Estádios de Futebol

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Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Antonio Gil da Silva Andrade

Estádios de Futebol: das Arenas aos Circos

São Paulo 2007


Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Antonio Gil da Silva Andrade

Estádios de Futebol: das Arenas aos Circos

Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci

São Paulo 2007


projeto gráfico.: Marcelo Pitel revisão.: Elane Ribeiro Peixoto

Andrade, Antonio Gil da Silva Estádio de Futebol: das Arenas aos Circos – São Paulo, 2004. 239 f. Tese de Doutorado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Máricia Peinado Alucci 1. Estádios 2. Futebol 3. Tecnologia 4. Arquitetura 5. Geometria I.Título


ao Luís Filipe

à Mira e ao Pedro Miguel


Antonio Gil da Silva Andrade

Título: Estádios de Futebol Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci

Tese Defendida e aprovada em __/__/____ pela Banca Constituida pelos professores: Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci 1. 2. 3. 4. 5.


resumo.:

Esta tese tem por tema os estádios de futebol, com foco nas realizações contemporâneas. Posiciona-se de maneira crítica em relação ao consenso que se formou em torno desses edifícios, concebidos como objetos prodígios e contaminados pela lógica do shopping center, o que afirma o futebol como mais um produto da indústria cultural. A partir de estudos antropológicos, históricos e críticos, o presente trabalho apresenta uma alternativa aos atuais estádios, logomarcas das grandes corporações que dominam o futebol. Essa constrói-se a partir da sobreposição de estudos geométricos, que interpretam os movimentos e estratégias, considera as possibilidades do espaço não- euclidiano e as conquistas tecnológicas, sem contudo torná-las recursos exibicionistas desnecessários. Em fim, esta tese procura recolocar no foco da atenção e ponto de partida para o projetos dos estádios o jogo, na sua dimensão simbólica e lúdica. Palavras chaves: estádios, futebol, tecnologia, arquitetura, geometria.

abstract.: The present thesis has as a theme the football stadiums, with focus on the contemporary conceptions. The work is settled in a critical position in relation to the consensus that has been created regarding this type of building, conceived as prodigy objects and contaminated by logic of the shopping mall, which establishes football as another product of cultural industry. Starting from anthropological, historical and critical studies, the present thesis presents an alternative to actual stadiums, logos of the big corporations that dominate the sport football. This proposal is built from the mixing of geometrical studies that makes an interpretation of the movements and strategies, which consider the possibilities of the non-euclidian space and the technological conquests, though, without making them unnecessary exhibitionist resources. At the bottom line, this thesis seeks to relocate the game itself in its symbolic and joyful dimensions in the focus of attention and start moment of the stadium design. Key-words: stadiums, football, technology, architecture, geometry


agradecimentos a todos os que de alguma forma contribuiram para esta tese. em especial: aos professores Dra. Marcia Peinado Alucci Dr. Sylvio Barros Sawaya Dr. Joana Carla Soares Gonรงalves Elane Peixoto Marcelo Pitel


sumário 10 15 16 34 40 56

Introdução 1. Métodos e procedimentos da pesquisa

69 70 82

2. O futebol

1.1 1.2 1.3 1.4

Hipótese Metodologia e Procedimentos Problematização Objetivo e Justificativa

2.1 O Jogo como Ritual Sagrado 2.2 Referências Históricas do Futebol

101 102 123

3. Os estádios

157 158

4. Proposta

218 223 228

• CONSIDERAÇÕES FINAIS • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ANEXOS

3.1 Arquitetura dos Estádios 3.2 Organização dos Estádios

4.1 Conceituação e Concepção


introdução.: A atração pelo futebol sempre existiu e jamais foi comprometida, tanto entre as congregações que o promoveram na origem da fase moderna, quanto nas populações em todo o mundo depois de convertido em esporte de massa. Sem preterir a simplicidade das suas regras, técnicas de jogo e equipamentos necessários à sua prática, como razões mais significativas para tão expressiva popularidade, não se pode ignorar a possibilidade do êxtase emocional proporcionado por um universo de sentidos que interpreta as experiências individuais, vividas e construídas coletivamente nos confrontos, disputas, oposições e rivalidades como principal motivador da atenção das multidões, tornando o futebol o principal esporte no mundo em platéia e praticantes. Nenhum outro provoca paixões tão intensas nem seus adeptos são tão participativos e leais.


Como jogo e manifestação cultural celebrada como parte de um ritual com o qual estão envolvidas multidões e comprometidos jogadores, times e clubes, simbolicamente denominados de acordo com os locais de suas sedes, o futebol estabelece laços afetivos, alimenta orgulhos e forma identidades sociais, históricas e culturais, expressos nas disputas em sentimentos de oposição e rivalidade entre populações que interagem das mais diversas e complexas formas. Mais do que um simples entretenimento, os jogos estimulam as expectativas das ações emocionantes, das comoções ilusórias e das hipnoses transitórias, aguardadas a cada partida. No jogo, símbolos e significados são reunidos enquanto atividades da razão e da imaginação, gerando nos sentidos um lócus privilegiado de simbolização, para a manifestação de crenças, fantasias, desejos e necessidades, sonhos e interesses, raciocínios e intuições que, ao construírem a idéia de glória e de fracasso, levam ao êxtase emocional. O futebol propõe comportamentos segundo valores morais, normas e regras de conduta e de ética, livremente consentidas e aceites pela coletividade através de processos de identificação, como padrões e códigos coletivos, que refletem os processos de entendimento das ritualizações do cotidiano. Este processo legitima a ordem e esclarece a complexidade das criações do inconsciente, instituídas e interpretadas pelo imaginário por meio de imagens e fantasias, como simulações da realidade. O futebol é praticado dentro de limites espaciais e temporais próprios, com significados, formatos e estilos específicos, em diferentes lugares e sociedades com os mais diversos comportamentos e mentalidades, este jogo só é compreensível quando colocado no contexto que o influenciou. O futebol, enfim, abarca grande complexidade e tem sido objeto de interesse de vários estudos, principalmente os situados no campo das Ciências Sociais. Inúmeros são os estudos de antropologia, sociologia e história que lhe reservaram espaço, não se esquecendo das belas crônicas dedicadas a exaltar a elegância própria. Sua história dá a medida de sua riqueza, que compreende a dimensão sagrada de seus primórdios à secularização com sua regulamentação no século XIX. Neste momento, a industrialização e urbanização, responsáveis pela rápida introdução | 11


mobilidade social e geográfica que penetrou o cotidiano de todos, e pela maior e, talvez, mais radical alteração de hábitos, costumes e da vida comunitária, contribuíram para o futebol com múltiplas percepções estéticas e táticas, influenciando a criação dos mais variados sistemas de jogo e de estratégias. Independentemente da época, da situação geográfica ou de sua cultura, o homem sempre alimentou um permanente impulso, não só, pelo lazer e pelos encontros sociais e comemorações, mas principalmente pelas disputas e pelos jogos, por representarem oposições e rivalidades que reproduzem a ordem social e as formas mais particulares da identidade cultural. Todas as civilizações desenvolveram jogos que tinham como principal objetivo o congregamento, como parte de ritos ligados a grandes comemorações, festejos ou eventos esportivos que representavam as expectativas a serem cumpridas a cada período. Com esta perspectiva, estudar os estádios, hoje, significa entender as complexidades que os jogos de futebol encerram e, assim, pensar seus edifícios em suas múltiplas relações, tanto no que diz respeito a sua dimensão simbólica, quanto a sua realidade física e histórica, para mencionar algumas. O espaço do jogo constitui uma realidade física que, no século XXI, adquire outros significados que vão muito além do gramado e das arquibancadas improvisadas de seus momentos iniciais. Ele implica o poder das grandes corporações, a ação da indústria cultural, o recurso a tecnologias de ponta e, ainda, o efeito que exerce na formulação de imagens urbanas poderosas que circulam pelas redes de informação em escala planetária. Há, atualmente, um consenso em torno dos estádios de futebol. A eles é reputada a capacidade regenerativa de tecidos urbanos deteriorados, como o foi , na década de 1980 e 1990, com os museus. Esta tese questiona, em parte, esse consenso na medida em que refuta a concepção do estádio a partir da lógica do shopping center e do parque temático – em outras palavras põe em xeque o conceito de arena multiuso. A partir destas considerações iniciais, este trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro, Métodos e Procedimentos da Pesquisa, dedica-se à definição da hipótese, aos procedimentos metodológicos e de pesquisa, a problematização e justificativa. introdução | 12


O segundo capítulo, discute o futebol enquanto ritual sagrado e refere-se à compreensão dos estádios, a partir da história do futebol, compreendida em duas grandes fases: amadora, até 1930, e a profissional, a partir desta data. Na fase amadora, são claros os vestígios da era pré-industrial influenciados pela autoridade exercida de forma centralizadora pelas elites, segundo suas convenções. A fase profissional, mais longa, é subdividida em três períodos, a saber: massificação do futebol sob as ditaduras ocidentais; mercantilização do futebol até a década de 1990 e, por fim, o futebol sob o domínio das corporações. É um período influenciado pela rápida urbanização e pelo crescimento demográfico e político das populações, em que a organização social regulamentada e padronizada torna previsível o seu comportamento. Assim, o futebol serviu à promoção do nacionalismo e, consequentemente, ao acirramento de conflitos identitários, multiplicados após a década de 1960 e, por fim à indústria cultural e do entretenimento, próprios à sociedade do espetáculo. O terceiro capítulo estuda a evolução tipológica dos estádios a partir da análise de casos, com ênfase nas realizações contemporâneas, e apresenta as recomendações da FIFA para a organização dos estádios. Os capítulos anteriores preparam de forma crítica o conteúdo do quarto capítulo, que se reserva para a apresentação da proposta para a formulação de estádio, sendo esta a exposição da tese que sustenta a pesquisa. Assim, fundamentada nos estudos conceituais realizados nesta tese, esta proposta buscou responder às prerrogativas do esporte e às exigências tecnológicas contemporâneas, recusando a submissão às corporações e ao papel de suporte passivo da televisão, da propaganda e do marketing. Sem a pretensão de determinar critérios definitivos para soluções futuras, até porque os seus resultados jamais seriam confiáveis, são propostas possibilidades gerais, principalmente especulativas, visando realizações apoiadas em teorias, métodos e processos científicos. Dessa forma, não foram desenvolvidas operações numéricas para cálculos precisos de ações físicas e operacionais, nem adotadas soluções apoiadas em previsões estatísticas por acreditar serem ineficientes na essência da proposta. A lógica linear quando pretende dar rigor numérico aos sistemas introdução | 13


que se modificam com o tempo, reduz as avaliações a previsões meramente especulativas. Em vez disso, foram propostas relações e soluções contemporâneas que privilegiem a heterogeneidade e a interação das funções, das tipologias e das atividades, que contrariem carências, aperfeiçoem processos e funções, permitam a expressão física dos recursos, dêem unidade aos elementos, compatibilizem os componentes e garantam a qualidade dos ambientes e das realizações dos estádios de futebol.

introdução | 14


_capĂ­tulo 1.: mĂŠtodos e procedimentos de pesquisa


hipótese.: Os estádios atuais deixaram de responder às demandas conceituais do esporte e às exigências tecnológicas contemporâneas ao eliminarem as referências culturais e transformarem os significados históricos em significantes instáveis, como códigos de valores dos critérios inconsistentes do mercado. O abandono da história e da importância das culturas levou à generalização de uma arquitetura movida pela reprodução de modelos padronizados, que privilegiaram o domínio das técnicas sobre as tecnologias e limitaram as soluções a fatores de desempenho, produtividade, economia, custos operacionais e valor patrimonial. Ao ser privilegiado o caráter reducionista do determinismo funcionalista, foram promovidos equívocos de interpretação e erros de concepção que produziram um sem número de estereótipos tecnicistas. As conseqüências negativas provenientes da natureza incompleta dessas soluções acabaram agravadas pela rápida progressão do processo de massificação e evoluíram para condições de colapso, expressas na obsolescência das instalações e nos numerosos acidentes testemunhados ao longo do século XX. 1.1 | hipótese | 16


Ibrox stadium hampden park•1903 www.stadiumguide.com

Stadio Nazionale PNF 1928

Estadio Centenario • 1930

Olympico de Roma • 1937

Artemio franchi • 1931

Olympiastadion • 1936 www.wolrdstadiums.com

Apesar das excelentes contribuições de Kenzo Tange, Frei Otto, Santiago Calatrava, Renzo Piano, entre outros, em vez de transformação e renovação, houve principalmente, a partir da segunda metade da década de 1970, a defesa da aplicação cega de normas, regras e princípios defendidos por estrategistas de mercado, sem a preocupação de submeter suas decisões às mais elementares avaliações do bom senso e da racionalidade. Em vez do rigor, da exatidão e da clareza das soluções, passou-se a testemunhar a proliferação de estádios globalizados, sem referências de lugar ou cultura, como manifestos da incapacidade de compreensão das relações espaciais e, sobretudo, das razões e dos comportamentos que historicamente consagraram o futebol como um jogo de inteligência e habilidade e como um desafio para a disputa, a surpresa, a fantasia, a imaginação e o imprevisível. Kenzo Tange Olímpico de Tóquio 1964

Frei Otto Olímpico de Munique 1972

Renzo Piano San Nicola 1990

Santiago Calatrava Spyro Louis 1982

1.1 | hipótese | 17


A consistência dos conceitos necessários e a conveniência criadora das significações do imaginário fazem crer que as grandes referências de concepção e inovação nos estádios são metodológicas e nelas não há espaço para o determinismo. De absoluto e definitivo, apenas se pode admitir a certeza de que, diante da inevitabilidade da vitória ou da derrota, as leis do cotidiano perdem a validade e dão lugar à inteligência das estratégias que consagram o jogo pelo efeito da sorte, do acaso e do destino.

Garrincha

Friedenreich

Pelé

www.mcamara.com.br

Fosse o futebol uma manifestação linear e primária, apenas alimentada de resultados, não haveria qualquer justificação para a quantidade tão expressiva de estratégias, planos táticos e enunciados estéticos que, ao longo de todo o período do esporte regulamentado, recriaram os desafios e revelaram a genialidade dos intérpretes desse universo que liga a arte ao ritual sagrado do jogo. Desde os primitivos valores que influenciaram o futebol inglês, no final do século XIX, onde predominavam as táticas de “chutar e correr” e o individualismo de dribladores exibicionistas que ignoravam o grupo (Giulianotti 2002, p.175), até as formas de jogo modernas e contemporâneas, mais operativas e racionalizadas, com jogadores em posições pré-definidas e tarefas pré-determinadas, as estratégias sempre representaram interpretações das relações entre o espaço do jogo e as competências dos jogadores. Ao imprimir às disputas, seqüências harmônicas marcadas por ritmos e velocidades, dentro das dimensões e das proporções dos gramados, as estratégias se afirmam como as principais formas de avaliação para a viabilização de objetivos e conseqüências positivas. 1.1 | hipótese | 18


Ao contrário do que passaram a expressar os estádios, tanto os planos táticos quanto os enunciados estéticos demonstram claras influências, não só dos lugares e das culturas, como também das características e organização das sociedades em cada época. Quando os escoceses propuseram suas inovadoras manobras de ataque apoiadas no controle e nos passes de bola, em substituição ao tradicional “chutar e correr”, deixaram claro a forte influência da experiência industrial no futebol, bem como sua crença nas qualidades do trabalho em equipe e na competência técnica dos jogadores. “O jogo tradicional misturava tanto o individualismo, quanto o esforço coletivo, refletido no passe de bola e na pressão por resultados.” (Giulianotti 2002, p.175) Da mesma forma, Herbert Chapman, ao desenvolver seus planos de jogo na década de 1920, apoiou-se nos princípios da organização industrial fordista, acreditando poder tornar mais eficiente a produção de gols. Apesar das várias décadas de futebol regulamentado, esta foi a primeira e genuína ação de modernização do jogo. Por isso o reconhecimento confirmado por Giulianotti (2002, p.175) de que Chapman foi o primeiro dirigente moderno do futebol.

Sistema WM de Herbert Chapman nas três configurações: Armação, Defesa e Ataque.

Pode-se ir mais longe, ao admitir que as estratégias e os estilos, a partir dele, foram e são variações do seu sistema tático em WM, não é exagero reconhecer Chapman como o mais importante revolucionário das táticas no futebol. No plano de jogo WM, três atacantes e dois médio-volantes de ataque, apoiados 1.1 | hipótese | 19


por outros dois médio-volantes defensivos e protegidos por uma linha de três zagueiros, eram distribuídos estrategicamente pelo campo de jogo, movimentando-se nas oblíquas imaginárias que ligavam as extremidades do gramado, reduzindo geometricamente as áreas de responsabilidade individual e o desgaste físico, aumentando a eficiência. As variáveis das estratégias que se seguiram, reconhecendo os bons resultados das teses de Chapman, passaram a expressá-las e a reafirmá-las. Numa leitura simplificada, é pertinente admitir que as novas estratégias apenas se diferenciavam na variação das proporções entre o W e o M, dependendo da maior ou menor ênfase dada ao ataque ou à defesa. Nessas condições, pode-se dividir os planos táticos em duas grandes formas de expressão e intervenção, definidas, ou por suas características defensivas, rígidas e pragmáticas, ou por sua flexibilidade e objetivos ofensivos. Adeptos fervorosos dos sistemas com preocupações defensivas, os italianos foram responsáveis pelas principais e mais apreciadas teses que insistiam na destruição sistemática do jogo de ataque, como garantia para não sofrer gols, concentrando, por isso, na defesa, as principais ações de suas estratégias. Foi por essa razão que, na década de 1930, surgiu o sistema il metodo. Confiando na habilidade e no heroísmo individual dos jogadores, em particular dos três defensores liderados por um zagueiro destruidor (stopper), essa estratégia baseava-se na interpretação fascista de que os jogadores de futebol eram os “guerreiros da nação” (Giulianotti 2002, p.175).

stopper

Sistema il metodo

1.1 | hipótese | 20


No pós-guerra, a consolidação internacional e a extrema profissionalização do futebol moderno provocaram o crescimento das platéias e dos investimentos financeiros. No entanto, à medida que as estratégias ofensivas tornavamse cada vez mais eficientes, também aumentava o pavor da derrota, pela perspectiva de significativos prejuízos. Assim, mais uma vez, foram incentivados sistemas táticos rigorosamente defensivos e formas de jogo menos versáteis. Como consequência, o desestímulo à disposição para o jogo de ataque e a ocupação geometricamente mais fixa do gramado acentuaram a diferença entre a estética do ataque e o pragmatismo da defesa e reduziram a quase nada a quantidade de gols nas partidas. Fervoroso adepto das táticas defensivas, o técnico Helenio Herrera desenvolveu o sistema catenaccio, nos anos de 1960, que dominou os princípios técnicos do futebol italiano por mais de duas décadas. Como forma de jogo, o catenaccio explorava as capacidades técnicas dos jogadores defensivos e exigia disciplina, concentração, treinamento regimental e planejamento minucioso. “Na Itália, o catenaccio foi a ciência da defesa, baseado numa vontade inquebrantável de vencer.” (Giulianotti 2002, p.172) Sistema Catenaccio desenvolvido por Helenio Herrera

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Aproveitando a idéia do zagueiro “varredor”, já utilizada no sistema “raio suíço” criado por Kari Rappan nos anos de 1950, Herrera criou o libero (zagueiro livre) que também “varria” a retaguarda da defesa, analisando a jogada para localizar e extinguir o perigo antes que ele se agravasse. Por sua vez, os zagueiros “marcadores” eram encarregados de calcular os movimentos do adversário, provocando psicologicamente os atacantes e perseguindo-os em todos os lances, com a responsabilidade de detê-los a qualquer custo, o que significava ignorar o espaço do gramado e as ações do conjunto. “De modo geral, o catenaccio mimetizou a política cultural da Guerra Fria, a guerra falsa por atrito, com blefes e investidas sem ânimo diante de enormes estoques de defesa.” (Giulianotti 2002, p.172) Apesar de ter inspirado Helenio Herrera e subsidiado suas preocupações defensivas, o “raio suíço”, era também uma variação do “WM”, de certa forma híbrida, que rompia a rigidez e a falta de versatilidade das estratégias adotadas no pós-guerra. Dessa interpretação resultou um sistema também excepcionalmente fluido, mas geometricamente complexo e que exigia alto nível de inteligência tática. Abandonando o posicionamento anteriormente adotado, em três linhas estáticas, os jogadores passaram a avançar ou a recuar de acordo com o fluxo do jogo, mantendo uma ocupação espacial do campo relativamente densa, o que diminuía os espaços vazios. Apesar dessas mudanças, foi preservado e repensado o papel do stopper criado no sistema il método, com um dos dois defensores centrais, “varrendo” a zaga enquanto os dois zagueiros laterais apoiavam o ataque. Na frente, dois meio-campistas controlavam o centro e os dois atacantes avançados eram assistidos por alas.

Sistema1-3-3-3

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A exemplo do “raio suíço”, Alf Ramsey apresentou na Copa do Mundo de 1966, o também aparentemente defensivo “Maravilha sem Alas”, baseado num sistema 4-3-3, que levou a Inglaterra à conquista do título. Preocupado em promover ações melhores e mais eficientes, Ramsey deu preferência ao esforço e versatilidade do meio de campo e dispensou os jogadores individualistas. No entanto, além das estratégias defensivas, ou eventualmente híbridas, e de todas as manobras de marcação, provocação e destruição, outros exercícios táticos foram desenvolvidos com o objetivo de cumprir o destino ofensivo do futebol. Nesse sentido, já no começo da década de 1940, confirmando a influência de Chapman e destoando da febre defensiva, o soviético Iakushin flexibilizou o sistema “WM” de jogo. Privilegiando o jogo de ataque, imprimiu grande mobilidade aos cinco avançados, instruindo-os a mudarem constantemente de posição para confundir os adversários. Mas apesar das numerosas, contínuas e constantes reinterpretações do jogo, não há dúvida que uma das fases mais ricas e curiosas da história do futebol aconteceu nas décadas de 1960 e de 1970, sob a influência da Guerra Fria e a perspectiva das grandes e profundas mudanças que se avizinhavam. Confirmando a qualidade tática e estética do futebol moderno, os holandeses do Ajax surpreenderam o mundo com o seu “futebol total” num estilo fluido e de ataque, revivendo o “redemoinho” proposto em 1955 por Willy Meisl, que explorava a troca constante de posições de jogadores versáteis durante a partida. (Giulianotti 2002, p.173). Da mesma forma, também baseado no permanente movimento do time e de constantes realinhamentos de posições, o “futebol total” exigia que todos os jogadores estivessem completamente adaptados à estratégia de jogo e capazes de atuar em qualquer posição avançada. No entanto, nenhum sistema simbolizou uma forma mais pura e gratificante de futebol do que o 4-2-4 tornado famoso pela seleção brasileira, primeiro em sua campanha vitoriosa na Copa do Mundo de 1958 e depois em 1970 na Copa do México, quando viveu seu apogeu. O sistema adotado pela seleção brasileira, reconhecido como a melhor expressão do “futebol arte”, ao contrário da assimetria e das figuras geometricamente abertas, geradas pelos demais sistemas, estabelecia, entre a defesa e o ataque, uma conformação 1.1 | hipótese | 23


poligonal espacialmente fluida, o que eliminava os pontos de tensão e dava homogeneidade, equilíbrio e harmonia ao conjunto. Aliado à boa organização espacial, jogadores com boa visão de jogo, controle de bola, habilidade para driblar e capazes de um perfeito trabalho de criação entre o meio de campo e o ataque, construíram o maior exemplo de “alta modernidade” e de respeito ao compromisso estético do futebol, de atacar com imaginação, criatividade e inteligência. Entre todas as experiências táticas, esta foi a mais perfeita ocupação geométrica do campo de jogo, que se desdobrava em múltiplas alternativas e possibilidades de organização e movimentação sem necessidade de mudança das posições relativas, como propunha o “futebol total”. Sistema 4-2-4 ocupação do gramado com duplo pentágono

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Infelizmente, estes foram os últimos momentos de uma fase de grande criatividade no futebol, ainda sob influência dos princípios da organização industrial. A partir daí, ao longo da segunda metade da década de 1970, refletindo as mudanças de paradigma que influenciaram o último quartel do século XX, novas abordagens científicas foram estimuladas e adaptadas a um estilo fortemente gerencial e funcionalista, que exigiu equipes técnicas formadas por numerosos profissionais que estudavam e planejavam as partidas, o que também refletia o sistema produtivo e administrativo do pósfordismo, embora contrariasse as teses científicas mais contemporâneas. Na ânsia de provar a eficiência de seus planos, numerosos e sofismados dados estatísticos, avaliações estranhas e ações incomuns insistiam na possibilidade de contrariar a imprevisibilidade do jogo. Através do método simplificado do gerenciamento por metas (MBO, “management by objectives”), as equipes eram instruídas a jogar com “bolas longas”, porque a análise de dados havia “provado” que 90% dos gols saíam de menos de cinco passes. (Giulianotti 2002, p.173) esportes.terra.com.br/futebol

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Relatórios e análises sobre o time adversário eram produzidos e entregues aos jogadores, que passaram a ser monitorados e a ter seus hábitos vigiados e estudados por psicólogos. Até o Brasil foi influenciado por essas teses, quando começaram a ser aventadas na década de 1960. Para a Copa do Mundo de 1966, a Confederação Brasileira gastou o equivalente a R$ l milhão na “preparação científica” da Seleção Nacional, incluindo as despesas com os campos de treinamento durante quatro meses e com os jogadores monitorados por uma equipe médica de 200 pessoas (Giulianotti 2002, p.173). Nem Pelé resistiu a tanto monitoramento. Como consequência, em vez de prestigiados, os jogadores mais habilidosos, talentosos e com capacidade para organizar os companheiros, passaram a ser preteridos ou mesmo ignorados, por não se adequarem à rigidez e ao pragmatismo das novas condições. Essas estratégias, apoiadas no monitoramento, atingiram seu ponto de maior evidência nas décadas de 1980 e 1990. Entre elas estava a proposta de marcação por zona, defendida pelo italiano Arrigo Sacchi, que uma vez mais tinha como principal objetivo deixar a defesa mais forte. Se o catenaccio exigiu disciplina, concentração, treinamento regimental e planejamento minucioso, neste caso não só não era diferente, como o controle e o monitoramento foram potencializados. Aqui, os atletas também eram obrigados a se submeterem rigorosamente ao sistema tático. Os jogadores, instruídos a destruir com faltas os ataques adversários, patrulhavam o campo, impondo uma forte pressão de marcação e a paralisação sistemática do jogo, a exemplo do rugby e do basquete, o que transformou o futebol num jogo violento e sem seqüência. Com freqüência, a linha de ataque era reduzida a um jogador e os outros nove divididos entre a defesa e a linha média. Obrigados a abandonar suas habilidades e sutilezas, os jogadores passaram a ignorar as relações espaciais e geométricas do gramado, e a executar apenas as ações e as manobras específicas. A construção dos resultados em jogadas de bola parada, treinadas de forma repetida e exaustiva e valorizou os cobradores de faltas. É o que o ex-dirigente italiano Enzo Bearzot chamou de “robóticos jogadores de um futebol virtual”. (Giulianotti 2002, p.174) Coincidência ou não, este momento foi marcado pela entrada em massa 1.1 | hipótese | 26


de patrocinadores, investidores e empresários estranhos ao esporte ou que gerenciavam times de rugby e basquete, e que entendiam poder impor ao futebol os mesmos princípios táticos e as mesmas estratégias mercadológicas daquelas modalidades. Sendo assim, quando o símbolo é constitutivo de todo o fenômeno e as imagens são símbolos recorrentes e redundantes, o novo e o diverso adquire sempre o mesmo sentido de eterno retorno às origens do pensamento único da espécie humana. (RUBIO, 2001 p.50)

Como resultado das novas estratégias mercadológicas e dos novos critérios administrativos, o campo de jogo tornou-se secundário e as arquibancadas receberam as honras de principal cenário de exibição para platéias histéricas. A “festa das torcidas” passou a ser a grande razão dos eventos. Do jogo, para motivação do público e como recurso privilegiado da propaganda, apenas interessava o resultado. “A propaganda é incompatível com o verdadeiro jogo, que tem seu fim em si mesmo, e só numa feliz inspiração encontra seu espírito próprio.” (Huizinga 2004 p.234) Mesmo admitindo que, neste período, foi iniciada uma das fases de maiores investimentos financeiros nos esportes, também não se-pode ignorar que esta foi uma das mais medíocres e mais violentas no futebol. A perda de referências, a dureza do jogo defensivo e a mediocridade estratégica ficaram evidentes nas Copas do Mundo, a partir de 1990, atingindo seu ápice na Copa de 2006. Revendo a história do futebol moderno regulamentado, apesar da obsessão periódica pelo jogo defensivo, tem-se que reconhecer, como sua maior contribuição, a eficiência das estratégias ofensivas que respeitaram as relações espaciais do campo de jogo, inibiram os desequilíbrios entre a defesa e o ataque, privilegiaram a criatividade e estimularam o movimento, preservando a importância e a essência do jogo no espaço inviolável do gramado. As referências funcionalistas de usos e fluxos ou as conveniências mercadológicas desarticuladoras só tornaram explícita a contradição e a degeneração dos eventos concentrados na histeria das platéias, na violência 1.1 | hipótese | 27


das jogadas e nos resultados a qualquer custo. É o que Huizinga (2004 p.228) classifica como “uma mistura de adolescência e barbárie que tem vindo a estender-se pelo mundo no decorrer das últimas duas ou três décadas”. A consciência desses fatos permite lançar dúvidas sobre as razões do jogo defensivo e as consequências do gerenciamento por metas, do controle monitorado e do pragmatismo estatístico, na preparação e no desempenho dos times. Os modelos fixos e rígidos dos sistemas gerenciais, dificilmente adaptáveis às circunstâncias específicas das partidas, mostraram-se formas primárias e sofismadas de simular o que é impossível controlar. Afinal, o imponderável do jogo jamais concederá o controle do resultado, por mais elaborados e eficientes que sejam os planos táticos e as estratégias. Apesar do pragmatismo tático e independentemente da obsessão pela vitória, plano nenhum conseguirá alterar o mundo próprio de prazer e satisfação, fundado a cada jogo, onde predominam a ausência da temporalidade e a descontinuidade do tempo, no tempo estabelecido do jogo, que escapam à noção de tempo socialmente construído. Absorvidos pelo movimento e estimulado pela tensão e a incerteza do resultado, os jogadores estabelecem uma relação particular de êxtase e transcendência, num universo entre o real e o imaginário, o profano e o sagrado, condição que torna formalmente semelhantes o jogo e o culto, o que, do mesmo modo, nos permite equiparar formalmente o terreno de jogo e o “lugar sagrado” (RETONDAR, 2003 p.116). A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial. (HUIZINGA, 2004 p.13)

No entanto, considerando que o objetivo de ganhar não tem caráter moralista, já que o jogo está fora do domínio da moral (Huizinga, 2004 p.235), não se pode ignorar que o futebol, como jogo coletivo, pressupõe regras recíprocas e instrumentos próprios, organizados dentro de uma relação de espaço e tempo determinados. Seu caráter reproduzível e repetitivo se alimenta da proeza, da façanha, da força, da habilidade e, sobretudo da inteligência e da consciência para avaliar o que é ou não lícito dentro do domínio da ética e que pode levar ao prêmio da vitória ou ao castigo da derrota. 1.1 | hipótese | 28


Huizinga (2004 p.227) argumenta, no entanto, que “aquele que realmente procura a verdade dá pouca importância ao triunfo sobre seus adversários”, aludindo ao sentido lúdico dos jogos enraizados em rituais criadores de cultura que, na sua origem, ligados ao domínio da estética e do belo, celebravam simbolicamente o culto da performance e valorizavam o gosto da aventura com ações estimuladas pela ousadia, o risco e a incerteza.

imagens www.ansews.com

Sem recusar o exercício lúdico da origem do jogo, também não se pode ignorar que o caráter agonístico e fundamentalmente antitético do futebol e o desejo de ser o melhor são o grande pretexto para a competição. A expectativa da honra da estima e do prestígio, da aparência de superioridade ao ser festejado, aplaudido e ovacionado, na celebração do triunfo, não deixa dúvidas que se joga e compete, antes de tudo e principalmente para vencer. Ganhar significa manifestar sua superioridade para receber estima e honrarias, no mínimo. Via de regra, contudo, a vitória está ligada a alguma coisa mais do que a honra: uma coisa que está em jogo, um prêmio, o qual pode ter um valor simbólico ou material, ou então puramente abstrato. (HUIZINGA, 2004 pp.58-59) Por definição, todo o jogo processa-se de forma material ou imaginária, deliberada ou espontânea, no interior de áreas previamente definidas, em espaços localizáveis e tempos mensuráveis, onde é exigida e criada uma ordem específica, suprema e absoluta, que introduz na imperfeição da vida e do mundo uma perfeição temporária e limitada. No contexto dos estádios não cabe a crença de ambientes enquadrados em conceitos e dogmas limitados à interpretação de utilidades e funções. Para pensar e analisar os fenômenos que envolvem o jogo e as disputas, como dados fundamentais 1.1 | hipótese | 29


à concepção dos estádios, é necessário deslocar-se da análise linear, para o nível do abstrato e do simbólico, onde, pelos pressupostos da probabilidade e da indeterminação, podem ser encontradas as representações que formam o imaginário. São espaços padronizados que, quando tornados campos de jogos, adquirem um valor simbólico que responde à necessidade de preenchimento dos sonhos, com imagens, mitos e símbolos. Essas representações, definidas em redes e articuladas em sistemas, fixam as identidades, as normas e os valores que permitem à arquitetura, definir a expressão física dos estádios de forma a abrangerem as expectativas e refletirem os comportamentos.

estudo de relaçoes geométricas do campo

Apesar de apoiados em teorias, métodos e processos científicos, os sistemas organizadores e definidores dos estádios têm sua essência nos símbolos e no simbolismo dos componentes e das determinações do imaginário. O imaginário se apresenta como um mundo de imagens que se auto-organiza sob a forma de sistema. Ele se constitui como espaço único de liberdade que define a aventura humana: é por ele que o homem se mostra e interage com o mundo. (FERREIRA; COSTA, 2003 p.33)

1.1 | hipótese | 30


Por ser produto da realidade, o imaginário forma o conjunto das imagens onde se encontram as criações do pensamento humano e se apresenta como o movimento contínuo entre o individual e coletivo, numa criação incessante e incompleta de elementos simbólicos. “Todo pensamento humano passa pelas articulações simbólicas, entre o imaginário e o simbólico.” (RUBIO, 2001 p.58) É no simbolismo que o homem reúne o mundo objetivo e o subjetivo fragmentados pela realidade. Por isso, compete ao simbolismo dos estádios articular as realidades heterogêneas, de forma multivalente, num conjunto integrado e revelar os aspectos mais profundos da realidade e as particularidades não evidentes do futebol, captadas pelos sentidos, o que pressupõe que a conceituação dos estádios só é possível e compreensível se manifesta as qualidades mais lúdicas e sagradas do jogo, quando o determinismo absoluto é eliminado e a estrutura ultrapassa os limites da realidade física. Nas palavras de Ferreira (2003 p.25) os estádios : “são formas de expressão que nos remetem ao campo do dizível e do indizível, do óbvio e do mistério, do visível e do invisível, dos sonhos e dos desejos, do conhecimento e da ação”. Os objetos projetados têm suas lógicas próprias, na medida em que são produções sociais. A imagem, através de seus estímulos afetivos, se diretamente identificada com o objeto referente, ultrapassa conceitualmente a referência e atua segundo suas próprias regras e normas. Suas imagens expressas sob a forma de representações do imaginário passam a coexistir com as ações organizadas em uma rede reguladora das interações, segundo versões que se articulam com as práticas humanas e expressam significados simbólicos, valores e desejos. O imaginário, como parte da representação enquanto tradução mental de uma realidade exterior percebida, ocupa apenas uma fração do campo da representação à medida que ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva. Para construir o processo do imaginário é preciso mobilizar as primeiras imagens conhecidas, libertarse delas e modificá-las. 1.1 | hipótese | 31


Como processo criador, o imaginário reconstrói ou transforma o real. “Não se trata, contudo, da modificação da realidade, que consiste no fato físico em si mesmo, como a trajetória natural dos astros, mas trata-se do real que constitui a representação, ou seja, a tradução mental dessa realidade exterior”. (RUBIO, 2001 p.51)

Os significados são o ponto de partida do imaginário que se atualiza na instituição das significações e instaura as condições e as orientações comuns para a representação e a realização. Uma vez imaginados, os significados se relacionam a um número indefinido de outras significações que não são definidas, nem estão interligadas por condições ou razões suficientes. O processo de abstração como tradução mental de uma realidade exterior, tanto nas representações quanto no imaginário, apresenta estruturas míticas e fantásticas que só se revelam por linguagens camufladas nos silêncios e nas insinuações. Por essas razões, sejam quais forem os significados sociais, tecnológicos ou funcionais, cívicos ou ambientais, inovadores ou conservadores, imputados aos estádios, eles sempre se expressarão num conjunto de imagens imprecisas, repletas de ambigüidades e redundâncias, mas intensamente emotivas, inseparáveis da sua definição física. Ao expressar as mais variadas relações e múltiplas linguagens, a arquitetura dos estádios deve incorporar a metáfora, a metonímia e a alegoria como signos de suas representações. “Símbolos, signos e mitos são inseparáveis da noção de imaginário” (FERREIRA; COSTA, 2003 p.33). Talvez por isso, e apesar dos numerosos equívocos, os estádios nunca deixaram de cumprir a responsabilidade de palcos privilegiados para a compensação dos desejos. Concluindo, em vez de modelos para a arquitetura dos estádios, são mais justas as interpretações das novas perspectivas sobre a concepção e a qualificação dos ambientes, geradas e influenciadas pelos argumentos e princípios das ciências contemporâneas e de novas utopias, incorporando novos valores estéticos, princípios de concepção e formas de realização que estimulem a pesquisa e a exploração de especulações provocadoras. Para refletirem a contemporaneidade e a evolução das ciências e das 1.1 | hipótese | 32


tecnologias, e serem um recurso essencial de inovação cultural e autonomia intelectual, os estádios não podem abrir mão do rigor, da exatidão e da clareza de definição das soluções e dos processos, nem admitir imprecisões, exibicionismos, fantasias ou demonstrações gratuitas de habilidades estéticas e caprichos funcionais. As narrativas dos estádios devem ter origem na percepção e nos significados que resgatam e se reconciliam com os rituais, para revelar as representações refinadas do imaginário, na manifestação das emoções. Ao admitir essas condições, a arquitetura dos estádios poderá atrever-se à expressão do imponderável e do inevitável do jogo, como ritual lúdico de comunicação e de informação sobre a organização física de referências culturais e expectativas críticas. No jogo, só quando a existência for transcendida e os sentidos dominados, os momentos poderão ser sublimes e de êxtase. Sem eles, a disputa não se provoca, o futebol não se cumpre e os estádios não se realizam.

1.1 | hipótese | 33


1.2 medotologia e procedimentos de pesquisa.: Estudar a arquitetura, a tecnologia, o planejamento e a organização dos estádios, exige dar atenção a todas as áreas que os condicionam e por eles são condicionadas. Embora possam atrair as atenções pelo seu porte, qualidade e multiplicidade dos ambientes, pelos eventos que recebem, pelos clubes que representam, pelo universo mítico que promovem ou pelo volume de investimentos que geram e movimentam, a sua avaliação não pode ser alheia aos aspectos conceituais que os influenciam, orientam e viabilizam, como contribuintes teóricos de planejamento e realização, nem quanto às suas características particulares. Como exemplos de arquitetura e inovação, motivadores das considerações e das escolhas ao longo desta tese, foram elaboradas análises apoiadas em teorias, e princípios científicos que, nos mais diversos aspectos, significados e manifestações, influenciaram os processos de projeto e o desenvolvimento dos estádios, relacionando a arquitetura que os define com o ritual do jogo e as estratégias que o justificam. Dessa forma, foram analisados os vários aspectos que, de algum modo influenciaram o planejamento, a concepção e a realização dos estádios, ou são suas conseqüências. Assim, ao longo das várias abordagens, são referidos os espaços destinados à prática do futebol e avaliada a importância que foram adquirindo ao longo das décadas, desde meados do século XIX, quando surgiu o futebol moderno, até às complexas estruturas contemporâneas, destacadas pela forte influência dos negócios do futebol e das circunstâncias econômicas e culturais, nas suas estruturas e imagens. Entender o universo e o significado dos estádios e compreender o contexto e o imaginário que os envolve teve como objetivo justificar a necessidade de interpretá-los, não apenas como equipamentos ou simples locais de entretenimento, mas como estruturas capazes de refletirem, tanto as expectativas das emoções aguardadas a cada jogo, quanto os comportamentos sociais e culturais das épocas em que foram edificados. Ao identificar os fatores qualificadores do futebol e relacionar os estádios como cenários que retratam as transformações sociais, as relações antropológicas, o desenvolvimento científico e a evolução tecnológica, foi possível compartilhar dos fatos que fizeram a história do futebol e de seus estádios, 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 34


refletir sobre eles e tecer considerações a seu respeito, para melhor compreensão dos seus significados, apesar das dificuldades sugeridas pela amplitude do tema e a grande variedade de conotações e conceitos que o envolvem. Como a história do esporte, mesmo com todas as influências, tem seu próprio tempo, suas leis de evolução e sua cronologia específica, houve a preocupação de não apresentar uma simples descrição cronológica e tecnológica, mas de expor o rigor, a exatidão e a clareza das soluções espaciais e construtivas dessas edificações. Observações e estudos sobre os processos, os contextos e as circunstâncias políticas, sociais e culturais que condicionaram e influenciaram o desenvolvimento dos estádios, esclareceram os antecedentes prováveis do futebol, na Antiguidade e nos tempos medievais que, embora com características bem diferentes, referem as primeiras formas de jogos de bola como precursoras do esporte que hoje conhecemos. Utilizada como instrumento de pesquisa, a história dos estádios e do futebol tornou possível encontrar um universo repleto de referências, mas que só faz sentido se revelado no contexto de seus acontecimentos, identificados de forma particular, e apresentados de acordo com as razões e os valores que os motivaram. Analisar as sobreposições que marcaram e construíram suas histórias, possibilitou a compreensão das origens e das características desses estádios, em diferentes locais e momentos, em particular sob a influência dos processos de pós-industrialização e globalização, por serem fatores determinantes nas mudanças de interpretação da arquitetura. As trajetórias históricas das questões específicas relativas ao futebol, aqui desenvolvidas, foram identificadas e definidas como fases sequenciais, classificadas por suas características, significados e influências de personagens, contextos e organizações e por isso denominadas numa primeira fase como Amadora e, depois, como fases de Profissionalização e Massificação e finalmente de Mercantilização e das Corporações. É claro que, esses períodos não são hermeticamente fechados, nem sua denominação representa qualquer desmerecimento ao futebol ou desqualificação 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 35


dos estádios construídos sob essas influências. São fundamentalmente classificações gerais que envolvem conceitos estruturadores das ações e dos acontecimentos históricos que ajudam a documentar os eventos e os acontecimentos específicos do jogo, sua difusão, apoios e reprovações dentro dos contextos sociais e políticos, e compreender as mudanças de poder no futebol, durante todo o século XX. No último quartel do século XX, depois da exagerada mecanização dos edifícios, os significativos progressos na ciência e na tecnologia ultrapassaram os aspectos reducionistas do tecnicismo e admitiram a relativização dos marcos referenciais como recursos críticos e eficientes, e como componentes dos processos dinâmicos que provocaram a substituição de identidades estáveis e permanentes por identificações sucessivas e provisórias. Quando os times e os campeonatos passaram para o controle de investidores e patrocinadores, foram propostos novos conceitos de diversão e lazer e impostas novas estratégias ao jogo e, por consequência, novas soluções aos estádios. A trajetória dos estádios contemporâneos foi contaminada pelo mercantilismo exacerbado do futebol alimentado por símbolos de conquista e competitividade e pelo controle. Apesar disso e da manipulação das mídias, surgiram características predominantes que, de maneira mais manifesta ou mais latente, levaram à contestação das instituições, às preocupações humanas e ambientais e à valorização das relações culturais. As obras apresentadas são boas referências e exemplos significativos para definir configurações, relações, referências de organização e planejamento, desde as primeiras realizações até os lucrativos estádios corporativos, destinados a usos múltiplos, para as mais diversas manifestações públicas, as mais rentáveis atividades comerciais e a maior variedade de espetáculos. Além disso, são boas referências da organização do esporte. Com esses objetivos, foram pesquisadas e selecionadas publicações relacionadas com as áreas de interesse e consultados os trabalhos de autores, cujas obras compõem um importante conjunto de análises de ações, teorias, conceitos e leis científicas, que oferecem novas referências e perspectivas. O levantamento de textos e a análise crítica e avaliação de suas abordagens, significados e valor científico, para o tema da pesquisa, 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 36


exigiram uma preocupação constante e atenta com os postulados dos autores, na defesa de seus argumentos. A complexidade e a variedade de áreas do conhecimento e objetos dos asvtos discorridos foram, por um lado, um fator de dificuldade pelo risco de dispersão e desconexão das relações e referências em análise, mas, por outro lado, permitiram caminhar com a liberdade necessária para não ser condicionado por argumentos viciados, deturpadores das avaliações e dos processos. Nesse contexto, abordando o jogo, o esporte e o futebol, como fenômenos históricos, sociológicos e antropológicos registram-se as contribuições de Gilberto Agostino, Antonio Carlos Aidar, João José de Oliveira, Marvio Pereira Leoncini, Márcia Regina da Costa, Arlei Sander Damo, Nilda Teves Ferreira, Vera L. M. Costa, Franklin Foer, Eduardo Galeano, Richard Giulianotti, Ronaldo Helal, Antonio Soares, Hugo Lovisolo, Johan Huizinga, Bill Murray, Marcelo Proni, Ricardo Lucena, Mário Rodrigues Filho, Katia Rubio, Rod Sheard, Nicolau Sevcenko, Rosana da Câmara Teixeira, David Yallop. São autores que analisam desde a geopolítica do futebol e sua internacionalização, à economia e mercantilização dos esportes, passando pela análise da mídia e a apologia da idolatria nacionalista, até o universo imaginário das torcidas, povoado de mitos e heróis que, movidas pelo instinto do jogo, se apropriaram dos conceitos de superação e força para satisfazer a ambição de vitória e dominação, por vezes a qualquer preço. Desta forma, foi aberta a discussão para as relações entre Estado e futebol, sobretudo para a percepção das interferências dos regimes autoritários, na construção do orgulho nacionalista e da apologia da raça. São análises que representam a consolidação de um pensamento crítico, nem sempre presente no universo do futebol, mas essencial à sua compreensão. Explorando a produção que poderia esclarecer sobre a formulação dos modelos econômicos, políticos e sociais de ordem global, para o entendimento dos seus efeitos, em particular sobre os aspectos que, de alguma forma, acabam influenciando o futebol, foram de grande significado as obras de Manuel Castells, Domenico De Masi, Gilberto Dupas, John Kenneth Galbraith, Eric Hobsbawm, Paul Lafargue, Bertrand Roussel, Marc Augé, Guy Debord, Nicolau Sevcenko, Paula Sibilia, Gilles Lipovetsky e Jurandir Freire Costa. 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 37


No seu conjunto, estes são autores que oferecem referências históricas, sociológicas e antropológicas para análise das razões dos comportamentos sociais desde meados do século XIX até os nossos dias, identificando as expectativas que acarretam. São oferecidas análises sobre os propósitos e os efeitos das intervenções estratégicas para reestruturação do capitalismo, provocaram a flexibilização das ações, a instabilidade nas relações e a diluição das identidades. Os autores buscam, assim, compreender e explicar a enorme variedade de processos sociais contemporâneos interligados, marcados pela globalização e pela revolução tecnológica da informação. Em outro aspecto, considerando que a perspectiva materialista que sustenta os vínculos sociais passa pelo filtro codificador da mídia, foram importantes e esclarecedoras as obras de Perseu Abramo, Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu, Asa Briggs, Peter Burke, Eugênio Bucci, Dênis de Morais, Muniz Sodré, Maria Rita Kehl, Wilson Dizard Jr. E Paulo Betti. São autores que dissertam sobre o papel das mídias, em particular da televisão, nas transformações da sociedade contemporânea para a continuidade da influência dos sistemas globais de poder, o que também torna claro e compreensível o atual significado e a grande importância dos ambientes esportivos, sobretudo para as corporações. As tecnologias da informação e da comunicação tornaram-se, na fase do capitalismo multinacional e depois transnacional, elementos estratégicos para estímulo ao espírito de consumo e a conversão em mercadoria de tudo o que tinha permanecido à sua margem. Nenhum ato é inocente ou desinteressado. A antropologia imaginária criada no esporte, produzida pelo capital simbólico, operada pela economia e garantida pelos hábitos, legitima o autoritarismo no futebol, num universo em que a degeneração coletiva elimina o reconhecimento de dominadores e dominados. Nesse cenário nebuloso e inquietante de dilemas éticos e morais, se ocultam os interesses hegemônicos e as contradições do progresso e da evolução, que só poderão ser afrontados e modificados pela autonomia e pelo exercício da crítica. Concluindo esse conjunto de trabalhos foram pesquisadas referências de realização que envolvem e relacionam a produção arquitetônica que durante o século XX ofereceu contribuições para o desenvolvimento dos estádios. São obras que, destacando a importância da ciência, mostram como foram afetados as relações naturais, os conceitos de dimensão e espaço 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 38


e o desenvolvimento tecnológico. Rod Sheard, Geoffrey H. Baker, Reyner Banham, Marie-Ange Brayer e Béatrice Simonot, Mark Burry, Peter Cook, George Rand, Fábio Duarte, Philip Jodidio, Joachim Fisher, Rem Koolhaas, Neil Leach, Clare Melhuish, Frédéric Migayrou, Marie-Ange Brayer, Ivor Richards, Nádia Somekh, Angelo Spampinato, James Steele, Sheila De Vallée, Richard Weinstein, Peter Zellner, Rod. Sheard, entre muitos outros, foram citados por, de alguma forma, com suas intervenções e especulações, terem provocado mudanças e transformações na arquitetura contemporânea. Esse conjunto bibliográfico define e ilustra uma seqüência evolutiva esclarecedora das circunstâncias que levaram ao surgimento das realizações contemporâneas. O conjunto das realizações selecionadas pelos valores que as fundamentam, possibilitando a produção de soluções tecnologicamente avançadas e ambientalmente adequadas. Pensar e analisar os estádios sob todos esses aspectos torna possível expor as qualidades e os significados positivos para o desenvolvimento das soluções contemporâneas, o que não deixa de ser tarefa de risco, sobretudo por contrariar argumentos consagrados,

mais

convenientes

a

outras

teses

e

práticas.

Embora sob enfoques diferentes, todos os autores admitem que nos estudos das sociedades modernas torna-se necessária a exploração do invisível que existe no real, daquilo que impele, mas que se encontra em outras instâncias de saber. As abordagens compreensivas, como as que remetem ao Imaginário Social, vêm oferecendo aos cientistas e pensadores sociais uma alternativa para o entendimento dos processos que regulam a vida em sociedade. (FERREIRA, COSTA, 2003 p.22) Dessas avaliações reforça-se a convicção que o ambiente construído dos estádios, destinado ao jogo e às disputas, deve ser analisado como um processo, em vez de um lugar, repleto de tendências contraditórias e produto de conflitos e estratégias entre atores sociais que representam os mais diversos interesses e valores. Ou seja, no contexto urbano, os estádios devem ser interpretados como equipamentos parte de um processo, reflexo das referências de localização, das condições naturais e das relações sociais, organizadas de maneira assimétrica em torno de interesses dominantes, específicos de cada população. 1.2 | metodologia e procedimentos de pesquisa | 39


1.3 problematização Admitir que os estádios não representam mais as expectativas e as demandas do futebol, obriga à análise e reconhecimento dos fatores responsáveis pelas grandes transformações que, pela admissão e imposição de objetivos estranhos ao esporte, aos seus significados e simbolismo, levaram à decadência e degeneração de suas estruturas e aos equívocos de interpretação de recursos e de realização. Como mais evidentes responsáveis por essas mudanças e pela implantação das novas condições, quatro fatores destacaram-se como fundamentais ao longo desta tese, por refletirem ações e estratégias de controle social e de transformação dos significados do jogo para viabilização dos objetivos mercadológicos que caracterizaram o último quartel do século XX. Como primeira condição, reconhece-se a crise e os conflitos ideológicos entre as tradições lúdicas e elitistas do esporte amador e as pressões para a sua popularização, só possível com a profissionalização sob controle normativo e gerencial das instituições do poder. Como segundo fator de transformação surge a mercantilização do esporte, que não deixa de ser conseqüência da primeira condição, e elimina completamente qualquer possibilidade de sobrevivência das qualidades lúdicas do futebol. Em seguida e como terceiro fator de transformação, dá-se a ingerência e a interferência das mídias, em particular da televisão, como conseqüência da necessidade mercadológica de divulgação do produto futebol. Fechando esse grupo de responsáveis pelas mudanças, testemunha-se a transformação dos estádios em mercadorias de entretenimento. Na continuação, analisa-se cada um deles, muito mais preocupado em, neste momento, identificar as causas e as conseqüências das ações responsáveis pelas transformações do futebol do que estabelecer juízos de valor ou fazer a defesa de posições próprias. Procura-se assim, constatar as conseqüências do espectro que é oferecido e condiciona diariamente, sem receio de apontar com crueza as mazelas que a realidade expõe e sem qualquer constrangimento de colocar-se na posição de apreciador do futebol como jogo de estratégia e ritual esportivo, pelo grande prazer que ele é capaz de proporcionar, em vez de aceitar o papel de torcedor 1.3 | problematização | 40


preocupado com razões mesquinhas de clubes ou de seus donos. Esses, os responsáveis maiores pela criação de ambientes propícios ao sectarismo, à intolerância, a desconfiança, que resultaram na alarmante brutalidade de costumes primários expressos nas saudações, na violência, nos gritos tribais e nos divertimentos vulgares dos torcedores.

amadorismo versus profissionalismo Nascido no século XIX, com o estado nacional-democrático, o futebol regulamentado é fruto da sociedade moderna e industrial, com caráter de atividade disciplinada, lúdica, ética e culturalmente fértil, o que justifica os pressupostos de isonomia e civilidade nas disputas esportivas, principalmente em sua fase amadora. Com a mudança de paradigma, que nos anos de 1970 marcou a passagem da era industrial para a pós-industrial, identificada como da informação e influenciada pela ação dos mercados e pelos ideais neoliberais da livre concorrência, as competições tornaram-se mais agressivas, os antagonismos nacionalistas foram acentuados e os vínculos sociais e políticos locais entre os clubes e as comunidades dissolvidos, condenando o caráter lúdico e educativo do futebol moderno e principalmente o fair-play que o caracterizava desde a origem. Com isso, tanto o espírito olímpico quanto a prática do associacionismo foram apontados como empecilhos aos novos parâmetros, o que provocou uma crescente hostilidade em relação às práticas informais dos esportes de recreação e ao gosto pelo lúdico. Assim, o futebol amador foi gradualmente substituído pelo profissionalismo utilitarista e funcionalista do modelo competitivo, caracterizado por pesadas exigências técnicas e forte complexidade estrutural. “A atitude popular atualmente dominante, segundo a qual o esporte constitui a apoteose do elemento lúdico em nossa civilização está errada. (HUIZINGA, 2004 p.220).” Como ideal de uma sociedade produtiva, baseada na concorrência, na medição, na comparação de resultados e na classificação, o esporte competitivo transformou o conceito de desempenho em princípio ideológico e submeteu os atletas às normas de preparação para o rendimento, 1.3 | problematização | 41


objetivando a superação de limites, o êxito e a materialização do ideal de progresso físico contínuo. Ao ser definido como a matriz constitutiva de todo o sistema esportivo contemporâneo, o esporte de alto rendimento tornou-se um fato social de práticas competitivas, controlado por um corpo articulado de instâncias dominantes que se estruturaram segundo uma hierarquia burocratizada de poder, na qual se entrecruzam distintos níveis de disputas e práticas esportivas, convencionalmente reguladas, regulamentadas e codificadas. É claro que regras sempre existiram, mesmo entre os primeiros agrupamentos humanos, o que mudou foi a natureza dessas regras. Em vez de serem a garantia da ética, da isonomia e da civilidade, tornaram-se um instrumento cultural adequado à indústria do entretenimento e ao esporte de alto rendimento, produtivo e competitivo. O inédito crescimento financeiro do futebol, desde a Copa do Mundo de 1990, associado à aceitação da substituição do Estado todas as relações, em favor de mercados desregulados de transações, permitiu a transferência do controle das finanças e da administração das ligas e dos departamentos de futebol dos grandes clubes para organizações empresariais, formadas, principalmente, por empresas de marketing esportivo e redes de televisão, que tudo submeteram aos seus interesses imediatos. No Brasil um dos exemplos mais significativo é o de J. Hawilla, um exrepórter de rádio e TV que comprou em 1980 a empresade publicidade Traffic. Transformada em empresa de marketing esportivo, comprou a Copa América de seleções de l987 e l989, incluindo, não só, os direitos de televisão, mas também os comerciais. Hoje, a Traffic é dona dos direitos de comercialização dos principais eventos futebolísticos da América do Sul e de várias programações esportivas da TV. (LEISTER FILHO, 2006) Assim, os novos controladores do jogo romperam com os sistemas federativos e destruíram a organização associativa dos clubes, transformaram o futebol em produto e os clubes em empresas, reduzindo a organização dos campeonatos a negócios privativos dependentes dos comportamentos e dos caprichos dos mercados: “É claro que a competição comercial não faz parte das

imemoriais formas sagradas do jogo. Ele surge apenas a partir do momento em que o comércio passa a criar campos de atividade em que cada um precisa esforçarse por ultrapassar o próximo.”(Huizinga, 2004 p.222) 1.3 | problematização | 42


Empenhado na busca do máximo rendimento como ideal da sociedade mercantil, o futebol tornou-se métrico, especializado, burocratizado, obcecado pela competição e subjugado à razão totalitária e utilitarista, condicionado por parâmetros de eficácia e controles rígidos, em que os resultados, as estatísticas e as análises matemáticas, passaram a ser mais importantes que o jogo. O toque de bola, os passes e os dribles sempre foram a marca do futebol e as principais qualidades que o diferenciam de outros esportes. A média histórica chegou a ter a bola distribuída quase 400 vezes por confronto (COBOS, 2005), atualmente, os times não trocam mais de 300 passes por jogo, com raras exceções com um índice de acerto que não passa de 80%. (COBOS, 2005). Adeptos do estilo gol a gol de jogar trocam, em média, apenas 224 passes por jogo. E os jogadores da equipe não escondem a preferência pelo jogo corrido e nem sempre vistoso. (COBOS, 2005). Como maior motivo dessa queda no número de passes parece ser a disseminação dos esquemas de jogo 3-5-2 e 3-6-1, no lugar dos tradicionais 4-4-2, 4-3-3 ou do 4-2-4. A fórmula com menos meias em campo e mais espaço para os laterais, produz times com descaso pelo passe e pelas relações do gramado. Significativamente, as equipes com o pior desempenho nesse aspecto têm o 3-5-2 e o 3-6-1 como esquema habitual. (COBOS, 2005)

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Lamentavelmente,

o futebol profissional pós-industrial, apoiado na

eficiência controlada de repetições mecânicas na busca da superação, transformou-se numa exibição estéril de velocidade e força, sem inteligência, inspiração ou surpresa, o que eliminou o fato lúdico do ritual do jogo e dessacralizou o esporte. 1.3 | problematização | 43


Universalizado, o espetáculo esportivo e sua capacidade para transfigurar simbolicamente os acontecimentos sociais e históricos, contribuiu para controlar a opinião pública e converter o esporte em mercadoria e instrumento privilegiado de manipulação: “O espetáculo de uma sociedade caminhando

rapidamente a passo de ganso para a escravidão prenuncia para muitos a alvorada de um novo milênio, mas penso que esses estão enganados.” (HUIZINGA, 2004 p.229) Mais do que um produto, o esporte de alto rendimento passou a ser um modelo típico de organização e estrutura ideológica de uma sociedade que não consegue abdicar dos seus impulsos de controle e dominação.

mercantilização e investimento financeiro Aos poucos, em todos os lugares, a despeito das diferenças sociais ou culturais, os indivíduos e as coletividades passaram a ser movidos por mercados, mercadorias, dinheiro, capital, produtividade e lucratividade. (RUBIO, 2001 p.41) Da mesma forma, o esporte contemporâneo, enquanto fenômeno legitimado socialmente, foi redefinido pela lógica da mercadoria para as práticas de lazer, tanto no sentido do consumo de prestação de serviços e dos equipamentos, quanto na produção e no consumo do espetáculo esportivo e de seus subprodutos. Buscar mercados e estabelecer competidores, naturalmente associados a um potencial de faturamento e taxas de rentabilidade, tornou o futebol de alta competição um espetáculo destinado à acumulação de lucros das organizações esportivas. Ignorando que a competição comercial não faz parte das formas sagradas do jogo, as Corporações assumiram o controle e o domínio total das ações no esporte e, legitimados pela transformação do cidadão em consumidor e pela conversão do esporte em mercadoria, tornaram os clubes sociedades anônimas impulsionadas pela mídia e pela indústria do entretenimento. No Brasil, nomes como Pelé Sports, Hicks&Muse, ISL, Traffic, Parmalat, Nations Bank, Opportunity, Excel e MSI, associados a Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, Vasco, Bahia e outros,

1.3 | problematização | 44


beneficiados por alterações na Lei Pelé, tornaram os negócios e os ganhos fora do campo cada vez mais importantes e expressivos para diretores, acionistas, atletas e profissionais de mídia, em detrimento do esporte e dos seus adeptos.

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Em todo o mundo, os preços dos ingressos foram aumentados e a oportunidade de comprá-los na bilheteria passou a ser dificultada. Alguns clubes chegaram a criar listas de espera, enquanto os patrocinadores recebiam a maior parte dos ingressos e os distribuíam entre seus convidados. Estimulado, o mercado desregulado de transações acelerou o movimento dos grandes jogadores para os clubes mais ricos e cartelizou as competições. Vale lembrar que cartelização, como reflexo da cultura da ideologia e do comportamento únicos, estimulada nos anos de 1990, é uma das razões das soluções estereotipadas dos estádios. Até a ciência e a tecnologia foram usadas para produzir e alimentar mitos e satisfazer fantasias e ambições. Restaurando os sonhos eugenistas, foi criada uma geração de superatletas, nos departamentos médicos, travestidos de aptidões e qualidades associadas ao sucesso e estrategicamente posicionados diante das câmeras para exibirem seus contratos milionários e sonhos de sucesso individual, preparados para competirem por dinheiro e fama, em partidas cada vez mais parecidas com o rugby. O futebol deixou de ser uma competição para desenvolver características de espetáculo interpretado por atletas patrocinados e exibidos em grandes produções encenadas segundo roteiros articulados nos bastidores por 1.3 | problematização | 45


eficientes especialistas, conforme as conveniências dos patrocinadores e dos investidores. A transformação do atleta em herói e do ídolo em mito satisfez o conjunto dos novos valores esportivos aboliu o amadorismo e o fair-play do conjunto dos ideais dos indivíduos e adequou os planos de jogo e as performances dos jogadores às necessidades das novas regulamentações e às convivências dos patrocinadores e das estratégias comerciais. Ao futebol-negócio das corporações, regido por uma ordem cultural baseada na exaltação do consumo e no individualismo narcisista, pouco importa se os jogadores atuam sem inspiração, magia e beleza, se isso é aplaudido e lucrativo. “As idéias dominantes de uma época são as idéias das classes dominantes dessa época, logo a cultura do povo reproduziria o autoritarismo das elites.” (RUBIO, 2001 p.39)

Roberto Carlos

Ronaldinho Gaúcho

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Mas, a exemplo de todos os processos absolutistas e centralizadores, este também estava contaminado por suas próprias contradições. Quando tudo fazia crer que o futuro financeiro estava garantido e o 1.3 | problematização | 46


futebol-negócio consagrado, as rápidas mudanças não resistiram às ações desestabilizadoras. Ao ditar as normas e impor seus valores, convicções e ideologias, os investidores não exitaram em manipular as regras e os resultados dos jogos na busca de audiência e lucros. Os sempre suspeitados e cada vez mais explícitos subornos e escândalos, provocados por armações dos resultados e transferências ilegais, que periodicamente agitam o futebol, condenam campeonatos, estigmatizam atletas e levam os clubes ao colapso, são na verdade a garantia dos negócios que alimentam os cartéis internacionais de apostas e um sem número de atividades ilegais. Como exemplos recentes, temos a condenação dos mais tradicionais times italianos e de dirigentes e juízes, acusados de manipularem os resultados dos jogos. Nem por isso se percebem reações significativas de discordância ou de condenação. No máximo, assiste-se a manifestações pífias e inconseqüentes de gente muito mais deslumbrada com o volume de dinheiro movimentado do que com a seriedade e a sobrevivência do futebol como esporte.

televisão Movido pelo dinheiro, tornou-se natural que o futebol dos times franquias, organizado e controlado pelas companhias e pelas corporações especializadas, envolvesse as mídias e transformasse os jogos em espetáculos televisivos. Esse apelo, através da mídia eletrônica, fascinou milhões de telespectadores, submetidos com técnicas de persuasão, legitimou as condições de exploração, fazendo-as parecer normais e justas. “Transformado em espetáculo pelos meios de comunicação, o esporte, enquanto signo da sociedade contemporânea remete a imagem do viver bem, estar bem consigo, ser vitorioso, transmitido como ideais a serem atingidos pela média da população.” (RUBIO, 2001 p.103) Os meios de comunicação de massa apropriaram-se do esporte como meio para promover o espetáculo dos heróis tornados ídolos e mitos, imortalizados por ficcionistas, como símbolos travestidos de aptidões e qualidades relacionadas ao sucesso, que condensam as aspirações e projetam o que o público massificado e homogeneizado gostaria de ser. Cabe aqui a ressalva a grandes jogadores que tornaram o jogo um exercício de 1.3 | problematização | 47


genialidade, a exemplo do brasileiro Friendereich, nas primeiras décadas do século XX, reconhecido pela FIFA, como o maior artilheiro do futebol, com a marca de 1329 gols, e outros, como Domingos da Guia, Fausto, Leônidas da Silva, Zizinho, Nilton Santos, Garrincha e Pelé, referindo, nestes casos apenas o Brasil.

Nilton Santos, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Garrincha, Pelé e Zizinho

Ao contrário dos referidos atletas, os novos heróis do futebol produto são magnetizados no imaginário como modelos sobre-humanos no papel que encarnam, com ideais inimitáveis. Este Olimpo de vedetes passou a dominar as culturas de massa e a interferir nos mecanismos de identificação das populações, de maneira geral. (RUBIO, 2001 p.102) Com as mudanças, o futebol deixou de ser um esporte e uma arte para tornarse uma operação de marketing. Instrumentalizados, os jogos possibilitaram a imposição de padrões de consumo e do estereótipo do vencedor, a um público despersonalizado. Dessa forma, propagandas agressivas puderam promover o maior espetáculo de manipulação das populações desde as grandes ditaduras do século XX. Publicitários e jornalistas, cientes do seu 1.3 | problematização | 48


papel de principais agentes estimuladores do orgulho e da exacerbação nacionalista, simularam identidades e valorizaram os símbolos com os quais a coletividade se identifica. Em vez do registro, a interpretação subjetiva das crônicas minou a neutralidade, e as técnicas de persuasão anunciadoras do estereótipo do vencedor, instrumentalizaram o jogo e implantaram os novos padrões de consumo. As falsas identidades nacionais estimularam o esporte a retomar suas raízes militares e autoritárias e a reviver as ideologias absolutistas.

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E neste processo de construção de audiência estão estrategicamente posicionadas as questões nacionais e patrióticas reveladas em práticas discursivas que tocam em questões da identidade de um povo ou nação. Por isso é preciso estar atento a apelos como “nós vencemos ou venceremos” ou “nossos atletas” estão competindo para ganhar, largamente utilizados por locutores televisivos. (RUBIO, 2001 p.101)

Para os investidores, o futebol televisionado é sempre um evento espetacular para entretenimento das massas, animado por narradores com 1.3 | problematização | 49


a responsabilidade de atrair, a qualquer custo, a atenção da platéia e garantir os índices de audiência. Agora, bilhões de espectadores, em número várias vezes superior à população da Terra, podem acompanhar as grandes partidas pela televisão e não apenas os milhares que cabem nos estádios. No centro das estratégias ficaram os pequenos e os médios consumidores, estimulados a permanecerem em casa diante de suas televisões. Os novos donos do futebol não querem torcedores, mas consumidores.

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No controle, as empresas de televisão fecharam-se em redes de contratos internacionais para centrar as transmissões apenas nos jogos de maior audiência, o que lhes deu a supremacia sobre todas as atividades que organizam. Joga-se para a televisão. Em todo o mundo, por meios diretos ou indiretos, a televisão decide onde, quando e como se joga. A televisão manda. Os jogadores agora são seus astros. Produtora de mitos, a televisão cria imagens que oscilam entre o fato e a ficção, em que a realidade aparece como ficção e a ficção como realidade. Nas transmissões de partidas disputadas por atletas tornados personagens de simulações, passaram a não faltar minuciosos detalhes, nem sempre úteis, de imagens parciais e cenas manipuladas para a construção do jogo mais conveniente. Um dos momentos marcantes da história do rádio, que pode bem ilustrar esse comportamento, aconteceu no Brasil, em l de abril de 1951. Nesse dia, aproveitando a excursão do time brasileiro à Itália, uma emissora paulista transmitiu um jogo inexistente, entre São Paulo e Milan. ... a transmissão imaginária ao melhor estilo Orson Welles, foi mantida ao longo dos noventa minutos, permeada com todas as variáveis possíveis e com um resultado chocante, para que o jogo não passasse desapercebido: 1.3 | problematização | 50


4x0 para o time italiano. Episódio marcante da interação Esporte-MídiaPúblico seria lembrado por alguns como O Jogo da Mentira. (AGOSTINO, 2002 p.264/265)

Talvez os biólogos estejam certos quando afirmam que “... os indivíduos agem de formas estreitas, darwinianas e egoístas, e trapaceiam quando podem.” (LEWIN, 1993 p.77) Hoje, no limiar da hiper-realidade, em que o espaço entre o jogo e o espectador é mal definido, não é difícil imaginar os espectadores equipados com decodificadores de fones e televisão combinados, participando de uma experiência interativa, como se estivessem no estádio. Em longo prazo, é possível que o acontecimento virtual se sobreponha à experiência real com hiper-reais partidas de futebol acontecendo em estádios vazios. Todos os nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação, tal como os primeiros tempos da humanidade receberam os nomes de idade da pedra, idade do bronze, pelo caráter da sua produção. (LAFARGUE, 2003 p.57)

Platéias de consumidores, centrados no fluxo incessante de imagens, na expectativa do torpor ininterrupto e de eventos com doses cada vez maiores de espetacularização midiática. Definidas pelos múltiplos ângulos das câmeras e pelo efeito da intensa divulgação e da constante repetição são legitimadas práticas e cenas controversas. Mensagens já interpretadas e sacralizadas anestesiam, confortam, impedem a simbolização e bloqueiam o pensamento. Não há mais necessidade do recurso à coerção física das pessoas para fazê-las obedecer às imposições. Mediante a produção, a difusão e a propaganda é possível orientar e canalizar a adesão emocional das pessoas às coisas que elas precisam consumir. “ A técnica, a publicidade e a propaganda contribuem em toda a parte para promover o espírito de competição, oferecendo em escala nunca igualada os meios necessários para satisfazê-lo.” (HUIZINGA, 2004 p.221) Nessa mediação autoritária e onipresente de exibicionismo televisivo, os estádios contemporâneos instituem seus fetiches, seduzem os espectadores e os fazem acreditar nos desejos tornados imperativos. 1.3 | problematização | 51


Como o simbólico está ligado à intimidade do ser, é possível fazer uso em próprio beneficio dos arquétipos, plantar desejos e vir a sustentar uma comunidade suficientemente alienada ou até mesmo alucinada pela manipulação simbólica. A captação da intimidade do outro possibilita essa invasão silenciosa, tornando o ser um refém de seu próprio inconsciente. (FERREIRA; COSTA, 2003 p.28)

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Estádios Concebidos, a partir da década de 1930, para serem cenários neutros, os estádios foram apropriados, ao longo do século XX, pelos agentes sociais e políticos envolvidos no seu planejamento e realização, e transformados em suporte de estratégias que extrapolaram os limites dos seus objetivos, ignoraram a essência do jogo e desrespeitaram suas características intrínsecas. No conjunto dos estádios e nas estruturas de organização e estratégias da FIFA, a partir de 1970, é possível reconhecer as ações e as razões que influenciaram, no final da década de 1980, a reforma de muitos dos maiores campos de futebol e a construção de novos, para abrigar os principais torneios internacionais, em particular as Copas do Mundo.

Santiago Bernabeu 1947

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1.3 | problematização | 52


Com a hegemonia da sociedade mercantil, a construção dos novos estádios para as Copas da Fifa foi estimulada apenas pela importância dos investimentos e do retorno financeiro. Por isso, os estádios foram planejados segundo estratégias indiferentes aos processos coletivos, como estruturas simbólicas e aparatos ideológicos, para responderem preferencialmente às regras do comércio e da concorrência. Modificados os princípios estruturais do jogo, o esporte e seus estádios tornaram-se apenas mercadorias para comercialização do entretenimento. “O ambiente construído é um dos códigos mais significativos para ler as estruturas básicas dos valores dominantes da sociedade, mesmo sem a possibilidade da interpretação simples e direta da expressão formal dos valores sociais.” (CASTELLS, 1999 p.507) Como as mudanças e as inovações estruturais estavam centradas no retorno financeiro e nas estratégias mercadológicas, continuaram sendo aplicadas aos novos estádios, de forma simplista e ingênua, soluções de caráter reducionista e limitada racionalidade funcionalista, apoiadas em conceitos primitivos e obsoletos, de concepção e organização. Enquanto a ciência e a tecnologia aceleravam e diversificavam os avanços tecnológicos, os estádios, desde 1974, apostaram na simulação de imagens contemporâneas.

Delle Alpi 1990

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Como resultado das crescentes restrições, sistematizações e da uniformização dos estádios especializados, objetivando as estatísticas e os recordes, foram introduzidas propriedades não inscritas nas definições que orientavam as práticas originais do futebol e promovida a manipulação dos seus aspectos simbólicos através de produções imaginárias e o controle das platéias. Como o futebol, suas instalações e seus equipamentos deixaram de depender das platéias e passaram a ser financiados pelas rendas das transmissões de TV, pelos patrocinadores e pelos investimentos. 1.3 | problematização | 53


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Os jogos foram transformados em eventos espetaculares, com torcidas mobilizadas para a animação do espetáculo televisivo, visando os índices de audiência e para a mercantilização do produto futebol em benefício de investidores e de transnacionais de equipamentos esportivos que deixaram definitivamente para trás os tempos das associações esportivas em que os times pertenciam à torcida e aos atletas. Hoje, os clubes são sociedades anônimas que movimentam fortunas e vendem espetáculos de entretenimento regidos pela lógica do individualismo narcisista, com exibições de velocidade e força.

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supporters.pt

Torneios e campeonatos de futebol foram transformados em grandes exposições de negócios. Contratos de televisão e capitalizações de mercado maximizam as rendas que multiplicam os lucros das principais equipes. Em nome da tensão do espetáculo e da participação do público, os estádios do futebol produto, do marketing, da publicidade, da Bolsa de Valores e das Corporações enclausuraram o terreno de jogo entre arquibancadas, transferiram o foco do jogo para a cenografia de luzes, sons e telões e para as marcas e as propagandas que invadem em profusão todos os espaços e lugares. 1.3 | problematização | 54


Allianz Arena

fotos: acessoria de imprensa

1.3 | problematização | 55


objetivo e justificativa.: Por não considerar a discussão sobre estádios esgotada ou suficientemente questionada, estudá-los tem como objetivo explorar os significados do jogo que influenciam seus ambientes, organização e principais propriedades formais, geométricas e tecnológicas, estabelecendo relações entre as razões sociais e econômicos que os motivam e as consequências urbanas provocadas por critérios definidos e adotados em suas soluções e planejamento. Não pretendo repetir caminhos já trilhados, identificando e justificando um referencial formal ou paradigmático para os estádios. Minhas escolhas conduzem a vertentes e caminhos que possam contribuir para a compreensão de fatores determinantes, simbólicos e tecnológicos e à superação de modelos e normas indutores de soluções limitadas e parciais. A vida individual e coletiva é pensada sobre um projeto futuro, e a atenção com o presente, resulta na relativização do poder de atração e de significação do novo e do original, a aceitação do descontínuo como próprio da condição humana e de sua representação, e o abandono da ênfase no linear-analítico em favor do sincrônicosintético. (RUBIO, 2001 p.35)

Ao identificar incongruências e paradoxos nas soluções dos estádios atuais, procuro compreender os fatores que os ligam às significações e ao processo de criação, para interpretação de novas possibilidades. Com esses objetivos, privilegio os conceitos e os referenciais contemporâneos de cultura, caracterizados pelas formas de produzir e agir, em detrimento da sedução das soluções formalistas, deturpadas pelos exageros figurativos comprometidos com a interpretação e a representação linear, sem conteúdo ou significado. Pelos objetivos referidos, três razões principais justificam o interesse pelo estudo dos estádios, as hipóteses levantadas e o desenvolvimento desta tese: A primeira refere-se à indubitável importância urbana, social e econômica dos estádios pelo conjunto próprio de valores que devem ser observados, analisados, reavaliados e reinterpretados. O desenvolvimento do futebol se reflete na influência do esporte como atividade central nas sociedades contemporâneas, invadiu a vida de todos das mais variadas maneiras, alterando rotinas obrigando a ceder ao esporte um espaço e atenções que emergem a partir de processos envolvendo a economia e a cultura. 1.4 | justificativa | 56


A segunda razão chama a atenção para as transformações no planejamento e na realização dos estádios contemporâneos, provocadas pelas mudanças de paradigmas, por novas expectativas e pela deturpação das qualidades, procedimentos e finalidades do futebol, transformado em evento espetacularizado, submetido aos princípios do esporte de alto rendimento e às leis de mercado. O estádio moderno é atormentado por um delírio sistemático no qual a técnica não está a serviço de nenhum fim determinável, além da percepção mais imediata e mais ameaçadora. (RUBIO, 2001 p.55)

E finalizando, a terceira razão aponta para a necessidade de pensar os estádios contemporâneos como uma estrutura carregada de simbolismo e de significados construídos ao longo da história e reflexos do comportamento humano e das representações do futebol como jogo, em cujo processo a geometria se manifesta como disciplina fundamental para esclarecer, no processo de criação, a ordem espacial das relações entre as formas transitórias e mutáveis da realidade e os movimentos temporais das harmonias permanentes.

Importância econômica, social e urbana dos estádios. Todas as civilizações em todas as épocas construíram recintos apropriados, capazes de abrigar multidões, em comemorações, festejos ou eventos esportivos. Por merecerem atenções especiais, suas localizações dentro da organização das cidades, eram estratégicas e privilegiadas. Construções como o Panatenaico de Atenas, o Esferistério de Macerata para a prática da pala al braccialle, os campos árabes para jogos de pólo, bem como os hipódromos, e ainda, os campos de jogos de pela dos Maias formam uma variedade significativa de exemplos que demonstram o permanente impulso que o homem sempre alimentou, não só pelo lazer e pelos encontros sociais e comemorações, mas principalmente pelas disputas e pelos jogos, por representarem algum tipo de oposição ou rivalidade. Entre eles estavam os jogos de bola, ancestrais do futebol. Eram jogos particularmente violentos, praticados nos campos e nos centros dos povoados, sem organização, sem parâmetros de jogo, sem juiz nem 1.4 | justificativa | 57


fiscalização, sem definição do número de jogadores ou de suas posições, onde o congregamento se tornava o principal objetivo, representando as expectativas que se deveriam cumprir a cada período pré-definido, de acordo com sua importância em cada cultura. Surgido nas ruas, o futebol não tinha importância formal, mas permitia jogos divertidos e irreverentes, em que o inexplicável, a liberdade e a espontaneidade promoviam eventos plenos de possibilidades de disputa e competição, habilidade, raciocínio e criação. (RUBIO, 2001 p.97) Com a segunda Revolução Industrial, no século XIX, as mudanças de hábitos e de comportamentos possibilitaram o surgimento do futebol moderno nascido como recurso de educação, disciplina e desenvolvimento físico. Incentivado e beneficiado pelo redesenho dos territórios, pelo desenvolvimento e a crescente rapidez das comunicações e deslocações, o futebol tornou-se a manifestação esportiva mais popular e uma das formas mais particulares de identidade social e cultural. Seu forte poder indutor e identitário permitiu mobilizar e congregar em pouco tempo grandes massas populacionais, em espetáculos de forte emoção que se tornaram cada vez mais presentes nas suas vidas e no lazer, preenchendo seu imaginário. Rapidamente, estádios de grande porte começaram a proliferar e adquiriram a importância de marcos urbanos, sobretudo quando, no final dos anos de 1980 e nos anos de 1990, os novos planos de desenvolvimento para renovação urbana de grandes áreas abandonadas nas periferias e nos centros das cidades os incorporaram às novas estruturas. Assim, juntamente com os terminais de aeroportos e os mega-centros comerciais redefinemse como novos espaços públicos integrados de encontro, trabalho e entretenimento, com grande potencial para acomodarem as mais diversas funções públicas e contribuir par a renovar as estruturas econômicas e a restaurar a vida social. Ao passarem a fazer parte de planos integrados das áreas metropolitanas, os estádios, para além dos seus objetivos diretos de celebração e comemoração, revelaram ser componentes vitais e catalisadores dos processos de desenvolvimento e do crescimento estruturado, e por isso, um forte recurso para a regeneração ambiental e a revitalização urbanas. (SHEARD, 2005 p. 161) 1.4 | justificativa | 58


A certeza de bons resultados para os investimentos e a forte atração pelo futebol, estimularam no final do século XX a promoção de numerosos e significativos torneios internacionais e a construção de importantes estádios e centros esportivos. Entre os exemplos mais significativos encontram-se realizações como a cidade Olímpica de Barcelona, em 1992, e a de Sydney implantada na Baía de Homebush para os Jogos Olímpicos de 2000, o estádio de Saint-Denis para a Copa do Mundo da Fifa em 1998, na França, o estádio Amsterdam Arena, sede da Copa Européia de 2004, na Holanda, os estádios da Coréia e do Japão para a Copa do Mundo de 2002, o reformado estádio Spyros Louis em Atenas, para os Jogos Olímpicos de 2004, os estádios de Portugal para a Copa Européia de nações, em 2004, e os estádios da Alemanha para a Copa do Mundo em 2006, com destaque para o reformado estádio Olímpico de Berlim e o Alianz Arena em Munique. Só para Copa de 2006, foram investidos cerca de US$2 bilhões nos estádios, dos quais US$600 milhões representaram a participação do governo alemão, destinados às infra-estruturas. (MATTOS, 2006) Apesar das estratégias dos investimentos terem interferido no significado do futebol, os novos investimentos financeiros incentivaram o desenvolvimento econômico, sobretudo do turismo, beneficiado com a deslocação de milhões de torcedores entre as cidades sedes dos jogos, garantindo às economias locais ganhos cinco ou seis vezes superiores às médias normais. (SHEARD, 2005 p.158) ... na atualidade o esporte é considerado juntamente com o lazer e o turismo, a terceira maior indústria do globo, perdendo apenas para o petróleo e a indústria automobilística. (RUBIO, 2001 p.101)

Inúmeros planos urbanos se beneficiaram do importante papel dos estádios, parques e cidades Olímpicas, e de seu caráter catalizador de recuperação e revitalização. Na Europa, tem-se os exemplos do Stade de France que revitalizou o abandonado e deteriorado bairro industrial de Saint-Denis, na periferia de Paris, e posteriormente o estádio de Braga, no norte de Portugal, que apresentou uma solução inusitada ao ser implantado numa pedreira desativada. 1.4 | justificativa | 59


Stade de France

www.stadedefrance.fr Estádio Municipal de Braga

www.cm-braga.pt

Também em Cardiff, capital do País de Gales, os estádios do Milênio e River Walk foram os catalisadores da transformação e do desenvolvimento das áreas obsoletas e abandonadas das docas da Baía de Cardiff, por volta dos anos de 1980. Da mesma forma, o novo estádio do Arsenal no norte de Londres, em Islington, próximo do antigo estádio de Highbury, regenerou a área de Lower Holloway Road. (SHEARD, 2005 p.166)

Millennium Stadium

bbc.co.uk/wales

River Walk stadium

Emirates Stadium (Arsenal)

sfcyonkers.com

bbc.co.uk/london

Na Austrália, o Telstra Dome incorporou uma área de sete quilômetros nas antigas docas de Melbourne e o Brisbane’s corp Stadium estimulou a recuperação de Brisbane ocidental (SHEARD, 2005 p.165).

1.4 | justificativa | 60


Telstra Dome

upload.wikimedia.org

ioc3.unesco.org

Na Pensilvânia, nos Estados Unidos da América, o plano urbano em torno do Heinz Field Stadium ajudou a revitalizar a cidade de Pittsburgh. (SHEARD, 2005 p.162)

Heinz Field

farm1.static.flickr.com

pittsburgh.about.com

Todas essas realizações tornaram o futebol um negócio atrativo e, como apontado anteriormente, não demorou para que representações de fundo de investimentos passassem a controlar a estrutura dos clubes e a organização dos campeonatos, tornando-os objetos de exercícios de economia, investimentos, finanças e bolsas de valores. Empresas de Licenciamentos dos clubes passaram a ser responsáveis, juntamente com o investidor, pela emissão de títulos no mercado de capitais como debentures conversíveis em ações. Em alguns casos, modelos de co-gestão foram adotados para gerir os negócios, noutros, a empresa encarregada de explorar e administrar os direitos de imagem da marca do clube assumia o controle do departamento de futebol usufruindo de porcentagens de participação. Apenas raramente, nos acordos, o investidor era apenas sócio nos lucros em que a parceria era uma espécie de “joint venture” com vigência limitada. 1.4 | justificativa | 61


Na certeza que as marcas dos clubes gerariam receitas brutas extremamente compensadoras com a comercialização de direitos de tevê, vídeo e demais mídias eletrônicas, além de patrocínios, licenciamentos e merchandising, os investidores não exitaram em desembolsar milhões de dólares, pelo controle dos ativos dos clubes. E não era para menos. Se o negócio começou timidamente em 1973, quando o clube alemão Eintracht Braunschweig colocou na camisa a marca do patrocinador pelo equivalente, em valores de hoje, a R$209 mil, em 2006, os 18 times que participam do Campeonato Alemão foram beneficiados com mais de R$ 460 milhões entre patrocínios de camisa e lucros dos investimentos. Só o Bayern de Munique recebia, por sua camisa, cerca de R$ 43,3 milhões por temporada, apenas ultrapassado pelo clube italiano Juventus que, até ser punido e rebaixado para a segunda divisão, por compra de resultados, faturava R$ 56 milhões por ano. (LEISTER FILHO, 2006) Na Itália, os clubes receberam em 2006, R$ 189 milhões em patrocínios. Bem menos receberam os clubes da Espanha que, mesmo assim, arrecadaram mais de R$ 90 milhões por temporada, embora este valor fosse equivalente a 38,5% do lucro dos alemães. (LEISTER FILHO, 2006) Foi um crescimento fantástico e inimaginável há meio século. Hoje o futebol responde por 25% do faturamento mundial da indústria de entretenimento, avaliado em US$ 1 trilhão/ano. (MATTOS, 2006) Na Alemanha, a Copa de 2006 gerou uma renda superior a US$ 2,6 bilhões (R$ 5,7 bilhões) para os organizadores. Esse número deve saltar para mais de US$ 3 bilhões (R$ 6 bilhões) em 2010. Foram valores gerados por contratos de TV, marketing, licenciamento, fornecedores e venda de ingressos. As televisões, responsáveis pela maior parte da receita, compravam os direitos da Infront, parceira da Fifa, que com contrato até 2014, já arrecadou cerca de US$ 2 bilhões, desde 2003. Os contratos de marketing constituíram a segunda maior receita da Copa, atingindo os valores de US$ 500 milhões (R$ 1,124 bilhões). (MATTOS, 2006) Os 15 patrocinadores oficiais da Copa de 2006 e as seis companhias alemãs pagaram R$ 1,782 bilhão à Fifa pelo direito de vincular suas marcas ao Mundial. Só a Adidas desembolsou R$ 114,6 milhões pela licença da Fifa na expectativa de que o setor de artigos esportivos tivesse um ganho adicional de R$ 2,5 bilhões com a Copa. (LEISTER FILHO, 2006) 1.4 | justificativa | 62


Do total gerado pela competição, cerca de 80% foi para os cofres da Fifa. Desses valores, a Fifa distribui cerca de US$ 246 milhões (R$ 537 milhões) entre as federações nacionais que recebem individualmente US$ 5,7 milhões (R$ 12,4 milhões) por suas participações na competição. (MATTOS, 2006) Contribuinte destes resultados e grande responsável pela divulgação do futebol atual está, sem dúvida, a televisão que transformou as platéias domésticas em audiências privilegiadas. Os índices de audiência e os valores envolvidos nos contratos de transmissão não deixam dúvidas sobre sua importância no negócio futebol. A Copa do Mundo de 1994, disputada nos Estados Unidos, teve uma audiência total de 31 bilhões de espectadores. Quatro anos depois, as 64 partidas da Copa de 1998 e 2002, segundo a Fifa, tiveram um nível de audiência, de 30 e 28 bilhões de espectadores, respectivamente, em mais de 210 países. (MATTOS, 2005) Em 2006, a audiência dos 64 jogos, na Alemanha, fez esses números subirem para 32 bilhões de espectadores em 237 países. (FOLHA DE SÃO PAULO, 06 de junho de 2006) Na França, o contrato global para a transmissão da Copa de 98 rendeu nada mais que 120 milhões de libras esterlinas. Já nesse momento, os direitos para as finais de 2002 e 2006, foram negociados com o grupo alemão Kirsch associado à ISL da Suíça, pelo valor de 1,45 bilhões de libras esterlinas. (GIULIANOTTI, 2002 p.126) No Brasil, estima-se que o futebol movimente, atualmente, cerca de US$ 2 bilhões/ano. Como produto, o futebol atrai no Brasil 75% dos investimentos na mídia esportiva, sobretudo na televisão, o que equivale a valores anuais em torno de US$ 500 milhões. São valores altos, mas insignificantes se comparados aos valores mundiais avaliados em US$ 250 bilhões/ano. Foi possível constatar essas diferenças quando, para a Copa de 2006, as empresas no Brasil previram um investimento de US$ 2,7 bilhões (R$ 6,87 bilhões) em anúncios. Segundo o diário econômico “Handelsblatt”, no mundo todo, esses valores atingiriam R$ 17,8 bilhões. (LEISTER FILHO, 2006) O fato é que existe uma enorme defasagem entre o que vale um campeonato nacional no Brasil e o que é pago pelos direitos de transmissão dos certames europeus. 1.4 | justificativa | 63


No entanto, apesar da participação brasileira ser menos de 1% do mercado global do futebol, os cerca de 113 milhões de torcedores cativos representam um potencial de negócios atrativos para os grandes investidores.

Mudanças nas referências conceituais e científicas dos estádios Desde os campos de jogo para exíguas platéias e diversão das elites, em meados do século XIX, passando pelos monumentais “circos” nacionalistas para recreação das massas, ao longo do século XX, até as privilegiadas arenas das corporações para eventos e espetáculos, na transição para o terceiro milênio, os estádios têm refletido as múltiplas fases do futebol e traduzido as grandes mudanças sociais, políticas e econômicas, embora, nem sempre interpretadas da forma mais adequada. As mudanças de referências e de paradigma na década de 1970 que, a par das descobertas científicas e da revolução da informática, provocaram a substituição dos significados e das representações da industrialização por novos conhecimentos nos campos conceituais da Totalidade, Complexidade e Individuação, possibilitaram a criação da infovia, tornaram as comunicações cada vez mais rápidas, viabilizaram a economia de tempo e de energia, aumentaram a autonomia e construíram a aldeia global. Produto dessas transformações que fizeram o determinismo da tecnocultura moderna, vinculado aos sistemas centrados em estruturas simples e lineares, perder definitivamente o sentido (D´AMARAL, 1996 p.55 e 56), um universo complexo de probabilidades, redes autônomas, interações e entrecruzamentos justapostos e simultâneos de sistemas híbridos, caracterizado pela diversidade e a ausência de uma ordem préestabelecida, permitiu a criação de configurações e sistemas simuladores do comportamento humano, capazes de tomar decisões e orientar realizações (VIRILIO, 1993 p.7-118). Nenhum cenário poderia ser mais adequado à narrativa das estruturas dinâmicas dos estádios e à imprevisibilidade e complexidade dos processos não-lineares e subjetivamente infinitos do jogo. Nada mais propício à inspiração para criar, experimentar e realizar as expectativas e as certezas frustradas, necessárias às disputas. Por isso, seria natural acreditar que o desenvolvimento e a evolução das 1.4 | justificativa | 64


novas perspectivas e das possibilidades para o planejamento, a concepção e a realização das edificações esportivas, assim como das novas referências, dos significados e das ideologias que movem o futebol permitiriam que se cumprisse o papel histórico dos estádios, como expressão das identidades das sociedades e como reflexo das inovações científicas e tecnológicas. No entanto, alheios às transformações e ao significado do jogo, os promotores contemporâneos do futebol impuseram soluções, configurações e interpretações lineares e invariáveis para a organização dos estádios, definição da forma e utilização dos recursos, seguindo modelos, padrões e sistemas, inspirados em esteriotipados estilos de momento. Em vez da identificação das relações e dos valores que expressassem as qualidades inerentes à concepção de ambientes esportivos, foram consolidados programas operacionais funcionalistas, definidos por conhecimentos fragmentados regulados pela quantificação, ainda adequados aos processos de mecanização e de especialização da era industrial, para satisfação de demandas justificadas apenas pela necessidade mercadológica. Na ânsia de atrair a atenção do público para suas mensagens e valores, com o objetivo de enfrentar a crise provocada pelo esvaziamento dos estádios, da baixa qualidade dos jogos e dos campeonatos deficitários e desorganizados, nos anos de 1980, foi promovido um delírio generalizado de interpretações e soluções banalizadas, que iconizaram os estádios e os impregnaram de signos, imagens alegóricas e personagens heróicos, investidos de papel mitológico. (Virilio, 1993 p.7-118) “Como toda a cultura, a cultura de massa produz seus heróis, seus semideuses, embora ela se fundamente naquilo que é exatamente a decomposição do sagrado: o espetáculo e a estética. (RUBIO, 2001 p.102)

Sem dar espaço à crítica, as mercantilizadas e mediatizadas “arenas pósindustriais”, refletem a atração pelos efeitos especiais, interpretados como recursos suficientes para proporcionar, quanto ao porte, a organização e as relações, imagens tecnologicamente renovadas e avançadas. A reprodução dessas fantasias momentâneas e imediatistas, estimuladas pelo espírito mercantilista dos modelos estabelecidos pelas razões, critérios, estratégias e interferências passivamente aceitas dos investidores e dos 1.4 | justificativa | 65


controladores do futebol, gerou estádios pós-industriais, polivalentes e de múltiplos usos, estrutural e conceitualmente idênticos, apenas diferenciados pela simulação das marcas dos patrocinadores, pelos adereços decorativos em suas coberturas e pela variedade dos itens de entretenimento.

Simbolismo e Significados das relações geométricas nos estádios As novas idéias e teses científicas, anteriormente referidas, assumidas como prerrogativas intrínsecas à conceituação dos espaços, transformaram a arquitetura anônima e homogênea numa arquitetura heterogênea definida pelas seqüências harmônicas da geometria e influenciada pelas hipóteses aleatórias dos sistemas complexos e pelos efeitos das relações que controlam os modelos interativos. Conceitualmente e por consequência, as aparências físicas e sensíveis das formas passaram a ser interpretadas como transparências momentâneas, percebidas no instante e na instantaneidade da observação prospectiva do olhar pela persistência retiniana cuja duração é a do tempo de sensibilização que escapa à nossa consciência imediata. Esses novos significados geraram possibilidades de configurações entre os espaços fisiológicos e a abstração das proporções, resultando na permanente reciprocidade entre matéria e conceitos, entre o espacial e o não espacial. (LAWLOR, 1996 p.16-23). Dessa forma, os limites dos suportes materiais tornaram-se as interfaces entre os meios onde ocorrem suas atividades constantes, o que significa dizer que a limitação do espaço transformou-se na passagem obrigatória das atividades constantes e incessantes de trocas e transferências entre diferentes meios, o que aboliu a noção de dimensão física e transformou a velocidade no único vetor de representação do espaço. Apartir daí, as distinções entre tempo, espaço e movimento tornaram-se fisicamente irrelevantes. A estrutura geométrica do espaço-tempo, em que a distância-velocidade é a dimensão privilegiada, tanto do espaço quanto do tempo, permitiu a transparência em que a luz é a matéria-prima que, pela intermediação de fenômenos de aceleração e de desaceleração das intensidades de iluminação, torna visível o campo perceptivo. 1.4 | justificativa | 66


Admitindo o visível como a interface da instantaneidade da emissão luminosa, podemos então entender o espaço como sendo a luz em uma duração cujo padrão é o tempo das dimensões físicas, em que as profundidades são definidas pela velocidade de percepção e representação. Assim, em vez de dimensões físicas, surgem a ação e a observação cinemática como referências finais de uma realidade morfológica relativizada, produzidas pelo observador no instante em que se desloca, transformando as medidas no resultado da deslocação do objeto, representado geometricamente. Dimensionar tornou-se defasar. Esta crise das dimensões físicas, enquanto crise das medidas, não é mais que a crise do determinismo que afeta as representações do espaço substancial, contínuo e homogêneo, herdeiro da geometria euclidiana, absorvido pela relatividade do espaço acidental, descontínuo e heterogêneo em que as partes, os instantes, as frações e as fraturas do tempo se tornam essenciais. (Virilio, 1993 p.7-118) No entanto, a persistência e a insistência na materialização do pensamento e dos fenômenos percebidos pela razão, para configuração de sistemas, funções, e proporções, estimularam o descaso com a geometria, que continuou a ser equivocadamente interpretada apenas como ferramenta final para a produção de representações gráficas estáticas, de formas e volumes definidos por pontos alinhados bi ou tridimensionalmente, no espaço. Na realidade sensível as percepções diretas e mediatizadas confundemse para construir uma representação instantânea do espaço, produto do encontro do imaginário com o real. No entanto, o real não se esgota no imediato. O real é um instrumento objetivo para a exploração sistemática das possibilidades com o objetivo de exorcizar e sublimar o presente e o passado, e esconjurar as angústias, os medos, as ilusões e tudo o que possa ser inquietante. É da angústia, das necessidades, da fantasia, das inquietações e das ilusões, manifestadas nos modos de ser, que se alimenta o imaginário e nasce a criação, como uma invenção que nos permite esclarecimento. (LAWLOR, 1996 p.6-15)

1.4 | justificativa | 67


Quase sempre apresentado de maneira metafórica, o futebol envolve um mundo de sentidos que se interpenetram com o imaginário, possibilitando fantasias em torno das representações da realidade traduzidas pelos sentidos, em que as faculdades emotivas e sensíveis associadas às experiências subjetivas, emocionais, estéticas, permitem à percepção captar as funções que absorvem as relações espaciais dos estádios como ritual caracterizado pela ruptura entre o real e o imaginário (LAWLOR, 1996 p.6-15). Este fenônemo reforça a idéia de que a concepção dos estádios jamais poderá abrir mão das alternativas e referências geométricas entre as estratégias das disputas dos jogos e a escala de proporções oferecidas pelo campo de jogo. Da combinação dos elementos surgidos das rupturas, da imprevisibilidade e das contradições, devem ser construídas as novas possibilidades que se negam, desenvolvem, refinam e saltam por cima do tempo na busca da perfeição.

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1.4 | justificativa | 68


_capĂ­tulo 2.: o futebol


2.1 O jogo como ritual sagrado.: O ritual A função do jogo, nas formas mais elevadas que nos interessam, pode ser interpretada como uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa, podendo confundir-se, por vezes, tornando-se uma luta para uma melhor representação. Nesse sentido há uma alegoria olimpiana que conta o enlace da deusa Fortuna com o deus da Guerra. Desta união foi gerado o Jogo: uma criança aborrecida, mal-humorada, caprichosa, somente interessada pelos dados, pelas cartas e moedas. Personagem assexuado, cortejado por homens e mulheres de diferentes origens, o Jogo se acomoda num determinado momento na companhia de soldados e, unindo-se a um deles, dá “luz” a dois gêmeos: o duelo e o suicídio. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.119)

Esta metáfora da paixão transformada em loucura e fúria, que termina em luta e suicídio causados pelo transe proporcionado pelo jogo, remete o jogador a um plano estranho à realidade. 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 70


Mas, foi a mitologia asteca que melhor propôs as divindades do jogo através da imagem masculina de Xochipilli e da imagem feminina de Xochiquetzal. Retondar (in FERREIRA; COSTA, 2003, p.122-123) descreve Xochiquetzal como deusa do jogo e da atividade artística, dos atos marginais, da sensualidade e da libertinagem. Chamada de “Flor de Quetzal”, Xochiquetzal tem 44 representações. Sua figura é a de uma mulher nua, com uma coroa de flores na cabeça. Num primeiro momento ela nos aparece como uma musa que evoca em nós o desejo, mas na realidade ela se apresenta como um primitivo símbolo de fecundidade. (Retondar in FERREIRA; COSTA, 2003, p.122-123)

imagens da deusa xochiquetzal

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Essencialmente feminina, é a divinização da amante, do amor, da volúpia, da sensualidade, do desejo sexual e do prazer. Xochiquetzal representa o arquétipo da mulher jovem em pleno vigor sexual. As mulheres nascidas no dia regido por ela, tanto podem ser bordadeiras, quanto prostitutas. Por isso, Xochiquetzal é também a protetora das prostitutas livres ou “alegradoras” e das prostitutas rituais ou “maqui”, sacerdotisas companheiras dos jovens soldados solteiros. (VIVA MÉXICO, 2007) Desde os primórdios das civilizações, as grandes atividades arquetípicas da sociedade humana sempre foram marcadas pelo profundo sentido do jogo como um importante elo entre o profano e o sagrado, ou entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses, em que os arquétipos constituem o ponto de junção entre o imaginário e a cognição, tanto como receptores de valores comuns, quanto como agentes de transformação ou mutação. Nessa busca do diálogo do homem com os deuses, a existência passou a ser representada em cerimônias sagradas e rituais oraculares e divinatórios, nos quais eram realizados ou recriados acontecimentos e figurações imaginárias 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 71


da realidade desejada, tal como estava na consciência de cada um. Esses acontecimentos eram a expressão mais alta e mais sagrada da representação e do momento fundamental da evasão da realidade para o mistério dos deuses e dos espíritos protetores. (RUBIO, 2001 p.82; HUIZINGA, 2004 pp.7, 20, 21; RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.113) Comemorações e festas religiosas tinham como papel transferir os participantes para um mundo místico, invisível e sagrado segundo normas de ação, condutas, preceitos, regras e formas de ser, que recompensavam ou puniam. Cultos, liturgias, sacramentos, magias e mistérios são parte de uma ordem cultural imaterial vinculada a sentidos que, embora não se esgotem na materialidade dos prêmios, têm neles a condição deflagradora do jogo. Isto é, ao conceder privilégios ou prêmios, como reconhecimento dos méritos, os rituais são abrangidos pelo conceito de jogo, no sentido pleno do termo, com todas as suas características formais e essenciais. Com ordem, solenidade, tensão, movimento e ritmo, as liturgias sagradas, na essência do ritual e do mistério, concretizavam as representações dramáticas e simbólicas da natureza, inspirando ordens mais elevadas. Esse ar de mistério que envolve o sagrado lhe dá um caráter especial e excepcional de íntima identificação com o jogo, onde a tensão lhe confere valor ético e o acaso lhe reforça o encanto. Entidades independentes desprovidas de sentido, de racionalidade e de expressão verbal, as disputas adquiriram forma poética e, pouco a pouco, o jogo também assumiu a significação de ato sagrado. A exemplo do ritual sagrado, a conotação ritualística do evento esportivo, caracterizada pela ruptura entre o real e o imaginário, o cotidiano e o extraordinário, a monotonia e a excitação, a razão e a emoção, também produz ações emocionantes e mobilizadoras, comoções ilusórias e hipnoses transitórias, estimuladas pela interpretação de personagens com que as platéias se identificam. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.123-124; HUIZINGA, 2004 p.19) “O comportamento esportivo tem como suporte um imaginário que é reprodução, sob forma dessacralizada ou secularizada, do imaginário religioso arcaico.” (RUBIO, 2001 p.104-105) 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 72


Realizado como manifestação do impulso para o desafio e o desejo de competir, o jogo é uma atividade temporária e autônoma, praticada com orientação, caminhos e sentido próprios, para satisfação de desejos e expectativas. No jogo, as leis do cotidiano perdem validade. Acima do domínio do bem e do mal, e distinto de todas as outras formas de pensamento que exprimem a vida espiritual e social, o jogo tornou-se um exercício simbólico realizado em espírito de liberdade no interior um universo de valor temporário específico e espaço circunscrito, já que a realidade ritualizada do cotidiano, para iniciação e consagração da natureza e do mistério exige o isolamento espacial e temporal dos lugares sagrados de celebração. “O mágico, o augure e o sacrificador

começam sempre por circunscrever seu espaço sagrado.O sacramento e o mistério implicam sempre um lugar santificado.” (HUIZINGA, 2004 p.23) Se aceitamos a identidade do jogo e do ritual, na essência e na origem, devemos admitir que, de um ponto de vista formal, não existe diferença entre a delimitação do lugar do ritual sagrado e a caracterização do ambiente fechado, isolado e instável, onde se processa o jogo e se dá validade a suas regras. O jogo é um momento privilegiado, sem contato com a realidade exterior, em que a paixão se enraíza de forma exacerbadamente viva, visível e identificável, que por ação reflexa conduz do ritual ao arrebatamento, como arte e à expressão poética. Se até em suas formas mais simples, o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico, em suas formas mais complexas é impregnado de percepção estética, ritmo e harmonia, ultrapassando os limites da atividade puramente física ou da satisfação individual biológica. Forças misteriosas absorvem o jogador de maneira intensa, permitindo que se evada da realidade para o mundo onírico da fantasia, da imaginação e do transe até, por vezes, ao extremo da dependência, do vício e da compulsão. Como atividade sagrada, o jogo é desligado de qualquer interesse material. Sua essência transcende as necessidades imediatas da vida e lhe conferem sentido e significado tanto como função vital, quanto pela função cultural de seu valor expressivo e suas associações espirituais e sociais. “O jogo nos faz penetrar profundamente no problema da natureza e origem dos conceitos religiosos.” (HUIZINGA, 2004 p.29) 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 73


Mesmo sendo uma função da vida, o jogo não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. Entre as numerosas tentativas de definição da função biológica do jogo, umas referem suas origens e fundamentos como uma abundante descarga de energia vital, outras como um escape restaurador da energia, uma necessidade de distensão, ou mesmo como uma simples satisfação do instinto de imitação. Nesse sentido, Huizinga (2004 p.12) entende que o jogo “situa-se numa esfera superior aos processos estritamente biológicos de alimentação, reprodução e autoconservação. Seja como for, pertence sempre, em todas as suas formas mais elevadas, ao domínio do ritual e do culto, ao domínio do sagrado”. Como potência simbólica, o futebol também é um fenômeno que, por sua intensidade e poder de fascinação, como compensação do esforço e dos desejos insatisfeitos, permanece na memória como uma combinação de estéticas de contemplação e criação do espírito. No jogo de futebol, os jogadores, programados para ações coletivas de movimento, mudança, alternância e sucessão, ensaiadas ou improvisadas, ao se deixarem absorver pela paixão e o prazer dos sentimentos e das emoções, para celebração da performance e da valorização do gosto pela aventura, levam a multidão ao delírio. (FERREIRA; COSTA, 2003, p.34) “A capacidade criadora deriva do estado de arrebatamento pela revelação do destino. Tratase de um processo espiritual de transformação.” (HUIZINGA, 2004 p.20) Durante as disputas, a atmosfera se intensifica quando os rivais nas arquibancadas se levantam ostentando cores e hinos em saudação aos seus atletas. Então a descarga de energia faz explodir os instintos e provoca as mais variadas expressões de rivalidade e de oposição em que “... cantos de apoio totêmico ecoam em mantras de duas sílabas prolongadas.” (GIULIANOTTI 2002 p.37) Quanto mais intensa a atmosfera e a tensão, maior é a alegria e a diversão, e mais prazeroso o jogo. Com tenacidade, habilidade e coragem, capacidade espiritual e lealdade para vencer pelo esforço, o jogador põe à prova as suas qualidades. Então, as jogadas e as habilidades incomuns são saudadas, como próprias de gênios e 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 74


semideuses, por uma multidão levada ao êxtase no momento da vitória, aclamando os vencedores e desdenhando os perdedores. Mesmo quando os grupos rivais expressam respeito mútuo, a oposição permanece durante a disputa, deixando claro que entre torcedores a rivalidade é sempre maior que a amizade. “Aos poucos, se vão os vitoriosos tumultuadamente e com muito barulho e os derrotados calmamente, sem as camisas que usavam para absolver seu destino.” (GIULIANOTTI, 2002 p.38) Quando interrogado sobre o enigmático segredo do futebol, Nelson Rodrigues dizia que aquilo que todos procuravam em uma partida de futebol - da pelada ao grande clássico - era a poesia, ou seja, a possibilidade de recriar e dar sentido a um evento, a abertura para o imprevisível, o descontrole relativo sobre aquilo que se pretende alcançar. (AGOSTINO, 2002 p.268) esportes/terra.com.br/futebol

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O Lúdico Todas as formas de jogo enraizadas nos rituais sagrados são dotadas de uma profunda capacidade criadora de cultura que lhes confere dignidade, saber superior e consciência histórica das relações humanas. Desde suas fases mais primitivas a cultura possui um caráter lúdico ligado à aspiração da honra, da dignidade e da beleza, em que o mistério, a magia, os sonhos de heroísmo, bem como a todos os elementos de cultura que nele procuram expressão. Na sua essência, o lúdico representa a ousadia e a capacidade de correr riscos e suportar a incerteza e a tensão, até a abstração da realidade. (HUIZINGA, 2004 pp.84-85) Por fazer parte do núcleo dos rituais, o jogo é um espetáculo culturalmente expresso em valores estéticos, físicos, intelectuais, morais e espirituais, que exige aplicação, conhecimentos, habilidade, coragem e força, e por isso, é capaz de desenvolver e nutrir, em sua plenitude, as necessidades humanas inatas de ritmo, harmonia e mudança. Dessa forma, é natural que as relações entre cultura e jogo sejam especialmente evidentes nas formas mais elevadas dos jogos sociais, sempre expressas em atividades coletivas e ordenadas de grupos opostos. “O jogo solitário só dentro de estreitos limites possui uma capacidade criadora de cultura.” (HUIZINGA, 2004 p.54) À medida que as civilizações ganharam complexidade, se ampliaram e revestiram de múltiplas formas, com técnicas de produção e vida social organizadas de novas maneiras, as culturas foram gradualmente cobertas por idéias, sistemas de pensamento e conhecimento, doutrinas, regras e regulamentos, normas morais e convenções que perderam toda e qualquer relação direta com o jogo. Desde o século XVIII, o caráter lúdico da cultura e do jogo tem perdido, cada vez mais, importância e influência, sendo em parte absorvida pelo sagrado, em parte cristalizada sob a forma de saber. A evolução das culturas passou a atribuir ao jogo apenas um lugar secundário, obrigando a reconhecer na fase arcaica das civilizações, as formas mais belas da função agonística. Huizinga (2004 p.229) vai mais longe. Para ele, “o autêntico 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 76


jogo desapareceu da civilização atual, e mesmo onde ele parece ainda estar presente trata-se de um falso jogo, de modo tal que se torna cada vez mais difícil dizer onde acaba o jogo e começa o não-jogo”. No curso dos séculos e do desenvolvimento das civilizações, há uma influência constante e progressiva das rivalidades pessoais, num jogo de disputas permanentes, com a finalidade de anularem e eliminarem os adversários. Até há pouco, esse era o papel apenas das guerras, consideradas um nobre jogo, ou o esporte dos reis. A verdadeira relação entre os indivíduos é uma relação de guerra, na medida em que tudo se procede através de negociações e acordos que não são mais do que prelúdios às disputas ou interlúdios entre disputas. Mas mesmo nas guerras, não necessariamente nas disputas comerciais, pelo caráter absolutamente obrigatório de suas regras e das convenções da vida, podemos reconhecer-lhes modelos e elementos lúdicos formais. No entanto, não se pode aceitar ou estabelecer qualquer relação entre a guerra e a competição esportiva, e consequentemente, entre a guerra e o jogo. Mesmo para os que defendem que o fator agonístico tenha tido influência nas guerras das fases primitivas da civilização, atualmente, tanto ela quanto as disputas comerciais, baseadas no princípio do amigo ou inimigo, vão muito além da simples competição. A guerra e tudo quanto com ela se relaciona está presa à rede mágica e demoníaca do jogo. Só superando essa primária relação amigo-inimigo, a humanidade atingirá uma dignidade superior. (HUIZINGA, 2004 p.233)

A necessidade da compreensão dos limites livremente aceites que estabelecem a capacidade de não se afirmarem com fins últimos da humanidade, impõe às civilizações a existência dos elementos lúdicos como forças criadoras de cultura e valores morais. A civilização tem suas raízes no jogo, e que para atingir toda a plenitude de sua dignidade e estilo não pode deixar de levar em conta o elemento lúdico. Se reconhecermos que a civilização sempre será um jogo governado por regras, temos que concordar que, para se cumprirem, sempre exigirão espírito esportivo e capacidade de fair-play. “O fair-play é simplesmente a boa fé expressa em termos lúdicos.” (HUIZINGA, 2004 p.234) 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 77


Em vez do fair-play, os homens entram em competição para serem os primeiros e a desenvolvem como jogo lutando com a força do corpo ou das armas, com a razão ou com os punhos, defrontando-se uns aos outros com demonstrações extravagantes e astúcia. O esporte a que assistíamos, tanto pelo prazer do jogo coletivo, quanto dos desempenhos individuais, tornou-se agora um espetáculo de competição entre empresas patrocinadoras, povoado de heróis e estrelas, e operado pelos meios tecnológicos da comunicação. “O homem atual se vê seduzido pelo fascínio do hiper-real dos gestos esportivos produzidos pelos espetáculos.” (FERREIRA; COSTA, 2003, p.28-29) No entanto, é da essência do jogo ser disputado lealmente para que seu caráter lúdico se confirme. Diferente do jogo lúdico, a competição é, geralmente, não só desprovida de lealdade mas também de objetivo. Nela, a ação começa e termina em si mesma, sem qualquer contribuição para o processo vital do jogo. O elemento final da ação está apenas no resultado, sem relação direta com o que se segue, embora Huizinga (2004 p.57) considere que “o resultado do jogo, como fato objetivo, é insignificante e em si mesmo indiferente”. Nas competições esportivas e nos jogos de azar ou aleatórios, que Huizinga (2004 p.55) classifica como “estéreis” e que “nada acrescentam à vida do espírito”, a tensão chega ao extremo, pela predominância da incerteza, do indeterminado e do acaso, irmão da sorte e do azar. Numa estreita ligação com o mistério tornado visível, os apostadores solicitam aos deuses poderes sobre o destino que devem cumprir cegamente. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.117) esportes/terra.com.br/futebol

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Heróis, Ídolos e Mitos Os jogos representam a tensão da realidade vivida, com suas crenças, perspectivas e frustrações. É neste processo de manipulação da realidade, para imaginar e ver além da representação concreta, que são estabelecidas novas potencialidades para a progressão do delírio legitimado pelos mitos e símbolos do imaginário. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.127) Para manter a ilusão diante das situações de fragilidade, fugir de toda lógica e objetividade, cobrir suas falhas e suprir as fantasias, o homem cria símbolos e analogias que simulam a realidade, instaurados por meio de metáforas e mitos. A metáfora, ao estabelecer contato com o mistério, congrega tanto o herói, produtor da ação poderosa do drible, quanto a habilidade e a astúcia do mito. A metáfora aciona os componentes afetivos e imaginativos que levam à luta contra o acaso do jogo, para superação do inevitável. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.118) Através dos mitos, o homem procura enfrentar os mistérios e celebrar seus ritos e consagrações, destinados a assegurarem, dentro de um espírito de puro jogo, o diálogo permanente entre a subjetividade humana e o mistério da vida, entre o real e o imaginário, o controle e o caos. É no mito e no culto que têm origem as grandes forças instintivas da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primeiro do jogo. (HUIZINGA, 2004 p.7)

O sentimento de heroificação nas grandes competições esportivas remonta ao mito do herói, às imagens oníricas das apostas, principalmente dos jogos ditos de azar ou aleatórios. O herói, enquanto figura mítica transcende a condição de mortal, e se aproxima dos deuses em razão de seus feitos e prodígios, produto de força, coragem e astúcia. Presentes em todos os setores da cultura de massa, os heróis concentram em si poderes mitológicos e poderes práticos, ao fazerem os universos do imaginário, das normas, da informação, dos conselhos e das incitações, se comunicarem. 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 79


Por isso, os fenômenos de massa, como o esporte, não conseguem alhearse da presença de “heróis” ou “ídolos”, uma vez que eles, transpondo obstáculos aparentemente intransponíveis, levam as pessoas à identificação com os eventos. O esporte de competição construiu o atleta campeão e vencedor, capaz de se submeter à disciplina rigorosa do aprimoramento para ascender ao pódio da vitória, e da glória. Se por um lado a condição de atleta lhe permite privilégios reservados a poucos, por outro, a construção do atleta como mito ou herói arquetípico inspirador de rituais e imagens da mitologia, impõelhe o isolamento e exige persistência, determinação, paciência e sorte. Se no mito o herói se dedica a outrem, a causas externas e à salvação da humanidade, esse mito criado como um personagem necessário ao sistema tem suas realizações voltadas para si próprio e se apresenta por meio de signos rapidamente compreendidos e copiados como os carros importados ou a ostentação de um vida de pseudo fartura. (RUBIO, 2001 p.104)

Diferentemente do atleta da Antiguidade, que era educado e formado como cidadão preparado para a guerra e para proteger o território, o atleta contemporâneo de alto rendimento tem sua imagem vinculada ao espetáculo e ao lazer, e como causa, sua própria sobrevivência. Os valores agregados de luta, confronto e ascensão que caracterizam o atleta contemporâneo, apenas o tornam uma espécie de referência fortemente marcada pelo arquétipo do herói, que transcende sua própria ação profissional para servir objetivos. Identificado com a figura do guerreiro, como um ser raro, usufrui de um preparo extraordinário que envolve a busca e a superação de limites, em performances extraordinárias. Por isso, os mitos mais representados são, sobretudo, os de ordem cosmológica e de natureza heróica. Pelos temas que celebra — morte simbólica, combate sagrado, procura do paraíso perdido, conquista da imortalidade — pelos rituais que o envolvem — cerimônias, festivais, desfiles de bandeiras, chama olímpica, entrega de prêmios — e pelos atores que nele intervêm — heróis, ídolos, representantes da comunidade com o estatuto de super-homens —, o desporto moderno é, no seio da nossa sociedade, uma verdadeira arqueologia dos mitos arcaicos. (RUBIO, 2001 p.105)

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Em vez do objeto, do gesto ou do feito esportivo, somos envolvidos pelo impacto das imagens espetaculares de movimentos segundo padrões atléticos.

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A atração está na superlativação das propriedades do jogo dos atletas, saturando a realidade de expectativas, até o exagero da sedução. Consumimos não mais a prática de um esporte, mas competições associadas a sentimentos de sucesso e realização, numa linguagem cheia de signos, códigos, mensagens e representações de mitos, ídolos e heróis. “O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado.” (RUBIO, 2001 p.82)

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2.2 Visão histórica do futebol.: A Recreação, o Jogo e o Esporte. A atração pelo futebol encontra-se no meio de práticas culturais populares que historicamente também incluem o jogo a bebida e as apostas. (GIULIANOTTI, 2002 p.20) Os romances picarescos fazem-nos sentir água na boca com as suas narrativas daquelas monumentais farras com que se esbaldavam então entre duas batalhas e duas devastações, e nas quais tudo era medido pela quantidade de pratos. [...] Eles tinham tempo livre para gozar as alegrias da terra, para fazer amor, para se divertir, para se banquetear em honra do alegre deus do Fazer Nada. (LAFARGUE, 2003 p.49)

Por isso, entre 1820 e 1860, a ordem moralizadora da burguesia, disposta a erradicar todos os exageros e diversões que prejudicassem o processo de produção, impôs fortes controles aos trabalhadores, tanto durante os períodos de trabalho, quanto nos momentos de descanso e de lazer. A paixão cega, perversa e homicida pelo trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua produtividade os empobrece. [...] E agora que o homem encolhe o seu estômago e a máquina amplia sua produtividade, e que os economistas nos pregam a teoria malthusiana, a religião da abstinência e o dogma do trabalho? Era melhor arrancar-lhes a língua e lançá-la aos cães. (LAFARGUE, 2003 p.49)

A situação do século XIX era bem diferente da dos gregos livres que encaravam o trabalho dependente com o mais profundo desprezo, bem como por qualquer outra atividade que implicasse fadiga física, ou mesmo por qualquer atividade executiva. Entre os trabalhos independentes vigorava uma rígida hierarquia de prestígio social na qual, por exemplo, o comércio era desprezado. (DE MASI, 1999b p.13) A maior riqueza dos gregos não vinha dos seus patrimônios nem do seu prestígio, mas da capacidade, fruto da educação do gosto, de degustar as sensações e os significados positivos inerentes aos objetos, aos acontecimentos e às idéias. (DE MASI, 1999b p.17) Na Atenas de Péricles havia quase mais feriados do que dias úteis com celebrações que compreendiam disputas de ginástica, 2.2 | visão histórica do futebol | 82


concursos

líricos,

musicais,

dramáticos

e

de

beleza.

nas

grandes dionisíacas os atenienses assistiam aos ditirambos e a pelo menos 15 peças teatrais, escutando em quatro dias cerca de 20 mil versos recitados e cantados. (DE MASI, 1999c p.307/308) Em julho, primeiro mês do ano ateniense, realizavam-se as grandes panatenaicas. Em setembro celebravam-se os mistérios eleusinos e as festas em honra de Apolo. Outubro era o mês mais rico de festejos, com os ritos da semeadura e procissões em honra de Dioniso. Seguiam-se três dias de tesmofórias em honra de Demetra e outros três dias de festas cívicas das fratrias em honra de Zeus e Atenas. Fechando o mês, realizavam-se os festejos dedicados a Atenas operária. Em dezembro havia a festa de aloa e durante todo o inverno, as falofórias em honra de Dionísio. Janeiro era o mês dos matrimônios e das festas gamélias e lenéias. Em fevereiro realizavam-se as antestérias, em honra do deus do vinho, as clóias em honra de Demetra, e as diásias em honra de Zeus. Março celebrava ao longo de cinco dias consecutivos a voltava da primavera com ritos em honra de Atenas e as grandes dionisíacas. Em abril, havia a festa das muníquias, em honra de Artemis, e em maio, eram festejadas as quirofórias, as dipólias e as arretofórias. Nos meses que não referidos havia festas menores, porém, não menos festejadas. Pela extensão das referências, fica claro como os jogos antigos, ligados aos ritos, eram incompatíveis com o mundo industrial, sobre o qual Lafargue se insurgiu.

jogo de bola na Grécia Campo de jogo de bola grego

Jogo de bola em Roma

library.thikquest.com

A par de sua enorme popularização, os jogos também geraram desconfiança e animosidade, caso bem ilustrado com as intedições ao futebol em épocas e lugares diversos. Na China, por exemplo, durante a dinastia Ming, o imperador Zhu Yuanzhang proibiu o futebol em 1389, sob pena dos infratores terem seus pés amputados. Edward II proibiu o futebol na Inglaterra, em 1314, para que houvesse maior dedicação à prática do arco e flecha. Essa decisão foi repetida posteriormente por James I, impondo multas aos transgressores. (GIULIANOTTI, 2002 p.16) 2.2 | visão histórica do futebol | 83


Também durante o século XVI e início do século XVII, como os jovens das cidades escocesas eram regularmente acusados de conduta profana no Sabbath, por beberem, dançarem e jogarem futebol, este foi incluído numa lista de passatempos esportivos proibidos. (GIULIANOTTI, 2002 p.16) Na América do Sul, os movimentos contrários ao futebol repercutiram, tanto quanto sabe-se, apenas no início do século XX, quando foi implantado o futebol moderno. Nesta época, em Buenos Aires, o jornal anarquista La Protesta definiu o futebol como uma “perniciosa idiotização através do chute reiterado no objeto redondo”. (AGOSTINO, 2002 p.28) No Brasil, além das manifestações anarco-sindicalistas, Graciliano Ramos também questionou o futebol: Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a certeza. Não vale o argumento de que ele tem ganho terreno nas capitais de importância. Não confundamos. As grandes cidades estão no litoral. Isto aqui é diferente, é sertão. (AGOSTINO, 2002 p.28)

Na Europa, onde as rivalidades nacionalistas eram significativas, também foi significativa a oposição ao futebol. Na Alemanha, o futebol era visto como coisa de macacos desengonçados e desnutridos. Um ensaio, escrito por Friedrich Jahn (1778-1852), publicado em 1875 em Berlim, chamava o futebol de doença dos ingleses, incompatível com o ideal de aprimoramento físico desenvolvido pela escola prussiana e classificado como uma ameaça que poderia levar à degeneração da superioridade germânica. Em vez de futebol, o aprimoramento físico deveria seguir os pressupostos do pai da ginástica alemã. (AGOSTINO, 2002 p.29) Entre os alemães, somente às vésperas da Primeira Guerra Mundial é que muitos dos preconceitos em relação ao jogo seriam superados. Em 1910, R. M. Berry percebendo a mudança de atitude que se processava no meio militar germânico, escreveu: O futebol vem sendo encarado por muitos jovens oficiais alemães como uma das melhores práticas esportivas no sentido de cultivar a coragem nos homens, ensinando-os a adensar o caráter ao mesmo tempo em que lhes confere mais agilidade e iniciativa. (AGOSTINO, 2002 p.29)

2.2 | visão histórica do futebol | 84


Nas colônias, o gosto pelo futebol também era cada vez maior, principalmente depois que muitos soldados entraram em contato com as práticas esportivas nas trincheiras. O entusiasmo foi tanto que deixou apreensivo o tenente-governador da colônia francesa do Níger, que afirmou em um despacho: “(...) os jogos de futebol, mesmo os amistosos, entre os franceses e os autóctones não são bem-vindos, uma vez que desgastam o prestígio que mantém nossa dominação neste país, já que neste domínio eles são mais fortes.” (AGOSTINO, 2002 p.41) Concomitantemente à popularização do futebol, uma nova mentalidade desenhava-se e ganhava nitidez a partir do Século das Luzes, trata-se da cultura da atividade física: A cultura da atividade física, principalmente a ginástica, seguia proximamente conceitos ditados por Rousseau, expresso em Emílio, onde para aprender a pensar é preciso, portanto, exercitarmos os nossos membros, nossos sentidos, nossos órgãos, que são instrumentos de nossa inteligência; e para tirar todo o proveito possível desses instrumentos, é preciso que o corpo que os fornece seja robusto e são. (RUBIO, 2001 p.124)

Países como Alemanha, França, Suécia e Dinamarca foram o berço de movimentos ginásticos vinculados a processos de afirmação de nacionalidade, cuja preocupação maior era a preparação para a guerra e a defesa do Estado. (RUBIO, 2001 p.124) Foi o trabalho de Friedrich Ludwig Jahn (1778-1852) que repercutiu na formação da juventude prussiana do início do século XIX. Mentor de um método de educação nacional, no qual a educação física tinha um papel fundamental, Jahn, um nacionalista fervoroso, acreditava que a atividade física favorecia uma vida ativa e saudável, além de tornar os homens capazes de combater o inimigo e o invasor. A derrota das forças napoleônicas acirrou o sentimento nacionalista e reforçou a proposta da inclusão do sistema ginástico nas escolas alemãs. (RUBIO, 2001 p.124) Também no início do século XIX, depois de se envolver nas guerras napoleônicas, perder territórios e viver uma forte crise econômica, desenvolveu-se na Dinamarca, um sistema ginástico. Criado por um civil, Franz Nachtegall, esse sistema ganhou destaque entre os militares que fundaram o Instituto Militar de Ginástica, em que civis também eram admitidos. Esta 2.2 | visão histórica do futebol | 85


instituição era responsável pela formação de professores de ginástica para as escolas em geral, sendo a Dinamarca o primeiro país europeu a introduzir a educação física como disciplina curricular, com professores treinados e manuais editados. (RUBIO, 2001 p.124-125) Entretanto, foi na Suécia, nesse mesmo período, que surgiu uma proposta ginástica longeva. Depois de estudar na Dinamarca e conhecer o sistema ginástico desse país vizinho, Per Henrik Ling voltou à Suécia disposto a implementar um modelo pedagógico que contemplasse a educação física. Esse desejo ganhou impulso quando, na guerra contra a Rússia foi perdida a Finlândia, e mais uma vez governo e militares buscaram o desenvolvimento de uma educação física voltada para a formação de homens robustos de físico e de caráter. (RUBIO, 2001 p.125) Pelo exposto, o século XIX foi palco de múltiplas contradições que também estiveram presentes no mundo do jogo. Ao mesmo tempo em que este perdeu espaço, enquanto atividade lúdica e de subversão de hierarquias e poderes estabelecidos, a prática dos esportes foi recuperada como digna ao homem honrado. Neste contexto, o futebol surge como esporte codificado.

Futebol Amador Regulamentado (1830-1930) Somente na década de 1860, com a legislação do futebol e de outros jogos antigos, legitimou-se uma ampla cultura de esportes. O esporte passou a ser considerado pelas empresas como um mecanismo de disciplina, desenvolvimento físico e moral dos trabalhadores. (AGOSTINO, 2002 p.26) Da mesma forma, Thomas Arnold acreditava que o esporte era um importante recurso para moldar o caráter de estudantes, ensinando-lhes as virtudes de liderança, lealdade e disciplina. Ao tornar-se diretor de uma escola na cidade de Rugby na Inglaterra, em 1828, recorreu ao futebol para promover a educação moral dos jovens ricos, diante das constantes revoltas e motins nas escolas públicas. Ainda não se tratava do futebol organizado, com regras definidas, uniformes padronizados e esquemas táticos. Nesse momento, o futebol era supervisionado pelos professores, apoiados num arranjo de códigos mais 2.2 | visão histórica do futebol | 86


ou menos semelhantes entre as escolas, mas demasiado inconsistentes. Na década de 1860, nos campeonatos entre faculdades, acabou acontecendo a cisão entre os veteranos de Rugby e de Eton, que, de um lado defendiam o uso das mãos e de pontapés, ao contrário dos veteranos de Harrow que, por seu lado, não concordavam com essa forma de jogo. (GIULIANOTTI, 2002 p.18) Os jogadores de Rugby e de Eton acreditavam que o futebol representava a possibilidade concreta de competir e buscar a honra e o aperfeiçoamento cultivando a frieza, a determinação e o autocontrole e liberando as descargas de violência contida para vencer o inimigo sem qualquer piedade. Jogar futebol era uma prova de arrojo e rudeza masculina. Reclamar de um chute ou de qualquer outro tipo de agressão não condizia com quem aspirava ser reconhecido como um homem talhado para vencer. (AGOSTINO, 2002 p.21) Em pouco tempo o futebol tornou-se um esporte de grande popularidade, com forte apelo urbano, fazendo com que os representantes de várias escolas inglesas finalmente estabelecessem regras comuns em um encontro histórico na Taverna dos Maçons Livres, em Londres, no ano de 1863. Na finalíssima da FA Cup em 1887, 27.000 pessoas estiveram presentes no Crystall Pallace. Menos de vinte anos depois, em 1901, a final da mesma competição testemunhou um público de cerca de 110.000 espectadores. (AGOSTINO, 2002 p.23) Todavia, o processo de sua profissionalização enfrentou obstáculos e para bem compreendê-lo é necessário uma breve apreciação sobre a forma em que era jogado. Assim, até a década de 1880, o futebol refletia e privilegiava as demonstrações de habilidade individual dos dribladores, surgidas naturalmente de complexas ações culturalmente adquiridas, definidas e reproduzidas. A partir desta data, o jogo, inspirado na experiência industrial dos operários escoceses, foi racionalizado, e passou a apresentar formas de organização e funções, na qual os jogadores tinham posições pré-definidas em campo para executar ações determinadas. Dentro dessa estratégia, foi privilegiado o “passe de bola” que substituiu de forma eficiente e bem2.2 | visão histórica do futebol | 87


sucedida, o tradicional chutar e correr, que inspirava os times ingleses. Os jogadores aprendiam desde os rudimentos do controle e do passe da bola, às habilidades mais significativas e essenciais à consolidação do jogo, que tinham nas manobras de ataque a principal preocupação tática e estética. Nesse período, o recrutamento de atletas, oriundos das classes trabalhadoras, provocou mudanças e o conseqüente surgimento de novos interesses e relações, com disputas em torno do profissionalismo e a migração das elites, antes praticantes, para os postos de direção e gerenciamento dos clubes e dos torneios. A tolerância em relação às remunerações dos atletas, o que possibilitava a ascensão econômica daqueles advindos do proletariado, ampliou rapidamente o número de clubes profissionais, rivalizando entre si e congregando um extenso contingente de aficionados. Desde suas primeiras manifestações, organizadas no século XIX, até o seu primeiro impulso de especialização e profissionalização, o futebol estimulou acirradas disputas entre a ética lúdica do amadorismo e o profissionalismo. Como a ordem moralizadora da burguesia, disposta a erradicar as diversões, impôs controles, tanto ao trabalho, quanto ao descanso e ao lazer dos operários, a prática amadora se cristalizou numa ideologia que procurou contrariar os perigos do profissionalismo se opondo à penetração dos esportes entre as camadas populares, que vislumbravam, no futebol, a possibilidade de recompensas e ganhos simbólicos e materiais. Ou seja, a ética amadora configurou-se mais como uma autodefesa de classe e de distinção social, perante a possibilidade de ascensão dos segmentos populares, do que de um esforço para a preservação do esporte praticado apenas por diversão. Também no Brasil, a história do futebol é afetada, na década de 1930, pela luta entre os clubes cariocas, na defesa do amadorismo, contra a instauração do profissionalismo, o que representava a preservação de um futebol praticado apenas pelas elites urbanas, vedado às classes populares. A implantação do futebol moderno amador durou até depois da Primeira Guerra Mundial, período em que foram estabelecidas as regras do jogo, sua difusão e formação das associações internacionais para administrá-lo, sob controle das elites dominantes. 2.2 | visão histórica do futebol | 88


Com a popularização do futebol entre as novas classes operárias urbanas, foram construídos numerosos campos de jogo e o profissionalismo foi legalizado. Embora os dirigentes da Football Association, provenientes de escolas de elevado prestígio, não apreciassem o profissionalismo, diante do inevitável, acabaram autorizando a participação de equipes profissionais de origem popular na Football Cup, acreditando na sua capacidade de controlar o desenvolvimento simultâneo do jogo amador e do jogo profissional, de uma forma compatível com seus valores e interesses. Enquanto as ligas amadoras preservavam intactos os valores aristocráticos da prática do esporte como um fim em si mesma e da não remuneração, preservando as características de instituições voltadas ao entretenimento e à sociabilidade, as ligas profissionais admitiam tanto atletas amadores quanto profissionais. De modo geral, o caráter moderno e urbano do futebol revela que seu significado foi fortemente influenciado pelos processos de transformação social, pela rápida urbanização, pela promoção da identidade nacional, pelo crescimento dos meios de comunicação de massa e pela industrialização. Bastando a lembrança de que a interação entre as populações e o esporte só foi possível com a gradativa ampliação dos horários de lazer no decorrer da segunda metade do século XIX. (AGOSTINO, 2002 p.23) Em 1928, refletindo o crescimento evidente do futebol, e com instituições já consolidadas, Jules Rimet, presidente da FIFA, e Henri Delaunay apresentaram, no Congresso da entidade em Amsterdã, a criação de um torneio internacional, que se chamaria Copa do Mundo de Futebol. Apesar do quadro generalizado de indefinição e com a economia internacional em crise, o que reacendeu as hostilidades internacionais e a xenofobia, Jules Rimet manteve os propósitos da FIFA e acabou recebendo, em 1929, uma proposta do Uruguai, aceitando arcar com os gastos dos participantes. Com a aprovação imediata da proposta, foi marcada a estréia do torneio para 13 de julho de 1930. (AGOSTINO, 2002 p.45)

2.2 | visão histórica do futebol | 89


Fase Profissional/Moderna (1930-1970) O homem, enquanto pedestre, tinha consciência apenas dos problemas locais, abrangendo não mais que um milionésimo da superfície terrestre. O rompimento dos limites locais, após a invenção do telégrafo e do rádio, foi acentuado nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, em particular no período entre 1950 e 1970, marcado pelos programas espaciais e pelo desenvolvimento dos satélites, dos circuitos fechados de vídeo e das transmissões intercontinentais de televisão. Os novos processos industriais privilegiaram a idéia da produção em

série,

instaurada

com

as

tecnologias

industriais,

pela

possibilidade da reprodução infinita a partir de um modelo que transfere suas características para suas reproduções, passando o valor estético dos objetos e do simbolismo para as funções. A especialização se consolidou e a funcionalidade tornou-se mote do espírito do tempo. No entanto, os anos de 1950 não foram marcados apenas por projetos de modernização. Os fortes sentimentos nacionalistas, a consolidação das políticas populistas e o reconhecimento internacional do futebol também marcaram esse período. Sublimados por discursos de identidade nacional e etnia, serviram de base para todas as manipulações e a legitimação da retórica oficial em resposta aos anseios da população, alimentando mitos e sonhos. Nesse sentido, o futebol foi um veículo de forte expressão, em particular nas competições esportivas quando transformadas em espaço de afirmação nacionalista, o que motivou a retomada das Copas da Fifa. Para a realização da Copa de 1950, a América do Sul surgiu como a melhor alternativa e o Brasil o país mais indicado. Historicamente, essa Copa também marcou o início da transferência gradual da hegemonia da FIFA da Grã-bretanha para a Europa até 1970, quando o controle passou para a América do Sul. Os ingleses sempre procuraram permanecer na memória de todos como criadores do futebol moderno, e por isso, certos da sua superioridade, 2.2 | visão histórica do futebol | 90


aceitaram enviar um time à Copa do Mundo de 1950 no Brasil. A boa vontade, no entanto, durou apenas até a sua eliminação. A partir desse momento, em atitude arrogante, jornalistas e dirigentes ingleses retiraram-se em massa, afirmando que com a saída da Inglaterra, nada mais de interessante poderia acontecer na Copa. A verdade é que as cada vez mais freqüentes derrotas evidenciavam o declínio do futebol britânico. A partir do momento que os continentais perderam o medo de enfrentá-los, inevitáveis e constantes humilhações foram impostas aos ingleses, sacudindo suas tradições e posição internacional. Com a transferência da hegemonia da Grã-Bretanha para a Europa, uma nova estrutura passou a controlar a crescente complexidade do novo cenário do futebol. A Fifa manteve o poder mundial e investiu seus membros de uma autoridade de âmbito nacional. Para facilitar a administração e a organização das competições, ela sancionou a formação das confederações continentais de futebol para funcionarem como níveis médios de controle entre o nacional e o global. Inicialmente, as novas condições não produziram importantes mudanças políticas. Os presidentes da Fifa continuaram a sair da França e da Inglaterra e as Copas do Mundo alternavam-se entre a América do Sul e a Europa. Ironicamente, o final da soberania européia veio com o inglês sir Stanley Rous, como resultado da sua oposição à entrada dos novos Estados membros da África e da Ásia, que apoiaram a candidatura para sua presidência do brasileiro João Havelange. Este processo de transferência de poderes foi acompanhado de alterações sofridas pelo futebol. Para melhor compreende-lo, é necessário retroceder ao período entre os anos de 1930 e 1950, quando o futebol foi influenciado pela rápida urbanização e pelo crescimento demográfico e político das populações submetidas a uma organização social regulamentada e padronizada que garantia o controle dos seus comportamentos. Após a Primeira Guerra Mundial, a situação econômica, social e tecnológica foi profundamente alterada. Com a retomada das atividades nas indústrias, o operariado cresceu significativamente nos centros urbanos e as cidades 2.2 | visão histórica do futebol | 91


tornaram-se organismos produtivos de uma sociedade reduzida a funções, em que a numerosa população, em sua maioria de origem rural, embora cada vez mais politizada e consciente de seus direitos, se submetia à opressão das fábricas. Com isso, os problemas políticos, psicológicos e sociais tornaram-se cada vez maiores, mais presentes e preocupantes. Por essa razão o futebol passou a ser de extrema importância para os governos em geral e as ditaduras em particular. O futebol já se havia difundido por toda a parte. Com a multiplicação das competições e novos estádios construídos em quase todos os países europeus, sendo os maiores e os mais importantes erguidos com o objetivo de alimentar e consolidar os sentimentos nacionalistas. Esta é também a razão da construção do estádio Centenário, no Uruguai, sede da primeira Copa do Mundo em 1930, que pelos seus oitenta mil lugares, seria, segundo os uruguaios, o maior estádio do mundo. No entanto, o campeonato foi iniciado em outro estádio com um público modesto, em virtude de na data prevista de 13 de julho, o Centenário não estar em condições de ser inaugurado. Especula-se que o Presidente Cimpistegui tentava fazer coincidir a inauguração do estádio e da Copa na data histórica da independência do país, em 18 de julho. Nesse dia, de fato, 70 mil torcedores, ansiosos pelo espetáculo, literalmente passaram por cima dos policiais e assaltaram as bilheterias. (AGOSTINO, 2002 p.48) Cientes da importância do futebol para o controle das populações, os noticiários esportivos aceitaram o papel de agentes da propaganda dos regimes, valorizando o que lhes era favorável e evitando a divulgação das adversidades. Nesse contexto, destaca-se o jornalismo radiofônico que, no início da década de 1930, à época da primeira Copa da Fifa, reunia multidões em praças públicas, na Europa e na América do Sul, para escutar as transmissões das grandes partidas, já que os aparelhos de rádio ainda eram artigos de luxo. (Murray, 2000 p.102) O rádio, um dos mais importantes veículos da propaganda dos regimes nazistas e fascistas, contava com locutores levados ao exagero chauvinista do ufanismo patriótico. Através dos alto-falantes instalados nos estádios, 2.2 | visão histórica do futebol | 92


as vitórias eram comemoradas com narrações recheadas de expressões militares e elogios racistas. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial o futebol não parou, no entanto, os campeonatos foram condicionados a medidas especiais de segurança, por força das circunstâncias, mas continuaram sendo aproveitados pela propaganda dos governos. Apenas as Copas da Fifa foram suspensas entre 1938 e 1950. Apesar da tragédia e dos inúmeros prejuízos impostos pela guerra, as inovações e os avanços tecnológicos incrementaram a engenharia aeronáutica, as transmissões radiofônicas, a multiplicação das informações estratégicas e o desenvolvimento de novos materiais. Os progressos tecnológicos foram da telegrafia à radiofonia e do eletromagnetismo aos elementos químicos das novas ligas metálicas. Embora diretamente vinculados à guerra, os substratos desses avanços penetraram e transformaram o cotidiano da sociedade do pós-guerra. Os atletas, então profissionais, ainda não contavam com o status de astros de cinema, mas faziam às vezes de heróis. Iniciavam e terminavam suas carreiras de jogadores, quase sempre, nos mesmos times, dos quais eram torcedores. Como dissociar Pelé do time do Santos, ou Garrincha do Botafogo, ou ainda, mencionar Euzébio sem que a referência ao seu nome não evoque o Benfica? O contrato que os jogadores deste período mantinham com seu time era cumprido com freqüência. Quando eram negociados com outros clubes, as somas angariadas eram modestas, quando comparadas aos bilionários contratos de venda atuais. Pode-se dizer, sem perigo de cometer qualquer erro, que os jogadores deste período estavam engajados em seus times, com eles identificados, estando ainda imunes aos fenômenos assinalados por Richard Sennet em “A Corrosão do caráter”, que atingiram as relações de trabalho no final do século XX. Afinal, tudo o que era sólido, tornou-se fluido.

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Fase Profissional/Pós-Moderna (1970-2006) A partir dos anos de 1980, as identidades sociais e culturais tornaram-se cada vez mais fluidas e a identidade nacional enfraqueceu. A globalização dos povos deu origem a uma cultura híbrida e à dependência econômica das nações em relação aos mercados internacionais. Enfrentando o declínio das bilheterias a partir da década de 1960 até a de 1980, os controladores das empresas de futebol buscaram caminhos para corrigir tal situação. Aos poucos, os clubes converteram-se de associações para o de companhias limitadas com acionistas e conselhos de diretores. Na vanguarda das novas elites que controlam o futebol está uma oligarquia de jornalistas e empresários que, apesar do seu conhecimento limitado sobre o futebol (incluindo os jornalistas), adquiriu hegemonia pelos seus interesses nos investimentos e nos negócios do jogo. Em campo, os mitos fabricados foram transformados em itinerantes celebridades internacionais. Desde a Copa do Mundo de 1990 na Itália, o futebol mundial passou por um crescimento financeiro inédito. Em 1994, o movimento financeiro no futebol era de 225 bilhões de dólares por ano e oferecia mais de 150 milhões de empregos diretos e indiretos. Em 1997, a indústria do futebol europeu já tinha um movimento financeiro estimado em 10 bilhões de dólares. (YALLOP, 2001 p.10) A partir daí, o esporte competitivo de alto rendimento tornou-se a matriz de todo o sistema esportivo contemporâneo com práticas reguladas, codificadas e regulamentadas por convenções, parâmetros de eficácia e controles rígidos de resultados. O conceito de desempenho foi transformado em princípio ideológico e o ritual da grande festa eliminado. Dessacralizado, o esporte rompeu as ligações com a estrutura social e se transformou numa atividade estéril com a completa atrofia do fato lúdico. Os atletas passaram a ser submetidos a normas de preparação e a criatividade foi asfixiada pelo exagerado grau de organização técnica e complexidade científica imposta aos jogos. O futebol tornou-se métrico, burocratizado, obcecado pela competição e subjugado à razão totalitária dos resultados, das estatísticas e das análises matemáticas. No esforço da comparação estatística, as qualidades foram abstraídas e reduzidas 2.2 | visão histórica do futebol | 94


a números apresentados como determinantes. Índices absolutamente diferentes passaram a ser igualados e definidos como realidade. Com o predomínio dos interesses econômicos, em que o lucro se tornou o único objetivo do esporte de competição, as organizações esportivas foram reestruturadas como entidades comerciais estabelecidas em mercados onde os competidores são avaliados pelo potencial de faturamento e a taxa de rentabilidade. Surgiu assim, a indústria do espetáculo esportivo de massa tornado campo privilegiado para a publicidade e a televisão, que cientes do seu papel de principais agentes da exacerbação nacionalista e estimuladores do orgulho chauvinista, passaram a promover a simulação de identidades nacionais com caráter claramente fascista em cerimoniais esportivos repletos de símbolos e ritos, expressos na profusão de bandeiras, escudos, hinos e heróis. No esporte-negócio, atletas transformados em mitos satisfazem as conveniências dos patrocinadores e dos investidores. O futebol domado pelas regras da competição mercantilista espetacularizada, exalta a beleza e a performance do corpo em espetáculos regidos pelo individualismo narcisista. O estádio para o futebol pós-moderno, diferente do estádio moderno, é pensado para uma categoria de torcedores, socialmente menos diversa, mas, mais endinheirada. A partir de 1990, a Fifa e as Federações de futebol decidiram privilegiar os seus patrocinadores, que passaram a receber a maior parte dos ingressos, para serem distribuídos entre seus garotos propaganda, convenientemente apresentados como convidados, e entre as torcidas por eles financiadas, denominadas organizadas. Dessa forma foi estimulado um mercado desregulado de transações, complementado pela propaganda subliminar nas transmissões televisionadas. No final da década de 1980, a Alemanha, Espanha, França e Itália, pretendendo abrigar os principais torneios internacionais, em particular as Copas Mundiais, decidiram reformar seus maiores campos de futebol ou construir novos. (GIULIANOTTI, 2002 p.96) Os novos estádios tiveram a sua capacidade limitada a cerca de 40 mil pessoas. Os preços dos ingressos foram aumentados e a oportunidade de 2.2 | visão histórica do futebol | 95


comprá-los na bilheteria passou a ser dificultada. Alguns clubes chegaram a ponto de criar listas de espera para ingressos. O futebol, suas instalações e seus equipamentos deixaram de depender das platéias e passaram a ser financiadas pelas rendas das transmissões de TV, pelos patrocinadores, pelos investimentos e pelos negócios publicitários, o que, a despeito da exclusão do antigo e mais tradicional público, enriqueceu jogadores, diretores, empresários e jornalistas. Essas mudanças fizeram surgir uma nova categoria de espectadores, o pós-torcedor. A nova sociedade pós-industrial e a mercantilização do futebol profissional levaram para os estádios dois tipos de platéia: uma formada pelas torcidas contratadas para a animação do espetáculo televisivo, e outra formada pelos espectadores com grande poder aquisitivo, por serem possíveis investidores do produto futebol ou dos produtos para o futebol, produzidos pelas transnacionais de equipamentos esportivos. No centro do consumo estão o pequeno e o médio consumidores, sempre sequiosos dos últimos lançamentos das mídias, sejam estes equipamentos ou ídolos de seus times. Dessa forma, são estimulados, pela violência nos estádios ou pelos altos preços dos ingressos, a permanecerem em casa diante de suas televisões, onde poderão ser informados dos mitos do momento e dos produtos de última geração que os transformarão em invejados estereotipo da modernidade, mediante uma módica taxa de assinatura. Acreditam poder, assim, alcançar o espírito superior que, a exemplo das mídias e dos mitos, lhes permitirá transformar toda a espécie de supérfluos em objetos de valor, e elevar a própria mediocridade a mais alta expressão da competência. A grande atração do futebol está nas suas imperfeições, incertezas e falhas humanas. As simulações perfeitas da irrealidade da televisão transformaramna em um meio de comunicação pouco confiável para se assistir a um jogo de futebol. Ela, não só fornece imagens parciais, como constrói cenas diferentes das testemunhadas nas arquibancadas. Essa manipulação pode ir da cobertura de acontecimentos controversos até a construção do jogo mais conveniente. Não é raro ouvir ovações e gritos entusiasmados, quando 2.2 | visão histórica do futebol | 96


as imagens nos mostram uma platéia passiva e desanimada. Todos os jogos transmitidos são transformados em eventos espetaculares, mesmo que em campo os times se arrastem no desânimo da mediocridade evidente. O importante é manter, a qualquer custo, a atenção da platéia e os índices de audiência. Um dos momentos marcantes da história do rádio, que pode bem ilustrar esse comportamento, aconteceu no Brasil, em l de abril de 1951. Nesse dia, aproveitando a excursão do time brasileiro à Itália, uma emissora paulista transmitiu um jogo inexistente, entre São Paulo e Milan. ... a transmissão imaginária ao melhor estilo Orson Welles, foi mantida ao longo dos noventa minutos, permeada com todas as variáveis possíveis e com um resultado chocante, para que o jogo não passasse desapercebido: 4x0 para o time italiano. Episódio marcante da interação Esporte-Mídia-Público seria lembrado por alguns como O Jogo da Mentira. (AGOSTINO, 2002 p.264/265)

Hoje, no limiar da hiper-realidade, em que o espaço entre o jogo e o espectador é mal definido, os múltiplos ângulos das câmeras nos fazem ver partidas repletas de minuciosos detalhes inúteis e nos submetem às subliminares mensagens publicitárias. A tecnologia do computador pode simular qualquer jogo, usando velhas cenas de vídeo de partidas para criar novas situações. Todos os nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação, tal como os primeiros tempos da humanidade receberam os nomes de idade da pedra, idade do bronze, pelo caráter da sua produção. (LAFARGUE, 2003 p.57)

Não é difícil imaginar os espectadores equipados com decodificadores de fones e televisão combinados, participando de uma experiência interativa, como se estivessem no estádio. Em longo prazo, é possível que o acontecimento virtual se sobreponha à experiência real com hiperreais partidas de futebol acontecendo em estádios vazios. Consolidando a política de controle sobre os torcedores, os responsáveis pelo futebol transformaram os estádios em grandes centros de comércio e lazer. Antes dos jogos ou no intervalo, o espectador é estimulado ao consumo, pela exposição nas vitrines dos produtos do seu clube. É o caso do Amsterdã Arena, do Ajax, onde o torcedor, apenas pode adquirir os produtos lá vendidos utilizando uma moeda corrente especial, a única reconhecida como legal dentro do complexo esportivo. (GIULIANOTTI, 2002 p.113) 2.2 | visão histórica do futebol | 97


O novo universo do futebol é limpo e eficiente, como deve ser um Centro Comercial. O produto deixa de ser o futebol para ser as mais variadas formas de conforto. Assentos personalizados, acessos fáceis, alimentos quentes, música para aliviar o tédio, ambiente calmo e visão sem interferências, formam um atrativo pacote para quem apenas quer dar uma saída ou quebrar a rotina. Fones de ouvido para os comentários, replays em telas gigantes e ainda, camarotes exclusivos para quem teme as invasões do mundo externo. Completando a garantia desse universo de tranqüilidade, câmeras de CCTV são ligadas a uma unidade central de controle, equipada com inúmeros monitores e videofaxes, transferem gravações de torcedores por meio de linhas de telecomunicação comuns, para as centrais de segurança. (GIULIANOTTI, 2002 p.111) Durante a chegada e a dispersão, o público é acompanhado por helicópteros da polícia com câmeras de vídeo, gravando cada movimento. A vigilância dos torcedores de futebol é intensificada à medida que se aproximam dos estádios, embora esse monitoramento já esteja acontecendo ainda a quilômetros dos campos, pelos sistemas de CCTV ao longo das vias públicas.

O papel das mídias O momento capital da decolagem da interação futebol-mídia foi a Copa da Suíça em 1954, tendo como destaque o desempenho da televisão que marcaria o destino do esporte daí em diante: A União Européia de Radiodifusão em Genebra possibilitou uma expressiva cobertura televisiva. Era o nascimento da Eurovisão e o encerramento da Era de Ouro do Rádio, em relação às transmissões esportivas. Estas haviam sido, por muito tempo, um monopólio dos radialistas, que desfrutavam de todos os poderes em relação ao que acontecia dentro de campo. (AGOSTINO, 2002 p.264) Na Suécia, em 1958, as transmissões televisivas foram realizadas para quase todos os países da Europa. Em 1966, na Inglaterra, as redes de televisão começaram a pagar direitos de transmissão, já operando satélites artificiais que possibilitavam que jogos ao vivo fossem vistos por 2 bilhões de pessoas. A final entre Inglaterra X Alemanha envolveu trinta e seis países e cerca de 400 milhões de telespectadores. (AGOSTINO, 2002 p.265) 2.2 | visão histórica do futebol | 98


Nos Mundiais seguintes, tais números não pararam de crescer, enquanto as receitas envolvendo direitos de transmissão se tornaram uma das principais formas de arrecadação para a maioria dos clubes, alimentando um movimento cada vez maior de novas competições, condicionando os horários dos jogos às exigências da programação. Na Copa do México, em 1986, algumas partidas foram realizadas ao sol de meio-dia, o que demonstra que o esporte já estava em segundo plano, diante da potencialidade do futebol como produto. A partir deste momento a propaganda invadiu todos os espaços dos estádios, e até mesmo a camisa dos jogadores. A tendência se acentuaria nos anos seguintes, à medida que todo o planeta começou a participar das retransmissões dos jogos das Copas. Vivendo também as grandes transformações promovidas pelas revoluções da Microeletrônica e Digital, o futebol não escapou da ação do mundo ligado em rede. O Mundial de 2002 teve a oportunidade de ser a primeira Copa do Mundo a ser transmitida virtualmente pela Internet. Entretanto, tal possibilidade foi frustrada porque a empresa alemã que comprou os direitos de negociação das imagens do Mundial rejeitou as propostas para transmitir a Copa em rede, preferindo priorizar contratos com a televisão. Nesta decisão, pesou a condição técnica, uma vez que a transmissão ao vivo de um evento com a dimensão da Copa do Mundo parecia, pelo menos até 2002, uma tarefa acima dos limites da própria rede, o que comprometeria decisivamente a qualidade das imagens. (AGOSTINO, 2002 p.266) Mesmo com tal limitação, o portal Yahoo!, contando com a demanda dos países ocidentais, prejudicados pela diferença de fuso horário, estabeleceu uma parceria com a FIFA, oferecendo um serviço de fornecimento das imagens dos melhores momentos das partidas para algumas horas depois dos jogos. (AGOSTINO, 2002 p.267) No conjunto de todas as mídias, proliferaram propagandas agressivas e campanhas publicitárias coordenadas por publicitários, co-responsáveis pela afirmação da tese de que o futebol é apenas um produto para comercialização do entretenimento. Fascinados e atraídos pelo apelo 2.2 | visão histórica do futebol | 99


consumista, milhões de telespectadores legitimaram as condições de exploração, fazendo-as parecerem normais e justas. A despersonalização do público permitiu a instrumentalização do espetáculo esportivo, a implantação de padrões e a imposição do modelo profissional competitivo e do estereótipo do vencedor. Os jogadores tornaram-se mitos e, à semelhança de personagens de telenovelas, são apresentados como vencedores de seus próprios destinos, em geral, relacionados à pobreza e ao anonimato. A rapidamente os atletas são transformados, pela magia da publicidade, em fenômenos, príncipes, reis, imperadores, magos, entre outros. Oportunidades de exposição nas mídias fazem parte das estratégias de promoção dos novos mitos. Na mesma velocidade em que estes novos mitos são construídos, com a participação inegável das mídias, eles também são lançados em desgraça, quando seus bilionários contratos de garoto propaganda ameaçam em não ser renovados. A distância entre ser fenômeno e um atleta fora do peso tem a duração de poucos anos. O que acontece aos “astros” do futebol é significativo para compreender a forma como as mídias agem em relação ao futebol-produto. Elas são, de fato, tão interessadas quanto as corporações em afirmar-lhe a condição de grande negócio e, por isso, atingem com narrativas mitológicas o inconsciente dos amantes do jogo.

2.2 | visão histórica do futebol | 100


_capítulo 3.: os estádios


3.1 Arquitetura dos estádios Os estádios são equipamentos complexos implantados no tecido urbano, como lugares integrados de vida, entretenimento, encontro e comemoração, planejados para criar emoções de celebração e drama. São ambientes com características únicas de identidade, que representam a mais clara interpretação dos eventos esportivos e, em particular, das relações e do desenvolvimento do futebol. Por essa razão, o seu planejamento é objeto de constantes mudanças, quanto ao porte, à organização, às tecnologias e às relações com ambiente urbano. Como estruturas urbanas e ambientes de manifestações culturais, os estádios, envolvem, conceitualmente, múltiplas possibilidades e codificações das aplicações dos sistemas, dos modelos, dos modos de comunicação, das normas e da experiência entre o real e o imaginário, o mítico e o prático. Da mesma forma, o conjunto de fenômenos integrados e distintos que, nos estádios, ligam os elementos com características, valores e especificidades compartilhadas, permitem compreender a diversidade implícita nos conceitos e nas práticas do esporte como modos coletivos de comportamento e os conjuntos de mediação simbólica que possibilitam e sintetizam as diferenças simultâneas entre soluções. São narrativas do processo social, imprevistas na base de premissas teóricas, com potencialidades distintas de sequências que elucidam e explicam situações e eventos, possibilidades e impossibilidades, envolvendo indivíduos e coletividades, culturas e civilizações como fatores de integração, resultantes da relação do diálogo entre a idéia e o lugar. Por essa razão, a atitude conservadora das soluções apoiadas na exatidão formal e estrutural da funcionalidade racionalista, do utilitarismo e do estilo que substitui conceitos arquitetônicos por fórmulas de engenharia e modismos de época, além de ignorar os processos de simbolização e a complexidade dos comportamentos, deixa clara a preocupação de desenvolver apenas técnicas e estratégias mercadológicas.

3.1 | arquitetura dos estádios | 102


Ao contrário dessas interpretações, o futebol como jogo, possui uma realidade autônoma e lógica que ultrapassa os limites da realidade física e da razão, só reconhecível e compreensível quando o determinismo absoluto e o autoritarismo do inculto e do popular são destruídos. (HUIZINGA, 2004 p.6) Na sua essência, o futebol sempre privilegiou a inteligência e a estratégia. Por isso, admitir a suposição ambígua e dissimuladora de que o futebol é uma diversão popular por ser praticado nas classes populares, em vez de um exercício de criação, significa aceitar uma camuflagem ideológica para justificar o seu uso por grupos e sistemas autoritários, da mesma forma que atribuir tanto aos estádios, quanto ao futebol, uma distorcida universalidade como recurso de massificação do entretenimento, também significa transformá-los em instrumentos de manipulação para a dominação. Em vez de referências técnicas e mercadológicas, os elementos conformadores dos estádios devem ser interpretados como estímulos capazes de produzirem soluções, tanto surpreendentes e perturbadoras, quanto tranquilizadoras e confortáveis, em que a instabilidade das partes, sem eliminar os significados do todo, permite a identificação dos dilemas e das contradições. Aceitar a probabilidade do erro e admitir a falência de hipóteses conservadoras dos pensamentos tradicionais e deterministas permitem subverter as soluções e explorar a contemporaneidade como resposta à interpretação da ordem, da harmonia, da estabilidade e da unidade. Old Trafford Stadium.

manutdportugal.com

3.1 | arquitetura dos estádios | 103


Antecedentes dos Estádios (–|1830) e Futebol Amador (1830|1930) Apesar da existência milenar dos estádios, para a prática dos mais variados esportes e espetáculos, os jogos de futebol anteriores à regulamentação, em 1860, eram jogados de forma improvisada, como uma manifestação lúdica da cultura popular, nos centros e nos campos dos povoados, onde obstáculos naturais e limites imprecisos determinavam os parâmetros espaciais para o jogo e as rudimentares áreas de gol. No mundo ocidental, por aproximadamente 1.500 anos compreendidos entre os últimos dias do Império Romano e a era vitoriana na Inglaterra, os estádios ficaram no esquecimento apesar das atividades esportivas na Europa pré-industrial. O porte dos torneios não justificava a edificação de estádios permanentes, mas apenas instalações temporárias. Os estádios modernos têm os anfiteatros gregos e romanos, como antecedentes fortemente determinantes para a sua morfologia, desde o século XIX. Na Grécia os estádios eram essencialmente rurais com forma ditada pelo local. Inseridos na topografia e com vista panorâmica sobre a paisagem, usavam os declives naturais para os assentos dos espectadores e permitiam a contemplação tranquila dos eventos esportivos. Estádio Grego. Fonte: www.worldstadiums.com

3.1 | arquitetura dos estádios | 104


Hipódromo e Anfiteatro Romanos. Fonte: www.worldstadiums.com

Coliseu, Roma (séc.I d.C.). Fonte: www.worldstadiums.com

Por sua vez, diferente da Grécia, os estádios e os anfiteatros, na Roma antiga, tinham caráter urbano e dominavam a paisagem. As arenas romanas eram ovais e cercadas por fachadas expressivas, não dando oportunidade à contemplação da paisagem externa. A atenção do espectador era forçosamente orientada para o interior, para a ação eminentemente intensa e impiedosa dos eventos. O modelo romano era espacial e construtivamente agressivo, com áreas relativamente pequenas para espetáculos particularmente violentos. Os primeiros estádios, após a regulamentação do futebol, foram construídos perto dos terminais de transporte, principalmente das estações ferroviárias, para permitir a fácil chegada e partida dos torcedores, mas também, das principais indústrias como forma de estimular a adesão dos torcedores locais. (GIULIANOTTI, 2002 p.93) Eram estruturas de traçado clássico sem qualidades arquitetônicas particulares e com poucas comodidades. Tinham, freqüentemente, forma elíptica e uma arquibancada inclinada em volta do gramado o que era visto como uma variação das arenas romanas. 3.1 | arquitetura dos estádios | 105


Os ingleses e os escoceses construíram, antes da Primeira Guerra Mundial, os mais antigos e maiores campos de futebol da fase moderna, em virtude do crescente número de espectadores atraídos para os jogos. Na década de 1900, Glasgow abrigava os três maiores estádios: Hampden Park, Ibrox e Celtic Park (Giulianotti, 2002 p.95). Essa condição se manteve até a construção, em 1923, do estádio de Wembley. Hampden Park 1903

Ibrox Stadium

Fonte: www.stadiumguide.com

Apesar do crescimento e da popularidade do esporte como entretenimento de massa, esses estádios com arquibancadas descobertas, ofereciam acomodações aos espectadores sem a preocupação com o conforto ou a qualidade das instalações. Só os diretores do clube e um número relativamente pequeno de espectadores tinham assentos nas arquibancadas cobertas, construídas com tijolo e ferro. A maioria dos espectadores distribuía-se segundo as diferentes classes sociais. Em pé, nas arquibancadas descobertas, na maioria das vezes adaptadas com dormentes reciclados de ferrovias ou com escória das minas de carvão compactada, ficavam os que tinham menos recursos. Muitas vezes eram colocadas arquibancadas atrás dos gols, o que contribuía para que os espectadores ficassem mais perto do jogo. Sem querer ser reducionista subestimando a heterogeneidade dos códigos estéticos do futebol, é possível perceber como grande a complexidade das afeições nas arquibancadas era moldada pelas atitudes comuns e pelas características de personalidade entre a multidão que relacionava os diferentes tipos de torcedores conforme sua localização. Nas observações e na análise de Giulianotti (2002 p.100) os torcedores apaixonados sentavamse na base das arquibancadas, perto de seus ídolos no gramado, enquanto que os mais jovens e os mais fiéis torcedores dos bairros periféricos, colocavam-se nas extremidades, atraídos pelos imprevisíveis espetáculos 3.1 | arquitetura dos estádios | 106


dos pontas e dos centroavantes. Na parte mais calma das arquibancadas ou nas mais baratas ficavam os mais velhos para apreciarem a tenacidade dos zagueiros e dos meio-campistas. Por sua vez, a classe média, nas áreas centrais, usufruía de visão panorâmica, apreciando os armadores no meio do campo e o conjunto das jogadas em toda a dimensão do gramado. Construídos em áreas centrais, perto das estações ferroviárias e das principais indústrias, esses campos ganharam importância simbólica cada vez maior para as comunidades locais. Cresceram como edifícios e tornaram-se símbolos importantes da cultura. Junto com os terminais de transportes e comunicações e com os megacentros comerciais são atualmente componentes vitais dos novos espaços públicos, estimuladores da regeneração urbana e regional e catalisadores do crescimento planejado e estratégico das cidades. Quando os espaços centrais das cidades começaram a ficar limitados, os campos passaram a ser retangulares, acompanhando a forma do gramado. Embora a maior parte destes estádios tivesse sobrevivido até os anos de 1960, a absoluta inadequação a novas exigências de segurança, conforto e controle para organização dos jogos, precipitaram a sua reavaliação e reforma.

Ibrox Stadium . Fonte: www.stadiumguide.com

Nessa primeira fase, pela ênfase dada ao caráter facilitador de soluções apenas construtivas, resultado da predominante mentalidade tecnicista, ficou demonstrado que o desenvolvimento inicial dos estádios não conseguiu acompanhar a expansão do futebol, como evidenciado em 1902, quando, durante um jogo internacional entre Escócia e Inglaterra no estádio do Ibrox, parte da nova arquibancada de madeira ruiu, matando 25 espectadores e ferindo mais de 500, o que precipitou a sua reavaliação e transformação. 3.1 | arquitetura dos estádios | 107


Com isso, logo depois, as arquibancadas de madeira foram desestimuladas e substituídas pelas de concreto. (Giulianotti, 2002 p.101) Esse é um exemplo claro de como nesse momento a preocupação com os aspectos de produção privilegiava a técnica em detrimento de avaliações espaciais e comportamentais, pela absoluta crença na tecnologia como força suficiente de transformação. Tais convicções ficaram bem claras com a realização dos estádios. Em pouco tempo, as soluções construtivas propostas para segurança do público nos estádios deixaram evidente que não passavam de paliativos e, novamente, novos e numerosos acidentes, como na Copa da Inglaterra em 1923, provocaram o primeiro relatório parlamentar sobre segurança. Mais recomendações foram feitas e, desta vez, foi proposta a colocação de grades nos campos para separar as multidões e reduzir os seus movimentos, bem como a utilização de ingressos numerados para os jogos, de modo a controlar a quantidade de público. (Giulianotti, 2002 p.101) Em todos os lugares, estádios de futebol passaram por mudanças, com intervenções, em particular, nas estruturas mais vulneráveis, sendo possível delinear suas características, de acordo com a fase histórica.

Wembley National Stadium 1923. Fonte: news.bbc.co.uk

Grandes estruturas de concreto passaram a dar ênfase à segurança dos espectadores. Mesmo assim, com exceção do Estádio Nacional de Wembley, construído em 1923, a Inglaterra teimou em manter as mesmas velhas estruturas anteriores a 1930. Como conseqüência foi obrigada a testemunhar novos acidentes e tragédias.

3.1 | arquitetura dos estádios | 108


Estádios modernos e futebol profissional 1930|1950 Caracterizados por uma arquitetura modernista de caráter funcionalista e estereotipada com instalações para diversos esportes, em materiais duráveis, incluindo arquibancadas elípticas em concreto e parcialmente cobertas, os estádios foram construídos de uma maneira geral, para uso municipal ou para torneios importantes, com localizações e arquiteturas influenciadas por fatores específicos, locais. Esses campos faziam parte, muitas vezes, de um conjunto de projetos de construções urbanas sob responsabilidade das autoridades municipais, como parte de complexos esportivos. Por isso, com eventuais exceções, esses estádios eram construídos em áreas afastadas dos centros das cidades, com acesso por vias expressas.

Stadio Nazionale PNF 1928

Estádio Centenário 1930

Olympiastadion 1936

Na era moderna, os processos de mecanização e de especialização separaram a natureza da cultura e incentivaram a fragmentação e o individualismo, com avaliações circunscritas à razão e práticas definidas apenas pela necessidade. Segundo o manifesto L’archittetura futurista, em 1914, as soluções orientadas por conceitos deveriam despir os edifícios de todo o tipo de artifício, colocando o valor decorativo somente no uso e na aplicação imaginativa do material bruto, aparente. Sob influência do modernismo, soluções normatizadas e exigências funcionais de acessos, ângulos de visão, conforto, segurança, e controle do espectador, com caráter definitivo e dogmático, dominaram o pensamento arquitetônico para os estádios (GIULIANOTTI, 2002 p.96), o que acabou enfraquecendo as particularidades dos campos e as possibilidades de futuras adequações. 3.1 | arquitetura dos estádios | 109


Artemio Franchi Florença 1931

Olímpico de Roma 1937

A partir daí, as formas puras passaram a ser privilegiadas e tornaram-se um cânone estético no Estilo Internacional do Movimento Moderno, consagrando os três princípios estéticos de ênfase do volume puro, regularidade modular e ausência de decoração intencional, como são exemplos os estádios Artemio Franchi projetado por Pier Luigi Nervi e o Olímpico de Roma de Luigi Walter Moretti. Em 1933, a Carta de Atenas estimou que o desenvolvimento dos sistemas industrializados para construção permitiria a multiplicidade das utilizações e maior rapidez de execução, o que deu suporte teórico às soluções funcionalistas do Movimento Moderno. Convictos de que os edifícios são a expressão dos desempenhos estruturais e técnicos e das exigências funcionais que dominavam o pensamento arquitetônico não momento, os modernistas enfatizaram a utilização de fórmulas e fluxos enfraqueceram a atenção às particularidades dos estádios. Segurança, visibilidade, conforto e controle do espectador, acessos, instalações sanitárias e quiosques com alimentos dominaram as preocupações dos projetistas. Respeitando as tradições, apresentavam formas simples e retas, acentuadas por circulações funcionais e espaços amplos e generosos abrindo para o exterior, dando continuidade aos ambientes como partes do mesmo pensamento. em construção em 1939

Estádio Municipal do Pacaembu.

inaugurado em 1940.

Fonte: www.vitruvius.com.br

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Por sua vez, os governos em geral e as ditaduras em particular, com problemas políticos e sociais cada vez maiores, mais presentes e preocupantes, passaram a considerar o futebol um recurso de extrema importância para o controle das populações e de seu lazer. É dessa forma que também surge o estádio do Pacaembu, que passa a ser o grande centro de manifestações esportivas e políticas a exemplo do que já acontecia com o estádio de São Januário no Rio de Janeiro. A multiplicação das competições e os novos estádios construídos em quase todos os países com o objetivo de alimentar e consolidar os sentimentos nacionalistas, refletiram a influência dos ditadores nas estratégias, na organização e no planejamento desses privilegiados veículos da propaganda e verdadeiros monumentos à sua glória, onde as vitórias eram comemoradas como triunfos dos regimes. O ufanismo patriótico era bradado através de alto-falantes instalados nos estádios, com expressões militares e elogios racistas recheados de exageros chauvinistas. Mesmo com os prejuízos causados pela Segunda Guerra Mundial, os progressos tecnológicos transformaram o cotidiano da sociedade do pósguerra, o que também redefiniu conceitualmente a arquitetura dos estádios.

Estádio Santiago Bernabeu 1947 Fonte: www.worldstadiums.com

Maracanã 1950

Estádio da Luz 1954

Nesse período, foi no sul da Europa que os maiores e mais importantes estádios foram erguidos, com o objetivo de alimentar os sentimentos nacionalistas durante os períodos das ditaduras políticas de Mussolini (Estádio Olímpico - 1934), Francisco Franco (Santiago Bernabeu - 1947) e Salazar (Estádio da Luz - 1954). Apesar de construídos no final da década de 1940 e início da década de 1950, seguem a mesma arquitetura modernista de caráter monumental.

3.1 | arquitetura dos estádios | 111


Estádios Modernos e Massificação no Futebol 1950|1970 Embora, a segunda metade do século XX, marcada pelo início das atividades da radiodifusão esportiva e posteriormente da televisão, e pela presença e influência das tecnologias no cotidiano das populações, tenha desafiado valores e questionado processos, expondo e identificando fragilidades dilemas e contradições, as soluções para os estádios, propostos como parte de complexos esportivos, em vez de inovadoras, não foram além de generalizações arquitetônicas estereotipadas. Inexplicavelmente, em vez de transformação e renovação, houve apenas a aplicação de normas, regras e princípios já consagrados. Fontes: www.internacional.com.br; www.sportclub.com.br; www.uol.com.br; www.rondonesportes.com

Eucaliptos RS 1931

Ilha do Retiro Recife 1937

Independência BH 1950 Durival de Brito PR 1947

Foi o que se verificou na Copa de 1950, em que apesar de um intervalo de vinte anos separar a construção do estádio Eucaliptos em Porto Alegre do estádio Independência em Belo Horizonte, nenhuma diferença era percebida nas suas concepções, nem detectada qualquer intervenção renovadora, como mostram as imagens acima. Na Copa de 1954, na Suíça, foram repetidos os mesmos critérios e utilizados estádios construídos entre 1886 e 1951, seguindo o mesmo receituário dos anteriores. Nas Copas seguintes, até 1974 na Alemanha, foi mantida essa rotina. As Copas de 1958, 1962, 1966 e 1970 tiveram como sedes estádios modernistas exatamente iguais, projetados para as grandes massas.

Malmö Stadion 1958

Nacional do Chile 1938)

Wembley (1923)

Azteca (1966)

Fonte: www.stadiumguide.com

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Por desconhecimento ou por equívoco, foram ignoradas as evidentes e significativas influências da ciência e da tecnologia, numa clara resistência às inovações, provavelmente por estas exigirem mudanças de comportamento e de mentalidade. Neste período, os elementos fundamentais nas estratégias de projeto

visavam a otimização e a

facilitação dos processos de realização dos edifícios. O tempo-produção era a principal referência para qualificação dos bons desempenhos. Assim, era suficiente que as estruturas se comportassem como dispositivos mecânicos de controle de forças, tecnicamente eficientes, sem grandes estratégias para controlar os sistemas influenciados pela multiplicidade de condições produzidas por fenômenos de deterioração ou de acomodação pela ação contínua do tempo. No conjunto de estádios no Brasil para grandes platéias, construídos em sua maioria, em meados do século XX e sob a influência das concepções do movimento moderno relacionam-se o Maracanã no Rio de Janeiro, o Morumbi em São Paulo, projetado por Vilanova Artigas, para 150 mil pessoas, o estádio de Curitiba para 180 mil, e os de Belém e Fortaleza, ambos para 120 mil torcedores. Outros estádios, como os de Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Maceió, apesar de menor porte, ultrapassam individualmente os 100 mil lugares. Apesar das restrições, por motivos de segurança, terem reduzido significativamente essas capacidades, ainda prevalece uma certa informalidade no Brasil. Nas estratégias de planejamento, para que as condições fossem mantidas sob controle, tornando os sistemas contribuintes eficientes e de valor, no conjunto das soluções, a essência estava no desenvolvimento de sistemas e materiais eficientes que atribuissem valores formais aos ambientes projetados. As mudanças nas instalações, quando aconteceram, tiveram como principal argumento a urgência de melhores condições de segurança. No entanto, as soluções tecnológicas incompletas e deterministas, provocadas pela progressão negativa de premissas mal avaliadas, acabaram evoluindo para o colapso, tiveram como consequências os acidentes no Bolton, em 1946, no campo do Clyde’s Shawfield em 1957 e no Ibrox, em 1961 e 1971, com novas vítimas em 1967 e 1969 (Giulianotti, 2002 pp.101-102). 3.1 | arquitetura dos estádios | 113


Apesar de todos os códigos, normas e padronizações, motivados pelas preocupações com segurança, o desenvolvimento dos estádios não conseguiu acompanhar a expansão do futebol, permitindo freqüentes desastres que vitimavam o público. Todos os continentes foram testemunhas dessas tragédias em estádios de futebol. O desmoronamento de muros, coberturas e até de arquibancadas, demonstravam o estado precário das instalações e a irresponsabilidade das superlotações provocadoras, não raras vezes, de situações de pânico na multidão. (GIULIANOTTI, 2002 p.100) Setenta dos noventa e dois clubes da liga inglesa, em 1993, jogavam em campos construídos antes da Primeira Guerra Mundial. Na Escócia, vinte e oito dos trinta e oito clubes da liga em 1990 jogavam desde antes de 1910 em seus próprios campos. O processo claro de obsolescência arquitetônica dos edifícios canônicos deixou evidente a necessidade de revisão dos conceitos ortodoxos para adequá-las às mudanças inevitáveis. Aqui, são fundamentais os aspectos metodológicos para avaliar os fatores condicionantes, sobretudo os de caráter ambiental e tecnológico, estabelecendo condições adequadas à realização e ao uso dos ambientes do edifício. Mesmo assim, algumas obras significativas foram desenvolvidads neste período por autores importantes. Em Göteborg, na Suécia, o Estádio de Nya Ullevi (1958) projetado por Fritz Jaenecke e Sten Samuelson para a Copa do Mundo de Futebol de 1958, era um estádio com cobertura sustentada por cabos de aço e assentos para todos os espectadores. Anecessidadededaràssoluçõesumacondiçãodeconforto,eficienteesustentável, levou à reavaliação de desempenhos de soluções formais e ambientais. Estádio de Nya Ullevi 1958 Fonte: www.fussballtempel.net

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Significativo e positivo nesse sentido, foi o novo uso da iluminação nos estádios, apesar da Associação de Futebol inglesa a ter proibido em 1930. Em 1950, já consentida, a iluminação tornou-se uma característica regular nos estádios de futebol. Em 1967 todos os estádios para jogos oficiais estavam equipados com sistemas de iluminação. As partidas puderam passar a ser realizados a qualquer hora, o que possibilitava a sua compatibilização com os horários da TV. (Sheard, 2005 pp.107-108) Reforçando o uso de novos equipamentos para conforto dos ambientes dos estádios, o Astrodome em Houston, construído em 1965, foi o primeiro estádio de esportes no mundo, a ser completamente equipado com ar-condicionado. Além disso, também no Astrodome, para que os espectadores não fossem privados de conforto, foram colocados placares eletrônicos e telas gigantes de televisão, um novo sistema acústico e cadeiras estofadas. (Sheard, 2005 p.109)

3.1 | arquitetura dos estádios | 115


Estádios Pós-Modernos e Mercantilização do Futebol 1970|1990 A passagem da era industrial para a era da informação, na década de 1970, promoveu a obsessão pela eficiência e a produtividade, pelo planejamento e o monitoramento. Desses princípios, surgiu um futebol funcional, gerenciado por metas e estratégias cientificamente monitoradas. À consolidação dessas condições não é estranha à mudança do controle político do futebol para a América do Sul, em 1974, quando João Havelange assumiu a presidência da Fifa, substituindo Stanley Rous. Nesse momento, a fixação de novos paradigmas tornou as competições mais agressivas, acentuou os antagonismos nacionalistas e dissolveu os vínculos sociais e políticos locais entre os clubes e as comunidades. Em todos os lugares e em todas as relações, foi aceite a substituição do Estado em favor dos mercados desregulados de transações, o que permitiu a transferência do controle das finanças e da administração das ligas e dos departamentos de futebol dos grandes clubes para organizações empresariais formadas, principalmente, por empresas de marketing esportivo e redes de televisão. Interessada nos lucros da indústria do futebol, a televisão também interferiu na sua organização, ao colocar-se como elemento indispensável para o esporte investimento, oferecendo oportunidades comerciais às empresas. Aos poucos, após a destruição das estruturas públicas, os clubes converteram-se de associações em companhias limitadas com acionistas e conselhos de diretores. Se os estádios haviam resistido às inovações entre os anos de 1950 e 1970, a televisão, ao possibilitar que 27 milhões de espectadores assistissem à final da Copa do Mundo de Futebol em 1966, obrigou a FIFA a rever suas estratégias e estruturas de organização. No final da década de 1970, quando a presença das emissoras se acentuou e os torneios internacionais se multiplicaram, a televisão já transmitia os jogos em cores e ao vivo para todo o planeta com imagens múltiplas e o uso de várias câmeras em diversos ângulos, o que, naturalmente, elevou os valores financeiros das transmissões, a níveis exorbitantes. Altamente rentável, a mercantilização do futebol atraiu todo o tipo de investidores que, em especial, impuseram novos procedimentos para o planejamento dos estádios e a administração das entidades esportivas. 3.1 | arquitetura dos estádios | 116


Entre outras intervenções, foi defendida a idéia de que, para os estádios competirem eficazmente com os parques temáticos e outras instalações de lazer, eles teriam que ser áreas não só seguras, limpas e confortáveis, mas locais para a recreação e o entretenimento das famílias. Sob esses princípios, e com o objetivo de abrigar os principais torneios internacionais, em particular as Copas do Mundo, muitos dos maiores campos de futebol foram reformados na década de 1980, e novos também foram construídos. A partir dos anos de 1980 as identidades sociais e culturais tornaram-se cada vez mais fluidas e a identidade nacional enfraqueceu. A globalização dos povos deu origem a uma cultura híbrida e à dependência econômica das nações em relação aos mercados internacionais. O estádio para o futebol pós-moderno, diferente do estádio moderno, é pensado para uma categoria de torcedores, socialmente menos diversa, mas, mais endinheirada. Essas mudanças fizeram surgir uma nova categoria de espectadores, o pós-torcedor. No centro do consumo estão o pequeno e o médio consumidores, estimulados a permanecerem em casa diante de suas televisões, onde poderão ser informados das modas e dos produtos de última geração. Apesar das claras mudanças e das inovações estruturais entre os anos de 1970 e 1990, o caráter reducionista da limitada racionalidade funcionalista desenvolvida no pós-guerra, continuou aplicada de forma ingênua aos novos estádios. Criados para responderem às novas estratégias mercadológicas, os estádios mantiveram conceitos obsoletos de concepção e organização. Muitas foram as condições ignoradas, figurando entre as principais as preocupações ambientais, que durante os anos de 1980 deixaram evidentes as exigências dos ambientalistas, tanto conservacionistas, quanto de sustentabilidade, o que deveria levar à reavaliação de desempenhos funcionais e operacionais de ambientes e dos equipamentos bem como das condições de automação e de mecanização dos edifícios. Enquanto a ciência e a tecnologia aceleravam e diversificavam os avanços tecnológicos, os estádios limitaram-se à colocação de cadeiras nas arquibancadas e á criação de coberturas, muitas vezes exibicionistas, apenas simuladoras de uma imagem contemporânea, o que não surpreende, já que 3.1 | arquitetura dos estádios | 117


as soluções mercadológicas, por serem meramente especulativas, sempre reduzem os seus modelos a caricaturas da realidade. Suas manifestações de ostentação formal ou demonstrações gratuitas de habilidades negam a correção na execução dos edifícios apoiados no rigor, na exatidão e na clareza de definições ambientalmente e tecnologicamente avançadas. As intervenções mercadológicas são atos incapazes da compreensão das transformações e exigências das relações espaciais e dos comportamentos. Por isso, não é de estranhar que nos estádios, entre outras consequências, os desastres continuassem acontecendo. Depois, como sempre, continuaram os já conhecidos planos estratégicos e as intervenções para melhorar os procedimentos de segurança. Como se não bastasse, as desordens das multidões vieram juntar-se às questões construtivas e tornaram-se um problema crítico e uma característica desagradável de muitos jogos. Desta vez, passou a ser obrigatório que os estádios criassem arquibancadas com assentos para todos, sendo eliminados os lugares para espectadores em pé. As mudanças no futebol e nos estádios não foram estranhas às novas condições sociais e as crises das economias que transformaram as utopias dos anos de 1960 em ações pragmáticas e passaram a exigir preocupações com os aspectos econômicos. O aumento da complexidade técnica dos projetos dos estádios e os seus processos de desenvolvimento tornaram a sua concepção um assunto de pesquisa e, mesmo sem a necessária revisão de conceitos na concepção e na interpretação dos significados e das referências de evolução, obrigaram os projetistas à consideração de um vasto conjunto de fatores entre os quais a capacidade para absorver as transformações exigidas pelas demandas tecnológicas. Apesar das poucas experiências significativas e de infelizmente não passarem de atitudes individuais dos seus autores, não podemos ignorar o Estádio Olímpico de Munique projetado em 1972 por Frei Otto e Günter Behnisch. A solução tecnológica e construtiva da complexa cobertura tracionada, com chapas de acrílico transparente, estendida sobre o estádio e unindo os acessos, embora impactante, dava continuidade às experiências realizadas por Kenzo Tange (1913) com as coberturas dos Pavilhões Olímpicos em Tóquio (1960-1964) e do Centro Esportivo do Kuwait, em 1969. 3.1 | arquitetura dos estádios | 118


Estádio Olímpico de Munique 1972

Fonte: www.stadiumguide.com

Além destas, podemos referir os Estádios Luigi Ferraris em Gênova, projetado por Vittorio Gregotti, e o de San Nicola em Bari, projetado por Renzo Piano, como algumas das experiências realizadas por projetistas visionários, que produziram tecnologias e materiais para uma arquitetura inovadora. No entanto, na maioria das intervenções e dos novos estádios, temos de reconhecer que as formas, as estruturas e os materiais tiveram como preocupação a eficiência das facilitações construtivas.

Westfalenstadium 1974

Luigi Ferraris 1989

San Nicola 1990

Fontes: www.stadion-live.de; www.eurostadiums.com

3.1 | arquitetura dos estádios | 119


Estádios Pós-modernos e Futebol das Corporações 1990|2007 A partir dos anos de 1990, os estádios passaram por mudanças estratégicas de organização e operação, transformando-se em centros de eventos capazes de abrigar grandes manifestações, não só esportivas, mas também de formas de vida, cada vez mais semelhantes, que transcenderam as fronteiras culturais de todas as sociedades e criaram modelos e padrões claramente refletidos na uniformidade dos centros de consumo. Novos e numerosos estádios polivalentes e de múltiplos usos foram construídos, principalmente a partir dos anos de 1990, e representaram um investimento atrativo, tendo como principais exigências a criação de instalações seguras, limpas, confortáveis e assentos para todos os espectadores. São deste período os estádios Amsterdam Arena (1993-1996) na Holanda, Stade de France (1994-1997) na França, Sapporo Dome (1996-2001) no Japão e Allianz Arena (2002-2005) na Alemanha, construídos para abrigarem grandes torneios de futebol, esses são exemplos representativos das novas referências, interpretações e exigências que envolvem o planejamento e a realização dos estádios das corporações. Amsterdam Arena www.queerschlag.de

www.stadionwelt.de arena

Stade de France Fontes: www.stadiumguide

www.amsterdamarena.nl

www.membres.lycos.fr

www.stadiumguide.com

www.stadiumguide

Sapporo Dome Fonte: 2002.fifaworldcup.yahoo.com

3.1 | arquitetura dos estádios | 120


As instalações dos estádios passaram a ser julgadas de acordo com os espaços de comércio e de lazer e as mais variadas formas de entretenimento e de conforto. Assentos personalizados, alimentos variados, música para entretenimento, transmissões em telas gigantes e fones de ouvido para os comentários e câmaras de CCTV ligadas a monitores e vídeofaxes, que transferem gravações das arquibancadas para as centrais de segurança, formam, sem qualquer dúvida, um atrativo pacote para quem apenas quer dar uma saída, romper a rotina ou aproveitar momentos de despreocupação. Sapporo Dome

Amsterdam Arena

Fontes: 2002.fifaworldcup.yahoo.com

www.amsterdamarena.nl

Stade de France

Fonte: www.metier-tp.com

Programas extensos, instalações sofisticadas, estruturas complexas e equipamentos de última geração constroem uma imagem de qualidade e eficiência que reflete a importância das novas instalações, como investimento. Lojas, museus, restaurantes bares e cafés, salas de estar e de jogo, destinadas ao público, bem como camarotes, tribunas, salas de reuniões, de conferências e até para banquetes reservadas aos administradores, investidores, patrocinadores, empresários, publicitários e jornalistas de todas as mídias, são parte do programa que viabiliza a realização dos eventos e, sobretudo, os retornos dos investimentos. Além dessas, instalações para atletas, equipes técnicas, árbitros, representantes das federações, equipes de operação e 3.1 | arquitetura dos estádios | 121


apoio e muitas outras, envolvem vestiários, ginásios, salas de preparação, instalações clínicas, salas de palestras e de trabalho, salas de serviços de manutenção e de segurança, entre muitas outras áreas. Como suportes para as transmissões televisivas, são exigidos ótimos níveis de iluminação com alta resolução de cor e qualidade acústica. Nestas condições, os jogos podem ser realizados e transmitidos a qualquer hora do dia ou da noite. Embora os novos estádios canalizem atenções pelo seu porte, qualidade e multiplicidade dos ambientes, pelos eventos que recebem, pelos clubes que representam, ou pelo volume de investimentos que geram ou movimentam, apesar da presença, extensão e variedade, esses ambientes deveriam ser apenas os bastidores de um espetáculo em que o campo gramado e as arquibancadas continuam sendo o grande cenário do jogo. Todavia não podemos ignorar a grande qualidade e contribuição das características particulares das inovações tecnológicas e do planejamento que esses estádios oferecem ao futebol. Apesar dos critérios e dos fatores condicionantes comuns a esses estádios, que definem aspectos formais, morfologia e organização semelhantes, há diferenças em suas soluções tecnológicas e nas estratégias de operação que envolvem particularidades atrativas e principalmente perspectivas e possibilidades de conjunto que oferecem soluções inovadoras. Sistemas de automação e estruturas móveis, tanto das coberturas, quanto das arquibancadas e até dos gramados, têm razões e justificações tecnológicas e de planejamento diferentes, embora muitas vezes reféns das razões dos investidores ao torná-los circos de malabarismos luminosos, necessários ao espetáculo televisivo. Allianz Arena

Imagens: divulgação (acessoria de imprensa do allianz-arena)

3.1 | arquitetura dos estádios | 122


3.2 Planejamento e organização dos estádios O planejamento dos estádios para sua realização envolve múltiplas considerações entre as quais não podemos ignorar as referidas e regulamentadas pela FIFA - Fédération Internationale de Football Association, compiladas num documento denominado “Recomendações técnicas e requisitos para a construção ou a modernização de estádios”. Neste documento encontram-se avaliações e propostas de ação que envolvem desde a implantação dos estádios, até suas condições operacionais, abordando especificamente a localização e a acessibilidade, compatibilidade ambiental, comodidade e segurança, comunicação e transportes, infraestruturas e serviços de apoio ao público e atletas, além de todas as áreas e ambientes necessários à preparação e realização dos jogos. Nas “recomendações”, a Fifa (2007 p.75) aconselha a análise de demandas e objetivos para as instalações pretendidas, antes de qualquer ação, alertando que repetir soluções precárias ou limitadas, dimensionadas apenas para as necessidades dos clubes, é uma insensatez que leva a prejuízos evidentes, para os atletas e os espectadores. Para a realização de partidas de alto nível, sobretudo quando se trata de eventos internacionais, os estádios devem satisfazer as determinações da FIFA, envolvendo, não só, as condições do campo de jogo, mas também, os aspectos de conforto, manutenção, limpeza, administração e evolução tecnológica. Caso os recursos financeiros sejam insuficientes é preferível, ainda segundo a FIFA (2007 p.76) prever a possibilidade de ampliações, complementações,

modificações,

ou

melhoramentos

posteriores,

conforme o crescimento das demandas e das exigências, sem necessidade de grandes obras e compromissos financeiros. Embora consideradas raras e caras, as áreas urbanas centrais são as ideais, para a implantação dos estádios, por privilegiarem os bairros e as comunidades. Essa é, não só, a tradição herdada dos primeiros estádios na fase moderna do futebol, como também das comemorações ancestrais que originaram o jogo. Para uma atividade que movimenta atualmente cerca de um trilhão de euros ao ano e exibe contratos milionários e edificações de mais de meio bilhão de euros, falar em terrenos caros não deixa de ser uma 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 123


contradição. Acima de tudo, importa que os estádios sejam implantados em áreas de fácil acesso, a uma distância confortável dos locais de hospedagem e na proximidade de meios de transporte.

Estádio José Alvalade 2004

maps.google.com

Além disso, o terreno deve ser suficientemente amplo para dispor de áreas externas de circulação e acessos, livres de aglomerações e congestionamentos, durante a entrada e a saída das multidões de espectadores. Ademais, isso permitirá possíveis ampliações posteriores e locais adequados para estacionamento. (FIFA, 2007 p.75) Como condição primordial, os estádios devem ser lugares seguros para espectadores, protagonistas ou funcionários e, sob nenhum pretexto ou tipo de circunstancia poderá ser ignorada ou preterida. Como requisitos indispensáveis, os estádios contemporâneos devem interpretar as necessidades presentes e futuras e oferecer comodidade e tranquilidade. (FIFA, 2007 p.77) Um estádio

jamais pode fixar-se como uma experiência negativa,

desagradável ou prejudicial à qualidade de vida, pela perturbação da tranquilidade ou destruição de ambientes naturais e das paisagens. Por isso, a escolha do terreno para sua implantação deve adotar, como principais critérios, a compatibilidade ambiental e o respeito aos fatores naturais. Além disso, deve permitir uma boa orientação ao campo de jogo em relação ao sol e às influências climáticas, protegendo as arquibancadas e as áreas técnicas. No entanto, é necessário cuidar para que sejam eliminadas as interferências prejudiciais sobre o terreno de jogo, considerando que a luz e o ar são fundamentais para a manutenção e o crescimento da grama. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 124


Nos estádios circulares e enclausurados, com coberturas sobre toda a arquibancada é extremamente difícil manter as superfícies de grama natural em condições aceitáveis. Por isso, em alguns estádios o campo de jogo desliza para fora da edificação, para que a grama receba sol e seja ventilada.

Saporro Dome 2002 www.as.com/graphics

Preocupada com isso, a FIFA, estranhamente, em vez de exigir soluções adequadas de projeto, decidiu autorizar o uso de superfícies de grama artificial nas partidas preliminares para as Copas do Mundo e Torneios Olímpicos de Futebol, mediante sua prévia aprovação. No entanto, as partidas das competições finais da FIFA e de confederações como a UEFA continuarão sendo disputadas sobre grama natural. (FIFA, 2007 p.78) 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 125


setorização do estádio A organização espacial sempre desempenhou um papel importante na construção da atmosfera do jogo, permitindo ou enfraquecendo as relações de rivalidade ao evocar memórias e estimular expectativas. Para elaboração e desenvolvimento dos estádios é conveniente a sua setorização em áreas externas e áreas internas destinadas ao público, aos atletas e aos árbitros, aos profissionais oficiais e aos meios de comunicação, organizadas em torno do terreno de jogo e complementadas pelas instalações de serviços e de apoio, e pelo comércio e serviços direta e indiretamente relacionados à realização dos jogos. Essa setorização desdobra-se num extenso programa de equipamentos e serviços proposto pela FIFA, com o objetivo de proporcionar ao público ambientes confortáveis, seguros e eficientes. Baseado nas “Recomendações técnicas e requisitos para a construção ou a modernização de estádios” da FIFA foi proposta a seguinte setorização e organização:

1. Áreas Externas 2. Áreas Destinadas ao Público 3. Áreas Destinadas aos Atletas, Árbitros e Representantes Oficiais 4. Terreno de Jogo 5. Áreas Destinadas aos Meios de Comunicação 6. Instalações de Serviços e de Apoio 7. Áreas e equipamentos para atividades e serviçoes complementares

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 126


PROGRAMA PARA OS ESTÁDIOS: 1. Áreas Externas Praças de acesso e dispersão Bilheterias e bloqueios de controle Estacionamentos § Público da Arquibancada § Público dos Camarotes e das Tribunas de Honra § Meios de comunicação § Equipes, árbitros e funcionários oficiais § Policia, bombeiros, serviços de emergência, espectadores incapacitados § Pessoal de serviço do estádio

Heliponto 2. Áreas Destinadas ao Público Acessos e Circulação Arquibancadas § Assentos § Pontos de venda de alimentos e acessórios § Instalações sanitárias

Camarotes e Tribunas de Honra § Infra-estrutura de hospitalidade corporativa

Espectadores incapacitados 3. Áreas Destinadas aos Atletas, Árbitros e Representantes Oficiais Atletas § Acesso dos atletas aos vestiários § Vestiários e instalações sanitárias dos atletas § Áreas de aquecimento dos atletas

árbitros § Acesso dos árbitros aos vestiários § Vestiários e instalações sanitárias dos árbitros § Áreas de aquecimento dos árbitros 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 127


Representantes oficiais § Acesso dos representantes oficiais aos vestiários § Sala do delegado da partida § Sala para o exame médico de jogadores e árbitros § Sala para o controle de dopagem § Salas adicionais

Acesso ao terreno de jogo 4. Terreno de Jogo 1. Acesso à área de jogo 2. Área verde e terreno de jogo 3. Banco de suplentes 4. Corredor de servidos ao redor da área verde

5. Áreas Destinadas aos Meios de Comunicação Instalações para os meios de comunicação § Acessos dos representantes dos meios de comunicação § Tribuna de imprensa § Cabines dos comentadores de rádio e televisão § Estúdios de televisão § Sala da imprensa § Sala de conferências de imprensa § Área mista § Posições dos fotógrafos § Posições de entrevistas de campo § Salas de trabalho

Infra-estrutura de televisão e distribuição de câmaras § Cobertura multilateral § Cobertura unilateral

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 128


6. Instalações de Serviços e de Apoio § Salas de primeiros socorros para o público § Estrutura de segurança § Sistema de vigilância por televisão § Posto de controle do estádio § Iluminação e fornecimento de energia elétrica § Sistema Comunicações § Prevenção de incêndios § Placas publicitárias ao redor do terreno de jogo § Mastros de bandeiras § Centro de comércio e serviços § Centro de eventos e convenções

ÁREAS EXTERNAS Nas áreas externas devem ser planejadas e implantadas as conexões com os sistemas urbanos viários e de transportes sem esquecer a necessária integração à paisagem urbana e natural. Em relação à estrutura edificada do estádio, as áreas externas devem incorporar, em síntese, os sistemas de acessos, recepção e controle. A área externa periférica, que circunda os estádios, deve ser suficientemente extensa para proporcionar uma ampla e confortável praça de acesso e dispersão dos espectadores, evitando tumultos. Nela, também se efetuará o primeiro controle de segurança com eventuais revistas e os bloqueios de entrada para controle de ingressos. O segundo controle será nas entradas do estádio. Há que ter em conta que embora o procedimento de entrada sempre se prolongue por um período de mais de uma hora, a maioria dos espectadores chega ao mesmo tempo, o que exige espaços amplos e numerosos bloqueios para controle de acesso. Mas, mesmo com espaços amplos, são importantes as medidas preventivas para evitar grandes ajuntamentos nas entradas dos espectadores, utilizando sistemas de barreiras que reduzam a afluência de espectadores à medida que se aproximem dos pontos de entrada.

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 129


Alianz Arenna: Praça de Acesso

acessoria de imprensa Old Trafford Stadium

manutdportugal.com

Os estádios deverão estar equipados com um número adequado de bilheterias para venda de ingressos nas áreas periféricas de acesso. Para sua operação, devem ser considerados diversos e múltiplos métodos e sistemas, de acordo com os recursos financeiros disponíveis, a previsão de espectadores e o grau de segurança desejado. No entanto, independentemente da solução a adotar, a FIFA reprova categoricamente o antigo método de pagamento dos ingressos aos operadores nas entradas e aconselha a utilização de sistemas eletrônicos, com cartões de crédito, cartões multiuso ou ingressos com códigos de barras. Deve ser evitada a localização, perto das catracas ou das entradas e saídas, dentro e fora do estádio, de instalações para o público, tais como sanitários e pontos de venda de alimentos e acessórios. Por sua vez, os acessos não podem ser utilizados simultaneamente como entradas e saídas. É fundamental que a qualquer momento seja possível evacuar completamente o estádio, respeitando os limites de tempos máximos definidos pela legislação de segurança local. No sistema de acessos aos estádios devem ser previstas, não só vias exclusivas para pedestres e veículos, mas também locais de estacionamento para todos os frequentadores, tanto espectadores, quanto profissionais participantes do evento, usuários de transportes particulares ou públicos. Stade de France: Praça de Acesso

www.stadefrance.fr

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 130


Como referência de dimensionamento dos estacionamentos, em geral, nos estádios com capacidade para 60.000 espectadores são estimadas 10.000 vagas para automóveis e 500 para ônibus. Para estes, deve ser reservada uma área específica, separada das dos restantes veículos. (FIFA, 2007 p.100) Todos os estacionamentos devem localizar-se, preferencialmente, próximos ao estádio para que os espectadores possam acessá-los facilmente. Quando não for possível a sua proximidade, os estacionamentos não devem ficar a uma distância superior a 1.500 metros do estádio (FIFA, 2007 p.101). É de toda a conveniência que os torcedores de cada equipe tenham estacionamentos separados, protegidos de intrusões, permanentemente bem iluminados e claramente sinalizados com materiais inquebráveis. É essencial que as entradas e saídas dos estacionamentos sejam rápidas e fluidas, de preferência através de acessos com ligação direta às vias públicas mais próximas. Para o público dos camarotes e das tribunas, deverão ser reservadas vagas de estacionamento em número adequado à sua capacidade, tanto para ônibus quanto para os veículos particulares. Este estacionamento deve localizar-se dentro do estádio, junto à entrada exclusiva, isolado dos de público das arquibancadas. Da mesma forma, os representantes dos meios de comunicação deverão dispor de estacionamento reservado, separado do público e próximo a sua área de trabalho. Além desse estacionamento, deverá ser designada uma área isolada, facilmente vigiada e controlável, com superfície entre 3.000 e 5.000 m2, destinada aos caminhões de transmissão externa das redes de TV. Essa área poderá ficar localizada tanto no subsolo do estádio quanto nas suas imediações, desde que em lugar coberto, com autonomia de fornecimento de corrente elétrica. (FIFA, 2007 p.100) Também deverá ser reservada uma área ao ar livre, adjacente à área dos caminhões, com vista livre até o horizonte meridional, destinada aos veículos TES - Estações Terrestres Transportáveis, responsáveis pelas transmissões por satélite. Esta área deverá ser alimentada com energia elétrica proveniente dos caminhões. Às equipes, árbitros e representantes oficiais devem ser reservados estacionamentos para no mínimo 2 ônibus e 10 carros, localizados junto aos 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 131


vestiários, isolados do público. Os atletas, os árbitros e os representantes oficiais da partida deverão poder ter ligação livre e direta entre seus veículos e os vestiários, sem contato com o público. (FIFA, 2007 p.99) Destinadas aos veículos dos serviços de emergência, segurança e espectadores incapacitados, envolvendo o corpo de bombeiros, os paramédicos e a polícia, devem ser previstos estacionamentos, dentro ou adjacentes ao estádio, com acessos livres e diretos, totalmente independentes dos acessos do público. Para o pessoal dos serviços de apoio, operação, manutenção e segurança do estádio, devem ser oferecidas vagas específicas para seus veículos nos estacionamentos existentes. Considerando o uso cada vez mais comum do transporte aéreo e a possibilidade de situações de emergência, também deve ser implantada uma área de pouso para helicópteros, próxima ao estádio.

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Áreas Destinadas ao Público A capacidade de um estádio depende fundamentalmente das necessidades locais e da importância dos eventos que irá receber. Se o estádio se destina a acontecimentos futebolísticos de envergadura significativa, a capacidade deve ser superior a 30.000 lugares. No entanto, se as partidas envolvem campeonatos de confederações, a capacidade não pode ser inferior a 50.000 lugares, ou a 60.000 quando se trata da realização de uma Copa Mundial da FIFA. Por isso, é natural que estádios com capacidade de 80.000 ou mais espectadores sejam preferidos pela FIFA para a realização de eventos futebolísticos de grande envergadura. No entanto, de nada adiantará ter um estádio com grande capacidade, se a cidade não tiver uma boa infra-estrutura hoteleira, um bom e seguro sistema viário e de transportes, conexões eficientes com aeroportos internacionais e, sobretudo, capacidade, experiência e competência para organizar eventos internacionais de grande porte, até pelo fato de ser comum, atualmente, a chegada de espectadores de outros países, apenas algumas horas antes da partida, que retornam ao seu país poucas horas depois. (FIFA, 2007 p.92) Os estádios devem ser divididos, no mínimo, em quatro setores autônomos para o público, cada um deles com entradas independentes e estruturas de serviços, instalações e equipamentos próprios, envolvendo pontos de vendas, instalações sanitárias com áreas reservadas a pessoas incapacitadas, instalações para primeiros socorros e demais serviços essenciais. Cada um destes setores poderá, por sua vez, estar subdividido em áreas menores. Dentro do possível, os espectadores não deverão passar de um setor a outro, a menos que se trate de uma evacuação de emergência, do estádio. Amsterdã Arena

www.fussballtempel.net

FIFA, 2007

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 133


Nos estádios, também deverão ser providenciadas acomodações seguras, confortáveis e com total visibilidade do campo, para os espectadores incapacitados. Essas, em cadeiras de rodas, deverão ter a possibilidade de ingressar no estádio e dirigir-se com total autonomia a seus lugares, sem qualquer dificuldade e sem incomodar os demais espectadores. Para isso, deverão ser-lhes reservadas entradas privativas, com acesso livre e direto a seus respectivos lugares. Da mesma forma, os acessos aos pontos de venda de alimentos e às instalações sanitárias, devem ser rápidos, livres e fáceis. Atrás de cada posição das cadeiras de rodas devem ser instalados assentos para os acompanhantes. É totalmente vedada a destinação de lugares descobertos ou junto ao terreno de jogo para espectadores incapacitados, nem onde a visibilidade sobre o campo possa ser obstruída por espectadores pulando ou por bandeiras e faixas agitadas diante deles. Além destes cuidados, também é necessário avaliar adequadamente a localização desta área para que não constitua um obstáculo para os demais espectadores, em caso de evacuação de emergência, não pondo em risco a segurança dos seus ocupantes, pela eventual dificuldade de se dispersarem rapidamente. Nas arquibancadas, todos os espectadores deverão dispor de assentos individuais, fixos no piso, confortáveis e com encosto com altura mínima de 30 cm. (FIFA, 2007 p.78) Nos estádios contemporâneos não são admitidos setores para espectadores em pé. Todos os assentos deverão estar adequadamente numerados, de forma a serem identificados, clara, fácil e rapidamente. (FIFA, 2007 p.78) As dimensões dos assentos, ou dos espaços entre eles, ou entre as filas, devem considerar a segurança e o conforto dos espectadores, incluindo a possibilidade de uso de roupas volumosas, sendo por isso, recomenda uma distância mínima de 80 cm de encosto a encosto, suficiente para as pernas entre as filas e para que os joelhos dos espectadores não toquem o assento à sua frente. Além disso, como importante fator de segurança, os espectadores devem poder passar confortavelmente entre as filas, mesmo com o estádio cheio. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 134


Todos os lugares devem permitir, sem obstáculos, a vista de todo o terreno de jogo. O cálculo do ângulo de visibilidade deverá levar em conta a altura máxima de 90 cm das placas de publicidade. Distribuídas ao redor da área de jogo, ficam a uma distância de 4 metros das linhas laterais, variando nas linhas de fundo, de 5 metros atrás do centro da linha de gol até 3 metros na altura das bandeiras de escanteio. (FIFA, 2007 p.79)

Atualmente, é comum incluir nos estádios áreas para eventos, com capacidade para centenas ou, por vezes, milhares de pessoas, incluindo camarotes panorâmicos com capacidade para dez ou vinte pessoas, equipados com sanitários exclusivos, bar, televisores, estacionamento privativo, entrada exclusiva e acessos próprios diretamente ligados à recepção, serviço de restaurante e vista privilegiada do gramado. Dessa forma, depois de beberem e comerem antes dos eventos, os convidados podem acompanhar o jogo no interior dos camarotes ou, se preferirem, nos assentos privativos externos, imediatamente à sua frente.

Amsterdam Arena: Camarote

José Alvalade: Camarotes e Tribunas

Estes camarotes são normalmente adquiridos por empresas em beneficio de seus clientes, sendo alugados por toda a temporada ou, em alguns casos, por partida. (FIFA, 2007 p.81) 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 135


Aos dirigentes, delegados, observadores e demais pessoas autorizadas, é reservada a Tribuna de Honra, no centro da arquibancada principal, isolada do público, no mesmo setor das salas de administração e da tribuna de imprensa. Em posição elevada e com visão perfeita e total do terreno de jogo, a tribuna de honra deve ter um mínimo de 300 lugares e a possibilidade de ser ampliada em caso de eventos de maior porte, com cadeiras de boa qualidade, fixas, acolchoadas e com braços, numeradas individualmente e dispostas de forma a permitir espaço suficiente para as pernas e para que seja possível entrar e sair sem molestar os outros convidados. (FIFA, 2007 p.91) Os ocupantes da tribuna de honra devem contar com acesso privativo e direto à tribuna, bem como ligação direta, segura e independente com a área dos vestiários e instalações sanitárias próprias. Além disso, devem dispor de áreas de estar informais e pontos de bebidas na área da recepção, com televisores e telefones externos e internos. As instalações sanitárias para o público dos dois sexos, localizadas tanto no interior quanto no exterior dos estádios, alimentadas com água fria e quente e provisão suficiente de toalhas ou secadores de mãos, deverão estar sempre limpas, higiênicas e com boa iluminação. Para evitar tumultos entre o público que entra e sai dos sanitários, os acessos deverão ter uma só direção ou serem suficientemente largos para que o corredor seja dividido em “entrada” e “saída”. (FIFA, 2007 p.80) Da mesma forma, os postos de vendas em geral, e em particular os de comidas e bebidas, devem estar sempre limpos e confortáveis e equitativamente distribuídos em todos os setores do estádio. Levando em conta o previsível fluxo dos espectadores que desejarem comprar comidas e bebidas antes, durante e depois da partida, os acessos devem estar sempre desobstruídos durante todo o evento. Nesse sentido, a instalação de telas de televisão de circuito fechado nas áreas públicas permitirá que os espectadores que deixarem as arquibancadas durante o jogo continuem a acompanhá-lo, o que também contribuirá para minimizar a concentração de espectadores no intervalo, nessas áreas. (FIFA, 2007 p.80) 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 136


Áreas destianada aos atletas, árbitros e representantes oficiais Aos atletas, árbitros e representantes oficiais deve ser reservada uma área para 2 ônibus e 10 carros, isolada e protegida, por onde os protagonistas das partidas possam entrar ou sair do estádio sem perigo, distantes do público, dos jornalistas ou de pessoas não autorizadas. A ligação entre esta entrada privativa e os vestiários deverá ser livre e direta, clara e facilmente sinalizada, com dimensões que permitam tanto o transporte de uma pessoa lesionada em uma maca, quanto dos equipamentos esportivos. O mesmo deve ser observado no acesso entre os vestiários e o gramado. Os vestiários, para atletas e árbitros, devem localizar-se no mesmo lado das tribunas de honra e da imprensa e das salas de administração, com acesso direto à área de jogo e vedado ao público e aos jornalistas.

Estádio do Dragão

fcporto.pt Old Trafford Stadium

manutdportugal.com

Todos os vestiários devem ser bem iluminados e ventilados, equipados com ar condicionado e aquecimento central. Os pisos devem ser antiderrapantes e as paredes revestidas com material impermeável e fácil de limpar. Embora possam ser suficientes dois vestiários para as equipes, é ideal a previsão de quatro instalações completas e independentes, com 150 m2 cada uma. Cada vestiário deve estar equipado com bancos e armários para roupas e equipamentos, para um mínimo de 25 atletas. Além disto, deve haver uma lousa para instruções técnicas, 1 telefone com linhas externa e interna e uma geladeira. Adjacentes aos vestiários, com acessos diretos e privados, as instalações de banhos e sanitárias devem estar equipadas com 10 chuveiros, 1 bacia para os pés, 5 lavatórios com espelho, 2 tomadas para barbeadores elétricos, 2 secadores de cabelo e 1 tanque para limpar as chuteiras, 3 mictórios e 3 bacias sanitárias. Também adjacente, mas independente, deve ser instalada a área de massagem e tratamento com 3 mesas de massagem. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 137


É essencial que os dois principais vestiários tenham a mesma superfície, qualidade e comodidade para que se possa admitir o estádio como sede neutra. Cada equipe deverá ter à sua disposição uma área para exercícios de aquecimento, interna ou externa, perto dos vestiários, com a superfície mínima de 100 m2 cada uma. Se forem externas, as áreas para aquecimento precisam de sistema de iluminação para sua utilização noturna. Os pisos deverão ser de grama e as paredes totalmente lisas sem deformações ou saliências. Se forem internas, as áreas de aquecimento deverão ser ventiladas e equipadas com ar acondicionado e iluminação apropriada. Para os árbitros, deve ser levado em conta o fato comum, hoje em dia, de partidas dirigidas por um quarteto de arbitragem formado por homens e mulheres ou mesmo só por mulheres. Por isso, devem ser previstos vestiários separados para ambos os sexos, com superfícies mínimas de 40 m2 cada um, nas imediações dos vestiários das equipes, mas totalmente independentes. Cada vestiário deve estar equipado com bancos ou cadeiras e armários para roupas e equipamentos, para um mínimo de 4 árbitros. Além disso, deve haver uma mesa e duas cadeiras, 1 lousa para instruções tácticas, 1 mesa de massagem, 1 telefone com linhas externa e interna, 1 televisor e uma geladeira. Adjacentes aos vestiários, com acessos diretos e privados, as instalações de banhos e sanitárias devem estar equipadas com 2 chuveiros, 1 lavatório com espelho, 1 secador de cabelo e 1 tanque para limpar as chuteiras e 1 bacia sanitária. No vestiário masculino também deve ser instalado 1 mictório e 1 tomada para barbeador elétrico. Na área mais próxima possível dos vestiários e do terreno de jogo, com fácil acesso desde o exterior deve localizar-se a sala para exame médico de jogadores e árbitros, com a superfície mínima de 24 m2. A sala deve estar equipada com 1 cama para exames médicos, 2 macas portáteis, além das do campo, 1 lavatório com água quente, 1 bacia para os pés com água quente, 1 armário de vidro para medicamentos, 1 mesa para tratamentos, 1 garrafa de oxigênio com máscara, 1 manômetro para medir a pressão sanguínea, 1 aquecedor tipo fogareiro, para instrumentos e 1 telefone com linhas externa e interna. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 138


Portas e corredores deverão ter a largura adequada para permitir a passagem de macas e cadeiras de rodas. Perto dos vestiários das equipes e dos árbitros, de preferência com ligação a estes últimos, deve localizar-se a sala do delegado da partida, com superfície mínima de 16 m2. Esta sala deve estar equipada com 1 mesa de escritório, 3 cadeiras, 1 guarda-roupas, 1 lavabo com lavatório e espelho, 1 telefone com linhas externa e interna, 1 telefax, 1 fotocopiadora e 1 televisor. Além das já referidas, cada estádio deve dispor de instalações para o controle de dopagem perto dos vestiários das equipes e árbitros e inacessível ao público e aos meios de comunicação. Com a superfície mínima total de 20 m2, a instalação para o controle de dopagem deve ser formada por uma área de espera com lugares para 8 pessoas sentadas, armários para 4 pessoas, 1 geladeira e 1 televisor, contígua à sala de trabalho equipada com 3 cadeiras, 1 lavatório com espelho, 1 telefone com linhas externa e interna, 1 armário com chave. Imediatamente adjacente à sala de trabalho e com acesso privado direto deve ser previsto um banheiro com 1 bacia sanitária, 1 lavabo com espelho e 1 chuveiro. Toda a área deve ser bem ventilada, equipada com ar condicionado e aquecimento central. Os pisos antiderrapantes e as paredes devem ser revestidos com material impermeável e fácil de limpar. É ideal que cada vestiário tenha seu próprio corredor de acesso ao terreno de jogo, com pisos e degraus cobertos com material antiderrapante. Estes corredores podem convergir perto da saída para o terreno de jogo. Caso só exista um corredor, este deverá ser suficientemente amplo para permitir uma divisão que separe as equipes quando entrarem ou saírem do campo. O ponto ideal de entrada dos jogadores e dos árbitros, na área de jogo, é à altura da linha de meio campo, no lado das tribunas de honra e da imprensa, protegido por um túnel telescópico não inflamável, que possa estender-se até dentro do terreno de jogo para evitar que os atletas se lesionem com objetos lançados pelos espectadores. Estes túneis telescópicos deverão estar em condições de ser estendidos ou recolhidos rapidamente se, durante a partida, um jogador precisar entrar ou sair do campo, sem que isso constitua um obstáculo visual para os espectadores. Como alternativa, pode ser construído um túnel subterrâneo para acesso ao campo de jogo com a saída a uma distância segura dos espectadores. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 139


Não pode haver qualquer possibilidade de interferência do público ou dos meios de comunicação em nenhum ponto dos corredores ou dos túneis de segurança. Perto do ponto onde o corredor dos vestiários entra na zona de jogo, deverá ser instalado um pequeno lavabo com bacia sanitária e lavatório com espelho, para que ninguém na área de jogo tenha que ir em busca de instalações sanitárias em plena arquibancada durante o decorrer das partidas. (FIFA, 2007 pp.87-91)

TERRENO DE JOGO O terreno de jogo deve ser completamente plano e nivelado, coberto com grama natural, em perfeitas condições e equipado com sistema de rega e drenagem eficiente. Em regiões de clima frio deverá ser instalado um sistema de calefação subterrâneo para evitar que o terreno de jogo congele quando as condições de inverno forem extremas. Ainda que a FIFA estipule as dimensões máximas e mínimas do campo, é recomendável que os estádios ofereçam áreas gramadas mais extensas que a requerida oficialmente. Desta forma será possível prever espaço suficiente para os árbitros assistentes, gandulas, jornalistas, fotógrafos, pessoal médico e de segurança e também, se necessário, deslocar a demarcação do terreno de jogo em qualquer direção. Para a área gramada, a FIFA estipula uma superfície com 120 metros no comprimento e 80 metros na largura. Na pior das hipóteses, a área gramada deve ultrapassar em 1,5 metros as linhas de demarcação do campo, ao longo de todo o seu perímetro.

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 140


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Para o terreno de jogo, quando as partidas forem de competições finais dos campeonatos das confederações, em qualquer parte do mundo, ou da fase final das Copas Mundiais da FIFA, serão admitidas unicamente as dimensões de 105 metros no comprimento e 68 metros na largura. Como distâncias mínimas da demarcação das linhas laterais e das linhas de fundo, até o fosso de retenção dos espectadores, são recomendadas as distâncias de 6 metros e 7,5 metros, respectivamente. (FIFA, 2007 pp.83-85)

Banco de suplentes

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Contornando a superfície gramada, na área de jogo, pode ser previsto um corredor de serviços pavimentado para acessos de emergência, tanto de ambulâncias, quanto de veículos de bombeiros e de segurança, ou mesmo de transporte de equipamentos. Não sendo obrigatório a implantação deste quesito que dependerá apenas das necessidades específicas de cada estádio, devendo ser dada atenção especial aos quatro cantos do campo, para garantir que os jogadores tenham espaço suficiente para cobrar os escanteios. Nada no terreno de jogo ou ao seu redor pode constituir perigo para os jogadores ou demais profissionais do evento, o que inclui as redes de gol, em especial os componentes para fixá-las e suspendê-las. (FIFA, 2007 pp.83-85)

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Equidistantes e paralelos à linha lateral do campo, em ambos os lados da linha central, devem ser colocados os dois bancos para suplentes, a uma distância mínima de 5 metros das linhas de referência, no nível do terreno de jogo, sem obstruir a visão dos espectadores. Cada banco deverá oferecer lugar para 20 pessoas sentadas em partidas internacionais. Este número pode ser aumentado, de acordo com o regulamente de cada competição. Os assentos deverão ter encostos e estar protegidos por uma cobertura curva em material transparente, para proteção contra o mau tempo e possíveis objetos lançados por espectadores. (FIFA, 2007 pp.83-85)

Estádio Municipal de Braga

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O gramado Nos últimos anos, aparentemente preocupada com as superfícies de grama natural em más condições que prejudicam e comprometem o desempenho dos jogares e a qualidade dos jogos, a FIFA lançou a discussão sobre a adoção de superfícies de grama artificial nos campos de futebol. Para a FIFA, a utilização de grama artificial significa que, de um estádio para outro, passa a existir um grau equivalente de qualidade das superfícies de jogo, o que não acontece com a grama natural, exposta ao tempo e irremediavelmente prejudicada se utilizada em demasia. Por outro lado, os projetos e o desenvolvimento dos novos estádios teriam maior liberdade de soluções, se deixarem de estar condicionados às restrições de coberturas e vedações que não bloqueiem a luz solar, o ar e a chuva, necessários à sobrevivência e crescimento em boas condições da grama natural. Considerando que a melhor grama artificial produzida atualmente eliminou as velhas limitações, conseguindo superfícies suaves e estáveis, com rebotes e rotações da bola iguais aos da grama natural, a FIFA conclui que os clubes 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 142


poderão fazer grandes economias ao eliminarem os prejuízos causados pelas inclemências do tempo que convertem a grama natural num terreno impraticável. Por outro lado poderão utilizar a grama artificial 24 horas ao dia, sem a necessidade manter um campo de treinamento fora do estádio, além do que, a superfície de jogo poderá ser utilizada para os mais diversos eventos geradores de rendas complementares, sem qualquer dano à grama. (FIFA, 2007 pp.83-85) Essa é uma discussão estranha já que todos os elementos naturais precisam de cuidados e as suas eventuais condições nunca foram uma dificuldade, mas uma condição do jogo. Da mesma forma, não existem melhores ou piores condições de projeto, mas apenas e tão somente dados de projeto que devem ser identificados e adequadamente avaliados para uma resposta com qualidade. O problema não está na grama, mas nas condições que se querem impor originadas por fatores estranhos ao futebol. As gramas ideais formam gramados densos com germinação rápida e oferecem excelente resistência ao pisoteio e a boa adaptação a áreas sombreadas. No entanto, como qualquer elemento natural, as gramas também possuem variações periódicas de metabolismos em que as condições ideais de crescimento podem ser mais ou menos favoráveis, pelo que, obviamente, exigem atenção e manutenção. Entendendo e respeitando os processos naturais da grama, podem ser planejadas ações que permitam manter os gramados sempre em boas condições, tais como adubações e fertilizações equilibradas com potássio e nitrogênio, para o adequado crescimento e aumento da resistência das folhas, reduzindo seu stress causado pelo pisoteio, a seca e o frio. (World Sports Magazine, 2006) Além destes, há outros cuidados tais como a irrigação controlada, as podas e a variação de frequência e altura dos cortes. O maior ou menor intervalo e a maior ou menor altura de corte deixarão a grama com mais ou menos folhas e, consequentemente, com a massa verde adequada para continuar realizando suas atividades fotossintéticas e metabólicas. (FIFA, 2007 pp.83-85)

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 143


Áreas Destinadas aos meios de comunicação Em suas “Recomendações técnicas e requisitos para a construção ou a modernização de estádios”, relativas às áreas destinadas aos meios de comunicação, a FIFA deixa claro o reconhecimento à importância e influência da imprensa no futebol, não exitando sequer em sacrificar lugares destinados ao público (2007 p.94) para satisfazer as necessidades e as exigências dos meios de comunicação, que podem variar, de acordo com a importância dos campeonatos e dos clubes, ou principalmente, em função das especificidades e da flexibilidade requeridas por novas tecnologias de televisão e radiodifusão. Por isso, muitas instalações de rádio e televisão são temporárias e logo desmontadas, após os jogos. Aos profissionais dos meios de comunicação é reservada uma entrada exclusiva, com recepção para retirada das credenciais e expedientes de informação, a partir de onde, dentro do estádio, deverão ser proporcionados acessos fáceis e diretos entre os seus diferentes locais de trabalho, que incluem a tribuna e a sala de imprensa, cabines de comentadores de rádio e televisão, sala de conferências, área mista e posições reservadas no gramado. A tribuna de imprensa, localizada no mesmo setor dos vestiários das equipes, em posição central na arquibancada principal, deverá ser coberta e com perfeita e total visibilidade sobre o terreno de jogo. Os assentos permanentes da imprensa deverão ter mesas de trabalho equipadas com tomadas para energia elétrica, conexões telefônicas e de modem, com dimensões suficientes para instalação de um computador portátil e uma caderneta, e um monitor de TV para cada conjunto de oito assentos. Para os comentadores de rádio e televisão, a FIFA (2007 p.95) recomenda a instalação permanentemente de ao menos cinco cabines para cada um, localizadas na arquibancada central, isoladas dos espectadores, no mesmo lado da câmara principal de TV, com iluminação apropriada, conexão telefônica e mesa para escrever equipada com um monitor de TV embutido para que a visão dos comentaristas sobre o terreno de jogo não seja obstruída. No entanto, como a cobertura televisiva é cada vez mais exigente, para as partidas de alto nível, a FIFA (2007 p.95) sugere a instalação de 50 a 90 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 144


cabines, não esquecendo que, para cada cabine de comentador, sacrifica ao menos nove assentos. Normalmente, cada cabine é ocupada por um mínimo de três pessoas, devendo ser providenciadas tomadas de corrente elétrica e conexões para instalação de monitores de TV. (2007 p.95) Da mesma forma, em partidas de alto nível, são sugeridos, ao menos, três estúdios de televisão, cada um com a dimensão de 25 m 2 e uma altura mínima de 4 m necessária aos equipamentos e à iluminação, instalados em local de fácil acesso aos jogadores e aos treinadores no final da partida. (2007 p.96) Além destes, de acordo com a importância do evento, deverão ser previstos de um a quatro estúdios de TV, com vista panorâmica sobre o terreno de jogo. (2007 pp.96) E tem mais. Entre as constantes solicitações da TV, está a de um local para transmissão de entrevistas de 90 segundos, com jogadores e treinadores, ao vivo e em direto, no intervalo e imediatamente depois do final da partida. Levando em consideração esses objetivos, a FIFA (2007 p.97) propõe a instalação de uma cabine incorporada a cada túnel de acesso, entre os vestiários e o terreno de jogo, com espaço suficiente para o trabalho de seis pessoas, uma câmara de televisão, iluminação e todo os equipamentos necessários para transmissão. (2007 p.97) A sala de imprensa, dimensionada para acomodar cerca de 300 representantes dos meios de comunicação, mais os fotógrafos, caso esses não disponham de uma sala especial, deve ser dividida em duas áreas, sendo uma de trabalho, equipada com conexões para telefones e modens para trabalho dos profissionais, e outra, para descanso, estar e alimentação. Adjacente à sala de imprensa, devem localizar-se instalações sanitárias para ambos os sexos. (2007 p.96) Nos grandes eventos, para maior eficiência e conforto, pode ser prevista a instalação de serviços de banco, transportes e agência de viagens. Aos fotógrafos, a FIFA (2007 p.97) sugere atenção especial reservando-lhes vagas de estacionamento em local protegido, próximas da entrada, facilitandolhes a descarga de seus pesados equipamentos. Da mesma forma, no nível do terreno de jogo, deverá ser-lhes reservada uma sala, onde poderão retirar sua credencial e a identificação que lhes permita ter acesso ao terreno de jogo, 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 145


além de um local onde possam servir-se de refrescos antes e no intervalo das partidas, para que não precisem deslocar-se até a sala de imprensa, e instalações sanitárias para ambos os sexos. Adjacente à sala dos fotógrafos, deve ser instalada uma câmara escura com aproximadamente 80 m2 que permita o trabalho simultâneo e confortável de 20 fotógrafos. A sala deve estar equipada com água corrente para o sistema de revelação de películas tradicionais e de suficientes conexões telefônicas e de modem. Atrás das posições dos fotógrafos, no terreno de jogo, também devem ser instaladas tomadas para energia elétrica e conexões de modem para computadores portáteis, pelo que é conveniente a criação de uma proteção transparente, atrás das posições dos fotógrafos, com aproximadamente 1.50 m. (2007 p.97)

Estádio do Dragão: sala de imprensa

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A sala de conferências de imprensa em anfiteatro, com fácil acesso desde os vestiários, deverá oferecer em torno de 100 assentos para repórteres, equipada com pelo menos três cabinas de tradução simultânea e sistemas de microfones e som com captação centralizada para TV e rádio. Junto à porta de acesso aos vestiários, em frente à platéia em anfiteatro, deverá ser colocada uma plataforma com os lugares destinados aos treinadores, jogadores, chefes de imprensa e intérpretes, para as entrevistas coletivas. No lado contrário, atrás da platéia, deverá ser colocada uma estrutura elevada, para ao menos 10 equipes de televisão com suas câmaras portáteis e tripés. (2007 p.96) Entre os vestiários das equipes e a saída privativa, por onde os jogadores irão passar para seus ônibus, deve ser incluída uma área mista coberta, inacessível ao público, onde os repórteres possam entrevistá-los. Com o mínimo de 100 m2 e capacidade para cerca de 200 representantes dos meios de comunicação, incluindo câmaras e técnicos, deve ser de fácil acesso, não só dos vestiários, 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 146


mas também a partir da tribuna e da sala de imprensa. Em partidas com grande afluência, deverá haver uma separação entre os jogadores que passam pela área mista e os representantes dos meios de comunicação. (2007 p.96)

Posições das câmeras Atualmente, na transmissão de uma partida de futebol, são mobilizadas numerosas câmaras, com tomada de som internacional, para que seja possível captar o maior número de detalhes e situações do jogo. O sistema e número de câmaras destinadas à cobertura das partidas é estabelecido pelos organizadores e os rádio-difusores, tendo como principais as localizadas na arquibancada principal e atrás dos gols, complementadas pelas localizadas no nível das áreas de penalidades e de gol, e pelas portáteis, distribuídas ao longo das laterais e atrás dos gols. (FIFA, 2007 p.98) As câmaras principais na tribuna central deverão ser colocadas à altura da linha média, no ponto de intersecção entre essa linha e a linha lateral mais próxima, formando um angulo de 27° a 35° com a horizontal, e até o centro do terreno de jogo, formando um ângulo de 15° a 20° com a horizontal. (FIFA, 2007 p.98) A orientação destas câmaras deverá ser em sentido oposto ao sol, com o qual se poderá obter uma vista livre de todo o terreno de jogo. As posições dos locutores deverão encontrar-se do mesmo lado do campo. Cada câmara exigirá uma superfície de aproximadamente 2 x 3 metros. (FIFA, 2007 p.98) As câmaras de fundo, uma atrás de cada gol, estarão localizadas sobre o eixo longitudinal do campo, a uma altura em que se possa ver a marca de penalidade máxima por cima do travessão. O ângulo da linha de visão à horizontal deverá oscilar entre 12° e 15°. (FIFA, 2007 p.98) Deverá ser considerada a possibilidade de localizar câmaras adicionais como, por exemplo, câmaras no ângulo oposto e câmaras no nível das áreas de penalidades, assim como no nível das áreas de gol e câmaras sobre trilhos.

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 147


As câmaras portáteis, das quais haverá entre três e seis, conforme a importância da partida, poderão ser distribuídas ao longo das laterais e atrás dos gols. Deverá haver setores claramente definidos atrás das placas publicitárias atrás dos gols para câmaras no nível do terreno, com área reservada de 2m x 2 m por câmara. Poderão ser consideradas posições adicionais ao lado ou atrás da área dos locutores, determinadas pelos organizadores e os rádio-difusores. Nestes setores estarão localizados os assentos dos observadores para a radiodifusão. (FIFA, 2007 p.98)

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 148


Copa Mundial da FIFA (FIFA, 2007 p.105) Requisitos máximos para instalações destinadas aos meios de comunicação. Instalações para a mídia Lugares para a imprensa escrita a) com consola b) sem consola c) com conexão telefônica

Posições de comentaristas de TV/radio *

Posições para fotógrafos na tribuna Posições para fotógrafos no campo Posições para equipes de câmaras portáteis TV (ENG crew)

Partidas de grupo

Final

600 400 200 300

2000 1200 800 1000

200

350

100 150 20

100 150 20

Centro de prensa no estádio Lugares de trabalho para a imprensa Área de trabalho para fotógrafos Câmara escura (com água corrente e eletricidade) Sala de informação para a imprensa

300 100 m2 10 100

600 150 m2 20 250

Área da zona mista

Estúdios de TV/rádio Sala de controle de TV/radio Estúdios de apresentação (com vista para o campo) Recinto TV (estacionamentos para veículos de TV)

Cafeteria para meios informativos Sala para o chefe de imprensa

600 m2

750 m2

2x25 m2 2 30 m 3x25 m22 3.000 m

4x25 m2 2 30 m 6x25 m22 5.000 m

150 10 m2

250 10 m2

* Uma posição de comentarista de TV=3 pessoas ocupando 9 assentos normais.

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 149


Instalações técnicas e de serviços de apoio e complemetares Um estádio pode ter um sem número de áreas e salas, além das tradicionais. Nos estádios contemporâneos entre as áreas adicionais necessárias, podemos incluir o vestiário para gandulas, um vestiário para músicos, depósito para instrumentos, salas para usos diversos com telefones, telefaxes e conexões de modem, áreas de armazenamento com finalidades diversas. Mas novas condições têm sido oferecidas com o objetivo de ganhos complementares aos obtidos com as partidas de futebol. Além das atividades já referidas, os estádios contemporâneos passaram também a incluir em suas instalações, restaurantes, piscinas, salas de condicionamento físico, centros de eventos e de convenções, comércio e serviços de todos os tipos, destinados ao público. (FIFA, 2007 p.81) No entanto, algumas instalações, equipamentos e serviços são indispensáveis ao conforto e ao bom funcionamento dos estádios. Entre os sistemas, equipamentos e setores, podemos identificar os sistemas de comunicação, iluminação, fornecimento de energia e telefonia, prevenção, segurança, vigilância e proteção, socorro e assistência médica.

Sistemas de informação e comunicação: Como parte dos sistemas de informação de resultados e divulgação de mensagens, os estádios contemporâneos devem ser equipados com os mais avançados e sofisticados sistemas eletrônicos de comunicação. Telões de vídeo devem ser colocados nos cantos diagonalmente opostos, dentro dos estádios, ou atrás dos gols, sem que ofereçam risco ou exijam redução da sua capacidade, permitirão que os espectadores tenham visão total, confortável e direta de qualquer lugar do estádio. (FIFA, 2007 p.82)

Amsterdam Arenna

Delle Alpi

Allianz Arenna

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 150


Mas, admitindo a rápida evolução das tecnologias, é provável que, muito em breve, os telões sejam substituídos por pequenos televisores individuais localizados nos braços dos assentos. (FIFA, 2007 p.82)

Iluminação e fornecimento de energia elétrica: Nas partidas disputadas à noite, toda a área de jogo deverá estar uniformemente iluminada com intensidade suficiente para garantir clara visão aos protagonistas da partida e aos espectadores, além de permitir a eficiente e nítida transmissão do encontro por televisão. Para que não haja o risco de, em algum momento ou por qualquer razão, acontecer uma inadmissível falta de energia, que provoque o cancelamento ou o adiamento da partida, a interrupção da transmissão televisiva, ou o prejuízo de qualquer das atividades normais no estádio, é fundamental a instalação de duas fontes de energia elétrica, totalmente independentes em todos os estádios. O sistema duplo instalado em todas as áreas do estádio garante que, no caso de falha da primeira fonte de fornecimento, a segunda seja acionada, automática e imediatamente. Além disto, deverá existir um gerador de apoio para proporcionar corrente nas evacuações de emergência, caso as fontes de fornecimentos falhem. (FIFA, 2007 p.82)

Telefonia: Todos os estádios deverão ter uma central telefônica equipada com dispositivo de gravação para registrar as chamadas recebidas, assim como todos os seus setores, no interior e no exterior, deverão estar equipados com um número adequado de telefones públicos. (FIFA, 2007 p.83) Telefones oficiais interconectados deverão ser instalados nos vestiários das equipes e dos árbitros, na sala do delegado da partida, de exame médico, de controle de dopagem e de primeiros socorros, nos postos de controle do estádio e de recepcionistas, na cabine do locutor do estádio, na sala do encarregado do painel eletrônico, na tribuna de honra, nas salas de administração, nas bilheterias, na área de controle da partida entre os bancos de reservas e nas áreas destinadas aos meios de comunicação. Em cada lugar deverá existir uma lista com os números de extensão.

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 151


Segurança e prevenção de incêndios: É essencial que todos os aspectos de segurança, de acordo com as normas e as exigências legais de cada país, sejam aplicadas da forma mais estrita e rigorosa. Tanto os sistemas de proteção contra eventuais tempestades elétricas, quanto os de prevenção e combate a incêndios nos estádios, deverão ser aprovados e legalizados pelas autoridades locais, bem como as condições de segurança em todas as áreas do estádio, incluindo entradas, saídas, escadas, portas, corredores, coberturas, áreas públicas e privadas. Equipados com os recursos de proteção apropriados, todos os corredores e escadas na área do público, bem como os portões que conduzem à área de jogo, portas e portões de emergência deverão ser sinalizados e pintados de amarelo ou qualquer outra cor chamativa. Todos os corredores e escadas públicas nas áreas dos espectadores deverão estar livres de qualquer obstrução, para que não haja impedimentos ao fluxo dos espectadores. Todas as portas e portões que conduzem da área do público à zona de jogo deverão abrir para fora, em direção oposta ao público, e enquanto os espectadores estiverem no estádio deverão permanecer destrancadas. Cada porta ou portão deverá ser guardado permanentemente por um responsável que evite abusos e assegure a fuga imediata em caso de uma evacuação de emergência. Para prevenir entradas ilegais ou intrusões, estas portas e portões poderão ser equipados com dispositivos de rápido e fácil manejo, com fechamento pelo lado interno. (FIFA, 2007 p.102)

Posto de controle do estádio e sistema de vigilância por televisão: Cada estádio deverá dispor de um posto de controle equipado com instalações para comunicação com o público, assim como com monitores de vigilância com vista geral do interior do estádio. A partir do posto de controle, também é dirigido o circuito interno de televisão, com autonomia de energia elétrica e circuito privado, composto por um sistema de câmaras colocadas em posições fixas, com dispositivos para tirar fotos individuais, que deverão controlar tudo o que acontece em todos os setores dos estádios. Em situações de emergência, o diretor do estádio também poderá interromper ou anular o sistema de comunicações ao público. (FIFA, 2007 p.102)

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 152


Proteção da área de jogo: A FIFA e a UEFA decidiram que as partidas finais das competições serão jogadas em estádios livres de grades. Isso não quer dizer que a proteção contra possíveis invasões do terreno de jogo passou a ser ignorada, mas significa que a FIFA e a UEFA acreditam que a presença da polícia ou do pessoal da segurança junto à área de jogo seja suficiente. A colocação dos assentos da primeira fila a uma altura que impossibilite a invasão do campo de jogo, ou a criação de fossos com largura e profundidade suficientes, também poderão contribuir para a sua proteção. No entanto, para a FIFA, também os fossos não representam uma boa solução para estádios de futebol, pois a evacuação de emergência para a área de jogo fica prejudicada. (FIFA, 2007 p.86)

José Alvalade: fosso

stadionwelt.de

A FIFA se opõe totalmente à utilização de fossos ou placas inquebráveis transparentes como estratégia de proteção do terreno de jogo, pelo fato das obstruções poderem constituir uma ameaça de morte em caso de pânico ou de grandes distúrbios no público. Caso estas soluções sejam adotadas, deverão ser incorporados portões de escape em número, tamanho e configuração, legalizados e certificados pelas autoridades de segurança competentes, para que os espectadores possam chegar facilmente à área de jogo em caso de emergência. Os portões deverão estar claramente sinalizados e destrancados, com abertura para fora, em direção oposta aos espectadores, permanentemente atendidos por um responsável durante todo o tempo em que haja espectadores no estádio. Qualquer que seja o sistema de proteção a ser utilizado para impedir a invasão do terreno de jogo não poderá representar, de modo nenhum, um perigo para os espectadores, em caso de pânico ou de uma evacuação de emergência. (FIFA, 2007 p.86) 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 153


Salas de primeiros socorros para o público: Todos os estádios deverão ter salas de primeiros socorros, claramente sinalizadas, em número, tamanho e localização, para atendimento dos espectadores que necessitarem de assistência médica. As salas de primeiros socorros deverão estar localizadas em lugar de fácil acesso para os espectadores e para os veículos de emergência. As portas e corredores de acesso devem ser suficientemente largos para permitir a passagem de macas e cadeiras de rodas. Precisam ter fornecimento de água quente e fria, água potável, boa iluminação, ventilação, equipamentos de calefação, ar condicionado, tomadas de corrente elétrica, telefone com comunicação externa e interna, armário de vidro para medicamentos, depósito para macas, mantas, almofadas e material de primeiros socorros e instalações sanitárias, masculina e feminina. As paredes e os pisos antiderrapantes devem ser revestidos com materiais lisos e fáceis de limpar. (FIFA, 2007 p.103)

Sinalização nos acessos: Todas as sinalizações fora e dentro do estádio deverão apresentar escrita ideográfica internacionalmente compreensível, levando em conta que os espectadores poderão não compreender o idioma local. As sinalizações devem ser claras e compreensíveis em todo o estádio, assim como em suas proximidades e arredores, de forma a orientar para os diferentes setores. Dentro do recinto, o espectador deverá dispor das indicações necessárias para se orientar. Assim mesmo, deverão ser fixados mapas para orientação dos espectadores. Cada setor do estádio deverá ser dotado de um posto de informações localizado na área externa de acesso. (FIFA, 2007 p.82)

Sistema de comunicação ao público: Uma vez que o espectador tenha passado pela catraca ou uma porta de entrada, deverá saber em que direção ir. Sinais claros e compreensíveis deverão indicar seu setor, fila e assento, sem confusão nem dúvidas. As identificações dos setores, das filas e dos assentos deverão estar claramente expostos, com cores firmes e materiais inquebráveis, à prova de fogo e resistentes às intempéries, indicando a via a seguir e o destino final dos espectadores. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 154


Os organizadores do evento e as autoridades de segurança devem poder comunicar-se com os espectadores dentro e fora do estádio por intermédio de um sistema de comunicação confiável e suficientemente potente, mesmo quando o nível do ruído da multidão for grande. Deve ser instalado num centro de controle adjacente ao posto de controle do estádio, numa posição que permita ao operador ter uma vista de todo o estádio, clara e sem obstáculo. As mensagens devem ser dirigidas independentemente para cada setor do estádio, incluídas as baterias de catracas e os salões internos, podendo excluir locais específicos de receberem as mensagens. O sistema deve permitir ao responsável da segurança do estádio interferir no sistema de controle de som e interrompê-lo a qualquer momento em caso de emergência. O suprimento de energia elétrica deve ser próprio e independente por um período de três horas no mínimo, o que permitirá que permaneça operativo em caso de falha de energia elétrica geral. (FIFA, 2007 p.82)

Placas publicitárias em volta do terreno de jogo: A visão dos espectadores não pode ser obstruída por placas publicitárias, cuja altura máxima é de 90 cm, instaladas ao redor do terreno de jogo. A distância mínima entre as placas publicitárias e as linhas laterais de demarcação do campo é de 4 metros. Entre as placas publicitárias e as linhas de fundo de demarcação do campo é de 5 metros atrás do centro das linhas de gol, reduzida até 3,0 m na altura das bandeirolas de escanteio.

www.fcporto.pt

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3.2 | planejamento e organização dos estádios | 155


De nenhuma maneira, as placas publicitárias deverão estar em lugares que constituam um perigo para os jogadores, oficiais e outras pessoas ou obstruam a passagem dos espectadores em caso de uma evacuação de emergência para o interior da área de jogo. Os materiais de construção das placas não podem constituir risco para os jogadores, nem sua superfície pode refletir a luz de modo a distrair os jogadores, árbitros ou espectadores. No caso das placas giratórias a voltagem não pode lesionar os participantes da partida. (FIFA, 2007 p.85)

Mastros de bandeiras: Todos os estádios, se destinados a competições oficiais, deverão ter, ao menos, cinco mastros de bandeiras ou contar com a possibilidade de colocar cinco bandeiras através de qualquer outro processo. (FIFA, 2007 p.103) stadionwelt.de

Estádio José Alvalade

Estádio do Dragão

3.2 | planejamento e organização dos estádios | 156


_capĂ­tulo 4.: proposta


proposta.: Conceitualmente, os estádios de futebol são sistemas hierárquicos indissociáveis que, em sentido amplo, permeiam idéias articuladas e codificadas por uma linguagem de signos e símbolos que esclarecem as suas características, objetivos, relações e modos coletivos. Como sistemas simbólicos, os estádios pressupõem a capacidade imaginária de ligar os símbolos às representações e de fazer valer os significados das crenças e das ritualizações instituídas como um conjunto de interpretações históricas e culturais, das experiências individuais, vividas e construídas coletivamente, o que torna o seu ambiente construído um código de forte expressão dos valores dominantes do futebol e da sociedade (CASTELLS, 1999 p.507). “O simbolismo supõe a capacidade de estabelecer um vínculo permanente entre dois termos, de maneira que um representa o outro.” (RUBIO, 2001 pp.53-54) Abordar os estádios como interpretação de possibilidades e expressão de comportamentos, permite concebê-los como fenômenos complexos de comunicação, definidores de referenciais, estruturadores de conhecimentos e geradores de ações inovadoras. 4 | proposta | 158


No entanto, sejam quais forem os significados sociais, tecnológicos ou funcionais, cívicos ou ambientais, inovadores ou conservadores, imputados aos estádios, eles sempre se expressarão como um conjunto de imagens intensamente emotivas, de fantasias, desejos e necessidades, sonhos e interesses, razões e intuições que, embora inseparáveis da sua definição física, são repletas de ambiguidades, imprecisões e efeitos distintos a cada momento. Isso significa que a arquitetura dos estádios não é um problema de fluxos, massa e volume, mas de avaliação de sistemas resultantes do imaginário, que destacam suas características essenciais, qualidades e organização. As imagens e o imaginário são sinônimos do simbólico, pois as imagens são formas que contêm sentidos afetivos universais ou arquetípicos, cujas explicações remetem a estruturas do inconsciente (Jung, Campbell), ou mesmo às estruturas biopsíquicas e sociais da espécie humana (Durand). (RUBIO, 2001 p.50)

Nesse sentido, as contribuições da ciência e a influência de movimentos utópicos e das inovações tecnológicas fizeram surgir novos interesses e crescentes exigências. Conceitos científicos, como de caos e complexidade, permitiram e estimularam, ao longo do século XX, abordagens abrangentes e universais sobre relações e sistemas aparentemente diversos e, como lógicas analíticas das possibilidades futuras, redefiniram os cânones do funcionalismo. Por isso, é natural que os estádios, como expressão das expectativas conscientes e inconscientes dos desafios, também passem a exigir, no seu processo de concepção, elaboração e concretização, a sistematização e a ordem produzidas pela diversidade e variedade dos conceitos, dos códigos e das práticas, bem como o domínio dos fenômenos e dos princípios de orientação e organização que os referenciam. Dessa forma, interpretar nas realizações dos estádios, os códigos coletivos de valores e normas do jogo, possibilita a compreensão da complexidade dos numerosos sistemas híbridos e multiorganizados que se ramificam infinitamente em eventos simultâneos durante as disputas, como permanentes estágios iniciais. Nas disputas, o processo de criação é um desafio que precisa lançar dúvidas sobre as certezas, expor conflitos, explorar debilidades, localizar dilemas, questionar formas e vencer as restrições e as regras de cumprimento inevitável. Por isso, a cada espaço finito de jogo, sempre 4 | proposta | 159


corresponderão infinitas estratégias permeadas por pensamentos incorporados de sabedoria, inspiração e valores absolutos, de argumentos opostos, erros, refutações e retrocessos frustradores de certezas, num começo subjetivamente eterno do jogo, para realizar, experimentar e criar infinitamente mais, como uma corrente contínua de conhecimentos que torna possível a criação permanente. Ou seja, a complexa rede de sentidos reguladores do processo de concepção e criação, tanto no jogo quanto nos estádios, só será possível quando identificadas as condições unificadoras de um mesmo quadro harmônico, caracterizado pela diversidade de condições hipotéticas e abstratas das representações e pela imprevisibilidade dos comportamentos que definem e esclarecem os significados não mensuráveis entre os sistemas dos estádios e os rituais instituídos e legitimados do jogo. Como os estádios têm origem nas abstrações e nas insinuações ambíguas e intensamente emotivas dos momentos de transcendência e êxtase dos rituais do jogo, é fundamental a análise e a compreensão dos pressupostos abstratos e simbólicos, das representações do imaginário. Assim, as atitudes, as especulações, os critérios e as formas de intervenção, sempre deverão surgir na concepção e na interpretação dos projetos dos estádios, como instrumentos para a exploração de possibilidades, valores e idéias fortalecedoras, tanto das relações entre a unidade, o conjunto, o equilíbrio e a hierarquia, quanto dos valores de freqüência, regularidade, probabilidade e complexidade dos espaços e das formas. Por isso, em vez da simples e literal adição de sistemas construtivos e requisitos programáticos avaliados e interpretados segundo suas utilidades e funções, a solução proposta nesta tese se apóia num processo próprio e dinâmico de geração e criação através de modelos de composição fundados na articulação de conceitos e nas configurações das áreas interpretadas e classificadas segundo suas propriedades predominantes, como essenciais, complementares, acessórias e anexas, influenciadas e caracterizadas, espacial e tecnologicamente, pela complexidade geométrica da área de jogo, pela versatilidade e descontinuidade dos espaços complementares e acessórios, e pela flexibilidade e automação dos sistemas operacionais. Essas configurações interpretadas, classificadas e caracterizadas espacial e 4 | proposta | 160


tecnologicamente, têm sua essência no simbolismo dos componentes que coexistem em redes reguladoras das interações entre sistemas organizadores dos estádios que tanto expressam significados simbólicos quanto fixam identidades, normas e valores, esclarecedores das necessidades e das expectativas que definem fisicamente os estádios. No entanto, a multiplicidade de referenciais de comportamentos do público e das ações dos jogadores, sugere, antes de qualquer definição, a retomada da discussão proposta pelos estádios ao longo do século XX, projetados inicialmente com poucas comodidades, traçado clássico e sem qualidades arquitetônicas particulares, aumentaram seu porte à medida que o futebol se massificou, se ornamentaram e tornaram temáticos, com a mercantilização e o controle das corporações, no final do século, mas em todas as fases mantiveram a forma elíptica ou retangular, com arquibancadas nas laterais ou em volta do gramado, como uma evidente variação dos anfiteatros gregos quando, com vista sobre a paisagem, eram inseridos na topografia promovendo a contemplação e a apreciação das competições, ou quando, como uma variação das arenas romanas, eram totalmente cercados, orientando o espectador para a ação intensa das lutas. São referências que definem claramente a necessidade de integração entre o ambiente de jogo e o público para que o estádio se conforme. No entanto, só a identificação e a compreensão da área demarcada de jogo, pela forma como influencia estratégias e sugere leituras particulares, permitirão a definição de critérios para qualificação, dimensionamento, conformação e localização dos múltiplos espaços que possibilitam os estádios e estimulam as interações entre jogadores e público, valorizando a surpresa e o inusitado. Assim, para o desenvolvimento da proposta nesta tese, nada mais natural que partir da interpretação das áreas essenciais e de forma mais específica, da área de jogo para estabelecer as referências de concepção e criação que irão subsidiar o desenvolvimento seqüencial, relacionado e progressivo, das estruturas e da organização dos estádios e o reconhecimento das influências conceituais, das referências culturais, dos significados históricos e das exigências tecnológicas contemporâneas, articuladas de forma a revelar as particularidades não evidentes, só possíveis e compreensíveis nas qualidades lúdicas e sagradas que ultrapassam os limites da realidade física. 4 | proposta | 161


1. ÁREAS ESSENCIAIS Como “essenciais” são entendidas as áreas absolutamente indispensáveis à prática e à realização das partidas, aqui interpretadas como definidoras dos parâmetros de desenvolvimento e conformadoras do estádio, tendo o campo de jogo como principal referência, qualificado por suas relações geométricas. Fazendo parte dessa classificação, também estão as áreas destinadas à preparação de atletas e juízes para o espetáculo, constituídas pelos vestiários, com todo o conjunto de ambientes necessários à paramentação e ao condicionamento físico, técnico e psicológico, em condições de completo conforto e eficiência.

Terreno de Jogo O terreno de jogo, coberto com grama natural, plano e nivelado, equipado com sistemas de rega, drenagem e calefação é, naturalmente, destinado à realização das partidas. A área gramada, mais extensa que o campo demarcado de jogo, cobre uma superfície de 80x120 metros, e nela estão definidos os espaços para jogadores suplentes e equipes técnicas, árbitros assistentes, gandulas, jornalistas, fotógrafos, pessoal médico e de segurança, responsáveis pelo apoio direto aos atletas e pela boa e segura realização das partidas. A uma distância mínima de 5 metros da linha lateral e da linha central do campo, no nível do terreno de jogo, estão localizados os dois bancos para suplentes, com 22 poltronas, em posição inferior à linha de visão dos espectadores, protegidos por coberturas curvas e transparentes, conforme especifica a FIFA (2007 pp.83-85). Contornando a superfície gramada, na área de jogo, foi previsto um corredor de serviços pavimentado para acessos de emergência ou transporte de equipamentos, que passa sob a parte inferior do primeiro anel das arquibancadas.

Áreas destinadas aos Atletas, Árbitros e Representantes Oficiais As áreas destinadas aos atletas e aos árbitros incluem vestiários com banhos e instalações sanitárias, áreas de massagem, aquecimento, condicionamento físico e de orientação técnica e tática. Os vestiários, para 25 atletas, completos e independentes, com superfície superior a 150 m2, têm acessos diretos ao campo de jogo. São instalações 4 | proposta | 162


compostas pelas áreas destinadas a trocas de roupa, salas técnicas, áreas de banhos e instalações sanitárias, e salas de massagem, aquecimento e condicionamento físico. Embora a FIFA proponha a localização dos vestiários no mesmo lado das tribunas de honra e da imprensa para permitir ligações fáceis e diretas, na solução desenvolvida nesta tese, procurando reforçar o ritual, a privacidade e as relações de congregamento do jogo, sugere-se que os quatro vestiários destinados aos jogadores sejam estrategicamente localizados, dois a dois, nas cabeceiras do campo, de forma que a entrada dos times, frente a frente, promova o seu encontro no centro do gramado para a saudação à platéia. Evita-se dessa forma que os jogadores dêem as costas aos espectadores no momento em que se apresentam para a disputa. No entanto, como em cada cabeceira haverá dois vestiários, é mantida a alternativa da entrada das equipes, lado a lado, caso o protocolo o proponha. Por sua vez, os vestiários dos árbitros, em número de quatro, com área mínima de 40 m2, para ambos os sexos, ficarão sob a arquibancada central, totalmente isolados de jornalistas, dirigente e público, apenas com acesso direto ao terreno de jogo em frente à tribuna de honra, para que também a sua entrada se dê em direção a esta, como um gesto de saudação e confirmação da autoridade atribuída e reconhecida. Estes vestiários, a exemplo dos vestiários dos atletas, também são compostos por áreas de troca de roupa, sala técnica, áreas de banhos e instalações sanitárias, e salas de massagem, aquecimento e condicionamento físico. Perto dos árbitros, com ligação a estes, localiza-se a sala do delegado da partida, com um mínimo de 16 m2. Junto aos vestiários das equipes e dos árbitros, localizam-se as instalações para o controle de dopagem, com a superfície total superior a 20 m2, e para exame médico, com superfície superior a 24 m2, e fácil acesso ao exterior. Aos atletas, árbitros e representantes oficiais estão reservadas entradas privativas, claras e bem sinalizadas, com acessos livres e diretos aos vestiários e destes ao terreno de jogo, onde, junto à saída para o gramado, há um pequeno lavabo. (FIFA, 2007 pp.87-91). Como já referido e em virtude da localização dos vestiários, o ponto de entrada na área de jogo, dos jogadores é pelas cabeceiras do campo, com as 4 | proposta | 163


saídas a uma distância segura dos espectadores. Por sua vez, a dos árbitros é à altura da linha de meio campo, no lado contrário às tribunas de honra e da imprensa, protegido por um túnel telescópico não inflamável, que se estende até dentro da área demarcada de jogo. Junto às entradas para os vestiários, em cada cabeceira, há estacionamentos para 2 ônibus e 10 carros destinados aos atletas, e para 1 ônibus e 5 carros destinados aos árbitros, em locais isolados e protegidos, onde os atletas e os árbitros poderão chegar e de onde poderão partir sem perigo.

4 | proposta | 164


2. ÁREAS COMPLEMENTARES As áreas complementares são as que completam o cenário direto dos eventos e que, não sendo essenciais ao jogo, permitem e adicionam confortos e condições de segurança aos espectadores, para que usufruam adequadamente do espetáculo. Aqui, estão compreendidas as áreas destinadas aos espectadores, compostas pelas arquibancadas e a tribuna de honra, com as respectivas instalações de serviços, higiene e sanitárias, complementadas pelas praças de acesso e dispersão como transições entre os ambientes urbanos e os estádios. No entanto, mesmo reconhecendo o porte e a importância adquiridos por estas áreas ao longo do tempo, não podemos, em hipótese alguma, confundir o seu papel e valor na organização dos estádios e na relação com o espetáculo, como sendo ambientes iguais ou com o mesmo valor das áreas essenciais, apesar de eventuais conveniências mercadológicas.

Áreas externas do público Como afirmado anteriormente, as áreas externas devem ser amplas e planejadas para integrar adequadamente o estádio à paisagem urbana e natural, viabilizando as conexões com os sistemas urbanos, viários e de transportes, prevendo, não só, vias exclusivas para acessos de pedestres e veículos aos estádios, mas também locais de estacionamento para todos os frequentadores, tanto espectadores, quanto profissionais participantes do evento, quer sejam usuários de transportes particulares, quer de transportes públicos. No entanto, como a presente proposta não contempla uma área específica para implantação por tratar-se de um plano geral de conceituação e concepção, as avaliações e definições das áreas externas referem-se apenas aos sistemas de recepção e controle implantados na praça de acesso e dispersão dos espectadores, onde se localizam as bilheterias e os bloqueios de entrada, para venda e controle de ingressos. De qualquer forma, não se pode deixar de referir a enorme complexidade desses sistemas e equipamentos que, além do público das arquibancadas, evolvem uma população bastante numerosa, com atribuições e responsabilidades variadas, a quem são reservadas entradas e acessos privativos, composta pelo público dos camarotes e das tribunas de honra, pelos 4 | proposta | 165


espectadores incapacitados, pelos profissionais dos meios de comunicação, pelos funcionários oficiais das Federações de Futebol, policiais, bombeiros, profissionais dos serviços médicos e de emergência, pessoal dos serviços de manutenção e principalmente por atletas e árbitros.

Áreas destinadas ao público Arquibancadas, camarotes e tribunas destinadas ao público, tornaram-se áreas significativas, e por vezes decisivas, para a conformação e organização dos estádios, sobretudo após o processo de massificação do futebol em meados do século XX, e de sua mercantilização nas últimas décadas. Considerando a ligação entre a simbologia histórica e cultural e a representação dos significados das disputas, como códigos fundamentais às interpretações dos fenômenos definidores da configuração e da expressão dos projetos dos estádios, é natural que nesta tese sejam privilegiadas as soluções que estimulam a apreciação e a contemplação dos eventos esportivos, sugerindo a forma ditada pelo local e a paisagem, que a exemplo dos estádios gregos preservam os horizontes com referenciais geométricos de escala, direção e sentidos das disputas, em detrimento da forma elíptica cercando o gramado com estruturas verticalizadas, como interpretação das arenas romanas, que obrigavam a atenção do espectador para a ação intensa dos espetáculos. Por essa razão, são eliminadas as cabeceiras, ocupadas apenas pelos vestiários já referidos e descritos, limitando as arquibancadas ao ângulo formado pelos cantos extremos da linha lateral mais próxima e o centro da linha lateral contrária. Em profundidade, as arquibancadas dividem-se em três anéis compostos por um setor central entre dois laterais e pelas cabeceiras nas extremidades. Todos os setores são autônomos e isolados, subdivididos em áreas menores com entradas independentes, áreas reservadas para pessoas incapacitadas, estruturas de serviços, instalações sanitárias e equipamentos próprios de vendas, primeiros socorros e outros serviços considerados necessários. Estas instalações e serviços distribuem-se ao longo das plataformas de acesso e saída das arquibancadas em especial na base e no topo destas. Para dimensionamento das arquibancadas, sempre são calculados os 4 | proposta | 166


módulos individuais, multiplicados pelo número de lugares pretendidos, devendo satisfazer um cálculo contábil pré-determinado, necessário aos bons resultados dos investimentos previstos. Ao contrário, acreditando não inviabilizar qualquer investimento, é proposta nesta tese a definição de dimensões resultantes de referências estabelecidas pela modulação, proporção e origem geométrica da área de jogo. Aparentemente apoiada na tese contábil, na generalização das especificidades locais e no dimensionando das platéias internacionais, a FIFA estabeleceu critérios que aconselham um mínimo de 30.000 lugares para disputas oficiais, devendo ultrapassar os 50.000 lugares em campeonatos de confederações. Em copas mundiais da FIFA o mínimo admitido é de 60.000 lugares. No entanto, as médias de público do Campeonato Brasileiro, nos últimos quatro anos, são pouco superiores a 14 mil espectadores, como demonstram as tabelas abaixo. Embora o maior público num só jogo ronde o número de setenta mil, essa é uma lotação esporádica que não representa as quantidades comuns ao longo dos campeonatos. Isso significa que há uma capacidade ociosa a maior parte do ano, o que anula qualquer vantagem em ter grandes arquibancadas, principalmente por exigir estruturas permanentes de grande porte, com forte interferência física, tanto interna quanto externamente, agravadas por altos custos de manutenção. Como alternativas de compensação e redução das desvantagens, temos assistido a propostas e ações estranhas ao futebol que vêm transformando os estádios muito mais em centro de eventos recreativos e de entretenimento, em vez de ambientes para a prática do futebol e satisfação das atividades de preparação dos times e da realização das partidas, o que geralmente acaba acontecendo em locais distantes das sedes, anulando qualquer estímulo ou possibilidade de construção de uma identidade entre os clubes e os estádios em relação às comunidades em que se inserem e os centros urbanos onde se localizam, destruindo o que também é objetivo do futebol como manifestação cultural e o papel dos estádios como referências urbanas.

4 | proposta | 167


Médias de Público nos Campeonatos Brasileiros Fonte: Confederação Brasileira de Futebol – http://200.159.15.35/seriea/ estatisticas.aspx (acesso: 13.jul.2007) ITEM

2004

PÚBLICO

QUANT

JOGOS

média maior média

8.703 13.527

552 23

maior número

50.650

19/12

estádio com maior média

13.507

22

11.398 12.689 10.806

32 24 26

médias nos maiores estádios

ITEM

ESPECIFICAÇÃO

QUANT

JOGOS

14.034 27.319

428 19

64.937

27/11

Kyocera Arena

23.731

19

Castelão/CE

Maracanã Pacaembu Morumbi

20.404 23.320 13.816

2 18 23

Maracanã Pacaembu Morumbi

Corinthians 46a rodada Atlético/MG 3X0 São Caetano

2006

PÚBLICO média maior média

QUANT 12.401 25.630

JOGOS 373 16

maior número

68.237

19/11

estádio com maior média

25.630

16

13.833 18.165 19.689

54 13 25

médias nos maiores estádios

2005 ESPECIFICAÇÃO Corinthians/SP 41a rodada Corinthians/SP 3X1 Ponte Preta

2007 QUANT 14.086 26.930

JOGOS 97 5

40.162

16/6

Olímpico/RS

26.930

5

Ilha do Retiro/PE

Maracanã Pacaembu Morumbi

14.198 7.421 19.698

11 1 9

Maracanã Pacaembu Morumbi

ESPECIFICAÇÃO Grêmio/RS 36a rodada São Paulo/SP 1X1 Atlético/PR

ESPECIFICAÇÃO Sport/PE 6a rodada Corinthians/SP 0X0 Paraná/PR

Nessas condições torna-se de bom senso avaliar as possibilidades de criação de estruturas flexíveis adequadas a cada fase de campeonatos e demandas de público. Isso permitirá a aproximação dos espectadores em relação ao gramado e ao jogo, bem como a variação de relações espaciais e formais, com impactos diversos e múltiplos tanto nos ambiente internos quanto nos urbanos. Os estádios deveriam ser pensados, de forma ideal, para platéias variáveis, conforme o porte e a importância do evento que venham a abrigar. Com esse objetivo, estão sendo propostos três anéis de arquibancadas em cada lateral do campo, com capacidade no primeiro anel para 3000 espectadores e no segundo 5000. O terceiro anel, já interpretado como complementar, terá 7000 assentos na estrutura básica, com possibilidades de ampliação 4 | proposta | 168


para a capacidade exigida pelo evento. Essa solução resultará numa platéia de 16000 espectadores com dois anéis, dentro das médias comuns dos campeonatos brasileiros, ampliada para 30000 com três anéis, satisfazendo as exigências particulares de determinadas partidas e torneios, podendo atingir a capacidade de 60000 lugares com a ampliação do terceiro anel, como é exigido nas finais das Copas da FIFA, o que contemplaria o máximo de possibilidades de ocupação de público sem o ônus de espaços ociosos e estruturas de impacto exagerado e agressivo. Esta última ampliação, embora tecnologicamente possível e cenográfica e mercadologicamente conveniente, como já foi referido, não é uma condição apropriada, nem proveitosa para a percepção, entendimento e visualização adequada do jogo. Nas arquibancadas, independentemente da capacidade ou da solução adotada, todos os assentos são individuais e numerados e permitem, sem obstáculos, a vista de todo o terreno de jogo (FIFA, 2007 p.78), segundo um ângulo de visibilidade que varia entre 15º e 35º em relação às linhas laterais. Considerando a segurança e o conforto dos espectadores, são reservados espaços com 60 cm de largura e a distância de 80 cm de encosto a encosto dos assentos, de forma que os espectadores possam passar confortavelmente entre as filas. Acomodações seguras, confortáveis e com total visibilidade do campo, na primeira linha das arquibancadas, são também destinadas aos espectadores incapacitados, em cadeiras de rodas, com assentos na retaguarda para os acompanhantes, com acessos livres e diretos a partir de entradas privativas, bem como aos serviços e instalações sanitárias e às rotas de fuga, em situações de emergência. Os camarotes panorâmicos, com assentos privativos externos, imediatamente à sua frente, estão distribuídos entre os anéis das arquibancadas e em toda a sua extensão. Com acessos diretamente ligados à entrada exclusiva e ao estacionamento privativo, têm capacidade individual para vinte pessoas e são equipados com bar e instalações sanitárias próprias. Finalizando, a Tribuna de Honra reservada aos dirigentes, delegados, observadores e convidados, localiza-se no centro da arquibancada principal, entre o primeiro e o segundo anel, isolada do público, com visão perfeita e total do terreno de jogo. A tribuna de honra oferece 300 lugares numerados 4 | proposta | 169


individualmente e instalações sanitárias próprias. O acesso privativo tem ligação direta e independente com os vestiários.

3. ÁREAS ACESSÓRIAS As áreas acessórias foram assim denominadas por não fazerem parte do ritual do jogo, nem do ambiente que o promove e estimula, embora sejam necessárias às exigências operacionais, econômicas e tecnológicas, bem como às experiências e às expectativas específicas, em cada momento, fase ou época. Estão incluídas nestas, as áreas destinadas aos meios de comunicação e às instalações técnicas e de serviços de apoio que incluem os sistemas de mídias, segurança, prevenção, controle, vigilância, proteção e apoio médico, bem como os estacionamentos.

Áreas destinadas aos representantes dos meios de comunicação As áreas destinadas aos representantes dos meios de comunicação são constituídas pela tribuna de imprensa, por cabines destinadas aos comentadores de rádio e televisão, por estúdios de televisão, sala da imprensa, sala de conferências, área mista para entrevistas, posições dos fotógrafos e posições de entrevistas de campo. Os acessos e ligações entre estas áreas são diretos, a partir de uma entrada exclusiva, com recepção. Embora as áreas referidas permitam as atividades comuns da imprensa, as necessidades e as exigências dos meios de comunicação podem variar de acordo com a importância dos campeonatos e dos clubes, ou principalmente, em função das especificidades e da flexibilidade requeridas por novas tecnologias de televisão e radiodifusão. Por isso, a exemplo da ampliação das arquibancadas, também são propostas instalações de rádio e televisão flexíveis e desmontáveis, como é comum atualmente em eventos temporários, com os quais os meios de comunicação também estão acostumados. A tribuna de imprensa, localizada em posição central na arquibancada principal, no topo do segundo anel é coberta e com perfeita e total visibilidade sobre o terreno de jogo. Para os comentadores de rádio e televisão estão destinadas cabines para três pessoas, localizadas na arquibancada central, no topo do segundo anel, isoladas dos espectadores. A FIFA (2007 p.95) sugere a instalação de 50 a 90 cabines. Também estão previstos quatro estúdios de 4 | proposta | 170


TV, com vista panorâmica sobre o terreno de jogo. Além desses, outros três estúdios de televisão com a dimensão de 25 m2 cada um e uma altura de 4 m, estão localizados junto às salas de imprensa e de conferências. Completando o conjunto de estúdios, há também uma cabine de transmissão para entrevistas rápidas, em cada túnel de acesso, entre os vestiários e o terreno de jogo, com espaço para de seis pessoas e os equipamentos necessários para transmissões. (FIFA, 2007 p.97) Como parte do centro de imprensa, a sala de imprensa, sob o primeiro anel, junto à sala de conferências, está dimensionada para acomodar cerca de 300 representantes dos meios de comunicação, dividida em área de trabalho, descanso, estar e alimentação, com instalações sanitárias adjacentes. As salas de conferências de imprensa em anfiteatro, com fácil acesso desde os vestiários, oferecem 100 assentos para repórteres e dispõe, atrás da platéia, de uma estrutura elevada para pelo menos 10 equipes de televisão com câmaras portáteis e tripés. (FIFA, 2007 p.96) Aos fotógrafos, está reservada, no nível do terreno de jogo, uma sala de apoio com instalações sanitárias para ambos os sexos. Adjacente à sala dos fotógrafos, localiza-se uma câmara escura com aproximadamente 80 m2 para 20 fotógrafos. (FIFA, 2007 p.97) Na saída privativa dos jogadores, há uma área mista coberta, ligada à tribuna e à sala de imprensa, com 100 m2, para cerca de 200 representantes dos meios de comunicação, inacessível ao público, onde os repórteres possam entrevistá-los.

Instalações técnicas e de serviços de apoio As instalações técnicas e de serviços de apoio são compostas por ambientes, equipamentos e serviços indispensáveis ao bom funcionamento dos estádios envolvendo o controle dos sistemas de comunicação, iluminação, fornecimento de energia e telefonia, prevenção, segurança, vigilância e proteção, socorro e assistência médica. Desta forma, fazem parte deste conjunto de instalações, salas de primeiros socorros para o público, salas de segurança e vigilância por televisão, posto de controle do estádio, salas de comunicações e telecomunicações, instalações de iluminação e fornecimento de energia elétrica, Instalações e sistemas para prevenção 4 | proposta | 171


de incêndios, sistemas de publicidade e propaganda, equipamentos e instalações para bandeiras, centro de comércio e serviços, centro de eventos e convenções. Nas áreas adicionais sob o primeiro anel, estão os vestiários dos gandulas, vestiários para artistas e músicos com depósito para instrumentos, salas para usos diversos, instalações de serviços gerais, manutenção e armazenamento. Como parte dos sistemas de informação, telões de vídeo colocados nos cantos diagonalmente opostos do estádio farão a divulgação de mensagens e resultados. Toda a área de jogo será uniformemente iluminada com intensidade suficiente para garantir clara visão aos protagonistas da partida e aos espectadores, além de permitir a eficiente e nítida transmissão do encontro por televisão. Uma central telefônica equipada com dispositivo de gravação operará o sistema interconectado de telefonia. No posto de controle do estádio, com circuito privado, sistema de vigilância por televisão e autonomia de energia elétrica, será feito o controle tudo o que acontece em todos os setores dos estádios. Dessa forma, como sugere a FIFA, não há necessidade de barreiras físicas elevadas em torno do gramado. Para proteção contra possíveis invasões do terreno de jogo, além da colocação dos assentos da primeira fila a uma altura que dificulta a invasão, a FIFA considera suficiente a presença da polícia e de seguranças junto à área de jogo. Um centro de controle adjacente ao posto de controle do estádio, sobre a área dos vestiários para que seja possível ao operador ter uma vista de todo o estádio, clara e sem obstáculo, também permitirá que os organizadores do evento e as autoridades de segurança se comuniquem com os espectadores dentro e fora do estádio com suprimento próprio e independente, de energia elétrica, por um período de três horas, no mínimo. (FIFA, 2007 p.82) O centro de segurança, prevenção e combate a incêndios de incêndios, também fará o controle de todas as áreas do estádio, incluindo entradas, saídas, escadas, portas, corredores, coberturas, áreas públicas e privadas. Nas salas de máquinas, duas fontes de energia elétrica, totalmente independentes, e um gerador de apoio para as evasões de emergência, eliminarão o risco de falta de energia. As salas de assistência médica e de primeiros socorros para o público, 4 | proposta | 172


implantada sob o primeiro anel, claramente sinalizadas, serão em número, tamanho e localização, para atendimento dos espectadores que necessitarem de assistência médica. Localizadas em lugar de fácil acesso para os espectadores e para os veículos de emergência, também serão objeto de soluções versáteis, estruturalmente flexíveis, móveis e desmontáveis, considerando que também nestas instalações a evolução tecnológica e operacional é permanente e rápida. Os estacionamentos com capacidade estimada em 10.000 vagas para automóveis e para 500 para ônibus em área específica e independente, deverão localizar-se sob a praça de acesso e dispersão e sob a área de projeção do estádio, divididos por torcidas. Para o público dos camarotes e das tribunas deverão ser reservadas vagas de estacionamento em número adequado à sua capacidade, tanto para ônibus quanto para os veículos particulares. Este estacionamento localizase dentro do estádio, junto à entrada exclusiva, isolado dos do público das arquibancadas. Da mesma forma, os representantes dos meios de comunicação dispõem de estacionamento reservado, separado do público e próximo a sua área de trabalho. Além desse estacionamento, há uma área isolada, destinada aos caminhões de transmissão externa das redes de TV localizada tanto no subsolo do estádio com autonomia de fornecimento de corrente elétrica. (FIFA, 2007 p.100) Uma área ao ar livre, adjacente à área dos caminhões, com vista livre até o horizonte meridional, fica reservada aos veículos TES - Estações Terrestres Transportáveis, para transmissões por satélite. Destinadas aos veículos dos serviços de emergência, segurança e espectadores incapacitados, envolvendo as equipes médicas, o corpo de bombeiros e a polícia, estão destinados estacionamentos dentro do estádio, com acessos livres e diretos, totalmente independentes dos acessos do público, bem como uma área de pouso para helicópteros, próxima ao estádio.

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4. ÁREAS ANEXAS Finalizando, temos as áreas anexas, que refletem necessidades estranhas ao jogo, ao futebol e aos estádios, mas se apresentam, estratégica e economicamente, como atrativos eficientes e vantajosas oportunidades de momento. Por essa razão, e apesar de se terem tornado comuns nos estádios contemporâneos, estas áreas não fazem parte do objeto desta tese nem de sua análise. São áreas que abrigam atividades que não agregam valor ou qualidade ao espetáculo nem ao futebol e que devem ser mantidas externas e estranhas ao ambiente do jogo. Restaurantes, piscinas, academias, museus, centros de eventos e de convenções, comércio e serviços de todos os tipos, destinados ao público, por representarem atividades eventualmente relacionadas com as atividades urbanas e os interesses comuns do público, são muito mais adequadas aos ambientes que circundam os estádios, dinamizandoos e cumprindo um papel significativo de integração e participação das comunidades locais e de congregamento destas com os adeptos do futebol. Ignorar estas relações significa insistir no isolamento agressivo que vira as costas às populações e aos ambientes urbanos que os integram.

COMPLEXIDADE GEOMÉTRICA DA ÁREA DE JOGO As disputas no futebol começaram sem número determinado de jogadores ou dimensões fixas dos campos. Após a regulamentação do jogo, as dimensões continuaram variáveis, mas fixadas em intervalos de comprimento, entre 100 jardas (91,4m) e 130 jardas (118,82m) e de largura, entre 50 jardas (45,7m) e 100 jardas (91,4m), por serem interpretadas como adequadas ao esforço físico, ao número de jogadores determinado de onze para cada equipe e às estratégias de jogo. Com a expansão do futebol da Grã-bretanha para o continente e a posterior criação da FIFA, as dimensões sofreram arredondamentos para o sistema métrico, assumindo os valores entre 90 e 120 metros no comprimento e entre 45 e 90 metros na largura. Ainda que a FIFA tenha estipulado, no final do século XX, as dimensões máximas e mínimas do campo de jogo, restringindo-as a 105 metros (114,879 jardas) no comprimento e 68 metros (74,398 jardas) na largura, para as partidas das fases finais dos campeonatos das confederações ou das Copas Mundiais, sua forma e dimensões foram reinterpretadas, nesta tese, com o objetivo de 4 | proposta | 174


descobrir as razões, relações e significados que, desde sua origem, justificam estes limites, medidas e proporções. Afinal, os estádios não se constroem a partir das arquibancadas, mas da área de jogo, onde as extensões e as dimensões se fundem em representações e estratégias que dissolvem as aparências das medidas das imagens estáticas, restaurando a organização do espaço de criação de ordens temporárias processadas como expressão lúdica do ritual sagrado do jogo. No gramado, a profundidade do espaço da representação das estratégias de jogo não é o das dimensões físicas da imagem estável e estática do suporte físico, nem do espaço substancial, contínuo e homogêneo, definido pela centralidade clássica do ponto de fuga da perspectiva, das extensões, herdados da geometria regulada por sistemas de dimensões e medidas de superfície. A abstração geométrica não admite a contemplação estática do objeto, mas a profundidade de campo da instantaneidade prospectiva do olhar que vai além das aparências das distâncias e dos espaços, com imagens instáveis produzidas por movimentos e deslocações que escapam à consciência imediata. Como ferramenta analítica dos processos de criação, a geometria propõe transformações de confrontação entre a forma e a estratégia do jogo de futebol, como fenômeno construído por relações multidirecionais com a responsabilidade de informar, transformar e reorganizar a percepção e dar representação à transparência e à profundidade do espaço acidental, que organiza e estrutura o campo de jogo a partir da fragmentação geométrica. (Somol, 1999 pp.29-38) Essa fragmentação beneficia a imagem instável do espaço heterogêneo e produz uma realidade sensível que se confunde na representação instantânea do espaço como uma duração sem dimensões físicas, em que a quantidade da ação e o ponto de observação tornam-se as verdadeiras referências do jogo.

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área de jogo.:

escala de referência

unidade de modulação: 2x2 jardas

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área de jogo.:

área penal: 22x44 jardas [11x22 unidades de modulação]

área central de criação e armação: 44x44 jardas [22x22 unidades de modulação]

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área de jogo.:

área central de criação e armação: 44x44 jardas [22x22 unidades de modulação]

área variável

área variável

unidade de modulação

área penal de defesa e ataque: 22x44 jardas [11x22 unidades de modulação]

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área de jogo.: área variável de criação e armação:

área central de criação e armação: 44x44 jardas [22x22 unidades de modulação]

unidade de modulação

área penal de defesa e ataque: 22x44 jardas [11x22 unidades de modulação]

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área demarcada de jogo.: área de criação e armação: 72x72 jardas [36x36 unidades de modulação]

área central de criação e armação: 44x44 jardas [22x22 unidades de modulação]

unidade de modulação

área penal de defesa e ataque: 22x44 jardas [11x22 unidades de modulação]

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Seja qual for a dimensão da poligonal, as marcações fixas de metas e áreas penais do campo de jogo expressam o movimento silencioso e aleatório de oposições e multiplicidades, como uma rede de conjunções e dimensões potencialmente infinitas. (Somol, 1999 pp.29-38) Embora aparentemente aleatória, as localizações, dimensões, escalas e proporções dessas áreas, definem ações de criação nas disputas que, de forma imprevisível, vencem as regras de cumprimento inevitável e oferecem alternativas e multiplicidades de múltiplas estratégias influenciadas por variáveis que se modificam indefinidamente, pela inteligência dos planos táticos e dos enunciados estéticos que consagram o jogo.

4 | proposta | 181


área de criação e armação área penal de defesa e ataque

área penal de defesa e ataque

círculo central de ínicio de jogo: ø 20 jardas

círculo penal: ø 20 jardas

círculo penal: ø 20 jardas

A superfície de jogo, limitada por linhas laterais e de metas, em que a aparência das dimensões apenas esconde a transparência das relações e das ações, é demarcada e referenciada por três grandes círculos com 20 jardas (18,28m) de diâmetro localizados simultaneamente na área central de armação de jogo e nas áreas penais de ataque e defesa nas extremidades do campo, como interfaces de comutações e transferências entre meios e estratégias que se confrontam e se contaminam. Os três grandes círculos, distribuídos ao longo do eixo longitudinal do campo, sinalizam funcionalmente o ponto de início das partidas no centro da área de jogo e as marcas de penalidades máximas junto às metas, demarcando em seu perímetro a distância a ser respeitada pelos jogadores sempre que o jogo for reiniciado, ou na marcação de penalidades. 4 | proposta | 182


faixa central de unificação dos círculos faixa transversal de defesa e ataque: 20 jardas

A partir dessa distribuição, pode-se identificar uma faixa central, unindo os três círculos, e três transversais com 20 jardas (18,28m) de largura, cruzandose sobre cada círculo. Pelo central passa a linha transversal de divisão e simetria do campo. Já os círculos de penalidade nas extremidades do campo demarcam uma faixa transversal centralizada com 12 jardas (10,968m), que define as linhas de frente das áreas penais. A maior tem a profundidade de 18 jardas (16,452m) e a menor, inscrita na maior, tem 6 jardas (5,484m), a partir da linha de meta (gol) comum às duas.

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área de meta: 8x8 jardas

Longitudinalmente, são novamente os círculos de 20 jardas as referência de proporção para a identificação de três faixas centrais e sobrepostas que, com 44 jardas (40,216m), 20 jardas (18,28m) e 8 jardas (7,312m), definem, respectivamente, a extensão da área penal maior, da área penal menor e da dimensão interna da meta (gol), marcadas na transversal do campo. Cabe aqui ressaltar que a meta (gol), com dimensões internas de 8 jardas (7,312m) de extensão e a altura de 8 pés ou 8/3 jardas (2,437m), teve suas dimensões oficialmente arredondadas no sistema métrico para 7,32 x 2,44 metros.

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faixa longitudinal variável

faixa lateral longitudinal: 10 jardas

faixa central de unificação dos círculos faixa longitudinal variável faixa lateral longitudinal: 10 jardas

Complementando essas áreas, há uma terceira faixa em cada lateral ao longo do campo, com a dimensão de 10 jardas (9,14m) definindo a distância mínima entre a área penal maior e as linhas laterais do campo de jogo, o que redefine sua largura mínima em 64 jardas (58,496m). O reconhecimento destas áreas tornou possível estabelecer referências que esclarecem as relações e as proporções da área demarcada de jogo. Apesar das múltiplas simulações e experimentações, não foi possível reconhecer nas dimensões fixadas pela FIFA, de 68x105 metros, qualquer relação que as justificasse a não ser, uma vez mais, um arredondamento aleatório para o sistema métrico. 4 | proposta | 185


22 jardas

14 jardas variável

44 jardas

14 jardas variável

22 jardas

10 jardas 4 jardas

44 jardas

4 jardas variável

10 jardas

116 jardas [106 metros]

No entanto percebe-se que em todas as marcações originalmente definidas em jardas, e por isso aqui também referidas, além de serem múltiplas de 2, expõem a constância dos valores 4 e 6, o que de imediato elimina a dimensão de 105 metros. Por outro lado, considerando os significados e as relações do jogo não se pode ignorar a escala de referência e as relações de proporção entre comprimento e largura. Avaliando as proporções do campo proposto pela FIFA, o valor de 44 jardas (40,216m) surge como determinante na grande área penal e na soma das distâncias entre as linhas de metas e extremidade dos círculos, correspondendo cada medida a 22 jardas (20,108m). Subtraindo o valor total de 44 jardas (40,216m) das faixas extremas do campo, aos 105 metros (114,879 jardas) do comprimento do gramado, obtem-se uma extensão central de 64,784 metros (70,879 jardas). A proximidade dessa 4 | proposta | 186

72 jardas [66 metros]

variável


dimensão em relação aos 68 metros (74,398 jardas) de largura definidos pela FIFA sugere de imediato a possibilidade de igualá-las, gerando uma área quadrada central extremamente muito adequada às relações circulares de criação e armação do jogo. Dessa forma, foi formulada a condição que estabelece para o gramado um valor de comprimento = largura + 44 jardas (40,216m). Baseado nessa fórmula e adotando a referência de 68 metros (74,398 jardas) definidos pela FIFA, conclui-se o comprimento de 108,216m metros (118,398 jardas). Retomando as referências constantes 4 ou 6 e os valores inteiros em jardas, finaliza-se, para a divisão de 74 e de 118 jardas por 4, os valores de 18,5 e 29,5, o que, no desenvolvimento das relações geométricas traria dificuldades à modulação necessária às relações de proporção. Assim, adotando os valores de 72 jardas (65,808m) para a largura e 116 jardas (106,024m) para o comprimento, por serem os valores pares mais próximos, e ambos múltiplos de 4 (72/4=18 e 116/4=29), o que preserva a modulação proposta. Em valores arredondados no sistema métrico, pode-se, então, propor para o gramado as dimensões de 66 e 106 metros, o que reduz a largura de 68 metros proposta pela FIFA em 2 metros e acrescenta 1 metro aos 105 metros do comprimento. Com essas dimensões é, então, possível interpretar os códigos coletivos dos valores e das normas do jogo e estabelecer relações harmônicas e relacionadas em que os referenciais favorecem a leitura das estratégias e das ações de jogo que se transformam de acordo com a velocidade de configuração pela sistematização dos princípios de orientação e organização, como representações geométricas. A compreensão do espaço acidental, descontínuo e heterogêneo das ações permanentes e simultâneas nas disputas, possibilita a expressão das expectativas que surgem como recursos para a exploração das alternativas e ações imprevisíveis das estratégias como interpretações representadas pelas relações entre o espaço do jogo e as competências dos jogadores, 4 | proposta | 187


que imprimem às disputas sequências harmônicas marcadas por ritmos e velocidades, dentro das dimensões e das proporções dos gramados. Em última análise, elas afirmam-se como as principais formas de avaliação para a viabilização de objetivos e consequências positivas do processo de criação, dentro de condições hipotéticas e abstratas que definem e esclarecem os sistemas não mensuráveis do jogo.

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Versatilidade, descontinuidade e flexibilidade dos espaços e dos sistemas Os estádios, no conjunto de suas partes, essenciais, complementares e acessórias, como as classifica esta tese, envolvem relações organizadas em sistemas interdependentes com funções combinadas, como uma forma de controle das soluções dos espaços e as estruturas que, em hipótese alguma, podem ficar à mercê do acaso. Sendo parte de um processo que reflete as condições naturais e as referências sociais, organizadas e articuladas de maneira assimétrica, em torno de condições locais específicas, os estádios também representam os mais diversos interesses e valores expressos em sequências programáveis de troca e interação entre posições fisicamente desarticuladas, repletas de conflitos e contradições. São processos não-lineares, cuja análise só é possível pelo refinamento e valorização dos aspectos conceituais. Assim, a concepção dos sistemas recorrentes dessas abordagens passa da preocupação com as qualidades estéticas e perceptivas do objeto para a interpretação das relações, extensões e dimensões da área de jogo concedendo-lhe o controle das representações e das estratégias restauradoras do espaço de criação e da expressão lúdica do ritual do jogo. Desse exercício resultam múltiplas experiências, adaptáveis às mais diversas necessidades dos estádios, dentro de uma hierarquia de informações que em cumplicidade relacionam a multiplicidade de aspectos e atividades, não aceitando qualquer inevitabilidade presumida ou imperativa de construções pensadas apenas para resistir tecnicamente.

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รกrea de jogo.:

4 | proposta | 190


Por isso, a partir da poligonal do campo foi definida a elipse que o envolve e identificados os cones que a geram ao serem seccionados pela superfície do campo, restaurando o movimento longitudinal permanente e constante que caracteriza o jogo num processo pendular de ação e reação, expresso em movimentos de ataque e defesa, ritmados pelas marcações e a modulação do gramado com intervalos quantificados em compassos de 2, 4 e 6 jardas, reinterpretados e redimensionados a cada estratégia e a cada ato de criação coletiva. (IMAGEM PROSTA ESTÁDIO)

áreas essenciais.:

Elipse do campo Elipse do gramado Elipse corredor de serviços

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ĂĄreas essenciais.:

cone gerador da elipse pela intersecção com o plano do campo

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áreas essenciais.:

posições simétricas do cone gerador da elipse

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รกreas essenciais.:

banco de suplentes

vestiรกrio dos รกrbitros

vestiรกrio dos jogadores

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รกreas essenciais.:

banco de suplentes

vestiรกrio dos รกrbitros

vestiรกrio dos jogadores

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áreas complementares.: Deste movimento é gerado um segundo, agora transversal, de cones ancorados na elipse que envolve a do gramado, tornando o maior eixo do campo no seu menor, numa oscilação mútua e indefinida até uma solução formal que absorve para a platéia as ações no gramado.

elipse das áreas complementares

Cones geradores da elipse das áreas complementares

4 | proposta | 196


Esses dois movimentos são a conformação e a estrutura de todos os elementos e espaços componentes e responsáveis pelas infinitas configurações geradas pela revisão exaustiva de exercícios de transformação, decomposição, rotação, inversão, superposição que privilegiam a heterogeneidade e a interação das funções que preservam e destacam novos significados, características e qualidades.

Cones geradores da elipse das áreas complementares

4 | proposta | 197


especulações geométricas e espaciais.: Os ambientes propostos procuram oferecer o potencial para a interação pelo movimento, criando oportunidades para representações tão diversas quanto as idéias geradoras e as especulações de suas propriedades formais, procurando alcançar um ponto absoluto de conciliação do espaço imaginado com a realidade. O deslocamento e a instabilidade gerados pelo movimento que muda o modo de percepção, são parte da condição dos espaços que entrelaçam imagens de aparente desordem representadas pela continuidade e descontinuidade da heterogeneidade dinâmica de ambientes carregados de transformação.

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especulações geométricas e espaciais.:

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especulações geométricas e espaciais.: Se considerarmos o quadro contínuo constituído por nosso espaço-tempo como construído pela incerteza, então a continuidade macroscópica resulta de uma avaliação efetuada sobre elementos descontínuos afetados pela incerteza que tende naturalmente à desorganização, admitindo-a como uma organização desconhecida, as formas, carregadas de forças entrópicas de desorganização, tornam inevitável a instabilidade e o equilíbrio frágil que penetram o comportamento do espaço. Por isso, na proposta apresentada há um desafio com resultados imprevisíveis na multiplicidade das percepções e sensações de uma arquitetura cheia de alternativas, que não passa pela simples técnica e suas diversificações, mas que procura fazer emergir as verdades das condições objetivas e das vontades subjetivas.

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No entanto, a incorporação desses significados não se presta simplesmente para definir uma figura como um sistema organizacional novo, mas para entender as múltiplas possibilidades de relações virtuais de dois novos cones verticais invertidos, como configurações que investigam e tornam aparentes as lâminas das arquibancadas que, seccionadas horizontalmente, criam possibilidades espaciais simultâneas de adição e subtração de planos e volumetrias para viabilização de vestiários, tribunas, camarotes, instalações de imprensa, técnicas e de serviços de apoio.

áreas complementares.:

arquibancadas.: primeiro anel segundo anel terceiro anel

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รกreas acessรณrias.:

camarotes serviรงos de apoio

tribunas camarotes

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Sem abandonar qualquer possibilidade, de processos ou soluções construtivas, os sistemas foram conceituados a partir de princípios de freqüência, simplicidade, regularidade, probabilidade e complexidade, definindo espaços, unidades, articulações e circulações, fortalecendo as relações entre a unidade e o conjunto.

4 | proposta | 210


Através da estrutura aberta, resultante das interseções dos elementos cônicos, são explorados limites de versatilidade, flexibilidade e adaptabilidade como identidade de um processo contínuo de permanente transformação estrutural e plástica, capaz de sobreviver aos desgastes operacionais e ao choque imprevisível da obsolescência tecnológica que, com freqüência, afligem os estádios contemporâneos. Diante dessa condição, os equipamentos e os componentes construtivos passaram a ser projetados para serem substituídos num período previsível de tempo, de forma a manter inviolado o conceito global da edificação, o que supõe os edifícios com componentes divididos em elementos de longa e de pouca duração, e capacidade para absorver as transformações exigidas por novas demandas.

4 | proposta | 211


Com sistemas flexíveis e versáteis, funcionalmente independente, pensados como um conjunto de componentes com seu próprio sentido, sem obsessão pelas facilitações construtivas, é possível responder aos mais diversos níveis de exigências de mudanças de atividades ou equipamentos, ampliações, modificações ou rápidas reconfigurações dos ambientes e das funções, sem obstruir qualquer processo de operação ou funcionamento, independentemente das condições de cada época, de suas necessidades ou comportamentos específicos.

4 | proposta | 212


Apesar da aparente complexidade desta proposta e de seus processos de desenvolvimento, ela se apóia num vasto conjunto de fatores resultantes da revisão de conceitos e da interpretação de possibilidades geométricas, espaciais e estruturais, favorecendo a criação de sistemas dinâmicos, eficientes e autônomos, ao mesmo tempo que possibilita grandes vãos e generosos espaços contínuos e livres que, suportando a tensão dinâmica do jogo e do público, se abrem para a praça que dá continuidade aos espaços externos e internos, e atrai os espectadores para o edifício por acessos que atravessam o grande átrio de recepção, iluminado por transparências que expõem todas as relações e movimentos. Não se pretende um objeto neutro, nem livremente escolhido, nem imposto, ou um meio direto e completo de uma ordem racional, refém da funcionalidade. Não faz parte desta proposta um modo operacional de modelos ideais, pela imitação de precedentes técnicos e estéticos, dogmáticos ou ortodoxos, nem a formulação indevida da eficiência e da produção, que apenas conduz ao delírio simplista do custo-benefício.

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Apesar das fortes características tecnologias, a proposta, sem seguir princípios, reafirma a tradição e a história do futebol, expressando simultaneamente seus valores na longa duração e perspectivas futuras. Como a inovação só surge pela compreensão das realizações conduzidas por aspectos conceituais para a correta interpretação das relações e do comportamento dos sistemas, houve principalmente a preocupação com

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Consideraçþes finais.:


As catedrais góticas eram iniciadas nos dias dos santos aos quais eram dedicadas. Seus construtores cravavam no chão um bastão, cuja sombra determinava todas as proporções do novo templo. O instrumento rudimentar provinha das dimensões do corpo destes “arquitetos” que, muitas vezes permanecendo anônimos, deixaram registros indeléveis de suas existências, crenças e saberes através dos séculos. O humano e o sagrado, consubstanciados no rito, criaram uma geometria de luz, leveza e mistério que são, hoje, legados do Ocidente cristão. Nenhuma regra fixa, nenhuma medida padrão, mas um jogo contínuo de proporções eram, de fato, as referências plasmadoras de fabulosos edifícios. A digressão é necessária, ela cumpre o propósito de lembrar como a relação entre o corpo e arquitetura permaneceu constante na longa duração histórica dessa disciplina, bastando a recorrência a Da Vinci, Le Corbusier e, contemporaneamente, às realizações do grupo holandês Nox. Para esse último, apoiado na fenomenologia, ao corpo é restituído o papel de protagonista, sendo ele, em sua totalidade sensorial, e seus movimentos o definidor dos espaços. Romper com normas fixas, regras, padrões dimensionais dos estudos antropométrico e ergonômicos clássicos, tão importante ao funcionalismo em seu tempo áureo, parece ser a intenção desse grupo e de muitos outros interessados em restituir a importância do corpo, cada dia mais, dessensibilizado em um mundo tornado homogêneo. Posicionando-se

de

forma

semelhante,

pretendeu-se

nesta

tese,

primeiramente, discutir o consenso estabelecido acerca dos atuais estádios de futebol. Pensados como objetos prodígios, verdadeiros gadgets denominados considerações finais•219


“arena-multiuso”, estes edifícios, que deveriam privilegiar o jogo na sua dimensão antropológica, contaminaram-se com a lógica do shopping center, tendo em vista que o futebol converteu-se em mais um produto da indústria cultural. Eles foram transformados em espécies de logomarcas das grandes corporações que, atualmente, fizeram o futebol um entre os mais lucrativos negócios do planeta. Entusiastas destas novas realizações não se acanham em esclarecer suas importâncias, cujas justificativas variam entre o espetáculo tecnológico de coberturas que se movem, gramados que deslizam e sua capacidade regeneradora de regiões urbanas degradadas. Os estádios tornaram-se grandes negócios e seus realizadores ampliaram seus programas, abrigando atividades variadas, em processo muito semelhante ao acontecido com os museus, com seus indefectíveis cafés e lojinhas que vendem réplicas do famoso sorriso de Mona Lisa. Por esta razão, a proposta formulada nesta tese está centrada no que deve ser essencial ao estádio de futebol, excluindo as atividades que são estranhas ao jogo. Aos mais céticos, esta posição pode parecer ingênua e apontada como utópica, no sentido comum atribuído ao termo. Todavia, é preciso lembrar que no pensamento utópico, o real não se esgota no imediato. A utopia é um instrumento objetivo para a exploração sistemática das possibilidades e introduz a exigência da radicalidade. O objetivo maior das utopias é exorcizar e sublimar o presente e o passado, e esconjurar as angústias, os medos, as ilusões – em fim, tudo que possa ser inquietante e sombrio. Nesse sentido, nega-se crer que a lógica corporativa e a do capital transnacional sejam únicas e tenham decretado, juntamente com a democracia ocidental, o fim considerações finais•220


da História. As utopias, afastadas de seus sentidos totalitários, entusiasmam e podem animar para a ação comprometida, explorando novas possibilidades e mudanças. A criação será sempre um começo subjetivamente eterno. A cada condição finita, corresponderá um conhecimento permeado de erros frustadores das certezas. As utopias encontram-se na criação. Outro ponto recuperado é o jogo em si, considerando-o como foco principal na concepção dos estádios. Neste sentido, o rito que o constitui, o corpo dos atletas em movimento e suas estratégias retomam a cena principal. São eles, à semelhança dos processos de concepção e construção dos espaços sagrados das catedrais góticas, os pontos de referência para a geometria dos estádios. Porém, os processos geométricos ensaiados devem ser entendidos não como o desenho de trajetórias finitas das estratégias de jogo. Ao contrário, está construída sobre idéias de posicionamento espacial, deslocamentos, velocidades e tempo. A este último cabe uma importante ressalva, pois não se trata do tempo do cronômetro, mas de outro, dilatado pela dimensão do próprio jogo, envolvendo a dimensão do rito, o movimento e as emoções coletivas. Assim, é a beleza do futebol com suas incríveis e infinitas possibilidades, tal como a arte, que se torna o fulcro conceitual da proposta apresentada. É preciso lembrar, como o fez Sevcenko (2001), a fragilidade de um Leônidas e seu gol de bicicleta, para entender a poesia do jogo, justificando o empenho em torná-lo, outra vez, a razão de ser dos estádios. Como dizia o poeta: o tempo não pára. Anote-se que esta tese não é uma volta considerações finais•221


no tempo, o que não teria sentido até para os mais fervorosos defensores de velhos patrimônios. O exercício é de crítica e, por esta razão, apesar de reconhecer a ilusória parafernália tecnológica que acompanha os estádios como exibicionistas, a proposta apresentada não se furta a se apropriar das reais conquistas da ciência e de tecnologias, indissociáveis da boa arquitetura. Considera-se que novas soluções tecnológicas podem alargar as percepções e estabelecer novas estruturas de valores e de análise. Com autocrítica dos projetistas, elas permitem uma atitude independente de projeto, superando o aparentemente impossível. É nesta perspectiva que os princípios contemporâneos de flexibilidade, mobilidade, versatilidade e descontinuidade são outra face conceitual da proposta de estádios contemporâneos. Discutindo idéias em vez de objetos, esta tese, divorciada da lógica moldada no determinismo, perseguiu o objetivo de desmantelar o dogmatismo. Se nela, o conteúdo utópico está presente, esclarece-se que se reafirma como um livre-pensar necessário à construção dos critérios e conceitos defendidos, nascidos da necessidade de buscar alternativas para uma realidade destituída de fantasia, Então, esta modesta utopia manifesta-se nos modos, nas inquietações e nas ilusões como uma idéia-força que entusiasma e alimenta aspirações motivadoras de comprometimentos provocadores. Afinal, as promessas utópicas sempre chegam com profecias de aperfeiçoamento para, pela ação da inteligência, surpreender com a possibilidade de um mundo melhor. Segundo Furter (1974: 147), a exigência de radicalidade propõe a negação da realidade e a capacidade de motivar mudanças, como valor das utopias, e exorcizar e sublimar o presente e o passado. considerações finais•222


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Anexos.:


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anexos•231


anexos•232


anexos•233


anexos•234


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anexos•237


anexos•238


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