Revista Retrato do Brasil

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CHARLATANISMO

COMO O MINISTRO AYRES BRITTO FOI LEVADO A CONDENAR OS BEM-TE-VIS

retrato

WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | NO 66 | JANEIRO DE 2013

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SÉRGIO MIRANDA (1947-2012), NOSSO DIRETOR, UM REVOLUCIONÁRIO COMO POUCOS

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Mensal達o

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ESCĂ‚NDALO?!

A REDE GLOBO FICOU COM O DINHEIRO DESVIADO DO BANCO DO BRASIL? Que conclusĂŁo o prezado leitor tiraria ao saber de lista com grandes depĂłsitos feitos pelo famoso Marcos ValĂŠrio na conta da maior emissora de TV do PaĂ­s? por Lia Imanishi

OS MINISTROS DO Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Penal 470, a do chamado mensalĂŁo, consideraram ser uma “balbĂşrdiaâ€? a gestĂŁo da Diretoria de Marketing do Banco do Brasil (BB), a partir da qual teriam desaparecido 73,8 milhĂľes de reais tidos como a viga mestra do tal escândalo. Parodiando esses ministros, depois de meses de pesquisa nos autos da AP 470 para avaliar a propriedade do julgamento feito, poderĂ­amos dizer que essa documentação ĂŠ uma “balbĂşrdiaâ€?. Ela ĂŠ gigantesca. Tem cerca de 50 mil pĂĄginas. E ĂŠ formada, em grande parte, por documentos de auditorias feitas pelo prĂłprio Banco do Brasil para investigar a existĂŞncia do tal desvio e por material de incursĂľes da PolĂ­cia Federal nos arquivos da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP). Nos arquivos dessa empresa, cujo nome fantasia era Visanet KRMH &LHOR Ă€ FDYDP RV FRPSURYDQWHV GH pagamentos feitos com o uso do Fundo de ,QFHQWLYRV 9LVDQHW ),9 TXH Ă€ QDQFLDYD as açþes de marketing do BB para vender cartĂľes de bandeira Visa. É a Globo no mensalĂŁo? Na pĂĄgina ao lado, no fundo, uma planilha de inserçþes de anĂşncios feitos pela empresa de Marcos ValĂŠrio, para promoção dos cartĂľes de bandeira Visa do Banco do Brasil, nos principais programas da TV Globo, em BrasĂ­lia e em Belo Horizonte. Sobrepostos Ă planilha, recibos de quatro depĂłsitos feitos pela empresa, a DNA Propaganda Ltda., na conta da TV Globo Ltda.

Na edição de Retrato do Brasil de nÂş 65, dezembro, em “A prova do erro do STFâ€?, publicamos uma lista, feita a partir de documento de escritĂłrio de advocacia da Visanet, dando conta de que a tese bĂĄsica aprovada pelo STF, a de que o desvio de 73,8 milhĂľes existiu, ĂŠ despropositada: atravĂŠs de seus advogados, a Visanet diz, em documento para a Receita Federal, que a empresa de ValĂŠrio realizou todos os trabalhos de promoção listados, num valor total basicamente igual ao montante do suposto desvio. Para esta reportagem, D Ă€ P GH VDEHU VH RV MXt]HV GR 67) WLQKDP como tomar conhecimento da existĂŞncia desses eventos, investigamos, nos autos, provas de sua execução. Procuramos um dos eventos da lista da Visanet que publicamos. Como jĂĄ dissemos em ediçþes anteriores, eles sĂŁo descritos em “notas WpFQLFDVÂľ QDV TXDLV Ă€ FDYDP UHJLVWUDGDV as açþes de promoção e marketing programadas pelo BB. No caso, procuramos a NT 2004-3165 PT 2004-2274. NT ĂŠ, obviamente, Nota TĂŠcnica;Íž 2004 ĂŠ o ano em que a ação foi decidida;Íž 3165 ĂŠ o nĂşmero da ação;Íž e 2274 ĂŠ o nĂşmero do protocolo (PT) da ação naquele ano. É difĂ­cil explorar a documentação relativa ao desvio de dinheiro do BB nos DXWRV GD $3 1RWDV Ă€ VFDLV FRUUHVSRQ dentes a uma ação estĂŁo em um apenso diferente da ação em si. NĂŁo se respeita a ordem cronolĂłgica dos fatos. Documentos se repetem ou sĂŁo mal copiados. Falta XPD FODVVLĂ€ FDomR EiVLFD H XP tQGLFH GR processo;Íž e por aĂ­ vai. Mas, de inĂ­cio, seguimos a regra. Buscar o dinheiro. E vimos

que dezenas de apensos do processo estĂŁo UHFKHDGRV GH QRWDV Ă€ VFDLV H FRPSURYDQ tes bancĂĄrios de pagamentos feitos pela DNA, a agĂŞncia do publicitĂĄrio Marcos ValĂŠrio, por meio da qual o BB realizava as açþes de promoção e propaganda pagas com os recursos do FIV. A NT-3165, em resumo, ĂŠ a proposta de um gasto de 11,5 milhĂľes de reais para a promoção dos cartĂľes de bandeira Visa do BB em 2004. Ela ocupa seis pĂĄginas do apenso 423 entre as pĂĄginas 28.353 e QD QXPHUDomR RĂ€ FLDO GRV DXWRV 2 texto da nota diz que ela dĂĄ continuidade Ă campanha feita no ano anterior de GLYXOJDomR GR FDUWmR 2XURFDUG XP GRV cartĂľes de bandeira Visa do BB. Diz que, entre os bancos emissores de cartĂŁo de crĂŠdito e dĂŠbito, o BB mantinha a liderança em faturamento, com 16,39% do mercado, sendo seguido por Bradesco, com 13,64%, ItaĂş, com 13,11%, Unibanco, com 7,35%, e ABN, com 5,48%. Diz que a estratĂŠgia do BB na campanha era substituir os cartĂľes BB Visa ElecWURQ SHOR FDUWmR 2XURFDUG GH P~OWLSODV IXQo}HV ² FUpGLWR H GpELWR 2 %% WLQKD uma base de 11,6 milhĂľes de clientes com cartĂľes. Desses, apenas 5 milhĂľes tinham a função crĂŠdito ativada, diz a nota. A expectativa, com a campanha, era ativar essa função nos 6,6 milhĂľes de cartĂľes restantes. Para isso, a Diretoria de Varejo, do banco, encarregada da venda dos cartĂľes, propunha que fossem aplicados 7 milhĂľes de reais em mĂ­dia aeroportuĂĄria e exterior e 4,5 milhĂľes em mĂ­dia televisiva, impressa, de rĂĄdio e 66 retratodoBRASIL

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LQWHUQHW 2 GLQKHLUR IRL DSOLFDGR PHVPR nessas atividades? Enfrentando a, vale repetir, “balburdiaâ€? da documentação da AP 470 relativa ao Fundo de Incentivo Visanet, RB foi em busca das provas. Encontramos os primeiros comprovantes de pagamento no apenso 381, bem longe do 483, no qual estĂĄ a NT 3165. Chamou nossa atenção uma nota Ă€VFDO GD 79 *ORER SDUD D '1$ SRU conta de um serviço de 42.033,31 reais. E em outro local, na pĂĄgina 17.278 do mesmo apenso, um comprovante de transferĂŞncia eletrĂ´nica bancĂĄria, uma TED, da conta da DNA Propaganda /WGD SDUD XPD FRQWD GD 79 *ORER Ltda., no mesmo valor, com data, hora e local do depĂłsito. Algumas pĂĄginas depois, aparece atĂŠ um documento de recolhimento de DARF, ou seja, o recolhimento de Imposto de Renda que o BB faz por conta do pagamento feito Ă *ORER QR FDVR XP LPSRVWR GH UHDLV FRP UHIHUrQFLD j QRWD Ă€VFDO GH Qž HPLWLGD SHOD *ORER SDUD receber os 42.033,31 reais. SĂŁo muitos os depĂłsitos da DNA para HPSUHVDV GDV RUJDQL]Do}HV *ORER D GH TV e outras. No apenso 447, outra TED FHUWLĂ€FD TXH D '1$ WUDQVIHULX PLOKmR GH UHDLV SDUD D 79 *ORER HP GH outubro de 2004. No apenso 457, outro comprovante mostra depĂłsito de 276,9 mil reais para a emissora, trĂŞs dias antes. Nesse mesmo apenso, mais duas TEDs PRVWUDP GHSyVLWRV SDUD D (GLWRUD *ORER S.A., de 113,6 mil reais, em 15 de outubro de 2004, e 49,5 mil, em 1Âş de novembro do mesmo ano. Depois de mais algumas horas em meio Ă confusĂŁo dos autos, no apenso 384 localizamos planilhas detalhando LQVHUo}HV GH SURSDJDQGD GR FDUWmR 2Xrocard em vĂĄrias emissoras de televisĂŁo. No alto das pĂĄginas, Ă direita, o nĂşmero do protocolo PT 2004-2274 garante que ela ĂŠ relacionada Ă NT 3165. Na pĂĄgina VH Yr XPD SODQLOKD GD 79 *ORER dando conta de 18 inserçþes de anĂşncios nas transmissĂľes da emissora para a capital paulista, no valor de 487,7 mil reais. A planilha mostra que o anĂşncio, de 90 segundos, passou em intervalos dos programas Big Brother Brasil, DomingĂŁo GR )DXVWmR -RUQDO GD *ORER -RUQDO +RMH Jornal Nacional, Novela I, Novela III, Praça TV 2ÂŞ Edição e Zorra Total. A veiculação no intervalo do Jornal Nacional, a mais cara da emissora, saiu por 57,83 mil reais. No intervalo da novela das nove, custou 57,36 mil reais. 20

Nas outras emissoras as planilhas mostram inserção de anĂşncios em diversas capitais brasileiras, tambĂŠm nos seus mais famosos programas, embora a preços unitĂĄrios e valores totais bem PHQRUHV $ *ORER WHP D PDLRU DXGLrQFLD entre as emissoras. É natural que tenha VH EHQHĂ€FLDGR PDLV FRP DV YHUEDV GD

Visanet. AlĂŠm da campanha programada pela NT 3165, outras trĂŞs campanhas da *ORER Ă€JXUDP QD OLVWD GH HYHQWRV FRQĂ€UPDGRV SHOD 9LVDQHW TXH SXEOLFDPRV na edição passada. Uma ĂŠ a Campanha 2XURFDUG *HVWRV 'LD GRV 3DLV TXH FXVWRX PLO 2XWUD D &DPSDQKD 2XURFDUG *HVWRV 'LD GDV &ULDQoDV DR FXVWR

NO BB, DEVERIAM SER CONDENADOS 20 E NĂƒO APENAS 1? O STF acha que o desvio existiu. Deveria, entĂŁo, punir todos Uma “nota tĂŠcnicaâ€? do banco do Brasil (a NT 3165, veja no texto ao lado) ĂŠ o maior investimento feito na gestĂŁo de Henrique Pizzolato, o diretor de Marketing do BB condenado pelo suposto desvio de 73,8 milhĂľes de reais do banco. Contrariando a tese apresentada pelo ministro Barbosa no STF, de que Pizzolato teria autorizado, sozinho, o adiantamento do dinheiro para a DNA, a nota ĂŠ assinada por mais de 20 pessoas do BB, do ComitĂŞ de Comunicação, da Diretoria de Marketing, da Diretoria de Varejo, no documento ao lado. É assinada, inclusive, pelo prĂłprio Conselho Diretor do BB, como se vĂŞ por anotação da secretĂĄria da diretoria, Ă qual a NT 3165 foi submetida em 31 de agosto de 2004. Esse conselho era composto, na ĂŠpoca, pelo presidente do banco, CĂĄssio Casseb, e por seus sete vice-presidentes: Rossano MaranhĂŁo (ĂĄrea Internacional), Cerqueira CĂŠsar (Tecnologia e Informação), Edson Monteiro (Varejo e Distribuição), Luiz Eduardo (Finanças), Luiz Osvaldo Santiago (Recursos Humanos), Ricardo Conceição (AgronegĂłcios) e Lima Neto (Corporativo). Teriam todos esses diretores e o presidente participado, junto com Pizzolato, do desvio do dinheiro da Visanet? Deveriam ser todos eles acusados e condenados como Pizzolato? Ă“bvio que nĂŁo, porque o desvio, de fato, nĂŁo existiu.

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O PIOR CEGO: O STF NĂƒO QUIS VER QUE ERROU No quadro acima estĂŁo seis imagens: 1) a de um ponto de Ă´nibus no Rio, com propaganda do cartĂŁo Visa do Banco do Brasil, de janeiro de 2005; 2) a de um anĂşncio em pĂĄgina dupla na revista Época, publicado em janeiro de 2005, para anunciar o que ĂŠ considerado o “maior evento do tĂŞnis na AmĂŠrica Latinaâ€?, com patrocĂ­nio da Petrobras e do cartĂŁo Ou-

de 1,8 milhão. A terceira, a Campanha 2XURFDUG *HVWRV 1DWDO GH PLO Somando as três, são mais 3,3 milhþes de reais que saíram da conta da DNA para D GD *ORER ( LVVR QmR p WXGR *UDQGH parte dos eventos culturais promovidos pelo Banco do Brasil com uso de recursos do fundo da Visanet têm publicidade pela televisão. Para calcular quanto, no total, a *ORER OHYRX GRV UHFXUVRV GR ),9 VHULD necessårio organizar a documentação da AP 470 com outro propósito, não, como jå dissemos, o dos procuradores-gerais da República encarregados de investigar o mensalão e o do ministro hoje presidente do STF, Joaquim Barbosa. 2V SURFXUDGRUHV H %DUERVD FRPR Mi dissemos na edição anterior, se comportaram como investigadores e juiz de um processo medieval. Não partiram para a comprovação material do crime, em priPHLUR OXJDU 2XYLUDP GL]HU TXH D EUX[D tinha matado o santo papa. E não foram ver se o papa estava morto, para provar 22

rocard, o “Brasil Open da Costa do SauĂ­peâ€?, Bahia, de 12 a 20 de fevereiro daquele ano; 3) um pĂ´ster gigante do Ourocard, no Shopping Taguatinga, do Distrito Federal; 4) um anĂşncio publicado na Folha de S. Paulo, em julho de 2003, com promoção do cartĂŁo Ourocard, a propĂłsito do Festival de Inverno de Campos do JordĂŁo, patrocinado pelo governo do Estado de SĂŁo Paulo e pelo BB; 5) um anĂşncio no jornal DCI (DiĂĄrio

que o crime, de fato, existia. Se tivessem feito isso, se tivessem primeiro buscado provar a materialidade do crime, achariam nos autos abundantes indĂ­cios de que os serviços tinham sido realizados e de que o crime, o desvio, nĂŁo existia. Como os procuradores e Barbosa partiram, como nos tempos medievais, primeiro em busca dos criminosos, nĂŁo lhes interessava ver esses comprovantes de que o crime nĂŁo existiu. De que forma poderiam interpretar os depĂłsitos na FRQWD GD 79 *ORER" ,ULDP GL]HU TXH D empresa deu recibos frios, que pegou o dinheiro do BB e repassou para a tal quaGULOKD TXH VHULD FKHĂ€DGD SHOR H[ PLQLVWUR da Casa Civil JosĂŠ Dirceu, do governo Lula, comprar deputados? 2V PLQLVWURV QHP VHTXHU ROKDUDP direito os autos. E deveriam ter ido alĂŠm dos autos, para entender o que foi a promoção e publicidade para a venda dos cartĂľes de bandeira Visa do BB. A procuradoria apresentou durante a

fase processual, como testemunha para avaliar os documentos desses serviços, um engenheiro que entendia tĂŁo pouco de publicidade que foi desqualificado como perito pelo STF. RB entrevistou uma pessoa que entende dos serviços feitos. “Todo publicitĂĄrio sabe que ĂŠ impossĂ­vel desviar 73 milhĂľes de um banco com campanhas publicitĂĄriasâ€?, diz um ex-executivo da DNA, na nova agĂŞncia HP TXH HOH WUDEDOKD HP %HOR +RUL]RQWH “Como vocĂŞ vai falsificar um recibo GD *ORER GD 6%7"Âľ (OH WUDEDOKDYD Ki dez anos para o BB, quando estourou o escândalo do mensalĂŁo. A DNA era a DJrQFLD PDLV SUHPLDGD GH 0LQDV *DQKRX todos os prĂŞmios importantes no Brasil. Teve peças selecionadas para o Festival de Cannes de publicidade. “TĂ­nhamos 120 IXQFLRQiULRV 2 TXH PDLV PH HQWULVWHFH p ver uma agĂŞncia que era um sonho para muita gente acabar desse jeito. A DNA ganhou, em 2003, a medalha de prata no 19Âş PrĂŞmio Colunistas BrasĂ­lia, na categoria

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ComÊrcio e Indústria) da campanha de Natal de promoção do cartão de bandeira Visa do BB; e 6) o roteiro do anúncio para a promoção do cartão Ourocard Visa veiculado nos intervalos do Domingão do Faustão para as TVs do estado de São Paulo, em janeiro de 2005. Todas as seis são imagens do Arquivo da Propaganda, uma empresa sediada em São Paulo que acompanha a realização das campanhas de publicidade

VHUYLoRV Ă€QDQFHLURV H GH VHJXURV FRP D campanha ‘Investimentos BB’. Em 2004, ganhou o grande prĂŞmio de comercial do ano da 20ÂŞ edição do mesmo prĂŞmio, com a peça ‘Banda’, e a medalha de bronze, com a peça ‘FamĂ­lia’. E mais inĂşmeros outros prĂŞmiosâ€?, ele conta. 2 SXEOLFLWiULR QmR TXHU VH LGHQWLĂ€FDU 7HP UD]mR SRUTXH FRPR VH YLX QR Ă€QDO do ano que passou, a fĂşria punitiva do STF ainda nĂŁo passou. Tem ministro querendo processar atĂŠ o presidente da Câmara dos Deputados se ele nĂŁo cassar os deputados condenados na AP 470. Mas ele explicou detalhes tĂŠcnicos das campanhas de promoção e publicidade para a venda dos cartĂľes do BB de bandeira Visa. Como se pode concluir da lista de eventos desse perĂ­odo, do total dos 73,8 milhĂľes de reais para os anos 2003-2004, mais de 30% foram gastos em “mĂ­dia exterior e aeroportuĂĄriaâ€?, aĂ­ inclusos os 7,5 milhĂľes, jĂĄ citados, e alocados para este Ă€P SHOD 17 RB pede ao publicitĂĄ-

para ajudar as agências do ramo a controlarem os trabalhos dos veículos que utilizam e para terem conhecimento do que estão fazendo os seus concorrentes. Se quisesse ver, de fato, se as promoçþes com os recursos do Fundo de Incentivos Visanet tinham sido realizadas, bastava ao STF ter consultado o Arquivo da Propaganda. Mas o Supremo agiu como o pior cego: não quis ver.

rio para explicar o que sĂŁo essas mĂ­dias. Em mĂ­dia exterior se inclui “mobiliĂĄrio urbanoâ€?. Durante o julgamento, muita JHQWH QmR HQWHQGHX R TXH p LVVR +RXYH quem achasse que a DNA teria comprado mĂłveis com o dinheiro da Visanet, o que foi considerado totalmente descabido. 2 SXEOLFLWiULR H[SOLFD TXH PHVPR D compra de mĂłveis Ă s vezes ĂŠ necessĂĄria para uma determinada promoção. Mas, no caso, mobiliĂĄrio urbano, quer dizer locais, QD FLGDGH RQGH SRGHP VHU Ă€[DGRV FDUWDzes e exibidos diversos tipos de propaJDQGD HP RXWURV IRUPDWRV FRPR Ă€OPHV H vĂ­deos. “Isso ĂŠ regido por leis municipais. (P JHUDO SRGH VH DĂ€[DU SURSDJDQGD HP bancas de jornais, fachadas laterais de edifĂ­cios, relĂłgios de tempo e temperatura, placas de rua e painĂŠis back light, os iluminados por luzes internas. TambĂŠm ĂŠ FRQVLGHUDGD PtGLD H[WHULRU DTXHOD DĂ€[DGD em outdoors e a que envelopa Ă´nibus e tĂĄxisâ€?, diz ele. “JĂĄ a mĂ­dia aeroportuĂĄria aparece em painĂŠis nas salas e portas

das salas de embarque e desembarque, nas portas de aeroportos, nas esteiras de bagagem, em painĂŠis chamados carrossel, back light e escadas rolantesâ€?. 2V DXWRV GD $3 HVWmR FKHLRV GH documentos sobre as campanhas de mĂ­dia exterior e aeroportuĂĄria. Alguns exemplos: ‡ 1R DSHQVR SODQLOKDV GH LQVHUçþes de propaganda do BB em aeroportos. A empresa responsĂĄvel pela inserção ĂŠ a Meta 29. ‡ 1R DSHQVR FRPSURYDQWHV GH YHLFXODomR GH Ă€OPHV SXEOLFLWiULRV HP DSDrelhos de vĂ­deo de aeroportos, localizados na ĂĄrea comercial e nas salas de embarque. 8PD YHULĂ€FDomR IHLWD HP ž GH IHYHUHLUR de 2005, por exemplo, dĂĄ conta de 298 registros de exibição de propaganda do BB, das 4h da madrugada Ă s 23h59. ‡ 1R DSHQVR UHFLERV GH PLO e 319 mil e comprovante de depĂłsito na conta corrente de 430,1 mil reais para a empresa CarrĂŠ Advertising Ltda., 66 retratodoBRASIL

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A ASSOCIAĂ‡ĂƒO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL DESVIOU DINHEIRO DA VISANET? Eram 3 mil juĂ­zes, lĂĄ estava atĂŠ a Daniela Mercury. SerĂĄ que isso tambĂŠm nĂŁo existiu? Na lista das açþes executadas pela Diretoria de Marketing do BB com o dinheiro do Fundo Visanet, consta o patrocĂ­nio ao XVIII Congresso Brasileiro dos Magistrados, que aconteceu entre 22 e 25 de outubro de 2003, no Centro de Convençþes de Salvador, na Bahia. O patrocĂ­nio foi de 200 mil reais. O congresso reuniu mais de 3 mil magistrados na capital baiana e foi notĂ­cia nos maiores jornais do PaĂ­s. O Correio da Bahia deu matĂŠria destacando que “a tĂ´nica do evento ĂŠ uma renovação no JudiciĂĄrio do PaĂ­s, tanto criticado pela morosidade e por muitas vezes nĂŁo fazer a devida justiçaâ€?. O encontro dos juĂ­zes em Salvador foi notĂ­cia ainda nos jornais Folha de S.Paulo, Valor EconĂ´mico, Gazeta Mercantil, Jornal do Commercio (RJ), Jornal de Santa Catarina e A Tarde (BA). AlĂŠm disso, mais de 7 mil internautas acompanharam o evento pela internet, atravĂŠs de câmeras instaladas no centro de convençþes. No evento, organizado pela DNA, houve debate com o publicitĂĄrio Duda Mendonça e palestra do economista Luiz Gonzaga Beluzzo sobre os efeitos das mudanças propostas pelo governo petista na reforma da

uma das maiores no setor de mĂ­dia aeroportuĂĄria. ‡ 1R DSHQVR YiULDV QRWDV Ă€VFDLV da Clear Chanel Adshel, grande empresa do setor de mobiliĂĄrio urbano, referente Ă instalação de propaganda nos relĂłgios de rua do Rio de Janeiro, uma de 46,9 mil reais, outra de 168 mil e, mais adiante, outra de 337 mil reais. ‡ 1R DSHQVR Ki XPD OLVWD GHWDlhando as ruas principais de SĂŁo Paulo para o trĂĄfego de Ă´nibus com as sua transversais mais prĂłximas dos 540 pontos de abrigos para passageiros onde foram colocados materiais de promoção dos cartĂľes do BB. 2 SXEOLFLWiULR PLQHLUR GL] j RB que existe uma forma ainda mais simples GH YHULĂ€FDU VH GHWHUPLQDGD FDPSDQKD publicitĂĄria foi feita, e que ela poderia ter sido usada pelos ministros do STF. Ela se chama Arquivo da Propaganda e ĂŠ o maior acervo publicitĂĄrio do Brasil. Ele coleta e arquiva todas as campanhas de propaganda de TV, revistas, jornais, internet, rĂĄdio e mĂ­dia exterior. A empresa foi fundada em 1972, pelo publicitĂĄrio e artista plĂĄstico Newton Carvalho. Fica na capital paulista, na avenida Jabaquara, 2.940, 1Âş andar. Ela tem uma engenharia de software prĂłpria e uma infraestrutura de internet com sistemas de pesquisa online. Tem aplicativos para disponibilização na rede ou intranet do cliente e ferramentas para anĂĄlises quantitativas. Qualquer um pode acessar o material do Arquivo da 26

PrevidĂŞncia Social. O professor dividiu a mesa com o juiz Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço, presidente da Associação dos Magistrados de Santa Catarina. Na visĂŁo de Beluzzo, a proposta de reforma era resultado da falta de compreensĂŁo do governo petista em relação ao papel das carreiras de Estado, na medida em que trazia grande dose de insegurança para os futuros servidores pĂşblicos. “NĂŁo se pode entregar a aposentadoria desses servidores Ă incerteza de um fundo de pensĂŁo privado, pois se cria uma grande insegurança quanto ao futuroâ€?, argumentou Beluzzo. No encerramento do congresso houve show da cantora Daniela Mercury. SerĂĄ possĂ­vel que os 200 mil reais do patrocĂ­nio tenham ido parar em outro lugar que nĂŁo no congresso dos magistrados? Se o dinheiro da Visanet foi para a AMB e a entidade desviou o dinheiro para a supo sta quadrilha petista comprar deputados, os juĂ­zes da Associação dos Magistrados Brasileiros deveriam ser acusados pelo STF? Essa ĂŠ a pergunta que nĂŁo deveria calar para quem acredita que o desvio de dinheiro do BB existiu.

Propaganda, a partir de pedidos avulsos. TambĂŠm pode ser assinante. Nesse caso, seleciona os produtos ou serviços que deseja acompanhar, as mĂ­dias, a forma de recebimento e a periodicidade – mensal, quinzenal, semanal ou diĂĄria. Existe uma assinatura voltada exclusivamente para agĂŞncias de propaganda. Com ela ĂŠ possĂ­vel solicitar material sobre qualquer setor ou perĂ­odo. A agĂŞncia recebe uma planilha de computador do tipo Excel, e a partir dela lista e escolhe as campanhas que quer ver. Essa assinatura dĂĄ direito a uma cota de cĂłpias de anĂşncios ou comerciais e gravaçþes. A partir dessa cota, a agĂŞncia tem que pagar mais se TXLVHU LU DOpP 2 DUTXLYR GH FDPSDQKDV publicitĂĄrias estĂĄ catalogado por produto ou serviço, anunciante e perĂ­odo. AtravĂŠs desse arquivo tambĂŠm ĂŠ SRVVtYHO ID]HU R FRQWUROH H D Ă€VFDOL]DomR da veiculação das campanhas, com os locais e o nĂşmero de vezes que cada campanha foi veiculada. Esse controle pode ser feito para peças publicitĂĄrias de TV, mĂ­dia impressa, rĂĄdio ou mĂ­dia H[WHULRU 2 FOLHQWH IRUQHFH D JUDGH GH veiculação e o arquivo faz um relatĂłrio indicando se ela foi ou nĂŁo cumprida. $ Ă€VFDOL]DomR HP WHOHYLVmR FRQVLVWH QD YHULĂ€FDomR GD LQVHUomR GRV FRPHUFLDLV nos intervalos dos programas determinados. Se um comercial nĂŁo foi inserido conforme programado, o cliente pode solicitar a gravação do programa onde a inserção deveria ter ocorrido para

averiguação junto Ă emissora. No caso da mĂ­dia impressa, o arquivo confere a publicação nos jornais e revistas predeterminados e informa a publicação ou nĂŁo de cada anĂşncio programado. Enquanto a fiscalização se destina a monitorar as prĂłprias campanhas das agĂŞncias, o controle de veiculação permite Ă agĂŞncia acompanhar as campanhas dos seus concorrentes. 2 SXEOLFLWiULR FRQFOXL VXD HQWUHYLVWD D RB explicando como foi o fechamento da DNA e o que foi feito de seus arquivos. “Quando estourou o negĂłcio todo e veio a acusação de desvio de dinheiro da Visanet, fui ajudar a levantar tudo que existia. TĂ­nhamos todas as faturas de pagamento, as notas recebidas. Quando houve a mudança nas normas do Banco do Brasil, QR Ă€QDO GH Âľ GL] HOH UHIHULQGR VH Ă s reformas promovidas por Pizzolato, jĂĄ citadas por RB em ediçþes anteriores, WXGR Ă€FRX DLQGD PDLV ULJRURVR WXGR WLQKD que ser documentado. “No caso do BB, nĂŁo tenho dĂşvida de que o dinheiro foi utilizado em propaganda. Na auditoria feita pelo prĂłprio BB tem uma documentação muito completa sobre issoâ€?. Ele conta que, quando a DNA fechou, toda a documentação levantada por ele para auxiliar o BB nessa auditoria foi para um depĂłsito. A partir de certo momento, TXH HOH QmR VDEH HVSHFLĂ€FDU TXDQGR RV sĂłcios da DNA deixaram de pagar os custos do depĂłsito e perderam o acesso Ă documentação.

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LIVRO

A BIOGRAFIA DA CANÇÃO QUE NA VOZ DE BILLIE HOLIDAY DENUNCIOU O RACISMO NOS EUA

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MEMÓRIA

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MARIA AUGUSTA THOMAZ, O PERFIL DA GUERRILHEIRA DA ALN-MOLIPO QUE MORREU 4 VEZES

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5 Ponto de Vista A ENCENAÇÃO DO MENSALÃO H[l[`W W Y[dW Ze c_d_ijhe =_bcWh C[dZ[i Yedijhk_dZe e Y^WcWZe ÇcW_eh [iY~dZWbe da história da República”

ATENDIMENTO AO ASSINANTE assinatura@retratodobrasil.com.br tel. 31 | 3281 4431 de 2a a 6a, das 9h às 17h

8 UM ASSASSINATO SEM UM MORTO IW hWc [c XkiYW Ze Yh_c_deie Å F_ppebWje$ ;igk[Y[hWc#i[ Z[ gk[ e Yh_c[ Å e Z[il_e Z[ -)". c_b^ [i Ze 88 Å d e [n_ij_W

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[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira] 14 A VERDADE O ABSOLVERÁ? >| i[j[ Wdei c[h]kb^WZe dW ZeYkc[djW e gk[ h[Yeb^[k fWhW ikW Z[\[iW" F_ppebWje feZ[h| j[h W ikW i[dj[d W h[l_ijW f[be IJ<5

Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A.

[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira] 20 A GRANDE VITÓRIA DO PT Lula apostou e ganhou com o candidato dele [ \[p e FJ h[Ykf[hWh W fh[\[_jkhW ZW cW_eh Y_ZWZ[ Ze FW i$ ?iie XWijW5

34 ESTRANHA FRUTA PRECIOSA IjhWd][ <hk_j, a história de uma canção, de

QJ~d_W 9Wb_Wh_S

ikW _dj hfh[j[" 8_bb_[ >eb_ZWo" Ze hWY_ice [ do clima dos EUA dos anos 1930

28 A DIVISÃO APRESSADA

[Pergentino Mendes de Almeida]

<Wbjek kcW Z_iYkii e dWY_edWb [ gkWdje We bed]e fhWpe de Z[XWj[ ZW delW b[_ ZW Z_ijh_Xk_ e ZWi h_gk[pWi Ze fh #iWb

36 LIXO VALIOSO

[Téia Magalhães]

E gk[ `| \e_ Y^WcWZe Wdj[i Z[ :D7 b_ne agora abre novos caminhos para o estudo do genoma humano

32 DE AZEREDO A CAROLINA

Q<b|l_e Z[ 9WhlWb^e I[hfWS

8Wj_pWZW Yec e dec[ ZW Wjh_p 9Wheb_dW Dieckmann, a nova Lei de Crimes 9_X[hd j_Yei c[b^eh Ze gk[ W B[_ 7p[h[Ze

38 AS MORTES DE MARIA AUGUSTA THOMAZ

Reprodução

[Thiago Domenici]

7 ^_ij h_W Z[ kcW ce W gk[ f[]ek [c armas contra a ditadura, não temia a morte [ cehh[k gkWjhe l[p[i

[Renato Pompeu] 42 DO BOTA-ABAIXO AO PAC SOCIAL Numa história de iniciativas sem muita Yed[n e" [dj[dZW W Z_ifei_ e Ze ]el[hde \[Z[hWb Z[ lWbeh_pWh Wi \Wl[bWi Ze H@

[Ana Castro] 44 FASCINADO POR LENIN Um obra sobre os principais feitos teóricos do líder da Revolução Russa de 1917 escrita feh Bka|Yi

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CARTAS À REDAÇÃO redacao@retratodobrasil.com.br rua fidalga, 146 conj. 42 cep 05432-000 são paulo - sp

EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda EXPEDIENTE SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori SECRETÁRIO DE REDAÇÃO Thiago Domenici REDAÇÃO B_W ?cWd_i^_ I d_W C[igk_jW J~d_W 9Wb_Wh_ J _W CW]Wb^ [i EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO 7dW 9Wijhe <b|l_e Z[ 9WhlWb^e I[hfW BW[hj[ I_bl_de CWhY[be 8hWp F[h][dj_de C[dZ[i Z[ 7bc[_ZW H[dWje Fecf[k I h]_e 8edZ_ed_ REPRESENTANTE EM BRASÍLIA @eWgk_c 8WhhedYWi ADMINISTRAÇÃO D[kpW =edj_`e CWh_ F[h[_hW CWh_W Aparecida Carvalho DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS =beXWb Fh[ii

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Reprodução

Ponto de Vista

A encenação do mensalão Como se montou a prova do “maior escândalo da história da República”. E porque essa “prova” é falsa e precisa ser revista pelo STF

VALE A PENA ver de novo. Está no YouTube (http://youtu.be/-smLnl-CFJw), nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do dia 29 de agosto, no julgamento do mensalão. A sessão já tinha 47 minutos. Fala o ministro Gilmar Mendes. Ele esclarece que tratará da “transferência de recursos por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”. Diz, preliminarmente, que, a seu ver, “se cuidava” de recursos públicos. Faz, então, uma pausa. E adverte ao presidente da casa, ministro Ayres Britto, que fará um registro. De fato, é uma espécie de pronunciamento ao País. Ele diz que todos que tivemos alguma relação com esta “notável instituição” que é o Banco do Brasil “certamente ficamos perplexos”. Lembra que o revisor, Ricardo Lewandowski, “destacou que reinava uma balbúrdia” na diretoria de marketing do banco e completa dizendo que parecia ser uma balbúrdia no próprio banco como um todo. A seguir, ergue a cabeça, tira os olhos do voto que lia meio apressadamente, encara seus pares. E diz cadenciadamente: “Quando eu vi os

relatos se desenvolverem, eu me perguntava, presidente: o que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?” Então, põe alguns dedos da mão esquerda sobre os lábios e explica: “Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum...” Neste ponto, parece tentar repetir o que disse e fala engolindo pedaços das palavras: “E se diz isso, inclus... [parece que ele quis dizer inclusive] não era para prestar servi [serviço, aparentemente].” E conclui, depois de pausa dramática, ao final separando as sílabas da palavra para destacá-la: “Eu fico a imaginar [...] como nós descemos na escala das degra-da-ções.” RB vê a narrativa do ministro de outra forma. Foi um dramalhão, um mau teatro. Mas, a despeito do grotesco, a tese central do mensalão é exatamente a encenada pelo ministro Mendes. E só foi possível aos ministros do STF concordar com ela porque se tratou de um julgamento de exceção. Um julgamento

excepcional, feito sob regras especiais, para condenar os réus. Esta tese diz que, sob o comando de Henrique Pizzolato, o então diretor de marketing e comunicação do BB, foi possível tirar, graças a uma propina que ele teria recebido, 73,8 milhões de reais para que uma trinca de quadrilhas comandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, comprassem deputados. Deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto. E os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor público, o ministro Joaquim Barbosa, brandindo a regra de condenar por indícios, e não por provas, réus a quem foi negado um dos princípios históricos do direito penal, o da presunção da inocência. E deu no que deu. A tese central do mensalão é tão absurda que ainda se espera que o STF possa revogá-la. Ela diz que foram desviados para o PT os tais 73,8 milhões de recursos do BB para comprar sete deputados e aprovar, 65 retratodoBRASIL

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por exemplo, a reforma da Previdência, que todo mundo sabe ter passado com apoio da direita não governista sem precisar de um tostão para ser aprovada. Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem: em nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias, afirma-se que houve desvio de dinheiro do banco. Nem o BB nem a Visanet processaram Pizzolato até agora. Simplesmente porque, até agora, não se propuseram a provar que ele comandou o desvio, nem mesmo se houve o desvio. E também porque está escrito explicitamente nos autos que não era ele quem ordenava os adiantamentos de recursos para a empresa de propaganda DNA, de Marcos Valério, fazer as promoções. O adiantamento de recursos à DNA era feito não pela diretoria que ele comandava, a Dimac, mas por um funcionário da Direv, a diretoria de varejo. Esta diretoria era, com certeza, a grande interessada na venda dos cartões, o que, aliás, fez com raro brilho, visto que o BB desbancou o Bradesco, o sócio maior da CBMP, na venda de cartões de bandeira Visa. Nesta edição, na matéria a seguir, “Um assassinato sem um morto”, Retrato do Brasil mostra um documento

reservado da CBMP, preparado por um grande escritório de advocacia de São Paulo para ser encaminhado à Receita Federal, no qual a companhia lista todos esses trabalhos, que confirma informações constantes das outras três auditorias do BB. Porém, acrescenta um dado essencial: mostra que a empresa tem os

Nem o Banco do Brasil nem a Visanet processaram Pizzolato até agora. Não se propuseram a provar que ele comandou o desvio nem sequer se houve o desvio recibos e todos os comprovantes — como fotos, vídeos, cartazes, testemunhos — atestando que os serviços de promoção para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foram realizados. Ou seja, que não houve o desvio. A tese do grande desvio que criou o mensalão surgiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios já no

Reprodução

Não foi Pizzolato: o jurídico do BB, já em 2001, autorizava a relação informal Visanet-BB

6

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início das investigações, em meados de 2005, quando se descobriu que Henrique Pizzolato estava envolvido no esquema do “valerioduto”. E ganhou forma acabada no relatório final desta comissão, entregue à Procuradoria da República em meados de abril de 2006. O então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, menos de uma semana depois, encaminhou a denúncia ao STF, onde ela caiu sob os cuidados do ministro Joaquim Barbosa. O que Souza fez de destaque na denúncia foi tirar da lista de indiciados feita pela CPMI, na parte que apresentava os que operavam o FIV no BB ou que poderiam ser vistos como responsáveis pelo desvio, todos os que não eram petistas. Souza — não ingenuamente, deve-se supor — retirou da lista de indiciados todos os que vinham do governo anterior, do PSDB, entre os quais o diretor de varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou até mais alto, nível de responsabilidade de Pizzolato. E excluiu também o novo presidente do banco, Cássio Casseb, um homem do mercado. Sob a direção de Barbosa não foi realizada nenhuma nova investigação de peso e a tese do desvio de dinheiro do BB continuou sendo a peça central da armação acusatória. O delegado da Polícia Federal, Luiz Flávio Zampronha, chegou a ser mobilizado para investigar o que ainda se imaginava serem duas fontes de dinheiro possíveis para o mensalão: o dinheiro do FIV e o de empresas então dirigidas pelo financista Daniel Dantas, a Telemig, a Amazônia Celular e a Brasil Telecom, que também tinham Marcos Valério como agente publicitário. Zampronha, tudo indica, chegou a conclusões diferentes das de Souza e de Barbosa, mas seu relatório não consta dos autos da Ação Penal 470, em julgamento no Supremo. Tanto Souza como Barbosa desqualificaram o delegado no começo de agosto, quando ele deu declarações como a de que os empréstimos dos banqueiros ao “valerioduto” de fato existiram e a de que as acusações contra José Dirceu por formação de quadrilha não passavam de figuração. Preocupado em construir uma historinha — em torno de, como veremos no caso de Pizzolato, simplórias acusações de corrupção —, o ministro Barbosa não quis entender a estrutura jurídica do Fundo de Incentivo Visanet, sua natureza propositadamente

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Folhapress

confusa. A CBMP, cujo nome fantasia era Visanet e hoje é Cielo, é dirigida pela Visa Internacional, empresa com sede na Califórnia e uma gigante da era dos cartões de crédito e débito de aceitação global. Em duas centenas de países, a Visa juntou interesses contrários localmente — como, no Brasil, os bancos de varejo Bradesco, BB, Santander — em empresas dirigidas por ela, como a CBMP, pela ambição comum de vender mais cartões de sua bandeira. A Visa dá a elas uma fração — 0,1%, um milésimo do movimento de dinheiro dos cartões — para publicidade. Em 2004, por exemplo, no Brasil, como o giro de dinheiro nos cartões Visa foi estimado em 156 bilhões de reais, a CBMP adiantou para os bancos o milésimo previsto para publicidade, 156 milhões de reais. O dinheiro sempre sai na forma de adiantamento, para que a máquina de promover a venda de cartões não pare. A CBMP fica com 4% a 6% do dinheiro movimentado pelos cartões, tirando essa parte como comissão dos que vendem produtos ou serviços pagos pelos cartões. E assina contratos-padrão com os bancos constituidores dessas empresas locais. Nestes, permite que o banco associado escolha se quer que ela pague diretamente aos fornecedores pelos serviços de publicidade para promoção dos cartões ou se quer receber a verba para a promoção diretamente em seu orçamento, prestando contas posteriormente a ela. Como se lê na ilustração com um trecho do parecer jurídico do BB, a escolha do banco estatal foi a de não receber os recursos em seu orçamento, com o objetivo de pagar menos imposto de renda. Para tanto, não assinou contrato com a DNA para cuidar especificamente destes recursos. Diz o texto do parecer reafirmado em 2004 e firmado inicialmente em 2001, quando o BB associou-se à CBMP e foi criado o FIV: os artigos 436-438 do Código Civil trazem a figura jurídica “Estipulação em favor de terceiros”, que permite este tipo de relação — a CBMP pagar ao fornecedor da DNA por um serviço feito por demanda do BB. O parecer afirma que não é necessária a formalização de contratos nem do BB com a DNA para esse fim específico e nem da CBMP com a DNA. O ministro Barbosa ficou cobrando de Pizzolato

Henrique Pizzolato (o primeiro à direita), depondo na CPMI dos Correios, em 2005

a inexistência desses contratos, como se Pizzolato fosse o responsável pela situação, e não a direção do BB. A confusão estrutural, portanto, é essa: por contrato considerado o mais adequado pela direção do banco, o BB nem ficava com o controle completo da execução das operações de promoção dos cartões nem tinha interesse em apresentar seus planos de venda de cartões de maneira muito aberta, para não dar dicas de suas estratégias de marketing para concorrentes, como o Bradesco. Como se viu, Barbosa não tocou nestes assuntos mais complexos. Acabou grosseiramente apresentando Pizzolato como o mandachuva do dinheiro do FIV, capaz de sacar dinheiro de lá para não fazer nada — a não ser ajudar a quadrilha do PT, como ele acha que provou. Barbosa não quis ver que, na questão do uso do FIV, a figura central do BB não era o diretor de comunicação e marketing, mas o diretor de varejo, interessado em vender mais cartões e, portanto, ganhar mais comissões. O ponto de partida de Barbosa foi o fato de Pizzolato ter sido incluído na lista de recebedores de dinheiro do “valerioduto”. Pizzolato defendeu-se dizendo que apenas repassou dinheiro para o PT do Rio, coisa verossímil, visto que, como já demonstrou RB, esta seção do partido foi a que mais recebeu recursos do “valerioduto”, depois do publicitário Duda Mendonça. Pizzolato foi derrotado porque o STF inverteu, para este julgamento e sob

falsas alegações, o ônus da prova. Ele é que tinha de provar que não recebeu propina. O fato de Pizzolato ter aberto seus sigilos bancário e fiscal logo que o escândalo estourou e de a Receita Federal ter feito uma devassa monumental em suas contas — especialmente para saber se ele não havia comprado o apartamento em que mora em Copacabana com a suposta propina — e não ter encontrado nada não convenceu os ministros, como se vê pelo mal informado e patético depoimento do ministro Gilmar Mendes. Resta um porém: como os serviços de promoção dos cartões de fato foram feitos, se não houve o desvio de dinheiro do BB, como explicar a propina — a qual, aliás, o Supremo não tem prova de que Pizzolato recebeu? De última hora, um ministro do Supremo alegou, para condenar Pizzolato, que tanto era verdade que ele havia recebido o dinheiro de Valério por meio de um contínuo da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, que dividiu a quantia recebida com o próprio contínuo, a quem teria dado 18 mil reais. O ministro, Dias Tofolli, talvez deslumbrado com o ânimo anticorrupção do STF, esqueceu-se de que a contribuição de Pizzolato para o contínuo — dada junto com outras pessoas para que ele reconstruísse um barraco em que morava — era de bem antes do escândalo do mensalão. Nada a estranhar neste absurdo. Se a tese central do mensalão não tem pé nem cabeça, por que buscar coerência nos seus detalhes? 65 retratodoBRASIL

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MensalĂŁo 1

UM ASSASSINATO SEM UM MORTO Henrique Pizzolato foi condenado no STF por um crime – ter desviado 73,8 milhþes de reais do Banco do Brasil. Mas o desvio não existe. Veja a prova disso na lista publicada a seguir por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

NA IDADE MÉDIA, condenava-se uma bruxa sem precisar provar a existĂŞncia material do crime. Sua confissĂŁo bastava. Com Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), foi pior: ele nunca confessou que tivesse desviado 73,8 milhĂľes de reais do BB para o suposto esquema de corrupção do mensalĂŁo. Mas foi condenado por 11 votos a zero, no Supremo Tribunal Federal, por esse crime.

Reprodução

Cadeira africana do sÊculo XVIII, peça da exposição sobre a arte africana, 915 mil reais de patrocínio do Fundo de Incentivo Visanet, no Rio, linha 17 da tabela ao lado: o STF diz que isso não existiu

8

Foram feitas trĂŞs auditorias pelo BB sobre o emprego dos recursos que o banco recebia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos (CBMP) para uso em promoçþes e publicidade para a venda de cartĂľes de bandeira Visa – dos quais os 73,8 milhĂľes teriam sido desviados. É certo que em todas as auditorias hĂĄ indĂ­cios de irregularidades. O ministro revisor da Ação Penal do mensalĂŁo, a AP 470, Ricardo Lewandowski – que frequentemente corrigiu, para menos, a fĂşria condenatĂłria do ministro relator Joaquim Barbosa – disse que a gestĂŁo dos recursos era uma balbĂşrdia. Uma das auditorias, feita em 2004, quando Henrique Pizzolato ainda era diretor do BB, apontava muitas imperfeiçþes no processo de uso dos recursos. Nessa auditoria, como nas outras duas, aparecem – algumas vezes, inclusive – variaçþes da mesma preocupação: a gestĂŁo era ruim, a tal ponto que deixava a dĂşvida de saber se todos os projetos de promoção e publicidade haviam sido de fato realizados. A corte nĂŁo se preocupou em obter as provas materiais do crime. O argumento dos ministros do STF foi o de que, em casos de gente muito poderosa, com enorme capacidade para ocultar as provas, e, especialmente, em FDVRV GH FRUUXSomR D Ă€P GH HYLWDU D impunidade, se deveria condenar com base nos indĂ­cios. E pobre Pizzolato: como se viu, havia indĂ­cios de irregularidades. Mas, afinal, os projetos foram realizados? Ou nĂŁo? Antes: Pizzolato

era tĂŁo poderoso assim que teria sido capaz de ocultar todas as provas concretas do desvio realizado? Jamais. Ele pediu demissĂŁo de seu cargo no BB e na diretoria da Previ, o fundo de pensĂŁo dos funcionĂĄrios do banco, logo que seu nome apareceu no escândalo, em meados de 2005. Como se pode verificar na tabela que começa na pĂĄgina ao lado, os projetos de uso dos recursos do fundo dos quais os 73,8 milhĂľes de reais teriam sumido eram todos, se realizados, de enorme exposição pĂşblica. Se nĂŁo realizados, eram praticamente impossĂ­veis de inventar. Mais uma vez, pobre Pizzolato, nenhuma das instâncias com poder para tal mandou fazer essa simples prova da existĂŞncia material do delito: investigar se as açþes de incentivo haviam sido realizadas ou nĂŁo, requisito essencial para condenĂĄ-lo pelo desvio dos recursos destinados a elas. O PT, do qual Pizzolato foi um dos abnegados criadores (veja a histĂłria: “A verdade o absolverĂĄ?â€?, Ă pĂĄgina 14), que tinha a PresidĂŞncia da RepĂşblica, o MinistĂŠrio da Justiça e, em tese, o comando do Banco do Brasil, o abandonou como se ele fosse culpado. A principal das trĂŞs comissĂľes parlamentares de inquĂŠrito que investigou a histĂłria, a CPMI dos Correios, presidida pelo petista DelcĂ­dio Amaral e relatada pelo peemedebista Osmar Serraglio, ambos da chamada base aliada, encomendou inĂşmeros inquĂŠritos Ă PolĂ­cia Federal, todos eles em busca, digamos assim, dos criminosos. Nenhum em busca do “mortoâ€?.

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A TABELA DA CBMP PARA A RECEITA FEDERAL A ex-Visanet, hoje Cielo, diz que tem todos os comprovantes de que os eventos foram feitos

Ano

Nota BB

Evento e documentação comprobatória

Valor em R$ (mil)

1

2003

0833b

Marketing Cultural Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores e imagens do evento evidenciando a exposição da marca Visa

750

2

2003

30

Marketing Esportivo Tênis Brasil Torneio Exibição; faturas da empresa Octagon

600 300

3

2003

48

Marketing Cultural Projeto Educativo Formação de Professores; contrato de patrocínio, notas fiscais, folheto do evento

4

2003

1212

Guia D — Mapa Campos de Jordão, criação de espaços Ourocard em areas especiais da cidade; cópias do mapa, evidências da exposição

390

5

2003

1446

48a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos; relatório fotográfico dos eventos publicitários evidenciando a exposição da marca Ourocard

320

6

2003

1657

Marketing Esportivo Vôlei de Praia Shelda e Adriana; contrato de patrocínio, notas fiscais da empresa Adriana B.B.

900

7

2003

1677

Marketing Social — contratação de atletas, produção de camisetas e divulgação; faturas das empresas envolvidas; fotos da campanha

324,4

8

2003

1884

Publicidade em edifícios, relógios de hora e temperatura, painéis; faturas dos fornecedores, imagens da exposição da marca Visa

2.839,8

9

2003

1885

Mídia aeroportuária; veiculação de publicidade em aeroportos; faturas de fornecedores; documentação relativa à divulgação

2.608,7

10

2003

1898

Publicidade em edifícios, relógios de hora e temperatura, painéis; fatura dos fornecedores, comprovantes de veiculação

501,3

11

2003

1899

Publicidade em doze aeroportos de dez capitais; planos de produção, fatura dos fornecedores, comprovantes de veiculação

389,9

12

2003

2290

Mídia de apoio — Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores, documentação relativa ao evento

605,6

13

2003

2805

Mídia avulsa — Rede Vida de Televisão; fatura dos fornecedores, plano de mídia relativo à veiculação

760

14

2003

3057

Mídia de apoio — Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores, documentação relativa ao evento

89,7

15

2003

3058

Doação Projeto Criança Esperança; recibo da Unicef referente à doação, carta de agradecimento à doação

350

16

2003

3122

Patrocínio do XVIII Congresso dos Magistrados; contrato de patrocínio*, informativos da Associação Brasileira dos Magistrados*

200

17

2003

3163

Veiculação e produção do projeto Africa CCBB RJ; descrição do projeto, material publicitário do evento

915

18

2003

3580

Material de relacionamento Ourocard (kit vinho, faca para queijo); fatura do fornecedor, relatório fotográfico do material

1.493,2

19

2003

3625

Marketing cultural: “Exposições Itinerantes acervo numismático BB”; descrição do projeto, relatório fotográfico do evento

1.873,2

20

2003

3638

Marketing cultural: Filme Foliar Brasil; fatura dos fornecedores, material relativo à campanha

150

21

2003

3726

Patrocínio Casa da Gávea — fatura de casa de show, contrato de patrocínio obrigando a casa a dar descontos para clientes Ourocard

200

22

2003

3749

Guia D — 450 anos de gastronomia de São Paulo; fatura do fornecedor, cópia do livro produzido expondo a marca Ourocard

500

23

2003

3786

Mídia aeroportuária e exterior — prorrogação; planos de produção, fatura dos fornecedores e comprovantes de veiculação

599,1

24

2003

3790

Mídia aeroportuária — Viracopos — Campinas; planos de produção, fatura dos fornecedores e comprovantes de veiculação

73,1

25

2003

3792

Propaganda e publicidade na revista 19º Prêmio Colunista Brasília 2003; fatura do fornecedor, documentação relativa à veiculação

7,8

65 retratodoBRASIL

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26

2003

3804

Renovação do patrocínio da Casa Tom Brasil; fatura do fornecedor, documentação comprobatória do patrocínio

2.500

27

2003

3843

Contratação de serviço técnico especializado — Trevisan Consultores; fatura do fornecedor, proposta do serviço prestado

534

28

2003

3859

Consultoria econômico-financeira da Projeta Consultoria; fatura do fornecedor, contrato de prestação de serviços

12,6

29

2003

3899

Marketing cultural “Bibi canta Piaf”; fatura dos fornecedores, documentação relativa ao evento

3903

Patrocínio Paço da Alfândega Recife; descrição do projeto, contrato de patrocínio , documentação relativa ao evento*

1.000

40 *

30

10

2003

31

2003

4136

Patrocínio do filme Cabra Cega; material relativo ao patrocínio

150

32

2003

4196

Marketing cultural DVD “Fábrica dos Sonhos”; material relativo ao patrocínio

110 637,7

33

2003

4289

Patrocínio réveillon Rio de Janeiro; descrição do projeto, evidências do evento com exposição da marca Visa

34

2003

4380

Patrocínio a eventos de incentivo à venda de cartões – Programa Superação 2003; regulamento e lista dos funcionários contemplados

1.200

35

2003

4562

“Parada 450 anos de São Paulo” — patrocínio, ações promocionais e apresentações “Pia Fraus 1”; faturas e material relativo ao evento

600

36

2003

4570

Espetáculo teatral “Despertando para sonhar”; faturas e fotos do evento, matéria de jornal

50

37

2003

7540

Casa da Beleza “Ações Promocionais”; descrição do projeto, evidências do evento (fotos e matérias de jornais e revistas)*

49,3

38

2003

nihil

TV Globo — campanha Ourocard Gestos Dia dos Pais; fatura dos fornecedores, plano de mídia

870,7

39

2003

nihil

Mídia Shopping — campanha Ourocard Gestos; fatura dos fornecedores, planos de mídia, material relativo à veiculação

350

40

2003

nihil

TV Globo — campanha Ourocard Gestos — Dia das Crianças; fatura dos fornecedores, plano de mídia

1.832,4

41

2003

nihil

TV Globo — campanha Ourocard Gestos — Natal; fatura dos fornecedores, plano de mídia

710,7

42

2003

nihil

Marketing cultural IV Festival de Teatro de Bonecos de Brasília; descrição do projeto, documentação relativa ao evento*

52,5

43

2003

LC** 06705

Patrocínio do Brasil Open 2003; nota fiscal de serviços do fornecedor, material relativo ao evento, contrato de patrocínio

3.000

44

2003

LC** 10713

Premiação da campanha “Superação 2003”; nota fiscal da BB Turismo Ltda., regulamento, relação de funcionários contemplados

861,5

45

2003

LC** 17232

Serviços de tecnologia para desenvolvimento de sistemas; nota fiscal do fornecedor, contrato de prestação de serviços, relatório

500,6

46

2003

LC** 11140

Patrocínio Vila Ourocard — promoção e aquisição de brindes; nota fiscal do fornecedor, fotos de jornais e revistas falando sobre o evento

500

47

2003

LC** 20176

Evento para clientes corporate e empresarial na Casa Tom Brasil; fatura do fornecedor, documentação comprobatória do evento

400

48

2004

783

Patrocínio do livro de registro da festa 450 anos de São Paulo; fatura da TV Editorial, estimativa de custos, cópia do livro produzido*

315

49

2004

785

“Embaixadores olímpicos”; faturas relativas a viagens dos atletas e a produção de camisetas, planilha de custos de contratação de atletas

891,9

50

2004

981

Patrocínio do livro O espírito e o sentimento da arte; estimativa de custos DNA, comprovação de patrocínio

15,9

51

2004

1016

Mídia aeroportuária; fatura de emissão dos fornecedores, planos de mídia, comprovantes de veiculação

1.629,2

52

2004

1017

Mídia em outdoors, relógios de temperatura, abrigos de ônibus e busdoors; fatura dos fornecedores, comprovantes de veiculação

1.864,7

53

2004

1141

Patrocínio do evento “Antes, as histórias da pré-história”; faturas da empresa Fazer Arte, material publicitário

2.000

54

2004

1170

Patrocínio do programa de rádio “Em boa companhia”; fatura do fornecedor, comprovantes da veiculação

2.900

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55

2004

1243

Campanha Visa Electron Pré-Datado; fatura dos fornecedores, plano de mídia, comprovantes de veiculação em jornais, rádio, TV e outros

2.875

56

2004

1734

Patrocínio do 12º Anima Mundi; notas fiscais da patrocinada (Idea), contrato de patrocínio, evidências de realização do evento*

230

57

2004

1934

Patrocínio da exposição ”Do neoclassicismo ao impressionismo”; recibos, contrato de patrocínio com a Artviva Produção Cultural

420

58

2004

1969

Projeto Som na Casa da Gávea; faturas da casa de shows, evidências da realização do evento (cartazes e material publicitário)

86,6

59

2004

1378

Campanha Visa Alavancagem de vendas no varejo; lista dos funcionários que participaram de treinamento, material do evento

172

60

2004

1709

Patrocínio da exposição “Eduardo Sued”; descrição do projeto, contrato de patrocínio, evidências da realização do evento*

350,4

61

2004

1684

Seminário sobre Turismo da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo; fatura da BBTur*

10

62

2004

1261

Projeto Agência Carta Maior — Boletim diário de imprensa, internet; plano de mídia, nota fiscal do agente de veiculação

570

63

2004

1263

Publicidade na Rede 21; plano de mídia, nota fiscal do agente de veiculação

798 280,7

64

2004

1264

Publicidade na Rede TV — TV CUT; plano de mídia, nota fiscal do agente de veiculação

65

2004

1345

Pesquisa de lançamento do cartão de crédito Banco Popular do Brasil; fatura relativa aos serviços, relatório interno sobre pesquisa

125

66

2004

2076

Mídia aeroportuária; fatura dos fornecedores, planos de mídia e fotos das campanhas

1.146,9

67

2004

2082

Mídia exterior (outdoors, abrigos de ônibus, busdoors etc); faturas dos fornecedores, planos de mídia e fotos das campanhas

2.829,9

68

2004

2193

Projeto “Tênis Brasil Espetacular”; fatura da Octagon referente ao projeto

800 2.100

69

2004

2248

Campanha “Isto É Cinema”; recibos da Editora Três, material relativo à campanha (revistas, DVDs e material publicitário)

70

2004

2255

Festival Internacional de Cinema de Brasília; fatura dos fornecedores, documentação relativa ao evento

700

71

2004

2353

Estratégia de mídia — produção de folders; fatura dos fornecedores, exemplar do material produzido

47,1

72

2004

2372

Show de Zezé de Camargo e Luciano na churrascaria Porcão; documentação relativa ao evento, lista das agências contempladas

73,5

73

2004

2429

Patrocínio dos 52º Jogos Universitários Brasileiros; faturas da BBTur, evidências da realização do evento*

200

74

2004

2469

Complemento Registro festa 450 anos de São Paulo; fatura da TV Editorial, cópia do livro produzido*

9,1

75

2004

2524

35º Festival de Inverno de Campos do Jordão; fatura dos fornecedores, relatório fotográfico do evento

350

76

2004

2566

Patrocínio do Bloco Maria Fumaça ; recibo referente ao patrocínio, evidências do evento (cartazes e material publicitário)

70

77

2004

2749

Contratação da Trevisan Consultoria; faturas da Trevisan, proposta de serviço técnico relativo ao mercado de eventos

462

78

2004

2844

Patrocínio da exposição “Antoni Tapies”; evidências do patrocínio na exposição (cartazes e material publicitário)

500

79

2004

3165

Mídia aeroportuária e exterior; planos de mídia, fatura dos fornecedores, comprovantes de veiculação (TV, cinema, rádio etc.)

11.500

80

2004

3647

Circuito Cultural Banco do Brasil 2004; fatura dos fornecedores, evidências do evento

206,5

81

2004

3690

Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Belo Horizonte; fatura dos fornecedores, evidências do evento

188,7

82

2004

3745

Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Porto Alegre; fatura dos fornecedores, evidências do evento

184,7

83

2004

3827

Programa de rádio “Em boa companhia”; fatura dos fornecedores, planos de veiculação e textos de veiculação no rádio

1.740

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84

2004

3839

Previ — Encontro de conselheiros de administração e fiscal; fatura dos fornecedores, evidências do evento (relatório fotográfico)

19,7

85

2004

3958

Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Porto Alegre; fatura dos fornecedores, evidências do evento

221,1

86

2004

4072

Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Joinville; fatura dos fornecedores, evidências da realização do evento

268,5

87

2004

4088

Cota de patrocínio Holiday on Ice Super; recibo da cota de patrocínio, contrato de patrocínio

20

88

2004

4120

Cota de patrocínio da 69ª Reunião da Associação de Ex-Alunos da Universidade de Viçosa; recibo e documentação comprobatória

50

89

2004

4230

Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Manaus; fatura de fornecedores, evidências da realização do evento

488,1

90

2004

4261

Patrocínio Livro Brinde Culinária; descrição do projeto, cópia do livro

311,8 115,5

91

2004

4297

Previ — Encontro de conselheiros de administração e fiscal; fatura dos fornecedores, relatório fotográfico do evento

92

2004

4326

Campanha de lançamento do cartão BB Crédito Pronto; fatura de fornecedores, exemplar de material de campanha

119,9

93

2004

4336

“Embaixadores Olímpicos — Giovane Gávio”; fatura de fornecedores, contrato de patrocínio, relatório fotográfico e matérias de jornais

466,2

94

2004

4351

“Embaixadores Olímpicos — Carlão, Paulão e Pampa”; fatura de fornecedores, contrato de patrocínio, fotos e matérias de jornais

120

95

2004

4561

Prorrogação de patrocínio — Vôlei de Praia Adriana e Shelda; nota fiscal da empresa Adriana B.B., contrato de patrocínio

100

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2004

4611

Patrocínio da “Festa Pré-Caju”; recibos referentes ao patrocínio, relatório fotográfico do evento

200

97

2004

4762

Evento “Círio de Nazaré”; fatura de fornecedores, documentação comprobatória do evento

80

98

2004

5030

Campanha de ativação cartão Ourocard Visa — Pesquisas; fatura dos fornecedores, plano de mídia

114,4

99

2004

nihil

Veiculação de publicidade na revista Investidor Institucional; fatura do fornecedor, plano de mídia

17,3

* Sem exposição ou menção à marca Ourocard ou Visa ** Lançamento contábil – o número da tabela é precedido, no documento, pelos números 51000 Nihil: Falta o número no documento original

Nota da redação: a soma do valor dos eventos de 2003 e 2004 que, segundo o STF, não teriam sido feitos e cujo valor teria sido desviado é de R$ 73,8 milhões. A lista de eventos apresentada pela Visanet soma R$ 74,1 milhões. A diferença pode ser atribuída ao fato de um ou outro evento passar do orçamento de um ano para o outro.

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indevidos pela companhia, terem sido todas as ações de incentivo realizadas. E observou, apenas, que algumas podem ter sido realizadas sem promover especificamente os cartões da bandeira Visa, que era o essencial para a CBMP, uma empresa controlada pela Visa Internacional, parte do oligopólio internacional dos cartões de crédito e débito de uso global. Barbosa e o procurador-geral tiveram toda a condição de entender a estranha forma de funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet: a CBMP pagava os serviços de promoção dos cartões por meio da DNA, serviços esses programados pelo BB, sem que existissem contratos entre a CBMP e a DNA, nem entre o BB e a DNA, para operação desses recursos específicos. Nos autos existe um parecer jurídico do BB que considera perfeitamente legal essa engenharia jurídica. Ela foi

Lewandowski poderia repetir: a acusação não foi provada. O STF votou com a faca no pescoço construída desde 2001 pelo banco estatal e a empresa de cartões multinacional e seus outros sócios. Sobre ela, é óbvio, Pizzolato não teve a menor influência. Barbosa e Souza não viram nos autos, ou não quiseram ver, também, que as vendas de cartões de bandeira Visa no BB eram atribuição essencial da diretoria de varejo (Direv), sendo que o funcionário que autorizava formalmente as ordens de serviço de promoções dos cartões a serem pagas pela CBMP era indicado pelo diretor da Direv. No encaminhamento da denúncia aceita pelo STF em agosto de 2007, no entanto, Souza cometeu dois absurdos: 1) garantiu que o desvio de dinheiro do BB havia ocorrido, sem ter feito a prova contrária, muito simples, de verificar os abundantes comprovantes de realização dos ser-

Reprodução

Na Justiça, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, mal recebeu, em abril de 2006, as grandiosas conclusões da CPMI, de que teria sido cometido um dos maiores crimes da história política do País, graças ao desvio de dinheiro do BB, fez apenas uma depuração política nas conclusões, para deixar somente petistas na lista dos indiciados (confira o “Ponto de Vista”, à página 5). E abriu o inquérito 2245, que seria presidido – em nome do STF, visto que as investigações envolviam pessoas com foro privilegiado – pelo ministro Joaquim Barbosa. Tanto o procurador-geral Souza como o ministro Barbosa viram a complexidade do problema e não quiseram encará-lo, fazendo simplesmente uma investigação policial, de campo, e não só de documentos, para saber se os serviços haviam sido realizados. Os dois se depararam, concretamente, com os advogados da CBMP, dona e gestora – formalmente, por contrato – dos recursos que teriam sido desviados. Desde o início do ano, o procurador-geral Souza tentava obter da companhia os papéis originais das prestações de contas feitas pela agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, a respeito dos serviços, seus e de fornecedores contratados para fazer os trabalhos de promoção para a venda dos cartões, mas a CBMP resistia. No dia 30 de junho de 2006, Barbosa autorizou a busca e apreensão de documentos da CBMP. A empresa apelou à presidência do STF. Mas a então presidente, Ellen Gracie, reafirmou a busca, feita em julho. Houve petições dos advogados da companhia para que fossem devolvidos documentos protegidos pelo princípio da inviolabilidade das relações advogados-clientes. Os documentos que ficaram foram encaminhados ao Instituto Nacional de Criminalística. Àquela altura, Barbosa tinha amplas condições de entender o problema. Ele poderia ter visto – se é que não viu – o material que nos permitiu construir a tabela desta reportagem, do final de 2006, de um dos maiores escritórios de advocacia do País a serviço da CBMP, que argumentou, a fim de evitar o pagamento de impostos

Todo mundo viu: Shelda e Adriana, promovendo as marcas Visa e Ourocard, patrocínio do Fundo de Incentivo Visanet, linha 6 da tabela, 900 mil reais. O STF diz que isso não existiu

viços de promoção; e 2) disse que o laudo 2828, do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que examinara a documentação e ao qual ele fizera as perguntas consideradas essenciais para esclarecer o caso, havia afirmado que Pizzolato e seu então chefe, Luiz Gushiken, secretário de Comunicação do governo Lula, eram os principais responsáveis pelo desvio – no entanto, no laudo 2828 os nomes de Gushiken e Pizzolato nem sequer foram citados. O ministro Barbosa, ao defender a aceitação da denúncia que afinal criou a Ação Penal 470, também evitou todos os problemas estruturais que precisavam ser compreendidos para se contar efetivamente ao plenário do STF a história. Como ele mesmo disse, fez uma historinha. Reorganizou a denúncia do procurador-geral para destacar, em primeiro lugar, duas supostas ações de corrupção de petistas, a de João Paulo Cunha e a de Henrique Pizzolato. Essas historinhas, para a mídia mais conser vadora, caíram como o queijo no macarrão. Como disse o ministro Ricardo Lewandowski nos dias da votação da aceitação da denúncia em 2007, e que poderia ter repetido agora: “A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficientemente comprovada a acusação. Todo mundo votou com a faca no pescoço.” 65 retratodoBRASIL

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Sergio Bondioni

Mensal達o 2

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A VERDADE O ABSOLVERÁ? Henrique Pizzolato — na foto, na sacada de seu apartamento em Copacabana — está há sete anos mergulhado na documentação que recolheu para sua defesa. Ela é profunda e coerente. Poderá levar à revisão de sua sentença? por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

O APARTAMENTO EM Copacabana onde mora Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), tem uma sacada da qual, em dias sem nuvens, se pode ver o Corcovado e o Cristo Redentor. Mas Pizzolato não curte muito a paisagem. De modo geral, é introspectivo, olha como se fosse para dentro de si ou para o passado. E a história do imóvel é parte de sua tragédia. Pizzolato comprou o apartamento no começo de 2004, cerca de um mês depois de ter, segundo conta, repassado, a pedido do publicitário mineiro Marcos Valério, um pacote para o dire-

tório estadual do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Valério disse que o pacote conteria exatos 326.660,67 reais. Os jornais da época entrevistaram a vendedora do apartamento e descobriram que Pizzolato o comprou por 400 mil reais. E sugeriram então que o imóvel teria sido pago basicamente com o dinheiro enviado por Valério. Em setembro deste ano, por unanimidade, os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal condenaram Pizzolato sob o argumento, entre outros, de que o dinheiro que Valério alegou estar contido no pacote seria a propina que ele recebeu por 65 retratodoBRASIL

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Resumindo a devassa feita pela Receita Federal: Pizzolato descontava da renda tributĂĄvel a mesada da madrasta que o criou desde os nove anos ter desviado 73,8 milhĂľes de reais do BB para o esquema corrupto do mensalĂŁo. A conclusĂŁo seria Ăłbvia: com a propina, Pizzolato comprou o apartamento. No julgamento, no entanto, nenhum dos juĂ­zes mencionou a histĂłria da compra do apartamento. Por que nĂŁo? Retrato do Brasil jĂĄ sabe, como demonstrou no artigo anterior desta edição, que o suposto desvio de 73,8 milhĂľes de reais do BB para o esquema do mensalĂŁo nĂŁo existiu. A propina, entĂŁo, tambĂŠm nĂŁo existiu? – RB pergunta. É segunda-feira, 5 de novembro. Pizzolato ĂŠ um homem metĂłdico, organizado. Em dois minutos vai ao seu escritĂłrio e volta para a sala com uma pasta na qual estĂĄ a conclusĂŁo de uma devassa feita pela Receita Federal em suas contas logo apĂłs o estouro do escândalo do mensalĂŁo, abrangendo todos os seus rendimentos, aplicaçþes

e bens obtidos nos 20 anos atĂŠ aquela data, em meados de 2005. Foram encontrados, segundo a Receita, trĂŞs erros em suas declaraçþes dessas duas dĂŠcadas: uma no aluguel de um imĂłvel, outra no valor de uma “contribuição de melhoriaâ€? relativa a um terreno tambĂŠm de sua propriedade e a terceira quanto ao fato de ele ter contabilizado como sua dependente a madrasta que o criou desde os seus nove anos. Em resumo, em nĂşmeros redondos: total da dĂ­vida com o IR pelos erros encontrados, 5 mil reais; multa, mais 3 mil reais; juros sobre a soma das duas parcelas anteriores ao longo do perĂ­odo transcorrido entre a data do pagamento e as infraçþes, 7 mil reais; total, pago por Pizzolato Ă Receita no dia 29 de dezembro do ano passado, 15 mil reais. Pizzolato e sua mulher, Andrea – ele, catarinense; ela, gaĂşcha – sĂŁo gente sim-

ples, nĂŁo tĂŞm carro, tiveram oito imĂłveis, venderam a metade deles, os de menor valor, para pagar um primeiro advogado. E o bem maior que tĂŞm hoje ĂŠ o apartamento de Copacabana, de cerca de 150 metros quadrados. Os dois sĂŁo arquitetos. Compraram o apartamento e o reformaram completamente, organizando-o em torno de uma sala ampla e agradĂĄvel, com saĂ­da para uma sacada, na qual Andrea, fumante hĂĄ anos, faz suas incursĂľes periĂłdicas. mR WrP Ă€OKRV 1R DSDUWDPHQWR moram tambĂŠm dois amigos, um casal com uma bebĂŞ, o que anima o ambiente e ajuda reduzir as despesas per capita. Pizzolato e Andrea se conheceram em SĂŁo Leopoldo (RS), onde FXUVDUDP DUTXLWHWXUD 1D pSRFD Ă€FDUDP famosos graças a um trabalho de faculdade. O professor pediu que projetassem

N

Reprodução

Pizzolato foi basicamente um sindicalista pela CUT, em Toledo, em Curitiba; em Brasília, como representante dos funcionårios do BB. Mas teve tambÊm um início de carreira na política. Foi candidato a vereador, a prefeito, a governador. Para marcar posição, tornar o PT conhecido, buscar os primeiros votos. Na foto, com Lula, em 1990, quando foi candidato a governador do Paranå.

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um condomĂ­nio de classe mĂŠdia num terreno vazio da cidade. Eles sugeriram, como alternativa, uma “comunaâ€?, para migrantes que tinham se apossado de um terreno, inundado durante parte do ano. O projeto era vanguardista: previa o aproveitamento de ĂĄgua das chuvas, o uso de energia solar, tetos com plantas, cozinhas comunitĂĄrias, ausĂŞncia de muros internos. Deram palestras sobre o assunto em outras universidades e se tornaram relativamente conhecidos. Depois da faculdade, foram para Toledo, interior do ParanĂĄ, cidade cuja economia gira em torno da Sadia, a grande produtora de carnes e derivados, levados pelas propostas da Pastoral OperĂĄria. Foram da turma que criou sindicatos e o Partido dos Trabalhadores na regiĂŁo, junto com pessoas como os atuais ministros do governo Dilma, Paulo Bernardo e Gilberto Carvalho. Pizzolato foi presidente do sindicato dos bancĂĄrios de Toledo e da Central Ăšnica dos Trabalhadores (CUT) do ParanĂĄ. Pizzolato se aposentou quando se demitiu da diretoria do BB e da Previ, logo apĂłs o escândalo do mensalĂŁo, com 31 anos de banco. Era, talvez, o bancĂĄrio mais conhecido no PaĂ­s. Na primeira eleição direta entre os funcionĂĄrios do BB para eleger um representante no conselho de administração do banco, em 1993, teve 53 mil votos, mais que a soma de votos de todos os outros dez candidatos, escolhidos em prĂŠvias nas vĂĄrias regiĂľes do PaĂ­s.

N

o cargo atĂŠ 1996, tinha um gabinete na sede do banco em BrasĂ­lia. Mas nĂŁo parava por lĂĄ. Viajou pelo Brasil inteiro. Estima ter passado por agĂŞncias do banco em cerca de 3 mil municĂ­pios, em apoio Ă campanha contra a fome impulsionada pelo famoso Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, e sua Ação da Cidadania contra a MisĂŠria e Pela Vida, apoiada no governo, pelo BB e pela criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Depois, foi eleito diretor da Previ, fundo de pensĂŁo dos funcionĂĄrios do BB. Nessa condição foi nomeado para o Conselho de Administração da Brasil Telecom, na qual a Previ tinha parte do negĂłcio. LĂĄ conheceu CĂĄssio Casseb, que era, tambĂŠm, conselheiro da empresa – indicado pela Telecom Italia Movel (TIM). Por sugestĂŁo do entĂŁo ministro AntĂ´nio Palocci, para quem os mercados nĂŁo gostariam da nomeação de um petista para a presidĂŞncia do banco, como contou a RB um alto dirigente do PT,

Casseb, um nome do mercado, ex-diretor do Citibank, foi nomeado presidente do BB. Foi ele quem convidou Pizzolato para assumir a Diretoria de Marketing e Comunicação (Dimac). Pizzolato assumiu em 17 de fevereiro de 2003. Dias antes, o conselho diretor do BB tinha aprovado a renovação do contrato do banco com a DNA, a empresa de Marcos ValĂŠrio, para prestar serviços de publicidade e promoção na ĂĄrea de varejo. Duas outras agĂŞncias trabalhavam para o BB na ĂŠpoca, a Lowe e a D+, tambĂŠm especializadas, para as outras duas ĂĄreas de negĂłcios do banco: a das contas de governos e a das de empresas. Durante o julgamento, o ministro-relator Barbosa insistiu que Pizzolato era o principal e Ăşnico responsĂĄvel pelo desvio, para um esquema de corrupção petista, de recursos do fundo de incentivos Visanet para a promoção da venda de cartĂľes de bandeira Visa pelo BB, que ĂŠ a tese central do mensalĂŁo. E detalhou esta acusação em vĂĄrios aspectos. Um deles: Pizzolato nĂŁo KDYLD UHVSHLWDGR DV FRPSHWrQFLDV GHĂ€QLdas pelo banco para ordenar os serviços da DNA na promoção dos cartĂľes. Barbosa, a rigor, escolheu Pizzolato como bode expiatĂłrio de um problema que de fato existia. Mas nĂŁo fora criado por Pizzolato. E, alĂŠm do mais, o prĂłprio Pizzolato estava tentando ajudar a resolver esse problema desde que assumiu a diretoria do banco e, jĂĄ em maio, uma DXGLWRULD LGHQWLĂ€FRX D QHFHVVLGDGH GH se aumentar o controle sobre o uso dos recursos da Visanet. “Levei quase um ano trabalhando nisso lĂĄ dentro, junto com a diretoria de Organização, Controle e EstratĂŠgia, que apontou o que poderĂ­amos melhorar. Em julho de 2004, jĂĄ conseguimos mudanças. A partir dali, a DNA passou a ter que mandar relatĂłrios mensais. Todo R WUDEDOKR IRL SDUD GDU PDLRU HĂ€FLrQFLD ao gerenciamento dos recursos. Em novembro de 2003, o Conselho Diretor do banco aprovou alguns aperfeiçoamentos na Dimac. Implantados esses novos procedimentos, começamos a trabalhar em vĂĄrias ĂĄreas, e a dos recursos da Visanet foi umaâ€?, diz Pizzolato. A maior das trĂŞs auditorias internas do BB sobre o uso dos recursos desse fundo, feita por 20 auditores em quatro meses no segundo semestre de 2005, aborda o problema das competĂŞncias da gestĂŁo de recursos do fundo de incentivos Visanet. Mas o faz de modo mais amplo que o usado por Barbosa ao tentar

incriminar Pizzolato. Diz que, desde o inĂ­cio do funcionamento do Fundo de ,QFHQWLYR 9LVDQHW ),9 QRPH RĂ€FLDO GR fundo de onde vinham os recursos para a promoção da venda e uso dos cartĂľes, havia um problema com a questĂŁo das competĂŞncias. No item 6.4.10 do relatĂłrio da auditoria estĂĄ escrito: “As normas internas sobre competĂŞncias e alçadas, no perĂ­odo de 2001 a meados de 2004, nĂŁo continham UHIHUrQFLD HVSHFtĂ€FD TXDQWR jV LQVWkQFLDV decisĂłrias para aprovação, no âmbito do Banco, da utilização dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet.â€? A seguir, no item 6.4.10.1, o relatĂłrio da auditoria diz: “As primeiras referĂŞncias formais relacionadas ao assunto ‘competĂŞncias e alçadas’ localizadas constam no anexo nÂş 3 Ă Nota Dimac 2004-2708, de 19.07.2004, que trata do ‘Fluxo de registro dos processos e utilização do Fundo’, aprovada pelo ComitĂŞ de Administração da Dimac em 21.07.2004.â€?

C

omo se vĂŞ pela sua data e origem, essa nota foi elaborada pela Dimac, na gestĂŁo de Pizzolato, para aumentar o controle do uso dos recursos do fundo Visanet, como ele explicou a RB. Ela impunha, quando do uso de recursos de terceiros – no caso, os recursos do FIV obtidos da CBMPVisanet –, as mesmas competĂŞncias e alçadas praticadas pelo banco no caso de recursos prĂłprios, de seu orçamento. A auditoria tambĂŠm mostra que vinha havendo uma pequena melhoria na observância dessas normas jĂĄ no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, e que apĂłs a intervenção de Pizzolato, no governo de Luiz InĂĄcio Lula da Silva, houve uma grande melhoria. Vejamos: em 2001, 54,76% das açþes de incentivo ao uso do cartĂŁo Visa foram feitas com inobservância de alçada; em 2002, 20,53%; em 2003, 21,59%; mas em 2004, apenas 7,20%. A auditoria citada ainda conclui: “Os eventos realizados em 2005 tĂŞm seus processos melhor instruĂ­dos, reĂ HWLQGR R UHVXOWDGR GRV DSULPRUDPHQWRV que vĂŞm sendo implementados a partir de meados do segundo semestre de 2004, existindo, porĂŠm, oportunidade de melhorias para aprimorar procedimentos.â€? Durante o julgamento, Barbosa disse, tambĂŠm, que os gerentes-executivos da diretoria de marketing eram subordinados a Pizzolato. A acusação tem o objetivo GH DĂ€UPDU TXH 3L]]RODWR HUD PXLWR SRderoso e que, embora esses gerentes 65 retratodoBRASIL

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Danevita disse ser do BB e que teria se recusado a assinar uma campanha falsa de R$ 60 milhĂľes. Mas nĂŁo era do BB nem poderia haver campanha nesse montante assinassem as notas de serviço para uso do FIV, era ele quem mandava. Pizzolato nĂŁo tinha competĂŞncia para demitir um gerente-executivo. De fato, eles sĂł podiam ser substituĂ­dos por ordem do presidente do BB. “A Dimac nĂŁo ĂŠ uma diretoria de negĂłcios, mas uma diretoria de apoio. O diretor nĂŁo pode contratar, demitir funcionĂĄrios, nem autorizar gastosâ€?, explica Pizzolato. O ministro Barbosa encaminhou Ă Visanet pedido de esclarecimento sobre quem ocupava os cargos que comandavam o uso de recursos do FIV. Os documentos obtidos na CBMP depois de uma busca e apreensĂŁo na sede da companhia foram analisados pelo Instituto Nacional de CriminalĂ­stica e resultaram no laudo 2828. Neste laudo estĂĄ claro quem era o responsĂĄvel e quem nomeava o gestor dos recursos do BB no FIV. NĂŁo era Pizzolato e nem era ele quem nomeava esse funcionĂĄrio.

A

tĂŠ o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, aderiu Ă tese de Barbosa de que Pizzolato desviou recursos pĂşblicos. Disse Lewandowski, no voto que condenou Pizzolato: “ConvĂŠm assentar que os recursos direcionados ao Fundo Visanet, alĂŠm de serem vinculados aos interesses do Banco do Brasil, saĂ­ram diretamente dos cofres deste, segundo demonstrado no item 7.1.2 do relatĂłrio de auditoria interna do Banco do Brasil, Ă s folhas 5.236, volume 25, parte 1â€?. Andrea, que estĂĄ hĂĄ sete anos estudando a defesa do marido, abre o volume 25, parte 1, da AP 470, nas folhas mencionadas por Lewandowski. A repĂłrter lĂŞ. De fato, dali nĂŁo se depreende, de forma alguma, que os recursos saĂ­ram dos cofres do BB. Pelo contrĂĄrio, o item 7 explica que “o Fundo de Incentivo Visanet foi criado em 2001 com recursos disponibilizados pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP) para promover, no Brasil, a marca Visa, o uso dos cartĂľes com a bandeira Visa e maior faturamento da Visanetâ€?. Ou seja, mesmo o capital 18

social inicial do fundo foi da CBMPVisanet, e nĂŁo do BB. O item diz, ainda, que esse fundo â€œĂŠ administrado por um comitĂŞ gestor – composto pelo Diretor Presidente, Diretor Financeiro e Diretor de Marketing da Visanetâ€?. E que constam, dentre os procedimentos previstos no regulamento do fundo, que: “a) o incentivador (banco) deve apresentar ao comitĂŞ gestor, para anĂĄlise e aprovação, proposta descrevendo a ação de incentivo, seus propĂłsitos, os resultados e os custos; b) apĂłs as aproYDo}HV WpFQLFD H Ă€QDQFHLUD DV GHVSHVDV com a ação serĂŁo pagas diretamente pela Visanet Ă s empresas executoras do projeto.â€? A conclusĂŁo ĂŠ Ăłbvia: se as despesas sĂŁo “pagas diretamente pela Visanetâ€?, ´DSyV DV DSURYDo}HV WpFQLFDV H Ă€QDQFHLrasâ€? do “comitĂŞ gestor da Visanetâ€?, que os recursos nĂŁo saĂ­ram “diretamente dos cofres do BBâ€?. E que para retirĂĄ-los da conta da CBMP-Visanet era preciso que as açþes fossem aprovadas tĂŠcnica e Ă€QDQFHLUDPHQWH SRU HOD Barbosa serviu-se de quatro das chamadas “notas tĂŠcnicasâ€? do BB para uso dos recursos do fundo, cuja soma totaliza os 73,8 milhĂľes de reais que teriam sido desviados, para incriminar Pizzolato. TrĂŞs delas – uma ĂŠ de perĂ­odo em que Pizzolato estava em fĂŠrias – foram assinadas por ele, de fato. Mas tambĂŠm, e Barbosa nĂŁo disse, foram assinadas pelo chefe da Direv, o diretor de varejo do BB e pelos gerentes-executivos das duas diretorias. Barbosa disse, absurdamente, que somente Pizzolato era o responsĂĄvel. Para justificar a concentração da culpa em Pizzolato, Barbosa usou o depoimento de uma senhora, Danevita MagalhĂŁes, que se tornou sĂ­mbolo das vĂ­timas do mensalĂŁo para a revista Veja. O depoimento estĂĄ nos autos, mas foi dado sem a presença do advogado de Pizzolato. Nele, Danevita diz que teria sido demitida do BB por ter se recusado a assinar uma autorização para falsos serviços de promoção e publicidade no valor de 60 milhĂľes de reais. Ocorre que Danevita nunca fui funcionĂĄria do marketing do BB. Ela era funcionĂĄria das agĂŞncias de

publicidade no chamado nĂşcleo de mĂ­dia do BB – isto estĂĄ claro em seus prĂłprios depoimentos na AP 470 –, fato que Barbosa, ĂŠ claro, nĂŁo considerou. Danevita foi funcionĂĄria, em BrasĂ­lia, de diversas agĂŞncias de publicidade que prestaram serviços ao BB, a Ăşltima delas sendo a DNA. Este depoimento apareceu em 2009. Qualquer pessoa de boa-fĂŠ que examine a acusação de Danevita sabe TXH p FRPSOHWDPHQWH DEVXUGD D DĂ€UPDção de que ela teria poder para autorizar alguma despesa do BB, ainda mais no valor de 60 milhĂľes de reais, equivalente ao das maiores campanhas de publicidade jĂĄ feitas no PaĂ­s.

P

izzolato explica que as notas tĂŠcnicas eram notas internas da diretoria de varejo informando Ă de marketing que havia aporte de recursos do Fundo Visanet e que estes seriam usados em campanha publicitĂĄria. “O marketing fazia o trabalho braçal. Quem fazia o EULHĂ€QJ, que dava as caracterĂ­sticas da promoção a ser feita, era o varejo. Era ele que dizia ‘quero pĂ´r tanto numa campanha do Dia dos Pais, tanto para patrocinar vĂ´lei’. A utilização dos recursos da Visanet era feita de acordo com a demanda da diretoria de varejo. Minha estrutura, no marketing, era, originalmente, direcionada para fazer o trabalho de promoção e propaganda do banco. Ao vir um trabalho extra – a promoção dos cartĂľes Visa –, essa mesma estrutura era utilizadaâ€?, diz. Ele compara o seu trabalho no marketing ao de um comandante da cozinha que manda no ambiente da cozinha, mas nĂŁo controla o almoxarifado nem a tesouraria, que paga as contas. “Imagine que vocĂŞ esteja fazendo um jantar para 20 pessoas. AĂ­ chega alguĂŠm e diz: ‘VĂŞm aĂ­ mais cinco pessoas para jantar.’ VocĂŞ concorda. E pergunta: ‘Essas cinco pessoas vĂŁo pagar quanto?’ Eu tinha um orçamento para fazer um jantar para 20. AĂ­ chegava a diretoria de varejo e dizia que tinha mais dinheiro, que viriam mais cinco pessoas. A nota tĂŠcnica era eu dizendo: ‘Estou de acor-

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STF

Barbosa foi o juiz que autorizou a apreensĂŁo dos documentos da CBMP-Visanet e tambĂŠm quem pediu os esclarecimentos para saber qual o autor das ordens para que a empresa depositasse os recursos do Fundo de Incentivo nas contas da DNA. Sabia tambĂŠm que os recursos nĂŁo passavam pelo orçamento do BB. Dispensou tudo isso. Para “pegar Pizzolatoâ€??

do, vou usar meus cozinheiros e minhas panelas, e como vocĂŞs arrumaram mais dinheiro, posso servir mais pessoas.’â€? “Quando eu descobri que era assim que funcionavaâ€?, continua Pizzolato, “eu falei com o dono da casa, para saber se eu poderia receber esses cinco extras. Fui procurar o Casseb, presidente do banco. Ele me disse que os recursos nĂŁo eram do orçamento do banco, eram privados. E me mandou falar com o Edson Monteiro, vice-presidente de varejo e distribuição e que era, tambĂŠm, do conselho de administração da Visanet. Monteiro me disse que, sim, era assim que funcionava. E me mostrou um parecer do departamento jurĂ­dico do banco dizendo que os recursos eram privados e que era conveniente para o banco que a Visanet pagasse diretamente a agĂŞncia de publicidade, para nĂŁo haver trânsito dos recursos pelo FRQJORPHUDGR SRU TXHVW}HV Ă€VFDLV Âľ Pizzolato completa sua histĂłria: “Mas eu disse: ‘Eu jĂĄ aprovei o plano anual de comunicação do banco, que vai para a Secom [Secretaria de Comunicação do Governo], e esse dinheiro extra nĂŁo estava incluĂ­do nisso’. Monteiro me disse que,

como os recursos não eram públicos, seu uso não precisava ser submetido à Secom. Por isso, depois, aproveitei uma reunião para comentar isso com os assessores na Secom e, depois ainda, com o ministro Gushiken. E ele me disse que era isso mesmo, isso era uma boa notícia, porque o banco teria mais dinheiro para propaganda. E concordou que esse dinheiro não se submetia à Secom.�

P

izzolato explica o procedimento para liberar recursos do Fundo Visanet: todo início de ano, a Visanet encaminhava uma carta ao BB informando o montante de recursos que haviam sido disponibilizados pelo conselho de administração da Visanet para a promoção dos cartþes Visa. A diretoria de varejo recebia esta carta e podia gastar o dinheiro sozinha ou com outras diretorias. Se precisasse da diretoria de marketing, o gerente-executivo da Direv fazia uma nota tÊcnica conjunta com a Dimac, que selava o acordo de trabalho entre as duas diretorias. As notas informavam que havia o valor disponibilizado pelo fundo que

nĂŁo impactava o orçamento do BB. De qualquer forma, era a Direv que emitia as notas essenciais para o relacionamento com a Visanet, os chamados JOBs (de job, em inglĂŞs, trabalho), encaminhados Ă CBMP e que propunham o gasto de valores determinados para fazer a campanha apresentada. “Esses jobs nĂŁo passavam pela diretoria de marketing. Antes de estourar esse escândalo, eu nem sabia da existĂŞncia delesâ€?, diz Pizzolato. Os jobs nĂŁo apresentavam a campanha detalhada como nas notas que circulavam dentro do banco. O regulamento da Visanet tambĂŠm nĂŁo exigia esse detalhamento. Pizzolato diz que era assim porque mais de 20 bancos eram acionistas da Visanet, e nenhum queria entregar a campanha que faria para o concorrente. Os repĂłrteres de RB Ă€FDUDP GH] GLDV ouvindo Pizzolato, lendo documentos e acompanhando Andrea, que nos mostrou sua luta de sete anos mergulhado nos autos do processo para entender o que se passou. Nossa opiniĂŁo ĂŠ a de que Henrique Pizzolato diz a verdade. Pizzolato ĂŠ cristĂŁo. Parodiando a BĂ­blia, pode-se dizer que a verdade o libertarĂĄ? 65 retratodoBRASIL

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LIVRO

CONQUISTA SOCIAL DA TERRA, DE EDWARD O. WILSON, PIONEIRO DA SOCIOBIOLOGIA

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ENERGIA RB64capaPSD.indd 1

A PRESIDENTE TEM SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA QUE AJUDOU A CRIAR COMO MINISTRA?

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retrato

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WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | N O 64 | NOVEMBRO DE 2012 FALE CONOSCO: www.retratodobrasil.com.br

5 Ponto de Vista É CADA UM POR SI

34 QUE SE PASSA NOS POLOS DA TERRA?

Dilma disse na ONU que o “ tsunami monetário” despejado pelos países ricos vai afogar o Brasil. Mas poderia ser diferente?

Como o derretimento nos extremos do planeta se combina com o degelo decorrente de causas provocadas pelo homem?

[Lia Imanishi] 8 VOCÊ RELAXA AÍ E ME APERTA AQUI

36 A MATA VAI À BOLSA

Dilma critica, mas Obama acha bom que o Federal Reserve, sob os conselhos de Friedman, faça chover dólares nos EUA

Artigos do novo Código Florestal criados pelos “ambientalistas de mercado” dão um “upgrade moral” em latifúndios improdutivos

[Raimundo Rodrigues Pereira]

[Lia Imanishi]

12 A VERTIGEM DO SUPREMO

38 MEIO SÉCULO E TRÊS GOLPES

Acompanhe a nossa prova de que os ministros do STF deliraram com a invenção do escândalo Banco do Brasil-Visanet

Nos 50 anos da Monsanto no Brasil, a multinacional da área de biotecnologia de sementes vive um inferno astral

[Raimundo Rodrigues Pereira]

[Tânia Rabello]

16 A PRESIDENTE CORRIGE A EX-MINISTRA

40 TINHA PARTIDO E NÃO O TRAIU

Como ministra, Dilma reformou o setor elétrico. Agora, vê o país ter a geração mais barata e as tarifas mais caras do mundo

Eric Hobsbawm foi o historiador de magníficos painéis sobre a história dos século XIX e XX

[Lincoln Secco]

[Téia Magalhães] 22 A GUERRA CAIU NA REDE

42 UMA OBRA HISTÓRICA DE DIFÍCIL REPOSIÇÃO

As batalhas militares por meio da internet são uma realidade. E até o Brasil já se prepara para o combate on-line

Uma homenagem ao “intelectual incomum” Carlos Nelson Coutinho, que morreu em setembro

[Thiago Domenici]

[Marcelo Braz]

28 PROMESSA É DÍVIDA

44 É GRUPO CONTRA GRUPO? Conquista social da terra, do pioneiro da

Polêmica sobre ilhas retoma promessas feitas pelos EUA aos chineses e traz uma pergunta: os mares da China pertencem a quem?

sociobiologia, Edward O. Wilson, contesta a seleção por parentesco e recebe críticas

[Sônia Mesquita]

[Flávio de Carvalho Serpa]

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CARTAS À REDAÇÃO redacao@retratodobrasil.com.br rua fidalga, 146 conj. 42 cep 05432-000 são paulo - sp ATENDIMENTO AO ASSINANTE assinatura@retratodobrasil.com.br tel. 31 | 3281 4431 de 2a a 6a, das 9h às 17h Entre em contato com a redação de Retrato do Brasil. Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas para adequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão. Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR ADMINISTRATIVO Marcos Montenegro DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda EXPEDIENTE SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori SECRETÁRIO DE REDAÇÃO Thiago Domenici REDAÇÃO Lia Imanishi • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • Téia Magalhães EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Caco Bressane • Flávio de Carvalho Serpa • Laerte Silvino • Lincoln Secco • Marcelo Braz • Tânia Rabello • Weberson Santiago ILUSTRAÇÃO DA CAPA Caco Bressane REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas ADMINISTRAÇÃO Neuza Gontijo • Mari Pereira • Maria Aparecida Carvalho DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS Global Press

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Política

liVrO

A VERTIGEM DO SUPREMO

CONQUISTA SOCIAL DA TERRA, de edward o. wilson, Pioneiro da sociobioloGia

retrato

www.retratodobrasil.com.br | r$ 9,50 | no 64 | noVembro de 2012

dobrasil

Os ministros do STF deliraram: não houve o desvio de 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão. Acompanhe a nossa demonstração ENErGia

por Raimundo Rodrigues Pereira

A TESE DO mensalão como um dos maiores crimes de corrupção da história do País foi consagrada no STF. Veja-se o que disse, por exemplo, o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, ao condenar José Dirceu como o chefe da “quadrilha dos mensaleiros”: o mensalão foi “um projeto de poder”, “que vai muito além de um quadriênio quadruplicado”. Foi “continuísmo governamental”; “golpe, portanto”. Em outro voto, que postou no site do tribunal dias antes, Britto disse que o mensalão envolveu “crimes em quantidades enlouquecidas”, “volumosas somas de recursos financeiros e interesses conversíveis em pecúnia”, pessoas jurídicas tais como “a União Federal pela sua Câmara dos Deputados, Banco do Brasil–Visanet, Banco Central da República”. Britto, data ve nia, é um poeta. Na sua caracterização do mensalão como um crime gigante, um golpe na República, o que ele chama de Banco do Brasil–Visanet, por exemplo? É uma nova entidade fi nanceira? Banco do Brasil (BB) a gente sabe o que é: é aquele banco estatal que os liberais queriam transformar em Banco Brasil, assim como quiseram transformar a Petrobras em Petrobrax, porque achavam ser necessário, pelo menos por palavras, nos integrarmos ao mundo financeiro globalizado. 12

De fato, Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), responsável, no Brasil, pelos cartões emitidos com a chamada bandeira Visa (hoje o nome fantasia mudou, é Cielo). Banco do Brasil–Visanet não existia, nem existe; é uma entidade criada pelo ministro Britto. E por que, como disse no voto citado, ele a colocou junto com os mais altos poderes do País – a União, a Câmara dos Deputados e o Banco Central da República? Com certeza porque, como a maioria do STF, num surto anticorrupção tão ruim quanto os piores presenciados na história política do País, viu, num suposto escândalo Banco do Brasil–Visanet, uma espécie de revelação divina. Ele seria a chave para transformar num delito de proporções inéditas o esquema de distribuição, a políticos associados e colaboradores do PT, de cerca de 50 milhões de reais tomados de empréstimo, de dois bancos mineiros, pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No dia 13 de julho de 2005, menos de um mês depois de o escândalo do mensalão ter surgido, com as denúncias do então deputado Roberto Jefferson, a Polícia Federal descobriu, no arquivo central do Banco Rural, em Belo Horizonte, todos os recibos da dinheirama distribuída. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, um empresá-

A PRESIDENTE TEM SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA QUE AJUDOU A CRIAR COMO MINISTRA?

rio de publicidade mineiro, principais operadores da distribuição, contaram sua história logo depois. E não só eles como mais algumas dezenas de pessoas, também envolvidas no escândalo de alguma forma, foram chamados a depor em dezenas de inquéritos policiais e nas três comissões parlamentares de inquérito que o Congresso organizou para deslindar a trama.

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odos disseram que se tratava do famoso caixa dois, dinheiro para o pagamento de campanhas eleitorais, passadas e futuras. Como dizemos, desde 2005, tratava-se de uma tese razoável. Por que razoável, apenas? Porque as teses, mesmo as melhores, nunca conseguem juntar todos os fatos e sempre deixam alguns de lado. A do caixa dois é razoável. O próprio STF absolveu o publicitário Duda Mendonça, sua sócia Zilmar Fernandes e vários petistas, que receberam a maior parte do dinheiro do chamado valerioduto, porque, a despeito de proclamar que esse escândalo é o maior de todos, a corte reconheceu tratar-se, no caso das pessoas citadas, de dinheiro para campanhas eleitorais. E a tese do caixa dois é apenas razoável, como dissemos também, porque fatos ficam de fora. É sabido, por exemplo, que, dos 4 milhões de reais recebidos pelo denun-

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ciante Roberto Jefferson – que jura ser o dinheiro dele caixa dois e o dos outros, mensalão –, uma parte (modesta, é verdade) foi para uma jovem amiga de um velho dirigente político ligado ao próprio Jefferson e falecido pouco antes. Qualquer criança relativamente esperta suporia também que os banqueiros não emprestaram dinheiro ao PT porque são altruístas e teria de se perguntar por que o partido repassou dinheiro a PTB, PL e PP, aliados novos, e não a PSB e PCdoB, aliados mais fiéis e antigos. Um arguto repórter da Folha de S.Paulo, num debate recente sobre o escândalo, com a participação de Retrato do Brasil, disse que dinheiro de caixa dois é assim mesmo e que viu deputado acusado de ter recebido o dinheiro do valerioduto vestido de modo mais sofisticado depois desses deploráveis acontecimentos. O problema não é com a tese do caixa dois, no entanto. Essa é a tese dos réus. No direito penal brasileiro, o réu pode até ficar completamente mudo, não precisa provar nada. É ao Ministério Público, encarregado da tese do mensalão, que cabe o ônus da prova. E essa tese é um horror. No fundo, é uma história para criminalizar o Partido dos Trabalhadores, para bem além dos crimes eleitorais que ele de fato cometeu no episódio. O escândalo Banco do Brasil–Visanet, que é o pilar de sustentação da tese, não tem o menor apoio nos fatos.

E

ssencialmente, a tese do mensalão é a de que o petista Henrique Pizzolato teria desviado de um “Fundo de Incentivo Visanet” 73,8 milhões de reais que pertenceriam ao BB. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Valério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público. Essa história já existia desde a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Foi encampada pelos dois procuradores-gerais da República que fizeram os trabalhos da acusação, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, e transformada num sucesso de público graças aos talen-

Trechos de duas páginas do resumo da auditoria feita no BB. A quarta coluna (A-B) mostra a diferença entre o valor dos serviços demandados pelo banco e o valor dos serviços que tinham notas na CBMP. Se vê que a diferença, tanto nos anos 2001-2002, quanto nos anos 2003-2004, sob o comando de Pizzolato, é sempre menor que 1%.

tos do ministro Joaquim Barbosa na armação de uma historinha ao gosto de setores de uma opinião pública sedenta de punir políticos, que em geral considera corruptos, e ao surto anticorrupção espalhado por nossa grande mídia, que infectou e levou ao delírio a maioria do STF. Por que a tese do mensalão é falsa? Porque o desvio dos 73,8 milhões de reais não existe. A acusação disse e o STF acreditou que uma empresa de publicidade de Valério, a DNA, recebeu esse dinheiro do BB para realizar trabalhos de promoção da venda de cartões de bandeira Visa do banco, ao longo dos anos 2003 e 2004. E haveria provas cabais de que esses trabalhos não foram realizados. A acusação diz isso, há mais de seis anos, porque precisa que esse desvio exista, pois seria ele a prova de que os 50 milhões de reais do caixa dois confessado por Delúbio e Valério são inexistentes e os empréstimos dos bancos mineiros ao esquema Valério– Delúbio, falsos e decorrentes de uma articulação política inconfessável de Dirceu com os banqueiros. Ocorre, no entanto, que a verdade é o oposto do que a acusação diz e o STF a engoliu.

Os autos da Ação Penal 470 (AP 470) contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os 73,8 milhões de reais.

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o site de RB é apresentado, a todos os interessados em formar uma opinião mais esclarecida sobre o julgamento que está sendo concluído no STF, um endereço em que pode ser localizada a mais completa auditoria sobre o suposto escândalo BB–Visanet. Nesse local o leitor vai encontrar os 108 apensos da AP 470 com os trabalhos dessa auditoria. São documentos em formato PDF equivalentes a mais de 20 mil páginas e foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005, depois estendido com interrogatórios de pessoas envolvidas e documentos coletados ao longo de 2006. A auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia, mas, ao analisar o caso, não o fez da forma interesseira e escandalosa da Procuradoria-Geral da República e do relator da AP 470, Joaquim Barbosa, empenhados em 64 retratodoBRASIL

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Resumindo a auditoria, feita para “pegar Pizzolato”: o sistema BB-CBMP tinha falhas, desde 2001; e foi Pizzolato que implantou reformas para melhorá-lo criminalizar a ação do PT. Fez, isso sim, um levantamento amplo do que foram as ações do Fundo de Incentivos Visanet (FIV) desde sua criação, em 2001.

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m resumo da auditoria, de 32 páginas, está nas primeiras páginas do terceiro apenso (vol. 320). Resumindo-a mais ainda se pode dizer que: • As regras para uso do fundo pelo BB têm duas fases: uma, de sua criação, em 2001, até meados de 2004, quando o banco adotou como referencial básico para uso dos recursos o Regulamento de Constituição e Uso do FIV da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP); e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o BB criou uma norma própria para o controle do fundo. • Entre 2001 e 2004, a CBMP pagou, por ações do FIV programadas pelo BB, aproximadamente 150 milhões de reais – 60 milhões nos anos 2001–2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto; e 90 milhões nos anos 2003–2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E, nos dois períodos, sempre 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco. • O BB decidiu, em 2001, por motivos fiscais, que os recursos do FIV não deveriam passar pelo banco. A CBMP pagaria diretamente os serviços por meio de agências contratadas pelo BB. A DNA e a Lowe Lintas foram essas agências, no período 2001–2002. No final de 2002 o BB decidiu especializar suas agências e só a DNA ficou encarregada das promoções do FIV. Os originais dos documentos comprobatórios das ações ficaram na CBMP, não no BB, em todos os dois períodos. • O fato de o BB encomendar as ações, mas não ser o controlador oficial delas fez com que, nos dois períodos, 2001–2002 e 2003–2004, fossem identificadas, diz a auditoria, “fragilidades 14

no processo e falhas na condução de ações e eventos”, que motivaram mudanças nos controles de uso do fundo. Essas mudanças foram implementadas no segundo semestre de 2004, a partir de 1º de setembro. • O relatório destaca algumas dessas “fragilidades” e “falhas”. Aqui destacaremos a do controle dos serviços, para saber se as ações de promoção tinham sido feitas de fato. Os auditores procuraram saber se existiam os comprovantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas. • Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Descobriram que, para os dois períodos, 2001–2002 e 2003–2004, igualmente, somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, tinha-se quase metade dos recursos despendidos. • Os auditores procuraram, então, os mesmos documentos na CBMP, que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação e dos documentos originais de comprovação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena – em proporção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, de 0,1% em 2002, de 0,4% em 2003 e de 1% em 2004. • Dizem ainda os auditores: com as novas normas, em função das mudanças feitas nas formas de se controlar o uso do dinheiro do FIV pelo BB, entre janeiro e agosto de 2005 foram executadas sete ações de incentivo, no valor de 10,9 milhões de reais e se pode constatar que, embora ainda precisassem de aprimoramento, as novas regras fixadas pelo banco estavam sendo cumpridas e os “mecanismos de controle” tinham sido aprimorados. Ou seja: o uso dos recursos do FIV pelo BB foi feito, sob a gestão do petista

Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzolato à direção de marketing do banco. E mais: foi sob a gestão dele, em meados de 2004, que as regras para uso e controle dos recursos foram aprimoradas.

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ais reveladora ainda é a análise dos apensos em busca das evidências de que os trabalhos de promoção dos cartões Visa vendidos pelo BB foram feitos. Essas evidências são torrenciais. Uma amostra dessas promoções, que devem ser do conhecimento de milhares e milhares de brasileiros, está mais abaixo. Em toda a documentação da auditoria existem questionamentos e são apresentados problemas, mas referentes a detalhes. Não foi disso que tratou o julgamento da AP 470, no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer-se apresentar os 73,8 milhões de reais gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como disse o ministro Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”. Essa conclusão é um delírio. As campanhas de promoção não só existiram, como deram resultados espetaculares para o BB, tendo em vista os objetivos pretendidos. O banco tornou-se o líder nos gastos com cartões Visa no Brasil. Em 2003, o banco emitiu 5,3 milhões desses cartões, teve um crescimento de cerca de 35% na sua movimentação de dinheiro através deles e tornou-se o número um nesse quesito entre os associados da CBMP. No final daquele ano, 18 de dezembro, às 14h30, em São Paulo, no Itaim Bibi, à rua Brigadeiro Faria Lima, 3.729, segundo andar, sala Platinum, de acordo com ata do encontro, os representantes dos sócios no Conselho de Administração da CBMP se reuniram e aprovaram o plano para o ano seguinte. Faturamento esperado para 2004 nas transações com os cartões Visa: 156 bilhões de reais.

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as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais pelo uso dos cartões sejam reduzidas. Na conta feita no parágrafo anterior, dos 156 bilhões de reais previstos para serem movimentados pelos cartões em 2004, o dinheiro que iria para o esquema CBMP seria de 4% a 6% desse total, ficaria entre 6 e 10 bilhões de reais – isto é, a verba pro-

O STF ACHOU QUE NADA DISSO EXISTIU Ações de promoção de uso dos cartões Visa pelo Banco do Brasil que, a despeito de os ministros do Supremo acharem o contrário, existiram e envolveram milhares de pessoas Alguns exemplos de ações do Fundo de Incentivos do Banco do Brasil, programadas pelo banco, pagas pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento e realizadas com os trabalhos de publicidade da empresa DNA, de Marcos Valério: • O patrocínio às campeãs de vôlei de praia Adriana Behar e Shelda, nos anos 2003 e 2004, com 600 mil reais por ano em parcelas mensais e o direito de o BB usar a marca Ourocard Visa em bonés, camisetas, biquínis, uniformes, bandanas, casacos, agasalho de viagens – frente e mangas –, toalhas, mochilas, em anúncios e outras formas: “oportunidade para associar a marca Ourocard aos atributos de competitividade, jovialidade, dinamismo e modernidade”. • As campanhas anuais de premiação do Clube Ouro, de cerca de 5 milhões de reais por ano, com sorteios de prêmios cujo valor somado chegava a 2 milhões de reais – 50 carros novos (de 25 mil reais cada), 50 pacotes de viagens para a Costa do Sauipe, no hotel SuperClubs Breezes, com direito a acompanhante (5,6 mil reais por casal; 280 mil reais no total), 350 passagens aéreas de ida e volta para qualquer canto do País, num esquema BB–TAM com direito a acompanhante (1.320 reais por casal, 462 mil reais no total). Essa premiação, “para dar maior visibilidade à estratégia do BB de fidelizar os portadores de cartões de crédito Ourocard e incrementar sua utilização”, foi realizada em eventos públicos nas cidades com maior número de clientes do BB no Clube Ouro, que acumulavam pontos para sorteio dos prêmios graças à soma de gastos pagos com os cartões Visa do BB. Os eventos tinham 800 convidados. Eram divulgados amplamente pelos grandes meios de comunicação, os quais, aliás, sempre ficaram com a maior parte das verbas dessas promoções. Na documentação existe uma análise detalhada dos custos delas, como a contratação de atrações especiais para os eventos (445 mil reais), a locação de espaço para realizá-los (85 mil reais), os serviços de buffet (230 mil reais). Nos documentos das promoções do Clube Ouro existe até um parecer do Ministério da Fazenda sobre a legalidade da distribuição de prêmios. • O Brasília Music Festival, de 2 a 4 de maio de 2003, para o qual o BB adquiriu uma cota de patrocínio máster, de 1,5 milhão de reais (pagos em quatro parcelas entre janeiro e abril de 2003), e no qual foram realizados 12 shows – de artistas como o grupo cubano Buena Vista Social Club, o

gramada para o fundo de incentivos na promoção dos cartões foi pelo menos 40 vezes menor. A Procuradoria-Geral da República e o ministro Barbosa certamente sabem de tudo isso. Se não o sabem é porque não o quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados. Reprodução

Dinheiro do FIV, ou seja, recursos para as promoções dos cartões pelos vários bancos associados: 0,10%, um milésimo desse total: 156 milhões. Parte a ser usada pelo BB, que era, dos 25 sócios da CBMP, o mais empenhado nas promoções: 35 milhões de reais. Pode-se criticar esse esquema Visanet–BB. O governo está querendo que

Adriana, garotapropaganda do cartão Ourocard

roqueiro Bon Jovi, as brasileiras Marisa Monte e Rita Lee – tudo sempre com muita publicidade na imprensa e nas ruas (dez inserções de um quarto de página no diário Correio Braziliense, três em Veja, 90 mil panfletos distribuídos). E, como sempre, a promoção era associada a contrapartidas para o banco que facilitassem a venda dos cartões – no caso, camarote VIP para cem pessoas, mil ingressos, por show, para distribuição para clientes do BB, propaganda do banco em tudo, venda dos ingressos pelas agências do banco com cobrança de 3 reais de comissão por ingresso, banners, outdoors, panfletos com o logo e propaganda do Visa Ourocard e assim por diante. • 4 milhões de reais em 2004 para campanhas de mídia do cartão Visa Ourocard nos aeroportos e nas ruas e mobiliário urbano – edifícios, outdoors, shoppings e pontos de grande visibilidade. Um detalhamento da DNA para esses gastos: para metrô, 36,3 mil reais; ônibus, 589 mil reais; outdoors, 379 mil reais; em shoppings, 1,1 milhão de reais; em abrigos de ônibus e mobiliário urbano, 1 milhão de reais; em mídia aeroportuária, 727 mil reais, por exemplo. • Patrocínio de 2,5 milhões de reais à casa de espetáculos Tom Brasil, em São Paulo; a promoção de mostras de cinema É Tudo Verdade e Encontro com o Cinema Brasileiro; exposições de obras de arte como as feitas com seleções do acervo do Museu Nacional de Belas Artes em mais de 20 cidades entre 2004 e 2005, todas com custo na casa de algumas poucas centenas de milhares de reais. E tem mais. Para quem quiser ver, é claro – os ministros do STF não quiseram, ao que tudo indica. 64 retratodoBRASIL

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5 Ponto de Vista UM JULGAMENTO DE EXCEÇÃO O STF está criando regras de ocasião para julgar a Ação Penal 470, do chamado escândalo do mensalão

ATENDIMENTO AO ASSINANTE assinatura@retratodobrasil.com.br tel. 31 | 3281 4431 de 2a a 6a, das 9h às 17h

8 O HERÓI DO MENSALÃO A “historinha” armada pelo ministro Joaquim Barbosa rebaixou o nível do debate a respeito do grande escândalo político Amarildo

[Raimundo Rodrigues Pereira] 12 UMA HISTÓRIA EXEMPLAR A condenação de Henrique Pizzolato pelo STF pode ter sido uma decisão errada, em todos os casos

[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira] 22 HÁ REMÉDIO CONTRA O CAIXA DOIS? Um dos principais temas da reforma política é, sem dúvida, a prática de recebimento clandestino de dinheiro

30 A MAIOR GREVE O funcionalismo federal cruzou os braços na maior onda de greves desde que o PT assumiu o poder

[Thiago Domenici] 32 PROBLEMAS AMAZÔNICOS

[Tânia Caliari]

Canteiros do tipo plataforma serão a solução para as constantes paralisações na construção de hidrelétricas?

26 A CAMINHO DA DITADURA

[Sônia Mesquita]

A Abert foi fundada para a derrubada de vetos de João Goulart ao CBT. Depois, ela ajudaria a golpear o presidente

34 APOIO GERAL

[Venício Artur de Lima]

Sob aplausos do PSDB e da grande mídia, a presidente Dilma anunciou o Programa de Investimento em Logística

28 ALARME FALSO?

[Téia Magalhães]

Diante dos dados, não se justificam as declarações de suposta “escalada de violência” em São Paulo no 1º semestre deste ano

38 PARA TODOS

[Tomás Chiaverini]

O samba de terreiro ressurge: ao lado das antigas criações, os jovens sambistas mostram suas composições

Folhapress

[André Carvalho] 42 MAGIA DA CIÊNCIA Além de matar a curiosidade de préadolescentes, novo livro de Richard Dawkins é boa leitura para adultos

[Flávio de Carvalho Serpa] 44 POLARIZAÇÃO CRESCENTE Livro de Marcio Pochmann destaca crescimento dos trabalhadores da base da pirâmide e de quem vive do capital

[Luiz Marcos Gomes]

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Entre em contato com a redação de Retrato do Brasil. Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas para adequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão. Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR ADMINISTRATIVO Marcos Montenegro DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda EXPEDIENTE SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori SECRETÁRIO DE REDAÇÃO Thiago Domenici REDAÇÃO Lia Imanishi • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • Téia Magalhães EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Amarildo • André Carvalho • Flávio de Carvalho Serpa • Laerte Silvino • Luiz Marcos Gomes • Tomás Chiaverini • Venício Artur de Lima REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas ADMINISTRAÇÃO Neuza Gontijo • Mari Pereira • Maria Aparecida Carvalho DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS Global Press

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Ponto de Vista

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Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil: “Nunca vi presidente de tribunal votar duas vezes para condenar alguém”

Um julgamento de exceção Na Ação Penal 470, do chamado mensalão, o STF, pressionado pela grande mídia, negou direitos básicos à defesa e, assim, criou regras de ocasião para interpretar o direito penal brasileiro

Em meados de setembro, caminhando-se para o segundo mês de apreciação, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do mérito da Ação Penal 470 (AP 470), que julga os envolvidos no chamado mensalão, confirmam-se as previsões pessimistas feitas no início desse processo, quando uma petição da maioria dos advogados dos acusados alertou para a possibilidade de ser feito um “julgamento de exceção”. Na ocasião, os defensores dos réus já tinham sido derrotados em sua pretensão de desmembrar a ação penal, enviando para os tribunais inferiores os acusados sem foro privilegiado. No julgamento de um caso muito parecido, o dito mensalão tucano, que envolve políticos do PSDB de Minas Gerais, o STF tinha desmembrado o processo. Por que não fazê-lo no caso do mensalão petista, diziam os advogados? O segundo protesto foi contra mais uma medida excepcional: o fatiamento das decisões dos ministros. Isso ocorreu em função do encaminhamento do primeiro voto

do julgamento, o do relator Joaquim Barbosa. Ele começou pela análise de crimes que teriam sido cometidos no uso de recursos públicos, um dos sete blocos em que subdividiu seu voto, e anunciou que, depois, passaria a palavra para os demais ministros votarem sobre o mesmo assunto. Houve, então, certo tumulto no tribunal. O revisor do voto de Barbosa, Ricardo Lewandowski, disse que o encaminhamento contrariava o regimento do STF e ameaçou renunciar. O ministro Marco Aurélio de Mello condenou a proposta de Barbosa. O presidente do STF, Ayres Britto, iniciou uma contagem de votos para decidir a forma de votação, mas não a concluiu e acabou decidindo que cada um votaria como quisesse, o que, como alguns ministros argumentaram imediatamente, causaria uma confusão tremenda. O julgamento foi suspenso depois do voto de Barbosa, feito da forma fatiada, como escolhera, e recomeçou na sessão seguinte, após um acordo entre os ministros. Lewandowski

tinha, então, recuado: reorganizou seu voto e votou, como Barbosa, também na forma fatiada. Na primeira derrota, os defensores queriam garantir aos réus o direito, expresso na Constituição brasileira, da dupla jurisdição: poder apelar da sentença a um tribunal mais alto. No julgamento pelo STF, corte acima de todas, esse direito praticamente não existe. E é preciso destacar que somente dois dos réus têm de ser julgados pelo STF, porque são deputados e têm foro privilegiado; 36 dos 38 não o têm. Os defensores dos réus foram derrotados sob o argumento de que se tratava de um processo único, no qual todos os acusados têm ligação com o grande crime que teria sido cometido, o da compra de votos por um “núcleo político” do PT e do qual faria parte José Dirceu, então chefe da Casa Civil do governo do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do fatiamento, ao argumentarem que o processo é um todo e seria mais justo ouvir o voto integral de cada 63 retratodoBRASIL

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ministro, os advogados dos acusados foram derrotados sob o argumento da conveniência: dividir o julgamento em partes facilitaria a compreensão das decisões. Afinal, pode-se perguntar: é um grande e único crime que obriga enfiar 38 pessoas num mesmo saco, mesmo desrespeitando direitos claros da grande maioria deles? Ou se trata de criar sete fatias de crimes que devem ser puxados de uma cartola de modo planejado, para criar um clima que ajude a condenar os petistas a qualquer preço, como mostramos nesta edição, em “O herói do mensalão”. O artigo descreve as gestões do ministro Barbosa, que atua mais como promotor do que como juiz nesse caso, empenhado praticamente numa campanha de opinião pública para vender a tese do mensalão. A maioria do STF parece disposta a ultrapassar limites. Segundo depoimentos de vários de seus ministros, a corte não sabe o que fará no caso de um empate de votos. Com a aposentadoria de Cezar Peluso, logo após o encerramento da primeira fatia da discussão, permaneceram dez ministros. Eles estariam discutindo o que acontecerá se houver uma decisão com cinco de um lado e cinco de outro: o presidente da corte, Ayres Britto, votará ou não pelo desempate? É uma duvida descabida. In dubio pro reo, lembrou Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, referindo-se a um dos pilares do direito penal, o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, em caso de dúvida, o acusado deve ser considerado inocente. “Nunca vi presidente de tribunal votar duas vezes para condenar alguém”, disse Calandra. A palavra de ordem que prevalece no STF no julgamento do mensalão petista parece ser: flexibilizar o direito penal. “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”, diz o Código Penal brasileiro no artigo 155. Isso significa dizer, no caso: os juízes não podem basear suas decisões principalmente nos indícios colhidos pelas investigações do Congresso Nacional e nas duas dezenas de inquéritos da Polícia Federal (PF) feitos a partir da denúncia do mensalão, quando o deputado Roberto Jefferson 6

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declarou que o PT estava pagando uma mesada a parlamentares e assim corrompendo o Congresso. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, por exemplo, comandou investigações. Do seu trabalho resultaram cassações de mandatos e renúncias de parlamentares e na sua conclusão ela encaminhou o pedido de indiciamento criminal de dezenas de pessoas. A CPMI não condenou criminalmente ninguém. Os depoimentos que ouviu, as perícias que promoveu, as acusações que fez são indícios que podem ser usados na AP 470, é óbvio. Mas as provas essenciais, diz a lei brasileira, são produzidas judicialmente, são as que estão nos autos do processo. O valor determinante para um julgamento é o das provas apresentadas diante de um juiz, num ato no qual o contraditório, a participação da

Ao negar à maioria dos réus a dupla jurisdição, “o STF pode ser visto como um órgão que vestiu a toga para matar, não para julgar” parte contrária, é indispensável, para que seja garantido outro princípio do processo penal: o do amplo direito de defesa. Sob o argumento de que estão julgando um crime dos poderosos, com ampla capacidade de manipulação e ocultação de provas de suas atividades “tenebrosas”, para usar a expressão de um deles, os ministros que formam a atual maioria, empenhada em condenar os mensaleiros, estão invertendo o princípio: relativizam a importância das provas produzidas em juízo e ampliam o peso dos indícios e contextos que sacam aqui e ali da fase do inquérito policial ou das investigações da CPMI. Vejam-se, por exemplo, os votos dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber na condenação do deputado João Paulo Cunha por crime de peculato. A ministra deu

um exemplo curioso: “Tem-se admitido, em matéria de prova, uma certa elasticidade na prova acusatória, valorizandose o depoimento das vítimas. É como nos casos de estupro. Nos delitos de poder não pode ser diferente”. A ministra parece estar muito impressionada com os comentaristas dos grandes jornais conservadores, que querem a condenação dos petistas a qualquer preço, e confunde seus clamores com indícios para condenar o “poderoso” Cunha, um ex-metalúrgico – como Lula –, que foi presidente da Câmara dos Deputados. Cunha foi condenado, entre outros, pelo crime de peculato por 9 votos a 2. Rosa e Fux, por exemplo, votaram pela condenação, a despeito de a acusação não ter conseguido provar ter ele cometido qualquer delito numa licitação usada para condená-lo, pela qual uma das agências do publicitário Marcos Valério ganhou concorrência para gerir 10 milhões de reais a serem usados para promover as atividades da Câmara. Quando, em 1994, julgou o ex-presidente Fernando Collor de Mello por crime de peculato – o de ter recebido de presente de seu tesoureiro de campanha, Paulo César (PC) Farias, um automóvel Fiat –, o STF decidiu em sentido oposto. Absolveu Collor de Mello porque a acusação não conseguiu provar a existência de um ato de ofício, uma decisão formal por meio da qual ele, como funcionário público, teria favorecido PC Farias em troca do Fiat recebido. Rosa e Fux condenaram Cunha porque não aceitaram sua explicação para ter recebido 50 mil reais de Valério. Cunha disse nos autos – e apresentou provas – que os 50 mil reais foram gastos com uma pesquisa eleitoral e que pediu o dinheiro a Delúbio Soares, tesoureiro do PT, num esquema de caixa dois cujo intermediário foi Valério. Rosa e Fux sabiam que havia um ato de ofício – a abertura do processo de licitação pela Câmara para a contratação da agência de Valério – assinado por Cunha. Mas esse ato de ofício, está provado nos autos, foi perfeitamente legal. Rosa e Fux passaram a dizer então que não é necessária a existência de um ato de ofício para provar um crime de peculato. Pode-se dizer que: 1. tinham diante de si um crime de caixa dois confessado; 2. mas precisavam de um crime maior, o do mensalão, inventado por Jefferson;

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STF

3. por isso, flexibilizaram a tese do ato de ofício necessário; 4. e, ao fazê-lo, esqueceram outro princípio: o de que, no direito penal brasileiro, cabe ao Ministério Público provar a acusação que faz. Desprezaram os depoimentos dos outros réus, Soares e Valério, os quais dizem serem os 50 mil reais enviados a Cunha dinheiro de caixa dois das campanhas petistas. A tese do mensalão foi criada pela acusação; a do caixa dois, pela defesa. Rosa e Fux não tiveram a dúvida que, por recomendação dos princípios do direito penal, favorece o réu: ficaram com as explicações que favorecem a tese de Jefferson. Votou em sentido contrário, pela absolvição de Cunha, acompanhando o revisor Lewandowski, o ministro Dias Toffoli. Ele disse bem: Cunha não tinha que provar ser inocente, podia até ter ficado calado. “A acusação é quem tem de fazer a prova. A defesa não tem que provar sua versão. Essa é uma das maiores garantias que a humanidade alcançou. Estou rebatendo [a acusação contra Cunha não apenas] em relação ao fato concreto, mas como premissa constitucional que esta corte deve seguir.” Roberto Gurgel, o procurador-geral da República, que cumpre o papel de acusador no processo, considerou que essa flexibilização caiu como o queijo sobre o seu prato de macarrão. Disse, após a condenação de Cunha, que o julgamento estava sendo encaminhado muito favoravelmente à sua acusação e que a aceitação de provas mais tênues para acusados de menor poder, como Cunha, mostrava a tendência da corte suprema de aceitar provas mais tênues ainda no caso da sua proposta de condenação de Dirceu, apontado por ele e pela grande mídia conservadora como o comandante do mensalão. Como se sabe, nos autos, além dos depoimentos dos réus Jefferson e Emerson Palmieri, do PTB – que podem ser levados em conta apenas como indícios, porque dos réus não é cobrado o juramento de dizer a verdade –, Gurgel não tem mais nenhuma testemunha ou prova documental ou pericial contra Dirceu. Em debate promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, realizado em meados do mês passado em São Paulo, o jornalista e escritor Fernando Morais disse que o STF tem em seu passivo histórico dois

Olga: em 1936, o STF permitiu que ela, grávida, fosse extraditada para a Alemanha nazista

casos graves de condenação política. Um, de março de 1936, quando negou pedido de habeas corpus para a militante comunista alemã Olga Benário, de origem judaica, grávida de uma filha de seu companheiro, o líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes. Os dois estavam presos no Brasil e o governo de Adolf Hitler pediu a extradição de Olga ao governo comandado por Getúlio Vargas. A defesa de Olga solicitou habeas corpus ao STF por dois motivos: a extradição colocaria sua vida em risco, pois os campos de concentração nazistas eram conhecidos pelo tratamento cruel dispensado aos detidos, especialmente se fossem comunistas ou judeus, e ainda colocaria sob o poder de um governo estrangeiro a filha de um brasileiro. O STF negou o pedido. Olga foi deportada e morta num dos campos de extermínio de Hitler (Anita Leocádia, sua filha, sobreviveu e hoje, com 75 anos, é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro; uma mulher com o mesmo nome está sendo julgada na AP 470). A outra decisão foi a que legalizou, digamos assim, o golpe militar que derrubou João Goulart da Presidência da República em 1964. A direita golpista levou ao STF um pedido para declarar vaga a Presidência sob o argumento de que Goulart abandonara o País. O

presidente, no entanto, estava no Rio Grande do Sul, sem qualquer sombra de dúvida. Tinha sido lá que, anos antes, fora organizada a resistência, afinal vitoriosa, para garantir sua posse em 1961, quando o então presidente, Jânio Quadros, renunciou e ele, como vice, teve seu mandato contestado pelos militares. O STF aceitou o argumento da direita e deu posse ao sucessor constitucional, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, que governou como preposto dos golpistas por 15 dias. Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), reconhece, como Retrato do Brasil, em artigo publicado pelo diário Valor Econômico, que “o Supremo, pressionado por uma mídia sobretudo oposicionista, negou direitos básicos à defesa”. Ao negar à grande maioria dos réus a dupla jurisdição, diz ele, “ao chegar à mesquinhez de proibir a defesa de usar o power point que facilitaria a exposição de seus argumentos, o STF pode ser visto como um órgão que vestiu a toga para matar, não para julgar”. Ele conclui, com razão: “A imagem da corte está em risco. Ninguém é legalmente culpado até ser condenado em processo justo [...] O Supremo não mostrou essa cautela”. Nós acrescentamos: e o que é pior, pode estar criando precedente para uma fieira de outros abusos. 63 retratodoBRASIL

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Política 1

O HERÓI DO MENSALÃO Como o ministro Barbosa armou para o público sua “historinha” e, com ela, rebaixou o nível do debate que deveria ter sido feito sobre o grande escândalo político por Raimundo Rodrigues Pereira

NÃO HÁ A menor dúvida de que o PT, que se dizia o grande partido da ética na política, paga hoje o preço de, ao chegar à Presidência da República, em 2003, ter mergulhado fundo no pântano dos financiamentos clandestinos das campanhas eleitorais. A avaliação de que o chamado mensalão é “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção da história do Brasil” é outra coisa. Está nas alegações finais apresentadas ao Supremo

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ilustração Amarildo

Tribunal Federal (STF) pelo procuradorgeral da República, Roberto Gurgel. Do mesmo gênero foi a avaliação de Antonio Fernando de Souza, que o antecedeu no cargo e encaminhou, em 2006, a denúncia que resultou na Ação Penal 470 (AP 470), agora em julgamento na suprema corte de Justiça do País. Pode-se dizer também que essa avaliação que supervaloriza os erros cometidos pelo PT é da oposição ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já está formulada nas conclusões da principal das comissões parlamentares de inquérito que investigaram o caso a partir de julho de 2005, após a denúncia espetacular de Roberto Jefferson. Mas, com certeza, a pessoa que transformou esse conteúdo numa peça com aparência de justiça para ser vendida à opinião pública foi o ministro Joaquim Barbosa, que cuida do mensalão desde que o caso chegou ao STF, em 2006, com o pedido feito pelo procuradorgeral Souza para que fosse aberto um inquérito na corte, visto que diversas pessoas acusadas tinham o chamado foro privilegiado.

Para lembrar: Na Justiça brasileira, pessoas com foro privilegiado – deputados como João Paulo Cunha, José Dirceu, Roberto Jefferson e outros, denunciados por Souza na época – só podem ser processadas e julgadas pelo STF, ao contrário das pessoas comuns, julgadas na chamada primeira instância, com direito a recorrer a uma alçada superior. Uma etapa inicial do processo judicial é o inquérito, cujas investigações são feitas pela polícia. Ele é dirigido por um promotor, um advogado do Ministério Público. Decisões suas que afetem os direitos constitucionais dos acusados, como, por exemplo, uma busca em sua residência, devem ser aprovadas por um juiz a quem o inquérito precisa ser comunicado. No caso de nossa história, em função do foro privilegiado, o inquérito, de número 2.245, foi comunicado ao STF, o promotor foi o procurador-geral da República, e o juiz, o ministro Barbosa. Após o inquérito policial, o procurador verifica se há indícios suficientes para mover uma ação penal destinada a julgar os acusados. Em caso positivo, encaminha denúncia ao juiz e este a examina para dizer se a aceita ou não. No caso, Barbosa examinou a denúncia de Souza e a aceitou. A seguir, encaminhou seu voto ao plenário do STF, que o aprovou e abriu a AP 470. Na ação penal, presidida por um juiz, são preparados os chamados autos do processo, com depoimentos, perícias, documentos, apresentados a ele sob as regras do contraditório, ou seja, as duas partes, acusação e defesa, devem ter amplo acesso às provas produzidas, com o direito de contraditá-las. Finalmente, concluída a fase de formalização dos autos, a ação vai a julgamento; no caso, o da AP 470 começou no início de agosto passado. Barbosa surgiu como um herói para a grande mídia conservadora do Brasil quando concordou com a denúncia encaminhada por Souza e, no plenário do STF, em fins de agosto de 2007, apresentou um voto de 430 páginas, lidas ao longo de 36 horas em cinco dias, defendendo a justeza de aceitar a denúncia. Seu voto pela abertura da AP 470 foi amplamente aceito. Até então Barbosa era relativamente estigmatizado. Fora escolhido para ser ministro do STF pelo presidente Lula, logo no começo de seu primeiro mandato, por ser negro, numa espécie de exercício da política de cotas raciais. Isso, de certo modo, foi mal recebido por expoentes da

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mídia mais conservadora que são contra esse critério para preenchimento de parte das vagas públicas em várias instâncias; no caso, o STF. O seu encaminhamento vitorioso da denúncia contra o mensalão petista, o chamemos assim, mudou radicalmente essa imagem e lhe valeu elogios estridentes. “O Brasil jamais teve um deplorável escândalo como o mensalão. Como compensação, também jamais teve um ministro como Joaquim Barbosa”, disse Veja em sua edição do início de setembro de 2007, num artigo de capa no qual enumerava suas qualidades de menino pobre que estudou muito e venceu na vida e sua sofisticação, desde falar várias línguas, vestir-se em lojas chiques pelo mundo e conhecer com detalhes a vida em Paris, Nova York, Los Angeles e San Francisco.

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as, essencialmente, Veja elogiava o fato de Barbosa ter se convencido da tese apresentada na denúncia de Souza em 2006, e encampada pela revista desde meados de 2005, de que “uma quadrilha liderada pelo ex-ministro José Dirceu movimentara dezenas de milhões de reais para corromper parlamentares em troca de apoio político”. Veja destacava, essencialmente, a sagacidade de Barbosa em transformar a denúncia do procurador-geral numa peça para o convencimento do público. Diz a revista: “Sua obsessão era a forma do voto, a estrutura, a ordem dos capítulos [...] Joaquim Barbosa fez um voto inteligente. Subverteu a ordem da denúncia preparada pelo procurador-geral da República”. Souza apresentou uma denúncia dividida em sete capítulos. No quinto, por exemplo, falava de 50 mil reais recebidos pelo deputado João Paulo Cunha, na época presidente da Câmara dos Deputados, e 326 mil reais recebidos por Henrique Pizzolato, então diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil (BB). Eles tinham apresentado essas quantias como sendo dinheiro do caixa dois confessado por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, dono de agências de publicidade com serviços prestados ao BB e à Câmara. O procurador-geral dizia que, nos dois casos, o dinheiro era, de fato, suborno. No terceiro capítulo, Souza apresentava dois tipos de operações da agência DNA com o BB como sendo a fonte de desvio de 2,9 milhões de reais e 73,8 milhões de reais de dinheiro público para as empresas de Valério. Barbosa mudou a ordem da apresentação dos supostos crimes: começou sua

“historinha”, como disse na ocasião ao diário O Estado de S. Paulo, pelo capítulo 5, no qual Souza tentava provar a corrupção de Cunha e Pizzolato. Depois foi para o 3, no qual Souza procurava mostrar que o dinheiro do esquema Soares–Valério viria, de fato, de desvio de dinheiro público. Deixou por último o capítulo no qual Dirceu é acusado de formar uma quadrilha, articulada com outras duas – uma de publicitários e outra de banqueiros –, para corromper o Congresso. Com essa forma, o escândalo ficou mais compreensível, “o capítulo anterior jogava luz sobre o capítulo subsequente”, como disse, na época, Barbosa ao Estadão. Barbosa reorganizou a denúncia do procurador-geral, mas com um voto unitário. No julgamento, quando, como relator, foi o primeiro a votar, já quase no final de agosto, após os pronunciamentos da acusação, pelo procurador-geral Gurgel, e das defesas, pelos advogados dos 38 réus, ele acabou impondo – com a ajuda do presidente da corte, Ayres Britto – a votação fatiada, para espanto dos ministros Ricardo Lewandowski, revisor da AP 470, e Marco Aurélio de Mello e protestos da maioria dos advogados dos réus. O fatiamento parece ter sido o grande truque de Barbosa. É uma espécie de técnica como a de comer o pirão a partir das beiradas, onde está mais frio. No caso, começar a julgar a complexíssima tese do mensalão a partir de um ponto que é quase um senso comum: o de que os políticos são corruptos e é grande o desvio de dinheiro público para proveito deles próprios. Certos setores da classe média e da burguesia brasileira devem fazer isso até com uma espécie de consciência culpada: deve-se notar que, no mensalão, a acusação tenta provar um desvio de dinheiro público de perto de 100 milhões de reais. Já a Receita Federal está cobrando de centenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas 86 bilhões de reais em “débitos vencidos”. Desse total, 42 bilhões são atribuídos a 317 grandes contribuintes (15 pessoas físicas e 302 jurídicas) – ou seja, um montante que equivale a mais de 420 vezes o dinheiro envolvido no mensalão. Cunha e Pizzolato foram as vítimas iniciais. Mas a história do ex-diretor do BB é, sem dúvida, a principal. Após a acusação de Barbosa, Pizzolato foi condenado quase unanimemente pelos outros dez ministros por quatro crimes: corrupção passiva, porque teria recebido 326 mil reais para favorecer Valério; lavagem de dinheiro, por ter recebido dinheiro em espécie e ocultado essa movimentação; um “pequeno peculato”, por ter desviado 2,9

milhões de reais por meio dos chamados bônus de volume, isto é, recursos dados pelos veículos de promoção e mídia em função do volume de serviços cobrados do BB, que seriam devidos ao banco, mas foram dados para uma empresa de Valério com a anuência de Pizzolato; e um “grande peculato”, pelo desvio de 73,8 milhões de reais, que também seriam do BB e foram dados para a mesma empresa de Valério, a partir de um fundo de incentivos ao uso de cartões da bandeira Visa. O que Barbosa fez ao começar pelas “historinhas” de corrupção é o oposto do que se recomenda num debate intelectual sério. Como disse o pensador italiano Antonio Gramsci, nesse tipo de discussão, na luta de ideias, ao contrário do que se faz na guerra, quando se come o pirão pelas beiradas, procurando destruir o inimigo atacando-o por seus pontos mais fracos, deve-se começar pelo ponto forte, o essencial da argumentação adversária. O propósito na luta de ideias não é destruir o adversário, como se faz com o inimigo na guerra, mas derrotar suas ideias errôneas e, dessa forma, contribuir para elevar o nível popular de consciência e informação.

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arbosa não é nenhum Gramsci. Fez o contrário, procurou contar uma “historinha”. Estavam em debate duas posições. De um lado, a dos maiores criminalistas do País, que defendem os acusados com a tese do caixa dois. Essa tese foi desenvolvida por Soares e Valério, já em 2005. Eles apresentaram provas e testemunhos de terem repassado clandestinamente 55 milhões de reais para pagar dívidas de campanha do PT e partidos associados a ele nas eleições. Disseram que o dinheiro vinha de empréstimos tomados – pelo PT, mas, principalmente, pelas empresas de Valério – nos bancos mineiros Rural e Mercantil de Minas Gerais. De outro lado estava a tese da maioria da CPMI dos Correios, a tese do mensalão. Ela dizia que os 55 milhões de reais admitidos pelos acusados como caixa dois não existiam. Seriam dinheiro público os 76,7 (73,8 + 2,9) milhões de reais da soma do grande e do pequeno peculatos de Pizzolato, desviados do BB para Valério. As quantias teriam sido fraudulentamente camufladas como empréstimos pelo publicitário com ajuda dos banqueiros do Rural. Os 326 mil reais que chegaram a Pizzolato seriam o suborno para ele fazer o desvio. Os banqueiros do Rural teriam feito a simulação porque estariam interessados num prêmio que Dirceu, chefe da quadrilha política, 63 retratodoBRASIL

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Para Barbosa, Valério tirou R$ 76,7 milhões do BB na “mão grande”. Ele ignorou as notas em poder da CBMP que comprovam os serviços do publicitário poderia obter do Banco Central para eles: a “bilionária” liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, como diz Gurgel em sua peça acusatória. E Dirceu e sua quadrilha política queriam o dinheiro para comprar o apoio de partidos no Congresso para o governo Lula. Como juiz, a nosso ver, para encarar o debate de frente, Barbosa deveria ter começado por dar seu veredicto sobre a acusação, isto é, dizer se a tese do mensalão fora ou não provada. Deveria fazer isso examinando a argumentação da defesa, a tese do caixa dois, e fazer isso com todo o empenho, para eliminar qualquer dúvida razoável em favor dos acusados, em respeito ao princípio in dubio pro reo.

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ote-se bem: ninguém pode dizer que os réus são inocentes se o propósito for corrigir os males do processo eleitoral brasileiro, totalmente corrompido pelo dinheiro. Muitos dos acusados são participantes confessos, em maior ou menor grau, de um crime eleitoral: o uso de dinheiro clandestino para financiamento de candidatos e partidos. Ao escrever sobre esse tema, poucos meses depois do ocorrido (ver no livro As duas teses do mensalão, Editora Manifesto, 2012, o capítulo “O PT no seu labirinto”, escrito em setembro de 2005), já dizíamos, por exemplo, o que está sendo observado agora por alguns analistas: os 4,1 milhões de reais repassados por meio do chamado valerioduto para o PP não podiam ser vistos como verba para pagamento de despesas de campanhas passadas. A adesão do PP à base do governo Lula foi tardia. Em 2002 esse partido, assim como o PMDB, se coligou com o PSDB no apoio à candidatura de José Serra à Presidência. É outro, no entanto, o caso de PT, PTB, PL e de seus políticos que receberam dinheiro do esquema. Dos 55 milhões distribuídos através do esquema Soares-Valério, a maioria foi para o próprio PT: 23,6 milhões de reais – sendo o equivalente a 10 milhões de reais depositado numa conta no exterior para Duda Mendonça, que, como se sabe, foi o marqueteiro da campanha de Lula à Presidência e de vários candidatos

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do PT a governador nas eleições de 2002. A segunda maior parte – 11,2 milhões de reais – foi para o PL, que estava coligado com o PT desde a formação da chapa presidencial, com Lula encabeçando-a e com o empresário mineiro José Alencar como vice. Mais 4 milhões foram para o PTB, de Roberto Jefferson. No primeiro turno da eleição presidencial de 2002, o PTB formou a chamada aliança trabalhista, com o PDT e o PSB, para apoiar Anthony Garotinho, o candidato à Presidência dessa última agremiação. No segundo, o partido de Jefferson apoiou a candidatura de Lula. Por que o valerioduto não repassou verbas para o PSB pagar suas campanhas de 2002? Por que não deu dinheiro para o PCdoB, outro de seus aliados históricos? Por que PTB, PP e PL são partidos, como se diz, mais fisiológicos, corrompíveis, digamos? É claro que pode ter havido compra de partidos, que candidatos possam ter usado o esquema clandestino Valério-Soares para melhorar suas contas pessoais e que, portanto, a tese do caixa dois não dá conta de todos os detalhes e não ajuda, de forma alguma, diga-se mais, a limpar as estrebarias formadas pelo dinheiro e pelos poderosos que o oferecem para orientar, em função de seus interesses, o processo democrático. Quem, dentre os defensores da tese do caixa dois, pode ter certeza de que os banqueiros do Rural e do BMG não queriam favores do governo? É claro que queriam. Mas o problema em discussão não é esse. A tese do caixa dois é a da defesa. Ela não tem, a serem seguidos os princípios do direito penal, o ônus da prova. É a acusação que está sendo julgada na AP 470. É a tese do mensalão, encaminhada pelo procurador-geral Gurgel na sua sustentação oral feita em 2 de agosto, na abertura do julgamento da AP 470. E é a forma como o relator Barbosa está levando os seus colegas do STF a julgá-la. É nossa opinião que, ao não dar um voto unitário inicial à altura das dimensões que o julgamento adquiriu, Barbosa visou, de modo doloso – para usar um termo jurídico –, abrir caminho para a vitória da tese do mensalão. Empenhou-se na defesa

dessa tese, buscando em seu apoio todos os indícios e suposições da fase do inquérito e praticamente ignorando as provas e testemunhos produzidos para os autos pela defesa, os quais, pela lei brasileira, deveriam ser os determinantes para a condenação dos acusados. Como disse o experiente sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico em 21 de setembro: “Temo que uma condenação dos principais líderes do PT, e do PT como partido, acabe tendo por fundamento não evidências apropriadas, mas o discurso paralelo que vem sendo construído”. O jornal então lhe perguntou se ele achava que os ministros estavam “dizendo, nas entrelinhas do julgamento”, que “o tribunal condenará alguns réus sem fundamentar essas condenações em provas concretas”. Ele respondeu: “É uma espécie de vale-tudo. Esse é meu temor. O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa dois de campanhas eleitorais e o que esse caixa dois provoca. A questão fundamental é: por que existe o caixa dois? Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum – que pode variar em magnitude, mas que está acontecendo agora, não tenho a menor dúvida. Como se o que eles estão julgando fosse alguma coisa inédita e peculiar, algum projeto maligno”.

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arbosa adotou o método da “historinha” para ganhar o público a partir dos preconceitos existentes contra a política. E também porque, observada na sua estrutura, a tese do mensalão é muito complexa e frágil. Ela precisa de uma superorganização criminosa. Precisa de três quadrilhas – associação criminosa que envolve, em cada uma, pelo menos quatro pessoas – unidas num mesmo propósito e com divisão de tarefas. As três quadrilhas devem ter uma hierarquia, porque, segundo essa tese, Dirceu, da quadrilha política, é o poderoso chefão e seria o articulador e comandante do grande esquema. As deformações decorrentes do encaminhamento dado à AP 470 por Barbosa podem ser vistas com mais precisão em

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Angeli/Folhapress

alguns absurdos cometidos no tratamento de questões financeiras essenciais. A quadrilha dos banqueiros teria grande interesse em falsificar os empréstimos da dupla Valério-Soares, de olho, por exemplo, na liquidação “bilionária” do Banco Mercantil de Pernambuco. Ocorre, no entanto, como disse repetidas vezes o advogado de um dos banqueiros, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, que essa liquidação foi “milionária”, ou seja, mil vezes menor. Barbosa mostrou, como prova da falsidade dos empréstimos para o valerioduto, o fato de um sócio de Valério ter recebido em sua conta um depósito de adiantamento de dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet e imediatamente ter aplicado o montante no Banco Rural, como se isso fosse uma manobra diversionista. Como se não fosse uma obrigação de toda pessoa sensata, no sistema em que vivemos, aplicar a juros uma bolada que recebe. Como se todos os convênios que o governo federal faz com estados e municípios, por exemplo, não fossem de adiantamento de boa parte de dinheiro e de prestação de contas a posteriori. E nos quais todos os secretários de Fazenda com bom senso mandam aplicar o dinheiro imediatamente. Mas o dolo principal de Barbosa é quanto aos dois peculatos de Pizzolato. Eles são a viga mestra da tese do mensalão. Esses 76,7 milhões de reais dos supostos dois desvios de dinheiro do BB substituem os 55 milhões de reais que, na tese do mensalão, não existem e teriam sido inventados pelos banqueiros, por Valério e por Soares para sustentar a tese do caixa dois. Em seu voto, ao omitir dezenas de provas e testemunhos da defesa, Barbosa praticamente diz que Pizzolato, sozinho, comandou a

retirada do dinheiro do BB, como se o banco fosse uma padaria de cujo caixa um dirigente pudesse retirar dinheiro com a mão. As provas da defesa, que Barbosa não apresentou, mostram que essa acusação é absurda. Ele sabia e deveria ter dito que o Fundo de Incentivo Visanet, para o uso dos cartões de bandeira Visa, a partir do qual a empresa DNA, de Valério, recebeu aquele dinheiro, era da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), dominada, no essencial, por uma empresa multinacional, a Visa International Services Association, estabelecida em San Francisco, na Califórnia. Sua ampla rede global possibilita a utilização de cartões de sua bandeira, Visa, por meio de 21 mil instituições financeiras em mais de 200 países. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a Visa criou no Brasil a CBMP. O estatuto da CBMP, assinado por todos os seus sócios – Visa (10%), Bradesco (39%), BB (32%) e mais de 20 outros bancos –, estabelece claramente que o dinheiro retirado pela CBMP de cada pagamento feito por meio dos cartões Visa, para promoção dos próprios cartões e através de cada um de seus sócios, lhe pertence. Barbosa sabe disso porque foi ele quem, até o final de 2006, um ano depois de o Fundo de Incentivo Visanet ter sido fechado em função do escândalo do mensalão, tentou fazer valer, sem sucesso, uma decisão do então presidente do STF, Nelson Jobim, que mandava a companhia permitir um exame de sua contabilidade. Era a CBMP, repita-se, comandada pela Visa – não pelo BB e muito menos por Pizzolato –, que ficava com os recibos dos pagamentos feitos pela DNA por conta de serviços de promoção dos cartões emitidos pelo BB com a bandeira Visa. Pelo que Bar-

bosa mostrou ao País pela televisão, o BB não tinha qualquer controle das contas da DNA, que basicamente não teria feito serviço algum, apenas carregado a grana para os esquemas fantásticos de Soares-Valério com a quadrilha de banqueiros mineiros. Mas isso é totalmente falso. Nos autos do processo está a avaliação de uma equipe de 20 auditores do BB, feita ao longo de quatro meses, com base nos recibos da CBMP, que provam o que Valério diz até hoje, aparentemente com razão: que sua empresa realizou todos os serviços de promoção pelos quais recebeu os adiantamentos.

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arbosa sabe também que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, que criou a tese do mensalão, mandou indiciar, pelos desvios que imaginou terem sido feitos no Fundo de Incentivo Visanet durante quatro anos de seu uso pelo BB, cinco pessoas, sendo três do governo FHC e duas da administração petista: Luiz Gushiken e Pizzolato. Por que sobrou apenas Pizzolato? O advogado dele, Sávio Lobato, diz que isso ocorreu apenas porque seu cliente era do PT. Pode-se dizer mais: só Pizzolato sobrou porque: 1) ele seria a porta de entrada para a “historinha” de Barbosa; 2) se Gushiken, ministro de Comunicação Social do governo Lula e superior hierárquico de Pizzolato, fosse incluído, isso atrapalharia. Embora responsável, em última instância, pela publicidade alocada pelo governo Lula, se entrasse na história, Gushiken destruiria a parte da tese que ainda hoje une a massa dos conservadores: a de que o ex-comunista, exguerrilheiro e ex-comandante da equipe que elegeu Lula, José Dirceu, é o chefão mais poderoso das três quadrilhas inventadas. 63 retratodoBRASIL

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Política 2

uma história

exemplar Henrique Pizzolato foi condenado no STF, de forma quase unânime, por quatro crimes. Pode ter sido uma decisão errada, em todos os casos por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

Henrique Pizzolato foi diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil (BB) do início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até pouco depois do estouro do mensalão, em agosto de 2005, quando foi afastado como um dos denunciados no escândalo. Em agosto passado, sete anos depois, foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) por quatro crimes: corrupção passiva, dois peculatos e lavagem de dinheiro. Foram 44 votos; cada um dos 11 ministros votou em cada uma das acusações. Só um voto não foi por sua condenação, o de Marco Aurélio de Mello, que o absolveu do crime de lavagem de dinheiro. Na história que publicamos a seguir tentaremos provar que todas as quatro condenações são injustas, mesmo a por corrupção, em cuja defesa ele apresentou uma versão, de fato, pouco convincente para 326 mil reais que recebeu do valerioduto, esquema montado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e pelo publicitário mineiro Marcos Valério. Nosso argumento nesse caso: ao réu cabe o benefício da dúvida; a acusação, à qual cabe o ônus da prova, não provou que Pizzolato não repassou o dinheiro para o PT do Rio de Janeiro, como ele alega. Diremos mais: a condenação pelos dois peculatos, essencial para “provar” a teoria do mensalão, simplesmente não se sustenta nos fatos.

um homem condenado Trinta e dois anos de carreira até o topo do Banco do Brasil. E, de repente, Pizzolato se transformou num pária Henrique Pizzolato tem 60 anos. Formou-se em arquitetura, com especialização em urbanismo. Estudou também comunicação social durante três anos. Em 1974, ainda universitário, passou em concurso para escriturário do Banco do Brasil (BB), onde, ao longo de 32 anos de carreira, ocupou diversos cargos, até chegar ao topo, em fevereiro de 2003, como diretor de Marketing e Comunicação, nomeado pelo recém-empossado presidente do banco, Cássio Casseb. Já conhecia Casseb do conselho da Brasil Telecom, no qual este representava a Telecom Itália e ele, a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB. Influiu em sua nomeação também, é claro, sua militância no PT, no qual ingressou logo na fundação, ainda estudante universi12

tário. Depois, foi eleito presidente do Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Sul e do Paraná, para onde se mudou antes de ir para o Rio de Janeiro, em Copacabana, onde mora até hoje. Foi no movimento sindical que Pizzolato conheceu, por volta de 1985, Luiz Gushiken, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e depois deputado federal pelo PT. Durante cinco meses, ele, Gushiken e Eduardo Jorge, também deputado federal pelo PT, dividiram um apartamento em Brasília. Pizzolato os convidou a trocar os quartos de hotel pagos pela Câmara dos Deputados pelo apartamento funcional da Associação Nacional dos Funcionários do BB, da qual era dirigente. Em 2002 seu mandato na Previ terminou

e veio a campanha de Lula, da qual Gushiken foi, junto com José Dirceu, um dos dirigentes. Pizzolato começou então a trabalhar ativamente para eleger Lula. Como a Previ tem investimentos junto a grandes empresas em diversos setores – hoteleiro, ferroviário, portuário, bancário, mineração, infraestrutura, turismo, lazer e imobiliário –, o partido lhe deu a função de apresentar o plano de governo petista em reuniões com os líderes patronais dos sindicatos, associações e entidades desses setores, a fim de obter apoio. Lula eleito, Gushiken foi ser ministro da Secretaria de Comunicação Social e Assuntos Estratégicos da Presidência da República e superior hierárquico de Pizzolato em relação aos assuntos relativos à publicidade do BB. Tudo parecia ir muito bem até 3 de agosto de 2005, quando a vida de Pizzolato virou de cabeça para baixo. Em manchetes de jornais, foi acusado de receber R$ 326.660,27 encaminhados a ele pelo empresário Marcos Valério, da agência de publicidade DNA. Valério já era tido como o operador do mensalão, o grande escândalo do início do governo Lula, e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, a mais importante de três formadas para investigar o caso, pegava fogo. O dinheiro fora sacado por um contínuo da Previ, Luiz Eduardo Ferreira da Silva, em uma agência do Banco Rural, no centro do Rio de Janeiro. Levado a depor na Polícia Federal (PF), o contínuo afirmou que Pizzolato lhe telefonou e pediu que fosse buscar “documentos”

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Pizzolato: a acusação de corrupção é a que mais dói. “Fui humilhado, execrado em praça pública. Tudo com insinuações, hipóteses. Não apresentaram uma prova”

no Banco Rural. Lá chegando, disse no depoimento, foi levado a uma sala interna do banco, onde lhe entregaram dois embrulhos em papel pardo, os quais disse ter levado pessoalmente a Pizzolato, em seu apartamento em Copacabana. Foi a notícia mais quente dos jornais do dia seguinte. As matérias destacavam que, pouco tempo depois do recebimento do dinheiro, Pizzolato comprara um apartamento de 400 mil reais, visto como prova suficiente de sua culpabilidade. Quinze dias depois, Pizzolato depôs na CPMI dos Correios. Seu advogado pediu habeas corpus ao STF para lhe garantir o direito de ficar calado, o que foi negado. Pizzolato disse no depoimento que suas ações no BB tinham sido aprovadas por Gushiken, o que causou sensação ainda maior porque, àquela altura, a questão do dinheiro que teria recebido de Valério já estava associada a outra denúncia, maior: a de ter desviado 73,8 milhões de reais do BB ilegalmente para as empresas do publicitário. Pizzolato então estaria dizendo

ter feito isso a mando de Gushiken, um dos maiores dirigentes do governo Lula. O mensalão não mais iria sair do noticiário dos jornais nos próximos sete anos. Pizzolato disse, em depoimento judicial, depois, que a sua inquirição pelos deputados e senadores na CPMI foi uma tortura, que se sentiu “humilhado”, “achincalhado”. Hoje vive recluso no apartamento em Copacabana. Não fala com a imprensa. Para Retrato do Brasil, sua única concessão foi enviar pela internet, a 7 de setembro, através de seu advogado, Marthius Sávio Lobato, em Brasília, uma declaração da Receita Federal com a qual buscava provar que, após uma devassa em suas contas, nada fora apurado contra ele. Mas RB teve cerca de oito horas de conversas com Lobato, que estudou na Universidade de Brasília, onde foi aluno de Gilmar Mendes, um dos ministros do STF hoje no julgamento do caso. Lobato diz que considera seu cliente um injustiçado. Conta que, na primeira vez em que Pizzolato falou para os autos

da Ação Penal 470 (AP 470) – ou seja, em depoimento judicial, tendo ele, como advogado, ao lado, em 14 de fevereiro de 2008 – o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Granado, abriu a audiência para toda a imprensa, fato que, diz ele, “não ocorreu em nenhum outro depoimento dos litisconsortes passivos, para utilizar a própria expressão do STF”. Lobato diz que ainda tentou anular o depoimento, mas o ministro Joaquim Barbosa negou o pedido sob o fundamento de que o processo não está sob sigilo. Depois de aberta a AP 470, Barbosa expediu as chamadas “cartas de ordem” para que os réus fossem ouvidos pela Justiça em seus estados de origem. Em 2008, quando terminou seu depoimento no Rio, o juiz Granado concedeu a Pizzolato o direito de, “como pessoa humana”, dizer mais algumas palavras em sua defesa, se quisesse. Pizzolato disse: “Eu queria dizer da minha revolta, da minha insatisfação da forma como eu fui envolvido nesses fatos, porque eu tive a minha carreira profissional 63 retratodoBRASIL

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destruída, tive a minha família exposta, fui humilhado, fui execrado em praça pública, fui julgado, fui satanizado em público [...] tudo a partir de insinuações, não foi apresentado um documento; tudo a partir de hipóteses”. Lobato disse a RB que Pizzolato tinha saído dessa fossa e se animara com a preparação das alegações finais de sua defesa, entregues ao STF em 30 de agosto do ano passado. Mas a sentença dos ministros do STF o teria arrasado. O crime de corrupção passiva é, talvez, o que mais lhe doa. A acusação é a de que ele embolsou os 326 mil reais repassados por Valério, justamente para facilitar os desvios dos dois crimes de peculato, um de 2,9 milhões de reais e outro de 73,8 milhões de reais. E, para encobrir a corrupção cometeu outro crime, o de “lavagem de dinheiro”, ocultando origem, movimentação e destino dos recursos recebidos de Valério a 15 de janeiro de 2004. No seu depoimento, Pizzolato disse que naquele dia recebeu uma ligação em seu celular de uma mulher que dizia ser a secretária de Valério, pedindo que fizesse o favor de ir buscar “documentos para o PT” em um “escritório” no centro da cidade. Pelo fato de estar muito ocupado, diz Pizzolato, acertou com a secretária mandar outra pessoa em seu lugar, no dia seguinte, com o compromisso de entregar os documentos ao representante do PT que iria procurá-lo no mesmo dia. Pizzolato diz que recebeu uns envelopes do contínuo Silva e os repassou, como combinado, a uma

pessoa do PT que o procurou. Diz que não abriu os envelopes, não quis saber o nome do emissário do partido e nunca mais viu a cara dele. Lobato nega todos os crimes dos quais Pizzolato é acusado. Diz que Barbosa não analisou as provas apresentadas por ele nos autos. No caso da corrupção, diz, Barbosa e os juízes principalmente especularam sobre a versão

Valério: Delúbio mandou R$ 2.676.660,67 para o PT-RJ. R$ 326.660,67 via Pizzolato que Pizzolato deu para a encomenda recebida de Valério. A acusação, diz Lobato, primeiro trabalhou muito para provar que Pizzolato teria comprado um apartamento de 400 mil reais, no mês seguinte ao recebimento de dinheiro de Valério, mas fracassou. Pizzolato provou que comprou o apartamento com suas economias, com um cheque do BB e mais 100 mil reais em espécie, resultado

FolhaPress

O relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio, nas alturas: a oposição comemora

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da venda de dólares que comprara – ele mostrou o comprovante de aquisição. Em depoimento judicial, Valério disse que o diretório do PT do estado do Rio de Janeiro, de acordo com o então tesoureiro do PT, Soares, tinha débitos de campanha de 2002, estava se preparando para as eleições municipais de 2004 e foi o que mais recebeu recursos do esquema comandado por Soares. O tesoureiro do PT, então, solicitou a ele que remetesse um total de R$ 2.676.660,67 ao PT fluminense. As pessoas indicadas para o recebimento foram Manuel Severino, Carlos Manuel e Pizzolato, disse Valério. Os R$ 326.660,67 repassados via Pizzolato seriam parte desse total. Valério disse também que Pizzolato trabalhou na campanha eleitoral de 2002 com Soares, no Rio de Janeiro. Lobato diz, com razão, que o ônus da prova é da acusação: “Cadê a prova de que Pizzolato pegou esse dinheiro para ele?”. Ao depor na CPMI em 2005, Pizzolato abriu para a Justiça, imediatamente, todos os seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. Mostrou que tinha recursos mais que suficientes para comprar o apartamento que a acusação sugeria ter saído de suborno recebido. Em 2005, por exemplo, recebia 4 mil reais da Previ, 19 mil reais do BB, 18 mil reais a título de participação no conselho da Embraer e mais 4 mil reais devido à atuação no conselho da Associação Nacional dos Funcionários do BB. Lobato mostra a RB o imposto de renda de Pizzolato que está nos autos. Em 2003, seu patrimônio era de R$ 1.304.725,45. Em 2004, de R$ 1.768.090,23, já incluído o apartamento comprado em fevereiro daquele ano. Seu rendimento bruto anual em 2004 foi de R$ 717.611,46 – aproximadamente 60 mil reais por mês. “A Receita Federal e a Polícia Federal não conseguiram encontrar nenhuma irregularidade nas contas de Pizzolato”, diz Lobato. Pizzolato tem razão? Ele pode ter omitido fatos e o nome de pessoas em sua versão da história, o que a tornou pouco crível. Mas, aceitando-se a tese do caixa dois, sua versão pode ser verdadeira. E ele merece, pelo menos, o beneficio da dúvida, nesse caso. Mais ainda porque os dois crimes de peculato de que é acusado, e pelos quais ele teria recebido o suborno, podem ter sido simplesmente inventados para sustentar a tese do mensalão, como relatamos a seguir.

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onde estavam os documentos? Barbosa disse que o BB não tinha recibos do dinheiro gasto por Valério. Mas sabia que estavam com a CBMP, controlada pela Visa Ele previa a cobertura para atividades de promoção de todo tipo. No seu item III.4, definia as “ferramentas mercadológicas”, a serem usadas. Eram especificadas algumas dezenas dessas ferramentas, como: “publicidade em mídias de massa”, “TV, rádio, revistas, jornais, outdoors, mobiliário urbano, front e back lights, painéis, etc.”; “merchandising, trabalhos de planejamento, criação, layout, editoração, produção, veiculação e comissão de agência de publicidade”; “programas de fidelização ou promoção para portador no ponto de venda, nas agências bancárias, via internet, correio, telefone ou locais de grande fluxo de portadores para estimular venda do plástico; de planejamento e criação, produção de material gráfico, de divulgação e de apoio, contratação de promotores, compra de benefícios, brindes, prêmios, taxas governamentais de aprovação e alvarás”. E por aí afora. O FIV era administrado por um comitê gestor, formado por um presidente, um diretor de Finanças e Administração e outro de Marketing, todos da Visanet, a quem cabia verificar se os recursos estavam sendo empregados “de acordo com as diretrizes, a estratégia do negócio e as condições do Regulamento”. Os recibos dos gastos da agência de publicidade DNA, de Valério, tão citados no mensalão, ficavam com a CBMP, que fazia pagamentos diretamente à agência. Ao definir sua

José Cruz /Agência Senado

Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), fundada no Brasil em 1995 e que passou a operar mais amplamente a partir de 2001. O capital controlador da CBMP é da Visa International Service (Visa), que tem 10%; do Bradesco, com 39%; e do BB, 32%. O restante está dividido entre cerca de 20 outros sócios – bancos como Itaú, Santander e BankBoston. Pode-se dizer, porém, que o controle da CBMP sempre foi da Visa, empresa americana do mundo financeiro globalizado criado nas últimas décadas. Ela é a possuidora dos direitos dos cartões de crédito e débito da bandeira com seu nome, emitidos em cerca de 200 países. A partir de 2001 a CBMP começou a operar no Brasil o Fundo de Incentivo Visanet (FIV), “com o objetivo único”, como diz um de seus documentos, “de realizar ações de marketing destinadas a incentivar o uso dos cartões Visa pelos consumidores”. O FIV era formado por uma porcentagem dos negócios com os cartões e a CBMP destinava os recursos assim obtidos a ações de promoção e marketing dos mesmos, a serem comandadas pelos sócios. O dinheiro movimentado pelos cartões da bandeira Visa é monumental: no mundo, passa de 5 trilhões de dólares por ano. No Brasil, é mais de 1 bilhão de reais anualmente, somando-se apenas os negócios feitos com os cartões Visa do BB. A CBMP arrecadou para o FIV cerca de meio bilhão de reais entre 2001 e fins de 2005, quando o fundo foi encerrado; na verdade, mudou de nome, devido à má repercussão das histórias divulgadas a respeito dele no mensalão. O BB foi o líder dos negócios com cartões de bandeira Visa nesse período. Sua parte no FIV foi grande e crescente: aproximadamente 150 milhões de reais entre os anos de 2001 e 2004: 60 milhões de reais nos anos 2001–2002 – no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto – e 90 milhões de reais nos anos 2003–2004, já no governo Lula, quando Pizzolato era diretor de Comunicação e Marketing do BB. Desde a criação da CBMP, o FIV tinha um regulamento que cada sócio deveria observar para usar os recursos.

participação no FIV, em 2001, o BB decidiu, por questões fiscais, que os recursos do FIV não passariam por seu orçamento. E nunca fez um contrato específico com a CBMP nem com a agência DNA para o uso dos recursos do FIV. Essa situação persistiu até meados de 2004. A DNA trabalhava com publicidade e promoção para o BB desde 1995. Entre 2001 e 2002 dividia os trabalhos de promoção com uso do dinheiro do FIV com outras agências contratadas para servir o banco. No final de 2002, ainda no governo FHC – destaque-se, para melhor entendimento de nossa história –, o BB decidiu dividir os trabalhos das suas agências entre as áreas de negócios chamadas de “governo”, “atacado” e “varejo” e escalou a DNA para o varejo, em que se encontravam os serviços para promoção de seus cartões com bandeira Visa. O ministro Barbosa conhece bem toda essa história. Sabe, por exemplo, que os originais dos recibos dos serviços da DNA prestados ao BB eram da CBMP e que a companhia resistiu judicialmente por longo tempo a entregar tais recibos, mesmo com o escândalo do mensalão, depois de ter sido determinado, a 11 de janeiro de 2006, pelo então presidente do STF, Nelson Jobim, o acesso de peritos do Instituto Nacional de Criminalística “a todos os documentos da empresa no período de 2001 até janeiro de 2006”. Em junho de 2006, quando Barbosa já era, no STF, o ministro encarregado de supervisionar o andamento do inquérito 2.245, relativo ao mensalão, ele recebeu uma

Já em 2005 Valério afirmava ter feito os trabalhos pagos pelo Fundo de Incentivos Visanet: na foto, advogados dele entregam o que seriam suas provas à CPMI dos Correios (o relator, Serraglio, à esquerda; ao centro, o presidente, Amir Lando)

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STF

Receitas do FIV utilizadas pelo Banco do Brasil 2001

Adiantamentos às agencias de publicidade

Gastos com notas fiscais em poder da CBMP

Gastos sem notas fiscais

R$ milhões

R$ milhões

%

R$ milhões

%

%

28,83

26,4

91,57

28,76

99,76

0,24

2002

32,03

21,9

68,37

31,99

99,88

0,12

2003

38,43

29,7

77,28

38,28

99,61

0,39

2004

52,01

34,1

65,56

51,45

98,92

1,08

Barbosa não viu Os números da auditoria mostram o que o relator provavelmente não quis ver A tabela acima foi construída a partir da auditoria feita por 20 técnicos do BB por quatro meses, logo após a denúncia do mensalão. Ela mostra que o Fundo de Incentivo Visanet (FIV) foi operado pelo BB, entre 2001 e 2004, da mesma forma, tanto nos anos do governo FHC (2001–2002) como nos anos do governo Lula (2003–2004). Diz o relatório da auditoria que as regras para uso do fundo pelo BB tiveram duas fases: uma, de sua criação, em 2001 , até meados de 2004, quando o banco, em função de não ter adotado “definições formais acerca dos direcionamentos estratégicos”, como tipo de “eventos ou ações que poderiam ser patrocinados”, adotou “como referencial básico, o Regulamento de Constituição e Uso do Fundo” da CBMP, que é sua “legítima proprietária”; e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o banco criou uma norma própria para o controle dos recursos do fundo. Os auditores fizeram simulações por amostragem para verificar a porcentagem das ações de incentivo para as quais existiam comprovantes, no banco, de que elas tinham sido de fato realizadas. Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Referente ao período 2001–2002, não foram localizados esses documentos. Já com relação aos anos 2003 e 2004, entre as 93 ações encaminhadas à Visanet, nas 33 ações selecionadas como amostra para a análise, para três delas não havia qualquer documento e para 20 havia parte dos documentos. Ou seja: somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, estas chegavam a 45% do total de recursos despendidos. Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP, que, por estatuto, era a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena em proporção aos valores dos gastos autorizados, como se vê ma última coluna da tabela. Para condenar Pizzolato, o relator Barbosa não destacou esses dados. Não os viu ou não os quis ver?

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petição do então procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, relatando as dificuldades impostas pela CBMP ao acesso dos peritos a sua documentação. Souza requisitou “busca e apreensão” na sede da empresa, além da “quebra do sigilo do fluxo de comunicações e de dados em sistemas de informática e telemática” da CBMP. Barbosa aprovou os pedidos do procurador-geral e a busca foi feita, mas a empresa apelou ao STF para reconsideração da decisão. A CBMP já havia encerrado as atividades do FIV em fins de novembro de 2005, mas uma intensa disputa judicial então já estava em curso. O BB tinha suspendido o contrato com a DNA em função do escândalo do mensalão. Tinha também alterado o modo de relacionar-se com a empresa de Valério já em meados de 2004, para melhorar o controle dos gastos. Valério ingressou com ações na Justiça para cobrar do BB por serviços feitos e que não teriam sido pagos. Em junho de 2009, já com a AP 470 com dois anos de andamento, Barbosa enviou ao BB um questionário relativo ao possível descumprimento de contrato com a agência de publicidade “no que diz respeito ao bônus de volume (BV) referente ao período de fevereiro de 2003 a julho de 2005”. A escolha das datas, que coincidem com a entrada e a saída de Pizzolato da Dimac, a diretoria de Marketing e Comunicação do BB, é óbvia: Barbosa já tinha Pizzolato como um alvo. Por que ele fez isso, visto que a auditoria a que teve acesso mostrava claramente: que o FIV tinha sido operado por Pizzolato exatamente como nos anos 2001–2002; que os recursos eram sempre adiantados à DNA e às outras agências, em cerca de 80% do total a ser gasto, antes de as despesas serem feitas; e que fora na época em que Pizzolato era diretor do BB, em meados de 2004, que tinham sido feitas mudanças – aliás, bem-sucedidas – na gestão do FIV, para evitar possíveis abusos? Mais ainda: por que ele aceitou a denúncia e encaminhou a condenação somente de Pizzolato se a CPMI dos Correios tinha pedido o indiciamento de mais quatro pessoas, entre as quais três dirigentes de setores ligados à publicidade e promoção do banco que assinaram com ele as autorizações para os adiantamentos feitos à DNA, de Valério? As respostas serão dadas nas páginas seguintes.

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o pequeno pilar do mensalão É a acusação que trata dos bônus de volume. E tem lei do Congresso, contra a qual se insurge o presidente do STF Os dois peculatos – desvios de 2,9 milhões de reais e 73,8 milhões de reais do BB – que Pizzolato teria cometido a favor da agência DNA, de Valério, formam os pilares de sustentação do mensalão. Se a acusação não consegue provar esses dois desvios, a tese do mensalão desmorona (ver “O herói do mensalão”, nesta edição). O pequeno peculato trata do bônus de volume (BV). O que significa o BV? A acusação é de que a DNA de Valério embolsava indevidamente bonificações que seriam do BB, dadas a ela, pelas empresas com as quais contratava serviços para promoção dos cartões Visa do BB, em função do volume dessas contratações. No interrogatório judicial de Pizzolato, em 2008, o juiz Granado leu um trecho da denúncia do então procurador-geral que afirmava que as bonificações de volume pagas pelos fornecedores de serviços para a DNA – jornais, TVs, empresas de promoção contratadas pelo publicitário para os trabalhos de estímulo ao uso dos cartões Visa do BB – deveriam ter sido repassadas ao BB pela agência de Valério e não o foram. O próprio Granado informou que esse procedimento era antigo: cinco agências, entre 2000 e 2005, embolsaram esses BVs e não apenas a DNA. Pizzolato fez, então, primeiro, um esclarecimento. Mostrou que existem dois tipos de bonificação. Uma é o BV, fruto da relação entre a agência de publicidade e o fornecedor de mídia – TVs, rádios, jornais, revistas, etc. “O nome já diz, é uma bonificação em função do volume”, disse Pizzolato. Não se restringe ao volume de publicidade veiculado pela agência por um cliente, como o BB. Todas as agências que prestavam serviços para o banco tinham vários clientes e o BV era dado pelas empresas de mídia às agências pelo volume total de anúncios veiculados. “Isso, doutor, é praticado em todo o mercado, público e privado”, disse Pizzolato a Granado. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) confirma isso em uma auditoria a que Granado tinha se referido, acrescentou Pizzolato: “[O TCU] diz que o BV foi praticado no Banco do Brasil de 2000 a 2005, por todas as cinco agências que prestaram serviços ao banco nessa época”. Pizzolato ex-

plicou depois que o BV se distingue de bonificação de espaço, que vem da relação entre o BB e os fornecedores de mídia. “Os fornecedores – jornais, rádios, televisões – costumam oferecer uma bonificação de espaço, de mídia, para que o período de compra seja mais longo. Por exemplo, eu comprei 60 dias de espaço no Valor Econômico. O Valor Econômico me faz uma proposta: se você comprar noventa dias ou seis meses eu te ofereço, como bonificação de mídia, o caderno especial de domingo, porque vou lançar um caderno especial, um encarte. Pode dizer também: eu te dou mais 5% de desconto”. Nesse caso, o banco participa da negociação. E todo

Pelas datas dos pedidos se vê, claramente. O relator e o procurador geral queriam pegar Pizzolato esse tipo de bonificação foi revertido para o BB, disse Pizzolato ao juiz. Nesse caso, não há transação financeira, disse Pizzolato a Granado. O próprio procurador-geral Souza, na denúncia apresentada ao STF em 2006, citou uma apuração do TCU na qual constava que a DNA teria recebido esses BVs indevidamente desde 2000, num valor de 4,3 milhões de reais. Mas, como Souza já tinha como foco Pizzolato, ele destacou que, desse dinheiro, “2,9 milhões se referiam ao período de 31/03/2003 a 14/06/2005, da gestão de Pizzolato na Diretoria de Marketing do Banco do Brasil”. Como já se disse, Barbosa também visava pegar Pizzolato, quando, em 2009, com a AP 470 já em pleno curso, enviou interrogatório à direção do BB da época pedindo informações sobre eventual descumprimento

de contrato por BVs, exatamente no período em que Pizzolato estava no banco. O banco, no entanto, respondeu de modo mais amplo. Disse que existiam no TCU cinco processos sobre BVs que tratavam do BB, envolvendo justamente as cinco grandes agências que prestavam serviços para o banco entre 2000 e 2005: Grottera, Lowe, DNA, D+Brasil e Ogilvy. O BB mostrou a Barbosa que apresentou recursos contra decisão do TCU que mandava o banco pedir auditoria nas cinco agências, para poder juntar, aos autos do processo naquele tribunal, todas as notas fiscais relativas a serviços de BVs emitidas por essas cinco agências. O BB mostrou que isso não foi aceito por nenhuma delas. Todas informaram que “as notas fiscais relativas a BVs, por dizerem respeito a negociações privadas entre elas e seus fornecedores, nada tinham a ver com seus contratos firmados com o Banco do Brasil” e não estavam contempladas entre os documentos que poderiam ser fiscalizados pelo banco. As defesas de Pizzolato e Valério mostraram nos autos, com testemunhos importantes – de vários destacados profissionais do meio de comunicação e marketing –, que o Ministério Público tinha feito uma interpretação equivocada do BV. Todos afirmaram que o BV não pertence à empresa contratante (no caso, o BB), e sim à agência de publicidade. Uma dessas testemunhas foi o diretor-geral da Rede Globo, Octávio Florisbal, que criou o BV no mercado de propaganda e marketing brasileiro. Ele disse que “praticamente todos os veículos impedem que a agência repasse esses volumes ou esses valores para os anunciantes”: “No caso específico da empresa em que eu trabalho, toda vez que nós temos conhecimento de que uma determinada agência está repassando a bonificação de volume para um determinado anunciante, nós suspendemos esse plano, porque esse não é o objetivo”. Florisbal citou normas do mercado de publicidade, decisões e acordo recente “entre anunciantes, agências e veículos” para comprovar que o BV é “direito da agência e não deve ser repassado aos anunciantes, sejam da iniciativa privada, sejam anunciantes de estatais”. Barbosa, o relator do julgamento do mensalão, citou diversas vezes, para condenar Pizzolato, os termos do 63 retratodoBRASIL

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ABr

contrato entre o BB e a DNA. Leu um dos seus itens, que diz que a agência deveria “envidar esforços para obter as melhores condições nas negociações junto a terceiros e transferir, integralmente, ao banco, os descontos especiais (além dos normais previstos em tabelas), bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens”. As bonificações citadas no contrato, diz Lobato, são as tais “bonificações de mídia” oferecidas pelos fornecedores para estimular vendas por períodos mais longos. No TCU, ao analisar o caso DNA– BB, a ministra Ana Arraes considerou regular o fato de a agência ficar com o BV. Tomou como base a Lei 12.232, sancionada em 2010, que autoriza isso explicitamente, em dois artigos, um deles referindo-se a contratos encerrados antes de a lei entrar em vigor. Ela tomou por base a votação de processos idênticos, firmados pelo BB com outras empresas, relatados pelo ministro do TCU Marcos Vinicios Vilaça. Ao fundamentar essa decisão o ministro afirmou: “Além de inútil na prática, a quantificação de BV é algo impossível de controlar, porque o prêmio depende, primeiro, da política de incentivos do ofertante e, segundo, dos investimentos feitos à ordem de outros contratos que a agência possui. Tenho assistido, perplexo, ao Tribunal orientar as entidades públicas a efetuarem auditorias em agências de publicidade para apuração do bônus de 18

STF

ABr

Ana Arraes, no centro da foto, o ministro Vilaça, à esquerda, e Ayres Britto, à direita: pelo TCU, ela reafirmou as regras e ele considerou que era absurdo ser diferente. Já o presidente do STF se rebelou contra a lei

volume. Não vejo cabimento nisso”. O fato é que a Lei 12.232/2010, que dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação de serviços de publicidade pela União, foi editada para regulamentar o que já existia nas relações de fato entre agências e anunciantes públicos e privados. O projeto que deu origem à lei é do então deputado e hoje ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. É de 2008 e legaliza a retenção, pelas agências, dos BVs nos contratos com as empresas estatais. O projeto aprovado foi o emendado pelos parlamentares Milton Monti (PR–SP) e Claudio Vignati (PT–SC). Vignati diz que a emenda foi pedida pelo setor de publicidade, porque as agências sempre retiveram na prática os BVs. Para sanar

a polêmica que havia, o que era “uso e costume” foi colocado na lei. O ministro Ayres Britto, presidente do STF, ao condenar Pizzolato e Valério, saiu-se com uma proposta disparatada: atacou a lei feita pelo Congresso: “Essa lei foi preparada intencionalmente, maquinadamente, para coonestar com os autos desta Ação Penal 470”. Para Britto, a lei “é um atentado descarado ao artigo 5º, inciso 36, da Constituição, que fala do princípio de segurança jurídica, dispositivo que é verdadeira cláusula pétrea”. O presidente da suprema corte, agora, além de dar sentença, parece querer mandar o Congresso fazer nova lei. E revisar dezenas e dezenas de contratos feitos pelas estatais, que respeitaram os BVs nas últimas décadas.

O DESVIO NA “CASA DA MÃE JOANA” A se acreditar nas descrições do relator e do revisor da AP 470, Pizzolato teria tirado 73,8 milhões de reais do BB na “mão grande” Quanto ao grande peculato, o desvio de 73,8 milhões de reais do BB para Valério, que teria sido feito sob o comando de Pizzolato, tanto o relator Joaquim Barbosa como o revisor Ricardo Lewandowski apresentaram em seus votos para os nove colegas do STF um cenário absolutamente incrível. Entre 2003 e 2004, no cargo de diretor do BB, Pizzolato teria comandado, sozinho, o desvio daqueles milhões de reais do banco para a agência de publicidade DNA, principalmente

na forma de adiantamentos, sem que se tenha comprovado a realização de qualquer propaganda ou promoção. Também isoladamente ele teria prorrogado um contrato de publicidade com a DNA, no período de abril a setembro de 2003. E, além disso, sem qualquer processo licitatório, Pizzolato teria dado a conta de publicidade do Banco Popular, lançado na época pelo BB, para a mesma agência do operador do mensalão, como se fosse o dono de uma espécie de “casa

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da mãe Joana” gigante e pudesse decidir tudo sozinho. No caso das quatro notas técnicas de liberação de recursos para a DNA apresentadas por Barbosa para incriminar Pizzolato, o comitê de marketing da Visanet examinou todas as suas ações e as aprovou. Essas notas técnicas são planos de trabalho elaborados pelos gerentes executivos das áreas de varejo e publicidade do banco que recebem o “de acordo” dos diretores dessas áreas. No caso das notas apontadas como ilegais, em todas elas Pizzolato apenas deu o seu “de acordo” em conjunto com os demais diretores. Além disso, apesar de Barbosa desconsiderar o fato, todas tinham, no mínimo, a assinatura dos dois gerentes executivos dos comitês de marketing do BB – Cláudio de Castro Vasconcelos e Douglas Macedo – e dos dois diretores das áreas de varejo e marketing – respectivamente, Fernando Barbosa de Oliveira e Pizzolato. Como o dinheiro do fundo Visanet é considerado privado, conforme as interpretações tanto do BB como da Visanet, em seu voto para incriminar Pizzolato, Barbosa disse que não importava se os recursos eram públicos ou privados, mas, sim, que Pizzolato tinha a posse deles e os desviou em benefício da DNA e em prejuízo dos cofres públicos. E deu o exemplo do peculato do carcereiro, que trabalha em uma cadeia pública, mas rouba os pertences dos presos, que são privados. “Mas e se o dinheiro estivesse na conta corrente do preso?”, diz o advogado Lobato. “O carcereiro conseguiria tocar no dinheiro? Não, o dinheiro só sairia de lá se o próprio preso, ou seu representante legal, o retirasse. É o que acontece no caso do Pizzolato. O dinheiro não estava no BB e só quem podia tirá-lo do fundo Visanet eram os representantes legais do BB junto ao fundo. Pizzolato não tinha essa representação; logo, não tinha a posse do dinheiro”, disse Lobato. Barbosa insistiu em dizer que Pizzolato autorizava sozinho os adiantamentos de recursos para a DNA, desconsiderando todos os depoimentos em juízo de dirigentes do BB que trabalhavam com ele e que testemunharam em sua defesa. Vasconcelos, funcionário do BB por 25 anos, que trabalhou na Dimac, reconheceu sua assinatura em algumas notas e esclareceu: “No Banco do Brasil não existem decisões individualizadas. Todas as decisões são por comitê. Então, a primeira decisão é da divisão, depois vai para a gerência

executiva, para a diretoria e, dependendo do valor, pode subir ao Conselho Diretor do banco. Rapidamente, pelo que eu vi, essa nota foi submetida ao Conselho Diretor do Banco do Brasil, pelo valor do dispêndio. Ela foi primeiro aprovada no comitê da Diretoria de Marketing, depois no Comitê de Comunicação, de que fazem parte outros diretores da empresa, e, por fim, no Conselho Diretor do banco. Na diretoria de Marketing, quatro pessoas; no Comitê de Comunicação, se não me engano, são nove diretores; no Conselho Diretor do banco tenho a impressão de que são o presidente e mais sete vicepresidentes”. “Em algum caso era possível a Henrique Pizzolato assinar e autorizar sozinho qualquer verba de publicidade e propaganda, seja verba do Banco do Brasil, seja da Visanet?”, quis saber Lobato. Vasconcelos respondeu: “Como

Barbosa inventou que depoimentos de amigos não valem. De onde ele tirou essa regra? eu disse anteriormente, as decisões são todas colegiadas. Nem o presidente do banco toma decisões isoladas”. Esse regime colegiado foi instituído no BB em 1995, quando o banco foi reestruturado, durante o governo FHC. Vasconcelos confirmou ainda “o sucesso das campanhas publicitárias desenvolvidas pela DNA, que colocaram o Banco do Brasil na liderança do faturamento de cartões de crédito entre os bancos associados à Visanet”. Um indício de que a publicidade foi realizada e, como disse Vasconcelos, com sucesso, está no aumento do volume de negócios dos cartões emitidos pelo BB com bandeira Visa. Esse volume cresceu em média 35% no período de 2001 a 2004, enquanto o mercado teve aumento de 29% no mesmo período.

Barbosa e Lewandowski ignoraram também a auditoria do BB, já citada, feita por 20 técnicos ao longo de quatro meses. Ela, como vimos, mostra que os recursos usados pelo banco para publicidade dos cartões de bandeira Visa foram geridos por Pizzolato basicamente como o haviam sido nos anos 2001–2003. Entre 2001 e 2004, dos cerca de 150 milhões de reais pagos pela CBMP para ações de incentivo ao uso dos cartões de bandeira Visa do BB, tanto no período 2001–2002, quando foram usados 60 milhões de reais, como nos anos 2003 e 2004, quando se usaram 90 milhões de reais, sempre cerca de 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco. As antecipações, mostrou o trabalho dos auditores, tanto as de 2001–2002 como as de 2003–2004, foram repassadas às agências de publicidade contra a apresentação de documentos fiscais no valor global das ações. No caso das do período 2001–2002, no documento do BB que pedia as antecipações constava o valor de cada ação. No caso das de 2003–2004, o valor de cada ação era apresentado em 93 ações de incentivos distintas, cada uma delas “descritas em nota técnica específica”, em documento da Dimac. O relator também não mencionou o fato de na gestão de Pizzolato terem sido introduzidas melhorias no controle dos gastos nem citou um fato que obviamente deveria ser de seu amplo conhecimento, por constar de um documento encaminhado a ele pelo defensor de Valério, Marcelo Leonardo. O documento mostra que, em 17 de janeiro de 2006, o então gerente executivo de atendimento e controle do BB, Rogério Souza de Oliveira, informou à DNA que havia um saldo negativo de pouco mais de 2 milhões de reais de despesas realizadas até 14 de dezembro de 2004, sobre o qual era necessário que a agência prestasse contas. No documento, Leonardo contra-argumentou dizendo que os gastos efetuados em ações de incentivo de interesse do BB–Visanet em 2005 foram de 12,9 milhões de reais e que, portanto, existe uma diferença, não da DNA para o BB, mas do BB para a DNA. Leonardo disse ainda que a maior parte dos recursos repassados pela Visanet, em torno de 66%, foi empregada no pagamento de veiculação junto às maiores empresas de mídia do País. Ele apresentou uma relação de pagamentos feitos pela agência, com o número das 63 retratodoBRASIL

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SOBROU APENAS PIZZOLATO Cinco foram indiciados pela CPMI. Gushiken saiu, porque já havia um chefe da quadrilha política. E saíram os três do governo FHC. Porque atrapalhavam a tese do mensalão petista HENRIQUE PIZZOLATO Diretor de Comunicação e Marketing do BB

LUIZ GUSHIKEN ministro da secretaria de Comunicação Social e Assuntos Estratégicos do governo Lula

FERNANDO BARBOSA OLIVEIRA

CLÁUDIO VASCONCELOS

Diretor de Varejo do BB

Gerente executivo no BB

DOUGLAS MACEDO Gerente executivo no BB

INDICIADO PELA CPMI DOS CORREIOS DENUNCIADO PELA PGR CONDENADO POR BARBOSA

notas fiscais emitidas para fornecedores, os valores e as comissões devidas à DNA, em que os maiores valores são pagos às emissoras de TV Globo, Record, SBT e Bandeirantes, além de várias agências de publicidade subcontratadas, como a D+, a Meta 29, a Ogilvy e a Markplan, além de casas de show, da BBTur – Viagens e Turismo e outras empresas. A denúncia diz ainda que, embora o BB tenha contratado três agências para cuidar da publicidade, apenas a DNA foi beneficiada com antecipações de recursos. Isso é falso, diz Lobato. Em 2001– 2002 foram feitas antecipações para todas as empresas de publicidade do BB que prestavam serviços de promoção dos cartões Visa. No segundo semestre de 2002, ainda sob o governo FHC, a direção do banco reestruturou os negócios de publicidade em três pilares: para o varejo, responsável pelos negócios da pessoa física; para o atacado, com os negócios de pessoas jurídicas; e para o governo, que trata de negócios com prefeituras, câmaras municipais, assembleias estaduais, estados e órgãos públicos. Decidiu-se que cada uma das três grandes agências publicitárias que à época prestavam serviços para o BB ficaria com um desses pilares: a Lowe, com a área de governo; a Grottera, com o atacado; e a DNA, que já prestava serviços ao banco havia quase dez anos, ficaria com o varejo, no qual estava o trabalho de promoção dos cartões de bandeira Visa. O ministro Barbosa considerou grave, finalmente, o fato de não existir contrato entre a Visanet e a DNA. O Instituto Nacional de Criminalística pediu à Visanet esse contrato, em 2006. A empresa respondeu que ele não existia, porque os recursos para as ações planejadas pelo

BB para promover os cartões Visa eram pagos por ela diretamente aos respectivos fornecedores contratados, cotados e negociados pelo próprio BB. Se a Visanet não tinha contrato formal com a DNA, embora se beneficiasse com a publicidade de venda desses cartões pelo BB, tampouco o BB tinha contrato com a Visanet. Um parecer do departamento jurídico do banco, de agosto de 2004, que se encontra nos autos da AP 470, explica que o fundo de incentivos da Visanet não foi criado,

Não ter contrato da DNA com a Visanet também foi decisão de 2001. Não foi ideia de Pizzolato em 2001 , por um convênio entre o BB e a Visanet, mas, sim, feito por “uma declaração unilateral de vontade” da empresa de cartões, que se dispôs a pagar as ações de incentivo ao uso dos cartões, desde que elas atendessem às condições previstas em seu regulamento. O parecer diz ainda que a forma escolhida pelo BB, de não fazer passar os recursos pelo orçamento do banco, era a melhor do ponto de vista tributário e não criava problemas com

a Receita Federal. Em suma, não havia contrato entre DNA e BB para serviços de promoção dos cartões Visa porque isso implicaria desvantagens fiscais para o BB. E isso não foi uma ideia de Pizzolato, mas do departamento jurídico do BB. Por último, o relator Barbosa não considerou relevante que só Pizzolato, dos quatros signatários das notas técnicas que formalizariam o suposto desvio de 73,8 milhões de reais do BB para Valério, foi denunciado pelos dois procuradoresgerais, Souza e Gurgel. Como o desvio não foi provado, pela argumentação que acaba de ser exposta, isso não seria um problema maior. O problema é que a argumentação exposta neste artigo consta dos autos, mas não foi usada por Barbosa. Talvez porque ele, na maior parte do tempo, estivesse tomado por uma “fúria acusatória”, como disseram os jornalistas Marcelo Coelho e Janio de Freitas, em artigos publicados pelo diário Folha de S.Paulo, e Tereza Cruvinel, do Correio Braziliense. Ou talvez porque, como disse o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, “o ministro Joaquim Barbosa, em uma de suas inovações, declarou, fora dos autos, que iria desconsiderar vários depoimentos dados em relação ao PT e a alguns dos acusados porque haviam sido emitidos por amigos, colegas de Parlamento, mas considerou outros depoimentos. A lei não diz isso, não há fundamento disso em lei. Um ministro diz que vai desconsiderar depoimentos porque são de pessoas conhecidas como amigas dos réus, mas pinça outros, e ninguém na Corte considera isso uma aberração? Parece-me que o julgamento terminará por ser um julgamento de exceção”. 63 retratodoBRASIL

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