Cadernos de esoterismo contemporaneo

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Marcelo Bolshaw Gomes

CADERNOS DE ESOTERISMO CONTEMPORÂNEO

Natal 2014


GOMES, Marcelo Bolshaw. Cadernos de Esoterismo Contemporâneo. / Marcelo Bolshaw Gomes. Natal: 2014. 178 p. 1. Autores 2. Esoterismo. 3. Pensamento contemporâneo


INDICE

Introdução: Cacos do mundo

07

Budismo, um estudo sobre a liberdade

13

Esoterismo Pós-moderno Recapitulando Castaneda

33

Steiner - Biografia e Subjetividade

49

Osho – o Avatar da Rebeldia

65

Sistemas Esotéricos O Livro da Transmutação

91

O Eneagrama como sistema complexo

107

A Ayahuasca como sistema de cuidados

123

Complexidade e Espiritualidade Integral Paradoxo e Simetria

147

O modelo Wilber

165



“Prefiro ser essa metamorfose ambulante (...)� Raul Seixas



INTRODUÇÃO: Cacos do Mundo, a globalização das crenças.

Em tempos imemoriais, Brahmam (a Luz eterna) entrou em movimento gerando Vishnu (a Força) e Shiva (a Forma). A Vishnu foi entregue a tarefa de criação e de manutenção de todo o Universo. E a Shiva foi dada à missão de sua constante destruição. E assim, viveram os três por muito tempo, com a criação e a transformação do Cosmo se alternaram diante do vazio imutável. Certa vez, o “mais velho dos” deuses, entediado com o nada e com os ciclos de tempo gerados pela luta eterna entre Vishnu e Shiva, criou um espelho para se admirar. Surgiu então a deusa Maya. Disse então Brahmam: “Maya, vamos brincar?” Ao que Maya respondeu: “Só se você criar o mundo”. E Brahmam criou: o céu, a terra, o mar, o sol, a lua, as estrelas, o homem e os outros animais. “Do que vamos brincar perguntou Brahmam.

agora?” –

“De esconde-esconde” – disse Maya e tomando Brahmam pelas mãos, rasgouo em milhões de pedacinhos, colocando o deus criador em cada um de suas criaturas. E desafiou: ”Quero ver agora você se achar, Brahmam!”

Há um Deus tentando se lembrar de si mesmo dentro de cada um de nós e só conseguiremos que ele se torne consciente em nós, se conseguirmos vê-lo também nós outros. “Pelo caminho que viemos, é por ele temos que voltar”.


Mas, a globalização não é, por si só, a re-unificação da consciência cósmica de Brahmam. Por isso, discute-se aqui também que diferentes fragmentos tradicionais – as técnicas do Reiki, do Feng Shui, do xamanismo tolteca - são simplificados e distorcidos pelo consumismo da Nova Era. Há também as crenças reinventadas, interculturais. Recentemente, descobriu-se o Reiki Tradicional (isto é, sobre como essa técnica é conhecida e utilizada lá no Japão) e que tudo ou quase tudo que eu havia aprendido desta técnica não era verdadeiro, ou pelo menos, que havia sido reinventado pelo esoterismo ocidental. Os símbolos, que muitos

acreditavam

vir

de

Atlântida

e

Lemúria,

não

desempenham um papel importante na técnica, há um verdadeiro ritual (com cantos e meditação) antes da prática e há vários procedimentos (escaneamento, limpeza, utilização diferente das mãos: à esquerda, voltada para cima, capta energia; a direita aplica a energia captada no doente) que foram deixados de lado. Segundo os ensinamentos do Reiki mais conhecido, o Dr. Mikao Usui foi o principal elaborador da técnica, que transmitiu, por volta de 1930, a 16 professores, entre eles ao Doutor Chujiro Hayashi, que abriu um hospital em Tóquio e foi responsável pela cura de um câncer de uma havaiana, a senhorita Hawayo Takata, que trouxe o Reiki para o Ocidente. Hoje há pelo menos três grupos internacionais que disputam o legado do Dr. Hayashi e da Srt. Takata: a Aliança Reiki, a Associação Americana Internacional de Reiki (AIRA) e o Usui System. Osho também decidiu abrir sua própria linha de Reiki.


Um de seus discípulos, Frank Arjana Petter, para aprofundar seus estudos, decidiu ir ao Japão e empreender uma pesquisa sobre as origens da técnica. Foi então que se descobriu um Reiki bem diferente do que aquele que se conhecia. O mestre Usui, além de passar seus conhecimentos para o Dr. Hayashi, criou uma sociedade secreta, a Gakkai, que conta com milhares de participantes. Apesar da origem budista, o Reiki tradicional está inserido em um contexto Xintoísta (uma religião japonesa de culto aos antepassados de caráter extremamente nacionalista): antes das aplicações recitam-se os versos do imperador Hiroíto (aliado de Hitler e Mussolini na 2a Grande Guerra), pratica-se a meditação Gassho (de mãos unidas) e a respiração abdominal desempenha um papel muito mais importante que a visualização dos símbolos. O mais interessante desta descoberta, no entanto, é perceber o que fizemos de uma prática espiritual retirando-a de seu contexto cultural. Transposto para ocidental como uma mercadoria, o Reiki passou a ser uma ‘franquia’ de trabalho espiritual, onde as iniciações (na verdade, venda de símbolos) substituíram procedimentos rigorosos de desenvolvimento moral e energético. E mais: é curioso como erigimos sistemas de

crenças

próprias

sobre

um

fragmento

cultural

descontextualizado. Mas, como dizia meu finado pai: “no caminho da vida espiritual não existem enganadores, apenas os enganados”. Não foi ninguém que me enganou, fui eu que me enganei. Mais uma vez. Porém, diante de mais esse engano, vejo três atitudes diferentes: os desenganados (que abandonaram o uso da


técnica), os que aderiram ao Reiki tradicional (mas, não ao xintoísmo, espero) e os que ignoram solenemente a descoberta de Petter, uma vez que o importante é a prática de difusão da luz e não as teorias que a sustentam. De certa forma, me incluo nesse último grupo. Embora, prefira sempre saber a verdade, acredito que Destino escreve certo por linhas tortas e que todos os enganos são necessários para nos tornarmos conscientes. O livro Cadernos de Esoterismo Contemporâneo é uma coletânea de ensaios interdependentes sobre as ideias de mudança pessoal e desenvolvimento da consciência. O livro é formado por ensaios sobre autores esotéricos contemporâneos (principalmente aqueles que dão ênfase a ‘desfazer’ o condicionamento social da consciência). Budismo, um estudo sobre a Liberdade é um texto introdutório que dialoga com o pensamento budista acerca de sua crença sobre a idéia de Liberdade. Para tanto, resume-se a doutrina budista e comparam-se alguns de seus conceitos com

outros

sistemas

de

crenças,

explicitando

sua

singularidade filosófica e sua influência sobre os autores contemporâneos. Em contraparatida, apresenta-se também o fato do Budismo ter uma concepção exclusivamente subjetiva de Liberdade, recusando-se a reagir contra injustiças sociais. A partir da perspectiva imanente budista, então, discute-se três linhas de pensamento contemporâneas: o xamanismo pós-moderno de Carlos Castaneda; a Antroposofia de Rudolf Steriner; e o esoterismo de Osho.


Recapitulando Castaneda é uma tentativa (bastante precária, é verdade) de apresentar e sistematizar as ideias de Carlos Castaneda, para analisá-las à luz de outras referências teóricas. Também se valoriza a atitude de 'invisibilidade' como uma estratégia de marketing. Steiner - Biografia e Subjetividade são anotações sobre os parâmetros e procedimentos metodológicos para organização de biografias e para o estudo histórico da subjetividade individual através da hermenêutica, a teoria geral da interpretação. Osho, o Avatar da rebeldia é outra tentativa (essa mais detalhada) de sistematização crítica do in sistematizável. A segunda parte do livro trata de sistemas esotéricos. O texto O Livro da Transmutação examina o sistema taoísta chinês a partir do livro I Ching, traçando paralelos simbólicos com a Acupuntura, o Feng Shui (arquitetura tradicional) e com Tai Chi Chuan. Já o texto O Eneagrama como sistema complexo resume e atualiza o livro Um mapa, uma bússola - Hipertexto, Complexidade e Eneagrama (GOMES, 2000), que apresenta a noção de Eneagrama (ou a estrela de nove pontas) como um modelo de sistema complexo capaz medir ruído e autoorganização, associando os fatores dinâmico e sincrônico aos aspectos objetivo e subjetivos. Trata-se de uma apresentação crítica do modelo tipológico adaptado pelo psicólogo chileno Cláudio Naranjo e também de um resgate do pensamento do místico armênio G. Gurdjieff.


E finalmente A Ayahuasca como sistema de cuidados é um texto resultante de muitos anos de minha experiência com a bebida, em diferentes contextos religiosos, e das leituras decorrentes desta experiência. A terceira e última parte do livro faz uma análise geral dos fragmentos globalizados e a sua síntese em um novo sistema mais abrangente e atual. Em Paradoxo e simetria cognitiva, há uma tentativa de análise de vários autores e ideias em um contexto teórico mais avançado. Nele, investigamos fragmentos de diferentes sistemas

esotéricos

de

pensamento

e

os

pontos

de

intercessão entre eles. O modelo Wilber é um resumo o pensamento integral de Ken Wilber (e diferentes modelos teóricos e cartografias tradicionais em uma abordagem holística), que aborda as possibilidades de desenvolvimento atuais e a elaboração de um sistema mais abrangente de relações entre as tradições espirituais e o esoterismo contemporâneo. Resta

ainda

agradecer

a

todos

aqueles

que

contribuíram com mais essa oportunidade de apresentar minhas ideias.


BUDISMO Um estudo sobre a Liberdade Quando o monge budista Bodhidharma1 chegou à China, no século VI, foi se apresentar na corte do Imperador Wu (Ryo no Butei). O Imperador Wu levou o monge então a grande salão onde havia vários guerreiros treinando lentamente Tai-chi Chuan, levitando pesadas bolas de metal entre as mãos. E disse: “Esses são nossos guerreiros; através do controle da energia eles podem vencer qualquer um que ataque a China”. Depois, o Imperador foi a outro salão em que vários médicos curavam as pessoas através de técnicas de imposição das mãos nos canais de energias do corpo (Shiatzu e Do-in) e de pequenas agulhas esquentadas no fogo (acupuntura e mosha). Outros faziam poções e chás, davam banhos e compressas nos doentes. E disse: “Esses são nossos curadores; eles recuperam e revigoram a vida do povo”. E finalmente, o Imperador Wu levou Bodhidharma a um terceiro salão, onde vários sábios estudavam o I Ching – o livro das transmutações – e faziam previsões através das rachaduras de cascos de tartaruga. E disse: “Esses sãos nossos aprendizes dos mestres do Destino, que estudam o tempo e profetizam nosso futuro”. Ante a falta de interesse do monge, o Imperador então colocou: - Este é o taoísmo, o tesouro espiritual da cultura chinesa. E você, indiano, qual é o ensinamento sagrado que trouxe para nos ensinar?

1

Bodhidharma (em japonês: Daruma ou Bodaidaruma) é o mestre indiano que levou o Budismo à China. É o primeiro patriarca do Budismo Zen e o 28º na linhagem do Budismo Indiano iniciada por Buda Shakyamuni (Sidarta Gotama). É ainda o introdutor do kung-fu nos templos Shaolin e o criador da cerimônia do chá.


- Nada sagrado, apenas um grande vazio2 – respondeu humildemente Bodhidharma e se retirou do palácio para as montanhas Shaolin.

O Budismo e budismos O Budismo é um sistema de crença que se acredita acima dos demais sistemas de crenças. Por isso, se diz que ele não é mais uma religião e sim uma filosofia da imanência, em que não há deuses, divindades ou qualquer tipo de transcendência metafísica. Nas versões mais ortodoxas e antigas, a filosofia budista é um empirismo absoluto formatado pela observação psicológica e pela experiência mística. Mircea

Eliade

compara

o

Budismo

ao

pensamento

neopositivista de Wittgeinstein, porque ambos operam “uma lógica inclusiva de desconstrução negativa” (1999, 69). Na verdade, há vários budismos. Hoje,

três

escolas

principais

com

várias

ramificações. Há mais antiga é a Theravada (do páli thera, "anciãos" e vada, "palavra, doutrina", "Doutrina dos Anciãos"). É predominante em: Sri Lanka, Tailândia, Mianmar, Laos, Camboja, Bangladesh, Vietnã e Malásia. E o maior no Ocidente também. Atualmente o número de budistas desta escola em todo o mundo excede 100 milhões de pessoas. Em segundo lugar, em antiguidade e em tamanho, é o Zenbudismo. Zen é o nome japonês da tradição Ch'an, surgida na China, por volta do século II. Cultivado, sobretudo, na China, Japão, Vietnã e Coréia. Alguns estudiosos 2

Em outras traduções: “Nada sagrado: espaços abertos”. Esse texto é uma livre adaptação minha do koan 29 do Denkoroku, Registro da Transmissão da Luz, de Keizan Jokin Zenji.


consideram estas escolas como uma linhagem Mahayana. Outros, no entanto, dizem que, pela ênfase ser diferente, e pelo Zen/Chan ser "descendente" também do Taoísmo, deve ser considerada uma escola à parte. E, finalmente, a Vajrayana é a mais recente das principais escolas budistas. O Budismo tibetano, também chamado de lamaísmo, tem forte influência do xamanismo siberiano e tem suas práticas de meditação na forma de elaborados

rituais,

com

leitura

de

saddhanas

(textos

litúrgicos), visualizações e instrumentos musicais. O budismo tibetano possui uma tradição nas artes, como pinturas e esculturas, e também tradição em ordens monásticas, com ênfase no relacionamento alunos e lamas. Apesar de não se organizar como uma instituição, essa escola tem sua representação maior na figura do Dalai Lama. As principais escolas são nyingma, kagyu, gelug e sakya. Neste sentido,

o

Budismo

tântrico

tibetano

(Vajrayana)

é

filosoficamente superior tanto ao Zen-Budismo e quanto a antiga

escola

Theravada

porque

tem

uma

visão

fenomenológica de si, admitindo que haja um conjunto de ideias (crenças) - ou 'juízos sintéticos a priori', para usar meu Kant - que formatam a experiência da vida budista. E quais são os juízos sintéticos a priori do Budismo? São as Quatro Nobres Verdades: tudo que vivemos é sofrimento; a ignorância, o desejo e a aversão são as causas do sofrimento; acabando com a ignorância, com o desejo e com a aversão, o sofrimento também acaba; e, finalmente,


para acabar com as causas do sofrimento é necessário seguir o Nobre Caminho Óctuplo. Enquanto as Nobres Verdades são um diagnóstico, o Nobre Caminho é o remédio. E este, por sua vez, é formado por oito preceitos: 1.

o entendimento correto (do sofrimento e suas causas);

2.

o pensamento correto (que reflita a realidade das coisas, sem distorções subjetivas);

3.

a linguagem correta (não mentir, caluniar, distorcer os fatos ou exagerar, não ferir ou ofender, não falar inutilmente);

4.

a ação correta (não matar, não roubar, não ter má conduta sexual, não beber álcool, não comer animais e não consumir substâncias tóxicas);

5.

o modo de vida correto (encontrar uma forma honesta de viver, um ambiente que propicie a realização dos demais preceitos);

6.

o esforço correto (redirecionar a energia, não alimentando mais desejos e aversões em nossa consciência e, em contrapartida, emanar o amor e a compaixão a todos os seres);

7.

a atenção correta (desenvolver a capacidade de focar a atenção e de se observar)

8.

e, finalmente, a concentração correta (a capacidade de permanecer profundamente absorto no aqui-e-agora por períodos de tempo cada vez mais longos).

Outra forma tradicional de apresentar a doutrina budista é dividi-la em três: a Moral (sila), a Meditação (samadhi) e a Sabedoria (prajña). Sendo que a moral corresponde aos preceitos 3, 4 e 5; a meditação aos preceitos


6, 7 e 8; e a sabedoria aos preceitos 1 e 2 do Nobre Caminho. Todos os preceitos estão inter-relacionados. E, de todas as formas, o ponto de partida do Budismo é sempre a percepção de que o desejo causa inevitavelmente o sofrimento. Deve-se eliminar o desejo para se eliminar a dor e, assim, atingir a paz interior ou felicidade. O objetivo é o fim do ciclo de sofrimento, Samsara, despertando no praticante o entendimento da realidade última - o Nirvana. Para tanto, o praticante deve apenas evitar o mal, fazer o bem e cultivar a própria mente. Como foi dito: para maioria das escolas budistas a doutrina budista é resultado da meditação e da observação dos que se iluminaram. Apenas as escolas mais recentes admitem que as Nobres Verdades e o Nobre Caminho são estruturas metafísicas anteriores à experiência que formatam mentalmente a observação. Há ainda muitos outros conceitos secundários, que as diferentes escolas enfatizam ou omitem. Mas, há, sobretudo, alguns conceitos que são muito mais importantes do que a doutrina budista declarada, pois realmente caracterizam a singularidade do Budismo em relação a outros sistemas de crença. - a Impermanência (Anicca). Todas as coisas são impermanentes. Tudo muda o tempo todo sem parar. Este é um ponto em comum entre o Budismo e a filosofia de Heraclito e do Taoísmo. “Nunca um mesmo homem se banha em um mesmo rio.” O que nos faz sofrer não é a impermanência em si, mas o nosso desejo de que as coisas sejam permanentes enquanto elas não o são. - o Não-eu (Anatta). Nada que existe tem existência em si mesmo, separada e independente. Todos os fenômenos estão inter-relacionados. É a Unicidade. Cada coisa precisa estar ligada com todo o universo para poder existir. Não existe nada que é separado do resto, que possa existir de


forma independente e definitiva. O ‘eu’ ou a alma (atma) é apenas uma ilusão. - o Nirvana. Sidarta Gautama descreveu o Budismo como uma jangada que, após atravessar um rio, permite ao passageiro alcançar o Nirvana. Nirvana é a liberação total do sofrimento, um estado de paz inabalável e de indescritível felicidade. Nirvana é o estado de absoluta liberdade e de completo silêncio do coração, além de todos os conceitos. Literalmente nirvana significa “extinção”.

Sendo um ‘meta sistema’ de crenças, o Budismo apresenta várias incoerências e ambiguidades – em suas diferentes versões. Some-se a isso que, no Budismo, a verdade é sempre subjetiva e relativa. Tradicionalmente é dito que o Buda, “em sua infinita compaixão”, ensinou 84.000 ensinamentos, adaptados a cada tipo de seres existentes. O que dá margem a englobar tudo e esconder bem as próprias contradições. Por exemplo, enquanto as versões mais refinadas afirmam ‘nada existe a ser feito ou realizado’, a ausência de objetivos é o que permite viver o momento e ser felizes aqui e agora; para outras (para maioria), o nirvana é o principal objetivo individual. Em contrapartida: muitas versões populares transformam o(s) Buda(s) em uma entidade(s) semelhante(s). Os rituais tibetanos utilizam expedientes mágicos,

associando

visualizações,

mantras,

incensos,

oferendas – da forma semelhante a outros cultos devocionais. Como um ‘meta sistema’ de crença, o Budismo muitas vezes se torna uma concepção de mundo elitista, que se considera superior às outras concepções de mundo. Por isso, ele é particularmente adotado pelas elites que não se identificam com suas tradições culturais. E isto não é vale só para as elites atuais de países periféricos em um mundo globalizado (como aqui no Brasil), mas também historicamente


para China, o Japão e o sul da Ásia. O Budismo só não cresceu na Índia. Um breve estudo da história do Budismo mostrará que ele floresce primeiro nas elites (embora, em um segundo momento, desenvolva 'versões populares'3 como também mimetiza formas híbridas com outras religiosidades) através de um distanciamento das culturas locais, com um forte apelo para o individualismo. É como alguém disse: “um credo de intelectuais irracionalistas”. A grande originalidade do Budismo em relação a outras religiões está na concepção de mundo resultante desses três conceitos: a impermanência, a inexistência da alma e a iluminação. Isto nos coloca pelo menos em dois outros pontos importantes: a crença na Liberdade e a reinterpretação das noções de reencarnação e karma, originárias do Hinduísmo. Vejamos cada um desses pontos. A crença na Liberdade Trata-se aqui da crença na Liberdade. E não do conceito de Liberdade, tarefa legítima da filosofia analítica, ou do mito da Liberdade, como querem os que não acreditam nela. Na perspectiva de uma arqueologia dos credos, a crença da liberdade é, universalmente, oposta às outras crenças religiosas. Apenas o budismo acredita na Liberdade, embora de uma forma bastante subjetiva – como veremos adiante. De uma forma em geral, enquanto alguns religiosos enfatizam a liberdade como um desemaranhar do karma; outros (como o pensador esotérico brasileiro Trigueirinho, por 3

Como as escolas devocionais da Terra Pura (Jodo Shu) e Verdadeira Terra Pura (Jodo Shinshu), trazida para o Brasil pelos imigrantes japoneses.


exemplo) afirmam que o livre-arbítrio é típico de seres espiritualmente atrasados como o homem, ou seja: se fossemos

inteiramente

crédulos

e

não

duvidássemos,

seríamos mais sábios e espiritualizados. Também em inúmeras lendas e mitos, a liberdade aparece como um castigo ou como resultado de uma desobediência da humanidade em relação aos deuses. Em algumas narrativas, a liberdade é dada ao Homem por outros seres, como no mito de Prometeu, em que o fogo dos deuses é roubado para que o homem conquiste a própria liberdade; em outras, é a consciência que, mascarada por diferentes símbolos, é engendrada por conflitos entre deuses, ou seres de outra ordem evolutiva, em que alguns são favoráveis e outros contrários ao desenvolvimento da humanidade. Entre todos os credos tradicionais, no entanto, apenas o Budismo apresenta a Liberdade como objetivo espiritual a ser alcançado – o que influenciou bastante não apenas a espiritualidade atual, mas também a filosofia contemporânea, que se comporta com se fosse a sua proprietária exclusiva. Mas, de que liberdades estão falando? É claro que a crença na Liberdade é uma só, mas a distinção de três dimensões ou profundidades também é muito útil para contextualizar seus diferentes aspectos. Como a liberdade também tem uma dimensão individual e outra coletiva pode-se utilizar a metodologia dos quadrantes proposta por Ken Wilber (2007) para obter um quadro de referências ainda mais amplo.


SUJETIVO

OBJETIVO

INDIVIDUAL

Liberdade Psicológica

Liberdade Política

COLETIVO

Liberdade Cultural

Liberdade Biológica

4º quadrante (coletivo/objetivo) - Em uma perspectiva sistêmica, estritamente objetiva, a Liberdade coletiva é a capacidade de autodeterminação da espécie, representando o mínimo de dependência do sistema (ou meio ambiente) e de seus outros elementos (outras espécies na cadeia alimentar). Se uma organização tem um único fornecedor (entrada) ou um único cliente (saída) ficará dependendo dele. E quanto mais diversificar seus insumos e produtos, mais autonomia ela terá em relação às oscilações ambientais e à interferência de outros agentes. A Liberdade é assim, nas palavras da biologia da complexidade (Umberto Maturana), Autopoesis, ou a capacidade de produzir a si próprio, criativamente, e de centralizar trocas com um número extenso de parceiros diversificados. 3º Quadrante (coletivo/subjetivo) - Essa liberdade da espécie frente ao meio ambiente, no entanto, é mais desfrutada por alguns indivíduos do que outros por razões de ordem cultural. Nesse quadrante em especial, a liberdade é uma crença. E ela sempre anda de mãos dadas com as crenças culturais na objetividade (e da perspectiva de um observador onisciente) e na história (e do tempo contínuo que acumula informação). E como já foi dito, a liberdade é uma crença oposta à maioria dos sistemas de crenças religiosas tradicionais e, por isso mesmo, desempenha também um papel especial em relação aos sistemas de ideias filosóficas e de organização política das sociedades ocidentais. O que nos leva ao próximo quadrante. 2º Quadrante (individual/objetivo) – A liberdade política e objetiva, isto é: da autonomia de decidir o que ser e fazer e não o que os outros querem; é a luta da Liberdade contra as regras e contra a autoridade. A liberdade objetiva individual data da Revolução Francesa, que a tornou um direito universal, mas ainda hoje ela é exercida apenas por uma minoria. É a ‘Liberdade para’, em oposição à ‘Liberdade de’ (que é subjetiva). O que inclui também sua dimensão psicológica. 1º Quadrante (individual/subjetivo) – A Liberdade psicológica e subjetiva, a Liberdade de aceitação da vida. Aqui a luta pela Liberdade é contra o próprio condicionamento que absorvemos, é o aperfeiçoamento interior para se conseguir usufruir da liberdade exterior. Quando se fala de liberdade


individual subjetiva não trata apenas das escolhas individuais, e sim de como cada individuo enfrentar seu destino, lutando para construir alternativas de vida. É a ‘Liberdade do sim’, em oposição à ‘Liberdade do não’, (que é objetiva).

O pensamento budista se inscreve nos primeiro e terceiro quadrantes (da liberdade psicológica individual e da liberdade cultural coletiva) e praticamente ignora as liberdades objetivas

(política

individual

e

biológica

coletiva).

O

comportamento centrado na vida interior, no entanto, aliena o praticante de sua vida social. O nirvana substitui a utopia social, isto é, o ideal de construção de uma sociedade justa e a favor do desenvolvimento equilibrado. E assim o Budismo não consegue diferenciar aceitação da vida de conformismo social. A ideia budista de paz associa um estado de consciência de transe profundo a uma atitude política de não-reação à violência. E isto tem um apelo especial para a juventude ocidental, pois dá um sentido político à meditação e um sentido espiritual à vida política. Por outro lado, talvez por isso, que no Kashimir, no Tibet e na Birmânia, o Budismo não consiga de defender contra as agressões de que é vítima. Mudar a si mesmo não modifica imediatamente o mundo em que se vive e o projeto coletivo de extinção do mal através da renúncia aos sentidos (ou de construção intersubjetiva da paz e da liberdade coletiva apenas de modo introspectivo) é uma estratégia suicida. E é preciso se comportar de um modo diferente do que o Budismo em relação às tiranias do mundo. Karma e Reencarnação


Karma (do sânscrito Karmam, e em pali, Kamma, “ação”) é um termo usado para expressar um conjunto de ações dos homens e suas consequências. O Budismo compreende

o

karma

como

uma

dívida

(como

uma

contabilidade moral de méritos e deméritos durante a vida) a ser saldada, passivamente, por ações meritórias e pela nãoreação à violência; enquanto o Hinduísmo o Karma Yoga é um sistema voltado para ação. No

Bhagavadgita,

Krishna

instrui

Arjuna

como

guerrear sem adquirir karma. O Bhagavadgita, a sublime canção, foi introduzido nos Vedas no século II d.C. (ELIADE, 1999, 178). O nascimento de Sidarta Gautama foi entre 600 e 400 a.C. É possível que o Gita seja uma resposta do Hinduísmo à doutrina budista do karma, vista como uma dívida a ser paga através da ‘não-reação’. O Gítã é a conclusão de uma grande epopeia mítica, o Mahabarata ou o combate dos irmãos Pandavas com seus primos, os kauravas, pelo reino de Bharata. Enganados no jogo de dados, os Pandavas são exilados, passando dez anos vagando pelos reinos mágicos da Índia. Quando voltam para casa, são impedidos de entrar pelos primos e anuncia-se uma grande batalha. O Gítã narra o momento que antecede a luta, em que Arjuna se recusa a combater, para não matar seus antigos mestres e amigos e assim aumentar seu karma. Então surge Krisna e diz que se Arjuna não cumprir seu destino e derrotar o inimigo, o mundo estará entregue a maldade. Krisna instrui a Arjuna nas três modalidades de ioga: Jnana para mente, Bhakti devocional, e a karma ioga, ou a arte da ação guerreira sem adquirir karma.


Não é a ação em si que gera o karma, mas o sentimento agregado a ela. Assim, para o Hinduísmo, o karma é a ação e não o resultado de sua reação, como no Budismo. E mais: para o Hinduísmo, karma é a dívida que transportamos de uma vida para outra. O Budismo usa a palavra karma no sentido de “conjunto de deméritos acumulados”, mas não no sentido de transmissão de responsabilidade de almas entre organismos diferentes; preferindo falar de renascimento à reencarnação, pois não aceita que um ‘eu’ permanente que passe de uma vida a outra. No Budismo, não há uma alma imortal que se reencarna sucessivamente através das vidas. Para alguns budistas contemporâneos não há reencarnação e sim renascimento. A noção de Reencarnação, ideia central do Hinduísmo reinventada pelo espiritismo e da religiosidade esotérica, é que uma parte do Ser (consciência, espírito ou alma) é capaz de subsistir à morte do corpo e de ligar-se sucessivamente a diversos outros corpos para a consecução de um fim específico, como o aperfeiçoamento moral e a anulação do karma. A reencarnação e o karma são crenças fundamentais do espiritismo kardecista e de vários outros tipos esoterismos modernos (teosofia, rosa-cruz, etc), porém dentro de um quadro de referências culturais bem diferentes: o tempo histórico (e as noções de progresso material e evolução espiritual);

o

paradigma

pseudocientífico,

cartesiano

e

mecanicista, em que o karma é determinado como “uma lei de causa e efeito”; e, sobretudo, o contexto cultural, ao mesmo tempo, desencantado e supersticioso. Já no Hinduísmo e em


outras tradições, o tempo não era entendido de forma contínua, progressiva e histórica; e sim de forma simultânea, complexa e circular, com breves ciclos de duração dentro de ciclos mais longos e até infinitos; e não há ênfase na causalidade na vida individual, mas sim nos acontecimentos coletivos. A ideia de karma era posta de forma mais probabilística que determinística. Os karmas eram grupais e a reencarnação estava inserida em um contexto de retorno dos ancestrais e também das divindades. Ou seja: há uma grande diferença

entre

as

crenças

modernas

e

antigas

de

reencarnação e karma. E para universalizar o valor de suas crenças, os esotéricos atuais tendem a vê-las em todos os lugares e épocas - até aonde elas não existem4. Há ainda, atualmente, vários cientistas adeptos da ideia da reencarnação como fenômeno objetivo e “não como uma crença religiosa”. A ciência, no entanto, também é um sistema de crença empirista (como o Budismo, o espiritismo kardecista e até vários tipos de xamanismos) ‘acredita’ ter sido forjado apenas a partir da experiência e da observação pura, ignorando que a experiência é pré-enquadrada em um quadro de referências interpretativas. E não adianta tentar convencer o budista, o cientista ou o espírita que as coisas não são como eles pensam, pois eles geralmente sustentam suas opiniões em experiências práticas vividas (e interpretadas pela tradição que sustentam). E embora ‘os fatos’ pareçam ter um valor

4

Diversos estudiosos defendem que a reencarnação era admitida pelo cristianismo, tendo sido proscrita pelo Segundo Concílio de Constantinopla, em 553 d.C. É preciso dizer que essa informação é absolutamente falsa, nunca houve nenhuma menção à reencarnação no referido concílio e não há nenhuma prova da adesão do cristianismo primitivo às teses espíritas.


universal, muitas vezes as diferenças de contexto dão significados bem distintos aos acontecimentos semelhantes. Para o Budismo, a cada vida somos um conjunto de seres que se dispersam após a morte. O homem é um conglomerado de eu’s que lutam entre si. Apenas os que conseguem realmente evoluir espiritualmente conquistam alguma unidade, através da identificação progressiva com o próprio Ser (e da depuração dos diversos agregados psíquicos). O destino já está determinado, mas temos plena liberdade de decidir como vamos realizá-lo. Por exemplo: estamos predestinados a um casamento ou a um acidente, mas a forma como vamos enfrentar esses eventos é de nossa inteira responsabilidade. O karma corresponde às causas do destino e livre-arbítrio, ao modo de vida. O karma, assim, é uma espécie de inércia, uma tendência de o vivente repetir as atitudes do passado diante de situações análogas às que já viveu. Esse processo de repetição aprisiona o homem, moldando um padrão e um destino provável, pois suas ações têm sempre a mesma inflexão

e

resultados

coincidências” e

“o

semelhantes.

acaso

não

Assim,

existe”.

O

“não

destino

é

condicionado pelo passado/presente (ou pelo conjunto de condições inerciais) e segue a lógica resultante de suas ações anteriores: “colhemos o que plantamos”. Karma

Reencarnação

Hinduísmo

Modelo de ação e reação, baseado nas emoções.

Reencarnação de antepassados e divindades.

Espiritismo

Lei determinista de causa e efeito

Reencarnação evolutiva individual.

Budismo

Sistema

Renascimento

probabilístico,

baseado


em ações passadas não meritórias.

múltiplo dos eus

Budismo na veia A grande joia de sabedoria e espiritualidade do Budismo é a meditação Vipassanã, hoje praticada apenas por grupos laicos (como o de Goenka) e pelas escolas Theravada. Mas, como foi a primeira, está na raiz tanto das meditações zen quanto das meditações visuais e mântricas das escolas tibetanas. Vipassanā significa “insight”, ver as coisas como elas realmente são. Foi elaborada por Sidarta Gautama, o 1º Buda, há 2.600 anos. É a observação da experiência da percepção direta. E o princípio subjacente é a investigação e entendimento dos fenômenos manifestados nos cinco agregados: o apego à forma física, o apego às sensações ou sentimentos, o apego à percepção, o apego às formações mentais e o apego à consciência.

Ou

seja:

tornarmo-nos

conscientes

das

sensações do corpo; dos afetos individuais; da sintaxe da percepção;

dos

padrões

coletivos

de

cognição

do

pensamento; e, finalmente, conscientes de nossa própria consciência, da consciência do contexto de enunciação da própria consciência. A técnica tradicional é dividida em duas etapas: Anapana, em que a pensa concentra atenção em um ponto específico do corpo (o mais comum é a entrada e a saída de ar das narinas); e Vipassana propriamente dita, que consiste em movimentar a atenção pelo corpo no sentido ascendendo e descendente, como um scanner. Não há mantras,


visualizações ou respiração específica, mas sim a observação da respiração (esteja ela profunda ou rápida). A meditação Vipassana foca a interconexão entre mente e corpo, a qual pode ser experimentada diretamente por meio da atenção disciplinada às sensações físicas. Essa técnica de meditação, utilizada por dez dias consecutivos dentro do nobre silêncio e de uma dieta vegetariana de baixa caloria, leva a observação da mente pela consciência como algo objetivo, externo à percepção. Em outras técnicas, há uma expansão da consciência que extrapola os limites do ego, mas essa permanece dentro da mente. A consciência em estado de percepção ampliada acessa níveis profundos do inconsciente, mas permanece dentro dos limites da estrutura mental. O que acontece com a técnica Vipassana é diferente: através da focalização da atenção na respiração (fronteira sensorial entre o intencional e o

involuntário),

acessam-se

os padrões profundos do

inconsciente, vistos pelo lado de fora. É a fala que organiza a memória com sua narrativa. Com ‘o nobre silêncio’, há um aumento da memória e sua reorganização fora dos padrões discursivos. Não apenas lembramo-nos de mais coisas, como também a forma como nos recordamos dos eventos não é tão ego-centrada. Com silêncio, a memória não funciona mais por lembranças discursivas, mas sim por recordações visuais. As sensações de

dor

e

sofrimento

emocional

devido

às

restrições

perceptivas do enorme esforço cognitivo voltado para atenção sobre o corpo e a respiração fazem emergir desejos de aversão e as sensações de bem estar corporal fazem emergir


desejos de cobiça (não só sexuais, mas de repetição de situações prazerosas). Quando temos experiências ruins, desejamos não repeti-las e surge a aversão; quando temos experiências boas, desejamos repeti-las e então surge a cobiça. Normalmente, em outras técnicas ou terapias com foco

sensorial,

esses

desejos

de

repetir

experiências

prazerosas são vistos como positivos, mas quando vistos objetivamente na Vipassana, eles se mostram obsessões neuróticas tão nefastas quanto às aversões inconscientes que nos impedem de aceitar a vida. Aliás, esse é um ponto importante em dois aspectos. Primeiro: o Budismo prescreve a 'equanimidade' ou a capacidade de entender o lado positivo das experiências ruins e o lado negativo das experiências boas, mas esse equilíbrio só pode ser desenvolvido na prática através da técnica da Vipassana. A prática da meditação Vipassana traz toda a hermenêutica budista embutida em si. A ideia de não-reação, por exemplo, perpassa toda doutrina budista; e na Vipassana não se deve reagir nem às dores, nem às outras sensações, sentimentos ou percepções – apenas observar. A meditação treina na prática seu praticante na noção aceitação budista. E o mais importante: o Budismo é a única hermenêutica religiosa que compreende (ou que deseja compreender) criticamente as experiências psicológicas positivas e, principalmente, que prescreve a suspeita em relação à transcendência espiritual. Como tudo na vida, o Budismo também tem seus aspectos negativos - a concepção subjetivista de liberdade, o relativismo inclusivo e o elitismo cultural - e seus aspectos positivos - o foco na observação de si, a concepção não


determinista de karma, a noção de renascimento (e não de reencarnação), a meditação Vipassana. É preciso lembrar de que se trata de uma tradição de 26 séculos, assumindo várias feições e beneficiando um número incalculável de pessoas. Pode-se dizer que, em um primeiro momento, o Budismo foi mais voltado para a realização individual do nirvana; e depois, no decorrer dos séculos, enfatizou mais a tradição dos Bodisatvas (budas da compaixão, iluminados que permanecem vivos no mundo para ajudar a humanidade) e uma concepção meritória da roda do Dharma. A própria noção de Dharma evoluiu, deixando de significar ‘destino’ para ser ‘doutrina’. Pouco a pouco, a prática da compaixão se tornou uma ênfase em todas as escolas. O importante, no entanto, é que, na essência budista original não havia espaço para transcendência, imagens ou ideias permanentes: não há nada além deste mundo (arquétipos, espíritos ou dimensões) e a realidade é apenas uma descrição feita pela mente. E essa ênfase na imanência espiritual (um anti-platonismo radical e a ausência de um telos coletivo transcendental) é a principal característica do Budismo, influência com uma longa lista de pensadores esotéricos

contemporâneos,

que

enfatizam

mais

o

descondicionamento da consciência cotidiana do que os sistemas de crenças tradicionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ELIADE, M.; COULIANO, I. P. O Dicionário das Religiões. Tradução; Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1999. WILBER, Ken. Espiritualidade Integral – uma nova função para religião neste inicio de milênio. Tradução Cássia Nassser. São Paulo: Alef, 2007.



Esoterismo Pรณs-moderno



RECAPITULANDO CASTANEDA Apresentar o pensamento de Castaneda de forma analítica é, de certa forma, traí-lo, uma vez que ele sempre enfatiza o caráter prático e assistemático

do

ensinamento

tolteca. E uma enorme dificuldade inicial é caracterizar as ideias de Castaneda, uma vez que seu pensamento não é nem esotérico nem acadêmico, mas reúne elementos de ambos em conceitos sofisticados - como 'ponto de encaixe da percepção' ou 'seres inorgânicos' - sem apresentá-los de forma sistemática. Também não se pode classificar o texto de Castaneda de literário, no entanto, é evidente que ele se utiliza artifícios literários autobiográficos para passar seus conceitos chaves de modo subliminar. Por exemplo, Castaneda passe imagem que é tolo e demasiadamente racional, levando seus leitores a subestimá-lo e a se imaginarem que seriam mais espertos como aprendizes de Don Juan. Por detrás desta manobra de desvalorização

de

sua

intelectualidade

atrapalhada,

Castaneda, na verdade, coloca sorrateiramente sofisticados conceitos na boca de Don Juan. Ele oculta seu esforço teórico enfatizando o caráter pragmático, relativo e misterioso mundo da feitiçaria, mas, na verdade, cunha modos de vê-la e de entendê-la de modo bastante abstrato e preciso. Outro artifício interessante é que Castaneda em praticamente todos os livros conta a mesma história, a história de seu aprendizado com Don Juan, mas a cada vez narra os


mesmos acontecimentos com enquadramentos e sintaxes completamente diferentes. Dentro de seu propósito, tal fato se dá devido à lembrança posterior dos acontecimentos vividos em outro estado de consciência. Este também é um efeito literário interessante, uma vez que para entender a história, é preciso conhecer suas diferentes versões; e, ao mesmo tempo, um método de pesquisa da própria experiência de vida, em que há uma ampliação da sintaxe de sua memória e do seu modelo de interpretação da realidade. Embora poucos cientistas reconheçam, Castaneda é um marco na antropologia. Aliás, esta poderia ser subdividida em três grandes estágios: o período evolucionista

e

etnocêntrico, em que os antropólogos consideravam os outros povos primitivos; o período funcionalista-estruturalista, em que Franz Boas e Levi-Strauss, entre outros, se descobriram iguais

aos

selvagens

que

estudavam;

e

o

período

etnoantropológico, em que, invertendo a perspectiva inicial, o antropólogo se conhece cultural e psicologicamente através de tradição que estuda. E neste sentido, o esforço teórico de Castaneda ainda é muito mal compreendido. Mas, além de ser um cientista social do novo paradigma de conhecimento, Castaneda também é "o novo nagual" (ou nagual das três pontas), iniciando uma nova linhagem de feiticeiros sem fetiches. Linhagem? Sua interpretação teórica do xamanismo mexicano se deu em um ambiente globalizado, fazendo com que este saber se desterritorializasse, se espalhando pelo planeta em milhões de grupos sem nenhuma relação cultural ou física com as linhagens tradicionais.


Entre as diferentes contradições geradas por esta situação destaca-se o fato de Castaneda ter se tornado uma ‘celebridade invisível’, isto é, um personagem público que apagou sua história pessoal. Armando Torres observa que devido a esta estratégia de se tornar invisível, Castaneda teve que reformular sua relação com as ‘plantas de poder’ (parte essencial do xamanismo mexicano), pois ela ameaçava sua imagem pública e colocava como secundário, o ensinamento que considerava essencial. Dito isto, resta ainda explicar que aqui, mais do que uma exposição sistemática ou crítica do pensamento de Carlos Castaneda, nosso objetivo aqui é utilizar suas ideias para reler outros pensadores e formular algo bastante diferente do que ele pensou e escreveu. Minha intenção não é confirmar ou criticar, mas sim avançar criativamente no desenvolvimento de um novo saber, em que ciência e tradição dialoguem. Há uma grande diferença de enfoque entre o esoterismo da nova era (ou nova gnose) e o ensinamento de Castaneda e D. Juan: para esses últimos não existe transcendência, platonismo ou imagens-ideias permanentes – de modo semelhante aos autores pós-modernos. Não existe nada além deste mundo e a realidade é apenas uma descrição (na verdade, um inventário) feita pela mente. Castaneda nega a reencarnação e a lei do karma? Não. Ele as considera irrelevantes para seus objetivos espirituais estratégicos. Ele também não nega a criação de uma alma imortal, simplesmente se percebe com um conglomerado de eu’s que lutam para se unificar. Alias, acho


que essa espiritualidade ‘sem telos’ existe em vários autores contemporâneos influenciados pelo pensamento oriental. Pode-se até dizer que esses autores desconsideram a dimensão transpessoal da psique, que, para eles, ela é apenas ilusão ou ideologia das religiões institucionalizadas. Por outro lado, nos livros de Armando Torres (2003), discípulo de Castaneda, e de Merilyn Tunneshende (2006) do grupo do D. Juan, os personagens de Genaro e Soledad são bem diferentes. Um trabalha com cura e a outra é cartomante - algo inconcebível para ética do guerreiro de Castaneda. A ênfase da luta contra a autopiedade e a importância pessoal levou a uma concepção pouco generosa. E muitos acusam Castaneda de ter reinterpretado a tradição tolteca de uma forma muito ... ‘pós-moderna’. 5 O livro mais chocante é o de Amy Wallace (2007), filha do famoso escritor Irving Wallace. O livro, ao contrário dos outros, não trata de feitiçaria, mas sim do desenvolvimento de sua relação amorosa com Castaneda, apresentando-o como uma

pessoa

mulherengo,

indisciplinada um

líder

e

dominador

imatura e

afetivamente,

cruel.

Além

de

desmascarar várias mentiras6, o livro traz uma cópia de atestado de óbito de Castaneda, para provar que ele morreu de câncer no fígado (uma morte vergonhosa para um guerreiro) e não se transformou em uma bola de fogo, dando 5

Domigues Delgado, por exemplo, distingue a ‘toltequidade’ do penseamento casteniano. <http://www.perceptica.com.mx/> 6

Uma das "mentiras" de Castaneda, e justamente a que mais polêmica causou, foi a história da Mulher Nagual (Carol Tiggs, na verdade era Muni Alexander, ou melhor Elizabeth Austin ou ainda Kathleen A. Pohlman), que teria desaparecido na "Segunda Atenção" durante 12 anos, de 1973 a 1985, quando ela ressurgiu. Mas, na verdade, ela estava matriculada em uma escola de acupuntura, era casada e se divorcia exatamente na mesma época.


um salto para o infinito, como alguns de seus seguidores passaram a propagar. Amy acha também que as três bruxas que seguiam o nagual – Carol Tiggs, Taisha Abelar e Florinda Donner – se suicidaram. Alguns dos leitores dos livros de Castaneda e de suas ajudantes não acreditam na narrativa de Amy Wallace. Aliás, consideram inclusive que ela pode estar deliberadamente mentindo para esconder o verdadeiro destino de Castaneda e das bruxas – o que certamente combina com suas ideias e sua estratégia de guerreiro. Para nós, no entanto, nada disso importa. Relevantes são as ideias abstratas que pretendemos analisar e não as fofocas de ex-namoradas ou as crenças de seus admiradores. Porém, não há como negar o papel que a contrainformação desempenha em relação a tudo que envolve Castaneda. É como se ele trabalhasse seus conceitos de forma tão discreta, como se sugerisse suas noções de forma tão delicada, que no final ficasse a dúvida: “Bom talvez esse cara não exista mesmo, seja apenas um truque do mercado editorial americano, mas quem será que pensou tudo isso?” Os conceitos de Tonal e Nagual, por exemplo, representam por tanto princípios e campos perceptivos opostos e complementares, em que o primeiro é a ordem, o racional, o conhecido; e o último, o caos, o irracional e o desconhecido.

O

tonal

é

nossa

percepção

ordinária

(sensorial-mental) do mundo como algo formado por objetos concretos, pessoas e coisas sólidas. O nagual é quando percebemos que estamos em um universo de relações, que tudo é feito de energia em diferentes níveis de organização e de adaptação. Na verdade, há três posições perceptivas: o


conhecido (tonal ou primeira atenção), o desconhecido (nagual ou segunda atenção) e o incognoscível ou terceira atenção, ou Intento. Atenção aqui entendida como a capacidade de enfocar o que desejamos perceber. Em muitos textos o tonal é comparado a uma ilha (ou bolha da percepção) e o nagual a um oceano-universo que o engloba: o mar escuro da consciência. Neste contexto, o sonhar é a base de toda experiência cognitiva: estamos sonhando o tempo todo, seja dormindo ou quando estamos acordados. A diferença é o enquadramento mental-sensorial no estado de vigília (ou tonal) da percepção da energia sem realidade sensorial dos estados alterados de consciência (ou nagual). Aliás, enquanto campos perceptivos podem-se inclusive comparar a relação entre Tonal e Nagual às de consciência algorítmica e consciência quântica, em voga entre os neurocientistas. Também se chama de Nagual ao líder de um grupo de guerreiros na tradição xamânica mexicana. Nos grupos, os guerreiros se subdividem em sonhadores e espreitadores; e o nagual é o único que tem a mestria nas duas artes. Ele é o líder porque tem seu segundo eu enraizado no campo nagual e tem energia suficiente para desferir o "golpe do nagual", isto é, uma descarga de energia no meio das omoplatas dos guerreiros, onde fica o ponto de aglutinação dos guerreiros, deslocando sua percepção para o nagual e tornando irreversível seu desenvolvimento posterior. O ‘golpe’ também pode ser um acontecimento (a morte de um parente próximo ou um acidente fatal com a própria pessoa) que faça o


desconhecido emergir na vida do golpeado, deslocando a sua percepção de tempo e de seu propósito de vida. Há ainda a ‘regra do Nagual’, mais que um conjunto de normas da tradição oral, uma determinada configuração energética das linhagens xamânicas que regula as relações entre o líder e o grupo de dezesseis guerreiros, com dois espreitadores e dois sonhadores para cada ponto cardeal. Alguns praticantes chamam de Nagualismo ao conjunto de práticas e ideias associadas a esta tradição. Aliás, os termos 'xamanismo tolteca' - nome mais associado às práticas anteriores a Castaneda e a outros grupos paralelos ao de D. Juan, como os de Miguel Ruiz - e 'tensegridade'

(este

termo

mais

associado

às

suas

sucessoras, Florinda Donner, Carol Tiggs e Taisha Abelar) nunca pareceram nos seus livros. O ensinamento professado pelo Sr. Carlos Castaneda é a Arte da Feitiçaria, redefinida como a arte de acumular e redistribuir energia com o propósito de escapar à segunda morte - independente dos sistemas de crenças, das tradições ou das práticas mágicas. E a feitiçaria se subdivide em duas grandes partes: a Espreita e o Ensonhar. A arte

da

espreita

é

a

capacidade

de

fixar

conscientemente o ponto de aglutinação da percepção através do campo da cognição ordinária, também chamada de primeira atenção ou tonal. Esta arte apresenta diferentes técnicas e estágios (o não-fazer, o pequeno tirano, a arte da loucura controlada através de disfarces, a recapitulação) e torna o praticante liberto de sua auto-importância pessoal (ou do uso inadequado de seu ego) através de mudanças de


comportamento que diminuam o desperdício de energia psíquica. A espreita implica em tomar tudo como presa, inclusive às próprias fraquezas, implica em agir de modo estratégico em relação ao próprio comportamento e à sua transformação permanente. “A arte da espreita está ligada ao coração, assim como a mestria da consciência está ligada à mente, e a mestria do intento ao espírito”. É uma batalha silenciosa para “conseguir os objetivos” da melhor forma em cada situação. A espreita pode ser aplicada a tudo, mas espreitar a si mesmo é a sua maior expressão. Para espreitar é preciso ter um propósito, ser impecável, sair da auto importância, banir hábitos e praticar a loucura controlada (fingir-se imerso na ação, mas sem se identificar, nem ser notado). A recapitulação é o ponto forte dos espreitadores, pois é uma forma especializada de espreitar as rotinas internas. A arte do ensonhar consiste na capacidade de deslocar

deliberadamente

o

ponto

de

aglutinação

da

percepção através do campo da cognição extraordinária, também chamada de segunda atenção ou nagual. Através desta arte, o praticante deve construir um 'segundo eu' ou Duplo, que poderá tomar outras formas e subsistir ao seu desaparecimento físico. A esta experiência - de se reconhecer como um conglomerado de campos de energia - chama-se "perder a forma humana" e é considerado um passo irreversível no desenvolvimento dos sonhadores que passam então, a ver o universo como energia viva e perdem todos seus condicionamentos sociais.


Para Castaneda, percebemos apenas uma descrição consensual da realidade, a ilha tonal. Para ultrapassar os limites perceptivos desta ilha temos que aprender a nos ver como um campo energético, como outro eu ou corpo sonhador,

construído

através

do

desenvolvimento

da

consciência e de diferentes estados de percepção. Esta é a manobra dos feiticeiros, isto é, preparar o corpo sonhador para sobreviver à morte física e continuar existindo (de modo semelhante à alma penada do suicida, que fica presa no astral até o dia em que deveria realmente morrer, mas

por

tempo

indeterminado

e

com

poderes

de

materialização entre outros) até o momento de mergulhar do infinito e trocar a consciência pela liberdade. Esta ideia é que certamente o que há de diferente e de mais polêmico neste ensinamento. Ao contrário do corpo astral, o duplo etéreo e os outros corpos percebidos (ou imaginados) no esoterismo tradicional, o corpo sonhador do nagualismo é uma entidade a ser construída. E a melhor forma de construir um corpo sonhador no sentido proposto com Castaneda e D. Juan é buscar se conhecer obsessivamente a si mesmo. Na verdade, é preciso reconhecer que existe aí um ‘telos’, um universal, uma transcendência no sonhar. A verdade é que o judeu reza pela vinda do messias; o cristão deseja ser bom para antecipar a utopia social; o budista medita porque crê no nivarna e o tolteca intenta um corpo que sobreviva à morte e a formação de um grupo. Todo mundo tem uma transcendência que dá sentido a sua vida, mesmo que não goste de admitir. Embora o budismo e o nagualismo tolteca acreditem que empíricos, a finalidade


que dá sentido a vida das pessoas que seguem esses sistemas não é melhor do daqueles que acreditam na volta do messias ou na Jerusalém celeste. Para sonhar ou espreitar, ou seja, deslocar o foco da consciência para diferentes pontos de fixação da percepção, o praticante viaja através de um horizonte vertical pelos diferentes aspectos de uma única realidade. Segundo Taisha Abelar (1995), existem “nove formas de mover o ponto de aglutinação” que podem ser praticadas separadas ou em combinação umas com as outras: Tensegridade;

Recapitulação;

Não-Fazeres

(‘Não

fazer’

significa, essencialmente, não usar itens de nosso velho inventário); Pequenos Tiranos; Técnicas de observação; o Silêncio interior; Disciplina e ações impecáveis; Sonhar; e Espreita.

As

nove

formas

estão

listadas

em

ordem

ascendente, em relação à energia necessária para se conseguir praticar adequadamente. Assim, começa-se pelos passes, pela recapitulação e pelo inventário; em seguida, consegue-se enfrentar os desafios do poder; e, finalmente, chega-se ao patamar energético que permite atual o par espreita-sonhar. Na prática, para deslocar o ponto de encaixe da percepção é preciso reunir a energia necessária através de duas práticas simultâneas e constantes: a recapitulação e os passes mágicos. Os passes mágicos são sequências de gestos, movimentos e respirações para intensificar a consciência, como também dinamizar e redistribuir a energia do corpo físico e ajudar a construir o segundo eu. Os passes mágicos também são conhecidos por Tensegridade - outro conceito sofisticado de Castaneda importado da arquitetura e da biomecânica, onde é sinônimo de integridade tensional, uma


propriedade presente em objetos cujos componentes usam a tração e a compressão de forma combinada, de forma a proporcionar-lhes estabilidade e resistência. A Recapitulação é um tipo especial de passe mágico que consiste em revisar a própria vida com ajuda da respiração visando resgatar a energia presa no passado. Recapitular é resgatar e desembaraçar a energia gasta com as feridas emocionais do passado, permitindo reestruturar a memória, para que possamos nos servir energia excedente para

sonhar.

Este

processo

também

é

chamado,

principalmente nos primeiros livros do nagual, de "apagando a história pessoal". A recapitulação enquanto prática de reorganização da memória e expansão gradativa da consciência é mais detalhada nos livros de Taisha Abelar e Victor Sanches do que nos de Castaneda. O objetivo destas práticas (de ganho e redistribuição energética) e do desenvolvimento do Duplo e da mestria no deslocamento do ponto de aglutinação da percepção (na espreita e no ensonhar) é se capacitar para saltar para o infinito e entrar na terceira atenção, sobreviver à morte física. Ao contrário do reencarnacionismo, Castaneda afirma que a morte pode ser o fim definitivo e que a grande maioria da humanidade, após ter sido sugada por toda vida através de Predadores de Energia, está fadada a servir de alimento aos Seres Inorgânicos - demônios ou espíritos da terra e da lua que se alimentam da vida orgânica em uma escala evolutiva paralela.


Assim, pode-se dizer que o pensamento de Castaneda é duplamente contrário à visão humanista e antropocêntrica do esoterismo, que sempre viu o Ser Humano com um pequeno deus, no ápice da evolução do universo, pois postula que além, da existência de outras criaturas que não são moralmente nem superiores nem inferiores ao homem, o objetivo de deixar de ser humano para não ser alimento destes seres. Alguns indivíduos, no entanto, após perderem a forma humana e forjarem corpos sonhadores ou Duplos, sobrevivem e recebem o Presente da Águia, a possibilidade de

continuar

se

desenvolvendo

e

habitar

em

reinos

inorgânicos em outra ordem evolutiva. Uma das consequências diretas desta consciência permanente com a Morte (eterna, como fim da existência) é o Caminho do Guerreiro e sua luta pela impecabilidade. Mais do que um simples código de conduta comportamental, a ética do guerreiro é uma determinada configuração energética em que o praticante, através de seu propósito inflexível alinha-se ao Intento, uma energia inteligente que pode treiná-lo e guiálo até seu salto para o infinito. O Guerreiro deve aprender a agir por agir, sem esperança nem desespero, a dar o melhor de si sem esperar retribuição, a crer sem crer, a viver deliberadamente através de desafios constantes, a sempre escolher o caminho de seu coração, entre outros preceitos. Há ainda muitas várias outras práticas (o inventario de crenças, parando o diálogo interno ou o mundo) e outros conceitos (Silêncio Interior, O Brilho da Consciência, as Emanações da Águia). Não vamos detalhar todos aqui todos esses termos e etapas de desenvolvimento. Para nós, o


importante é perceber que se, por um lado, há uma metafísica oculta no pragmatismo dos que se acreditam empiristas e amantes do concreto (a Iluminação é a escatologia do budismo e do Osho, a ‘regra do nagual’ é a teleologia da tradição tolteca); por outro lado, é preciso também reconhecer que

também,

nos

ensinamentos

professados

por

Castaneda, uma nova sintaxe para percepção , ou pelo 7

menos, uma nova forma de colocar as velhas questões. Por exemplo, a diferença entre a projeção astral e o sonhar. Há uma única atividade cognitiva ou um estado de consciência que é interpretado por sistemas de pensamento diferentes. E do ponto de vista prático também surgem diferenças a partir dai. A primeira é que se pode sonhar acordado e a projeção geralmente acontece durante o sono. Na verdade, sonhamos o tempo todo, sendo que, na vigília, com um enquadramento sensorial. Sonhar juntos não é apenas se encontrar durante o sono, mas, sobretudo ter objetivos comuns de vida. O sonhar e a projeção astral são apenas formas diferentes de sonhar o sonho, diferentes interpretações sobre a abrangência do sonhar. Outra diferença é que no sonhar de Castaneda há outro eu com várias possibilidades (animais xamânicos, sonhar ser outra pessoa, se reconhecer como uma bola de energia); na projeção, há um outro corpo (o corpo astral) com o mesmo eu. Nas experiências ligadas à projeção astral há 7

Sintaxe é a estrutura das palavras na frase e das frases no discurso. Nos dois casos, o termo sintaxe se refere à organização espacial da linguagem em padrões. Na linguística contemporânea, sintaxe é o eixo analógico oposta ao repertório (ou ao léxico) na organização da linguagem. Foi daí que Castaneda tirou o termo sintaxe, dando um sentido mais abrangente ao termo: as regras do jogo da percepção. E trocando a palavra 'repertório' pela de 'inventário'.


uma continuidade entre o eu da realidade ordinária e o eu projetado. O próprio termo projeção astral sugere uma continuidade, uma extensão. Já nas experiências do sonhar, há uma interrupção do eu ordinário e um tipo de consciência diferente da vida cotidiana. Outro aspecto bastante relevante em relação aos ensinamentos de Castaneda, pelo menos em minha opinião, é o desafio de dosar autonomia radical (espreita individual) e sonhar junto. Quando várias pessoas têm um propósito comum - a transformação - a energia total é mais do que a energia individual de cada um. Esse ganho de energia propicia que cada um tenha mais energia para cumprir sua mudança do que se a tivesse intentado sozinho. A isso Castaneda chama 'massa crítica'. Por outro lado, se as pessoas se organizam em grupos e/ou em instituições, o ganho energético inicial acaba se tornando um capital coletivo e as pessoas passam a depender uma das outras, perdendo a autonomia e entrando na

neurose.

E

para

aumentar

a

massa

crítica

exponencialmente e ficar vinculado afetivamente a outras pessoas, o praticante deve agir como um guerreiro, nunca adotando um grupo ou local definitivo para o seu trabalho de acumular energia. Há uma passagem conhecida em que Castaneda se torna um corvo. Depois pergunta a Don Juan: “Realmente me tornei um corvo ou imaginei ter me tornado um?”. Ao que índio respondeu: “Qual a diferença?”. Inconformado, Castaneda ainda perguntou: “E se houvesse comigo alguém do meu lado, ele me veria como corvo ou como um homem que imagina ser


corvo?” E Don Juan explicou que o ponto de encaixe da percepção funciona por indução e que se alguém estivesse ao seu lado provavelmente também teria seu ponto de encaixe deslocado para o mesmo ponto, e não só veria Castaneda como corvo mas também se veria como outro corvo. Se você acredita que é um ovo luminoso, ou se o grupo de pessoas com que partilha uma forma alternativa de ver o mundo pensa isso, é possível que se vejam realmente como tal. Se partilharmos de imagens de animais xamânicos ou de outros arquétipos, é com elas que vamos nos reconhecer. Existe um pacto cognitivo que diz que somos homens. Pode-se propor um pacto alternativo dizendo que somos ovos ou bichos, mas sozinho, não tenho capacidade de dizer que sou nada. Depende-se sempre de uma energia de massa crítica para se definir como algo. Eis porque continuamos sempre e sempre acreditando apesar de não acreditarmos

realmente

em

nada.

Eis

porque

não

conseguimos superar o sistema de crenças e sonhar um novo sonho, uma nova sintaxe. Tentar sistematizar pensadores irracionalistas se parece com dar voltas em círculos, escrever sempre a mesma coisa sem conseguir concluir. Mas, se há alguma mensagem no ensinamento de Castaneda é que precisamos modificar nosso ponto de encaixe de percepção coletivo, temos mudar nosso sonho do planeta. Nesse caso, o período de ‘celebridade invisível’ e o súbito desaparecimento do nagual e do seu grupo fariam realmente parte de uma estratégia de aumentar a massa crítica em torno de suas ideias e, ao mesmo tempo, apagar sua história pessoal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELAR, Taisha A Travessia das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1995a. _______ Palestra em seminário de Tensegridade, Instituto Omega. Transcrito das anotações de Rich Jennings. Maio de 1995b. CASTANEDA, Carlos. Readers of Infinity: A Journal of Applied Hermeneutics - 1996 - Diários do trabalho de Castaneda com suas discípulas ainda não traduzido. ____ O Lado Ativo do Infinito (The Active Side of Infinity - 1999). Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 2000a. _____ Roda do Tempo (The Wheel Of Time: The Shamans Of Mexico 2000) - uma antologia de citações comentadas. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 2000b. DONNER, Florinda Donner: Sonhos Lúcidos. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1993. _______ Shabono. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1994. _______ A bruxa e a arte do sonhar. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1998. SANCHES, Victor. Os ensinamentos de Don Carlos – as aplicações práticas dos trabalhos de Carlos Castaneda. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1997. TUNNESHENDE Merilyn A Serpente do Arco-íris tolteca - Don Juan e a arte da energia sexual tradução exclusiva da Dra. Arlinda Silva para os integrantes da lista dos rastreadores de energia, 2006. WALLACE, Amy. Aprendiz de Feiticeira – minha vida com Carlos Castaneda. São Paulo: Nova Era, 2007.


STEINER - BIOGRAFIA E SUBJETIVIDADE Este discutir

texto

pretende

parâmetros

e

procedimentos metodológicos para organização de biografias e para o estudo histórico da subjetividade

individual

através da hermenêutica, a teoria geral da interpretação. Geralmente, a hermenêutica é aplicada para explicar e para compreender outras teorias científicas, obras de arte, discursos políticos; aqui, pretendese utilizá-la para também entender não o percurso biográfico. O estudo biográfico nas Ciências Social (ou a relação Indivíduo-Sociedade) tem uma longa história, tendo sido utilizado de diferentes modos em diferentes momentos (FERRAROTTI In: NÓVOA & FINGER; 1988. p. 17-34). A partir dos anos 80, a abordagem chamada de “história de vida” – em que há uma distinção entre ‘estória de vida’ (a autobiografia oral) e ‘história da vida’ (a subjetividade objetivada por documentos e pela narrativa externa do pesquisador) - ganhou destaque na pesquisa antropológica. E, recentemente, esta técnica passou a ser aplicada a grupos

sociais

específicos,

muitas

vezes

de

forma

autobiográfica, como os professores e alunos (BUENO, 2002). Os atores coletivos das Ciências Sociais (classes, partidos, estados, organizações, etc) são, na verdade, formados por pessoas.


Aqui, no entanto, não se trata de utilizar o enfoque biográfico para reconstituir a memória histórica, mas sim de chegar ao vértice cognitivo da ação social. Nesta perspectiva, a verdadeira práxis histórica é aquela que responde criativamente

às

seus

condicionamentos

estruturais,

transformando as condições que a formaram. Afinal, “são os homens que, sem saber, fazem a própria história”. Porém, embora existam muitos cientistas sociais conscientes do peso das estruturas coletivas e do papel

da

práxis

individual

como

principal

fator

de

transformação social, a tarefa de escrever biografias sempre foi deixada aos jornalistas e escritores, que, por força do hábito, geralmente exageram no poder da personalidade biografada sobre seu contexto histórico. O mesmo pode ser dito das biografias de inspiração psicanalítica e literária. E o foco da pesquisa biográfica não pode nem minimizar nem supervalorizar a subjetividade individual em relação à dimensão coletiva. Esta exigência de um enquadramento realista do individuo na sociedade tornase ainda maior e mais complexa quando se trata de uma autobiografia, em que a subjetividade do sujeito pesquisador é a mesma que a do objeto pesquisado. Quando a pesquisa torna-se sujeito, verbo e objeto do discurso, quando a investigação sobre a vida se confunde com a própria vida, é preciso definir parâmetros para manter alguma objetividade.


Assim, o primeiro passo da pesquisa biográfica é contextualizar a vida individual estudada em relação aos diferentes cenários em que está inserido. ESTRUTURA SOCIAL

FATORES CONDICIONANTES

Cenário geográfico

País, região, cidade, local de vida.

Cenário histórico

Século, décadas, fatos relevantes.

Cenário familiar

Pais, irmãos e parentes próximos.

Cenário educacional

Escolas, professores, amigos.

Cenário econômico

Modo de produção, classe social

Porém, de nada servem a contextualização social e histórica da vida individual se não se observa também à dimensão psicológica do estudo biográfico, tanto no que diz respeito à formação, aos conflitos e à transformação da personalidade do biografado como no que se refere a nossa própria subjetividade. Vivemos vidas parcialmente já vividas e transformadas em paradigmas e modelos. Mimetizam-se, involuntariamente, comportamentos estruturados antes de nós por semelhantes em uma situação recorrente. Neste sentido, o estudo das biografias das personalidades históricas pode nos revelar padrões inconscientes, permitindo novas opções e escolhas diferentes. Além de pesquisar a biografia das personalidades, o estudo biográfico aqui proposto implica ainda em discutir um método autobiográfico voltado para o estudo compreensivo da subjetividade. Para tanto, além de uma contextualização objetiva, é preciso também compreender a contribuição da psicanálise ao estudo de duas outras dimensões:


Subjetividade, com destaque para a ideia de que os eventos traumáticos de uma biografia ficam recalcados no inconsciente, gerando neuroses e compulsões na Personalidade; Intersubjetividade, principalmente ao dispositivo dialógico de transferência e contratransferência analítica, isto é, ao processo de projeção analógica de semelhanças e diferenças culturais entre o Pesquisador e o Biografado. Ou seja: o discurso analítico sobre o Outro é também

uma compreensão pessoal de Si mesmo. Assim o segundo passo da pesquisa biográfica aqui proposta é observar as relações da subjetividade do Pesquisador com a subjetividade do Biografado. Entre as várias técnicas dialógicas e esquemas de entrevistas para pensar a situação de transferência e contratransferências analíticas, há um diagrama simples de organização destas relações. PESQUISADOR SEMELHANÇAS DIFERENÇAS

Interseção Contraste

BIOGRAFADO Contradição Ambientação

Interseção: O que motiva a pesquisa? Por exemplo, somos jornalistas e nos interessamos em pesquisar a atividade jornalística de fulano de tal porque nos identificamos com ela. Aqui se delimita o universo temático da pesquisa.

Contradição: Dentro do universo temático comum ao Pesquisador e o Biografado existem diferenças e semelhanças ‘internas’, há uma pergunta a ser respondida, um conflito a ser mediado. No exemplo da biografia do jornalista fulano de tal é necessário explicitar quais as suas características específicas e quais dificuldades e vantagens resultantes deste perfil.

Contraste: Mas fulano de tal teve uma vida cuja identidade ultrapassa nossa projeção inicial: ele não só foi romancista, teatrólogo, professor do ponto de vista profissional, mas também amigo, pai, aluno, irmão,


marido, filho, amante, cidadão e muitas outras facetas. Aqui se especifica o que fica no ‘fundo’ em relação à figura de um retrato. 

Ambientação: Seguindo a metáfora, neste ponto detalha-se o lugar que o retrato ocupa em nosso ambiente. Ou o que se aprende com a história de fulano de tal? Qual a importância desta biografia em nossa vida (na vida do pesquisador e na do seu leitor)? No caso de estudos autobiográficos, em que o

pesquisador e biografado são a mesma pessoa, pode-se utilizar o mesmo esquema, mas é necessário um interlocutor. Este interlocutor deve ter alguma experiência em escuta analítica e de forma alguma interferir ou dirigir o processo autobiográfico, se limitando a elaborar perguntas que facilitem a emergência das relações de identidade (“você quer falar em nome de sua geração?” ou “o que sente o brasileiro quando conhece o exterior?”). A conhecida tendência de só querer mostrar os momentos aspectos positivos da vida, varrendo para debaixo do tapete do inconsciente os tempos difíceis e os erros cometidos, seja por bajulação do biógrafo seja por vaidade do biografado, deve ser exorcizada por ambos desde o início do processo e é, não havendo técnica ou procedimento metodológico

que

garanta

a

ética,

uma

questão

de

consciência. Além desta contextualização intersubjetiva do recorte que o pesquisador faz do seu objeto, a dimensão psicológica da subjetividade implica ainda no estudo biográfico do desenvolvimento da personalidade. Para elaborar mapas e procedimentos para tabulação destas informações, lançamos mão aqui de uma abordagem teórica diferente e heterodoxa: a psicologia biográfica.


FASE

FORMAÇÃO 0 -21

PLENITUDE 22 -42

DECLÍNIO BIOLÓGICO 43 -63

SETENIO

CRISE

0 –7

Crise de Socialização

8 – 14

Crise de Crise de Identidade

15 – 21

Crise de Sexualidade

21 – 28

A alma da sensação

29 – 35

A alma do intelecto

36 – 42

A alma da consciência

43 – 49

Segunda crise de sexualidade

50 – 56

Segunda crise de Identidade

57 – 63

Segunda crise de socialização

A psicologia biográfica, estruturada no sistema de desenvolvimento baseado em ciclos de sete anos no desenvolvimento do ser humano em estágios de sete em sete anos, é um dos ramos da Antroposofia, elaborado pelo pensador

alemão

Rudof

Steiner.

Seu

método

foi

detalhadamente aplicado tanto no estudo de biografias como em práticas pedagógicas e terapêuticas e tem ampla comprovação empírica. Por

exemplo,

com

base

nesses

princípios

de

desenvolvimento biográfico organizou-se a pedagogia Waldorf (que tem escolas em todo mundo); uma metodologia de estratégias etárias para recursos humanos adotadas por várias empresas; e uma abordagem médica que leva em conta a etapa da vida das pessoas.


Segundo os chineses, em uma vida “há 20 anos para crescer/aprender, 20 anos para lutar e 20 anos para alcançar a sabedoria”. A psicologia biográfica subscreve esta afirmação e ainda subdivide em setênios cada uma destas três grandes fases. Na primeira fase, do nascimento até os 21 anos, observa-se a formação do corpo e da personalidade em três etapas: até os sete anos, dos 8 aos 14 e daí a maturidade. Cada uma dessas etapas de sete anos corresponde a um determinado estágio de desenvolvimento do corpo e da personalidade e a passagem de uma etapa para outra implica em uma crise e uma adaptação. Ao final do sete anos, a criança vive uma crise de socialização; aos 14, a crise da sexualidade; e aos vinte a crise de identidade. Da mesma forma, a psicologia biográfica subdivide a fase adulta (21-42) e fase madura (42-63) em três etapas de sete anos cada, com crises de transição. Enquanto nos primeiros três setênios da vida o indivíduo vive um predomínio dos fatores biológicos sobre os subjetivos, ele terá também um período igual em que há um equilíbrio e um período de decadência biológica e oportunidade espiritual a partir dos 42 anos de idade. Neste último período, há um predomínio dos fatores subjetivos sobre os biológicos e as crises (ou mudanças cognitivas) são simétricas aos setênios da juventude. Dos 43 os 49, retornamos aos 14-21; dos 50 aos 56 de volta aos 7-14; e, finalmente, dos 57 aos 63, o período dos zero aos sete anos. Vejamos agora cada um dos setênio e as perguntas correspondentes a cada etapa, desenvolvidas pela Dra. Gudrun Burkhard, no livro Tomar a Vida nas próprias mãos (2000), a grande codificadora da teoria biográfica.


De zero aos sete anos, no 1º setênio, é a fase de estruturação biológica da pessoa. A relação com os pais e com a família é fundamental nessa fase. Por isso é importante determinar como era a casa, o lar, o ambiente e as pessoas do lugar onde você morava nessa época. “Qual era a sua relação com pai, mãe, irmãos, avós, tias? Moravam todos na mesma casa que você? Definido o ambiente humano em geral, estabeleça também as rotinas de sua vida no período. Quais eram seus brinquedos prediletos? Quais eram suas atividades preferidas?” (BURKHARD, 2000, 73-74).

Geralmente a primeira lembrança que se tem é próxima do advento das primeiras palavras. As memórias anteriores à fala são mais difíceis de acessar. A propósito, a capacidade discursiva desempenha um papel fundamental na organização da memória e a imagem que se faz de si mesmo (diante da mãe) antes de seu aparecimento da fala permanece inconsciente para o resto da vida, como um padrão de apego nos

relacionamentos.

Na

Antroposofia,

é

período

de

construção do corpo vital ou duplo etéreo. De 7 a 14 anos, no 2º setênio, o foco do desenvolvimento se desloca da família para escola, dos pais para os amigos. É preciso perguntar com que idade se ingressou na escola, como foi alfabetização, quais os professores e das matérias preferidas. “Quais foram os conceitos, normas e costumes que recebeu naquela época? Como foi sua educação religiosa? E quais foram suas atividades artísticas?” (2000, 74).


Também é importante se lembrar de como eram as férias do período escolar. Se havia oportunidade de praticar algum esporte, fazer excursões, ter contato com a natureza. Os amigos passam a desempenhar um papel fundamental, principalmente, os do sexo oposto, embora nessa fase as crianças aparentem desinteresse e até mesmo aversão pelos comportamentos do outro sexo. E quando entrou na puberdade, como você lidou com as mudanças corpóreas? Como foi o primeiro beijo? E a primeira experiência sexual, como você descobriu a sexualidade. No 3º Setênio, de 14 a 21anos, entramos na adolescência, período em que geralmente nos rebelamos contra a família e as outras instituições que regulam nossa vida. Também é importante definir se precisou trabalhar ou pode investir em sua formação profissional. Aliás, como aconteceu sua escolha profissional? “Quais eram seus ideais? Que pessoas influenciaram você positiva ou negativamente na época? Como era seu relacionamento com seus pais? Como eram seus relacionamentos com o sexo oposto?” (2000, 74-75 ).

De 21 a 28 anos, no 4º setênio, começa a segunda parte de nossas vidas. Já não se trata mais de crescer, de aprender; agora, trata-se de lutar, de conquistar espaço. Nesse

período,

ao

mesmo

tempo

em

que

uma

continuidade das condições do setênio anterior há também uma

reflexão

sobre

os

excessos,

bem

como

um

amadurecimento e uma consolidação da personalidade formada na adolescência, da mente desenvolvida no período escolar e do ego construído em casa. Muitos insistem (em


vão)

na

adolescência!

A

grande

maioria

de

jovens

trabalhadores se pergunta se escolheu a profissão certa, se teve oportunidade de conhecer várias situações de trabalho. E com relação à vida pessoal, também existem dúvidas e inseguranças. Muitas vezes, esse é um período de novos começos, não só na vida profissional, mas também na vida pessoal. Como escolho meus parceiros? Há algum padrão em comum nas pessoas que escolho para me relacionar? Que papeis assumi? Quais mais me pesaram? E mais: consegui uma boa relação com o mundo, com a organização de trabalho, com a família e comigo mesmo? Consegui colocar meus ideais em prática? Quais talentos e aptidões eu deixei para trás? Quais minhas reais habilidades técnicas?” (2000, 100).

De 28 a 35 anos, no 5º Setênio, a ‘crise dos talentos’ potencializa ainda mais a dúvidas sobre ser vencedor ou perdedor (uma avaliação sempre precoce, é claro) em relação aos objetivos traçados na adolescência. Espera-se que a pessoa tenha encontrado a missão de sua vida. Nesse ponto, a pessoa questiona sobre se encontrou e aceitou a questão básica de vida, seu propósito estratégico. “Minha individualidade pode desenvolver-se bem? Pode se expressar? Eu me senti oprimido ou oprimi alguém? Encontrei meu lugar de atuação? Sentia-me valorizado? Em que sentia minha valorização?” (2000, 111).

O 6º Setênio, de 35 a 42 anos, é o ápice da biografia. Momento de equilíbrio entre o aspecto biológico e psicológico, bem como de maior capacidade física e mental. Nesse contexto, a pessoa faz um balanço de seu desempenho e de sua imagem com mais propriedade.


“Como os outros me veem? Como vejo a mim mesmo? Que ilusões sobre mim mesmo eu tive que de desmantelar?” (2000, 120).

Com 7º setênio, de 42 a 48 anos, começa o declínio biológico e a terceira fase da vida. Agora, a pessoa deve se preparar para velhice com saúde e para o desenvolvimento de sua subjetividade e de sua sabedoria. Mudam os valores de comparação, muda a perspectiva, mudam também os objetivos de vida. Mas, nem sempre essa passagem se dá consciente e voluntariamente. A andropausa (e a menopausa, para mulheres) e a chamada crise de meia-idade, a idade do lobo, são resultantes de um retorno imaginário à adolescência, o 3º setênio é simétrico ao 7º - ambos tratam da sexualidade e do aparelho reprodutor. “O que deixei para trás em aptidões, potenciais e talentos que agora quero resgatar? Em meu trabalho, estou preocupado com sucessores? Tenho conseguido doar meus frutos maduros? A quem? Como está meu casamento? Meu relacionamento? A relação com meus filhos? Desenvolvi atividades em que haja empregado habilidades conceituais?” (2000, 133).

O 8º setênio, de 48 a 56 anos, por sua vez, consiste em um retorno ao período de aprendizado. Ele é simétrico ao 2º setênio e representa uma oportunidade para se rever os valores e os conceitos que norteiam a vida. Consegui encontrar um novo ritmo de vida? Como está meu ritmo anual, mensal, semanal e diário? Quais são os galhos secos de minha árvore, quais têm de ser cortados para que novos brotos possam aparecer? (2000, 143).


De 56 a 63 anos, no 9º setênio, há um período de retorno a infância, ao primeiro setênio e aos mecanismos de formação do ego. A família volta a ser o foco central de desenvolvimento e de reflexão. A saúde do corpo e a morte iminente também passam a fazer parte do cotidiano da pessoa durante esse período. O que consegui realizar? Há ainda tarefas que eu gostaria de completar, ou há outras para realizar? Como eu lido com minhas limitações? Estou cuidando do corpo, da memória, dos órgãos dos sentidos? Existem relacionamentos que não foram absorvidos, onde tenham ficado questões em aberto? Como está a questão dos meus bens? Como está a questão da aposentadoria? Tenho momentos de graça, sentimentos de gratidão e alegria? Sou capaz de perdoar? (2000, 151).

Não podemos detalhar aqui todo este sistema de desenvolvimento

biográfico,

que

tem

várias

aplicações

práticas e desdobramentos na própria Antroposofia. Para nós, ele é importante como parte de nossa estratégia de construção de parâmetros para elaboração de Mapas Biográficos da Subjetividade, em que se possa visualizar as crises e o desenvolvimento do biografado de 7 em 7 anos. DIMENSÃO

REPRESENTAÇÃO

OBJETIVIDADE

Mapa do Contexto Social

SUBJETIVIDADE

Mapas Biográficos por Setênio

INTERSUBJETIVIDADE

Mapa de Relações Dialógicas

TRANSUBJETIVIDADE

Entrevista performance

Recapitulando


Então, resumindo: para evitar que o estudo (auto) biográfico da subjetividade caia no subjetivismo, prescreve-se inicialmente um mapa do contexto social da biografia, subdividido

em

educacional,

cenários (histórico,

etc)

com

seus

familiar,

fatores

geográfico,

condicionantes

específicos. Esta primeira proposição corresponde a um enquadramento social objetivo, 1º nível de interpretação hermenêutica. Em seguida, para investigar a dimensão psicológica da subjetividade biografada propomos a adoção dos modelos oriundos

das

principalmente

psicologias os

mapas

tipológica

e

cronológicos

de

biográfica, três

fases

(formação, maturidade e sabedoria), cada um com três setênios (sete anos). O objetivo deste procedimento é estabelecer parâmetros biológicos comuns, universais para todas as biografias, deixando assim ressaltadas as diferenças subjetivas

no

desenvolvimento

da

personalidade.

Este

procedimento corresponde ao 2º nível de interpretação hermenêutica, o simbólico. E para estuda a intersubjetividade, 3º nível de interpretação hermenêutica, adotamos o mapa das relações dialógicas de identidade, e fizemos algumas considerações sobre o papel de interlocutor na organização de biografias. Nesse texto, inverteu-se a ordem da apresentação do 2 o e 3o procedimento para facilitar a exposição das ideias principais. Na prática, os dois procedimentos metodológicos são simultâneos e a ordem de aplicação não é relevante. E o quarto passo, o arquetípico e hipertextual, a que procedimento corresponde nesta metodologia de estudo da


subjetividade biográfica? A entrevista performance realizada a partir do roteiro organizado a partir dos mapas anteriores. A entrevista tanto pode ser clínica ou jornalística. Para Cremilda Medina (1986) entrevistar é mais arte que técnica. A entrevista é um texto dialógico, um gênero literário escrito a dois, porque quando entrevistador e entrevistado

entram

em

sinergia

criativa,

chegam

a

formulações em que seriam incapazes de elaborar sozinhos. A entrevista jornalística especificamente, ao contrário das entrevistas realizadas por sociólogos e/ou psicólogos, é um texto escrito por três elementos, incluindo, além do entrevistador e do entrevistado, a categoria de ‘público’, a presença invisível de uma grande audiência anônima, distante e desterritorializada. A 'presença do público' tem vários desdobramentos: o discurso da entrevista torna-se mais performático e espetacular; o aparecimento do ‘off’ (ou do que é dito sem a presença do público) e até de uma pré-entrevista (briefing) em que se combinam os limites da entrevista. Cremilda diz a entrevista jornalística oscila entre o polo compreensivo e o polo espetacular segundo a maior ou menor presença do público dentro da entrevista. No entanto, desconsidera que a existência da audiência estimula e, de certa forma, dirige os interlocutores de uma entrevista performance. Dependo do tipo de público, diferentes aspectos ou modos de exposição de um mesmo fato surgem no diálogo entre

pesquisador

resultados.

e

biografado,

levando

a

diferentes


Já na entrevista clínica, não há público nem registro das falas dos interlocutores. O objetivo é reviver as feridas do inconsciente e fechá-las. Entender o que pode ser mudado imediatamente e o que não pode. Há várias possibilidades de entrevistas clínicas usando o modelo biográfico: psicanálise, regressão por hipnose, etc. Tanto na versão clínica quanto na jornalística, deve-se inicialmente fazer tudo o possível para distanciar a ideia de público nas entrevistas biográficas. Mesmo que o trabalho vise a publicação ou outra forma de exposição do material pesquisado, é interessante, em um primeiro momento, que haja uma fase de pesquisa em que a divulgação não exerça nenhuma pressão sobre a produção de dados. Para tanto, utilizam-se os mapas (do contexto social da biografia; das relações dialógicas de identidade; e de biografia por setênio) como roteiro para entrevista preliminar, sem gravador ou câmera de vídeo. E, em um segundo momento, munido destes dados, realiza-se a entrevista performance, em que os acontecimentos são organizados a partir do presente por área (casas,

trabalhos,

estudos,

amigos,

amores),

etapas

(períodos) e eventos importantes. Assim, de posse de toda informação biográfica levantada na entrevista preliminar, o pesquisador poderá desenvolver

pelo

menos

três

entrevistas

performáticas

retrospectivas referentes a) às residências; b) às ocupações; e c) às relações pessoais do biografado. E o simples entrecruzamento desses três novos parâmetros de organização da biografia a partir de uma ótica retrospectiva, revelará significativos buracos e espaços vazios:


inimigos, frustrações, amores, momentos esquecidos, etc. Caberá ao biógrafo ou terapeuta valorizar ou não essas novas informações. É claro que cada vida é única, aliás, a vida é um processo de singularização individual e de multiplicidade coletiva.

Traçou-se

aqui

parâmetros

e

procedimentos

construídos através da auto-observação e aplicados em várias biografias, tanto diretamente com entrevistas como também indiretamente através do estudo de personalidades históricas relevantes. No entanto, não cabe aqui apresentar estes resultados dessas investigações, mas apenas lançar as sementes para a organização futura de várias pesquisas autobiográficas segundo estes parâmetros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUENO, Delmira Oliveira O método autobiográfico e os estudos com histórias de vida de professores: a questão da subjetividade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 11-30, 2002. BURKHARD, Gudrun. Tomar a vida nas próprias mãos - Como trabalhar a própria biografia o conhecimento das leis gerais do desenvolvimento humano. São Paulo: Editora Antroposófica, 2000. ______ Bases Antroposóficas da Metodologia Biográfica – a biografia diurna. São Paulo: Editora Antroposófica, 2002. LIEVEGOED, Bernard. Fases da Vida – crise e desenvolvimento da individualidade. São Paulo: Editora Antroposófica, 1994. MEDINA, CREMILDA. Entrevista - O diálogo possível. São Paulo, Editora Ática, 1986. NÓVOA, António; FINGER, Matthias (Orgs.) O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde; Departamento dos Recursos Humanos da Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988.


OSHO: O AVATAR DA REBELDIA Uma homenagem crítica ao papa do esoterismo pop Um Avatar substituto Para por em prática a teoria dos Avatares, segundo a qual um ser iluminado nascia para salvar o espírito da humanidade há cada dois mil anos, descrita na Doutrina Secreta de Madame Blavatsky, sua principal discípula e sucessora na direção da Ordem Teosófica, Annie Besant, se colocou a missão de localizar e preparar a pessoa que seria novo Avatar. Encontrou um jovem indiano e o levou para estudar na Inglaterra. Esse fato teve como consequência imediata a dissidência aberta por Steiner: a Antroposofia. Porém, poucos meses antes de assumir a direção internacional de um verdadeiro império organizado em sua volta, Krisnamurti desistiu de cumprir o destino para o qual havia sido educado e iniciou uma cruzada a favor da meditação e do desenvolvimento da consciência acima de qualquer sistema de crenças e rituais. Para o místico indiano Bhagwan Shree Rajneesh (na verdade,

Rajneesh

Chandra

Mohan

Jain),

Krisnamurti

fraquejou e não recebeu o espírito solar a que estava destinado a incorporar. Assim, coube a ele, Rajneesh, o dever de concluir essa missão e ser o Avatar da Nova Era, aquele que uniria espiritualmente Ocidente e Oriente. E, a partir do final dos anos 80, Rajneesh passou a se chamar de Osho um título originalmente de reverência concedido a certos mestres na tradição Zen do Budismo.


Sem entrar no mérito das ideias de Rajneesh, nem de sua pretensão de se chamar de Osho e se considerar o Avatar da Nova Era, uma de suas contribuições mais importantes é seu marketing de organização em rede – fato que geralmente passa despercebida tanto aos seus críticos quanto aos seus defensores. Além do Tantra como carro chefe, Rajneesh relançou toda uma linha de produtos esotéricos de outras correntes e tradições com sua grife (tarô do Osho, massagem do Osho, danças do Osho, Reike do Osho, etc). Ao invés de uma nova síntese dessas técnicas e práticas, Rajneesh criou uma ‘franquia espiritual’, uma identidade transnacional de extensão planetária em redes descentralizadas: a marca OSHO. Na mídia, Osho ficou conhecido como o guru do sexo e dos ricos - em função de seu discurso contra a repressão sexual e da frota de 93 Rolls-Royces que existiam em sua comuna nos Estados Unidos, 'Rajneeshpuram' e que recebia, no início dos anos 80, milhares de visitantes de todo o mundo. Osho foi acusado, por parte do governo estadual do Óregon de perversão, realização de lavagem cerebral e evasão fiscal; seus discípulos se envolvem em caso de envenenamento e fraude eleitoral. Foi preso e posteriormente deportado dos EUA. Em julho de 1986, Osho volta à Índia e instala-se novamente em Puna e funda uma multiversidade (e não uma universidade) de estudos espirituais. Em novembro de 1987, seus médicos diagnosticam envenenamento por tálium, um metal pesado de efeito lento, progressivo e fatal. Osho afirmou que o governo dos EUA o havia lentamente envenenado durante os 12 dias em que ele estivera preso em


1985. Faleceu dia 19 de janeiro de 1990, em Puna, sua cidade natal. O pensamento de Rajneesh está exposto em mais de 1000 livros, embora ele nunca tenha escrito nenhum. Seus livros são transcrições de excertos dos arquivos gravados de palestras feitas em momentos e para públicos diferentes. Textos que, com o passar do tempo, foram sendo reescritos pelos seus seguidores. Desconfie-se, portanto, que o Osho não é uma única pessoa, mas sim uma instituição. Nesse sentido, a compilação póstuma Autobiografia de um místico espiritualmente

incorreto

(2000)

permite

vislumbrar

claramente, mesmo sendo um texto editado de modo as esconder as diferenças, três fases de Osho: antes, durante e depois sua passagem pelos EUA. Nos últimos anos, ele aprimorou suas meditações e ideias centrais. É o melhor de sua produção. Também

diferentes

estratégias

transversais

possíveis de leitura a essas três fases dos trabalhos de Osho. Pode-se, por exemplo, observar seu discurso sobre as diferentes tradições (budismo(s), zen, taoísmo, cristianismo, islã). Outra estratégia interessante seria analisar seus livros sobre práticas meditavas e terapêuticas (como O Livro Orange ou a Farmácia da Alma) ou ainda estudar sua interpretações de milhares de estórias, anedotas, lendas e casos de que faz uso frequente para explicar suas ideias. Será possível, a partir da análise discursiva de seus livros, reconstituir uma concepção de mundo, uma doutrina ou mesmo um conjunto coerente de ensinamentos e modos de pensar? Sim, claro. Há temas recorrentes e uma filosofia


própria: anarquismo, relativismo, hedonismo e irracionalismo com ênfase no instinto e na intuição8. Esoterismo pós-moderno Inicialmente é preciso observar que Osho faz parte de um contexto internacional e de uma determinada época, guardando vários pontos em comum com outros pensadores esotéricos contemporâneos, como Castaneda e Gurdjieff. Ken Wilber

é

quem

melhor

caracteriza

o

esoterismo

da

contracultura como “um pluralismo relativista” (2000, 33). Para esta forma de pensar não existem regras de raciocínio que transcendam o que é aceito por uma sociedade ou época. O valor de algo é o valor que as pessoas lhe atribuem e cada pessoa tem o direito legítimo de lhe atribuir valor diferente. A ação e o pensamento humanos são inerentemente locais, enraizados em fatos variáveis da natureza e da história humanas. Para Wilber, a principal característica do pluralismo relativista é que ele não consegue perceber ou admitir que sua forma de pensar também seja relativa a um contexto social e histórico (se encaixando em um quadro de referencias universais) e que ao excluir os universalismos e afirmar radicalmente o relativo, está sendo absoluta. No campo modernista,

que

acadêmico, acredita

que

o

descontrutivismo pós-

todo

comportamento

é

culturalmente relativo e socialmente construído, é o principal 8

Escolheram-se aqui os textos ‘morais’ de Osho. Por ‘morais’ entenda-se os textos prescritivos organizados nos dez livros da coleção ‘Dicas para uma nova maneira de viver’ sobre diferentes temas éticos: liberdade, intuição, criatividade, alegria, maturidade, coragem, intimidade, inteligência, compaixão e consciência. É claro que Osho não gostaria de seus textos prescritivos serem chamados de morais, pois ele não é um moralista no sentido normativo, isto é, não estabelece regras de comportamento (2004, 127). Todavia, esses textos sugerem procedimentos éticos de conduta para os que desejam a liberdade espiritual. E isto também pode ser considerado ‘moral’.


representante do pluralismo relativista. E, no campo esotérico, além de Osho, há também pensadores como Gurdjieff e Castaneda, cujas características se aproximam muito do pensamento pós-moderno, principalmente na recusa radical ao platonismo da ‘Nova Gnose’ e a adoção de uma perspectiva empírica e experimental, em oposição às crenças impostas

pelo

condicionamento

social

(2004,

79).

O

relativismo aqui é perceptivo (e não meramente discursivo): não há uma realidade objetiva e que somos condicionados a acreditar em uma miragem coletiva, uma Matrix da qual temos que escapar para, um sonho do qual temos que acordar. Esse caráter rebelde diante da sociedade é o principal traço comum entre Osho e o esoterismo anti-gnóstico, mas há também outras semelhanças importantes Principalmente em relação a Gurdjieff, que é muito citado por Osho. Para Osho, por exemplo, estamos todos dormindo em um estado de inconsciência e automatismo, precisamos tomar um choque para despertar a consciência (OSHO, 2001, 11). Os nossos múltiplos ‘eus’ são como que ‘amortecedores’ que impedem que os choques da vida nos acordem. Os ‘eu's’ dissipam nossa energia (OSHO, 2004, 75), impedindo de nos tornamos mais íntegros e conscientes. A ideia de que preciso reorganizar e economizar a própria energia, principalmente a energia sexual, também é comum a Osho, Gurdjieff e Castaneda. Tanto Osho como Gurdjieff e Castaneda são céticos e hiper-realistas, focando-se quase que exclusivamente no descondicionamento social da consciência individual. Eles pensavam assim conseguir escapar no sistema de crenças.


Mas são as crenças que forjam as experiências, e essas, por sua vez, que formam e reforçam as crenças. No caso de Osho, a recusa em admitir as próprias crenças (como também dos que cultuam a experiência concreta em geral) tem resultado um relativismo subjetivista em que tudo é uma questão de opinião. E

esse

talvez

seja

o

principal

problema

de

empreender uma crítica sistemática a Osho. Isto por dois motivos. Da forma como coloca suas ideias, principalmente antes de ser expulso dos EUA, é que Osho fala na condição de iluminado, de alguém que já alcançou o nirvana e orienta aqueles que desejam chegar lá aonde ele já chegou. Essa superioridade ontológica, esse lugar privilegiado da fala e do enunciador, de quem já experimentou a iluminação é que dá a Osho uma autoridade discursiva de ser radicalmente subjetivo. Outra ideia em comum é que “o tempo é horizontal e a eternidade

é

vertical”

(2005,

100-101;

2004,

202).

Horizontalmente, somos todos iguais, nivelados pela morte; porém, há alguns que estão mais próximos da eternidade do que outros. E esta verticalização tem dois desdobramentos importantes: singulariza-nos como indivíduos no processo de evolução espiritual, é a experiência da eternidade que nos produz o desenvolvimento da consciência; e, estabelece uma hierarquia espiritual, existem os que estão mais próximos da eternidade e os que ainda estão distantes. Osho se aproxima, assim, da tese defendida budista (também defendia por Castaneda e Gurdjieff), para quem não existe alma eterna e apenas com bastante esforço conseguese escapar da segunda morte. Ainda segundo Osho, o homem


que se move verticalmente é como um espelho (2005, 103), em que os outros homens (que se movem exclusivamente na horizontal) se veem. E isso ao mesmo tempo em que confere uma autoridade natural sobre os homens indiferenciados, gera também uma solidão e uma singularização ainda maior. Outra dificuldade, conexa ao subjetivismo empirista de Osho, é que ele advoga que tem direito de ter sua opinião da mesma forma que seus críticos têm de discordar dele. Ele se dá direito de, por exemplo, dizer que Nietzsche enlouqueceu porque tinha inveja de Jesus Cristo (2006d, 114) ou que os pais destroem a inteligência dos filhos para escravizá-los (2007b, 123). É possível fazer um longo inventário de achismos e bobagens retóricas. Polêmico? Mais: provocador. Osho é sempre contra o consensual e o senso comum, faz questão de remar contra a maré e mostrar o outro lado de tudo: ele é contra o cristianismo e a favor de Jesus, ele contra todas as religiões e a favor de todas as formas de espiritualidade, etc. Na verdade, Osho tem um vocabulário próprio, inclusive há uma compilação chamada Osho de A a Z – um dicionário do Aqui e Agora (OSHO, 2004), em que várias palavras são redefinidas de acordo com sua forma de pensar, algumas sendo supervalorizadas, enquanto outras sendo desqualificadas. Por exemplo, Osho evita ao máximo as palavras ‘Absoluto’ e ‘Abstrato’ (2004, 11); “Abstinência’, para ele, é uma perversão; “nunca usa a palavra ‘renúncia’” (2001,11; 2004, 154) não gosta da palavra ‘amigo’, nem ‘amizade’ (2006d, 84).


Há também vários temas – como medo, compaixão, meditação e liberdade – permeiam todos os textos e por isso são difíceis de precisar. Outros, secundários, necessitam de uma redefinição – como é o caso das noções de responsabilidade, disciplina, inteligência, maturidade. Existem ainda temas paradoxais. Mas, o próprio Osho aponta para alguns conceitos chaves, como no caso dos 3 c’s (1999, 13): Consciência (referente à existência e oposta à mente e ao ego), Compaixão (referente ao sentimento e geralmente contraposta ao medo) e Criatividade (referente ao campo da ação e oposto à atividade política). Consciência e Mente “O mundo é o arco-íris; a mente, o prisma; e o ser o raio de luz”. (2006c, 168). A mente é como se fosse um invólucro da consciência; “uma é periférica, a outra está no centro” (2001, 60). Somos como uma cebola de várias cascas sobrepostas e “há diferentes níveis de consciência: do corpo, dos pensamentos, dos sentimentos e a consciência da consciência”, ou ‘o observador’ (2001, 13). Em outro livro (2006c), a cebola tem seis camadas: “os sentidos, os condicionamentos

dos

sistemas

de

crenças,

as

racionalizações, o sentimentalismo, a repressão e a intuição corrompida” (p. 117). “A mente é a memória, você é a consciência” (2001, 112). Para Osho, a mente está no passado e a consciência é sinônima

de

percepção

presente. A consciência

é

a

‘lembrança de si’ (Gurdjieff) e a mente, o esquecimento. “A


mente é um depósito de amarguras” (2004, 86), ela coleciona feridas e insultos. Segundo Osho: “O único pecado que existe é a inconsciência, a única virtude é a consciência” (2001, 164); “a meditação e o silêncio são os métodos para se calar a mente e chegar à consciência” (2005, 155). A ‘consciência’ para Osho não é a consciência moral ou mental, mas sim percepção imediata do presente, sem levar em conta os valores que a contextualiza, ela é “oposta ao ego e à mente racional” (2001, 175). Osho prega o caminho

da

iluminação

instantânea,

o

despertar

da

consciência para o presente em um único choque é o ‘caminho sem caminho’. “Há muitas doenças, mas um só remédio: a consciência. Toda minha mensagem se resume nisso: você precisa de consciência, não precisa de caráter” (2001, 166). Aliás, ele cita que há duas palavras em inglês para designar a consciência: consciouness e conscience (2001, 171). Uma de suas ideias fixas mais repetitivas é que não se deve tentar ser uma pessoa melhor ou fazer qualquer esforço no sentido do aperfeiçoamento. “Seja você mesmo ao invés de tentar ser o que não é. Viva a gratidão do ser e não a neurose do dever ser” (2004, 169) – afirma, sem explicar a contradição de estar prescrevendo para pessoas que ‘querem ser’ que apenas ‘sejam elas mesmas’. Este é um ponto importante. É preciso Ser e não ‘tornar-se’. Para Osho, “ser uma pessoa melhor é um desejo nefasto” (1999, 42). A pessoa deve ser total em cada ato, procurar ser integral, espontâneo, intenso, autêntico – imediatamente e a cada segundo. E segundo Osho (2001, 182), o místico Mahavira afirma que


quarenta e oito minutos de meditação Vipassana perfeita, de plena atenção contínua (de consciência) na respiração levam à iluminação. Há, portanto, dois caminhos (2004, 30): o caminho da iluminação instantânea, o despertar da consciência para o presente em um único choque (é o ‘caminho sem caminho’ ideia retirada do Zen que Osho repete constantemente) e o caminho do auto aperfeiçoamento, que se dá através de vários choques através dos quais a pessoa vai mudando seus padrões energéticos e evolui, até chegar à ausência de desejos inconscientes. Sobre esse segundo caminho, Osho fala muito pouco e quase sempre de forma negativa. Para ele, o importante é a presentificação imediata da consciência. Aos que não alcançarem a iluminação instantânea (pessoalmente, nunca tive notícias de ninguém), resta à espera: A espera precisa ser pura. Desfrute da espera em si, sem querer nada mais. Você não vê a beleza que há em apenas esperar? A pureza, a benção, a inocência? Apenas esperar, sem nem mesmo saber o que virá. [...] Ao descobrir que não há como imaginar o futuro, não há como imaginar o desconhecido, então aquilo que é conhecido cessa e todas as ideias dentro da mente desaparecem: as ideias sobre Deus, as ideias sobre samadhi, iluminação, todas elas desaparecem. Nesse desaparecimento está a iluminação [...] Mas uma coisa é certa: a espera é infinitamente bela, a espera é infinitamente cheia de alegria. (OSHO, 2004, 69-70)

Em outros momentos, a consciência é oposta ao ego, ao intelecto e à atividade racional. Para tanto, também se redefine a ideia de Inteligência. Segundo Osho, ‘Inteligência’ não é a capacidade de sobrevivência do mais adaptado, mas a capacidade solucionar novos problemas. Ela não é adquirida culturalmente, ao contrário, o ser humano nasce inteligente, a


sociedade o emburrece (2007b, 33). A inteligência é uma dádiva da natureza, é inata e intrínseca à vida. Somente o homem é burro, o universo é inteligente. “Nascemos sem ego, o ego é um espelho para nos vermos através dos outros porque tememos olhar para nós mesmos, face-a-face” (2004, 62); “A inteligência verdadeira é intuitiva e vem do coração” (2007b,

27).

Ela

é

naturalmente

rebelde,

não

aceita

adestramentos. Já a mente é externa e coletiva, um conjunto de crenças adquirido pelo ego, que, por sua vez, foi estruturado socialmente. O Conhecimento (intelectual) não é o Saber (experiencial) da consciência. Porém, o irracionalismo de Osho, às vezes, comete exageros. Por exemplo: “a intuição não pode ser explicada cientificamente porque é irracional” (2006c, 09). A intuição hoje em dia é vista pela neurociência como um atalho cognitivo entre neurônios, como uma sinapse criativa. Hoje em dia explicamos a intuição cientificamente de forma inclusive a confirmar as ideias de Osho sobre a atividade cognitiva. Vários outros exemplos poderiam ser dados desses exageros irracionalistas, utilizados para desqualificar outras formas de pensar. Eis mais uma das contradições do Osho: ele é um pensador que desqualifica o pensamento. Por outro lado, Osho é bastante condescendente com o uso de drogas pela juventude (2006a, 138; 2006c, 81-82; 1999, 124-125), que vê como uma tentativa selvagem da juventude de destruição do ego para chegar à espiritualidade, e considera que os computadores são ‘mentes artificiais’, que poderão substituir a mente humana com várias vantagens. “O computador permite que o homem medite. O computador


pode ser um grande salto quântico, uma ruptura com vários dos condicionamentos do passado” (2007b, 156). Para ele, a memória psicológica desaparecerá (2007b, 177) e a memória factual se tornará mais precisa (1999, 151). Osho acredita ainda que o “inconsciente não é natural”, é um subproduto da civilização (2007b, 143). E isto nos leva a um segundo par de conceitos opostos. Compaixão e Medo “A Compaixão é a mais elevada forma de amor” (2004, 39). No entanto, ela não deveria se chamar com-Paixão, mas sim contra-paixão, pois para Osho, é a qualidade para onde vai a energia quando cessa o desejo. Compaixão é dar amor a todos os seres, mas sem se compadecer deles. Osho defende uma compaixão sem piedade, que ajuda os outros em beneficio próprio. Para ele, a ideia de “caridade não passa de enganação” (2004, 32). E “a verdadeira compaixão é uma forma de amor universal não-altruísta” (2007a, 147-154). O tema do medo (2004, 123) perpassa todo discurso de Osho. Pode-se encontrá-lo como o oposto da compaixão e do amor, como um instinto natural a ser respeitado, como um mecanismo de controle da sociedade sobre a pessoa - “O amor é um tipo sutil de servidão” (2005, 87); ou como um desafio à superação dos limites, entre outros. Para Osho, ‘coragem’ é a disposição para viver na incerteza; confiança é a disposição para viver na insegurança. “Não chame de incerteza – chame de assombro; não chame de insegurança, chame de liberdade” (OSHO, 1999). Coragem


é enfrentar o desconhecido apesar do medo. Bravura contra fóbica não é destemor. “O homem fica destemido aceitando seus medos” (1999,153), pondo em risco o conhecido pelo desconhecido. E mais: um homem destemido não apenas ‘não tem medo de ninguém’, mas também não faz com que ninguém o tema. Nessa lógica, o medo, quando aceito, vira liberdade, o medo negado vira culpa. O único modo de transcender o medo da morte é aceitá-la. Então, a energia gasta com o medo vira liberdade. “Todos têm medo. Mas por quê? Ninguém tem nada a perder” (1999, 87). Segundo Osho, o medo atua na mente de modo a manter todos sobre controle do sistema de crenças e impedir

o

desenvolvimento

natural

do

homem.

Em

contrapartida, acredita também que, quanto maior o risco, maior a possibilidade de crescimento pessoal e espiritual. E nesse sentido, “o maior medo do mundo é o da opinião dos outros” (1999, 113). Por um lado, todo mundo tem medo da intimidade. Somos estranhos de nós mesmos e a intimidade nos revela. Assim, por outro lado, todo mundo quer intimidade. Não ter nada a esconder é aceitar-se. A simplicidade despretensiosa que inspira confiança (2006b, 11-12). Osho chama isso de ‘Vulnerabilidade’ (2004, 209). Nascemos livres de condicionamentos, intuitivos e confiamos naturalmente nas pessoas e em nós mesmos. E a essa espontaneidade inata, ele chama ‘Inocência’. Ser inocente é permanecer ignorante apesar do conhecimento e confiar. “Não agir em função do passado, manter-se sempre disposto a aprender e procurar a felicidade em pequenas coisas” (1999, 119).


Mas, para que a inocência e a vulnerabilidade não descambem na ingenuidade e na irresponsabilidade, Osho desenvolve também a noção de Maturidade (2004, 120), que é aceitar a responsabilidade de ser9 . A sociedade destrói nossa autoconfiança e nos ensina a confiar nas instituições (as crenças). E uma vez que se não confia em si, não confia mais em ninguém e se passa a crer em ideias abstratas, encaixando-se nas configurações sociais. A própria sociedade nada mais é que uma crença que depende de outras e toda sua estrutura é auto hipnótica (2006b, 43). Com a socialização, a perda da confiança e a adoção de crenças, também se elaboram máscaras para esconder nossa intimidade dos outros. Ora, “tudo que se esconde, cresce; e tudo que se expõe, se for errado, desaparece” (1999, 163). Osho acredita que a vulnerabilidade acaba com a falsidade do ego e permite retornar à inocência original com maturidade. “Ser sincero é ser autentico” (2006b, 31), é ser verdadeiro consigo mesmo, “não há outra responsabilidade” (2006b, 41). No momento em que você se aceita, torna-se aberto, vulnerável e receptivo. Confiar se tornar um verbo intransitivo. “Comece confiando em si mesmo, confie então nos outros e um dia você confiará no desconhecido” (2006b, 49) e “não precisará mais melhorar a si mesmo” (2006b 125). Outros temas éticos constantemente opostos à questão do medo imposto pelo condicionamento do sistema de crenças no discurso de Osho é a alegria. Alegria, para Osho, é superior ao prazer e à felicidade (2004, 15). Para ele, 9

Osho resume a teoria biográfica dos ciclos de sete anos proposta pela Antroposofia (2005, 41).


o prazer é biológico; a felicidade, psicológica; e a alegria, espiritual. Alegria é transcendência espiritual, está além do tempo e do espaço. Aceitar a alegria é seguir o fluxo dos acontecimentos,

sendo

grato

pela

vida,

desafios

e

oportunidades, deixando de impor condições e de fazer exigências. É viver sem medo a aventura do presente. Reparem que Osho procede a uma reinterpretação rebelde de vários importantes conceitos budistas: a felicidade, que se torna mais psicológica; a compaixão, que fica impessoal e se torna menos piedosa; e a aceitação (ou não reação budista), que passa a não ser mais tão conformada e sim uma forma rebelde de “dar a outra face”. Em relação à aceitação budista, Osho distingue entre reagir (mecanicamente) e responder (conscientemente). Em diversos momentos, ele afirma que a aceitação total de si mesmo e da vida não implica em se conformar com as desigualdades do mundo (2004, 23). Aliás, a palavra ‘Responsabilidade’, na cartilha do Osho, significa capacidade de responder criativamente à realidade e não o respeito às obrigações e deveres impostos pela sociedade (2006b, 173; 2004, 158). Criatividade e Liberdade Em relação à Liberdade, Osho faz uma interessante releitura do Assim falou Zaratrusta de Nietzsche, enfatizando os três diferentes tipos de liberdade que temos durante a vida, segundo o grau de maturidade e de compreensão espiritual.

O camelo (a ‘liberdade para’ fazermos algo). Em que lutamos contra as regras e contra a autoridade. É a liberdade política e objetiva, isto é: a ‘liberdade do não’ da autonomia de decidir o que ser e fazer e não o que os outros querem. Mas, de nada adianta a ‘liberdade para’


(cantar, por exemplo) senão temos a ‘liberdade de’ (a alegria de cantar).

O leão (a ‘liberdade de’ fazer o que quiser). Agora, a luta pela liberdade é contra o próprio condicionamento, é o aperfeiçoamento interior para se conseguir usufruir da liberdade exterior. É a liberdade psicológica e subjetiva, a ‘liberdade do sim’ da aceitação da vida.

E a criança (a liberdade do silêncio ou intransitiva). Aqui a luta pela liberdade consiste em libertar os outros através do exercício criativo da própria liberdade (quando, cantando, mudamos sentimentos e situações). É a liberdade espiritual da criatividade.

“A vida em si, não tem sentido, é preciso dar um sentido à vida, isto é, criatividade” (1999, 193). E se você não usar sua energia de modo criativo, usará de modo destrutivo. Em relação a você mesmo e em relação à natureza. A natureza dá energia criativa a todos, ela só se torna destrutiva quando é obstruída. A criatividade é maior forma de rebeldia. Para criar é preciso romper com o condicionamento do passado. Os que dormem são mecânicos, de comportamento coletivo, e não criam. O criativo é solitário e inconformista. Osho considera a emergência da intuição e da criatividade é resultante de um processo de desenvolvimento, em que a pessoa se torna cada vez mais individual, singular e livre das identidades sociais coletivas. Tudo começa com o relaxamento que leva à economia de energia e à mudança dos padrões destrutivos para padrões criativos. O instinto está para o corpo assim com a intuição está para a alma: “quando uma pessoa é completamente criativa, ela transcende o sexo sem reprimi-lo” (2004, 172). Não há propriamente uma repressão à sexualidade, mas sim a obstrução da energia que deveria ser utilizada criativamente. A questão não é o sexo em si, mas o uso que se faz dele. Osho tem uma posição


semelhante

sobre

a

riqueza:

“É

preciso

renunciar

a

mentalidade dirigida pelo dinheiro e não ao dinheiro em si” (2004, 57). Um

ponto

muito

importante

é

que

Osho

faz

constantemente em toda sua obra uma analogia estrutural entre orgasmo e o nirvana, em vários níveis do discurso. Como conteúdo, tanto se chega à iluminação através da catarse, quanto o orgasmo é tratado de modo sagrado. Mas, a analogia tem também um aspecto sutil na forma como o discurso de Osho trata todo processo de desenvolvimento da consciência. "Quer ser uma pessoa infeliz? Então ignore as necessidades de seu corpo e siga nos desejos de sua mente. Quer ser feliz? Atenda às suas necessidades biológicas e silencie sua mente, fique apenas observando aos seus desejos, sejam eles de aversão ou de cobiça. Você ficará cada vez mais intuitivo, mais criativo. E, continuando assim, um dia, a iluminação explodirá dentro de você.” (2006c, 27-28).

Dito assim é fácil. Jejuar, dormir pouco, não manter relações sexuais, não falar, ficar em posições estáticas – para não falar de mortificações – são práticas comuns entre os místicos cristãos, budistas, judeus, muçulmanos. E por que será que todas as tradições religiosas, principalmente os místicos, sempre preferiram a ascese, isto é, a privação dos sentidos e das necessidades? E que as religiões organizadas transformaram a ascese voluntária dos místicos em repressão sexual para as massas, dessacralizando a sexualidade e instituindo a culpa como uma forma de controle social. E reinserindo o sexo sagrado como prática espiritual no Ocidental no contexto de


liberação dos costumes da contracultura, Osho reinventou a ‘arte erótica’ do Oriente como uma nova terapia catártica (algo bem diferente do Tantra tradicional) – o que é, sem sombra de dúvida, um feito realmente criativo. O tantra original é uma senda mística, vertical, em que o objetivo principal é elevar o praticante à transcendência e à Unidade com o Divino. O Tantra (2004, 186) do Osho dá muita ênfase à afetividade, à relação horizontal com o Outro, a superação de bloqueios e de problemas psicológicos. O homossexualismo

masculino

no

contexto

tradicional

é

condenado, uma vez que os polos energéticos são essenciais. Já para Osho, o sexo dos parceiros tântricos é secundário diante

do

sentimento

desenvolvimento

da

e

do

kundalini.

afeto Há,

necessário

portanto,

ao

enfoques

bastante diferentes, resultantes de contextos históricos diversos. Na

verdade,

essa

transformação

de

práticas

espirituais em terapias de catarse (ou seria o inverso?) é uma característica das técnicas prescritas por Osho, tais como as meditações dançantes - caótica, dinâmica, kundalini, a meditação do falatório (tagalerar até o silencio) entre outras menos conhecidas - e o processo iniciático conhecido como Rosa Mística (uma semana de risos, uma semana de choro e uma semana de plena atenção). Todas elas têm por objetivo, acaba com a tensão do corpo e o relaxamento permite a consciência: “É preciso colocar para fora o grande gorila que há dentro de você” (2001,105). E em oposição direta a esse redirecionamento da energia sexual para criatividade e para intuição está o tema da


liberdade espiritual em oposição ao campo da política e da dissociação entre as atividades mecânicas e ação consciente (1999, 26). “Aproveite a vida para celebrar, não perca tempo brigando ou lutando para mudar nada” (2006d, 112). Para Osho, nascemos livres, mas a sociedade redefiniu com regras a liberdade individual. Segundo ele, nenhuma sociedade até hoje ajudou o ser humano a se realizar como pessoa. E só os seres humanos precisam de regras; os outros animais, não as seguem. Osho acredita que as regras sociais são contrárias à evolução natural dos indivíduos e que novas formas de coletividade

surgirão a partir do desenvolvimento dos

indivíduos. Aliás, segundo Osho, a sociedade não existe (2006d, 11-28; 2004, 178), ela é apenas uma palavra. Para ele, o coletivo é uma abstração composta por indivíduos concretos. Não cabe aqui duvidarmos da honestidade desta opinião, ou seja, se Osho realmente acredita desta sandice (que contraria toda história da sociologia) e porque os indivíduos são menos (ou mais) abstratos que a sociedade. O importante é observar que Osho faz política quando parece condená-la. “Sou um Anarquista de outra dimensão muito diferente. Primeiro, deixe que as pessoas se preparem, e então os governos desaparecerão por conta própria. Não sou a favor de acabar com os governos; eles estão preenchendo uma necessidade. O homem é tão bárbaro, tão vil, que, se não fosse impedido pela força, toda sociedade seria um caos.” [...] “Os governos evaporarão como gotas de orvalho sob o sol da manhã.” [...] “Não sou contra o governo, sou contra a necessidade de governo.”, (2006d 96-98).

Outra opinião polêmica é a de que a família é a raiz de todos os nossos problemas (2006d, 28) e está obsoleta (2006d, 24). Ela surgiu com a propriedade privada (como


dizem Platão e Marx) me vai dar lugar à comuna (p. 25). Osho nunca votou (2004, 63), diz “o que existe hoje não é democracia” (2006c, 105) e é a favor de um governo mundial (2007b, 43). Para ele, a diferença entre autoridade e autoritarismo é que no primeiro caso a decisão vem de quem obedece e no segundo é imposta (2006d, 35). Síntese eclética “Deixe a sociedade ficar com está. Não brigue com ela” (2006d, 27). Osho nos conclama a ser um transformador silencioso e não um revolucionário. No revolucionário, há uma dissociação entre o ‘de’ e o ‘para’. No rebelde, a destruição e a criatividade andam juntas. Pode-se definir rebeldia com desobediência à autoridade constituída, às hierarquias sociais impostas, como também se pode defini-la como a não observância

de

regras

negociadas

e

consensualmente

aceitas. A primeira é uma rebeldia vertical que gera o desejo de uma liberdade ‘de’ quem nos obriga a fazer coisas que não desejamos. A segunda é uma rebeldia ‘para’ com os outros e com nós mesmos, horizontal, e nos coloca a questão da disciplina. Se alguém estabelecer uma diferença entre a rebeldia contra

as

instituições

sociais

(na

verdade,

contra

o

condicionamento do sistema de crenças) e a rebeldia como indisciplina pessoal, indolência ou incapacidade de alcançar os próprios objetivos estará demarcando uma fronteira clara entre Osho e as tradições. Para Osho, rebeldia é sinônimo de inteligência. “É preciso aprender a dizer não de forma definitiva, pois somente


assim se atinge o ponto a partir do qual se pode dizer sim” (2004, 152). E disciplina “significa apenas uma metodologia para nos tornamos mais centrados, mais alertas, mais receptivos [...]” (2004, 58) A palavra ‘disciplina’ vem da palavra ‘discípulo’ (1999, 129) e significa ‘capacidade de aprender’ (2005,

167-168).

Para

Osho,

a

obediência

castra

o

desenvolvimento da criatividade (2004, p. 133) e alivia o fardo da responsabilidade, mantendo as pessoas na inconsciência. A noção de ‘responsabilidade’, como vimos, é redefinida como a “capacidade de responder”, sendo destituída de qualquer conteúdo próximo às ideias de dever e obrigação. As máquinas obedecem sem consciência. “Tudo que é feito em nome do dever (e não da alegria) é feio” (2004, 55). O discurso de Osho confunde rebeldia social com indisciplina espiritual. Para Osho, os homens verdadeiros não têm ideais (2006b, 39); viver na incerteza é viver na simplicidade; é viver sem ideais (2007b, 141-142; 2004, 176). Porém, às vezes, há uma confusão entre simplicidade e simplificação. A simplicidade é profunda; a simplificação, superficial.

A

ênfase

excessiva

no

presente

(e

na

desconsideração das realidades históricas e sociais) leva a um não aprofundamento das condições que estruturam a pessoa no mundo. E a aceitação radical de si (desprovida de responsabilidade social com os outros e adicionada à falta de empenho de aperfeiçoamento ético) leva à acomodação de alguns de seus leitores ainda em estágio pré-convencional. E, mesmo com todas essas pequenas objeções, impossível não reconhecer a importância das ideias de Osho para o pensamento esotérico contemporâneo, a tal ponto, que,


várias de suas ideias e de seus temas ainda se confundem, inconscientemente, com a forma de pensar das gerações espiritualistas atuais. Fica, então, aqui essa homenagem crítica deste aplicado, digamos assim, anti discípulo do Osho. Como prova de gratidão e de reconhecimento pela sua inestimável contribuição ao nosso crescimento e, sobretudo, à nossa liberdade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OSHO Coragem – o prazer de viver perigosamente. Tradução Denise de C. Rocha Delela. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 1999a. _____ Criatividade – liberando sua força interior. Tradução Milton Chaves de Almeida. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 1999b. _____Autobiografia de um místico espiritualmente incorreto. Tradução Melania Scoss. São Paulo: Cultrix, 2000. _____ Consciência – a chave para viver em equilíbrio. Tradução Denise de C. Rocha Delela. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2001. ____ Osho de A a Z – um dicionário espiritual do Aqui e Agora. Tradução de Carlos Irineu Costa. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2004. ____ Maturidade – a responsabilidade de ser você mesmo. Tradução Alipio Correia de Franca Neto. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2005. _____ Alegria – a felicidade que vem de dentro. Tradução Leonardo Freire. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2006a. _____ Intimidade – como confiar em si mesmo e nos outros. Tradução Henrique Amat Rego Monteiro. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2006b. _____ Intuição – o saber além da lógica. Tradução Henrique Amat Rego Monteiro. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2006c.


_____ Liberdade – a coragem de ser você mesmo. Tradução Denise de C. Rocha Delela. Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2006d. _____ Compaixão – o florescimento supremo do amor. Tradução Denise de C. Rocha Delela. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2007a. _____ Inteligência – a resposta criativa ao agora. Tradução Leonardo Freire. Coleção: Dicas para uma nova maneira de viver. São Paulo: Cultrix, 2007b. WILBER, Ken. Espiritualidade Integral – uma nova função para religião neste inicio de milênio. Tradução Cássia Nassser. São Paulo: Alef, 2007.



Sistemas EsotĂŠricos



O Livro da Transmutação No início, era o Tao. Uno, indivisível, absoluto e eterno; o Tao é o número 1. Então, veio a Terra. Receptiva, magnética e aberta à vida; a Terra é o número 2. Em seguida, surgiu o Céu e a luz das estrelas. Criativo, o Céu é o número 3. E com base nesses números, os antigos calcularam o valor de todas as coisas. Contemplaram as mutações na escuridão e na luz e de acordo com elas estabeleceram os hexagramas. Provocaram movimentos no firme e no maleável, dando origem, assim, às diferentes linhas. Colocaram-se em harmonia com o Tao e a Vida estabelecendo, de acordo com isso, a ordem do que é correto. Refletindo sobre a ordem do mundo externo até as últimas consequências e explorando a lei de sua própria natureza interna em seu núcleo mais profundo chegaram à compreensão do destino.

História O I Ching, o livro das mutações, é resultante da reflexão taoísta sobre as mudanças da natureza. Como sistema complexo de relações, ele é um sistema de representação de ‘momentos energéticos’, baseados na combinação da energia criativa (yang) com a energia receptiva (yin). Mais do que um simples oráculo, o I Ching é um livro de sabedoria e está presente em toda cultura chinesa: na arquitetura tradicional (Feng Shui), nas artes marciais (Tai Chi Chuan e Kung Fu) e na medicina (acupuntura, Shiatzu, Do in) taoísta.


Ele é formado por 64 hexagramas, diagramas de seis linhas combinadas, que podem ser yin ou yang. Cada hexagrama possui três tipos de texto: a Imagem, o Julgamento e as linhas. No caso de uma consulta ao oráculo, o consulente joga (através de moedas ou varetas) e chega a um determinado hexagrama, representando a resposta do livro à questão indagada. No texto da imagem, o consulente lerá a situação em que se encontra diante da natureza; no texto do julgamento, receberá conselhos de como agir em relação à situação; e no texto das linhas, verá detalhada todas às mutações do ciclo que o hexagrama representa. Mas, esse formato é recente. O I Ching é um sistema de três mil anos, composto por várias camadas sobrepostas ao longo do tempo. O I Ching surgiu na pré-história chinesa como um conjunto de oito Kua, figuras formadas por três (oito trigramas) e seis linhas sobrepostas (os 64 hexagramas). A origem dos 64 hexagramas (o texto da Imagem) é atribuída a Fu Hsi, o criador mítico chinês. O tempo obscureceu a compreensão das linhas, e no começo da dinastia Chou (1150-249 a.C.) surgiram dois textos anexados: o Julgamento, atribuído pela tradição ao rei Wên (em suas meditações quando estava preso), e as Linhas, atribuídas a seu filho, o duque de Chou, ambos fundadores desta dinastia. Mais tarde, quando o significado taoísta desses textos também começou a ficar obscuro, foram acrescentadas as Dez Asas (2006, p. 154-283), atribuídas a Confúcio e a Mêncio, no século VI a.C. O taoísmo e o confucionismo são formas bastante diferentes de pensar.


O taoísmo é mais místico, holístico, ligado à natureza e está ancorado na teoria dos cinco elementos (água, metal, madeira, ar e fogo); enquanto o confucionismo é mais pragmático, voltado para ética de conduta em sociedade e para arte de governar. O livro escapou ainda da grande queima de livros feita pelo tirano Ch'in Shih Huang Ti. Nessa época, o I Ching era considerado um livro de magia e adivinhação, e a doutrina dualista do yin-yang foi sobreposta aos cinco elementos mutantes e à visão holística do taoísmo. Há duas grandes traduções do I Ching para o ocidente: a do filólogo James Legge, a tradução comentada do chinês para o inglês (1882), que ressalta o aspecto histórico e científico, mas acaba reproduzindo interpretações mais recentes do texto (o confucionismo e o dualismo entre yin e yang); e a tradução do místico taoísta, Richard Wilhelm, do chinês para o alemão (1923), com a supervisão do mestre, Lao Nai Suan, que morreu na noite seguinte a ser concluída a tradução. Elementos e estrutura O Criativo conhece através do fácil. O receptivo é capaz de agir através do simples. Aquilo que é fácil; é fácil de conhecer. Aquilo que é simples; é simples de seguir. Aquele que é fácil de conhecer; conquistará lealdade. Aquele que é simples de seguir; conseguirá trabalho. Através do fácil e do simples pode-se aprender as leis do mundo inteiro. Na compreensão das leis de todo o mundo; está a perfeição. Tachuan – o grande comentário (2006, p. 217)

O Criativo é dinâmico. Através do movimento ele consegue com facilidade unir o que está dividido. Ele, portanto, está livre do esforço, pois atua sobre o infinitesimal, orientando o movimento a partir desse estado mínimo.


O Receptivo é estático. Através do repouso o mais simples torna-se possível no âmbito do espaço. Essa simplicidade que surge da pura receptividade torna-se o germe de toda multiplicidade existente no espaço. O Criativo é o Céu, e por isso é chamado o pai. O Receptivo é a Terra e por isso é chamada a mãe. Na união entre a Terra e o Céu, nasceram seis filhos: três homens (o Incitar ou o Trovão; o Abismal ou a Água; e a Quietude ou a Montanha) e três mulheres (a Suavidade ou o Vento; o Aderir ou o Fogo; e a Alegria ou o Lago). O Criativo é forte. O Receptivo é maleável. O Incitar significa movimento. A Suavidade é penetrante. O Abismal é perigoso. O Aderir significa dependência. A Quietude significa imobilidade. A Alegria significa contentamento.O Criativo manifesta-se na cabeça; o Receptivo, no ventre; o Incitar, no pé; a Suavidade, nas coxas; o Abismal, no ouvido; o Aderir (o resplendor), no olho; a Quietude, na mão; a Alegria, na boca. Shuo Kua (2006, p. 210)

O firme e o maleável sucedem-se uns aos outros no interior dos oito trigramas. Assim, o firme torna-se maleável; o maleável endurece, tornando-se firme. Desta forma os oito trigramas se convertem uns nos outros numa sequência, e a alternância periódica dos fenômenos se processa. Ao

arranjo

de

trigramas em pares de filhos chama-se

Sequência

do

Céu Anterior ou Pa Kua Primordial.

Esse

arranjo

remonta a Fu Hsi e já existia na época da compilação do Livro das Mutações, durante a

dinastia

Chou.

Nesse

arranjo, o Criativo se localiza no sul (representado do lado de cima) e o Receptivo no norte (representado no lado de baixo), correspondendo ao verão e ao inverno, respectivamente.


Há duas direções de movimento: a progressiva, crescente, no sentido horário; e a retroativa, decrescente, no sentido anti horário. A primeira parte do ponto mais profundo, o Receptivo, terra do passado para o presente; a segunda parte do ponto culminante, o Criativo, céu, do futuro para o presente. Por exemplo: observando que uma semente do passado se tornou árvore no presente (movimento progressivo), podemos prever (regressivamente) que uma semente semelhante no presente se tornará uma árvore semelhante do futuro. Além disso, os trigramas em pares simétricos (terra/céu, trovão/vento, água/fogo e montanha/lago) se completam e se anulam, garantindo assim a ordem do cosmo, acima de suas mutações e do acaso. Céu e Terra determinam a direção. Montanha e Lago unem suas forças. Trovão e Vento estimulam-se um ao outro. Água e Fogo não se combatem. Assim, os oito trigramas se interligam. Shuo Kua (2006, p. 205)

Os ciclos do tempo O Pa Kua do Céu Anterior vem de um tempo imemorial, em que o taoísmo não era uma religião organizada, mas sim uma forma de xamanismo, um culto às forças da natureza. Nos últimos três mil anos, o Taoísmo se modificou e apareceram outros esquemas de organização dos trigramas, baseados na teoria dos cinco elementos, que são adotados na arquitetura tradicional (Feng Shui) e na etnomedicina chinesa.


Por exemplo, o arranjo de trigramas conhecido como o Pa Kua do Céu Posterior ou Ordem Interna do Mundo – atribuído ao rei Wen e a dinastia

Chou.

Nele,

a

distribuição dos trigramas se dá conforme as estações do ano e há uma nova correspondência com os pontos cardeais. Os trigramas são retirados de seu agrupamento em pares de opostos e apresentados segundo a sequência temporal em que se manifestam no plano fenomênico durante os ciclos anual e diário. Também se estabelecem correlações novas entre os pontos cardeais e os trigramas. Agora o polo sul será o Aderir (fogo); e o norte, o Abismal (água). Todos os seres surgem no Incitar, que se encontra a leste. Eles chegam à plenitude na Suavidade, que se encontra a sudeste. O Aderir é a luminosidade, na qual os seres percebem-se uns aos outros, e está no sul. O Receptivo significa cuidado, quando os seres se ajudam uns aos outros, e está a sudoeste. A Alegria é o outono, que proporciona contentamento a todos os seres, e está a oeste. Ele luta no Criativo, quando o obscuro e o luminoso incitam-se um ao outro, e está no noroeste. O Abismal significa o esforço a que todos os seres estão sujeitos, e está no norte. A Quietude, onde se consuma o começo e o fim de todos os seres, está no nordeste. Shuo Kua (2006, p. 213)

O conceito de mutação Mutação significa uma mudança de um estado para outro: de um trigrama para outro ou de um hexagrama para outro. O Livro das Mutações distingue três tipos de fenômenos: o Tao imutável, a mutação cíclica e a mutação não recorrente.


Toda mutação supõe um ponto de referência. O Tao imutável é espaço permanente que torna possível a mutação. Ele também é uma opção constante e uma decisão permanente que estabelece um sistema de correspondências que interliga todas as coisas. O mundo é um sistema de referências integradas, um cosmos, não um caos; graças à ideia do Tao imutável. A mutação cíclica consiste numa rotação de fenômenos que se sucedem uns aos outros, até que se chega de volta ao ponto de partida – seja no sentido horário (evolutivo) ou anti-horário (involutivo). Trigrama

火 Fogo

Natureza

麗 Aderir

Direção

Estação do ano

Sul

Horário

10:30~13:30 Verão

地 Terra

順 Receptivo Sudoeste

泽 Lago

悦 Alegria

13:30~16:30

Oeste

16:30~19:30 Outono

天 Céu

健 Criativo

Noroeste

19:30~22:30

水 Água

陥 Abismal

Norte

22:30~01:30

山 Montanha

止 Quietude

Nordeste

雷 Trovão

動 Incitar

Leste

風 Vento

入 Suavidade

Sudeste

Inverno

01:30~04:30

04:30~07:30 Primavera

07:30~10:30

A mutação cíclica é a mudança periódica que se produz na vida orgânica, enquanto que a mutação não recorrente nunca retorna a seu ponto de partida. É uma mudança irreversível, uma passagem de um estado para outro fora das sequencias previstas. É uma mudança desconectada das sequências dos ciclos e do condicionamento simultâneo


que as forças da natureza exercem sobre si e sobre o todo universo. A teoria dos cinco elementos A

teoria

dos

cinco

elementos

(Wu

Xing)

é

relativamente recente: foi estabelecida e sistematizada por Tsou Yen (Zou Yan), entre 350 e 270 a.C 10., integrando diferentes saberes tradicionais de forma filosófica. Ao contrário da teoria dos quatro elementos do ocidente, que acreditava que o fogo, a água, o ar e a terra seriam elementos primários formadores do mundo material; a teoria

chinesa

pensa

seus

elementos

como

'estados'

intermediários entre as mutações, 'mediações', semelhantes ao Pa Kua do Céu Anterior. ESQUEMA DOS CINCO ELEMENTOS

10

Ciclo da Nutrição *

Estrela da dominação

Madeira alimenta o Fogo

Madeira domina a Terra

Fogo alimenta a Terra

Terra domina a Água

Terra alimenta o Metal

Água domina o Fogo

Metal alimenta a Água

Fogo domina o Metal

Água alimenta a Madeira

Metal domina a Madeira

Wikipedia:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinco_elementos_(filosofia_chinesa)>


* Invertido, o Ciclo da Nutrição torna-se Ciclo da Destruição e a Estrela da Dominação transforma-se na Estrela da Liberação.

A teoria segue a mesma lógica dos Pa Kua's, em que há um movimento circular contínuo externo (nos dois sentidos) representando as mutações cíclicas; e uma simultaneidade interna, 'a Estrela da Dominação', que representa a interação e controle recíproco entre os cinco elementos, determinando a estabilidade do mundo em constante mudança. A teoria dos cinco elementos interage diretamente com o Pa Kua do Céu Posterior e estabele um conjunto de analogias simbólicas (ou correspondências 'elementais') entre objetos distintos, gerando matrizes de associação que são utilizadas em diferentes áreas (etnomedicina, arquitetura, artes marciais, etc). Elemento

Direção

Clima

Cor

Gosto

Emoção

Madeira

Leste

Vento

Verde

Azedo

Raiva

Fogo

Sul

Calor

Vermelho

Amargo

Alegria

Terra

Centro

Úmido

Amarelo

Doce

Preocupação

Metal

Oeste

Seco

Branco

Picante

Tristeza

Água

Norte

Frio

Preto

Salgado

Medo

Etnomedicina chinesa A medicina tradicional chinesa é a denominação usualmente dada ao conjunto de práticas terapêuticas em uso na China, desenvolvidas ao longo dos milhares de anos de sua história. Ela é bem mais antiga que o I Ching e, antes dele, se confundia com xamanismo taoísta arcaico do Pa Kua do Céu Anterior, com o exorcismo de demônios e de espíritos animais.


Com o Pa Kua do Céu Posterior, a medicina chinesa passa a se fundamentar em uma estrutura teórica sistemática e abrangente, de natureza filosófica. Ela inclui entre seus princípios o estudo da relação de yin/yang, da teoria dos cinco elementos e do sistema de circulação da energia pelos meridianos do corpo humano. A medicina chinesa acredita na auto cura do corpo humano e só utiliza a fitoterapia e outros medicamentos como seu último recurso para combater os problemas de saúde. Para ela, o corpo humano dispõe de um sistema sofisticado para localizar as doenças e redirecionar energia para curar os problemas por si mesmo. Os procedimentos terapêuticos externos devem sempre se focar em ajudar cuidadosamente as funções de regeneração e resiliência do próprio corpo, sem interferências. São sete os principais métodos de tratamento da medicina tradicional chinesa: massagens; acupuntura; moxabustão; ventosaterapia; fitoterapia; terapia alimentar; e práticas físicas, como Tai Chi Chuan: exercícios integrados a prática de meditação relacionada à respiração e à circulação da energia. Tanto tratamento como o diagnóstico usa como referência o sistema de correspondência baseado nos seguintes princípios do I Ching: a relação de Yin/Yang; o esquema dos cinco elementos; e os oito princípios do Pa Kua; acrescentados os meridianos principais de energia espalhados pelo corpo. Há 12 meridianos principais, seis yin e seis yang entrelaçados entre si em pares opostos; sendo que dez estão relacionados aos cinco elementos e dois (o do pericárdio e o do triplo aquecedor) desempenham um papel mais geral de supervisão e controle.


Sistema de meridianos dos órgãos - Yin Meridiano

Localização

Elemento

Fígado

Pés/tronco

Coração

Tronco/mãos Fogo/yin

Baço- Pâncreas Pés/tronco

Planeta

Madeira/yin Júpiter

Terra/yin

Sol Saturno

Pulmão

Tronco/mãos Metal/yin

Júpiter

Rins

Pés/Tronco

Vênus

Pericárdio

Tronco/mãos

Água/yin

O ‘grande yin’ Sistema de meridianos das vísceras - Yang

Meridiano Vesícula biliar

Localização Cabeça/pés

Elemento

Planeta

Madeira/yang Marte

Intestino delgado Mãos/cabeça Fogo/yang

Mercúrio/lua

Estomago

Cabeça/pés

Saturno

Intestino grosso

Mãos/cabeça Metal/yang

Mercúrio/lua

Bexiga

Cabeça/pés

Lua/Saturno

Triplo aquecedor Mãos/cabeça

Terra/yang

Água/yang

O ‘grande yang’

Arquitetura tradicional Feng Shui é a arte chinesa de organização espaço temporal da energia, que estuda a relação do homem com o meio ambiente, baseado na observação das estrelas, dos fatores externos diversos; e da disposição interior dos móveis, cores e objetos de cada local. Esse saber teve sua origem em antigos mestres taoístas que estudavam a natureza e entenderam como a energia se comporta e como pode ser redirecionada para propiciar saúde e prosperidade. Comparem-se os benefícios que o Feng Shui pode proporcionar a um espaço aos resultados que a acupuntura pode oferecer a um enfermo. Da mesma forma que o acupunturista, diagnostica os bloqueios na circulação de energia de um paciente e aplica agulhas em uma parte do


corpo para curar outra, o consultor de Feng Shui detecta as influências em um ambiente e recomenda medidas em uma área particular do imóvel que são capazes de alterar as características da circulação de energia no todo. As práticas de Feng Shui também são anteriores ao aparecimento do texto do I Ching, influenciando e sendo influenciadas por ele. Os mestres antigos constataram que o ambiente era influenciado por duas forças fundamentais: vento e água. Em um segundo momento, também consideraram as estrelas da data de fundação do imóvel e do nascimento de seus habitantes (em geral, pelo método dos quatro pilares: hora, dia, mês e ano). Com o passar dos séculos várias metodologias e técnicas foram criadas e esquecidas. Além do estudo das forças fundamentais do ambiente e das diversas técnicas astrológicas, o Feng Shui passou orientar a escolha do local em que a edificação deve ser construída; determinar o polo norte

através

de

uma

bússola

astrológica,

Lu

Pan,

associando-o sempre a entrada da casa; e, finalmente, analisar e propor mudanças na organização interna do ambiente de acordo com harmonia entre os cinco elementos. As escolas de Feng Shui mais conhecidas na atualidade são: a Escola da Forma, ou das Oito Casas (Ba Zhai) linha taoísta mais tradicional; a Escola da Bússola, ou das Estrelas Voadoras (Fei Xin) da tradição taoísta mais contemporânea e complexa; e a Escola do Chapéu Preto, linha norte americana derivada do budismo tântrico tibetano. Boa parte do Feng Shui divulgado no ocidente deriva dessa última escola, que simplifica consideravelmente a


tradição chinesa, eliminando sua referência macro-cósmica, e dando mais ênfase a decoração interna de ambientes do que a construção de casas. Os consultores de Feng Shui dessa escola, de acordo com isso, analisam qual o elemento dominante ou em desequilíbrio, e, conforme os dois ciclos, adicionam ou retiram outros elementos harmonizando assim o ambiente. O Feng Shui fica, assim, reduzido à harmonização do ambiente interior através da teoria dos cinco elementos e de seus dois ciclos. Para as escolas taoístas, cada avaliação de Feng Shui é única, relativa às influências magnéticas do local, da edificação e de seus habitantes. A base para o entendimento dessas influências é a orientação do imóvel em relação aos campos

eletromagnéticos

em

geral

(pontos

cardeais,

elementos, etc) e as características (históricas e astrológicas) do momento em que foi construído. As escolas taoístas têm metodologias e técnicas diferentes, mas não utilizam os cinco elementos descontextualizados do meio ambiente no qual o imóvel se encontra inserido. Artes marciais Embora segundo a versão oficial da República Popular da China, o Tai Chi Chuan tenha sido foi criado por Chen Wangting (1600-1680) na passagem da dinastia Ming para a dinastia Qing; assim como a medicina tradicional e o Feng Shui, as artes marciais chinesas interiores também são anteriores ao texto do I Ching. E também se baseiam no sistema de trigramas. Durante séculos, assumiu várias formas e se inspirou de diferentes modos no Pa Kua (Oito Trigramas), na relação


de yin e yang, nos cinco elementos e no sistema de meridianos. As sequências de movimentos marciais mais antigas conhecidas são parcialmente baseadas no Pa Kua do Céu Anterior; em um segundo momento, os cinco elementos inspiraram estilos de luta e movimentos miméticos dos cinco animais

(tigre-metal,

madeira,

grau-fogo);

dragão-água, e

urso-terra,

recentemente

em

sua

macacoversão

terapêutica, há movimentos direcionadas para o alongamento e energização dos meridianos. Os criadores originais do Tai Chi Chuan basearam sua arte na observação da natureza, na observação dos animais e no estudo dos princípios da interação entre os diversos elementos naturais. Como arte marcial, o Tai Chi Chuan, em sua forma atual, se baseia em treze conceitos fundamentais. Estas posturas/movimentos são reconhecidas nas diversas formas praticadas pelos diferentes estilos. Cada escola interpreta estes treze conceitos com pequenas variações. Os treze movimentos são conhecidas como "as oito portas” (associadas aos trigramas do Pa Kua) e “os cinco passos" (relacionados aos cinco elementos). O uso oracular Como oráculo, o I Ching tem algumas diferenças com outros métodos. O Tarô, por exemplo, é formado por imagens iconográficas do inconsciente e é interpretado por outra pessoa. Os hexagramas não são ‘imagens do inconsciente’, mas diagramas que representam ideias sobre as transições e mudanças da natureza que governam nossas vidas.


E, o mais importante no livro das mutações, é o próprio consulente que interpreta o oráculo, a partir dos textos e de sua imaginação. O I Ching nunca falha; quem pode falhar é o consulente! Se a pergunta não foi clara e precisa, se a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber, então não entende a resposta. Há pessoas que, para focar a atenção na consulta, rezam ou fazem rituais antes de jogar. Assim, o livro das mutações, mesmo em seu uso oracular, é uma forma de meditação sobre as mutações da natureza, sobre si mesmo e sobre os contextos social e espiritual, em que se está inserida. O I Ching, abrangendo o significado essencial das diferentes situações da vida, dá ao homem condições de construir para si uma vida significativa, realizando, em cada caso, aquilo que a situação exige - segundo uma ordem e sequência perfeitas. Para o jogador recorrente, o essencial passa a ser como dar à sua vida uma forma que corresponda a essas ideias, de modo a que a própria vida se torne um com as mutações – ou melhor: uma transmutação. Nesse sentido, o I Ching, ao invés de se subintitular o Livro das Mutações, devese ser chamado de O Livro da Transmutação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações / tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm; prefácio C. G. Jung; introdução à edição brasileira Gustavo Alberto Corrêa Pinto; tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Pensamento, 2006.


O ENEAGRAMA COMO SISTEMA COMPLEXO Círculos Viciosos e Virtuosos Os

livros

estão

caros

porque existem poucos leitores e existem poucos leitores porque os livros

são

caros;

estou

doente

porque não tenho qualidade de vida e não tenho autoestima porque estou doente; os biscoitos não vendem porque são velhos e estão velhos porque não foram vendidos. A vida é cheia de Círculos Viciosos, isto é: de ciclos de recorrência em que os fatores causais se condicionam mutuamente

impedindo

o

desenvolvimento

ou

o

funcionamento regular do sistema em questão. Em contrapartida, também existem os

Círculos

Virtuosos, ou ciclos de excelência, em que os fatores causais se retroalimentam determinando uma crescente otimização do sistema: muitos leitores = livros baratos = mais leitores; qualidade de vida = saúde = autoestima; biscoitos fresquinhos = boas vendas = novos biscoitos fresquinhos. Então, essa é a questão central de que me coloco (tanto do ponto de vista teórico como do existencial) há algum tempo: como transformar os ciclos viciosos em ciclos virtuosos? E mais: como e porque a ordem dos fatores causais altera o resultado do sistema? Quais os fatores da excelência comuns a um 'sistema ótimo' e à vida criativa? É possível estabelecer uma teoria centrada no desenvolvimento pessoal? Os estudiosos apontam a antiga Mesopotâmia como o


provável berço do símbolo do Eneagrama. Ele teria sido preservado misteriosamente a várias civilizações, chegando aos nossos dias através dos sábios sufis, os místicos do Islã. O Eneagrama, neste contexto, era um sistema combinado de nove virtudes e nove paixões. Teria sido com eles que o místico armênio G. Gurdjieff (OUSPENSKY, 1980) aprendeu o símbolo e os fundamentos de seu ensinamento. Gurdjieff utilizava o modelo do Eneagrama como uma síntese do Universo e do Homem, visto como um processo de três níveis em três etapas. A aplicação deste modelo ao corpo humano resultava na teoria das três oitavas (ou eneagramas secundários) e da associação das atividades biológicas de alimentação, respiração e percepção através de vibrações audiovisuais como os três principais processos da máquina humana a serem desautomatizados. Esses processos, por sua vez, seriam interdependentes dentro de uma grande oitava (ou Eneagrama principal). Gurdjieff

Input

Output

Feedback

Alimento

Fezes

Biosfera

Líquido

Urina

Hidrosfera

2ª Oitava

Oxigênio

Gás carbônico

Atmosfera

3ª Oitava

Luz e Som

Ideias

Noosfera

1ª Oitava

Esta bio-máquina tinha três entradas e três saídas, produzindo três ciclos cibernéticos de reatroalimentação intricados em um mesmo processo. E realizar a grande oitava através da desmecanização das três oitavas menores, para Gurdjieff e seus seguidores, é a principal finalidade humana no ecossistema, nossa missão fotossintética e espiritual: a


produção do hidrogênio número um11. O Eneagrama, neste contexto, era uma estrutura geral do universo visto como um processo de três níveis e três etapas – tanto no micro como no macrocosmo. O sistema do Eneagrama, assim, aparece o entrecruzamento de três centros cognitivos ou “inteligências” o mental, o sensível e o motor – com três campos ou esferas – a biosfera, a atmosfera e a ionosfera. Nessa época, os nove pontos de fixação do Eneagrama não se constituíam em uma tipologia própria. O Eneagrama era um diagrama-síntese da idéia matemática da oitava musical como modelo de desenvolvimento universal. Tipologia psicológica O 'Eneagrama da Personalidade' e a aplicação do símbolo do Eneagrama especificamente ao estudo do caráter só vai surgir nos anos 70 com Oscar Ichazo e a Escola de Arica. Porém é com o trabalho do psicólogo Cláudio Naranjo (1986) que o Eneagrama chegará a se constituir como uma tipologia psicológica rigorosamente fundamentada. Segundo ele, em algum ponto da vida, nos fixamos em um dos nove pontos da circunferência e, a partir deste ponto, construímos nossa personalidade. A cada ponto de fixação (ou recorrência cognitiva), há uma paixão (ou motivação de deficiência) correspondente. Paixão e fixação se retroalimentam, então, formando um tipo de personalidade do Eneagrama e nos afastando de nossa essência, de nosso verdadeiro Ser. Nessa lógica, durante o desenvolvimento 11

Nesta lógica, aqueles que não conseguem chegar a estágios de consciência superiores, capaz de produzir essa refinada substância alquímica (muitas vezes comparadas aos sentimentos nobres como o amor) terão seus espíritos fatalmente reabsorvidos pelo universo. Gurdjieff pensava que apenas através do desenvolvimento pode o homem escapar da morte eterna.


humano haveria, em algum momento traumático, uma perda, uma limitação, um fracasso no crescimento do potencial pleno, uma fixação do ego em relação à circulação de energia psíquica. A personalidade funciona como uma forma para perpetuar a inconsciência a partir de 'um ponto cego', em que a canalização energia se daria de forma desequilibrada, em que "a percepção está cega da própria cegueira". Assim, personalidade e inconsciência também formam em um círculo vicioso: a personalidade condicionada conduz à uma

interferência

específica

no

organismo

biológico

(reforçando o ponto de fixação); essa interferência no organismo causa uma perda da experiência (da totalidade) do Ser; e, finalmente, a perda da experiência de Ser alimenta à paixão

dominante

e

à

perpetuação

da

personalidade

condicionada. Tipo

Personalidade

Fixação ou recorrência cognitiva

Paixão ou motivação de deficiência

1

Perfeccionista

A ordem

Raiva

2

Prestativo

O outro

Orgulho

3

Bem-sucedido

A imagem

Vaidade

4

Individualista

As formas

Inveja

5

Observador

O saber

Avareza

6

Questionador

A autoridade

O medo

7

Sonhador

A palavra

Gula

8

Confrontador

A justiça

Luxuria

9

Pacifista

O corpo

Preguiça

Neste sistema tipológico, o primeiro passo consiste em descobrir qual o centro cognitivo predominante em si: o mental, o emocional ou o motor. A partir daí, observar a predominância ambivalente.

de

um

ego

introvertido,

extrovertido

e


EXTROVERTIDO

AMBIVALENTE

INTROVERTIDO

MOTOR

8

9

1

EMOCIONAL

2

3

4

MENTAL

7

6

5

E o segundo passo, nesse sistema, é descobrir qual centro que negligenciamos e definir em qual dos nove pontos do Eneagrama estamos fixados. Tipo

Centro Principal

Centro Secundário

Centro Reprimido

1

MOTOR

EMOCIONAL

MENTAL

2

EMOCIONAL

MOTOR

MENTAL

3

EMOCIONAL

-

EMOCIONAL

4

EMOCIONAL

MENTAL

MOTOR

5

MENTAL

MOTOR

EMOCIONAL

6

MENTAL

-

MENTAL

7

MENTAL

MOTOR

EMOCIONAL

8

MOTOR

MENTAL

EMOCIONAL

9

MOTOR

-

MOTOR

O Perfeccionista (tipo 1): tipo com preferência pelo centro motor (introvertido) que negligencia o centro mental. Fixação: Estabelece fronteiras claras em relação aos territórios físicos e mentais, acreditando que é possível controlar todas situações através da organização. Paixão: Quando as coisas não saem segundo seus planos ou ordens, explode em raiva irracional. O Prestativo (tipo 2): tipo com preferência pelo centro emocional (extrovertido) que negligencia o centro mental. Fixação: Identifica-se com os problemas e com desejos alheios, tendo dificuldade de dizer 'não' quando se trata de ajudar alguém. Paixão: Porém essa empatia afetiva não é desinteressada, faz parte de uma estratégia de manipulação que tenta fazer com os outros dependam de si. Em compensação, cuidam tanto dos outros que se esquecem de si e não se atem as suas próprias necessidades, desejos e anseios. O Bem Sucedido (tipo 3): tipo com preferência pelo centro emocional (ambivalente) que negligencia o próprio centro emocional. Fixação: Quer ser admirada a qualquer custo e vê tudo em função dessa disputa neurótica pela admiração e pelo reconhecimento. Tem facilidade em disfarçar seus sentimentos verdadeiros, usando várias máscaras (uma para cada ocasião). Paixão: a 'Vaidade' ou capacidade emocional de falsificar a verdade a partir de realidades


relativas e subjetivas, transferindo a responsabilidade de seus erros para os outros. O Individualista (tipo 4): tipo com preferência pelo centro emocional (introvertido) que negligencia o centro motor. Fixação: Gosta de ser especial, única e singular, cultivando gostos diferentes e estranhos. Prezam o status social e tem carência de atenção; porém, ao mesmo tempo, que sentem superior aos outros, sofrem devido ao isolamento. Paixão: Têm uma tendência à depressão e à melancolia. Desejar é mais importante que possuir, pois tão logo conseguem o objeto de seus desejos, normalmente sentem-se frustrados. Por isso, a 'Inveja' é seu pecado capital. O Observador (tipo 5): tipo com preferência pelo centro mental (introvertido) que negligencia o centro motor. Fixação: Gostam de se isolar para solver o conhecimento aprendido e detestam quando usurpam-lhes o tempo ou a liberdade com detalhes ou tarefas pequenas. Paixão: a Avareza. Porém, não se trata simplesmente de dinheiro, mas, sobretudo de tempo e de conhecimento. O Questionador (tipo 6): tipo com preferência pelo centro mental (ambivalente) que negligencia o próprio centro mental. Fixação: são pessoas que procuram ficar mentalmente ocupadas para não pensar. Paixão: O medo. Os ' número seis' são pessoas muito questionadoras e ao mesmo tempo dependentes e inseguras, que precisam sempre de um referencial (um chefe, uma instituição) como sustentação. Dividem-se em fóbicos (ou covardes assumidos) e contrafóbicos (aparentemente destemidos). O Sonhador (tipo 7): tipo com preferência pelo centro mental (extrovertido) que negligencia o centro emocional. Fixação: São pessoas sempre entusiasmadas e alegres, mas que alimentam muitas ilusões e fantasias. O tipo número 7 evita entrar em contato com qualquer sofrimento, só observando o lado bom da vida. São oradores muito loquazes e manipuladores. Paixão: A gula, não apenas de alimentos, mas de pessoas, informações e aventuras. Os 'número 7' têm gula de qualquer coisa que lhe dê prazer. O Confrontador (tipo 8): tipo com preferência pelo centro motor (extrovertido) que negligencia o centro emocional. Fixação: Pessoas que vêm o mundo em relação à justiça e poder, e se consideram capazes de dirimir e vingar suas injustiças. E muitas vezes cometem absurdos em nome dos desprotegidos que pretendem defender. Paixão: Buscam o confronto como forma de impor sua supremacia. Gostam de conquistar mais e mais territórios e de serem vistos como pessoas fortes, capazes de proteger aqueles que os ajudarem. A princípio, são sempre contrários a qualquer novidade. O Pacifista (tipo 9): tipo com preferência pelo centro motor (ambivalente) que negligencia o próprio centro motor. Fixação: Este tipo se caracteriza por evitar os conflitos a todo custo. Ao contrário dos outros tipos motores (1 e 8) tem uma relação democrática em


relação aos territórios físicos e mentais, tanto invadindo como deixando invadir seus domínios. Paixão: A Preguiça. Mas não a simples preguiça do ócio em relação ao trabalho. Trata-se aqui de uma indolência mental, de uma 'preguiça de ser', muitas vezes oculta sobre a capa de muitas atividades não essenciais.

Os

tipos

eneagramáticos

são

modelos

ideais,

generalizações abstratas de pessoas concretas e singulares, de uma gama gigantesca de fatores e traços culturais de várias épocas e locais. Podem-se ainda destacar três grandes contribuições de Naranjo ao Eneagrama da Personalidade: a abordagem terapêutica, uma teoria da neurose e os subtipos instintivos. A - A abordagem terapêutica e o papel de não-interferência do ministrante. Enquanto Gurdjieff interagia instintivamente com seus discípulos através da confrontação, apresentando provas e exercícios segundo suas fixações; Oscar Ichazo se utilizava da técnica para diagnosticar o tipo de seus alunos e clientes. Naranjo defende o autodiagnóstico, ou seja, cada um deve descobrir seu tipo no sistema de classificação supervisionado por simples coordenador. O papel de ministrante do Eneagrama evoluiu do guru espiritual para o psicólogo e deste para o facilitador terapêutico. B - Uma teoria da neurose meta-instintiva, baseada em estratégias gerais de adaptação. Estabelecendo analogias entre a Protoanálise de Oscar Ichazo e outras tipologias psicológicas em uma única taxonomia científica, Naranjo construiu uma engenhosa ‘teoria da neurose e da degradação da consciência’. Freud construiu sua teoria da neurose a partir da ideia de repressão da vida instintiva, principalmente da sexualidade: a neurose era uma forma de sublimação patológica de nossos desejos. Para Naranjo, a neurose (ou a fixação em um ponto de recorrência) também se origina em uma experiência traumática a partir da qual se fixa uma reação obsoleta (um mecanismo de defesa recorrente) aliada à perda da capacidade de agir criativamente. C – Naranjo, no entanto, reconhece a importância da vida instintiva sobre a formação das personalidades neuróticas e adiciona ao sistema do Eneagrama a ideia de que, independentemente do eneatipo, somos marcados por uma


das três formas específicas de restrições instintivas que sofremos: a sexual (Freud), a relacional (Lacan) e a sobrevivência (Marx). Instintos desenvolvidos em relação ao Outro (e à natureza), aos outros (aos grupos) e ao próprio a si mesmo como indivíduo diante da sociedade. Por mais consistente e interessante que seja a tipologia de Naranjo12 e o Eneagrama visto como um sistema de compulsões dos vícios e virtudes do ego, a tipologia psicológica fez com que o símbolo perdesse sua fluidez original e em seu conjunto cognitivo (a exemplo do que aconteceu também com a astrologia, com os orixás e outras mitologias tradicionais que se tornaram tipologias psicológicas modernas). Assim, não somos um único tipo. 'Estamos' um, sete ou três – dependendo da época, do local e das pessoas com as quais interagirmos. É comum, a pessoa ter um ponto de fixação no trabalho, outro em casa, um terceiro com os amigos. Para

recuperar

a

essência

do

Eneagrama

é

necessário retornar ao simbolismo original. Assim, retomando as idéias de Bennett (1999) e as recolocando em um contexto científico contemporâneo, desenvolvemos a noção de 'Bússola Complexa', como um modelo de sistema complexo, levando em conta tanto os aspectos dinâmico/sincrônico como os objetivo/subjetivos.13 Sistema e processo circular Bennett volta ao modelo gurdjieffiano de Eneagrama, anterior ao modelo tipológico, regido por duas leis: a lei dos 12

Naranjo estabele ainda 3 subtipos para cada eneatipo e asas (possibilidade de fixação intermediária entre os pontos, criando tipos mistos) para diversificar seu sistema. 13 As ideias de Bennett & Blake sobre o Eneagrama, a Sistemática, v. em: <http://duversity.org/>


três e a lei dos sete (ou lei da oitava). A Lei dos Três (ciclos externos). Pela teoria do Eneagrama devemos observar o movimento externo de um determinado acontecimento em três etapas sucessivas. Seguindo nosso exemplo de um Eneagrama cognitivo: caso este movimento seja centrífugo e agregue energia ao sistema, teremos

o

padrão

motor-emocional-mental,

produzindo

sentimentos; caso seja centrípeto, teremos um padrão em que o mental se antecipa ao emocional, gerando emoções. Os sentimentos brotam do corpo para o campo afetivo ou ‘coração’ (a tristeza, a alegria, por exemplo), enquanto as emoções são sempre racionalizações perniciosas, em que as imagens e os pensamentos antecedem o campo afetivo, porque drenam a energia e poder pessoal do guerreiro. Assim, não só emoções negativas (a raiva, o orgulho, a inveja, a vaidade), mas, sobretudo, a ideia de uma identidade interpretante do ego (a auto importância) deve ser combatida. A Lei dos Sete (ciclos internos). Seguindo o mesmo modelo circular de rotações opostas, o Eneagrama também descreve a ordem dos movimentos internos ao sistema aparentemente caóticos através da divisão da unidade pelo número sete e pela dízima periódica 1428571 ... E as somas sucessivas de sétimos reproduzem esse padrão complexo, mas começando com algarismos diferentes, correspondendo aos pontos internos do Eneagrama. Cada fração representa um dos pontos secundários do Eneagrama e o movimento entre eles, tanto no sentido horário como no anti-horário. FRAÇÃO

NÚMERO

NOTA

7/7 =

1

DO


1/7 =

1428571 ...

2/7 =

285714 ...

MI

3/7 =

428571 ...

4/7 =

571428 ...

SOL

5/7 =

714285 ...

6/7 =

857142 ...

SI

A esse padrão complexo, Gurdjieff chamou de 'Lei da Oitava', em uma comparação explícita com as escalas musicais ascendentes e descendentes. Essas propriedades vistas em conjunto (a circularidade dos três pontos externos e o movimento interno das suas oitavas) formam o símbolo do Eneagrama. Ao contrário, muitas vezes a tendência à conservação de energia de um sistema é reacionária em relação às mudanças, enquanto os fatores caóticos e o ruído demandam uma desorganização necessária ao crescimento. De modo que, além dos ciclos Virtuoso e Vicioso de três fatores exteriores e objetivos, o modelo do Eneagrama apresenta ainda a possibilidade de representação dos elementos subjetivos de diferentes agentes em cada ponto do processo, tanto no sentido horário como no anti-horário. É claro que, na prática, a realidade se constitui simultaneamente de tendências centrípetas e centrifugas. Bennett tratava apenas de processos em que o fator tempo fosse contado de trás para frente, como um cronômetro, empresas de produto diário, por exemplo, padaria, bancos, jornais, em que os processos sequenciais sejam orientados pela contagem regressiva do tempo, em processos cíclicos. Um exemplo clássico da aplicação do


Modelo do Eneagrama como um sistema é o da 'Cozinha em funcionamento'. TIPO

SEQÜÊNCIA EXTERNA

RELAÇÕES INTERNAS

OITAVA

9

Cozinha

Três e Seis

Ciclo I

1

Cozinha pronta para funcionar

Quatro e Sete

Ajudante

2

Cozinha funcionando

Quatro e Oito

Ajudante

3

Alimentos crus

Seis e Nove

Ciclo II

4

Preparação da comida

Dois e Um

Cozinheiro

5

Cozinhar os alimentos

Sete e Oito

Cozinheiro

6

Os Comensais

Nove e Três

Ciclo III

7

Servir a refeição

Cinco e Um

Comensal

8

Comer a refeição

Cinco e Dois

Comensal

Na 'cozinha pronta para funcionar' (ponto 1), atividade preliminar de organização de todas ferramentas necessárias para o início do processo, temos que antecipar o que vamos preparar (ponto 4) e como vamos servir (ponto 7). Já com a 'Cozinha em funcionamento' (ponto 2), mantemos nossa atenção no que estamos preparando (ponto 4), mas deslocamos

nosso

imaginação

do

aspecto

formal

da

apresentação da comida para seu sabor, seu tempero, como ela será degustada (ponto 8). A introdução dos Alimentos (ponto 3) corresponde ao início de uma nova oitava, além de dar sequência ao ciclo já iniciado. Do mesmo modo a 'Preparação da comida' (ponto 4) é diretamente condicionada pela organização (ponto 1) e funcionamento (ponto 2) da cozinha; o cozimento dos alimentos implica em sua aparência


(ponto 7) e sabor (ponto 8); e a introdução dos Comensais também nos remete ao início de um novo ciclo e na continuação dos ciclos precedentes. Aliás, é importante ressaltar que a Cozinha (ponto 9), os Alimentos (ponto 3) e os Comensais (ponto 6) são elementos externos fundamentais. Eles tanto representam a sucessão cronológica dos eventos como os diferentes agentes no processo (ciclo dos ajudantes, ciclo dos cozinheiros, ciclo dos comensais) cada um guarda uma autonomia interna de processo, simbolizado por três oitavas secundárias). Assim,

além

do

ciclo

objetivo

dos

elementos

exteriores, o Eneagrama apresenta assim a possibilidade de representação dos elementos subjetivos de diferentes agentes em cada ponto do processo. Pensemos, por exemplo, que ao ver e comer a refeição (pontos 7 e 8), os Comensais imaginam o trabalho dos cozinheiros (ponto 5) e dos ajudantes (ponto 1 e 2) da cozinha; e, a partir desses elementos subjetivos, reconstituem todo processo objetivo. Além dessas relações externas cronológicas e seus insights circunstanciais, existe ainda uma grande oitava, representando o processo mental de planejamento geral de tudo que será executado. Esse ciclo é representado pela dízima: 1758241, ou seja, organizar a cozinha (1) pensando em servir a refeição (7); cozinhar os alimentos (5) pensando em comer a refeição (8); colocar a cozinha em funcionamento (2) pensando em preparar a comida (4); e, finalmente, limpar e arrumar novamente a cozinha (1). Mas, o Eneagrama é uma ferramenta, não apenas para medir a organização (a conservação de energia), mas,


sobretudo,

para

localização

do

ruído

e

da

entropia.

Representamos esses fatores caóticos, que surgem tanto no ciclo objetivo quanto nos subjetivos, pelo movimento circular centrípeto. No aspecto ternário objetivo, equivaleria aos Comensais (ponto 6, fator mental) serem introduzidos no processo antes dos Cozinheiros (ponto 3, fator emocional), que chegaram atrasados. Esta inversão dos fatores mental e emocional sempre caracteriza objetivamente o círculo vicioso. No aspecto subjetivo, o pensamento de um pessimista crônico seguiria o modelo 1428571, ou seja, uma organização inadequada na cozinha (1) atrapalha a preparação da comida (4); isto certamente também prejudica o funcionamento correto da cozinha (2) e a própria refeição (8); uma vez que atrasa o 'cozinhar os alimentos' (5) e o 'servir a refeição' (7). Depois de tanta bagunça resta ainda limpar tudo e arrumar novamente a cozinha (1). Neste exemplo, Bennett elabora todo um jogo de relações que podemos retomar agora para um modelo de Eneagrama como um sistema complexo e não apenas como uma análise sistemática de processos circulares. CICLOS

Virtuoso

Vicioso e/ou Criativo

OBJETIVO

9-3-6-9

9-6-3-9

SUBJETIVO

1-7-5-8-2-4-1

1-4-2-8-5-7-1

Quando os fatores causais resultarem em uma concentração de energia do sistema diz-se que eles giram para dentro, no sentido horário; em contrapartida, quando os fatores causais se retroalimentarem de forma a provocarem expansão e a crescente perda de energia do sistema, dizemos


que eles giram para fora, no sentido anti-horário. Chama-se de Círculo Virtuoso todos os ciclos centrípetos que se aperfeiçoam que buscam a excelência, dentro de determinadas regras e situações dadas; e de Círculo Vicioso (ou de Círculo das Paixões), aqueles ciclos centrífugos que não se desenvolvem dentro das condições determinadas

e

que

permanecem

em

condição

de

estagnação. Os Círculos Criativos, ou auto-poéticos, são os ciclos centrífugos que, ao invés de simplesmente aceitar ou negar as condições pré-estabelecidas, as modificam, instituindo assim uma nova ordem a partir do ruído. A diferença entre a Sistemática de Bennett e a abordagem complexa é que qualquer processo é passível de análise e que se passa do contexto da engenharia mecânica para um paradigma preocupado com a dissipação de energia. Também é importante compreender que nem sempre fatores restritivos e entrópicos são maléficos e fatores sinérgicos, benéficos. Ao contrário, muitas vezes a tendência à conservação de energia de um sistema é reacionária em relação às mudanças, enquanto os fatores caóticos e o ruído demandam uma desorganização necessária ao crescimento. Mas,

feitas

essas

observações,

transpostos

os

cenários dos tempos da sistemática para o da complexidade, voltemos ao foco cognitivo do Eneagrama, representando os dois ciclos contrários de ordem e ruído pelos nomes de: O Caminho dos Sentimentos – Ciclo centrípeto ou de conservação de energia: OBJETIVO (9-3-6) e SUBJETIVO (1-7-5-8-2-4-1). No movimento centrípeto há um caminho


ético - em que a relação consigo mesmo, com o corpo e com o meio ambiente (ou ‘o lado de fora’ - 8, 9 e 1), desperta a relação com o Outro (ou ‘o lado de dentro’ - 2, 3 e 4) e com os outros (ou as ‘formas discursivas’ - 5, 6 e 7). O Caminho das Emoções – Ciclo centrífugo ou de dissipação de energia: OBJETIVO (9-6-3) e SUBJETIVO (14-2-8-5-7-1), subdividindo esse último em emoções reativas e criativas, pois, além de seu caráter destrutivo, o ruído e suas desorganizações são essenciais para mudanças de padrões e para o desenvolvimento de autonomia. Nesses dois tipos de movimento centrífugo há um caminho moral, em que a relação com o(s) grupo(s) antecedesse a relação com o Outro no sentido individual. Sendo que, nesse caso, o comportamento reativo é se observar o lado de fora através de um filtro cultural, enquanto o criativo confronta seus sentimentos diretamente com o mundo e compreende o universo das formas discursivas a partir deste embate. Ambas as atitudes são morais, pois o subjetivo antecede o objetivo.

A diferença entre os círculos viciosos e os criativos está em se estar consciente das emoções (modo criativo) ou vivê-las (na verdade, sofrê-las) involuntariamente (modo reativo). Na medida em que se está consciente dos processos recorrentes, as dificuldades tornam-se aprendizado e a busca de alternativas de vida. A adaptação do Eneagrama à tipologia por Idacho e Naranjo é uma grande contribuição para psicologia, como um mapa de autoconhecimento e do conhecimento dos outros. Porém, sua utilização como sistema integrado complexo de processos recorrentes, como fazem Bennet e outros, é ainda mais importante. Hoje, a física teórica trocou o movimento circular pelo elíptico, com dois focos internos, e o modelo matemático do Eneagrama praticamente só é conhecido de forma tipológica. No entanto, seus cálculos e referências podem ser adaptados, abrindo a possibilidade de melhor compreensão


dos ciclos (aparentemente) aleatórios dos ciclos virtuosos e viciosos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS BENNETT, J. G. O Eneagrama - um estudo pormenorizado do eneagrama usado Gurdjieff para simbolizar o trabalho da consciência tanto na vida diária como nos níveis esotéricos. São Paulo: Ed. Pensamento, 1999. CHABRENIL, P. & F. A Empresa e seus colaboradores - Usando o Eneagrama para Otimizar Recursos. São Paulo: Editora Madras, 1999. GOMES, Marcelo. Um mapa, uma bússola – Hipertexto, Eneagrama e Complexidade. Rio de Janeiro: Mileto, 2000. NARANJO, C. Os Nove Tipos de Personalidade - Um estudo do caráter humano através do Eneagrama. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1996. OUSPENSKY, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido - Em busca do milagroso. Coleção Ganesha. São Paulo: Pensamento, 1980. ______Psicologia da Evolução Possível ao Homem. São Paulo: Pensamento, 1986. PALMER, H. O Eneagrama: compreendendo a si mesmo e aos outros em sua vida. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.


A AYAHUASCA COMO SISTEMA DE CUIDADOS 1. Definição A

medicina

Ayahuasca

(ou

da do

Ayahuasca, como seria mais

correto)

apenas

o

não

é

consumo

ritualístico de uma bebida - feita do cipó do Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha da Rainha ou Chacrona (Psycotria viridis), mas contempla também todo um sistema completo de cuidados e de desenvolvimento pessoal. E a definição desse sistema implica não apenas no uso ritualístico da bebida com alguma periodicidade, mas também, simultaneamente, no consumo terapêutico de outras substâncias (rapé de tabaco e pau pereira, o veneno da rã Kambô, o colírio da Sananga, para citar os mais conhecidos) e em um conjunto de dietas alimentares, sociais e sexuais. A Ayahuasca enquanto medicina implica na adoção de uma série de práticas pessoais, de mudanças de hábitos de consumo, que em seu conjunto formam um sistema complexo de cuidados, de tratamento e de desenvolvimento humano. Esta

definição

ampliada

permite

não

apenas

compreender a medicina da Ayahuasca dentro de um quadro de referências xamânicas e antropológicas mais abrangentes, como também entender a especificidade das religiões e cultos


que se organizaram em torno dela. O Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha são ‘leituras’ da medicina da Ayahuasca, interpretações teológicas e poéticas de um sistema de práticas pessoais anterior. 2. História Os registros mais antigos que conhecemos vêm dos Incas. O uso da Ayahuasca como bebida sacramental era restrito a família imperial inca, descendente de Inti, o rei Sol. Conforme relatos históricos, o príncipe Atahualpa se rendeu aos invasores espanhóis e acabou assassinado. Segundo a lenda, o príncipe seu irmão, Huascar, se refugiou na floresta amazônica. Lá divulgou a bebida, que recebeu o seu nome e se difundiu entre várias tribos indígenas, como as dos Kampas e dos Kaxinawás, perto da fronteira com o Peru e a Bolívia. Ingerindo a bebida, os índios tinham experiências psíquicas incomuns: telepatia, acesso a vidas passadas, contatos com os mortos, presciência e visão à distância. Há relatos etnográficos de xamãs usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la. O uso da Ayahuasca foi, durante séculos, utilizado por várias tribos indígenas da região. No início do século XX, com o intercâmbio cultural entre índios e seringueiros, a Ayahuasca passou a ser conhecida e usada pelos nordestinos que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram vários grupos sincretizaram o seu uso com o catolicismo popular, normatizando doutrinas de grande urbana.

penetração


Raimundo Irineu Serra (1890/1971) foi um dos que realizou trabalhos com a Ayahuasca, criando uma estrutura ritual absolutamente brasileira, por ele rebatizada de "Santo Daime". Fundou, em 1930, o Centro de Iluminação Cristã de Luz Universal (CICLU) em Rio Branco, Acre. Logo surgiram outras ramificações, sendo a principal a comunidade denominada Centro da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra (CEFLURIS), fundada pelo Padrinho Sebastião Mota de Melo, responsável pela expansão nacional e

internacional

da

bebida

e

do

culto.

Outro

culto

ayahuasqueiro acreano importante é o da Barquinha Fundada em 1945, também em Rio Branco, por Daniel Pereira de Mattos, esta igreja mistura elementos da religião afro-brasileira Umbanda e do Santo Daime. A União do Vegetal foi fundada a 21 de Fevereiro de 1961, em Porto Velho Rondônia, por um seringueiro chamado

José Gabriel da Costa. Quando

trabalhava num seringal na Bolívia, José Gabriel conheceu índios nativos que o apresentaram à ayahuasca na própria selva. O crescimento e difusão dos diversos grupos religiosos que utilizam a Ayahuasca geraram resistências nos setores conservadores da sociedade, que pressionaram o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. No entanto, depois de acuradas investigações, o Conselho decidiu liberar a utilização do chá para fins religiosos em 1992. Ficaram estabelecidos vários limites e critérios através do diálogo entre as entidades religiosas e os pesquisadores de várias especialidades.


E, finalmente, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), órgão do Ministério da Justiça, publicou no Diário Oficial da União do dia 25 de janeiro de 2010, resolução regulamentando o uso religioso da Ayahuasca. A resolução estabeleceu regras para que a bebida não seja comercializada ou utilizada fora do contexto religioso. LINHA DO TEMPO Século O uso da bebida sacramental era restrito a família imperial inca, XIII descendente de Inti, o rei Sol. 1533

O príncipe inca Atahualpa se rende aos invasores espanhóis e acaba morto. Seu irmão, Huascar se refugia na floresta amazônica e a Ayahuasca é introduzida em as várias tribos indígenas da região.

1616

O uso da Ayahuasca é condenado pela Inquisição.

1840

A Harmalina é isolada da planta Peganum armala em laboratório na Europa.

1849 1858

O botânico Richard Spruce, o biólogo Alfred Russell Wallace e o naturalista Henry Walter Bates fazem os primeiros estudos sobre a bebida.

1905

Zerda e Bayon chamam o alcaloide do "yajé" de "telepatina".

1917

O primeiro terreiro de Umbanda de Porto Velho, Rondônia, é aberto por Chica Macaxeira, maranhense da tradição do Tambor de Mina. É usada a Ayahuasca nos rituais.

1920

Os irmãos Antônio Costa e André Costa fundaram um centro chamado Círculo de Regeneração e Fé (CRF), em Brasiléia, Acre.

1930

Fundação do Centro de Iluminação Cristã de Luz Universal (CICLU) em Rio Branco, Acre, por Raimundo Irineu Serra (1890/1971) com a Ayahuasca, com uma estrutura ritual absolutamente nova, por ele rebatizada de 'Santo Daime'.

1931

A DMT (Dimetiltriptamina) é sintetizada e identificada como outro alcaloide da Ayahuasca.

1945

Fundação da Barquinha, por Daniel Pereira de Mattos, em Rio Branco, Acre.

1957

Hochstein e Paradies chamam de 'efeito ayahuasca' à combinação de Harmina e a Harmalina com a DMT.

1961

Fundação da União do Vegetal (UDV), por José Gabriel da Costa em Porto Velho, Rondônia.

1972

O cientista Robert Gordon Wasson propõe o termo "enteógeno" substituto para alucinógeno.

1975

Fundação do Centro da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra


LINHA DO TEMPO (CEFLURIS), fundada pelo Padrinho Sebastião Mota de Melo, responsável pela expansão internacional da bebida e do culto.

1985 1992

O crescimento e difusão dos diversos grupos religiosos que utilizam a Ayahuasca geraram resistências nos setores conservadores da sociedade, que pressionaram o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros urbanos. No entanto, depois de acuradas investigações, o Conselho decidiu liberar a utilização do chá para fins religiosos em 1992.

2010

O CONAD regulamenta o uso religioso da Ayahuasca no Brasil

Atualmente, com a expansão do Daime e da UDV para outros países, surgiram questões jurídicas internacionais referentes à utilização e ao transporte da bebida. Mas, a globalização da Ayahuasca passou a ser uma realidade, desencadeando vários tipos de simbiose com outras culturas espiritualistas. 3. A pesquisa transdisciplinar sobre Ayahuasca “A Ayahuasca amplifica a capacidade psicossomática de responder a gradações mais sutis de estímulos além de muitas vezes integrar as diversas faculdades sensoriais em processos sinestésicos. Esse efeito de aumentar a capacidade de experienciar, de avaliar e apreciar por si mesmo, é central para a compreensão do seu significado. Esta amplificação, como uma lupa, permite uma (re)visitação intensiva e absorta dos conteúdos mentais - recordações, ideias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperanças, sensações em gerais. (...) O grande valor da Ayahuasca, trazidos à nossa atenção pelas sociedades indígenas, é que ela dissolve os limites da mente inconsciente; ela dá acessos aos conteúdos reprimidos e esquecidos. Ela possibilita o reconhecimento das configurações universais da psique, os arquétipos de humanidade, junto com um leque mais abrangente de conhecimentos e maneiras de conscientizar, até eventualmente a vivência dos diversos aspectos da união mística. Na medida em que o indivíduo consegue ver as coisas de uma maneira não distorcida, vendo claramente não apenas o seu passado mais também a presunção e


cegueira da sua própria cultura e grupos de referencias, ele necessita, além de tolerar a decepção e o sofrimento, superar sentimentos de desamparo. Nem sempre é fácil ter de ver e aceitar que não somos assim tão vítimas, mas sim responsáveis pelas nossas vidas; aceitar ser capaz, reconhecer o seu potencial e a responsabilidade que isso requer implica coragem e determinação.” (BARBIER, 2002)

Os estudiosos da Ayahuasca também podem ser subdivididos em três grupos: a) os pesquisadores que dão ênfase ao efeito da DMT (N, Ndimethyltryptamine ou C12H16N2) no cérebro, geralmente pesquisadores da área de saúde orientados para o estudo do tratamento de dependência química; b) os pesquisadores que dão ênfase aos sistemas de crenças, em geral, antropólogos, historiadores e psicólogos mais concentrados na questão do condicionamento social dos usos da bebida; e c) os pesquisadores que, considerando os dois aspectos, elaboram um novo sistema de crença, mais universal e objetivo.

Vejamos cada um desses grupos de pesquisadores. Para os que dão ênfase à DMT, como Ralph Miller (2000), por exemplo, o importante é o papel psicoativo da bebida: A Pineal irá produzir DMT em grandes quantidades em pelo menos dois momentos das nossas vidas: no nascimento e na morte. Talvez ela prepare a chegada e a partida da alma. Pessoas que experimentam "situações de quase morte" – vendo luzes fortes, portais, ícones religiosos – relatam efeitos semelhantes aos das experiências com DMT. As moléculas de DMT são similares às moléculas da Serotonina e se encaixam nos mesmos receptores do cérebro. Isto é extraordinário porque, assim como a Serotonina, a DMT é uma chave específica que naturalmente se encaixa nesta "trava" do cérebro. Assim, você tem a DMT se encaixando aos receptores do cérebro, o que produz visões, enquanto as propriedades pró-


Serotonina e pró-Dopamina do chá criam um estado de alerta e receptividade.

Strassman (2001) diz o corpo produz naturalmente DMT na hora da morte para favorecer a lembrança dos momentos marcantes da vida. A DMT permite a utilização consciente da memória visual através do lado direito do cérebro, em oposição à nossa memória discursiva ordinária organizada através da fala. É a fala que transforma a memória em narrativa, se simplesmente contarmos nossa estória, oscilaremos entre os papéis de vítima e de herói. É o hemisfério esquerdo do cérebro que acessa a memória e quer comunicar a lembrança resgatada a alguém. Com a DMT, ao contrário, feita em estado de silêncio interior, sem interlocutor ou escuta analítica externa, as lembranças emergem objetivas, permitindo a reintegração

emocional

dos

momentos

vividos

com

distanciamento, vistos de fora, como em um filme narrado por outra pessoa. E essa pode ser a principal aplicação terapêutica da DMT em um futuro breve: fechar (reviver e superar) as feridas emocionais que jorram do inconsciente. O acesso consciente à memória visual também pode ser colocada sob a forma de ‘sonhos lúcidos’,

isto

é,

a

ocorrência

de

estado

de

funcionamento cerebral de alto desempenho - o sono REM (rapid eye moviment) – que normalmente acontece enquanto o sujeito está dormindo, durante o estado de vigília. Para Strassman, há quatro estágios progressivos do efeito do DMT: o estado eufórico, o ‘caleidoscópio colorido’, o estado de diálogo com as entidades e a transcendência do


ego. Para isso, ele teria que trabalhar suas dosagens cada vez maiores de DMT. A experiência, no entanto, comprova que o mero aumento de dosagem química não basta para se alcançar estados de percepção mais profundos e intensos, é preciso também ter treinamento em alguma técnica ou ritual. Aliás, quando maior a capacidade mental de alteração o estado de percepção, menor a dosagem necessária – como pode ser comprovado pela maioria dos adeptos mais antigos dos cultos. E, certamente, as imagens psíquicas, sejam elas arquétipos universais ou lixo subconsciente, pouco ajudam ou enriquecem

a

experiência

da

DMT.

O

importante

é

compreender o contexto das relações em que se está inserido. A ideia de ‘miração’ ou ‘sonho lúcido’ (e de diferentes estágios progressivos do transe quimicamente induzido) não pode ser desvinculada do sistema de crenças do sonhador14. Há grandes diferenças entre as distorções cognitivas provocadas por entorpecentes e o uso ritual de plantas de poder. Quando utilizado com finalidades de autoconhecimento, o uso de substâncias psíquicas é chamado de ‘enteógeno’ em oposição ao termo ‘alucinógeno’ – utilizado para caracterizar o efeito alienante e a distorção perceptiva. Mas, os argumentos de ‘ambiente’ e ‘intenção’ raramente são suficientes para convencer leigos (e cientistas fixados no fator neuroquímico) da grande diferença cognitiva entre a experiência enteógena e a viagem alucinógena. 14

O modelo de estágios progressivos de estados de consciência de Strassman tem seu valor, mas é preciso perceber que ele também se baseia em um sistema de crenças, mesmo que sejam crenças científicas céticas. Eu, por exemplo, prefiro um modelo de quatro paradigmas diferentes sobrepostos e simultâneos no trabalho espiritual com DMT: o paradigma da luta do bem contra o mal; o paradigma de ajuda aos sofredores; o paradigma de diálogo/conflito do Eu com o Outro; e, finalmente, o paradigma da Consciência da Divindade.


Atualmente, várias pesquisas investigam a utilização de medicamentos a base de DMT para tratamento químico de depressão, neuroses, fobias, síndromes neurológicas, bem como seu uso como potencializador da consciência em processos terapêuticos. Como dissemos antes, existem também pesquisas que dão mais ênfase ao contexto que ao aspecto psicoativo. Enquanto os pesquisadores das áreas clínicas e biológicas dão um enfoque enquadrado particularmente aos efeitos químicos da DMT no cérebro, os pesquisadores das áreas antropológicas e psicológicas estudam a mudança nos estados de consciência e de percepção, distribuindo sua atenção em três fatores: a bebida, o ambiente (setting) e a intenção (set). A hipótese, denominada em inglês de 'set and setting', formulada inicialmente por Timothy Leary com LSD nos anos 60, afirma que o conteúdo de uma experiência com substancia psicoativa é uma resultante da interação desses três fatores básicos. Charles S. Grob fez a mais ampla revisão bibliográfica sobre a Ayahuasca na área da psicologia clínica e neuro psiquiatria (METZNER, 2002, p. 195) e considera a hiper sugestionabilidade como um dos efeitos psico químicos, detalhando o aspecto ambiental (setting) em vários fatores (o papel do líder, do grupo, do local). Ele é um dos pesquisadores que concluem que “o contexto, o roteiro e o propósito” são mais importantes do que os efeitos químicos de substâncias psicoativas (nos processos de “cura” e de autoconhecimento propiciados pela bebida).


Em relação às características dos estados de consciência quimicamente alterados pela Ayahuasca, Grob aponta: a) Diminuição ou expansão da consciência reflexiva, com alterações de pensamento, mudanças subjetivas na concentração, na atenção, na memória e no julgamento podem ser induzidas voluntariamente em vários níveis de uma mesma experiência. b) Aumento da imaginação visual. Grob também identifica, dentre as experiências de milhares usuários entrevistados, várias recorrências psicológicas durante o transe: medo de perder o controle; resistência do ego (bad trip) e transcendência para estados místicos (entrega); aumento da expressão emocional - tristeza, alegria, desespero, fé; entre outras menos frequentes.

Outra grande contribuição ao estudo psicológico da Ayahuasca é o trabalho de Benny Shanon, O Conteúdo das visões da Ayahuasca (2003), em que além de trabalhar um levantamento das imagens das mirações e da hipótese de aceleração e desaceleração da percepção do tempo durante o transe, se discute também a pesquisa da mente através da Ayahuasca (e não mais o efeito da Ayahuasca na mente humana). Shanon já havia escrito sobre a Ayahuasca como instrumento de investigação da mente (in LABATE, 2002; pág. 631), através dos parâmetros teóricos da psicologia cognitiva. Para ele, há questões fenomenológicas de primeira ordem (o que está sendo experimentado?) e de segundo ordem (Há uma ordem e um sentido no que está sendo experimentado?). Em relação às questões fenomenológicas de primeira ordem, Shanon distingue as questões de conteúdo das de domínio e de estrutura. Assim, felinos, pássaros e répteis são as imagens mais recorrentes nos transes, seguidos de perto


pelos palácios, tronos e imagens arquitetônicas celestiais. A pesquisa destaca que as imagens são ‘universais da mente’ (semelhantes aos ‘arquétipos’ de Jung), pois surgem em indivíduos culturalmente diferentes. Esses conteúdos podem surgir de diferentes domínios e o encadeamento dessas formas com estes conteúdos forma estruturas narrativas paralelas aos rituais. E Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro

aspectos

relevantes

em

relação

ao

efeito

da

Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, as experiências des-indentificação pessoal e de tempo não-linear. Sob o efeito da DMT os pensamentos não são individuais, mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são frequentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a sensação de eternidade) temporal. Desses

quatro

aspectos

relevantes

o

mais

interessante é o que trata de nossa percepção do tempo. Quando as pessoas bebem Ayahuasca, percebem que seus pensamentos não são individuais, mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são frequentes) ou em outras


pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a sensação de eternidade)

temporal.

Quando

baixamos

arquivos

no

computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com a mente, mas só é perceptível sob o efeito da Ayahuasca. A DMT nos recoloca novamente dentro da simultaneidade. Com base nessas pesquisas pode-se dizer que a experiência de ‘mirar’ ou ter ‘sonhos lúcidos’ se aproxima muito mais de uma super cognição (envolvendo os dois hemisférios cerebrais simultaneamente) do que de uma alucinação ou de apenas ilusões visuais. Super cognição que permite à consciência enraizada no presente ativar as memórias do passado com objetividade visual e prever (ou até mesmo

influenciar)

acontecimentos

futuros,

“resolver

problemas”, conseguir reverter as relações de conflito, submissão ou enaltecimento que se apresentem na própria 'miração'. 4. Etnofarmacologia e sistema de cuidados Com Terence McKenna (1993, 1994, 1995 e 1996) a pesquisa

sobre

enteógenos

chega

ao

patamar

da

Etnofarmacologia, isto é, ao estudo simultâneo dos contextos culturais e das substâncias químicas em um novo quadro de referências.


McKenna estabelece uma associação estratégica entre duas hipóteses diferentes até então, que se tornaram os cânones do movimento enteógeno: em primeiro lugar, a hipótese de que foi através da ingestão de substâncias químicas

psicoativas

que

os

macacos

se

tornaram

conscientes de si, dando início à evolução da espécie humana.

Nesta

hipótese,

sugere-se

que

toda

nossa

experiência com o sagrado derivou originalmente do consumo de substâncias químicas. E depois, a hipótese de Gaia (James Lovelock e Lynn Margulis) segundo a qual a biosfera da Terra é na verdade um organismo vivo. Para McKenna, mais do que dispositivos para o controle social (as drogas), as substâncias psicoativas teriam como função primordial a re-ligação dos homens com a consciência do planeta. Mas, o que realmente chama atenção nas ideias dos irmãos McKenna é a compreensão das plantas enteógenas no contexto de uma “grande simbiose”. Nesta perspectiva, a simbiose entre as plantas e os animais na biosfera da terra não se limita à troca de oxigênio por gás carbônico ou à produção recíproca de alimento e proteção, mas, sobretudo, a um projeto maior, no qual as plantas enteógenas cumprem um papel estratégico modificando o comportamento humano em relação ao meio ambiente. E esta é questão que norteia a pesquisa de Metzner (2002). Para ele, a experiência emergente da espiritualidade da medicina da Ayahuasca transborda os limites de todas as tradições religiosas que a utilizam. Segundo Metzner, a Ayahuasca é um veículo de uma mensagem do reino vegetal – e a DMT, uma mensagem química da floresta para nosso


cérebro

-

para

reverter

o

processo

planetário

de

autodestruição do homem e da vida orgânica. Também é a partir da noção de Etnofarmacologia, nessa perspectiva de troca e comunicação com as plantas criada por McKenna e desenvolvida por Metzner, que é possível entrever um sistema de cuidados, um conjunto de práticas pessoais convergentes oriundas do xamanismo. A noção de sistema de cuidados é uma categoria proveniente da enfermagem para explicar e prescrever um conjunto de práticas preventivas e terapêuticas, que levem a uma ‘otimização’ crescente da saúde (SOUZA, 2006). Um sistema pode ser definido como um complexo de elementos em interação mútua. No sistema de cuidados, os elementos são práticas pessoais, que se reforçam e complementam, em uma agenda pessoal. A categoria pode ser utilizada de vários modos: sistema de cuidados da saúde da mulher, sistema de cuidados para recuperação de dependentes químicos; e assim por diante. Aqui, a ideia é utilizar essa categoria para descrever alguns aspectos da medicina da Ayahuasca, definida como um conjunto de práticas xamânicas de desenvolvimento. Se a Ayahuasca é uma mensagem de vida para o cérebro; é possível dizer que o veneno do Kambô é uma mensagem de morte para diversos órgãos do corpo, um alerta químico que ativa a defesa de vários sistemas vitais do organismo. E o uso conjugado da Ayahuasca com Kambô, em intervalos de tempo alternados, pode ser considerado os dois principais fatores dinâmicos deste sistema de cuidados xamânicos, que foi se construindo a partir da experiência.


A rã verde - Phyllomedusa bicolor, apelidada de sapo Kambô, é a maior espécie do gênero da família Hylidae, encontrada no sul da Amazônia. Também se chama de Kambô a resina retirada dessa rã e à sua aplicação medicinal. Essa resina

contém

dermorfina

15

substâncias

peptídeas

analgésicas

(a

e a deltorfina ) e de fortalecimento do sistema 16

imunológico que provocam a destruição de microrganismos patogênicos. As substâncias da secreção têm propriedades antibióticas, de fortalecimento do sistema imunológico através da produção de anticorpos pelo organismo contra o veneno. A reação da vacina dura cinco minutos. Nesse tempo, o coração dispara, o sangue corre acelerado nas veias, a pressão cai ou sobe muito, a pessoa fica tonta ou nauseada. Algumas pessoas veem tudo branco, como se o mundo estivesse coberto por uma névoa difusa, ou caem no chão, sem forças. Há também relatos de sensação de correntes elétricas epidérmicas formigando pelo corpo. Muitos usuários incham, ficando com a aparência semelhante a um sapo. Então, de repente, o organismo reage ao mal-estar e põe tudo para fora. Vômito forte e diarreia são as respostas mais comuns. Só então, aos poucos, os sentidos voltam ao normal. A pessoa se sente leve, limpa, disposta, de bem com a vida. Depois de 30 minutos da aplicação, a pessoa já está apta para suas atividades normais.

15

Dermorfina é um opiácio que atua como analgésico 300 vezes mais potente que a morfina. Além do sapo phyllomedusa bicolor, essa substância só é encontrada na urina de crianças autistas. 16

Deltorfina pode ser aplicada no tratamento da Isquemia - um tipo de falta de circulação sanguínea e falta de oxigênio, que pode causar derrames.


Porém, o principal efeito do Kambô é que ele estabelece um ‘choque de gestão’ na vida das pessoas, um marco de reorganização orgânica e psicológica a partir do qual a pessoa muda de atitude e altera seus padrões futuros de saúde. É efeito ao mesmo tempo oposto e complementar ao uso da Ayahuasca, tendo sido concebido e elaborado, segundo as lendas a ele associado, no contexto da medicina da Ayahuasca justamente como uma forma de destravar os complexos

processos

de

transformação

pessoal

desencadeados pela bebida. Também existem ainda várias práticas profiláticas agregadas a esse sistema de cuidados xamânicos, como o uso de rapé de tabaco/pau pereira e do colírio de Sananga. O rapé tem notáveis efeitos ansiolítico e antidepressivo, podendo apresentar

tanto

experiências

prazerosas

como

desagradáveis. O colírio previne o glaucoma, corrige miopias e hipermetropias e regenera o globo ocular. E é extremamente doloroso. O consumo terapêutico conjugado desses elementos (rapé, Sananga e Kambô) implica em um significativo aumento no consumo de água e, em função disto, de sincronia (mesmo que involuntária) com os ciclos lunares e com as marés. E, no caso das mulheres, com o ciclo menstrual. Dessa forma, o praticamente do sistema de cuidados se torna mais integrado ao meio ambiente. Tais insumos também têm contrapartidas restritivas. Tome-se como exemplo a questão das dietas. Muitas pessoas pensam que a restrição às práticas sexuais, ao álcool e ao consumo de carne vermelha; três dias antes e três dias depois


ao consumo da Ayahuasca é uma exigência moral dos grupos religiosos que trabalham com a bebida. A dieta sexual no consumo de Ayahuasca é uma restrição praticamente universal no universo do xamanismo. Não se trata de regras institucionais ou normas doutrinárias, mas sim um preceito extraído da experiência prática de um sistema de cuidados. Para os usuários de longo prazo da Ayahuasca, essas restrições pontuais vão se tornando ‘cuidados’ sistemáticos. Não é raro, que, nos seus processos de desenvolvimento, esses usuários intensifiquem e prologuem estes cuidados pessoais, modificando todo seu consumo alimentar e de bens simbólicos. O uso do álcool e das atividades recreativas dele derivadas é um excelente exemplo. A grande maioria dos usuários de longo prazo de Ayahuasca é abstêmia, tendo transformado

uma

restrição

pontual

em

uma

atitude

permanente. O consumo de carne vermelha e de produtos industrializados também pode ser citado, uma vez que esses alimentos têm substâncias incompatíveis com a ingestão de enzimas MAO17, presentes na bebida. Há também toda uma 17

Para o uso oral de DMT é necessário uma quantidade equivalente de MAOIs, ou seja, inibidores de monoamina oxidase. No caso da Ayahuasca, o cipó contem harmina e harmalina. O maior problema com a alimentação para quem usa Ayahuasca é o consumo de alimentos que sejam ricos em tiramina. Com a MAO inibida, a tiramina presente em diversos alimentos alcança a corrente sanguínea e pode causar sérias crises de hipertensão, inclusive alguns tipos específicos de hemorragia, como hemorragia intracerebral. Segue uma lista de alimentos a serem evitados, com concentrações diversas de tiramina: Abacate, amendoim, azeite, refrigerantes, bebidas alcoólicas, bebidas fermentadas, berinjela, cafeína, carnes, casca de banana, castanha de caju, caviar, chocolate, ervilha, espinafre, favos, frutos-do-mar, ginseng, grão de bico, iogurte, molho de soja, noz-de-côco, passas, patês, peixes, pizza, queijos (à exceção de requeijão e ricota), repolho-azedo, salame, salsichas, suplementos proteicos, tâmaras, tomate e vagem. Há ainda os sulfitos (dióxido de enxofre, bissulfitode sódio, metabissolfito de sódio e potássio) muitos usados na conservação de alimentos industrializados.


gama de medicamentos que não devem ser consumidos 18, fazendo com que se busquem alternativas naturais de tratamento

dentro

do

próprio

sistema

de

cuidados

etnofarmacológico. Não apenas de outros produtos medicinais amazônicos (copaíba, andiroba, sangue de dragão), mas também de chás de ervas, tinturas e óleos de uso popular de outras regiões, alternativos aos remédios laboratoriais. 5. Conclusão Segundo Calávia Saez (in LABATE & GUIMARÃES, 2008), quando os Yaminawa tentam explicar o que a Ayahuasca é para eles, usam comparações como o ‘cinema do índio’, a ‘televisão’ do índio e até ‘o avião do índio’. A Ayahuasca é o que permite uma visão ao longe e media o modo de ver o universo em seu conjunto. Todavia, além de ser uma tecnologia de transcendência do tempo/espaço, a Ayahuasca teve (ou tem) outra função menos evidente: criar uma linguagem xamânica comum entre grupos étnicos diferentes. O que eram praticas xamânicas muito diferenciadas tem se transformado, talvez nos últimos 100 anos, numa espécie de ecúmene indígena organizada em volta do uso da ayahuasca e dos cantos que acompanham esse uso. O 18

Remédios que inibem a recepção e o metabolismo da serotonina: a) Antidepressivos ISRS. b) Xaropes que contenham Dextrometorfano (DXM) ou Demerol; Antiasmáticos; Anti-hipertensivos: Guanetidina; Metildopa; Reserpina, Buspirona, Levodopa Simpatico miméticos: Cocaína e derivados. c) Anfetaminas; Metilfenidato; Metaraminol; Adrenalina; Noradrenalina; Efedrina; Fenilpropanolamina; Isoproterenol. d) Descongestionantes nasais, Medicação para febre do feno MDMA (Ecstasy), MDA e MDE. e) Inibidores de apetite e Opiáceos: Heroína, Morfina, Ópio, etc. O uso dessas substâncias em conjunto com a Ayahuasca pode levar a perigosos níveis de serotonina no cérebro, podendo resultar na síndrome de serotonina. Sintomas da síndrome de serotonina incluem náusea, desmaios, perda de memória, vômitos e aumento na pressão sanguínea e na frequência cardíaca.


xamanismo dos Shipibo-Conibo, dos Kokama, dos Kaxinawa, dos Yaminawa, dos Kampa, não são mais xamanismos locais, étnicos, pertencentes a pequenos grupos etnolingüísticos. Há muito tempo que esse xamanismo se transformou numa linguagem comum, num mundo extremamente comunicado onde as canções da ayahuasca se transmitem de um grupo a outro. Enfim, a Ayahuasca tem contribuído de modo muito importante para dar forma a um xamanismo que, apesar pensarmos que é extremamente antigo, provavelmente adquiriu a sua forma atual com a expansão, através da comunicação, da tradução facilitada pelo uso desse veículo, da Ayahuasca. E o mais importante: a medicina da Ayahuasca, como um sistema de cuidados que inclui outros procedimentos e restrições universais, ainda está sendo construída nesse processo, incorporando diversas influências. Em primeiro lugar, apresentamos a definição da medicina da Ayahuasca como um sistema integrado de cuidados. Em seguida, procedemos a um breve resumo histórico do uso da bebida. Depois detalhamos os três tipos de investigação – a pesquisa da DMT; o debate sobre a relação mente/contexto; e, finalmente, a hipótese de simbiose orgânica do movimento enteógeno. Também

descrevemos

algumas

das

práticas

xamânicas associadas ao uso da Ayahuasca, bem como os fatores restritivos, derivados do seu consumo de longo prazo. Ao conjunto desses fatores dinâmicos e restritivos, ou dessas


práticas complementares recorrentes, chamamos de ‘sistema de cuidados’ – ressaltando que se trata de um sistema aberto, ainda em construção. A pesquisa da Ayahuasca não é apenas um campo interdisciplinar

ou

multidisciplinar,

e

sim

um

‘espelho

transdisciplinar’ porque implica em autoconhecimento: as informações científicas só fazem sentido se enquadradas em um sistema de crenças. Assim, a pesquisa da Ayahuasca é uma via de mão dupla: questionando as crenças em relação à objetividade científica; e, no sentido inverso, repensando culturalmente a modernidade (e o saber objetivo) a partir da experiência cognitiva da bebida. A noção de sistema de cuidados está no vértice desta contradição. Por um lado, ajuda ao cientista a descrever e prescrever procedimentos terapêuticos complexos a partir da etnofarmacologia; de outro, permite a orientação e o entendimento

do

atual

perspectiva neo-xamânica.

buscador

espiritual,

em

uma


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBIER, Regis. Ayahuasca como opção espiritual 2002. publicado no site: <http://www.panhuasca.org.br > LABATE Beatriz Caiuby; ARAUJO, Wladimyr Sena. O Uso Ritual da Ayahuasca. Campinas, Mercado de Letras/Fapesp, 2004 2ª ed. (1ª ed. 2002) LABATE, Beatriz Caiuby; ROSE, Isabel Santana de; SANTOS, Rafael Guimarães dos. Religiões ayahuasqueiras: um balanço bibliográfico. Campinas: Editora Mercado de Letras/Fapesp, 2008. LIMA & LABATE, Edilene Coffaci de, Beatriz Caiuby. “Remédio da Ciência” e “Remédio da Alma”: os usos da secreção do kambô (Phyllomedusa bicolor) nas cidades. Campos - Revista de Antropologia Social v. 8, n. 1 (2007). MCKENNA, Dennis J.; CALLAWAY, J. C. ; GROB, Charles S. The Scientific Investigation of Ayahuasca: A Review of Past and Current Research. The Heffter Review of Psychedelic Research, Volume 1, 1998. <http://www.udv.org.br/portugues/downloads/05.pdf> MCKENNA, T. - Alucinações Reais Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1993. _____ Alimento dos Deuses Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1995. _____ Retorno à cultura arcaica Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1996. _____ (com Ralph Abraham e Rupert Sheldrake) Caos, Criatividade e o retorno do Sagrado - triálogos nas fronteiras do Ocidente São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1994. MILLER, Ralph. Ayahuasca - Universidade de Gaia: 2000 http://www.universomistico.org/artigos/artigos.php?op=yage007 Tradução: Sergio Garcia Paim, METZNER, Ralph. Ayahuasca - Human Consciousness and the Spirit of Nature. Thunder's Mouth Press, New York, 1999. Tradução Márcia Frazão, Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. SHANON, Benny. - Ayahuasca visions - a comparative cognitive investigation, Yearbook for Ethnomedicine and the Study of Consciousness, 7, 1998, 227-250. ________ O Conteúdo das visões da Ayahuasca. Revista Mana, Out 2003, vol.9, no.2, p.109-152. 2003. SOUZA FGM, BACKES DS, MELLO ALSF, Erdamnn AL. Significados de Sistema de cuidados a partir da visão de profissionais da saúde: Modelo Teórico-Reflexivo. In: Anais


do 3° Seminário de Filosofia e Saúde; 2006 Out 08-10 Florianópolis (SC), Florianópolis: UFSC; 2006 p 193-196. STRASSMAN, Richard. DMT: the spirit molecule: a doctor's revolutionary research into the biology. Rochester: Park Street Press, Inner Traditions, 2001.


Complexidade e Espiritualidade Integral



PARADOXO E SIMETRIA O presente texto é formado

por

dois

movimentos distintos. Em primeiro momento, exposse aqui a questão da simetria cognitiva, de como a realidade é vista de forma dupla e até paradoxal. Em seguida, apresenta-se a fenomenologia dos estados de consciência segundo Timothy Leary e Robert Anton Wilson, acrescida de ideias de autores pós-modernos. 1. Fenomenologia dos estados de consciência Homem, Mulher; Luz, Trevas; Vida, Morte - vivemos em um universo de polaridades opostas. Mas, interpretamos essas polaridades de diferentes formas 19. Algumas tradições mais antigas tratam as polaridades de opostos de uma forma ainda mais diferente e, aparentemente, incompreensível para o pensamento científico: o Paradoxo. O deus Abraxás de Creta antiga, Janus dos Romanos e o par Tonal/Nagual nas Américas

são

exemplos

de

deuses

de

"duas

faces"

paradoxais, isto é, de uma concepção em que a polaridade de 19

Quando uma polaridade de opostos irreconciliáveis forma uma unidade, uma síntese resultante do conflito dos extremos, então a polaridade será chamada de Contradição Dialética. Se, no entanto, a polaridade não tiver uma unidade e não produzir um terceiro termo sintético, mas simplesmente oscilar entre os extremos irredutíveis, aperfeiçoando-os sem unificá-los, então o par de opostos será uma Oposição Dialógica. Pode-se ainda falar de Alternância Binária, quando os opostos de uma polaridade não coexistirem, o presente de um implica na ausência do outro. De forma que, dependendo dos conceitos, um mesmo conjunto de polaridades pode ter diferentes interpretações. O Livro das Mutações (I Ching), por exemplo, é todo construído a partir da polaridade Yin-Yang e comporta duas leituras diferentes dentro das tradições chinesas: a taoísta (mais holística e dialética) e confucionista (mais dialógica e binária).


opostos que dá origem a vida e ao universo que não comporta nenhuma forma de totalização ou unificação globalizante. Aliás, talvez algumas de nossas polaridades dialéticas e dialógicas (Vida/Morte, Bem/Mal, Ser/não-Ser) sejam também paradoxos que nos recusamos a aceitar. Nas mitologias pré-colombianas, os deuses gêmeos também desempenham um papel central. Para os toltecas mais do que deuses, o tonal e o nagual são princípios cognitivos e realidades paralelas. Três mil anos atrás havia um ser humano, que vivia perto de uma cidade cercada de montanhas. (...) Um dia, enquanto dormia numa caverna, sonhou que viu o próprio corpo dormindo. Saiu da caverna numa noite de lua nova. O céu estava claro e ele enxergou milhares de estrelas. (...) Olhou para suas mãos, sentiu seu corpo e escutou sua própria voz dizendo: “Sou feito de luz; sou feito de estrelas.” Olhou novamente para o alto e percebeu que não eram as estrelas que criavam a luz, mas sim a luz que criava as estrelas. “Tudo é feito de luz”, acrescentou ele, “e o espaço no meio não é vazio.” (...) Então, ele compreendeu que, embora fosse feito de estrelas, ele não era essas estrelas. “Sou o que existe entre elas”, pensou. Assim, chamou as estrelas de tonal e o espaço entre os dois nagual, e percebeu que a harmonia e o espaço entre os dois eram criados pela Vida ou Intento. (RUIZ; 2005, 13 e 14.)

O tonal é o mundo conhecido, a realidade que apreendemos pelos sentidos; o nagual é o mundo dos sonhos, o desconhecido. Mas, não se trata de um dualismo fundamental, de uma dialética ou de uma oposição dialógica. Os princípios opostos seria, nesta concepção, um paradoxo entre dimensões contrárias, sem totalização ou perspectiva de uma síntese unificante. Um é irredutível ao outro.


Há sempre uma dupla realidade, uma simetria entre o lado de dentro e o de fora do universo, o micro e o macrocosmo. No campo filosófico há, para Platão, um mundo sensível-concreto e outro inteligível-abstrato; uma cidade dos homens e uma cidade de Deus para Santo Agostinho; para Descartes, coisas extensas e objetos virtuais. Com Kant, há uma inversão de perspectiva: a realidade deixa de ser uma percepção e passa a ser uma interpretação. O mundo externo se torna uma projeção estruturada do sujeito, a simetria tornase um reflexo invertido. No campo religioso também há simetria, mas é o metafísico que se reflete no físico: “assim em cima, como embaixo” - expressão presente não apenas nas Tábuas de Esmeralda de Hermes Trimegisto, mas presente em todas as grandes tradições, como a chinesa (céu e a terra), a indiana (o universo-templo e o corpo-templo), e a ocidental (o homem como a imagem e semelhança de Deus). No renascimento, ou melhor: no humanismo iluminista, há cruzamento desses dois modos de representação simétricos, o filosófico e o tradicional, em que o homem ocupa o lugar central (como na tradição judaico cristã), mas o universo externo que enquadra e determina a experiência subjetiva (como crê a modernidade). Assim

como

Foucault

derrubou

o

sujeito

antropomórfico das ciências humanas, Osho, Gurdjieff e Castaneda instauram um novo paradigma no esoterismo, em que o homem não é mais o centro do universo, mas apenas um ser que vive em universo povoado por outros seres, em outras ordens de evolução. É apenas um bicho entre outros bichos e outras formas de vida, inorgânicas, que ele nem ao


menos

consegue

perceber.

Esta

consciência

pós-

antropocêntrica desloca a questão da simetria para além do homem. Advoga-se aqui que a hipótese de que a simetria entre a Cognição Ordinária e a Cognição Extraordinária é um paradoxo insuperável para o qual não existe totalização ou unificação globalizante. O Mundo e a Consciência são termos irredutíveis desta simetria da cognição humana entendida não como uma contradição dialética ou uma oposição dialógica, mas sim como um paradoxo absurdo. Isto significa reconhecer a incapacidade de solucionar definitivamente a duplicidade da percepção e a hipótese de sua simetria. Para as tradições, a simetria é dada como certa (o mundo material é um desdobramento denso dos universos sutis); para modernidade, a simetria é parcial e invertida (o subjetivo reflete a realidade); para os pós-modernos, não há simetria

alguma

(nem

reflexividade

entre

dimensões

ontológicas paralelas: os objetos é que são duplos construídos intersubjetivamente em plano imanente; mas, a verdade é que não compreendemos nossa dupla cognição). E para investigar a probabilidade desta simetria entre o

que

vivemos

e

o

que

sonhamos,

definimos

três

demonstrações: estabelecer alguns modelos para uma fenomenologia dos estados de consciência ordinária e extraordinária; resumir o pensamento integral de Ken Wilber, que sintetiza diferentes modelos teóricos e cartografias tradicionais em uma abordagem holística; e traçar um mapa para esta simetria hipotética entre as cognições, sem encerrála em um sistema fechado.


Para pensar uma fenomenologia dos estados de consciência partimos de uma comparação entre o atual conhecimento científico e algumas ideias de pensadores, que intuíram vários aspectos importantes do funcionamento cerebral da subjetividade. A teoria dos oito cérebros, de Timothy Leary (1961), recentemente atualizada por Robert Anton Wilson (1987), como oito circuitos neurocerebrais. Essas teorias dividem a cognição em duas categorias: A Cognição Ordinária ou "o lado esquerdo do Cérebro" 20, responsável pela cognição atual do mundo, formada por quatro circuitos integrados: o circuito da sobrevivência (ou a Consciência), o circuito das emoções (ou o Ego), o circuito da linguagem (ou Mente) e o circuito sócio-sexual (ou a Personalidade). Esta cognição é comum a todas as pessoas e, em parte, é consciente de si e de seu contexto. A Cognição Extraordinária ou "o lado direito do Cérebro", formado por funções ainda adormecidas que correspondem às nossas possibilidades de evolução: o circuito neurosomático, o circuito neuroelétrico, o circuito neurogenético e o circuito neuroatômico. Também é chamada, por vários, autores, de Individualidade, em oposição à Personalidade. 2. Cognição Ordinária A Consciência equivale neste sistema à percepção sensorial da realidade, que remonta à cognição dos invertebrados, ao 'cérebro réptil' ou à capacidade de agir instintivamente. A neurociência atual considera que essa consciência-percepção é produzida pelo 'Arqueocortex'. "Este cérebro invertebrado foi o primeiro a evoluir (faz de 2 a 3 milhares de milhões de 20

Para saber tradicional, em que o (sujeito) observador é o (objeto) observado, o racional é o lado direito e o esquerdo, o lado mais emotivo. Para o saber científico, em que o observador é externo, a relação é invertida: o lado esquerdo é que é o racional; e o direito, o emotivo.


anos) e é o primeiro a ativar-se quando nasce uma criatura humana. Programa a percepção numa espécie de codificação dividida em coisas 'boas e nutritivas' (para as que se sente atraído) e 'perigosas e tóxicas' (as que evita ou ataca)." (WILSON, 1987, 1)

Assim

entendida,

a

consciência

não

é

algo

transcendente ou metafísico mas apenas um circuito de informações instintivas essenciais à sobrevivência. Pode-se dizer que a consciência é o 'ser-no-mundo'. Ela não é um fenômeno em si, mas o espaço em que os fenômenos acontecem, uma clareira em meio a um universo sombrio, uma abertura pela qual vemos a realidade. É ‘Ser-aquele-queé’, a consciência contínua da percepção imediata do presente. A consciência, o Ser, é a ‘lembrança de si’, como dizia o místico armênio George Ivanovitch Gurdjieff (OUSPENSKY, 1980, 53). O Ego está sempre no passado e no futuro, a consciência é, ao menos parcialmente21, a percepção contínua do momento presente. O Ego, por sua vez, corresponde ao circuito das emoções e a uma estruturação de identidade espacial e de uma relação de poder, de propriedade em relação ao meio ambiente e a outros egos (alter-egos). O ego é uma estrutura identitária territorial, em que o animal se apossa do espaço. "Este segundo e mais avançado biocomputador se formou quando apareceram os vertebrados e a competição pelo território 21

Digo ‘parcialmente’ porque a Consciência além da dimensão perceptiva tem também uma dimensão abstrata e deve levar em conta os valores que a contextualiza. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceberse no mundo, mas ser no mundo e do mundo, referenciar a percepção em valores construídos culturalmente. Alguns filósofos chamam de consciência fenomenal à experiência da percepção, e de consciência de acesso ao processamento das coisas que vivenciamos durante a experiência. O desenvolvimento perceptivo da consciência se dá através do treinamento da Atenção. O desenvolvimento ético da consciência só é possível através de sucessivas mudanças pessoais de valores.


(talvez uns 500.000.000 A.C.). No indivíduo este enorme túnel de realidade é ativado quando as cintas mestras do DNA disparam a metamorfose do arrastar-se ao andar. Como sabem todos os pais, o menino que começa a caminhar já não é uma criatura passiva orientada a sobrevivência biológica, mas um mamífero político, cheio de exigências territoriais físicas e psíquicas, rápido em intrometer nos assuntos familiares e nos objetos de decisões." (WILSON, 1987, 1)

Assim,

enquanto

a

Consciência

corresponde

à

sensação de estar aqui e agora em corpo orientado para a sobrevivência animal; o Ego orientado por afetos e desafetos é o segundo circuito sensorial mamífero do status (atualidadenão atualidade) no grupo ou tribo. Para a neurociência é o Paleocortex ou "cérebro límbico". Atualmente, à identificação/negação da consciência com as formas do mundo estrutura o que chamamos de Ego. Dentro dessa definição, há duas formas de compreender o ego: a oriental e a ocidental. A oriental deseja que ele seja transcendido pela consciência. Um belo exemplo atual dessa forma é a de Eckahart Tolle: “O ego é um conglomerado de formas de pensamento recorrentes e de padrões emocionais e mentais condicionados que estão investidos de uma percepção do Eu” (2002, 52-53).

Para Tolle, o Ego é o eixo do tempo/horizontal (uma sucessão de momentos – mas o passado só existe quando nos lembramos e o futuro só existe quando nós o imaginamos); a consciência (ou a presença, a sensação pessoal imediata) é o eixo místico agora/vertical. A forma ocidental (ou psicanalítica) é ternária e descende da ideia de que temos um demônio pessoal (o eu


inferior, o instinto animal, a criança interior) e um anjo da guarda (o eu superior, a intuição espiritual, a centelha divina); e sua grande vantagem consiste em colocar o ego como observador tanto em relação aos impulsos instintivos como às demandas espirituais. Nesse modelo ternário, o Ego é um mediador externo e não há a oposição radical entre ego e consciência da tradição oriental. FREUD

MÉTODO PATCHWORK

XAMANISMO HAVAIANO

ID

Eu Inferior (corpo instintivo ou criança ferida).

Unihipili (criança/subconsciente)

EGO

Ego (auto imagem idealizada)

Uhane (mãe/ consciente)

SUPER GO

Eu Superior (Centelha Divina)

Aumakua (pai/superconsciente).

A Mente, neste sistema, representa a organização do circuito da linguagem. Ela se formou quando os hominídeos começaram a se diferenciar dos demais primatas (uns 4-5 milhões A.C.) e é ativado quando o menino, já maior, começa a administrar utensílios e a linguagem de forma própria. Para Wilson, a ... (...) "impressão desses três circuitos determina, aproximadamente à idade de três anos e meio, o grau e o estilo básicos de confiança/desconfiança que coroaram a 'consciência', o grau e estilo de truculência/sujeição que determinaram o status do 'ego', e o grau e estilo de perícia/deselegância por meio do que a 'mente' manejará instrumentos ou ideias." (1987, 2)

E, assim, do ponto de vista evolutivo, a Consciência é basicamente invertebrada, flutuando passivamente para a alimentação e a proteção do perigo; o Ego é mamífero, sempre lutando pelo status dentro da ordem tribal do grupo; e


a Mente é paleolítica e formadora da cultura humana e confrontando-se com a vida através de uma matriz de instrumentos e de simbolismos. A neurociência chama de 'Neocortex' à porção de 85% da massa cerebral que desempenha essas funções. Pode-se dizer que o ego é formado pela fala e a mente, pela escrita (pelo pensamento abstrato, descontextualizado).

Osho usa uma metáfora

interessante, dizendo que a Mente é um espelho, coletivo e externo, e o Ego é nosso reflexo, circunstancial e efêmero, neste suporte no qual nos vemos indiretamente, uma vez que nos recusamos a olhar frente e a frente para nós mesmos (OSHO, 2004, 62). Ambos, no entanto, mente e ego, são estruturas identitárias construídas por nós (por nossa consciência) através dos outros. A 'Personalidade adulta' ou 'quarto cérebro' é, para Leary/Wilson, a estrutura psíquica que organiza o circuito sócio sexual, é típico do Homo Sapiens. Este quarto cérebro se formou quando os grupos de hominídeos evoluíram para sociedades e programaram comportamentos sexuais específicos para seus membros, uns 30.000 a.C. É ativado na puberdade, quando os sinais de DNA desencadeiam a liberação glandular de hormônios sexuais e se inicia a metamorfose ao estado adulto. Os primeiros orgasmos ou experiências de acoplamento imprimem um rol sexual característico que, novamente, é gerado de forma bioquímica e permanece constante durante toda a vida, a menos que alguma forma de lavagem de cérebro ou reimpressão bioquímica o altere (1987, 3)

Não existem, na neurociência atual, estudos científicos sobre uma parte do cérebro específica em que este tipo de atividade psíquica se desenvolva. Aqui se considera que a Personalidade é um circuito de sinapses cerebrais que


coordena as relações entre a Consciência, o Ego e a Mente. A personalidade assim entendida é também uma máscara, uma persona, atrás da qual se esconde uma individualidade psíquica formada pelos circuitos da cognição extraordinária. Nos meios esotéricos chama-se de Personalidade a este ‘eu falso’, construído a partir do medo e das exigências da socialização, e de Individualidade ao ‘eu verdadeiro’. A função da Personalidade é interpretar a Individualidade e não a esconder ou reprimir. É como uma vitrine que apresenta ao conteúdo da loja, não adianta quebrá-la ou subtraí-la, é preciso reorganizá-la. Atores e atrizes de teatro costumam ‘se trabalhar’ escolhendo personagens semelhantes aos de suas personalidades, como uma forma de reinterpretá-los e superálos, além de lapidar a própria individualidade. Também se pode pensar na Personalidade como os 40% da identidade pessoal que pode ser modificada (as sinapses móveis entre os neurônios) e na Individualidade como o que não se pode mudar (os circuitos cerebrais fixos, que se formam ao longo da vida). De toda forma, a Personalidade é uma estrutura identitária construída por nós (por nossa consciência) através do medo dos outros (o Ego) e de um espelho para nós vermos através dos outros porque tememos olhar para nós mesmos, face-a-face (a Mente). 3. Cinema e percepção O místico Ramana Maharshi (1972) desenvolve uma analogia entre cinema e percepção, em que se observa o


processo cognitivo no sentido descendente, isto é, do aspecto mais abstrato para o concreto. CINEMA A luminosidade acessa ou ausente.

PERCEPÇÃO

DIMENSÃO COGNITIVA

A consciência

A lâmpada no interior do O Eu superior, self ou equipamento esfera luminosa.

A CONSCIÊNCIA

A lente diante da lâmpada

A mente pura (sattvic)

A lente, a luz que a atravessa e a lâmpada formando a luz em foco

A mente, sua iluminação e o eu superior, formam juntos o observador ou jiva.

A luz que atravessa a lente e ilumina a tela

A luz do eu superior emerge da mente através dos sentidos e ilumina o mundo

O filme, os fotogramas

O fluxo das imagens narrativas, símbolos.

A LINGUAGEM SIMBÓLICA

Os vários tipos de imagem na tela

Varias formas e nomes, que surgem como objetos percebidos a luz do mundo.

A REALIDADE HOLOGRÁFICA

Projetor de filmes

Corpo

A MENTE

O EGO

A PERSONALIDADE

REALIDADE EXTERIOR

Em um primeiro momento, a consciência é a percepção. Representa a luz que sera projetada sob diferentes objetos. Se prestarmos atenção ao que vemos, os olhos se iluminam; se buscarmos perceber os sons, a consciência se focara em nossa capacidade auditiva; e assim por diante. Nesta analogia, a consciência e um brilho que se desloca segundo nossa percepção seletiva. Assim, como a luz é produzida por uma lâmpada, a consciência é produzida por um suporte, de uma esfera luminosa, o Self, Eu superior ou centelha divina. Chama-se


aqui, esse suporte de Cognição Extraordinária. E esta é o segundo momento da comparação de Mararshi. O terceiro momento desta analogia consiste na lente que a luz da lâmpada transpassa na projeção de um filme e a mente coletiva e externa por onde consciência do Self passa ao perceber as diferentes dimensões (racional, sentimental, sensorial) da realidade. A mente aqui não é individual, e sim um filtro social, culturalmente construído. Os fotogramas do filme projetado no cinema correspondem às variadas formas mentais (arquétipos, memorias, imagens) que formam o pensamento – na quarta etapa da analogia. Aqui surge o Ego, a interpretação individual do pensamento coletivo e externo ao processo cognitivo, a narrativa do passado e as esperanças futuras. No quinto passo da analogia de Maharshi, no entanto, surge a comparação entre a projeção do filme e o "Observador", isto e, um eu-foco formado para observar o pensamento, a mente e as percepções da consciência. Este observador é um determinado enquadramento autoconsciente que criamos para nos tratar na terceira pessoa e existe em várias meditações. Nesse ponto também se pode localizar a Personalidade – uma vez que apenas uma minoria observa ao próprio filme, preferindo simplesmente projetá-lo. Portanto, desenvolver um 'Observador' ou uma Personalidade vai depender do descondicionamento da consciência em relação ao Ego e à Mente. No sexto nível da analogia percebe-se que realidade é semelhante a projeção das imagens na tela do cinema. A diferença e apenas no modo de representação: no cinema as


imagens são projeções bidimensionais; e a realidade é holográfica e solida. Mas, também, tanto no cinema como na percepção, há vários tipos de imagens segundo uma variedade de fatores. As imagens de referencias externas (sensoriais, mentais, emocionais); há imagens produzidas pela memoria, outras pela imaginação. O sétimo nível da percepção, então, é a interpretação seletiva das imagens, em que classificamos involuntariamente os diferentes itens de nossa percepção. E finalmente, há o mecanismo responsável pela projeção das imagens, a máquina ou o corpo. Este mecanismo recebe as imagens automaticamente e não tem consciência plena de seu significado. Chama-se aqui essa instância de espaço exterior. O

importante

nessa

analogia

entre

cinema

e

percepção é visualizar o processo cognitivo ordinário (e seus quatro elementos) em seu conjunto. 4. Cognição extraordinária Esses modelos são apenas algumas das várias fenomenologias dos estados de consciência possíveis. Estudando várias tradições religiosas diferentes, Ken Wilber (2006, 272-273) oferece um modelo de analogia universal das fenomenologias quaternárias, a partir das categorias de corpo, mente, alma e espírito. Também há estruturas ternárias de cognição, que são um pouco menos 'platonizadas'.


Gurdjieff afirma que a personalidade é construída horizontalmente através do tempo e a individualidade, pela experiência vertical da eternidade. Horizontalmente, somos todos iguais, nivelados pela morte; porém, há alguns que vivem o presente de modo mais profundo. Os animais vivem suas vidas horizontalmente, apenas alguns homens, ao entrar em contato vertical com a eternidade, adquirem uma alma (OUSPENSKY, 1980, 89). Nessa perspectiva, o homem só constrói uma individualidade quando ativa os circuitos neurocerebrais da cognição extraordinária. Conhecendo a si mesmo, "somos mais e mais capazes de acelerar nossa própria evolução" - acredita Wilson, propondo que enquanto os quatro circuitos do lóbulo esquerdo (Consciência, Ego, Mente e Personalidade) contêm as lições aprendidas de nossa biografia e presentes (pessoal e

coletivo);

os

(Neurosomático,

quatro

circuitos

Neuroelétrico,

do

lóbulo

Neurogenético

direito e

Neuroatômico) é um verdadeiro anteprojeto evolutivo de nosso futuro.


O circuito neurosomático entra em atividade quando o sistema nervoso percebe sua capacidade de lúdica e compreensiva. Este "quinto cérebro" surgiu faz uns 4.000 anos nas primeiras civilizações do ócio. Quando ativado, este circuito produz uma conexão hedonista, uma diversão extática, um desapego de todos os anteriores mecanismos compulsivos dos primeiros quatro circuitos. Leary achava que essa

sensação,

desencadearia desprogramação

no

uma nos

momento mutação

evolutivo

adequado,

neurosomática

mecanismos

de

ou

uma

manutenção

da

Cognição Ordinária. Também se pode associar esta auto percepção

somática

como

um

estado

propiciar

de

regeneração orgânica, quando entramos em um estado de consciência que "nos cura" através da compreensão e da adaptação às situações. Já o circuito neuroelétrico entra em atividade quando o

sistema

nervoso

descobre

sua

função

de

meta

programação, atuando como um tradutor universal das linguagens ao um padrão binário de uma linguagem primária. Enquanto o circuito neurosomático havia uma mudança de comportamento

pela

adaptação

passiva,

a

cognição

neuroelétrica é propositiva e há uma mudança existencial por reprogramação ativa. Para Leary ... " (...) o sexto cérebro consiste no sistema nervoso sendo consciente de se mesmo, independentemente dos mapas de realidade impressos cognitivamente (circuitos I-IV), e até mesmo independentemente do êxtase corporal (circuito V) e suas características (...) são: a simultaneidade, a eleição múltipla, a relatividade e a fusão instantânea de todos os sentidos em universos paralelos de possibilidades alternativas."


O circuito neurogenético é ativado quando o sistema nervoso começa a receber sinais do interior da genoma individual, por meio do diálogo DNA-RNA. Aqui o Ser se torna consciente de seu Destino. Para Leary, esta mutação leva a diferentes tipos de experiências "fora do corpo": "recordações de vidas passadas", "projeções astrais", etc. Wilson associa esse circuito ao "inconsciente coletivo" de Jung e ao "inconsciente filogenético" de Groff e Ring. E o circuito neuroatômico é ativado quando o sistema nervoso é percebe sua fonte de energia quântica, a luz e a idéia de espaço-tempo são eliminadas. A barreira einsteiniana da velocidade da luz é transcendida e escapamos da realidade eletromagnética das coisas e dos objetos para viver em um universo relacional. Para Leary, a "consciência atômica" é a conexão explicativa máxima do homem, que no futuro unirá a parapsicologia e a metafísica na primeira teologia científica, empírica e experimental da história. E para Wilson, "o 'cérebro' cósmico inteiro micro-miniaturizado na hélice do DNA, é a inteligência local guiando a evolução planetária." Ou como disse Lao-tse: 'O maior está dentro do menor'. Neste

modelo

quaternário,

portanto,

a

cognição

ordinária é composta por quatro circuitos neurológicos (Consciência, Ego, Mente e Personalidade) e a cognição extraordinária é construída, hipoteticamente, por quatro circuitos

sinápticos

(neurosomático,

neuroelétrico,

neurogenético e neuroatômico). E cada circuito extraordinário corresponde ao desenvolvimento de um circuito da cognição ordinária.


O

modelo

Leary/Wilson

é

esboçado

semelhante

a ao

partir

das

modelo

ideias

de

biográfico

da

Antroposofia de Rudolf Steiner (BURKHARD, 2000), em que a Personalidade

se

forma

no

primeiro

período

(0-21),

geralmente se mantem equilibrada com a Individualidade no segundo (22-42) e começa a ser desconstruída no terceiro período (43-63). Aos 42 anos, há a possibilidade de construir uma alma imaginativa (ou manas) a partir do corpo astral (ou de reconstruir os aspectos emocionais da personalidade construídos na adolescência); aos 49 anos, há possibilidade de desenvolver uma alma inspirativa (ou buddhi) a partir da mente (ou de repensar os aspectos morais adquiridos dos sete aos 14); e aos 56, há possibilidade de formar uma alma intuitiva (ou atma) a partir do corpo vital (ou de reviver os aspectos mais profundos da formação da personalidade, moldados durante a primeira infância). Há um espelhamento dos

três

aspectos

(motor,

mental

e

emocional)

da

Personalidade entre a primeira e a última das etapas da vida. Ao invés do desabrochar potencial de várias almas a partir dos diversos corpos esotéricos, pensa-se agora em termos

de

desenvolvimento

de

circuitos

cerebrais

da

consciência e da reforma da Personalidade. Mas trata-se apenas de uma diferença de linguagem. O importante é a consciência das etapas e fases da vida, das crises etárias e possibilidades de mudanças pelas quais todos passam. E, é claro, das estratégias de desenvolvimento e objetivos de vida que traçamos para cada situação.


Personalidade (Cognição Ordinária)

Individualidade (Cognição Extraordinária)

o circuito da sobrevivência (ou a Consciência) Corpo Físico

o circuito neuroatômico Espírito

o circuito das emoções (ou o Ego) Corpo Vital ou duplo etéreo (00-07)

o circuito neurogenético Alma Intuitiva ou Atma(56-63)

o circuito da linguagem (ou Mente) Veículo Mental (07-14)

o circuito neuroelétrico Alma Inspirativa ou Buddhi (49-56)

o circuito sócio sexual (ou a Personalidade) Corpo Astral (14-21)

o circuito neurosomático Alma Imaginativa ou Manas(42-49)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURKHARD, Gudrun. Tomar a vida nas próprias mãos - Como trabalhar a própria biografia o conhecimento das leis gerais do desenvolvimento humano. São Paulo: Editora Antroposófica, 2000. LEARY, Timothy. As sete línguas de Deus. New York: Thompson and Brothers,1961. TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora – um guia para iluminação espiritual. São Paulo: Editora Sextante, 2002. OUSPENSKY, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido - Em busca do milagroso. Coleção Ganesha. São Paulo: Pensamento, 1980. OSHO Osho de A a Z – um dicionário espiritual do Aqui e Agora. Tradução de Carlos Irineu Costa. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2004. RUIZ, Miguel. Os Quatro compromissos. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. WILBER, Ken. Espiritualidade Integral – uma nova função para religião neste inicio de milênio. Tradução Cássia Nassser. São Paulo: Alef, 2007. WILSON, Robert Anton. Os sete cérebros de Leary. Fragmento de texto na internet, tradução anônima, original datado de 1987.


O MODELO WILBER O pensamento integral de Ken Wilber representa um passo a frente, tanto em relação ao movimento holístico, quanto

do

intersubjetivo

pluralismo dos

relativista

pensadores

pós-

modernos, sejam eles acadêmicos (como Foucault e Deleuze), ou esotéricos (como Castaneda, Osho e Gurdjieff). 1. Complexidade holoquarquica O ponto de partida de Ken Wilber é a necessidade de um único modelo teórico que dê conta de todos os fenômenos: a teoria de tudo. Porém, de uma perspectiva diferente da dos físicos, que, na verdade, aspiram a construir uma 'teoria do todo' monológica e não uma teoria de tudo, capaz de descer a cada domínio específico do conhecimento humano sem perder a visão de conjunto. Aliás, para Wilber, não há um único universo subdivido em partes conexas, nem uma complexidade múltipla sem totalização ou síntese possível, mas um Kosmo (com 'k' em uma referência a noção dos gregos) formado por vários 'holons' (todos-partes) hierarquizados, com uma totalidade sendo parte de outra totalidade em uma escala superior: holon atômico, holon molecular, holon orgânico, holon planetário. A essas hierarquias sistêmicas, Wilber chama 'Holoquarquias' e, ao conjunto dessas redes ontológicas, “a grande Cadeia do Ser e do Saber”.


Para cartografar as holoquarquias, Wilber elabora um complexo castelo de conceitos, cruzando várias teorias e abordagens de diferentes domínios. É um modelo complexo que combina diferentes teorias e outros modelos. Wilber o considera um mapa e lembra que “não devemos confundir o mapa com o território”, que o modelo é apenas uma tentativa de enquadrar e pensar a realidade como uma fisicalidade complexa, que sempre nos escapa. O modelo de Ken Wilber ou IOS (do inglês Integral Operating System) surge do cruzamento e analogia de vários outros modelos e abordagens, e são focados nos vários aspectos da psicologia do desenvolvimento. Os elementos do modelo são os seguintes: a) Os Estados de consciência são realidades subjetivas. A vigília, o sonho e o sono profundo. Wilber acredita que o desenvolvimento desses três estados universais da consciência humana corresponde, em várias mitologias tradicionais, estados de consciência superiores (à experiência dos corpos físico, sutil e causal) e acrescenta ainda a experiência de um quarto estado de consciência superior: a não-dualidade. b) Níveis são “qualidades emergentes relevantes em modo discreto”. Wilber estabelece três: pré-convencional (ou egocêntrico), o convencional (ou etnocêntrico) e o pósconvencional (ou globocêntrico). Os níveis são graduações em uma escala vertical que podem ser subdivididos em unidades menores. No sistema de chackras, por exemplo, os três primeiros (alimento, sexo e poder) correspondem ao egocêntrico; os dois centrais (a comunicação e o 'coração'), ao convencional; e os dois superiores (o psíquico e o espiritual), ao globocêntrico. c) Os níveis são detalhados nos Estágios (ou vMemes) da Espiral Dinâmica (ou Spiral Dynamics Integral – SDI), um modelo em que os diferentes estágios de desenvolvimento psicológico, formando um espectro da consciência. Esse modelo (baseado nos trabalhos de Clare Graves, Don Beck e Richard Cowan) adota as cores como fundamento de diferenciação entre os estágios de desenvolvimento pessoal, para evidenciar seu caráter transitório, não-fixo.


Além dos Estados (horizontais) e dos Níveis/Estágios (verticais), seja da SD ou de outras escalas, o modelo de compreensão do desenvolvimento da consciência proposto por Wilber têm uma terceira dimensão, as Linhas (ou profundidade). d) Há ainda várias Linhas de Desenvolvimento (ou inteligências múltiplas do sentido de Gardner), em que Wilber adota várias abordagens específicas, incorporando diferentes abordagens e autores: moral, afetiva, interpessoal, de necessidades, estética, psicossexual, de valores, espiritual e cognitiva (2006, 133). e) A categoria de Tipo ou de tipologias horizontais é adotada por Wilber para diferenciar a percepção individual do mundo, e pode ser utilizada de vários modos. Pode-se utilizar os 9 tipos do eneagrama, os 16 tipos de Jung ou 4 de MyersBirggs. Wilber ressalta a clivagem por gênero. Mas também se podem considerar as clivagens sociais de faixa etária, classe social, nível de escolaridade, renda, etc. f) O mais importante elemento do castelo teórico de Ken Wilber é a noção de Quadrantes. O Modelo dos Quadrantes consiste em tomar as coisas simultaneamente em quatro dimensões analíticas: o individual subjetivo ou 'eu' (a mente); o individual objetivo ou 'ele' (o cérebro), o coletivo subjetivo ou 'nós' (a cultura); e, finalmente, o coletivo objetivo ou 'eles' (a sociedade).

Assim, se tomarmos um determinado holon como objeto, a família x, por exemplo, teremos que enquadrá-la em quatro perspectivas: as pessoas (a história individual) e os papeis que desempenham (pai, mãe, filho, etc) – primeiro quadrante; o aspecto genético e a estrutura hereditária – segundo quadrante; a relação da família x com outras famílias semelhantes em diferentes aspectos – terceiro quadrante; e, finalmente, as relações econômicas, políticas e sociais da família x: como esse holon famíliar se encaixa na sociedade como um todo, o holon hierarquicamente superior.


Essa perspectiva quádrupla, ou ‘perspectiva integral’, reduz bastante a possibilidade de enfoques reducionistas e tem várias vantagens, em relação às perspectivas tradicionais, modernas e pós-modernas. A abordagem integral pretende integrar a metafísica subjetiva das tradições à objetividade moderna e à contextualização interpessoal pós-moderna em um único enfoque. Além disso, o modelo dos quadrantes também coloca a questão da assimetria entre o individual e o social. Assimetria em dois sentidos. Primeiro: se aplicarmos as linhas, estágios ou níveis a cada quadrante, se observam que as diferentes etapas de desenvolvimento dos indivíduos não correspondem às etapas de desenvolvimento das sociedades, grupos ou outros coletivos,

ou

que,

as

abordagens

que

fazem

essas

associações, ressaltam os aspectos parciais e simplificam processos complexos em função da analogia. Mas, também existe uma assimetria entre singular e coletivo, resultante da aplicação do modelo dos quadrantes a ele mesmo. Nesse caso, Wilber apresenta a distinção entre o Quadrante

simples,

a

perspectiva

do

sujeito,

e

o

Quadrivium, perspectiva de onde se olha o objeto. “Apenas os holons individuais têm ou possuem quatro quadrantes; mas tudo pode ser visto através ou a partir de quatro quadrantes (que, então, são denominados quadrivia).” (2007, 316) Segundo Wilber, os holons individuais passam por estágios obrigatórios (como a Espiral Dinâmica), os holons sociais, não. Também não há uma cognição centralizada nos


holons sociais. Em um ‘sistema-organismo’ (holon individual) há um mônada dominante, e nos holons sociais há, no máximo, um discurso dominante (ou um modo predominante de ressonância mútua). É a conhecida crítica do Nickas Luhmann a Umberto Maturana e Francisco Varela (p. 189): “a sociedade não é um sistema”. O 'Nós', a cultura, é uma subjetividade coletiva, mas não é um super eu coletivo – nem no homem, nem em outros animais gregários. Um exemplo interessante é o de Gaia (a terra vista como ecossistema) não é um único organismo, é um clube (p. 223) ou um conjunto de redes de seres orgânicos e inorgânicos. Tal concepção dá destaque (como Luhmann) à ideia de comunicação, como o fator constitutivo dos sistemas cognitivos sobre os quais os holons sociais se estruturam. Todo castelo conceitual construído por Wilber é um mapa da complexidade, um modelo para

localizar e

compreender fenômenos de múltiplos aspectos e perspectivas da psicologia do desenvolvimento. Por exemplo: Wilber cruza as Linhas com os Níveis, obtendo um psicográfico de desenvolvimento com cinco linhas cognitivas linguístico)

(afetivo, e

cinético,

três

lógico

estágios

de

abstrato,

moral

e

desenvolvimento

(preconvencional, convencional e posconvencional). Assim, um determinado indivíduo pode se encontrar em um nível préconvencional do ponto de vista afetivo (imaturidade) e linguístico, e em um nível pós-convencional do ponto de vista de seu desenvolvimento lógico abstrato.


Ou ainda, o cruzamento entre Estados e Estágios. Os estágios de consciência são permanentes, marcos do desenvolvimento em uma escala vertical (“o sujeito de um estágio se torna objeto do estágio seguinte”) e, como vimos, podem ser representados de várias formas. Os estados de consciência são 'horizontais'. Quando se trata de estados de consciência comuns, são cíclicos e os estados de consciência superiores são eventos passageiros. Pode-se, assim, ser uma pessoa culturalmente atrasada (preconceituosa, moralista) e se alcançar estados elevados de consciência mística; como também se pode ser uma pessoa bastante desenvolvida em vários aspectos éticos e cognitivos; e não se conseguir experimentar transes espirituais. Em nosso caso em particular, estamos interessados em observar como a metodologia integral nos ajuda a entender a simetria cognitiva. 2. A simetria elevada ao quadruplo Uma das vantagens do modelo dos quadrantes é uma reinterpretação dos esquemas tradicionais, que colocam o mundo material como “um reflexo dos mundos superiores” (a mente, a alma e o espírito são anteriores ao corpo). Para Wilber, a “matéria é exterior e não inferior” às dimensões subjetivas. Para as tradições, a simetria não é hipotética, mas sim metafísica; e Wilber tenta inverter essa predominância do subjetivo sobre o material, estabelecendo sua equivalência e diferenciando suas dimensões individual e coletiva. Coloquese, por exemplo, a questão da simetria cognitiva como um conflito entre a realidade sensorial e o sonho.


O xamã mexicano Don Miguel Ruiz (2005), no entanto, diz que sonhamos o tempo todo. Quando estamos acordados, nosso sonho tem um enquadramento perceptivo, a realidade, mas nossos pensamentos e sentimentos, todo sistema de crenças de nossa sociedade, fazem parte da atividade onírica, sendo que de forma coletiva. Segundo Ruiz, há, assim, dois sonhos em desenvolvimento: o sonho coletivo que chamamos de realidade – “o tonal, a primeira atenção, sonho do inferno ou o sonho da vítimas” – e o sonho dos guerreiros, um sonho alternativo de realidade - “o nagual, o sonho da segunda atenção”, o invisível. Para Miguel Ruiz (em consonância com os autores do esoterismo pós-moderno: Osho, Castaneda, Gurdjieff), somos “domesticados através do medo”, nos tornamos escravos das expectativas alheias e de nossas próprias exigências. Medo não simplesmente de ser punido ou morto, mas principalmente de ser rejeitado, de não ser amado. A sociedade destrói nossa autoconfiança e nos ensina a confiar nas instituições e no sistema de crenças. A própria sociedade nada mais é que uma crença que depende de outras e toda sua estrutura é auto hipnótica. Com a socialização, se perde a confiança, se adota crenças e se elaboram máscaras para esconder nossa intimidade dos outros. E mais: o sistema de crenças é uma estrutura parasita de energia. Para ele, vivemos em um sonho coletivo que nos aliena de nossas vidas e nos mantêm cativos em uma realidade virtual. Somos prisioneiros uma ‘Matrix’ formado por nossas crenças e valores.


Para Ruiz, é preciso retomar nossa capacidade de sonhar, libertando nosso sonho pessoal do sonho coletivo do medo de exclusão, sonho de domesticação social engendrado pela sociedade humana; e também é necessário, em conjunto com

outros

sonhadores

consciente,

compreender

e

transformar esse sonho social de destruição planetária, dando um salto evolutivo de grandes proporções para consciência humana.

O sonho do medo coletivo só poderá ser

transformado com grande número de sonhadores que desejem a liberdade pessoal. Ruiz acredita que podemos romper com o sonho social de medo tecendo um novo sonho: “o paraíso ou o sonho da segunda atenção”. Transpondo essas ideias para a linguagem de Wilber, poderiamos dizer: vários novos sonhos individuais e subjetivos (do primeiro quadrante) podem alterar o sonho coletivo e objetivo (do quarto quadrante)? Ou ainda, afirmar na linguagem

de

Leary/Wilson

que

quando

um

número

significativo de consciências se perceberem como luz (circuito neuroatômico), a relação de nossa espécie com o planeta e com a vida (o sistema neurosomático humano com o meio ambiente) se modificará. SUBJETIVO

OBJETIVO

INDIVIDUAL

1. Consciência - eu quântico

2. Ego - circuito neurogenético

COLETIVO

3. Mente - circuito neuroelétrico

4. Personalidade - circuito neurosomático

Se o modelo teórico integral de Wilber, por sua abrangência e complexidade, permite encontar pontos comuns


entre diferentes autores, ele também aponta diferenças e recoloca a questão da simetria em termos de uma inversão interior/exterior

do

esquema

tradicional:

para

Ruiz,

o

pensamento xamanico e as tradições em geral, a “Verdade está na segunda atenção, no nagual”; enquanto para Leary/Wilson

e

o

pensamento

extraordinária

é

apenas

uma

científico,

a

possibilidade

cognição virtual

de

desenvolvimento. No modelo Leary/Wilson, o 1º quadrante representa a Consciência (a percepção do universo material) e a possibilidade

de

desenvolvimento

de

um

circuito

neuroatômico, ou uma Consciência Quântica (percepção do universo como energia). Esta oposição corresponde também às noções de Tonal (mundo dos objetos e das coisas, em que a matéria é uma partícula) e Nagual (universo de energia, em que a matéria é uma onda). O 2º quadrante representa o Ego (a identidade estruturada a partir do Outro) e a possibilidade de desenvolvimento de um circuito neurogenético (e de reeducação das tendências genéticas e hereditárias). O 3º quadrante

representa

a

Mente

e

a

possibilidade

de

desenvolvimento de circuito neuroelétrico (o que significa mais autonomia interpessoal). E, o 4º quadrante representa a Personalidade e a possibilidade de desenvolvimento de um circuito neurosomático (o que equivale à relação da espécie humana com a vida orgânica e com o meio ambiente). Posta no quarto quadrante, a Personalidade não é apenas a identidade cognitiva mais externa, mas também, uma estrutura coletiva, uma tipologia produzida socialmente. A personalidade é produto social. E a reforma da personalidade


e o despertar de uma identidade neurosomática implicam na combinação de esforços coletivos, individuais, objetivos e subjetivos. 3. O salto quântico Assim, o modelo de Wilber aponta que esse salto evolutivo da consciência para centelha divina (no primeiro quadrante) e do papel da humanidade em relação ao planeta (no

quarto

quadrante)

implica

também

em

mudanças

estruturais em nossa cultura intersubjetiva (na formação do ego no segundo quadrante) e na ampliação responsável da individualidade objetiva (da reprogramação coletiva da mente no terceiro quadrante). Investigando simultaneamente os quatro quadrantes, Wilber considera que estamos fazendo a passagem do nível convencional

para

o

pós-convencional,

baseado

na

coordenação não arbitrária das relações, em que seja possível uma desregulamentação, em que as diferenças e as pluralidades possam ser integradas em fluxos naturais interdependentes. O nível convencional é democrático, comunitário,

ecológico.

Chega

a

decisões

através

do

consenso em debates intermináveis. Valores fortemente igualitários, anti hierárquicos e pluralistas, construção social da realidade, diversidade, subjetivismo, multiculturalismo, sistemas de valores relativistas; esta visão do mundo é designada por Wilber de ‘pluralismo relativista’. No

nível

pós-convencional,

o

igualitarismo

é

complementado com graus naturais de hierarquia e de excelência. O conhecimento e a competência devem tomar o


lugar do poder, do estatuto ou da sensibilidade grupal. As principais prioridades são a flexibilidade, a espontaneidade e a funcionalidade. A grande dificuldade da passagem do nível de relacionamento convencional para o pós-convencional é a questão da autoridade. No paradigma convencional, a autoridade é eleita e, no paradigma pós-convencional, ela é natural e técnica (embora reconhecida por todos). A dificuldade em distinguir as hierarquias sociais impostas das hierarquias naturais (ou holarquias, como chama Wilber) é que nos impede de entrar em um nível pós-convencional. Além dos níveis, Wilber analisa a escala dos estágios (a SDI) nos quatro quadrantes e chega algumas observações interessantes. A SDI é um processo emergente, oscilante e marcado por uma progressiva subordinação de sistemas de comportamento mais antigos e de ordem inferior a sistemas mais recentes, de ordem superior, que ocorrem à medida que os problemas existenciais se alteram. Ela tanto serve para humanidade como um todo (no sentido evolutivo e no sentido de estrutura social atual) como para o desenvolvimento individual (biográfico e de níveis de percepção). E cada um dos quadrantes tem agentes em diferentes estágios da escala. Por exemplo: há pessoas no estágio amarelo em países no estágio laranja. Wilber faz projeções sobre quantas pessoas se encontram em cada estágio atualmente: no estágio arcaico (bege) 0,1%; no estágio animista (púrpura) 10%; no imperialismo feudal (vermelho) 20%; no estágio mítico (azul) 40%; na modernidade (laranja) 30%; e no estágio pósmoderno (verde) 10%.


Estágio

Aprendizado

Pensar

Valores

Motivação

Bege

Ambiente

Instintivo

Sobrevivência

Imediata

Purpura

Tribal

Mágico

Étnicos

Segurança

Vermelho

Grupal

Egocentrico

Poder

Dominação

Azul

Social

Absoluto

Universais

Verdade

Laranja

Cultural

Materialismo

Científico

Riqueza

Verde

Comunitário

Relativo

Cooperação

Liberdade

Amarelo

Existencial

Integral

Aceitação

Autonomia

Coral

Complexo

Holístico

Espiritual

Integração

Nesta

perspectiva,

representam

as

ondas

comportamentos

bege

e

púrpura

'egocêntricos

pré-

convencionais', avessos às regras e instituições sociais; as ondas vermelha e azul representam (60% da população mundial)

os

dois

comportamentos

'etnocêntricos

convencionais', de imposição e conformidade com as regras; e as ondas laranja e verde (30%) correspondem a aos comportamentos

'mundicêntricos

pós-convencional'

consciencioso e individualista. Segundo Wilber (2002, 20-24), estamos em um momento de crescimento da onda verde e próximo de salto para um pensamento de segunda ordem, a onda amarela. O pensamento esotérico pós-moderno (o estágio verde) se localizam principalmente no primeiro e quarto quadrantes,

priorizando

a

consciência-percepção,

o

descondicionamento e a atitude ecológica como fatores para um 'salto quântico'; e, consequentemente, secundarizando o


segundo e terceiro quadrantes ou os fatos de que para reformar o Ego é preciso reestruturar nossa memória genética sobre medo e sobrevivência (por exemplo: como educar as crianças? Se as domesticamos através do medo, porque não a educação? O pensamento pós-moderno prefere culpar a estrutura familiar e não a instituição escolar. Como também, para modificar a Mente coletiva, é preciso entender o papel estratégico das drogas (das substâncias psicoativas) e das redes de computadores na sociedade contemporânea. Só compreendendo esses dois pontos é possível produzir indivíduos e grupos com mais autonomia sistêmica e menos dependência entre si e tornar o salto quântico da consciência uma realidade. O pensamento tradicional, ao inverso do esoterismo pós-moderno, se enraizava justamente no segundo e terceiro quadrantes: a) na formação do ego pela educação religiosa como uma mediação entre o instinto e o espírito; e b) nas imagens

e

narrativas

míticas

como

mediações

das

comunidades com o sagrado. Em contrapartida, as tradições neglicenciam o primeiro e o quarto quadrantes: a liberdade pessoal e a justiça social (no sentido, de aceitar e promover mudanças estruturais históricas voltadas para diminuição das desigualidades sociais). Nada mais lógico, do que o pensamento

esotérico

contemporâneo

se

coloque

e

desenvolva justamente nesses espaços negligenciados pela tradição. Porém, a ocupação destes espaços negligenciados teve como consequência, a rebaixamento dos quadrantes onde a tradição era mais forte: a educação e a cultura.


Agora, no entanto, chega a hora do pensamento contemporâneo

ocupar

os

quatro

quadrantes

simultaneamente, entrando no 'estágio amarelo'.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LEARY, Timothy. As sete línguas de Deus. New York: Thompson and Brothers,1961. RUIZ, Miguel. Os Quatro compromissos. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. WILBER, Ken. Espiritualidade Integral – uma nova função para religião neste inicio de milênio. Tradução Cássia Nassser. São Paulo: Alef, 2007. ____O Paradigma Holográfico e Outros Paradoxos. São Paulo: Cultrix, 1991. ____O Espectro da Consciência. São Paulo: Cultrix, 1996. ____Transformações da Consciência. São Paulo: Cultrix, 1999. ____O Projeto Atman: Uma Visão Transpessoal do Desenvolvimento Humano. São Paulo: Cultrix, 2000. ____Uma Breve História de Tudo. São Paulo: Via Óptima, 2002. ____Psicologia Integral: Consciência, Espírito, Psicologia, Terapia. São Paulo: Cultrix, 2002. ____Teoria de Tudo – uma visão integral para os negócios, a política, a ciência e a espiritualidade. Tradução Denise de C. Rocha Delela e Rogério Tadeu Correa de Leão Lima. São Paulo, Cultrix, 2003. WILSON, Robert Anton. Os sete cérebros de Leary. Fragmento de texto na internet, tradução anônima, original datado de 1987.


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