hereges', ou então os filósofos do mundo que, comprazendo-se na abundância dos discursos e na riqueza de uma ambiciosa elo­ qüência, acumularam um inútil tesouro plsoteando a simplicidade da fé. Não é verdade que quando ouves um herético discutir com os raciocínios do mundo sobre a maneira como o Senhor foi gerado, te parece rico de palavra, mas pobre de fundamento? Este está convicto de ter uma grande riqueza, nesta vida, mas na futura reco­ nhecerá a sua falta de fé e, consumido por sua fome eterna, saberá que o alimento de perfídia que vomitava quando estava neste mundo é a causa de seu grande sofrimento. Tempo virá em que aqueles que agora riem de vossss palavras chorarão de seu riso. (Expositio Evange/il secundum iucem Vj

A vida vale mais do que o alimento

e o corpo, mais do que a roupa 122. Alguém do melo da multidão lhe disse: "Mestre, dize 8 meu Irmlio que reparta comigo a nossa herança". Jesus lhe res­ pondeu: "Meu amigo, quem me constituiu vosso Juiz ou vosso árbi­ tro?"" Toda esta passagem é posta aqui para ensinar a enfrentar o sofrimento .que nasce da profiaallo da fé no Senhor tanto no desprezo da morte, como na esperança da recompensa, e também sob a ameaça de um auphclo eterno sem nenhuma perspectiva de perdão. Visto que com freqüência é a avidez do dinheiro qua tenta a virtude, vem logo aprasentado o preceito e o exemplo para ellml­ ná-Ia, com a palavra do Senhor: Quem me constituiu vosso Juiz ou vosso árbitro? Ele evita precisamente os Interesses terrenos por­ que viera para os interesses divinos, e não considera justo fazer-se juiz dos IItfgios e árbitro das propriedades, Visto que tem o poder de julgar vivos e mortos e de dacidlr sobre os méritos. Por isso devemos ter presante não o que pedimos, mas a quem apresenta­ mos o nosso pedido, e considerar que um espirlto voltado para as coisas mais ímportantes nllo pode ser Importunado por aquelas insig­ nificantes. Por isso acertadamente Cristo rejeita o pedido deste irmão que pretendis que o Senhor dos bans ceieates se lnteressasse 53. Lo 12,13-14.


AMBRóSIO DE MILAO

'pelas questões corruptlveis, pois entre irmãos não deve ser media­ dor o juiz, mas é o afeto que deve Intervir como intermediário na partilha do patrlmõnio; além do mais. é o patrimõnio da lrnortallda­ de, não dos bens terrenos, que o homem deve buscar. Com efeito. é Inútil acumular riquezas quando nem sabemos ae poderemos va­ ter-nos delas; como aquele que, vendo os celeiros cheios ceder sob o peso das novas colheitas, preparava os paióis para as abundantes colheitas sem saber para quem as esteva acumulando." Com efeito, permanece no mundo tudo o que é do mundo e foge de nós o que pomos de lado para os nossos herdeiros, porque não podemos dizer nosso o que não podemos carregar conosco. Só a virtude acompanha os defuntos, só a misericórdia nos segue. Condu­ zlndo-nos e precedendo-nos no céu, consegue para os defuntos as moradas eternas. valendo-se do vulgar dinheiro: assim nos ensina o Senhor quando nos diz: Conquistai amigos com a riqueza Intusta para que, quando vier a faltar, esses amigos vos acolham nss mo­

radas eternas. tslS Portanto. este é um ensinamento vantajoso. salutar e eficaz para encorajar também os avaroa à querer mudar as coisas corruptí­ veis naquelas eternas, as terrenas nas divinas. Mas, visto que com freqüêncla o compromisso da fé se torna diflcll .pela fragilidade humana, e quando nos convencemos de que devemos distribuir os nossos bens somos impedidos pela preocupa­ ção de como poderemos vlv'lr, à Senhor assim prossegue: Nio imo deis multo preocupados em re/açlio II vossa vida, com o que tereis para comer, nem em re/açlio 80 corpo, com o que tereis para vestir. A vida vale mais do que o alimento e o corpo msls do que a roupa. tiS . 123. Nada é mais conveniente para manter a fé, naqueles que crêem que Deus pode tudo, quanto pensar no sopro espiritual que mantém sem Interrupção a relação vital da slma e do corpo, unidos em allença de vida, sem fadiga de nossa parte, e na possibilidade de dispor dos alimentos salutares que nunca falhará, a não ser quando chegar o supremo dia da morte. Visto, pois, que a alma é revestida com o Invólucro do corpo e o corpo pela energia da alma, é absurdo pensar que nos virão a faltar os meios de sustento, dado que possulmos em nós a realidade permanente da vida. 54. CI. Lc 12,16-20; SI 36,7. 55. Lc 16,9. 56. Lc 12,22-23.

EJO'OSITIO EVANGELII S. LUCAM VII; VIII

187

124. Olhal as aves do céu: esta é verdadeiramente um grande exemplo. digno de ser Imitado por aquele que tem fé. Com efeito, os pássaros do céu, que certamente não podem dedicar-se à sgrl­ cultura, não conseguem sozinhos abundantes colheitas de trigo e, contudo, a providência divina predispõe para eles Incessantemente o alimento. Isto significa que a cause real de nossa pobreza reside na cobiça. De fato, enquanto eles podem servir-se Com abundância de um alimento que não conseguem com seu trabalho, porque não sabem reivindicar como propriedada pessoal os frutos que lhes são dados como alimento comum, perdemos os . bens comuns a todos reivindicando os bens privados; com efeito, nada pertence a ninguém, pois nada dura para sempre, nem a propriedade é segura se não sabemos o que acontecerá no futuro. Por que considerar as riquezas como se fossem tuas, se Deus quis que tivesses em comum tam­ bém o alimento com todos os outros seres vivos? Os pássaros do céu não tomam para si nada de privado, e por Isso Ignoram a falta de alimento, porque não conhecem a inveja para com os outroa. (Exposlt/o Evangelil secundum Lucam VII)

é mais fácil um camelo passar palo buraco de Uma agulha 65. Um homem de pOsição lhe perguntou: "Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida aterna?" Jesus lhe respondeu: "Por que me chamam bom? Ninguém é bom senlio Deus"••7 Pergunta maliciosa, e por isso sutll resposta. Este notável que o tentava' chamou-o bom mestre, ao passo que deverle ter dito bom Deua. Com efeito, embora a bondade esteja na divindade e a divindade na bondade - com efeito, ninguém é bom senlio um s6, Deus, ao passo que todo homem é mentiroso" e tudo o que é mentiroso não á bom - , todavia acrescentendo bom mestre o definiu parcialmente bom, não totalmente; na raalidade, totalmenta bom é Deus, o homem só parcialmente. Por isso o Senhor diz: "Por que me chamas bom ae ninguém é bom senão somente Deus?" Por Isso não diz que não á bom, mas quer Indicar que ele é Deus: de fato, o que signi­ fica bom, senão cheio de bondade? Mas visto que está eacrlto: Não htl ninguém que faça o bem, nenhum sequer,'. sem dúvida Isto é dito dos homens, não certamente de Deus; porque Deus á um, 57. Lc 18,18-19. 58. 51 115,2. 59. 51 13,3.


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AMBRóSIO DE MILAO

188

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EXPOSITIO EVANGELII S. LUCAM VIII

189 mas não um de um número. Assim também o Filho de Deus tam­ bém é Indicado como o único, não como um entre os muitos; ele é o Unigênito. não um dos gerados. Assim: Ninguém é bom, não é um julgamento que se refere a Cristo, visto que ninguém pode julgar a Cristo; ninguém se refere a nós homens vistos todos juntos, mas em Cristo não há nada de comum conosco. [ ... ] 68. [ ... ] Por isso acertadamente o Senhor responde: Ninguém

é bom senão Deus, para admoestá-lo recordando-lhe que está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus, co e porque, antes, louva a Deus enquanto é bom. 69. Por isso o acossa repetidamente; e como o outro se gloria da lei, dizendo tê-Ia observado desde a sua juventude, para eviden­ ciar a sua inútil suficiência demonstra que lhe falta ainda alguma coisa que é própria da leI. Assim aquele é levado ao preceito da misericórdia e se torna triste, enquanto contra ele é pronunciado um julgamento que se inspira na ordem natural das coisas. 70. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus.· ' Afirmação multo forte, muito pesada. Com que outras palavras se poderia exprimir o COn­ ceito de que o rico não deve gloriarMse de suas riquezas de maneira mais vigorosa do que estas com que se afirma que é contra a natu­ reza para o rico ser mlaerlcordloso? Afastemos das palavras toda afetação e todo enfeite, que geral­ mente enfraquecem o discurso. Este homem devia ser esmagado, não adulado, visto que não aceitava ser misericordioso. Contudo, se alguém gostar das palavras ornadas mais do que dos discursos simples e das frases discretas, faça como os pretendentes avisados quando procuram mulheres; elee verificam os dotes Interiores, não os modos exteriores e não se deixam desanimar por uma aparência e por um aspecto pouco atraente, mas se interessam pela alma virtuosa; assim também ele busca o significado oculto das palavras, que é como o espírlto e a alma do discurso, e não se detém na superfície do mistério. 71. O camelo é considerado figura dos gentios; o leão, procuran­ do quem possa devorar, (';2 o impele ao deserto, como descrevem 60. Mt 4,7; Ot 6,15. 61. Lc 16,25. 62. lPd 5,6.

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as visões dos profetas, carregado com um tesouro: Na tribulaçlio e na angústia, leão e leliozínho, levavam às víboras e à raça de víboras voadoras as suas riquezas, sobre dorsos de asnos e

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os judeus, visto que este povo, degenerado por grosseiras supersti­ ções, tinha, antes de abraçar a fé, O aspecto desta besta horrenda, o seu andar desajeitado, o seu nariz disforme. Este pecador entrou

pela via estreita - ou seja, a via de Cristo que, forçando o limiar

da morte com os sofrimentos do próprio corpo, como uma agulha

consertou a veste rasgada, por assim dizer, da nossa natureza _

mais facilmente do que o povo judeu, rico da lei, pobre na fé,

temerário na paixão, infame na culpa.

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72. Além disso, esta expressão pode ser entendida como refe­

rida em sentido moral a todo pecador, a todo rico arrogante. Não

te parece que o publicano, tendo plena consciência de suas culpas,

não ousando elevar os olhos para Deus, graças à sua confissão

precisamente COmo um camelo entrou no buraco da agulha mais facilmente no reino de Deus do que aquele fariseu? Este, arro­ gante na oração, ostentando a Sua honestidade, atribuindo..e a glória, desprezando a misericórdia, elogiando a si mesmo, difamando os outros, teria querido ter parte com o Senhor, mais do que implo­ rá-Ia. Portanto, se o camelo causa horror, suscite horror aquele que nas suas ações é mais repugnante do que o camelo. [, .. ] 84. [ ... ] Agora, voltemos a fazer as pazes com os ricos; com efeito, não queremos ofender quem é rico, porque desejamos levar, possivelmente, a salvação a todos. De outro modo, oprimidos pela comparação com o camelo [ ... ] teriam o direito de se perturbar e ficar ofendidos. 85. Aprendamos que a culpa não está nas riquezas, mas em quem não sabe usá-Ias bem. Porque as riquezas para os maus são um obstáculo, mas para os bons são uma ajuda na virtude. Sim, '0 rico Zaqueu"' foi escolhido por Cristo; dando aos pobres a metade dos seus bens, devolvendo até quatro vezes o que havia defraudado - com efeito, uma das duas coisas não é suficiente, visto que a generoSidade não tem valor se permite a lnjustlça, e porque devemos saber dar e não apenas restituir _, recebe um prêmio muito mais rico do que aquele que ele deu,

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AMBIlOSIO DE MILÃO

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86. t bom que no Evangelho se fale deste chefe dos publicanos. Quem ainda poderá desesperar da salvação quando a obteve tam­ bám ele que tlrava seu ganho da fraude? O evangelho diz: Ele era rico, porque sabemos que nem todos 08 ricos são avaros,

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87, Por que a Escritura não falou da estatura da nenhum outro, mas só da dele? Porque era pequeno de estatura, 6' Talvez queira dizer que era pequeno por causa de sua mallcia, ou ainda pequeno com relação à fé; com efeito, quando subiu ao slcômoro ainda não havia prometido nada, ainda não havia visto Cristo: por Isso ainda ara pequeno, João é grande porque viu Cristo a o EspIrita qua pousava sobre Crlato, como uma pomba, como ele mesmo disse: VI o Espirita que descia como pomba e permanecia sobre ele. 66

88. E a multidão, não ara talvez uma mult/dão ignoranta, qua não podia chegar a ver a altura sublime da sabedoria? Por Isso Zaqueu não vê Cristo enquanto permanece no meio da multidão; elevou-se sobre a multidão e viu; ou seja, superando a ignorância da massa, consegue contemplar aquele que desejava ver.

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89. Acrescentou-se acertadamente: Porque o Senhor devia pee­ sar por ali, onde estava tanto o slcômoro como o futuro crente; ela realizava assim o deslgnlo providenciai e difundia a graça; para isto ale viera; para passar dos judeus aos gentios. VIu, poIs, Zaqueu no a/to; de fato, pela fé qua o havia alevado ela emergia entre os frutos das novas obras como na sumidade de uma árvore fecunda. E visto que passamos da tipologia ao significado moral, agora é belo retomar o ãnlmo deste dia dominical, convosco, crentes tão numerosos, e participar juntos da festa. Zaqueu no slcômoro representa o novo fruto da nova estação, em que se realizam as palavras: A figualra deu os primeiros frutos, com efeito, Criato veio para que as árvores dessem não frutos, mas homens. E lemos em outro lugar: Quando esteves debaixo da figueira au ta vl. 6 ' Natanael estava debaixo da árvore, ou seja. sobre a raiz, porqua ele era justo - com efeito, a raiz é santa _,69 contudo de­ baixo da arvore, porque sob a lei. Zaqueu am cima da árvore por­ que estava acima da lei; um defende o Senhor no segredo do cora­

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EXP. EVANGELIIS.LUCAM VIII; DE NABUTHAE HISTORIA.CC.lSS

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ção, 19 o outro O anuncia publicamente; o primeiro ainda procurava CriSto na lei, o segundo, Já mais alto do que a lei, deixava os seus bens e seguia o Senhor,

(Exposltio Evangalií eecundum Lucam VIII)

Quem ama o dinheIro nilo

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sacia nunca

I, 1. Quem está contente com aquilo que tam? Qual o rico que não sente o ãnimo acender-se pelo desejo de possuir os bens do vizinho? [. .. ) 2. Até onde fazeis chegar, 6 ricos, as vossas absurdas cobiças? Julgais que ficareis sós para habitar a terra? Por que reivindicar Só para vós a possa doa bens naturais? A terra foi posta aí em COmum para todos. ricos e pobres; por qua, vós ricos, vos arrogais o direito exclusivo de propriedade do solo? [. .. )

VI, 27. Já houve um inventor que conseguisse prolongar a vida humana ainda que por um s6 dia? Quem jamais foi subtraido aos infernos pelas riquezas? Alguém Já foi aliviado na doença pelo di. nhelro? Está escrito: A vida de um homem não depende de suas riquezas. 71 E em outro lugar: De nada servem os tesouros dos ini­ quos; pelo ccntrérto, a Inocflncia nos liberta da morte. 72 Com razão Davi exclama: Se as riquezas abundam, não apegueis o coração a elas. ra Porque de nada aervem se não silo capazes de libertar-me da morte. De que servem se não podem permanecer comigo depois da morte? 14 Adquirem-se aqui, abandonam-se aquI. Por Isso deve. ríamos falar delas como da um sonho, não como de um verdadeiro patrlmônio. Então tinha razão o profeta citado pouco antes quando dizia dos ricos: Dormlrsm o seu sono e nada mais encontraram em suas mãos, estes homens que vtveram per« o dinheIro. Til O que equivale a dizer: os ricos que nada deram aos pobres deram-se conta da que não ganharam nada com toda a sua agitação; não ali. viaram a miséria de ninguém, e por Isso não conseguiram encontrar nada do que haviam feito que tivesse um significado para eles. 10. Aqui Ambrósio. como em outras partes, confunde Natanael, que

65. 66. 67. 66.

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19,3. 1.32.

2,3.

1,46.

69. Rm 11,16.

nunca InterveIo em fevor de Jesus, com Nlcodemos: cf. Jo 7,50. 71. Le 12,15.

72. Pr. 10,2. 73. SI 61,10. 74. cr, lTm 6.7. 75. SI 75,6.


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AMBIlóSIO DE MILAO

192

DE NABUTHAE HISTORIA, CC. VII S.

193 28. Considera o próprio significado de "dlves". Os gentios cha­ mam Dite o rei dos Infernos, o senhor da morte. Chamam "ditem" também o rico, porque o rico não é capaz de oferecer outra coisa senão a morte, ele que reina sobre colsae mortas e tem como morsdla o Inferno. De fato, o que é o rico, senão uma voragem sem fundo de riquezas, ums fome e uma sede insaciável de ouro? Ouanto mais engole, tanto mais arde em desejo. Está escrito: Quem ama o dinheIro, nunca se sacia de dinheiro. T6 E um pouco mais adiante no mesmo texto: Também Isto t§ uma fatalidade. Exstamente como deu entrada, assim se vaI. Para que se fatigou. Para o vento? Passou em trevas todos os seus dias, além dos multas desgostos, sofrimentos e trrtteçêo.t: de modo que, em comparação com a sua, é mais tolerával a condição de escravo. Com efeito. o escravo é servo dos homens, mas aquele é servo do pecado, porque quem peca é escravo dos pecados, T8 vive sempre em grilhões e cadeias. nunca eatá livre de vinculas porque sempre Impilcado no delito. Que miserável escrsvidão ser escravos do pecado!

30. Mas nem eJe aceita ficer calmo, ele que se angustia por seu próprio bem-estar, e que precisamente diante da abundância da colheita pronuncia e frase típlca de quem está na necessidade. Com efeito, ele se pergunta: Que farei? Não é esta a expressão própria do pobre, daquele que não tem melas para viver? Quem está carente de tudo volta o olhar de um lado para outro, remexe na moradia em que se encontra, e nada consegue encontrar para comer. Para eJe é claro que não se dá desventura maior do que ser consumido pela fome e do que morrer por falta de alimento. Entâo procura ume forme maia rllpida de morrer, e decide pôr fim à vida pela via rápida; eis por que agerra a espada, ou smarra a corda no alto, ou prepara um Incêndio, ou apronta um veneno. E, na incerteza de solução a escolher, pergunta-se: Que farei? Depois, lembrado da doçura dests Vida, desejarle mudar de Idéia, se pelo menos encontrasse os melas pare viver. Mas vê ludo despojado, ludo esquálido em torno de si; e volta e petguntar-se: Como larei? De onde tlrsr os alimentos, as roupas? Quero viver, se tenho com que sustenter esta minha vida; mas com que alimentos, com que recursos?

29. O rico ignora os deveres Impostos pela natureza: não co­ nhece a libertadora sucessão do sono, não saboreia a suavidade do alimento, ele que nunca está ausente de sua escravidão. Com efeito, está escrito que doce é o sono para o escravo, tenha ele comido pouco ou muito; mas pare quem se saciou de rIquezas, não há possibWdade de repouso; a cobiça o desperta, atormenta-o a ânsia torturante de apoderar-se das coisas dos outros, tortura-o a inveja, agita-o a espera, transtorna-o a escassez dos ganhos, e, a abundância não lhe dá paz. ~ a hlst6rla daquele rico, cujas terras haviam produzido frutos abundantes. e que pensava consIgo mesmo: "Que farei, se não tenho lugar para guardar a colheita?" Depois disse: "Isto é o que vou fazer: vou demolir 08 meus celeiros. cons­ truir outros maiores a aJuntarei eu todos os meus bens e direi à minha alma: 6 minha alma, tens muitos bens depositados para lon­ gos anos: descansa, come, bebe, goza a vlds", Mas Deus lhe dIsse: "Louco, nesta mesma noIte ela te será tomadaI E para quem ficará o que elumeste?" 80 Nem mesmo Deus lhe permite dormir: apostro­ fa-o enquanto está refletindo, desperta-o enquanto dorme.

31. Por Isso, se pergunta: Como lere), porque não tenho. Tem­ bém o rico declara que não tem, mas é o discurso próprio da pobre­

za. Lamenta-se porque lhe falta algume coisa precisamente quem é rico de proventos. Não tenho, dlz, onde acumular 8S colheitas. Pensavas talvez que dissesse; não tenho proventos para viver. Será feliz aquele que se sente posto em dificuldade pela abundânCIa? Apesar de suas riquezas, ele está mais desesperado do que o pobre, o qual pelo menos s6 ae encontra am perigo pela Indigência. O po­

bre tem como justificar a Sua trlbuleção: certamente ele sofreu a

injustiça, não tem culpa do que lhe acontece; o outro, pelo con­

trárlo, não tem quem acusar a não ser a si mesmo.

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32. E o rico disse: Farei assim, demolirei oa maus celeiros. Desta vez, Imaginavas que ele dlssease: abrirei de par em par as portas dos meus celeiros, de modo que entrem os que Já não aqüen­ tarn mala de tanta fome, e venham os Indigentes, sejam Introduzidos aqui os pobres e encham os seus eventals. Derrubarei as paredes que mantêm o faminto do lado de fora. Com que finalidade deverei ocultar alguma coisa eu, a quem Deus proporciona em abundàncla as coisas que devem ser dedas aos oulros? Por que deveria fechar, com portes aferrolhadaa, os cereais qua Deus espalhou por onde quet que se dilatem os campos, e que germinam em abundãncla Sem que haja quem os guarde? (De Nabuthae historia, cc. Iss.)

Ecl 5,9. Ecl 5,15-16. CI. Jo 8,34; Rm 6,17. Ecl 5,11.

Lc 12,17-20.

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Semeai semantes de Injustiça

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VII, 33. A própria esperança do avaro foi superada, e os velhos celeiros se rompem com a abundância das novas messes. "Até sgors eu tlnhs colhido menos, mas o havia conservsdo inutilmente, porque nasceu msls. Psrs quem gusrda os cereais? Sempre de olho nos sumentos de preços, perdi o costume de fszar o bem sos outros. De qusntos pobres poderia ter salvo a vids com o trigo do sno pssasdo? Teria conseguido uma satisfação bem diferente com o ganho que ae mede não com o dinheiro, mas com o reconhe­ cimento. Imitarei José, o santo patriarca, com um testemunho de solidsriedade humana; e grltaral alto e bom som: "Vinde, pobres, comei o meu pão,.' abri os aventala para receber o meu trigo..... O maior bem-estar do rico, a riqueza do mundo inteiro, deve ser fertilidade de todos. Tu, pelo contrário, não falas assim, mas dizes: Demolirei os meus celeiros. Fazes bem em demoli-los, visto que não há pobre que sala deles carregado de trigo. Aqueles celeiros são os paióis da iniqüldade, em vez de ser o abastecimento que tem em vista a caridade humana. Faz bem em demoilr quem não sabe construir aablamente. O rico derruba seus celeiros, ele que não conhece os eternos; demole aeus celeiros ele que não soube distribuir os seus cereels, mas soube gusrdá-Ios.

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34. E depois acrescenta: Construirei outros maiores. Infeliz! Distribui sos pobres pelo menos o que gaatas psra pagar a constru­ ção! Assim, pelo contrário, te prlvss do reconhecimento pelo teu sto de generosidade, e arcas com o custo da construção. 35. E acrescents: Dentro deles amontoarei toda a nova riqueza que nasceu para mim, e direi ã minha alma: Minha alma, tens muitos bens il tua disposição. O avaro é posto sempre em dificuldade pels abundância dos produtos, porque a abundância acarreta a diminuição dos preços dos gêneros allmentlclos. Com efeito, a abundãncia é boa para todos, mss a carestia só rende para o avaro. Ele prefere o aumento desproporcionai dos preços à abundãncia de viveres no mercado; mas sobretudo prefere ser o único a vender, em vez de ter concorrentes. Observa-o enquanto se preocupa com o monte de cereais que pode subir demais, transbordar dos celeiros e derra­ mar-se sobre os pobres, oferecendo até aos Indigentes a ocasião de algum bem. Pretende que os produtos da terra sejam somente

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81. Ct. Pr 9,5.

S2. CI. Gn 41,56.

seus, não porque os queira consumir, mas porque quer negá-los aos outros.

36. Tens muitos bens, acrescenta. O avaro não é capaz de cha­ mar bens a não ser aqueles que proporcionam ganho. Mas quero conceder que se chamem bens só os que têm valor financeiro. Por que então transformais as coisss boas em más, ao passo que das más deverieis tirar coisas boas? Com efeito, está escrito: Procurai conseguir amigos com as rIquezas, mamona de Inlqüldade,.' como se dissesse que para quem sabe usá-Ias podem ser boas, para quem não sabe usá-Ias devidamente são más. FoI generoso, deu aos po­ bres, a sua iustiç« permanece para sempre.•' O que há melhor do que isto? Aquelas coisas são boas se as dás ao pobre, porque através dele te tornas credor de Deus, como se lhe tivesses feito um empréstimo de misericórdia. As riquezas são boas se abres os celeiroa de tua justiça, de modo a ser psi dos pobres, vlda dos necessitados,·' olho dos cegos, psi dos órfãos.'. 37. Tens os meios para fazê-lo, e então o que temes? Recor­ do-te o que tu mesmo disseste. Tens multas riquezas guardadas por muitos anos; há o suficiente para viver na abundância tu e os outros. Tiveste uma colheita que pertence a todos; por que: então, derrubas os celeiros? Eu te 'mostro onde conservar melhor os teus cereais, onde guardá-los bem, de modo que nenhum ladrão possa carregá-los.·' Fecha-os dentro do coração doa pobres, onde nenhum cupim os devora, e onde o envelhecimento não os estraga. Tens como depósito o selo dos pobres, tens como depósito as casas das viúvas, tens como depósitos as bocas dos órfãos, de modo que um dia se possa dizer de ti: Da boca das crIanças e dos lactentes fizeste sair um louvor." Estes aão os celeiros que permanecem para sem­ pre; estes os celeiros que as copiosas messes do futuro Jamais te obrigarão e demolir. Porque, que deverás fazer depois novamente, se no ano próximo tlverea uma colheita ainda mais abundante7 De­ verás dernollr pela segunds vez os paióis que agora te dispões a construir, e deverão fazer outros maiores. A razão pela qual Deus faz frutificar dessa forma os teus campos é porque ou quer vencer a tua avareza ou condená-Ia, tlrando-te toda posslbllidsde de des­ 83. 84. 85. 86. 87. 8S.

Lc 18,9. SI 111,9. CI. Eclo 4,1. CI. J6 29,15-18; SI 87,6. CI. MI 8,19.

sr 8,3.


DE NABUTHAE HISTORIA, CC. XIV e XVI

197

AMBRóSIO DE MILAO

196 culpa. Em vez disso, jul98S poder reservar só para ti o que Deus. por teu intermédio. dispôs que fosse para vantagem de multas. Antes. privas a ti mesmo; guardarias uma porção maior se repartis­ ses com os outros: porque o fruto das doações dos bens volta para aqueles que as fizeram, e a bênção da generosidade recai sobre quem tem a iniciativa. Além disso. a Escritura diz: SemeaI sementes de justiça. 80 Sê espi ritualmente um agricultor: semeia o que te pode ser útil. ~ boa a semeadura que se faz na coração das viúvas. Se a terra te restitui multo mais abundante a semente que recebeu. muito mais a recompensa por tua misericórdia te restituirá o que deste. multiplicando-o desmesuradamente. VIII, 38. Mais uma coisa, ó homem: sabes que o dia da morte vem antes da colheita dos campos, mas a misericórdia mantém distante o assalto da morte? Já chegaram OS que reclamam tua alma, e tu ainda demoras para dar o fruto de tuas obras, ainda medes para ti um longo tempo a viver? Insensato, nesta mesma no/te te serll pedIda tua a/ma." Bem se diz: noite. ~ de noite que se pede a vida do avaro: pois nSS trevas tem início e nas trevas deva permanecer. Para o avaro é sempre noite; pelo contrário, o dia é para o Justo," ao qual se diz: Em verdade te digo, hoie estarás comigo no paralso.'2 O Insensato II volúvel como a /ua" ao passo que os lustos brilharão como o sol no reIno de seu Pai." Com razão é acusado de Insensatez aquele que pôs a sua esperança no comer e no beber; eis por que o tempo da morte o persegue, como reconhecem eles mesmos os que são escravos da gula: Goma· mos e bebamos poIs amanhã morreremos." t Justo chamar Insen­ sato quem busca bens materiais para a sua alma, porque põe de

brados na bolsa! O dinheiro tem de ser deixado, a gratidão nos acompanha e se apresenta juntamente conoaco diante daquele que julga os méritos de cada um. 40. Mas talvez também tu digas o que tendes o hábito de dizer nestas ocasiões: "Não temos direito de fazer doações àquele que Deus tanto amaldiçoou a ponto de querer que ficasse na ml­ séria"; mas não é verdade que os pobres são amaldiçoados; diz-se precisamente o contrário: Bem-aventurados os pobres, porque deles é o reino dos céus. o. Não a propósito do pobre, mas precisamente a propósito do rico a Escritura dIz que quem açambarca o trigo para subtr o preço seré ma/dito.•r Além disso, não se deve Indagar sobre os méritos de cada pessoa. A misericórdia está habituada a não Julgar o mérito das pessoas, mas a Ir ao encontro das neces­ sidades dos outros; a ajudar o pobre, não a avaliar a pura justiça. Está escrito: Feliz daquele que pensa no necessitado e no pobre; •• e quem é que pensa nisto? Aquele que tem compaixão, que se sente participante da mesma natureza dele, que compreende que o rico e o pobre são igualmente criaturas do Senhor; quem sabe santificar as próprias colheitas reserva uma porção para os pobres. Em resu­ mo, visto que tens o necessário para fazer o bem, não adies dizendo: Dare; amanhã;.. poderias também perder a possibilidade de dar. É perigoso qualquer adiamento no salvar os outros; pode acontecer que enquanto continuas a procrastinar, aquele morra. Preocupa-te de preferência em chegar antes que ele morra; com efeito, pode acon­ tecer que quando chegar o amanhã a avareza te Impeça e aa pro­ messas sejam anuladas. (De Nabuthae hlstor/a, cc. Vila.)

lado sem saber para quem guarda.

Os IAblos dosjuSloS abençoarão quem é generoso

39. Eis por que se lhe diz: E o que preparaste para quem será? Por que ficas todo dia medindo, contando, marcando' com teu ca­ rimbo? Por que continuas a examinar ouro, a pesar prata? Quanto melhor é ser um doador generOSO antes que um guarda atento! Como aeria preferlvel para ti que por reconhecimento te chamassem pai de muitos órfãos, em vez de possulres Inúmeros estáteres tlrn­

XIV, 56. Tu és o guarda, não o dono das tuas riquezas, tu que sepultas o ouro debaixo da terra; ou melhor. és o servidor, não o senhor. Mas onde está o teu tesouro a/l estll também o teu co­ ràção; , oo de modo que com aquele ouro sepultaste debaixo da terra o teu coração. ~ melhor que vendas o ouro e compres a salvação; vende a pedra preciosa e compra o reino de Deus, vende o teu

89. 90. 91. 92. 93. 94. 95.

Os 10,12. Lo 12,20. Cl. Pr 13.9. Lo 23,43. Eclo 27,11. MI 13,43. Is 22,13.

96. 97. 98. 99. 100.

MI 5,3.

Pr 11,26. SI 40,2. Pr 3,26. MI 6,21.

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AMBRóSIO DE MILAO

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campo e ganha a vida eterna. Estou afirmando coisas verdadelrss porque fslo com as pr6prlas pslsvras da Verdsde, que diz: Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres, e possuirás um

tesouro no céu. 103 Não te mostres descontente quando ouves estas palavras, para que não se diga também a teu respeito: Como á difícil que aqueles que têm rIquezas entrem no reino de Deus. 108 Em vez disso, quendo lês tais pslavras, refleta que s morte pode arrancar-te tudo o que tens, ou pode ser tlrsdo por aquele que tem sutoridade superior à tua; por fim, procura dar-te conta de que sté agora te propuseste obter aquilo que é pequeno em vez daquilo que é grande, aquilo que é passsgeiro em vez daquilo que é eterno, tesouros em dinheiro e não tesouros em graça, ainda que aqueles se deteriorem por si mesmos, enquanto estes outros permanecem.

59. Procura ter em mente que os teus tesouros não os possuis sozinho; tu os partilhas com o cupim, os partllhss com a ferru­ gem 10. que corr61 o dinheiro. São estas ss companheiras que te foram dadas por tua avareza. Considera, pelo contrárlo, quais são os devedores que a grsça te dá: Os lábios dos justos abençoarão quem li generoso no dar o seu pão sos outros, e se dará testemunho de sua bondade. 10. A graçs faz de Deus Pai teu devedor; pelo dom que serviu psra erguer o pobre, ele te paga com juro como faz um devedor para com seu digno credor. Ela te torna credor do Filho. que disse: Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber, era peregrino e me abrigaste, nu e me vestiste, 106 porque o que foi oferecido a qualquer um dos msis pequenos, ele o consl­ ders feito s sI. 107

DE NABUTHAE HISTORIA. CC. XIV. XVI

ção, 11'" e da qual os ricos pelo contrário são pobres e famintos. 10. Com efeito, não é sem razão que está na Escrlturs: Os pobres serão postos à frente dos ricos e os escrsvos emprestarão a juros

a seus próprios senhores;

101. Nesta frase. ainda que com uma inversão de Imagem, há uma

110

trata-se de ricos e de senhores que

semeiam o supérfluo e o nocivo, e não colhem nenhum fruto; em vez disto, colhem espinhos. III Desta forma os ricos se encontrarão subordinados aos pobres, e os servos possuirão bens espirituais que darão emprestados aos patrões; ". eis por que o rico da psrábola suplicava ao pobre Lázaro que lhe conseguisse pelo menos uma gota de água. "8 Também tu, ó rico, estás em condição de realizar esta máxima: dá ao pobre, e terás emprestado ao Senhor; visto que quem dá ao pobre empresta a Deus. "O [ . . . 1

XVI, 67. l , .. 1 Rezsi, pois, 6 ricos! Em vossas obras não há coisa agradável a Deus. Oral pelos vossos pecsdos e pelas ações infamantes; e apresentai oferendas ao Senhor vosso Deus. Deveis restituir a ele na pessoa do pobre: pagai as dividas na pessoa do necessitado, emprestai-lhe na pessoa do indigente; não podeis apla­ cá-lo de outra forma por causa das vossas lnfâmlas. Tornai devedor aquele que temeis como vingador. Ela disse: Não tomarei os novi­ lhos de tus casa, nem os csbritos dos teus rebsnhos, porque são meus todos os animais dos bosques. lU Tudo que ofereceste é coisa minha, diz ele, porque toda a terra é mlnha."6 Não pretendo o que já é meu; mas há algo vosso que podeis oferecer-me, e é o compromisso da devoção e da fé. Não sinto prazer nos sacrlffctoa suntuosos; peço-te apenas, ó homem: Oferece 8 Deus o sacrlflclo. de louvor e ao Altlss;mo cumpre os teus votos. lI •

60. Não sabes, ó homem, scumulsr riquezas. Se queres ser rico, sê pobre para o mundo, de modo a ser rico para Deus. Quem é rico de fé é rico para Deus, quem é rico de misericórdia é rico para Deus. quem é rico de slmpllcldsde é rico pars Deus; quem é rico de sabedoria ou rico de ciência é rico para Deus. Hé pessoas que ns sus pobreza vivem como ricos e outrss que n8S rlquezss vivem como pobres. São ricos aqueles pobres, cujs profunda po­ breze foi superada por squela riqueza que é a Inocência do cora­

recordação de MI 13,44-46. 102. MI 19,21. 103. Mc 10,23. 104. Ct. MI 6,20. 105. Eclo 31,23. 106. MI 25,35-36. 107. cr, MI 25,40.

1911

[De Nabuthse hIstorIa, cc. XIV e XVI)

108. 109. 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117.

Cf. 2Cor 8,2.

cr, SI 33,11.

Pr 22,7. CI. Jr 12,13. CI. 1Cor 9,11. cr, Lc 16,24. Pr 19,17. SI 48.9s5. CI. 5149,12. SI 49,14.


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1. E eis que alguém se apro ximou e lhe disse ... 1 Algu ns acusam este jovem de engano e de maldade, como ae ae apro ximasse de Jesus para tentá-lo. Mas eu não hesitaria em defini-Ia como avaro e amante do dinheiro, vísto que o próprio Jesus o mos tra assim; nego absolutemente que seja um fingido, pois não pod emo s per miti r exp rimi r um Juizo tem erário sobre aquilo que não conhe­ cemos, sobretudo quando se trat a de acusar; mesmo porque Mar cos anula esta suspeita quando diz: Chegou um homem que se ajoe lhou diante dele e perg unto u e: Jesu s olhou para ele atentamente e sen­ tiu a/et o por ele. 2 Mas é grande a tiran ia das riquezas, que aqui é clarame nte moatrada; mesmo que pratique mos outras virtu des , esta peix ão cor­ rompe tudo. Por Isso, com razã o Peulo a indica como raiz de todos os males, quando diz: Raiz de todos os males é a cob iça. ' Mes por que motivo Jesus replica a este jovem, dizendo: Ninguém é bom ? Jé que aquele considerava Jes us apenas como homem, um como os outroa, um mestre judeu, Jesus lhe fala como se foss e um homem. Com efei to, em mul tas ocasiões Jesus responde adaptan­ do-se à mantelldade de quem o Interroga, como quando diz: Nós adoramos a quem conhecemo s; 4: e: Se eu desse testemunho de mÍ/h mesmo, O meu testemunho não seria verd ade iro. · Assim tam bém agora, dizendo: Ninguém é bom , não o diz como se quisesse negar que é bom: pensamento absurdo l Com efai to, não pergunta: "Por que me chamas bom?", que aignlflcarla: "Eu não sou bom ", mas: Ninguém é bom: ninguém entr e os homens. Dizendo Isto não exclui

Mt 19,16. Mc 10,17-21. 1Tm 6,10. Jo 4,22. 5. Jo 5,31. 1. 2. 3. 4.

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JOAO CRlSOSTOMO

lN MATl'HAEUM HOMILIA 63

202 de forma alguma as diversas formas de bondade entre os homens, mas o diz com relação II bondede de Deua. Por isso acrescenta: B não ser Deus. E não diz: "A não ser meu Pai", porque está claro que não quer revelar-se a este jovem. [ ... 1 Poderíeis perquntar-rne: por que Jesus lhe responde desta forma e que vantagem prevê de semelhante resposta? Porque quer elevá-lo gradualmente e enstnar-lhe a libertsr,se de tode forma de adulação, afastando-o de pensamentos terrenos e sproximendo-o de Deus; quer levá.lo e buscar os bens futuros, a reconhecer aquele que por sua natureza é bom, raiz e fonte de todas as coisas, e a ele dar glória. [ ... 1 Se aquele jovem se tivesse aproximado para tentá-lo. não teria Ido embora triste por causa daquilo que ouviu. Ninguém entre os fariseus tem esta reação quando é refutado, pelo contrário, Indlg­ na-se ainda mais. Mas este não se comporta assim; afasta-se desi­ ludido. Este não é um pequeno sinai para indicar que não se havia aproximado com má Intenção, mas frágil, e que sem dúvida desejava a vida eterna, mas era impedido por outro desejo, dificílimo de vencer. Por isso quando Jesus lhe diz: Se queres entrar na vida observa os mandamentos, ele diz: Quais?, sem a mlnima intenção de tentâ-lo: mas penssndo que existissem outros mandamentos, além daqueles da lei, que lhe pudessem alcançar a vida: [ ... 1 não era coisa de pouca monta pensar que algo lhe faltava e que não era su­ ficiente ter seguido os mandamentos para obter o que desejava. O que diz Cristo? Visto que está para dar-lhe uma ordem multo grande, antes lhe apresenta a recompensa, dizendo: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o 80S pobres; terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. 6 2. Vê quantos prêmios e quantas coroas o Senhor põe para esta alta prova? Se este jovem tivesse a intenção de tentá-lo, não lhe terle dito estas coisas. Mas lhe fala assim, e para atrai-Ia mostra-lhe a grande recompensa e deixa tudo II sua escolha, pondo em segundo plano o que na sua exortação podia parecer dlflcil. Por isso, antes de falar da prove e do empenho, mostra os prêmios, dizendo: Se queres ser perfeito, e depois: Vsl, vende o que tens e dll aos pobras, e logo de novo os prêmios: E terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me, Com efeito, segui-Ia é uma grande recompensa. Terlls um tesouro no céu, diz. Visto que o discurso era sobre as riquezas e o havia exortado a despojar-se de todos os seus bens,

6. MI 19,21.

mostra-lhe que não ae privaria .de suas riquezas, ,:"as que se terí~<i' enriquecido, dá-lhe também mais do que lhe havla ordenado dar'" e não só mais, mas riquezas tanto malares quanto o céu é maio; do que a terra, e até mais do que Isto. Usa também a palavra "tesouro", para Indicar a abundância, a estabilidade, a segurança desta troca de bens; pois queria falar em termoa humanos a quem estava escutando. Portanto, não é suficiente desprezar as riquezas, mas é preciso também ajudar os pobres; e antes de tudo aegulr a Cristo, ou seja, cumprir todas as suas ordens, estar diariamente preparado para Imolar-se e morrer. Com efeito, diz: Se alguém quiser seguir-me, negue 8 si mesmo, tome 8 sua cruz e me siga; 1 certamente. é muito

maior o mandamento de derramar o próprio sangue do que desprezar as riquezas; contudo, renunciar aos bens terrenos é um passo não pequeno para chegar a isto. Tendo ouvido Isto, o jovem foi embora triste: querendo mostrar que Isto não tinha acontecido por acaso, o evangelista acrescenta: Com efeito, tinha multas riquezas.' Não do mesmo modo, certamen­ te, são impedidos os que dispõem de pouco e os que estão Imersos .ern abundantes riquezas; o amor pelo dinheiro neste caso torna-se multo mais tirânico. Por isso, jamais deixarei de dizer que o acúmulo das riquezas faz irromper uma cobiça maior, que quem possui se torna mais pobre porque é dominado pelo desejo de ter mais e porque sente sempre mala necessidade de possuir. Considera, pois. nesta situação quão grande é o poder de tal paixão. Considerai: ele "que se hevia aproximado com alegre esperança, quando Cristo lhe ordena que deixe as riquezas, se torna tão melancólico e triste que, .sem dar resposta alguma, se afasta em silêncio, envergonhado e aflito. Que diz Cristo? Como é dlflcl/ para os ricos entrar no reino ,dos céus, condenando não as riquezas, mss aqueles que se deixam " dominar por elas. Se é dlflcll para os ricos, multo mais dlfícll será para os exploradores. Se quem não distribui os próprios bens dlfl­

, cllmente alcança o reino, pensa quanto fogo eterno acumula aquele

,;que rouba os bens doa outros.

Além disso, porque será que ele diz sos apóstolos que é difícil "para um rico entrar no reino dos céus, a eles que eram pobres, que "não possulam nada? Porque lhes ensina a não enverqonhar-se da "\ PObreza e explica por que nlio lhes havia permitido possuir nada.

7. Le 9,23. 8. MI 19,22.


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JOJlO CRISóSTOMO

204

Com efeito, depois de ter afirmado que era dlflcil, prossegue mos­ trando que era impossível, mais ainda, não diz apenas que é lmpos­ sivel mas, usando a comparação do camelo e da agulha, quer afirmar algo mais; com efeito, diz; ~ mais léct! para um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que para um rico entrar no reino dos céus. o Isto mostra que para os ricos capazes de levar uma vida cristã está prevista uma recompensa não pequena. Mas afirma que Isto é obra de Deus, para ensinar que quem quiser empreender tal caminho terá necessidade de uma graça muito grande. Os discípulos tlcaram perturbados, e ele acrescentou: Isto é impossivel aos homens, mas a Deus tudo é possívei. Mas por que os discípulos se preocuparam, visto que eram pobres, até mesma paupérrimos? Por quê? Eles estavam aflitos pensando na perdição de tantos homens, porque ardiam de caridade para com todos, e já tinham a vocação de pastores de almas. Por isso se afligem e temem pelos homens, atingidos por semelhante afirmação; tinham necessidade de ser tranqüilizados.. Por esta razão Cristo, depois de olhá-los atentamente, disse: O que é impossível aos homens é passiveI a Deus. 'o Tendo-os antes encorajado com o seu olhar se­ rena e bom a não se deixarem levar pelo desânimo mas a se liber­ tarem da angústia - é o que significam as palavras do evangelista: Olhando-os atentamente -, os encoraja com as suas palavras, levan­ do-os a considerar o poder de Deus e infundindo-lhes nova con­ fiança. Se queres saber como e por que razão o que é impossivel se torna passivei, escuta: Cristo não disse: O que é imposslvel aos homens é posslve! a Deus para que desanimem nem para que se abstenham de empenhar-se nas coisas que parecem Impossivels, mas para que, compreendendo a dificuldade do empreendimento, se fortaleçam na luta e rezem a Deus para que os assistam nestas gloriosas batalhas e obtenham a vida eterna. 3. Mas como. isto pode acontecer? Se abandonarmos as rique­ zas, se nos libertarmos do dinheiro e se nos afastarmos das más paixões. E para que compreendamos que tudo isso não depende só de Deus, mas que é grande o empreendimento no qual devemos empenhar-nos, escutemos as palavras que seguem. A Pedro que dizia: Eís que detxemos tudo e te seguImos, e lhe perguntava: Oual a nossa recompensa?, o Senhor, depois de lhes ter proposto a re­

lN MATTHAEUM HOMILIA 63

compensa, acrescenta: E

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quem tiver deixado casas, ou campos, ou

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Irmãos, ou Irmãs, ou pel, ou mãe receberá o cêntuplo e tará como herança a vida eterna. 11 Deste modo, o que é impossível se torna passiveI. Mas como é possível deixar tudo Isto?, me perguntarás. Como é passivei libertar-se, de um momento para outro, da paixão, quando se está Imerso em tão grande desejo de possuir? Será possível se começarmos por ir deixando as riquezas, eliminando o supérfluo. Assim poderemos avançar mais, e depois ir adiante com mais facilidade. Por isso não procures logo a realização completa disto, se te parecer dífícil lazer logo uma renúncia completa. mas avança "gradualmente por este caminho que te leva ao céu. Com efeito, como os doentes que sofrem de febre e da bílis que se acumula dolorosamente não só não conseguem extinguir a sede se beberem e se comerem, mas arderão e queimarão ainda mais, assim os avaros, quando procuram satisfazer com suas riquezas

a sua cobiça mais ardente do que a bílis, mais esta cobiça se acende dentro deles. Só conseguiremos apagá-Ia se afastarmos de nosso coração o desejo de ter mais, assim como se apaga a acre sede da bílis comendo pouco e eliminando toda escória.

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[ ... ] Assim quem começa a desprezar o dinheiro aplaca a co­ biça, quem pelo contrário deseja ter e acumular mais riqueza a inflama mais e nunca se liberta desta paixão. Mesmo se amon­ toasse dinheiro sobre dinheiro, desejaria sempre mais; e quando os tiver obtido desejará o dobro e, mais ainda, desejaria que tudo se transformasse em ouro, as montanhas, a terra -e o mar, nunca

conseguindo extinguir esta sua demente e terrível sede de riqueza. [ ... ) Irmãos. não nos percamos nesta vaidade, lancemos para longe de nós esta contínua e invencível busca de dinheiro e aplique­ mo-nos à busca de algo diferente que possa tornar-nos felizes e que não nos crie nenhuma dificuldade; procuremos possuir os tesou­ I'OS do céu. Eles não nOS dão nenhuma preocupação, pelo contrário, o fato de possui-los é uma vantagem indizível. Quem permanece vigilante e despreza os bens terrenos não pode perdê-los; mas quem se submete e se dedica às riquezas da terra certamente deverá perdê-Ias.

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[ ... ) Por isso quando vires alguém, exteriormente esplêndido por suas magníficas vestes e acompanhado de uma grande escolta de guardas, perscruta a sua consciência e a verás em teias de ara­

nha e coberta de pó. lembra-te de Paulo e de Pedro; pensa em 9. MI 19,23-24. 10. MI 19,26; Lc 18,27.

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11. MI 19,27-29.

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206

JOAO CRISOSTOMO

João e Elias, ou melhor, no próprio Filho de Deus, que não tlnhe onde reclinar a cabeça. Sê Imitador de Cristo e de saus apóstoloa e considera as ines­ timáveis rlquazss. Se, depois de tê-Ias considerado dignas de admi­ ração, novamente te deixares obscurecer pelas riquezas dests terra, como que arraatado no naufrágio de uma violenta tempestade, escuta as palavras de Cristo que te diz que é Impossível que um rico entre no reino dos' céus: Conaldera, II 'luz destas palavras, 'todos os montee, a terra, o mar e Imeglna, se quiseres, mudar tudo Isto em ouro; nada encontrarás que valha a perda que tudo lato te causa. (ln Matthaeum homilia 63)

Sentareis sobre doze lronoe 1. O que é este tudo que deixaste, Pedro? O caniço? A rede? o barco? O teu oficio? Ou então dizes todas estas coisas para mim? Sim, dlze-as para mim. Mas não afirmo isto para gloriar-me, e sim para dirigir-me a todos os pobres. Que havia dito antes o Senhor? Se queres ser perfeito vende o que tens . . . ; e para que o pobre não possa dizer: "E eu que não tenho riquezas a vender, não posso ser perfeito?", Pedro faz a sua pergunta para que tu qua éa pobre compreendas que não és Inferior em nada; Pedro faz a sua pergunta para que tu, ouvlndo-a do próprio Pedro, não duvides - de fato, naquele tempo ele era Imperfeito e ainda não tlnhs o Esplrlto -, mas antes te enchas de conflançs escutando as palavras ditas a Pedro pelo Mestre. Também nós nos comportamos do mesmo modo, quando nos enfronhamos nos problemas em fsvor dos outros: assim faz também o Apóstolo. fszendo a pergunta para todos os pobres do mundo. Que ele conhecesse bem o que Iria receber fica claro pelas coisas ditas antes; ela, que Já havia recebido as chaves do reino dos céus, tsnto mais podia esperar nos dons celestes. Observa também como ele Indica na resposta precisamente as coisas que Cristo querls: com efeito, ao rico havia pedido duas coisas: dar as próprias riquezas aos pobres e segui-lo. Por isso Pedro diz precisamente aselm: que eles deixaram todas as colsss e que O segulrsm: Eis que deixamos tudo e te seguimos. De fato, deixaram para seguir, por­ que é mais fácil seguir Cristo depois de deixar tudo, e Isto lhes havls Infundido conflançs e slegrla. Que respondeu Jesus? Eu vos declaro esta verdade: ns nova geraçiJo, quando o Filho do homem se assentar no trono de sua

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MATI'HAEUM HOMILIA 85

207

glória, vós, que me seguistes, vos sentareis também sobre doze tronos, pera julgardes as doze tribos de Israel. " [ ... 1 Portanto, aos dlsclpulos promste os bens futuros, dizendo: Assentar-vos-ei sobre doze tronos; tendo já avançado no csminho da virtude não buscam as riquezas da terra; aos outros, pslo con­ trário, promete tsmbém os bens da terra, dizendo: E todo aquele que abandonar casas, ou Irmãos, ou trmêe, ou pai, ou mêe, ou filhos, ou campos por emor do meu nome, receberá cem vezes mais,_ e teré por herança a vida eterna. 18 Além disso, para que slguém, ouvindo aquele vós, não o enten­ desse como dito apenas aos apóstolos - fslo da possibilidade de gozsr das recompensas maiores e des compensaçõss mais sltas -r--, amplia o seu discurso de salvação e estende a promessa atados os homens da terra, conflrmsndo o futuro com a experlêncls do presente. Nos Inlcios, efetivamente, falava aos seus disclpulos que "ainds sram imperfeitos partindo das colsaa terranas. Ousndo os .convenoeu a segui-lo, dizendo-lhes que deixassem o mar, a pesca, i abandonsssem os bsrcos, não falou do reino dos céus, não falou "dos tronos, mss de realidades terrestres, afirmando: Eu vos farei pescadores de homens; 14 depois de tê-los levsdo II perfeição, fala também da realidade do céu. [ln Matthaeum homilia 64J

Vós me vleles faminlo s nAo me desl.. de comer

2. I. .. 1 "Pequei, disse ele, traindo o sangue inocentei" Mas eies responderam: "Que nos importa? Isso é lá contigoI" Ele atirou as moedas de prsta contra o SantuárIo, retirou-se de lé e foi se ,enforcar." Avaros, escutai estas palavras e refleti sobre os sofri­ mentos de Judas, como perdeu o dinheiro, cometeu um crime, não colheu o fruto de sua avsreza e, por fim, perdeu sua alma, Esta é a 'tirania da avareza. Não pôde gozar do dinheiro scumulado nem neeta vlds nem ns outra; perde tudo num instante e, desprezado ,pelos próprios sacerdotes, amarrou uma cords ao pescoço. [ ... 1 3. [ ... 1 Tendo recolhido o dinheiro, os sacerdotes-chefes dis­ seram: "Não é permitido repô-lo no cofre, porque é preço do san­ gue". E deliberaram comprar com ele o Campo do Oleiro, para 12. 13. 14. 15.

MI 19,27-28. MI 19,29. MI 4,19. MI 27,4-5.

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208

sepultar ali os estrangeiros. re [ ... ] Escutai, vóa que julgais fazer boas obras com o dinheiro conseguido através de violências, e ganhais à custa da vida de outros homens. Estas são esmolas judaicas. satãnicas. Com efeito, há também hoje os que. depois de ter roubado os bens de muita gente, se consideram totalmente Justi­ ficados dando de esmola dez ou cem moedas de ouro. Destes o 17 Profeta diz: V6s cobris de lágrimas o altar do Senhor. Cristo não quer ser alimentado com o ganho dos roubos, ele não admite este tipo de culto. Por que ofendes o Senhor oferecendo-lhe coisas Imundas? Seria melhor abandonar ao seu destino aquele que é devorado pela fome, em vez de. dar-lhe semelhante alimento; isto seria comportar-se como pessoa cruel; mas agindo daquela forma seria cruel e ofen­ sivo. t melhor não dar nada do que dar bens de outrem. [ ... ] Façamos penitência, pois, demos a esmola pura, Isenta de todo latrocínio, demos com generosidade. Lembrai-vos de que em tempos passados os judeus mantinham oitenta mil sacerdotes levitas e, junto com os levitas, os órfãos e as viúvas; e estavam sujeitos tam­ bém a outros encargos, e deviam prestar o serviço militar. Agora a Igreja possui campos. casas, habitações para alugar, carros, con­ dutores, jumentos e tantos outros bens: tudo por causa da vossa dureza de coração. Seria mais oportuno que estas riquezas da Igreja fossem vossas e que a sua renda proviesse de vossa generosidade. Em vez disso. egora desta situação derivam duas coisas absurdas: primeiro, que vós ficais sem as rendas e, segundo, que os sacer­ dotes de Deus se ocupam de coisas que não lhes competem. Nos tempos dos apóstolos, os campos e as casas porventura ficavam como propriedade deles? Por que os vendiam e distribulam o lucro aos pobres? Porque era melhor e mais conveniente para eles.

4. Nos nossos tempos, pelo contrário, os noSSOS sacerdotes foram obrigados a prover-se de tais bens, temendo que o grande número de viúvas, dos órfãos. das virgens acabasse por morrer de fome, visto que vós estals todos tomados de fúria de ter sempre mais bens temporais e pelo desejo de acumular. não de partilhar com os outros. Com efeito, eles não queriam lançar-se nestas ativl· dades pouco condizentes com a sua missão, mas desejavam que o empenho da vossa boa vontade garantisse a renda que os pudesse sustentar, e eles se teriam dedicado exclusivamente 11 oração. Agora vós os obrigais a Imitar aqueles que tratam de negócios públicos

16. Mt 27,e-7. 17. Mt 2,13.

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lN MATI'HAEUM HOMILIA 85

209

e privados; e por isso agora reina grande confusão. Com efeito. se vós e nós nos ocupamos do mesmo modo de interesses terrenos, quem poderá rsconclllar-se com Deus? Por isso não ousamos sequer elevar a voz, visto que os homens de Igreja em nada diferem dos homens do mundo. Não ouvistes que os apóstolos nem queriam distribuir por si mesmos o dinheiro recolhido sem fazer negócios? Hoje, pelo contrário, os bispos têm mais preocupações materiais do que os administradores, do que os ecônomos. do que os comer­ ciantes, ao passo que seria necessário que se ocupassem de vossas almas; mas são obrigados a interessar-se paios mesmos problemas dos exatores, dos questores do erário, dos contabilistas, dos encaro regados das finanças, e por isso todos os dias têm um montão de aborrecimentos. Não deploro esta estado da caís as apenas para mencloná-lo, mas para que nasça uma mudança, um remédio; de modo que nós, hoje tão sufocados por estas graves Incumbências, possamos impetrar o perdão e vós vos torneis a renda e O tesouro da Igreja. Mas se não quereis, ali estão os pobres diante de vós: sustentaremos os que pudermos sustentar; os que não conseguirmos assistir serão enviados a vós para que os sacieis. Não queremos vos pôr na condição de ouvir no último dia as tremendas palavras que serão pronunciadas contra quam foi desumano e duro de cora­ ção: Vós me vistes faminto e não me alimentastes. 18 Cartamente, esta desumanidada é motívo de zombaria para nós e para vós: negligenciamos as orações, o ensino, toda outra atlví­ dade sagrada e passamos todo o tempo discutindo, uns com os vendedores de vinho, outros com os mercadores de trigo, outros ainda com os comerciantes de mil outras coisas. Destas situações nascem rixas, polémicas, injúrias diárias, desonras e escárnios; a cada sacerdote é impingido um nome que seria mais conveniente aos freqüentadores do século, enquanto deveriam ser chamados com outros nomes, provenientes de tarefas indicadas pelos apóstolos: pelo sustento dos pobres, pela defesa de quem é ultrajado, pela hospitalidade prestada aos forasteiros. pela ajuda aos perseguidos, pela assistência aos órfãos, pela defesa das viúvas, pela proteção das virgens: estes são os ministérios confiados aos sacerdotes, não as preocupações com terras a casas. Estas são as jóias da Igreja, estes os tesouros que lhe cabem e que a nós causam grande bene­ volência e a vós grande vantagem; antes, mesmo a vós mais be­ nevolência do que vantagam. Com efeito, considero que, por graça de Deus, as pessoas que se rellnem aqui são em torno de cem mil.

18. MI 25,42.

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Se cada qual desse um pão a um pobre, todos estariam na abun­ dância; ae cada qual desse uma moeda, ninguém seria pobre e nós não estaríamos mais sujeitos a sarcasmos e injúrias por causa do nOSSO apego aos bens terrenos. Efetlvamente, aquelas palavras: Vende o que tens e dá-o aos pobres; depois, vem e segue-me,"

devem ser ditas também aos chefes da Igreja a propósito das rique­

zas da Igreja. Do contrário, não, podemos seguir a Cristo como de­

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Tudo isto leva a negliganciar a Escritura, a não dar importãncia à oração, a abandonar toda outra prática religiosa. Com efeito, não é passivei dividir-se e interessar-se com igual empenho pelas duas coisas. Por isso vos peço e suplico que façais aurgir por toda parte muitas fontes de ajuda, e que a vossa eira e o vossa engenho ofereçam para nós um estímulo ao bem. Assim os pobres serão socorridos mais facilmente, Deus será glorificado e voa, progre­ dindo em obras sempre maiores de caridade, obtereis os bens eternos. Rezo para que todos nós possamos consegui-los pela graça e o amor de nosso Senhor Jesus Cristo. (ln Matthaeum homilia 85)

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Nio tenho nem ouro nem praia, mas o que tenho le dou Ide e ensinai a todas aS nações, batizando-as em IlOme do Pai e do Filho e do Espirita Santo, ensinando-lhes a observar tudo que vos mandei.'. [ ... l 3. Que ordem diffcll nos foi dada? Talvez de cortar as mon­ tanhas? Ou de voar no ar? Ou de atravessar o mar Tirreno? Nada disto. Pelo contrário, lmpês-nos um gênero de vida tão fácil de observar que não tem necessidade de ajudas particulares, mas ape-

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19. MI 19,2t. 20. MI 2a,19-20.

lN MATI'HAEUM HOMILIA 90

211

nas da nossa razão e da nossa vontade. Que substdlos tiveram os apóstolos para realizar ações tão extraordinárias? Possuíam uma

só túnica, andavam descalços, e contudo conaeguiam superar todas as dificuldades. Com efeito, O que há de ditrcll de realizar? Não ter nenhum inimigo, não odiar ninguém, não amaldiçoar ninguém. É mais ditrcil agir de modo contrário. Mas - podes dizer-me - Cristo mandou abandonar as riquezas. É esta a grande dificuldade? Na realidade, não ordenou isto, mas aconselhou. Mas suponhamos que o tenha ordenado. Será que é dificll não sobrecarregar-se de pesos e de preocupações Inoportunas? No entanto - infeliz paixão de dinheiro - tudo é medido pela riqueza e por isso há uma grande inversão de valores. Se se Julga que alguém é feliz, isto significa que tem dinheiro. Se outro parece merecedor de compaixão é por­ que não possui nada. Todos os nossos discursos giram em torno destes temas: como fez esse para enriquecer; como aquele para arruinar-se. Se alguém pensa em seguir a carreira militar, ou casar, ou começar qualquer trabalho, não se move se antes não .. avaliou se a coisa poderá tornar-se para ele rapidamente rendosà. Ora, encontrando-nos aqui reunidos não deveríamos procurar a maneira

de expulsar de nós este mal? Não sentiremos vergonha diante das obras insignes realizadas por nossos pais? Daqueles três mil ou cinco mil que possuiam tudo em comum? Que vantagem nos pro­ porcionará a vida presente se não a aproveitamos para obter a vida futura? Até quando deixareis de pôr um freio a Mamona, que vos mantém na escravidão? Ou antes, até quando sereis escravos do dinheiro? Até quanto não vos tornareis amantes da liberdade rom­ pendo as relações com a cobiça? Se fôsseis escravos de homens, farleis tudo para obter a liberdade; em vez disso, prisioneiros que sois das riquezas, nem pensaIs em ltbertar-vos de tal dura escra­ vidão. E é preciso dizer que aquela não é tão grande, ao passo que esta tirania é tremenda. [ ... 1 Porque não devemos apenas deplorar e condenar um vicio, mas também procurar corrigi-Ia, procuremos compreender por quais ra­ zões chegamos a amar a peste da cobiça. Por que, por que che­ gamos a tanto? Porque ela proporciona fama e segurança, me dirás. Mas. eu te pergunto, que tipo de segurança? A segurança de nunca sofrer a fome, o frio, os incOmodas da pobreza, o desprezo dos outros. Por isso, se eu te prometo esta mesma segurança. te liber­ tarás da avidez do dinheiro? A partir do momento em que por estes motivos se desejam e se buscam as riquezas. se conseguir­ mos sem elas 8 mesma segurança, que necessidade temos ainda? Mas dirás, como pode alguém que não é rico obter estas coisas?


JOAO CltlSÔSTOMO

212 Eu te digo precisamente o contráno: como pode consegui-Ias o rico? Ele deve servir um grande número de pessoas. chefes e súd.tos. tem necessidade de muitos, está sujeito a uma escravidão contínua e indigna; está sempre alarmado e desconfiado, teme os olhos dos invejosos, as línguas dos caluniadores, a cobiça dos avaros. Mas a pobreza é exatamente o oposto. ~ urna condição segura

e sem perigos, um refúgio tranqüilo, uma academ'B e um exercfcio

de sabedoria, uma lmitaçáo de vida angélica. Escutai o que VOS

digo, vós que sois pobres, ou antes aqueles dentre vós que quereis enriquecer. O mal não está em ser pobre, mas em não querer ser pobre. Se consideras a pobreza como um mal, ela não te será pesada. Gom efeito, a rejeição que o homem sente pela pobreza não é causada pela sua natureza, mas pelo juízo que dela fazem fracos e 08 pusllãnimes. Mas deveria envergonharMme de mim mesmo se conseguiSSe dizer da pobreza apenas que não é um mal. Se Quiseres seguir o

05

ideal cristão, ela será para ti fonte de infinitos bens. Se alguém te oferecesse. de um lado, poder, autoridade, riquezaS, prazeres e, de outro, a pobreza, e se pudesses escolher, \09 0 es~o\herlas a pobreza se conhecesses sua beleza. 4. Bem sei que muitos riem do que eu disse, mas não me preo­ cupo. Peço-vos apenas ouvír com paciência e logo me dareis razão. A pobreza me parece semelhante a uma jovem graciosa, bela e do­ tada: a avareza, pelo contrário, a uma mu\her monstruosa, a uma SUa, a uma Hlrlra, OU a outro monstro semelhante inventado peia mito­ logia. [ ... ] Mas o pobre, me dirás, é ultrajado pelo rico. DIzendo isto fazes outro elogio à pobreza. Dlze·me, quem é feliz, o que ofende ou o que é ofendido? Sem dúvida, quem é ofendido e suporta as ofensas. Dirás ainda: mas o pobre sofre a fome. Também Paulo sofreu a fome. Mas não tem onde repousar! Também o Filho do

homem não tinha onde pousar a cabeça. Vês. portanto, até onde chega o elogio da pobreza, que lugar te assegura, a quem te torna seme\hante e de que modo te leva a imitar o Senhor? Se as riquezas e as propriedades fossem um bem, Cristo as teria dado aOS seus disclpulos, ele que lhes deu bens inefáveis. Em vez disso, não só não deu, mas nrolblu que os possulssem. Por isso Pedro não só não se envergonha de sua pobreza, mas até se gloria dela com aquelas palavras que bem conhecemos: Não tenho prata nem ouro, mos o que ten/lO te dou. 21 Quem de vós não gostaria de pronunciar estas palavras em alta

21. AI 3,6.

lN MATTHAEUM HOM. 90; lN EP1STOLA 1 AD COR. HOM. 34

Z13

voz? Certamente todos, me respondereis. Por Isso jogai fora o ouro, jogai fora a prata. "Se eu me desfizer, perguntas, terei o mesmo poder de Pedro?" Dize-me, o que foi que tornou Pedro feliz? Será que foi o fato da :curar um coxo? Certamente não, pois foi o fato de não possuir riquezas que lhe garantiu a bern-aven­ turança do céu. Com efeito, muitos dos que fizeram milagres foram condenados às penas do inferno; mas quem acolheu a pobreza obteve o reino. Aprendamos de Pedro; ele disse duas coisas: Não possuo ouro nem prata, e: Em nome de Jesus levanta-te e anda. Ouais das duas coisas o fez feliz e digno de admiração: o ter curado um coxo ou o ter renunciado às riquezas? Aprende Isto das palavras do próprio Juiz: Que foi que disse Cristo àquele rico que queria obter a vida eterna? Não lhe disse: "Endireita o aleijado". mas: Vende o que tens e dá-o aos pobres; áepols, vem e segue·me; e terás um tesouro no céu. 22 O mesmo Pedro não disse: "Eis que nós expulsamos os demônfos" - ainda que realmente os tivessem expulsado -, mas: Eis que deixamos tudo e te seguimos; qual será a nossa recom­ pensa? '" E Cristo respondendo-lhe não disse: "Todo aquele que tiver curado um aleijado ... ", mas: Todo aquele que tiver deixado casa e campos por causa de mim e do evangelho recebere o cêntu­ plo no presente, e no futuro e vide eterna." Por isso também oos imitemos 8 Pedro e não seremos humilhados; mas com confiança coloquemo-nos diante do tribunal de Cristo e peçamos a sua bene­ volênc!a, de modo que ele esteja conosco como estava com os discípulos. (ln Matthaeum homilia 90)

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Pobreza e riqueza vêm do Senhor

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1 6. Por que os homens enriquecem? Com efeito, está escrito: Pobreza e riqueza vem do Senhor. 25 Perguntarei a Quem me propõe este problema citando-me precisamente esta frase: será que todas as riquezas e todas as pobrezas vêm do Senhor? Quem jamais afir­ mal! Isto? De tato, bem sabemos que muitos se enriquecem com roubos, ou com fraudes nos sepulcros, ou com Imposturas, ou com outros meios semelhantes e quem possui riquezas juntadas com 22. MI 19,21. 23. MI 19,27. 24. MI 19,29; Me 10,29-30. 25. Eelo 11,14_

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JOAO CRISÓSTOMO

214

tais métcdca nem merece viver. Podemos. pois, dizer que estas riquezas vêm de Deus? Absurdol De onde, então? Do pecado. Também a prostltuts enriquece oferecendo seu corpo; e o belo ado­ lescente vendendo a sua beleza adquire dinheiro em troca de ver­ gonha; e os profsnadores de sepulcroa acumulsm uma riqueza Inlqua destruindo os túmulos, e assim o ladrão, que abre pasaagens frau­ dulentas. Então, todas as riquezas vêm de Deus? Como Interpre­ taremos estas palavras da Escritura? Aprendamos, antes de tudo, que nem a pobreza vem de Deus, e depois voltaremos a esta tema. Quando um Jovem pródigo gasta os ssus bens com as prostitutas ou com os charlatães ou com outros passatempos pecaminosos, e esbanja até ficar pobre, não é claro que também Isto não é obra de Deus, mas do seu desper­ dlclo? E ainda: se aquele se tornou .pobre por sua inércia; se este o é por sua loucura, a aquele outro porque se meteu em negócios duvidosos ou desoneatos, acaso não é claro que nenhum desses foi Impelido à pobreza por Deus? Devemos dizer então que as Escrituras mentem? De forma alguma, mas erram totalmente os que não examinam a Escritura com toda a atenção necessária. [ ... ] Com efeIto, Deus não fsla a todos de maneira igual. Também nós, quando falamos com as crianças, nos exprimimos de maneira diferente de quando falamos com os adultos. Quando foi dita aquela frase, por quem, a quem? Por Salomão; no Antigo Testamento; aos judeus, que só compreendlem ss colsss que podiam captar com os sentidos, e delss deduziam o poder de Deus. Foram eles que disseram: Talvez possa dar também plio e: Dese/arlamos que nos fizesse ver um sinal," e: Os nossos paIs comeram O maná no de­ serto 2. e: Têm como Deus o seu ventre. 2• Visto que por estaa coisas o reconheciam como Deua, dtsse-lhee também que Deus podia tomar ricos e pobres; não porque faça Isto sempre, mas porque pode fazê·lo quando quiser; como quando disse: Ameaça o mar e o faz secar, todos os rios ele os seca, ao embora nunca o tenha feito. Como o Profeta interpreta estas palavras? Não que Isto aconteça aempre, mas que Deus pode fazll-Io. Portanto, que pobreza e que rIqueza dê o Senhor? Lembremo-nos dos patrtarces e aaberemos quais são as rIquezas que Deus con­ cede. Com efeito, Deus mesmo tomou rico Abraão e, depois dele.

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26. 21. 26. 29. 30.

81 10,20. Mt 12,36. Jo 6,31. FI 3,19.

Na 1,4.

lN EPISTOLA AD COR. HOMILIA 34

também Jó, que disse: Se de Deus aceitamos o bem, por que não 81 A mesma origem têm 85 riquezas de Jacó. Há também uma pobreza louvada por Deua, aquela pobreza que ele aconselhava ao jovem rico, dizendo: Se queres ser perfeito vende o que tens e dá·o 80S pobres, e depois vem e segue-me,'2 e aos próprios discípulos, dando a mesma ordem: Não deveis possuir nem ouro, nem prata, nem duas túnicas. as Portanto, não digamos que Deus dá todas as riquezas, porque foi demonstrado que estas na realidade podem ser conaeguidas também com homicídios, Com roubos e com mil outras maldades. Maa voltamos ao nosaoprimelro discurso. Se os ricos não nos servem, por que foram criados? Que responderemos? Que de nada servem os rIcos que -enríque­ ceram daquele modo, mas quem se torna rico por obra de. Deus é muito útil a todos. Consideremos as suas ações. As riquezas de Abraão, por exemplo, estavam a aervlço dos peregrinos e de todos os pobres. Com efeito, quando ele viu chegarem aqueles três ho­ mens - como ele os julgava -, matou o novilho, amassou três medidas de flor de farinha;" estava sentado na entrada da tenda na hora mais quente do dia; vê com quanta solicitude e generosi­ dade dlstrlbula a todos os prépríos bens, dando ajuda, servindo pessoalmente e dando generosamente. e tudo isto apeaar de estar em idade avançada. Era e refúgio dos forasteiros e doa necessl­ tadoa, não querendo poaauir nada para si, nem mesmo o próprio filho; com efeito, oferecendo-o em sacrifício a Deua que assim lhe havia ordenado fazer;" e com o filho ofereceu também a aI mesmo . e toda a sua casa, quando procurou por todos oa meios libertar o filho do Irmão... Não fez Isto para obter recompensas em troca, mas sõ por humanidade; e aqueles que ele tinha libertado ofereceram -lhe os despojos, mas ele não quis nada. nem sequer um fio de pano nem um cordão de sandália. deveremos aceitar o mal?

1. Tal era também o bem-aventurado J6, que assim falou: Minha porta estava aberta ao vtelem«; eu era os olhos para os cegos e os pés para o coxo; era o pai dos pobres; o estrangeIro nllo passava a noite ao relento;.T os doentes, quando estavam em necesaldade, 31. 32. 33. 34. 35. 36. 31.

Jo 2,10. MI 19,21­ te 9,3. Ct. Gn 19,1-1. CI. Gn 22,ls9. cr. Gn 14,13-16. Jó 31,32; 29,15,16.


lN EPISTOLA I AD THEBS. HOMILIA 11

JOAO CRISÓSTOMO

216

nunca foram embora desiludidos e ele nunca permitiu que ninguém ae

afastasse de sua casa de estômago vazio. E não deixava de fazer muito mais do que acabamos de dizer. empregando todas as suas

riquezas para ajudar os pobres. Agora queremos considerar aqueles que foram ricos não por rico descrito no relato de Lázaro: não distribuía nem sequer as migalhas da mesa. 3 ' Vemos Acab, que quis apoderar-se da vinha do pobre; tl9 e Giezi W e todos 08 outros como ete. Os que por

Nilo podeis servir e Deus e e Mamona

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3. [.,.] tivesses de cair na pobreza ou na doença, então deverias aprender a agradecer a Deus senão dos outros, certamente dos pobres, que ficam nas encruzilhadas ou perambutam pelos carnl­ nhos. Com efeito, eles Que passam toda a vida mendigando não blasfemam. não se impacientam, não imprecam. Falam de sua con­ 38. cr, t,c 16.19-21­ 39. CI. 1R. 21,1-9. 40. cr, 2Rs 5,20-27. 41. Rm 2,5.

dlção ~e pobreza com gratidão, reconhecendo a grandeza, a cle­

mência, a bondade de Deus. O pobre que morre de fome o consi­ dera bom, e tu que vives na maior abundância, se não consegues apropriar-te de tudo o que os outros têm, o chamas cruel. Vê até que ponto pobre é melhor do que nós? De que modo seremos julgados? O Senhor enviou para todos nós os pobres como mestres de vida para suportar as dores. Tiveste de sofrer aquilo que não dese­ javas suportar, Mas não é nada em comparação com o que o pobre sofreu. Perdeste um olho? Ele perdeu ambos. Estás atormentado por um mal incessante? Ele sofre de um mal incurável. Perdeste os filhos? O pobre perdeu também a saúde. Sofreste um grave prejuízo? Ainda não chegaste ao ponto de ter de recorrer aos outros. Por Isso, agradece a Deus. Olha para os pobres, na dureza da miséria, que pedem a todos um pouco de compaixão, que rece­ bem alguma coisa de bem poucos. Quando estás cansado de rezar e não consegues nada, lembra-te quantas vezes ouviste os pedidos do pobre e não lhe deste ouvido; e ele não se Irou contra ti, não te ofendeu vilmente. Todavia te comportaste com crueldade. ao passo que Deus não quer ouvir-te por benevolência a ti mesmo. Não consideras justo que te censurem quando não dás atenção a um companheiro de desventura, mas julgas poder acusar o teu Senhor que por amor a tI não faz a tua vontade? Vê com quanta dureza, Injustiça e maldade te comportas?

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vontade de Deus e ver como usaram as riquezas. Vemos aquele

direito possuem as riquezas enquanto as receberam de Deus empre­ gam-nas segundo os preceItos de Deus: 08 que. ao se apoderarem delas, ofenderam a Deus o ofendem Igualmente ao gastá-Ias, desper­ diçando-as com prostitutas e rnandrlões. ou então enterrando-as e guardando.as, sem nada distribuir aos pobres. E por que, me direis, Deus permite que tais homens sejam ricos? Porque é paciente, por­ que quer levar-nos à conversão, porque preparou a geena, porque fixou o dia em Que julgará o mundo. Se punisse logo os ricos quando pecam, Zaqueu não teria tido. tempo de se converter, de modo a restituir o quádruplo àqueles que ele havia explorado. Mateus não teria podido mudar a própria vida e tornar-se apóstolo, se tivesse sido levado a julgamento antes dos tempos. e assim muitos outros. Por isso espera e exorta todos a se arrependerem. Se apesar dIsso não quiserem, se persistirem em seu pecado, ouvl­ rão as palavras de Paulo: Com essa dureza e esse coração ImpenI­ tente vais acumulando Ira contra ti para o dia da cólera e da reve­ lação do Justo Juizo de Deus. 41 Portanto, evitemos a ira de Deus, procuremos conseguir tesou­ ros no céu. vivamos na pobreza. (ln Eplstola I ad Cor. homilia 34)

217

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4. Pensemos sempre nestas coisas, irmãos, com relação aos pequenos, aos mais infelizes e poderemos agradecer a Deus. A vida é cheia de tais exemplos [. .. l: por Isso nas Igrejas e nos santuá­ rios os pobres ficam na entrada, para Que possamos tirar proveito da sua presença ali. Com efeito, considera que quando entramos nos palácios terrenos não vemos coisas desse tipo, mas .homens importantes, famosos, nobres,. nente rica e culta que se agita febril­ mente; entrando no outro palácio, pelo contrário, quero dizer nas igrejas e nos santuários dos mártires, encontram-se endemoninhados, mutilados, pobres, velhos, cegos, coxos. Por que Isto? Para que. vendo-os, sejas edificado; antes de mais nada, se entraste ataviado com ostentosa alegância, observando a sua pobreza, deponhas toda soberba do teu ânimo, e com coração contrito comeces a escutar o que se diz (com efeito, não se pode ser ouvido quando se reza vivendo no luxo); e para que, quando vês um velho, não te exaltes e não te orgulhes de tua juventude; com efeito, também os velhos Um dia foram jovens; e para que, quando te orgulhas do serviço militar e dos encargos de corte, reflitas que entre eles houve homens

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lN EPlSTOLA AD HAEBR. HOMILIA 1S

JOAO CRISÓSTOMO

218

com um diadema, vêm para participar da mesa, e são consideradQS dignos do banquete espiritual; ambos aproveitam da mesma coisa. e não há diferença atguma. (ln Eplstola I Bd Thess. homilia 11)

que sobressaíram e se destacaram em seus encargos de governo; e para que, ainda, quando te sentes jactancioso pelo vigor do teu corpo. pensando neles não te ensoberbeçss. Assim. quem passa por aqueles lugares, ainda que seja sadio, não se alegra multo da sua saúde e se estiver doente se consola. Não só pars isto os pobres assentam ali. mas também para tornar-te misericordioso e para tnduzlr-te à piedede vendo a extraor­ dinária bondade de Deua; com efeito. se Deus não se envergonha deles, antes quer que eles ae mostrem nas entradas dos santuários, com malar razão também tu não deves envergonhar-te deles. nem deves moatrar-te posudo nem soberbo por causa das honras terrenas.

Portanto, não é preciso ficar vermelho se um pobre te chama, se quer aproximar-se e aegurar-te pelos joelhos. Não o expulsea, pois eles são como cães de guarda extraordinárIos das cortes sa­ gradaa. E não os chamei cães por desprezo. abaolutamente. maa para fazer-lhes um grande elogio: eles guardam a corte. Asslste-os, pois, e a honra que lhes li prestada subirá até o ReI. lá. nas man­ sões terrenas, tudo li arrogllncla e soberba; aqui, tudo é humildade. De nada valem as glórias humanas. vês Isto precisamente nas entra­ das das Igrejas. Deus não goata das riquezas; aprendas Isto olhando para quem senta dIante de sua morada. Aqui sentam e se reúnem os pobres; isto constitui uma exortação à conscIência de todos os homens, e em voz alta e clara se diz: as coisas humanas não são mais do que sombra e fumaça. Se as riquezas fossem um bem, Deus não permitiria que os pobres sentaaaem diante das casas dele. Mas não te espantes se ele acolhe também os ricos; de fato, não os acolhe para que permaneçam ricos. mas psra que se libertem da soberba e da arrogância. Ouve o que diz Cristo sos ricos: Não se pode servIr Deus e a Mamona;" e: DIfIcilmente um rIco entreré no reino dos céus, e ainda: t maIs ftlcll que um camelo passe pelo buraco de uma agulha do que um rIco entre no reino dos céus. 48 Acolhe 08 ricos, portsnto, pars que escutem estas palavras, dese­ jem as riquezas eternas. aspirem aos bens do céu. Por que te admiras que Deus permita aos pobres abrigar-se em seus vestlbulos? Acaso não se digna chamá-los à mesa espiritual. tornando-os participantes de aeu banquete? Ali, o coxo, o manco. o velho. vestidos com farrapos. cheios de sujeire e de catarro, Jun­ tamente com o Jovem pujante, vestido de púrpura, a cabeça ornada

Como nlo p088uindo nada e tendo tudo

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2. Expulsemos de nós. pois, 08 pensamentos Que vêm da carne. Quais são? Aqueles que nos levam a conseguir bem-estar e prazer para o corpo. mas que prejudicam a alma; por exemplo. as riquezas. o luxo. as honras. Todas estas são coisas próprias da carne, ou seja, sBtisfazem o amor pelo corpo. Por isso não busquemos possuir mais, mas sigamos sempre a pobreza, porque ela li um grande bem. Mas alguém pode dizer: a pobreza torna a pessoa obscura e Inflma. Precisamente por Isso é necessária para nós, porque nos proporciona grande vantagem. Diz a Escritura: A pobreza torna o homem humilde;" e Cristo: Bem-aventurados os pobres de espIrita. .. Por que noa entriatecemos. então, se temos à disposição um csminho que nos leva à virtude? Não sabes se esta nos dá multa segurança? Mas: A sabedorIa do pobre é desprezada; '0 e em outra passagem diz também: Não' me dês nem pobreza nem riqueza" e: Livra-me da fornalha da pobreza. Se a pobreza e a riqueza vêm do Senhor, como é passivei entilo que a pobreza ou a riqueza sejam algo mau? Por que foram feitas estas afirmações? Estas coisas foram ditas no Antigo Testamento, quando as riquezas eram multo consideradas e a pobreza, pelo contrário, multo desprezada. quendo esta era uma maldição e aquela uma bênção. Queres ouvir os lou­ vores da pobreza? Cristo a praticou durante a sua vida. e disse: O Filho do homem não tem onde repousar a cabeça.·o E dizia tam­ bém aos seus dlscfpulos: Não possuais nem ouro nem prata nem duas túnicas; •• e Paulo dizia: Como nada possuindo e tendo tudo," e Pedro, ao aleijado de nascença: Não tenho ouro nem prata. 01

44. Pr 4,10. 45. MI 5,3.

46. Eel 9,18. 47. Pr 30,6. 48. MI 6.20. 49. Mt 10.9-10.

42. Mt 6,24. 43. Mt 19,23-24.

50. 2Cor 8,10. 51. At 3,8.


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T JOAO CRIsóSTOMO

220

No Antigo Testamento. quando as riquezas eram tão conside­ radas, quem eram, dize-me, os homens mais admirados? Não era acaso Elias, que não possuia mais do que sua pele de ovelha? Não eram Eliseu e João? Portanto, não te sintas humilhado e abjeto por causa da pobreza; não é a pobreza que torna miseráveis, mas as riquezas que obrigam a depender de muitos, e obrigam a agradecer continuamente a alguém. Quem era mais pobre do que Jacó, dize-me, quando dizia: Se o Senhor me der pão para comer e roupa para vestir?'2 Quem mais do que Elias e João podiam falar com tanta autoridade? Acaso o primeiro não ousou acusar o rei Acab, e o segundo, Herodes? A este João disse: Não te é /lcito possuir 8 mulher do teu irmêo; sn e Elias. com grande franqueza, disse a Acab: Eu não causo desgraça a Israel, mas tu e a casa de teu pef. eH Vês que é precisamente a pobreza que torna livres de falar? O rico, pelo contrário, é um escravo, sem­ pre exposto a algum prejuízo, a qualquer um que tenha a possibili­ dade de prejudlcá-lo. Mas quem não teme nada não teme nem ruína nem condenação. Se a pobreza tirasse a coragem de falar, Cristo não teria enviado os discfpulos como pobres, para cumprir uma missão que exigle plena liberdade de palavra. O pobre é muito forte, porque ninguém pode causar-lhe injúria ou dano. O rico, pelo contrário, pode ser facilmente atingido de muitas partes [ ... I: es­ cravos, ouro, propriedade, negócios, Interesses sem fim, ambiente social, necessidades contínuas, tudo o oprime e o domina. 3. Por isso, ninguém considere a pobreza como motivo de de­ sonra. Com efeito, ali onde está a virtude, em comparação com ela todas as riquezas do mundo são menos do que barro e restolho. Busquemos a riqueza se quisermos entrar no reino dos causo O Se­ nhor disse: Vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu, e também: ~ diflcil que um rico entre no reino dos céus." Como vês, devemos adquirir um estado de pobreza, se Já não o possuimos. ~ muito granda o bem que a pobreza alcança; é como o guia que nos leva ao caminho do céu, o adestramento para a luta. a extraordinária academia, o refúgio seguro. Mas - alguém pode dizer - eu tenho necessidade de tantas coisas, não quero receber esmolas dos outros. Se for só por isso, o rico está em condições muito piores. Tu podes pedir o que é

52. Gn 28,20. 53. Mc 6,18. 54. 1Rs 18.16. 55. MI 19,21.23.

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lN EPISTOLA AD HAEBR. HOMILIA IR

221

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necessano para viver, mas ele, pela avidez de ganho, pede com imprudência uma infinidade de coisas. Por isso os ricos com fre­ qüência sentem falta de muitas coisas; mais ainda, sentem falta até de coisas que são indignas deles. Por exemplo, têm necessi­ dade de soldados que os defendam e que os sirvam. Mas o pobre nada pede nam mesmo ao rei, e também se pedisse seria estimado pcr ter aceito a pobreza, enquanto lhe teria sIdo possível enriquecer. Portanto, ninguém acuse a pobreza de causar inúmeros males, e não contradiga a Cristo que a define como a perfeição de toda virtude: Se queres ser perfeito. lS6 Afirmou isto com suas palavras. demonstrou-o com suas ações e ensinou através dos .seus discípulos. Sigamos, pois, a regra da pobreza; . ela é um grande bem para quem é virtuoso e sóbrio. ~ possível que alquérn ao ouvir estas palavras esteja fazendo escon­ juros. Compreendo muito bem: muitíssimos consideram a pobreza uma peste. e _tão forte é a tirania que o dinheiro exerce sobre elea, II que não suportam nem ouvir falar em ter de abandoná-lo, antes consideram este discurso como um péssimo augúrio. Tudo isto está li bem longe do ânimo do cristão; com efeito, ninguém é mais rico do que aquele que escolhe espontaneamente e de bom grado a II pobreza. Como é possível fazer isto? Vou dizê-lo e, se quiserdes, vos mostrarei como aquele que por sua vontade decide viver pobre­ mente é rnals rlcó que o próprio imperador. Com afeito, este tem 11111.111 sempre necessidade "de muitas pessoas, tem rníl preocupações, teme não poder manter o exército; o outro, pelo contrário, tem tudo sem I IIII preocupações, nada teme e; mesmo se teme, não é por tantos II i',i motivos. I, I II Dize-me, pois: quai dos dois é rico? Quem está todos os I dias preocupado e ansioso, procurando por todos os melas juntar continuamente dinhairo, e tem medo que lhe possa faltar, ou quem I' .II.I.il não acumula nada, que tem tudo em abundãncla e não tem necessi­ i" I ~\., I dade de ninguém? A virtude e o temor de Deus, Com efeito, tornam .1, livres, não "as riquezas, que na realidade levam à escravidão. Diz 'iili i~ a Escritura: Presentes e dádIvas cegam os olhos dos séblos, impe­ li'!li .11.' "~; 'i I dindo as censuras, qual mordaça na boce.ê" Pensa como Pedro, que I;~i II i era pobre, castigou o rico Ananlas. ~ verdade, este era rIco e aquele 1';\; li Il~[ li; pobre; mas escuta como fala com autoridade. quando pergunta: Ven­

destes o campo por tal preço?, e o outro que responde com humll· Mi i'l.ll

dade: SIm, por tanto.' 8

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56. MI 19.21. 57. Ecl 20,29. 58. AI 5,8.

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JOAo CRISóSTOMO

lN EPISTOLA AD HAEBR. HOMILIA IS

E quem - dirás tu - me permitirá comporter-me como Pedro? Podarás ser como Pedro se souberes despojar-te dss rtquezas que possuis: distribui, dá aos pobres, segue Cristo e serás como Pedro. Mas como? - dirás ainda. Ele fazia mllsgres. Dize-me, forsm rnlla­ gres que tornaram Pedro digno da admiração, ou foi a liberdade de falar que lhe era dada por aua escolha de vida? Não ouves as pslavrss de Cristo? Nilo vos slegreis porque os demõnlos vos obe­ decem, mss: Se queres ser perfeito vende o que tens.dá·o aos po­ bres e terás um tesouro no céu. oe Escuts o que Pedro disse: NBa tenho prata nem ouro, mas o que tenho te dou; 00 quem possui ouro e preta não tem o que Pedro tem.

Por isso Cristo diz: Vende o que tens,·a assim poderás entra, naquele caminho. Por que desejas tanto o dinheiro? Ele quer que te desfaças dele para libertar-te de tal escravidão. Os pais solicitas com efeito, quando vêem o filho corrompido por alguma prostituta: se não conseguem convencê-lo com as exortações e as recomen_ dações a ebandonã-la. procuram afaatar a mulher. Assim é para a abundância das riquezas. O Sanhor que se preocupe conosco, para liberter-nos dos males que nos podem vir dos bens terrenos, nos priva deles. Nfio julguemos que a pobreza seja um mal; Só o. pecado fi um mel. Com efeito. as riquezas não têm nenhum bem em si mesmas; o único bem está em agradar 8 Deus.

Mas cama pode ser Isto - continuarás a perguntar-me - se muitos não têm nem este nem aquele? Porque são pobras sem que­ rer ser. Só quem é pobre por sua vontade possui todos os bens. Com efeito, mesmo se não ressuscita os mortos ou não endireita os aleijados. contudo tem o que vale mais do que squllo: a posslbl­ IIdade de falar em nome de Deus. No último dia ouvimo aquelas ps lavras felizes: Vinde, benditos de meu Pai. Oue há de mslor do que isto? Recebei em herança o Reino qua vos está preparado desde a crlaç{ío do mundo. Porque tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era um estrangeiro e me acolhestes. Estava nu e me vestistes, doente e me visitastes, na prlsõo e me viestes ver. Tomai posse do Reino que vos está preparado desde o Inicio do mundo." (ln Eplstola Bd Haebr. homilia 18)

(ln Epistola Bd Heebr. homilia 33)

Vende o que tens 5. Pensa de quentos males. com freqOêncla. aâo causa as ri· quezas, escuta o que Cristo disse: t mala fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus.·' Considera como as riquezas sâo um obstáculo para obter bens tão grandes. Apesar disso, fezes de tudo para enriquecer. E não queres acolher com alegria a pobreza que te liberta de tais obstáculos! O caminho que leva ao reino fi multo estreito, enquanto a avenlde da riqueze é multo ampla, cheia de arroqãneta e vanglória.

59. MI 19.21. 60. AI 3,6. 61. MI 25.34-36. 62. MI 19,24.

63. Ml 19,21.


AGOSTINHO

Se quel'8S entrar na vida 1. O Senhor disse ao jovem: Se queres entrar na vida, observo os mandamentos. 1 Não disse: Se queres entrar na vida eterna, mas: Se queres entrar na vida, ou seja, dando o nome de vida àquela que durará para sempre.

Antes de mais nada. observemos o amor que dedicamos a esta vida terrena. Com efeito, qualquer que ela seja, Os homens gostam dela; temem e se apavoram que ela, ainda que penosa e miserável, tenha de acabar. Por isso devemos' considerar e compreender como é digna de predlleção a vida eterna, se tanto amamos esta vida, mesmo sendo ela miserável e passagelra. [ ... ] Amas esta vida onde tanto trabalhas, corres, te preocupas, te agitas; Infinitas são as necessidades do viver infeliz: semear, lavrar, plantar, navegar, moer, cozer, tecer. E depois desaas fadigas deves morrer. Eis o que deves suportar nesta pobre vida que tanto amas. Acaso lu/gas que viverás sempre e nunca morrerás? Os templos, as pedras, os mármores, ainda que resistentes e reforçados com o ferro e o chum­ bo, caem em ruína; o homem julga que não deve acabar? Empenhe­ mo-nos, Irmãos. em buscar a vida eterna. onde não suportaremos mais os males desta terra, mas reinaremos eternamente com Deus. Assim diz o Profeta: Quem dese,a a vida anseia por ver dias

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2. Dos dias que vivemoa neata vida o Apóstolo diz: Aprovei· tando o tempo presente, porque os dias são maus. 8 Acaso não de­ vem ser chamados maus estes dias que transcorremos suportando a degradação dessa nossa carne, o peso tão grave de um corpo corruptível. sofrendo tantas tentações e dificuldades; onde os pra­

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1. MI 19.17. 2. sr 33,13. 3. Et 5,16.

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AGOSTINHO

zeres são enganosos e não há nenhums certeza de alegrls; onde o medo n08 atenaza, a cobiça nos devora, a angústia nos consome? Vês como são mlseros estes dlasl Apesar disso, ninguém quer que eles acabem e pedimos contlnusmente a Deus pere poder viver por longo tempo. Que sIgnifica viver maia, senão atormentar-nos mais? Que slgnlfics viver mais, senão aumentar o número dos dias Infe­ lizes? [ ... J Maus são estes dias, tanta piores quanto mais são ama­ dos. Contudo este mundo é tão enganoso que ninguém quer que esta vida sofrida tanha fim. A verdadeira vida, pelo contrário, a vida feliz, nós a teremos quando ressuscitarmos e reinarmos com Cristo. Na verdade, tarn­ bém os lmplos ressuscitarão, mas para Ir ao fogo. Portanto, não pode hsver vlds senão a vida feliz, e não é feliz se não for eterna, lá onde os dias são felizes; e não heverá multas dles, mas um único die eterno, Nós falamos em dias segundo a nossa linguagem desta terra, Aquele único dla não conhece nem alvorecer nem ocaso. Aquele dis nunce sucederá um amanhã, visto que não é precedido por um ontem, Este dla, ou estes dlas, e esta vids, a verdadeira vida, lá s possulmos hoje na promesea. Ela é recompensa de alguma nossa obra boa, Se quisermos o pagamento não faltemos ao trabalho, e reinsremos para sempre com Cristo. (Sermo 84)

Se queree entrar na vida, obaerva 08 mandament08 1. A lelturs evangélica que acabou de ressoar em nossos ouvi­ dos, Irmãos, exige mais ser escutada e posta em prática do que ser comentada, Que existe de mais claro do que estas iluminadoras palavrss: Se queres entrar na vida, observa os mandamentos? que posso eu ainda acrescentar? Se queres entrar na vida, observa os mandamentos. Quem não deseja a vida? Todavia, quem se empanha em observar os mandamentos? E se nlio queres observar os men­ dsmentos, por que pretendes a vlds? Se és preguiçoso no trabalho, por que solicitais o pagamento? O Jovem rico afirmou ter obaervsdo os mandamentos, por Isso lhe foram propostaa metas mais altas: Se queres ser perfeito, uma coisa ainda te falta; vai, vende o que tens a dé-o aos pobres e não o perderás, rnaa tarés um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. • Com efeito, de que te serve ter feito tudo Isto e não ssgulr-me? Mas aquele foi embora triste e abatido, como ouvistes, pois tinha 4. MI 19,21.

SERMO 85

227 muitas riquezas. Ora, o que foi dito a ele é dito também a nós: o evangelho é s voz de Cristo. Ele está sentado nos céus, mss continua a fslar na terra. Não sejamos surdos: a sua voz brada; não sejamos preguiçosos: a sua voz troveja.

Sa não tens Animo psra observar os preceitos mais difíceis, observa os mais fáceis; se é multo grande .0 peso dos maiores, observa os mais leves. Por que te mostras preguiçoso com relação a ambos? Por que te recusas a observar uns e outros? Preceitos mais dlflceis são: Vende tudo o que tens, d6-0 aos pobres, e segue-me; mais fáceis: Nfio matar, não cometer edultérlo, não prestar falso tes­ temunho, nfio roubar, honrar. psi e mI/e, amar o próxImo como a fi mesmo; • pratica estes. Como exortar-te a vender os teus bens, se nem consigo Impsdlr-te de roubsr os bens dos outros? Ouviste a ordem: Não roubarás, e tu roubes. Diante do tribunal do Juiz su­ premo eu te considero não 8Ó um 'adrão, mas também umasaal­ tante. Poupa a ti mesmo, tem miseriCÓrdia de til Esta vida ainda te oferece uma possibilidade, não recuses a correção. Foste ladrão ontem; não o sejes também hoje, Talvez Já o foste hoje; não sejas amanhã. Põe fim de uma vez por todas 80 mal e, Como recompensa,

procura o bem. Queres possuir coisas boas, mas tu mesmo não queres ser bom: a tua conduta contradiz os teus deeejoe. Se ter uma boa propriedade é uma coisa boa, tar uma alma má não é por­ ventura um grande mal? 2. O rico oe afastou perturbado e o Senhor disse: Como é

diflcll, para os que possuem riquezas, entrar no reino dos céus;'

e para mostrar como é diflcll, no-lo diz com uma comparação: tão dlflell que é completamente Impoaslvel. Com efeito, toda coisa Imposslvel é dlflcll; mas nem toda coisa dlflcl/ é Imposslve!. Por­ tento, escuta bem a Comparação e verás de que dificuldade se trata: Em verdade vos dIgo, é mets fácil que um camelo passe palo buraco de uma agulha, do que um rico entre no reino dos céus, 7 Um camelo entrar no buraco de ums agulhsl Se dlssesae uma pulga, já seria imposslvel. Tendo ouvido Isto, os discípulos se entristeceram e disseram: Se assim é, quem se poderá salvar? 8 Quem entre os rIcos? Pobres. escutai Cristo. Neste povo ds Deus a quem falo multas são os pobres. Pobres, sabei pelo menos vós entrar no reino dos céus; e contudo escutai: quem dentre vós quiser gloriar-se 5. B. 7. B.

MI 19,1B-19. MI 19,23. MI 19,24. MI 19.25.


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SERMO

AGOSTINllO

228 na humildade; guardai-voS da impiadade, para que os ricos não vos superem no amor a Deus; guardai-vos da embriaguez, para que os ricos não vos superem na sobrIedade. Se eles não devem gloriar-se

da riqueza, também vós não vos glorieis da pobreza.

3. Escutai, ricos, se é que há ricos aqui; escutai as palavras

do Apóstolo; Escutem os ricos deste mundo: D com efeito, há muitos

ricos do outro mundo. Os pobres são os ricos do outro mundo, os apóstolos são os ricos do outro mundo, que diziam de si mesmos;

Gente que não tem nada, e todavia possui tudo! lO E para que com­

preendêsseis de que ricos estava falando, especificOU: deste mundo.

Escutem os rícos deste mundo: Recomenda aOS ricos deste mundo

que não sejam orgulhosos. O orgulhO é O primeiro verme das rique­

zas; caruncho ma1igno, tritura tudo até reduzir a pó. Recomenda, pois, que não sejam orgulhosos, e não depositem a esperança na

incerteza das riquezas, para que não te suceda adormecer rico e

acorder pobre; não depositar a esperariça na incerteza das riquezas

_ são palavras do Ap6stolo - . mas no Daus vivo. Assim diz o Após­

tolo. O ladrão pode roubar-te o ouro, mas poderá privar·te de Deus?

O que julga possuir O rico. se não possui a Deus? Oue falta ao

pobre, se ele tem a Deus? Por isso diz: Não depositar a esperança

sejam generosos.

Mas então perderão todos os seus bens? Seiem generosos, disse ele. não: Dêem tudo. Conaervem para si o necessário, até mais do que o necessário. Portanto, dêem uma parte. Oue parte? A décima. Os escribas e os farIseus ofereciam o dizimo." Irmãos, envergonhemo-noa; eles, por quem Cristo ainda não havia derramado o seu sangue, davam o dizimo: os escribas e fariseus! Pensa nisto quando julgas fazer multo dando o pão BO pobre; não é sequer a milésima parte do que possuis. E contudo não quero censurar-te: faze pelo menos Isto. Estou com tanta sede, com tanta fome, que mesmo 56 estas migalhas me dão alivio. Mas nao posso calar as palavras que pronunciou, quando ainda vivo, aquele que

morreu por nos. Disse: Se a vossa Justiça não superar a dos es­ cribas e dos fariseus. não entrareis no reino dos céus. 16 Ele não quer aqradar-noa: é médico. e por isso põe o dedo na ferida. Se " vossa lustlça não superar a dos escribas e dos fariseus, não entre­ reis no reino dos céus. Os escribas e os fariseus davam o dízimo. E então? Interrogai a vós mesmos. Refleti sobre o que fazela: observai o que dais e o que reservais para vós: o que empregais para a miSericórdia e o que reservais para o luxo. Por Isso: Selam prontos a dar, sejam generosos. reservando um bom capital para' o futuro, para adquIrir 8 vida eterne. 1 'f

nas riquezas, mas no Deus vivo, que nOS deu tudo em abundânCia 11 e ao mesmo tempo nos dá também

para que possamos aproveitar;

dam a acusar a si mesmos sem buscar atenuantes, e digam as palavras que apenas acabamos de ouvir no Sa\mo: Reconheço o meu

pecado. 12 Explica tu o que significa sejam ricos em boas obras.

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10. zcor 6,10. 11. Cl. lTm 6,11'., 12. Si 50,5.

229

4. Que significa: estejam prontos a dar. Será que também Isto não é bastante claro? Estejam pronto. a dar, selam genero,os. 18 Tu possuls, o outro não possui nada: partilha, para que ele partilhe contigo. Compartilha aqui e compartilharás lá. Partilha aqui o pão. e lá receberás o pão. Mas que pão, aqui? Aquele que buscas com suor e fadiga. como predizia a maldição dirigida ao primeiro homem. E que pão. lá? Aquele pão que disse: Eu sou o pão vivo, descido do céu." Aqui tu és rico. mas lá és .pobre. Tens ouro. mas ainda não tens Cristo. Distribui, pois. o que possuis. para poder receber o que não tens. Sejam ricos da boas obras. estejam prontos a dar.

da pobreza, guarde-se da soberba. para que os ricoS não vos superem

a si meamo. . Se. pois. não devem depositar sua esperança nem a sua segu­

rança nas riquezas. mas apenas no DeLJs V)VO,. que farão então os

ricos com seus hena? Escuta o que farão: Selam ricos em boas

obras. Que quer dizer isto? Fala claramente, Apóstolo. Com efeito,

muitos não querem compreender o que não querem fazer. Esclarece

o teu pensamento. Apóstolo; não dês motivo 8 mau comportamento a pretexto de um discurso obscura; esclarece a tua ailrmação: Se-­ Iam ricos em boas obras. Oue todos escutem e compreendam. apren­

as

5. Exortei os ricos: escutem-me agora os pobres. Ricos. distri­ buí o. que possuis, e võa pobres não desejeis possuir. V6s dai as vossas rtquezas, e vós outros refreai os vossos desejos. Pobres, escutai aa palavras do mesmo Ap6slolo: .E certamente um grande ganho - ganho signlflca a aquisição de benefeclos - , ti certamente 13. 14. 15. 16. 17.

lTm 6,18. Jo 8,51.

Cf. Lo 18,12. MI 2.20. 1Tm 6.18·19.

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AGOSTINHO

:230

um grande ganho a pledede unlde à modereçêo. 18 Tendes em comum com os ricos o mundo; não tendes em comum com os ricos a casa; mss tendes o céu, em comum, tendes a luz. Buscsl o necessário, buscai squilo de que tendes necessidsde, não desejeis msis do que isto. Tudo msls oprime, não alivia; é um ónus, não uma honra, É certamente um grende genho e pIedade unids com a modereção. Em primeiro lugsr a pietes, que é o culto s Deus. A piedade unIda à moderação. Com efeito, nade trouxemos pare este mundo. 19 Será que trouxestes alguma coiaa? E nem meamo vós, ricos, trouxestes alguma coisa. Encontrastes tudo aqui, nascestes nus, como os po­ bres. Tendea em comum a fragilidade do corpo, o vagido que é sinsl de Impotência. Com efeito, nada trouxemos pere este mundo ,(dlrige-se sos pobres); e neda podemos levar dele. Por isso, quando tivermos o que comer e com que nos vestir, devemos estar conten­ tes. O contrário scontece com os que querem enriquecer: Os que querem tornar-se rIcos, não os que o são. Com efeito, os que são ricos, o sejam. Já ouviram o que lhes diz respeito, a fim de que selam ricos de boas obras, estelem prontos a dar, selam ganerosos.

a. Eles lá ouviram. Vós que ainda não sois ricos, escutai: Os que querem enrIquecer caem na tenteção, no laço e em multas de­ sejos Insensatos e funestos. Não tendes medo? Escutai aquilo que segue: Submergem os homens na ruina e na perdlção. 2O Não tendes medo? Com efeito, a coblçe do dinheIro é a raIz de todos os males. A, cobiça do dinheiro está em desejar ser rico, não no fato de já sê-lo: esta é a cobiça. Não temes o ablamo de ruína e de perdição? Não temes a cobiça, raiz de todos os males? Arrancas de tua roça as raízes da t1ririca, e não arrancas de teu coração a raiz dos de­ sejoa perveraos? L1bertaa dos esplnhoa a tua terra, a fim de que nasçem frutos psre o teu ventre, e não purificas o teu coração. de modo que ali posaa habitar o teu Deus? Com efeito. a cobIça do dinheIro está na raiz de todos os males; por seu desenfreado deselo alguns se desvIaram da fé, e eles mesmos se atormentaram com muitas dores.

21

Ouviates o que deveis fazer, aquilo de que deveis cuidar-vos; como se adquire o reino dos céus, e como é posslvel afastar-se dele. Deus fez o rico e fez o pobre. A Escritura o diz: O rIco e o pobre se encontram, o Senhor crIou um e outro.•• O rico e o pobre 18. 19. 20. 21. 22.

1Tm 6.6. 1Tm 6.6-7. 1Tm 6,9. lTm 6.10. Pr 22,2.

SERMO 85: S6

231

se encontrarn: . em que caminho. senão durante esta vida? Tu nas­ ceate rico, e tu pobre. Encontrando-vos, avançsls Juntos pelocaml­ nho, Tu não deves oprimir e tu não deves engsnar. Este carece de tudo, squele tudo possui. O Senhor criou um e outro: serve-se do rico para ajudar o pobre, e por melo do pobre põe á prova o rico. Temos ouvido o evangelho. temos falado: temamos o mal. este­ jamos atentos, rezemos para poder chegará meta. (Sermo 85)

Vai, vende o que tens, dá-o aos pobres 2. Ouvimos um rico pedir ao bom Mestre um conselho pars alcançar a vida eterna. Este desejava uma coisa importante, mas se recusava a desprezar uma Insignificante. E assim, escutando com má diaposição de ânimo aquele que havia chsmado bom Mestre, por causa do excessivo amor a coisas de pouca monta, perdeu o tesouro da caridade. [ ... ] Não ouviu o que queria, mas o que devis ouvir. Viera desejoso, e foi embors triste. O que teris feito se lhe fosse dito: "Perde o que tens", se para afastá-lo aflito bastou­ -lhe ouvir as palavras: "Conserva bem o que possuis"? Vai, vende o que tens, dá·o 80S pobres. Temes talvez perdê-Io? Escuta o que segue: E terás um tesouro no céu. Talvez tenhas designado um servo pars guardar os teus tesouros; mas o guarda do teu tesouro serâ Deus. Ele mesmo, que o concede sobre a terra, o conserva para' nós no céu. Mas talvez aquele não teria hesitado em dar a, Cristo o que possuía e assim se entristeceu porque lhe foi dito: Dtl-o 80S pobres, pensando: Se me tivesse dito: dá a mim e eu to conservarei no céu, não teria tido dificuldade em dar a meu Senhor, ao bom Mestre; em vez disto, me disseste: Dá·o eos pobres.

3. Ninguém tenha receio de distribuir seu. bens aos, pobres, ninguém pense que receberá estes bens a mão que se vê. Na reali­ dade, recebe aquele que mandou, dar. Não digo por um pensemento ou por uma suposição humana; escuta a ~ voz daquele que o diz e te garante por escrito: TIve lome e me destes de comer. Os após­ tolos, ouvindo eiencar as suas boas ações, responderam: Quando foi que te vImos famInto?, e ele: Toda vez que tiverdes, feito estas coIsas 8 um s6 destes meus irmãos, 8 mIm o fizestes. 28 O pobre pede a esmola, mas recebe-a o rico; tu a dás a quem a gasta, mas a recebe quem a restitui: e não restituirá só o que 23. MI 25,34-40.


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232

AGOSTINHO

recebeu; com efeito, quis ser devedor e te promete mais do que deste. [ ... 1 4. Toda vez que tiverdes feito estas coisas a Um só destes meus irmãos mais pequenos. a mim o fizestes. Não recebi dlreta­ mente, mas através dos meus; o que destes a eles 8 mim o destes.

Tranqül/lzai-vos, não o perdestes. Na terra tivestes preocupação com quem era fraco, mas tendes no céu alguém que é poderoso. Eu recebi, eu restituirei. Que foi que recebi? Que coisa restituirei? Tive lome e me

destes de comer etc. Recebi terra e restituirei céu; recebi coisas temporais, restituirei as eternas; recebi pão, restituirei a vida. [ ... ] O pão que deste aos meus pobres foi consumido, mas o pão que darei alimenta e não se consome. Rezemos, pois. para que nos dê o pão, aquele pão que vem do céu, visto que dando-nos o pão dará também a si mesmo.

S. Que te propunhas quando emprestavas dinhalro a juro? Dar dinheiro, pouco, e receber dinheiro, a mais. Eu - diz o Senhor ­ mudarei em melhor tudo o que me deste. Se por uma libra de prata recebesses uma libra de ouro, como ficarias alegre! Pensa . nisto e escuta a voz da cobiça: dei uma libra de prata e recebo

uma libra de ourol Mais ainda, porventura é algo semelhante à prats e ao ouro? Muito mais; que semelhança há entre a terra e o céu? Além do mais, terás de deixar nesta terra o ouro e a prata; tu mesmo não ficarás aqui para sempre. Eu te darei algo diferente, algo mais, algo melhor e eterno. Portanto, reprimamos a nossa concupiscência, irmãos, de modo que se acenda o desejo das coisas santas. Pelo contrário, as coisas que vos impedem de fazer o bem vos conduzem à completa perdição: patroas despóticas, vós as servis sem querer reconhecer o Senhor que é bondade infinita. Às vezes, duss são. as senhoras que ocupam o coração do homem e disputam, dilacerando-o em dtreções opostas, o servo mau que mereceu servir semelhantes senhoras: [ ... ]

6. [ ... ] a cobiça e a luxúria. A cobiça diz: Conserva! A luxú­ ria: Gastai Dado que estas duas senhoras mandam e pretendem coisas diferentes, como te comportas tu? Ambas têm as suas razões

a fazer vaier. E quando começares a não querer mais obedecer e a retomar a tua liberdade, não podendo mais mandar em ti, pro­ curarão agradar-te; e são mals terrfVels as suas lisonjas do que suas ordens.

Como fala a avareza? Procura guardar, acumula para os teus filhos. Se ficares pobre ninguém virá em teu auxílio. Não deves

SERMO 86

233

viver apenas o presente; provê para o futuro. A luxúria, pelo con­ trário: Vive, enquanto estiveres vivo, pensa em passar bem com

a tua alma. Um dia deverás morrer, não sabes quando. Nem sabes

se teu herdeiro tomará posse do que lhe deixas. Agora renuncias

e tiras da boca o que é teu, e ele talvez, quando estiveres morto,

não derramará sequer um cálice sobre o teu sepulcro; ou então, se o derramar, será para embriagar a si mesmo e para ti não restará

uma s6 gota de vinho. Pensa em estar bem com tua alma. visto que podes, enquanto podes. Acumula, garante o futuro, ordena a

cobiça: a luxúria, pelo contrário: Gasta, diverte-te bastante. [ ... ]

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9. [.00] Fale agora o Senhor, fale a justiça: as palavras serão as mesmas. mas o significado não será o mesmo. Diz O teu Senhor:

Guarda para ti, garante o teu futuro. Tu perguntas: Onde poderei

guardar? Terás um tesouro no céu, onde o ladrão não poderá apro­

ximar-se, nem o caruncho roê-lo. Até quando durará este futuro para

o qual estás guardando? Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reino

preparado para vós desde a fundação do mundo." Ele mesmo diz

quanto durará este reino, no fim de sua afirmação. Com efeito, diz

dos que estarão à sua direita: Os lustos irão para 8 vida eterna.. 26 Portanto, é Isto que significa pensar no futuro. Futuro que não terá outro futuro. L .. ] Eis, pois, estas palavras não são diferentes daquelas ditas pela cobiça: contudo, a cobiça está vencida. [ ... ]

12. [ ... ] Que diz a luxúria? Que diz ela? Pensa em estar bem com tua alma. O mesmo diz o Senhor: Pensa em estar bem com a tua alma. Como te falava a luxúria, assim te fala a justiça. Mas também aqui, considera o significado. Se queres pensar em estar bem com a tua alma, recorda-te daquele rico que, seguindo o con­ selho da cobiça e da íuxúrla, pensava em dar boa vida à sua alma. A plantação lhe havia rendido uma abundante colheita, e não tendo celeiros para guardar os seus produtos, disse: Que farei, já que não tenho onde armazenar es minhas colheItas? SeI o que vou fazer: demolireI os velhos armazéns, construIrei outros novos e os enche­ rei; depois, direi à minha alma: mlnhe alma, tens muitos bens à disposição, entrega-ta à alegria. Escuta o conselho contra a luxúria: Tolo, nesta mesma noite te será pedida tua via. E o que preparaste, de quem será? 28 Para onde iria sua alma que estava para lhe ser

tirada? Na mesma noite lhe seria tirada, e não sabe para onde irá.

24. MI 25,34. 25. MI 25,46. 26. el. Lo 12,16-20.

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AGOSTINHO

234

13. Considera ainda este outro rico, cheio de ostentação e de soberba. Todos os diaa se banqueteava magnificamente e vestla-sa da púrpura e linho. Um pobre coberto de feridas Jazia à sua porta. Em vão esperava desejoso as migalhas que caiam da mesa do rico. Alimentava 00 cães com auas feridas, mas nada recebia do rico para matar a fome. Ambos morraram. Um deles foi sepultado; do' outro, que lemos? Foi levado pelos anJos psra o seio de Abraão. 27 O rico vê o pobre, ou melhor, o rico que antes era pobre. Pede o refrigério de uma gota de água em- sua língua àquele que pedia as migalhas da sua mesa. A aorte realmente mudou muito. [ ... ] 14. Devemos dar esmolas predispondo aasim para o futuro o repouso da alma, a fim de que possamos viver bem com a nossa alma; isto mesmo que diz a luxúria com Intenção perversa é o que disseram também Molaés e os profetas. Escutemo·los enquanto esti­ vermos vivos. Pois Inutilmente quererá escutll-Ios no além quem desdenhou ouvi-los nesta vida. Esperamos talvez que ressurja algum dos mortos e venha falar·nos, para convencer-nos de que estamos bem com a nossa alma? Isto Já foi feito. Não foi teu pai que ressuscitou, mas ressuscitou o teu Senhor. Escuta a ele que te fala e te aconselha para o teu bem. Não poupes as tuas riquezas escondendo·as, mas divida-as quanto pude­ res. Pensa no bem de tua alma, a fim de que ela não seja tirada nesta noite. (Sermo 86)

Digo-vos: guardal.vos de Ioda cobiça 1. Vós que temeis a Deus, certamente escutais com temor a sua palavra e a observais com alegris: para que nesta vida espereis e na outra obtenhais o que ele prometeu. Acabamos de escutar o Senhor Jesus Cristo Filho de Deus que nos impõe uma prescrição: prescrição que vem da própria Verdade, que não pode enganar nem pode ser enganada. Escutemos, temamos, estejamos atentos. Que foi que nos prescreveu? Eu vos digo: guardai-vos de toda cobiça. Por que de toda cobiça? Que significa de toda? Por que screscentou de toda? Teria podido dizer: "Gusrdal-vos da cobiça". Mas ele fez questão de acrescentar de toda, e assim disse: Guardai-vos de toda cobiça. O motivo desta admoestação aparece na passagem do santo avangalho que narra a ocssião da qual nasceu O discurso. 27. Cl. Lc 16,19••.

SERMO 1m

235

Certo homem pede a intervenção do Senhor contra seu Irmão que havia ficado com todo o patrlmônio, sem dar ao Irmão a parte que lhe cabia. Vedes, .pota, como era justa a causa de quem o Interpelava. Com efeito, não buscava adonar-se de bens de outrem, mas queria a aua parte daquilo que os pala lhe haviam deixado; ele reclamava Isto, invocando a intervenção e o juizo do Senhor. Tinha um Irmão inJuato, mas tinha encontrado um justo juiz, que podia julgar a maldade do Irmão. Por que perder esta ocasião numa causa tão boa? De outro lado, quem poderia dizer a seu irmão: "Restitui ao irmão a sua parte", se não fosse Cristo a dizê-lo? Aquele juiz que ele chamava a julgar acaso podia ser corrompido pelo dinheiro do Irmão ladrão, mas rico? Por Isso, aquele pobrezinho, deapojado dos bens paternos e tendo encontrado um juiz tão perfeito, aproxima-se dele, dlrlge-se a ele implorando e expondo brevemente a sua situação. Com efeito, não tinha necessidade de deferi der longamente sua causa, vlsto que falava com aquele que podia ler no coração. E disse: Senhoi, dize a meu Irmão que divida comigo a herança.·· Mas o Senhor não lhe disse: "Traze também teu Irmão" e nem ordenou a quem o Inter­ pelava: "Traze as provas daquilo que afirmaste". Aquele pedia a metade da herança, queria a metade desta terra; o Senhor lha oferecia inteira no céu. O Senhor dava mais do que se lhe pedia.

2. Dize a meu Irmiio que divida comigo 8 herança. O pedido ara justo e brevemente exposto. Mas ouçamos o Senhor, juiz e mestre: Homem, disse, homem: ,tu que consideras tanto esta herança, te comportas apenas como homem. Cristo quarla que ela se tor­ nassse mala do que um homem. Que queria fazer daquele homem, Ilbertando-o da cobiça? Que mais queria dele? Digo·vos: Eu disse; vós sois deuses, sois todos filhos do Altissimo. 20 Eis o que queria fazer com aquele que não tem a cobiça do dinheiro: enumerá-lo entre os seres divinos. [ ... J 3. Padlste um favor, escuta o conselho: Dlgo-vos, guardai-vos de toda cobiça. Talvez chames rapace aquele que quer apoderar-se dos bens dos outros; dlgo·ta que não deves ter pensamentos cúpldos e avaros nem mesmo com relação aos teus bens. ~ Isto que signi. fica de toda. Assim disse: Guarda/·vos de toâ« cobiça. ~ uma ordem poderoaa, Se nos sentimos fracos por causa deste grave dever 28. Lc 12,13. 29. S\ 81,6.


--,­ AGOSTINHO

SEIlMO 10'1

236

23'1 III

vezes. E o pobrezinho andava matutando não sobre a maneira de

que nos é Imposto. peçamos àquele que o Impôs que nos dê tam­

distribuir a colheita que lhe sobrava, mas como conservá-Ia. E assim,

bém as forças para observá-lo.

depois de bem pensar, teve uma idéia.

Meus irmãos, quando nosso Senhor, nosso Redentor. noSSO Sal­

vador, que morreu por nós e que ofereceu seu sangue para remir­ -nos, quando o nosso defensor e nosso juiz diz: Guardai-vos, não podemos considerar com superficialidade esta sua recomendação. Com efeito, ele sabe até que ponto é funesta a cobiça; nós, que não o sabemos. devemos observar os seus preceitos. euerdet-vo«, diz. De que coisa? De toda cobiça. Mas eu me limito a conservar o que é meu, não me apodero dos bens alheios. Guardai-vos de toda cobiça. Com efeito, apegado ao dinheiro não é apenas o que usurpa o que é dos outros, o é também aquele que conserva com cobiça o que é próprio. Mas se o fato de possuir ciosamente os próprios bens merece tal censura, que castigo caberá a quem se apodera dos bens dos outros? Guardai-vos de toda avareza, porque mesmo que alguém esteia na abundância, a sua vida não depende de seus bens. 'o Aquele que acumula muitas riquezas, quanto deverá subtrair delas para vi­ ver? Quando tiver tirado mentalmente e posto de parte o que lhe é necessário, considere para que lhe serve todo o resto, para que não aconteça que, querendo conservar para a própria vida, acumule

para a própria morte. Eis Cristo, eis a Verdade, eis a severidade. Guardai-vos, diz a Verdade, guardai-vos, diz a Severidade. Se não amas a verdade, teme pelo menos a severldade- Mesmo que alguém esteja na abundância, a sua vida não depende de seus bens. Acre­ dita nele, que não te engana; tu, pelo contrário, que dizes? "Se o homem está na abundância, a sua vida está em ter muitos bens." Tu estás errado, ele não erra. 4. Acabamos de ver corno do pedido daquele que reclamava a sua parte, sem desejar as riquezas dos outros, o Senhor aproveltou a ocasião para exprimir o seu pensamento, de modo que disse não apenas: "Guardai~vos da avareza", mas: Guardai-vos de toda avareza. Além disso, acrescentou outro exemplo, daquele rico cuja terra havia produzido uma grande colheita. Com efeito, disse: Houve um rico cule terra. prosperou multo. Que significa: Prosperou? Significa

que a terra que ele possuía produziu abundante colheita. Em que medida? Em medida tal que não tinha onde colocá-Ia, de modo que o velho avaro de repente viu-se limitado por causa da abundância. Com efeito, há quantos anos os celeiros eram suficientes? Mas dessa vez aconteceu que os armazéns não bastavam como das outras

Estava convicto de que

era muito esperto por ter encontrado aquela solução. Havia conside­ rado a coisa com prudência. e havia decidido dentro de uma visão ampla. Que havia decidido, pois, o sábio? Demolirei os meus arma­

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zéns e construIrei outros maiores, e os encherei. DepoIs. dIrei à minha alma: que dizes à tua alma? Minha a/ma, tens muitos bens bdlsposição, por muitos anos; descansa, come, bebe e entrega-te

á alegria. É o que diz a si mesmo o sàbío que havia tomado aquela

decisão.

5. Mas Deus lhe disse. [. _.] toto, disse, tolo - tu que julga­ vas ser sábio - tolo - que disseste à tua alma: Tens á disposição J

muitos bens: nesta mesma noIte será pedida tua alma. 31

Havias

dito a ela: Tens muitos bens, hoje te será pedida, e não terá nenhum bem. A alma deve desprezar os bens desta terra e tornar-se ela

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mesma um bom bem, de modo a apresentar-se segura quando for chamada. Que existe de pior para o homem do que querer ter mui­

tos bens e não querer ser bom ele mesmo? És indigno de possuir,

I

tu que não queres ser o que queres ter.

Acaso quererias uma

casa em más condições? Não, tu a queres em bom estado; gosta­ rias de ter uma mulher má? Não, boa; um manto rasgado? Não, o queres bonito, como também não queres um sapato roto. Por que, então, só queres ter má a alma? O Senhor não diz a este tolo que Inutilmente pensava em

construir celeiros e não via a fome dos pobres: "Hoje tua alma será lançada na qeena": mas: A alma te será pedida. Não te digo para onde irá tua alma, mas, queiras ou não, deverá partir daqui onde acumulaste para ela tantas riquezas. Eis, tolo, pensaste em encher novos e grandes celeiros com a colheita, como se não hou­ vesse outra coisa a fazer. [ ... 1 7. Por isso, para evitar a iniqüidade, guardai-vos de toda cobiça. Mas quero dar-vos destas palavras: toda cobiça, seu significado mais profundo e mais amplo. O licencioso é cobiçoso. visto que não lhe basta 8 sua esposa. A própria idolatria é chamada cobiça; porque, pensando na divindade, a pessoa é cobiçosa quando não se contenta com um Deus, o único e verdadeiro. Não é cobiçosa de divindade a alma que se constrói tantos deuses? [, .. 1 Guarda/-vos de toda cobiça. Gostas de tuas riquezas e te glorias de não desejar

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30. Lc 12,15.

31. CI. Lc 12,16-20.

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238

AGOSTINHO

as doa outros. Eia os pecados que cometes não escutando as pala­ vras de Cristo: Guarda-te de toda cobiça; portanto, amas as tuas riquezas. não roubas 88 doe outros; tu as conseguiste Com o teu trabalho, honestamente; aa tiveste como herança; mereceste tê-lae da presente; navagaste, enfrentaste perigos, não fraudeste ninguém. não perjuraste. tiveste o que era do agrado de Deus; e as conservas avidamente. mas com boa conaclência porque não as conseguiste de maneira má e não roubas os bens dos outros. Mas pode acon­ tecer que sejas juiz: não te deixas corromper, porque não desejas os bens doe outros; ninguém te ofereca presentes para que conde. nes teu adveraárlo. Oh, nãol Maa considera o que podea chegar a fazer de desonesto, por causa de tuas riquezas. Aquele que quer que pronuncies uma sentença desonesta a seu favor contra o seu adversário pode ser um homem poderoso. pode começar a caluniar-te e e arrumar-te, E começas e pensar no seu poder e nas tuas rlque­ zas que guardas ciosamente; que na realidade não possuis. mas às quais estás multo apagado: considera como astas se grudam em ti e escravizam a tua virtude. Dizae a ti mesmo: "Se eu me opuser, este Que hoje é multo poderoso começará a falar mal de mim; estarei arruinado. perderei meus bens". E assim. não para buscar os bens dos outros, mas para defender Os teus, emitirás um Julgamento injusto.

8. Imaglnemoa agora um homem que tenha ouvido as palavras de Cristo, que tenha escutado com temor: Guardai·vos de toda cobiça. Que tal homem não me diga: sou pobre. plebeu, medíocre, um entre muitos: não temo esta tentação da qual apresentaste os perigos. Eis que quero dizer também ao pobre equilo de que deve guardar.se. Um rico e poderoso te chama para que dês a favor dele um falso testemunho? Que fazes? Dlze-me. Consaguista um bom pé-de-mela, trabalhaste, genhaste, conservaste. O rico insiste: "Presta para mim este falso testemunho, e te darei isto ou aquilo". Tu, que não desejas as coisas dos outros. dizes: "Absolutamente não: não quero o que Deus não quer dar-me: não pego nada; afasta-te de mim". "Recusas o que te ofereço? Tlro-te o que tens". Eis que estáa posto à prova, Interroga a ti mesmo. Por que me olhas? Olha para dentro de ti, perscruta-te Interiormente, examina o teu coração. Senta-te e põe·te diante de ti mesmo. PÓ8-te sob o aguilhão do preceito divino, do temor de Deus, e não te Justifiques, responde a ti mesmo. Se alguém te fizesse estas ameaças, que farias? "Eu te privarei daquilo que COm tanto trabalho ganhaste se não deres este felso testemu­ nho a meu favor" [' .. l "6 servo meu, te dirá o Senhor, que eu redimi, que libertei e tirei da escravidão e te adotel, a quem dei

SERMO IlI7

um lugar como membro do meu corpo, escuta-ma: ainda que te prive do que genhsste, não poderá privar-te de mim. Queres COn' servar os teus bens para não te arruinares? Acaso não ta disse eu: Gusrde-te de toda cobiça?" 9. Eis que estás perturbado, estlls agitado: o teu coração encon­ tra-se agitado como o barco em meio à tempestade. É porque Crlato dorme: acorda-o, e a tormenta que se desencadeou se aquietará. Acorda o Senhor e o terás totalmente contigo, ele que aqui nada quis posauir e que por ti chegou a aceitar a cruz; o Senhor. a quem os que o Insultavam, nu e cruclflcado, contaram todos os ossos, e guarda-te de toda cobiça.

Porque. no fundo, a cobiça do dinheiro é pouca coisa. em com­ paração com a cobiça da vida: horrlvel e espantoaa. Pode ser que alguém não leve em consideração os seus bens e possa dizer: "Não quero prestar um falso testemunho". Não quero. Tu me dizes: "Prl· vo-te de teus bens"? Poderás privar-me daquilo que possuo.'·mas não me tirarás aquilo que tenho dentro de mim. Não ficou pobre aquele que disse: O Senhor deu, o Senhor tirou, seja feito como apraz ao Senhor; bendito seja o nome do Senhor. Nu sal do selo de minha mãe e nu voltarei à terra. 82 Nu por fora, vestido por den­ tro; nu fora de panos que perecem, vestido por dentro. Vestido de que coisa? Os teus sacerdotes se vestem de iustiç«. BB Mas que farias se aquela te dissesse, vendo que desprezas as riquezas que possuis: "Eu te mato"? Responde-lhe que ouvlate a palavra de Cristo: "Queres matar-me? E não é melhor que mates o meu corpo, em vez de matar eu a minha alma com minha mentira? Que podes fazer-me? Podes matar o corpo, e a alma salrll livre. No fim do mundo ela receberá a mesma carne que agora despreza. Que podes fazer-me, pois? Mas se eu pronunciar em teu favor um falso testemunho mato-me com a minha lingua, e não mato meu corpo: uma boca mentirosa mata a alma". 54 Mas talvez não queiras dizer estas coisas. Por quê? Porque queres viver. Queres viver por mais tempo daquele estabelecido por Deus? Estlls certo de guardar-te de toda cobiça? Deus quer que vivas até o momento qua ele estabeleceu para ti. Quem quer matar-te talvez faça de ti um mártir. Não sejas multo desejoso da viver e não correrás o risco de morrer por toda a eternidade. Vedes. pois, como em cada 32. Jó 1,21. 33. SI 131.9. 34. Sb 1.11.


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AG08rINIIQ

240 caso a concupiscência -

o deselar mais do que o justo -

SERMO 14

nos

241

mendo que Mo selam orgulhosos. S1 Isto". Porque têm riquezas que por riquezas que tornam diflcll a pessoa que possuía um grande patrimônio e

"Sei o que digo: ordena.lhes si mesmas levam ao orgulho. ser humilde. Imitemos Zequeu era chefe dos publicanos; ele confessa Seus pecados. pequeno que é de estatura e ainda mais

leva a pecar? Guardemo-nos de toda cobiça, se quisermos gozar eternamente da sabedoria. (Sermo 107)

I

I

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modesto no ânimo; sobe numa árvore para ver passar aquele. que

A ti O pobre S8 abandona, do órfio és o apoio

II'

por sua salvação seria pe'ndurado no madeiro da cruz. Faze com Que os ricos digam com Zaqueu: Dou a metade dos meus bens aos

1. Acabamos de cantar ao Senhor as palavras: A ti o pobre se abandona, do órlão serás o apoio (SI 9,14). Procuremos um pobre, procuremos um órfão. Não vos surpreendais se vos convido a pro­

I

pobres. Mas tu és muito rico, Zaqueu, multo rico, Oueres dar a metade; por que queres reservar a outra? Porque se enganei alguém,

I

. restituo quatro vezes mais. 88

curar os que vemos tão numerosos em torno de nós. Acaso não

4. [ ... ] Olha Abraão que foi muito rico durante a vida em ouro, prata, serviçais, rebanhos, propriedades, e contudo embora rico na verdade foi pobre, porque foi humilde; com efeito, ele acredItou no Senhor, e isto lhe loi creditado como lustlçe.w Foi Justificado pela graça de Deus, não pelos méritoa que 'podia presumir te" Ele era fiel a se comportava segundo a justiça. Recebeu a ordem de imolar o filho e não hesitou em olerecê-Io àquele do qual o havia recebido. Foi provado por Deus e constituído exemplo de fé. Sem dúvida. Deus o conhecia bem, mas era preciso que também nós o

estão todos os lugares cheios de pobres e de órfãos? Contudo eu busco por toda parte um pobre e um órfão. Antes de tudo, quero mostrar à vossa caridade que o pobre que procuro não é aquele que julgamos tal. Com efeito, os que são pobres, para os quais Deus ordenou dar esmola, e dos quais está escrito: Encerra a esmola no coração do pobre e ela orará ao Senhor por ti, 81S este tipo de

pobres é muito numeroso entre os homens. Mas é preciso entender esta palavra "pobre" num sentido mais profundo. O pobre de que se laia é daqueles dos quais está escrito: Bem·aventurados os po­ bres de esplrito, porque deles é o reino dos céus." Hã pobres sem r ecursos econõmicos, que a duras penas encontram, dla após dia, o necessário para alimentar-se, que têm tanta necessidade da com­ paixão dos outros que nem sequer se envergonham de mendigar. Destes está escrito; O pobre se abandona 8 ti; que poderemos fazer nós que não estamos entre eles? Nós, mesmo sendo cristãos, não queremos abandcnar-nos a Deus? E que outra esperança temos, se não nos abandonarmos a ele que não nos abandona?

conhecêssemos. Não se envaideceu por causa de suas boas obras,

pois, embora rico, na realidade era pobre. E para saber, que ele não se envaidecia pelo bem que reallzava -

6, Portanto, dirijamos aos nossos ricos aadmoestaçâo do Após. tolo: Não vos envaideçais e não ponhaIs a vossa esperança na Incer­

2. Aprendei, pois, a ser pobres e a ebandcner-vos a ele, meus

teza das riquezas; assim admoestou. Aquelas rlquezae que nos pa..

irmãos na pobreza. O 'rico é soberbo. Com efeito, nas riquezas deste mundo, aquelas que geralmente são chamadas riquezas às quais se

recém cheias de prazeres, na realidade estão repletas de perigos. Quem é pobre dorme mais seguro. O sono se aproxima mais facil. mente da dura terra do que do leito de prata. Observai es preocupa­ ções dos ricos e comparal-os com a falta de perigos dos pobres.

contrapõe o que comumante se chama pobreza, nestas riquezas.

pois, nada é mais temivel do que o vício do orgulho. Ouern não tem grandes fortunas, não tem grandes possibilida­ des, por isso não é louvado e evita o orgulho; ao passo que se louva aquele que teria do que gloriar·se e não se ensoberbece. [ ... J Louva quem é rico e humilde, quem é rico e é pobre. AssIm o quer ver Paulo, que escreve a Timóteo: Aos ricos deste mundo reco35. Eclo 29,15. 36. MI 5,3.

com efeito, sabia que

tudo o que tinha o recebera de Deus, e não se gloriava em si rnes­ mo, mas no Senhor - leiamos o apóatolo Paulo: Com eietto, se Abraão foi Justificado pelas obras, certamente tem do que gloriar-se, mas não diante de Deus. <O

Que o rico aprenda a não ser soberbo e a não confiar nas riquezas instáveis. Use do mundo como quem não se serve dele; convença­ -se de ser um viajante e considere a riqueza como O viajante quando

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37. 1Tm 6,17. 38. cr, Lc 19,8. 39. Gn 15.6; Rm 4,3. 40. Rm 4,2.

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AGOSTINHO

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entra numa hospedaria. Alimente-se, pois deve prosseguir; restau­ re-se e prossiga seu caminho; não deve carregar consigo o que encontrou na hospedarie. Outro viajante virá depois dele, e também ele se servirá, mss não levará nada. Todos devemos deixar aqui o que ganhamos. Diz e Escritura: Nu sai do selo de minha mãe, e nu voltarei à terra. O Senhor deu, o Senhor tirou. {1 [ • • . 1

1. [ ... 1 Escuta as palavras de outro pobre: Como não trouxe­ mos nada para este mundo, também dei.. não podemos levar ned«. Portanto, tendo roupa e comida, fiquemos satisfeitos com isto. Quem quer ficar rico cai na armadilha, na· tentação, numa multidão de de­ selos loucos e perIgosos que precIpitam os homens na perdlçêo e na desgraça. Porque a ganáncla pelo dinheIro é a raIz de todos os males. Apegados a ela, multas se desviaram para longe da fé e se torturaram com multas sofrimentos." Quem são os que ss desvia­ ram para longe da fé e se torturaram com muitos .sofrimentos? Aque­ les que quIseram tornar-se ricos. [ ... l

9. [ ... l Olhemos pare aquele que consideramos o verdadeiro rico. Tudo foi feIto por melo dele, e sem ele nada foI feito. 43 Criar o ouro é bem mais do que possui-lo. Tu és rico de ouro, de prata, de rebanhos, de serviçais, de posses, de ganhos, mas não pudeste criar tUdo isto. Vês o rico: Tudo foi feito por meio dele. Vês o pobre: E o Verbo se fez carne e velo habitar no meio de n6s. •• Quem poderá ter ume idéia adequada de sua riqueza, quem poderá Ima­ ginar como ele "faz" sem ser feito; como cria sem ter sido criado: como dá forma, sem ter recebido forma; como, imutável e eterno, dá vida às coisas mutáveis e temporais? Quem poderá Imaginar exatamente as suas riquezas? Pensemos na sua pobreza: através de nossa pobreza talvez possamos compreender a dele. Foi conce­ bido no selo virginal de uma mulher, encerrado no seio de uma mãe. Que pobrezal Nasce num pobre abrIgo, é envolto em panos de crian­ ça, é posto numa manjedoura como o alimento dos pobres animais; depois, este Senhor do céu e da terra, este criador dos anjos, este autor de tudo O que é vlslvel e Invislvel suge o leite, chora, se al1menta, aceita a fragilidade de sua Jovem idade, oculta a sua gran­ deza; por fim, li preso, condenado, flagelado, escarnecido, cuspido, surrado, coroado de espinhos, suspenso no madeiro ds cruz, trans­ pasaado pelo golpe de lança, Que pobreza! Eis que ele é o chefe 41. 42. 48. 44.

Jó 1,21. lTm 8,7-10. Jo 1,3. Jo 1,14.

SERMO 14; 88

243

daqueles pobres que eu procuro. Deste pobre é membro todo ver­ dadeiro pobre. 10. Procuremos rapidamente um órfão, porque já nos cansamos de procurar o pobre. Senhor Jesus, procuro um órfão, dedico-me a esta busca. Responde-me, faze com que eu o encontre. A ninguém chameis "pet" sobre s terra." O órfão na terra encontra no céu um pai Imortal. A ninguém chameis "psi" sobre a terra, diz-nos. Eis que encontramos o órfão que procurávamos. Ele reza. Escute­ mo-Ia. Qual li a sua oração? Meu pai e minha mãe me abandonaram, diz, mas o Senhor me recolheu.'· Portanto, se são bem-aventurados os pobrea de esplrito porque deles é o reino dos céus, a ti se aban­ dona o pobre. Se meu pai e minha mãe me abandonaram, mss o Senhor me recolheu, tu és o amparo do órfão. <7

(Sermo 14)

Hli O que perece rico e nAo tem nede, e hli o que perece pobre e tem muitos bens 3. Admoesta pois, diz o Apóstolo, admoesta os ricos deste mun­ do." Não diria: deste mundo se não houvesse também ricos que não são deste mundo. E quem aão estes? Aqueles que têm como modelo e chefe aquele de quem foi escrito: Sendo rIco se fez pobre por oossa csusa para nos enriquecer com sua pobreza.'. Esta po­ breza de Cristo certamente não nos valeu a opulênela, mas a justiça. Mes como se tornou pobre? Fezendo-se mortal. Por Isso averda­ delra riqueza é a Imortalidade. Lá existe verdadeira abundAncia, visto que não há pobreza. Por isso, visto que nlio podíamos tornar-nos Imortais se Criato não se tivesse feito mortal por nós, ele sendo rico fez-sepobre. O Apóstolo não dlsae: fez-se pobre depois de ter sido rIco, mas: fez-se pobre enquanto era rico: assumiu a pobreza sem perder a riqueza. Rico por dentro, pobre por fora: enquanto Deus ocultou as suas riquezas, e enquanto homem se manifestou na pobreza. Con­ temple as suas riquezas: No princIpio existia o Verbo, o Verbo estsva voltado para Deus, e o Verbo era Deus. O Verbo estava, poIs, vot­

45. 48. 47. 48. 49.

MI 23,9. 81 28,10. Ct. 81 9,14. 11m 8,17, 2Cor 8,9.


AGOSTINHO

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SERMO 36

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tado para Deus no começo. Tudo foI feito por ele. ,. O que existe de mais rico do que aquele por melo do qual todas as coisas foram criadas? Um rico pode bem ter ouro, mas certamente não pode ertá-lot Agora, depois de recordar as suas riquezas, observemos a sua pobreza: E o Verbo se fez carne e velo habItar no meio de nós. >l Por esta pobreza fomos todos enriquecidos, já que por melo do seu sangue saído de sua carne [ ... ] se abriu o tumor provocado pelos nossos pecados. Graças a este sangue jogamos fora os panos da inlqüidade para revestlr-nos com a estola da imortalidade.

vIda se manifestar, antão também vós sereIs manifastados com ele na glória.1:I4 Estes são os ricos, mas não os ricos deste mundo. 5. Contudo os ricos deste mundo não foram desprezados; tam­ bém eles foram resgatados pela pobreza daquele que de rIco se fez pobre por nós. Com efeito, se ele os tivesse desprezado, e se tives­ se recusado a acolhê-los entre os seus santos, o apóstolo Paulo não teria escrito a Timóteo quedirígisse a eles a exortação que já lemos: Recomenda 80S ricos deste mundo: M entre os que são ricos segundo a fé há também ricos segundo o mundo; recomenda, lhes porque também eles se tornaram membros daquele único pobre; recomenda, porque tu temes por eles o mal que nasce das riquezas, que não selem orgufhosos, que não ponham a esperança na Incer­ teza das rlquezes. Com efeito, o rico se torna soberbo porque funda a sua. segurança nas suas inseguras riquezas. Se considerasse com prudência a fragilidade delas, não se encheria de orgulho, viveria sempre no temor; quanto mais rico é, tanto mais se preocuparia, .precisamente em relação a esta vida, e não apenas à eterna. De fato, muitos pobres estão bem mais seguros do que os ricos nas tribulações deste mundo!

4. Portanto, todos os verdadeiros fiéis são ricos. Ninguém deve desprezar a si mesmo; mesmo se é pobre em seu cubículo, é rico na sua consciência, e quem é rico na consciência dorme mais tran­ qüilo na terra nua, do que quem é rico em ouro sobre a púrpura. Ele não fica acordado por causa de pensamentos preocupantes, o seu coração não é corroido pelas perversidades. Guarda no teu coo ração as riquezas que a pobreza do Senhor teu Deus te proporcio­ nou, ou melhor, confia-as à sua guarda;' faze com que ele mesmo conserve o que deu, para que o teu coração não pereça. Portanto. os verdadeiros fiéis são ricos, mas não são os ricos deste mundo, de modo que eles mesmos não podem ver as suas riquezas; eles as verão mais tarde. Durante o inverno a árvore verde é semelhante à seca, também se suas raízes vivem. Naquela estação, tanto a árvore seca corno a verde parecem despojadas da copa verdejante, privadas das rlque­ zas dos frutos. Vem o verão, e então as duas árvores podem ser reconhecidas. As ralzes vivas produzem as folhas, dão vIda aos frutos; a raiz seca permanece estéril no verão como no inverno. Por isso se prepara um celeiro para a colheita, e por Isso um machado para abatê-Ia e lançá-Ia no fogo." Assim é para nós: o verão é o advento de Cristo. Quando ele esconde a sua presença é o nosso inverno. quando se manifesta gozamos do nosso verão. Por fim, o Apóstolo dirige às árvores verdes, aos fiéis, estas pala­ vras confiantes: Porque estais mortos para estas coisas e. 8 Vossa vida está escondida com Cristo em Deus. lS3 Mortos, certamente. mas só na aparência; vivos na raiz. Escuta agora como virá o tempo do verão, escuta como continua o Apóstolo: Quando Cristo, vossa

50. 51. 52. 53.

Jo 1,1-3. Jol,14. CI. MI 3,10. CI 3,3.

Multas ricos são procurados e perseguidos por causa de Suas riquezas! Multas se arrependem de ter possuído bens que não poderão conservar sempre. Muitos se arrependeram de não ter se­ guido o preceito do Senhor, que disse: Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem Os consomem, e onde os ledrõe« penetram para roubar. Mas acumulaI para vós tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem os consomem, e onde os ledrõee não penetram para roubar; em vez disto, ecumulet tesouros no céu. /)6 Não vos digo que os jogueis fora, mas que os coloqueis em outro lugar. I. .. ]

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6. Para tirar dos ricos o pretexto de dizer que não sabem como usar os seus bens, o Apóstolo exorta Timóteo não só a admoestá­ -los, mas também a aconselhá-los. Depois de ter dito não esperar na incerteza das riquezas, para que não temam não ter mais espe­ rança, acrescenta: Mas no Deus vivo que tudo nos dá com abundância para o nosso uso: 57 os bens temporais, para que os usemos, e os bens eternos para que gozemos deles. Mes o que farão de suas

54. 55. 56. 57.

CI 3,4. 1Tm 6,17. Mt 6,19-20. 1Tm 6,17.

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AGOSTINHO

riquezas? EnrJquaçam-se de boas obres, estejam prontos 8 dar. As

riquezas lhes servem para não ter dificuldades em dar aos outros: o pobre gostaria de fazê-lo, mas não pode; o rico pode fazê-Io quando quiser: Que eles pratiquem o bem. lazendo-se rIcos de boas ações. sendo generosos, repartIndo os bens que possuem. Deste modo, acumulam para sI um belo capital como garantIa do futuro, em viste da verdadeIra vIda; .s com afeito, esta vida é felaa. [ ... ] 8. Por que. então, vais em busca de riquezas que afagam ape­ nas os olhos do corpo, os olhos da carne? O ouro brIlha, mas a fé brilha ainda mais. Prefere as virtudes que deves ter no coração. Sê rico por dentro, ali onde Deus vê os teus tesouros. enquanto o homem não pode vê-los. O fato de que o homem não possa ver as riquezas Interiores, não é motivo para não levá-Ias em consideração.

Queres ver como também aos olhos dos ímpios a fé brilha mais do que o ouro? De que forma atá mesmo um senhor avaro louva o servo fiei? "Não há nada mais precioso do que ele; posso dizer que não tem preço." Querea saber por quê? Talvez dance bem, ou eela um ótlmo cozinheiro? Não, escuta. o Senhor louva a sua virtude interior: "Ninguém, diz. é mais fiei". Tu, homem, gostas do servo fiei, e não queres ser um servo fiel para Deus? Sabes que tens um aervo; deves penasr que tens também um senhor. Conseguiste ter um servo, não crlá-Io. O teu Senhor te criou Com a sua palavra, te resgatou com seu sangue. Se perdeste a tua dignidade, medida sobre o preço que foi pago por ti; se esqueceste também Isto, lê o Evangelho: lá está o teu fundamento. Aprecias a fidelidade no teu servo, a o teu Senhor não deverls exigi-Ia do seu servo? Dá o que pedes. Presta a teu superior o que exiges do teu subalterno. Amas o servo que guarda com fidelidade o teu ouro: não negligencies o Senhor que guar­ da com misericórdia o teu coração. [. .. ]

9. Com toda razão Deus censurou duramente o rico Insensato,.' para advertir-nos de qua não devemos comportar-nos como ele: [ ... 1 este desejava saclar-se com allmentoa abundantes e supérfluos, e cheio de soberba desprezava a necessidade de tantos pobres que tinham fome. Ignorava que o ventre do pobre guardaria as suas riquezas melhor do que os celeiros. O que ele guardava nos celeiros podia também ser roubado pelos ladrões, ao passo que aquilo que 58. lTm 8,18-19. 59. cr, Lo 12,18-20.

SERMO 36; SERMO 11 (MORIN)

247

desse pare saciar os pobres se terie Sem dOvida espalhado neste mundo. mas estaria a salvo no céu; com efeito, resgate da vida de um homem é a sua riqueza. 60 (Sermo 36)

Bem-aventurados os pobres de esplrlto, porque deles

é o reino dos céus 2. Sede, portanto, pobres de espírito e vosso será () reino dos céus. Por que temeis a pobreza? Pensai nas riquezas do reino dos céus. Teme-se a pobreza, quando na realidade se deve temer a inlqüidade, porque para os justos, depois da pobreza, virá uma feli­ cidade grandlssima. que será tal por ser perfeitamente segura. Ao passo que nesta vida, quanto mais aumentam aquelas que são cha­ madas riquezas. mas que não o são, mais cresce o temor sem que diminua o desejo de aumentá-Ias. Podeis encontrar muitos ricos; encontrai-me um que sejs tran­ qüno. O rico arde no desejo de acumular, treme pelo temor de perder. Quando é livra semelhante escravo? Com efeito, escravo é todo aquele que serve um senhor; acaso será livre aquele que serve a cobiça? Bem-aventurados os pobres de esplrlto. Que slgnl·· fica "pobres de eaplrlto"? 'Pobres de desejos. não de riqueza. Com efeito, aquele que é pobre de esplrlto é humilde, e o Senhor escuta as Invocações dos humildes, não despreza as suas orações.' [ ... ]

3. Ouvi aquilo que o Apóstolo diz, não eu, escutai o que es­ creveu: De fato. a religião á uma grande fonte de lucro, se nos con­ tentarmos com o que temos. Como não trouxemos nada para o mundo, também dele não podemos levar nada. Portanto, tendo roupa e comIda, fiquemos satisfeitos com isto. Quem quer ficar rIco ­ não disse aqueles que são ricos, mas aqueles que querem enriquecer - cai na armadilha, na tentação. numa multidllo de deselos loucos e perigosos que precipitam os homens na perdIção e na desgraça. Porque a ganâncIa pelo dInheIro é a raIz de todos os males. Apega­ dos a ela, muitos se desviaram para longe da fé e se torturaram com muitos sofrimentos. 61

A palavra "riqueza" é um doce som para 08 noSSOS ouvidos. Mas cal n8 tentação é um som Igualmente doce? IÔ doce ouvir: Deselos Insensatos e funestos? Rulno e perdição, torturar-se com 60. Pr 13,8. 61. 1Tm 6,8-10.


AGOSTINHO

248

multas sofrimentos também ressoam docemente ao ouvido? Não te deixes seduzir por um falso bem que na realidade te causa tantos verdadeiros males. Mas visto que o bem-aventurado Apóstolo não dirigiu estas palavras aos ricos, e sim a quem não é rico para que não ambicione tornar-se aquilo que não é, vejamos também com que palavras se dirige àqueles que o são. [, .. ]

4. Escrevendo ao discípulo Timóteo, entre outras coisas disse: .2 Recomenda aos ricos deste mundo [' . .J que não setem orgulho­ sos, que não depositem 8 esperança na incerteza das riquezas. ccn­

sideremos um pouco estas breves palavras: Recomenda que não sejam orgulhosos. Se o rico não fosse soberbo, calcaria aos pés seus bens e confiaria em Deus. O rico soberbo não possui, mas é possuido. O rico soberbo é semelhante ao diabo. Que Julga ter o rico soberbo, se não tem Deus? [ ... ] Depois de ter dito: Não depositar a esperança na Incer­ teza das riquezas, acrescenta: Mas no Deus vivo. Porque as riquezas

podem desaparecer, e oxalá acontecesse realmente isto, e não te conduzissem à ruína!

O Salmista fala do rico que espera em suas riquezas, zombando dele: Embora o homem seja imagem de Deus; com efeito, o homem 'foi criado à imagem de Deus; por isso o homem deve reconhecer 'em si aquilo que foi criado, e afastar de si aquilo que o próprio homem fez, permanecendo '0 que Deus criou. Embora o homem, por­ tanto, seia Imagem de Deus, contudo se agita vãmente; por quê? Porque acumula riquezas e não sabe quem as [acolherá. 68 Os vivos podem observar isto com relação aos mortos; com efeito, vêem que os bens de multas pessoas mortas não ficam nas mãos de seus filhos, seja porque eles mesmos esbanjam na luxúria aquilo que lhes foi deixado, seja porque perdem estes bens por tramas urdidas contra eles; e, o que é ainda mais grave, enquanto outros procuram apoderar-se daquilo que alguém tem, morre também aquele que possui; além disso, multas foram mortos por causa de suas riquezas. Dessa forma, tudo o que possufam tiveram de delxã-lo aqui, e visto que não fizeram aqui o que Deus lhes havia ordenado, com que cara se apresentarão diante dele? Por isso, que as tuas sejam verda­ deiras riquezas, que a tua riqueza seja o próprio Deus que tudo nos dá com abundância para que possamos aproveitar.

82. Ct. 1Tm 6,178'. 63. 81 36,7.

SERMO 11 (MORIN); ENARRATIO lN PS. 103, S. 3

249

5. Enriqueçam. diz o Apóstolo, de boas obras. Nisto mostrem as suas riquezas, em semear neste mundo. Estas são as obras de que falava o Apóstolo, dizendo: E não nos cansemos de fazer o bem; a seu tempo colheremos." Semeiem, ainda que não se veja na hora aquilo que se ganhará; é preciso ter fé e lançar a semente. Acaso o camponês quando semeia lá vê a eolheltà dos produtos? lança e espalha a sua semente guardada com tanta fadiga e tanto cuidado. Ele confia sua semente à terra, e tu não queres confiar as tuas boas obras àquele que criou o céu e a terra? Portanto: Enriqueçam-se de obras boas, estejam prontos a dar, sejam generosos. Ser generoso significa não possuir sozinho. Ó Apóstolo, que nos ensinaste a semear, mostra-nos também a messe! Efetivamente, ele no-Ia indica. Escuta qual á a messe; tu que queres acumular, não deves ser preguiçoso no semear; escuta que eu vou dlzer-te qual é a messe. Com efeito, acrescenta [ ... I: pondo de parte assim um bom' capital para o tuturo.s« [ ... ] Esta vida, onde as riquezas dão álegria, deve acabar. Depois desta vida se chegará à verdadeira vida. Tu que amas aquilo que possuis, deposita-o num lugar seguro pará não perdê-lo. Com efeito, para ti que tens adoração pelas rlque­ zas, a tua preocupação consiste precisamente em não perder o que possuis. Escuta, pois, o conselho do teu Senhor: a terra não é um lugar seguro. transporta o teu tesouro para o céu. Se quiseste con­ fiar aquilo que acumulaste ao mais fiei dos teus servos, com maior razão deves confiá·loao teu fiel Senhor. [ ... ] Qualquer coisa que lhe tiveres confiado, a possuirá junto a si, a partir do momento que o possuíres. (Sermo 11 [Morin])

Eis que deixamos tudo 16. [. .. ] Deixa o que tens, vende o que possuis e dá-o aos pobres e terás um tesouro nO céu; depois, vem e segue-me.•• Ouvi­ ram este preceito não só os poderosos, mas tambám os pequenos, e também os pequenos quiseram observá-lo e pertencer ao espírito; não se casar, não estar ocupados com o cuidado dos filhos, não ter moradias próprias às quais estar ligado, mas levar uma vida em comum.t" Mas, que é que deixaram estes pardais? Com efeito, os

64. 65. 88. 67.

GI 6.9. 1Tm 8,19. M119,21. Aqui Agostinho se refere à vida comum dos cencbltas.


".:~:'

AGOSTINHO

SERMO 345

pequenos deste mundo são semelhantes aos pardals. Que delxeram'! Que grende pstrlmônlo abandonaram? Alguns se converteram, del­ xando a pobre moradie paterna onde com dificuldade havia uma cama e um armário. E contudo se converteram, se tornaram como pardais, buscaram as coisas esplrltuels. Bem, multo bem. Não os desprezemos, dizendo: "Não dalxaste realmente nada. Não te glories de ter delxsdo muitss coisas", Sebemos que Pedro era pescador; que pode ter ele deixado para seguir ô Senhor? IS assim' ..tÚ,dré, Irmão dele; ou os filhos de Zebedeu, Tiago e João, também eles ersm pescadores. Todavls, o que foi que eles disseram? Eis que dei­ xamos tudo e te seguimos••• O Senhor não respondeu a Pedro: "Esqueceste como eras pobre? Que foi que delxsste para receber em troca todo o universo?" Eu vos digo, meus Irmãos, que Pedro deixou multo, deixou realmente multo; deixou não apenas aquilo que possufa, maa também aquilo que desejava possuir. Quem, dentre os pobres. não tem o coração cheio de esperança pelos bens deste mundo? Quem não deseja ter cada dia mais? Ors, este desejo foi eliminado; estendls-se a todas ss coisas e foi posto sob controle. E Isto vos parece pouco? Pedro deixou todo o mundo. e por Isso Pedro récebeu todo o mundo. Como Se não tivesse nada e pos­ suindo todo o mundo," (Enarratlo ln Psalmum 103, s. 3)

o Selmlsta: Dormiram o seu sono e nada encontraram todos os homens abastados nas suas mãos. 10

Às vezes o mendigo, estandldo no chão, tremendo de frio, enqusnto dorme sonha com as riquezas, fica cheio de alegria, da exultação, de vanglória, tem Impulsos de desprezo ao ver o próprio pai vestido de farrapos. O que vês é sonho, ó miserêvel que te alegras enquanto dormes. [ ... J Portento, o rico quando morre é semelhante ao pobre que dorme sonhando com 8S rlquezes. Com efeito, aquele rico vestido de púrpura e linho, que não foi Indicado com seu nome, e que não merecia ser nomeado, que desprezsva o pobre que Jazia li sua porta, banqueteava-se esplendidamente todos os dias. Depois de morrer e ser sepultado, despertou e encontrou­ -se entra as chamas." Passou sua vida no sono, mas depots do sana não encontrou nada. Isto porque não realizou nenhuma boa obra com as suas mãos, ou sela, com as suas rlquezss.

E nada encontniram lodos oa homell8 abastados em euae mlos 1. ( ... J Escutai, vós, ricos que possuís ouro e prata e sempre desejais possuir mais: os pobres vos observem, falam de vós, se queixam por causa de vós, vos louvam, vos Invejam; querem Imitar. -vos. sofrem por não serem como vós. Enquanto vos admirem dizem com freqüêncla: "Só eles realmente contem, só eles vivem verda­ delrsmente". Quando os pobres e os fracos adulsm os ricos com estas palavras, não vos inchais demasiademente na vossa soberba, msls dai antes ouvido ao Apóstolo que não adula, mas cura os males. Esta vida é para vós um sono, as rlquezss desta terra vão passando como num sonho. [.,. J Escutei Paulo e não sejsls soberbos. Escuta tembém o Salmlsta tu que és rico, mas na realidade paupérrimo: que julgas ter ae Deus te falta? E o que te falts se tens Deus? Assim fala dos ricos 68. Mt 19,27, 69. CI. 2Cor 6,10.

251

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iii

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5. [ ... J O rico talvez me diga: "Santo bispo, tenho escutado tuas recomendações, procurei seguir o teu conselho, não transgredi a ordem do Senhor. Dei aos 'pobres o que possula e compsrtilhel aquilo que tenho com aquele que estê em necessidade; que mais devo fazer?" "Tu possuis algo mais; possuis a tI mesmo; vales multo mels do que todo o resto, não te puseste entre os teus bens, deves acrescentar s ti mesmo. Observaste o preceito do Senhor?" ..Observei-o," "Por que mentes? Tu o observeste apenas em parte, quanto li outra parte nada fizeste. Eacuta a sua ordem: Vai, vende o que tens e ds... aos pobrea. Porventura o despediu com estss pa­ lavras? Não, para que não temesse perder aquilo que dlstrlbula aos pobres, quis tranqülllzé-lo, dizendo: e ters8 um tesouro no céu. O dls­ curso acabou assim? Não. Que mais diz ele? Vem e segue·me," disse. Goatss e desejas seguir aquele que amas? Ele passou, foi embora: procura saber que estrada percorreu." "Não a conheço." O cristão! Não sabes que estrada percorreu o teu Senhor? Se qui­ seres, te Indico por que estrada podes segul·lo: através dos maus­ -tratos, dos ultrajes, das falsas acusações, das cusparedaa no rosto, dos tapas; através da flagelação, da coroação de espinhos. da cru­ cificação, da morte. Por que te deténs? Ali está o caminho que te mostreI. Mss é um caminho ásperc, me dizes tu, quem pode per­ correr semelhante caminho? Envergonhs-te, descrente, envergonha·te: 70. SI 75,6. 71. CI. Lo 16,19-24. 72. MI 19,21.


252

AGOST INHO

pela coragem se conhece o homem. Este caminho foi percorr ido por mulheres: aquelas das quais hoje celebramos o anivers ário. Hoje celebramos a missa em honra das mártire s Suburbanas. O vos­ so Senhor, o nosso Senhor, o Senhor delas, o Redentor de nossa vida, precedendo-nos num caminho diffcil e áspero, tornouo para nós plano, asfaltado, seguro, praticável. Foi o que fez Cristo nossa Senhor, que reina pelos séculos dos séculos. Amém. (Sermo 345)

i

CIRILO DE ALEXANDRIA

i

I, Quem me constituiu juiz ou mediador entre vós? 14. Quem me constit uiu juiz ou mediador entre vós? Não há dúvida de que o Filho, quando veio habitar entre nós, foi consti­ tuído pelo Pai juiz e rei sobre Sião, seu monte santo, 1 segund o a palavra do Salmlsta. Ele mesmo, por sua vez, esclareceu qual era a sua tarefa. Eu vim - disse ele - para fazer conhecer a vontsde do Senhor. Qual é? Nosso Senhor, visto que ama a virtude , quer que nos afastemos de toda ocupação terrena e temporal, não con­ tendamos com nossos irmãos, mas prefiram os ceder diante deles ainda que eles queiram avantajar-se sobre nós através da fraude. Com efeito, disse: Não reclames a quem tira o que é teu,2 exor­ tando-os a procurar antes o que é útil e necessário para a salvação da 'alma. Aos que acolherem esta maneira de viver, Cristo pres­ creveu como devem comportar-se para se tornarem luz e gula para todos. Disse, pois: Não arranjeis prata, nem ouro, nem duas túnicas, nem saco de viagem, nem moeda de cobre nas vossas cintas. '

E ainda: Fazei para vós bolsas que não envelhecem, um tesouro Ine­

xaurível nas céus.' Quando um Jovem se aproximou e lhe pergun­

tou: Que devo lazer para conseguir a vida eterna?, respond eu-lhe:

Vai, vende o que tens e dé-o aos pobres .· Por Isso aos que se

i

aproximam dele com mente- e coração dócil estabelece os deveres, dá as leis, distribu i a herança do céu e distribu i as bênção s espiri­

II tuais. Pelo contrário, aos que têm só pensamentos terrenos diz com II razão: Quem me constit ui vosso [ulz ou vosso árbitro? 6 Assim, pois, afasta como inoportuno aquele homem que não queria aprende li r nada "1

1. SI 2,6. 2. Lo 6,30.

3. 4. 5. 6. "

J

MI 10,9. Lo 12,33. MI 19,16.21 . Lo 12,14.

II

~,


CIRILO DE ALEXANDRIA

l!54 do que devia saber. Nem

n08

deixa ir embora sem admoestar-noa

mas, aproveitando a ocasião oportuna, prossegue o discurso e afirma decididamente: 15. Guarda/-vos e inanteridf?vos longe da toda cobiça. 7 Com afeito, enstna-noa que a cobiça á uma f0988 diabólica, que sabia­ mente Paulo chamou também - como já dissemos - idolatria, a talvez porque é própria somente de quem não reconhece. a Deus, e também porque leva a uma profanação semelhante àquela de quem presta culto a Idolos de madeira e de pedra. Por Isso disse: Guarda/-vos e mantend&-vOB d/stsntes de toda cobiça, ou seja, tanto pequena quanto grande. Com efeito, quem sofre uma prepotência sente-se totalmente impotente e dirige o olhar para o único que pode lrrltar-se, porquento ele mesmo sofreu. Sendo justo e bom, Deua acolhe as orações e castiga quem praticou o mal. Aprende também Isto dale mesmo, que disse por melo dos santos profetas: Portanto, visto que v6s oprimis os pobrea e extor­ quis uma parte de seu trigo, podereis construIr casas de pedra. levredes, mss nelas não havereis de habItar; podereis p/sntar vinhas da memor qual/dade, mas seu vInho n§o haveis de beber. Porque eu s.el coma sfio numerosos os vossos crtmes.» E ainda: AI dos que amontoam casa sobre casa e a/untam terrenos e terrenos a ponto de ocuparam todo o luger e tornarem-se 08 únicos moradores do palsl AssIm furou Jav6 dos ex6rcltos a meus ouvidos: "Numerosas casas serão arruinadas! Belas e soberbss serão Inabitadasl Daz !alras de vInha produzlriío um barrl/ete; e quatrocentos litros de semente produzlriío quarenta".10 Portanto, a cobiça é completemente infru­ tuosa. Mas slém disso é também Inútil, porque a vida do homem não está na abundância dos bens, ou aejs, a duração da vida não se mede pela quantidade de rlquezaa, O Salvador nos demonstrou estas coisas de maneira clara e evidente, acreacentando às palavras ditas uma parábola multo con­ seqüente. Cristo nos deu um enalnamento perfeito e Indicou a cari­ dade como a virtude máxima, cujo fruto mala belo é a esmola. Mas Satanáa, Inimigo do bem, Inventor de toda maldade, semeador de cizãnia, Inimigo de toda virtude, adversário doa honestos, Induz os que procuram fazer o bem à maldade e à culpa. Enquanto a lei divina nos solicita à misericórdIa, dizendo: Abrindo a mão abrirás o teu 7. Lc 12,15. 8. or, CI 3,5. 9. Am 5,11-12. 10. Ia 5.S-10.

col'dMENTARIUS lN LUCAM V,12,14-20

255

corsçiío a teu trmêo necessitado que se dIrige a ti, 11 ele pelo con­ trérlo nos convence a resistir ao convite do Senhor, a fechar as mãos, a acumular. riquezas neste mundo e a seguir os prazares da carne. Levs-nos também a esquecer a morte e não deixa que o homem considere as coisas futurss nem que medite um pouco sobra as realidades humanas. E agora. como se estivesse reoresen­ todo numa pintura, observa tudo Isto:

16-19. O campo de um .homem rico havia produzido uma boa fie pensava consigo mesmo: Que iére), visto que não colheita. tenho onde guardar ss mInhas colheitas? Segue-me com atençãc, e assim dascobrlrás toda a sgudeza do discurso.· Com efoito. não nos diz que um sftio tinha produzido.muito fruto, mas que a região inteira havia produzido uma grande colheita para o sou dono; disto podes compreender a quantidade das riquezas. Este rico que pos­ sui tão grandes e transbordantes bens, torna-ae um medroso, fala coma um pobre. O pobre diz: "Qua fsrei? Por que estou stormen­ todo pela falta do nacessárlo?" E continuamente assim se lamenta. E eis que também o rico diz as mesmas palavras, lamentando-se aflito. Diz: Demolirei os meus celeiros e construirei outroe maiores,

e a/l !untarei todo o trigo e os meus bens. lJ Projetava construir -celelroa malares. queria gozar sozinho as suas riquez8S. Não se preo­ cupava em ajudar os pobres." nem desejava o bom nome que disto deriva; pelo contrário, diz: Demolirei 08 meus celeiros. Observa ainda a continuação do seu· insansato discurso. .DIz: Acumul.rei todo o trigo. Não pensava ~ como Jó - que havia recebIdo estas coisas de Daus, e não se comportava com relação a alas como um administrador de Deus, mas considerava estes bens como se fossem o ganho devido à sua atlvldade. Não atribula sua favorável sorte a Deus, como demonstra dizendo: "Juntarei minha colhelts, não re­ partirei com ninguém minhss riquezas, mas sepamrel todas elas somente para mim e para o meu ventre". Quem pensaria em com­ portar-se desta forma se reconhecesse que é Deus quem noa concede os bens? Quem recebe de Deus deve usar o que possui de maneira coerente com a vontade divina. Mas este rico não constrói celelroa duradouros, e sim precários. E, mais Insensato ainda, estabelece por si a duração da própria vida, como se com seu trigo tivesse recolhido também esta da terra. com efeito, diz: Direi a mim mesmo: minha alma, tens muitos bens

11. DI 15,8.

12. Lo 12.18.


C1&IW DE ALEXANDRIA

DE ADORATIONE E:l' CULTIJ lN SPIR. ET VER., 1. VIII

Poder-se-Ia dizer-lhe: "Certam ente

Escutarei o aeu gr/lo, porque sou compassivo

256 8, disposição, por muitos anos.

r tantos és rico, tens tua colheita nos celeiros, mas onde vais arruma anos?" Ainda hoje o rico fala com

8

mesma linguagem. dedica-se

de racio­ aos desejos de seu ventre, raciocina com a garganta em vez bom. único o é que aquele o imitand vive não e cinar com a mente, os Impõe lhe e carnais s comida com alma sua a aliment Por isso mo, execrandos prazeres que se seguem disto. Usando um eufemis

ventre que Deus usou a palavra "prazer" para indicar as paixões do

nha acompanham a satisfação da gula; com efeito, a luxúria acompa viver não as comtlanças. Em vez disso, devemos comer para viver, os para comer. Diante dos adoradores do ventre que dizem: Comam io: contrár o dizer e bebamos que amanhã morreremos, ,. dever-se-Is e de­ "Visto que amanhã morreremos, abstenhamo-nos de comer beber".

Que gsnhou este rico com toda sua preocupação? Está total­ castigo mente entregue às preocupações terrenas; considera que para só rico é mas , ninguém com so espera aquele que não é genero inces­ vigIoU ar acumul para cer, enrique para si! Trabalhou arduamente s, está santemente: goza com o seu ventre dedicado aos prazere

os olhos inteiramente ocupado nos negócios terrenos, não eleva

que a Deus, não olha para o tempo futuro, não pensa em Deus Inimigo rico O . próxima morte a vê não l, julga do supremo tribuna noite se dos pobres é condenado a um fim imprevisto: ele que à luz da a viu não e, seguint manhã na comer iria perguntava o que vida: a da arranca foi lhe divina, vontade por como, aurora. Escuta que 20. Insensato; nesta mesma noite será pedida tua vida. E o

Instante, ajuntaste de quem será? Ou seja, tendo gozado por um se des­ por um momento totalmente breve e limitado os bens que s ou hecido descon talvez outros, para passam fazem em nada, que

homem talvez até mesmo inimigos. Por isso é verdade que a vida do à sua não consiste em possuir em abundância as coisas que estão esplên­ uma disposição. Felizsrdo, pelo contrário, e confortado por quem se dida esperança, quem é rico segundo Deus. Com efeito, , e funesto fim um a consome em preucu pações terrenas encontr coisas às dedica se quem pobre se apresenta diante de Deus. Mas no céu. de Deus se enriquece de boas obras e terá um tesouro certo ICommentarius ln Lucam V, 12,14-201

13. Is 22.13; 1eor 15,32.

I i ,

I

257

que 271. [. .. ] ~ fácil observar que também a lei antiga quis efel. Com s. Ordioso miseriC . nos amássemos e fôssemos mutuamente abrirás to, escutemos as palavras daquele que disse: AbrIndo a mão de meio no ra encont se que itado necess o teu coração a teu Irmão

ti;

14

o es­ e nesta outra passagem: Não molestarás nem oprimirás

Não trangeiro. Também voo fostes estrangeIros na terra do Eglto. os modo algum de Se órfão. nenhum e viúva a nenhum afligire is I deixare oprimirdes, e eles levantarem o seu clamor até mim, não mesmo eu e rá de escutar esse c/smor. O meu furor se acende e os vos matarei li espada: as vossas mulheres tornar-se·ão viúvas alguém a o dinheir vossos filhos ficarão órfãos. Se emprestardes portarás dentre meu povo, a um pobre que mora contigo, não te ques­ fizeres Se luros. s com ele como um usuário: não lhe imporá . restitui s deverá o, próxim teu tão de receber em penhor o manto do única a o, agasalh único seu o é ·/0 antes do pôr-da-sol. Esse msnto se deltarl veste do seu corpo, e não tem outra coisa Com que mlserlcor­ sou porque ei, escutar o eu Quando ele chamar por mim, do o ministra ter de depois , motivo que por dioeo.w Compreendes ameaça da doce ensinamento do amor recíproco. acrescentou a enquan­ sendo, seja. ou disse; . ordioso miseric sou Porque ] ira? [, ..

as to Deus, bom e misericordioso por natureza, acolherei todas

de as Invocações de quem está atribu lado, e COnsolarei com sollcltu

pois, os lágrimas de quem está oprimido pela miséria. Temamos,

nômio nos clamores dos pobres contra nós. Novamente no Deutero

bens e exorta, afirmando que é oportuno viver compartilhando os s explore Não diz: quando eles, amar os pobres preocuoando-se com sela , Irmãos teus dos um ele O mercenário pobre e Indigente, sela -ás um estrangeiro morando no teu pais, nas tuas localidades. Dar.lhe essa sobre ponha se sol o que deixar sem cada dia o seu salário, modo, divida, porque ele é pobre, e o espera ansiosamente. De outro o, Portant I. . pecado um com s arcaria e ti, contra clamaria a Javá a sta compreendes como, levando-nos ao amor mútuo, nos admoe nos que temer o protesto do pobre? Também o Novo Testamento, Vendei foi dado mediante Cristo, propondo a virtude perfeita, diz: . 1T propicio será vos o que tendes e ds/." como esmola, e tudo 14. 15. 16. 17.

CI. Dt 15,7.

Ex 22,20-26. DI 24,14.15.

CI. Lc 12,33.


CIRILO DE ALEXANDRIA

o mesmo fizeram

oa que ecredltaram: Todas os que possulem terras ou casas vendIam tudo e levavam o dInheIro, e o entregavam aos apóstolos. A distrlbulç80 era feita de acordo com as necessidades de cada um. 18 Mas visto que a lei ensinou os conceitos elemen­ tares da fé e levou a palavre de Deus aos Inícios da humanidade, prescreveu que os homens começassam a praticar pequenos gestos de genarosidade, como que para exarcltã-Ioa a aerem conduzidos desta maneira pela senda da perfeição; por Isso diz: Quando fizeres 8 ceife no' teu campo e ali esqueceres um feixe, não voltarás pare apanhá-Io; será para o estrangeiro, para o órftio, para a viúva, a fim de que Javé, teu Deus, te abençoe, em todo trabalho das tuas mtios. Quando sacudires as tUS8 oliveiras, ntio procurarás logo depois o que lhe resta: será para o estrangeiro, para o 6rftio, para a viúva. LembrlJwte' que foste escrevo na terra do Eglto: eIs que te ordeno agires desta maneira. Quando fIzeres a colheita das uvas, não res­ pigarás os cachos restentes: sertio para o estrangeiro, para o 6rf80 e para a vIúva. Lembrar-te-ás que toste escravo na terra do Eglto: eis que te ordeno sglres desta maneira. ,. ~ justlsslmo recor­ dar-se, nos tempos favoráveis, das fsdlgas e das privações passadas; isto leva a pessoa a aer carldosa para com os pobres e faz com que não fiquem eaquecidoa, pela grande abundãncla, os sofrimentos que suportamos qusndo estãvamoe na prlvação, [ ... ] Vejamos em seguida com quanta acuidade e perlcla o Senhor nos afasta de uma conduta má e nos exorta a põr de lado a cruel­ dade; leva-nos assim para um caminho melhor, para o amor reciproco; exorte-nos a ajudar os Irmãos, se tiverem neceasldade de alguma 'coisa; proíbe o empréstimo com usura; ordena que afastemoa de n6s toda excessiva sbundâncla. Além disso, depois de ter-nos orde­ nado a não afligir nem solicitar contlnuamenta a quem nos deve dinheiro, ordena também perdoar as dlvldaa. Por Isso escrevo estas palavras: Nada emprestarás a Juro a teu trmêo, quer seJa dinheiro, quer seJam vivere», quer seJa qualquer outra coisa; poderás em­ prestar 8 Juro BD estrangeiro, mas não a teu trmêo, para que- Javé. teu Deus, te abençoe em tudo quanto empreenderes no pais onde vaIs entrar para dele tomares posse.'· No que dependia de vontade do legislador, tanto ao eatrangelro como ao Irmão devia ser ofere­ clda a beneficência e a generosidade de quem ers rico. Diz Cristo: DIl sempre a quem te pede alguma coIsa e nõo reclames a quem 18. A.t 4,34-35. 19. DI 24,19-32. 20. DI 23,20-21.

DE AIX>RATIONE ET CULTU lN sem, ET VER., 1. VIII

260

te tira o que é teu. J1 Maa vlato que o ânimo doa homens daquele tempo ainda não estava bastante firme na juatlça, para fazer com que a virtude pudesse chegar ã sua perfeição, a leI progride aos poucos no ensinamento de tels colses, e limita a norma da Justiça: naquela tempo é aplicada aos irmãos e aos afins, reaervando a forma mais perfeita da mlserlc6rdla, a generosidade para com os astrangelros, a msgnanlmldade para com todos os homens, a um enainamento mais completo; com efeito, até o tsmpo da reforma" havia o obumbramento [da Justiça], e este . tempo foi aquele da vinda de Cristo. [ ... ] Portento, tendo ordenado a preatação de ajuda mútua, condenado a usura e prometido bênçãos celestiais, ordena perdoar, passado O sétimo ano, as dívidas concedidas a outros, esperando com vene· ração aquele tempo em que viria a remlssAo de todos os débitos, ou seja, o tempo da vinda de Cristo, no qual todoe somos justlfi­ cedos mediante a fé,'. e obtlvemoa a anulação dos velhos pecados, visto que pregou em aua cruz o certificado de divida, cujas condt­ ções nos eram desfavoráveIs: 24 afastou os motivos que nos haviam tornado culpados diante do Juiz supremo. Com efeito, assim nos diz ainda o Senhor no DeuteronOmlo: No 11m de cada sátimo ano, farás remlsstio. EIs como se há de prBtlcar a remlsstio: todo credor, que tiver emprestado alguma COISB.88 seu próximo, da/xá-/ll-á; ntio 8 exIgirá maIs do seu pr6xlmo, quando /JoI,lver sIdo promulgada a remlsstio de Javé. Do estrangeiro, poderás exIgir; porém, ntio do teu Irmão, s quem farás e remlsotio. Entretanto, nBo haverá IndIgente' em teu melo, porque Javá, certemente, há de abençoar-te no pais que Javé, teu Deus, te dá em propriedade para o ocupares.'. E pouco depois Insiste: Se houver, no teu melo, um Indigente dentre as teus trmêo», numa das tuas cIdades, no pais que Java, teu Deus, te dá, não endureceras o teu coraçtio nem fecharás a tua mtio pera este Irmtio indIgente; mas lhe abrirás a mêo, e lhe darás emprestado o suficiente para as suas necessidades. Guarda-te de dslxar apode­ rar-se de teu coração este baIxo pensamento: "Está próximo o sa­ timo ano, o Bno da remisstio", e seJa mau o teu olho para com O teu Irmão, pois então ele clamará e Javé contra ti e haveria um pecado em ti. Devas dar·lhe e, 80 fazê-lo, ntio fique amargurado

21. 22. 23. 24. 25.

Lo 6,30. CI. Hb 9,10. CI. Rm 3,21•. cr, CI 2,14. DI 15,1-4.


CIRIW DE ALEXANDRIA

260

o teu coração; porque, em razão disso, Jevé, teu Deus, te abençoará em todos os teus empreendimentos.'· Como diz o bem-aventurado Paulo: Deus ama a quem dá com alegria. 27 [ ••• 1 A lei, pois, enslnando-nos de maneira indireta e velada o de­ signlo misterioso de Deus, ordenou que depois do sétimo ano se fizesse e remissão das dividas. Ao mesmo tempo o Senhor fez o homem avançar pelo caminho da benevolêncis, enalnando-Ihe a ante­ por o amor para com os Irmãos às riquezas e exortando-o a com­ partilhar de bom grado e a pôr em comum os bens com os outros; deste modo propôs esta bondade para com os irmãos e os consan­ güíneos quase como um exercíclo, para chegar à mais alta caridade para com todos os homens.

(De adoratione et cultu ln sptrltu et verttete, 1. VIII)

Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça 462. [ ... 1 Assim o Senhor Deus do universo disse a Aarão: Não terás domlnlo em sua terra, nem terás parte alguma entre eles; eu sou tua parte e teu domlnio, entre os filhos de Israel. Eis que te dou, como domlnlo aos filhos de Levi, todo o dizimo de Israel, em recompensa do serviço que fazem, o serviço da Tenda do En­ contro. Os /Ilhas de Israel não' se aproximarão mais da Tenda do 'Encontro, o que equivaleria a tornarem-se culpados de pecado me­ recedor de morte. Caberá sos levitas o serviço da Tenda do Encon­ tro, e serão responsáveis por sues faltas, por lei perpétua em vossss gerações, e não terão herança entre os filhos de Israel. Porque dou aos levitas, como domlnlo, os dizlmos que os filhos de Israel sepa­ rarão para Javé. 28 Também o Deuteronômio, fazendo quase o mesma discurso, diz com relação a estas palavras: Os sacerdotes levitas, toda a tribo de Levl, não terão parte nem herança Juntamente com Israel: os sscriflclos consumidos pelo fogo para o Senhor serão a sua herança e destes viverão. Por Isso não receberão outra coisa das terras dos seus irmãos; o próprio Senhor é sua herança, como lhes disse. [. .. ] Porque o Senhor teu Deus a escolheu entre todas as tuas tribos, a fim de que diante do Senhor teu Deus permaneça para servir e abençoar na teu nome, ele e os seus filhos para

sempre. 28. 27. 28. 29.

DE AOORAnONE ET CULTU lN SPIR. ET VER.,!. XIII

Portanto, vês como os homens consagrados a Deus não podem ser medidos com o mesmo metro da gente comum, enquanto ae distinguem de todos os outros não só porque se dedicam ao serviço divino, mas porque vivem esperando algo completamente diverso da esperança de todos os outros homens. Com efeito, os que trans­ correm a vida em pensamentos Intimas e abjetos estão apegados às coisas terrenas e desejam os bens temporais que se esvaem como sombras. A eles ae pode dizer acertadamente: (Eu vos dis­ persarei como palha levada pelo vento do deserto) esta é a lua sorte, a parte que eu te destinei, porque me esquecesle e confiaste na men­ tire.w Mas os que levam uma vida santa e lncorrupta e foram escolhidos em consideração à aua virtude assim foram reconhecidos diante de todos: Não terás domlnio em sua terra e não haverá parte para ti no meio deles: eu sou a tua parte e a tua posse, diz o Se­ nnor.» Portanto, o Salvador, ao que se aproximou dele para per­ guntar como conseguiria a vida eterna, respondeu: Conheces os mandamentos: não meter, não cometer adultério, não roubar, e os outros mandamentos. E visto que afirmou ter assim observado todos os mandamentos, insistiu fazendo outra pergunta: Oue me falta ainda? Jesus então conclui: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá-Os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me. 82 Por isso quem quer dedicar-se ao serviço de Deus de modo a não estar nunca separado dele e ser reconhecido como seu seguidor, deve deixar de ocupar-se das coisas da terra, apreciar somente e sua herança, alimentar-se da sua esperança, como se canta nos Salmos: Alegra-te no Senhor, confia nele e ele real/zerá a sua obre.w Destinou aos levitas e décima parte em troca do compromisso assumido de realizar o serviço divino; porque os secerdotes não realizam gretuitemente o serviço, mas são tratados com grandes honras, e altas são as suas recompenaas. O Senhor diz: Não vos preocupeis, dizendo: Oue hevemos de comer? Oue heve­ mos de beber? Com que havemos de nos vestir? São os pegãos que se preocupam com todes estes coisas. Ora, vosso Pai celeste bem sabe que precisais de tudo isto. Portento, eetme de tudo tende lodo interesse pelo Reino e pele iusttçe de Deus, e todas eslas cotses vos serão dadas a mais. 8. Chama pecados as oferendaa dos

29

Dt 15,7-10. 2Cor 9,7. Nm 16,20·24. CI. DI 18,1-5.

261

30. 31. 32. 33. 34.

Jr 13,24-25. Nm 18,20. MI 19,17-22. SI 36,4-5. Mt 6,31-33.


CIRIW DE ALEXANDRIA

lutos' melhores Irazidas em remissão dos pecados (tomarão os ~"pecadosJ;" tais oferendas aram figura da Crlslo que sa Imo­ ilíl!il, por nós, aofrau a morte para destrulr o pacado do mundo. So­ ',Xiliieríta a quam se dedicava ao culto era permitido allmanlar-ae das :,'\íohlmas sacrificadas: não era oportuna para a ganta profana aquela ',particIpação no aanto corpo da Cristo, mas o era a6 para os eleitos ',e: os puros, para aquelas da quam se pode dlzar, com as palavraa da Padro: Vós sois a estirpe elella, a sacerdócio régio, a naçllo

EDIÇOES GREGAS E LATINAS DOS

TEXTOS TRADUZIDOS

sem«, a povo que Deus conqulslou.'. (Da adorailana at cultu ln splrltu el verttste, 1. XIII)

Clemente de Alexandria: Quis dJves salvetur?, ed, O. Staehlln. GCS 17 (1909)

157-191. Pasdagogus, ed, O Stsehlln, GCS 12 (1932) 67-340.

Ol1genes: Commsnlsrlus ln Matthseum. ad.'E. Kloslermsnn, GCS 38 (1933) 395-425.

Ciprlsno: Os Ispols, sd. W. Hertel, CSEl 3, 1 (1868) 235-264. Os opere sI s/semosyn/s, ad. W. Harlel, CSEl 3, 1 (1888) 371-394. De domlnles orsl/ons, ed. W. Hartel, CSEl, 3, 1 (1868) 265-294. Hilário de Poltlers: Commenlsrlus ln Mstlheeum, ad. J. DoIgnon, SCh 258 (1979) 86-106. Traelalue ln Psslmum 51, ed, A. Zlngerls, CSEl 22 (1691) 98-117. Trso,slus ln Paslmum 118, nsth, sd. A. Zlngsrle, CSEl 22 (1891) 423-434.

Basilio de Cess"lla: De baptismo, ad. U. Narl, Brescle 1978. Homilia VI, De avarlt/s., ed, J. Courtenne. HomIlies sur /8 rlchess8, Paris 1935. Homilia VII, ln dlvlles. ad. J. Courtonne, HomIlias sur la rlohasse, Pa­ ris 1935.

Gregório de Nazlanzo: De paupslum smore. or8t/o 14, PG 35, 657-909.

Ambrósio: Exposlllo Paalml 118, sarmo 8, ad, M. Pslachanlg, CSEl 62 (1913) 149-169. Explanatlo Paalml 48, ee. M. Pelsehanlg. CSEl 64 (1919) 361-376. Os olllclla, ad. I. G. Krablngar, revlslo por G. Benlerle, Milão 1977. Exposlllo Evangslll secundum Lueam, ed. G. Tlsso!, SCh 45 s 52 (1955 e 1958). De Nabuthae hlalorla, ad. M. G. Mara, l'Aquils 1975.

João Crisóstomo: ln Matlhaeum homlllaa 63, 64. 85, 90. PG. 58.803-794. ln splalo/am I ad Cor. homilia 34, PG 61, 292-298. ln aplSllolam I ad Th..../. homilia II, PG 62, 461-466. ln epl.tolam ad Haabr. homilia 18. PG 63, 133-138. ln eplatolam ad Haebr. homilia 33, PG 63, 225-232. Agostinho: Ssrmones 84; 85; 88: De verbla Evange/II Msllhasl, Pl 38, 519-530. S.rmo 107: De verbls Evangalll Lucas, Pl 38, 827-832. Sermo 14: t» varbla poalml: Tlbl derelletua 881 pauper ... , Cel 40 (1958), 85-191. Ssrmo 38: Oe 00 quod .erlplum asl ln proverblls ad. C. Lsmbot CCl 41 (1961) 434-443. Sermo 11 (Mor/n), ed. MSCA 1, Roma 1930, 627-635, Ena"al/o ln PasJmum 103, a, 3, ad. E. Dekk818 - J. Fralponl, CCl 40 (1956) 1449-1521. Sarmo 345: De conlemplu mundl, Pl 39, 1517-1522. 35. CI. Nm lS.23. 36. lPd 2,9.

Cirilo de Alexandria: Commenlarlus ln Lueam, PG 72, 732-737. Os adora­ tlons sr cullu ln oplrltu st verllalo"VIII; XIII, PG 68, 564-589; 681-864.


INDICE

Prefácio

7

I. BENS TERRENOS E POBREZA NO ANTIGO E NO NOVO

TESTAMENTO

11

1. No Antigo Testamento .........•....................

11

2. No Novo Testamento

.

19

II. APRESENTAÇAO DAS DUAS PASSAGENS EVANGWCAS .

25

1. O episódio do jovem rico

.

25

2. A parábola do rico tolo

.

29

III. ANALISE DOS COMENTARiaS PASSAGENS EVANGWCAS

PATRfSTICOS AS

DUAS

.

33

1. Clemente de Alexandria

.

33

2. Orígenes

.

42

3. Cipriano

.

47

4. Hilário de Poitiers ....•...•........................

52

5. Baaíllo de Cesaréia

.

55

6. Gregório de Nazianzo

.

58

..

61

.

67

........•...............................

73

7. Ambrósio de Milão 8. João Criaóstomo 9. Agostinho

10. Cirilo de Alexandria Bibliografia

.

81

.

87

Ilii

Iii

II


INDICE

INDICE

BASILIO DE

267 CESAR~IA

... _. .. . . .... . . .. . . .... . . .. .. . ....

151

ANTOLOGIA 151

Se alguém quiser seguir-me. renegue a si mesmo 't:tEMENTE DE ALEXANDRIA ......•.••....•.........•.....

95

Uma s6 coisa te falta ....•.....••..•..•...............

95

Buscai adquirir toaouros no céu

99

Quom pode se salvar?

102

Dá a todo aquele que pede

106

Onde estão... os qus juntaram ouro e prata? ........•...

109

Buscai prlmslro o rolno dos céus

113

O meu fruto vsle mais do qus o ouro e do que as pedras preciosas .

115

Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno .

119

E porá as ovelhas à sua direita e os bodes à

l f:

• ;.'.,

.

119

Deixadas ss redes, Imedlatsmente o seguiram

.

122

Recebereis multo mais

.

125

CIPRIANO

153 160

167 8US

esquerda

167

'(

T,

Terás um tesouro no céu

Recebesto teus bens durante a vida

GREGÓRIO DE NAZIANZO

~ ORIGENES

,...

Estsrás comigo no pareíso

:.

175

Mas a vossa pátria esté nos céus

..

177

.

180

O açambarcador de trigo é amaldiçoado pelo povo

184

Ai de VÓS. ricos

A vida vale mais do que o alimento e o corpo, mais do que a roupa .. 185 ~

,

175

AMBRÓSIO DE MILAO

mais fácil um camelo passar pelo buraco do uma agulha

Quem ama o dinheiro não se sacia nunca

187

.

191

..

194

Os lábios do justo abençoarão quem é generoso .....••

197

Semeai sementes de justiça

129

Se queres ser perfeito

.

129

Encerra a esmola no coraçlio do pobro

.

130

Aquele dentre v6s que nlio renuncia a todos os bens

.

138

141

IULARIO DE POITIERS

JOÃO CRISóSTOMO

•I

201

O que é impossível aos homens é possível a Deus

201

Sentareis sobre doze tronos .......•.....•............

206

Vós me vistes faminto e não me dsstes de comer

207

Nlio tenho nem ouro nem prsts, mas o que tenho te dou ..

210

Pobreza a riqueza vêm do Senhor

213

Não podeis servir a Deus e a Msmona

216

Que devo fazer de bom para ter a vlds eterna?

.

141

EIs o homem que confiava ns SUa grande riqueza

.

146

Como nlio possuindo nada e tendo tudo

219

A mInha sorte, eu disse, Senhor

.

147

Vende o que tens

222


1NDlCE

2a8 AGOSTINHO

............................................

225

Se queres entrar na vida

.

225

Se queres entrar na vide, observa os mandamentos

.

226

Vai, vende o que tens, dá-o sos pobres

.

231

Digo-vos: guerdal·vos de toda cobiça

.

234

A ti o pobre se abandona, do órfão és o apelo

.

240

Há o que perece rico e não tem nada, e há o que perece pobre e tem muitos bens .

243

Bem.aventurados os pobres de esplrlto, porque deles é o reino dos céus .

247

Eis que deixamos tudo

249

.

E nada encontrsram todos os homéns abastados em suas mãos .... , ... , .... , .... ··.··.···················· . 250

253

CIRILO DE ALEXANDRIA Quem me constituiu juiz ou mediador entre vós?

.

253

Escutarei o seu grito, porque sou compassIvo

.

257

Buscai primeiro o reino de Deus e a sua Justiça

.

260

EDIÇOES GREGAS E ~ATINAS DOS TEXTOS TRADUZIDOS ....

263

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(continuo)


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