Da escurid達o para a
Luz Laercio Dastre
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Revisão de originais: Maria Antonieta Martella Editoração: Raissa Specian e Marcelo George Soares da Silva Araújo Capa: Seo ProjectCom
Dastre, Laercio. Da escuridão para a luz. Laercio Dastre. - São Paulo, 2012. 156p.
Aos meus filhos Luiz Gustavo e Aline, com amor. À minha filha Sabrina que me ensinou o amor incondicional, com saudade. À Célia, paixão da minha juventude.
AGRADECIMENTOS Para aqueles que me incentivaram e me ajudaram a escrever este livro: Carlos Martella, Antonieta Martella, Hercules Dall'Occa, Pr. Lucas Ferreira do Nascimento, E acima de todos, ao meu SENHOR JESUS, que me inspirou.
PREFÁCIO Quando Laércio, meu amigo, me pediu para que escrevesse o prefácio de seu livro, senti-me honrado e assustado. Sou engenheiro como ele. E como o mineirinho, me emociono muito, e como ele, guardo minhas emoções, preferindo a razão. Mas ao final deste livro, senti o quanto o Laércio foi dirigido pelo Espírito Santo de Deus, ao construir seus personagens e todos os elementos de sua narrativa. Através desta obra de ficção vemos um exemplo de como o Espírito Santo nos convence do pecado sem Jesus, do juízo sem Deus e da justiça, que só encontramos recebendo Jesus como nosso único Senhor e Salvador de nossas vidas. Jesus é o único caminho, a única verdade e a única via que reconcilia o homem com Deus. Minha oração é que através da leitura deste livro, muitas pessoas possam encontrar-se com a Verdade libertadora do Evangelho de Cristo Jesus.
Carlos Martella
ÍNDICE INTRODUÇÃO..............................................................................................11 SONHOS DE PROSPERIDADE........................................................................13 O VESTIBULAR: CERIMÔNIA DE INICIAÇÃO DAS SOCIEDADES MODERNAS...18 DOMINGO: DIA DE MISSA............................................................................25 PAGANDO A PROMESSA..............................................................................31 DEUS SE FAZ OUVIR......................................................................................36 DEIXANDO O NINHO....................................................................................40 UMA LIÇÃO CONTRA A GANÂNCIA...............................................................49 O AMIGO CERTO...........................................................................................53 PISANDO NA BOLA.......................................................................................59 ACERTO DE CONTAS.....................................................................................64 A FORMATURA............................................................................................69 O ACIDENTE.................................................................................................75 A CONFISSÃO...............................................................................................81 A RECUPERAÇÃO..........................................................................................86 RETORNO AO TRABALHO.............................................................................92 VIDA NOVA.................................................................................................101 CORRUPÇÃO..............................................................................................107 LUA-DE-MEL...............................................................................................111 PERDOAR É PRECISO..................................................................................120 A MAIOR ALEGRIA E A MAIOR DOR DO MUNDO.........................................127 CONSOLAÇÃO DIVINA................................................................................132 A BÍBLIA E A VERDADE................................................................................138 CRISTO, O ÚLTIMO SACRIFÍCIO...................................................................143 AO LEITOR..................................................................................................148 9
INTRODUÇÃO O mundo com sua sabedoria nos condiciona aos seus modismos: predispõenos a seguir seus caminhos pré-traçados, nos impõe o desfrute dos seus prazeres de forma egoísta e irresponsável; ensina-nos formas imediatistas para curar nossos males; dá-nos estratégias de como chegar ao sucesso e de como evitar e superar fracassos. Assim, acaba por nos moldar desde a mais tenra infância aos seus dogmas, maneirismos, seu sistema impiedoso de economia, costumes e tradições. Hoje, são poucas as crianças que podem contar com pais responsáveis, interessados, ativos, que com amor exigente e muito trabalho, constroem ao redor delas uma blindagem de proteção selecionando, com cuidado, os melhores princípios e atitudes corretas que devem dar base sólida à educação que precisam. E, infelizmente é, ainda, infinitamente menor o número das crianças que têm a sorte de desde pequenas serem apresentadas por suas famílias ao seu melhor amigo: Deus, e de serem ensinados a obedecê-Lo, pelo menos aos Seus "dez mandamentos", o que lhes daria muito mais chances de encontrarem, verdadeiramente, o caminho do amor, da paz, da alegria e da prosperidade, ou seja, da tão sonhada felicidade. A esmagadora maioria das pessoas, infelizmente, passa por essa única vida na Terra, sem conhecer a palavra de Deus: a Bíblia Sagrada. Por isso, infelizmente, muitos se perdem e morrem sem ter tido a oportunidade de 11
conhecer a verdade. Leem tantos compêndios de sabedoria humana, almanaques e revistas mil, correm atrás de adivinhos e gurus da moda, mas não se interessam pela Palavra de Deus, nem por curiosidade, nem para ter base idônea para poderem falar contra ela! Simplesmente, não leem, não gostam e o pior, são contra sem saber por quê! Por isso, lamentavelmente, milhões se perdem na vida ou vivem uma vida espiritualmente medíocre. Morrem, sem terem tido a oportunidade de conhecer a verdade libertadora e salvadora do Evangelho de Jesus Cristo. Este livro conta a história de André, um jovem que perseguiu os seus sonhos com afinco, criados dentro de uma visão humanista de uma família feliz. Mas para ele a felicidade só é acessível aos que lutam para alcançá-la instruindose e amealhando riquezas, por meios lícitos ou não, o famoso "self-made man", ou na minha modesta, pessoal e irônica tradução salve-se quem puder. (*1) Com o passar do tempo e após sofrer revezes consequentes de várias escolhas erradas, André, teve sua vida totalmente transformada, e aprendeu que a verdadeira felicidade é um dom concedido por Deus àqueles que são realmente seus filhos e não para todas as Suas criaturas. Os filhos de Deus são os que O buscam e praticam princípios de vida deixados por Ele, para todos os homens escritos nos dois Testamentos bíblicos. Portanto, a felicidade e vida abundantes,
tão perseguidas por todos,
independem de condição social, dinheiro, cor, raça e outros atributos. Dependem, primeiramente, de que cada um busque e descubra, o mais cedo possível, a "Boa, agradável e perfeita vontade" de Deus para a humanidade (*2). (*1) self-made man: homem que se faz por si. (*2) IN, Bíblia, Novo Testamento, livro de Romanos 12:1 e 2
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SONHOS DE PROSPERIDADE
Aos treze anos, em plena adolescência, André sonhava com coisas que ele julgava importantes para ser feliz como: riqueza, fama e posição social relevante, entre outras… Era o segundo de cinco irmãos e seus pais não dispunham de bens e dinheiro suficientes, para lhe possibilitarem realizar esses sonhos a não ser com muito esforço. Não guardava dinheiro porque a mesada era pequena, porém nada lhe faltava. Tinha uma vida confortável. Nos anos 50 vivia-se bem com pouca coisa, sem medo de inflação, carestia e falta de alimentos. A vida era mais simples. O sonho de André, para se materializar, certamente exigiria dele muito esforço e dedicação aos estudos, visando o diploma universitário. Assim, estaria apto para conseguir um bom emprego e como consequência, bom salário. Formar-se em engenharia era um de seus sonhos. Morava em Trindade, município com pouco mais de setenta mil habitantes. Ali, a universidade mantida pelo governo federal, oferecia gratuitamente, entre outros, o curso de Engenharia Mecânica. Por ser reconhecida nacionalmente, garantia emprego imediato aos seus formandos. Era comum que os melhores alunos fossem já contratados pelas empresas ainda no último ano do curso, antes mesmo da graduação. Ainda menino, André já reconhecia a importância do diploma e sabia que a 13
primeira dificuldade a enfrentar seria a seleção para as poucas vagas, através de vestibular considerado sempre muito difícil. No ano de 1959, ao completar 15 anos, André já cursava o primeiro ano do Curso Científico e o vestibular, que deveria ser encarado dali a três anos, já o assombrava. Muitos estudantes não conseguiam ultrapassar essa barreira após várias tentativas e o seu maior receio era fazer parte desse contingente de reprovados. A posição social de destaque dos seus sonhos estava condicionada a vencer essa primeira etapa de dificuldade. As moças mais bonitas e vistosas da sociedade preferiam os universitários, em detrimento dos demais jovens, porque no futuro seriam os que teriam como lhes oferecer melhores condições de vida, com casa própria, carro, boas roupas e estudo de qualidade para os filhos. Se por um lado os meninos sonhavam com um bom emprego que lhes desse bom salário e status social, as moças sonhavam com um bom casamento, uma vez que nesses idos de 1950, poucas mulheres se aventuravam na busca de uma vida profissional que lhes proporcionasse independência e realização pessoal. Todas sonhavam com o casamento, casa e filhos. André tinha grandes olhos castanhos, pele clara e fartos cabelos louros, ondulados e bem cuidados. Com 1,78m de altura e peso certo para seu porte, era um belo rapaz que despertava o interesse das jovens da cidade. Entretanto, esses atributos, reconhecidos como virtudes não bastavam para lhe conferir confiança no trato com as moças, pois ele não se dava o devido valor. André era tímido e julgava-se inferior aos rapazes de sua idade e por 14
isso, não tinha namorada, não obstante estar caidinho por Mônica. Mônica, com 13 anos de idade, 1,68m, cabelos castanhos claros, olhos azuis tinha corpo esguio e já bem formado. Estudava no “Colégio das Freiras” e era admirada por sua beleza, e jeito simples de ser. André acreditava que só conquistaria o coração de sua eleita se conseguisse entrar na universidade, o que o tornaria bom partido, independentemente de seus outros atributos que ele nem enxergava ter. Por isso, flertava platônicamente com Mônica e procurava vê-la todos os dias, mesmo à distância e de preferência sem ser percebido. Sempre que podia, ficava esperando a saída das alunas do “Colégio das Freiras” e, de longe buscava vislumbrar e admirar sua amada. Vencido pela timidez e insegurança, não tinha coragem para se aproximar de Mônica e lhe dirigir palavra. Mônica, por sua vez, já havia percebido o interesse de André por ela, mas não dava muita importância a isso. Acostumara-se a situações desse tipo, pois outros jovens da cidade também a assediavam, procurando namorá-la. Por outro lado, na ocasião estava interessada em conquistar o coração de um estudante do Curso de Medicina. Certa noite, num baile no clube da universidade, André, dominando a insegurança que lhe era peculiar, decidiu resolver o problema que o incomodava: “hoje conversarei com Mônica!” É importante ressaltar que as moças da época eram recatadas, não assediavam os rapazes e raramente andavam desacompanhadas. Dificilmente qualquer uma dessas moças era encontrada na rua após as 10 horas da noite. Nas festas noturnas e bailes, sempre estavam acompanhadas de seus pais, ou no mínimo da mãe ou um irmão guardião. 15
Mônica, agora com 15 anos, era uma das debutantes do baile e estava sentada à mesa, acompanhada de sua mãe, depois de ter dançado a valsa com o pai. André, aproximando-se perguntou: – Olá, como está você? Dança esta música comigo? – Sinto muito, estou acompanhada: foi a resposta. Meu namorado foi comprar refrigerantes e salgadinhos e deve voltar daqui a pouco. Desculpeme. Ao ouvir a negativa foi como se o mundo tivesse desabado sobre sua cabeça. Ficou ali estatelado por uns instantes, envergonhado pelo fora recebido e decepcionado com a situação. O pior que podia acontecer com um rapaz na época era “levar uma tábua” (ser recusado para dançar). O “cara” criava coragem, atravessava o salão todo; garganta seca, mãos suando, gravata apertando o colarinho, para ouvir um “não”! “Era como um balde de água fria para qualquer moral.” Por isso, muito sem jeito, roxo de vergonha, afastou-se em direção ao bar decidido a afogar sua tristeza: “vou encher a cara e não quero mais saber de nada com essa moça e com nenhuma outra, até conseguir entrar na universidade”. “Acompanhada de alguém e com anuência de seus pais? O compromisso é sério. Como é que pode se amarrar ainda tão jovem?” Pensava André... No bar, tomou tanta caipirinha de cachaça – por ser a bebida mais barata – que ficou embriagado, a ponto de vomitar. Atendido por amigos, foi encaminhado ao pronto-socorro onde lhe aplicaram uma injeção de glicose e lhe deram uma xícara de café, e lá ficou 16
até se sentir melhor para depois retornar para casa. Ao chegar, entrou bem de mansinho e ainda tonto, foi até seu quarto, sem deixar que alguém percebesse o seu estado. Ao acordar no dia seguinte sentiu os efeitos da bebedeira. Estava pálido, com dor de cabeça e uma enorme ressaca. Dona Rosa, sua mãe, percebendo o estado do filho, perguntou-lhe: – O que houve com você meu filho? – Nada não mãe, só estou com dor de cabeça. Deve ter sido alguma coisa que comi ontem e não me caiu bem. Depois desse lamentável episódio, passou a dar ênfase ao estudo das matérias de ciências exatas, deixando de lado as paqueras e namoricos. Dedicava-se quase que exclusivamente aos livros. No final do ano de 1962, com a vida correndo sem maiores problemas e sendo bom aluno e aplicado nos estudos, terminou o Curso Científico situando-se entre os melhores classificados do colégio de Trindade, que pertencia à Igreja Católica e era dirigido por padres.
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O vestibular: cerimônia de iniciação da sociedade moderna
Os homens primitivos e os índios em geral têm que passar por uma cerimônia de iniciação para serem declarados aptos à vida adulta como guerreiro e chefe de família. Hoje, em vez de provas de força e coragem, todos os jovens das sociedades modernas passam pelas temíveis e concorridas seleções de um vestibular e das entrevistas de empregos. Tão ou mais cruéis e frustrantes que as dos nossos ancestrais! Na Universidade Federal de Trindade, o vestibular acontecia sempre no mês de janeiro de cada ano e era constituído de quatro provas dissertativas e eliminatórias. Se o candidato não obtivesse quatro (nota mínima) na primeira prova, não faria a segunda e assim sucessivamente. Como os demais vestibulares do país normalmente eram efetuados em janeiro e fevereiro de cada ano, dificilmente um candidato participava de mais de um vestibular. Para André, a expectativa era conseguir vaga na universidade local, uma vez que assim seria mais cômodo, sem maiores gastos e sem necessidade de distanciar-se de seus pais e, obviamente, de sua amada. Muitos candidatos de outras cidades e estados apresentavam-se anualmente para prestar o vestibular em Trindade, não só pela gratuidade dos cursos como pela excelência da universidade. Naquele ano, o páreo era de uma vaga para cada dez candidatos. 18
Os candidatos naturais de Trindade tinham maiores chances de sucesso nas provas, pois os cursos das escolas locais enfatizavam as matérias do vestibular da universidade e muitos de seus professores no colégio e cursinho, eram também professores na universidade, ou universitários. A primeira prova foi de física e ocorreu em meados de janeiro. O resultado foi divulgado e apenas duzentos e trinta candidatos foram selecionados entre os mais de setecentos inscritos. André cruzou confiante o saguão da universidade em direção ao quadro de aprovados para ver o resultado da prova de física. Conferira suas respostas com os gabaritos e estava certo de ter passado. De fato, para sua alegria, seu nome estava relacionado e obtivera seis pontos: estava classificado. A prova de matemática, aplicada dois dias depois, foi considerada dificílima – até mesmo pelos veteranos da universidade. (André saiu abatido da prova, pois não fora bem). Quando o resultado foi divulgado, sem ânimo para ir até a universidade conferir a lista, soube do resultado por outros: seu nome não constava da lista. Com a má noticia vieram o abatimento, a tristeza, o desânimo... Pensou no seu futuro: trabalhando sem o diploma universitário, com baixo salário, comparado aos de seus colegas graduados e, se via sem possibilidades de conseguir sucesso como profissional. Era como se o mundo tivesse acabado! Triste ao extremo, dirigiu-se a um lugar ermo, situado próximo às margens do rio Jaruí, não muito distante do centro da cidade, para analisar sua situação sem ser observado e naquele estado de ânimo, chorou copiosamente. Arrasado e imerso em sua amargura, André não percebeu a aproximação de Jair, seu colega de estudos, cujo nome constava da lista de aprovados, e que 19
veio consolá-lo. – Percebi seu estado, compreendo seu abatimento e gostaria de conversar com você e ajudar no que for preciso. Não deixe que o desânimo ocupe lugar em sua mente. Você é uma pessoa muito capacitada e tenho certeza de que conseguirá estar na universidade no ano que vem. Seus pais estão preocupados e acho melhor, no momento, voltar a sua casa, onde por certo receberá o conforto que precisa. Conversaram, por algum tempo, o bastante para André se acalmar e recobrar ânimo, e depois, juntos afastaram-se das margens do rio em direção à casa de André. Uma semana depois terminaram as provas e só 45 candidatos foram aprovados, sendo 12 deles Trindadenses – entre eles, Jair. André, já conformado e em melhor estado de ânimo, resolveu tirar uma semana para descansar, e foi pescar em companhia de dois amigos no rancho de seu pai, distante vinte quilômetros do centro da cidade, às margens do rio Jaruí. Era época da piracema e os peixes subindo o rio para a desova, tornavam-se presas fáceis. O rio Jaruí, piscoso e pouco poluído, sempre oferecia condições para boas pescarias. Ao retornarem da pescaria – bem-sucedida (conseguiram fisgar quatro dourados de bom tamanho e muitos mandis); André sentia-se bem melhor e com boa aparência como resultado do convívio com seus amigos e com a natureza. Nesse estado de espírito, o impacto da reprovação ainda latente e incomodando, não era tão forte a ponto de entristecê-lo tanto, como no dia que soube do resultado. 20
Ao chegar em casa, sua mãe foi ao seu encontro e depois de beijá-lo carinhosamente, exclamou: – É muito bom vê-lo meu filho! Estava preocupada sem noticias suas. Vou insistir com seu pai para que instale um telefone no rancho, mesmo sabendo qual será a resposta. Sobre esse assunto, a resposta de José, pai de André, era previsível. – Rosa, já lhe falei mil vezes que a linha telefônica está muito distante do rancho e a instalação ficaria numa pequena fortuna. Por outro lado – ainda que fosse viável – telefone e rancho não combinam. Lá é lugar de descanso e lazer e não de trabalho. Quando vou para lá, não quero ser incomodado. Quero ser pescador e não advogado. Já pensou? Estou numa boa, quase à hora de visitar as redes e recolher os peixes e o telefone toca? – Dr. José, aqui é fulano da tal, o senhor pode me informar como está o meu processo? O juiz já se pronunciou? Se não, quanto tempo ainda vai demorar? - Deus me livre disso, Rosa. – É mãe, o pai tem razão, concordou André. Esqueça o assunto e deixe de se preocupar, pois o rancho é um local seguro. Aliás, penso ser bom para a senhora, ir mais amiúde ao rancho em companhia do papai e desgrudar a barriga desse fogão. É muito melhor grudar a barriga no fogão do rancho. Assim papai terá comida gostosa e não a gororoba que ele faz, emendou André caçoando de sua mãe. Rosa esboçou um sorriso irônico de canto de lábios, discordando da sugestão, pois no rancho ela trabalhava muito mais que em sua casa, com o conforto dos eletrodomésticos e da empregada que não iam com eles ao rancho... E lá o fogão era à lenha e lhe afogueava e ressecava a pele e os cabelos. Ela não gostava de ir ao rancho! 21
Para Rosa, diversão era jogar no bicho uma ou duas vezes por semana depois de consultar os palpites das vizinhas, ouvir intermináveis novelas no rádio em companhia de suas amigas, passear na praça aos domingos de manhã depois de assistir à missa, e, esporadicamente, ir ao cinema à noite com José, quando passava um bom filme. Estavam ainda conversando quando o Dr. José chegou para o almoço e vendo André perguntou: – E agora filho, quais os seus planos? – Pretendo, para o próximo ano, dedicar-me quase totalmente à matemática. – Você vai fazer cursinho? – Olha, se tivesse cursinho só de matemática eu faria, mas ter de assistir às aulas de outras matérias – que eu domino razoavelmente bem, vai ser maçante. Vou adquirir apostilas com exercícios de matemática aplicados em provas de outros vestibulares, inclusive de outras escolas, estudá-los, resolvê-los e assim me preparar. Tenho mais um ano pela frente e, se Deus quiser, e eu me esforçar, estudando com afinco, creio que estarei preparado. Se no próximo ano não conseguir passar, farei como meu irmão e procurarei emprego para custear meus estudos, até conseguir me formar em alguma outra especialidade... Pedro, irmão de André, dois anos e meio mais velho que ele, havia tentado ingressar no curso de Economia da Universidade por dois anos seguidos e não tivera sucesso. Conseguiu, então, um emprego no Banco do Estado, no centro da cidade, e estava cursando economia, às suas próprias custas, numa escola particular do município de Trindade. – Não se preocupe, disse Dr. José, você não sofrerá pressão de minha parte nem de sua mãe. Pelo contrário; daremos o maior apoio. Faça conforme seus 22
planos e conte conosco. Na manhã seguinte, seus livros e anotações já estavam novamente sobre a mesa de estudos e André procurava nas repúblicas dos estudantes e nas livrarias, as apostilas de matemática disponíveis, a fim de organizá-las para iniciar os estudos. Também mandou cartas para diversos cursinhos, solicitando novas apostilas para aumentar e diversificar os problemas a serem analisados. Como todas as despesas eram custeadas com parte de sua mesada e uma dose de reforço de seu pai, a partir de então não teria mais dinheiro suficiente para seu lazer. Isso não o incomodava, pois o mais importante era se preparar para o vestibular. No final de fevereiro, após o carnaval, Jair lhe trouxe uma boa notícia. – André, vai ter novo vestibular para preencher as vagas remanescentes no curso de Engenharia Mecânica. – Sério? – Sim, um deputado da região conseguiu convencer o governo, da importância da realização de novo vestibular: “Não podemos nos dar ao luxo de deixar vagas em aberto – alegou o deputado – num país em desenvolvimento como o nosso, tão necessitado de técnicos especializados, principalmente engenheiros.” A diretoria da universidade, embora contrariada, foi vencida e o novo vestibular será realizado no próximo mês. Estão apenas aguardando a publicação da decisão no Diário Oficial da União para marcar a data do início das provas. – “Cara”! Essa notícia é ótima! – Terei nova oportunidade exultou André. André vinha se dedicando aos estudos desde o final de janeiro, resolvendo 23
problemas das apostilas e livros de cálculo, sempre no período da noite, principalmente nas madrugadas. Estudava pelo menos sete horas por dia, não viu o carnaval e quase não saia durante o dia. Acordava tarde, lá pelas onze da manhã, e descansava por longo período para enfrentar os estudos da noite seguinte. No dia 20 de março de 1963, foi realizada a prova de matemática. André, após três horas de prova, sentiu que se saíra melhor do que da primeira vez. Estava tranquilo e confiante, seus colegas da universidade conferiram os resultados dos problemas que resolvera e asseguraram que ele passara naquele exame. Apenas sessenta e dois candidatos, de um contingente de mais de mil se habilitaram para as próximas provas. André passou nas provas seguintes e finalmente pôde suspirar aliviado. Tomado de intensa alegria, seu futuro estava assegurado: ia cursar a faculdade de Engenharia Mecânica! Com ele, apenas outros vinte e dois candidatos se tornaram universitários e mais uma vez as vagas não foram preenchidas; porém, não haveria nova seleção, para não prejudicar os cursos, já em andamento. O número de alunos naquele ano no Curso de Mecânica totalizou sessenta e oito pessoas, naturais de Trindade e de outras cidades do país. Dia 2 de abril, efetuou sua matricula e correu para sua sala e... surpresa: era dia de prova, pois as aulas já haviam começado há mais de trinta dias. – Não conheço o assunto, o que devo fazer? Murmurou para o colega do lado. – Assine e saia- foi a resposta lacônica. Assim feito, zero foi a sua primeira nota na universidade... 24
DOMINGO: DIA DE MISSA!
Rosa estava se preparando para ir à missa naquela manhã, relativamente fria para a época. Era a primeira missa daquele mês de março, do ano de 1969, num domingo ensolarado. – José, por favor, pare com essa cantoria, ande logo com esse banho e apronte-se para não chegarmos atrasados à missa. Terminado o banho, em tempo menor do que planejara e já pronto para sair, José um pouco aborrecido, reclamou com Rosa: – Fico chateado quando você se comporta dessa maneira. Onde já se viu tanta pressa para ir à igreja? – Perdão, meu bem, mas você sabe que eu gosto de assistir às missas do princípio ao fim; ainda mais hoje, que será celebrada por um padre vindo recentemente da Itália. Dizem ser um santo! – Não me apresse mais Rosa, temos muito tempo ainda. Percebo que você quer é chegar mais cedo para se informar nos mínimos detalhes a respeito do novo sacerdote. Para mim esses padres estrangeiros são muito parecidos uns com os outros. Com língua enrolada, praticamente não se entende o que dizem. Prefiro o Padre Alberto, brasileiro nato e conhecedor das Escrituras. Trinta minutos depois estavam sentados na terceira fileira de bancos da frente aguardando o início da missa. Do lado de fora da igreja, André conversava com seus amigos e comentou 25
com um deles: – Hoje a missa deverá ser chatíssima e vai se prolongar além do tempo normal, boa parte rezada em latim e acompanhada pelo coral, segundo fiquei sabendo. Se missa normal, rezada em português, já é dura de assistir, ainda mais essa de hoje com esse padre italiano! André era batizado, crismado e fizera primeira comunhão, mas não era muito chegado às coisas da igreja, sendo católico não praticante, como muitos outros que se dizem dessa religião. Assistia às missas aos domingos por obrigação e para satisfazer a mãe, por sua vez muito dedicada à sua religião, às novenas, às procissões e praticamente a todos os eventos da igreja, inclusive quermesses, não só fazendo e doando quitutes para venda, como trabalhando nas barracas. Dona Rosa tinha por costume reunir as vizinhas e conhecidas em sua casa, ao menos uma vez por mês, para rezarem o terço e depois ficarem conversando, tomando chá com bolachas e colocando em dia todas as fofocas e mexericos da cidade. A missa teve início às 8:30 h e conforme a previsão de André durou mais de uma hora; um martírio... Era costume de André e dos outros jovens só entrarem na igreja com a missa pelo meio e ficarem nos fundos, apenas quando o padre fazia os rituais eucarísticos para a preparação da comunhão. Para ele essa era a única parte realmente importante da missa, por acreditar – pois assim aprendera – que ao término desse ritual, Jesus estaria presente nas hóstias consagradas e prontas para serem distribuídas aos fiéis que haviam se confessado antecipadamente, e não assistir esse ritual significava não ter participado da missa. 26
Vez por outra comungava e geralmente o fazia quando tinha acumulado muitos pecados, a maioria deles considerados leves, porém alguns bem cabeludos. O que mais o incomodava era confessar-se a um padre, para temporariamente livrar-se de ofensas cometidas e limpar a alma de pecados até nova oportunidade. Uma vez aliviado dos pecados, sentia-se feliz e prometia esforçar-se para não mais cometê-los. Porém, a grande dificuldade era enfrentar o confessionário, por sentir-se envergonhado. O bafo de alho e tabaco que exalava do Padre Alberto, através dos furinhos da janelinha de madeira do confessionário, já era por si só uma penitência pior que as várias ave-marias e pai-nossos que ele fatalmente teria de rezar de joelhos diante da imagem de Nossa Senhora. André se confessava receoso da reação do padre, quando se excedia nos pecados. – Meu filho, masturbar-se tanto assim é pecado grave e também faz mal para a saúde. Você deve rezar vinte ave-marias e dez pais-nossos, pedindo perdão a Deus. Prometa também que não mais se masturbará. Cabe aqui, ressaltar que André, não entendia as rezas, que se constituíam de palavreados repetitivos e sem sentido, que ele achava que Deus já estava entediado por ter de ouvir sempre as mesmas ladainhas per século seculorum! AMÉM! André gostaria de poder conversar de filho para Pai, fazer petições, pedir perdão, e louvar a Deus, contar seus segredos e pedir conselhos! E não ficar naquele blá-blá-blá sem fim... O Padre Alberto assim como outros que papagueiam suas preces, não seguia o conselho de Jesus, conforme Mateus 6: 6 a 8: 27
“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai que te vê em secreto, te recompensará. E orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe do que tendes necessidade, antes que lho peçais.” Certa feita o pecado cometido por André era terrível: – “Onde eu estava com a cabeça para me envolver com aquele veado do Jorge por um bocado de dinheiro?” Murmurava para si mesmo. Sua consciência o recriminava porque distinguia o certo do errado. Sentia remorso, medo de confessar, entretanto não atentava para a advertência divina em Levíticos 18: 22, pois não lia a Bíblia: “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação”. Seu temor era do padre e não de Deus. – “O padre vai me comer vivo. Tenho de arrumar um jeito de enrolar e dizer meias verdades para não causar problemas” – pensava ele. Na verdade, dissimular não funcionava com o Padre Alberto. Muitos jovens da cidade como André, tinham casos com o conhecido e velho homossexual que os corrompia e o Padre Alberto percebia quando tentavam engabelá-lo. Conforme o desenrolar da confissão ele exclamou: – Foi sacanagem com o Jorge, aquele depravado, não foi? Não tente me enganar e conte a verdade senão Deus não te perdoará. Hoje, com seus 18 anos vividos e na universidade, essas coisas haviam passado. Não sabia o paradeiro de Jorge, que por certo continuava o mesmo pervertido. Também não se apresentara no confessionário nos últimos dois 28
anos. Tudo isso veio a sua mente durante aquela missa enjoativa do padre italiano. Sua mente vagava entre o sagrado e profano sem saber bem a diferença. Estava ali na porta da igreja, absorto, alheio ao que se passava lá dentro. De vez em quando olhava para o altar para ver o que estava acontecendo e se estavam próximos os preparativos para a comunhão. Como não entendia nada do que se dizia, já que não aprendera latim, prestava atenção aos movimentos do padre, a fim de observar se ele se dirigia à sacristia, para retirar as hóstias e ministrar a comunhão, o que aconteceu após varias entradas e saídas de André. Nesse estado e com os pensamentos voltados para sua, ainda presente, fase de adolescente, lembrou-se da promessa que fez, ainda como estudante no Curso Cientifico: Pediu a Nossa Senhora dos Perdões que o ajudasse a completar o Curso Cientifico e a ingressar imediatamente na universidade e prometeu: Se um dia conseguisse essa graça, iria a Três Montes a pé, rezaria e agradeceria à santa milagrosa. Uma vez feita, a promessa obrigatoriamente teria de ser cumprida, mesmo não tendo sido motivada por manifestação de fé e sim pela influência de sua mãe, devota da santa e que anualmente viajava de ônibus para Três Montes, distante setenta e cinco quilômetros de Trindade, para rezar, fazer pedidos e agradecer bênçãos recebidas. Tudo de bom que acontecia a ela e à sua parentela, Rosa atribuía aos poderes milagrosos da santa. Por falta de conhecimento bíblico, tanto André como sua mãe não atentavam para o fato de Deus não dividir sua glória com ninguém. E André seguia ignorante, da verdade que liberta, conforme Isaías 42: 8: 29
“Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra às imagens de escultura”. Essas verdades eternas , também foram citadas por Moisés em Deuteronômio 6:13 e reafirmadas em Mateus 4:10 por Jesus, quando ordenou: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele darás culto.”
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PAGANDO A PROMESSA
Em Trindade, sempre eram organizadas romarias, compostas de pessoas do município e de cidades vizinhas, dispostas a vencer a pé a distância de 75 quilômetros entre Trindade e Três Montes, para ver e adorar a Nossa Senhora dos Perdões, atravessando a Serra do Marimbondo, umas vezes pelo asfalto e outras por trilhas abertas no mato. Havia o apoio logístico de carros e caminhões que transportavam água, alimentos, medicamentos, cobertores, colchões e outras coisas que se faziam necessárias aos romeiros (esse apoio era dimensionado de acordo com o número de participantes). Uma romaria normalmente ocorria em dois dias, sendo um para a ida e outro para o retorno, feito normalmente por ônibus fretados. Em junho daquele ano estava organizada mais uma romaria. André julgou ser o momento oportuno para pagar a promessa e se inscreveu no evento programado para sair de Trindade à noite, com pouco mais de trinta pessoas. Por volta das 4 horas da madrugada, após terem percorrido os primeiros 30 quilômetros e chegarem ao topo da serra, pararam para descansar por aproximadamente uma hora e tomar um lanche. Como a próxima etapa seria a descida da serra – menos penosa – estava prevista mais uma parada de duas horas, para descanso e almoço, após percorrerem outros 30 quilômetros. 31
Os 15 quilômetros finais, em estrada plana e asfaltada, seriam vencidos em quatro horas, com a chegada a Três Montes prevista para o final da tarde, com tempo suficiente para se hospedarem em hotel previamente contratado, descansarem, tomarem banho, jantarem e se prepararem para visitar Nossa Senhora dos Perdões e assistirem a missa das 19:00h. Chegando à cidade, André dirigiu-se ao hotel, assim como os demais companheiros de viagem. Acomodou-se na cama após livrar-se dos tênis e suspirou aliviado. Os pés formigavam e estavam vermelhos e doloridos em alguns pontos mais sensíveis. As pernas também doíam, pois sentira algumas cãibras durante o trajeto. Socorrido pelo enfermeiro que os acompanhava, recebeu aplicações de ungüentos e massagens. O alivio foi momentâneo, porém agora os efeitos do esforço durante a caminhada se faziam sentir com mais intensidade. Procurou relaxar deitando-se na cama para descansar um pouco até o momento reconfortante de um banho bem quente, antes de se preparar para o jantar e ir à igreja. Depois do jantar aguardando a hora de ir à igreja, sofrendo dores, principalmente nos pés e nas pernas, conversou com seus botões: “Será possível alguém conseguir favores da santa sem ter de machucar o corpo como àqueles que carregam cruzes pesadas, sobem escadas das igrejas de joelhos, machucam as costas até sangrarem e, como eu, nessa caminhada que certamente resultará em doloridas bolhas nos pés? Será que tamanho sofrimento agrada tanto a essa santa, a ponto de fazê-la feliz e sensibilizá-la para atender aos pedidos? Para milagres mais difíceis, o comprometimento para com a santa deve significar sofrimento de maior magnitude? E para quem não cumpre o prometido, há consequências?” Essas indagações ficaram rondando sua mente e induziam-no a recriminar a 32
santa pelo masoquismo e exigências absurdas para demonstrar seu poder de ajudar, curar, consolar e realizar milagres de todos os tipos. Imediatamente afastou esses pensamentos e pediu perdão, pois recriminar a santa poderia significar estar cometendo pecado. Assim pensava André e a maioria das pessoas que creem que a salvação vem pelas obras. Jesus não exige esses sacrifícios que maltratam e às vezes mutilam ou marcam o corpo como tatuagens. O sacrifício de Jesus na cruz pagou o preço de todos os pecados da humanidade. O nosso trabalho é só crer e procurar conhecer cada vez mais a Jesus e seguir seus mandamentos estudando e vivendo a Palavra. Em Lv 19: 28 está escrito: “Pelos mortos não fareis incisões no vosso corpo, nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o Senhor.” No Novo Testamento, Paulo afirma em 1 Co 6:19 “Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus? Não sois de vós mesmos.” Mas André, como a maioria das pessoas que se dizem cristãos se fiava em tradições populares e não na Bíblia, que ele nunca lera. Lá pelas 18:30h, foi à igreja e depois de enfrentar uma fila relativamente extensa, aproximou-se da imagem de Nossa Senhora dos Perdões. Lá estava o ídolo, sobre o altar coberto com uma toalha branca rendada, enclausurado em uma redoma de vidro. Tinha mais ou menos 80 centímetros de altura, era de madeira de lei pintada e estava vestida de branco com uma capa azul clara, enfeitada com pedras semipreciosas. Um véu azul escuro sobre sua cabeça deixava aparecer as pontas de seus cabelos negros. Sua pele era clara. Seus olhos azuis estavam dirigidos para o alto e suas mãos entrelaçadas sobre o peito, indicavam que estava rezando. 33
Era realmente uma obra de arte magnífica e havia sido elaborada por artífices portugueses. Porém, não obstante sua beleza, não tinha nenhuma utilidade ou proveito. Por mais bela que fosse não deveria ter sido esculpida. Mas André não conhecia a Palavra de Deus, e por isso, não sabia o que diz Dt. 5:8, onde está escrito: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” Também Habacuque registrou em Hc 2: 18 a 20: “Que aproveita o ídolo, visto que o seu artífice o esculpiu? E a imagem de fundição, mestra de mentiras, para que o artífice confie na sua obra, fazendo ídolos mudos? Ai daquele que diz à madeira: Acorda! E à pedra muda: desperta! Pode o ídolo ensinar? Está coberto de ouro e de prata, mas, no seu interior, não há fôlego nenhum. O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale se diante dele toda a terra” Na sua ignorância espiritual e apenas seguindo a tradição de seus pais, André se ajoelhou, tocou a fita que pendia dos pés da santa e murmurou baixinho: “Obrigado minha Nossa Senhora dos Perdões.” Em seguida fez o sinal-dacruz e afastou-se rapidamente. Não era permitido permanecer por mais de dez segundos em adoração, para não prejudicar a movimentação da fila imensa de visitantes. Já fora da igreja exclamou: – Ufa! Missão cumprida! Mamãe vai ficar contente. Esperou terminar a missa – como de costume do lado de fora da igreja – e retornou ao hotel para o merecido descanso, pois a jornada fora penosa. 34
No dia seguinte, antes do embarque previsto para as 10:00h e após tomar o café da manhã, arrumou seus pertences e dispôs-se a dar uma volta pelo centro da cidade. As bolhas nos pés dificultaram o passeio, que por isso foi breve. As dores nas pernas e no corpo, porém, se suavizaram e André sentiase um pouco melhor. A cidade não oferecia outros atrativos além da igreja e sua santa e a bem da verdade, era bem “feinha” com suas casas geminadas muito antigas e sem conservação. Os edifícios eram pequenos, de no máximo três andares. Havia no ar um odor acre e desagradável, pois não havia banheiros públicos e os visitantes, muitas vezes, faziam suas necessidades fisiológicas em locais escondidos, porém próximos das ruas e das calçadas. Ao lado da igreja, situada na praça central da cidade, estava localizada a sala dos milagres. André visitou o local, repleto de bengalas, próteses, muletas, fotos e outras bugigangas, que sobremaneira o impressionaram. Antes de retornar ao hotel para o embarque, fez compras de algumas lembranças da cidade, entre elas a mais nova versão da imagem de Nossa Senhora dos Perdões, adquirida em um boteco e que seria um presente para sua mãe. Às 10:00h, conforme o previsto embarcou com seus companheiros para a viagem de retorno a Trindade.
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DEUS SE FAZ OUVIR
Aconchegado na poltrona do ônibus que o levaria de volta a Trindade, André rememorava a experiência que tivera, no final da primeira etapa da caminhada até Três Montes, como se recontasse a história para si mesmo, como tentando entender o que acontecera: “Na parada para descanso na Serra do Marimbondo, antes do lanche, afasteime de meus companheiros e posicionei-me longe dos lampiões, para apreciar as estrelas no céu. Durante a caminhada, ainda que próximo das luzes das lanternas, observei que a noite estava excepcionalmente clara – mesmo sem luar – devido ao brilho das estrelas. Então, distante das luzes artificiais, estendi o cobertor sobre a relva, deiteime e fiquei admirando o espetáculo apresentado nas alturas. As estrelas cintilavam com intensidades variadas e cada uma, entre as milhares ali presentes, não ofuscava o brilho das demais. Às vezes, estrelas cadentes riscavam o céu indicando movimentações e variações de posições, como se os figurantes do espetáculo obedecessem a um roteiro escrito e dirigido por uma força sobrenatural. Vislumbrei distintamente as constelações e me lamentei por ter esquecido minha luneta, que me permitiria trazer para mais perto de mim os planetas e 36
as estrelas. Nesse estado de deslumbramento, ponderei para comigo mesmo: “Sei agora, diante dessa magnífica cena, ser impossível que tudo isso tenha sido o resultado de uma explosão que chamam de “big-bang.” O que explode causa barulho, destruição e brilho momentâneo; só restam depois destroços e escuridão e desordem. O caos só gera caos. Ainda deslumbrado questionei comigo mesmo: “E este céu magnífico acaso tem um final? O que vem depois? E depois?”. É, não tem fim não! Há com certeza uma inteligência magnífica, e poderosíssima, responsável pela criação deste céu sem limites, regendo o movimento dos astros e estrelas, de forma que não se colidam e se mantenham rigorosamente estáveis! Reconheço minha pequenez e insignificância diante deste céu iluminado! Após minutos de contemplação e anestesiado de admiração, senti interiormente algo diferente de tudo que antes já experimentara, como se uma voz inaudível externamente, num “insight”, me sussurrasse no mais íntimo do meu coração - Não se sinta inferiorizado diante do universo, meu filho! “Isso foi o bastante para intrigar-me e tirar-me do torpor em que me encontrava, além de ter-me deixado apreensivo”. Se André tivesse conhecimento da Bíblia, saberia que no princípio Deus criou os céus, a Terra, os astros, as estrelas e tudo o mais que existe. Por último, criou o homem para que dominasse sobre toda a criação, conforme está escrito em Genesis 1.26: “Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, 37
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra.” Também está escrito no Salmo 8.3 a 6. “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabelecestes, que é o homem, para que dele te lembres? E o filho do homem para que o visites? Fizeste-o no entanto um pouco menor do que os anjos e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste.” André continuou relembrando, recontando a si mesmo o ocorrido. “Sem entender o que poderia ter sido aquela manifestação misteriosa, levantei-me e ainda um pouco assustado, porém sentindo um relaxamento confortante como se estivesse flutuando, questionei-me: Talvez esteja sofrendo o efeito tardio, das noites mal dormidas e do excesso de horas de estudo para o vestibular. Tenho fome, pois ainda não comi nada e estou um pouco cansado por não estar acostumado a caminhar tanto desse jeito. Isso deve ter influído na minha mente criando imaginações e esse sentimento estranho, como se estivesse ouvindo vozes. Assim que voltar para casa, passarei alguns dias no rancho com meus amigos para descansar e recarregar a bateria!” Com esses pensamentos, recolhi o cobertor e caminhei em direção às luzes dos lampiões para tomar o lanche constituído de sanduíches de presunto e queijo, refrigerantes e café. Era quase hora de retomar a caminhada. Percebi então – surpreso – ter ficado ao menos quarenta minutos admirando o firmamento. - “Devo ter cochilado e não percebi ter ficado tanto tempo olhando as 38
estrelas. É, só posso ter sonhado!” Assim achou justificativa para definir a manifestação misteriosa: “deve ter sido um breve sonho”. Às cinco horas da manhã, descansados, retomaram a caminhada e empreenderam a descida da serra em fila indiana, através de trilhas no meio do mato e dirigidos pelo guia da expedição, uma vez que a descida às vezes era íngreme e qualquer descuido com erro de rota, poderia significar acidente. Vencida a descida da serra em caminhada vagarosa, porém sem maiores sobressaltos, pararam para almoçar. O caminhão com o almoço prépreparado e devidamente aquecido havia se posicionado ao lado da rodovia, num local amplo e arborizado com condições tais que permitia aos participantes descansarem após o almoço e até cochilarem sob a sombra das árvores, uma vez que desta feita, a parada era de duas horas, tempo suficiente para nos refazermos para a última etapa da jornada. André e mais três conhecidos seus, ajeitaram-se sob uma árvore e se prepararam para o evento como se estivessem num restaurante de luxo. O cheiro da comida era bom e a fome enorme. As dores pelo corpo e nos pés, ainda incomodando, não se constituíam em motivos para tirar-lhes o apetite. Após almoçarem e descansarem voltaram a caminhar rumo a Três Montes e lá chegaram no final da tarde.
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DEIXANDO O NINHO
Já na metade do primeiro ano do curso superior, André decidiu sair da casa de seus pais para ir morar no quarto dos fundos da casa de sua avó materna, cujo acesso era independente da entrada principal, oferecendo-lhe liberdade para estudar e receber seus colegas de classe, para pesquisas e trabalhos. Na verdade seu desejo era morar em uma das repúblicas da cidade, mas ponderou que tal atitude magoaria seus pais – não faria sentido – pois só moravam em repúblicas estudantes vindos de fora e sem família em Trindade e assim, contentou-se com o quarto na casa de sua avó. Afinal seria um grande avanço poder sair e entrar a qualquer hora do dia ou da noite, sem incomodar outras pessoas, ou ter que dar satisfação. – Mãe, eu conversei com a vovó e quero me mudar para a casa dela e ficar no quartinho dos fundos. Estarei sempre aqui em casa e nem levarei minhas roupas: vou continuar almoçando, jantando e tomando meus banhos aqui. O motivo da mudança é o fato de às vezes eu ter de estudar de madrugada, receber meus colegas e não quero incomodar você, meu pai e meus irmãos. – Se você acha que assim é melhor e para o seu bem, eu concordo meu filho e terei de me acostumar com essa ausência temporária. Mais cedo ou mais tarde você sairá de casa após se formar ou quando se casar, não é mesmo? – respondeu Dona Rosa? Então filho, conversarei com o seu pai para comunicar-lhe sobre isto e pedir seu de acordo. Só espero que não dê muito trabalho para seus avós, completou a mãe. 40
Alguns dias depois, já estava instalado em seu novo aposento, recémreformado e com pintura nova, mobiliado apenas com uma cama de solteiro, uma mesa com gavetas, duas cadeiras e uma estante onde colocou seus livros. Sua mãe providenciou a instalação de uma nova cortina de cor clara para enfeitar o ambiente, oferecendo sensação de conforto e presenteou-o com uma imagem da santa de Três Montes em tamanho reduzido, que foi colocada em um pequeno suporte num dos cantos do quarto. Disse ser importante para proteger o local. A partir daí, sua vida passaria por algumas transformações, que influenciariam em seu comportamento. A independência financeira ocorreu logo no inicio do segundo ano na universidade, quando aceitou o convite para ser professor no colégio onde concluíra o Científico. André também passou a dar aulas particulares e, assim, obteve recursos financeiros suficientes para comprar suas roupas, livros e se permitir gastar com lazer. Sentia-se seguro. Começou então a ter atitudes inadmissíveis, não recomendáveis nem condizentes com a educação que recebera em seu lar, muito centrada nos aspectos de honestidade, humildade, respeitabilidade e dignidade. O grande equívoco de seus pais, porém, foi não priorizarem a leitura da Bíblia pois, eles mesmos não davam muita importância à Palavra e deixaram de praticar o que está em Pv 22: 6, e observar a recomendação de Paulo em Efésios 6.4, ou seja: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.” 41
“E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor.” Nessa nova condição de independência, André passou então a participar de noitadas de bebedeiras, jogos de pôquer nas repúblicas e vez por outra visitas às prostitutas da zona do meretrício. Uma vez cometeu o desatino de promover uma festa no rancho num fim de semana, com alguns companheiros e prostitutas, às escondidas e sem o conhecimento de seu pai, ausente em viagem com Dona Rosa. Fica claro que André não distinguia entre o certo e o errado, mas entre ser pego ou não cometendo erros. Era, portanto, um rapaz que estava aprendendo a ser hipócrita, que vivia de aparências e sem princípios reais. Não importava o que fizesse desde que não fosse surpreendido. A pescaria, antes uma atividade saudável e pura, fora substituída por orgia iniciada numa Sexta feira à tarde, e que estava estimada para se prolongar até domingo à noite. No domingo, lá pelas onze horas resolveu subir o rio pilotando um barco junto com Ditinho, seu colega de turma, em busca de alguns peixes presos em armadilhas de outros pescadores, pois não armara as suas próprias. O propósito era conseguir os peixes sem deixar vestígios que os incriminassem e prepará-los no almoço, pois não havia nada para a mistura e, se não conseguissem os peixes, a festa seria interrompida e teriam de retornar mais cedo. O rio tinha subido muito devido às chuvas da época e a correnteza muito forte balançava a embarcação perigosamente. – Vamos desistir e voltar - dizia Ditinho; esse barco vai virar e nós vamos ficar 42
em apuros. – Deixa disso, Ditinho, porque estou determinado a cumprir o planejado: só voltaremos depois de pegarmos alguns peixes. Não demorou muito e numa curva, dando de encontro com um tronco trazido pelas águas, o barco virou e foi arrastado rio abaixo. Sabiam nadar, mas a correnteza muito forte dificultava que se aproximassem da margem e também os obrigava a se esforçarem em vigorosas braçadas, o que aos poucos foi minando a resistência de ambos. Nesse desespero e sendo levado pelas águas, André gritou: meu Deus, meu Deus, socorra-nos! Novamente a resposta ao seu clamor veio em forma de sussurro interior como a que experimentara na Serra do Marimbondo. Foi como se uma sutil voz lhe dissesse: Nada lhes acontecerá! Considerava ser a resposta garantindo proteção, algo imponderável, fruto de sua imaginação, como acontecera na Serra do Marimbondo. Depois de uma curva acentuada, o rio se alargou, deram num remanso e, com esforços extras, conseguiram chegar à margem. Estavam exaustos, porém, ilesos. Deitado na areia e se refazendo do susto, André esqueceu-se de dar graças a Deus a quem clamara. Esse episódio lembra a passagem das Escrituras em que Paulo e seus companheiros de viagem foram surpreendidos por uma tempestade em mar alto, quando um anjo de Deus lhe garantiu segurança, dizendo conforme Atos 27.22: “Mas já agora, vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá entre vós.” 43
Refeitos do susto, retornaram ao rancho e procuraram os pescadores de quem pretenderam furtar os peixes, pedindo-lhes, para ajudá-los a resgatar o barco – encontrado horas depois – enroscado em uma galhada. – Ainda bem – exclamou André – Se o barco não fosse encontrado, papai ficaria sabendo de toda essa bagunça e eu estaria em apuros. No domingo à tarde fecharam o rancho e voltaram para a cidade. Essas aventuras que o engrandeciam diante de seus amigos como “macho”, aventureiro, não obstante não manchavam sua imagem de bom moço e rapaz equilibrado, necessária para que prosseguisse como professor e bom filho. Essa hipocrisia é comum à “nossa sociedade”: O inaceitável não é o princípio errado e sim deixar-se apanhar. Dias depois desses acontecimentos, numa manhã, ao ir ao banheiro, sentiu um incômodo caracterizado por uma leve dor que o impedia de urinar. Achou estranho, mas não deu muita importância, julgando ser apenas uma indisposição passageira. Dois dias depois, com a dor intensificada e muita dificuldade para urinar, percebeu que fluía pus junto com a urina. Apavorado, procurou o Jair, seu amigo que um dia o consolara quando fora reprovado no vestibular, contou-lhe que estava sentindo dor ao urinar e perguntou se ele sabia algo sobre aquilo. – Não posso afirmar nada não, André: procure o Dr. Alfredo, pois parece que os sintomas são de gonorréia. Não deu outra, era mesmo a temida blenorragia – doença venérea transmissível em contatos sexuais com pessoas infectadas. Dr. Alfredo, médico urologista, conhecido pelos estudantes, estava acostumado a cuidar de todos sem distinção de raça ou classe social. Cobrava pouco, mesmo dos estudantes que tinham mais condições, pois sabia que eles viviam de 44
mesadas. Muitas vezes não cobrava nem a consulta nem o tratamento daqueles que não podiam pagar. Muito competente, porém bastante espirituoso, costumava brincar com seus clientes estudantes e dizia: ponho na sua conta e cobro com juros quando você se formar e conseguir um emprego. Era a maneira que julgava como certa para aliviar a tensão daqueles que o consultavam. Ninguém pensava em usar preservativos! Não era coisa de macho! Muito menos em se guardar casto para o casamento, conforme determina a Palavra de Deus. No consultório, antes de examiná-lo o médico pediu a André que subisse, sem as calças e sem a cueca, em uma cadeira e saltasse. Muito preocupado e com certo receio, André fez o que o médico pediu e depois, ressabiado perguntou: – Doutor, qual o motivo desse procedimento? Depois de ouvir sonora gargalhada veio à resposta: se com o pulo “o pinto” permanecer no lugar, como aconteceu no seu caso, a cura é possível. Seguiu-se outra gargalhada, acompanhada agora pelo sorriso amarelo de André, apreensivo com o que viria a seguir, depois do diagnóstico e dos esclarecimentos sobre a doença e seu tratamento. Ali mesmo no consultório, tomou a primeira injeção de penicilina, de uma série de outras, tão dolorida que o fez franzir o rosto e lamentar-se dos relacionamentos sexuais ilícitos em que se envolvera. Depois de um mês de tratamento com abstinência de bebidas alcoólicas e carne de porco, finalmente sentiu-se aliviado com o resultado dos exames. Estava curado e o Dr. Alfredo interrompeu o tratamento com recomendações para tomar cuidado, pois numa reincidência, o tratamento seria mais difícil e 45
doloroso. Com dinheiro sobrando todo mês – professor, boa saúde, boa presença, boas roupas e a seu ver com futuro garantido, – não demorou muito para ocorrer outra mudança de comportamento: a soberba tomou conta do seu coração. Achava estar acima dos demais colegas, ter domínio sobre a maioria das pessoas. Orgulhoso, passou a desprezar os amigos de infância não situados no seu nível, ou por falta de recursos financeiros ou por não estarem estudando em curso superior - e até pela cor da pele. “Não fica bem, pensava, continuar o relacionamento que antes mantinha com essas pessoas. Agora faço parte de uma elite e devo selecionar minhas companhias.” Achava-se o maioral, com poder para mudar situações com o seu dinheiro que poupara, seu preparo intelectual e sua inteligência. Miguel (amigo de infância de André e seu vizinho) estava trabalhando na oficina mecânica de seu tio, quando sentiu uma forte dor nas costas e mal conseguia respirar. Seu tio o socorreu e levou-o à farmácia mais próxima, onde tomou uma injeção que em poucos minutos o aliviou. À tarde, Miguel foi ao médico, que o examinou e pediu uma série de exames. Em princípio os sintomas eram de pedras nos rins, entretanto quando os exames ficaram prontos, apareceu um tumor, que mais tarde, feita a biópsia, revelou-se maligno. Deveria ser extirpado o mais breve possível e assim foi feito. Durante a operação a equipe resolveu retirar o rim afetado em razão do tamanho do tumor e a operação, que durou cerca quatro horas, foi muito bem sucedida.
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Posteriormente, após a recuperação, Miguel se submeteu a seções de quimioterapia que o debilitaram bastante, além de provocar a queda de seus cabelos. Miguel e André, na infância, por morarem próximos um do outro e terem quase a mesma idade, tornaram-se amigos e estavam sempre juntos. Ao saber da doença de Miguel, André ficou com dó de seu amigo, mas não se dignou a ir ao hospital nem posteriormente a sua casa, limitando se a rezar para a santa de Três Montes, pedindo a sua cura. Afinal, a santa era poderosa, pois o ajudara a entrar na universidade. Dessa maneira, demonstrou falta de sensibilidade e de amor, não procurando oferecer solidariedade, consolo e carinho ao amigo de infância, que estava precisando de atenção e de uma palavra de conforto. Sua atenção estava focada no dinheiro que poupara. Procurava aumentar seu tesouro, pouco se importando com as dificuldades e aflições de seus semelhantes. Na sua prosperidade via-se imune às tribulações e males que afligem a outras pessoas, e por não ler as Escrituras, desconhecia o escrito em 1 Jo 3.17: “Quem tem bens no mundo e cerrar o coração a seu irmão, como estará nele o amor de Deus.” Dois anos depois Miguel foi vencido pela enfermidade. André deu pouca importância ao acontecimento e nem mesmo ao velório foi. Apenas sentiu aquele incômodo que atribuía à manifestação da sua consciência. Mais uma vez Deus o admoestava, mas com seu coração embrutecido, em pouco tempo já não se lembrava mais do episódio. 47
Para ganhar mais e ampliar suas finanças passou a emprestar dinheiro a juros elevados, para os estudantes que não conseguiam empréstimos bancários. Como garantia de pagamento exigia livros, jóias, telefone e outros bens de valor, vendendo-os com grande lucro se quem tomou empréstimo não quitasse a dívida e, agindo assim, prejudicou muitas pessoas. Parte de suas economias, inclusive a arrecadada com os juros dos empréstimos feitos, ele guardava na gaveta da mesa de seu quarto de estudos. O restante deixava na conta corrente do banco para despesas e investimentos menores.
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UMA LIÇÃO CONTRA A GANÂNCIA
Numa ocasião, ao retornar para a casa de sua avó pela manhã, depois de participar de uma festa numa das repúblicas, André encontrou seu quarto todo revirado. – Meu Deus, o que aconteceu? E meu dinheiro? Olhou para dentro da gaveta e sentiu um frio no estômago. O dinheiro não estava mais lá e com ele, quem o furtou, também levou as notas promissórias dos empréstimos que fizera, seu rádio, sua bicicleta e os bens penhorados. Por um momento ficou aturdido e sem saber o que fazer, até que, refeito do susto, saiu correndo em direção à delegacia para registrar queixa. Estava pálido e o funcionário que elaborava o boletim de ocorrência, percebendo seu estado de ânimo, ofereceu-lhe um café antes de iniciar as perguntas. – O que foi furtado? – Meu rádio, minha bicicleta, alguns livros e anotações, algumas jóias e um toca-discos. Omitiu deliberadamente o sumiço do dinheiro. – Tem idéia de quem possa ter sido? – Não, mas... Naquele momento desconfiou que o autor do furto poderia ter sido um de seus devedores. Qual o interesse do ladrão em levar as anotações dos empréstimos e promissórias senão para se livrar da divida? 49
Relacionou mentalmente os nomes de quatro estudantes que fizeram empréstimos de maiores valores e que, possivelmente, teriam interesse em sumir com as notas promissórias. O rádio, a bicicleta, o toca-discos e as jóias, objetos de valores não muito expressivos, talvez tinham sido levados para despistar. – Mas? - Inquiriu o funcionário. – Nada, nada. Pensei em algo, mas não tem importância. Após mais algumas perguntas de praxe, foi questionado: quer acrescentar mais alguma coisa? – Não! Então, o boletim de ocorrência foi dado por encerrado e André – cabisbaixo deixou a delegacia e retornou à casa de sua avó, com a promessa de que tudo fariam para reaver os bens furtados. Ás 10 horas da manhã já estava em seu quarto colocando as coisas no lugar e checando se não faltavam outros objetos. A única testemunha do ocorrido era a imagem da Santa de Três Montes, intocada e impassível no seu canto na parede. – E agora minha santa? Que devo fazer, pois estou arruinado? Perdi quase tudo que ajuntei nesses anos todos. Não houve resposta do ídolo e, de acordo com Is 46: 7 nunca haverá: “Sobre os ombros o tomam, levam-no e o põem no seu lugar, e aí ele fica; do seu lugar não se move; recorrem a ele, mas nenhuma resposta ele dá e a ninguém livra de sua tribulação.” Depois, em sua casa na hora do almoço, relatou a seus pais o ocorrido, mais uma vez omitindo a perda de parte de seu dinheiro. 50
Ouviu, então, de seu pai, a promessa de que faria petição junto aos detetives para a solução do caso, considerando sua condição de advogado muito conhecido no meio policial. Dona Rosa, aborrecida com o acontecimento, sentiu um arrepio ao pensar que seus pais poderiam ter acordado durante o roubo e surpreendido o ladrão: “minha nossa – poderia ter sido pior”, pensou consigo mesma – e em seguida, emendou: – Meu filho, acho bom você ir ao Centro Espírita, para tomar uns passes e consultar os médiuns sobre o paradeiro das coisas roubadas. Acredito na importância da consulta, pois não devemos desprezar nenhuma ajuda. Dona Rosa mostrava assim a diversificação de sua fé. Aliás, é muito comum aos católicos colocar outros seres no lugar de Jesus. O sincretismo religioso é muito comum, já que o senhorio de Jesus é compartilhado com Maria e outros santos, e é normal buscarem ajuda no espiritismo, benzedeiras, umbanda etc., desconhecendo inclusive o disposto em Isaías 8.19: “Quando vos disserem: consultai os necromantes e os adivinhos, que chilreiam e murmuram, acaso, não consultará o povo a seu Deus? A favor dos vivos se consultarão os mortos?” – Tudo bem mãe. Irei ao Centro Espírita assim que puder, mas antes vou procurar aquela benzedeira. Como é mesmo o seu nome? Ah! Sim, a Dona Bentinha. Vou procurá-la e pedir para que tire de mim essa urucubaca. Uma semana depois, sua bicicleta foi encontrada em frente a um terreno baldio na periferia da cidade. E foi só. Seis meses após o furto, nada mais foi encontrado. O delegado, devido à falta de pistas e de testemunhas, em um encontro com o 51
Dr. José, disse-lhe que, não obstante, o esforço de seus auxiliares, dificilmente encontraria o autor do delito, inclusive porque os bens roubados e não encontrados – um rádio, documentos e jóias – não representavam valores tão importantes que pudessem ser negociados com grandes receptadores e posteriormente identificados. Dr. José, também conformado com a situação e concordando com o delegado exclamou: – Tudo bem. Faça o que for possível considerando essas circunstâncias. Daí para frente o caso passou a ser mais um daqueles sem solução. André, pelo prejuízo sofrido, ficou muito triste e chegou a ficar doente. Seus pais não entendiam o motivo de tamanho abatimento, por desconhecerem o sumiço da maior parte de suas economias. Ah, se André soubesse as consequências da ganância e da soberba, conforme está escrito em Pv 16.18 e Pv 28.8: “A soberba precede a ruína e a altivez do espírito a queda.” “O que aumenta sua fazenda com juros e usura, ajunta-a para o que se compadece dos pobres.” Seu desânimo era visível a ponto de chamar a atenção de quem antes o conhecia e nele notava aquele ar de superioridade, o nariz empinado, o sorriso fácil e a espontânea alegria emanada de sua pessoa. Agora, cabisbaixo, deixava transparecer seu infortúnio, dando a impressão de que seria necessário muito tempo para sua recuperação. Comprova-se o que está escrito em Pv 15.13 “O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se abate.” 52
O AMIGO CERTO
Roberto era franzino, baixinho, usava óculos de grossas lentes, tinha os dentes salientes e nariz enorme. Era uma pessoa desprovida de beleza exterior. Mesmo destoando dos demais, tanto pelo porte físico como pela aparência geral, estava sempre sorrindo, esbanjava simpatia e era conhecido e admirado pela turma, não só pela sua serenidade, como também pelo fato de sempre estar pronto para servir e ajudar a todos, sem distinção. Preparava em seu mimeógrafo as anotações das aulas mais importantes e posteriormente as distribuía aos seus pares, a preço pouco acima do custo e ao alcance de todos. Sentia-se útil e feliz em colaborar, não se importando com o baixo lucro. Para os estudantes era de grande valia o trabalho que executava, permitindo que assimilassem melhor as aulas, sem terem de se preocupar em anotar fórmulas e conceitos. Roberto reverenciava a Deus e tendo razoável conhecimento das escrituras, não tomava bebidas alcoólicas, não ia à zona nem às sessões de jogos de baralho nas repúblicas e outras coisas do tipo. Nem por isso – considerando que para a época ser cristão era como se fosse portador de doença contagiosa – era desprezado por seus colegas de classe. Afinal, era universitário e participava de uma classe social especial, que não 53
dava muita importância a assuntos ligados a religiões, credos e raças. Naquela sexta-feira de uma tarde de verão no mês de março, ao sair de uma prova, Roberto se aproximou de André, este, sentado num dos bancos do pátio. – E aí André, como se saiu na prova? – Mais ou menos. E você? – Muito mais do que menos, creio ter eliminado essa matéria: emendou. – Que bom cara, Você merece. – Obrigado. Mudando de assunto, como está o caso do roubo de suas coisas? – Nem me fale, prefiro esquecer porque não encontraram o ladrão e tão somente a bicicleta foi recuperada. – Você perdeu muita coisa de valor? – Não, mentiu mais uma vez. Ah! A mentira. A mentira é um dos piores pecados, por ser coisa do maligno, que é o pai da mentira. Quem comete uma mentira fica preso a ela e tem de estar mentindo sempre, para não ser descoberto. Só se livra da mentira quem a confessa e se esforça para não mais cometer essa falta. Por menor que seja, toda e qualquer mentira, seja pequena ou grande, escraviza. – Então, qual o motivo de estar tão amuado? Roberto insistiu: tenho observado seu comportamento e percebo que alguma coisa, ainda não resolvida, o está aborrecendo. Pensei que fosse devido ao ocorrido, mas agora vejo que não. – O que você acha? Fui roubado, o motor do barco do meu pai estragou e ele ficou sabendo pelos pescadores da bagunça no rancho e está bronqueado 54
comigo. Não consigo me concentrar nos estudos e a mulher de quem eu gosto não me quer! – Preciso de mais alguma coisa para me aborrecer? Resmungou André. – Desculpe-me, não estou querendo me intrometer na sua vida. Só quero saber se há algo que eu possa fazer para ajudá-lo, respondeu Roberto. – Tudo bem meu caro, não se preocupe. Mas agora me diga: Você não tem problemas? Não tem tristezas nem traumas? Por que está sempre com esse sorriso maroto e com disposição para ajudar? E no meu caso, ajudar como? – Calma! Uma pergunta de cada vez vamos lá às respostas; Francamente, tenho problemas como todo mundo e às vezes fico triste também como todos. Porém, não tenho traumas, nem raiva, nem amargura, por que aprendi a lidar com adversidades com a ajuda de um amigo muito importante. Esse meu amigo, também me ensinou que melhor é dar do que receber e é por isso que procuro ajudar as pessoas. Isso é muito bom e faz bem! Aliás, se eu não puder ajudá-lo, com certeza meu amigo pode. – Que papo furado é esse, cara? Creio conhecer todos os seus amigos uma vez que o nosso circulo de amizade é restrito. Quem é o tal? – Ele não é visível, não aparece, mas está sempre por perto e se comunica sutilmente com manifestações íntimas, instruindo, ensinando e consolando. Sempre que preciso recorro a Ele. Quando não preciso, agradeço sua companhia. Ele é o meu Deus e é dono da minha vida. Gostaria de conhecêlo? – Pode parar Roberto! Essa conversa está caminhando para o lado espiritual e não sou muito chegado a isso. – Só uma coisinha a mais André: Você nunca foi incomodado, assim, por dentro, como se fosse no seu coração, por algo cometido erradamente ou 55
por alguma questão que o deixou perplexo, curioso ou amedrontado? – Na verdade, sim, respondeu André, descrevendo a seguir, as impressões estranhas que havia sentido na Serra dos Marimbondos e quando do acidente com o barco. – Pois é cara. Meu amigo falou com você e isso é maravilhoso. Agora, como você é uma pessoa muito inteligente e sei que vai entender, deixe-me explanar como é o ser humano, como é formado e como percebe manifestações externas e internas, para encerrarmos essa conversa e depois irmos tomar um cafezinho. Tudo bem? – Vá lá meu caro, agora estamos caminhando para o lado misterioso e disso eu gosto. – Muito bem. Nós somos trinos, constituídos de corpo, alma e espírito. O corpo é essa massa formada de ossos, nervos, carne e sangue, denominado matéria. Nosso corpo é perecível e um dia desaparecerá. – Credo, que macabro! – Não é macabro e é verdade! O espírito dá vida à carne e vem de Deus, retornando a Ele quando a carne perecer. A alma é a individualidade de cada pessoa e é controlada por sentimentos de emoção, que são os sentidos físicos (tato, paladar, olfato) e outros sentimentos como medo, saciedade, alegria. Também possui o atributo de vontade, que nos impulsiona no sentido de adquirir coisas, procurar ser feliz e outros. Por fim tem a faculdade da razão, que nos permite raciocinar, pensar, abstrair e sonhar. Esses elementos da alma moldam o caráter de cada indivíduo, distinguindo-o dos demais. – Vamos devagar, Roberto. Preciso organizar as ideias, o assunto está me parecendo ser complicado.
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Roberto deu um tempo para André e depois perguntou: – Posso prosseguir? – Sim, vamos lá, falou André. – Os outros atributos da alma, prosseguiu Roberto, são a consciência e o livre arbítrio. A consciência é o que nos faz distinguir o certo do errado, apontar falhas de juízo, criticar atos e apontar culpas. Ela nos incomoda e nos alerta, porém, não tem poder de decisão. As decisões que tomamos, ficam por conta do livre arbítrio, que está no mais intimo de nossa alma. Constantemente somos incomodados pela consciência em função da atuação da carne (corpo), se para o bem ou para o mal, e agimos conforme a decisão do nosso livre-arbítrio. Assim, qualquer decisão que tomamos – ainda que alertados pela consciência ou por aquela impressão sutil em nosso coração, é de nossa inteira responsabilidade – e se agimos em desacordo com a advertência da consciência, sentimos aquele peso chamado culpa, que fica nos incomodando, principalmente quando ferimos ou ofendemos alguém. As nossas escolhas não podem ser atribuídas à vontade de Deus, pois Ele não usa seu poder para nos forçar – se bem que poderia se quisesse. Ele respeita o livre arbítrio. Deus é terno, amoroso, benigno e humilde. – Mas, se você quiser ser dirigido pelo Espírito de Deus, como eu um dia quis, basta convidar Jesus para ser o dono de sua vida e assim, saber lidar com problemas, tristezas e traumas. – É, vou pensar nisso e outro dia qualquer podemos retomar esse assunto. Por hora vamos à lanchonete tomar um cafezinho, eu pago, disse André. Roberto esboçou um sorriso e pensou consigo mesmo: “Em breve ele encontrará o amigo certo. A semente foi lançada.” Estavam caminhando em direção à lanchonete quando cruzaram com Jair, 57
que os acompanhando foi logo contando a ultima novidade por julgá-la importante para André. – Sabe aquele cara da medicina, namorado da Mônica? Pois tomou o maior fora depois dela ficar sabendo ter ele uma namorada firme em sua cidade. Mônica está arrasada e nunca imaginou que pudesse ser vitima de tamanha safadeza. Três anos e pouco de namoro furado: um desperdício. André já sabia da novidade, pois a notícia correu fácil numa cidade daquele porte. Ainda assim, apreciou o entusiasmo de Jair, porém, sem esboçar reação de alegria ou satisfação.
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PISANDO NA BOLA
Após a notícia do rompimento do namoro de Mônica, ensimesmado em seu quarto e fitando o teto, ficou a imaginar o quanto estaria ela aborrecida e lamentava a sua sorte. Considerou que só o passar do tempo serviria de consolo para sua decepção, para então se ver livre da angústia e da vergonha que provavelmente estivesse sentindo. Não seria agora o momento oportuno para procurá-la. Além disso, não estava em condições de um relacionamento sério com qualquer moça, sem antes se desvencilhar de seus laços amorosos e ilícitos com Débora, os quais, aliás, vinham preocupando-o há algum tempo. Resolveu então acabar com esse empecilho o mais breve possível e dispôs-se à conversar com Débora e terminar o romance cuja duração já ia para mais de um ano. Afinal, como o ano já estava para terminar e com ele o Curso de Engenharia, seria importante começar a carreira profissional sem os problemas desse relacionamento. Débora era casada. Seu marido havia sofrido uma queda e ficara paralítico havia três anos. Com seus trinta e poucos anos de idade, pelo menos vinte e cinco anos mais nova que seu marido, Débora era uma mulher madura, bela, sensual, insinuante e provocante. Realmente chamava a atenção dos homens. 59
Em uma recepção em sua casa por ocasião do aniversário do marido, advogado e muito amigo do Dr. José, Débora encontrou-se com André, que participava da festa em companhia dos pais. Começaram a conversar e o diálogo prosperou para o lado romântico. O resultado foi a atração mútua provocada por desejo carnal, posteriormente transformado num romance secreto para ambos. Assim, se deixaram levar por um caminho perigoso, com probabilidade de virar escândalo se o caso viesse à tona numa cidade do porte de Trindade. Para André o relacionamento não se transformou em paixão e sim numa aventura de pura atração sexual, preservando-o de possíveis doenças venéreas. Só de lembrar o sofrimento que passara tempos atrás, recuperando se da gonorréia, ficava atemorizado. Deixou então de ir à zona do meretrício e também não mais se relacionou depois daquele episódio com as “biscates” que costumeiramente frequentavam as repúblicas. Débora, por sua vez, não se limitava apenas ao relacionamento com André e sem seu conhecimento, encontrava-se com outros homens, revelando ser uma mulher totalmente inclinada ao adultério, sem escrúpulos e dominada pela concupiscência da carne. André se sentia seguro quanto a estar imune de doenças venéreas, pois julgava ser o único na vida de Débora. Não sabia estar vulnerável e só percebeu onde se metera, ao ser incomodado por intensa coceira no púbis, causada por uma colônia de chatos. Olhou atentamente para os pelos e notou os minúsculos parasitas. – « Onde fui pegar isso? Só pode ser de Débora, pois não tenho tido relações sexuais com mais ninguém? Que coisa mais desagradável! Puxa, ainda bem que se trata de coisa simples, já ocorrida com colegas meus.» Sentiu um frio 60
na espinha só de se lembrar das injeções de benzetacil. Um pouco de neocid será o suficiente para matar esses chatos. Depois vou ao consultório do Dr. Alfredo e ver se é só isso mesmo. O que se revelou um acontecimento desagradável e extremamente desconcertante, por ser o resultado de falta de higiene de quem transmitiu aqueles parasitas, tornou-se a válvula de escape e o motivo mais do que suficiente para o rompimento de seu caso com Débora. Naquele momento foi até sua casa, fechou a porta do escritório de seu pai e ligou para ela. – Alô, quem fala? – Aqui é a Terezinha. Eu trabalho aqui, e aí? – Sou eu, o André. Poderia falar com a Sra. Débora, por favor? – Um momento. Não demorou muito e Débora atendeu o telefone. – André, é você? Você sabe que não deve ligar para cá, nós combinamos. – Eu sei, mas é urgente. – O que foi? Assim você me assusta. – Pois pode ficar assustada. Quero saber se você está se encontrando com outra pessoa além de mim. – Meu bem, qual o motivo da desconfiança? Está com ciúmes? – Não estou com ciúmes e sim muito chateado com você. Quero a resposta. Com quem mais você anda saindo? – Vamos devagar André. Não lhe devo satisfação, pois não sou propriedade sua e de ninguém mais. Aconteceu alguma coisa grave para que você esteja assim? 61
– Parece que estou com sarna de tanta coceira. Você também deve estar como eu, não é verdade? – Sim estou e não sei a causa. Você é adivinho ou o quê? – Não sou, só que já descobri o motivo da coceira. – Qual é? – Olhe com cuidado para os pelos de sua vagina e você verá uns bichinhos conhecidos por chatos. E você foi quem me passou esses bichinhos horríveis, pois não tenho andado com outra mulher. E fique também sabendo: esses chatos, alguém que não tem cuidado com a higiene lhe passou. Para o seu bem, daqui para frente procure selecionar seus amantes. Para mim, nosso caso está encerrado. – Não preciso de seus conselhos. Foi bom enquanto durou. Vou me cuidar e paramos por aqui. – De acordo, mas não quero que você fique magoada. Se a ofendi me perdoa, mas nosso relacionamento não podia prosperar mesmo porque você é uma mulher casada e mesmo que não fosse, nossa diferença de idade é muito grande. – Veja bem rapaz! Que falta de sensibilidade. Está me chamando de coroa? – Nada disso Débora. Eu a respeito e novamente peço desculpas. Às vezes tropeço nas palavras, mas encare a realidade. Fim do ano eu me formo e vou embora e assim não tem por que mantermos esse caso. – André, Tchau! Chega de papo furado. Estamos combinados. Desse modo Débora finalizou a conversa e colocou o telefone no gancho, demonstrando aborrecimento.
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André sentiu-se aliviado com o desfecho da discussão, pois conseguiu o desejado. Viu-se livre para começar vida nova. Quanto egoísmo! Como ele usava as pessoas! Mais uma vez, se tivesse conhecimento e sabedoria, não teria passado por esse aborrecimento, em razão do que está escrito em Pv 5.18 a 20 e em Pv 6.32: “Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade. Como corça amorosa, e gazela graciosa, saciem-te os seus seios em todo tempo, e pelo seu amor sejas sempre cativado. Por que, filho meu, ser cativado pela mulher adultera? Por que abraçar o seio da mulher alheia?“ “Mas o que adúltera com uma mulher tem falta de entendimento; o que tal faz destrói a sua alma.” É importante lembrar que Deus em seus mandamentos proibiu o adultério em Êx. 20.14 e Dt 5.18: “Não adulterarás.” A proibição foi confirmada por Jesus em Mt 5.27 a 28, quando disse aos seus discípulos “Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela”
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ACERTO DE CONTAS
– Dr. José, boa tarde. Aqui é o delegado e quero informá-lo que conseguimos pegar o ladrão que arrombou o quarto de seu filho. – Puxa, que bom. Como foi? – Já não tínhamos mais esperança de encontrá-lo, mas ele descuidou-se e abriu a guarda, quando tentou vender as jóias roubadas para uma joalheria, hoje pela manhã. O proprietário desconfiou da procedência da mercadoria, não só pela diversificação, ou seja: broches, abotoaduras, correntes, relógios e outros, como também pela aparência e nervosismo do indivíduo. Então, o dono da joalheria combinou o preço e pediu que ele retornasse no período da tarde para receber o dinheiro que teria de ser retirado do banco, por não dispor no momento da quantia combinada. Após o trato, aceito pelo ladrão, ele ligou para cá e nos avisou. – Olha doutor, o senhor acredita ter sido uma questão de sorte? Ponderou o Dr. José. – Certamente, pois já havíamos desistido – respondeu o delegado. Então, continuou o delegado, o joalheiro deu-nos a descrição detalhada do cara e nos pediu para que não o prendesse na joalheria quando fosse entregar as mercadorias e receber o combinado. – Sabe doutor, eu agiria da mesma maneira. Nesses casos a prudência deve prevalecer, ponderou o Dr. José. 64
– Sim, concordo, assentiu o delegado. O joalheiro tinha o receio de que o ladrão pudesse procurá-lo mais tarde para se vingar, após ser cumprida a pena. Nossos agentes ficaram de campana e o reconheceram por ser manjado no meio policial. Seguiram o cara assim que ele saiu da joalheria e o abordaram após percorrerem três quarteirões. Ao revistá-lo encontraram o dinheiro e questionaram sua procedência, pois era uma quantia razoável, para quem vive vadiando por aí. – O que ele respondeu, delegado? Perguntou o Dr. José. – Naquele instante ele ficou calado, mas aqui na delegacia nos deu detalhes do furto e assim ficamos sabendo que as jóias pertencem ao seu filho, respondeu o delegado. Questionamos se ele havia roubado mais alguma coisa e ele negou, informando-nos que também tinha levado alguns papéis que depois jogou fora, uma bicicleta que abandonou, um toca-discos que também jogou no rio porque estava com defeito, e foi só. – Muito bem, delegado. E agora, o que devemos fazer? – Será necessário seu filho vir até aqui para identificar e receber o material. – Obrigado delegado. Vou avisá-lo e assim que puder ele passa por aí, talvez amanhã de manhã. – Não por isso. Peça ao seu filho para me procurar pessoalmente. No dia seguinte, André estava feliz e sorria ao sair da delegacia com seus pertences. “–Puxa vida’’, surpreendeu-se André! Já dava tudo por perdido e agora que recuperei as jóias, posso devolvê-las aos seus donos e receber o dinheiro que emprestei, sem ter de ficar dando explicações ou detalhes de como as perdi. Dos males o menor, pensou. Só não recuperarei o dinheiro e nem vou me preocupar com isso, pois investigar, mesmo se através de terceiros, pode ser 65
perigoso. Agora, e até o final do ano, o problema a ser enfrentado, será como receber os empréstimos garantidos por notas promissórias, pois não as tenho para devolver. Como farei para convencer as pessoas a aceitarem um simples recibo como comprovante de quitação?” Mais uma vez fez julgamento errado a respeito de seus colegas. Conforme as dívidas iam vencendo, ele era procurado e em nenhum caso deixou de receber os valores emprestados, não obstante sua desconfiança inicial. Para aqueles que empenharam bens ele os devolvia e recebia as quantias emprestadas. Os que tinham assinado notas promissórias aceitaram recibos de quitação. André, aqui, demonstrou não conhecer a questão do juízo temerário, conforme Lc 6.37-38, que diz: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai e dar-se-vos-á; boa medida; recalcada; sacudida; transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.” Com a proximidade do final do ano e do curso de engenharia e livre dos problemas que o atormentaram por um bom tempo, passou a preocupar se tão somente com a festa de formatura, pois já estava com emprego garantido, tendo sido contratado antecipadamente por uma indústria siderúrgica, situada no município de Campo Seco, não muito distante de Trindade. Tudo corria bem para André naquele tempo e a sua expressão era de alívio. Estava tranquilo. Nesse clima, decidiu então que convidaria Mônica para ser sua madrinha – com quem pretendia dançar a valsa no baile – programado 66
para dali a dois meses. Animadíssimo ligou para Mônica. – Olá Mônica, tudo bem? – Sim, tudo bem. Quem é? – Aqui é o André. Há tempos atrás quis dançar com você no baile de debutantes e você não pôde porque estava acompanhada de seu namorado, lembra-se? Soube que agora você não está mais namorando e por isso estou ligando. – Ah! Sim, eu me lembro. Na verdade não teria recusado seu convite se não estivesse comprometida. Embora tarde, me desculpe pelo acontecido. Não dava para conversar naquele momento. – Está desculpada e agora eu quero lhe fazer um novo convite: aceita ser minha madrinha de formatura e dançar a valsa comigo? O baile de formatura será daqui a dois meses e ficarei muito feliz se aceitar. – André, esse convite me pegou de surpresa, mas aceito de bom grado e também fico feliz por isso. Vou comunicar aos meus pais e iniciar os preparativos. Sabe como é, não? Roupa e acessórios mil. – Outra coisa Mônica. Podemos nos encontrar no próximo sábado à noite? Poderíamos ir ao cinema. Gostaria de ter um tempo contigo para conversar sobre a colação de grau, baile e outras coisas. – Tudo bem André. – Respondeu Mônica. – Eu te ligo e combino hora e lugar para nos encontrarmos, OK? – Certo. – Então até mais. – Tchau. 67
André, ao desligar o telefone, estava exultante e com um largo sorriso estampado no rosto. Mal podia se conter de tanta alegria. Recebera sem notar, bênçãos de Deus e sentiu serem soltas as amarras que o prendiam às suas muitas preocupações e, de quebra, conseguiu alcançar o coração de sua amada. Nessa hora, se tivesse entendimento da Palavra, se lembraria de agradecer conforme Tg. 5.13. “Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores.” Ou como o rei Davi no Salmo 30.11-12, que diz: “Converteste o meu pranto em folguedo; tiraste o meu pano de saco e me cingiste de alegria, para que o meu espírito te cante louvores e não se cale. Senhor, Deus meu, graças te darei para sempre.”
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A FORMATURA
O paraninfo – um empresário do ramo de fabricação de máquinas pesadas – fora escolhido e convidado pelos alunos com anuência da diretoria da universidade, não só por ser reconhecido como profissional de sucesso, como por ter antecipadamente contratado três engenheiros daquela turma e, dois da turma do ano anterior. A cerimônia se deu numa noite de sexta-feira no anfiteatro da universidade e participaram dela, além dos parentes dos formandos, autoridades locais e outras pessoas convidadas pelos alunos. No discurso – após a introdução de praxe com cumprimentos às autoridades, professores e pais de alunos – o empresário ressaltou a importância da educação e instrução para o desenvolvimento do país, desde o curso básico até a graduação superior. Num dos trechos de sua fala, afirmou com veemência que não se alcança sucesso, seja em qualquer ramo de atividade e até mesmo naqueles onde não há exigência de formação superior, sem antes adquirir sabedoria, instrução e entendimento. Citou, para surpresa dos presentes, o rei Salomão, como o mais sábio dos homens como jamais houve e haverá outro igual, mencionando a passagem no livro de Eclesiastes 8.1: “Quem é como o sábio? Quem sabe a interpretação das coisas? A 69
sabedoria dos homens faz reluzir o seu rosto, e muda a dureza da sua face”. Citou ainda o que foi escrito pelo rei em Pv 4.5 a 8. “Adquire a sabedoria, adquire a compreensão; não te esqueças das palavras da minha boca, nem delas te apartes. Não desampares a sabedoria, e ela te guardará; ama-a e ela te protegerá. A sabedoria é suprema; portanto, adquire a sabedoria. Sim, com tudo o que possuis, adquire o entendimento. Estima-a e ela te exaltará; abraça-a e ela te honrará.” Roberto estava entusiasmado com a fala do empresário e prestava toda a atenção ao seu discurso com aquele característico sorriso de satisfação. “– A escolha do paraninfo não poderia ter sido melhor”, murmurou para si mesmo. Na sequência, o paraninfo conclamou os formandos a se empenharem com afinco no exercício da profissão que abraçaram, com a consciência do dever para com a pátria, considerando ser o recebimento dos diplomas, o passaporte para pertencer a um grupo seleto, destinado a promover o desenvolvimento do país. Destacou também a contribuição significativa nesse particular, da existência e notoriedade da universidade de Trindade, pela excelência de seus professores e a posição de destaque no universo do Ensino Superior. Terminou o seu discurso cumprimentando os formandos e, após ter sido muito aclamado passou a palavra ao Reitor. Este, por sua vez, convidou o representante da turma para seu pronunciamento. Ricardo era o mais velho entre os formandos, com 30 anos de idade e foi escolhido para representar a turma, em razão da dificuldade que enfrentara para se formar.
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Era de origem humilde e não pôde se preparar como os demais, pois não teve condições de frequentar boas escolas nem de ser assistido pelos melhores professores, o que certamente o capacitaria para ingressar com maior facilidade e mais cedo, em qualquer curso superior. Ricardo, como primogênito, teve de trabalhar para ajudar no sustento de sua família e seus irmãos e só estudou em período noturno até concluir o curso científico, em uma escola do Estado, quando completara 20 anos de idade e continuou trabalhando para se sustentar e ajudar a seus pais. Estava emocionado e demorou uns instantes para iniciar sua fala. Enfim, após os cumprimentos de praxe iniciou seu pronunciamento. – Quero externar minha gratidão, afirmou com a voz ligeiramente embargada pela emoção – àqueles muitos amigos, entre professores e colegas de turma que completaram comigo o curso de engenharia mecânica, auxiliares meus em minha caminhada e minha luta hoje encerrada. Finalmente venci as barreiras que se interpunham no meu caminho e agora, sinto-me apto, assim como meus demais colegas formandos aqui presentes, a exercer a digna profissão de engenheiro, que propiciará a mim e a meus pais e irmãos, condições de ter uma vida melhor. Na verdade, se não fosse o apoio moral e muitas vezes material recebido nessa empreitada, certamente não estaria agora, participando desta honrosa cerimônia. Assim como o Dr. Celso, nosso paraninfo, quero citar o seguinte trecho, expresso pelo rei Davi no Salmo 37. 4 a 6: “Agrada-te do Senhor e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito como o sol ao meio dia.” Então, senhores e senhoras, de toda a ajuda que recebi, a mais importante 71
para mim foi a que recebi do meu Deus, pois tive e tenho o cuidado de seguir o que foi expresso pelo rei Davi nesses versículos. Nessa altura do discurso, Roberto quase caiu da cadeira. – Caramba! Isto aqui está mais para culto a Deus do que para colação de grau, e esboçou, novamente, aquele característico sorriso de satisfação. – Em nome de meus colegas ora graduados – concluiu Ricardo – agradeço aos nossos professores, ao nosso reitor e principalmente aos nossos pais, pela vitória hoje alcançada. Concluída sua fala, devolveu a palavra ao reitor e este, por sua vez, passou a chamar os formandos por seus nomes em ordem alfabética, e a cada um deles, revezando-se com os demais participantes da mesa, entregou os respectivos diplomas. Terminada a cerimônia e após receberem os cumprimentos dos presentes, os novos engenheiros e seus convidados deixaram o local. No dia seguinte, a partir do meio-dia participariam de um churrasco, oferecido pela universidade. André, depois da cerimônia, procurou por Mônica entre os presentes, agora sua namorada desde o encontro que tivera com ela no cinema, naquele sábado – para ele mágico – dois meses antes. – Mônica, meu bem, você está linda e eu te amo. Vou levá-la até sua casa e depois irei até a minha, para trocarmos essas roupas chiques e descansarmos um pouco. À noite virei buscá-la para darmos um passeio, tomarmos um lanche e amanhã lá pelas onze horas te encontro para o churrasco. – Está bom meu bem. Você está ótimo nesse “smoking” e eu também te amo. Na noite seguinte aconteceu o encerramento da formatura com o baile de 72
gala, com as mulheres vestindo longos e os homens trajando “summer" ou "smoking": Um luxo! Mônica estava lindíssima e parecia mais alta do que era, pelo efeito visual do vestido negro que usava. Despertava a atenção de todos, causando uma pontinha de ciúmes em André –, este por sua vez, elegantíssimo. Dançando uma música suave, conversavam baixinho. – Mônica, já sinto saudades da universidade: foi um tempo tão bom. E também estou um pouco triste por que com o novo emprego só poderei vê-la nos fins de semana e feriados prolongados. – Quando começa a trabalhar? – Na próxima quarta-feira. – Já assim tão cedo? – Pois é: eles querem logo a minha presença para o estágio que terá a duração de três meses. Depois do estágio serei direcionado para o departamento mais adequado às minhas aptidões. Estou ansioso e na verdade quero começar logo. A única coisa ruim é que vou estar longe de você. Como seria bom se aqui tivesse um emprego para mim e não precisasse me ausentar. – Ora André, você não estará tão longe. Afinal não é de apenas 220 quilômetros a distância entre Trindade e Campo Seco? Você não estará muito distante, não é verdade? – Sim, de ônibus dá pra vir em pouco mais de três horas. Mas logo, logo vou comprar um fuscão com minhas economias e as sobras do meu salário, muito maior do que os meus honorários recebidos como professor. Então posso vir mais rápido. “Sextas-feiras” agora serão para mim os melhores dias das semanas: termino o trabalho e venho vê-la. 73
– Estarei sempre a esperando, meu bem. E também já sinto sua falta. Vamos curtir esse nosso tempo, bem juntinhos, até o dia de sua ida, combinado? – É isso aí. E prosseguiram dançando, coladinhos e apaixonados.
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O ACIDENTE – Sei quem eu sou, mas não me vejo. Não sinto fome, nem sede, nem calor, nem frio, só amor: esse amor é diferente, é perfeito é gostoso e não há igual. Também há muita luz – aliás – tudo é luz. E estas melodias maravilhosas e que não se repetem; de onde veem e quem as compôs? Sei que tenho mãos, pés, olhos, mas não os sinto. Aqui não há dor, não há incômodo. É tudo tão bom! Estou enorme e expandindo e de repente vou diminuindo, já sou pequenino e vou sumindo! Estarei flutuando ou voando? De quem é essa voz tão suave e quem é que está falando essas coisas tão sublimes e que me confortam tanto? Percebo que há muita gente ao redor e há um perfume – por toda parte – de uma flagrância sem igual. Não sei o que é isto: mas é maravilhoso. É tudo tão grande: o infinito está aqui, acho que vou! Então veio a ordem sutil, mais uma vez aquela manifestação íntima: – Volte André! – Não, não quero sair desse estado: Quero ficar! – Você voltará depois: Agora vá! Tudo foi assim muito parecido como o dito por Paulo em 2 Co 12.1 a 5: “Se é necessário que me glorie, ainda que não convém, passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos, foi arrebatado até o paraíso (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) e sei que tal homem (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, as quais não é 75
licito ao homem referir. De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo, salvo nas minhas fraquezas.”
A enfermeira em serviço na UTI chamou a atenção do médico de plantão. – Doutor, acho que ele está acordando, disse a enfermeira: percebi que ele se moveu. O médico plantonista da UTI apressou-se em examinar a situação e, observando os aparelhos que mantinham André em vida, exclamou: – De fato está havendo o que dificilmente acreditaria que pudesse ocorrer. Suas funções vitais ao que parece, tendem a se normalizar. Vamos ficar atentos nas próximas horas e aguardar os acontecimentos, monitorando os aparelhos com toda a atenção. Agora apressemo-nos em avisar o Dr. Félix. No mês anterior ao acidente – após o estágio – André fora designado para o departamento de engenharia, como gerente de processos e produtos e recebeu seu primeiro reajuste de salário. O que já era bom ficou muito melhor. Ele estava exultante. Assim, no quarto mês como profissional, comprou, à vista, o carro de seus sonhos – um fusca vermelho – zerinho. Deixou também o hotel onde se hospedara e alugou uma casa com dois quartos, providos com armários embutidos. Um dos quartos André mobiliou com uma cama, mesa, duas cadeiras e TV. Providenciou também um nicho no qual instalou a imagem da santa, que sua mãe lhe dera de presente. Comprou geladeira, fogão, panelas, pratos, talheres, demais móveis e uma linha telefônica. Contratou uma empregada doméstica para tomar conta da casa e cozinhar para ele. 76
Passou então a sentir-se mais confortável e alimentar-se melhor, estava satisfeito, e ficou corajoso o bastante para sair dirigindo por aí, sem muita experiência. Da nova casa, ligou para sua amada: – Mônica – comprei um carro – e agora, do jeito que planejamos, podemos passar mais tempo juntos. Também estou economizando bastante com o salário que é ótimo e, em breve devo dar entrada em um apartamento. Está tudo dando tão certo que se melhorar estraga. Na próxima sexta estarei aí mais cedo e vamos passear no meu novo fusca. Um beijão. – Estarei esperando. Um beijão para você também. Naquela sexta-feira chuvosa, André já se aproximava de Trindade no início da noite, ansioso para se encontrar com Mônica e lhe mostrar o novo carro. Vinha em velocidade média, como era de seu costume – dirigindo defensivamente – sem ultrapassar a velocidade máxima permitida. De repente, já avistando as luzes da cidade, sem perceber, passou sobre uma mancha de óleo na pista e perdeu o controle do carro. O veículo capotou e André, arremessado para fora do carro pela porta que se abriu, bateu com a cabeça no asfalto. Naquele tempo os carros não tinham cinto de segurança, pois se tivessem certamente André estaria usando e, provavelmente, não teria sido lançado fora do carro. Não demorou muito para a chegada da ambulância, mas o estrago havia sido grande, conforme o relato dos médicos que o operaram em caráter de urgência. O Dr. Félix – médico neurologista do hospital de Trindade e cirurgião-chefe da junta médica que cuidou do André, após a cirurgia procurou o Dr José, para informá-lo sobre o caso. – Dr. José, sinto muito o ocorrido, disse o Dr. Félix. Embora a cirurgia tenha 77
sido considerada um sucesso, seu filho sofreu além de várias escoriações, quebra de duas costelas e traumatismo craniano, que é o dano mais grave. Vamos mantê-lo na UTI e aguardar quarenta e oito horas para saber quais as consequências para o cérebro e para as funções neurológicas. – O caso é grave, doutor? Perguntou o pai de André. – Infelizmente é muito grave – eu diria. Nestes casos, quando não há óbito, sempre ficam sequelas que dependem do tamanho da área afetada no cérebro, que no caso foi bastante extensa. Pode ser que seu filho tenha o lado esquerdo paralisado, perca a visão ou a fala. A expressão facial do Dr. José demonstrava tristeza e indignação, mas como homem experimentado na vida, não se manifestou de imediato. Ficou em silêncio por alguns minutos num canto, pensativo, enquanto o médico dava explicações do caso para a parentela e amigos. Dona Rosa, mãe de André, não continha as lágrimas. – Tão jovem e promissor, exclamou! – Estava iniciando uma carreira brilhante e é admirado por seu chefe. Estava tão feliz nesses últimos meses e prosperava. Como pôde acontecer tal fatalidade? Dr. José, saindo do mutismo, perguntou: – Dr. Félix, como ele está? Podemos vê-lo? – Está inconsciente e sedado. Podem vê-lo agora, rapidamente, acompanhados do plantonista. Assim que for possível visitá-lo por mais tempo e com mais pessoas, nós lhe comunicaremos. Agora se me dão licença, tenho de cuidar de outros pacientes. Tenham um bom dia. O Dr. José e Dona Rosa entraram na UTI, não se demoraram, e ao saírem, ele com o semblante expressando tristeza contida, abraçou a esposa e a 78
consolou. – Vamos para casa e aguardemos esperando pelo melhor. Ele está ligado a aparelhos, porém, as suas feições deram-me a impressão que ele vai se sair bem. Mesmo que tenha sequelas, é nosso filho e vamos cuidar dele da melhor maneira possível. Mônica não foi ao hospital. Entrou em estado de choque ao saber de notícia e teve de ser medicada. Passadas as quarenta e oito horas de observação, não houve melhora no estado de André e o Dr. Felix – que vinha mantendo a família informada –, ligou para o Dr. José: – Dr. José, bom dia, aqui é o Félix. – Bom dia, doutor – Devo lhe dizer que terminado o período de observação, o estado de seu filho é estável, o que significa não ter ocorrido a melhora que esperávamos. Ele ainda não recobrou os sentidos e vamos ter de deixá-lo na UTI por mais tempo. As visitas de no máximo duas pessoas por vez podem ser feitas no período de manhã. – Quais são as próximas providências doutor? Há alguma coisa que eu possa fazer? – Não. Estamos ministrando antibióticos e sedativos e devemos continuar aguardando. – Até quando isso pode durar? – Não posso precisar. Nesses casos pode ser breve ou, na pior das hipóteses, ser coma permanente. Com essa afirmação, o pai de André foi finalmente vencido pelo desânimo. A 79
tristeza aflorou com força e as lágrimas brotaram em seus olhos. Com a voz embargada pelo choro contido, pediu: – Dr. Félix, não poupe esforços e Deus nos ajude.
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A CONFISSÂO
Naquele sábado de manhã, em que a enfermeira e o médico de plantão se surpreenderam com a melhora de seu paciente na UTI, Roberto acabara de chegar em Trindade. Foi até a casa de Mônica e perguntou sobre o estado de saúde de André. Antes de responder, Mônica exclamou: – Ah! Que bom você estar aqui Roberto. Tenho ido visitar André todos os dias e não há sinais de melhora. Os próprios médicos estão céticos quanto à sua recuperação. Começou a chorar, dizendo a Roberto que tudo era muito triste e que não se conformava com a situação. – Acalme-se Mônica: Pressinto que vai dar tudo certo. – Deus te ouça, exclamou. – Quero vê-lo agora. Você me acompanha? – Sim. Num instante eu me apronto. Já na UTI e ao lado de Mônica, Roberto segurou a mão de André e começou a falar próximo ao seu ouvido, dizendo: – Meu querido, chegou a hora de retomarmos aquela conversa, que tivemos quando eu quis apresentar-lhe o meu melhor amigo – ainda quando éramos estudantes –, lembra-se? Naquele momento você não quis conhecê-lo, 81
lembra-se? Você postergou o assunto e preferiu ir à lanchonete tomar um cafezinho, lembra-se? Pois bem querido, meu amigo é Jesus. Agora é a hora de você conhecê-Lo. Vamos pedir à Ele a sua cura. Se você estiver de acordo em abrir seu coração e entregar sua vida à Jesus, confessando que Ele é o Senhor de sua vida e que está vivo, por que ressuscitou após ter sido morto na cruz por nossos pecados, aperte minha mão. Mônica percebeu a expressão de alegria no rosto de Roberto, que exclamou, baixinho: – Neste exato momento minha querida, está havendo uma festa de anjos no céu. André apertou minha mão como lhe pedi e confessou ser Jesus o senhor de sua vida! Agora, vamos orar pedindo a sua cura, Mônica! E o fez com as seguintes palavras: – Meu Senhor e meu Deus. Quando Lázaro adoeceu, Jesus demorou-Se a ir vê-lo e ele morreu e foi sepultado em Betânia. Ao chegar Jesus, após quatro dias do sepultamento de Lázaro, Marta sua irmã aproximou-se Dele – assim como muitos judeus amigos de Lázaro – e disse: Se o Senhor tivesse vindo mais cedo meu irmão não teria morrido. Marta não sabia que propositadamente Jesus havia retardado Sua ida, para que Deus fosse glorificado, conforme está escrito em Jo 11.40 a 44: “Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a gloria de Deus? Tiraram, então a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! Saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados e o rosto envolto em um lenço. Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e deixai- o ir.” 82
E Roberto, continuou a orar a Palavra no ouvido de André: – Agora Pai, assim como Lázaro, André, há pouco também se tornou amigo de Jesus ao confessar Seu nome. Agora Pai, assim como Marta e muitas outras pessoas testemunharam o milagre, feito por Jesus quando ressuscitou a Lázaro, aqui estamos eu e Mônica, para sermos testemunhas de outro milagre que pediremos a Ti: Portanto, Pai, para honra e glória do Teu nome, nós Te pedimos que faça uma obra maravilhosa e cure o André. Estamos de acordo quanto a isso, porque sua Palavra diz em Mt 18.19-20: “Também vos digo que, se dois de vós, concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isto lhe será feito por meu Pai que está nos céus. Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles.” Sabemos que o Senhor nos atenderá e Te agradecemos em o nome de Jesus. Roberto soltou a mão de André, passou os braços sobre os ombros de Mônica e deixaram a UTI. Eram dez horas. No retorno do hospital, Mônica se manifestou: – Sabe Roberto, fico pensando que Deus às vezes nos repreende por causa de nossos pecados e nos aflige com doenças, sofrimentos e desgraças como a que aconteceu com André, para demonstrar o Seu poder, como se quisesse dizer: “Eu mando e quero que me obedeçam”, se é assim, Deus é mau! – Nada disso Mônica! Deus é puro amor! Doenças e outras contrariedades não são do alto. São coisas das trevas. Nós colaboramos dando brechas. Mas Deus não manda enfermidades para castigar ninguém. O que vou lhe contar a seguir ilustra bem isto. Um professor de uma universidade na Alemanha, perguntou aos alunos: 83
– Deus criou tudo o que existe? Um dos alunos respondeu valentemente: – Sim senhor. Deus criou tudo. O professor então, exultante, afirmou: – Se Deus fez tudo o que existe, então também fez o mal, pois o mal existe e assim sendo Deus é mau! Então, um jovem aluno chamado Albert Einstein, dirigindo-se ao professor perguntou: – Professor, o frio existe? – É lógico que existe. Você nunca sentiu frio? – Sim já senti muitas vezes, mas de fato senhor o frio não existe. Segundo as leis da física, o frio é a ausência de calor. Todo corpo ou objeto é suscetível de estudo quando transmite calor, pois o calor é que faz um objeto transmitir energia. Por outro lado, o zero absoluto é a total ausência de calor e os corpos nesse estado ficam inertes, incapazes de reagir e não transmitem energia. Nós criamos essa definição para descrever como nos sentimos se não temos calor. Mas de fato, o frio não existe. Outra questão, senhor: A escuridão existe? – Existe. – Respondeu o professor. – Mais uma vez o senhor se engana professor. A escuridão, na realidade é a ausência da luz. A luz pode se estudar, a escuridão não. A escuridão professor é uma definição que criamos para descrever o que acontece quando não há luz presente. E então senhor, o mal existe? – É claro que existe, como já afirmei. Vemos crimes, estupros, violência e toda sorte de desgraças no mundo todo. Essas coisas são do mal. 84
– Engana-se senhor, o mal não existe. Pelo menos não existe por si mesmo. O mal é simplesmente a ausência do bem e como nos casos anteriores, o mal é uma definição para descrever a ausência de Deus. O mal é o resultado da humanidade não ter Deus em seus corações. Portanto, Deus não é mau, pois, o mal não existe. – Puxa Roberto, que coisa mais linda! – Então Mônica, deixe de lado essa bobagem de atribuir a Deus os males que nos acontecem. Deus é só amor. Aliás, está na hora da humanidade assumir as responsabilidades dos seus atos, cometidos fora da vontade de Deus, e de culpá-Lo por todas as suas desgraças. Naquele mesmo dia, a enfermeira e o médico plantonista ficaram atônitos, ao confirmarem que André realmente se mexia e imediatamente comunicaram o fato ao Dr. Félix. – Que maravilha! –disse o Dr. Félix. – Ele está acordando! Fiquem calmos, é bom sinal, estou indo para aí! Assim que chegou ao hospital o Dr. Félix foi imediatamente à UTI e passou a examinar André. Ao terminar, satisfeito com os resultados dos exames, recomendou ao Dr. Paulo, seu assistente e plantonista na oportunidade e à enfermeira: – Estejam atentos e não se afastem dele. Creio pela minha experiência que ele deve manifestar outros sinais de reanimação. Cuidem dele com toda a atenção e anotem todas as ocorrências. Volto a vê-lo na segunda, exclamou o Dr. Félix!
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A RECUPERAÇÃO
Na Segunda feira seguinte, às nove horas da manhã, o Dr. Félix chegou ao hospital e foi imediatamente para a UTI. O Dr. João, outro assistente do Dr. Félix era o plantonista do dia e o Dr. Félix lhe perguntou: – João, como está o André? O médico, fixando os olhos em André, impressionado, respondeu: – Não dá para acreditar Félix: pressão e batimentos cardíacos normais e a temperatura variando entre 37 e 38 graus. É inacreditável. E agora, veja por si mesmo, seus olhos se abrem de vez em quando. Eis aqui o boletim com as anotações hora a hora. As anotações mostravam progressos, incluindo o funcionamento normal dos rins, uma vez ter havido troca de fraldas duas vezes durante o período. Após analisar os apontamentos o Dr. Félix, falou: – João, sinceramente não sei o que está havendo, deixe-me ver. Aproximou-se de André, tomou sua pressão arterial, auscultou as batidas de seu coração e exclamou: – Tudo em ordem! Vamos pedir para colherem sangue e urina para exames e após os resultados, tomaremos decisões. Por ora vou me comunicar com seus pais. Você sai a que horas João? 86
– A troca de plantão é daqui a meia hora. – Muito bem! Vou visitar outros pacientes e antes de você sair vamos tomar um café e discutir este caso, OK? Depois eu me comunicarei com o Paulo para colocá-lo a par da situação. – Combinado! – Respondeu o Dr. João Naquele mesmo dia, à tarde, o telefone do escritório do Dr. José tocou. – Boa tarde, aqui é o Dr. Félix. Tenho boas novas! – Sim, doutor. – respondeu José – Por favor, o que há de bom? – André está saindo do coma. Já abre os olhos e os sinais vitais estão normais. Estou impressionado e creio que em breve sairá da UTI. – Graças a Deus doutor, vou avisar Rosa e iremos imediatamente ao hospital! – Faça isso. Mais tarde conversaremos sobre os próximos passos. Até mais. – Até mais doutor. E muito obrigado Em seguida, emocionado, José ligou para Rosa. – Rosa, meu bem. Acabei de falar com o Dr. Félix. Nosso filho dá sinais de recuperação. Quero vê-lo agora mesmo. Apronte-se para irmos ao hospital. Vou buscá-la daqui a alguns minutos. – Sim, José, que bom. Minhas preces mais uma vez estão sendo atendidas: nossa santa tem poder. – Rosa, por favor, se muita reza adiantasse ele não estaria passando por isto. Você vive rezando e pensa que isso resolve. Dê crédito também ao avanço da medicina, ao Dr. Félix e à equipe do hospital. Ao chegarem ao hospital seus semblantes denotavam ansiedade. Dr. José, um homem normalmente calmo, estava impaciente e agitado e Dona Rosa, 87
com o terço na mão rezava sem emitir qualquer som, tendo as mãos trêmulas. Foram recebidos à portaria e imediatamente levados a uma sala onde – após colocaram vestimentas apropriadas – foram encaminhados à UTI. O médico de plantão os recebeu e os conduziu à cama onde André estava instalado. Ainda estava ligado aos aparelhos apenas por precaução. Segundo o médico que o assistia, aguardariam mais algum tempo, para retirá-los experimentalmente e verificar se poderiam dispensá-los definitivamente. Ficaram alguns minutos contemplando André e satisfeitos com seu estado geral – bem melhor do que nos dias anteriores – saíram da UTI. Fora da UTI, receberam alguns esclarecimentos do plantonista. – Se André vier a respirar sem o auxilio da máquina, os aparelhos serão desligados, permanecendo tão somente a administração de soro com medicamentos, exclamou. Entretanto, esses procedimentos dependem da avaliação do Dr. Félix, que se mostrou bem otimista nesta manhã, quando esteve por aqui. Depois dessas palavras o Dr. José se acalmou, presumindo que as coisas caminhariam bem e que em breve seu filho poderia sair da UTI. Dona Rosa, ainda com o terço na mão, tinha parado de rezar e já não tremia como antes. Mostrava-se mais confiante, porque quando estava próxima do leito de André, percebera o movimento de suas pálpebras. Olhando fixamente para o médico, buscou confirmação do que vira: – Dr. João, lá dentro, será que eu vi mesmo as pálpebras do André se movimentarem? – Sim Dona Rosa, isso tem acontecido e em breve ele deve abrir os olhos e 88
voltar à consciência. Acredito que isso ocorrerá entre hoje e amanhã. – O senhor acha que devemos esperar pelo Dr. Félix? – Melhor não Dona Rosa; se vier hoje, virá bem mais tarde. Aguardem com calma, em casa. Vamos mantê-los informados. – Está bem Dr. João, obrigada. – Vamos Rosa? – Podemos ir, José. Lá pelas oito horas da noite o telefone da casa de Dona Rosa tocou e ela atendeu de imediato. Não foi preciso mais do que dois toques, pois desde que chegou em casa não se afastou do aparelho. – Alô, quem fala? – Alô Dona Rosa, sou eu, Felix. – Sim Dr. Félix. Quais são as novas? Meu filho está bem? – Fique tranquila. Ele está bem. Na verdade, é inacreditável a sua recuperação. Sinceramente, estou pasmo e ainda tentando entender o que está havendo. Já tiramos os aparelhos. Ele está respirando sem problemas; já abriu os olhos; tentou falar e está consciente. Parece milagre. Não o deixei falar porque sua garganta está irritada, devido ao longo período em que ficou entubado. Amanhã de manhã estará no quarto e talvez possa falar. Dona Rosa, porque está chorando? – É de alegria doutor, obrigado. Quer falar com o José? – Não há necessidade. Dê lhe a boa notícia. Amanhã conversaremos. Boa noite, Dona Rosa. – Boa noite, doutor. 89
No outro dia, Rosa em visita à seu filho, dizia: – Ah! André, que bom vê-lo assim já podendo se sentar – livre daquela parafernália – e com tão bom aspecto. Tenho rezado tanto pedindo sua recuperação e agora percebo que Nossa Senhora dos Perdões está atendendo minhas preces. Quando você tiver alta quero que vá comigo a Três Montes para agradecer à santa, está bem? – Não! – Respondeu André num sussurro depois de algum esforço, e com gestos pediu papel e lápis. O Dr. Félix que assistia à cena, apreciando a espantosa recuperação de seu paciente, que lentamente escrevia algo para sua mãe, pensou: “Já enxerga, fala e está escrevendo. Aparentemente, dá a entender que seus movimentos não foram de todo comprometidos. Não vejo a hora de verificar os resultados dos exames clínicos e depois tirar algumas radiografias, que nos mostrarão o estado de saúde deste moço valente.” O bilhete, escrito com garranchos devido às mãos ainda trêmulas de André e lido por Dona Rosa, dizia: “Não quero saber da santa, quando puder falar eu explico.” Dona Rosa se surpreendeu. O que deve ter acontecido para que se manifestasse dessa maneira? – questionou-se. Depois, olhando ternamente para André e com movimento da cabeça, assentiu com ele e em seguida aproximou-se e o beijou. – Estou tão feliz! Espero que volte logo para casa para que eu possa cuidar de você até que esteja curado de vez, não é Dr. Félix? – Do jeito que vai, devo dar-lhe alta provavelmente nos próximos dias, por incrível que pareça. 90
– Assim espero doutor. – Exclamou Dona Rosa e, dirigindo-se a André, informou: – Filho, seu pai mandou lhe dizer que o seu carro não sofreu danos sérios, já foi consertado e ficou como novo. Lá na Empresa, seus colegas aguardam seu retorno ao trabalho e dizem sentir sua falta. O doutor já providenciou licença médica por mais um mês, já encaminhada ao seu chefe. Também pagamos o salário de sua empregada e as contas de água, luz, telefone e outras. Então fique tranquilo e descanse. Tudo está correndo bem. Você é benquisto e não vai deixar de receber seu salário, nem perder o emprego. Agora devo ir para casa cuidar dos meus afazeres. Deus o abençoe filho. Antes de sair, Dona Rosa despediu-se do médico. – Doutor, mais uma vez obrigada e até mais. – Até mais Dona Rosa.
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RETORNO AO TRABALHO
O Dr. Félix, de seu consultório, ligou para a casa de André. – Dona Rosa, boa-tarde, aqui é Félix. – Boa-tarde doutor. – Estou ligando para dizer que darei alta ao André amanhã. Analisei os exames clínicos e estão todos normais. Apenas um pouco de anemia, que desaparecerá com alimentação balanceada e com medicamentos que prescrevi. – Ah! doutor, que bom! – As radiografias não mostram sinais de lesões no cérebro, indicando possibilidades de não haver sequelas nem privação de movimentos. Pode ir buscá-lo amanhã lá pelas 10 horas. Estarei lá para liberá-lo. – Doutor, nós agradecemos muitíssimo e se alguém perguntar a seu respeito, nós o recomendaremos como um excelente cirurgião – o melhor de todos. O que o senhor fez foi algo extraordinário. – Dona Rosa eu só operei, mas tenha certeza que nesse caso – ouso dizer – houve um milagre. Nunca presenciei nada igual. No sábado pela manhã, Dr. José, acompanhado de Roberto (amigo de André), estacionou seu carro no pátio do hospital e enquanto foi acertar as contas, Roberto dirigiu-se ao quarto de André. 92
André, impaciente e com sua mala preparada, aguardava a chegada de ambos e do Dr. Felix, enquanto conversava com o ortopedista que o examinava. – E então Dr. Mario, como estão minhas costelas? – Tudo correndo conforme as expectativas. Daqui a vinte dias vá ao meu consultório e retiraremos essas faixas. – Não vejo a hora, não está doendo, mas incomoda muito e tolhe meus movimentos. – Paciência, pois é assim mesmo. Dê tempo ao tempo, não há outro jeito. O rei Salomão deixou claro em Ec 3.1: “Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” O ortopedista ainda estava examinando André quando Roberto chegou e, todo animado e eufórico exclamou: – E aí campeão! Viemos buscá-lo! – Oi meu amigo, que bom! Onde está meu pai? – Foi acertar as contas. Depois só aguardaremos o Dr. Félix dar-lhe alta e iremos embora. Sua mãe está preparando um belo almoço para recepcionálo e eu já me convidei. Mônica também irá. Vai ser a maior festa. – Que horas são? – 9: 20 h. – A que horas o doutor chega para me dar alta? – Seu pai me disse que lá pelas dez. 93
– Puxa, ainda faltam quarenta minutos. – Eu diria só quarenta minutos porque é pouco em relação aos quinze dias em que você permaneceu aqui – seis em coma. – Por falar em coma, Roberto, naquele período eu me senti como se estivesse fora de mim, num lugar tão lindo e agradável, não queria voltar, mas fui obrigado. Então André contou o que pôde se lembrar daqueles momentos maravilhosos em que se sentia como que flutuando, até receber a ordem: Volte! – Posso sentir um pouquinho de inveja? Você é um iluminado meu amigo. E tão iluminado que bastou aceitar Jesus como seu único e suficiente salvador e confessar que Ele está vivo – pois ressuscitou – que, além de ter estado próximo do Mestre, aconteceu essa sua cura, que segundo o Dr. Félix, só pode ter sido obra de Deus. Roberto, então, descreveu para André como havia sido sua conversão, contando-lhe como aceitou Jesus – apertando sua mão na presença de Mônica – naquele sábado de manhã em que foram visitá-lo. Como André não se lembrava por estar inconsciente, perguntou: – Roberto. Preciso confirmar a minha confissão, pois não percebi tê-la feito? – Não há necessidade – mas se quiser e para não haver dúvida – qualquer dia desses vamos à igreja onde eu congrego e você faz nova confissão. Certo? – Certo meu amigo, e muito obrigado pelo que tem feito por mim. – Ah! Mais uma coisa. Mônica ao ver atendidas nossas preces, assim como você também se tornou cristã confessando Jesus como seu salvador. Agora sim vocês formam um par perfeito e salvo! 94
Aqui, Roberto se referia ao que está escrito em Rm 10: 8 a 11: “Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se com tua boca, confessares Jesus como teu Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que Nele crê não será confundido”. De repente, a porta do quarto se abriu e entraram o Dr. Félix e o pai de André, este, sorrindo, anunciou: – Para casa! Chega de hospital! Pouco depois, o Dr. Félix liberou André, com as seguintes recomendações: – Para os próximos dez dias: exercícios respiratórios, fisioterapia, nada de esforços, alimentação sem restrições, porém sem excessos. – Obrigado doutor. Hoje vou comer bem e talvez até me exceda um pouco, se me permite. Já não aguentava mais a comida daqui. Minha mãe está preparando macarronada, lombo assado e maionese, tudo com sal na medida. Quer coisa melhor? – Bom apetite! No retorno para casa, conversavam: – Sabe André, tenho um presente para você e aqui está. Acomodado no banco do carona, André virou-se e pegou o presente das mãos de Roberto. – Não é meu aniversário Roberto. Do que se trata? – Abra e veja! 95
– Uma Bíblia? – Sim. A partir de agora você vai precisar adquirir conhecimento da Palavra de Deus, como aconteceu comigo e com todos que entregam suas vidas a Jesus: – É uma necessidade. – Obrigado. Mas como nunca li a Bíblia, nem sei por onde começar. – Recomendo que comece pelo Novo Testamento, lendo João. É lindo demais! – E se eu não entender algumas coisas? Dizem que é muito difícil. – Não se preocupe: Apenas leia! Anote o que não entender e com o tempo vamos buscar explicações. Vou ajudá-lo naquilo que eu souber e quando não, procuraremos ajuda com meu pastor. Para mim vai ser bom, pois a cada dificuldade que eu não souber explicar, aprenderei também quando recorrermos ao pastor. – Legal, vou seguir seu conselho, começando a ler hoje mesmo. Ah! Quero agradecer também a sua ajuda para a conversão da Mônica. – Não tem de agradecer. Sempre o faço com o maior prazer e só tenho a ganhar. Aqui Roberto – sentindo-se gratificado – lembrou-se do que está escrito em Tg 5: 19-20; Pv 11: 30 e Dn 12: 3: “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” “O fruto do justo é arvore de vida, e o que ganha almas é sábio”. “Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre 96
e eternamente.” Agora resta-nos convencer, continuou Roberto, o nosso ilustre motorista, a sua mãe e seus irmãos, quanto à importância de entregarem suas vidas ao nosso Mestre. – Vou pensar nisso – replicou o Dr. José. Quanto à Rosa, duvido que mude. É muito carola e ainda acha que a santa é que intercedeu por André. – Tal pai tal filho. Você disse o mesmo tempos atrás, lembra-se André? Mas não me preocupo, pois o Espírito Santo há de convencê-los, um dia, assim como aconteceu com você. – Sim, eu me lembro – respondeu André – e agora sei o quanto estava errado. Arrependo-me por não ter tomado a decisão naquele dia. Dr. José prestava atenção à conversa, porém não interferiu. Preferiu o silêncio até chegar em sua casa. Diminuiu a marcha e estacionou o carro. – Chegamos! Precisa de ajuda André? – Não pai: – Estou bem. Ao entrar em casa e encontrar sua mãe, André fez logo um elogio. – Mãe, sua comida está cheirando lá na esquina. – Que exagero filho! – E Mônica, não chegou ainda? – Ainda não – respondeu sua mãe. – Deve estar a caminho. Como você está? – Com muita fome, mãe. – Ainda é cedo para o almoço, me dá um abraço. – Devagar mãe, cuidado com minhas costelas. 97
Jair (aquele amigo de André que o animara à época do vestibular) havia aceito o convite para dar aulas e permaneceu na universidade em Trindade, como professor naquele estabelecimento. Fôra convidado para o almoço, já estava presente e vendo André, falou: – Puxa, cara, que bom vê-lo! Espero que fique bom logo e retome suas atividades normais. Assim que puder vou visitá-lo e conhecer a empresa onde trabalha. Preciso colher informações sobre o funcionamento de fornos de indução e produção de aços especiais para ministrar minhas aulas e sei que você poderá me ajudar. – Conte comigo. Enquanto conversavam, Mônica chegou acompanhada dos irmãos de André. Com um largo e terno sorriso, Mônica aproximou-se de André, deu-lhe um beijo e em seguida afastou-se em direção à cozinha, dizendo: – Depois quero exclusividade da sua companhia, mas agora, vou ajudar sua mãe, na cozinha. – Sim meu bem, vá porque ela precisa mesmo de ajuda. Mas, depois do almoço quero você perto de mim o tempo todo, – disse André. Terminado o almoço, os convidados se foram e André pode desfrutar da companhia de Mônica durante toda a tarde e parte da noite. Mônica voltou para sua casa somente às dezenove horas. A partir dai, André dedicou-se à leitura da Bíblia, exercícios respiratórios e fisioterapia. Decorridos vinte dias desde sua saída do hospital, pela manhã, conforme previsto foi ao consultório do dr. Mário que o examinou e retirou as faixas de seu peito. 98
– Que alívio doutor. Agora posso tomar banho sem me preocupar em molhar essas faixas. – Está tudo bem André: Liberado e pronto pra outra. – Vire a boca pra lá doutor. Ao final do dia foi ao hospital encontrar-se com o dr. Félix, que o examinou detalhadamente e pôde confirmar o ótimo estado de saúde de André, inclusive constatou não haver qualquer tipo de sequelas. – Pode voltar ao trabalho meu caro: – Você está novo. – Doutor, mais uma vez lhe agradeço. Se Deus quiser, no início da próxima semana já estarei trabalhando. A expressão “Se Deus quiser” – dita por André –, deveria ser objeto de reflexão. Muitas pessoas a emitem como se fosse um vício de linguagem, sem atentarem para o quanto ela é importante. Em Pv 27.1 está escrito: “Não te glories do dia de amanhã, porque não sabes o que trará à luz.” Tiago também fez menção da falibilidade dos projetos humanos, em Tg 4.13 a 16: “Atendei, agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e teremos lucros. Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa. Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos como também faremos isto ou aquilo. Agora, entretanto, vos jactais das vossas arrogantes pretensões. Toda jactância semelhante a essa é maligna.” 99
Com o tempo e adquirindo sabedoria, certamente André foi aprendendo que o homem traça seus planos, mas é Deus quem dirige os seus passos. Por isso a expressão “Se Deus quiser” deveria antecipar o início de todo e qualquer plano do homem.
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VIDA NOVA
Já em sua casa, em Campo Seco, André ligou para sua mãe. – Mãe, já cheguei e estou em casa. Antes, fui à empresa e combinei recomeçar a trabalhar amanhã. – Ah! Meu filho, que bom! Eu estava angustiada aguardando seu telefonema. Agora, cada vez que você for viajar eu vou me preocupar. – Mãe, não se preocupe. O acidente foi uma fatalidade e não teria ocorrido se não estivesse chovendo e não fosse início de noite, pois sem essas coincidências, eu teria percebido o óleo na pista e me desviado. – Não importa se você viaja de dia ou de noite, com chuva ou sem chuva, estarei sempre apreensiva. – Não deve ser assim mamãe. Isso faz mal para sua saúde. A senhora sabe que eu sou cuidadoso e a partir de agora – até já falei com a Mônica – só viajo de dia e, com chuva, só em caso de urgência. Às Sextas feiras vou dormir mais cedo e aos sábados de manhã, viajo para vê-los. – Acho bom mesmo filho. – Ah! mãe! Quanto às despesas médicas, a maior parte do valor será restituído pelo meu plano de saúde. Já entreguei os recibos e assim que eu for reembolsado pela empresa, provavelmente na semana que vem, restituirei o que papai gastou. 101
– Não se preocupe com isso meu filho: eu aviso seu pai. E como é que está sua casa? Está limpa? – Sim, mãe, está ótima. A Judite, minha empregada, não só cuida bem da casa como é ótima cozinheira: – lógico que não cozinha ou cuida da casa tão bem como a senhora o faz. Só tem uma coisa diferente aqui em casa. – O quê? – Minha empregada quebrou a imagem que a senhora me deu. – Que desastrada! Não se preocupe. Eu compro outra. – Mãe, a senhora não está entendendo. Fui eu, ainda no hospital, quem telefonou para ela, pedindo para dar um fim à imagem. Ela ainda relutou e até pediu para ficar com a santa. Então eu disse não e que a imagem não deveria ser jogada fora porque alguém poderia achá-la. Dei ordem para que fosse destruída e assim foi feito. – Nossa, André, por que isso? Foi um presente meu. – Mãe, lembra-se do bilhete que eu escrevi no hospital, negando-me a ir com a senhora a Três Montes, agradecer à santa pela minha recuperação? – Lembro-me, pois fiquei muito chateada. – Ah, mãe! Perdoe-me. – Tudo bem filho, já passou. Mas quebrar a imagem da santa que lhe dei? Por que isso? A conversa que no início era apenas para André avisar sua mãe que tinha chegado em casa e que estava bem, estava ficando tensa. – Sabe mãe – disse André por sua vez – tenho aprendido muito nesses últimos dias em que me dediquei a ler a Bíblia e, agora sei que a suposta 102
santa nada tem a ver com minha cura. No Evangelho de João, que li por sugestão do Roberto, tem a passagem em que Jesus confortava seus apóstolos, a respeito de sua volta para o Pai. Então André citou Jo 14.1 a 4: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, vós estejais também. E vós sabeis o caminho para onde eu vou.” Tomé, um dos apóstolos, todo confuso e com dúvidas, questionou a Jesus, conforme Jo 14.5: “Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?” Então Jesus respondeu, conforme está em Jo 14.6: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. É importante observar que embora ainda não fosse do conhecimento de André, as palavras de Davi no Salmo 135: 15 a 18 confirmam: “Os ídolos das nações são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, e não falam; têm olhos, e não vêem; têm ouvidos, e não ouvem, nem há fôlego algum nas suas bocas. Semelhantes a eles se tornem os que os fazem, e todos os que neles confiam”. Paulo em 1 Tm. 2.3 a 6 afirmou: “Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da 103
verdade. Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos”. – Então mãe, se o próprio Jesus disse que ninguém pode chegar a Deus senão por Seu intermédio, essa santa de pau oco não tem nenhuma valia, assim como qualquer outro ídolo ou pessoa ou seja lá o que for. Mas não vamos conversar sobre isso por telefone. Pretendo falar pessoalmente com a senhora qualquer dia desses. Mãe, a senhora está me ouvindo? – Sim filho, e estou confusa com tudo isso. – Não me leve a mal nem fique magoada comigo. Eu te amo e não fiz isso para desrespeitá-la ou ofendê-la. – Está bem meu filho, eu entendo, mas faz tanto tempo que eu rezo para essa santa de minha devoção que é difícil mudar, assim de imediato. Vou conversar com o padre Alberto e perguntar qual é a opinião dele sobre isso. Já tentei estudar a Bíblia e sempre encontrei dificuldade para entender muita coisa e assim, depois de muitas tentativas acabei desistindo. – Mãe, eu também achei difícil entender muitas passagens, mesmo no Evangelho de João, que é lindo e mostra o amor que Deus tem por nós. Mas segui em frente anotando minhas dúvidas, para as quais, buscarei esclarecimentos ou com o Roberto ou com um pastor. O próprio Roberto me explicou que o mais importante – acima de tudo – é buscar a verdade na Palavra de Deus e se sentir liberto, porque Jesus mesmo disse em Jo 8.31-32: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” Mas faça isso mãe, converse mesmo com o padre e assim ficaremos sabendo 104
qual é a opinião dele. De antemão, não acredito que ele aceitará ser Jesus Cristo o nosso Sumo Sacerdote e único mediador perante Deus. É coisa arraigada nos padres, essa insistência em apelar para uma imensa gama de santos, cada um deles especialista em um ou dois tipos de milagres: Santa Luzia - olhos; Santo Expedito - causas impossíveis; Santo Antonio – casamentos; e vai por aí. Basta ver a quantidade de suas Nossas Senhoras, cada uma delas com um nome diferente e até cores de peles diferentes. – Filho, isso é só representativo, respeitando as tradições de cada lugar; cada povo, cada raça. – Mãe, por favor, entenda. Está claro que é ignorância da Palavras de Deus, colocar a tradição e os costumes no lugar de Jesus. Maria, escolhida para ser a mãe terrena de Jesus é uma figura bíblica das mais lindas e abençoadas. Entretanto, mesmo sendo abençoada, morreu e espera o juízo como os demais mortais e, por isso, mesmo não pode ser mediadora perante Deus. – Nossa, filho, quanto radicalismo. Você está mesmo mudado não é? – Não sou radical mãe e graças a Deus estou diferente. É uma pena o que fizeram com a mãe de Jesus, transformando-a em objeto de tão grande comércio – a um ponto tal que não há mais retorno possível, pois a perda de receita para a Igreja Católica seria enorme; inimaginável. – Nesse ponto meu filho, estou inclinada a concordar com você, mas... – Não tem mais nem menos, mamãe. Pense bem: Uma pessoa que procura emprego e pode conversar diretamente com o dono da empresa onde pretende trabalhar, acaso pedirá ao primo, à mãe, ao irmão ou ao amigo do dono? Para que intermediário? Deus só aceita intercessão que é feita por Jesus, que é o único que subiu aos céus, e por seus filhos que oram na Terra, vivos, e oram em nome de Jesus. Os mortos não intercedem nem louvam o 105
Senhor. O resultado certamente será mais efetivo se falar diretamente com quem resolve. Aqui, André se baseava no que o rei Salomão escreveu em Ec 9.4-5: “Ora, para aquele que está na companhia dos vivos, há esperança, pois melhor é o cão vivo do que o leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma; não tem jamais recompensa, mas a sua memória ficou entregue ao esquecimento.” E André continuou: – Assim é com Jesus. Ele é o Dono, Sumo Sacerdote, nosso Advogado, e Jesus, Deus e o Espírito Santo são uma só pessoa. Portanto, intermediário só causa confusão. Mas vamos parar por aqui. Vou descansar um pouco e depois colocar as coisas em ordem. Tchau mãe. – Tchau. Deus o abençoe meu filho. – Amém. E Deus a abençoe também. Dona Rosa estava surpreendida com a sabedoria e convicção do seu filho, mas o que ela faria com tudo que aprendera e crera até aqui?
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CORRUPÇÃO
Numa Sexta feira de manhã, André estava em sua sala na empresa onde trabalhava, quando recebeu um telefonema. – Oi André, tudo bem? – Tudo bem. Quem é? – Não está reconhecendo minha voz, meu caro? Sou eu, Jair, seu colega de classe! – Mil desculpas Jair. Estou com a cabeça quente. – O que houve? – Problemas aqui na empresa, mas deixa pra lá, vou resolver e depois lhe conto. – Está bem. Estou ligando para saber se podemos programar minha visita aí na empresa, conforme combinamos no dia do almoço comemorativo de sua recuperação. É a respeito daquele assunto sobre fornos e aços especiais, lembra-se? – Sei! Mas vamos deixar para depois Jair. Na próxima semana combinaremos sua visita, certo? Deixe-me primeiro resolver esse assunto que está me aborrecendo. – Combinado, eu aguardo. Até mais.
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– Até. O problema que André estava enfrentando, era decidir entre aceitar participar ou não, de uma manobra duvidosa para aumentar o valor anteriormente proposto para fabricação de bombas de recalque, cuja licitação fora vencida por sua empresa. Desligado o telefone, André chamou sua secretária e avisou que não receberia telefonemas nas próximas duas horas, com exceção de chamadas da diretoria. – Mais alguma coisa ela indagou. – Não obrigado, respondeu. Assegurado seu isolamento, passou a analisar sua situação, diante da solicitação do diretor financeiro da empresa. No dia anterior, em reunião com o diretor, recebeu orientações para modificar preços relativos à fabricação das bombas. – Estou acertando – disse o diretor a André – com um diretor da Petrolex para quem estamos fabricando as bombas de recalque após participarmos e vencermos a licitação um acréscimo de 20% nos preços inicialmente propostos. Então, quero que você prepare e me apresente um relatório justificando esse aumento, para que eu o encaminhe até ele. Devo entregar pessoalmente. De posse do relatório, já está assegurado que o reajuste será aprovado. André não via como apresentar essa justificativa, uma vez que a proposta original havia contemplado todos os custos envolvidos na produção, com lucro bem estimado e de valor justo, motivo pelo qual haviam vencido a licitação. Então, apresentou ao diretor argumentos sobre as dificuldades para elaborar o relatório procurando convencê-lo a desistir da modificação 108
em razão dos riscos envolvidos. – E se esse aumento de preços, elaborado após o resultado da licitação, um dia vier à tona? – argumentou. O diretor, demonstrando certa irritação, garantiu que não haveria problemas por tratar-se de assunto já antes combinado com o diretor da Petrolex e que o aumento seria posteriormente dividido entre ele e a diretoria da empresa de André e afirmou a André que ele receberia sua parcela e ainda que na próxima reunião da diretoria apresentaria pedido de aumento de seu salário. Agora, isolado em sua sala, André refletia sobre seu problema. “Ah meu Deus, que enrascada! Se não atender, estarei em maus lençóis e posso até ser demitido. Se concordar, tem essa “voz” aqui dentro incomodando, daquele jeito que o Roberto falou. É o Espírito me cutucando. Que devo fazer?” Sem perceber, André estava consultando Deus e a resposta veio rápida, num “insight“ como nas manifestações anteriores: – Não participe! “Meu Deus, outra vez esse sussurro. – Como não atender ao diretor? Devo pesar as consequências em razão dos meus compromissos, incluindo as prestações do apartamento. Uma vez demitido, se não conseguir outro emprego em pouco tempo, não poderei quitá-las.” Depois de algum tempo, pediu à sua secretária para fazer uma ligação para o seu amigo Roberto. Feita a ligação e colocado o problema, Roberto recomendou: – Meu caro André, essas coisas acontecem porque participamos de uma sociedade com muitos indivíduos sem escrúpulos e sem dignidade. Se concordarmos com propostas desse tipo, nos manchamos e nos igualamos a 109
eles. No seu lugar, já que você me consultou, eu não participaria desse negócio escuso. – Mas Roberto, certamente serei demitido e tenho compromissos. – Fica a seu critério. O que posso garantir é que nosso Deus não desampara quem é integro. Veja o que diz em Pv 15.27: “O que é ávido por lucro desonesto transtorna a sua casa, mas o que odeia o suborno, esse viverá.” – André, no livro de Salmos, há a garantia que lhe asseguro, no Salmo 1.1 a 3, ou seja: “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem. Tudo o que fizer prosperará.” Medite nessas palavras meu caro e ore consultando a Deus. Depois tome a sua decisão. – É sempre bom conversar com você, Roberto. Farei como diz. Terminada a conversa, André ficou em silêncio por alguns instantes e depois pediu à sua secretária para ligar para o Jair. Feita a ligação, André iniciou a conversa: – Alô. É o Jair? – Sim André, sou eu. – Olha Jair, quero lhe dizer que infelizmente não poderei atendê-lo no que diz 110
respeito à sua visita a esta empresa. Estou demissionário. Recomendo a você entrar em contato com um dos diretores. Vou passar o número do telefone para você agendar a visita, infelizmente sem a minha companhia. – O que aconteceu? Não faz nem um ano que você está aí e já quer sair? Pode me dizer por quê? – São problemas particulares meu caro e eu não gostaria de comentá-los. Caso você consiga agendar sua visita, vou ter o maior prazer em hospedá-lo. – OK André! Obrigado. Assim que desligou o telefone, André sentiu-se mais leve, como se livre de um fardo muito pesado e difícil de carregar. Chamou sua secretária e lhe disse: – Hoje é sexta feira e vou sair mais cedo. Anote os recados e ligações. Se me procurarem diga que virei segunda de manhã. Em seguida fechou a sala e foi-se embora para sua casa. No domingo de manhã, André saiu de casa para comprar o Jornal do Estado, normalmente recheado de oportunidades de empregos, nos mais diversos ramos de atividades. Àquela época a procura por engenheiros era muito grande e os salários oferecidos eram muito bons. Ao retornar para casa, ainda de manhã, passou a selecionar as ofertas de emprego mais atrativas e encontrou três interessantes. As empresas selecionadas eram com salário a combinar, duas delas localizadas em cidades próximas de Trindade e a terceira, no próprio município de Campo Seco, cidade onde atualmente residia. Obviamente sua preferência era por essa última oferta de trabalho. Escolhida as opções de emprego, André ficou em silêncio e sem esboçar palavra dirigiu seus pensamentos para Jesus: “Ah meu Deus, honra-me Senhor e conceda111
me a graça de conseguir um desses empregos que selecionei e para os quais vou encaminhar meu currículo”! Depois dessa oração silenciosa, preparou os currículos e os enviou às empresas. Decidiu então que depois de acertada sua demissão, viajaria para Trindade, para pescar e descansar enquanto aguardava as respostas. Na segunda, no dia primeiro do mês, às oito horas, André dirigiu-se à sala do diretor e antes mesmo de trocarem cumprimentos, ouviu-o perguntar com alguma ansiedade: – Olá André, como está o andamento do nosso relatório para a Petrolex? – Bom-dia doutor, é justamente por causa desse assunto que vim até aqui. Não vou preparar o relatório e aqui está o meu pedido de demissão. – O que houve André, algum problema? – Estive pensando e não concordo em participar desse acordo. Se a nossa proposta original contemplasse esse aumento, ela poderia ter sido de valor superior às apresentadas pelos demais participantes e assim, não teríamos vencido a licitação. Portanto, essa negociação não é correta e não vou participar dela. Não condiz com meus princípios. – Mas André, isto é prática normal, argumentou o diretor. Dificilmente você encontrará um emprego onde não haja compra de pessoas ou pagamento de propinas. – Tudo bem. Enquanto não encontrá-lo fico desempregado. Estou decidido e quero ser liberado do aviso prévio. – Muito bem, aceito seu pedido e avisarei o departamento de pessoal para preparar sua demissão. Só lhe peço que este assunto fique entre nós dois. – Fique tranquilo. Se me perguntarem por que saí direi que não estava 112
satisfeito, o que é verdade uma vez que não estou mesmo. Já estou procurando outro emprego e só lhe peço que de boas referências minhas, caso seja questionado. – Certo, pode deixar. Três dias depois já estava demitido, aliviado, com toda a documentação em ordem e pronto para ir a Trindade. Mônica já sabia de sua demissão, concordara com sua decisão e o aguardava ansiosa para conversar sobre o assunto. André dera ordens à sua empregada para avisá-lo se chegassem cartas ou telegramas das empresas para as quais mandara os currículos. A confiança de André, nesse caso em que deixou um bom emprego por uma causa justa e, sua esperança em obter colocação equivalente, ou melhor, ampara-se em Lm 3.22 a 26: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se a cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto, esperarei nele. Bom é o Senhor para os que esperam por ele, para a alma que o busca. Bom é aguardar a salvação do Senhor, e isso, em silêncio.” Depois de demitido, André foi para Trindade e hospedou-se na casa dos pais. Estava arrumando as tralhas e preparando-se para ir pescar, quando a empregada ligou e o avisou que a Turbotec, uma empresa lá de Campo Seco, havia pedido para que ele entrasse em contato. – Indicaram telefone para contato? – Sim – respondeu a empregada e passando-lhe o número. Logo a seguir, André telefonou para a Turbotec. 113
– Alô. É do Departamento Pessoal da Turbotec? – Sim, pois não. – Aqui quem fala é André Ribeiro. Enviei um currículo candidatando-me ao emprego de engenheiro oferecido nessa empresa e vocês telefonaram para minha casa aí em Campo Seco. Como estou fora de casa, em viagem, recebi o recado. Por favor, de que se trata? – Ah, sim Dr. André, o senhor foi selecionado para ser entrevistado e passar por testes. – E para quando podem agendar esses compromissos? – perguntou André? – Então dr. André, hoje é quinta-feira. Pode ser na segunda, dia 15, às nove horas. – Sim – respondeu André – que documentos devo levar? – Por enquanto só a carteira de identidade. No dia combinado, André foi entrevistado, fez o teste psicotécnico e foi aprovado. Fez exames médicos e apenas cinco dias depois estava contratado, com salário superior ao do emprego anterior e na segunda feira seguinte já estava trabalhando no Departamento de Projetos da Turbotec. André ficou sem emprego por apenas quinze dias e nem teve tempo de descansar e de pescar como pretendia, mas estava realizado. Na Bíblia se lê em Rm 8.28: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Também se lê em Is 1.19: “Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra”. André quis o Deus verdadeiro, de todo o seu coração. 114
LUA-DE-MEL
Após um ano no novo emprego, André tirou férias para se casar. Para a lua de mel, ele e Mônica programaram passar uma semana em um chalé num hotel fazenda, na Serra do Marimbondo e, posteriormente outra semana em uma pousada à beira-mar. Já instalados no chalé, André foi até a varanda, deitou-se na rede, lendo sua Bíblia, fitou o céu e se lembrou. – Mônica. Venha até aqui. – Estou fazendo um lanche e aí fora está muito frio. – Esqueça o lanche, meu bem. Vista um casaco e venha apreciar este céu maravilhoso que o Senhor fez para nós. Apague todas as luzes. – Está bem, estou indo. Na varanda, aconchegada nos braços de seu amado, em silêncio e admirada exclamou: – Realmente nosso Deus, que amamos, fez todo este céu maravilhoso que nos oferece como presente de casamento. Como é bom ter a certeza de que esta multiplicidade de astros e estrelas foi projetada por Ele desde a eternidade, e tão-somente pelo poder de Sua palavra! – Sabe Mônica, por que combinei com você, iniciarmos nossa lua de mel aqui e nesta época? 115
– Não sei. Só sei que escolhemos bem. Mas conte-me. – Foi aqui nesta mesma serra, nesta mesma época e com o céu tão lindo como hoje está, que eu percebi a presença de Deus. Senti que Ele me instruía. Então, contou-lhe o acontecido na noite em que parou para descansar e admirar o céu, quando cumpria a promessa de ir a Três Montes a pé, ainda como estudante. – André, meu amor, isso tudo é tão lindo! – Também me aconteceu uma segunda vez de eu sentir a presença de Deus, quando por pouco não me afoguei junto com o Ditinho, no rio Jaruí – disse André, e a seguir contou-lhe o que ocorrera. – Nossa meu bem, que perigo você passou! – Pois é Mônica, fico aqui pensando com os meus botões: – Que fiz para merecer tanta bênção divina? Logo eu, na época orgulhoso, cheio de pecados, presunçoso, soberbo. Julgava que o dinheiro e posição social de destaque eram as coisas mais importantes do mundo. Batalhava para conseguir essas coisas e ansiava em consegui-las a qualquer custo. Achava, inclusive, que você não se sentiria atraída por mim se eu não me tornasse importante, graduado e rico. Não fosse o acidente e a intervenção do Roberto, nosso padrinho, que se esforçou para que eu me entregasse totalmente a Jesus, eu não estaria hoje como estou: tranquilo, alegre da vida e com você ao meu lado. Penso que encontrei o caminho da felicidade, de modo diverso do que imaginava, entretanto, do único jeito que a felicidade é verdadeira: com Deus no centro da minha vida. Hoje entendo o que Jesus quis dizer em Lc 12: 22 a 31 e leu para ela: – falou André. “Disse Jesus a seus discípulos: Portanto vos digo: não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o 116
que vestireis. Mais é a vida do que o sustento, e o corpo mais do que as vestes. Considerai os corvos, que não semeiam nem ceifam, nem têm despensa, nem celeiro; contudo Deus os alimenta. Quanto mais valei vós do que as aves! Qual de vós por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? Visto que nada podeis fazer quanto às coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras? Considerai como crescem os lírios. Não trabalham nem fiam. Contudo, digo-vos que nem ainda Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus assim, veste a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada ao forno, quanto mais a vós, homens de pequena fé. Não pergunteis o que haveis de comer, ou que haveis de beber, e não andeis inquietos. Pois os gentios de todo o mundo buscam todas essas coisas, e vosso Pai sabe que necessitais delas. Buscai antes o reino de Deus e todas essas coisas vos serão acrescentadas.” Mônica, que ouvia admirada a leitura e o relato do marido, completou: – Pois é, meu amor, eu também estou feliz, por nós dois termos nos entregado a Jesus e por termos amigos como o Roberto, nosso padrinho, e que teve a ousadia de nos levar a Jesus. Não canso de dar graças a Deus pelas coisas grandiosas que nos tem feito e pelas bênçãos que continuamente temos recebido. Agora vamos entrar. Está muito frio e no aconchego deste chalé com o calor da lareira, quero que você me abrace, me beije, me faça carinhos e amor. Estou totalmente apaixonada, por você e por Jesus. Não necessariamente nessa ordem! André sorriu feliz por ser o segundo na vida de Mônica. Enquanto hospedados no chalé, passearam pelas cidades próximas, compraram lembranças e, agora, depois de uma semana de amores, estavam se preparando para voltar ao apartamento em Campo Seco. Após dois dias em Campo Seco, viajariam ao litoral do nordeste do país, onde 117
o calor era quase permanente. Frio, só fazia em alguns dias do ano. Ao chegarem em casa no final da tarde, encontraram-na toda decorada, com flores por todos os lados e os embrulhos com presentes recebidos, colocados no chão da sala. Seus pais foram os responsáveis por essa recepção e Mônica intimamente lhes agradecia. – Puxa vida, quanta coisa! – exclamou André. Imediatamente passaram a abrir as embalagens, curiosos por saber os conteúdos. Tinha de tudo, desde pequenos mimos a valiosos utensílios de prata a eletrodomésticos. Irradiavam felicidade enquanto eufóricos desembrulhavam os pacotes, espalhando caixas e papéis decorados por todo o ambiente. – É André, tem realmente muita coisa e algumas repetidas, como esses dois liquidificadores. Vamos ter de fazer trocas. Terminada a bagunça, decidiram não arrumá-la. A organização e a limpeza ficariam por conta da empregada que viria no dia seguinte pela manhã. Importava se aprontarem para sair e jantar em um dos restaurantes da cidade. Para o dia seguinte, Mônica planejara trocar presentes repetidos e depois ir às compras em companhia de André. Precisavam de maiôs, shorts, bronzeadores e outras coisas necessárias para a temporada junto ao mar. Passados esses dias e feitos todos os preparativos, viajaram para o litoral, distante cerca de setecentos quilômetros de Campo Seco. Não tinham pressa e pararam várias vezes, para conhecer cidades, fazer compras, tomar refeições, até se hospedaram num hotel situado no centro de uma pequena cidade, para descansar e passar a noite, após percorrerem pouco mais da metade do caminho. – Você está cansada meu bem? – Perguntou André. 118
– Um pouquinho só. – Respondeu Mônica – Nunca viajei tanto. De qualquer modo meu bem, para mim basta um pouco de repouso e me recupero. No dia seguinte saíram bem cedo e terminaram a viagem ao estacionarem o carro na garagem da pousada, na Praia dos Coqueiros, na cidade de Mar Aberto, ainda a tempo de almoçarem. À tarde foram passear pela cidade e pelas praias e só retornaram à pousada ao anoitecer.
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PERDOAR É PRECISO
A manhã encontrou o sol radiante, despontando num horizonte sem nuvens, anunciando um dia brilhante e de elevada temperatura. O mar estava calmo com poucas e pequenas ondas, e pairando no ar, aquele cheiro de maresia, gostoso, peculiar, delicado, delicadamente salgado. Soprava uma brisa suave, balançando as folhas dos coqueiros enfileirados ao longo da praia, distantes cerca de cem metros da arrebentação. A areia da praia era fofa, limpa e de uma brancura surpreendente. Tudo muito adequado para os banhistas, principalmente para aqueles que se dispunham a pegar um bronzeado propiciado gratuitamente pelos raios solares, que naquele dia seriam intensos. Ah! A natureza! Bênção de Deus, devendo por isso mesmo ser admirada, respeitada e não agredida, para produzir seus efeitos benéficos, a todos os seres vivos, que dela usufruem cotidianamente. Lá pelas oito horas, a maioria dos hópedes – entre eles os recém-casados –, já estavam se servindo do café da manhã no salão de refeições. E que tentação! Constituído de vários tipos de frutas – algumas típicas da região –, pães diversos, bolos variados, ovos mexidos, queijos diferenciados, sucos naturais, salsicha, presunto, manteiga, margarina, leite, coalhada e toda sorte de biscoitos.
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– Puxa vida André, devemos nos cuidar para não ganhar peso. Quanta guloseima, quantas calorias! – Preocupou-se a esguia Mônica. – Sabe, você está certa, mas nem por isso vou deixar de aproveitar todas essas delícias, desde agora até o final de nossa estada aqui. Depois verei o que fazer. Se você pretende fazer regime, certamente aqui será difícil. – Vou me esforçar para não abusar. Se eu ficar gorda receio que você não vai gostar e ficarei triste. – Deixa disso, bobinha, aprecio sua beleza, mas meu amor por você não se restringe a ela. É tão grande que sua aparência externa, embora me atraia muito, não se compara ao seu charme e sua beleza interior. Então, vamos à praia? Eram nove horas e havia poucas pessoas na praia. Entretanto, André e Mônica já estavam lá. Armaram o guarda sol ao lado de um jovem casal, provavelmente também em lua-de-mel, instalaram as cadeiras, besuntaramse de protetor solar e foram de encontro às ondas, para os primeiros mergulhos do dia. – André, que delicia! A água está morna – admirou-se Mônica! Depois de todo aquele frio das montanhas, que diferença! – É verdade querida. Tinham me informado sobre a temperatura da água neste litoral, mas não a imaginava tão gostosa. Esbaldaram-se por longo período bem próximo da praia porque Mônica não sabia nadar. Depois disso retornaram para debaixo do guarda-sol e André resolveu voltar às águas, agora sim para dar muitas braçadas além da arrebentação, pois era exímio nadador e gostava muito desse esporte. Enquanto isso, Mônica se apresentou a seus vizinhos que se mostraram muito receptivos. Em pouco tempo já conversavam sobre diversos assuntos e 121
ficou confirmado que Marcos e Julia também estavam em lua-de-mel. Depois de muita conversa, Julia convidou Mônica para uma caminhada ao longo da fileira de coqueiros. Não haviam caminhado mais de trezentos metros quando foram abordados por um individuo alto e forte, que saiu por detrás dos coqueiros embriagado e com más intenções. Aproximando-se delas começou a falar coisas impróprias. Engraçou-se com Mônica e fez-lhe um convite dizendo: – Olha aqui coisa linda, venha comigo e não vai se arrepender. – Afaste-se, sou casada. – E daí, isso para mim não é problema! Em seguida, avançando sobre ela, tentou segurá-la. Percebendo a situação, Marcos imediatamente procurou socorrê-las, mas como não era de compleição física avantajada, foi dominado e estava apanhando, não obstante o estado de embriagues do oponente. – Pare com isso seu bêbado! – gritava Julia enquanto tentava se agarrar ao agressor. Mônica começou a gritar e foi ouvida por André que, saindo do mar, apressadamente correu em direção a ela e imediatamente engalfinhou-se com o brutamontes. Agora sim a situação do bêbado se complicou, pois André, muito forte e dominado pela ira, passou a surrá-lo com socos e pontapés, tão vigorosos, a ponto de deixá-lo cheio de hematomas e com pelo menos dois dentes removidos. De qualquer forma, o indivíduo conseguiu desvencilhar-se e fugiu do local enquanto André era contido por outros banhistas. Nesses momentos é muito difícil ter domínio próprio. André não se conteve e 122
gritou para o homem que fugia: – Quero que você morra! Enfim, acalmou-se ao verificar que com exceção do agressor, ninguém se feriu com gravidade. Marcos, que apanhou um bocado, ficou apenas com escoriações e Mônica, embora assustada e indignada, não sofreu dano. Porém, estavam ainda comentando o ocorrido quando houve nova investida do agressor, que agora munido de uma faca, vociferando procurava ferir André. – Veja bem seu turista safado, vou furá-lo inteirinho, vamos ver quem vai morrer - esbravejava o bêbado, enquanto ameaçava André com a faca. André, surpreendido, tentou se esquivar sem sucesso e foi ferido levemente no braço esquerdo, que começou a sangrar. – Meu Deus, gritava Mônica e desesperada tentou intervir, colocando-se em frente a André. Aí sim, ocorreu o pior: recebeu uma facada no abdome e foi empurrada pelo indivíduo, caiu na areia sangrando bastante. Ao perceber que Mônica fôra ferida, o agressor tentou fugir novamente. Desta feita, porém, foi detido pelos banhistas e levado à delegacia, onde foi indiciado por tentativa de homicídio. – Ajude-me Marcos! – pedia André confuso. – Tenho de levá-la hospital com urgência. A ajuda foi imediata. Mônica foi levada às pressas para o pronto socorro local e dali para o hospital da cidade. Felizmente, o ferimento não era grave e depois de ser estancado o sangramento, Mônica foi liberada pelo médico. – Recomendo – disse o médico – repouso por uns dois ou três dias e não há 123
motivo para maiores cuidados. Dei apenas alguns pontos para fechar a ferida. Não obstante o alívio com a notícia de que não era caso de cirurgia e da previsão do médico de rápida recuperação de Mônica, pois a perfuração não atingiu nenhum órgão importante, a lua-de-mel estava irremediavelmente comprometida. André, indignado, cheio de ódio ao agressor, queria por todos os meios que ele sofresse pelo mal cometido e vociferava: – Que ele apodreça na cadeia! Dias depois, já em casa estando Mônica totalmente recuperada, André expressava certa ansiedade e denotava abatimento. – Sabe Mônica, tenho pensado naquele indivíduo que nos causou tanto mal e estragou nossa Lua-de-Mel. Está lá na cadeia pagando pelo crime cometido, mas eu fico pensando: se ele tivesse Deus no coração não teria feito o que fez. Isso me incomoda muito e não ficarei satisfeito enquanto não visitá-lo. Conversei com o Roberto e ele me disse que, por mais que seja difícil, eu devo perdoá-lo. O perdão é uma necessidade. Ouça o que diz a Bíblia em Ef 31.32: “Longe de vós toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo vos perdoou.” Lemos ainda sobre Jesus, ensinando sobre o perdão: “Porque, se perdoares aos homens as suas ofensas, também vosso pai celeste vos perdoará; se. porém não perdoares aos homens (as suas ofensas), tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas.” Mt. 6: 14-15. E tem mais: 124
“Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti. Deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e voltando faze a tua oferta.” Mt. 5: 23-24. Por essas palavras, embora ofendido e muito magoado, pedirei alguns dias de licença. Vou voltar àquela cidade e visitá-lo na cadeia para pedir perdão pelos danos que lhe causei – como, por exemplo, os dentes arrancados, porque o amaldiçoei com morte – e liberar meu perdão pelos danos que nos causou. Você está de acordo Mônica? – Sim meu bem e quero ir com você e também perdoá-lo. Na semana seguinte, dirigiram se à cadeia e em conversa com o delegado exprimiram para a admiração deste, o propósito da visita. – Nunca vi coisa igual – disse o delegado. – Esse cara, o Celso – vulgo “Traíra” – é perigoso e já aprontou muita coisa ruim. Sua ficha criminal é extensa. – Não importa doutor, o perdão é uma necessidade. Devemos deixar para Deus o julgamento, como está escrito em Rm. 12.17 a 19: “Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira [ira de Deus, subentendido]; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.” – Tudo bem, seja como vocês quiserem – respondeu o delegado, e os encaminhou para o encontro com Celso. Era uma cena incomum. Celso, aturdido, não acreditava no que estava acontecendo. A princípio pensou que ouviria impropérios e insultos e enfim, 125
surpreendido pelas palavras de reconciliação que ouviu, não só perdoou a André pelos dentes perdidos como também pediu perdão pelo mal que fez. – Nunca poderia imaginar que isso pudesse me acontecer: ser visitado por alguém que eu feri – disse “Traíra”. Fico grato por vocês me perdoarem e podem estar certos de que estou arrependido de todo mal que fiz às pessoas. A esse Deus que vocês me apresentaram e que seguem, por favor, peçam a Ele que me perdoe. – Você mesmo acaba de pedir Celso, certamente, Ele já te perdoou. Em seguida entregaram a Celso uma Bíblia e deixaram o local, despedindo-se do atônito delegado, que também recebeu uma Bíblia de presente. No retorno a Campo Seco, sentiam-se leves, porque ao perdoarem, ficaram libertos. Perdoar é uma forma de se desvencilhar de rancor, de desejo de vingança e de culpa. É uma maneira de libertação plena.
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A MAIOR ALEGRIA E A MAIOR DOR DO MUNDO
André estava com os nervos à flor da pele e circulava da um lado para o outro na sala de espera da maternidade, visivelmente preocupado. Mônica entrara em trabalho de parto e já eram passados mais de quarenta minutos desde a primeira contração e nada de notícias sobre seu estado, se o parto já ocorrera ou ainda estava em andamento. Estavam casados há mais de dois anos e este primeiro filho ou filha, que estava para vir ao mundo, era a coroação de um relacionamento amoroso pouco comum, possível apenas para casais que se doam mutuamente, respeitando cada um a vontade do outro, não buscando cada um o seu próprio interesse. Formavam um casal exemplar, entre eles o amor era parte do cotidiano e, agora, esperavam dividir esse amor com o bebe tão esperado. Fazia calor e a sala sem boa ventilação era um agravante que potencializava a temperatura, cujo efeito se fazia notar pelo suor que empapava a camisa de André. De pouca valia eram os dois ventiladores instalados na parede, pois mesmo girando na máxima velocidade, só faziam circular o ar quente. Impaciente, André pensava: – “Meu Deus, por que esta demora? Estarão ocorrendo problemas?” – As respostas vieram por intermédio da enfermeira, toda sorridente anunciando: – Parabéns papai! O bebê é um menino e nasceu com 3 quilos e 200 gramos e 127
com 42 centímetros. – Posso vê-lo? Como está Mônica? – Ambos estão bem. Daqui a instantes virei chamá-lo, quando o nenêm e mamãe estiverem no quarto. – Vou aguardar. Onde tem um telefone? – No final do corredor tem uma sala e lá você encontrará o aparelho. Se for ligação interurbana, tem de ser a cobrar e já vou avisando que geralmente demora. Consulte a telefonista e terá uma previsão. – Não vou fazer interurbano. Encontrando o aparelho, ligou para casa. – Judite, ligue para a mamãe e aguarde até completar. Avise então que o Tiago já chegou, está bem, pesa 3 quilos e 200 gramos e tem 42 centímetros. Ainda não o vi e por isso ficarei por aqui, aguardando ser chamado ao quarto. – Parabéns seu André, dá um abraço na Dona Mônica por mim. Vou ligar agora mesmo para a Dona Rosa. – OK Judite, vou desligar. Já estão me chamando. Agitado, suando mais do que o calor justificava, André encostou-se ao batente da porta do quarto e espiou, como que pedindo licença para entrar. – Mônica querida, como você está? – Estou bem, graças a Deus. Chegue mais perto e fale baixo. Tiago acabou de mamar e está dormindo. É o bebê mais lindo do mundo. – É mesmo uma fofura e é a minha cara! – Concordou o pai, “todo coruja.” – Por enquanto não se parece com ninguém, seu espertinho. É simplesmente bonito e saudável. 128
Conversaram ainda por uns quinze minutos até a chegada do médico que os cumprimentou e despachou André, para que Mônica repousasse. – Agora, deixe-a descansar – disse o médico, complementando –, ela precisa repousar depois de um parto relativamente difícil. O bebê estava sentado e deu trabalho. Por isso ela está um pouco fraca. Vá para casa e o manteremos informado. Amanhã pode retornar. – Tudo bem doutor, estou indo. Tchau querida, fique com Deus. – Tchau! – E André saiu com o coração cheio da maior alegria do mundo: a de ser pai. A vida corria tranquila e feliz por pouco mais de um ano, quando Mônica percebeu que Tiago não estava se alimentando bem, tinha tosse e febre todas as tardes, não dormia direito e parecia cansado, ofegante. Muito preocupados levaram-no ao pediatra que após examiná-lo franziu o cenho e disse: – Sinto muito, mas não me parece coisa boa! Vamos pedir radiografias, exames e espero que não se confirme ser a doença que presumo. – O que o senhor acha que é doutor? – Questionou Mônica. – Pneumonia, ou pior: tuberculose! – A resposta foi tenebrosa e arrasou-os ao extremo. – Mas doutor são doenças gravíssimas. Há possibilidades de cura? – Por enquanto a ciência ainda não descobriu antibióticos capazes de neutralizar os efeitos dos agentes causadores desses males, especialmente no caso de tuberculose. Em ambos os casos os tratamentos se resumem a repouso, boa alimentação, anestésico e só. Em caso de tuberculose, há necessidade de internação e isolamento do paciente, no hospital 129
especializado no município de Penha, que possui clima apropriado para o tratamento. Três dias depois o médico chamou-os e apresentou o resultado dos exames. – Sinto muito informá-los de que o caso é mesmo grave. O menino está tuberculoso e devemos interná-lo e mantê-lo isolado. O mundo desabou para ambos. Mônica soluçava aos prantos. André, em silêncio e muito abatido, analisava os acontecimentos dos últimos dias, não se conformando com a situação. Intimamente buscava justificativas, rememorando: – “Ah, meu Deus, o Senhor nos vem abençoando há muito tempo. Livrou-me da UTI, não deixou que eu me afogasse, resgatou-me das trevas e me trouxe para junto de Ti, deu-me uma esposa maravilhosa, livrou-nos de muitas dificuldades como no caso ocorrido com o Celso, aquele marginal, e em muitas outras situações. E agora Pai, eu não estou entendendo mais nada. O Senhor nos deu o Tiago e nos fez felizes por algum tempo, para depois deixálo se enfermar tão gravemente. Por que não eu no lugar dele, que é tão frágil, tão puro e tão indefeso?” André estava indignado e demonstrava estar frustrado com os acontecimentos. A tristeza estava estampada em seu semblante. “Devemos nos considerar culpados, continuou André amargurando-se, mas não sei como nem quando, fizemos algo que não deve tê-Lo agradado. Mas por que Pai, a culpa recaiu sobre o Tiago?” Seus pensamentos foram interrompidos pelo médico: – Cuidarei das providências para a internação e das recomendações para que seu filho tenha o melhor atendimento possível. Prescrevi alguns calmantes para vocês dois e por agora é só. Voltem para casa e procurem descansar. 130
Assim que tudo estiver acertado eu os informarei sobre quando poderão visitá-lo no hospital, que não é muito distante daqui. Infelizmente, mesmo com toda a dedicação e os cuidados que os médicos e enfermeiros dispensaram a Tiago, ele veio a falecer seis meses após ter sido internado. Foi definhando pouco a pouco e ficou muito fraco e não resistiu. Nos dias de hoje há tratamento eficiente para essa enfermidade e não exige isolamento do paciente. O isolamento causa depressão e piora o estado do doente. Com o falecimento de Tiago, a vida de André e Mônica passou a não ter mais sentido; o futuro, a vontade de viver, a alegria, os sorrisos, as festas, os amigos, tudo isso ficou irrelevante e nos seus corações se instalou a dor da separação. Ficaram magoados com Deus e por mais bênçãos que pudessem ter dali em diante, nenhuma delas compensaria a perda do filho único. As pessoas são egoístas. Aceitam a graça de Deus, mas não aceitam a soberania de Deus quando permite que um ente querido lhes seja tirado. Como é difícil declarar como em Jó 3.20-21, após ter perdido todos os seus bens e os seus filhos: “Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou; e disse: Nu saí do ventre da minha mãe e nu voltarei. O Senhor o deu o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.”
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CONSOLAÇÃO DIVINA
Passados dois anos da morte do Tiago, numa madrugada quente de verão, André acordou agitado, porém feliz. Sentou-se na cama e levantando-se de imediato, dirigiu-se á sala, para não despertar Mônica. Muniu-se de papel e lápis começou a rememorar e a escrever o sonho que acabara de ter, cuidando para não deixar de registrar nenhum detalhe do que considerava um acontecimento incomum. Desta feita o Senhor não se apresentou como das outras vezes e sim, propiciou-lhe em sonho, vislumbrar seu filho, todo sorrisos, feliz, cercado de anjos e acenando para ele como se quisesse dizer: – Pai eu te amo e estou muito feliz. Acabando de escrever essa frase, balbuciou comovido: – Eu também te amo meu filho, mas sinto muito a sua falta. Você se foi e deixou tristeza e um vazio não preenchível em minha vida e na de sua mãe, não por sua culpa, mas porque a realidade é que somos finitos e uns como no seu caso, despedem-se prematuramente da vida terrena. – Pai veja meus olhos e note como irradiam serenidade e expressam meu estado de total contentamento. Onde eu estou o senhor quase chegou. Lembre-se dos sentimentos que tiveste quando em coma. Lembre-se que não querias sair daquele estado de total felicidade, mas foi obrigado. Pois então paizinho, quando sua hora chegar bem como a da mamãe, eu os estarei 132
esperando, para juntos e na companhia de anjos e santos, participarmos da glória de Deus. Vim para aqui mais cedo porque esta foi a vontade de Jesus. Não se lamente pela minha breve passagem pela terra e volte a ser feliz aí, como dantes. Depois de feitas essas anotações, pois queria mostrá-las a Mônica, ajoelhouse e falou com Deus. – Ah! meu Senhor e meu Deus, obrigado por esse sonho maravilhoso que Senhor me proporcionou. Verdadeiramente o Senhor é amor e eu lhe agradeço por me conceder a alegria de vislumbrar meu filho e saber que ele está junto de Ti. A Bíblia nos diz: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” Dt. 29: 29. “Deus é Deus! E a sua vontade é sempre boa, agradável e perfeita” Rm. 12: 2. “Deus não espera que o entendamos, pois Seus pensamentos não são os nossos pensamentos, mas que o amemos e obedeçamos sempre”. Is. 55: 8. Ainda estava orando quando a porta da sala se abriu e Mônica apareceu, sorrindo e perguntou: Qual o motivo para estar ajoelhado, André? Antes de responder, André notou que Mônica estava sorrindo e não entendendo o por que disse: – Sonhei com Tiago e o sonho foi maravilhoso. – Como assim?
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– Então André mostrou-lhe seus apontamentos. – O rosto de Mônica transformou-se e suas feições deixaram transparecer toda a sua alegria, enquanto lágrimas de contentamento faziam seus lindos olhos mais brilhantes. Então, exclamou: – Meu bem, esse sonho é o mesmo que acabei de ter e que estava para lhe contar. É surpreendente como Deus cuida de nós. O que Ele está querendo nos apresentar é uma pequena mostra do que pode ser o seu reino e Tiago está lá. Sinto me agraciada e surpresa. Não foi maravilhoso termos tido o mesmo sonho? – Sim, meu bem e essa foi a maneira que Deus julgou ser a melhor para nos consolar. A partir de agora não mais lamentemos a falta de nosso filho e voltemos à vida até que possamos encontrá-lo no paraíso. A partir de amanhã, procuraremos nossos amigos, iremos à igreja e daremos testemunho desta revelação, manifestaremos nossa alegria por estarmos convictos da presença de Jesus em nossas vidas, pelo modo como nos trata, demonstrando seu amor incondicional. Nosso comportamento a partir de agora, será de total submissão à vontade de nosso Deus, e assim, procuremos ser como um espelho refletindo a glória de Jesus. Agindo assim, com exemplos de comportamento, buscaremos conquistar novas almas para o Senhor. Você está de acordo Mônica? – Totalmente, meu bem. Veja André, a palavra que o Senhor me deu: “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor, pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais.” Je. 29: 11. 134
“Quando o Senhor restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem sonha. Então a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua de júbilo.” Salmo 126: 1. Não vejo a hora, disse André, de o dia amanhecer, para ligar a vitrola e colocar para tocar uma música alegre e em alto som, para que nossos vizinhos, que ora nos vêem como dois seres decepcionados e tristes, fiquem aturdidos e questionem: O que está acontecendo? – Vamos às compras, completou Mônica, para renovar nossas roupas e, essas coisas feias que temos usado. Eu comprarei vestidos coloridos e você calças claras e camisas esportivas. Voltemos a passear pela cidade, a ir aos restaurantes ao cinema às festas e á igreja. E o mais importante: – Voltemos a sorrir e assim externar a mudança que Deus, novamente e a partir de hoje, promoveu em nossas vidas. Dois dias depois estavam em Trindade e André contava o acontecido a sua Mãe, tendo Mônica ao lado. Sua expressão demonstrava paz e era tão contagiante que conforme ia relatando o sonho, as feições de Dona Rosa foram se transformando, e aquele ar de tristeza que se tornou peculiar desde a morte de seu neto mais novo, aos poucos a deixou. Lágrimas brotarem e escorrerem fáceis por seu rosto sofrido. Eram lágrimas que expressavam alegria e ao final do relato, o que era ceticismo inicial passou a ser convicção total e disse: – Meu filho, apresente-me à esse Jesus que fala com vocês. Já sou idosa e espero me encontrar em breve com meu neto. Não posso, portanto, deixar escapar essa oportunidade de me redimir perante o Senhor e pedir que me perdoe. Veja bem André! Há tempos atrás, quando conversávamos por 135
telefone sobre imagens e idolatria, e sobre a destruição da imagem que lhe dei, disse lhe que procuraria o padre Alberto, para conversar sobre o assunto. Pois é meu filho, esses dias, estive com o padre e depois de muita conversa e de reclamar da santa de Três Montes por não ter atendido minhas rezas pela cura do Tiago, fiquei decepcionada com as explicações que recebi, pois eram descabidas e sem fundamento: O padre não me convenceu! – Como foi isso Mamãe, perguntou André? Pedi ao padre Alberto que me mostrasse nas escrituras, quando e como Maria foi para o céu sem ter passado pela morte. Ele falou-me de Enoque e de Elias, que foram arrebatados e disse que o mesmo aconteceu com a mãe terrena de Jesus. Porém, não foi capaz de me mostrar nas escrituras, quando lhe pedi, a comprovação da assunção de Maria. Não está escrito como nos outros dois casos. Foi o bastante para que minhas dúvidas aumentassem, a ponto de me sentir esmorecida, uma inútil sem um ponto de apoio. Meu fervor, minha fé me abandonaram. – Mas o padre não poderia atender ao seu pedido mãe: Não está escrito! – Estou decidida. Quero participar de um culto onde só Jesus seja glorificado e louvado, e, além disso, vou me livrar o mais rápido possível destas imagens de pseudo-santos e das imagens da pseudo-santa de Três Montes: Chega de idolatria! – Mãe, a senhora não imagina como me faz bem essa sua decisão. Vamos promover uma festa e convidar nossos amigos mais chegados, principalmente o Roberto, que não nos abandonou, durante esse período difícil que atravessamos. Ele ainda não sabe dessa manifestação divina que nos ocorreu. – Combinado; próximo sábado venha e traga seus amigos. Vai ter 136
macarronada e lombo. E André começou a cantarolar a música de Jonas Silva, que lhe encheu de alegria: “A alegria está no coração de quem já conhece a Jesus. A verdadeira paz só tem aquele que já conhece a Jesus. O sentimento mais precioso que vem do nosso Senhor. E, o amor de quem conhece a Jesus. Cristo é a rocha da minha salvação, com ele não há mais condenação. Posso pisar numa tropa e saltar as muralhas Aleluia, aleluia.”
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A BÍBLIA E A VERDADE
Não tinha nada mais gostoso que a macarronada com tomates frescos e o lombo com manjericão de Dona Rosa! Após o almoço, André conversava com Jair num canto da sala da casa de sua mãe e dizia: – Quando eu estava inteiramente dominado pelos prazeres do mundo, meu único objetivo, meu alvo, era a busca de bens materiais, deliciar-me com paixões sexuais desenfreadas desprovidas de amor, desmerecer meus semelhantes sendo arrogante e cheio de vaidade, sentindo-me como um deus: Era o maioral. O maioral dos tolos e não sabia. Jesus entrou em minha vida e me mostrou o caminho da verdade. – Não preciso de detalhes do seu passado André. Fomos colegas de classe e você era conhecido pelas encrencas em que se metia. Realmente você era só safadeza. Agora, porém a mudança é visível. Essa conversa teve seu começo quando Jair, demonstrando ceticismo, desafiou André a provar-lhe que a Bíblia era de fato um livro inspirado por Deus, cujas palavras e profecias nele contidas, eram de fato verdades. – Hoje – continuou André – depois que Jesus entrou em minha vida – sem desprezar as coisas boas que existem e sem deixar de participar de festas, eventos sociais, vejo-me em constante transformação. Sinto Deus moldarme à sua vontade ensinando-me dia a dia, através das passagens da Bíblia e 138
nas pregações nos cultos dominicais. Há uma passagem, em Jeremias 18: 1 a 6 que diz: “Palavra do Senhor que veio à Jeremias: Levanta-te e desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. Desci á casa do oleiro, e vi que ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas. Mas o vaso que ele fazia de barro, se quebrou nas suas mãos; pelo que o oleiro tornou a fazer dele outro vaso, conforme bem lhe pareceu. Então a mim veio a palavra do Senhor: Não posso fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? – diz o Senhor. Como o vaso nas mãos do oleiro, assim sois vós nas minhas mãos ó casa de Israel.” Esses versículos Jair, retomou André, nos ensinam, que não devemos ter receios de mudanças em nossas vidas. Se Deus nos faz passar por provações, se nos quebra como um frágil vaso de barro, temos a certeza de que nos moldará e nos fará um vaso melhor. Foi o que aconteceu comigo, meu caro. Fui quebrado e novamente moldado várias vezes nas mãos de Deus. Perceba também Jair, que as profecias do velho testamento se cumprem, mesmo depois de se passarem muitos séculos. O profeta em Isaias 53: 2 a 7 disse: “Ele foi subindo como um renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca. Não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era desprezado e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimentado no sofrimento. Como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; contudo, nós o consideramos como aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz 139
estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós. Ele foi oprimido e humilhado, mas como cordeiro, foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a sua boca.” Aqui, a profecia de Isaias no Velho Testamento, sobre o sacrifício de Jesus, foi cumprida e relatada, conforme os quatro Evangelhos do Novo Testamento. – Jair, que nem piscava, embasbacado com as palavras de André, enfim se pronunciou: Puxa André como são impressionantes as coincidências? – Você ainda não percebeu. Não são coincidências. Os profetas falaram, escreveram e tudo o que previram se cumpriu. Por outro lado, por mais que você busque, não encontrará qualquer contradição entre os muitos autores da Bíblia, nos trinta e nove livros do Velho Testamento e nos vinte e seis do Novo Testamento, e nem mesmo entre os livros do Novo e do Velho Testamento. Zacarias foi o último profeta do Velho Testamento e não houve mais profecia durante quatrocentos e quinze anos, quando então Jesus surgiu. Você consegue imaginar um apóstolo, como por exemplo, João ou um médico como Lucas, ou mesmo o missionário Paulo – feito apóstolo de Jesus pela vontade de Deus –, depois de mais de quatro séculos, relatar sem discordâncias, eventos do Velho Testamento, sem ter conhecido os autores? – É! Realmente seria muito difícil não ocorrerem contradições, emendou Jair. – Quer mais uma confirmação da verdade? Eu lhe mostro! No ano de mil novecentos e quarenta e sete, o brasileiro Oswaldo Aranha, deu o voto de minerva na ONU, criando o estado de Israel. Em mil novecentos e quarenta e oito os israelenses venceram a guerra contra os árabes. Essa incrível vitória, sobre poderosas e bem armadas nações árabes, por um povo que não tinha 140
pátria e estava espalhado pelo mundo, foi uma das promessas de Deus, relatadas por vários profetas, e está escrito em Ez. 11: 16-17: “Portanto dize: Assim diz o Senhor Deus, ainda que os lancei para longe entre as nações, e ainda que os espalhei pelas terras, todavia lhes servirei de santuário, por um pouco de tempo, nas terras para onde foram. Portanto dize: Assim diz o Senhor Deus: Eu vos ajuntarei do meio dos povos, e vos recolherei das terras para onde fostes lançados, e vos darei a terra de Israel.” Jeremias também fez a mesma profecia em Je. 29: 14: “Serei achado de vós, diz o Senhor, e farei voltar os vossos cativos. Congregar-vos-ei de todas as nações, e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o Senhor, e vos darei a terra de Israel.” – Caramba André, essas duas últimas profecias são realmente verdades, pois aconteceram. Você pode localizá-las na bíblia e me mostrar? – Olha aqui seu cabeça de bagre: tudo o que relatei são verdades. E já que você está se comportando como Tomé, – que teve de ver para crer – vou lhe mostrar onde estão na Bíblia, todos os versos que citei. Então André abriu sua bíblia e mostrou a Jair, todas as passagens que relatara, e complementou: Israel é o único país do mundo que tem escritura de sua pátria concedida por Deus. Ninguém pode tirá-los de lá. É a terra da promessa desde que Abrão saiu de Harã, para a terra que Deus prometeu lhe mostrar, conforme o que está em Gn. 12: 1 a 4: “Ora, disse o Senhor a Abrão sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei: de ti farei uma grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei o nome. Se tu uma benção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; 141
em ti serão benditas todas as famílias da terra. Partiu, pois Abrão, como lhe ordenara o Senhor, e Ló foi com ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã.” – Vou te dar uma Bíblia de presente e recomendo que a leia como eu fiz há tempos atrás: comece por João que relata o amor de Deus por nós e não se preocupe se não entender alguma coisa: apenas leia. Depois que Jair se foi, André decidiu consultar a Bíblia e preparar documentação que o ajudaria a discutir e enfim, convencer às pessoas, que Jesus é o Deus vivo, com base nas verdades da palavra de Deus. E ficou meditando: “É curioso como poucos realmente lêem e estudam a Bíblia, mas não se envergonham de negar o que nunca leram nem conheceram como se verdade não fosse. E todos têm opinião sobre a Bíblia! Como que pessoas tão cuidadosas com o que pensam e falam, são tão inconseqüentes ao dissertar sobre a Bíblia, sem nem ao menos tê-la lido. Não se envergonham de opinar sobre o que não conhecem e que não querem conhecer! Que pena!”
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CRISTO, O ÚLTIMO SACRIFÍCIO Num domingo de manhã, ao sair da igreja após o culto, André refletia sobre a pregação do pastor que naquele dia, discorrera sobre o significado da cruz para os cristãos. Rememorando as palavras do pastor, André registrava em sua mente: “Jesus nasceu em Belém, na Judéia há mais de dois mil anos atrás. Maria, esposa de José –ainda virgem – recebeu a visita do anjo Gabriel, quando ainda estava em Nazaré, e o anjo lhe disse, conforme Lc. 1: 31: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus.” Jesus veio à este mundo como qualquer mortal, nascido de mulher, mas sem pecado, pois Maria o concebeu por obra do Espírito Santo, sem a participação de José, que como todo homem carregava o pecado, fruto da desobediência de Adão no Éden. Jesus sabia qual era sua missão e desde muito cedo aprendeu que sofreria e teria de morrer pela humanidade. Em Lucas 9: 20 a 22, Jesus diz aos seus discípulos: “Mas vós, perguntou ele, quem dizeis que sou? Então, falou Pedro e disse: És o cristo de Deus. Ele, porém, advertindo-os, mandou que a ninguém declarassem tal coisa, dizendo: É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e no terceiro dia ressuscite.” André permanecia pensativo e rememorava: “Na era patriarcal, os hebreus 143
imolavam animais nos serviços no santuário do tabernáculo, que eram oferecidos pelo sumo sacerdote, como sacrifícios na câmara mais intima do tabernáculo, denominado Santo dos Santos, onde só o sumo sacerdote podia entrar, para a expiação dos pecados do povo e dele próprio. Os animais oferecidos não podiam apresentar defeitos. Essa era a lei do Velho Testamento e os sacrifícios de animais em um tabernáculo feito por mãos humanas, não poderiam eliminar os pecados para sempre e sim por determinado tempo. Eram, portanto rituais imperfeitos. Uma vez por ano e continuamente, ano após ano, um sumo sacerdote adentrava o Santo dos Santos para oferecer os sacrifícios e havia muitos sumo sacerdotes, pois pela morte eram impedidos de continuar e então eram substituídos. Mônica, percebendo o estado de concentração de André, deu-lhe um ligeiro beliscão, dizendo: acorda moço e diga-me por que você está tão compenetrado? – Puxa Mônica, doeu viu? Que beliscão ardido? Estou pensando na mensagem apresentada pelo pastor, que é da maior relevância e pretendo fazer apontamentos sobre o significado da morte de Jesus. – Como assim meu bem? – Ora Mônica! Vemos cruzes em todos os lugares, nos lares, repartições públicas, escolas, igrejas e em locais os mais improváveis. Vemos cruzes nuas e outras mostrando um Cristo desfigurado, morto, ensangüentado – o que não é verdade –, pois Jesus está vivo e reina absoluto. É necessário criar algo que possa ser um instrumento para mostrar o verdadeiro significado da cruz e que sirva para tentar reprimir a banalização desse símbolo cristão. Em Jo. 3: 16 está demonstrado o amor de Deus por nós. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho 144
unigênito,para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.” Ainda, em Jo 10: 10, Jesus explica por que veio até nós: “O ladrão vem somente para roubar; matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” - Portanto, todos estavam mortos pelo pecado e seria necessário um único sacrifício, de um cordeiro puro, de uma vez por todas, não sem sangue, para nos purificar de todo pecado. O que importa salientar é que Jesus despiu-se de toda Sua glória e se ofereceu como o cordeiro para o matadouro. Sabia que teria de suportar todo tipo de humilhação. Foi cuspido, chicoteado, execrado e sofreu dores físicas e espirituais. Jesus, como todo ser humano, queria viver. Porém, por obediência ao Pai, foi até o fim da missão que havia de cumprir. No jardim do Getsemani, de joelhos, Jesus orava e dizia, conforme Lc 22: 42: “Pai, se queres, passa de mim esse cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua.” - Jesus antevia a morte dolorosa que o esperava e sofria intensamente, como está escrito em Lc 22: 44: “E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra.” – Impressionante André, como sofreu Jesus, quando encarnado – disse Mônica e acrescentou: Imagine o estado de estresse de nosso Deus, a ponto de suar sangue! – Sim Mônica, mas Jesus sofreu de livre e espontânea vontade, pois se quisesse Ele poderia simplesmente voltar para o Pai, mas não o fez. Quando os soldados se aproximaram de Jesus para o prenderem, o apóstolo Pedro, com sua espada, golpeou um deles cortando-lhe a orelha e então Jesus lhe disse, conforme Mt. 26: 52-53: 145
“Então Jesus lhe disse: embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada pela espada perecerão. Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos?” – Ah, André. Como nosso Deus é maravilhoso! Deixou-se prender sabendo que seu destino era a morte. Tão jovem e cheio de vida, podendo safar-se pelo poder de seu Pai, preferiu seguir em frente, para cumprir sua missão. – Sim meu bem. Jesus é tremendo. Naquele momento ele se tornou o cordeiro sem mácula e se ofereceu voluntariamente para o sacrifício, porque assim era necessário, para nossa salvação, conforme o que está escrito em Hb. 8: 26-27: “Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, que não tem necessidade, como os sumo sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isso de uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu.” Mais tarde, André se dedicou a preparar um documento, registrando essas passagens da Bíblia, e outros comentários que julgou importante, para ter algo em mãos e gravados em seu coração, como argumento para convencer quem duvidasse do amor de Deus e de seu sacrifício para nos libertar da morte. Então, concluída suas anotações, mostrou-as à Mônica, que exultante exclamou: – Que coisa mais linda meu bem, a Bíblia nos fornece argumentos irrefutáveis, para convencer os céticos e ímpios, que a mensagem de Jesus é esta: Jesus é o cordeiro sem defeito; foi crucificado e imolado; ressuscitou ao 146
terceiro dia pelo poder de Deus; levou consigo os pecados do mundo; rasgou o véu do Santo dos Santos e agora não precisamos mais de sumo sacerdotes terrenos para nos dirigirmos a Deus; Jesus é o nosso mediador perante Deus, de nova aliança, superior à feita com Moisés, pois foi instituída com base em superiores promessas. Não há mais necessidade de sangue de animais, nem de qualquer outro sacrifício. O sacrifício de Jesus na cruz é pleno e suficiente e reconcilia o homem com Deus de uma vez por todas. “Portanto, assim como por um só homem, Adão, entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram..pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graças sobre todos os homens para a justificação que dá a vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, (Adão), muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, (Jesus), muitos se tornarão justos. Sobreveio a lei para que avultasse o pecado; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça, afim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.” Romanos 5: 12, 18 a 21.
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AO LEITOR
Meu caro amigo, você, eu, André, Mônica, Ricardo.....ninguém merece. Somos pecadores! Recebemos de Deus tudo pela graça e misericórdia divina. Não é a meritocracia que move o coração de Deus, e sim, o reconhecimento do nosso coração contrito, arrependido e a nossa fé no que Jesus fez por nós para nos trazer de novo para Deus No Evangelho de João 15: 7 diz: “Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito”. Antes de você pedir, Deus já sabe o que você precisa. E Ele tem tantas coisas boas para nos dar que nós não temos a capacidade de imaginar quantas, como afirmou o profeta Jeremias 33: 3: “Invoca-me, e responder-te-ei; anunciar-te-ei coisas grandes e ocultas que não sabes.” Basta que você creia com seu coração e declare que Jesus morreu por nós na cruz e que ressuscitou ao terceiro dia, levando com Ele todas as nossas iniqüidades e pecados. Creia que Ele é o Deus vivo e eterno que virá para julgar-nos. Entregue sua vida à Ele, abrindo a porta de seu coração, e peça-lhe para que Ele escreva o seu nome no livro da vida, com letras de ouro, para que nunca se apaguem. Reconhecer e confessar Jesus como seu único e suficiente salvador não custa 148
nada, não dói e não tem contra indicação – pelo contrário – é indicado contra todos os males como tristeza, doença, infortúnio, depressão, miséria. E você não precisa consertar nada na sua vida. Venha para Jesus do jeito que você está. Deixe tudo nas mãos de Deus e confie. Que o Espírito Santo sonde o seu coração e o convença que não há plano melhor, que se render totalmente a Jesus, nosso Senhor e salvador. A estória de dois cavalos, a seguir, ilustra o amor de Deus por nós: Dois cavalos estão no pasto. De longe, parecem ser cavalos como os outros, mas, de perto, percebe-se que um deles é cego. Contudo, o dono deles não se desfez do cavalo cego, mas, arrumou lhe como amigo um cavalo mais jovem. Prestando atenção nos dois, pode se ouvir um som e, procurando a origem do som, percebe-se que há um pequeno sino no pescoço do cavalo mais jovem. Assim, o cavalo cego sabe onde está seu companheiro e não se perde, mantendo-se próximo dele. Ambos passam os dias pastando e às tardes, o cavalo cego acompanha o amigo até o estábulo. O cavalo com o sino, sempre está olhando para ver se o outro o segue e às vezes para, até que o outro o alcance. O cavalo cego é guiado pelo som do sino, confiante de que está sendo levado pelo caminho certo. Como o dono desses dois cavalos, Deus não se desfaz de nós, por sermos imperfeitos ou por termos defeitos. 149
Ele cuida de nós, nos guia e está sempre por perto, nos orientando para que andemos no caminho certo. Algumas vezes somos o cavalo cego guiado pelos sons dos sinos, daqueles amigos que Deus coloca em nossas vidas. Outras vezes portamos o sino, auxiliando outros a encontrarem o caminho. Assim é Deus, e mesmo que você não o veja, percebe que Ele está presente. Bendito seja o Deus criador dos céus e da terra, que nos deu a vida, amigos e flores e fez a amizade mais bela que os jardins floridos. Oro para que muitos leitores entendam que Jesus é o Senhor de suas vidas e o único e suficiente Salvador, e abram seus corações pedindo para Ele entrar. Se apenas um leitor assim o fizer, este livro já terá cumprido seu objetivo. Em Ap. 3: 20 Jesus falou: “Eis que estou à porta, e bato. Se alguém ouvir a minha vós, e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” Que o EU SOU, como Deus se chama a si próprio, o abençoe. Se você concordou comigo, com André, Mônica e Roberto e tantos outros que já entregaram suas vidas ao nosso salvador e, quer ter uma experiência única com esse Jesus maravilhoso ore assim: Senhor Jesus, eu sei que sou pecador, porque não te conheço e ignoro a sua palavra. Mas sei também que o Senhor nos garante o perdão incondicional de todos os nossos pecados quando nos rendemos a ti. Eu suplico ao Senhor que perdoe meus pecados.
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Eu aceito o seu sacrifício na cruz por mim e o recebo como meu Senhor e o único e suficiente salvador da minha vida. Entre no meu coração e transforme minha vida como o Senhor fez com o André e com tantos outros que clamam o seu nome. Eu creio que o Senhor Jesus é o filho de Deus que veio em carne, sofreu e morreu na cruz, e ressuscitou para que aqueles que nele crêem tenham a vida eterna. Jesus é o cordeiro de Deus Eu creio e quero a vida abundante que Jesus oferece aos que o recebem. Eu faço essa oração em nome de Jesus. Escreve o meu nome no livro da vida eterna. Amém.
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