Revista Alfredo Volpi

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E S P E C I A L

VOLPI ALFREDO

Nยบ 1 ANO 1

1ยบ sem. 2016

Sua trajetรณria na arte brasileira Vida e Obras


Especial Alfredo Volpi

Carta do editor

Caro leitor e amante das artes. Nesta edição especial da revista Alfredo Volpi, abordaremos um pouco sobre sua vida, suas produções artísticas e moviventos artísticos que mudaram para sempre a história da arte no Brasil. Todo este conteúdo em um exemplar único recheado de ilustrações e imagens deste ícone. Espero que você se deleite com esta compilação de fatos e imagens.

Redação. Jose Henrrique Valerio Emerson Leandro Goya Diagramação. Marcelo Mattos Jarra Roseli Cristina de Abreu Design, Ilustração. Marcelo Mattos Jarra

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Volpi 4 Bandeiras Paulistas 6 Grupo Santa Helena 10 Volpi e os Concretos 14 Cronologia 18 3


Especial Alfredo Volpi

O último grande representante de uma nobre linhagem em extinção A figura pública meio franciscana que Alfredo Volpi ajudou a construir reforçava uma dimensão simbólica que está nas suas obras. O eterno cigarro de palha, os tamancos, os trajes simples, a produção manual de chassis e tintas, os inúmeros filhos de criação, a casinha simples da rua Gama Cerqueira, a disposição para ajudar os necessitados, tudo isso falava a favor de uma vida conduzida o mais longe possível do mundo do comércio, do lucro e dos interesses egoístas. Como os sutilíssimos artesãos que suas telas pressupõem, ele seria uma espécie de último grande representante de uma nobre linhagem em extinção, e seus trabalhos consistem no elogio e na afirmação dessa história remota e digna. O que a persona de Volpi oculta, é que o artista chegou a essas soluções por uma incorporação muito peculiar de toda a tradição moderna. Elas não se projetaram dele espontaneamente, como se fossem sua sombra. E cabe entender por que a experiência social brasileira conspirou contra uma arte afirmativa e diferenciada, como a de seus pares europeus e norte-americanos. A relação clara e explícita entre os elementos de uma pintura ou escultura mimetizaria - criticamente, não resta dúvida - a articulação entre os elementos técnicos, bem como sua intervenção clara na na-

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tureza. Em sua última fase, sobretudo com Max Bill, essa preocupação construtivista conduzirá a uma reivindicação de clareza formal que chegará às raias de converter a estrutura da obra de arte num processo reversível, em que caberia ao observador refazer os procedimentos empregados na construção de uma pintura ou escultura. Não por acaso a fita de Moebius se tornou quase um emblema desse raciocínio. E basta observar um trabalho como Unidade tripartida de Max Bill, tão influente na arte brasileira, para se ter uma ideia da extensão dessa concepção de forma, bem como dos problemas que sua reversibilidade, transparência e linearidade implicam. Considerado um dos maiores especialistas na obra de Volpi, o historiador e critico de arte Olívio Tavares de Araújo o define como “um artista intuitivo, nunca um intelectual, que se interessou pelos elementos formais como composição, luz e cor; um artista original ao descobrir e inventar seus caminhos a partir e dentro de sua própria trajetória, sem estar balizado por nenhuma determinação exterior”. Lembra ainda que, devido a origem social de imigrante italiano, o artista não fez parte do movimento modernista brasileiro. Segundo o curador, do grupo de artistas da Semana de Arte Moderna de 22, Volpi


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Retrato de Alfredo Volpi.

estava separado, em primeiro lugar pela questão social. Imigrante humilde, ele “lutava arduamente pela vida”, em um momento em que os intelectuais e os patronos da Semana a realizavam. Era um simples operário, um pintor-decorador de paredes. Tavares Araújo explica que o artista ganhou notoriedade quando já tinha atingido a maturidade, com mais de 50 anos. Sua primeira exposição individual foi realizada quando ele tinha 48 anos. “É um artista tardio. O grande Volpi surge a partir da década de 40.” Na década de 40, através das “Paisagens de Itanhaém”, o artista começou a delinear um novo caminho na pintura. Nos anos 50, Volpi já era um pintor respeitado, principalmente pelos críticos. Neste período passou para o abstracionismo geométrico e iniciou a série de bandeiras e mastros de festas juninas. Em 1954 recebeu o prêmio de Melhor Pintor Nacional na 2ª Bienal de São Paulo e, três anos depois, foi um dos integrantes

da 1ª Exposição de Arte Concreta. A partir da década de 60, as bandeirinhas passaram a ser signos, formas geométricas de ritmos coloridos e iluminados. “Ele não é um artista temático. Grande parte de sua produção é de espírito abstrato.” Autodidata, ele começou a pintar em 1911, na execução de murais decorativos. Como Olívio Tavares de Araújo, antes de ser um pintor de cavalete, Volpi era um pintor-decorador. Ele realizou ornamentos nas casas da sociedade paulista das décadas de 20 e 30. Pintava preferencialmente fachadas de casarios e bandeirinhas que geometrizou.“Se ele entrou alguma vez nessas residências foi de tamanco e carregando baldes de cal, para trabalhar e não para conversas inteligentes e saraus.” Embora não tenha feito parte de um dos momentos artísticos mais marcantes de nossa história, o pintor ítalo-brasileiro é considerado pela crítica um dos artistas mais importantes da segunda geração do modernismo.

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Especial Alfredo Volpi

Bandeiras paulistanas Imigrante italiano, Alfredo Volpi foi pintor de paredes e operário antes de se consagrar como um dos mais importantes artistas plásticos do Brasil. Passou por várias fases, recebeu influências de pintores impressionistas e clássicos como Cézanne, Giotto, Ucello, encontrando seu próprio caminho. Volpi criou sua própria linguagem na pintura e evoluiu naturalmente das representações de cenas da natureza para produções mais intelectuais, concebidas em seu estúdio. A trajetória do pintor Alfredo Volpi, nascido em Lucca, na Itália, em 1896, confunde-se com a de milhares de imigrantes italianos que desembarcaram em São Paulo na virada do século 20. Antes de ser reconhecido como um dos mais importantes artistas plásticos da segunda geração do modernismo brasileiro, esse membro ilustre do bairro do Cambuci, na Zona Sul da capital, foi funcionário de uma gráfica e pintor de paredes. “Volpi era um operário de construção”, diz Nereide Schilaro Santa Rosa, autora da biografia Alfredo Volpi, da coleção Mestres das Artes no Brasil (Moderna, 2000). “Carregava baldes de tinta, andava de tamancos, podia-se sentir o cheiro e a textura das tintas em sua pele.” E por muitos anos foi assim: pintava paredes a trabalho. E suas telas, por prazer, nas horas que lhe sobravam. Autodidata, o artista não se municiou de conhecimento formal para fazer seus trabalhos. Não cresceu em um ambiente onde se respirava cultura nem era um homem

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viajado, a exemplo de outros modernistas mais abonados. Segundo Nereide, o pintor seguia exclusivamente os sentidos. “Você põe a primeira cor. Olha. Aí põe a segunda. Se está errado, você percebe e apaga. E começa tudo de novo”, dizia o mestre, explicando seu processo criativo. Essa aparente simplicidade na composição, no entanto, não deve enganar. Para o historiador e crítico de arte João Spinelli, esse “mistura e olha” de Volpi não tem nada de fácil. “Ele dosa emoção e raciocínio. E isso não é simples”, diz. Bastante lembrado pelas famosas bandeirinhas, constantes em suas obras a partir da década de 1950, Volpi escondia por trás delas algo de sui generis, segundo afirma Spinelli. “Ele chegou às bandeirinhas para criar composições. Por trás disso, há uma estrutura de pensamento requintada, que levava em conta o número de formas e o número de cores. Ninguém fez igual.” Para o especialista, o artista foi de coerência marcante. “A obra dele foi coerente com ele próprio,


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que sempre foi simples e despojado, com o tempo em que viveu, que ele soube acompanhar muito bem, e com o Brasil.”

Operário-pintor Devido a origem social de imigrante italiano, o artista não fez parte do movimento modernista brasileiro como relata o crítico de arte Olívio Tavares de Araújo. Segundo ele, do grupo de artistas da Semana de Arte Moderna de 22, Volpi estava separado, em primeiro lugar pela questão social. Imigrante humilde, ele “lutava arduamente pela vida”, em um momento em que os intelectuais e os patronos da Semana a realizavam. Era um simples operário, um pintor-decorador de paredes. Tinha 12 anos quando arrumou emprego em uma gráfica e, com o primeiro salário, comprou uma caixa de aquarelas. Três anos depois, começou a trabalhar como pintor, fazendo faixas decorativas em paredes das casas de famílias endinheiradas. Esse foi o primeiro contato com a pintura, que se tornaria mais intenso por meio do amigo Orlando, que estudava artes em uma escola profissional do Brás, e com quem tinha conversas que o inquietavam cada vez mais. Até que, aos 18 anos, surge a primeira obra: uma paisagem, feita com tinta a óleo sobre a tampa de uma caixa de charutos. A exemplo do que aconteceu com muitos grandes nomes das artes brasileiras nas primeiras décadas do século 20, Volpi tinha diante de si um cenário de grandes mudanças. A própria São Paulo começava a adquirir os contornos da metrópole que se tornaria anos depois. Imigrantes de diversas partes do mundo desembarcavam no porto de Santos e subiam a serra trazendo consigo novas culturas, novas cores e formas. Bandeirinhas, Alfredo Volpi.

Apesar de não ter se naturalizado brasileiro e de ter sido alfabetizado em italiano, mantendo um forte sotaque e ligação com a cultura do país natal, o artista dizia que seu coração era brasileiro. Em toda a vida, Volpi visitou a Itália apenas uma vez, em 1950. Nessa época, São Paulo estava longe de ser um pólo artístico moderno. Porém, Volpi teve oportunidade, entre 1930 e 1947, de ver mostras que trouxeram para cá obras de quase todos os melhores artistas europeus: Cézanne, Matisse, Dufy, Picasso, De Chirico, Morandi, Carrà, Albers, Magnelli, Calder, Mario Sironi, Giovanni Fattori, entre tantos outros. Mesmo a polêmica exposição de 1917 de Anita Malfatti foi observada com cuidado pelo pintor. Visitar mostras de arte, em princípio, pode não significar muita coisa. Poucos artistas brasileiros, porém, metabolizaram tão produtivamente as experiências estéticas que lhe foram oferecidas. E a descrição feita por Sérgio Milliet das incursões de Volpi à Exposição de Arte Francesa, de 1940, ilustra à perfeição o tipo de relação que o pintor mantinha com os trabalhos que pôde ver. Como afirma o Olívio Tavares de Araújo, antes de ser um pintor de cavalete, Volpi era um pintor-decorador. Ele realizou ornamentos nas casas da sociedade paulista das décadas de 20 e 30. Pintava preferencialmente fachadas de casarios e bandeirinhas que geometrizou. “Se

ele entrou alguma vez nessas residências foi de tamanco e carregando baldes de cal, para trabalhar e não para conversas inteligentes e saraus.” Embora não tenha feito parte de um dos momentos artísticos mais marcantes de nossa história, o pintor ítalo-brasileiro é considerado pela crítica um dos artistas mais importantes da segunda geração do modernismo. Nas artes, os pioneiros do movimento modernista interessavam-se cada vez mais por essa mistura. Volpi capturou tudo isso em suas primeiras telas, ainda inspiradas nas pinturas dos impressionistas europeus do século 19.O jovem artista começou a mostrar suas primeiras referências modernistas na tela Mulata, de 1927. De acordo com a biógrafa Nereide Schilaro Santa Rosa, a mulher retratada na pintura era uma garçonete chamada Benedita da Conceição, o grande amor do pintor, com quem ele se casou e teve sua única filha, Eugênia. Em 1928, Volpi recebeu a medalha de ouro do Salão de Belas Artes, primeiro prêmio conseguido por sua pintura. A essa altura, por meio de mostras e da amizade com outros artistas, seus trabalhos tornaram-se mais conhecidos.

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Bandeirinhas, Alfredo Volpi.

Bandeiras e consagração Nos anos de 1940, Volpi inicia a transição da pintura predominantemente figurativa para a geométrica. “Ele começou com as fachadas e os casarios, mas foi eliminando as linhas, até chegar às bandeirinhas”, explica João Spinelli. Nessa época, também começou a pintar com têmpera, um tipo de tinta preparada por ele mesmo, misturando clara e gema de ovos, óleo de cravo e pigmentos coloridos. “Combinar cores tornou-se sua linguagem preferida”, afirma Nereide Schilaro Santa Rosa na biografia do pintor. “O equilíbrio em suas composições mostram sua segurança e tranquilidade como artista”, diz ela. Na década seguinte, Volpi já era consagrado, tendo participado das Bienais de Veneza e de São Paulo, onde, em 1953, dividiu com Di Cavalcanti o prêmio de Me-

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lhor Pintor Nacional. A essa altura, as formas geométricas nas telas do artista já tinham caído nas graças dos concretistas, chegando a participar de exposições de arte concreta em 1956 e 1957. Sobre as bandeirinhas, Volpi dizia: “A gente se desliga e então passa a existir o problema da linha, forma e cor. (...) Minhas bandeirinhas não são bandeirinhas; são só os problemas das bandeirinhas.” Ele as pintou até o fim da vida, em 1988. Para Nereide Schilaro Santa Rosa, autora da biografia de Alfredo Volpi, parte da coleção Mestres das Artes no Brasil (Moderna, 2000), sua obra é muito apreciada por crianças. “Os temas populares, como as famosas bandeiras,as ogivas, os casarios e os brinquedos, como os cata-ventos e outros, aproximam a sua arte do universo infantil”, diz.


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Segundo a especialista, ao apreciar uma obra de Volpi, a criança aprende um novo olhar para as formas geométricas, e compreende que a arte é a descoberta de um novo modo de se expressar. Volpi era, além de um grande artista, um grande artesão e trabalhador. Fazia o que gostava e gostava do que fazia. Isso é perceptível em cada detalhe de seus quadros. A evolução de sua obra ao longo de sua carreira, mostra como a visão que o artista tem do mundo se transforma com o tempo, e o que das impressões que o meio lhe causam são transportadas para as telas. No caso de Volpi, o seu compromisso maior acabou sendo com a cor. A geometria obtida com as bandeirinhas foi o estágio final de uma linguagem que buscava transmitir sensações cromáticas equilibradas ao observador. A bem da verdade, só o próprio artista sabia no seu íntimo o que realmente via e buscava nas suas telas.

As bandeirinhas eram na verdade, quadrados ou retângulos dos quais se tiravam um triângulo. Seus arcos talvez fossem estágios finais de uma visão dos arcos das portas de suas fachadas, que por sua vez foram paisagens e casarios que aos poucos perderam a perpectiva e ganharam representação em apenas duas dimensões. Uma vez questionado sobre as bandeirinhas que pintava, exclamou:”Mas eu não pinto bandeirinhas. Quem pinta bandeirinhas é o Pennacchi”. Desta expressão podemos obter muitas respostas para entender quem foi Alfredo Volpi. Volpi morreu em São Paulo, aos 92 anos, em 1988.

Barco com bandeirinhas e pássaros , Alfredo Volpi.

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Grupo Santa Helena Os artistas-proletários Artistas-proletários era uma das expressões cunhadas pelo escritor Mário de Andrade ao se referir ao grupo de artistas imigrantes e operários que ampliaram a paleta de cores e formas da pintura brasileira. Uma importante passagem na carreira do pintor Alfredo Volpi foi sua participação no Grupo Santa Helena, a partir de 1935. Formado por artistas descendentes de italianos, como Francisco Rebolo, Mario Zanini, Bonadei, Clóvis Graciano e Fulvio Pennacchi, Manoel Martins e Alfredo Rizzotti, Humberto Rosa, entre outros, a turma se reunia no Palacete Santa Helena, antigo edifício localizado na Praça da Sé, região central da cidade, para pintar modelos vivos. “Os santahelenistas, uma confraria de artistas, traziam uma alternativa diferente para os rumos da pintura após a Semana de 22”, explica a professora de estética e história da arte Daisy Peccinini, da Universidade de São Paulo (USP), em texto publicado no site do Museu de Arte Contemporânea (MAC) – www.macvirtual.usp.br –, ligado à universidade. “De origem social modesta, imigrantes ou filhos de imigrantes italianos, tinham um segundo emprego para sobreviver”, escreve. A natureza desse “segundo emprego” ligado às artes variava de pintor para pintor. Rebolo, Volpi e Zanini, por exemplo, eram pintores decoradores.

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04 - 2016 Já Graciano era letrista, fazia a pintura de tabuletas e cartazes, e Pennacchi, dono de açougue, desdobrava-se também em decorador projetista e em professor de desenho do Colégio Dante Alighieri. Uma curiosidade: além da pintura, outras habilidades serviam para engrossar o orçamento. Alfredo Rizzotti dividia-se entre a profissão de alfaiate e a de torneiro, enquanto Bonadei também era costureiro e bordador, e Manoel Martins, vendedor, relojoeiro e guarda-livros. Como Pennacchi, Humberto Rosa também dava aulas, era professor de desenho geométrico em colégios particulares, como o Bandeirantes, Sion e o próprio Dante Alighieri. Com exceção de Bonadei e Pennacchi, que estudaram belasartes na Itália, a maioria era autodidata, como Volpi. “Ao debruçar-se na pintura como exercício de um ofício, os ‘artistas-artesãos’, como dizia Mário de Andrade, contribuem para um projeto moderno dedicado ao honesto, humilde”, analisa Daisy em seu texto. De acordo com a especialista, esses artistas trouxeram para a pintura temas populares, paisagens urbanas, suburbanas e rurais. “Mais que registro, essas pinturas, nas tonalidades marrons, cinza fosco, são a manifestação de uma sensibilidade nova que Mario de Andrade atribuía a um refinamento de espírito”, explica ela. Em 2002, algumas obras dos “artistas -artesãos” do grupo Santa Helena foram reunidas na mostra Operários na Paulista, no MAC, com curadoria da própria Daisy Peccinini e da também professora de história da arte Elza Ajzenberg, da USP. Volpi não assinou manifestos, não publicou textos teóricos, pouco se pronunciou sobre outros artistas e não manteve vínculos fortes com nenhuma vertente estética da arte brasileira. Era filho de imigrantes italianos que tocavam um pequeno comércio num bairro operário da

cidade de São Paulo e muito cedo, aos 12 anos, precisou trabalhar, a princípio como entalhador e encadernador, posteriormente como pintor-decorador. Essa origem modesta - que o artista cultivou ao longo de toda sua vida, por meio de hábitos simples e do apego à casa do Cambuci, então um bairro de classe média baixa no qual viveu até o fim de seus dias - contribuiu para consolidar a imagem de um pintor quase ingênuo, afastado tanto das disputas intelectuais e artísticas quanto da sociabilidade mundana do meio das artes plásticas. Além disso, o próprio Volpi relutava em aceitar influências ou filiações artísticas e não me parece casual que reconhecesse sobretudo um vínculo com pintores como o medieval Margaritone D’ Arezzo ou Giotto, cujas obras pôde ver detidamente - conta-se que visitou dezoito vezes a Capela dos Scrovegni, em Pádua - quando de sua única viagem à Europa, em 1950. De fato, Volpi não era um teórico ou alguém que clareasse sua concepção visual por meio de formulações escritas ou debates. Contudo, poucos artistas brasileiros - independentemente da área de atuação - dispuseram de um meio cultural tão rico quanto ele, um meio cultural moderno, feito de convivência e diálogo, e não algo acadêmico e protocolar, ainda que esse ambiente cultural tivesse muitas limitações. Desconsiderar essa realidade significaria identificar em sua pintura uma singeleza que sem dúvida rebaixa a complexidade e os dilemas que ela contém. Se a pintura de Volpi parece solicitar a aproximação com um temperamento simples e alheio a tensões, seria ilusório ver aí algo a que se chegou sem mediações ou debate. Volpi, como escreveu o poeta e crítico de arte Murilo Mendes, “tornou-se anônimo como um pintor medieval”5, pois de fato sua pintura concentra uma experiência que está

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além do lirismo subjetivo. Contudo, como notou o artista e amigo Willys de Castro, ele alcança esse estatuto “conjugando uma grande dose de experiência e entregando-a, traduzida, flexionada, aos olhos de quem quer ver”. Volpi viveu e produziu muito. Em quase todos os períodos de sua trajetória encontrou maneiras de estar em contato com obras, dis-

Na tarde de 23 de outubro de 1971, o operário paulistano perdeu a referência; a arte proletária, o teto; a cidade, simbolicamente, uma vocação econômica. Depois de 117 dias de marretadas, o Palacete Santa Helena virou pó.

Foto do Edifício Santa Helena.

Inaugurado 46 anos antes, o imponente prédio era o símbolo de uma São Paulo que deixava de ser colonial e passava por um processo de industrialização. Marco do processo de verticalização urbana, o Santa Helena foi durante anos a principal silhueta do centro - a despeito da famosa catedral na mesma praça da Sé. O conjunto, com cinco blocos e sete andares, comportava duas sobrelojas, dois cinemas, quatro lojas e 276 salas multiuso. De arquitetura eclética com influência do art déco, sua decoração interna era refinada, com mármores. Apesar de ter sido construído pela e para a elite paulistana, a localização central o transformou no ponto de encontro dos operários, que vinham dos bairros mais pobres, como o Brás e a Mooca. Ao lado dos finos salões, cafés, cinemas

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cussões, artistas e intelectuais das mais diversas áreas e o fez com um sentido de pertinência notável. Não me parece simples acaso que já em 1926 tenha tido a curiosidade de assistir à conferência de Marinetti no Teatro Cassino Antárctica, em São Paulo. Se seu aprendizado técnico pode ter se iniciado ainda nos anos de trabalho como pintordecorador, já na década de 1930

e do teatro, eles fundaram as sedes de seus sindicatos. Assim, a Sé, já na virada dos anos 30, tinha se tornado um mercado do emprego. Quem quisesse um marceneiro ou um metalúrgico sabia onde procurar. A partir de 1935, a sala 231 foi convertida em ateliê, e o palacete abrigou um dos movimentos mais significativos da história das artes plásticas de São Paulo. A iniciativa partiu do filho de espanhóis Francisco Rebolo Gonsales, ex-jogador de futebol e pintor de paredes, que viria a se tornar um dos mais reconhecidos artistas do Brasil (é dele o desenho do atual distintivo do Corinthians). A ele se uniu, entre outros oito pioneiros, o também pintor de paredes Alfredo Volpi. Surgia o Grupo Santa Helena, os “artistas proletários”, nas palavras do escritor modernista Mário de

Andrade. Da janela, eles avistavam a dinâmica do centro e encontravam inspiração para retratar em suas telas a vida operária. “A novidade era a aproximação com uma linguagem da modernidade, com um olhar para o social”, conta Lisbeth, filha de Rebolo. O grupo, diz, tinha um relação quase umbilical com o edifício. O cordão, no entanto, foi cortado à medida em que São Paulo confirmou sua vocação de pólo de serviços e exilou as fábricas para cidades vizinhas --longe dos problemas urbanos do centro e favorecido por benefícios fiscais, o setor industrial rumava ao ABC. O Santa Helena ruiu pelo abandono e cedeu ante o “progresso”. Foi destruído para que se construísse a estação central do Metrô. Hoje, as cerca de 640 mil pessoas que

passam diariamente pela estação não encontram nenhum vestígio do antigo palacete. O número de paulistanos à procura de emprego supera os 2 milhões, menos do que o 1,5 milhão de vagas que uma indústria zumbi ainda oferece na cidade. Mas a praça que um dia oferecia mão-de-obra parece mais vazia. “Foi uma infelicidade. Não só seria possível manter o Santa Helena, como resgatar seu papel”, afirma Wilson Ribeiro dos Santos Júnior, do Conselho de Preservação do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural do município. Já para Sérgio Salvadori, atual diretor de engenharia do Metrô, a demolição foi inevitável. “Uma estação do tamanho da da Sé não caberia ali.” E completa: “Naquela época não havia cultura de preservação. Era o sai da frente que queremos construir outro país”.


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Casarios de Itanhaém, Alfredo Volpi.

Natureza morta, Alfredo Volpi.

Volpi se aproxima do grupo Santa Helena, associação informal de artistas - Francisco Rebolo, Mario Zanini, Manoel Martins, Humberto Rosa, Fulvio Pennacchi, Aldo Bonadei e Clóvis Graciano ó, em sua maioria vindos de camadas da população com pouca ou nenhuma tradição artística, vivendo profissionalmente de atividades ligadas ao artesanato, fosse a pintura de paredes (Volpi, Rebolo e Zanini), fosse o comércio de carnes (Pennacchi). No entanto, ainda que a origem do grupo tivesse raízes em estratos sociais culturalmente modestos, uma série de importantes discussões artísticas internacionais encontrava ressonância ali. Pennacchi, por exemplo, tinha grande influência do Novecento italiano, enquanto Rebolo e Zanini olhavam com cuidado a obra do Carrà do “retorno à ordem”. Por outro lado, a tendência italiana oposta, a pintura florentina desenvolvida por Ardengo

Soffici, também encontrou acolhida pelo grupo. Na segunda metade da década de 1930, Volpi também irá freqüentar as reuniões que o pintor Paolo Rossi Osir organizava em seu ateliê e de que participavam, além dos santelenistas, artistas altamente informados, como o pintor e escultor ítalo-germânico Ernesto de Fiori (que chega ao Brasil em 1936 e que manteve intensa atividade artística e crítica no país), Lasar Segall (judeu lituano, formado no meio expressionista alemão e que se fixa em São Paulo em 1923), Tarsila do Amaral (pertencente à geração dos modernistas de 1922, e que também manteve estreito contato com as vanguardas modernas em Paris), além do crítico e escritor Sérgio Milliet, do escultor Bruno Giorgi, entre outros. Segundo depoimento de Bruno Giorgi à Folha de S. Paulo em 1979, o escultor leva, em 1937, Mário de Andrade - um dos intelec-

tuais paulistas mais preparados do período - e Sérgio Milliet ao ateliê de Volpi e ambos “ficaram maravilhados”. Posteriormente, em 1944, durante a primeira individual do pintor, Mário adquire um quadro da mostra - a “Marinha”, hoje no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP - e, no mesmo ano, escreve um artigo sobre Volpi para a Folha da Manhã, em que fala de temperamento “transbordante” e de “lirismo voluptuoso” em relação a sua pintura. Mesmo que nos detivéssemos nesse ponto da trajetória de Volpi, seria impossível continuar falando de alguém alheio aos círculos artísticos e culturais de São Paulo - certamente cheios de limitações e ainda provincianos - e aos debates que, mesmo tardiamente, se travavam no Brasil.

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Volpi e os concretos paulistas A partir de finais dos anos 1940 e na década de 1950 , Volpi pintor manterá um diálogo ainda mais intenso com obras, artistas e intelectuais profundamente empenhados em transformar o cenário ainda provinciano do meio artístico paulista e brasileiro. E um diálogo em que Volpi, por já ter uma obra consolidada - suas Fachadas surgem no fim da década de 1940, freqüentemente é aproximado de posições das quais não participara ativamente. Dado seu relativo silêncio e distância em relação à posição de grupos, ocupará um lugar não muito diferente daquele do velho Cézanne, que, vivendo meio isolado em Aix-en-Provence, ficará consideravelmente à mercê das informações e interpretações fornecidas por Emile Bernard e Maurice Denis, com quem mantinha um contato mais freqüente. Seria cansativo enumerar todos os contatos e experiências por que o pintor passa no período. Não custa, porém, ressaltar a importância dos seis meses de viagem pela Itália e França, dedicando-se sobretudo a observar o que conhecia apenas por reproduções; a estreita relação que mantém com o psicanalista, crítico e poeta Theon Spanudis a partir de 1951; a aproximação com os artistas concretos que, liderados por Waldemar Cordeiro - que escreve sobre Volpi ao menos desde 1950 ó, assinarão, em 1952, o Manifesto Ruptura e que depois incorporarão outros artistas ao grupo; o convívio, a partir de 1953, com artistas construtivistas menos ortodoxos, como Willys de Castro e Barsotti e, posteriormente, também com os poetas concretistas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos; o contato com Mário Pedrosa a partir da segunda metade da década, entre tantos outros. No final da década de 1950, a casa do Cambuci tornase um verdadeiro ponto de encon-

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tro, do qual Volpi sem dúvida tirará proveito, além de também partilhar sua experiência com os mais jovens. Na década de 1960, mesmo artistas e intelectuais como Ungaretti e Roman Jakobson irão visitá -lo em seu ateliê, o que não deixa de evidenciar que Volpi não era apenas uma avis rara a ser exibida exoticamente aos europeus civilizados, e sim alguém de que seus pares mais cultos se orgulhavam. Na mesma proporção, aumentam as possibilidades de ver um maior número de obras de arte de qualidade, e para isso a criação do Masp, em 1947, e da Bienal de São Paulo, em 1951, contribuirá decisivamente. Até hoje, a segunda edição da Bienal é considerada uma das mais importantes mostras de arte moderna de todos os tempos


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A trajetória artística de Volpi costuma ser considerada como um movimento razoavelmente orgânico, sem grandes rupturas ou saltos. Contudo, os trabalhos de sua chamada fase concreta - um período difícil de determinar dada a não datação das obras pelo artista, mas que envolve aproximadamente três anos da segunda metade da década de 1950, período em que, tudo leva a crer, também pintou quadros com soluções diversas - consistem no conjunto de obras com a mais acentuada mudança de sua carreira. E isso, torna evidente que Volpi, ao menos por uns poucos anos,

realmente dispôs-se a pôr de lado alguns aspectos marcantes de sua pintura anterior.Algumas transformações, nesses trabalhos, saltam aos olhos. O pintor abandona as cores mais “lavadas” e abertas de seus trabalhos anteriores e passa a tirar proveito da opacidade da têmpera - Volpi não adotará as tintas industriais dos concretos - para criar superfícies homogêneas e de cores mais intensas. Os dois trabalhos apresentados na I Exposição Nacional de Arte Concreta, de 1956 - da qual participa como artista convidado, são construídos com um tom de vermelho dificilmente encontrado

Composição concreta branca e vermelha, Alfredo Volpi.

Numa das telas da exposição concreta (Composição concreta branca e vermelha, 1955, 54 x 100 cm, da coleção Rose e Alfredo Setúbal), essa busca de uma dinâmica clara que unifique os elementos em jogo se mostra acentuadamente. A extensão de vermelho nas margens do quadro se vê interrompida pela trama xadrez que a organiza sutilmente, pela progressiva incorporação da superfície vermelha à grade regular, em que se sucedem quadrados vermelhos e brancos. As duas diagonais externas (à esquerda e à direita) desencadeiam um movimento que rompe a pacífica sucessão de quadrados brancos e vermelhos, criando triângulos que dinamizam a composição e criam novos eixos de leitura, sobretudo se considerarmos que a posição dos triângulos brancos e vermelhos inverte-se dos dois la-

dos, intensificando a impressão de dinâmica do conjunto. Daquelas duas diagonais partem novas diagonais (mais internas) que, dado o número ímpar de quadrados que compõem a obra (onze “casas”), movem-se paralelamente, em lugar de se encontrarem. Esse descompasso faz com que, no centro geométrico da tela, surja um paralelogramo, combinação meio tensionada dos triângulos que foram criados pelo seccionamento dos quadrados centrais. Essa figura, que por sua centralidade e diferença formal adquire uma visibilidade acentuada, funcionará também como uma espécie de síntese do movimento que dinamizou aquele xadrez estático, já que surge como a única forma que, ao ocupar dois quadrados, conteria a chave (o “conceito” a partir do qual o trabalho se deduz) de elucidação dos demais procedimentos: o seccionamento diagonal de um quadrado.

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nas telas anteriores ou posteriores do artista. Também as irregularidades tão características de suas Fachadas, as configurações meio rústicas a insistir na origem manual das formas, dão lugar a linhas rigorosamente retas e a formas geométricas estritas. Muitas vezes - mas há aí diferenças que abordarei mais adiante, as figuras delineadas com rigor estabelecem entre si uma relação dinâmica que parecem remeter ao Manifesto Ruptura, quando reivindica uma arte “dotada de princípios claros e inteligentes”, “considerando-a um meio de conhecimento deduzível de conceitos”, que busquem a “renovação dos valores essenciais da arte visual (espaço-tempo, movimento e matéria)”. Seja como for, indiscutivelmente as pinturas desse período revelam uma relação mais evidente entre as formas e seus desdobramentos.

Cartaz do grupo Ruptura.

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Se aproximarmos esses trabalhos de Volpi de uma obra de Waldemar Cordeiro presente na mesma I Exposição Concreta, de fato as telas do pintor revelam diferenças significativas em relação àquelas do principal impulsionador do movimento concreto em São Paulo. Na obra Idéia visível (40 cm de diâmetro, coleção particular), o uso por Cordeiro do plexiglass já é um indicador seguro de suas intenções. A transparência do suporte, acentuada por um anteparo preto colocado por trás, ajuda realmente a tornar visível a idéia do artista, que de certo modo se resume a recusar a simples reiteração concêntrica dos diversos círculos, construindo figuras que, em sua excentricidade, produzem a impressão de que aquele desequilíbrio conduzirá a uma dinâmica dos círculos, desencadeada pela falta de balanceamento entre eles. Sob a influência do último construtivismo - Max Bill e a Escola de Ulm, quando sob sua influência,

muitos dos trabalhos da mostra primam por tornar transparente o processo que engendraria a forma final dos trabalhos, pois à arte de uma época industrial não caberia operar com as antigas noções de intuição, inspiração ou genialidade.,e já em 1956, seja possível encontrar uma maior busca de racionalidade e de unidade formal entre os concretos de São Paulo. A ruptura entre concretos e neoconcretos - posteriormente caracterizada como uma oposição entre paulistas e cariocas, se formaliza com a publicação do manifesto neoconcreto, em 22 de março de 1959, no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, e com a I Exposição Neoconcreta, do mesmo período. Contudo, mesmo durante as duas versões da I Exposição Nacional de Arte Concreta (fins de 1956 no MAM-SP e começo de 1957 no Ministério da Educação e da Saúde, no Rio de Janeiro), algumas divergências entre os dois grupos já se faziam notar. Ferreira Gullar e Mário Pedrosa com dois dias de diferença e ainda no mês da exposição no Rio, tornam claras algumas distinções entre os dois grupos. Embora Gullar escreva num tom mais polêmico que o de Pedrosa, os argumentos vão na mesma direção: enquanto os paulistas seriam mais teóricos, mais próximos da idéia e da dinâmica visual, lidando com formas simplificadas e evitando alusões subjetivas, os cariocas se inclinariam mais para o empírico, para o sensual e subjetivo, encarando a pintura como cor e matéria e não apenas como jogo óptico realizado a partir de cores duras e formas fortes.


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Sob o impacto da I Bienal Internacional de São Paulo, e da vinda delegação dos artistas construtivistas suíços, principalmente Max Bill, surgiu em São Paulo o movimento concreto. O grupo inicial era formado por Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Kazmer Féjer, Anatol Wladyslaw e Leopoldo Haar, artistas que desde a década anterior realizavam experiências com a abstração, abandonando a representação da realidade em suas obras. A arte representativa não respondia às novas questões do mundo industrial. Era necessária uma nova forma de arte, que pensasse e agisse diretamente na sociedade contemporânea. Os artistas se reuniam regularmente para discutir os novos caminhos da arte, da arquitetura e do design (termo este que era novidade no Brasil). A idéia era organizar um projeto de reforma para a cultura brasileira. Assim, não existiria nome mais significativo do que Grupo Ruptura. “Eu, Cordeiro, Charoux, Féjer, Geraldo de Barros nos encontrávamos quase que semanalmente. Uma cantina na rua Santo Antonio: perninha de cabrito e vinho italiano e dali, dos papos que nós tínhamos, é que surgia a idéia. Então o Cordeiro, que era o organizador, me convidou: mês que vem, daqui a dois meses, há uma proposta para expormos no Rio de Janeiro. Então, juntávamos alguns trabalhos. (...) Nos conhecíamos de perto.”, lembrou Luiz Sacilotto, em uma entrevista em 2002, disponível na biblioteca do MAC-USP. Em 9 de dezembro de 1952, o Grupo Ruptura realizou sua primeira exposição, no

Museu de Arte Moderna de São Paulo, local de grande efervescência cultural, na época na Rua 7 de Abril. Foi o modo encontrado de oficializar a existência do grupo. Os próprios artistas realizaram a montagem de suas obras no local da exposição. Os membros assinaram e distribuíram para o público da exposição o Manifesto Ruptura, que continha, no formato de palavras de ordem e com um projeto gráfico concreto (estruturado segundo a Gestalt visual), a idéia de que a arte do passado estava em crise e que eles eram a renovação: “a arte do passado foi grande, quando foi inteligente. Contudo, a nossa inteligência não pode ser a de Leonardo. A história deu um salto qualitativo. Não há mais continuidade! Então nós distinguimos: os que criam formas novas de princípios velhos; os que criam formas novas de princípios novos.” A exposição gerou diversas discussões no meio cultural brasileiro. Sérgio Milliet criticou o grupo publicamente no jornal O Estado de S. Paulo, e Waldemar Cordeiro respondeu às críticas no Correio Paulistano. Começavam aí uma série de polêmicas em jornais e revistas que se estenderiam por toda a década de 50. O Grupo Ruptura se opunha a toda arte que havia sido feita no Brasil até então - tanto figurativa, quanto abstrata. As discussões a partir do seu surgimento passaram a ter três vertentes: a arte figurativa, a arte abstrata (que distorce os elementos, mas ainda se baseia na realidade), e a arte concreta (que não quer representar a realidade, e sim quer ser e agir na realidade contemporânea). Esta oposição às formas de arte feitas no Brasil até então não era meramente estética. As artes do passado estavam ligadas a um determinado pensamento cultural que não mais respondia às questões da vida contemporânea industrial. O movimento concreto queria ampliar a esfera de atuação das artes, pensando e melhorando o ambiente urbano, modernizando o meio cultural brasileiro e, principalmente, socializando as artes e a cultura. No decorrer na década de 50, outros membros foram convidados a se unir ao grupo. Foi o caso de Maurício Nogueira Lima, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand e Alexandre Wollner. Em 1954, no Rio de Janeiro, surgiria outro movimento concreto:

o Grupo Frente. A partir da exposição do Grupo Ruptura, os artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro passariam a manter contato entre si, e realizariam juntos, em 1956/57, em ambas as cidades, a I Exposição Nacional de Arte Concreta. Desta exposição decorreriam uma série de polêmicas entre os grupos paulista e carioca, principalmente entre Waldemar Cordeiro e Ferreira Gullar, que levariam à cisão e à fundação do Grupo Neoconcreto no Rio de Janeiro. Os membros do Grupo Ruptura expuseram juntos durante toda a década de 50, e alguns, como Waldemar Cordeiro, Maurício Nogueira Lima, Geraldo de Barros, Alexandre Wollner e Hermelindo Fiaminghi atuaram nas áreas do design, arquitetura e paisagismo. A partir de então, as artes plásticas e a vida cotidiana na sociedade industrial passariam a se fundir cada vez mais no Brasil, abrindo caminhos para outras experiências de integração entre arte e vida que se desenvolveriam na década de 1960. Observa-se que a adoção de postulados extremamente racionalistas para a arte revelam a ânsia de superar o atraso tecnológico, a condição espiritual de país colonizado e de economia subdesenvolvida, característicos da realidade brasileira, sendoque as questões e a prática introduzidas pelo Ruptura mobilizam a maior parte dos debates nos anos 1950. O grupo não promove outras exposições de seus participantes, entretanto, já contando com outros adeptos como Hermelindo Fiaminghi (1920 - 2004), Judith Lauand (1922), Maurício Nogueira Lima (1930 - 1999) e o apoio dos poetas concretos paulistas, organizam a 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta (1956/1957). Por volta de 1959 o Grupo Ruptura começa a se dispersar.

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Especial Alfredo Volpi

Cronologia 1896 Nasce em Lucca, na Itália. 1897 A família Volpi vem para o Brasil. 1911 Começa a trabalhar como pintor-decorador de paredes. 1914 Data de sua primeira paisagem conhecida. 1934 Volpi já participa das sessões conjuntas de desenho de modelo vivo no Grupo Santa Helena. 1937 Expõe com a Família Artística Paulista. 1944 Primeira exposição individual. 1950 Primeira e única viagem à Europa, onde passa quase seis meses. 1952 Participa da representação brasileira na Bienal de Veneza. 1953 Prêmio de melhor pintor nacional, na II Bienal de São Paulo. 1956 Exposição individual no MAM - SP (Museu de Arte Moderna) Participa da exposição de arte concreta em São Paulo. 1957 Participa da exposição de arte concreta no Rio de Janeiro. Exposição retrospectiva no MAM – RJ. 1958 Ganha o Prêmio Guggenheim. Realiza afrescos na capela Nossa Senhora de Fátima, em Brasília. 1959 Exposição em Nova York. - participação na V Mostra Internacional de Tóquio. 1960 Sala Especial na VI Bienal de São Paulo. 1962 Recebe o prêmio da crítica carioca, como melhor pintor do ano. 1964 Participação na Bienal de Veneza. 1966 Realiza o afresco Dom Bosco no Itamarati. - Sala Especial na I Bienal da Bahia. 1970 Ganha prêmio de pintura no II Panorama do MAM – SP. 1972 Grande retrospectiva do MAM – RJ. 1973 Recebe a medalha Anchieta da Câmara Municipal de São Paulo. Ordem de Rio Branco no grau de grão-mestre. 1975 Grande retrospectiva do MAM – SP. 1976 Comemoração dos seus 80 anos, em exposição retrospectiva: Volpi – a visão essencial, no Museu de Arte Contemporânea de Campinas. 1980 Exposição Volpi, na FUNARTE, em Brasília. 1981 Exposição - Volpi Metafísico, no Centro de Controle Operacional do Metrô de São Paulo. 1983 Homenagem de rua “Pinte com Volpi”, organizada pela Paulistur. 1984 Exposição Tradição e Ruptura, pela Fundação Bienal de São Paulo. 1986 Em comemoração aos 80 anos de Volpi, o MAM SP organiza uma importante retrospectiva, com a participação de 193 obras. 1988 Morre em 28 de maio.

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“Eu não falo, eu pinto.” Alfredo Volpi


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