xilogravura
NĂŁo Tem Ctrl + Z
Marcelo Dola
Marcelo Dolabella de Amorim
Xilogravura não tem Ctrl + Z
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Habilitação: Gravura Orientadora: Eliana Ribeiro Ambrósio
Belo Horizonte Escola de Belas Artes/UFMG 2017
Abraço à todos aqueles que me abraçaram neste percurso.
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Dola
Indice de Imagens Figura: 01 Figura: 02 Figura: 03 Figura: 04 Figura: 05 Figura: 06 Figura: 07 Figura: 08 Figura: 09 Figura: 10 Figura: 11 Figura: 12 Figura: 13 Figura: 14 Figura: 15 Figura: 16 Figura: 17 Figura: 18 Figura: 19 Figura: 20 Figura: 21 Figura: 22 Figura: 23 Figura: 24 Figura: 25 Figura: 26 Figura: 27 Figura: 28
Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 10x10cm /2007 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 14x5cm /2012 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 15x10cm /2011 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcel Duchamp / Ready Made / Bycycle Wheel - 1963 e Fountain - 1917 / Fonte: Arte y matrimonio. In: La fee aux miettes [blog]. Publicado em: 10 abr. 2016. Disponível em: http://miette-lafeeauxmiettes.blogspot.com.br/. Acesso em: 16 jun. 2017. Autor: George Braque / Pintura óleo / Le Jour - 1929 / Fonte: National Gallery of Art. Site oficial da Galeria nacional de arte de Washington DC. Disponível em: https://www.nga.gov/content/ngaweb/audio-video/ audio/collection-highlights-east-building-english/still-life-le-jour-braque.html. Acesso em: 23 jun. 2017. Pablo Picasso / Ready Made / Bull`s Head - 1942 / Fonte: Daniel. The rise of africa. In: Evoke [blog]. Publicado em: 21 jan 2012. Disponível em: http://www.evoketw.com/%E9%9D%9E%E6%B4%B2%E6%99%8 2%E5%B0%9A-%E9%A2%A8%E7%94%9F%E6%B0%B4%E8%B5%B7.html Acesso em: 16 jun. 2017. Autor: Marcelo Dola / Lambe-Lambe / Mulheres Notícia / 150x80cm / 2014 / Arquivo Pessoal. Autor: Robert Rauschenberg / Combine Pain / Tattoo (Spread) / 187,3x245,4x48,3cm / 1980. Fonte: HUNTER, Sam. Robert Rauschenberg: Works, Writings and Interviews. Barcelona, Ediciones Polígrafa, 2006. 126.p. Autor: Miguel Gontijo / Pintura óleo / Lunário - AST / 143x125cm / 2016. Fonte: GONTIJO, Miguel. Almanaque. Belo Horizonte: [s.n.], 2016. 4p. Catálogo de exposição. 21 jun-24jul. 2016, Casa Fiat de Cultura. p.4. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 21,5xcm /2014 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 24,5x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Reprodução fotografia retirada do folder da Abril Cultural: Onde Você Estava Entre 1960 e 1980? / 5x5cm 1981 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 23,5x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Reprodução fotografia retirada do folder da Abril Cultural: Onde Você Estava Entre 1960 e 1980? / 5x5cm 1981 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Ampliação e reprodução xerográfica retirada da fotografia do folder da Abril Cultural: Onde Você Estava Entre 1960 e 1980? / 20x20cm 1981 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 30x20cm /2013 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Matriz Compensado de Pau Marfim / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Matriz Linóleo / 23,7x11,6cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Reprodução fotografia retirada do folder da Abril Cultural: Onde Você Estava Entre 1960 e 1980? / 5x5cm 1981 / Arquivo Pessoal. Ampliação e reprodução xerográfica retirada da fotografia do folder da Abril Cultural: Onde Você Estava Entre 1960 e 1980? / 20x20cm 1981 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. 06
p.05 p.09 p.10 p.11 p.12 p.13 p.13 p.14 p.15 p.16 p.17 p.18 p.19 p.20 p.20 p.20 p.21 p.21 p.22 p.23 p.24 p.25 p.26 p.26 p.26 p.27 p.27 p.28
Figura: 29 Autor: Saul Steinberg / Tinta sobre papel / Untitled / 1957 / Publicado originalmente na The New Yorker, 11.01.1958. Fonte: STEINBERG, Saul. Reflexos e sombras. Colaboração de Aldo Buzzi; Tradução de Samuel Titan Jr. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2011. 89.p. Figura: 30 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 31 Autor: Félix Vallotton / Gravure sur bois / Apprêts de visite (Intimités) / 17,7x22,3cm / 1898. Fonte: MONNIER, Jacques. Félix Vallotton. Paris: Editions Rencontre Lausane, 1970. 97p. Figura: 32 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 33 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 34 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 35 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 36 Autor: Basil Wolvertoin / Tira em quadrinhos de Al Capp que trás pela primeira vez o personagem desenhado por Wolverton, Lena, a hiena. Fonte: PERICÁS, Luiz Bernardo. O mundo louco de Basil Wolverton. In: Blog da Boitempo [Blog]. Publicado em: 24 de julho de 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo. com.br/2015/07/24/o-mundo-louco-de-basil-wolverton/. Acesso em: 12 março 2017. Figura: 37 Autor: Robert Grumb / Detalhe de História em quadrinhos. Fonte: PORRADA!. São Paulo: Galvão Editora e Distribuidora Ltda, nº.03 Mai 1988. , São Paulo. p.03.
p.29
Figura: 38 Autor: Angeli / Detalhe de História em quadrinhos. Fonte: CHICLETE COM BANANA. São Paulo: Circo Editorial, Agosto de 1990. p.36. Edição Histórica 25 Anos - Histórias de Amor. Figura: 39 Autor: Marcatti / Detalhe de História em quadrinhos. Fonte: LASCA DE QUIRICA. São Paulo: Edição de Autor, nº.01, Outubro de 2015, p.22. Figura: 40 Autor: Basil Wolvertoin / Auto-retrato do quadrinista, caricaturista e ilustrador Basil Wolverton (19091978). Fonte: PERICÁS, Luiz Bernardo. O mundo louco de Basil Wolverton. In: Blog da Boitempo [Blog]. Publicado em: 24 de julho de 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/07/24/o-mundo-louco-de-basil-wolverton/. Acesso em: 12 março 2017. Figura: 41 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 42 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 15x10cm /2011 / Arquivo Pessoal. Figura: 43 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 15x10cm /2011 / Arquivo Pessoal. Figura: 44 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2012 / Arquivo Pessoal. Figura: 45 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 23,7x11,6cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 46 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 23,7x11,6cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 47 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 48 Autor: Emil Nolde / Xilogravura / Jestri / s/d. Fonte: WESTHEIM, Paul. El Grabado en Madera. Traduccion Mariana Frenk. México, Fondo de Cultura Econónica, 1954. p.179. Figura: 49 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 50 Autor: Rubem Grilo / Xilogravura / Sociedade Hípica / 23x33cm / 1998. Fonte: Rubens Grilo: xilográfico, 1985-2010. Textos de Ferreira Gullar e Adriana Maciel Rio de Janeiro: Artepadila, 2010. 84p. Catálogo de exposição. 3 Set. - 10 out. 2010, Caixa Cultural Salvador; 23 out. - 28 nov. 2010, Caixa Cultural São Paulo. Figura: 51 Autor: Dila - José Cavalcanti e Ferreira - / Xilogravura / s/d. Fonte: ACCIOLI, Marcus. Guriatã: um cordel para menino. Ilustrações José Cavalcanti e Ferreira (Dila). 2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1988. p.151. Figura: 52 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Impressão /2014 / Arquivo Pessoal. Figura: 53 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Sem título / 20x20cm /2016 / Arquivo Pessoal. Figura: 54 Autor: Marcelo Dola / Xilogravura / Detalhe de Monotipia /2016 / Arquivo Pessoal.
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p.35 p.36 p.36 p.37 p.38 p.38 p.39 p.40 p.40 p.41 p.42 p.43 p.46 p.48
Sumário
1.
Introdução
p. 10
2.
CAVAR – GRAVAR – ENTALHAR?
p. 11
3.
Apropriação como Método de Trabalho
p. 12
4.
Modus Operandi
p. 18
4.1 - Primeiras Matrizes
p. 18
4.2 - Transferência de Imagem
p. 20
4.3 - Linhas Descontínuas, Inversão e Criação
p. 20
4.4 - Fio e Contra Fio
p. 21
4.5 - Distorções da Imagem Transferida
p. 22
4.6 - Desenho sobre Transferência
p. 23
4.7 - Desenhando com a Goiva
p. 25
4.8 - Manchas
p. 26
4.9 - Interpretação da Imagem
p. 27
4.10 - Linhas
p. 29
4.11 - Em Busca de Texturas
p. 31
4.12 - Texturas nos Cabelos
p. 34
4.13 - Impressão
p. 36
5.
Gravura de Autor
p. 39
6. Desdobramentos
p. 43
7. Referências
p. 44
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Dola
1 - Introdução O ponto de partida deste trabalho foi o uso de imagens fotográficas originalmente encontradas em jornais e publicidade em geral. Lembrei-me de Barthes: “A imagem fotográfica é plena, lotada: não tem vaga, ela não se pode acrescentar nada.” (BARTHES,1984, p.133). Mas refletindo indaguei, será? Pois, partindo das fotografias editei-as livremente, excluindo ou acrescentando elementos, desvinculando-as de seus veículos e de suas funções por meio de deslocamento gráfico. Minha intenção era a de instalar nestas imagens outra aura, diferentemente da fotográfica. Neste ponto, entra a xilogravura. A escolha das imagens deu-se pela precariedade de sua resolução como ponto de partida, e não pela notícia, propaganda ou carga histórica que lhe acompanha. Prefiro trabalhar com temas não tradicionais, tais como, as imagens encontradas nos veículos de massa. “Às vezes, é mais cômodo fazer arte com os grandes temas, fechando-a em si mesma, pintando gregos, tratando das grandes ideias, do que falando do dia-a-dia, falando do arroz-com-feijão, do transporte, do sistema de poder...” (GRILO, 1985, p.26). As imagens escolhidas foram retiradas de um folder promocional sobre a venda de enciclopédias dos anos 80, referente ao período entre as décadas de 60 a 80, o qual trazia em sua primeira página o seguinte escrito: ONDE VOCÊ ESTAVA ENTRE 1960 E 1980? Um dos objetivos deste trabalho é elevar o status destas imagens para além de seu significado temporal. Para tanto, escolhi a técnica da xilografia, técnica de produção de imagens usada há centenas de anos, a qual valoriza contrastes, texturas, linhas, manchas, pontos como elemento expressivo, em contraponto ao apelo histórico/figurativo das imagens fotográficas originais. À semelhança da Pop Art, que elevou imagens banalizadas da mídia a objeto artístico, minha intenção é resgatar estas imagens utilizadas de maneira meramente ilustrativas, que se encontram em peças gráficas de baixa qualidade, transformando-as em painéis gráficos únicos, como forma de elevá-las a um lugar diferente para o qual elas foram pensadas originalmente.
“Com a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira vez tecnicamente reprodutível, muito antes que a imprensa prestasse o mesmo serviço para a palavra escrita. Conhecemos as gigantescas transformações provocadas pela imprensa – a reprodução técnica da escrita.” (BENJAMIN, 1994, p.166) 03
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2 - CAVAR – GRAVAR – ENTALHAR? A prática da xilogravura leva a uma série de reflexões acerca não somente do fazer, mas também na maneira de como eu me relaciono com os materiais envolvidos nesta prática. No entanto, ao longo do trabalho, surgiu uma reflexão que muito me fez pensar sobre o ato de trabalhar a madeira, e de como denominar este ato? Cavar, gravar ou entalhar? O dicionário desvenda este embaraço: A) ” cavar v.t.d 1. Revolver ou furar (a terra) com enxada, picareta, etc. 2. Furar. 3. Dar forma a, cavando: cavar uma sepultura. 4. Extrair, cavando. 5. Aumentar cava (2)ou gancho (2) em (vestuário). 6. Esforçar-se por adquirir. Int. 7. Trabalhar cavando [v.cavar (1)]. 8. Bras. Lutar duramente pela subsistência. [C.:1}§ cavado ca.va.do adj.” (FERREIRA, 2004, p.222) B) “gravar1 vtd 1. Grav. Abrir com buril, cinzel, etc. 2. Grav. Entalhar com formão, talhadeira, etc. 3. Grav. Entalhar, fixar ou fazer corroer (imagens e eventualmente letras), para posterior impressão. 4. Fazer gravação (2) de. 5. Memorizar. 6. Registrar (sons, imagens, informações para computador) em algum tipo de suporte (ger. Magnético) para posterior reprodução ou processamento. [C.: 1]” (FERREIRA, 2004, p.440) C) “entalhar vtd.1. Abrir cortes em (madeira ou objetos de madeira) para criar uma escultura, ou a matriz duma xilogravura; esculpir, gravar. [C.; 1]” (FERREIRA, 2004, p.352) No meu imaginário, gravar está ligado a fitas de VHS e K7, ou seja, ao áudio visual. Gostava de usar o termo cavar para denominar o preparo de uma matriz, pois, em muitos momentos me sentia, de fato, cavando a madeira, assim como um coveiro abre uma cova. Foi então que ouvi o termo entalhar, e logo me apeguei a ele, porque entalhar está ligado somente a madeira, e a um modo mais artesanal de se lidar com o suporte. Daí, passei a usar a palavra entalhar para designar o meu ato de fazer xilogravura. 04 “Com o tempo o processo de gravação em vez de ser simplificado, foi aos poucos se complicando, se tornando mais difícil. E eu até fico avaliando o que isso significa para mim, por que acho que, nessa evolução, a gente acaba sendo mais vítima do que beneficiário do desenvolvimento que a gente se propõe. Por outro lado, sinto que esta própria evolução exige que eu procure novos caminhos, onde toda atuação anterior deve ser repensada.” (GRILO, 1985, p.46)
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3 - Apropriação como Método de Trabalho
“Do simples nada não é possível fazer coisa nenhuma. ”(GROSZ, 2001, p.280) O ato da apropriação nas artes visuais, hoje algo corriqueiro, surgiu no período das vanguardas artísticas no final do século XIX início do século XX, e teve no movimento Dadaísta sua afirmação como proposta artística. Artistas como Marcel Duchamp, Georges Braque e Pablo Picasso deram início à utilização de materiais de uso cotidiano, tais como, jornais, revistas em suas colagens para em seguida, apropriarem-se de outros objetos tridimensionais e realizar seus ready mades, como o Urinol de Duchamp de 1917.
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Marcel Duchamp
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Georges Braque
“O uso de imagens de segunda geração, ou imagens apropriadas, tornou-se uma prática comum no século XX, acompanhando o desenvolvimento dos processos de reprodução fotomecânica de imagens. A imagem é percebida como um palimpsesto, que remete a imagens anteriores a ela.” (CADÔR, 2016, p.389)
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Pablo Picasso
“Não escrevo mais – para que escrever? Tudo o que há de belo já foi dito e bem dito. Em vez de fazer uma obra, é talvez mais sábio descobri-la, nova, sob as antigas.” (FLAUBERT, Gustave, 1981 apud CADÔR, 2016, p.389)
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O ato de apropriar é prática usual em meus trabalhos, seja no suporte, nos materiais ou mesmo nas referências utilizadas. Sempre busco me valer de materiais já utilizados em outros contextos e os trazer para meus trabalhos.
“...com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual. A obra de arte reproduzida á cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida.”(BENJAMIN, 1994, p.171)
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Neste trabalho em xilogravura, a apropriação das imagens, que foram transferidas para a matriz, foi parte fundamental da prática, pois tudo que realizei foi pensado a partir da imagem do folder. Sem elas nada seria possível. 14
Robert Rauschenberg é uma grande referência no quesito apropriação de materiais. Suas colagens e combine pain ting, prática de agregar à tela vários tipos de materiais e técnicas simultâneas, são de grande inspiração para o meu trabalho, principalmente aquelas em que ele utiliza a serigrafia de imagens fotográficas e foto transferência na composição.
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Robert Rauschenberg
Outra referência, no campo da apropriação, é a de Miguel Gontijo, pintor mineiro que impressiona por seus grandes painéis, nos quais à semelhança de uma enciclopédia, insere todo o tipo de imagem da mídia e da publicidade, criando uma narrativa histórica; um labirinto de referências da cultura pop.
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Miguel Gontijo
10 “Grande parte destas pinturas são apropriações de imagens coletadas na internet. Há de se interrogar porque esta tendência em reviver a partir de obra de outros autores. Acredito que essa é uma forma de me sentir parte de uma cadeia, em busca de identidade. Essas imagens não são apenas citações, e sim uma “certidão de posse”, de identificação. Talvez uma farsa explícita, como se eu estivesse “corrigindo” e desviando essas imagens do seu estado natural. É como se eu copiasse a aura das imagens que vejo, gerando um movimento não linear, de contrapontos e contrastes, no qual a harmonia criada não esconde sua artificialidade.” (GONTIJO, 2016, P.2) 16
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4 – Modus Operandi “Não me escoro em outro e nem cachaça O que fiz tinha muita procedência Eu me seguro em minha palavra Em minha mão, em minha lavra” O Rappa O Modo de se fazer xilogravura é para mim algo único do ponto de vista da experiência plástica. Poder perceber que certos procedimentos planejados se dissolvem rapidamente quando a imprevisibilidade dos materiais e ferramentas entram em cena, mostrou-se como um dos aprendizados primeiros deste trabalho. Os relatos que descrevo a seguir foram escritos simultaneamente durante a prática do fazer, o que pode trazer em certos momentos um excesso de pessoalidade, mas acredito que traz junto uma carga de verdade minha; verdade esta que fui entalhando junto com a prática.
“Eu acho que nós aprendemos coisas, mas quando experimentamos é diferente, é descoberta! Na arte, a descoberta é fazer. (TUNEU apud CADERNOS... ,2015, p.10)
“Após ter lido a opinião do famoso Adolph Von Menzel de que somente o trabalho constante e dedicado era mais importante do que o talento, decidi imitá-lo. Passei então a desenhar de maneira que fosse possível, em pé, deitado, sentado, dormindo.” (GROSZ, 2001, p. 44)
12 4.1 - Primeiras Matrizes
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Utilizei o seguinte método de trabalho: no primeiro momento tinha, oito suportes de linóleo e vinte e dois de madeira para trabalhar. Transferi as imagens correspondentes para cada tipo de suporte, de acordo com o que achei mais apropriado, tendo em vista suas características e complexidade de gravação. Depois, decidi que gravaria todas as matrizes de uma só vez, e, só então, faria as impressões de teste a fim de fazer possíveis correções. Este método mostrou-se bastante eficiente na questão da velocidade de gravação. Consegui realizar a gravação de todas as trinta matrizes em um período de aproximadamente três meses, o que deu muito fôlego ao trabalho, pois somente depois de inicia-lo pude perceber que se tratava de uma tarefa árdua para um trabalho de TCC em gravura, tendo em vista o período de tempo que dispunha para realiza-lo. 18
Então, parti para a impressão dos primeiros testes já no mês de agosto de 2016. Consegui imprimir todas as trinta matrizes em um único dia, utilizando a prensa e imprimindo quatro matrizes simultaneamente. O resultado foi o seguinte: dezoito impressões considerei boas, ou seja, que não necessitam que retornasse às matrizes para corrigir algum problema. Para as demais foi preciso voltar e solucionar problemas; desde uma linha que por descuido foi esquecida, áreas que foram retiradas indevidamente, formas mal trabalhadas, composições com fraco nível de interesse. Essas matrizes foram retrabalhadas até que os problemas detectados foram solucionados. “...Pode acontecer de o trabalho ter de ser feito várias vezes, o que não significa que não esteja bem desenhado, mas sim que o desenho não tem mistério, não bate como se fosse algo novo.” (GRILO, 1985, p.40) 13
Dola Teste de impressão com anotações de possíveis alterações. 19
4.2 - Transferência de Imagem
Escolhi trabalhar com a técnica de transferência de imagens utilizando thinner nas imagens previamente xerográficas. A intenção era poder trabalhar sobre a imagem como ela se encontrava em seu estado original, sabendo que no momento da gravação a linguagem da xilogravura predominaria como técnica, transformando a imagem original em outro elemento plástico. Contudo, no momento do entalhe da matriz, observei que era necessário realizar adaptações na imagem transferida: áreas de luz deveriam ser suprimidas em contrapartida de outras áreas de sombra a serem criadas, o mesmo valia em relação as linhas. Por se tratarem de linguagens diferentes, imagem fotográfica e matriz xilográfica comportam-se de formas distintas e suas especificidades devem ser respeitadas. Assim sendo, realizei as alterações que julguei necessárias no momento do entalhe da madeira.
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Dola Três estágios da imagem: Fotografia, teste de impressão e impressão final. 4.3 - Linhas Descontínuas, Inversão e Criação Quando existe na imagem uma grande mancha gráfica, e esta mancha é representada por linhas de espessura muito fina, é natural, ao trabalhar em suporte compensado, que estas linhas se quebrem em algum ponto pela própria característica do material. Cabe, nestes casos, uma adaptação na imagem para que estas linhas descontínuas, não planejadas, entrem em sintonia com o restante da imagem e não gerem ruído. Desta maneira, foi necessário usar estes “acidentes gráficos” a favor da composição, levando-os para outras áreas da imagem, a fim de dar uma maior coerência para todo o conjunto. 20
Outra possibilidade de mudança de direção durante o entalhe da matriz xilográfica, faz-se em relação a escolha de quais áreas a se gravar ou não. Como parti de imagens que já possuíam um alto contraste, o natural, penso, seria trabalhar retirando as áreas em branco para que o resultado saísse sem surpresas indesejadas. Só que ao deparar-me com algumas imagens, percebi que o inverso funcionava melhor. Assim, trabalhar retirando as áreas escuras possibilitou uma inversão em relação a imagem original no momento da impressão, gerando soluções imprevisíveis.
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Dola
Inversão da imagem em relação ao original.
4.4 - Fio e Contra Fio Existem detalhes, nuances do trabalho que só se pode perceber durante o ato do fazer. A experiência da prática mostrou-se muito importante sobre vários aspectos que a princípio não me ocorreram. A orientação da madeira quanto ao fio de corte foi um desses detalhes. Utilizando compensado para o entalhe, ao se trabalhar contra o fio da madeira, o corte mostra-se muito mais complicado, e, não raro, ocorrem quebras e lascas em áreas indesejáveis. Só após sofrer bastante com estes entraves, percebi que este problema poderia ser amenizado, se, no momento da transferência da imagem, eu tivesse observado quais as linhas principais da imagem deveriam ser retiradas e alinhasse a isso à fibra do compensado. Esta ação, sem dúvida, favorece o ato de gravar. 21
4.5 - Distorções da Imagem Transferida
A imagem original, retirada do folder promocional de venda de enciclopédias, é bem pequena. Mede aproximadamente 5x5cm. Além da imagem, existe, de ponta a ponta, na parte inferior, uma pequena legenda sobre a imagem em questão. Ao escanea-las e as ampliar, forcei ao máximo o contrastes, a fim de realçar o efeito de claro e escuro. Essas ações, em alguns casos, distorceram algumas imagens, a ponto de não ser mais possível identificar algumas formas e/ou áreas. Em um primeiro momento, vali-me da cópia da imagem em tamanho 20x20cm para tentar desvendar as formas perdidas. Depois, voltei ao folder original, com o auxílio de uma lupa, na tentativa de solucionar o problema, mas houve momentos, nos quais utilizei a livre criação para suprir estas distorções. Mais tarde, percebi que desenhar sobre a imagem transferida era a melhor solução para estas questões, pois deixava ali sobre a foto uma carga pessoal muito forte, trazendo muito mais da singularidade do meu traço em desenho. Isso, a meu ver, em algumas ocasiões, ajudou bastante na estruturação das imagens xilográficas. Porém, houve situações em que a escolha foi por deixar de lado certas matrizes que apresentavam estes problemas. Achei por bem abandona-las, pois, já não mais apresentavam as mínimas características das referências fotográficas das quais parti, sendo assim, saiam completamente do propósito ao qual me propus trabalhar. 19
Imagem xerográfica abandonada durante o percurso. 22
4.6 - Desenho sobre Transferência “...para mim o desenho não deixou de ser um veículo também.” (TUNEU apud CADERNOS... ,2015, p.10) Após realizar a impressão das primeiras trinta madeiras, notei que algumas imagens não saíram como havia imaginado, então, para a nova etapa de gravação, procurei ter mais cuidado com a imagem no processo de pré-gravação, ou seja, antes de dar início ao entalhe da madeira. Depois de ter transferido as imagens em impressão xerográfica para a madeira, resolvi retornar ao folder original para comparar as duas imagens em buscas de dissonâncias. Com o intuito de corrigir distorções na imagem, cortes abruptos, formas indecifráveis, em alguns casos, foi necessário criar junto a imagem original, formas que não existiam até então. Assim, as eventuais perdas no processo de transferência foram sanadas por meio do desenho. Mais do que seguir um roteiro pré-determinado, no qual a imagem transferida na madeira servisse de base para sua reconstrução, senti a necessidade da criação de novos caminhos pelos quais, mais tarde, a goiva passaria. Assim, tentei criar um meio para que a imagem pudesse funcionar como xilogravura e o desenho fez-se presente de uma forma inesperada, mas necessária. E, fazer com que estas novas imagens comungassem com as imagens já presentes na matriz, foi um dos desafios com que me deparei no decorrer do processo do fazer, para que a composição, como um todo, viesse a funcionar de maneira mais harmônica. E foi desenhando sobre as imagens impressas nas madeiras, que notei que este processo por si só já era um trabalho interessante. Futuramente, posso me valer desse ato, que em um primeiro momento serviu somente como recurso para solucionar um problema, e fazer dele uma nova pesquisa plástica.
“Nas minhas experiências científicas com o desenho nunca encontrei uma definição de desenho no livro, mas sim na prática, nela consigo encontrar uma definição que é indizível, que está no universo das palavras. Então pra mim a prática é importante pra isso, pra você ter um contato com essa inteligência que é distinta.” (PACCELLI apud CADERNOS..., 2013, p.12)
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Dola
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Dola Matriz no processo de pré gravação.
4.7 - Desenhando com a Goiva
“O desenho não é forma, é maneira de ver forma.” (DEGAS apud TUNEU apud CADERNOS..., 2015, p.13) O desenho direto com a goiva acontecia sempre que uma área necessitava de ser cortada, mas a imagem não estava nítida. Se no momento da gravação havia a necessidade de abrir linhas ou áreas que não programadas, uma adaptação na imagem original era feita durante o corte da madeira. Isso ocorreria por falha na transferência, precariedade na resolução da imagem original ou adaptação gráfica para que houvesse maior fluidez na composição da xilogravura. Esse fato espontâneo mostrou-se de grande valia quanto se trata de dar originalidade à gravação e, por conseguinte, à gravura. Quando lidamos com o acaso, com o inesperado, penso, este abre caminho para a criatividade, que, muitas vezes, perde-se no uso excessivo da técnica.
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Dola Matriz de linóleo durante o processo de gravação 25
4.8 - Manchas
Muitas vezes, a imagem que utilizei para a transferência, por apresentar alto contraste, perdia a riqueza de detalhes e formas, transformando-se em manchas escuras indecifráveis. Mesmo tendo a imagem original como guia, em muitos momentos, ficava impossível restabelecer formas perdidas. Então, decidi que deveria aproveitar este problema a meu favor, deixando as manchas entrarem ao máximo na composição, explorando os elementos característicos da xilogravura em relação ao corte da madeira, ranhuras e lascas, valorizando o suporte madeira quanto às texturas e dando ênfase aos dramáticos contrastes conseguidos entre áreas claras e escuras, objeto de pesquisa neste trabalho.
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Detalhe de Impressão
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Outra maneira de trabalhar as manchas foi criar novas formas observando áreas indecifráveis, criando elementos que a princípio não estavam na imagem original, mas que através de uma observação mais minuciosa, aos poucos iam surgindo como dese nhos imaginários, assim como as formas observadas em nuvens, por exemplo. Este exercício de imaginação, proporcionou-me um maior enriquecimento e leveza nas imagens, pois, aos poucos, fui alimentando a imagem fotográfica original com detalhes que, a meu ver, proporcionam uma maior harmonia a composição. 24
Dola
Abaixo impressão feita tendo como livre referência a imagem ao seu lado.
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4.9 - Interpretação da Imagem Perceber que a escolha de se trabalhar com imagens fotográficas impressas com baixa resolução e proporções reduzidas veiculadas através da mídia impressa (as quais denomino imagens “ordinárias”), muitas vezes, cria nós difíceis de serem desembaraçados. Algumas imagens já são muito difíceis de serem reconhecidas ainda em seu formato original no impresso. Quando ampliadas, tornam-se, muitas vezes, borrões de contrastes, não sendo possível identificar o que elas representavam anteriormente. Neste caso, procedi realizando pequenas adaptações nas imagens, interferindo nas áreas de luz e sombra a fim de conseguir, uma maior harmonia na composição. Ainda assim, algumas matrizes quando impressas, em nada parecerem a imagem original. Toda a tentativa de seguir linhas e formas parecem inúteis, pois as impressões de algumas matrizes parecem vivas e fora de controle, como disse Rubem Grilo: “Mantenho comigo a matriz, o que me permite reutilizar o trabalho quando surge a conveniência disto, pois acho que a xilogravura tem vida própria, ela não está subordinada ao jornal.” (GRILO, 1985, p.18) . 26
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Dola Acima comparação da imagem xerográfica com sua correspondente xilográfica. Contudo, pude perceber que talvez estejam nessas matrizes a maior potência deste trabalho. As imagens rompem as barreiras técnicas, e começam a indicar outro lugar. Um lugar diferente daquele que programei como gravura no início dos trabalhos. Tão pouco o lugar original de reprodução fotográfica. Elas iniciam um novo diálogo com o observador que, ao se deparar com ela em um primeiro momento, cria significados e associações até então impensadas, pois, por ser uma imagem criada a partir de tentativas e erros, está livre de um olhar viciado e comum. 27
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Dola
4.10 - Linhas
A linha sempre foi característica marcante em meu trabalho em desenho. As imagens que produzo tem suas estruturas fundamentadas nas linhas. Minhas principais referências são artistas que tem na linha seu campo de estudo, como, por exemplo, Saul Steinberg que em suas imagens utilizava as linhas como estrutura máxima e, muitas vezes, única para a construção de seu trabalho.
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Saul Steinberg
Fui percebendo, a medida que desenvolvia meu trabalho em xilogravura, que nos momentos nos quais eu deixava as linhas ganharem mais espaço dentro da composição, a imagem ganhava mais corpo, tinha mais força e se tornavam mais interessantes. Surgiram texturas, volumes e, ao contrário do que esperava, isso acentuava os contrastes que tanto almejava. A partir daí, deliberadamente, fui deixando as linhas tomarem conta das matrizes. Aos poucos, a ideia inicial de realizar imagens em alto contraste, foi dividindo espaço com o desejo de produzir imagens com mais texturas, fruto de uma maior exploração das linhas, mas sem a perda, na minha opinião, de contrastes interessantes. Considero este fato uma evolução; e ela ocorreu de maneira natural, resultado da prática da xilogravura e também, da observação do próprio trabalho, que percebo, em muitos momentos, vai seguindo direções arbitrárias à vontade do autor.
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Dola
4.11 - Em Busca de Texturas “Pois não há qualidade neste mundo que não seja o que é meramente por contraste.” (MELVILLE, 1983, vol.1, p.81) O trabalho, originalmente, foi pensado para ser concebido tendo o contraste entre claro e escuro como seu eixo estruturador, e acredito que ainda seja. Logo no início, tive a oportunidade de ser apresentado a um artista que, na gravura, traba lhava os elementos gráficos com muita maestria. Para tanto, utilizava o contraste para atingir este objetivo, trata-se de Félix Vallotton. 31
Félix Vallotton
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“A textura é uma palavra que tem sido usada para falar de superfícies diversas, desde madeiras, tecidos, cerâmica, pedras.” (CADÔR, 2016, p.281) Porém, mudanças ocorreram ao longo da prática, e a partir destas mudanças tomei outras direções. A inclusão de texturas variadas nas matrizes foi uma delas. Percebi, com a prática, que as texturas acentuavam os contrastes tão desejados. Ao contrário do que pensava inicialmente, pude trabalhar de maneira mais intensa a linguagem da xilogravura, o que, consequentemente, levou-me a buscar ferramentas diversas que me possibilitassem criar uma variada gama desses efeitos gráficos. Iniciei utilizando as goivas que já possuía. Trabalhei primeiro criando linhas e rastros em sentidos e direções diversas, depois comecei a atacar a madeira como se a goiva fosse um picador de gelo. Trabalhando com as ferramentas de forma agressiva e aproveitando suas próprias formas, obtive bons resultados. A partir daí, passei a procurar outras ferramentas para criar novas texturas. Pregos, parafusos, chave de fenda, chave philips, vazador, antena de televisão foram alguns dos objetos utilizados na tentativa de variar as texturas. 32
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“Mais que inventar, o difícil é abandonar as virtudes acumuladas. O que se descobriu ontem já não vale mais. Não é possível chegar ao novo sem primeiro abandonar alguma coisa.” (STEINBERG, 2011, p. 130) Detalhes de texturas.
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Dola
4.12 - Texturas nos Cabelos É estranho perceber que referências relacionadas a outras linguagens gráficas podem ser relacionadas entre si. Como disse anteriormente, o objetivo era trabalhar as imagens xilográficas utilizando o alto contraste como a base do trabalho. Contudo, durante o processo, percebi que a própria imagem pedia outro tipo de tratamento gráfico. Foi então, que decide entrar em certos momentos com linhas, sem que elas me desviassem de meu foco principal que era obter imagens nas quais predominasse o contraste entre áreas de claro e escuro. Uma das soluções gráficas encontradas durante o percurso foi conseguida nos cabelos das figuras. Apesar de utilizar algumas formas para representa-los, acredito que o efeito conseguido utilizando linhas paralelas, curvas e circulares foi o mais pro missor, pois esse tipo de efeito gráfico acentuou o contraste além de dar um bom nível de volume as figuras. Nesse Mo mento, percebi sua semelhança formal com as soluções de um artista que é uma grande referência para mim na área das histórias em quadrinhos: Basil Wolverton, artista norte americano do inicio do século XX que, por ter um traço grotesco virou referência para artistas underground de gerações posteriores, como Robert Crumb, Marcatti e Angeli.
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Detalhe: Robert Grumb.
Basil Wolvertoin
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Detalhe: Angeli.
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Detalhe: Marcatti
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Os desenhos de Wolverton tinham características específicas, e uma delas era seus cabelos de “espaguete”, semelhantes aos cabelos feitos por mim nas matrizes xilográficas. 41
Dola Linhas formando texturas nos cabelos.
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Cabelos “Espaguete”
Basil Wolverton
“Foi a partir daí que este autodidata nascido no Oregon desenvolveu seu estilo peculiar, tornando-se o rei do “Spaghetti and Meatball School of Design” [escola “espaguete e almôndegas” de desenho].” ” Wolverton poderia ser chamado de um “modernista vulgar”,(...)” “Seus personagens, estranhíssimos, pareciam derreter: os olhos esbugalhados saltavam da cara; os dentes, podres e tortos, se projetavam para fora da gengiva; os rostos eram retorcidos, repletos de sulcos e erupções; os cabelos pareciam macarrão…” (PERICÁS, 2015) 35
4.13 – Impressão “A distinção entre o original e sua reprodução não faz sentido quando a obra é produzida para ser impressa, (...)” (CADÔR, 2016, p.558). A técnica da gravura, de maneira histórica, está ligada intrinsicamente a reprodutibilidade da imagem. O advento da im prensa moderna acelerou a busca de tecnologias de gravação, assim como as de impressão. A xilogravura pode ser impressa manualmente através de uma colher de pau e um baren, ou pode-se valer de maquinário, como uma prensa ou um prelo. Para a impressão destas imagens que apresento, utilizei unicamente a prensa, o que permitiu observar certas características, durante e após sua realização. Como já disse, o objetivo inicial deste trabalho era a busca de contrastes, e a impressão por meio da prensa permitiu isso, pois a impressão mecânica tem um nível de pressão maior do que a manual. Tive essa sensação ao voltar em matrizes que realizei há algum tempo, e que, na época, foram impressas manualmente, utilizando a colher de pau ou outro instrumento similar. Ao compará-las com as impressões realizadas neste período, notei esta homogeneidade na impressão.
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Impressão com colher de pau.
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Impressão com prensa.
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Outro ponto que gostaria de citar é em relação aos diferentes suportes: madeira e linóleo. Na verdade, não utilizei o linóleo tradicional micro duro, e sim, um tipo de revestimento para piso que possui uma superfície de borracha semelhante ao linóleo em seu verso, mas que tem uma textura rugosa que necessita ser lixada previamente. Em alguns casos, essas ranhuras aparecem em minhas impressões, o que considerei, posteriormente, um ganho na composição final da imagem. 36
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Detalhe de impressão feita a parti de linóleo apropriado de material para piso.
A impressão do suporte de madeira possibilita uma maior pressão da prensa, pois a madeira é um material rígido, e, como absorve mais a tinta, necessita de maior pressão para que a impressão saia da forma desejada. Já o linóleo, que tem por característica possibilitar um detalhamento maior no momento da gravação em relação ao compensado de marfim, exibe uma série de dificuldades no momento da impressão. A borracha é elástica, com a pressão tende a deformar, o que distorce a imagem impressa. Assim, tem que se administrar muito bem sua pressão. Outra característica do linóleo é sua capaci dade de repelir a tinta. Ele não a absorve como a madeira, o que dificulta o entitamento da matriz, o que pode resultar em entupimento dos veios da matriz, ocasionando impressões borradas pelo excesso de tinta.
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45 Acima, impressão borrada por excesso de pressão / ou tinta. Abaixo impressão bem sucedida.
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5 - Gravura de autor “A influência da fotografia sobre a arte não cessou desde então. É óbvio que um pintor como Bacon deriva do polaroide; mas também é verdade que a arte precede a técnica assim como o cheiro precede a torta.” (STEINBERG, 2011, p.22) No início deste trabalho, estava olhando para ele apenas como se o único caminho para realiza-lo fosse através das imagens, dando a elas um efeito gráfico de alto contraste e sua reprodução através da técnica da xilogravura. Para isso, forçava ao máximo o limite entre áreas claras e escuras. Com o fazer, fui percebendo certas necessidades nas próprias imagens. Além disso, o próprio suporte de madeira e/ou borracha tem características inatas do material, e isso deve ser levado em consideração no trabalho plástico. Deixar as fibras da madeira aparecerem, eventuais lascas e ruídos fazem parte da linguagem da xilogravura. Desta maneira, ignorá-las seria uma forma de suprimir algo que é característico da gravura em madeira. Já o linóleo possibilita uma riqueza maior de detalhes, sem os ruídos que a madeira proporciona. Dola
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Detalhe de impressão.
Foi percebendo estas questões que, gradativamente, alterei minha maneira de atuar sobre o projeto. A busca de texturas, ocorrida a partir de certo momento no trabalho, deu-se exatamente quando deixei essas características tomarem forma dentro das imagens e parei de tentar suprimi-las. É aonde, ao meu ver, o trabalho toma características próprias; ganha personalidade. Cabe fazer algumas ligações formais com outros autores e movimentos, os quais considero importantes no campo da gravura, em especial para este trabalho. O expressionismo alemão, que muito usou a gravura em madeira e em metal para espalhar suas ideologias sociais e políticas no início do século XX, tem na sua maneira “rígida e angulosa” e, ao mesmo tempo, expressiva e solta de trabalhar o entalhe, características formalmente próximas às que eu cheguei ao longo deste trabalho. (ESCÓRCIO, 2009)
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Emil Nolde
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“Acho importante, todo mundo que investiga bem, com seriedade é passível de cometer fracassos e tem que estar aberto pra isso, porque senão você fica no limite do correto, e no conhecimento é pouco. Se estou querendo lidar com conhecimento mesmo, se ficar dentro dessa perspectiva eu não avanço, eu não experimento coisas.” (PACCELLI apud CADERNOS..., 2013, p.17)
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Outra associação, mais próxima geograficamente, é com o artista Rubem Grilo, o qual se dedica à produção de xilogravuras desde o início da década de setenta, e tem como tema principal “a crítica do cotidiano”. Publicando suas imagens em periódicos, desde esta época, em forma de narrativas gráficas, nas quais o texto não se faz presente, nem mesmo necessário, Grilo situa seu trabalho para além da ilustração textual, como escreve George E. Kornis no prefacio do livro Grilo xilogravuras: “...enquanto na ilustração a imagem se situa como transposição visual do texto, no trabalho gráfico de Grilo a imagem deriva de uma linguagem especificamente plástica embora articulada à escrita, na composição da arquitetura da página impressa.”(KORNIS, In: GRILO, 1985, p.4) Rubem Grilo
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Não posso deixar de citar as xilogravuras realizadas para ilustrar as capas dos folhetos de cordel. Aproprio-me das obras do gravador DILA, codinome de José Cavalcanti e Ferreira, para fazer um parêntese a respeito das características utilizadas por estes gravadores. Tradicionalmente, os gravadores de cordel trabalham o suporte e suas imagens de forma simples e direta através do entalhe espontâneo, para tratar temáticas do cotidiano popular, o que na minha visão não caracteriza uma forma menor de se trabalhar com a xilogravura e que, em certos aspectos, refletem muito a minha própria maneira de trabalhar. ”Dila trabalha do lúdico ao mágico nordestino. Ninguém é ele de tão fantástico. As suas gravuras têm corpo-espírito: não são fotos-que-falam de um tempo que ainda é o seu espaço.” (ACCIOLI, 1988, p.172).
Dila
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6 - Desdobramentos “Não precisa fechar todas as ideias em um único trabalho. Coloque-se como uma pessoa consciente do seu procedimento. Mostre que há consciência do que você produziu. O pensamento visual se constrói com o tempo. É a sucessão de imagens e textos que o seu aprendizado passa, mais a sua identidade com isto ou aquilo. É bom persistir no erro, abrir espaço para experimentação.” (TUNEU apud CADERNOS... ,2015, p.20) Para além do trabalho vislumbrado aqui, que tem uma apresentação similar à gravura tradicional. Pensei que este projeto poderia ir mais adiante, refletindo na abertura que a gravura contemporânea oferece ao incorporar novas tecnologias, meios e técnicas, dentro dos procedimentos híbridos da arte contemporânea. Imagino este trabalho como o início de uma série de desdobramentos, que tem em seu cerne as matrizes de xilogravura, e ligadas a elas a possibilidade da reprodutibilidade técnica. Em primeiro lugar, realizarei um livro contendo as imagens desta série de matrizes feitas a partir do formato semelhante ao do folder de venda de enciclopédias: quadrado, com tiragem limitada e com impressão, confecção do livro, da capa e do miolo feitos por mim. A princípio, tenho o intuito de organizar o conteúdo dos capítulos por tema: retrato, paisagem, social etc. E ainda, estou estudando a possibilidade de eles ganharem cores diferentes. Outra possibilidade seria uma exposição das impressões em formato de instalação. A série das matrizes seria impressa em papeis de gramatura mais leve, sem limite de tiragem. Este volume de impressões seria usado em forma de lambe-lambe, peças gráficas em formato de cartaz fixadas geralmente em lugares públicos, fazendo uma espécie de papel de parede envolvendo a área expositiva. A intensão é levar este design dos cartazes pensados para rua, e aplica-los utilizando as impressões xilográficas. Por fim, o trabalho apresentava variadas possibilidades de desdobramentos devido a sua própria concepção original da apropriação, possibilitando desta forma links com poéticas visuais múltiplas, já que sua execução tem a finalidade da reprodutibilidade. Desta maneira, abre possibilidades para além do âmbito da gravura tradicional, o leva a conversar com outras possibilidades plásticas contemporâneas. 52
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7 – Referências ACCIOLI, Marcus. Guriatã: um cordel para menino. Ilustrações José Cavalcanti e Ferreira (Dila). 2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1988. p.200. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução [de] Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1984. 185.p. BENJAMIN, Walter Benjam. Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1994. p.257. CADERNOS DE ESTUDO O APRENDER O ENSINAR A ARTE. Belo Horizonte: Daniela Maura Editora, n.1, out. 2013. 20 p. Fanzine. ________________________________________. Belo Horizonte: Daniela Maura Editora, n.2, mai. 2015. 28p. Fanzine. CADÔR, Amir Brito. O livro de artista e a enciclopédia visual. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. 655.p. CAVAR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. p.222 DEGAS apud TUNEU apud CADERNOS DE ESTUDO O APRENDER O ENSINAR A ARTE. Belo Horizonte: Daniela Maura Editora, n.2, mai. 2015. p.13 Fanzine. ESCÓRCIO, Daniela. O uso da gravura no Expressionismo. In: História da Cultura e das artes [blog]. Publicado em: 13 de abril de 2009. Disponível em: http://hcapma.blogspot.com.br/2009/04/o-uso-da-gravura-no-expressionismo.html. Acesso em: 02 jun. 2017. ENTALHAR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. p.352 FLAUBERT, Gustave. Bouvard e Pecuchet: Obra póstuma. (acompanhada do dicionário de ideias feitas. Tradução de Galeão Coutinho e Augusto Meyer. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. apud CADÔR, Amir Brito. O livro de artista e a enciclopédia visual. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 389. GRAVAR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. p.440 GRILO, Rubem. Grilo: xilogravuras. Apresentação George Kornis. São Paulo: Circo Editorial, 1985. 47 p., il p&b. (Traço e riso, 6). ___________. Rubens Grilo: xilográfico, 1985-2010. Textos de Ferreira Gullar e Adriana Maciel Rio de Janeiro: Artepadila, 2010. 143p. Catálogo de exposição. 3 Set. - 10 out. 2010, Caixa Cultural Salvador; 23 out. - 28 nov. 2010, Caixa Cultural São Paulo. GROSZ, George. Um pequeno sim e um grande não. Tradução [de] Salvador R. Baruja. – Rio de Janeiro : Record, 2001. 348.p. GONTIJO, Miguel. Almanaque. Belo Horizonte: [s.n.], 2016. 4p. Catálogo de exposição. 21 jun-24jul. 2016, Casa Fiat de Cultura. p.4. HUNTER, Sam. Robert Rauschenberg: Works, Writings and Interviews. Barcelona, Ediciones Polígrafa, 2006. 160.p. 44
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