Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos.

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Madson Luis Gomes de Oliveira

Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos.

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em Design da PUC - Rio, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Design. Orientador: Profa.Dra. Denise Berruezo Portinari Co-Orientadora: Profa. Dra. Carla Costa Dias

Rio de Janeiro Agosto de 2010


Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos. Madson Luis Gomes de Oliveira

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Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Design da PUC-Rio, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Design. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profa. Denise Berruezo Portinari Orientadora Departamento de Design – PUC-Rio

Profa. Carla Costa Dias Co-orientadora Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Profa. Helenise Monteiro Guimarães Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Prof. Frederico Augusto Liberalli Goes Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Profa. Rita Maria de Souza Couto Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio

Prof. Alberto Cipiniuk Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio Profa. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas PUC-Rio Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2010


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e da orientadora. Madson Luis Gomes de Oliveira

Graduou-se em Estilismo e Moda na Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza, em 2002. Especializou-se (Lato Sensu) em Ensino da Arte, na Universidade Veiga de Almeida – UVA, Rio de Janeiro, em 2005. Defendeu dissertação de Mestrado em Design, na Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio, em 2006. Professor assistente dos Cursos: Design de Moda, Universidade Veiga de Almeida – UVA; Artes Cênicas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

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Ficha Catalográfica

Oliveira, Madson Luis Gomes de

Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos / Madson Luis Gomes de Oliveira ; orientadora: Denise Berruezo Portinari ; co-orientadora: Carla Costa Dias. – 2010 224 f. : il. (color.) ; 30 cm

Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2010. Inclui bibliografia

1. Artes e Design – Teses. 2. Design. 3. Artesanato. 4. Carnaval. 5. Turismo. 6. Cultura. 7. Sociedade. I. Portinari, Denise Berruezo. II. Dias, Carla Costa. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes e Design. IV. Título. CDD: 700


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À minha querida (e restrita) família, que soube entender minhas escolhas, mesmo sentindo a distância física, em palavras de incentivo e carinho, mediadas por pulsos telefônicos.


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Agradecimentos

Ao Programa de Pós-Graduação em Design – PPG Design – PUC-Rio, pelo espaço propício às reflexões e pesquisas para o entendimento de nossa sociedade. Pelo apoio com a bolsa de isenção que possibilitou o custeio do curso.

À minha orientadora, Professora Doutora Denise Berruezo Portinari, por sua disposição em me receber como orientando, desde a primeira proposta ainda no Mestrado, confiando nos caminhos e em intuições que eu lhe apresentava, tranquilizando-me diante do processo de reflexão, que possibilitou o fechamento (e a abertura) de mais este ciclo, em nossas vidas.

À minha co-orientadora, Professora Doutora Carla Costa Dias, por indicações de textos preciosos e pela brilhante interlocução com o nosso tema, aparentemente distante de seu universo de pesquisa.

Aos professores que aceitaram participar da Comissão examinadora: Doutora Helenise Guimarães, pela presteza e indicação de textos sobre cultura, turismo e carnaval; Doutor Frederico Goes, por sua disponibilidade e reflexões sobre o carnaval; Doutora Rita Couto, pela acolhida no PPG em Design e por textos tão caros, sobre design e interdisciplinaridade; Doutor Alberto Cipiniuk, pelo acolhimento no Grupo de Estudos GRUDAR e pelas críticas, sempre construtivas.


Aos professores que concordaram em acompanhar o nosso trabalho, como suplentes da banca examinadora, Doutora Jackeline Farbiarz (suplente interno) e Doutor Samuel Abrantes (suplente externo).

À Célia Domingues, presidente da Associação das Mulheres Empreendedoras do Brasil – AMEBRAS, que disponibilizou as informações necessárias para esta pesquisa, bem como permitiu o acompanhamento da oficina de adereços, visitação e entrevistas à sede e aos pontos de vendas da ONG que preside, permitindo, assim, o estudo de caso constante nesta Tese.

Aos instrutores, artesãos e colaboradores da AMEBRAS, por sua paciência em explicar toda a dinâmica de funcionamento daquela ONG, bem como pela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

disponibilidade e presteza dos relatos, muitas vezes carregados de passagens pessoais que nos fizeram entender sobre suas escolhas.

Ao amigo e Mestre, Professor Samuel Abrantes, por me descortinar o carnaval e abrir espaço à sua convivência. Sem saber, um dia, cobrou que eu contasse minha história e, agora, ressalto que ele faz parte dela. Ao Magnífico reitor da Universidade Veiga de Almeida – UVA, Mário Veiga de Almeida Júnior, pela oportunidade e incentivo para a criação de cursos de graduação e pós-graduação na área do carnaval.

À professora e amiga Helena Theodoro Lopes, por assumir a coordenação da Pós-Graduação em Figurino e Carnaval, da UVA, durante os dois últimos anos de meu processo de doutoramento.

Aos colegas da Pós-Graduação, em trocas frutíferas, das salas de aulas, bate-papos no café ou em longos telefonemas, discutindo sobre os próximos passos.

À gentil amiga Sandra Portugal, que pacientemente me recebeu em sua casa, aos finais de semana, para me orientar sobre os melhores caminhos.


A todos os amigos e familiares que, de uma forma ou de outra, estimularam ou ajudaram, durante o período desta pesquisa.

A todos os professores e funcionários do Departamento de Artes e Design pelos ensinamentos e pela ajuda.

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Muito obrigado!


Resumo

Oliveira, Madson Luis Gomes de; Portinari, Denise Berruezo. Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos. Rio de Janeiro, 2010, 224p. Tese de Doutorado – Departamento de Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“Imaginários da criação: o tempo e o espaço dos souvenirs carnavalescos” é o resultado da pesquisa realizada para o Doutoramento em Design, no

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Departamento de Artes e Design, da PUC – Rio. A pesquisa se propôs investigar a produção de objetos com temática carnavalesca destinados ao turismo e realizados em cursos de profissionalização que misturam procedimentos e técnicas de design com características artesanais. Este trabalho teve como objetivos principais: (a) revelar como se constitui o campo social no carnaval carioca, através de suas práticas; (b) esclarecer como se dá a produção de objetos carnavalescos, nos desfiles das Escolas de Samba (adereços, alegorias e fantasias); (c) apontar as especificidades das oficinas de qualificação de mão de obra para o mercado carnavalesco

promovidas

pela

ASSOCIAÇÃO

DAS

MULHERES

EMPREENDEDORAS DO BRASIL - AMEBRAS, reveladas por meio de depoimentos; (d) compreender como se dá a produção/circulação/recepção dos souvenirs com temática carnavalesca, e, finalmente, (e) dimensionar o(s) tempo(s) e espaço(s) para a criação dos souvenirs carnavalescos.

Palavras-chave

Design; Artesanato; Carnaval; Turismo; Cultura; Sociedade.


Abstract

Oliveira, Madson Luis Gomes de; Portinari, Denise Berruezo. Imaginary realms of creation: the time and space of carnival souvenirs. Rio de Janeiro, 2010, 224p. PhD Thesis – Departament of Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“Imaginary realms of creation: time and space in carnival souvenirs” is the result of research conducted for a PhD in Design, at the Department of Art and Design, of PUC-Rio. The research investigated the production of carnival-themed

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objects aimed at tourism and produced in vocational courses that combine design procedures and techniques with craftwork characteristics. The main objectives of this study were: (a) to reveal how the social field is constituted in the Rio de Janeiro carnival, through its practices; (b) clarify the production process of carnival objects for the Samba School parade (props, floats and fancy dresses); (c) identify the specific features of the training workshops for the carnival market promoted by the Association of Women Entrepreneurs of Brazil (ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES EMPREENDEDORAS DO BRASIL – AMEBRAS), revealed through interviews; (d) understand how the production/distribution/reception of carnival-themed souvenirs occurs, and finally (e) understand the time and space proportions for the creation of carnival souvenirs.

Keywords:

Design; Craftwork; Carnival; Tourism; Culture; Society.


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Sumário 1. 2. 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 3. 3.1 3.1.1 3.1.1.1 3.1.1.2 3.2 3.2.1 3.2.1.1 3.2.1.2 3.2.2 4. 4.1 4.2 4.3 5. 6. 7. 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 7.6 7.7 7.8 7.9 7.10 7.11

Introdução O carnaval carioca e suas práticas sociais O turismo temático e o carnaval carioca Escolas de Samba em desfile Sambódromo: espaço de apresentação Cidade do Samba: espaço de produção e convivência Os objetos carnavalescos A produção para a Festa (ou “para dentro”) O barracão e a produção dos objetos carnavalescos Alegorias e adereços Fantasias A produção para o Mercado (ou “para fora”) A ONG AMEBRAS A oficina de adereços da AMEBRAS As lojas da AMEBRAS Os souvenirs carnavalescos Entre o design e o artesanato As dimensões do design As dimensões do artesanato Entre dois mundos encantados Conclusão Bibliografia Anexos Depoimento de Vera Lúcia Fernandes da Rosa, na Cidade do Samba, em 17/04/2008 Depoimento de Sandro Raimundo, na Cidade do Samba, em 29/04/2008 Alunos do curso de Adereços, na Cidade do Samba, em 09/05/2008 Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008, no Cassino Atlântico Depoimento de Vera Lúcia Fernandes da Rosa, na Cidade do Samba, em 05/06/2008 Depoimento de Ivana de Freitas, na Cidade do Samba, em 05/06/2008 Depoimento de Jurema Martins Correa Lemos, na Cidade do Samba, em 17/07/2008 Depoimento de Shirley Melo, na Loja do Sambódromo, em 21/07/2008 Depoimento de Cocco Barçante, na Loja do Sambódromo, em 21/07/2008 Depoimento de Célia Domingues, na Cidade do Samba, em 02/09/2009 Depoimento de funcionários e visitantes, na loja do Sambódromo, em 15/10/2009

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Lista de figuras

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Figura 01

Praça principal da Cidade do Samba com antigas esculturas decorando o espaço. Fonte: Madson Oliveira Figura 02 Foto do desfile da Escola de Samba Império Serrano, de 1960, na Avenida Rio Branco. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Figura 03 Foto do desfile da Escola de Samba Salgueiro, de 1962, na Avenida Rio Branco. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Figura 04 Desenho em perspectiva do Sambódromo, mostrando os setores de arquibancadas e a pista de desfiles. Fonte: Fonte: http://liesa.globo.com/ Figura 05 Representação de mapa do Sambódromo, com visão total da avenida, inclusive com a marcação dos módulos de jurados. Fonte: Fonte: http://liesa.globo.com/ Figura 06 Foto aérea do Sambódromo do Rio de Janeiro, mostrando a altura das arquibancadas. Fonte: http://fatioupassou.com/wp-content/uploads/2009/01/798.jpg Figura 07 Foto de ensaio técnico, realizado no Sambódromo. Esta é mais uma iniciativa da LIESA para incentivar a participação nos desfile das Escolas de Samba, bem como atrativo turístico. Fonte: http://liesa.globo.com/ Figura 08 Representação de mapa da região onde a Cidade do Samba foi construída: a zona portuária. Fonte: http://liesa.globo.com/ Figuras (09) Cidade do Samba – barracões com passarelas para visitantes, 09, (10) detalhe da passarela externa por onde passam os visitantes que 10 e 11 conferem o trabalho realizado no interior dos barracões e (11) loja da AMEBRAS, na Cidade do Samba. Fonte: Madson Oliveira Figura 12 Foto de alegoria desenvolvida por Joãosinho Trinta para Viradouro, 1997. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Figura 13 Foto de alegoria desenvolvida por Renato Lage para GRES Mocidade Independente de Padre Miguel, 1996. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Figura 14 Foto de alegoria desenvolvida por Rosa Magalhães para Imperatriz Leopoldinense, 1999. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Figura 15 Foto de barracão vazio, antes de sua ocupação na Cidade do Samba. Fonte: http://liesa.globo.com/ Figuras 16 Fotos de alegorias em seus estágios iniciais: primeiro, a ferragem; e 17 depois, a marcenaria começa a dar forma. Fonte: http://liesa.globo.com/ Figura 18 Alegoria da Portela, para o desfile de 2008. Fonte: http://oglobo.globo.com/fotos/2008/02/04/04_MHG_carro.jpg Figura 19 Alegoria “DNA”, da Unidos da Tijuca, 2004.

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Figuras 20, 21 e 22 Figuras 23 e 24 Figura 25

Figuras 26 e 27 Figuras 28 e 29

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Figuras 30 e 31 Figuras 32 e 33 Figuras 34 e 35

Fonte: http://media.photobucket.com/image/alegoria%20Tijuca%202004/s even2004/carnaval/050118_carna_tijuca_01a.jpg Placa de acetato com estrelas já “batidas”; (21) Bloco de isopor sendo esculpido para dar forma à alegoria e (22) Alegoria com esculturas de grandes dimensões, sendo finalizada por aderecista. Fonte: Madson Oliveira Croquis das fantasias desenvolvidas por Rosa Magalhães. Fonte: OLESEN, Jens (2005) Foto (frente e costas) de fantasia-protótipo do Salgueiro, 2008. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/foto/0,,11968350EX,00.jpg Protótipos miniaturizados de fantasias da Bateria e Baianas, da Imperatriz Leopoldinense, em 2005. Fonte: OLESEN, Jens (2005) (28) Placa de acetato “batida” e (29) Materiais para confecção de fantasias. Fonte: Madson Oliveira Partes da fantasia, usando as placas de acetato: (30) gola e (31) gravatas. Fonte: Madson Oliveira (32) Parte da fantasia ao lado e (33) Fantasias já prontas e vestidas. Fonte: Madson Oliveira (34) Fantasia de bateria, representando o conto infantil “A nova roupa do rei” e (35) fantasia da ala de baianas, representando o frio típico da Dinamarca, local de nascimento do autor infantil. Fonte: OLESEN, Jens (2005) (36) Sandro Raimundo, (37 e 38) alunos em oficina de adereços. Fonte: Madson Oliveira

Figuras 36, 37 e 38 Figuras 39 Pesquisa e amostras de matérias-primas (tecidos e aviamentos), do e 40 GRES Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 2003. Fonte: Madson Oliveira Figuras41 Seleção, separação e acondicionamento de materiais reaproveitados e 42 para serem usados na oficina de adereços. Fonte: Madson Oliveira Figuras (43) Broches sendo ensinados em oficina de adereços, em 2008.1 e 43e 44 (44) broches e bottons expostos para venda, na loja do Sambódromo. Fonte: Madson Oliveira Figuras 45 (45) Artesã confeccionando máscara em oficina da AMEBRAS e e 46 (46) máscara finalizada exposta em loja do Sambódromo. Fonte: Madson Oliveira Figuras 47 (47) Cerimônia de “formatura” das oficinas promovidas pela e 48 AMEBRAS e (48) Banner do Projeto Social “Carnaval e Cidadania”. Fonte: Madson Oliveira Figuras 49 (49) Banner do projeto “Armazém do Samba – Carnaval e e 50 Cidadania” e (50) Banner com mensagem “positiva” sobre

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Figuras 51 e 52 Figuras 53 e 54 Figuras 55 e 56

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Figuras 57, 58 e 59 Figuras 60, 61 e 62 Figuras 63, 64 e 65 Figuras 66 e 67 Figuras 68 e 69 Figura 70

Figuras 71 e 72

Figuras 73 e 74

Figura 75 Figuras 76, 77, 78, 79, 80 e 81 Figura 82

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cidadania. Fonte: Madson Oliveira Cidade do Samba: (51) Barracão no. 1 e (52) loja no modelo de stand de feira. Fonte: Madson Oliveira Turistas visitando o Sambódromo: (53) placa indicativa com horário de visitação da loja da AMEBRAS e (54) turistas fantasiados. Fonte: Madson Oliveira Turistas fotografam: (55) a loja da AMEBRAS no Sambódromo e (56) vestidos de fantasias alugadas, no Sambódromo vazio Fonte: Madson Oliveira Bonecas em miniatura, de pele negra: (57) passista feminina, (58) chaveiros feitos em biscuit de sambistas negras e (59) representação de Renato Sorriso - o gari sambista. Fonte: Madson Oliveira Artesã e instrutora da AMEBRAS Jurema Lemos, e duas bonecas de baianas em miniatura da artesã. Fonte: Madson Oliveira Miniaturas diversas: (63) representação de feijoada, (64) representação de “pretos velhos” e (65) instrumentos musicais de percussão. Fonte: Madson Oliveira Adereços de cabeça (cocar indígena carnavalesco). Fonte: Madson Oliveira Adereços de cabeça confeccionados pela artesã Jurema. Fonte: Madson Oliveira Placa na qual observamos que o termo souvenir é sinônimo de artesanato. Fonte: Madson Oliveira (71) Márcia arrumando seus produtos, e (72) os produtos empilhados na barraca em que expõe, no Shopping Cassino Atlântico. Fonte: Madson Oliveira (73) Painel representativo do “espírito carioca” e (74) painel que exemplifica um ponto turístico importante do Rio de Janeiro: o Cristo Redentor. Fonte: Madson Oliveira Camiseta e top customizado por Cocco Barçante. Fonte: Madson Oliveira (76) Capa do catálogo, (77) máscaras carnavalescas, (78) chaveiros, (79) Caixas/cartonagem e embalagens, (80) miniaturas carnavalescas e (81) adereços de cabeça. Fonte: Catálogo de produtos “Carnaval e Cidadania” Desfile de carnaval em Portrero de Los Funes, na província de San Luis, na Argentina. Fonte: http://odia.terra.com.br/portal/odianafolia/html/2010/3/sambistas_d o_rio_fazem_historia_na_argentina_69430.html Logomarca da 4ª Feira de Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais

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Oficinas diversas que aconteceram durante a 4ª Feira Rio Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais Planta da 4ª Feira Rio Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais Figura 89 Título do artigo publicado na Revista Rio Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais Figuras 90 Adereços confeccionados em oficina - 4ª Rio Artes Manuais. e 91 Fonte: Madson Oliveira Figura 92 Artigo referido pelas ações da AMEBRAS. Fonte: Revista Rio Artes Manuais Figuras 93 Filipetas de eventos sobre artesanato. e 94 Fonte: Madson Oliveira

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Figuras 84, 85, 86 e 87 Figura 88

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PRA TUDO SE ACABAR NA QUARTA-FEIRA1

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A grande paixão Que foi inspiração Do poeta é o enredo Que emociona a velha-guarda Lá na comissão de frente Como a diretoria Glória a quem trabalha o ano inteiro Em mutirão São escultores, são pintores, bordadeiras São carpinteiros, vidraceiros, costureiras Figurinistas, desenhistas e artesão Gente empenhada em construir a ilusão E quem tem sonhos Como a velha baiana Que foi passista Brincou em ala Dizem que foi o grande amor de um mestre-sala O sambista é um artista E o nosso Tom é o diretor de harmonia Os foliões são embalados Pelo pessoal da bateria Sonho de rei, de pirata ou jardineira Pra tudo se acabar na quarta-feira Mas a quaresma lá no morro é colorida Com fantasias já usadas na avenida Que são cortinas, que são bandeiras Razão pra vida tão real da quarta-feira É por isso que eu canto.

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Martinho da Vila, para o carnaval da Unidos de Vila Isabel, no ano de 1984. In: GOES (2007, p. 208).


1. Introdução TRADUZIR-SE1 Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém, fundo sem fundo Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão Uma parte de mim pesa, pondera Outra parte delira Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta

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Uma parte de mim é plenamente Outra parte se sabe de repente Uma parte de mim é só vertigem Outra parte linguagem Traduzir uma parte na outra parte Que é uma questão de vida e morte Será arte?

Os desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, desde sua oficialização na década de 1930, têm atraído o interesse de diversos setores da sociedade: seja por motivos econômicos, socioculturais ou, ainda, pelo simples prazer em participar da festa, desfilando, assistindo ou trabalhando. A história das Escolas de Samba do Rio de Janeiro já foi contada2 e recontada diversas vezes, com enfoques variados desde a cronologia das agremiações carnavalescas, passando pelas etapas que antecedem ao desfile, em

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Poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, extraído da introdução à edição de 2001, no livro: CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair na modernidade. Tradução Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; Tradução da introdução Gênese Andrade. São Paulo: EDUSP, 2008. 2 CAVALCANTI, Maria Laura Viveiro de Castro: 2009, 1999 e 1994; DAMATTA, Roberto: 1997 e 1981; FERREIRA, Felipe: 2004 e 1999; GOLDWASSER, Maria Julia: 1975; GUIMARÃES, Helenise Monteiro: 1992; MAGALHÃES, Rosa Lúcia Benedetti: 1997; MORAES, Eneida: 1987; SOUZA, Hamilton Moss de: 1989; VIANNA, Hermano: 2004, entre outros.


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análise de fantasias3, e, ainda, o processo de profissionalização do responsável pelo enredo, isto é, o carnavalesco4. No entanto, as pesquisas ainda não investigaram o tema que apresentamos neste trabalho: a produção manufatureira de “lembrancinhas” com a temática do carnaval.

Recentemente, uma nova

categoria de práticas e produtos ligados à festa carnavalesca tem surgido, pois, no Rio de Janeiro, a festa carnavalesca alimenta uma infinidade de produtos e serviços na produção dos desfiles de Escolas de Samba, incentivando (e incentivado pelo) o turismo. As Escolas de Samba cariocas constituem-se de grupos com hierarquias específicas e organizadas que se subdividem em presidência, diversas diretorias e cargos administrativos, como numa empresa. E o resultado dessa organização pode ser observado nos desfiles das Escolas de Samba, no período momino. Cada uma destas instituições tem seus códigos de estruturação com espaços geográficos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

e simbólicos também distintos. As Escolas de Samba cariocas se situam por toda a região metropolitana do Rio de Janeiro, abrangendo, ainda, diversos distritos e municípios. Há uma grande quantidade de pessoas envolvidas com o “saber carnavalesco” 5, na cidade do Rio de Janeiro, em períodos que antecedem aos desfiles das Escolas de Samba, de outubro a fevereiro, com poucas variações. No entanto, no restante do ano, os trabalhadores que aprenderam a desenvolver alguma habilidade referente à confecção de fantasias, adereços 6 e alegorias7 ficam 3

As fantasias de Escolas de Samba “vestem”, literalmente, todos os participantes dos desfiles, de acordo com o enredo de cada agremiação. Mais adiante, daremos maiores detalhes sobre este termo. Neste momento, esta nota presta-se a diferenciar o termo de possíveis interpretações diferentes deste sentido. 4 O termo carnavalesco, neste sentido, refere-se ao profissional responsável pelo desenvolvimento do enredo para as Escolas de Samba, assim como por toda a parte plástico-visual dos desfiles. Mais adiante, este termo aparecerá referindo-se ao universo do carnaval. 5 GOLDWASSER (1975, p. 174) afirma que “O „saber‟ carnavalesco difere de outras formas de conhecimento artístico. Ele está dentro da chamada „cultura popular‟ no sentido de que compreende uma forma de aprendizado espontâneo e informal, depende assim de vivência e convivência dentro de um meio de „especialistas‟”. GUIMARÃES (1992, p. 207) complementa: “O grau de especificidade que envolve o „fazer carnaval‟ coloca o carnavalesco numa posição de especialista que o distingue no contexto da Escola de Samba, onde conhecimentos e habilidades específicas são bastante valorizados [...]”. 6 Os adereços são também conhecidos como alegorias de mão. Segundo MAGALHÃES (1997), “Para compor a fantasia há as alegorias de mão. Foi um recurso que revolucionou o desfile, outra descoberta dos anos [19]70. Qualquer coisa que o figurante carregar é chamada de alegoria de mão e conta pontos no julgamento do quesito alegorias e adereços” (pp. 43-46). A derivação deste termo mais comum é usá-lo como verbo no sentido próprio da ação de adereçar, significando enfeitar, decorar, engalanar, ornamentar, etc. 7 Também chamadas de carros alegóricos, as alegorias pontuam os desfiles de Escolas de Samba, reforçando as principais ideias contadas nos enredos. Geralmente, possuem grandes estruturas físicas montadas em chassis de caminhões ou ônibus e confeccionadas em várias camadas: ferro, madeira e, finalmente, a decoração. Em cima das alegorias, são colocadas


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sem uma atividade permanente. Alguns destes artesãos foram estimulados para utilizar suas habilidades, e a proximidade com as Escolas de Samba, para produzir souvenirs (artesanatos carnavalescos) com finalidade comercial. Atualmente, nas grandes cidades, diversas formas de artesanato têm se tornado uma alternativa viável como fonte de renda, diante da falta de emprego formal. Em especial, nas comunidades de baixa renda (geralmente situadas em regiões periféricas), a falta de educação formal e qualificação profissional agravam esta situação. Estes fatores diminuem a oportunidade dos habitantes terem uma colocação no mercado formal de trabalho e, consequentemente, a manutenção econômica de sua família. Algumas áreas da economia se mostram favoráveis à absorção de produtos e serviços, como o turismo e feiras temáticas, por meio da comercialização de artesanatos com características de uma determinada cultura, etnia ou festividade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Identificamos uma alternativa, cada vez mais comum, para reverter a situação da falta de emprego, através de instituições como a AMEBRAS – Associação das Mulheres Empreendedoras do Brasil. Esta ONG tem se ocupado em oferecer cursos de qualificação para os moradores de comunidades ligadas às Escolas de Samba do Rio de Janeiro, na tentativa de ampliar as oportunidades de ocupação e geração de renda. Pela proximidade com o “saber carnavalesco”, as pessoas que são atendidas pela AMEBRAS, em sua maioria, atuam confeccionando fantasias, adereços e alegorias para os desfiles de Escola de Samba, no período pré-carnavalesco. O interesse inicial neste tema foi observado quando desenvolvemos projetos de qualificação de mão de obra para oficinas de Carnaval e Moda, em parceria com a AMEBRAS, nos quais colocamos alguns alunos-monitores para a “Oficina de Customização – Carnaval/Moda”. Utilizamos essa aproximação com o “Projeto Carnaval e Cidadania” para obter dados para “alimentar” esta pesquisa. Com a crescente profissionalização do carnaval, consideramos pertinente uma reflexão sobre os objetos e linguagens gerados por meio da criação carnavalesca, algumas vezes como manufaturas artesanais, outras vezes como processos tecnologicamente avançados e, em outros casos, em estágios intermediários entre as duas posições citadas anteriormente. Ademais, a produção grandes esculturas (em isopor e fibra de vidro) e/ou componentes vestidos em fantasias de destaque e composição.


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manufatureira carnavalesca deve ser entendida como uma manifestação que hibridiza aspectos culturais com algumas peculiaridades do artesanato urbano, no qual sua produção é induzida, principalmente, por questões econômicas. Importa, ainda, observar o lugar de onde fazemos este estudo: o design na academia. Além disso, atualmente, o LaRS8 abriga o Grupo de Estudos “Design e Artesanato” devido ao crescente interesse dos alunos da Pós-Graduação no entrelaçamento destes temas. O Grupo promove reflexões acerca da produção de artefatos em âmbito artesanal e sua relação com outros tipos de produção de objetos e linguagens. Desta maneira, nossa pesquisa relaciona-se com outros estudos em desenvolvimento junto ao PPG em Design, como forma de entendimento de processos de Design, pois compreendemos esses processos como

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ações e devemos “pensar a atividade e o papel do designer como fruto de uma relação global, que inclui o meio, o lugar onde o objeto configurado se insere, o coletivo e a subjetividade, decorrentes da cultura, que está presente na relação do sujeito com o objeto [...].” (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p. 09).

A pesquisa produzida na área do Design permite uma melhor compreensão da materialidade e de sua visualidade nos aspectos estéticos (e extraestéticos), simbólicos,

subjetivos,

históricos

e

sociológicos,

enfatizados

pela

interdisciplinaridade9 como um dos fundamentos básicos da prática em Design. Além disso, o professor BOMFIM (1998) afirma que o design realizado no Brasil tem algumas peculiaridades próprias, pois “[...], essa situação se diferencia do caso europeu pelo fato de que apenas uma parte muito pequena dos produtos industriais é desenvolvida por designers. O processo de configuração desses produtos é semelhante aos procedimentos de épocas passadas, ou seja, permanece como tarefa de artesãos, engenheiros e outros técnicos” (p. 142).

De acordo com a citação acima, entendemos que toda a produção de objetos em torno do carnaval carioca, seja nos desfiles das Escolas de Samba, seja na configuração das “lembrancinhas” criadas por artesãos urbanos com temática 8

Laboratório da Representação Sensível, Departamento de Artes & Design, PUC-Rio, ao qual esta pesquisa está vinculada. 9 SOMMERMAN (2006). Este autor defende o conceito de interdisciplinaridade como uma “associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, conseqüentemente, enriquecimentos mútuos” (p. 33).


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carnavalesca não só em seus aspectos morfológicos, mas também como representação de parte de uma sociedade, de uma cultura: o carnaval é também uma forma legítima de pesquisa em design, ainda que a inclusão desse “fazer” entre “formas do design” seja problemática. Destacamos, ainda, que as discussões sobre esta questão é um dos objetivos desta Tese e representa uma de suas contribuições para o campo do design. Ademais, BOMFIM (1998) afirma que “A classificação do setor produtivo através dos critérios tradicionais – mãode-obra, capital, e volume de produção – não consegue mais abranger todas as possibilidades existentes e o surgimento de novos processos produtivos certamente levará a uma reflexão no campo do ensino do design. Esta, aliás, é uma tendência verificável: „design de móveis‟, „fashion design‟, etc. [e acrescentamos, nesta mesma perspectiva, o design de carnaval]” (p. 144).

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Nosso estudo serve de base para o entendimento do “fazer artesanal” contemporâneo e urbano, em sua produção, circulação e recepção, ampliando os conhecimentos sobre a relação entre o design e o artesanato. Desta maneira, entendemos a produção de objetos carnavalescos como uma das possibilidades de atuação de artistas, designers e artesãos. Nesse trabalho, toda a produção de objetos com temática carnavalesca utilizada nos desfiles das Escolas de Samba (fantasias, adereços, alegorias) é chamada de “objetos carnavalescos”. No entanto, para diferenciar essa produção das manufaturas comercializadas para turistas, denominamos essa última de “souvenirs carnavalescos”. Dois universos próprios do carnaval são observados a fim de estudar os processos que formatam esta manifestação sociocultural: a Festa e o Mercado. Na Festa, o foco de observação envolve tanto o processo de criação de fantasias, alegorias e adereços para os desfiles de Escolas de Samba, quanto os materiais, processos e profissionais. Enquanto no Mercado, a finalidade da produção dos souvenirs carnavalescos torna-se o objeto de investigação desta pesquisa, levandose em consideração os relatos (através de depoimentos) associados à prática artesanal, encontrados tanto na Festa quanto no Mercado. Nesta perspectiva, relacionamos o nosso estudo ao trabalho desenvolvido


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por CANCLINI (1983)10, pois ele leva em consideração o estudo da festa e dos artesanatos produzidos por comunidades indígenas, na América Central, enquanto nossa pesquisa contempla o estudo dos objetos produzidos pela festa carnavalesca. Para tanto, utilizamos a AMEBRAS como estudo de caso, pois essa ONG encarrega-se de oferecer cursos de qualificação e profissionalização em diversas áreas, a fim de oportunizar a inserção no mercado aos moradores de comunidades ligadas às Escolas de Samba. Muitas são as profissões contempladas no processo de qualificação e reciclagem de mão de obra nas oficinas promovidas pela AMEBRAS, como: (a) de serviços, como cabeleireiro, estamparia, pintura em tecidos e corte/costura e (b) de produtos, como adereços, chapelaria, miniaturas e souvenirs com a temática do carnaval (chaveiros, caixas e portas-retratos de papel, etc.). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Alguns participantes das oficinas de produtos aprendem técnicas para o desenvolvimento de artesanatos com materiais e temas próprios do carnaval carioca; outros já têm técnicas desenvolvidas para diferentes tipos de produto, mas querem se inserir “no carnaval”. A partir do acompanhamento da oficina de produtos ADEREÇOS relatamos e analisamos os seus produtos e processos, além de estudarmos os agentes envolvidos nesta dinâmica. Desta forma, está delineado o universo que desenvolvemos nesta pesquisa: a produção11 de objetos carnavalescos, no âmbito das Escolas de Samba, e dos souvenirs carnavalescos, comercializados em pontos turísticos geridos pela AMEBRAS. Acreditamos que as atividades desenvolvidas no processo de confecção dos souvenirs carnavalescos seguem o “saber fazer”, próprio dos objetos carnavalescos desenvolvidos em função dos desfiles das Escolas de Samba, no carnaval carioca. Além disso, cremos que tanto a produção de objetos carnavalescos quanto os souvenirs carnavalescos se constituem a partir de um imaginário12 e dos repertórios de imagens e discursos que circundam os

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CANCLINI (1983, p. 128) afirma: “Como um fenômeno global, que abrange todos os aspectos da vida social, a festa mostra o papel do econômico, do político, do religioso e do estético no processo de transformação-continuidade da cultura popular”. 11 Esclarecemos que nomeamos “produção do carnaval” os processos criativos na confecção de objetos, no sentido de produção/circulação/recepção entendido por BOURDIEU (2003), WOLFF (1982) e CANCLINI (1984). 12 Conforme PORTINARI (1999, p. 97): “Assim, podemos entender o trabalho do Design como uma atividade de criação e recriação da própria significação efetuada através das „coisas‟. Neste sentido podemos dizer que o imaginário não só „permeia‟ a atividade do designer, em todos os


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participantes. Com isso, suspeitamos que os souvenirs carnavalescos acabam instituindo tempos e espaços particulares, entre as dimensões do design e do artesanato. O objetivo geral desta pesquisa é entender como se dá a produção de souvenirs carnavalescos, com finalidade comercial, considerando que há uma relação e um saber intrínseco à confecção dos desfiles das Escolas de Samba, na utilização dos materiais, processos e usos. Para tanto, (a) revelamos como se constitui o campo social no carnaval carioca e suas práticas; (b) esclarecemos como se dá a produção de objetos carnavalescos, nos desfiles das Escolas de Samba; (c) apontamos as especificidades das oficinas de qualificação da AMEBRAS (através dos depoimentos); (d) compreendemos como se dá a produção/circulação/recepção dos souvenirs, com temática carnavalesca, e, finalmente, (e) dimensionamos o(s) tempo(s) e espaço(s) para os souvenirs PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

carnavalescos. O referencial teórico para tratar, especificamente, o tema aqui proposto é embrionário, pois esta pesquisa investiga questões ainda inexploradas no universo carnavalesco. No entanto, alguns autores se preocuparam em estudar as circunstâncias que apenas tangenciam o objeto desta pesquisa, como: os desfiles de Escolas de Samba; o carnaval carioca; a sociologia da arte; e, finalmente, o design enquanto processo sistematizado na produção de objetos. É a partir desses autores que buscamos um diálogo. Nesta perspectiva, nossa pesquisa apresenta caráter interdisciplinar13 ao relacionar autores de campos que interagem e integram seus conceitos e procedimentos teóricos. A partir do exposto, apresentamos alguns autores que tratam das questões relacionadas (a) ao carnaval, (b) ao turismo, (c) ao artesanato, cultura, à sociologia da arte e à produção artística, além (d) da área do design, a fim de explicitar nossa interlocução sobre o assunto aqui proposto e norteando a base teórica para o desenvolvimento desta Tese. (a)

Carnaval Os principais autores que estudaram o carnaval tratam de questões ligadas

à festividade, aos desfiles das Escolas de Samba e ao modo de produção do

níveis, mas que, mais radicalmente, o imaginário constitui a própria matéria que é trabalhada por essa atividade: a sua „matéria-prima‟”. 13 Conforme SOMMERMAN (2006).


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espetáculo. Assim, selecionamos dialogar com: Roberto DAMATTA (1997 e 1981), Helenise GUIMARÃES (2004 e 1992), Felipe FERREIRA (2004 e 1999), Maria Laura CAVALCANTI (2009, 1999 e 1994), Hamilton de SOUZA (1989) e Rosa MAGALHÃES (1997). Enquanto DAMATTA apresenta uma visão do carnaval carioca como manifestação tanto social, quanto estética, capaz de produzir sentidos na sociedade, com reflexo em diversas áreas e sujeitos, FERREIRA descreve os principais acontecimentos históricos e sociais que transformaram o carnaval carioca nesta “espetacularização”, a partir de seus elementos plástico-visuais. MAGALHÃES e SOUZA demonstram o modo de produção dos desfiles das Escolas de Samba, ao mesmo tempo em que descrevem as principais etapas e personagens que os constituem. GUIMARÃES e CAVALCANTI estudaram os aspectos sociológicos dos desfiles das Escolas de Samba, nomeando os principais atores sociais envolvidos neste processo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

(b)

Turismo O interesse pelo carnaval e os desfiles das Escolas de Samba, no Rio de

Janeiro, proporcionou o desenvolvimento da atividade do turismo, em ações retroalimentadoras, entre ambas as atividades: o carnaval e o turismo. A fim de entender melhor esse processo, buscamos nos estudos de RICHTER (2002), JANSEN-VERBEKE (2002), GRABURN (2009), AGUINAGA (2002), NETTO, A. P. e TRIGO, L. G. G. (2003) e FERREIRA (2004) os subsídios necessários para uma abordagem que relacionasse o carnaval ao turismo e vice-versa. RICHTER explorou o papel político do gênero na pesquisa de turismo, esclarecendo como os gêneros (masculino e feminino) desenvolveram os seus interesses em função do turismo. Ela mostra que o turismo, por um bom tempo, concentrou atenção excessiva em finalidades ditas de “ordem masculina” e, nos últimos tempos, despertou para outros públicos, considerando os destinos “familiares” e os “interesses femininos”, muito focados no consumo. No caso de JANSEN-VERBEKE, o enfoque primordial está na pesquisa do turismo associado a novos mercados, especialmente à indústria dos souvenirs, na qual temos especial interesse nesta Tese. GRABURN reuniu-se com pesquisadores brasileiros para publicarem uma coletânea, ao mesmo tempo resultado de pesquisas e reflexões de antropólogos, que, por diversas razões e em diferentes momentos, escolheram o turismo como objeto de estudos. AGUINAGA apresenta o impacto do carnaval sobre o turismo no Rio de Janeiro, colocando essa festa no sistema internacional


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do turismo, quantificando a importância econômica desta atividade para a cidade do Rio de Janeiro. Alguns conceitos, como, por exemplo, o de “Parques Temáticos” foi extraído dos escritos de NETTO, A. P. e TRIGO, L. G. G., ao revelarem a importância que esses espaços temáticos acabam produzindo em uma sociedade. FERREIRA, ao se debruçar sobre a “pré-história” dos desfiles das Escolas de Samba no Rio de Janeiro, acabou identificando no carnaval ações que produziram o desenvolvimento do turismo, ao mesmo tempo em que promoveram a cidade do Rio de Janeiro e o próprio carnaval carioca. (c)

Artesanato, cultura e sociologia da arte Encontramos nos estudos de Nestor Garcia CANCLINI (2008, 1984 e

1983) o fio condutor para abordarmos as questões que envolvem os artesanatos produzidos com finalidade comercial, além daqueles produzidos em função de alguma festividade ou localidade. Ademais, Peter BURKE (2003) reforça o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

conceito sobre a hibridização de culturas, relacionando o seu trabalho ao de CANCLINI. Homi BHABHA (1998), em seus estudos sobre cultura, nos ajuda a explicar sobre: “estratégias de subjetivação”, “articulação social da diferença”, “multiculturalismo”, “a fronteira como começo” e a construção de identidades e diferenças. Richard SENNETT (2009) encontra no trabalho manual, muitas vezes equivocadamente menosprezado, uma metáfora sobre a habilidade de como melhor lidar com suas vidas, sendo “bons artífices”. Para uma abordagem que não restrinja o artesanato e a produção artística popular a uma categoria inferior e, indo um pouco mais adiante, desenhando um campo de atuação dos objetos produzidos pelo (e para o) carnaval, trouxemos para esta pesquisa ideias e conceitos de Pierre BOURDIEU (2008), Howard BECKER (2009 e 1977), Janet WOLFF (1982), Nelson GABRURN (1976) e Christopher STEINER (1994). BOURDIEU apresenta uma sofisticada teoria que designa o sentido para a utilização do conceito de “bens simbólicos”, explicando a lógica do processo de autonomização, estrutura e funcionamento do campo de produção artística (em suas instâncias de reprodução e consagração) e, acima de tudo, o posicionamento dos agentes sociais, em meio às relações sociais. BECKER, no primeiro livro, desmonta as formas convencionais de se representar as sociedades, abrindo o saber sociológico para outros tipos de relato. No segundo livro, ele categoriza algumas classes de profissionais que trabalham com a arte, como resultado e expressão de tipos de interação social e frutos da ação coletiva de seus


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participantes. Concordamos com a abordagem de WOLFF sobre arte, a partir da tríade produção – distribuição – recepção. Os estudos de GABRURN e STEINER se relacionam, na medida em que o primeiro autor categoriza as “Artes do Quarto Mundo” em produções artísticas comerciais. Já o segundo, estuda a produção artística no continente africano, com finalidade comercial e turística. Estes dois últimos autores trouxeram reflexões importantes ao nosso trabalho, ao apontar para a produção de objetos e artistas/artesãos que vivem para suprir um “mercado” em movimento e trânsito constantes. (d)

Design Os textos de design foram extraídos das ideias de alguns professores da

área, como: Gustavo BOMFIM (1998, 1997 e 1994), Jefferson OLIVEIRA (1999) e Rita COUTO (1999 e 1997) e Denise PORTINARI (1999). Estes pesquisadores reúnem uma série de reflexões, ideias e teorias sobre a área do Design. BOMFIM PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

apresenta um apanhado de textos sobre estética e design, com finalidades distintas. Incluímos o pensamento do professor BOMFIM neste estudo sobre o carnaval, como fonte de produção de objetos que, com peculiaridades próprias, configuram o Design como atividade transdisciplinar. COUTO e OLIVEIRA enumeram uma pluralidade de enfoques que proporciona o entendimento de materiais, métodos e princípios da teoria do Design e apresentam uma ampliação dos limites, impedindo o fechamento de conceitos e teorias, a partir da natureza interdisciplinar e multifacetada da atividade do designer. Ao tratar o design como campo de confluência de outras áreas, nossa pesquisa se apoia nesta articulação entre o Design e outras áreas. PORTINARI apresenta uma reflexão sobre a noção de imaginário e sua utilização em pesquisas de cunho interdisciplinares (como no campo do design), pela via da análise do discurso. Esta noção de imaginário é extremamente útil para nossa pesquisa, na medida em que as falas dos entrevistados são anexadas às práticas, seja para a produção dos objetos carnavalescos (nos desfiles de Escolas de Samba), ou para os souvenirs carnavalescos. Entendemos que, a partir da multiplicidade de olhares explicitados nos autores selecionados, construímos a tessitura deste trabalho. No entanto, a base desse estudo é de ordem social, e tem como fundamento metodológico a pesquisa de campo com observação participante. A observação empírica teve como foco principal visitas sistemáticas às


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oficinas de capacitação promovidas pela AMEBRAS e aos pontos de comercialização dos produtos (no Sambódromo e na Cidade do Samba)14. Nestas visitas, foram registrados depoimentos para uma análise qualitativa da produção de souvenirs carnavalescos destinados à venda, como forma de geração e fonte de renda. Nosso contato com a AMEBRAS surgiu através de uma parceria firmada entre a Universidade Veiga de Almeida – UVA – e a ONG, quando a Universidade cedeu professores e o laboratório de costura para uma das primeiras oficinas daquela ONG oferecidas com o tema “Carnaval e Moda”, já que a UVA possui curso de Design de Moda e a AMEBRAS precisava (re)qualificar algumas costureiras para serem multiplicadoras no projeto “Carnaval e Cidadania”. Começamos a nos envolver com as ações promovidas pela AMEBRAS, o que acabou despertando o interesse pela pesquisa sobre a produção de objetos, em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

oficinas de qualificação de mão de obra. Essas oficinas acontecem ao longo do ano, em dias e horários alternados da semana e tivemos a oportunidade de acompanhar algumas delas, no semestre 2008.1. A AMEBRAS foi utilizada nesta pesquisa como estudo de caso e como espaço para entendimento das relações sociais dos agentes, direta ou indiretamente, envolvidos no processo de qualificação de mão de obra para o carnaval. Para tanto, acompanhamos o desenvolvimento da oficina de adereços, promovida pela AMEBRAS, no semestre 2008.1, a fim de entendermos como se organiza o processo de qualificação de mão de obra, a partir da prática de confecção de adereços, comumente utilizados pelo carnaval, nos desfiles das Escolas de Samba. As aulas dessa oficina aconteciam às terças-feiras, de 13 às 17 h, no quarto andar do barracão número 1, na Cidade do Samba. Os principais informantes desta pesquisa foram os próprios colaboradores da AMEBRAS, como: o instrutor da oficina de adereços, Sandro Raimundo; a coordenadora dos cursos, Vera Lúcia; a assistente/secretária da presidente da ONG, Ivana de Freitas; a presidente da AMEBRAS, Célia Domingues; a gerente e a vendedora da loja no sambódromo, respectivamente, Shirley Melo e Adriana; as

14

A AMEBRAS tem dois pontos de venda de seus produtos: um no Sambódromo e outro na Cidade do Samba. Aliás, é na Cidade do Samba onde acontecem os cursos de qualificação e onde são realizados os objetos que depois são encaminhados às lojas. A LIESA – Liga Independente das Escolas de Samba - apoia essa ação, cedendo o barracão número 01, na Cidade do Samba, para esse fim.


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artesãs e instrutoras da AMEBRAS, Márcia Batista e Jurema Lemos; o artesão/designer Cocco Barçante, além dos alunos da oficina de adereços. Os depoimentos foram gravados, transcritos e anexados ao final desta Tese, a fim de deixar o registro de suas falas. A qualificação da mão de obra oferecida pela AMEBRAS repete as técnicas, materiais e procedimentos também utilizados na confecção de fantasias, adereços e alegorias para as Escolas de Samba. Portanto, o processo de qualificação segue a transmissão de conhecimento, a partir de sua prática. As oficinas da AMEBRAS são estruturadas usando como “pano de fundo” o trabalho desenvolvido pelas Escolas de Samba, na confecção de seus objetos carnavalescos. Vale salientar que nosso trabalho acaba por amplificar as vozes sobre a produção de objetos para o carnaval, seja para os desfiles das Escolas de Samba PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

ou no caso da comercialização dos objetos produzidos em função do turismo. Desta forma, tal como revela o poema TRADUZIR-SE, no início desta introdução, fazemos uma tradução parcial de tudo que vimos, escutamos, registramos nas oficinas de qualificação, nas lojas e pontos de vendas, nos desfiles de carnaval, em eventos que participamos para o meio acadêmico, propondo, assim, uma espécie de interação entre o “saber carnavalesco” (de ordem prática) com o “saber instituído” da Academia (de cunho teórico). Apresentamos nesta Tese um tema que carece de algumas informações preliminares, a fim de auxiliar melhor o nosso leitor a desvendar o “universo carnavalesco”. Por isso, optamos por uma divisão em capítulos que acreditamos tornar o objeto de nossa pesquisa mais claro. Precisamos realizar alguns recortes, por conta da extensão do tema, pois falar de carnaval, como prática social, para uma comunidade de designers, requer uma escrita que esclareça sobre o nosso próprio campo. Acrescentamos a essa introdução a observação de que, por vezes, é necessário voltar ao tema já abordado, pois o assunto se repete em diversas fases ou processos e, em outras vezes, informamos que o assunto será tratado em maior profundidade mais adiante. Assim, além desta introdução (que numeramos como primeiro capítulo), localizamos o grande universo do carnaval carioca e suas Escolas de Samba, no capítulo 2, nomeado de “O carnaval carioca e suas práticas sociais”. Nele,


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tratamos das práticas sociais referentes ao carnaval e incluímos o turismo como aspecto de destaque em nossa sociedade. Dessa maneira, criamos uma ligação entre o “apelo” turístico e alguns locais de visitação contemplados em razão do carnaval. Ao tratar o carnaval carioca como prática social, localizamos um campo social, no qual os espaços físicos se transformam em locais de lazer, de apresentação, de convivência e de produção de bens simbólicos. Os estudos sobre turismo são apresentados em pesquisas que circunscrevem o carnaval ao turismo, em experiências que tornam essa relação reflexiva. Neste capítulo, apresentamos alguns momentos históricos sobre o desenvolvimento do carnaval carioca, em direções que mostram o Sambódromo como lugar de apresentação e a Cidade do Samba como lugar de confecção dos desfiles das Escolas de Samba. No capítulo 3, designado de “Os objetos carnavalescos”, apresentamos dois universos encontrados nesta pesquisa: a Festa carnavalesca (ou a produção PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

“para dentro”) e o Mercado (ou a produção “para fora”). Na Festa, identificamos um espaço de convivência e produção dos objetos carnavalescos, o barracão, onde as relações sociais e os processos de produção para os desfiles das Escolas de Samba se desenvolvem. É nesse lugar onde são produzidos os elementos plásticovisuais que constituem os desfiles das Escolas de Samba: alegorias, adereços e fantasias. No Mercado, estudamos o caso da ONG AMEBRAS para entendermos como e onde são produzidas as “lembrancinhas” vendidas aos turistas interessados na festa carnavalesca. Essas produções para a Festa e para o Mercado possibilitam um entendimento sobre as práticas artesanais, artísticas e com aspectos de design, convivendo ao mesmo tempo. Finalizamos este capítulo tendo a oportunidade de esmiuçar o nosso principal objeto de estudo: os souvenirs carnavalescos, através de seus processos e agentes. No capítulo 4, batizado de “Entre o design e o artesanato”, dimensionamos algumas ações com aspectos de design e outras com características de artesanato e, por meio dos depoimentos e posicionamentos, entendemos que nosso objeto de pesquisa contempla, além dos artefatos físicos, seus produtores e os processos que os constituem. Aqui, adiantamos que, apesar de o título deste capítulo apontar para um lugar intervalar, entre duas dimensões reais do design e do artesanato, isso não os coloca em oposição, como pode aparentar numa primeira impressão. Ao contrário disso, queremos com esse “entre-lugar” colocar a produção dos objetos carnavalescos “entre dois mundos


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encantados”, que explicaremos melhor ao final da Tese. Pretendemos, com este estudo, apresentar à comunidade acadêmica alguns aspectos da sociedade, através de uma manifestação cultural, turística e mercadológica, capazes de representar parte de uma população, além de revelar sobre suas práticas, desejos e possibilidades de pensar os objetos produzidos como

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partes de suas vidas.


2.

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O carnaval carioca e suas práticas sociais

“Fazer o carnaval” ou “entender de carnaval” constitui uma tarefa altamente especializada dentro de uma Escola de Samba. Afora o problema de organizar e disciplinar uma volumosa massa de participantes, há uma série de “soluções” carnavalescas que já foram longa e repetidamente testadas na história das Escolas de Samba e que devem ser conhecidas pelos expertos. Há uma estrutura institucionalizada de Desfile a ser obedecida, requisitos cristalizados relativos à ordem, forma e inclusão de certos elementos, procedimentos consagrados para obter os efeitos desejados, dispositivos que podem ou não “atravessar”, uma maneira certa de “evoluir”, etc., que supõem informação e experiência acumuladas de anos1.

Podemos começar esta abordagem sobre o carnaval carioca demonstrando como parte da sociedade brasileira revela sua expressividade através das práticas sociais: seja utilizando-se do samba enquanto estilo musical e manifestação de dança; na produção de desfiles para Escolas de Samba; ou na criação de espaços destinados a eventos carnavalescos; ou, ainda, por meio da convivência e da disputa, além de objetos comercializados em função de sua identidade cultural. Para tanto, tomamos

emprestados alguns conceitos desenvolvidos por

BOURDIEU (2008), pois ele construiu uma original e complexa teoria a respeito dos “campos de produção simbólica” – arena de ocorrência dos conflitos e das lutas pelo poder - onde é possível se observar as relações de dominação nas diversas esferas da sociedade, das quais os bens simbólicos se apresentam como um “veículo” e ao mesmo tempo “sintoma” desta dominação. Outros dois 1

GOLDWASSER (1975, p. 174).


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conceitos fundamentais são estabelecidos em meio a esta teoria: o “habitus” e a “violência simbólica”. Este autor propõe, ainda, o entendimento sobre a realidade social, como um campo de batalha pelo poder e dominação, ao remeter a produção simbólica ao meio social em que ela se organiza e faz organizar. A partir dessa contextualização, consideramos o carnaval carioca como campo de produção de bens simbólicos2, no qual compartilhamos do pensamento de BOURDIEU, deixando claro que nosso estudo faz uma analogia que, apenas em parte, tangencia os conceitos defendidos por esse autor, trazendo para a realidade brasileira e contemporânea as questões apontadas por ele, mesmo em situações distintas das nossas. Por isso, é importante considerarmos o carnaval carioca, ao mesmo tempo, como produto e produtor de significações oriundas do turismo, enquanto prática social. A relação existente entre o carnaval e o turismo é observada a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

seguir, na qual percebemos uma interação reflexiva entre ambos, na medida em que o carnaval carioca torna a festa conhecida internacionalmente e o turismo se abastece dos sentidos dessa festa para oferecer seus produtos ao mundo.

2.1 O turismo temático e o carnaval carioca

Nossa pesquisa acabou se deparando com alguns estudos sobre o turismo de maneira indireta3, mesmo tendo em mente que abordaríamos alguns aspectos dessa área que se relacionam com a Festa carnavalesca, e principalmente, com os turistas que conhecem e compram as “lembranças de viagens” relativas ao carnaval das Escolas de Samba. Desta maneira, é importante acrescentarmos essa observação, pois nosso trabalho busca o entendimento do campo em que ele está inscrito e o turismo, ao mesmo tempo em que dá suporte ao carnaval, ele próprio, também se apoia na Festa. Alguns estudos sobre o turismo acabam apontando que não são somente os antropólogos que se interessaram em pesquisar culturas diferentes das suas para, a 2

Segundo BOURDIEU (2009, p. 105) “O sistema de produção e circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho de produção, de reprodução e de difusão de bens simbólicos. O campo de produção propriamente dito deriva sua estrutura específica da oposição [...], de um lado, o campo de produção erudita [...] e, de outro, o campo da indústria cultural [...]”. 3 RICHTER (2002, p. 403) alerta que, na maioria das vezes, os pesquisadores chegam inadvertidamente ao turismo, enquanto estudam outros assuntos.


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partir delas, criar conceitos e defender ideias. No entanto, os antropólogos que se debruçaram sobre esse assunto, eles mesmos, quando chegavam ao campo de suas pesquisas, experimentaram o que os turistas acabam vivenciando, num sentido amplo. O Rio de Janeiro tornou-se conhecido mundialmente pelas belas paisagens naturais, mas também por atrações que foram se desenvolvendo ao longo do tempo, como pontos turísticos relacionados à arte (museus e estilos arquitetônicos), ao carnaval (blocos, Escolas de Samba e parques temáticos) e a outros temas que associem o nosso estado à prática turística. Especificamente, os desfiles das Escolas de Samba atraem um público muito grande durante o período carnavalesco e esse fato despertou o interesse de outros segmentos da sociedade, como aqueles relacionados à infraestrutura da cidade (hotéis, restaurantes, etc.). Além disso, uma infinidade de produtos que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

representa4 a cidade do Rio de Janeiro, os pontos turísticos e suas manifestações culturais, acabaram delimitando um subcampo5 do carnaval, por meio da produção de objetos destinados à comercialização, tendo como temática principal o carnaval carioca. Mais adiante, mostramos um breve histórico sobre os desfiles das Escolas de Samba, para entendermos sobre o desenvolvimento de seus objetos e de suas práticas. Nesse momento, importa-nos revelar que o carnaval também serviu de tema para o turismo, possibilitando assim a identificação dessa prática como outra instância do “campo do carnaval”. GRABURN (2009) realizou um levantamento considerável sobre os pesquisadores que desenvolveram estudos acerca do turismo, nos aspectos mais diversos. Em estudos mais recentes, ele aponta para situações em que o turismo acaba impactando modificações na sociedade6, seja criando formas alternativas de emprego, ou no desenvolvimento de regiões isoladas, desacelerando o êxodo rural e preservando alguns aspectos culturais, fato também identificado em nosso trabalho de mestrado7. 4

BECKER (2008, p. 27). Esse autor acredita que os cientistas sociais não detêm o monopólio de representação da sociedade, reconhecendo que outros tipos de relato também produzem conhecimento social. 5 BOURDIEU (2009, p. 125) adverte que, em alguns casos, o grau de autonomização que alguns subcampos apresentam nos faz confundi-los como um campo constituído e pode haver um erro de interpretação por isso. 6 GRABURN (2009, p. 19). 7 OLIVEIRA (2006a).


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Desta maneira, encontramos no turismo atrelado ao carnaval carioca o espaço para o desenvolvimento deste trabalho. No entanto, essa estreita relação entre o turismo e o carnaval carioca não é novidade e pode ser verificada desde o início do século passado, quando alguns políticos experimentaram divulgar o carnaval, ainda nos desfiles constituídos pelas Pequenas Sociedades, em 19288. AGUINAGA (2002, p. 129) afirma que, mesmo iniciando suas atividades em meados do século XIX, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que o turismo no Rio de Janeiro tomou a sua forma atual. Ao longo do tempo, a indústria turística se encarregou em criar uma imagem para o Rio de Janeiro que potencializou as “maravilhas” dessa Cidade Maravilhosa. Além dos atrativos naturais, a cidade produz eventos que se têm tornado internacionais, como o réveillon e o carnaval. O réveillon do Rio de Janeiro tornou-se mais conhecido internacionalmente graças à cobertura televisiva PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

referente às comemorações da (esperada) mudança de milênio, nas grandes capitais mundiais, inclusive as do Rio de Janeiro. Houve muito investimento para que o “Réveillon do Rio” se tornasse “um espetáculo único, com um público três vezes maior do que o segundo colocado, um espetáculo absolutamente pacífico em uma cidade tida como muito violenta”9. A indústria do turismo tem realizado mudanças na maneira de divulgar os destinos turísticos, antes dedicados quase que exclusivamente para um público masculino. Outros segmentos tem-se tornado alvo de interesses das empresas turísticas, como no caso das mulheres e das “viagens em família”. Com isso, RICHTER (2002, p. 412) aponta para a proliferação dos souvenirs de viagem em relação ao gênero feminino, entendendo os souvenirs como uma possibilidade de enxergar o “outro”, de maneira pertinente com os seus próprios valores de grupo dominante, com as suas expectativas e objetivos. Outro aspecto que cabe citarmos aqui se refere ao aumento das compras, elas próprias como atividades turísticas. Além disso, é comum levar presentes para amigos e parentes ao voltar para o seu lugar de origem, até como uma maneira de prolongar a experiência de sua estadia, comprando “lembranças de 8

Segundo FERREIRA (2004, pp. 316-321), em 1927, o prefeito do Rio de Janeiro, Prado Júnior, se encarregou em divulgar o carnaval a fim de atrair um número maior de turistas e, consequentemente, trazer divisas para a cidade. No entanto, foi outro prefeito, Pedro Ernesto, que se associou ao Touring Club para, juntos, organizarem o carnaval da cidade, desta vez com feições internacionalistas. 9 AGUINAGA (2002, p. 135).


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viagem”. Isso tem viabilizado o aumento do comércio de varejo em muitas áreas do turismo e, sobretudo, “em lugares de passagem dos turistas”10. Os lugares de passagem dos turistas, mais especificamente aqueles visitados em roteiros turísticos que os colocam em contato com a festa carnavalesca e os produtos alusivos à festa nos interessam sobremaneira, na medida em que temos alguns exemplos para apresentar sobre essa situação. Nesse caso, os turistas sabem o que procuram e experimentam conhecer os lugares destinados ao turismo temático carnavalesco, com ênfase nos desfiles das Escolas de Samba. Caracterizados pela diferenciação física de suas atrações, os Parques Temáticos11 têm como objetivo mercadológico o estímulo da atividade turística, e os centros urbanos tendem a concentrar boa parte da indústria do entretenimento no Brasil, fato observado pela proximidade dos consumidores a que se destinam. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

A Cidade do Samba se presta a ser um equipamento urbano destinado ao entretenimento e, na Figura 01, notamos como esse caráter de ambiente temático é preparado para atrair o olhar do turista. Nessa imagem observamos a praça principal da Cidade do Samba, na qual vemos algumas esculturas de carnavais passados servindo de ambientação na recepção dos turistas que visitam aquele espaço.

Figura 01 – Praça principal da Cidade do Samba com antigas esculturas decorando o espaço. Fonte: Madson Oliveira

10 11

JANSEN-VERBEKE (2002, p. 441). Verificar NETTO, A. P. e TRIGO, L. G. G. (2003) e GRABURN (2009).


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Apresentamos alguns exemplos dessa relação entre o turismo e o carnaval. A criação da Cidade do Samba foi construída como local de produção dos desfiles das Escolas de Samba, mas, sobretudo, como um espaço de visitação turística. A experiência do turista, ao visitar a Cidade do Samba, alia o seu desejo por algo excitante e distante de sua realidade na atividade de lazer. Mais adiante, explicamos melhor sobre a dinâmica da Cidade do Samba. Nesse momento, adiantamos que esse lugar abriga tanto a produção de objetos artísticos destinados aos desfiles das Escolas de Samba, quanto à produção de artefatos com temática carnavalesca. Outros espaços acabaram se tornando pontos de visitação, quase “obrigatória”, para os turistas que querem se aventurar pelo universo do carnaval; e as Escolas de Samba entenderam como esses interesses podem ser transformados em produtos em benefício de suas agremiações, dos trabalhadores e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

dos próprios turistas. Cada Escola de Samba possui um lugar destinado às festividades de sua própria comunidade: a quadra de ensaios. Esse espaço é considerado como local de sociabilidade daquele grupo, ao longo do ano, em comemorações natalícias, festas de debutantes, ou eventos temáticos, como: festas juninas, dia das mães, dia dos pais, dia das crianças, etc. A partir de setembro, aproximadamente, as quadras das Escolas de Samba recebem os membros das agremiações, convidados e interessados em acompanhar os ensaios de seus integrantes, ao mesmo tempo em que os sambas-enredos12 para o ano seguinte começam a ser apresentados, em um processo de “corte” até a escolha definitiva do samba, mais ou menos em novembro, que contará (e cantará) sobre o enredo do próximo desfile. Esses ensaios e “cortes de samba” acontecem à noite e atraem um público sempre crescente, à medida que o carnaval se aproxima. Os “cortes de samba” acabam servindo como o momento de retomada para a preparação do próximo desfile, pelos integrantes de cada Escola de Samba, “separados” desde o último desfile. Cada grupo de compositores que apresenta um samba-enredo nesses eventos leva para as quadras uma boa quantidade de pessoas que torcem por esse ou aquele samba. Os turistas, que visitam o Rio de Janeiro nesse período que 12

O samba-enredo é uma espécie de hino, anualmente composto, para os integrantes dos desfiles das Escolas de Samba cantarem ao longo dos seus desfiles. Cada agremiação carnavalesca recebe uma série de composições e apenas uma é escolhida (no sistema de concurso) para “ilustrar”, através do canto, as ideias principais desenvolvidas no enredo por cada carnavalesco.


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antecede aos desfiles, são levados a uma ou outra quadra para conhecer como são realizados os “ensaios” para os desfiles das Escolas de Samba. Geralmente, nas quadras das Escolas de Samba há um lugar onde se podem comprar as camisas daquela agremiação carnavalesca, ajudando assim a Escola, financeira e simbolicamente, pois a camisa, além do valor econômico, “falará” sobre aquela agremiação, por onde passar. É também nas quadras das Escolas de Samba que acontecem, sistematicamente, as feijoadas durante as tardes de sábados ou domingos. Geralmente, organizados por algumas “baianas”13, esses eventos sociais nas quadras servem para arrecadar dinheiro, mas também como momento de convivência e lazer. O ingresso para o interior das quadras não dá o direito ao prato de feijoada (cobrado à parte), o que demonstra que “a Feijoada” acabou se tornando um pretexto para visitar a quadra da Escola. Quase sempre há a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

apresentação de grupos de pagode, samba ou outra atração musical, além da feijoada em si. O bar da Escola também passa a arrecadar dinheiro, na medida em que comercializa refrigerantes, água e cerveja. “A Feijoada” se transformou em um evento que cada agremiação carnavalesca mantém para reunir os seus componentes e acontece periodicamente ao longo do ano. Tivemos a oportunidade de observar as diferentes gerações que frequentam aqueles espaços: desde crianças de colo a pessoas mais idosas, como em uma comunidade que transmite aos seus descendentes os seus costumes, advertindo que a afinidade e o interesse pelo samba é que predomina sobre a frequência daqueles indivíduos. Nessas situações, acabamos sempre nos deparando com turistas que se deslumbram com a maneira como os frequentadores se portam e se comunicam, comparando “as quadras” aos clubes sociais, nos quais os membros se conhecem e convivem, tendo orgulho em receber pessoas “de fora”. Algumas casas noturnas e espaços sociais realizam shows com integrantes das Escolas de Samba para entreter os turistas que visitam o Rio de Janeiro, em períodos não-carnavalescos, como: o restaurante Plataforma, a casa de shows Scala e a própria Cidade do Samba. Só para citar alguns locais de diversão 13

MAGALHÃES (1997, p. 113) adverte que “as baianas” compõem uma ala tradicional nos desfiles das Escolas de Samba. Geralmente, essa ala é formada por mulheres mais velhas, consideradas como um grupo de elite que possui status de “tias” e, em sua maioria, tem dotes culinários.


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noturna, estes oferecem shows com sambistas, passistas e integrantes das Escolas de Samba que se apresentam em lugares fechados. O carnaval acabou desenvolvendo outras atividades, aproveitando aquelas que existem em função de seus desfiles e de suas agremiações carnavalescas. Desta maneira, acabam estendendo a festa carnavalesca, para aquém e para além dos desfiles propriamente ditos e promovendo ações que tratam o carnaval com tempos e espaços dinâmicos. Conforme mostramos acima, várias são as situações e exemplos atuais da importância que o binômio turismo-carnaval acabou fortificando e foi observado, como: a criação da Cidade do Samba e o seu desenvolvimento como parque temático, os eventos, ensaios e feijoadas nas quadras das Escolas de Samba e nos shows noturnos oferecidos aos turistas. A seguir, demonstramos como se desenvolveram os desfiles das Escolas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

de Samba, desde o período de sua oficialização, no início do século XX até apresentarmos os dois principais espaços criados, exclusivamente, em função dos desfiles das Escolas de Samba: o Sambódromo e a Cidade do Samba, que, devido à sua localização, recebe um especial destaque nesta Tese.

2.2 Escolas de Samba em desfile

A cidade do Rio de Janeiro serviu de berço e cenário para as vertentes geradoras dos desfiles das Escolas de Samba14. O desenvolvimento das Escolas de Samba, crescentemente debatido na literatura acadêmica15 e na crônica carnavalesca, demonstra como algumas correntes culturais podem estabelecer fronteiras entre diferentes graus de concentração, além de modelos de convivência e conhecimento, configurando uma grande rede de trocas e afirmação de identidades. Os desfiles das Escolas de Samba se organizaram em torno de uma competição tanto musical, quanto visual que, ao longo do século XX e também no século XXI, tem revelado muito sobre nossa sociedade. A competição entre as Escolas de Samba permite um deslocamento vertical, de acordo com a colocação de cada agremiação. Atualmente, existem

14

FERREIRA (2004, p. 354). Verificar autores, como: ARAÚJO, Hiran (2000); CABRAL, Sérgio (1974) e MORAES, Eneida (1987), entre outros. 15


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vários grupos, como: Grupo Especial e Grupos de acessos (do A ao E). A escola campeã, no último desfile, ascende para o grupo imediatamente acima, assim como a última colocada desce para o grupo imediatamente abaixo, sabendo que essa escalada tem no grupo especial o seu lugar de destaque, seguido pelos grupos A, B, C, D e, finalmente, E. A estruturação dos desfiles de Escolas de Samba produziu uma hierarquização interna (em cada escola) e externa (no desfile como espetáculo). A organização em vários grupos tem possibilitado uma mobilidade vertical que pode

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ser entendida a partir da citação de DAMATTA (1997, p. 125):

“Além dessa divisão interna, as escolas [de samba] estão num constante processo de intercomunicação, pois todo ano pode haver uma transferência de escolas de um para outro grupo, conforme a sua posição no desfile do ano anterior. [...] O sistema das escolas de samba é, pois, claramente hierarquizado, mas igualmente permeado de possibilidades graduais (e eventuais) de reclassificação, de tal maneira que, mesmo dentro de uma moldura hierarquizada, pode-se subir ou descer”.

Alguns autores estudaram sobre as sociedades, seus indivíduos e as relações sociais. Entre eles, BURKE (2003) revela o carnaval do Rio de Janeiro como um modelo de “hibridização cultural”16, pois, ao mesmo tempo em que considera os componentes locais como elementos imprescindíveis à festividade, agrega participantes de outras localidades e de costumes distintos, em torno do mesmo objetivo: os desfiles das Escolas de Samba. Enquanto BURKE (2003, p. 35) afirma que os desfiles das Escolas de Samba, em parte, foram importados de costumes europeus, DAMATTA (1997, p. 104) aponta os desfiles das Escolas de Samba como modelos repetidos de procissões religiosas ou paradas militares. O carnaval do Rio de Janeiro não possui uma única história, pois os seus autores são oriundos de várias vertentes que o constituíram. Dessa maneira, os grupos negros provenientes da Bahia, os imigrantes de várias regiões, as comunidades pobres cariocas, os artesãos, artistas e músicos, bem como o povo que participava da festa carnavalesca, reuniam-se em torno dos desfiles das Escolas de Samba, tornando-os um evento urbano que amadureceu, dos anos 1930

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BURKE (2003) adverte para grande variedade de termos que descrevem o processo de interação cultural e as respectivas “disciplinas” de origem, como: “Empréstimo cultural”, da economia; “Caldeirão cultural”, da metalurgia; “Ensopadinho cultural”, da culinária; “Tradução cultural” e “Crioulização”, da linguística; além do próprio “Hibridismo cultural”, da Zoologia.


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aos anos 1950, iniciando na década de 1960 sua trajetória rumo aos “desfilesespetáculos” dos anos 1980. Houve um processo de desenvolvimento de “mão dupla” entre os desfiles das Escolas de Samba e a cidade do Rio de Janeiro, na medida em que alguns bairros da capital carioca se expandiram em função da festa carnavalesca, assim como a própria festa adquiriu novos domínios com espaços geográficos criados especificamente para sua prática. A criação do Sambódromo e da Cidade do Samba são exemplos que são explorados mais adiante e confirmam esse duplo desenvolvimento. A história das Escolas de Samba está intimamente entrelaçada aos roteiros que seus desfiles seguiram na malha urbana carioca, e também aos locais que foram utilizados – e não construídos para este fim – para abrigar os barracões17 e ateliês18 onde eram elaborados - e até hoje ainda são – os elementos plásticoPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

visuais de seus desfiles. Desde o princípio dos desfiles carnavalescos no Rio de Janeiro, as Grandes Sociedades19, cujos primeiros barracões estavam localizados em galpões próximos à Praça Mauá, pela facilidade de acesso ao centro da cidade pela Avenida Central, as Escolas de Samba buscaram instalar suas oficinas de criação em espaços condizentes com o tamanho de seus desfiles e de fácil acesso aos locais de apresentação20. O objetivo dos primeiros grupos de sambistas era mostrar a maestria em elaborar suas composições, mas o Bloco “Deixa Falar”, nascido na Praça Onze, já reunia as características - mesmo que de forma embrionária – das Escolas de Samba, que na década de 1930 iniciavam uma busca por espaços que melhor servissem aos componentes e ao crescente público que comparecia para assistir seus desfiles21.

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O termo barracão de escola de samba é como ficou conhecido o local onde as alegorias e as fantasias eram realizadas, antes do carnaval, bem como o espaço onde se concentrava toda a preparação para os desfiles, desde os seus primórdios. Por se tratar de um local improvisado, recebeu esta denominação. Mais adiante, apresentamos um item dedicado a este espaço. 18 Este termo refere-se aos lugares onde, geralmente, são confeccionadas as fantasias. Isto pode acontecer dentro ou fora dos barracões. Sendo assim, os ateliês externos às escolas de sambas são terceirizados e responsáveis pelas fantasias de destaque (luxo), de composição (medianas) e de alas (a maioria dos brincantes que desfilam no chão). 19 Grandes Sociedades, Sociedades ou Sociedades Carnavalescas do Brasil, foram durante muito tempo o maior evento do carnaval carioca. Tinham cunho competitivo e é tido por alguns entendidos no carnaval como inspiração para as Escolas de Samba. 20 Conforme FERREIRA (2004). 21 Conforme CABRAL (1974).


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Acompanhando a diversificação de classes na sociedade carioca, o carnaval também mudou, conforme o surgimento das primeiras indústrias e com a multiplicação de serviços públicos como bondes, luz e gás. Em 1932 dois pólos concentravam as principais manifestações do carnaval: o dos “pobres”, na Praça Onze, e os da classe média, na Avenida Rio Branco. Esta avenida, ao ser aberta, deslocou as comunidades para a Praça Onze, onde se concentravam as comunidades de negros, mestiços, brancos mais humildes e indivíduos residentes nos bairros Centro, Saúde, Gamboa e Santo Cristo, bem como os moradores do morro da Favela, do Telégrafo (hoje Mangueira) e da Cidade Nova, na região da Central do Brasil. Desde 1935, com a oficialização do desfile, as apresentações aconteceram na Praça Onze até o ano de 1942, quando as escolas desfilariam em meio às obras de abertura da Avenida Presidente Vargas. De 1943 até 1945, período chamado de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

“carnavais de guerra”, o desfile foi realizado na Avenida Rio Branco, próximo ao Obelisco, e de lá se mudaria para a Avenida Presidente Vargas, quando, em 1952 o Poder Público construiu o “Tablado”, entre a Rua Uruguaiana e a Avenida Rio Branco. Somente em 1957 é que as Escolas de Samba do Grupo I22 se apresentaram no espaço nobre do carnaval carioca: a Avenida Rio Branco (verificar Figuras 01 e 02). Em 1963, novo deslocamento levou o desfile para a Avenida Presidente Vargas, no trecho entre a Avenida Rio Branco e a Rua Regente Feijó. Entre 1974 e 1975, com a construção do metrô e interdição da Presidente Vargas, o desfile foi levado para a Avenida Presidente Antonio Carlos, retornando à Presidente Vargas nos anos de 1976 e 1977. Até que, no período de 1978 até 1983, o evento se fixou na Avenida Marquês de Sapucaí, quando então seria construída a “Passarela do Samba”, chamada de “Sambódromo”, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, que determinou o local definitivo para o espetáculo23. Conforme citado anteriormente, foi a partir de 1957 que os desfiles ocupariam a extensão da Avenida Rio Branco e nunca mais deixariam de desfilar em locais de destaque, durante a festa de carnaval. O início dos anos 1960 marca um período de ascensão para os desfiles das Escolas de Samba, pois os artistas,

22 23

Na época, esse grupo reunia as principais Escolas de Samba. Conforme GUIMARÃES (2004).


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folcloristas e pintores juntaram-se para contribuir com a produção plástico-visual dos desfiles das Escolas de Samba24. Os desfiles das Escolas de Samba passaram por várias vias públicas e a estruturação dessa exibição passou por muitos improvisos, ao tentar organizar os componentes dos desfiles e o público presente, antes da destinação de um local específico para seus desfiles, como ainda veremos mais adiante. Apresentamos, a seguir, dois exemplos para ilustrar como a preocupação com a parte visual nos desfiles das Escolas de Samba passou a ter importância significativa e como esses desfiles sofreram influências de profissionais “importados” de outras áreas, como: artistas plásticos, acadêmicos, figurinistas, cenógrafos e etc. A Figura 02 mostra o desfile da Escola de Samba da Serrinha, GRES25 Império Serrano, que se sagrou campeã no ano de 1960. Mesmo entendendo o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

tempo decorrido, é interessante notar que a agremiação campeã naquele ano trazia essa alegoria de tamanho bastante reduzido para os padrões atuais e, por meio dessa imagem, temos a noção da transformação que houve a partir de então. Mais adiante, veremos como esses objetos produzidos pelas Escolas de Samba e pelo carnaval aumentaram de tamanho e importância nos desfiles carnavalescos, a partir da década de 1980.

Figura 02 – Foto do desfile da Escola de Samba Império Serrando, de 1960, na Avenida Rio Branco. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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FERREIRA (2004, p. 355). Segundo FERREIRA (1999, p. 80): “Em 1935, realiza-se o primeiro concurso oficial entre as escolas de samba. A partir deste ano, elas se legalizam ganhando a sigla GRES (Grêmio Recreativo Escola de Samba) e passam a receber subvenção oficial. 25


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Na Figura 03, podemos observar como funcionavam os desfiles das Escolas de Samba do “antigo carnaval” (na década de 1960), no qual as pessoas se acomodavam em arquibancadas nos dois lados da pista, ao mesmo tempo em que outras tantas pessoas se acotovelavam, disputando espaço com as alegorias, agora maiores do que na figura anterior. O espaço geográfico para os desfiles das Escolas de Samba ainda era muito improvisado, apesar de haver uma proximidade grande entre o público e os integrantes e alegorias. Nesse caso, a alegoria apresenta um aumento de tamanho e isso por si só passa a chamar ainda mais a atenção para o evento que é atraído para acompanhar

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essas exibições competitivas.

Figura 03 – Foto do desfile da Escola de Samba Salgueiro, de 1962, na Avenida Rio Branco. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Historicamente, todos os grupos que se associaram para produzir eventos carnavalescos, como as Grandes Sociedades, Ranchos e, posteriormente, as Escolas de Samba sempre dispuseram de locais improvisados para execução de seus elementos visuais. Este caráter de improviso começou a mudar de maneira sistemática a partir da década de 1950, com a aplicação de uma visão teatral para


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a concepção de figurinos que desse maior unidade visual ao desfile, o que exigiria centralização de sua produção ou uma melhor ordenação desta. Foi nesse período que houve a participação de artistas vindos da Academia e dos ateliês de arte26, contribuindo para o desenvolvimento de projetos de carnaval que privilegiava a unidade visual, além de elevar a importância da apresentação visual do desfile, por conta das alegorias e fantasias. A participação de artistas e profissionais oriundos de outras práticas que não o carnaval contribuiu para transformar os desfiles das Escolas de Samba em espaços híbridos, nos quais as diferentes práticas e experiências se juntaram para criar apresentações com forte apelo visual, através das alegorias, adereços e fantasias. Se o local das apresentações obedecia à normatização dos organizadores oficiais do carnaval, os barracões respeitavam a uma regra mais simples: a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

proximidade deste local e a facilidade de transportar pela via urbana os carros alegóricos. Mais adiante, no próximo capítulo, damos especial atenção aos barracões das Escolas de Samba. Neste momento, esse espaço foi citado somente para informar que a principal preocupação com relação a ela era que fosse próximo ao local dos desfiles, por conta da dificuldade em transportar as alegorias. Construído em 1960, o Pavilhão de São Cristóvão inicialmente foi destinado a ser um Centro de Exposições, mas passou a abrigar os barracões das Escolas de Samba no final dos anos 1970, constituindo assim o único espaço a administrar a convivência de várias equipes trabalhando simultaneamente. Pela sua localização, o bairro de São Cristóvão tornou-se um local privilegiado para os trabalhos ali executados devido à proximidade com as vias de acesso ao local do desfile, na região da Leopoldina. Embora a localização da produção do desfile fosse feita numa estrutura com muitas deficiências, desde as físicas até as de saneamento básico e segurança

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FERREIRA (2004, p. 355) afirma que, a partir da década de 1960, as fantasias, alegorias e o conjunto do desfile assumiram um papel de destaque, ao valorizar o lado visual do desfile. “A participação do folclorista Dirceu Néri e da artista plástica e figurinista Marie Louise Nery na criação plástica do Carnaval apresentado pela escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, em 1959, do cenógrafo e professor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, Fernando Pamplona, na mesma escola entre 1960 e 1962, do cenógrafo e figurinista Arlindo Rodrigues, também no Salgueiro, a partir de 1961, e da artista plástica Beatrice Tanaka na Portela em 1966 são alguns momentos que marcam essa „incorporação‟ nas escolas de samba do Rio de Janeiro de elementos „externos‟ a suas „tradições‟”.


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de trabalho, o Pavilhão durante um longo período centralizou, como um parque de produção, a maioria das Escolas de pequeno, médio e grande porte. Neste sentido, a construção do Sambódromo (na década de 1980) e a utilização do antigo Pavilhão de São Cristóvão, dos galpões e armazéns da zona portuária (a partir dos anos 1970) e a Cidade do Samba (em 2006) representam uma realidade cultural de concessões e conquistas que espelha o quanto ainda se pode, através da história da cidade, compreender sua maior festa urbana de cunho popular, o carnaval carioca. Tanto o Sambódromo quanto a Cidade do Samba são portadores de informações não só sobre seus aspectos materiais, como elementos arquitetônicos criados – ou simplesmente subutilizados -, mas também demonstram a complexidade de compreendê-los como uma arquitetura construída em sublocações que acompanharam as transformações dos desfiles em verdadeiros PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

espetáculos27. Atualmente, esses dois locais são os de maior relevância para o carnaval carioca. Enquanto o primeiro foi projetado para ser um espaço de apresentação dos desfiles das Escolas de Samba, o segundo tem dupla função: (a) espaço de produção dos elementos plástico-visuais dos desfiles das Escolas de Samba, mas também funcionam como (b) espaço de visitação turística. Ao estudar esses dois lugares-chaves do carnaval carioca, estamos nos aproximando ainda mais do ponto central de nossa pesquisa: os souvenirs carnavalescos, como expoentes de um grupo de trabalhadores (também) oriundos da prática carnavalesca.

2.2.1 Sambódromo: espaço de apresentação A década de 1980 foi decisiva para “o novo carnaval”28, pois muitas mudanças foram efetivadas a partir da construção e inauguração de um local específico para os desfiles das Escolas de Samba, em 198429, conhecido como Sambódromo ou “Passarela do Samba”. A partir desse ano, a LIESA - Liga

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GUIMARÃES (2004). O “novo carnaval”, grifado aqui, distingue-se do “antigo carnaval”, principalmente, pelas dimensões trazidas pelo novo espaço e pela maneira como os desfiles passaram a ser organizados, cada vez mais agregando artistas especializados, desde sua concepção à execução. 29 O sambódromo foi inaugurado em 1984 e, de acordo com CAVALCANTI (1999, p. 75): “expressou o reconhecimento oficial do potencial turístico, econômico e artístico do desfile na vida da cidade”. 28


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Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro – passou a gerir o maior evento referente às Escolas de Samba (os desfiles). Essa entidade estabeleceu regras para a competição entre as Escolas de Samba, organizou o repasse de verbas do poder público e iniciativa privada para as Escolas de Samba, além de se responsabilizar pela venda dos ingressos nas noites de desfile no Sambódromo. A LIESA é uma associação dos dirigentes das principais Escolas de Samba do grupo Especial que foi fundada, também em 1984, após dissidência de alguns de seus diretores da Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro. A principal ação desse novo grupo, àquela época, foi a criação do Sambódromo30. A partir desse ano, a Prefeitura do Rio de Janeiro cedeu o direito de administração à LIESA, nos desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial, nas noites de domingo e segunda-feira de carnaval, além do desfile das campeãs, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

no sábado seguinte aos desfiles de carnaval. A LIESA passou a ser a principal entidade legitimadora do grupo Especial das Escolas de Samba, ao promover e incentivar a competição entre suas afiliadas. Ou seja, foi a partir de sua interferência que a competição entre as Escolas de Samba ganhou o aspecto que encontramos atualmente. BOURDIEU (2009) aponta que as instâncias de conservação e consagração cultural prestam-se em regular o campo social, no interior do sistema de produção e circulação de bens simbólicos. A LIESA concentra “em suas mãos” as leis que regem a circulação dos bens simbólicos e promove a “distinção” como “função social”, seja em benefício próprio, ou entre as agremiações carnavalescas que gerencia. As Escolas de Samba do grupo Especial são julgadas de acordo com a proposta de seu desfile, entre vários quesitos, por um grupo de jurados oriundos de diversas atividades e habilitados para avaliar os desfiles de cada agremiação. Esses jurados são encarregados de avaliar dez itens nos desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial, a saber: (1) Comissão de frente, (2) Mestre-sala e Porta-bandeira, (3) Conjunto, (4) Bateria, (5) Alegorias e Adereços, (6) Fantasias, (7) Enredo, (8) Harmonia, (9) Evolução e (10) Samba-enredo. Eles ficam posicionados em módulos espalhados ao longo do Sambódromo para realizar a avaliação em diferentes momentos do desfile. A cada ano, a LIESA promove

30

http://liesa.globo.com/; CAVALCANTI (2009, p. 97).


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alterações nos julgamentos: seja acrescentando ou retirando módulos de jurados, seja permitindo o fracionamento de notas, etc. Nos últimos tempos, a Escola de Samba campeã difere das demais por uma pequena margem de pontos, ou até mesmo décimos. A comissão julgadora tem vários momentos dos desfiles das Escolas de Samba para avaliar seu desempenho, sabendo que toda a extensão da “Passarela” tem 800 metros, no total. O tempo do desfile também é outra preocupação, já que cada agremiação deve atravessar toda a Avenida Marquês de Sapucaí, em 82 minutos, do primeiro ao último componente. Parece estranho que os dirigentes das Escolas de Samba estejam envolvidos no processo de organização da competição em que suas próprias Escolas de Samba são julgadas. No entanto, a LIESA organiza a comissão julgadora com nomes de várias áreas da sociedade e originários de várias práticas, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

como: artistas plásticos, figurinistas, cenógrafos e personalidades sociais. Os diretores das Escolas de Samba têm o direito de vetar alguns desses nomes, se acharem que serão penalizados por questões de ordem pessoal ou outro motivo justificável no momento do veto. A competição entre as Escolas de Samba fez do carnaval um espaço propício para rivalidades, intrigas e, ao mesmo tempo, produção de elementos estéticos e “reivindicação” de identidades culturais.


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A Figura 04 mostra uma maquete em perspectiva do Sambódromo, em toda a sua extensão, onde a parte inferior da figura representa o início do desfile (Setor 1) e a parte superior, na qual aparece o desenho da praça da Apoteose, significa o final do desfile ou a dispersão, onde a via se divide em duas saídas: à esquerda (Setor 13) por onde as alas deixam o Sambódromo e à direita (Setor 6)

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por onde as alegorias se encaminham para as ruas que contornam o Sambódromo.

Figura 04 – Desenho em perspectiva do Sambódromo, mostrando os setores de arquibancadas e a pista de desfiles. Fonte: Fonte: http://liesa.globo.com/


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Na Figura 05, observamos outra representação de toda a extensão do Sambódromo, desta vez considerando as vias de acesso para sua melhor localização desse espaço na malha urbana. Salientamos quatro marcações observadas nas bolas verdes para situar o posicionamento dos jurados e demonstrar como se dá a distribuição dos módulos daqueles que avaliam os

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desfiles, ao longo de toda a extensão da avenida31.

Figura 05 – Representação de mapa do Sambódromo, com visão total da avenida, inclusive com a marcação dos módulos de jurados. Fonte: Fonte: http://liesa.globo.com/

O Sambódromo terminou com os altos custos de montagem e desmontagem das arquibancadas, inicialmente feitas em madeira e depois combinando madeira e tubos de ferro: processo que, além de dispendioso, causava transtornos ao trânsito urbano. Embora beneficiando o carnaval neste sentido, o Sambódromo já demonstrou deficiências que, até hoje, não foram sanadas, tais como o transporte de grandes carros alegóricos até a pista do desfile, concentração dos componentes nas ruas adjacentes ao local, além da dificuldade na armação e dispersão das Escolas, etapas que envolvem complexas tensões e rápida solução de problemas. Como o projeto do Sambódromo se encaminha para a terceira década, desde sua inauguração, aquele espaço, anualmente, revela que a ideia inicial deve ser revisada e atualizada em função do crescimento do público 31

Nos desfiles de 2010, a LIESA acrescentou mais um módulo de jurados para ajudar ainda mais a visualização de possíveis falhas, ao longo do desfile. No entanto, por se tratar de uma ação nova, ainda será ratificada pela instituição se o julgamento permanecerá com cinco módulos de jurados ou retornará aos quatro grupos, até então usados para avaliar os desfiles.


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interessado em participar da Festa, além do próprio “poder” que as Escolas de Samba adquiriram ao longo desse período. Um dos aspectos mais relevantes para o nosso trabalho é que o Sambódromo redimensionou os desfiles das Escolas de Samba, pois possibilitou a fixação de uma via destinada, quase que exclusivamente, a este fim. As alegorias cresceram de tamanho, em largura e altura, pois as arquibancadas foram construídas em alvenaria e ficaram muito mais altas do que as antigas e promoveram um significativo aumento nas dimensões das alegorias, adereços e fantasias. As alegorias e fantasias passaram a ser projetadas para serem vistas de qualquer lugar da arquibancada, como observamos na citação e na Figura 06:

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“O carnavalesco Max Lopes destaca o primeiro desfile no Sambódromo como um divisor de águas. Segundo ele, foi a partir de 1984 que as escolas começaram a aumentar o tamanho dos carros e passaram a repensar o desenvolvimento das alas, já que o espaço na passarela é bem maior”32.

Figura 06 – Foto aérea do Sambódromo do Rio de Janeiro, mostrando a altura das arquibancadas. Fonte: http://fatioupassou.com/wp-content/uploads/2009/01/798.jpg

32

MENDONÇA, Alba Valéria. “Passarela do Samba, um divisor de águas do carnaval. A partir do Sambódromo, as escolas de samba mudaram a forma de se apresentar ao público”. Caderno RIO. 01/02/2004, p. 21.


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As Escolas de Samba transformaram as etapas preparatórias dos desfiles em fontes de renda, desde a apresentação dos enredos em suas respectivas quadras de ensaio, passando pela escolha do samba-enredo, pelas festas organizadas por alas da comunidade (eventos já citados anteriormente), pela festa dos protótipos, até os ensaios técnicos feitos nos bairros de suas sedes. Em todas essas ações, observamos surgir produtos e subprodutos gerados pelo carnaval em atividades comerciais, alimentando a festa e alargando os tempos e espaços da mesma, seja geográfica ou simbolicamente. Os últimos estágios deste processo preparatório para os desfiles das Escolas de Samba são os ensaios técnicos organizados pela RIOTUR33 e pela LIESA na Avenida Marquês de Sapucaí, nos meses que antecedem o carnaval (dezembro e janeiro) e que se tornaram parte integrante do calendário carnavalesco, com arquibancadas abertas ao grande público. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Os ensaios técnicos surgiram como mais uma novidade que a LIESA tem proporcionado a cada Escola de Samba, a fim de testar as coreografias e divulgar os enredos de suas agremiações, nos meses que antecedem os desfiles oficiais, conforme mostra Figura 07.

Figura 07 – Foto de ensaio técnico, realizado no Sambódromo. Esta é mais uma iniciativa da LIESA para incentivar a participação nos desfile das Escolas de Samba, bem como atrativo turístico. Fonte: http://liesa.globo.com/

33

RIOTUR – Empresa de turismo do município do Rio de Janeiro S.A. – sociedade de economia mista, é o órgão executivo da Secretaria Especial de Turismo e tem por objetivo programar a política de turismo do município do Rio de Janeiro (http://www.riodejaneiro-turismo.com.br/pt/).


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Mesmo entendendo que os ensaios técnicos não são comercializados diretamente, pois o ingresso para as arquibancadas é gratuito, essa ação promove e estimula os desfiles das Escolas de Samba, levando para o Sambódromo uma quantidade considerável de curiosos e interessados em assistir aos ensaios preparatórios para o desfile oficial. Além disso, há uma grande variedade de produtos sendo comercializados antes, durante e depois dos ensaios técnicos. Como subprodutos para esses ensaios, as próprias Escolas de Samba compram camisetas que vestem todos os integrantes nos ensaios técnicos, contratam transportes para levar os seus componentes, entre outras atividades. Há uma praça de alimentação no Sambódromo, onde se concentram vários quiosques de lanches rápidos e bebidas prontas, que funcionam nos períodos desses ensaios técnicos. No restante do ano, o Sambódromo abriga alguns shows na parte conhecida como a Praça da Apoteose: no final da passarela há uma espécie de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

palco com um grande monumento, onde essas apresentações esporádicas acontecem. No dia a dia, o Sambódromo perde sua função de exibição, mas assume a função de monumento turístico, como ponto “obrigatório” de visitação para aqueles que se interessam pelo carnaval. Os guias turísticos incluem esse local como ponto de visitação em roteiros que consideram, ainda, o Maracanã, o Pão de Açúcar ou Corcovado e Cidade do Samba, além de praias da Zona Sul, como Copacabana, Ipanema ou Leblon. Esses curtos roteiros são oferecidos em hotéis e agências de turismo, visitando todos esses pontos turísticos em um mesmo dia. Na entrada do Sambódromo, há uma loja que comercializa pequenas “lembrancinhas” com temática carnavalesca para vender aos turistas que visitam aquele local, ao longo do ano. Além disso, os turistas podem se fotografar, alugando uma fantasia nessa mesma loja. Esse lugar de comercialização é um dos pontos-chaves deste trabalho, pois quem gerencia essa ação é a AMEBRAS, que analisamos mais adiante, no próximo capítulo. Também tratado como ponto turístico relacionado ao carnaval, a Cidade do Samba merece destaque em nosso trabalho por abrigar os locais de produção para a Festa, através de seus desfiles; pela “vocação” turística, enquanto parque temático, mas também por abrigar um espaço de qualificação para a mão de obra especializada nos desfiles de carnaval, através das oficinas da AMEBRAS.


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2.2.2 Cidade do Samba: espaço de produção e convivência

Nos anos 1990, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e a Companhia Docas estabeleceram contratos de aluguel para que os Armazéns do Cais do Porto servissem de barracões34 onde seriam produzidas as alegorias para as Escolas do Grupo Especial. Nesse caso, com dimensões bem superiores ao Pavilhão de São Cristóvão e a vantagem de um espaço de trabalho que poderia ser melhor setorizado, conforme as necessidades particulares de cada atividade. Enquanto a quadra de uma Escola de Samba é a guardiã da vida social da Escola e está sujeita a programações fora do ciclo carnavalesco, no barracão todas as atividades estão submetidas a este ciclo, que vai do lançamento do enredo à confecção final das alegorias, ou seja, todos os passos necessariamente levam à produção do espetáculo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Nos Armazéns do Cais do Porto, algumas agremiações não se limitaram à ocupação pura e simples dos espaços, mas investiram também na preservação e melhorias físicas. O Cais do Porto é, portanto, o último estágio de sublocações onde as Escolas de Samba ocuparam uma arquitetura já existente: os armazéns do Cais do Porto que se transformaram em barracões para as Escolas de Samba. Aliás, devido às grandes dimensões, esses lugares tornaram-se adequados às necessidades das agremiações e serviram de modelo para o projeto e a construção de um lugar, agora sim, destinado desde o seu início, à feitura das alegorias, fantasias e adereços das Escolas de Samba do grupo Especial35. O projeto da Cidade do Samba36 reúne dois conceitos que não são excludentes no carnaval do Rio de Janeiro: o trabalho, que ocupa os novos galpões e a cultura do “saber carnavalesco”, com a qual artistas, sambistas, empresários e investidores “reinventam a tradição”37 dos desfiles, anualmente, transformando-os no espetáculo de massas que domina o período carnavalesco.

34

O termo barracão é sinônimo de lugar onde são produzidas as alegorias, fantasias e adereços. No próximo capítulo, damos mais detalhes sobre esse espaço. 35 Segundo http://liesa.globo.com/, os autores do projeto da Cidade do samba são os arquitetos João Uchoa e Victor Wanderley. 36 A Cidade do Samba foi oficialmente inaugurada no dia 04/09/2006. 37 HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (1997). Conforme esses autores: “Por „tradição inventada‟ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado” (p. 09).


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A Cidade do Samba foi construída numa área de 98.000 metros quadrados38, entre o morro do Pinto e a Avenida Rodrigues Alves, próximo aos Armazéns 10 e 11 do Cais do Porto, adquirido da rede Ferroviária Federal 39. Ela ocupa um local considerado estratégico e privilegiado por várias razões: (1) estratégico no que se refere às vias de acesso ao Sambódromo, respeitando os roteiros já consagrados para os deslocamentos das alegorias e sua proximidade com o centro comercial, no qual mantém o entrosamento com os fornecedores de materiais e equipamentos; (2) privilegiado pela localização próxima ao Porto e à Rodoviária, consolidando o local como centro cultural e turístico pelo grande fluxo de turistas. Na Figura 08, mostramos uma representação da localização da Cidade do Samba, no polígono pintado em vermelho, situado entre as palavras SAÚDE, GAMBOA e SANTO CRISTO, ou seja, os bairros que circundam o Cais do Porto PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

e tradicionalmente conhecidos por compor uma zona boêmia ligada ao samba.

Figura 08 – Representação de mapa da região onde a Cidade do Samba foi construída: a zona portuária. Fonte: http://liesa.globo.com/

Além de essa ilustração confirmar nossa fala referente ao acesso para os turistas, por conta da proximidade com a Rodoviária Novo Rio e o Cais do Porto, a Cidade do Samba propicia o fácil acesso daqueles que trabalham, fazem cursos ou precisam ir com frequência àquele local, pois a Avenida Rodrigues Alves 38 39

BARBIERI (2009, p. 127). http://liesa.globo.com/.


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funciona como corredor de ônibus e outros transportes públicos para a região metropolitana do Rio de Janeiro. Além disso, a localização da Cidade do Samba permite que seus funcionários e frequentadores cheguem pelas linhas de trens e metrô que têm seu ponto final na Central do Brasil. Ademais, a Central do Brasil está localizada a poucas quadras da Cidade do Samba, no sentido contrário ao do Cais do Porto, em direção ao centro da cidade. O acompanhamento da montagem dos desfiles das Escolas de Samba, os testes das alegorias e os ensaios técnicos que já acontecem no Sambódromo temse tornado eventos “oficialmente” inseridos na programação carnavalesca do Rio de Janeiro, mesmo se tratando de eventos preparatórios para o “espetáculo”. Dessa forma, os desfiles das Escolas de Samba não acontecem somente nos dias de carnaval, mas começam meses antes da festividade para atrair atenção de um público crescente para os produtos que o carnaval sempre lança, sendo o próprio PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

carnaval um produto cultural, turístico e artístico. A Cidade do Samba, além de ser uma reivindicação antiga de todos os que trabalham nas Escolas de Samba, é uma realidade que proporcionou um maior aprimoramento tecnológico e de maior complexidade, na medida em que se disponibilizou uma infraestrutura, até então somente idealizada. Somam-se assim dois objetivos: (1) a construção de espaços adequados a um modelo de produção industrial, com segurança, conforto e reengenharia de sua organização, e (2) o desenvolvimento de um centro de entretenimento que pode manter a continuidade do calendário carnavalesco da cidade, além do estabelecido. Antes da construção da Cidade do Samba, as alegorias e fantasias realizadas pelas Escolas de Samba ocupavam lugares improvisados: seja embaixo de viadutos ou nos antigos armazéns do Cais do Porto, onde as instalações elétricas eram precárias e as condições de segurança e higiene, praticamente, inexistiam. Além disso, o carnaval carioca é uma festa mundialmente conhecida, mas não possuía um local que concentrasse os profissionais e os objetos produzidos para os desfiles das Escolas de Samba. A Cidade do Samba se propõe mostrar aos turistas que visitam o Rio de Janeiro, independente do período do ano, um pouco do carnaval carioca, a partir dos elementos plástico-visuais das Escolas que ficam localizadas em seu interior. A criação da Cidade do Samba “autentica” o conceito de estarmos vivendo um “novo carnaval”, na medida em que a Prefeitura do Rio de Janeiro, juntamente


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com a LIESA, pretendem mostrar o carnaval como um setor produtivo, turístico e potencialmente econômico é capaz de empregar e manter uma infinidade de profissionais em torno desta atividade. Com a criação da Cidade do Samba, os desfiles das Escolas de Samba do principal grupo que desfila no Sambódromo (o Especial) têm se desenvolvido, demonstrando um modo de produção que tenta se afastar do que era feito no passado, quando as condições de trabalho ainda eram improvisadas. No entanto, tudo o que vale para o grupo Especial não se aplica aos demais grupos, que continuam a conviver com o mesmo improviso de antes. Apesar de o Sambódromo ser o palco para os desfiles de Escolas de Samba dos grupos A e B, a política que se encontra na gerência desses grupos ainda não

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conseguiu reverter essa situação desigual, própria dos grupos menores40.

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O grupo A desfila na noite de sábado e o grupo B, na terça-feira de carnaval. Em 2008, houve uma ruptura entre esses grupos que eram administrados pela Associação das Escolas de Samba da cidade do Rio de Janeiro. Desta maneira, o grupo A passou a ser gerido pela LESGA – Liga das Escolas de Samba do Grupo de Acesso e, o grupo B, pela AESCRJ – Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro.


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O projeto da Cidade do Samba leva em consideração a visitação de turistas, principalmente, em duas ocasiões: (1) em visitas guiadas através das passarelas externas aos barracões (conforme Figuras 09 e 10), visualizando a dinâmica desses locais, através de grandes janelas de vidros e (2) em shows de sambistas, passistas, baianas, porta-bandeira e mestre-sala que acontecem semanalmente, após o jantar e um minidesfile de carnaval, por entre os barracões ali instalados. Este minidesfile é finalizado na loja alocada no barracão número 1 e situada na saída da Cidade do Samba (Figura 11). Estrategicamente localizada para aproveitar o fluxo de turistas, neste espaço os souvenirs da AMEBRAS são vendidos. No próximo capítulo, explicaremos com maiores detalhes como se dá a

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comercialização desses souvenirs, nas lojas da AMEBRAS.

Figuras 09, 10 e 11 – (09) Cidade do Samba – barracões com passarelas para visitantes, (10) detalhe da passarela externa por onde passam os visitantes que conferem o trabalho realizado no interior dos barracões e (11) loja da AMEBRAS, na Cidade do Samba. Fonte: Madson Oliveira

A revitalização da zona portuária firma com a Cidade do Samba a ideia de que a continuidade de eventos carnavalescos beneficia os bairros daquela região e as Escolas de Samba aproveitam a “vocação turística” da atividade das agremiações como atração temática, ampliando assim a capacidade de geração de emprego, fixação de mão de obra e redução dos custos do empreendimento, ao propor um show semanalmente, com recepcionistas e guias treinados para apresentar o Parque Temático, além dos funcionários da praça de alimentação, dos


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seguranças e responsáveis pelo estacionamento, geralmente, subcontratados por empresas terceirizadas. Transformar um espaço de trabalho (na confecção dos objetos carnavalescos) em local de visitação turística demanda algumas questões a serem analisadas, por conta do fator surpresa que se espera de cada agremiação no desfile atual, superando o seu anterior. A Cidade do Samba foi construída também para servir como ponto turístico da cidade do Rio de Janeiro, representante do carnaval, mostrando a maneira como ele é preparado ao longo ano. Para tanto, houve um grande investimento público pelo alto custo desta iniciativa, propiciando uma nova maneira de enxergar as atividades constituintes da festa carnavalesca. O sucesso deste empreendimento se dá pela criação do hábito do consumo em eventos, o que há alguns anos vem sendo aplicado ao carnaval carioca, na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

medida em que todas as etapas de produção para os desfiles das Escolas de Samba estimulam o comparecimento e a participação do público afeito ao carnaval, como observamos no início deste capítulo, quando tratamos do turismo com temática carnavalesca. A inauguração da Cidade do Samba tem implicado em novos processos de adequação de espaço, enquanto local geográfico: seja pela forma de ocupação, seja pelo incentivo à convivência. A ocupação já tem se tornado um problema a ser pensado, tendo em vista a substituição de uma Escola que sai do grupo Especial como última colocada, e a recepção de uma agremiação, vencedora do concurso do Grupo de acesso A, anualmente. Este e outros fatores decorrentes da criação de um Parque Temático, a Cidade do Samba, oportunizam a observação do nascimento de “novas tradições”, como as percebidas até agora. Há, também, um exemplar modelo de (re)ordenação dos espaços públicos e privados que atinge o espaço principal e vital da criação e elaboração dos “objetos carnavalescos”, como vemos no próximo capítulo, principalmente por meio de alegorias, adereços e fantasias.


3.

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Os objetos carnavalescos

Mesmo as alegorias previstas num projeto terminam por falar mais, muito mais, do que o seu enunciado verbal faria supor. O conjunto de seus elementos visuais remete simultaneamente a tantos sentidos possíveis, que vê-las em desfile é extasiar-se, encher os olhos e acolher a perplexidade diante da impossibilidade de decifrá-las totalmente. Esse é o seu poderoso encanto. Impossível compreendê-las totalmente: dentro do barracão nunca estão prontas. Tudo o que podemos ver, e o processo surpreende o próprio carnavalesco, são elementos que dia a dia se agregam.1

Iniciamos este capítulo denominando de “objetos carnavalescos” toda a produção material realizada em função do carnaval: seja no âmbito dos desfiles das Escolas de Samba; seja na comercialização dos artefatos com a temática carnavalesca. Para tanto, este capítulo está divido em dois grandes blocos: (3.1) a produção para a Festa e (3.2) a produção para o Mercado. Nomeamos de Festa, os desfiles das Escolas de Samba para o carnaval carioca, e abrimos o capítulo apresentando como acontece a produção desses objetos carnavalescos. Consideramos o Mercado como campo de produção de objetos realizados com finalidade comercial. No segundo bloco deste capítulo, apresentamos o estudo de caso que envolve a AMEBRAS, as oficinas de qualificação e as lojas. Após a contextualização sobre a Festa e o Mercado, chegamos aos souvenirs carnavalescos, tendo na produção destinada ao Mercado um subcampo da produção dos objetos criados em função da Festa.

1

CAVALCANTI (1994, p. 153).


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Mais uma vez a produção destinada aos desfiles das Escolas de Samba é descrita e analisada neste capítulo, mas, desta vez, recortada nos objetos mais relevantes para nossa pesquisa, como: alegorias, adereços e fantasias. Dessa maneira, apresentamos na sequência, como se dá a produção dos outros objetos gerados em função do carnaval, mas com as especificidades do mercado turístico de “lembrancinhas temáticas”. Entendemos que estes dois campos, a Festa e o Mercado, apresentam características similares em seus materiais e processos e nos conduzem à análise dos souvenirs carnavalescos. 3.1 A produção para a Festa (ou “para dentro”)

Elaboramos um ciclo de desenvolvimento para a preparação de um desfile

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de Escola de Samba para situar os momentos e ações nos quais se desenvolvem os objetos carnavalescos. Chamamos atenção para o fato de os objetos carnavalescos aqui analisados fazerem parte de dois quesitos julgados nos desfiles das Escolas de Samba, no grupo Especial: (1) alegorias / adereços e (2) fantasias. As Escolas de Samba estão divididas em vários grupos, de acordo com a sua colocação no desfile do ano anterior, conforme explicitado no segundo capítulo. Portanto, existe uma espécie de ranking2, no qual as melhores escolas, segundo o julgamento oficial da LIESA, ocupam o grupo Especial. Desde o ano de 2008, o grupo especial é composto por 12 agremiações carnavalescas3, dividindo os seus desfiles em duas noites: a metade desfila no domingo de carnaval e a outra metade, na segunda-feira. Esse fato acabou acirrando ainda mais a disputa entre as grandes Escolas do Grupo Especial, permitindo a permanência na Cidade do Samba de menos Escolas de Samba do que as 14, inicialmente, alocadas no ano de sua inauguração, em 2006. De acordo com o ciclo de desenvolvimento dos desfiles das Escolas de Samba, o ano é dividido em vários momentos, como: criação do enredo e projeto plástico-visual; execução de fantasias, alegorias e adereços; ensaios e

2

“O ranking LIESA é formado pelo somatório da pontuação obtida nos últimos cinco desfiles” (http://liesa.globo.com/). 3 CAVANCANTI (2009, p. 91) revela que “neste mesmo carnaval de 2008, o número de grandes escolas a desfilar no Sambódromo fixou-se em 12, [...]”.


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coreografias; desfile propriamente dito; desmontagem das alegorias e, finalmente (ou inicialmente), preparação de um novo ciclo4. Este circuito se desenvolve de acordo com cada agremiação, mas há um calendário comum a todas as escolas que ocupa alguns meses do ano (segundo Quadro 01). Sem generalizar este calendário, pudemos observar, através da participação em diversas agremiações carnavalescas, que o carnaval comumente é organizado em etapas que, com poucas variações, se repetem nas Escolas de Samba, pois todas seguem uma espécie de calendário ao contrário, contabilizando os dias que faltam para o seu desfile. Essas etapas foram esquematizadas a seguir (no Quadro 01) e são comentadas, à medida que as ações vão ocorrendo. Ilustramos essas etapas com as principais ações preparatórias para os desfiles das Escolas de Samba, principalmente, no que se referem às fantasias, alegorias e

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adereços. Quadro 01 – Ciclo de produção dos desfiles das Escolas de Samba, no grupo Especial Etapa 01 02 03

04 05

06

07

08 09

4

Meses Fevereiro/Março Abril/Maio

Ação 1) Os desfiles das Escolas de Samba; Desmontagem das alegorias; reaproveitamento de materiais; venda de esculturas para outras agremiações; Maio/Junho Contratação/recontratação de carnavalesco 5 e outros profissionais, como: mestre de bateria, diretor de harmonia, etc.; eleição de nova diretoria; Junho/Julho Desenvolvimento do enredo; Julho/Agosto Lançamento do enredo e desenho das fantasias e alegorias; definição do roteiro do desfile; entrega da sinopse do enredo para a ala de compositores do samba-enredo; Agosto/Setembro Confecção de peças-piloto ou protótipos a serem entregues aos diretores de ala, para reprodução; ensaios nas quadras, com eliminação dos sambas-enredos pré-selecionados; início de trabalhos para estruturação de alegorias (ferragem, marcenaria); Outubro Desfile de lançamento das principais fantasias-protótipos; escolha final do samba-enredo; início de trabalho de decoração das alegorias (trabalho de bancadas); Novembro/Dezembro Confecção das fantasias de ala (nos barracões), de composição e destaque (em ateliês externos); lançamento dos samba-enredos; Janeiro/Fevereiro Finalização de decoração nas alegorias; finalização e entregas de fantasias e adereços e, finalmente, preparação para o desfile.

OLIVEIRA (2006b). Este cronograma foi apresentado em comunicação oral referente ao V LaRS – Simpósio do Laboratório da Representação Sensível. O PPG de Design promove, sistematicamente, discussões com temas instigantes e, nesta edição, o mote do evento era “Ilicite errore - Transgressão ou Impertinência?”. 5 Diferentemente do sentido primeiro de se divertir, este termo é comumente empregado para se referir ao profissional considerado como membro central na concepção dos desfiles das Escolas de Samba. FERREIRA (1999) e GUIMARÃES (1992) apresentaram dados referentes à evolução e ao desenvolvimento desta profissão, em suas respectivas pesquisas, apontando os percursos pelos quais passaram, ao longo do tempo.


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A partir do quadro 01, podemos entender como se estrutura um desfile de Escola de Samba para compreender como, quando e onde se dá a produção dos objetos carnavalescos, destinada aos desfiles de carnaval. Os desfiles acontecem entre os meses de fevereiro e março (etapa 01), de acordo com o calendário oficial da Igreja Católica, pois o carnaval não tem uma data fixa e varia de acordo com a celebração da Semana Santa6. Após os desfiles e comemorações referentes à colocação de cada Escola, há um período de descanso para as equipes fixas e a dispensa das equipes temporárias. As alegorias costumam ser desmontadas para guardar as peças que poderão ser aproveitadas (placas de acetato, esculturas, adereços, por exemplo), vendendo ou doando para outras escolas aquilo que não servirá mais (etapa 02). Neste “meio tempo”, há uma espécie de “jogo de cadeiras simbólico” entre

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os diversos profissionais que mais se destacaram em suas agremiações. Como esses profissionais são autônomos e seu “passe” não é fixo, há uma negociação entre as Escolas e estes profissionais. Em alguns casos, os “contratos” são renovados7. Em outros casos, há uma substituição por outro profissional que esteja disponível ou que receba uma oferta melhor (etapa 03). Em artigo publicado sobre “Estilo individual e individualidade artística”, SANTOS (2009) faz uma analogia entre o trabalho no carnaval e campo artístico. Os carnavalescos são “responsáveis pela concepção estética das escolas de samba, funcionam como mediadores privilegiados entre mundos socioculturais” (p. 153). Este profissional,

“usualmente „pensa o enredo‟ que deverá contar a história ao ser desfilado na Passarela do Samba, ou seja, escrever a sinopse, desenhar as fantasias, adereços e carros alegóricos, entre outras atribuições. Alguns carnavalescos atuam, ainda, como captadores de recursos financeiros que viabilizarão o desfile. [Essa é uma tendência atual: contratar carnavalesco que leve para a agremiação um enredo „patrocinado‟ ou, pelo menos, „patrocinável‟]” (p. 170).

6

“O regime temporal do carnaval baseia-se, como nos explica Barroso (1950), na Páscoa da Ressurreição cristã (apud CAVALCANTI, 2009, p. 115). 7 Nem sempre há um contrato oficial entre os profissionais e as Escolas de Samba em que eles atuam. Muitas vezes, este contrato é somente verbal e nada garante a sua permanência em uma agremiação, a não ser o bom desempenho nos desfiles de carnaval.


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Após a contratação (ou renovação) do carnavalesco, este profissional passa para o desenvolvimento do enredo, ao qual toda a Escola voltará os seus esforços a fim de executar o projeto temático (etapa 04). Os enredos podem ter inspiração histórica, contar uma narrativa fictícia ou, ainda, homenagear uma figura pública, cultura/etnia, etc. Segundo a carnavalesca Rosa MAGALHÃES (1997, p. 26), o enredo tem papel fundamental para o desenvolvimento de um desfile de Escola de Samba e é o fio condutor para as várias fases de um projeto de desfile de carnaval (etapa 05). É a partir dele que os objetos carnavalescos passam a tomar forma. A Festa carnavalesca, no caso das Escolas de Samba, acaba arregimentando uma infinidade de profissionais e suas mais diversas práticas, como: sapateiros, costureiras, modelistas, aderecistas, ferreiros, pintores, desenhistas, escultores, além do carnavalesco. Toda essa variedade de

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profissionais realiza uma produção que nomeamos de objetos carnavalescos e têm a função de dar “forma” às ideias imaginadas pelo carnavalesco no enredo apresentado para a sua Escola de Samba. Ou seja, a existência desses objetos é, exclusivamente, de cunho festivo e de consumo “para dentro” da própria Festa. Mesmo se tratando de objetos que podem ser comercializados (como no caso das fantasias de ala), estamos distinguindo de outros que só são produzidos com a finalidade externa à Festa, como no caso das “lembranças com temática carnavalesca” que nomeamos de produção “para fora” e que analisaremos mais adiante. Alguns carnavalescos apresentam em seus trabalhos aspectos projetuais, pois “após ter feito o projeto, o carnavalesco tem a chance de ver funcionando os vários setores, e se torna uma espécie de mestre-de-obras que acompanha a realização de suas idéias” (MAGALHÃES, 1997, p. 135). Podemos, ainda, acrescentar à citação da carnavalesca, o sentido mais amplo de projeto, conforme o professor BOMFIM (1998, p. 162) descreve: “O projeto é a atividade onde informações de natureza abstrata serão transformadas em algo concreto – a forma. A esta atividade pertencem três tarefas principais: a organização de informações, a geração de conceitos e a apresentação de resultados”. BECKER (2009, pp. 32-37) afirma que qualquer representação da realidade social é sempre parcial e, a fim de facilitar essas representações, o autor revela algumas etapas no trabalho, como: seleção, tradução, arranjo e interpretação.


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Dessa maneira, entendemos como se dá a interdisciplinaridade no trabalho do carnavalesco que parece se mover numa linha imaginária, atravessando a arte e o design, em processos que levam em consideração os vários atores sociais que compõem as tarefas indispensáveis à criação e ao desenvolvimento de um desfile de Escola de Samba. Entendemos que o trabalho desenvolvido por alguns carnavalescos se assemelha, em parte, tanto aos projetos elaborados por designers, como ao trabalho de caráter artístico. Por isso, concordamos com o pensamento de

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BOMFIM (1998) quando ele afirma que: “[...] os termos „arte‟, „obra de arte‟, e „artista‟ serão várias vezes empregados, o que implica numa pergunta inevitável: qual a ligação entre design e arte? De um lado a resposta é simples: nada, pois design e arte se diferenciam pelos seus objetivos, métodos e conteúdos. Mas de outro lado a resposta é afirmativa, pois design, arte e outras atividades que contribuem para a configuração de nosso meio podem ser objetos de estudo da estética. Entre essas atividades a arte se constitui como um caso específico, porque nas atividades artísticas os valores estéticos são os mais importantes. Assim, é compreensível que a estética (ciência) se ocupe principalmente da arte (praxis), do mesmo modo como é comum confundir o estético com o artístico. Contudo, sabe-se que os valores estéticos não são encontrados apenas no campo da arte, mas também na natureza, na arquitetura, no design, etc.” (p. 23).

Outros estudos colocaram mais duas esferas nas quais as práticas de design têm se inscrito, como a ciência e a tecnologia. Os estudos de Bonsiepe, numa abordagem crítica, ao mesmo tempo em que nega os estatutos de ciência e de arte atribuídos ao design, assegura que haja interações construtivas entre design-arte e entre design-ciência8. Entretanto, a abordagem para esta questão apresentada por VELHO (2006, p. 139 apud SANTOS, 2009, p. 170) se utiliza do conceito de Howard S. Becker para comparar o trabalho do carnaval ao trabalho artístico, já que é “sempre uma ação coletiva, em que diferentes indivíduos desempenham papéis específicos, em princípio complementares, embora nem sempre desprovidos de tensão e conflito”. Sendo assim, BECKER (1977, pp. 09-10) adverte que “é possível entender as obras de arte considerando-as como o resultado da ação coordenada de todas as pessoas cuja cooperação é necessária para que o trabalho seja realizado da forma que é. Esta abordagem impõe 8

COUTO (1997).


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um roteiro específico à nossa pesquisa. Devemos, em primeiro lugar, estabelecer a relação completa dos tipos de pessoa cuja ação contribui para o resultado obtido. [...] esta relação poderia incluir desde as pessoas que concebem o trabalho – compositores ou dramaturgos, por exemplo – as que executam – como músicos e atores – as que fornecem os equipamentos e materiais indispensáveis à sua execução – fabricantes de instrumentos musicais, por exemplo -, até as que vão compor o público do trabalho realizado – freqüentemente de teatro, críticos, etc. Embora, convencionalmente, se selecione uma ou algumas destas pessoas como sendo o „artista‟, a quem atribuímos a responsabilidade pelo trabalho, parece-nos ao mesmo tempo mais justo e mais produtivo, do ponto de vista sociológico, considerá-lo como a criação conjunta de todas elas”.

Neste sentido, entendemos o carnavalesco como o chefe de uma equipe que agrega uma série de profissionais, com especificidades de acordo com as funções necessárias para o desenvolvimento dos desfiles das Escolas de Samba. Enquanto o carnavalesco desenvolve o enredo e o projeto de fantasias e alegorias, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

os outros profissionais põem em prática e dão forma ao projeto como um todo. Mesmo o carnavalesco assumindo essa liderança na equipe, o trabalho continua sendo coletivo e, em alguns casos, de criação conjunta, conforme apontado na citação anterior. A questão sobre a qual campo (arte, design ou outra categoria) o trabalho do carnavalesco melhor se enquadra ainda carece de uma pesquisa mais aprofundada e que não é o foco principal de nosso estudo. Entendemos que a melhor maneira para colocarmos o carnavalesco nessa ou naquela categoria, deva ser a partir de sua própria fala, ou seja, como ele mesmo se autodenomina. Alguns carnavalescos se apresentam como artistas, outros se colocam como designers ou ainda como pesquisadores de novas linguagens e isso deve ser suficiente para, nesse momento, seguirmos adiante. Apesar de haver uma falsa impressão de homogeneidade nos desfiles das Escolas de Samba, percebemos que cada carnavalesco acaba desenvolvendo uma linguagem com códigos visuais bem marcados, diferenciando os trabalhos da equipe que compõe cada agremiação. Uma análise mais apurada do trabalho destes “artistas coletivos” e de seus “artesãos habilidosos” revela que há uma linguagem diferenciada e relaciona-se com uma infinidade de pessoas que se identificam com suas Escolas de preferência. Esta identidade visual criada pelos carnavalescos pode ser entendida como um aprimoramento nas linguagens desenvolvidas: seja por meio de novas


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técnicas, materiais ou visões diferenciadas, cada carnavalesco “escreve” também sua história e se “inscreve” na história das Escolas de Samba. Este misto de artista e designer, o carnavalesco, se constituiu ao longo dos desfiles das Escolas de Samba, importando seu know-how das artes plásticas, dos espetáculos de teatro, da arquitetura e de outras origens que os tornam “clássicos”, contemporâneos, contestadores, polêmicos, etc.9. Para ilustrar o(s) lugar(es) deste profissional, que conquistou espaço no universo do carnaval, vale lembrar alguns que ficaram famosos por suas atuações, como: Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues e Fernando Pinto, entre outros clássicos que formaram “escola”10 e trouxeram os carnavalescos, como Joãosinho11 Trinta, Rosa Magalhães e Renato Lage, como aprendizes. Os dois últimos se mantêm no comando de Escolas de Samba do grupo Especial.

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Joãosinho Trinta, mesmo tendo feito parte do grupo de Pamplona, desenvolveu uma “nova estética”, que culminou na “espetacularização” dos desfiles das escolas de Samba, na década de 1980, com alegorias e fantasias (re)dimensionadas para cima, em função da verticalidade do Sambódromo. João Trinta defende sua visão dos desfiles de Escolas de Samba como óperas modernas comparando estes espetáculos às obras teatrais clássicas, em que as fantasias fazem às vezes dos figurinos, os enredos são os libretos, a evolução das alas sambando relacionam-se às coreografias, os sambas-enredos são as falas/cantos dos personagens e as alegorias prestam-se a representar os cenários destas apresentações. No trecho escrito por SOUZA (1989), abaixo, Joãosinho Trinta faz uma analogia com a ópera dos teatros clássicos: “Eu acho que aí tem uma diferença do meu trabalho com o de alguns outros carnavalescos, porque eu sempre via a escola de samba como um todo, como uma grande ópera, como a proposta de um trabalho teatral. [...] Porque não podemos esquecer que uma escola de samba é um áudio visual. É exatamente como uma ópera. Você tem um libreto, você está escutando as pessoas falarem, precisa de um determinado local, uma determinada cenografia, determinada intenção e tudo isso se passa com

9

Conforme aponta o estudo de BECKER (1977). GUIMARÃES (1992) tratou deste assunto em sua dissertação de mestrado, chamando os carnavalescos de “profissionais que fazem escola,” conforme pode ser observado na bibliografia deste trabalho. 11 Joãozinho Trinta, na década de 1980 assumiu nova grafia para seu nome, substituindo o “z” pelo “s”. 10


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uma escola de samba. Então a engenharia que temos que construir é exatamente a colocação de toda esta elaboração” (pp. 109-110).

Por pensamentos como os descritos acima, Joãosinho Trinta é referência do “novo carnaval”, desenvolvido na “Passarela do Samba”, que possibilitou novas formas de apresentações em que o lúdico, próprio da linguagem teatral, retrata não a realidade dos fatos contados, mas aqueles imaginários e imaginados por sua visão de mundo, facilmente compreendido por todos. Este carnavalesco foi, diversas vezes, campeão no carnaval carioca em decorrência de sua boa comunicação com os jurados e o público, presentes nos desfiles das Escolas de Samba. Apresentamos, a seguir, alguns exemplos de alegorias para conhecermos parte

do

trabalho

de

três

grandes

carnavalescos

responsáveis

pelo

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desenvolvimento dos desfiles das Escolas de Samba, na “era Sambódromo”. Selecionamos para ilustrar esses exemplos Joãosinho Trinta, Renato Lage e Rosa Magalhães, pois os três experimentaram o sabor da vitória em diversos carnavais, nos últimos anos. João é considerado um Mestre do carnaval, tendo escrito seu nome na história do Sambódromo por verticalizar os desfiles das Escolas de Samba, propiciando a espetacularização da festa. Renato Lage consagrou-se como um vitorioso carnavalesco, associando o seu nome ao de uma grande Escola da década de 1990, ao conquistar campeonatos importantes para o GRES Mocidade Independente de Padre Miguel. Foi nessa agremiação que o carnavalesco desenvolveu um estilo “futurista”, trazendo para a avenida alegorias, adereços e fantasias com apelo Hi-Tech. Rosa Magalhães, a única mulher assumindo a função de carnavalesca do grupo Especial, é a maior detentora de títulos, desde a construção do Sambódromo: foram cinco prêmios máximos que ela conseguiu levar para o GRES Imperatriz Leopoldinense, nos anos que por lá esteve12.

12

Rosa Magalhães saiu da Imperatriz Leopoldinense no ano de 2009, após longo período naquela Escola de Samba.


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Na Figura 12, podemos observar uma alegoria projetada por Joãosinho Trinta, na década de 1990 e sua tendência à verticalização, nos elementos plástico-visuais13. Ela tem formato cônico, estreito em cima e mais largo na base. Os componentes vestem grandes fantasias com resplendores para aumentar ainda mais o seu tamanho. A altura desta alegoria pode ser percebida pela presença dos vários andares dos camarotes, à esquerda da figura. Esta alegoria representa as trevas e a escuridão que simula a formação do universo, no enredo “Das trevas à luz”, que deu o primeiro campeonato à agremiação GRES Unidos do Viradouro,

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em 1997.

Figura 12 – Foto de alegoria desenvolvida por Joãosinho Trinta para Viradouro, 1997. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Em contraste com o trabalho de João Trinta, Renato Lage desenvolveu outra linguagem visual em que deixava os ferros de suas alegorias aparentes, pintando-as de cores fluorescentes, o que lhe deu o codinome de Hi-Tech, “batizado” pela imprensa especializada. Ele próprio define o seu processo como um trabalho projetual que teve sua origem no trabalho de cenografia para 13

ARAÚJO (2008, p. 16) informa que essa tendência à verticalização começou a ser exercitada por João Trinta, ao compactar os seus desfiles, eliminando os espaços vazios, quando, em 1973, ele retirou os “pesados” destaques do chão e os colocou em cima dos carros alegóricos.


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televisão, do qual “importou” sua prática, como observamos no depoimento colhido por SOUZA (1989): “Tudo é projetado em escala, feita a planta baixa, frontal, tudo é calculado. Os outros carnavalescos são mais de improviso. O meu processo é um processo de projetar devido à minha escola, devido ao fato de trabalhar em televisão, ser cenógrafo, estar acostumado a fazer uma planta, projetar um cenário para dar o trabalho ao pessoal. O meu caminho foi um caminho mais técnico. Eu projeto a planta e me preocupo como vai construir, a proporção. [...] Todo o meu projeto de carnaval eu faço sem cor, mas eu sei que cor vou usar. Primeiro eu uso as cores nas roupas, depois eu uso a cor nos carros, de acordo com a das roupas, os setores e tal. De acordo com o material de acabamento que a gente vai usando, a coisa vai tomando forma. E aí fica melhor que o projeto. [...] É um processo” (pp. 113-114).

O processo de criação e a construção dos objetos idealizados pelo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

carnavalesco Renato Lage, a partir de sua própria fala, surpreendem pela linguagem utilizada por engenheiros e designers, como: “projeto”, “caminho técnico” e “processo”. Mesmo sem a preocupação de localizar sua prática em um dos campos acima citados (engenharia ou design), o carnavalesco utiliza-se de outros conhecimentos sistemáticos fundamentados pela sua própria práxis, antecipando, “no plano teórico e representativo, concepções formais para problemas de projeto”14. Renato Lage, após passar vários anos no GRES Mocidade Independente de Padre Miguel, onde desenvolveu esta linguagem “futurista”, foi contratado pelo GRES Salgueiro, em 2003 onde se sagrou vice-campeão para o carnaval de 2008 e campeão no desfile de 2009. O estilo de Renato Lage, em que partes da ferragem das alegorias ficam expostas e fazem parte da estética, tornou-se uma espécie de “assinatura” deste carnavalesco, na década de 1990, em sua longa trajetória pela Escola de Samba do bairro de Padre Miguel.

14

BOMFIM (1997, p. 28).


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Na Figura 13, o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel aconteceu já pela manhã e a alegoria foi projetada para ressaltar os seus elementos com cores contrastantes. Esta alegoria representa parte do enredo em que o carnavalesco ressaltava a relação entre o homem e a máquina, com o título de

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“Criador e criatura”, que lhe rendeu o campeonato de 1996.

Figura 13 – Foto de alegoria desenvolvida por Renato Lage para GRES Mocidade Independente de Padre Miguel, 1996. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

A terceira representante do seleto grupo de carnavalescos selecionados para exemplificar o trabalho dos carros alegóricos é Rosa Magalhães. Desde o começo de seu trabalho junto às Escolas de Samba, na década de 1970, ela levou para o carnaval o seu conhecimento acadêmico. Com formação em Artes Plásticas, Cenografia e Indumentária, Rosa Magalhães atravessa as fronteiras da criação nas diferentes formas de arte e consegue transitar com fluência e personalidade, imprimindo sua marca em todos os trabalhos que faz. Esta carnavalesca passou dezoito anos no GRES Imperatriz Leopoldinense, onde realçou ainda mais a dialética relação entre arte e técnica, conquistando um posto ainda inédito no carnaval carioca: única carnavalesca que conquistou cinco campeonatos para uma mesma Escola, desde a inauguração do Sambódromo, em 1984. Recentemente, Rosa Magalhães foi agraciada com o prêmio Emmy de


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melhor figurinista, por seu trabalho realizado na abertura dos Jogos Panamericanos, em 2007. A alegoria de Rosa Magalhães, na Figura 14, é composta por níveis que afinam da base para cima, finalizando a parte superior por uma grande fantasia de destaque, o que potencializa ainda mais a altura desta alegoria. Contornando todo o carro alegórico, os componentes se misturam às esculturas pintadas em cores contrastantes para ressaltar a diversidade da flora e da fauna brasileiras, no enredo

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campeão de 1999, intitulado “Brasil, mostra a sua cara”.

Figura 14 – Foto de alegoria desenvolvida por Rosa Magalhães para Imperatriz Leopoldinense, 1999. Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

A produção de objetos de grandes dimensões, como esses apresentados, mostra uma unidade entre forma e conteúdo. De acordo com a especificação dos elementos que definiam sua natureza e utilidade, entendemos esses objetos como aqueles chamados por BOMFIM (1994) de “objeto configurado”. Aliás, esse autor defende a configuração dos objetos como possibilidades de reflexão a partir da


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teoria do design, na medida em que, “para qualquer sociedade, os produtos, independente de suas características particulares, são instrumentos para a realização das utopias, através da realização dos indivíduos ou parte deles em seus relacionamentos com outros indivíduos (sociedade) e com seu contexto material e temporal (meio ambiente)” (p. 19). Esses e outros objetos produzidos para os desfiles das Escolas de Samba precisam de espaços cada vez maiores para sua confecção. Esses lugares ficaram conhecidos como barracões e são unidades de produção dos desfiles das Escolas de Samba, em que cada agremiação possui o seu. Para entendermos como se processa a confecção dos objetos carnavalescos apresentamos, a seguir, o barracão enquanto espaço de produção destes.

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3.1.1 O barracão e a produção dos objetos carnavalescos

Há uma tendência em nomear os barracões da Cidade do Samba como fábricas, unidades fabris ou indústrias do samba. No entanto, o termo “barracão” é utilizado neste trabalho referindo-se ao local de produção de objetos carnavalescos, independente da inauguração da Cidade do Samba, pois este termo existe desde os primórdios dos desfiles de carnaval. Como vimos nos exemplos mostrados anteriormente, os carros alegóricos passaram a ser imponentes por suas dimensões (largura, altura e extensão), principalmente considerando o acoplamento de vários carros menores, na “Era Sambódromo”. É fundamental que o transporte desses “cenários móveis” seja planejado minuciosamente, dando atenção especial à saída do barracão, feita com antecedência que é estabelecida em função do horário da apresentação. Ter uma estrutura organizacional competente é um principio básico para que esta etapa, conjugada a outras, seja cumprida a contento. As dimensões de uma alegoria devem ser descritas aqui para entendermos o espaço necessário para a sua construção, sabendo que cada agremiação multiplica pelo número de vezes quanto o regulamento especifica. Ou seja, no grupo Especial esta quantidade varia entre 7 e 8 alegorias.


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Portanto, para que o barracão comporte, além de seus trabalhadores, o produto de seu trabalho, observamos que essas características serviram de base para a elaboração dessas unidades fabris, na Cidade do Samba, como ilustramos por meio da Figura 15, na qual podemos ver os vários andares circundados por

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corredores dos barracões.

Figura 15 – Foto de barracão vazio, antes de sua ocupação na Cidade do Samba. Fonte: http://liesa.globo.com/

Observando a imagem acima e pesquisando nos escritos de BARBIERI (2009, p. 127), ressaltamos que cada barracão construído na Cidade do Samba tem aproximadamente 7.000 metros quadrados e pode chegar a 19 metros de altura, sabendo que cada alegoria deve ter, no máximo, 9 metros de altura. Além do andar térreo, onde efetivamente são construídos os carros alegóricos, há dois andares intermediários onde as diretorias e equipes de carnavalescos desenvolvem o seu trabalho. O quarto andar do barracão disponibiliza a mesma dimensão do andar térreo e foi projetado para abrigar tanto as equipes de costura, quanto a parte de esculturas e pinturas de arte. As esculturas são, geralmente, muito grandes e, à medida que vão ficando prontas, são transportadas pela passagem central quadrada que aparece na imagem acima, para ser acoplada à alegoria. Alguns autores trataram do espaço destinado à produção de objetos carnavalescos como espaços de criação industrial, devido às suas grandes


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dimensões e aos processos realizados, além da variedade de trabalhadores desempenhando tarefas repetidas, ao longo de seu desenvolvimento. SOUZA (1989) antecipou a denominação de “barracão” para “fábrica”, somente reconhecido assim após a construção da Cidade do Samba, em 2006. Conforme ele mesmo explica, no barracão não se produz apenas fantasias para algumas alas, adereços e alegorias, pois o seu produto maior é a própria Escola em desfile: “No barracão desenvolvem-se atividades que podemos associar ao trabalho de uma fábrica propriamente dita. Devemos lembrar mais uma vez que o „produto‟ da „fábrica‟ escola de samba é a escola de samba desfilando e, portanto, a produção do barracão deverá ser somada à produção dos outros setores da escola para a realização do desfile” (SOUZA, 1989, p. 95).

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Conforme explicitado anteriormente, com a criação da Cidade do Samba, houve uma considerável transformação nas relações de trabalho e de profissionais que atuam nos barracões. São nesses locais que cada agremiação carnavalesca desenvolve seus objetos carnavalescos. Os desfiles das Escolas de Samba do grupo Especial são regidos por um regulamento que define a quantidade de alegorias em cada agremiação, conforme já citado anteriormente. Ou seja, os barracões devem abrigar esses grandes objetos e cada agremiação se encarrega de transportá-los para o local do desfile. Além disso, os barracões devem acolher ainda equipes de costura que produzem as fantasias e adereços das alas que desfilam intercalando com as alegorias e criando uma sequência, anunciada no enredo, no início da elaboração do projeto. Desta forma, os barracões passam a ser detentores de “segredos” só revelados nas noites de desfiles, prezando pela surpresa que só realmente aparecem por inteiro na avenida. BARBIERI (2009) engrossa o coro do “segredo ritual”, pois “a preocupação em esconder alguma surpresa, em reservar algo para o desfile, faz parte do ritual competitivo das escolas de samba” (p. 135). É interessante reconhecer como se dá a preservação dos “segredos” e convivência entre profissionais que trabalham em barracões vizinhos. Ao mesmo tempo em que há uma (compreensível) resistência quanto à circulação do público visitante nos barracões, por questões de segurança e


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organização dos trabalhos das equipes, observamos um impressionante poder de adaptação das Escolas de Samba quando se trata de absorver inovações em suas atividades. Por isso, sempre que estudamos o carnaval, encontramos situações contraditórias e, ao mesmo tempo, complementares, como no caso do turismo que nutre a festa, mas também parece se alimentar de toda essa produção que é o carnaval. Se, por um lado, o profissionalismo dos barracões se reflete em outros segmentos da Festa, certamente os órgãos públicos, como a Prefeitura e o Governo do Rio de Janeiro, vêm resgatando o carnaval de rua através de bailes populares, blocos, coretos, o “Terreirão do Samba”15 na Praça Onze e os ensaios técnicos do Sambódromo. O enriquecimento dos carnavais de rua depende da participação comunitária, tanto local quanto aquela que é atraída pela consagrada

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congregação popular carnavalesca. É quando a festa urbana e seus atores sociais se apropriam de mais uma “tradição a ser inventada”16, em um processo de produção de tradições que se naturalizam e são formalmente institucionalizadas. Este procedimento das agremiações carnavalescas e de seus organizadores compõe um quadro de manipulação de valores, normas e modelos que, por sua repetição, estabelecem uma continuidade com o passado. Para examinarmos melhor esse processo, apresentamos a produção dos principais objetos carnavalescos realizados nos barracões das Escolas de Samba: (3.1.1.1) alegorias e adereços e (3.1.1.2) fantasias.

3.1.1.1 Alegorias e adereços

Apesar de serem trabalhos diferentes, as confecções de alegorias e de fantasias consomem muito tempo, dinheiro e energia. Estes são os itens mais dispendiosos em todo o trabalho de uma Escola de Samba. Segundo CAVALCANTI (2009, p. 108) “[...] o desfile de uma grande escola atualmente não custaria menos do que 5 milhões de reais”. Esta mesma autora ressalta que 15

O “Terreirão do Samba” é uma grande praça que fica localizada nas imediações do Sambódromo, onde é montado um palco para apresentações artísticas e barracas de comidas e bebidas para os foliões que comemoram o carnaval. Este espaço é controlado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, cercando o seu acesso e cobrando pelos ingressos é feito por bilheterias eletrônicas. 16 Conforme HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (1997).


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este valor ainda pode ser maior, pois grandes Escolas de Samba, como a BeijaFlor e a Mangueira, que “[...] têm apresentado desfiles considerados extremamente „ricos‟ e „luxuosos‟, com um fortíssimo investimento no „visual‟, gastariam para isso, como vimos, aproximadamente 8 milhões de reais, segundo as estimativas do meio do carnaval” (p. 113). As alegorias podem ser desenhadas, em concomitância com os figurinos17. Há uma grande preocupação com os carros alegóricos já que eles integram uma nota imprescindível atribuída pelo corpo de jurados, ao resultado final de cada desfile. As alegorias, que antes da criação da Cidade do Samba, eram confeccionadas em barracões improvisados, sempre precisavam de grandes espaços para o desenvolvimento do trabalho. No entanto, a partir de 2006, com

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todas as agremiações reunidas na Cidade do Samba, as alegorias passaram a aumentar ainda mais as suas dimensões e, desta forma, é muito difícil esconder a execução deste item nos dias próximos aos desfiles das Escolas de Samba. A execução das alegorias é precedida de algumas etapas que envolvem muitos profissionais: desde os autodidatas até os profissionais formados em cursos de graduação (geralmente, na área de artes) ou artistas reconhecidos e de renome. As principais etapas de estruturação e decoração de alegorias são: (1) estrutura e movimentos; (2) revestimento de madeira; (3) forração, acabamento e coloração das esculturas; (4) pintura e detalhes finais de acabamento; e (5) instalação dos efeitos especiais e da iluminação18.

17

Para algumas pessoas, figurino refere-se ao desenho de fantasia, quando a fantasia ainda não foi confeccionada. Para nosso trabalho, este termo é sinônimo de fantasia. 18 MAGALHÃES (1997, p. 71).


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Por meio das Figuras 16 e 17, mostramos a produção das alegorias, ainda em seu estágio inicial, ou seja, a estrutura física montada sobre chassis de caminhões, num emaranhado de ferro retorcido servindo de base para a cobertura feita em madeira (etapa 06), para preparar para a próxima fase, a adereçagem

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(etapa 07).

Figuras 16 e 17 – Fotos de alegorias em seus estágios iniciais: primeiro, a ferragem; depois, a marcenaria começa a dar forma. Fonte: http://liesa.globo.com/

As alegorias podem ser entendidas como grandes objetos que possuem mobilidade e, em sua composição, são preenchidos de pessoas fantasiadas. Geralmente, as Escolas de Samba, desenvolvem a base das alegorias, contratando os ferreiros e marceneiros. Com esta base pronta, os profissionais responsáveis pela decoração, os aderecistas, iniciam o seu trabalho. MAGALHÃES (1997) adverte que “um dos „territórios‟ mais interessantes para ser explorado dentro de um barracão é a parte de adereços. É onde se tem mais possibilidades de transformar os materiais” e “[...] Um bom aderecista tem de ter duas qualidades: habilidade manual e criatividade para transformar”, pois “adereço abrange forração, decoração e acabamento. Os materiais são os mais insólitos” (p. 99). CAVALCANTI (1994) afirma que as alegorias levam para os desfiles das Escolas de Samba a primazia do visual sobre outras partes das apresentações, pois a “[...] afinidade existente entre as alegorias carnavalescas enquanto formas artísticas e o processo social que articula em torno do desfile diferentes segmentos e grupos da cidade do Rio de Janeiro, e se vê implacavelmente às voltas com a comunicação de massa e uma crescente mercantilização. [...] A idéia da primazia do visual no carnaval carioca ganha aqui sentido


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amplo. A força crescente das alegorias no desfile deve ser atribuída ao fato de elas possibilitarem a expressão da experiência fragmentada de vida dos habitantes da grande cidade que as apreciam e aplaudem. Elas correspondem a uma das formas encontradas pelas escolas de samba para a expressão das transformações do seu tempo e da sua cidade” (p. 156).

A citação da antropóloga acima revela alguns pontos que merecem destaque, como: (a) a crescente mercantilização dos desfiles das Escolas de Samba, com o alto investimento financeiro em profissionais e materiais a fim de obter uma boa colocação em sua apresentação; (b) devido às dimensões das alegorias, esses grandes objetos “expressam” um grande poder de comunicação entre o público e as Escolas, e, (c) as próprias alegorias podem revelar fragmentos da história e das sociedades, funcionando, às vezes, como representações de fatos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

históricos e/ou sociais. Nas Figuras 18 e 19, podemos observar dois exemplos recentes de alegorias, nos quais duas tendências atuais se misturam. No primeiro caso (Figura 18), uma alegoria que sintetiza um estilo mais tradicional, no sentido de apresentar grandes esculturas centrais muito adereçadas, no formato piramidal.

Figura 18 – Alegoria da Portela, para o desfile de 2008. Fonte: http://oglobo.globo.com/fotos/2008/02/04/04_MHG_carro.jpg


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No segundo exemplo (Figura 19), a alegoria apresenta um novo estilo, trazido pelo carnavalesco Paulo Barros19, em que os próprios componentes (pessoas) se posicionam no “carro”, compondo coreografias, desenhos, imagens e formas que se integram ao enredo, causando um efeito surpresa, em momentos específicos do desfile. Esse novo modelo de alegoria acabou sendo chamado de

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“alegoria viva” e passou a ser copiado por outros carnavalescos.

Figura 19 – Alegoria “DNA”, da Unidos da Tijuca, 2004. Fonte: http://media.photobucket.com/image/alegoria%20Tiju ca%202004/seven2004/carnaval/050118_carna_tijuc a_01a.jpg

Assim como Joãosinho Trinta, na década de 1980, verticalizou os seus desfiles, alongando as alegorias e fantasias, Paulo Barros parece ter inaugurado outra vez o “novo carnaval”, apresentando as “alegorias vivas” em seus desfiles, 19

Carnavalesco autodidata chegou a cursar a Faculdade de Arquitetura, mas precisou largar o curso para trabalhar como comissário de bordo na VARIG, onde ficou por 17 anos. Em 1993, foi convidado para ser figurinista da Escola de Samba “Vizinha Faladeira”, no grupo de acesso. No ano seguinte, assumiu o posto de carnavalesco e saiu do desfile com o segundo lugar, com o enredo “Sou rei, sou rainha na corte da Vizinha”. Depois de passar por outras escolas do grupo de acesso, como Arranco do Engenho de Dentro e Paraíso do Tuiutí, Paulo fez sua estreia no Grupo Especial em 2004, na Escola de Samba Unidos da Tijuca. Ele mudou a história desta agremiação nos dois anos que por lá passou, ajudando-a conquistar dois vice-campeonatos consecutivos (HOFSTATTER, 2008).


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desde 2004. Até 2009, esse carnavalesco só tinha conseguido um vicecampeonato, mas, no último carnaval, finalmente, seu estilo foi reconhecido pelo corpo de jurados, consagrando-o como o grande campeão do carnaval de 2010. A partir da Figura 20, podemos perceber alguns materiais usados na confecção de alegorias, como o acetato “batido” em máquina de Vacuum Forming no formato de elementos decorativos, como estrelas. O trabalho de adereçamento das alegorias decora estes objetos carnavalescos, utilizando-se ainda de esculturas,

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muitas vezes feitas em isopor, como presentes nas Figuras 21 e 22.

Figuras 20, 21 e 22 – (20) Placa de acetato com estrelas já “batidas”; (21) Bloco de isopor sendo esculpido para dar forma à alegoria e (22) Alegoria com esculturas de grandes dimensões, sendo finalizada por aderecista. Fonte: Madson Oliveira

Através dos exemplos apresentados nesse item, mostramos como esses grandes objetos carnavalescos, os carros alegóricos, passam por várias etapas, começando pelo projeto desenvolvido pelo carnavalesco. A estrutura da alegoria fica a cargo dos ferreiros para serem recobertos e, em seguida, pelos marceneiros. A fase seguinte é a forração e decoração, realizada pelos aderecistas. Todas essas etapas devem ser acompanhadas pelo carnavalesco, no caso de precisar realizar algum ajuste. Como esses objetos são de grandes dimensões, o mais próximo do resultado final é o recurso miniaturizado, que permite realizar um estudo de volumes e antever o formato global desse produto, fruto de uma ação coletiva.


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Muitos dos processos usados na produção das alegorias e adereços podem ser observados na confecção de fantasias, principalmente, no que se refere aos materiais e processos, como vemos a seguir.

3.1.1.2 Fantasias

Dando continuidade ao processo de desenvolvimento dos objetos carnavalescos produzidos nos desfiles das Escolas de Samba, passamos para as fantasias, que são os objetos que vestem todos os brincantes. As fantasias fazem parte do projeto visual iniciado com o desenvolvimento do enredo (etapa 05). Para entendermos melhor a importância das fantasias nos desfiles de Escolas de Samba, FERREIRA (1999, pp. 105-6) descreve os tipos de elementos

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imprescindíveis para uma boa compreensão de seus significados, pois “as fantasias para escola de samba têm elementos específicos e podem ser classificadas quanto „aos patamares corporais‟, em: elementos apoiados na cabeça; elementos apoiados nos ombros; elementos apoiados na cintura; elementos apoiados no pescoço; elementos apoiados nos braços e pernas; elementos presos às mãos e elementos presos aos pés”.

Desta maneira, os integrantes das agremiações utilizam espécies de “próteses” que aumentam, vertical e horizontalmente, as alas a fim de: (1) “dar leitura” ao público, por conta da distância das arquibancadas e (2) reforçar o entendimento dos personagens e pontos-chaves descritos nos enredos. As fantasias são compostas por chapéus, perucas, palas, ombreiras, colares, gravatões, anquinhas, escudos, braçadeiras, perneiras, sandálias, etc. O projeto de figurinos é comumente realizado a partir de desenhos ou croquis, manuais ou digitalizados. Muitos carnavalescos contratam desenhistas e ilustradores profissionais para este fim. O trabalho, mesmo sendo desenvolvido por um desenhista terceirizado, deve ser realizado em conjunto com o carnavalesco, já que a definição das silhuetas, da cartela de cores e dos materiais é de sua responsabilidade. Cada vez mais, observamos que os projetos de fantasias são comprometidos em apresentar inovações estéticas, seja por meio da pesquisa de novos materiais ou substituição daqueles já utilizados por novas formas de expressão, como pinturas corporais, plumas sintéticas ou materiais reciclados,


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sempre com o intuito de comunicar-se com o grande público e o corpo de jurados, respeitando os conceitos apresentados no enredo. Este processo é desenvolvido entre os meses de julho e agosto (etapa 05), para dar tempo de apresentar algumas fantasias à comunidade no desfile de fantasias-protótipos, em setembro ou outubro (etapa 06). Além destas fantasias, outras são também desenhadas e distribuídas para componentes de destaque, na Escola. Basicamente, existem três tipos de fantasias: (1) fantasias de ala, (2) fantasias de composição e (3) fantasias de destaque ou de luxo. As alas são grupos de brincantes que desfilam “no chão” e usam um mesmo modelo de fantasia representando parte do enredo. Esses grupos podem variar em quantidade de participantes, chegando a um número de, aproximadamente, 200 componentes, como no caso das alas de baianas ou bateria. As fantasias de composição são

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aquelas que vestem os brincantes que desfilam em cima de alegorias, mas não ocupam os lugares centrais. As “composições” são conhecidas assim por ajudarem a compor, no sentido de preencher as alegorias, em toda a sua extensão. As fantasias de destaque ou luxo são aquelas fantasias únicas: extremamente rebordadas e elaboradas. Elas desfilam em cima das alegorias, ocupando locais “de destaque”: central ou frontal. Algumas pessoas ainda subdividem as fantasias de destaque em “semidestaque”, mas, para o entendimento em nosso trabalho, essas três categorias já são suficientes. As fantasias de alas, geralmente em grandes quantidades (que variam de acordo com os setores de cada Escola) são reproduzidas nos próprios barracões ou em ateliês externos a cada agremiação, em espécies de manufaturas prestadoras de serviços ou profissionais fixos contratados por cada agremiação (etapa 08). Propomos uma comparação entre o trabalho desenvolvido nos universos do carnaval e da moda. Em ambos os casos, há a produção única e exclusiva e o contrário disso: a reprodução em grade escala. No caso da produção exclusiva no carnaval, as fantasias de luxo, conhecidas como “fantasias de destaque”, são únicas e realizadas em ateliês especializados para este fim, por estilistas do carnaval, artesãos habilidosos ou, simplesmente, artistas. Na moda, as roupas confeccionadas sob medida recebem a


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denominação de Alta-costura20e são realizadas por criadores / costureiros, artistas ou artesãos. No outro lado desta comparação, no caso da reprodução repetidamente, as fantasias confeccionadas para os desfiles em alas seguem o princípio de moldes escalonados (P, M e G) e o aproveitamento de etapas para barateamento dos custos, enquanto as roupas confeccionadas em escala industrial, comumente conhecidas como prêt-à-porter21, são de responsabilidade de estilistas e designers de moda. Desta forma, tanto no carnaval como na Moda, há uma primeira separação entre os profissionais, suas habilidades e competências, criando subcategorias,

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muitas vezes sem precisão em seus significados.

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Segundo LEHNERT (2000), o conceito de Alta-costura foi criado no século XIX e, durante muito tempo, era sinônimo de moda. Até meados do século XIX, a produção do vestuário era um trabalho manual: os alfaiates confeccionavam o vestuário masculino, enquanto as costureiras e as modistas serviam ao público feminino. Foi Charles Frederick Worth, de nacionalidade inglesa, quem inventou a Alta-costura parisiense, contribuindo para modificar o conceito de moda, até então. Atualmente, a Alta-costura deixou de ser um fator econômico importante da moda, sendo, no entanto, um forte fator publicitário do qual depende a fama das grandes Casas de Moda. 21 O termo prêt-à-porter aparece na França, mas foram os americanos que primeiro desenvolveram este sistema que revolucionou a moda, no século XX, conhecido como ready-towear (“pronto para usar”). Era uma maneira de produzir roupas, de um mesmo modelo, em escala industrial com qualidade, expressão de moda, numeração distinta e variantes de cores, como explica LEHNERT (2000).


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Apresentamos o processo de criação e desenvolvimento de duas fantasias da carnavalesca Rosa Magalhães que deixou registrado em um de seus livros como ela deu forma a dois temas extraídos do universo infantil. Para o carnaval do ano de 200522, a carnavalesca desenvolveu um enredo sobre o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen que pode ser exemplificado nas Figuras 23 e 24, facilitando o entendimento do caminho percorrido pela carnavalesca, desde o desenho de seus croquis até as fantasias em seu desfile, na Avenida Marquês de

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Sapucaí.

Figuras 23 e 24 – Croquis das fantasias desenvolvidas por Rosa Magalhães. Fonte: OLESEN, Jens (2005)

Nesses exemplos, podemos perceber dois tipos de inspiração para um projeto de figurinos: o primeiro croqui, a fantasia da bateria, faz referência ao conto infantil do autor dinamarquês “A nova roupa do rei”. Há referências à figura do rei tanto no adereço de cabeça, a coroa, como no manto real vermelho, com pele de arminho branco. Já no caso do segundo figurino, a baiana é imaginada como a representação do frio, gelo e elementos que simbolizam o inverno 22

OLIVEIRA (2006c). Em capítulo destinado aos artistas da Escola de Belas Artes / UFRJ, descrevemos como a carnavalesca Rosa Magalhães deu forma aos personagens imaginados dos contos infantis de Hans Christian Andersen, misturando-os com outros personagens criados por Monteiro Lobato; Este enredo contava “a história de uma dos mais brilhantes escritores da literatura infantil mundial – Hans Christian Andersen – e o seu tradutor, não menos famoso, o brasileiro Monteiro Lobato”.


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rigoroso na Dinamarca, a partir da representação das cores “frias”, branco e azul. No adereço de cabeça e nos ombros, o desenho da fantasia apresenta representações de estalactites pontudas para se parecerem com fragmentos de gelo. Tanto na gola, quanto na barra do vestido podemos enxergar uma horda de pele branca, fazendo referência ao pêlo alto próprio das roupas que protegem contra o frio intenso. Mais adiante, ainda nesse tópico, mostramos outras fases destas mesmas fantasias. Após a finalização do projeto de fantasias, são contratados profissionais específicos para sua confecção, como: contramestres, costureiras, aderecistas e sapateiros. O trabalho de criação passa para a confecção, começando pelas fantasias-protótipos, que são desfiladas nas quadras de cada agremiação e apresentadas à comunidade (etapa 07): as Escolas desenvolvem um exemplar de

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cada fantasia de ala que ficou conhecida como fantasia-protótipo, a fim de realizar um estudo sobre os melhores materiais e calcular os custos de cada fantasia. Esse processo das fantasias-protótipos antecede à confecção das fantasias que compõem as alas nos desfiles das Escolas de Samba. Cada ala comercializada pela Escola de Samba possui um encarregado em fazer a venda e entrega das fantasias: o diretor de ala. O diretor de ala é responsável pela confecção e venda de fantasias, das alas comercializadas pelas Escolas de Samba. Geralmente, esta pessoa contrata profissionais para reproduzir em grande quantidade a partir das fantasias-protótipos, encarregando-se do pagamento dos profissionais, compra de materiais e entrega das fantasias aos seus compradores. A relação do diretor de ala com cada Escola varia, de agremiação para agremiação, não sendo obrigatoriamente fixa e exclusiva. É comum o diretor de ala oferecer suas fantasias em classificados de jornais, sites na internet e, pessoalmente, nos ensaios realizados nas quadras das Escolas de Samba. O diretor de ala, durante a festa de protótipo, faz a escolha de uma ala para ser o responsável (etapa 06). Este procedimento (a prototipagem das fantasias de alas) foi se desenvolvendo pela necessidade de um melhor esclarecimento sobre a fantasia como um todo (frente e costas), já que somente receber os desenhos, croquis ou figurinos não eram suficientes para eliminar totalmente as dúvidas. GOLDWASSER (1975) informa que


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“[antes do advento dos protótipos] os componentes de Mangueira recebem do modelo de suas fantasias apenas os croquis de frente colorido; o restante fica por conta de sua imaginação. Por isso, as Alas se reúnem tanto nessa ocasião; é preciso discutir materiais e tonalidades apropriadas, definir adequadamente detalhes e complementos apenas assinalados, analisar bordados e elementos de adorno; é necessário também promover pequenas concorrências para tomada de preços, escolher fornecedores e costureiros, decidir pagamento e prestações. A Escola pulula de pessoas que vão oferecer serviços e mercadorias, propondo vantagens ou tipos especiais [que confirmam a idéia de um mercado específico para o carnaval]” (p. 164).

A citação acima é parte de um estudo desenvolvido durante o doutoramento em antropologia, em uma pesquisa que estudou o GRES Estação Primeira de Mangueira. Neste estudo, a pesquisadora se deparou com uma novidade para a época (década de 1970), a prototipagem das fantasias. Além de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

servir para evitar eventuais diferenças entre as texturas, cores e tecidos comprados por pessoas distintas, a agremiação resolveu confeccionar uma fantasia de cada ala e vendê-la ao diretor da ala para que ele se encarregasse da reprodução, conhecendo todos os materiais utilizados na fantasia de protótipo. Além de eliminar os eventuais conflitos entre os materiais, esse processo possibilitou uma racionalização do trabalho com relação à confecção das fantasias de ala, na hora da compra dos materiais, negociações com fornecedores e unidade visual entre as alas pelo uso de materiais similares, se não idênticos, em todo o desfile. Muitas agremiações carnavalescas oferecem as suas fantasias em seus sites, ou em classificados na internet, a fim de comercializá-las mesmo à distância, ou durante as festas que acontecem nas quadras de suas próprias Escolas. Essas fantasias são uma fonte de renda para cada agremiação carnavalesca, pois arrecadam dinheiro para ajudar nos custos da produção dos desfiles, permitindo, ao mesmo tempo, o acesso do brincante à Passarela do Samba, durante o desfile daquela Escola. Observamos que esse processo de confecção de fantasias utiliza as mais diversas profissões (nem todas devidamente estabelecidas e reconhecidas) que envolve, inclusive, fotógrafos e webdesigners para atualizar as informações sobre o processo de cada Escola de Samba.


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A Figura 25 é um exemplo extraído da internet para representar essa comunicação entre o brincante que pretende desfilar e a Escola de Samba que

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pretende vender suas fantasias de ala.

Figura 25 – Foto (frente e costas) de fantasia-protótipo do Salgueiro, 2008. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/foto/0,,11968350EX,00.jpg


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Além dos desfiles de protótipo, alguns carnavalescos realizam um trabalho bem delicado que é a confecção de protótipos em miniatura. A partir dos croquis mostrados anteriormente de Rosa Magalhães, a carnavalesca costuma fazer, além da apresentação das fantasias-protótipos na quadra de sua Escola (Etapa 07),

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fantasias-protótipos miniaturizadas, conforme as Figuras 26 e 27.

Figuras 26 e 27 – Protótipos miniaturizados de fantasias da Bateria e Baianas, da Imperatriz Leopoldinense, em 2005. Fonte: OLESEN, Jens (2005)

Nesta fase da prototipagem, o carnavalesco e sua equipe conseguem “tirar do papel” aquela ideia somente rascunhada ou desenhada. O projeto consegue medir a proporcionalidade dos seus elementos, nas fantasias em miniaturas. Formas, texturas e volumes são testados para melhor representar os croquis, inicialmente desenhados. Aquele carnavalesco que realiza o protótipo em miniatura consegue usar em seu protótipo os tecidos que mais se aproximam dos desenhos e as soluções para o modelo final começam a ser testadas nesta fase. No caso deste enredo de 2005, a embaixada da Dinamarca fez uma série de apresentações sobre o trabalho desenvolvido pela carnavalesca, por conta de apoio financeiro que deu ao GRES Imperatriz Leopoldina. A carnavalesca foi convidada, inclusive, a expor os seus croquis e todo o processo, desde os desenhos, passando pelos protótipos miniaturizados no Museu de Belas Artes (RJ)


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e as fotos do desfile transformaram-se em livro, distribuído pela Embaixada da Dinamarca23. Neste caso específico, Rosa Magalhães acabou deslocando-se do lugar de carnavalesca, apresentando-se como artista, tanto pelo lugar onde expôs seus trabalhos, quanto pelo status social que adquiriu ao longo de sua carreira. Sabemos que isso não é a regra para todos os carnavalescos, mas mostramos, através deste exemplo, como esse lugar não é rígido e fixo, podendo ocupar outros espaços sociais, desde que haja o reconhecimento de seus pares ou algum setor da sociedade que regule este campo24. Recapitulando o processo de produção das fantasias de ala, o carnavalesco: (1) desenha os figurinos; (2) contrata profissionais para a confecção de um exemplar de cada ala a ser comercializada; (3) apresenta as fantasias-protótipos

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em desfile para a comunidade e seus diretores de ala; (4) distribui as fantasiasprotótipos para os diretores de ala confeccionar, e (5) acompanha a reprodução das fantasias.

23 24

OLESEN (2005). BOURDIEU (2009, p. 105).


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Os materiais utilizados na confecção de fantasias também parecem incomuns, pois, além dos tecidos e malhas, alguns carnavalescos utilizam acetatos, paetês, plumas, penas e aviamentos que servem para adereçar as fantasias (Figura 29). O trabalho é muito rebuscado, pois, apesar de alguns aviamentos e bordados serem comprados a metro, industrializados ou manufaturados em oficinas especializadas, o modo de aplicação é, muitas vezes, manual, ressaltando, assim, o caráter artesanal, como vemos nas Figuras 28, 29,

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30, 31, 32 e 33.

Figuras 28 e 29 – (28) Placa de acetato “batida” e (29) Materiais para confecção de fantasias. Fonte: Madson Oliveira

Figuras 30 e 31 – Partes da fantasia, usando as placas de acetato: (30) gola e (31) gravatas. Fonte: Madson Oliveira

Figuras 32 e 33 – (32) Parte da fantasia ao lado e (33) Fantasias já prontas e vestidas. Fonte: Madson Oliveira


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As imagens acima são do GRES Estação Primeira de Mangueira e serviram para ilustrar outra pesquisa realizada em 200125, quando pudemos registrar a fase de reprodução das fantasias de uma ala, naquela agremiação. Observamos que os objetos carnavalescos produzidos para vestir os brincantes geram trabalho e incrementam o comércio (etapa 08). Algumas áreas nesse segmento criam modos de produção inusitados ou adaptam os saberes de outras áreas, como ilustramos na Figura 28, na qual a placa de acetato verde contém uma grande quantidade de pequenas bolinhas, batidas em máquina de Vacuum Forming, desenvolvida exclusivamente para esse fim. As máquinas de Vacuum Forming foram desenvolvidas artesanalmente para moldar, através da pressão a vácuo, folhas de acetato posicionadas em cima de esculturas de fibra, podendo, assim, reproduzir pequenos enfeites para depois

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adereçar tanto alegorias, quanto fantasias. Esse exemplo aponta para novas profissões essenciais na feitura dos desfiles das Escolas de Samba: escultores de pequenas peças em argila para serem reproduzidos em série, além de pintores de arte, aderecistas, etc. As pequenas bolinhas da Figura 28 estão aplicadas nas Figuras 30, 31 e 32 imitando pedras preciosas - esmeraldas – usadas em grandes quantidades. A Figura 33 mostra integrantes da Bateria do GRES Estação Primeira de Mangueira em pleno desfile (etapa 09), vestidos com fantasias que representavam “os povos do Egito”, completamente adereçadas com as bolinhas de acetato, para se parecerem com “esmeraldas”.

25

OLIVEIRA (2001). Entre os meses de dezembro de 2000, janeiro e fevereiro de 2001, realizamos estágio supervisionado no GRES Estação Primeira de Mangueira, como requisito obrigatório para a graduação no curso de Estilismo e Moda, da UFC. Esse processo está registrado naquela Universidade e consta na bibliografia desta Tese.


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Nos croquis (Figuras 23 e 24) e protótipos miniaturizados (Figuras 26 e 27) apresentados anteriormente como exemplos de duas fantasias criadas pela carnavalesca Rosa Magalhães, mostramos o resultado final no desfile do GRES Imperatriz Leopoldinense, referindo-se ao enredo sobre Hans Christian Andersen,

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conforme vemos nas Figuras 34 e 35, abaixo:

Figuras 34 e 35 – (34) Fantasia de bateria, representando o conto infantil “A nova roupa do rei” e (35) fantasia da ala de baianas, representando o frio típico da Dinamarca, local de nascimento do autor infantil. Fonte: OLESEN, Jens (2005)

As fantasias prontas não revelam a grande quantidade de etapas que antecedem os desfiles, como: desenho de croquis, compra de materiais, confecção de protótipos e reprodução das fantasias. Tudo isso de uma forma que alia o modo artesanal com a ajuda de alguns processos manufatureiros ou de design, como vimos nas etapas descritas anteriormente e que utilizam as máquinas: de costura, pistola de cola quente, soldas, placas de acetato, etc.


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Com as fantasias, os adereços e as alegorias em processo de confecção, os barracões e ateliês ficam repletos de “funcionários”26 dando forma às ideias designadas pela equipe de criação, geralmente chefiada pelo carnavalesco ou pela comissão de carnaval. De acordo com os exemplos apresentados até aqui, observamos que os elementos plástico-visuais dos desfiles das Escolas de Samba funcionam como uma espécie de sintaxe que comunica as informações principais desenvolvidas no enredo. Estes objetos carnavalescos, compostos pelas alegorias, adereços e fantasias, “escrevem” visualmente as partes da história, que deve ser compreendida pelos que assistem aos desfiles das Escolas de Samba. Esta “escrita visual” é o que possibilita a definição das assinaturas dos carnavalescos e o status como artistas modernos ou designers de uma prática ainda por se estabelecer.

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CANCLINI (1984) demonstra, em seu estudo sociológico sobre a América Latina, que diversas formas de arte podem ser entendidas, como acreditamos encontrar no carnaval brasileiro. Esse autor sugere uma discussão de propostas para uma arte popular contemporânea, onde focalizam tópicos como experimentação formal e cultura popular nas artes plásticas, criação coletiva e novas concepções do espaço teatral, e pelo entendimento de um cinema popular. Buscamos apoio neste estudo de CANCLINI (1984, p. 03) que abre espaço nas ciências sociais para enxergamos o trabalho desenvolvido pelos carnavalescos nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro como “uma arte que as estéticas tradicionais”, preocupadas com a beleza, não podem oferecer. Desta maneira, podemos perceber que a função do carnavalesco em uma Escola de Samba demonstra “como certos indivíduos no mundo do carnaval carioca funcionariam como ponto de confluência de algumas „tensões e relações‟”, conforme demonstrou SANTOS (2009, p. 160). Entendemos o trabalho realizado pelos carnavalescos atuais em parte como arte, em parte como design e, por isso, podemos estudar os objetos carnavalescos, ao mesmo tempo, como processo e produto de “novas formas de design”. WOLFF (1982) desenvolveu uma pesquisa sobre a natureza das artes, tendo como base a produção, distribuição e recepção. Uma questão secundária, 26

As pessoas que trabalham confeccionando fantasias, tanto em barracões de Escolas de Samba, quanto em ateliês, não necessariamente possuem vínculo empregatício com os seus contratantes, na maioria das vezes, trabalhando no regime de serviços prestados ou de maneira autônoma.


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presente em seu estudo, é o problema “do autor ou do artista” e a questão de como uma abordagem sociológica das artes pode conceituar a criatividade individual sem depender de noções como o do “artista-como-gênio”, pré-sociológicas e mistificadoras. De acordo com WOLFF (1982, pp. 150-151), a noção de artista como criador individual “é enganosa”. Em vez disso, o mais indicado seria tratar o assunto como um produto cultural ou artístico, pois dessa maneira levam-se em consideração os processos sociais envolvidos no seu trabalho. Assim, os objetos produzidos para (e pelo) o carnaval devem ser entendidos como produtos de um tecido social. As alegorias, adereços e fantasias, até aqui nomeados de objetos carnavalescos, demonstram uma produção, no âmbito das Escolas de Samba, que mistura modos de operação e se assimilam às ações de design (através dos projetos e processos sistematizados), outras vezes

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artisticamente defendidas (com soluções intuitivas), ou ainda, realizadas de maneira artesanal (quando a habilidade e o prazer da ação são primordiais). Pelo que vimos até aqui, ainda não temos como colocar a produção dos objetos utilizados nos desfiles das Escolas de Samba numa única categoria, em parte pela dinâmica da própria festa; em parte, pela maneira como os carnavalescos se apresentam; em parte, pela não-oficialização da profissão. De qualquer maneira, isso não inviabiliza sua inscrição no campo do carnaval, como atividade de criação e por isso preferimos nomeá-las como “novas formas de design”. Após explicar sobre a produção dos objetos carnavalescos destinados à Festa (ou “para dentro”), apresentamos a seguir a produção comercial dos artefatos carnavalescos, mais especificamente, os souvenirs carnavalescos, a fim de realizar um estudo sobre o modo de produção, seus agentes e processos dessa produção destinada ao Mercado (“ou para fora”). 3.2 A produção para o Mercado (ou “para fora”)

Até agora, apresentamos os materiais, processos e alguns profissionais responsáveis pela produção destinada à Festa carnavalesca, por meio dos desfiles das Escolas de Samba que nomeamos de “para dentro”, pois essa produção diz respeito aos objetos que só são vistos e usados nos desfiles de carnaval e tem um


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“prazo de validade” (que é o tempo do desfile) e temática relativa ao enredo desenvolvido por cada carnavalesco, de acordo com um tempo específico. Após essa contextualização sobre os materiais, processos e práticas, podemos apresentar outra produção, também realizada em função da temática carnavalesca, mas com finalidade exclusivamente comercial, no caso das “lembrancinhas carnavalescas”, como outra categoria dos objetos carnavalescos. Esses objetos carnavalescos comerciais são identificados em nossa pesquisa como “souvenirs carnavalescos”. O universo de produção, que envolve a circulação e a venda dos souvenirs carnavalescos, é apresentado pela atuação da ONG AMEBRAS, tanto nas oficinas profissionalizantes, quanto nos pontos de venda (na Cidade do Samba e no Sambódromo) e no compromisso social de inclusão dos artesãos que passam pelas

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oficinas desta ONG.

3.2.1 A ONG AMEBRAS A AMEBRAS é uma ONG que se encarrega da qualificação27 de mão de obra para o carnaval e em atividades que possibilitem aos seus alunos a autonomia e a transformação de sua habilidade técnica e artística em valor comercial, com intuito de aumentar a autoestima e (re)colocar os interessados no mercado produtivo de artefatos voltados para o mercado carnavalesco. É importante explicarmos que o que chamamos de “artefatos voltados para o mercado carnavalesco” poderá ser citado como artesanato (pelos instrutores e alunos) ou souvenir carnavalesco (termo cunhado em nosso trabalho como ponto principal de análise). Realizamos várias visitas à sede da AMEBRAS e, por meio de depoimentos, visitas aos pontos de venda e às oficinas de qualificação, descrevemos e analisamos os objetos produzidos por aquela ONG. Os depoimentos feitos com funcionários, instrutores e produtores da AMEBRAS (Anexos 7) funcionam como marcadores e como um posicionamento 27

SENNETT (2009, p. 264) fala de capacitação relacionada ao artesanato, como processo de melhoria nas atividades manuais que possibilitam aumento no raciocínio e concentração. Além disso, o autor afirma que os aprendizes se instruem por metáforas e são estimulados para usarem a imaginação. Dessa forma, a imaginação passa a ser uma ferramenta inventiva e, ao mesmo tempo, necessária para se fazer bom uso das ferramentas de difícil utilização.


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para as discussões que trazemos para nosso trabalho de pesquisa. Os depoimentos foram colhidos entre os anos de 2008 e 2009, de acordo com a disponibilidade dos informantes, foram captados por meio de câmera de vídeo e, depois, transcritos para serem anexados a este trabalho. As duas dimensões pensadas para tratar o tema proposto nesta Tese, tempo e espaço, também servem como delimitadores do objeto pesquisado. Entendemos que o tempo e o espaço da produção dos souvenirs carnavalescos, no caso da AMEBRAS, se assimilam às dimensões que regem os objetos carnavalescos produzidos pelas Escolas de Samba, em seus desfiles, ultrapassando o tempo cronológico e o espaço geográfico.

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3.2.1.1 A oficina de adereços da AMEBRAS

A partir das oficinas oferecidas pela AMEBRAS no semestre de 2008.1, passamos a frequentar uma delas, sistematicamente, a fim de entendermos o processo de qualificação de mão de obra destinada tanto aos desfiles de Escolas de Samba, quanto à criação e venda nos pontos de venda daquela ONG, conforme o quadro 02, abaixo: Quadro 02 - Oficinas oferecidas pela AMEBRAS à comunidade em 2008.1 DIAS 2ª. Feira 3ª. Feira 4ª. Feira 5ª. Feira

CURSO Arte em espuma Adereços Cartonagem Arte em espuma Modelagem e costura Adereços Chapelaria

HORÁRIO 13 às 17 h 13 às 17 h 09 às 16 h 13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h

INSTRUTOR Ronaldo Pitigliani Sandro Raimundo Márcia de O. F. Batista Ronaldo Pitigliani Maria das Graças Regis Sandro Raimundo Rômulo Fernandes Rosa

De acordo com a nossa disponibilidade de horário, conseguimos acompanhar o desenvolvimento da oficina de “Adereços” (Anexo 7.3: Alunos do curso de Adereços, na Cidade do Samba, em 09/05/2008), realizada às terçasfeiras, no período da tarde e encontramos uma turma de aproximadamente 15 alunos, com faixa etária distinta e motivos também diferentes que os levaram a realizar o curso. Pessoas com idades muito diferentes e originadas de bairros distintos procuraram a oficina de Adereços da AMEBRAS para (a) se


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qualificarem, desenvolvendo uma habilidade ou técnica artesanal e, assim, transformarem esse aprendizado em atividade profissional e (b) ocuparem seu tempo de maneira produtiva, quase terapêutica, no caso de pessoas de mais idade. Conseguimos anotar os principais dados desta turma, que mostramos a seguir, no Quadro 03, explicitando a heterogeneidade com relação à idade e aos bairros de origem, conforme:

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Quadro 03 – Alunos da oficina “Adereços”, em 2008.1

Daclê Aguiar Silva Neuza Yan de Q. Mantuano Lílian Maria da Silva Teixeira Adalgisa Louzada de Araújo Luiz Fernando de S. Lourenço Dandara da Costa Machado César Martins da Silva Kátia Louzada da Rocha Cristiane da Silva Sueli Maia Esposito Nelma dos Santos Cantizano Anna Paula Leal da Silva Aracildes Neves de Melo Alexandre Dutra Diogo Bruno Assunção Falcão

Higienópolis Del Castilho Santo Cristo Del Castilho Vila da Penha Abolição Bangu Del Castilho Engenho de Dentro Encantado Engenho de Dentro Inhaúma Piedade Tijuca Barros Filho

07/04/1939 07/09/1943 12/01/1975 27/11/1939 22/02/1963 30/08/1937 16/07/1960 24/11/1953 11/11/1978 13/11/1952 10/06/1945 26/03/1986 06/07/1946 28/02/1975 19/08/1984

De acordo com o instrutor desta turma, Sandro Raimundo, os interesses para se inscrever nas oficinas não são idênticos, pois “alguns alunos já tiveram experiências anteriores com o carnaval, realizando algum tipo de trabalho na decoração de carnaval para escolas de samba. Outros alunos são completamente inexperientes. Estes últimos são pessoas aposentadas ou com tempo livre e usam os cursos como „passatempo‟ ou „lazer, mas ainda é cedo para tecer conclusões‟” (Anexo 7.2: Depoimento de Sandro Raimundo, em 29/04/2008).

As oficinas de adereços produzem objetos com temática carnavalesca que, no caso da oficina acompanhada, passam por fases, descritas pelo instrutor como: (1) “reciclagem de materiais”, (2) “book de materiais”, (3) “confecção de capuchão (broches) de unhas e bordado”, (4) “máscaras de cartão e em EVA”, (5) “cocar indígena, tiaras, bottons” e (6) “boneca em miniatura (baiana e passista)”. Sandro revela que “todo o material para a confecção dos adereços é fornecido pela AMEBRAS, além da estrutura física, equipamentos (pistolas de cola quente,


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tesouras, cartão, tecidos, etc.)”, como relata o instrutor do curso. Sandro complementa sua fala sobre as oficinas da AMEBRAS afirmando: “Os alunos não pagam nem um centavo” (Anexo 7.2: Depoimento de Sandro Raimundo, em 29/04/2008). A partir do acompanhamento da oficina de adereços, elaboramos um quadro (Quadro 04) sobre as fases sequencialmente descritas pelo instrutor, esmiuçadas logo adiante. Quadro 04 – Fases observadas na oficina “Adereços”, em 2008.1

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FASES 1 2 3 4 5 6

DESCRIÇÃO Reciclagem de materiais Book de materiais Confecção de capuchão de unhas e bordados Máscaras de cartão e em EVA Cocar indígena, tiaras e bottons Bonecas em miniatura


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Registramos nossas visitas à oficina de adereços com fotos para demonstrar as fases desse processo. As Figuras 36, 37 e 38 ilustram a dinâmica da oficina de adereços, incluindo o instrutor, Sandro Raimundo, e os alunos realizando estes objetos. Posteriormente, mostraremos algumas peças produzidas

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nessa oficina, nos pontos de venda da AMEBRAS.

Figuras 36, 37 e 38 – (36) Sandro Raimundo, (37 e 38) alunos em oficina de adereços. Fonte: Madson Oliveira

As fases da oficina de adereço, elencadas por Sandro Raimundo, em parte, assemelham-se com as etapas presentes na confecção de adereços para as Escolas de Samba. Desdobramos as fases acima para tornar mais compreensível esta relação com a feitura dos objetos carnavalescos. Na fase (1) “reciclagem de materiais”, boa parte da matéria-prima é reaproveitada de fantasias e adereços já usados e recolhidos após os desfiles das Escolas de Samba, como tecidos, galões, penas e plumas, broches, placas de acetato e pedrarias. A fase (2) “book de materiais” é o lance imediatamente seguinte ao anterior, pois cada aluno passa a ter uma cartela de materiais que acabou de reaproveitar, retirando de adereços e fantasias já usadas. A cartela de materiais é muito usada pelos carnavalescos no desenvolvimento de seus projetos de enredos


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para os desfiles das Escolas de Samba, na medida em que esse “book” demonstra a pesquisa realizada na fase do projeto e antecede à compra dos materiais. No caso das oficinas da AMEBRAS, o aluno seleciona os materiais aproveitados (ou reciclados) e os novos que precisam ser comprados para complementar o seu “artesanato”, conforme a fala da coordenadora dos cursos da AMEBRAS, Vera Lúcia: “compramos cola, tesoura, pistola de cola... é o tipo de coisa que compramos... mas, em termos de material assim... os alunos aproveitam muita coisa das fantasias que vêm para serem recicladas, por exemplo: aljofre, „unhas‟, pedras... pastilhas...” (Anexo 7.1: Depoimento de Vera Lúcia, em 17/04/2008). Ilustramos a fase descrita anteriormente, mostrando como é feito o mostruário e a seleção de matérias-primas para as Escolas de Samba (Figuras 39 e 40) e nos cursos da AMEBRAS (Figuras 41 e 42), preparando o aluno para “a

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realidade do mercado de carnaval”.

Figuras 39 e 40 – Pesquisa e amostras de matérias-primas (tecidos e aviamentos), do GRES Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 2003. Fonte: Madson Oliveira

Figuras 41 e 42 – Seleção, separação e acondicionamento de materiais reaproveitados para serem usados na oficina de adereços. Fonte: Madson Oliveira


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Na fase (3) “confecção de capuchão (broches) de unhas e bordado”, cada aluno exercita o desenvolvimento de adereços em partes menores, como os broches, que podem ser usados por cima das roupas ou podem compor um adereço maior. Nas Figuras 43 e 44, vemos o instrutor ensinando os alunos a desenvolver seus

adereços

e alguns

broches

já prontos

para

serem

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comercializados, na loja do Sambódromo.

Figuras 43 e 44 – (43) Broches sendo ensinados em oficina de adereços, em 2008.1 e (44) broches expostos para venda, na loja do Sambódromo. Fonte: Madson Oliveira

Um item indispensável na oficina de adereços é a confecção de máscaras carnavalescas. Por isso, a próxima fase, (4) “máscaras de cartão e em EVA”, exercita a criação e desenvolvimento de máscaras faciais adereçadas para bailes carnavalescos. A inspiração dessas máscaras vem, sem dúvida, das máscaras dos bailes de Veneza e outras típicas de bailes à fantasia. No exemplo que mostramos a seguir, observamos o que SENNETT (2009, p. 264) descreveu como “a integração entre a mão, o punho e o antebraço” que permitem aprender o uso da força mínima, além de uma considerável sensibilização das mãos, mais especificamente, na ponta dos dedos. Enquanto a mão trabalha, o olho contempla fisicamente o que vem pela frente, treinando a concentração das pessoas.


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Mostramos, por meio das Figuras 45 e 46, o modo artesanal e o processo de confecção de uma máscara carnavalesca em EVA, confeccionada pela artesã Adalgisa de Araújo e o artefato já finalizado e exposto na loja para ser

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comercializado, como resultado desta fase.

Figuras 45 e 46 – (45) Artesã confeccionando máscara em oficina da AMEBRAS e (46) máscara finalizada exposta em loja do Sambódromo. Fonte: Madson Oliveira

O lance subsequente ao descrito anteriormente, (5) “cocar indígena, tiaras, bottons”, desenvolve a habilidade dos alunos em pequenas peças, além de produzir artesanatos bastante procurados pelos turistas nas lojas da AMEBRAS. Existe uma certa dose de exotismo nestes itens, a começar pelo “cocar indígena” (conforme vemos mais adiante, nas Figuras 66 e 67), que comumente não faz parte da indumentária dos brasileiros, mas está sempre presente nos desfiles das Escolas de Samba, quando elas “defendem” algum enredo que passe pela etnia indígena. As tiaras e adereços de cabeça são muito procurados, principalmente, pelas pequenas dimensões de tamanho e baixo preço. A última fase da oficina de adereços, (6) “boneca em miniatura (baiana e passista)”, costuma trabalhar o desenvolvimento de figuras e objetos típicos das Escolas de Samba, em miniaturas, como: baianas (grupo obrigatório nos desfiles das Escolas de Samba), passistas (ala de bailarinos profissionais, masculinos e femininos, que desfilam junto aos componentes da bateria), instrumentos musicais


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(bumbo, surdo, pandeiro e etc.) e elementos próprios da “cultura do carnaval” (a feijoada, por exemplo). Os adereços produzidos pela oficina descrita anteriormente são encaminhados para a venda nas lojas da AMEBRAS e sua renda revertida para a manutenção da própria ONG. Após o término de cada oficina, a AMEBRAS se encarrega de entregar um certificado aos alunos e indicá-los para trabalhos, caso haja disponibilidade e

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interesse, como explica a coordenadora dos cursos, Vera Lúcia: “Ao final de cada curso é gerado um relatório encaminhado para a administração, na pessoa de Ivana, para que sejam confeccionados os certificados entregues aos alunos que concluíram os cursos. Após este processo, os alunos são cadastrados em um banco de dados que se presta a fazer a ligação entre o mercado (Escolas de Samba, por exemplo) e os alunos. As Escolas de Samba são as mais interessadas na mão de obra qualificada dos alunos que saem da AMEBRAS. A principal demanda é por alunos dos cursos de chapelaria, adereços, costura, escultura em espuma e isopor e pastelação” (Anexo 7.1: Depoimento de Vera Lúcia, em 17/04/2008).

Além disso, a AMEBRAS costuma realizar um coquetel ao final de cada curso ou em festas promovidas pela Cidade do Samba, onde acontecem os cursos da ONG. As Figuras 47 e 48 mostram uma cerimônia de “formatura”, ao final de mais uma série de oficinas promovidas pela AMEBRAS.

Figuras 47 e 48 – (47) Cerimônia de “formatura” das oficinas promovidas pela AMEBRAS e (48) Banner do Projeto Social “Carnaval e Cidadania”. Fonte: Madson Oliveira

Acompanhamos um evento de conclusão de curso e pudemos observar alguns banners expostos com a logomarca dos principais parceiros dos projetos


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desenvolvidos pela AMEBRAS, nas oficinas de qualificação e profissionalização como forma de agradecimento e divulgação, mas também para atrair novos parceiros, mostrando a visibilidade das marcas junto a um Projeto Social, como

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podemos ver nas Figuras 49 e 50, a seguir:

Figuras 49 e 50 – (49) Banner do projeto “Armazém do Samba – Carnaval e Cidadania” e (50) Banner com mensagem “positiva” sobre cidadania. Fonte: Madson Oliveira

Enquanto a Figura 49 mostra a AMEBRAS como realizadora do projeto “Armazém do Samba – Carnaval e Cidadania” e coloca as logomarcas de seus principais parceiros, como: Ministério do Turismo, LIESA, Fundação Banco do Brasil e a Cidade do Samba, a Figura 50 mostra outro banner com uma mensagem “positiva” para atrair a atenção dos visitantes sobre os projetos geridos pela AMEBRAS. A mensagem diz: “Mais importante do que devolver a dignidade ao cidadão é não deixar que ele a perca!”. É interessante apontar aqui que as ações promovidas pela AMEBRAS são direcionadas por um discurso de inclusão social, tema que será retomado mais adiante, no momento oportuno. Além do certificado, a AMEBRAS registra em seus arquivos os alunos que desenvolveram bons trabalhos para indicá-los às Escolas de Samba que precisem de mão de obra qualificada, assim como disponibiliza a venda de suas futuras produções, expondo os artesanatos em suas lojas. Os artesanatos ou souvenirs carnavalescos produzidos pelas oficinas da AMEBRAS, em parte, se assemelham ao termo conhecido como “especialização sociável”, principalmente pela interação social e transferência de conhecimento entre os seus participantes, bem como pelo incentivo na adaptação das habilidades


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individuais em função do grupo. Entendemos que a especialização sociável não cria ideologicamente a comunidade, mas consiste em boas práticas. Assim, se a organização artesanal é bem constituída, ela centrará sua atenção nos seres humanos, além de estimular, aconselhar e orientar os artesãos com padrões configurados numa linguagem que possa ser entendida por qualquer pessoa na organização28. A seguir, apresentamos os dois principais pontos de venda da produção realizada pela oficina de adereços da AMEBRAS: uma, na Cidade do Samba e a outra, no Sambódromo.

3.2.1.2 As lojas da AMEBRAS

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Conforme informamos no segundo capítulo desta Tese, há dois locais de importância para o nosso estudo, tanto pelo apelo turístico, quanto por sua função de circulação dos souvenirs carnavalescos comercializados. A loja da AMEBRAS situada na Cidade do Samba está localizada no andar térreo do barracão de número 1, onde observamos que a sua estrutura se assemelha aos stands de feiras, com tábuas de fórmicas e paredes de vidro montadas numa armação de alumínio, no melhor estilo vitrine, conforme Figuras 51 e 52.

Figuras 51 e 52 – Cidade do Samba: (51) Barracão no. 1 e (52) loja no modelo de stand de feira. Fonte: Madson Oliveira

28

SENNETT (2009, p. 278).


105

Este ponto de venda da AMEBRAS na Cidade do Samba teve o apoio da LIESA, que cedeu o espaço no térreo do barracão 1, e do SEBRAE, que se responsabilizou pela montagem da loja. As duas logomarcas (LIESA e SEBRAE) aparecem, entre a própria logomarca da AMEBRAS, na parte superior da loja. Ao longo do ano, a visitação à loja da AMEBRAS na Cidade do Samba depende dos horários de funcionamento daquele Parque Temático. A Cidade do Samba promove visitação de turistas aos seus barracões, diariamente, exceto às segundas-feiras. Além disso, há um show com serviço de buffet e simulação de um desfile de Escola de Samba, todas as quintas-feiras, conhecido como “Show Cidadão Samba”. Ademais, a administração daquele Parque Temático aluga a praça de alimentação para eventos de empresas externas, ao longo do ano. Nesses casos, a movimentação na loja da AMEBRAS na Cidade do Samba recebe um

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bom número de visitantes e compradores dos objetos produzidos através das oficinas. A outra loja da AMEBRAS, situada no Sambódromo, recebe um fluxo relativamente maior de visitantes do que na Cidade do Samba, incluindo os períodos não-carnavalescos, por conta da visitação turística naquele ponto onde acontecem os desfiles das Escolas de Samba. Nas visitas realizadas às lojas da AMEBRAS, entre os anos de 2008 e 2009, depararmo-nos com turistas conhecendo o Sambódromo como ponto turístico e alugando fantasias para se fotografarem, a fim de registrar sua passagem pelo “carnaval carioca”, mesmo em tempos de “não-carnaval”. Nesses casos, as fotografias funcionam como “lembranças de viagem” daquele local de visitação turística.


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A sequência de fotos a seguir (Figuras 53, 54, 55 e 56) demonstra a movimentação dos turistas no Sambódromo e na loja da AMEBRAS.

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Figuras 53 e 54 – Turistas visitando o Sambódromo: (53) placa indicativa com horário de visitação da loja da AMEBRAS e (54) turistas fantasiados. Fonte: Madson Oliveira

Figuras 55 e 56 – Turistas fotografam: (55) a loja da AMEBRAS no Sambódromo e (56) vestidos de fantasias alugadas, no Sambódromo vazio Fonte: Madson Oliveira

Nas imagens exibidas acima, vemos como os objetos produzidos para as Escolas de Samba, as fantasias, podem ser incorporadas como parte dos objetos comercializados para os turistas que visitam as lojas do Sambódromo. Neste caso, as fantasias fazem parte dos souvenirs carnavalescos, sendo alugadas para compor a foto que será levada como recordação da viagem. Além disso, ouvimos a explicação de Shirley Melo sobre o aluguel de fantasias como fonte de renda para a manutenção dos projetos, segundo: “[...] Eles é quem escolhem o que querem levar ou fotografar. Os clientes pagam R$ 3,00 (três reais) para vestirem as


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fantasias e fotografarem” (Anexo 7.8: Depoimento de Shirley Melo, em 21/07/2008). Conforme apresentamos neste capítulo, a produção dos objetos com temática carnavalesca realizada nas oficinas de qualificação da AMEBRAS é encaminhada às duas lojas, localizadas na Cidade do Samba e no Sambódromo, para comercialização. Apresentamos, a seguir, esses objetos com finalidade comercial que denominamos de “Souvenirs Carnavalescos”, a partir da designação que os próprios produtores deram ao resultado desse produto, conforme veremos adiante.

3.2.2 Os souvenirs carnavalescos

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O termo “souvenir” é largamente utilizado no jargão turístico referindo-se às “lembranças de viagens” compradas por turistas como comprovação ou recordação de um lugar por onde o seu comprador passou. Em alguns casos, essas “lembrancinhas” são dadas como presentes para parentes e amigos; em outros casos, destinam-se aos seus próprios consumidores. Em nossa pesquisa, entendemos que o termo “souvenir”, recebendo a qualificação de “carnavalesco”, torna-se explicativo, inclusive pelo caminho que seguimos até aqui. Então, apresentamos os souvenirs carnavalescos como uma prática social e todo o seu contexto para entendermos a extensão de seu campo de atuação. Ao longo dos exemplos que fornecemos, esse termo acaba adquirindo o entendimento adequado. Ainda durante a pesquisa exploratória e preliminar, observamos nas lojas da AMEBRAS a presença de inúmeros tipos de souvenirs com temática carnavalesca, oferecidos aos turistas e produzidos em suas oficinas e por artesãos autônomos.

Alguns

desses produtos

podem

ser observados

a seguir,

principalmente em miniaturas de personagens e objetos representativos do carnaval carioca.


108

São miniaturas de passistas, malandrinhos, negras “moradoras de morros cariocas” e o gari Renato Sorriso, conhecido por suas apresentações no Sambódromo, quando se apresenta varrendo a avenida e, ao mesmo tempo,

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sambando e atraindo o aplauso do público, conforme as Figuras 57, 58 e 59.

Figuras 57, 58 e 59 – Bonecas em miniatura, de pele negra: (57) passista feminina, (58) chaveiros feitos em biscuit de sambistas negras e (59) representação de Renato Sorriso - o gari-sambista. Fonte: Madson Oliveira

Os personagens apresentados acima se tornaram representativos de um imaginário sobre o carnaval, mesmo no início do século XX. Naquela época, a imprensa carioca se responsabilizava em divulgar, através de revistas de circulação nacional como O Cruzeiro, as imagens do “samba de morro”, mostrando fotografias de ritmistas vestindo a roupa “típica” do malandro sambista: camisa listrada e chapéu de palha (também observado na Figura 58). Assim, as Escolas de Samba se encarregaram de transformar a sua própria origem ligada à cultura negra de morros e favelas vinculando os seus símbolos visuais às mulatas, ao malandro, às baianas, ao pandeiro e demais instrumentos musicais29, como ainda veremos mais adiante. Dentre a produção dos mais variados tipos de artefatos, os souvenirs miniaturizados carecem de algumas observações, pois, em relação à produção de outros objetos, há o uso de menos material e uma consequente redução nos custos, além de um processo de estilização e simplificação das peças. Algumas observações sobre objetos miniaturizados para venda serão aprofundadas mais adiante. Neste momento, vale ressaltar que a miniaturização apresenta algumas vantagens em relação à produção de outros tipos de objetos, 29

FERREIRA (2004, p. 348).


109

como: (a) utilização como decoração; (b) economia de materiais e (c) uma qualidade “abonecada” e exótica. No entanto, pode acontecer uma crescente estilização nas formas, à medida que todos os detalhes forem sendo simplificados, para haver um barateamento do custo30. Durante as visitas à sede da AMEBRAS, encontramos o trabalho desenvolvido por uma ex-aluna, Jurema Lemos, que acabou se transformando em instrutora e produtora autônoma.

Nas imagens a seguir, observamos a artesã

Jurema Lemos (Figura 60), que realiza miniaturas de bonecas para serem comercializadas nas lojas da AMEBRAS. Jurema nos mostrou a miniaturização que ela faz de bonecas representando, mais especificamente, componentes da ala das baianas (Figuras 61 e 62) que é um item importante e obrigatório nos desfiles das Escolas de Samba. Jurema transportou de seu repertório de imagens sobre as

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baianas, a silhueta (formato da saia e volume de cabeça), alguns materiais e detalhes para os objetos comercializados, conforme seus exemplos.

Figuras 60, 61 e 62 – Artesã e instrutora da AMEBRAS, Jurema Lemos, e duas bonecas de baianas em miniatura da artesã. Fonte: Madson Oliveira

Jurema explica sobre esse tipo de produção em miniatura e o seu processo de trabalho, a seguir: “Eu faço fantasias diversas, em miniaturas... Tudo desse tamanho aí... (apontando para a baiana em cima da mesa)... Eu compro a boneca, faço a roupa... Tudo isso ai eu faço... Eu faço o desenho... Eu tiro da minha 30

GRABURN (1976, p. 15).


110

cabeça... Eu invento... É uma coisa tão miúda... Você nem pode extrapolar... Não pode ficar inventando muito... Uma baiana deste tamanho aí... Não foge muito disso aí...” (Anexo 7.7: Depoimento de Jurema Lemos, em 17/07/2008).

Ao ser questionada sobre a cor clara da pele de sua “baianinha”, Jurema explicou que algumas vezes ela encontra a boneca usada com cor de pele negra, mas quando não há disponibilidade no comércio, ela compra outras mesmo assim, pois precisa produzir para vender e não pode ficar à espera de bonecas negras, conforme: “Às vezes, a gente não acha pretinha... E eu tenho necessidade de fazer, porque tenho que trabalhar...” (Anexo 7.7: Depoimento de Jurema Lemos, em 17/07/2008). Outras miniaturas podem fazer referência não só aos desfiles das Escolas de Samba, mas a alguns costumes e hábitos comuns de serem identificados nos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

frequentadores “do samba” e das Escolas de Samba, como: a degustação de feijoadas nos ensaios que acontecem nas quadras das escolas (Figura 63), o culto aos deuses e entidades de origem africana (Figura 64) e instrumentos musicais de percussão usados por sambistas (Figura 65).

Figuras 63, 64 e 65 – Miniaturas diversas: (63) representação de feijoada, (64) representação de “pretos velhos” e (65) instrumentos musicais de percussão. Fonte: Madson Oliveira


111

A Figura 63 mostra uma miniatura de feijoada, que é um item indispensável nas quadras das Escolas de Samba. Geralmente, a feijoada é de responsabilidade das senhoras baianas que arrecadam dinheiro com esta iguaria, mesmo daquelas pessoas que não costumam consumi-la, e comparecem à quadra pelo samba e não somente pelo prato, conforme descrito no segundo capítulo dessa Tese. A Figura 64 representa os “pretos velhos”, descritos como representantes de uma ancestralidade africana, comumente encontrados nos “terreiros” de candomblé e umbanda e que possuem uma relação com a “sabedoria” das Escolas de Samba, relacionados com a ala da Velha Guarda31. Já a Figura 65 demonstra os instrumentos musicais, como: bumbo, surdo e pandeiros, indispensáveis ao funcionamento da baterias nas Escolas de Samba. A

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bateria é considerada o “coração da Escola de Samba” por fazer a marcação do samba, em seus desfiles, ritmando o passo em coreografias cadenciadas. As Figuras 63, 64 e 65 não possuem autoria identificada, pois foram captadas durante o período preliminar da pesquisa. Entretanto, os exemplos parecem representativos para ilustrar algumas possibilidades de criação deste tipo de artefato que, às vezes, representa a identidade cultural de seus criadores. A esse respeito, podemos localizar no trabalho desenvolvido por GRABURN (1976, p. 16) uma semelhança com nossa pesquisa na questão que problematizamos, quando os objetos do cotidiano se transformam em artes turísticas transculturais. Concordamos com o posicionamento desse autor ao apontar que há “um impulso romântico” por trás da popularidade de assimilação por outras culturas e, em certos casos, isso mesmo torna-se um atrativo que incentiva o seu consumo. A observação de outro autor que estudou a arte africana, Christopher B. STEINER (1994) pode ser aplicada neste trabalho por conta da finalidade dos objetos produzidos, ou seja, a comercialização, conforme: “Para colecionadores e negociantes ocidentais, os comerciantes comunicam informações relacionadas à história comercial do objeto (como ele foi adquirido, de onde vem, etc.). Para turistas, os comerciantes 31

A velha guarda é um setor que está presente em todas as Escolas de Samba e é, geralmente, composta pelos membros mais antigos de cada agremiação. Os participantes das velhas guardas são respeitados pelos demais membros de cada escola, pela idade avançada e a experiência de vida que costumam representar.


112

fornecem informações relacionadas ao significado cultural do objeto e seu uso tradicional. Ambos os tipos de informação são construídos para satisfazer o gosto ocidental percebido, e se destinam a aumentar a probabilidade de venda” (pp. 135-136).

Tanto o trabalho de GRABURN (1976) quanto os estudos de STEINER (1994) apontam para um tipo de produção artística destinada ao turismo, ou melhor, aos turistas e ela própria, a arte comercializada nos dois estudos se assemelha ao artesanato aqui descrito: o nosso objeto de estudo. Além dos objetos em miniatura comercializados com a temática carnavalesca, há ainda outra infinidade de objetos, como aqueles observados na oficina de adereços e acompanhados para ilustrar nossa Tese. São eles: máscaras faciais decoradas; enfeites (broches, bottons, fivelas e tiaras); peças de roupas (blusas e tops). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Mostramos, a seguir, algumas figuras que ilustram esses outros tipos de objetos carnavalescos comercializados nas lojas da Cidade do Samba e do Sambódromo, como produtos oriundos das oficinas da AMEBRAS. As Figuras 66 e 67 mostram adereços de cabeça, inspirados em cocares indígenas, fazendo uma alusão a personagens sempre presente nos desfiles das Escolas de Samba, quando o enredo aborda essa etnia, simbolicamente tratada no universo carnavalesco. Portanto, esses objetos são produzidos tanto em função dos desfiles das Escolas de Samba, quanto na comercialização como “lembranças de viagem”.

Figuras 66 e 67 – Adereços de cabeça (cocar indígena carnavalesco). Fonte: Madson Oliveira


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Ivana de Freitas faz o trabalho administrativo no escritório da AMEBRAS e confirma quais os produtos mais requisitados pelos compradores que procuram as lojas em busca de “lembrancinhas”, citando os enfeites de cabeça, conforme: “A procura maior é por souvenirs: máscaras, adereços de cabeça com temática carnavalesca” (Anexo 7.6: Depoimento de Ivana de Freitas, em 05/06/2008). As Figuras 68 e 69 são exemplos de outros adereços de cabeça confeccionados pela artesã Jurema e mostram exemplos destas “lembrancinhas”

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usadas para enfeitar as cabeças femininas.

Figuras 68 e 69 – Adereços de cabeça confeccionados pela artesã Jurema. Fonte: Madson Oliveira

GRABURN (1976) nomeia a produção artística destinada ao turismo como “aquelas artes feitas para um mundo externo, dominante; estas foram freqüentemente desprezadas por conoisseurs como sem importância, e são às vezes chamadas de artes „turísticas‟ ou „de aeroporto‟. Elas, no entanto, são importantes ao apresentarem para o mundo externo uma imagem étnica que precisa ser mantida e projetada como parte de um sistema de definição de fronteiras extremamente importante. [...] Esta ampla categoria inclui aquelas formas que foram alhures rotuladas de transitórias, comerciais, souvenir, ou artes de aeroporto, mas ela também inclui certas formas de arte que não comerciais recentes (p.05).

Este autor torna-se mais específico ainda, na medida em que ele classifica as “Artes do Quarto Mundo” e revela uma categoria que identificamos nesta pesquisa, os souvenirs. Ele define os souvenirs, a seguir: “SOUVENIRS: Quando o motivo do lucro ou a concorrência econômica da pobreza ultrapassam os valores estéticos, satisfazer o consumidor se torna mais importante do que agradar ao artista. Estas são freqüentemente


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chamadas de artes „turísticas‟ ou artes „de aeroporto‟ e podem ter pouca relação com as artes tradicionais da cultura criadora ou com as de qualquer outro grupo. [...] A racionalização da produção e a estandardização ou simplificação do desenho de muitas artes de souvenir, tenderam a dar má reputação a todas as artes comerciais contemporâneas. O conteúdo simbólico é tão reduzido, e se ajusta tão inteiramente às noções populares das características salientes do grupo minoritário, que podemos chamar estes itens de etno-kitsch, fazendo um paralelo com o conceito de Dorfle de porno-kitsch (1969: 219-223)” (p. 06).

Mais uma vez, retiramos do relato de Jurema Lemos, uma das artesãs entrevistadas para esta pesquisa, a informação sobre a sua relação com os objetos que produz. Além de dar aulas para as oficinas da AMEBRAS, vender sua produção em vários pontos (como as lojas da AMEBRAS, boutique da Mangueira, etc.), ela aceita encomendas e tem fornecido seus artefatos para lojas

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situadas em aeroportos. O trabalho de Jurema foi solicitado pela proprietária de uma rede de lanchonete e lojas que vende souvenirs sobre o Rio de Janeiro, no aeroporto Tom Jobim (local que serve como “porta de entrada/saída do país”). De acordo com seu depoimento, ela produziu uma grande quantidade de souvenirs para abastecer as lojas de sua contratante, principalmente, no período que antecedeu à festa carnavalesca32.

32

Anexo 7.7: Depoimento de Jurema Lemos, em 17/07/2008.


115

Além de termos encontrado essa denominação no trabalho de GRABURN (2009 e 1976), encontramos uma placa identificadora em uma das lojas da AMEBRAS que nos chamou atenção. Na loja do Sambódromo, mais visitada do que a da Cidade do Samba, observamos uma placa identificadora sobre os produtos comercializados, na qual podemos ler “ARTESANATO / SOUVENIRS” (Figura 70). A partir desta imagem, podemos entender que o termo souvenir é sinônimo de artesanato, ou, pelo menos, é assim que a AMEBRAS quer que seus produtos sejam identificados. Ademais, esta placa possibilita que tratemos o objeto de nosso estudo de maneira análoga aos objetos analisados pelos autores

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GRABURN e STEINER.

Figura 70 – Placa na qual observamos que o termo souvenir é sinônimo de artesanato. Fonte: Madson Oliveira

STEINER (1994) identifica na arte africana um tipo de arte que está “em trânsito” e que “se desloca”, em função da origem de seus compradores, que ele considera “uma área de pesquisa que permanece em grande parte inexplorada” em seu aspecto comercial. Ele também encontra nessa produção artística relações com o estudo de GRABURN (1976), entendendo o impacto do sistema econômico mundial sobre a produção local, por exemplo, a manufatura das chamadas artes “turísticas” ou “de aeroporto”. Assim como a arte africana representa a arte produzida “na África”, o souvenir carnavalesco representa um tipo de artesanato produzido “no carnaval” ou “em função do carnaval”. Neste aspecto, relacionamos os souvenirs carnavalescos, com intenção comercial, com as artes turísticas ou “artesanatos temáticos”, destinados ao turismo.


116

O estudo de GRABURN (1976) adverte para os motivos e razões que alimentam as relações sociais, a partir da produção de objetos turísticos, com finalidade comercial, como: “Ganha-se prestígio pela associação com estes objetos, sejam eles lembranças ou caros importados; existe uma quantidade de prestígio conectada às viagens internacionais, exploração, multiculturalismo, etc. que estas artes simbolizam; ao mesmo tempo, existe também o ingrediente nostálgico do feito à mão num „mundo de plástico‟, [...]. Mas, para muitos itens da arte comercial, esta própria demanda freqüentemente leva a uma proliferação e produção em massa, que vicia seu prestígio e utilidade no mesmo mercado esnobe para o qual as novas artes foram inventadas” (pp. 02-03).

Assim, percebemos que o trânsito destes objetos, artes e artesanatos

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circulam e circundam um mercado incentivado pelo turismo. No entanto, esse mercado não é um local naturalizado no sentido de existir, “naturalmente”, e sim como STEINER (1994) afirma: “descobre-se que o mercado é na verdade um espaço social escrupulosamente estruturado, no qual cada objeto tem seu proprietário de direito e no qual cada pessoa tem uma posição social específica e um conjunto reconhecido de papéis sociais e econômicos” (p. 18). GRABURN (1976), por sua vez, sintetiza algumas características sobre esses mercados percebidas por ele no estudo que fez sobre as “Artes do Quarto Mundo”, como: “O mercado em si é a fonte mais poderosa de inovação formal e estética, freqüentemente levando a mudanças de tamanho, simplificação, estandardização, naturalismo, ao grotesco, bizarro, ao arcaísmo. souvenirs ou objetos de comércio para o mercado de massa precisam ser (a) baratos, (b) portáteis, (c) compreensíveis e (d), como D. Ray (1961) mostrou-nos em relação às esculturas em marfim dos esquimós do Alasca, espanáveis!” (p. 15).

CANCLINI (1983) trata da problemática do artesanato e das festas populares sob a ótica do capitalismo, ao apontar para a dificuldade de identificação (muitas vezes conflitantes) destas atividades, ditas artesanais, pois “a dificuldade em estabelecer a sua identidade e os seus limites se tem agravado nos últimos anos porque os produtos considerados artesanais modificam-se ao se relacionarem com o mercado capitalista, o turismo, a „indústria cultural‟ e com as „formas modernas‟ de arte, comunicação e lazer” (p. 51).


117

Por isso mesmo, procuramos estudar essa produção “gerada e gerida” em torno da festa do carnaval e para além da festa, inclusive. No entanto, estes souvenirs carnavalescos não se “explicam” por si só, nem pretendemos estudar apenas os objetos em si, mas o complexo emaranhado de caminhos e processos que envolvem os artesanatos carnavalescos, conforme CANCLINI (1983, p. 53) adverte: “Necessitamos, portanto, estudar o artesanato como um processo e não como um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos voltados para si mesmos”. Sendo assim, é imprescindível verificar onde se localiza a produção desse tipo de objeto que nomeamos de souvenir carnavalesco. No entanto, a partir do cruzamento das vozes daqueles que fazem, dos que vendem, dos que compram e daqueles que mediam este processo identificamos uma espécie de entre-lugar33.

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Esses espaços e lugares simbólicos nos interessam a partir do registro das vozes de quem os compõem, pois acreditamos haver um tempo e um espaço onde os souvenirs carnavalescos se encontram, ainda sem precisão, mas que suspeitamos se localizar em outro campo, entre o design e o artesanato, como vemos a seguir, no último capítulo desta Tese.

33

BHABHA (1998, p. 27) usa esse termo associando-o a outros, como: hibridismo, tradução, “trabalhos fronteiriços da cultura” e com o sentido de “realidade intervalar”, que pretendemos nos utilizar para explicar as dimensões espaço-temporais escolhidas como norteadoras de nosso trabalho, ainda que imprecisas.


4.

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Entre o design e o artesanato

Eu acredito que o que eu faço é uma mistura... É artesanato, é design, é uma mistura... Eu até tenho um encanto por esta coisa do design... pois eu vejo o criar uma nova peça como um desafio... dá medo quando o cliente me pede para criar algo novo para ele... eu não consigo dormir... pensando, pensando, pensando... é até engraçado... esta carteira que mostrei, até ontem eu não sabia ainda como iria fazer a lateral dela. Caminhando de manhã... que eu caminho toda manhã e, em minhas caminhadas, tenho muitas ideias... Eu estava caminhando e pensando e, de repente, eu disse: ‘Já sei’. Quando cheguei em casa, já fui direto deixar mais ou menos desenhado no papel o que eu estou na cabeça.1

Iniciamos este último capítulo da Tese com a fala de uma participante das oficinas da AMEBRAS. Trata-se de uma ex-aluna dos cursos de qualificação e profissionalização desta organização que, com o passar do tempo, transformou-se em instrutora de cursos, tanto na AMEBRAS como em outros lugares. Além disso, ela comercializa seus produtos em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro, se responsabilizando pela manutenção financeira de sua família. Márcia Batista, em seu depoimento, deixa transparecer o encanto que tem por sua atividade que ela identifica como uma “mistura” entre o artesanato e o design, em ações híbridas entre os modos de produção artesanal e industrial. Aliás, a fala de Márcia nos fez entender que grande parte dos objetos produzidos em função do carnaval, e estudados nesta Tese, localiza-se em um espaço sem fronteiras bem definidas: algumas vezes imprecisas quanto ao modo de produção; outras vezes determinadas pelo público que o consome. A denominação da prática 1

Anexo 7.4: Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008.


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só é possível levando-se em consideração a classificação do próprio produtor, ou, em outros momentos, o modo como o público identifica a atividade. Ou seja, há que se observar o local da fala, o lugar de onde (e a partir do qual) se fala. Selecionamos fragmentos de alguns depoimentos para, a partir da fala dos entrevistados, cruzarmos com alguns conceitos e ideias de pesquisadores sobre a configuração de objetos. Assim, pensamos encontrar um dos caminhos que nos levam aos souvenirs carnavalescos, como uma produção híbrida entre o design e o artesanato. Optamos por nos posicionar com distanciamento em relação ao nosso objeto de pesquisa, primeiro por conta da área de onde nosso estudo partiu - o design - se voltando para um tipo de produção realizada em função de uma manifestação cultural festiva : o carnaval . Além disso, essa produção destina-se à comercialização para compradores que levam para seus lugares de origem parte da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

cidade do Rio de Janeiro, do carnaval e da própria vida de seus produtores. É importante acrescentar que, no caso desses compradores serem turistas internacionais, inclusive, os souvenirs carnavalescos são exportados sem ser um produto do “tipo exportação”. Esta Tese desenvolveu-se sem a pretensão de classificar a prática desses objetos carnavalescos, posicionados entre o design e o artesanato. Pelo contrário, empenhamo-nos em aproveitar certa dificuldade em estabelecer uma classificação definitiva sobre o seu próprio reconhecimento frente à prática, utilizando-nos das falas dos próprios entrevistados para entendermos como eles se posicionam. Uma categorização entre as diferentes práticas poderia colocar os exemplos tratados nesta pesquisa em territórios aparentemente opostos e optamos por apresentar nosso objeto de pesquisa em meio à ambiguidade que parece se instaurar sempre que tratamos de objetos criados entre as margens do processo que, por sua dinâmica, se mostram movediças. Os tempos e espaços a que nos referimos no subtítulo dessa Tese tentam dar pistas sobre a indagação que subjaz também no corpo do trabalho. Esses tempos e espaços preocupam-se mais com as dimensões simbólicas em que os souvenirs carnavalescos possam se inserir do que numa temporalidade cronológica ou espaços físicos. Gostaríamos de relacionar esses objetos, produzidos com função comercial e temática ligada aos desfiles das Escolas de Samba, a uma produção pensada em função do público movido pelo turismo,


120

servindo às questões próprias e particulares de seus produtores, mas com funções e formas pré-estabelecidas pelo mercado que acabou se formando neste segmento. Tal explicação parece-nos útil na medida em que colocamos esses souvenirs carnavalescos em meio a uma pluralidade de enfoques, que reconhecem os objetos como práticas sociais, vinculados a um tipo de expressão e qualidade estética com alto poder de comunicação. Para tanto, subdividimos esse capítulo em três momentos: (4.1) as dimensões do design; (4.2) as dimensões do artesanato e (4.3) entre dois mundos encantados.

4.1 As dimensões do design Algumas “práticas particulares de configurações”, identificadas em nossa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

pesquisa, se assemelham às dimensões do design que mostramos a seguir através de alguns exemplos de artefatos e produtos realizados por indivíduos com qualificação de designers ou pelo “desejo” em se tornarem designers. Em alguns casos, percebemos que há um design subjacente ao artesanato, que parece promover um “atravessamento” da prática artesanal em direção ao design. Sendo assim, observamos nesta mescla uma característica que associamos às qualidades “inter e transdisciplinares” próprias do campo do design2. Um dos exemplos mais marcantes sobre essa transformação de vida foi narrada por Márcia Batista, que contou toda sua trajetória no feitio de trabalhos artesanais, a partir do contato com os cursos da AMEBRAS. Ela, atualmente, divide seu tempo em feiras de artesanato e cursos em que ministra aulas, ao longo do ano. Sua especialidade é a cartonagem, mas o resultado de seu trabalho é aplicado diretamente nas embalagens dos produtos realizados na AMEBRAS, já que ela desenvolve agendas, porta-cartões, blocos de rascunho e tudo mais que puder ter como base o papel-cartão. Márcia conta que tomou conhecimento dos cursos da AMEBRAS ao matricular os seus dois filhos, quando a ONG estava atendendo aos moradores dos arredores da Escola de Samba GRES Porto da Pedra, em São Gonçalo. Após ser demitida de um emprego burocrático, Márcia retornou à condição de dona de casa e mãe de família, na qual ela se sentia limitada e insatisfeita. Por isso, soube dos 2

Conforme descrito por BOMFIM (1997) e COUTO (1997).


121

cursos que chegaram à quadra da Porto da Pedra e precisava fazer algo para mudar aquela situação de insatisfação, além de retomar o seu interesse pelo artesanato. Ainda na infância, Márcia alimentava um prazer pela produção de pequenas peças de crochê que aprendeu a fazer com a avó. Com dificuldade, conseguiu juntar algum dinheiro, que a ajudava na compra de cadernos, lápis e livros, os utilizando para iniciar a produção de peças em crochê. O interesse por trabalhos manuais teve que esperar algum tempo, pois Márcia casou-se, teve filhos e trabalhou em empresas formais como analista de crédito, até que ficou desempregada e fez alguns cursos promovidos pela AMEBRAS3. Tivemos conhecimento do trabalho da artesã Márcia Batista a partir de nossa visita à Cidade do Samba para acompanhar a oficina de adereços que era oferecida nos mesmos dias e horários da oficina de cartonagem, em que ela era PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

instrutora4, como já descrito no capítulo anterior. Fizemos contato com Márcia e agendamos um encontro para colher seu depoimento. Márcia expõe seus produtos, todos os sábados, no Shopping Cassino Atlântico, juntamente com uma feirinha de antiguidades e objetos para colecionadores. No dia 31 de maio de 2008, fomos lá ao encontro de Márcia, munidos de câmeras, filmadora e fotográfica. Chegamos ainda cedo, pois ela havia nos informado que, quanto mais cedo começássemos, seria melhor, por conta do pouco movimento de clientes, antes de 11 h. Márcia carrega seus produtos e sua mesinha em grandes sacolas. Ela se desloca de São Gonçalo para Copacabana de ônibus e inicia suas vendas pela montagem de sua “tenda” com a arrumação de seus produtos. Seu ponto fica localizado no subsolo do Shopping, ao lado da escada rolante e em frente à loja TOK STOK. É um local de grande movimentação e os clientes que por lá aparecem procuram produtos para decoração, antiguidades e artesanatos.

3 4

Anexo 7.4: Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008. Anexo 7.1: Depoimento de Vera Lúcia, em 17/04/2008.


122

Nas Figuras 71 e 72 podemos observar Márcia Batista organizando o seu material exposto na feirinha do Shopping Cassino Atlântico.

Figuras 71 e 72 – (71) Márcia arrumando seus produtos, e (72) os produtos empilhados na barraca em que expõe, no Shopping Cassino Atlântico. Fonte: Madson Oliveira

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O depoimento de Márcia Batista foi direcionado por algumas perguntas iniciais como: nome, idade e dados pessoais para que ela pudesse ir contando a sua própria história. Em alguns momentos, ela recuava no tempo para explicar melhor certos fatos, mas o depoimento tem uma continuidade que não atrapalha o seu entendimento. Márcia revelou como o projeto da AMEBRAS foi importante para o seu desenvolvimento pessoal e como ela se descobriu efetivamente uma artesã, cadastrada no SEBRAE e com carteirinha de artesã. O SEBRAE promove o cadastramento de diversas tipologias artesanais e fornece uma identificação profissional, autenticando a habilidade e técnica daqueles que passam por uma avaliação. Assim, Márcia pode expor como artesã autônoma em feirinhas, como no caso desta que visitamos. Márcia mantém o sustento de sua família por meio da produção e venda da cartonagem que faz. Apesar de seu produto não ser vendido diretamente para o “mercado carnavalesco”, ela aplica a sua técnica em embalagens para produtos vendidos nas lojas da AMEBRAS. Em depoimento, Márcia nos explica que o seu produto é bastante flexível e se mostra adequado a vários segmentos, inclusive ao comercializado em função do carnaval, pois “Eu dou „caras‟ `a minha cartonagem... a cartonagem trabalhada com tecido, assim como você está vendo...


123

Na Cidade do Samba, eu estou respondendo ao que estão me pedindo... de acordo com o meu público”5. A produção de Márcia utiliza, basicamente, vários tipos de papel, como matéria-prima de seus produtos. Algumas vezes, ela faz forração em tecido, preocupando-se com estética e temática diferentes, como: motivos florais, xadrezes em padronagens internacionais, etc. Com o passar do tempo, Márcia foi se especializando de acordo com as encomendas que recebe, como: lembranças de nascimento e batizado, agendas personalizadas, até carteiras mais elaboradas. Para tanto, tem adquirido facas com cortes especiais que podem aumentar a qualidade técnica de seus produtos, bem como aumentar sua produção. Assim, Márcia tem-se deslocado de sua qualificação artesanal para mesclar sua prática a aspectos de design: seja pelo desejo verbalizado em se aproximar das dimensões de design; seja por sua postura PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

frente aos “problemas de design” que tem se apresentado. Isso acontece quando ela se depara com a solicitação de algum cliente por um produto que ainda não desenvolveu, mas que encara como um desafio e uma oportunidade de testar novos processos. Márcia faz um paralelo entre o trabalho artesanal que ela desenvolve e o desejo de se tornar uma designer de produtos. Esta situação parece demonstrar certo antagonismo em sua fala, na medida em que ela mesma se declara orgulhosa em ser artesã, desde criança (como já descrito anteriormente), enquanto se utiliza de termos próprios da área do design, como: protótipo, projeto, etc. Ela reflete sobre sua prática de cartonagem quando é requisitada por algum cliente e afirma que o cotidiano influencia nas soluções que encontra para os “problemas de design”, assegurando: “Eu consigo ver, olhar... estou na rua e me deparo com algo na rua e que aquilo me dá uma ideia... algo completamente inesperado, mas que eu olho com outros olhos, com uma „maldade‟, e consigo tirar daquilo algo que ninguém conseguiria. Além disso, os clientes interferem, opinam... dizem: „E se você colocasse assim, ou de outro jeito‟. Eu vou pegando aquilo que eu vou ouvindo e vou aprimorando essas peças... como meu „feijão-comarroz‟, básicas, muitas delas já passaram por inúmeras transformações” (Anexo 7.4: Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008).

5

Anexo 7.4: Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008.


124

Essa relação entre o artesanato e o design que, ao mesmo tempo, parece, paradoxalmente, próxima e distante, tangencia-se em alguns momentos, como nesses descritos anteriormente por Márcia Batista.

De acordo com MILLS

(2009), os designers poderiam buscar nas atividades artesanais a “unidade” que o autor acredita haver entre arte, ciência e saber, conforme a citação a seguir: “O designer é um criador e um crítico da estrutura física da vida privada e pública. Ele representa o homem como construtor de seu próprio meio. Ele representa o tipo de sensibilidade que permite aos homens inventar um mundo de objetos diante do qual eles ficam encantados e os quais se sentem encantados em usar. O designer é parte de uma unidade da arte, da ciência e do saber. Isso, por sua vez, significa que ele partilha um valor fundamental, que é o denominador comum da arte, da ciência e do saber e também a própria raiz do desenvolvimento humano. Esse valor, eu acredito, é o artesanato” (pp. 75-6).

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Ratificando o pensamento de MILLS, a seguinte citação de professores do departamento de Artes & Design da PUC-Rio, se encarrega de “acolher” as práticas e processos descritos por Márcia Batista como “possibilidades de um design particular”, pois “Os novos paradigmas conduzem à compreensão de que, embora o conhecimento racional e científico seja essencial, a capacidade criativa é destruída se a enquadramos em um marco de referência muito rígido [...]. O Design deve ser entendido não apenas como uma atividade de dar forma a objetos, mas como um tecido que enreda o designer, o usuário, o desejo, a forma, o modo de ser e estar no mundo de cada um de nós” (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p. 09).

Outro exemplo usado neste trabalho para ilustrar o espaço cambiante entre áreas afins como o design e o artesanato foi encontrado na entrevista de Cocco Barçante. Ele produz artigos que são expostos nas lojas da AMEBRAS para comercialização, com características híbridas entre o design e o artesanato. Em seu depoimento, ele revela ser designer de formação, mas se vê como um artesãoartista. Seus produtos, geralmente, “falam” do Rio de Janeiro e, por conseguinte, abordam o carnaval. Desta maneira, Cocco cria temas para seu trabalho e os lança, de tempos em tempos, como no segmento Moda, criando coleções temáticas, conforme:


125 “Sou formado em Moda pelo SENAI-CETIQT. Atualmente, sou professor... Eu me formei em 2001 e sou professor do Centro de Moda do SENAC e Universidade Cândido Mendes, na disciplina de Estamparia Industrial e Manual. [...] Já trabalho há 25 anos com estamparia. Estampava para confecções, sempre artesanalmente. [...] Quando eu me formei, lancei este trabalho que se chama „Sentimentos do Rio‟. [...] É o registro artesanal sobre a cidade... quer dizer, unir o urbano e o artesanal. [...] São painéis que retratam o cotidiano do carioca, de cada bairro...” (Anexo 7.9: Depoimento de Cocco Barçante, em 21/07/2008).

As Figuras 73 e 74 mostram dois painéis de Cocco Barçante, nos quais ele representa os “Sentimentos do Rio”, baseados em sua pesquisa iconográfica sobre alguns bairros e pontos turísticos do Rio de Janeiro. Em depoimento, Cocco revela como ele “enxerga” as cores e formas do Rio de Janeiro, e as coloca em seu trabalho. A Figura 73 mostra a representação de alguns ícones do “espírito carioca”,

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segundo a visão de Cocco Barçante, como: os morros do Pão de Açúcar, a praia, a floresta, etc., além da palavra “Carioca” escrita à mão, em branco, sobre um fundo preto, para dar maior visibilidade. Na Figura 74, a silhueta da estátua do Cristo Redentor sobrepõe um “patchwork de imagens” representativas do Rio de Janeiro, reforçando a ideia temática da cidade como tema principal de seu trabalho.

Figuras 73 e 74 – (73) Painel representativo do “espírito carioca” e (74) painel que exemplifica um ponto turístico importante do Rio de Janeiro: o Cristo Redentor. Fonte: Madson Oliveira


126

Shirley Melo, funcionária da loja da AMEBRAS no Sambódromo, revela como Cocco adaptou sua produção com “temática carioca” para o carnaval, como: “O Cocco, que você acabou de entrevistar, também. Ele fazia umas camisetas com aplicações do Rio de Janeiro e nós pedimos para ele colocar uns paetês, uns brilhos e torná-las mais carnavalescas. Colocou as mulatas, baianas...” (Anexo 7.8: Depoimento de Shirley Melo, em 21/07/2008). A Figura 75 mostra dois exemplos do trabalho de Cocco Barçante já adaptados à solicitação da AMEBRAS: uma camiseta estampada com a imagem de Carmem Miranda e um top feminino. As duas peças foram adaptadas para o “público” do carnaval, ao serem customizadas com paetês, strass e galões

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carnavalescos dourados: materiais próprios do carnaval.

Figura 75 – Camiseta e top customizado por Cocco Barçante. Fonte: Madson Oliveira

Cocco, de acordo com seu depoimento, explica como “transporta” a ideia desenvolvida nos painéis para outros produtos, principalmente as camisetas customizadas, conforme: “[...] meus produtos são: camisetas, roupas, bolsas, acessórios em geral... mas com características artesanais... De cada bairro eu vou


127

desenvolvendo e trabalhando [...]. De dois em dois meses, eu promovo exposições em shoppings, rodadas de negócios do SEBRAE, feiras...”6. Márcia ratifica a fala de Cocco Barçante, informando como ela reage a cada desafio de criação, em “viagens imaginárias”, mas, sobretudo, enxergando o seu trabalho como uma espécie de “lazer estendido” que supre o desejo em se afastar do ofício, encontrando prazer em sua profissão7. É interessante fazer um cruzamento entre a fala da artesã Márcia Batista e os escritos de MILLS (2009), na medida em que encontramos relações de semelhança em ambos, no que se refere ao “trabalho” e “lazer”. A relação de

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trabalho é prazerosa e, ao mesmo tempo, uma diversão, conforme: “O modo como o artesão ganha seu sustento determina e impregna todo o seu modo de vida. Para ele não há cisão entre trabalho e diversão, entre trabalho e cultura. Seu trabalho é o motivo principal de sua vida; ele não foge do trabalho para uma esfera separada de lazer; leva para as horas de ócio os valores e qualidades desenvolvidos e empregados em suas horas de trabalho. Expressa a si mesmo no próprio ato de criar valor econômico; está trabalhando e se divertindo no mesmo ato; seu trabalho é um poema em ação” (MILSS, 2009, p. 78).

Uma

das

últimas

ações

promovidas

pela

AMEBRAS

foi

o

desenvolvimento de um catálogo bilíngue (português/inglês) que se prestasse a divulgar a ONG, ao mesmo tempo em que promovia a venda, em larga escala, de produtos artesanais com temática carnavalesca8. Algumas páginas do catálogo podem ser vistas a seguir, nas Figuras 76, 77, 78, 79, 80 e 81. Na capa do catálogo (Figura 76), podemos ver nos títulos os nomes dos dois projetos mais importantes da AMEBRAS: “Carnaval e Cidadania” e “Armazém do Samba”, além do nome da ONG. As outras imagens são referentes a alguns produtos realizados pela AMEBRAS, através de suas oficinas ou convidados especiais para essa ação: máscaras de carnaval (Figura 77), chaveiros (Figura 78), caixas/cartonagem e embalagem (Figura 79), miniaturas de personagens do carnaval (Figura 80) e adereços de cabeça (Figura 81). O catálogo possui, ao todo, 75 páginas com uma infinidade de produtos artesanais com temática carnavalesca. Pela impossibilidade de colocarmos todas as imagens

6 7 8

Anexo 7.9: Depoimento de Cocco Barçante, em 21/07/2008. Anexo 7.4: Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008. Anexo 7.8: Depoimento de Shirley Melo, em 21/07/2008.


128

constantes do catálogo em nosso trabalho, selecionamos as descritas acima para exemplificar a abrangência e o alcance que a AMEBRAS vem promovendo, através de seus artesanatos carnavalescos. A pretensão, com essa ação, é incentivar as vendas dos produtos da AMEBRAS, a fim de aumentar os recursos para a ampliação de seus projetos. Por outro lado, percebemos que, ao contrário da ideia de atender à demanda turística daqueles que levavam um pouco do carnaval carioca para seus lugares de origem, o catálogo pretende levar as

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lembrancinhas, sem a necessidade da viagem.

Figuras 76, 77, 78, 79, 80 e 81 – (76) Capa do catálogo, (77) máscaras carnavalescas, (78) chaveiros, (79) Caixas/cartonagem e embalagens, (80) miniaturas carnavalescas e (81) adereços de cabeça. Fonte: Catálogo de produtos “Carnaval e Cidadania”


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A necessidade de criação de um catálogo que leve para longe o registro de produtos artesanais realizados em função da festa carnavalesca muda a forma de enxergarmos essa produção e seus produtores. Esses souvenirs carnavalescos, envoltos em referências identitárias de quem os realizam e do lugar onde são feitos, perde o sentido, na medida em que eles já não representam a viagem de seus compradores aos locais de produção e se misturam na grande massa de produtos de localidades somente imaginadas e não mais visitadas. Na citação de GRABURN (1976, p. 22) podemos entender que, quando esses produtos são introduzidos em mercados mais amplos (nacionais e internacionais), há uma tendência a: (1) incentivar a assinatura das peças, a fim de aumentar o seu poder de comercialização e (2) impulsionar os artesanatos a assumirem valores de coleção. Para a produção do catálogo da AMEBRAS, os participantes foram PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

incentivados a assinarem suas peças. Durante a preparação do material selecionado para o catálogo, houve uma palestra com uma “designer” proveniente do SEBRAE, a fim de esclarecer quais as características dos objetos a serem produzidos. A seleção do material foi feita pela presidente da ONG AMEBRAS, Célia Domingues, e pelas “consultoras de design”, Mariana Mercante e Hilzes Herbert9. O SEBRAE apoiou a produção do catálogo, que teve uma preocupação com a aparência gráfica para que não perdesse totalmente a característica dos produtos apresentados. Mais uma observação deve ser apontada, com relação ao desenvolvimento do catálogo já citado, como ferramenta de marketing e promoção de vendas que, de acordo com MILLS (2009, p. 74), o campo do design já se utiliza, estreitando ainda mais a linha imaginária, cada vez mais movediça, que se instaura entre a produção contemporânea de objetos (mais especificamente, o artesanato e o design), conforme: “O aparato de merchandising, do qual muitos designers são membros atualmente, opera mais para criar necessidades que para satisfazer necessidades já ativas. Os consumidores são treinados para „precisar‟‟ daquilo a que são mais continuamente expostos”.

9

Conforme Ficha Técnica do Catálogo de produtos da AMEBRAS.


130

A ação de divulgação do catálogo, no caso da AMEBRAS, demonstra o interesse desta ONG em ultrapassar o espaço local do carnaval, para muito além do Rio de Janeiro, pois o catálogo bilíngue presta-se a levar para lugares distantes os produtos realizados nas oficinas de carnaval. O desejo de expandir a produção do carnaval para além deste momento fez-nos tomar conhecimento da transposição de um desfile de carnaval carioca, confeccionado na (e levado para) Argentina. Os desfiles aconteceram entre os dias 12 e 13 de março de 2010, em Portrero de Los Funes, na província de San Luis, na Argentina. Em um “Sambódromo” com 1 km de extensão e 13 metros de largura, passaram aproximadamente mil componentes cariocas, reunidos de várias Escolas de Samba dos grupos Especial e de Acesso. Uma alegoria de onze metros de altura foi montada e adereçada sobre um caminhão Scania, utilizando mão de obra treinada em oficinas e workshops PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

promovidos por alguns instrutores da AMEBRAS que se deslocaram do Rio de Janeiro para a província argentina, conforme mostra a Figura 82:

Figura 82 – Desfile de carnaval em Portrero de Los Funes, na província de San Luis, na Argentina. Fonte: http://odia.terra.com.br/portal/odianafolia/html/2010/3/sambistas_do_rio_fazem_historia_na_arg entina_69430.html


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As duas noites de desfiles foram preparadas para serem apreciadas por uma plateia de aproximadamente 16.000 expectadores. Os desfiles foram compostos pelos sambistas brasileiros que levaram suas fantasias e adereços de carnavais anteriores, e juntaram-se aos trezentos “puntanos” que desfilaram. As fantasias e adereços de lá foram confeccionados por cinquenta costureiras que participam de projetos de inclusão social, numa espécie de interação entre as ações sociais, de cá e de lá. Os sambistas brasileiros viajaram do Rio de Janeiro para a província de Portrero de Los Funes, a 20 km da capital argentina, em 25 ônibus fretados exclusivamente para esse fim e receberam R$ 500,00 (quinhentos reais) para se apresentarem nesses “desfiles importados” pelo governador daquela localidade para atrair turistas, nesta ação estimada em valor equivalente a R$ 5 milhões de reais. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

Os desfiles foram uma realização da Ganga Zumba Produções, dirigida pelo ator Antônio Pitanga, que afirma ter deixado naquela localidade “uma semente do nosso carnaval”, em vez de somente se apresentar, como geralmente acontecem nos shows de sambistas, mas deixando “um legado social”, através das oficinas promovidas como parte preparatória dos desfiles. Segundo

depoimento

do carnavalesco Milton Cunha, que idealizou o projeto visual do desfile, outros países como Uruguai, Paraguai e Chile demonstraram interesse em levar para seus países o mesmo tipo de promoção realizada na Argentina10. Em ações como essas, tanto o carnaval das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, quanto a AMEBRAS passaram a “exportar” o seu know-how para outros lugares, levando, por conseguinte, parte da cultura carnavalesca em produtos que também podem ser exportados, como uma forma de ampliação do mercado dos souvenirs carnavalesco.

4.2 As dimensões do artesanato

Conforme demonstramos anteriormente, os souvenirs carnavalescos se posicionam de maneira dinâmica, ocupando diferentes espaços, de acordo com os

10

http://odia.terra.com.br/portal/odianafolia/html/2010/3/sambistas_do_rio_fazem_historia_na_argenti na_69430.html


132

agentes que os manipulam. Outras são as possibilidades para serem consideradas, desde que os seus produtores ou compradores, assim os posicionem. O longo depoimento que Jurema Lemos nos forneceu11, durante uma visita que realizamos à sede da AMEBRAS, foi revelador sobre sua prática. Ela informa-nos que sempre trabalhou com “artes manuais” e “artesanato”. Começou “fazendo flores”, depois passou a fazer pintura em tecido, sabonetes artesanais até que, por saber costurar, começou a confeccionar fantasias, em meados dos anos 80. Ela confeccionava suas próprias fantasias para desfilar em Escolas de Samba, como a Portela e a Paraíso do Tuiutí, já que não tinha dinheiro para pagar pelas fantasias. Assim, iniciou o seu “trabalho” junto ao carnaval. Como Jurema morava no bairro de São Cristóvão, onde se localizam várias Escolas de Samba, começou a fazer um curso de adereços no GRES Estação Primeira de Mangueira, numa dessas ações socioculturais promovidas para PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

pessoas com “baixa renda”, moradores do entorno de Escolas de Samba. Os cursos da Mangueira pretendiam profissionalizar pessoas sem profissão definida e, ao mesmo tempo, qualificar aqueles que já possuíam alguma profissão ou habilidade. Já que os cursos aconteciam na quadra de uma Escola de Samba, foram oferecidos, também, cursos de capacitação ligados ao carnaval, como o curso de adereços, relatado por Jurema Lemos. Após essa experiência, Jurema passou a produzir adereços e fantasias, nos meses que antecediam ao carnaval e, nos outros meses do ano, passou a realizar trabalhos manuais para vender, além de se tornar instrutora, em cursos oferecidos pelas ações sociais da Mangueira. Esses cursos eram uma ação da primeira-dama (à época) daquela agremiação carnavalesca, Célia Domingues, no final dos anos 90. Podemos dizer, então, que as ações socioculturais que Célia Domingues promovia acabaram por levá-la à fundação da ONG AMEBRAS e à continuidade dos cursos de qualificação e profissionalização de mão de obra para o carnaval, além de se tornar uma possibilidade como fonte de renda para aqueles interessados em trabalhar junto ao carnaval, de maneira artesanal. Referimo-nos às ações da AMEBRAS para explicarmos de onde, como e porque surgem pessoas interessadas em trabalhar com o artesanato, e mais especificamente, com o artesanato destinado ao carnaval, como no caso de Jurema e daqueles que participam dos cursos da AMEBRAS. 11

Anexo 7.7: Depoimento de Jurema Lemos, em 17/07/2008.


133

Durante a fase preliminar desta pesquisa, questionamo-nos, várias vezes, sobre a real demanda por esse tipo de produção e, consequentemente, sobre a existência de um “mercado carnavalesco” capaz de “sustentar” tantos aprendizes, ao se tornarem “profissionais”. Agora, entendemos que o mercado para produtos artesanais é uma derivação daquele mesmo mercado que atende ao carnaval, mais especificamente, aquele das Escolas de Samba, quando da criação e confecção de seus objetos carnavalescos. Aliás, é curioso notar que há um interesse muito grande por artesanatos e produtos considerados “artes manuais”, e isso não é só um mercado destinado ao turismo, como no caso de “nossos” souvenirs carnavalescos. Vale ressaltar, mais uma vez, que nesta pesquisa as classificações e categorizações sobre os modos de produção não nos interessam, pois percebemos que a segregação entre as diversas formas de produção artesanal é um recurso, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

muitas vezes, usado em função de interesses particulares. Essa ressalva pareceunos oportuna, pois encontramos denominações diferentes para tratar do mesmo termo, como no exemplo que mostramos a seguir. Veremos mais adiante (nota de rodapé no. 100 e Figura 89), em reportagem produzida pelo evento que relatamos agora, o termo “Artes Manuais” sendo sinônimo de “artesanato”. Entre os dias 07 e 11 de abril de 2010, soubemos de uma Feira, a 4a Rio Artes Manuais, que aconteceu no Centro Cultural da Ação da Cidadania, situado à Av. Barão de Tefé, número 55 – Região Portuária do Rio. Essa feira é destinada aos artesãos e amantes das artes manuais e é considerada “o maior evento de capacitação em artesanato do Rio”12.

12

Segundo o editorial publicado na Revista Rio Artes Manuais, distribuída na entrada da Feira.


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A Figura 83 mostra a logomarca do evento, em que relaciona os símbolos do Rio de Janeiro às artes manuais, conforme:

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Figura 83 – Logomarca do 4ª Feira de Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais

Visitamos aquele espaço, no dia 11 de abril, por curiosidade e para saber como era o interesse pelo “artesanato”, numa grande metrópole, como no Rio de Janeiro, já que se tratava da quarta edição do evento. Deparamo-nos com uma grande infinidade de pessoas transitando por lá, em meio a vários stands de fornecedores de matérias-primas destinadas aos trabalhos manuais. São fornecedores, como, por exemplo: tintas para tecidos; telas para pintura; caixas para decupagem; linhas para crochê; guardanapos e produtos para “arte em vidro e porcelana”; palha para cestaria; bijuterias; patchwork, enfim, vários trabalhos que possibilitam a autonomização de quem tiver interesse por qualquer uma dessas atividades. Falamos de autonomização, pois, durante todo o dia, em cada stand, aconteceram cursos rápidos para demonstrar como as tintas, colas, tecidos, guardanapos, etc. funcionam e como ficarão os produtos, caso haja realmente o interesse. Além dos fornecedores, observamos a presença da Caixa Econômica Federal e do SEBRAE, responsáveis por divulgar informações sobre “empreendedorismo” e pequenos financiamentos para o início dos ofícios.


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Abaixo, nas Figuras 84, 85, 86 e 87, registramos várias dessas oficinas rápidas para mostrarmos o grande interesse por essa Feira que, até então, nem

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sabíamos da existência.

Figuras 84, 85, 86 e 87 – Oficinas diversas que aconteceram durante a 4ª Feira Rio Artes Manuais. Fonte: http://www.rioartesmanuais.com.br.


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As imagens acima foram retiradas do site que o evento criou13. Além do site, há uma revista14 e uma rádio15 destinadas ao público que por lá circulava. As primeiras páginas da publicação mostram a abrangência da Feira e a dimensão do interesse pelo artesanato, através da planta de ocupação dos stands, apoiadores e

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patrocinadores, conforme Figura 88, a seguir.

Figura 88 – Planta da 4ª. Feira Rio Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais.

Um dos artigos constante na Revista Rio Artes Manuais explica que a iniciativa da Feira teve o apoio para sua realização da loja Caçula, que comercializa produtos de miudeza em geral ligados ao carnaval, e destina um espaço de suas lojas para o artesanato ou trabalhos manuais. Ou seja, a loja Caçula possibilita que esses “artesãos urbanos”, ao adquirirem seus produtos, possam transformá-los em objetos e produtos rentáveis ou simplesmente como uma forma de ocupação e lazer.

13 14 15

http://www.rioartesmanuais.com.br. Revista Rio Artes Manuais. Rádio Rio Artes Manuais.


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A Figura 89, abaixo, demonstra como os organizadores do evento mostram a relação entre o mercado e as práticas artesanais como possibilidade de transformação de suas vidas, a partir de “um sonho”.

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Figura 89 – Título do artigo publicado na Revista Rio Artes Manuais. Fonte: Revista Rio Artes Manuais.

Em certa medida isso nos interessa, pois a promessa e o sonho de transformar a vida, através dos cursos de capacitação profissional ou ainda do desenvolvimento de uma prática que possibilite ao indivíduo a sua manutenção econômica através de seu trabalho, é o princípio básico que encontramos na promessa de inclusão social, durante nossas visitas às oficinas da AMEBRAS. Por isso, fizemos questão de relatar a importância dessa Feira, como uma ação incentivadora das práticas artesanais.


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Ademais, em nossa visita àquela Feira, encontramos algumas mulheres usando um adereço de cabeça, com expressão carnavalesca, conforme vemos nas Figuras 90 e 91. Ao perguntar onde elas adquiriram esses adereços, elas informaram-nos que uma instrutora ministrou um minicurso, como “convidada do dia”16, sobre adereços carnavalescos, como prática artesanal associada ao

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carnaval.

Figuras 90 e 91 – Adereços confeccionados em oficina - 4ª Rio Artes Manuais. Fonte: Madson Oliveira.

Ficamos surpresos com a informação, pois a instrutora do curso rápido desses adereços carnavalescos foi Jurema Lemos, aquela mesma instrutora que descobrimos em nossas visitas à AMEBRAS.

16

A organização da 4ª Feira Rio Artes Manuais convidou, a cada dia, um instrutor para ministrar um minicurso. Os instrutores eram expoentes de várias tipologias artesanais, inclusive o curso de adereços carnavalescos, como no caso relatado.


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Além da participação de Jurema Lemos na Feira 4ª Rio Artes Manuais, surpreendemo-nos, mais uma vez, ao encontrar um artigo publicado na Revista do evento, explicando sobre a inserção no mercado do artesanato de mais um projeto desenvolvido pela AMEBRAS, conforme Figura 92, abaixo:

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Figura 92 – Artigo referido pelas ações da AMEBRAS. Fonte: Revista Rio Artes Manuais.

No artigo citado acima, a presidente da AMEBRAS, Célia Domingues, explica que aquela ONG uniu-se à Associação dos Artesãos e Produtores Rudimentares do Estado do Rio de Janeiro – AART – para uma ação bem maior do que aquelas já promovidas pela AMEBRAS. Essa união entre as duas associações – AMEBRAS e AART – encarregar-se-á do desenvolvimento de um plano de qualificação de mão de obra do Ministério do Trabalho, o Plano Setorial de Qualificação, conhecido como PlanSeq do Carnaval. Segundo Célia Domingues “é a primeira vez que a qualificação de mão de obra neste segmento é contemplada com verbas do orçamento da União”. De acordo com o artigo sobre o artesanato e o carnaval17, durante o ano de 2010, serão oferecidos cinco mil vagas para os ofícios de adereço, figurino, chapelaria, bordado, costura, serralheria, marcenaria, cenografia, escultura, decoração de alegorias, confecção de instrumentos musicais (para o carnaval) e percussão. Além de essa ação contemplar a cidade do Rio de Janeiro, outros municípios serão contemplados com as oficinas, como: Campos, Teresópolis, Friburgo, Cabo Frio, Macaé, Maricá, Angra dos Reis, Nilópolis, Duque de Caxias,

17

Revista Rio Artes Manuais, p. 10.


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Nova Iguaçu, São Gonçalo, Niterói, Itaperuna, Paracambi, Guapimirim e Belford Roxo. É, no mínimo, interessante notar que essas ações promovem o interesse por práticas artesanais, bem como a oportunidade dessas atividades gerarem a manutenção econômica de um mercado, que parece em expansão, e daqueles que “sonham” em transformar suas vidas através de suas práticas. Durante a Feira, recebemos filipetas que divulgavam outros eventos em

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segmentos relacionados às Artes Manuais, como nas Figuras 93 e 94, abaixo:

Figuras 93 e 94 – Filipetas de eventos sobre artesanato. Fonte: Madson Oliveira.

Enquanto a primeira filipeta (Figura 93) se relaciona a um evento claramente pensado em função das compras de final de ano e Natal, o segundo impresso (Figura 94) divulga uma exposição, feira de produtos e palestras sobre retalhos de tecidos, em técnicas que são conhecidas como Patchwork. No entanto, essa segunda filipeta mostra o título do evento - “Rio Patchwork Design” associando esse acontecimento tanto a prática do patchwork, como à cidade do Rio de Janeiro e informando que há uma preocupação com o Design. Isso, por si


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só, revela alguns aspectos que nos interessam, na medida em que relaciona as práticas artesanais a preocupações com a abrangência do Design, ou pelo menos, tendo a “chancela” do campo do design para “qualificar” tal evento. Não temos certeza se a relação entre o design e o artesanato refere-se aos aspectos que Márcia apontou em sua fala – como uma mistura – ; ou se o design, neste caso, apenas se preocupa com questões estéticas para a exposição dos artesanatos. Por tudo o que escrevemos até aqui, podemos tecer algumas considerações acerca da pesquisa realizada e que, de acordo com CANCLINI (1983), inicia-se

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com o seguinte questionamento: “Perguntas tais como: o que é hoje em dia o artesanato? O que é cultura popular? São inseparáveis de outras: por que continuar a produzi-las? Para quem? [...] Mas os primeiros que devem opinar são os artesãos [...], porque não se trata apenas de uma questão macroeconômica. Nela são postas em jogo formas domésticas e cooperativas da pequena produção, a identidade cultural, um estilo de vida, que ainda não sabemos com clareza em nome de que vantagens exclusivas da grande indústria devem ser extintos. [...], a resposta à indagação do que o artesanato deve ser hoje cabe antes de tudo aos produtores. O que deve ser resolvido em primeiro lugar não é saber se é conveniente preservar as formas tradicionais mesmo que isso os mantenha na miséria, sofisticar os procedimentos e melhorar as suas qualidades para competir com a indústria ou transportar os seus desenhos tradicionais para objetos fabricados com tecnologia recente. A decisão fundamental é permitir uma participação democrática e crítica aos próprios artesãos, criar condições para que estes a exerçam. Uma política cultural que pretenda servir às classes populares deve partir de uma resposta insuspeita a esta pergunta: o que é que se deve defender: o artesanato ou os artesãos?” (p. 141).

Não se trata, aqui especificamente, de “defender” o artesanato ou os artesãos, mas entender como a produção desses objetos comerciais se posiciona no mercado local, tanto de “lembrancinhas”, quanto de presentes, que representam, no nível do discurso, uma cultura ou localidade. Se, por um lado, a rígida postura arrisca cristalizar esse tipo de produção e tende a extinguir sua prática; por outro lado, se preocupar somente com o valor mercantil dos artefatos, faz com que o seu produtor se coloque à mercê das mesmas tensões dos produtos de massa. Entendemos que o tipo de artesanato estudado nesta Tese, parcialmente, se aplica aos estudos sobre a produção artística e contemporânea, pois o tratamento dispensado a ele envolve tanto questões estéticas e socioculturais, quanto comerciais. A finalidade é comercial, no entanto, os artefatos são resultantes de


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um “processo de qualificação e profissionalização”, através das oficinas da AMEBRAS, sempre orientadas pela intermediação da presidente da ONG. Desta forma, os produtos e processos com que nos deparamos nesta pesquisa tem-se tornado resultado de “práticas particulares de configurações” que parecem “atravessar” as práticas artesanais. Assim como identificamos práticas particulares de design (4.1 as dimensões do design) demonstrando o atravessamento do artesanato em direção ao design, localizamos práticas de atuação artesanais cruzando o design em direção ao artesanato. Esses atravessamentos são resultantes de práticas híbridas do design e do artesanato, somente possíveis “entre dois mundos encantados”.

4.3 Entre dois mundos encantados

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Tanto o design quanto o artesanato, que propomo-nos estudar neste trabalho, referem-se a termos muito mais próximos a “verbos transitivos” em “práticas particulares de configurações”, do que à categoria substantiva ou adjetiva da classe gramatical em que os termos se posicionam, já que representam ações. O atravessamento de ambas as práticas, artesanais e de design, promovem uma suspensão no tempo e no espaço de suas produções como dimensões que circundam os souvenirs carnavalescos. Os souvenirs carnavalescos parecem produzidos “entre dois mundos encantados” – num mundo no qual alguns indivíduos transpõem para seus objetos produzidos os valores simbólicos, tanto trazidos de um imaginário sobre o carnaval; quanto imaginados para quem os vai consumir. A quilômetros de distância, geograficamente separados e culturalmente distintos, os produtores e os compradores dos souvenirs carnavalescos ligam-se, através das “promessas” e “sonhos” de mundos igualmente encantados. Mundos onde os valores simbólicos e os valores econômicos se relacionam como moedas de trocas. Mesmo que se possam negar, o valor cultural é, nesse caso, consagrado pela economia, estando nela profundamente entranhado. Em algum lugar entre esses dois mundos encantados desenvolve-se um vivo comércio de objetos oriundos do carnaval carioca – das Escolas de Samba –


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desde as oficinas de qualificação profissional até os pontos de consumo, em lugares de visitação turística. Se quiséssemos confrontar diretamente as duas dimensões, do design e do artesanato, os produtores dos souvenirs carnavalescos poderiam desvelar suas verdades que iriam colocar aqueles habitantes em um dos dois domínios encantados. Em vez disso, entendemos que é através de um complexo processo de troca cultural e econômica que o mercado dos souvenirs carnavalescos revela, ao mesmo tempo, os elos e conexões que fazem do mundo um sistema. Em todos os níveis do comércio, os indivíduos estão ligados uns aos outros por seu interesse na mercantilização e circulação de objetos na economia (inter)nacional. No entanto, ironicamente, o mesmo objeto que os une não tem o mesmo valor ou significação para todos os participantes no comércio. Um apontamento importante para o nosso trabalho se depara com a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

promessa de “inclusão social” presente no discurso desta ONG, revelado nos depoimentos colhidos. No entanto, confrontamos essas falas com outros estudos semelhantes a esse e identificamos nas ações da AMEBRAS o conceito de “agenciamento cultural”, sempre se colocando como “ponte” para facilitar o transporte e deslocamento dos souvenirs produzidos pela ONG e promovendo mobilidade social, com relação à situação socioeconômica e cultural dos produtores. Guardando as devidas proporções entre a nossa pesquisa e o trabalho desenvolvido a partir do estudo da arte africana, a citação de STEINER (1994, pp. 154-155), a seguir, explica melhor o termo “agenciamento cultural”, bem como aponta para possíveis categorizações do termo, dependendo da situação em que a mediação é realizada, como: “O conceito de „agenciamento cultural‟ penetrou no discurso antropológico em algum momento no final dos anos 1950. O termo tem sido aplicado principalmente ao domínio da política, onde os agentes (no sentido de corretores de bolsa) culturais são descritos como atravessadores que fazem uma ponte sobre a distância sócio-cultural nas relações patrãocliente. A partir do trabalho de Fredrick Barth, Robert Paine (1971) descreve o agente cultural como um atravessador capaz de atrair seguidores que o acreditam capaz de influenciar a pessoa que controla a autoridade política (o patrão ou, do espanhol, patrón). Paine extrai um contraste útil entre um agente e um intermediário. O intermediário, diz ele, é alguém que fielmente transmite instruções ou mensagens entre as partes. O agente é alguém que manipula, media ou „processa‟ a


144 informação que está sendo transmitida entre os dois grupos (1971: 6). O intermediário é assim entendido como uma ligação ou uma conexão direta num sistema de comunicações em rede. O agente é aquele que interpreta, modifica ou comenta o conhecimento que está sendo comunicado. „Quando fornece valores que não são os seus‟, escreve Paine, „[o agente cultural] também faz propositadamente mudanças de ênfase e/ou conteúdo‟ (1971: 21). Desse modo, em vez de simplesmente facilitar o relacionamento entre dois grupos diferentes separados por uma distância social, econômica ou política, o agente na verdade constitui, molda e redefine a própria natureza daquela relação. Na literatura sobre o agenciamento cultural, os agentes que mediam entre dois grupos sociais diferentes são descritos como sendo „biculturais‟ em seu conhecimento das duas culturas, em sua habilidade em se comunicar com ambas as culturas, em seu estilo de vida e aparência física, e em sua capacidade de valorar certos elementos de cada cultura (Briggs, 1971: 61-2; Nash, 1977: 40-1)”.

A mediação que a AMEBRAS promove parece se mover entre os termos apresentados anteriormente – “agente” e “intermediário” – na medida em que a ONG promove a qualificação e profissionalização e, nesse sentido, “transmite PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

informações” técnicas na feitura dos produtos. Por outro lado, o agenciamento se faz presente quando a AMEBRAS “interpreta, modifica ou comenta” sobre a criação das peças produzidas. Dessa maneira, a ONG AMEBRAS promove a mudança de “ênfase e/ou conteúdo”, na maioria das vezes, para facilitar a sua comercialização. Assim sendo, entendemos que o agenciamento promovido pela AMEBRAS coloca os seus produtos e produtores em situação de subserviência com o mercado, dando maior importância ao valor comercial de seus souvenirs, o que acaba por “mercantilizar” suas identidades culturais.


5. Conclusão

Na precipitada corrida para agradar aos turistas e aos inventores de moda, o artesão se vê em perigo de ceder o controle de seu produto. Onde isto ocorreu, a arte não é mais dele, mas nossa1.

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Esta pesquisa empenhou-se em estudar os objetos carnavalescos produzidos tanto para a Festa, no âmbito das Escolas de Samba, quanto para o Mercado que atende, principalmente, o turismo, por meio dos souvenirs carnavalescos. A revisão dos modos de produção dos objetos carnavalescos, entendidos como fantasias, adereços e alegorias, para as Escolas de Samba se fez extremamente necessária por revelar alguns caminhos, técnicas, processos, profissionais e espaços desenvolvidos, ao longo do tempo, no universo do carnaval. Ao término desta pesquisa, podemos entender como se “importou” da feitura dos objetos carnavalescos desenvolvidos para os desfiles das Escolas de Samba, os modos, as técnicas, os processos e alguns profissionais para a produção dos artesanatos carnavalescos, mais especificamente aqueles reconhecidos por nós como souvenirs carnavalescos. Os dois espaços que delimitamos para abordar o nosso objeto de pesquisa, a Festa e o Mercado, parecem se relacionar entre si (e se constituem complementares), na medida em que a Festa é sazonal e o Mercado utiliza as habilidades de seus profissionais o ano todo. No entanto, o Mercado se mostra oportuno para constituir “novas formas de tratar o carnaval”, mesmo em épocas “não carnavalescas”. Segundo CANCLINI (1983, p. 129) “[...] a festa não é a 1

GRABURN (1976, p. 32).


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liberação desregrada dos instintos que tantos antropólogos e fenomenólogos imaginaram, mas um lugar e um tempo delimitados no qual os ricos devem financiar o prazer de todos e o prazer de todos é moderado pelo „interesse social‟”. Como foi observada em nossa pesquisa de Mestrado2, a produção dos artesanatos carnavalescos revela muito sobre quem os realiza, onde são feitos, permitindo a sobrevivência de parte da sociedade brasileira, como fenômeno de identidade cultural. Além disso, parece-nos que a produção destes souvenirs carnavalescos supre “uma necessidade” de quem os adquire ao levarem consigo um pouco da Festa, ou, num âmbito maior, parte desta identidade cultural, uma lembrança de sua visita à cidade que representa toda uma nação, conhecida internacionalmente por seu carnaval. No entanto, diferentemente daquele estudo desenvolvido no Mestrado, em que foram feitas visitas às comunidades rurais que produzem tradicionalmente os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

seus artesanatos, podemos observar que esta produção, mesmo possuindo caráter de identidade cultural, foi induzida e incentivada por ações promovidas pela ONG AMEBRAS, que serviu para ilustrar nosso objeto de pesquisa. A posição direcionadora da ONG AMEBRAS, na configuração dos artesanatos produzidos pelas oficinas de qualificação, remete ao termo “hibridação cultural” pertencente ao conceito de “Culturas Híbridas” apresentadas por CANCLINI (1998) e de “hibridização cultural” defendido por BURKE (2003). Estes autores, dentre outros, se interessam pelo tema a partir da hibridação intercultural, os processos simbólicos, a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais e a expansão dos gêneros impuros. CANCLINI (1998, p. 285) afirma que: “sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a hibridação cultural”. No entanto, no caso dos artesanatos produzidos para comercialização das lojas da AMEBRAS, percebemos apenas uma vontade em respeitar a cultura local, mas o olhar voltado para o turismo e nas trocas mercantis provoca um processo de “hibridização” 3, pois a cultura do “fazer carnavalesco” tem a sua própria dinâmica e as oficinas da AMEBRAS aceleram esta dinâmica, propondo formas alternativas de produção 2

OLIVEIRA (2006a). No caso da pesquisa de Mestrado, o foco da pesquisa era o artesanato (nos bordados) de uma região do interior do nordeste brasileiro, que representava parte daquela localidade e identificava o modo da inserção dos artesãos em uma atividade cultural, mas com intuito comercial, como aqui também identificada. 3 CANCLINI e BURKE referem-se ao mesmo conceito, apesar de grafarem o termo de maneiras diferentes: CANCLINI usa “hibridação”, enquanto BURKE prefere “hibridização”.


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dos objetos destinados à festa carnavalesca. Nos tempos e espaços das oficinas de qualificação e profissionalização para o trabalho artesanal com temática carnavalesca, ao lançarem o catálogo de produtos, e sua consequente expansão na produção dos souvenirs carnavalescos, promovido pela AMEBRAS, desenharamse, basicamente, contínuas intervenções em seus produtos. Tem-se alterado, além do processo, os elementos dos objetos carnavalescos. A atuação de consultorias de design (no caso do catálogo), a capacitação e o treinamento das artesãs são feitos com o direcionamento de mercado (a partir do olhar exclusivamente comercial) e só este fato, por si só, já configuraria o processo definido como “Hibridismo cultural” por CANCLINI (1998) e BURKE (2003), conforme explicado anteriormente. O conceito de “Hibridismo cultural” pode arrastar consigo outro termo apontado por CANCLINI (1998) como “Poderes oblíquos” ao relatar sobre a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

“reorganização cultural do poder”. Trata-se de analisar “quais são as consequências políticas de uma concepção vertical e bipolar para outra descentralizada, multideterminada, das relações sociopolíticas” (p. 217). Devido ao posicionamento de poder exercido pela ONG AMEBRAS, ao direcionar a feitura dos souvenirs carnavalescos, essa bipolaridade é facilmente exercida e visualizada. No entanto, acontecem exemplos de uma escamoteação no poder exercido, na medida em que os artesãos fogem da posição subordinada quando passam de artesãos vinculados a ONG a artesãos autônomos, criando, assim, outras tensões que CANCLINI (1998) e nossa pesquisa entendem como “Poderes oblíquos”. As ações da AMEBRAS podem ser entendidas como uma intermediação do processo de produção dos souvenirs carnavalescos e BOURDIEU (2009, p. 126) aponta para as instâncias incumbidas de difundir, conservar e consagrar um tipo determinado de bens culturais e, ao mesmo tempo, de produzir incessantemente novos produtores e novos consumidores dotados de uma disposição duradoura para que possam apropriar-se simbolicamente destes bens. De acordo com o exemplo apresentado pela artesã Jurema Lemos, no caso das miniaturas de bonecas baianas, a cor da pele de suas criações atende à oferta dos seus fornecedores e não, exclusivamente, ao gosto dos turistas. Por isso, a interpretação sobre a configuração formal de alguns souvenirs é, muitas vezes, imaginada pela expectativa de quem os procura consumir e, nem sempre, é do


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conhecimento de quem os produz e vice-versa. Ou seja, há um hiato entre os consumidores e produtores ocasionado, em parte, pelo distanciamento promovido pela AMEBRAS, quando se responsabiliza pela comercialização dos souvenirs. As questões formais e utilitárias dos souvenirs produzidos pelos artesãos da AMEBRAS parecem ser de menor importância, por conta da estética, do valor simbólico e comercial desses artefatos, na visão da maioria dos depoimentos colhidos, como no caso de Márcia Batista. No entanto, a mesma produtora se posiciona de maneira ambígua quando pretende definir sua área de atuação, no grande vácuo que parece existir entre o trabalho artesanal e o industrial. O depoimento de Márcia Batista parece se relacionar com os escritos de MILLS (2009, pp. 76-7), sabendo que o processo de criação dos artesãos engloba os artefatos de maneira geral, permitindo a eles a compreensão de todas as fases da feitura de seu trabalho. É importante ressaltar que o artesanato tratado por PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

MILLS (2009, p. 13) deve ser visto como um “tipo ideal” e “algo que não é encontrado em forma „pura‟ na realidade social, mas que, construído pelo pesquisador a partir do exagero de algumas propriedades de determinado fenômeno, nos ajuda a compreendê-lo”. A partir do depoimento da instrutora das oficinas da AMEBRAS e artesã Jurema Lemos, confirmamos a impressão que tínhamos sobre algumas questões identitárias, no sentido de levar para o seu trabalho reflexões sobre o seu cotidiano e cultura, somente em parte, privilegiando mais as questões estéticas e comerciais do que a representação simbólica de sua própria trajetória. Encontramos o exemplo mais patente disso, na escolha das bonecas em miniatura que a artesã cria e no fato da cor da pele delas dependerem, quase que exclusivamente, da disponibilidade do mercado fornecedor e não somente se relacionando com a cor de sua própria pele, negra. Dessa maneira, encontramos situação divergente em nossa pesquisa do trabalho de GRABURN (1976), pois enquanto ele identificou que a cor da pele dos objetos produzidos deveria “combinar” com a cor da pele de seus produtores, encontramos outra explicação para o fato disso não se repetir sempre, conforme já demonstramos ao longo deste trabalho. Essa constatação nos leva para outro ponto a ser destacado nesta pesquisa: os artesanatos, souvenirs e outras produções deste tipo, atualmente, parecem se


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encontrar “em aberto” ou em “transição”4, principalmente, pelo deslocamento sobre o foco inter-relacional entre o objeto e o seu produtor. Não podemos perder de vista que, mesmo as produções artesanais que comunicam sobre a cultura e a localidade, no momento em que se colocam à venda em mercados abrangentes, eles e seus produtores se constroem para autoalimentarem sua identificação, já apontados em outros estudos5 A ONG AMEBRAS, na intenção de aumentar a abrangência de seus projetos, acaba por promover intervenções nos seus objetos e souvenirs criados, funcionando, como bem identificado por STEINER (1994, p. 155), como “agente cultural” e intermediando a sua produção6, pois a ONG se coloca entre os produtores e o mercado. A exemplo dos estudos promovidos por STEINER (1994) sobre a produção artística no continente africano, nossa pesquisa concorda com algumas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

de suas conclusões, principalmente quando nos deparamos com a intermediação realizada pela ONG AMEBRAS. Para que as duas forças que atuam na comercialização dos seus souvenirs (“suprimento e demanda”) possam efetivamente ser controladas, o seu discurso com ênfase na “inclusão social” precisa ser trabalhado para “criar demanda”, seja em feiras externas, encomendas de terceiros ou em eventos. O direcionamento do discurso sobre a “inclusão social”, identificado em nossa pesquisa, tem como principal público, de um lado, a população sem qualificação técnica e emprego formal e, de outro lado, o turismo que, principalmente, alimenta a comercialização dos artefatos. Para que os turistas possam conhecer as ações e os souvenirs produzidos pela AMEBRAS, é fundamental o trabalho de difusão sobre essas ações nas agências de turismo e hotéis, de acordo com o depoimento de uma funcionária da loja do Sambódromo, Shirley Melo7. Outra funcionária da loja da AMEBRAS, Adriana, informa que os guias turísticos são estimulados a levarem os turistas na loja do Sambódromo, por meio de uma comissão de 10%, em todas as vendas dos produtos feitos nestas visitas. Para não haver constrangimento por conta do 4

GRABURN (1976, p. 16). STEINER (1994, pp. 135-136). 6 Com pequenas diferenças, os autores a seguir tratam a produção dos objetos por meio de uma tríade indissociável, conforme: BOURDIEU (produção/circulação/recepção), WOLFF (produção, distribuição e recepção) e CANCLINI (produção/distribuição/consumo). 7 Anexo 7.8: Depoimento de Shirley Melo, em 21/07/2008. 5


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recebimento dessas comissões, os guias não recebem na hora o bônus, mas procuram receber em outro momento, conforme depoimento8. CANCLINI (1983, p. 131) alerta que os efeitos do turismo geram forças nem sempre positivas, mas compreensíveis pelo seu resultado, na medida em que os subempregos servem para amenizar a subsistência financeira. A analogia desta pesquisa com o trabalho referente à arte africana, desenvolvido por STEINER (1994) torna-se cada vez mais aproximada, pois, se mudarmos os termos de “arte africana” para “artesanato carnavalesco” e de “África” para “Carnaval”, conseguimos fazer uma aplicação direta das pesquisas, conforme as seguintes citações:

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“O trabalho de arte africana torna-se assim socialmente reprimido por uma cumplicidade dos consumidores que destrói em seu imaginário do objeto de arte africana todos os traços da produção, e, misterioso brilho do culto mercantil” (pp. 163-164).

e “Através de um complexo processo de troca cultural e econômica, o mercado de arte africana revela, ao mesmo tempo em que constitui os elos e conexões que fazem do mundo um sistema. Em vez de ver o processo de mercantilização como uma força impessoal que chega como um navio a todo o pano ao porto, o estudo do comércio da arte africana nos desafia a encarar a penetração do capitalismo na África como uma série de elos pessoais, forjados um de cada vez por diferentes indivíduos, cada um com seus motivos, ambições e conjunto de objetivos próprios. Em todos os níveis do comércio, os indivíduos estão ligados uns aos outros por seu interesse na mercantilização e circulação de um objeto na economia internacional. Mas, ironicamente, o mesmo objeto que os une não tem o mesmo valor ou significado para todos os participantes no comércio” (p.164).

Outro estudo que utilizamos como fonte de pesquisa, sobre “artes turísticas”, GRABURN (1976, p. 31) sintetiza em três principais pontos o produto de entrecruzamento cultural comparável à nossa pesquisa, conforme: “O ímpeto para as inovações pode vir de dentro ou de fora do Quarto Mundo – como resultado da excitação artística, da revitalização étnica, ou simplesmente como uma resposta econômica aos desejos percebidos do consumidor. Eles, freqüentemente, emergem de relações próximas de cruzamento cultural entre pessoas da área empresarial, marginais, ou 8

Anexo 7.11: Depoimento de funcionários e visitantes, na loja do Sambódromo, em 15/10/2009.


151 biculturais de ambos os grupos. Estas são facilitadas em novas situações sociais, trazendo novas oportunidades técnicas em sua esteira. [...] as origens culturais exatas destas artes estão amiúde envoltas em mistério, uma indicação de que (a) as pessoas nem sempre estão conscientes disto quando estão fazendo uma ruptura, (b) se obtiver sucesso, muitas pessoas podem invejosamente alegar serem as originadoras e oferecer histórias conflitantes de sua invenção, e (c) se a inovação fracassar, ninguém realmente vai querer lembrar”.

O caráter artístico não é sentido, de forma homogênea, pelos artesãos nem é um valor reconhecido por visitantes de outras regiões que não as suas. Pelo fato de ser comum na região onde são produzidos não interessa à maioria dos habitantes da localidade, mas o artesanato é tido como um souvenir e levado como testemunha de uma viagem a um local “exótico”, por turistas ou visitantes. Como exposto anteriormente quanto ao motivo do interesse pelo desenvolvimento deste trabalho, salientamos algumas semelhanças entre esta PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

pesquisa e a anterior, desenvolvida durante o Mestrado em Design. No caso desta pesquisa que agora finalizamos, a ONG AMEBRAS funciona intervindo na produção dos artesanatos carnavalescos, como a autenticação para uma “assinatura coletiva” que marca a diferença, principalmente, frente aos outros tipos de souvenirs produzidos em outras localidades. De acordo com algumas pesquisas citadas ao longo deste trabalho (GRABURN, 2009 e 1976; STEINER, 1994; CANCLINI, 1998 e 1983, principalmente), constatamos que a atividade artesanal no carnaval, atualmente, está ligada ao segmento ainda recente do turismo, e que ações como as promovidas pela AMEBRAS, contribuem para o interesse em trabalhar com o “fazer carnavalesco”, além de “divulgar” o local onde os souvenirs são feitos. No contexto do Design há uma tensão permanente sobre as funções dos artefatos, em suas diferentes instâncias que, no processo de utilização, podem relacionar um usuário (indivíduo ou extensivo à sociedade) a um objeto de uso. Na maioria das sociedades capitalistas, há um descompasso entre o valor de uso que algo pode proporcionar e o seu respectivo valor de troca. Há posições conflitantes e convergentes quanto à aceitação de objetos artesanais de acordo com a sociedade na qual eles são oferecidos. Com a crescente produção industrial, os objetos que apresentam características manuais surgem como uma alternativa possível de sobrevivência e, ainda, de prazer e orgulho de quem os produz.


152

Atualmente, as sociedades urbanas têm incorporado, em seus objetos de uso, produtos concebidos numa espécie de “hibridismo” entre a indústria e a produção artesanal. Esses mundos totalmente diversos se tangenciam em ocasiões em que o Design Social promove a interação entre o designer e o grupo social a que está inserido. No entanto, para que o designer possa trabalhar junto a grupos sociais diversos do seu, é preciso que ele esteja preparado para entender a dinâmica das suas relações sociais e isso acontece na medida em que há um compromisso social por parte do profissional9. Produzindo souvenirs para o carnaval, estes “novos artesãos” realizam a produção de objetos importados da festa carnavalesca e que apontam para uma tendência global de produção de objetos com boa qualidade técnica, mas contendo uma certa nostalgia do “feito à mão”, artesanal, ou ainda, menos impessoal que a maioria dos produtos industrializados em massa. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710764/CA

O entendimento de algumas questões, como as aqui apresentadas, pode modificar o modo de visão de designers sobre a festa carnavalesca e os produtos gerados a partir de sua preparação. Ademais, áreas afins como as descritas devem estar mais conscientes e conhecedoras de outras realidades (e necessidades) e não somente àquelas destinadas ao produto industrial.

9

COUTO (1991, p. 18). Nesta dissertação de Mestrado, a autora se utiliza de vários casos que fazem uma abordagem social à prática do design, conceituando o Design Social como uma derivação do campo do design.


6. Referências bibliográficas a)

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16. ______. As culturas populares no capitalismo. Tradução Cláudio Novaes Pinto Coelho. São Paulo: Brasiliense, 1983; 17. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiro de Castro. “Festa e contravenção: os bicheiros no carnaval do Rio de Janeiro”. In: CAVALCANTI, Maria Laura e GONÇALVES, Renata (Org.). Carnaval em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009; 18. ______. O rito e o tempo: ensaios sobre o carnaval. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; 19. ______. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: FUNARTE/UFRJ, 1994; 20. COUTO, Rita Maria de Souza. Movimento interdisciplinar de designers brasileiros em busca de educação avançada. Rio de Janeiro: PUC-Rio / Departamento de Educação (Tese de Doutorado), 1997; 21. ______. O ensino da disciplina de projeto básico sob o enfoque do design social. Rio de Janeiro: PUC-Rio / Departamento de Educação (Dissertação de Mestrado), 1991; 22. COUTO, Rita Maria de Souza, OLIVEIRA, Alfredo Jefferson de (org.). Formas de design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB / PUC-Rio, 1999; 23. DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997; 24. ______. Universo do carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1981;


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39. NETTO, A. P. e TRIGO, L. G. G. Reflexões sobre um novo turismo: política, ciência e sociedade. São Paulo: Aleph, 2003; 40. OLESEN, Jens. Hans Christian Andersen: Carnival 2005 Imperatriz Leopoldinense. S/l: s/e, 2005; 41. OLIVEIRA, Madson Luis Gomes de. Bordado como assinatura: tradição e inovação do artesanato na comunidade de Barateiro – Itapajé/CE. Rio de Janeiro: PUC–Rio / Departamento de Artes & Design (Dissertação de Mestrado), 2006a; 42. ______. O(s) tempo(s) da criação, no carnaval carioca: transgressão ou impertinência?. Rio de Janeiro: PUC-Rio (V Simpósio LaRS), 2006b;

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43. ______. “O carnaval de Rosa e os Bufões de Samuel”. In: TERRA, Carlos Gonçalves (Org.). Arquivo da Escola de Belas Artes. Rio de janeiro: EBA/UFRJ, 2006c; 44. ______. Relatório de estágio supervisionado. Rio de Janeiro: GRES Estação Primeira de Mangueira / Fortaleza: UFC, 2001; 45. PORTINARI, Denise B. “A noção de imaginário e o campo do design”. In: COUTO, Rita Maria de Souza, OLIVEIRA, Alfredo Jefferson de (org.). Formas de design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB / PUC-Rio, 1999; 46. PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Alegorias: esculturas de uma ópera popular. Rio de Janeiro: Agência O Globo, 2008; 47. RICHTER, Linda K. “Explorando o papel político do gênero na pesquisa do turismo. In: THEOBALD, William F. Turismo global. Tradução Ana Maria Capovilla, Maria Cristina Guimarães Cupertino, João Ricardo Barros Penteado. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002; 48. SANTOS, Nilton Silva dos. “Estilo autoral e individualidade artística: os carnavalescos no carnaval. In: CAVALCANTI, Maria Laura e GONÇALVES, Renata (Org.). Carnaval em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009; 49. SENNETT, Richard. O artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2009; 50. SOMMERMAN, Américo. Inter ou transdisciplinaridade?: da fragmentação disciplinar ao novo diálogo entre os saberes. São Paulo: Paullus, 2006;


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b)

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Periódicos e outros

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1. Catálogo de produtos “Carnaval e Cidadania” – “Armazém do Samba”; 2. MENDONÇA, Alba Valéria. “Passarela do Samba, um divisor de águas do carnaval. A partir do Sambódromo, as escolas de samba mudaram a forma de se apresentar ao público”. Caderno RIO. 01/02/2004, p. 21; 3. REVISTA DE CARNAVAL MANGUEIRA 2006. S/n, fev. 2006; 4. Revista Rio Artes Manuais. Ano 1. No. 1 – Abril de 2010.


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7. Anexos 7.1 Depoimento de Vera Lúcia Fernandes da Rosa, na Cidade do Samba, em 17/04/2008

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Contato: 9483-6589, 9473-8242 e verafrosa@yahoo.com.br

Vera Lúcia é coordenadora dos cursos realizados pela AMEBRAS. Ela é formada em Turismo e após concluir o curso de graduação, sem emprego fixo, soube da inauguração da Cidade do Samba. Percebeu uma boa oportunidade em aliar o turismo ao carnaval, através da Cidade do Samba. Através de um amigo ligado à LIESA, José Carlos Rego– jornalista já falecido -, conheceu Célia Domingues, após “vários encontros e desencontros”, conforme seu relato. Célia está à frente da ONG desde 1998 e conseguiu obter o espaço físico, na Cidade do Samba, para a realização de cursos de qualificação e profissionalização a pessoas de baixa renda. Vera iniciou a implantação dos cursos do projeto social, na Cidade do Samba, no barracão de número 1. No início, as instalações eram precárias, pois os equipamentos (pistolas, tesouras, máquinas de costura) eram escassos e não havia bancos para todos os alunos. O espaço destinado às oficinas de qualificação e profissionalização era improvisado e dividido com grandes banners. Aos poucos, a situação passou a mudar, pois a AMEBRAS começou a receber parceiros e verba pública destinada ao incremento do projeto. Atualmente, a AMEBRAS ocupa dois andares do barracão 1 da Cidade do Samba. A infra-estrutura ganhou recursos substanciais, como salão de cabeleireiro, sala de computação, auditório, salas com mesas, bancos e máquinas de costura para os cursos, escritórios para administração, além de almoxarifado. Vera Lúcia ficou encarregada da coordenação dos cursos realizados pela AMEBRAS, na Cidade do Samba, contatando instrutores e futuros alunos para os novos cursos, além de controlar as presenças dos alunos e instrutores, realizar o pagamento dos instrutores, controlar o estoque de material, supervisionar da confecção dos produtos feitos nos cursos e enviá-los para comercialização nas lojas. Ao final de cada curso é gerado um relatório encaminhado para a administração, na pessoa de Ivana, para que sejam confeccionados os certificados entregues aos alunos que concluíram os cursos. Após este processo, os alunos são cadastrados em um banco de dados que se presta fazer a ligação entre o mercado (Escolas de Samba, por exemplo) e os alunos. As Escolas de Samba são as mais interessadas na mão-de-obra qualificada dos alunos que saem da AMEBRAS. A principal demanda é por alunos dos cursos de chapelaria, adereços, costura, escultura em espuma e isopor e pastelação. Outra forma de inserção destes alunos no mercado é através da produção de seus produtos para a venda autônoma. Cursos ofertados no semestre 2008.1: DIAS CURSO 2ª. Feira Arte em espuma 3ª. Feira Adereços Cartonagem

HORÁRIO 13 às 17 h 13 às 17 h 09 às 16 h

INSTRUTOR Ronaldo Pitigliani Sandro Raimundo Márcia de O. F. Batista


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4ª. Feira 5ª. Feira 6ª. Feira

Arte em espuma Modelagem e costura Adereços Chapelaria Chapelaria Modelagem e costura

13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h 13 às 17 h

Ronaldo Pitigliani Maria das Graças Regis Sandro Raimundo Rômulo Fernandes Rosa Rômulo Fernandes Rosa Maria das Graças Regis

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Os projetos sociais que Vera tem participado, promovidos pela AMEBRAS, são três: 1) Carnaval e Cidadania; 2) Armazém do Samba; 3) Unidos pela Cidadania.


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7.2 Depoimento de Sandro Raimundo, na Cidade do Samba, em 29/04/2008

Sandro Raimundo, atualmente, é instrutor de cursos, de qualificação e profissionalização para o carnaval, promovidos pela AMEBRAS. Ele produz artesanato de temática carnavalesca, vendido em Belforoxo e nas lojas da AMEBRAS. Ele relata: “Sou carioca de nascimento, mas moro em Belforoxo e me considero carioca”. Ele nasceu em 21 de junho de 1969. Desde 1985, aproximadamente, é envolvido com o carnaval, pois “fazia blocos em Caxias”. Em 1994 passou a realizar adereços carnavalescos para a Escola de Samba Santa Cruz e tornou-se chefe de adereços, até 1996. Após deixar a Escola de Samba Santa Cruz tornou-se carnavalesco do Bloco Unidos da Fronteira, de Caxias. Conseguiu levar este bloco até a Av. Rio Branco, para competir com blocos de outros municípios e bairros do Rio de Janeiro. Em 2006, com a inauguração da Cidade do Samba, soube dos cursos de qualificação e profissionalização promovidos pela AMEBRAS e tornou-se monitor do instrutor Soca. Obteve relativo destaque nos cursos e foi convidado a ministrar aulas para o Projeto “Carnaval e Cidadania”. Sandro costuma ministrar aulas para os cursos de “Adereços”, “Chapelaria” e “Forração de carros alegóricos”. Durante o período de depoimentos (1º. Semestre de 2008), Sandro comanda uma turma de 17 alunos. Esta turma foi formada através de alunos remanescente de um projeto desenvolvido pelo GRES Salgueiro e de novos alunos que se inscreveram na Cidade do Samba. Os alunos são pessoas de diversas origens e objetivos. Alguns alunos já tiveram experiências anteriores com o carnaval, realizando algum tipo de trabalho na decoração de carnaval para escolas de samba. Outros alunos são completamente inexperientes, mas por motivos ainda não examinados detalhadamente optaram pelos cursos. Estes últimos são pessoas aposentadas ou com tempo livre e usam os cursos como “passa-tempo” ou “lazer”, mas ainda é cedo para tecer conclusões. O curso de adereços oferecido a esta turma possui algumas etapas, descritas por Sandro, que contam com: “reciclagem de materiais”, “book de materiais”, “confecção de capuchão (broches) de unhas e bordado”, “máscaras de cartão e EVA”, “cocar indígena”, “tiaras”, “bottons” e “boneca em miniatura (baiana e passista)”. “Todo o material para a confecção dos adereços é fornecido pela AMEBRAS, além da estrutura física, equipamentos (pistolas de cola quente, tesouras, cartão, tecidos, etc.)”, relata o instrutor do curso. “Os alunos não pagam nenhum centavo”, completa Sandro. A cada aula, os alunos realizam adereços (ou parte deles) e quando prontos são destinados ao almoxarifado da AMEBRAS. Estes adereços destinam-se aos eventos promovidos pela ONG, em festas, feiras ou exposições. Desta maneira, os materiais utilizados nas peças retornam à entidade com novo formato, outro objeto.


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Ao final do curso, os alunos recebem certificados e passam a fazer parte de um banco de dados com indicação de trabalho para escola de samba ou evento promovido pela AMEBRAS. Além disso, os alunos que se destacam nos cursos e têm boa produção de artefatos com temática carnavalesca podem deixar seus objetos em um ponto de vendas da AMEBRAS para serem comercializados, garantindo assim a venda.


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7.3 Alunos do curso de Adereços, na Cidade do Samba, em 09/05/2008

Daclê Aguiar Silva

Higienópolis

07/04/1939

Neuza Yan de Q. Mantuano Del Castilho

07/09/1943

Lílian Maria Teixeira

Silva Santo Cristo

12/01/1975

de Del Castilho

27/11/1939

S. Vila da Penha

22/02/1963

Adalgisa Araújo

da

Louzada

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Luiz Fernando Lourenço

de

Dandara da Costa Machado

Abolição

30/08/1937

César Martins da Silva

Bangu

16/07/1960

Katia Louzada da Rocha

Del Castilho

24/11/1953

Cristiane da Silva

Engenho de Dentro

11/11/1978

Sueli Maia Esposito

Encantado

13/11/1952

Santos Engenho de Dentro

10/06/1945

Nelma dos Cantizano

Anna Paula Leal da Silva

Inhaúma

26/03/1986

Aracildes Neves de Melo

Piedade

06/07/1946

Alexandre Dutra Diogo

Tijuca

28/02/1975

Bruno Assunção Falcão

Barros Filho

19/08/1984


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7.4 Depoimento de Márcia Batista, em 31/05/2008, no Cassino Atlântico

Meu nome é Márcia, eu tenho 34 anos, sou casada, tenho dois filhos e moro em São Gonçalo. Madson – Como foi que você começou a trabalhar com artesanato? Márcia - Olha, trabalhar, foi quando eu sai do trabalho formal, né? Eu era analista de crédito em uma financeira... A financeira na época estava enfrentando problemas por causa de queda na bolsa de valores e tal, e tava mandando o pessoal embora e, dentre eles, eu fui demitida. E ai, quando eu saí, sem... estava com duas crianças pequenas... então eu falei assim agora vou dar uma parada, por que... Madson – Você tem dois filhos? Márcia - Tenho dois filhos... tenho um casal. Madson – Qual a idade deles hoje? Márcia - Amanhã a menina faz 16 e o menino tem 14. E na época eles eram pequenos eu falei agora acho que ta na hora de eu me dedicar um pouquinho a eles, né? Só que eu nunca me acostumei com essa coisa de casa, só cuidar de filhos, casa... Eu sempre gostei de trabalhar, de estar na ativa. Então, foi quando eu comecei a ir atrás de cursos... porque eu sempre me identifiquei muito com o artesanato... Essa coisa de identificação com artesanato, ela veio quando eu ainda era criança... vamos dizer assim. Eu ia sempre passar as férias na casa de minha vó, né? E minhas primas moravam com minha vó... Minhas primas sempre gostaram muito de bordar, fazer crochê, de trabalhos manuais, assim... Eu ficava olhando elas fazendo... Madson – Sua avó morava onde? Márcia - Em São Gonçalo mesmo, só que em outro bairro, né. E eu gostava de vêlas fazer e elas nem me ofereciam assim: “quer aprender?”. Acho que elas pensavam: “Ela ainda é muito novinha ainda, não vai conseguir fazer”. E aí, quando eu ia pra casa, eu ficava: “Tenho que conseguir fazer o que minhas primas fazem”. Aí, eu pegava barbante de pão, quando minha mãe comprava pão, e ficava fazendo a Correntina do barbante, com palito de fósforo. Fazia e desmanchava, fazia e desmanchava... Madson - Imitando a agulha de crochê? Márcia - Imitando a agulha do crochê... e imitando mesmo a Correntina com a linha de crochê. Eu ia fazendo isso muitas vezes, até este barbante puir, ficar podre. Aí, foi quando eu falei assim: “Eu vou comprar uma linha de crochê pra mim, vou comprar uma agulha pra mim... porque o meu início assim com o artesanato foi mesmo no crochê. Eu sempre gostei muito de crochê. Ai juntou dinheiro assim, de merendinha, do colégio... Isso com nove ou 10 anos. Ai juntei dinheiro assim, de merendinha e consegui comprar... Cheguei na loja e disse: “Moço, eu quero uma linha e uma agulha pra crochê”. Ai ele: “Mas, qual a linha você quer?” “Moço, linha pra crochê”. Eu não tinha nem noção de fina, grossa... Aí, ele vendeu o novelinho, né? Mesmo assim, própria pra iniciante e agulha ... Agulha essa que tenho até hoje e guardo assim a 7 chaves, como uma relíquia, porque foi assim mesmo o início do artesanato pra mim. Madson – Porque? Qual a sensação que tu tinhas? Era de criação, era porque você podia criar coisas... Ou era pelo gosto da textura? O que era?


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Márcia - Eu não sei explicar bem o que era... O que eu sei, é que eu gostava muito de fazer aquilo. Eu viajava quando eu estava fazendo aquilo. Como até hoje, o artesanato pra mim, é assim, apesar de que hoje ele ser a minha profissão, o meu ganha-pão, eu gosto muito. Sabe? O momento em que estou trabalhando, eu viajo. Eu não consigo mais ter lazer, eu acho que é por causa disso. O meu lazer é também no meu trabalho. Eu curto quando as pessoas admiram, quando as pessoas acham bonito, dizem “que bom acabamento!”. Então, nessa época, as coisas começaram assim. E aí, cresci, terminei o primário, né? O ginásio, o segundo grau e não tinha muito tempo, né? Porque, casei nova, eu casei com meu primeiro namorado, meu marido... Nós nos conhecemos, eu ainda era muito novinha... Então, eu comecei a trabalhar muito nova, exatamente por isso, por estar namorando, planos de casar mesmo sendo novos. Então, eu falei: “Eu quero trabalhar também, mudei horário de estudo e casei com 18 anos. Nessa época, eu tinha dado uma parada... NESTE MOMENTO, O DEPOIMENTO É SUSPENSO PARA MÁRCIA REALIZAR UMA VENDA. Madson – Você estava falando que com 18 anos casou... Márcia - Isso, então, quer dizer, eu não estava fazendo nada de artesanato. Então, foi nessa época que retomei, quando sai da financeira, e ai eu me vi assim... primeiro, que foi muito doloroso pra mim, porque eu achei que não seria mandada embora... eu me lembro que quando fui demitida, eu chorei muito, muito, muito... chorei demais, cheguei em casa arrasada... e resultou assim meio que numa depressão... né? Porque, eu estava acostumada, eu gostava do meu ambiente de trabalho, né? Então, tava legal, eu estar em casa, com meus filhos... tudo. Mas, com isso eu acabava não tendo paciência... Eu acho que seu tinha mais paciência com eles, quando eu estava trabalhando do que quando eu estava em casa, podendo assim me dedicar totalmente a eles... Eu não tava conseguindo ter tanta paciência... Eu não estava bem, não tava fazendo bem comigo. O tempo foi passando. O ano foi passando. Foi quando minhas crianças já estudando, no jardim da infância... Minha menina já estava na alfabetização, 6 anos. Foi quando uma amiga minha me disse que no Porto da Pedra, tava começando um projeto de escola de circo lá. Madson – A escola de samba de São Gonçalo é a Porto da Pedra... Márcia - Isso, isso... O Grêmio Recreativo de Escola de Samba Unidos do Porto da Pedra... Que tava começando um projeto de circo pra crianças... da rede pública e municipal de ensino. Aí eu falei assim: “Pôxa, mas não é escola de samba?” Eu não conseguia ver... eu dentro de uma escola de samba... começava daí. Ai eu falei assim... ela me disse: “Márcia, mas não tem nada a ver...é voltada pra toda a comunidade...”. Então, não tem nada a ver... Madson – Era um projeto social? Márcia - Era um projeto social... Eu falei: “Então, tá... eu vou lá”. Eu coloquei as crianças no colégio, fui lá saber as informações, tal... e já sai de lá com eles matriculados... E... eu, sou assim uma pessoa muito comunicativa, eu sou muito participativa... de tudo que eu me envolvo... Gosto de participar... Se eu estou numa coisa... eu não ponho um pé não... eu ponho os dois e visto a camisa, entendeu? Então, lá, no Porto da Pedra eu vesti a camisa mesmo. Era uma mãe muito participava. Madson – Seus filhos passaram a participar das oficinas de lá?


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Márcia - Oficinas de circo... das aulas de circo, é.. passaram a participar. Eu levava eles e passava praticamente minha tarde toda, isso três vezes por semana, segunda, quarta e sexta, de uma às seis da tarde... passava a minha tarde toda nessa. Ai chegou no Porto da Pedra um segundo projeto, que era o projeto da AMEBRAS, “Sambando com o pé no futuro”. Estavam chegando as oficinas: de pátina, de velas decorativas, de cartonagem... Ai eu peguei e falei assim: “Eu tenho loucura de aprender a fazer velas...”, na época tava muito em evidência velas... “Eu quero aprender a fazer velas... acho o maior barato!”. Aí me matriculei na oficina de velas‟. Aí, os coordenadores lá do projeto falaram comigo: “Márcia, tá sabendo dos cursos?”. Falei: “Tô, eu entrei no de velas”. Eles: “Só no de velas? Tem pátina e cartonagem”. Eu respondi assim: “Olha só, cartonagem eu não quero... é de aprender a fazer caixinhas, né isso? Eu já aprendi, porque eu já fiz um cursinho particular, há muito tempo atrás. Eu já sei fazer caixinhas, então eu não quero”. “Ah, mas entra no de pátina!”. Eu peguei e entrei no de pátina também. Minha casa é toda customizada, eu tenho pátina no teto, eu já fiz instalação de móveis, eu tenho pátina no quarto dos meus filhos... na minha casa toda... Minha casa é assim, uma casa de maluco, porque é toda colorida... eu gosto muito disso. Ai, eu entrei no de pátina, também. Aí, eles me perguntaram se eu estava gostando. Eu disse: “Tô”. Eles disseram: “Márcia, entra no de cartonagem”. Eu respondi que já estava fazendo dois cursos e que daqui a pouco, eu traria minha cama para dormir aqui no Porto da Pedra. “Porque, você é uma pessoa, que você vindo, as pessoas também virão... e o curso tá fraco. E, você participando, as outras pessoas, automaticamente, virão participar também”. Madson – Você sabe qual era a idéia desses cursos? Porque foram oferecer lá? Márcia - A idéia do projeto, em si, da AMEBRAS era para gerar renda, oportunidade de trabalho, exatamente, para um grupo que eu estava me encaixando no momento. Porque, no momento, eu estava sendo só dona de casa, mãe, do lar. Então, eu também me enquadrava neste perfil... como também, pessoas que não tinham nenhuma perspectiva, nenhuma oportunidade, através do projeto ter isso... o que faltava pra elas... Madson – Então, o objetivo dos cursos era qualificar, era tentar ensinar alguma oficina, alguma profissão... para que a pessoa pudesse ter sua fonte de renda... Márcia - Isso, isso... Ai, eu entrei também no de cartonagem... Madson – Nos três... Márcia - Entrei nos três... Ai foi muito engraçado, quando eu cheguei na aula... quem é a professora? Sempre fui muito assim... ai eu disse: “Professora, olha só... eu não ia entrar nesse curso, não, mas é que os meninos me pediram e eu resolvi entrar. Porque... é caixa, né? Porque eu já sei fazer caixa”. Aí, ela pra mim: “É, sim, caixa”. Ai eu falei assim: “Deixa eu ver seu material, que eu quero ver”. Ai ela pegou umas peças e eu falei assim: “Pôxa, sua cartonagem é uma cartonagem com tecido!”. Eu achei maravilhoso o trabalho dela. Eu falei assim: “Tem uma coisa que eu doida pra aprender fazer e eu nunca aprendi: gaveteiro, aquele móvel cheio de gavetinhas...”. Ela disse: “Ah, eu sei”. “Sério?”. Aquilo já me animou.. Olha, eu era ali, assídua... Eu participava, eu ajudava ela... Madson – E continuou nos outros, também? Márcia - Continuei nos outros, também... Só que, ai terminaram os cursos... Teve a entrega dos certificados, né? Teve tudo, né? Eu me vi na oportunidade... veio no próprio projeto da Célia, da AMEBRAS, depois que nós concluímos o curso, veio


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a parte do SEBRAE, pra gente aprender, ai veio o outro lado, o lado de você aprender a colocar preço, atender o cliente... Madson – Isso era o módulo do próprio curso, do projeto “Dançando com o pé no futuro”, sendo que era administrado pelo SEBRAE... Márcia - Pelo SEBRAE... Exatamente, era uma parceria... Madson – Era uma parte mais de logística... Márcia - Isso, exatamente... Quando veio o SEBRAE, fiz os cursos “Aprendendo a empreender”, “Brasil, somos fortes”... fiz vários cursos, que me ajudaram muito... E ai, com o SEBRAE, eu tive a informação de que havia um curso e uma prova de qualificação e também de registro para o artesão... Ai, eu peguei e resolvi fazer... Madson – Como é esta prova? Márcia - Essa prova... é o seguinte... você tem que... o que no início me deixou balançada foi porque você tem que escolher somente uma técnica... e ai, além do meu crochê, além do pronto cruz... que antes de conhecer o projeto eu fui fazer um curso de ponto cruz, além desses que eu aprendi no projeto... eu só podia escolher um... Madson – Para ter uma carteirinha de artesã? É isso? Márcia - Exatamente, e ter uma qualificação e um registro, mas eu só poderia escolher uma única técnica. Madson – Então, você tinha que se decidir por uma das que você já sabia? Márcia - Eu fiquei assim... “Caraca”... Eu cheguei em casa e falei para o meu marido: “Marcelo, já mandaram a carta do SEBRAE pra mim, do dia que tenho que fazer a prova, o exame só que eu só posso escolher uma técnica. O que eu vou fazer?”. Ele: “Ué, escolhe a que mais você se identifica”. Aí eu: “A que eu mais me identifico? Não sei... eu gosto de tudo”, falei. “A que eu mais me identifico... eu sempre gostei muito de crochê”. Ele responde: “Não, Márcia, desse projeto que você aprendeu agora?”. E eu: “Então, eu vou fazer de vela”. Ai eu fiquei: “Vela!? Não, não é vela, não”. E aí, resolvi cartonagem. Madson – Você acha que foi por acaso? Márcia - Não, foi coisa de pensar, de pensar, de pensar... e resolver que era mesmo isso que eu tinha de escolher. Madson – Qual era o próximo passo qual seria, depois de ter a carteirinha de artesã. Não era produzir para vender? Márcia - É, porque depois disso, o próprio SEBRAE fazia o seguinte com a gente... ai eu peguei fiz a peça...era o seguinte a prova...você tinha que levar uma peça pronta, levar fotos e também levar o material pra fazer na frente deles, pra eles verem que era você mesmo que fazia... Madson – Para avaliar? Eles avaliavam na hora? Márcia - É, mas a gente não ganhava nota, não falavam nada, só faziam as anotações... ficava toda uma comissão te avaliando... tinha a parte da entrevista... Madson – Isso era individual ou eram várias pessoas, na mesma hora? Márcia - Individual, individual... Não, era individual. Ai, fiz... e ai perguntei o resultado: “Você vai ter que esperar... Porque, a partir de tal dia, você vai ligar para a central do SEBRAE para saber a sua nota”. Ai, liguei... Eu sabia como era a pontuação: 20 a 24, era excelente; de 16 a 20, era bom... ai, tinha toda essa classificação. O mais interessante nisso é que, no dia da prova, meu filho amanheceu queimando em febre e ele sempre teve problema de quando ter febre, colocar sangue pelo nariz... Ele amanheceu queimando de febre, ai eu falei com a


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minha sogra que era o dia da avaliação do SEBRAE, mas eu não ia poder ir. “Ontem, Marcelinho passou mal o dia inteiro e eu não tive cabeça de terminar o meu trabalho que eu tenho que levar. Não ficou muito bom. Eu acho que não vou, não”. Ai, ela: “Você vai, sim”. Ai, né... fui, e fiz tudo o que tinha de ser feito. Ai, falaram que eu tinha que ligar para pegar o resultado. Ai, quando eu liguei, medo... “eu não passei, eu não passei!”. Me perguntaram: “Qual o teu nome?”. Eu disse: “Márcia”. Eles: “Qual a tua técnica?”. Eu respondi: “Cartonagem”. A pessoa me disse: “Ah! Caixinhas!?”. Eu respondi: “É, caixas”. Eu nunca gostei dessa coisa no diminutivo – caixinhas – depois que eu peguei um amor por este trabalho, eu acho que quando falam “caixinhas”, parece que estar menosprezando. Eu não gosto muito desse caixinhas. Madson – Porque é no diminutivo? É isso? Márcia - É... eu acho que algumas pessoas têm até uma forma de carinho, em pronunciar no diminutivo. Eu finalizei: “Cartonagem, caixas”. Ai ela respondeu: “Parabéns, sua nota foi 24”. Ai eu: “Máxima?”. Eu não acredito... Ai, passando por essa etapa, qual era o próximo passo? Eventos promovidos pelo próprio SEBRAE. Madson – Você já estava comercializando? Márcia - Até então, a minha comercialização na cartonagem, estava sendo da seguinte forma: eu pegava uns três bloquinhos, ia pro colégio dos meus filhos e mostrava e as professoras achavam lindo. Madson – Para amigos? Márcia - É, amigos, trabalho do meu marido... só. E ai, falou assim: “Agora, você tem que se preparar para os eventos do SEBRAE”. Eu: “Eventos do SEBRAE?”. Isso significa ter mais material. Ai, comecei a fazer, fazer, fazer... Um primeiro evento que eu fiz, levei tanto material, tanto material... mas, tava tão pesado... Madson – Foi quando isso, lembra? Márcia - 2001, se não me engano, 2002.., nesta época, entre agosto, setembro, mais ou menos. Era aqui em Copacabana, na Princesa Isabel, no canteiro... da Princesa Isabel... o evento do SEBRAE. Então, eu sai um pouco frustrada, porque eu fiz tanta coisa... e eu pensava, eu tinha aquela idéia que Copacabana, aquela coisa... Vou vender muitooooo!!!”. Até vendi, mas não era... no dia também estava chovendo muito... Mas, também, tudo bem, foi meu primeiro evento. Madson – Rolou uma decepção? Mas, não rolou um prazer? Márcia - Não foi uma decepção... prazer, tinha... porque as pessoas olhavam, davam parabéns... me diziam: “Seu acabamento é tão bom”. Mas eu achava que eu ia ter assim muita gente mexendo, comprando o tempo todo. Não foi uma decepção... Mas... Madson – A expectativa foi maior... Márcia - É, a expectativa foi muito grande. E foi... passei por esse primeiro evento e ai as coisas foram acontecendo... Este meu contato com o público começou... Madson – Você me falou que tinha um lado que já era comunicativa... Você se relaciona com um público que é sempre diferente todo o dia... Márcia - Começaram a me questionar – lojas, lojistas – “Você tem preço pra revenda?”. Eu: “Revenda? Tenho”. Madson – Mas, não te ensinaram isso no SEBRAE? Márcia - Ensinaram, mas até então, não era a realidade... Uma coisa é a teoria, outra coisa é a ficção, outra coisa é a realidade... Outra coisa, é quando as coisas começam a acontecer de verdade... uma coisa quando você faz, não é exatamente


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como te ensinaram. E eu acho que é bem por ai que você aprende mesmo... é quando você faz, é na prática... entendeu? Ai, começaram a pedir preço para revenda... comecei... tive toda uma orientação... é só parar, analisar a situação, criar umas tabelas... E ai, pintou a primeira: “Eu tenho uma loja, e queria tantas peças assim, tantas peças assim... você tem prazo?” Madson – Quais eram os seus produtos nesta época? São os mesmos de hoje? Márcia - Não... não propriamente. Madson – Quais eram, por exemplo? Márcia - Com o passar do tempo, eu mudei muitas peças... eu trabalhava muito com porta-jóias, caixas de chá... porta-chá, muitos porta-jóias, em modelinhos de casinha... ai foi começando isso. Madson – Qual a matéria-prima destas caixas? Márcia - A minha matéria-prima principal é o papelão Paraná... papelão próprio para artesanato... com gramaturas diferentes... para cada trabalho, há a gramatura específica para o papelão... E os demais, cola, tecido... mas a matéria-prima principal é o papelão. Madson – Então, você começou a fazer a primeira encomenda... Era para cá, para o Rio mesmo? Era uma loja de que? Márcia - Sim, pro Rio mesmo. Essa loja, na realidade, é uma loja de Patchworck... tem uma loja na Tijuca... É a “Fiapo de linha”. Agora, ela abiu uma loja aqui, em Ipanema, há uns dois anos... Inclusive, aquelas caixinhas que eu estava com elas... de costura, eram desta cliente que eu mantenho até hoje. Cliente há anos... Foi minha primeira cliente de encomenda de quantidade... Até hoje, é minha cliente... É engraçado, porque uma puxa a outra... As coisas foram acontecendo.. começou com brindes para escolas, dias das mães... tenho muitas pecinhas: porta-documento, porta-talão de cheques, bloquinhos, esta parte mais de escritório de papelaria, porta-caneta, porta-lápis, porta-clipes... Me pedem para brindes do dia das mães e datas comemorativas... E destas, vêm as outras... lembrancinhas de casamento, aniversários, 15 anos, batizado, nascimento... festas em geral. Mês passado veio um senhor aqui... que achava que eu não me lembrava dele... eu tenho uma boa memória... Eu havia feito as lembrancinhas do batizado da filha dele... Trouxe um amigo... Este amigo que ele trouxe é um italiano e tem uma esposa chinesa que estava nos últimos dias para o bebê nascer... Ele queria que eu fizesse uma caixinha... já tinham a cor... modelinho... É assim que começa essa parte de desenvolver um novo trabalho... Madson – Novos produtos? Parte do desafio do cliente... Márcia - Porque o cliente chega e diz o que quer... uma caixinha, por exemplo... que a tampa seja assim... ele nunca quer do modo tradicional... Madson – O que é o modo tradicional? É o mais fácil? Márcia - Tradicional é caixa e tampa, acabou. Eles nunca querem isso... querem tampa diferente... fundo falso.... PAUSA PARA TROCA DE FITA. Márcia - Para aquela encomenda que estava explicando, tive que levar mais de uma vez o trabalho para o casal aprovar... O trabalho foi encomendado pelo marido e quando mostrei a proposta para a esposa... ela não entendeu, primeiro pela dificuldade da língua – ela é chinesa – e eu também não conseguia entender o que ela falava... foi bem confuso... e tinha uma medalhinha que iria dentro da caixa que estava fazendo... quando eu cheguei lá... a medalhinha, na realidade, já


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estava em uma outra caixinha de acetato... só que ele não tinha me explicado isso... resultado: tinha que aumentar a caixa e tinha que mudar também a tampa, o formato...tá... quer saber... já estava em cima do tempo... e ele queria que quando ela fosse para a maternidade já levasse as lembrancinhas prontas... quer saber de uma coisa? E não eram pouquinhas, a quantidade... eles queriam cinqüenta... e quando o trabalho é pequeno, não parece, mas leva muito mais tempo para fazer... ai, eu entrei no elevador – quer saber? Vou fazer, mas o preço vai lá em cima... era a terceira vez... que eu ia lá... não queira mais nem fazer essa encomenda... primeiro, que o tempo tava em cima... Madson – Encomenda... é diferente que fazer para vender de acordo com a sua criação, né? Márcia - Exatamente... Ai... NESTE MOMENTO, UMA AMIGA QUE ESTAVA COMIGO, PEDE PARA COMPRAR UMA AGENDA. Amiga (Lúcia) – Seu trabalho é maravilhoso... a agenda é maravilhosa! Márcia - Eu tenho agendas novas, para o ano seguinte, a partir de agosto ou setembro... eu tenho agendas de vários tamanhos... de bolso, até para quem tem muitas anotações para fazer... Obrigado... LÚCIA AGRADECE E SE AFASTA PARA CONTINUAR COM O DEPOIMENTO. Márcia - Onde eu tava? Madson – Na cobrança do valor das lembrancinhas do casal... Márcia - Isso... Eu tava preocupada por conta do tempo... que já estava muito próximo... Ai ele me ligou cobrando a peça... para amanhã... Eu fui levar para ele e ele me perguntou o preço... Eu disse: “É „x‟”. Ele: “x?”. Eu disse: “é”. ELA NÃO REVELOU O PREÇO QUE HAVIA COBRADO, SÓ QUE TINHA SIDO BEM MAIS CARO QU E O HABITUAL. Ele me informou que ia querer... Eu não acreditei... Confirmei mesmo a quantidade que ele havia solicitado (50) e ele confirmou... Mas, o prazo tava muito pouquinho... Não vai dar para entregar... Ele me deu mais um prazo, mesmo que a esposa fosse antes para a maternidade... ele queria a caixinha. Aprontei tudo, dentro do prazo... Inclusive, foi uma coisa que aprendi no SEBRAE foi a responsabilidade da entrega dentro do prazo... o comprometimento... então, mesmo que eu não durma... é isso que faz com que cada ano, meus clientes me procuram, pois só consigo a credibilidade das pessoas com o meu comprometimento... e eu aprendi isso... Eles fecharam, eu fiz, não dormi... passei uma noite inteirinha... virei assim no último dia... porque estava cheia de trabalho e fui entregar ainda lá na maternidade. Aqui, eu até deixei este adesivo de visitante da maternidade... tenho até que tirar, colado na minha agenda... NESTE MOMENTO, ELA ME MOSTRA O ADESIVO NA AGENDA. Madson – Quando foi que aconteceu esta encomenda? Márcia - No mês passado... O engraçado é que eu nem disponho assim de muito tempo para estas produções... É muito louco! Madson – Porque? Como é o seu dia-a-dia? Márcia - Porque meu dia-a-dia... é dando aula, eu trabalho em vários projetos sociais... eu... particular... Segundas-feiras, eu dou aula particular em um atelier em Botafogo... Terças-feiras, estou na Cidade do Samba, o dia todo, no projeto da AMEBRAS... Quartas-feiras, dou aulas na Caçula, de Niterói...Quintas-feiras, dou aula para a obra social, aqui da Prefeitura, para pessoas da terceira idade...


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Então, fico assim, quando eu tenho um dia de folga... eu não tiro folga, porque é o dia que eu tenho que comprar material, eu tenho que ir ao banco para fazer depósito, conferir se está entrando o valor do cartão – ELA FAZ VENDA COM CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO VISA. Madson – A parte administrativa? Márcia - Exatamente. Então, mesmo no dia em que eu tenha de folga, vou chegar em casa somente no final do dia... Aos sábados, eu estou aqui, no Shopping Cassino Atlântico, em Copacabana, já há sete anos... e finalmente, aos domingos, na feira Hippie, em Ipanema, na praça General Osório. Então, quer dizer, minha produção acontece como? Quando eu chego em casa... 6 ou 7 horas da noite...tomo um banho, bebo um café ou um chá... e vou trabalhar... Isso até 3 ou 4 horas da manhã... Ai, durmo de 3 ou 4 horas até as 6 horas da manhã... Levanto, tomo meu banho e trabalho... Então, é mais ou menos, assim... Final de ano... Final de ano, é uma loucura... Quando passa eu não consigo acreditar que eu dei conta. Madson – Além do que, ainda tem as encomendas... Márcia - Tenho muitas encomendas... Brindes de final de ano.... as lojas... Madson – Quem é o seu público? Márcia - São lojistas, lojas, escolas, escritórios... Eu tenho uma cliente que ela tem um laboratório de patologia, conveniado à Unimed, se não me engano, e ela trabalha assim com uma equipe de, acho que são, 50 médicos... e todos os anos ela faz o brinde dessa empresa dela, para os médicos, comigo... Sempre pede as peças são personalizadas... ela prefere que não seja com tecido... ela prefere em papel, mas tem exigência de ser ecológico... eu sei fazer papel artesanal... até pra agregar ao meu trabalho, porque anos atrás eu trabalhei em um projeto mesmo de preservação do meio ambiente, com material reciclado... Eu dou “caras” `a minha cartonagem... a cartonagem trabalhada com tecido, assim como você está vendo... Na Cidade do Samba, eu estou respondendo ao que estão me pedindo... de acordo com o meu público. Madson - O que estão lhe pedindo no projeto da AMEBRAS, na Cidade do Samba? Márcia - Às vezes, me perguntam: “Você só forra com tecido?”. Não acho que fica legal misturar... Eu colocar aqui em cima – APONTA PARA A MESA QUE ESTÃO EXPONDO OS SEUS TRABALHOS - papel, tecido, papel reciclado... Eu procuro colocar aqui só tecido... Quando um cliente me pergunta se eu não faria com outro material, eu repondo que sim... Quando estou em feiras... Madson – Lá na feira de Ipanema, é com este material também? Márcia - A mesma coisa. Madson – Você estava me explicando que na Cidade do Samba, está tentando coisas novas... reciclagem? É isso? De acordo com o que lhe pedem... Lá na AMEBRAS, estão lhe pedindo algo neste sentido? Márcia - Isso, isso... Neste último que a gente ta lá..a prioridade está sendo esta parte de embalagens. Ela não quer que entre com esta parte de bloquinhos, cartonagem. Na realidade, a embalagem é uma pequena parte da cartonagem... Eu não fiquei somente com esta parte, não... A cartonagem engloba todas esta parte, de embalagem, de escritório, de papelaria, de caixas em geral... e eu não fiquei somente em uma partícula, eu fiquei com o cartão... com o todo... Eu consigo trabalhar com todos os lados da cartonagem que você queira... Quer o papel micro-ondulado... eu trabalho... quer uma peça forrada com papel... eu faço... quer


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sacolas, bolsas de papel... eu faço... quer uma carteira... uma bolsa... NESTE MOMENTO, ELA SE LEVANTA PARA PEGAR UMA BOLSA RETANGULAR DE PAPELÃO FORRADA EM TECIDO, COM ALÇA E FECHO DE ENCAIXE QUE PARTICIPOU DE UM DESFILE. Ela mostra a bolsa toda forrada, por dentro e por fora... Madson – Toda de papelão? Márcia - Toda de papelão, mas agüenta peso... Eu estou com um novo desafio... Para uma cliente que vem mais tarde, hoje...para eu mostrar o que ela me pediu... Essa cliente tem uma butique que o público dela é feminino e quer uma carteira... MÁRCIA ABRE SUA BOLSA E ME MOSTRA UMA CARTEIRA INACABADA, FORRADA EM TECIDO. Isso daqui é um protótipo... Madson – Que ela te deu? Márcia - Não... esse daqui eu mesma desenvolvi, mas não gostei... porque ela só tinha um pedaço do tecido... Ontem, mesmo, ela me ligou perguntando se eu tinha conseguido aprontar... e queria saber se tinha ficado bom... Eu falei que não, pois com pouco tecido não dá para fazer os testes... Quando eu desenvolvo um protótipo, eu não tenho medo de desperdiçar material... porque quando se desenvolve um trabalho, você mede, põe lá... não, não deu certo, tem que aumentar um centímetro... são experimentos... e ela me deu somente a conta certa do tecido...e eu não podia errar... e é impossível não errar quando se está criando uma peça nova... então, está horrível... Mas, a cliente que ver mesmo assim, pois ela disse que é em cima disso que a gente vai ver o que está precisando melhorar... pra gente consertar... Madson – A bolsa foi toda desenvolvida por você? Márcia - Por mim... toda desenvolvida por mim... – ELA DEMONSTRA UM CERTO ORGULHO POR TER DADO FORMA A UM DESAFIO INCIAL PROPOSTO PELA CLIENTE. Ela me explicou que queria um carteirão... que coubesse os documentos, celular, o batom, e uma escova de cabelo... Madson – Então, o tamanho tinha que ser bacana, que coubesse esses itens... Márcia - Ela me explicou o tamanho... Só que a volta – ELA MOSTRA AS DIFICULDADES A SEREM CONTORNADAS NA VOLTA DA LATERAL QUE TEM UMA FORMA OVALADA. Deu muito trabalho aqui... e não está bom. E não tinha mais tecido para testar. Até trouxe o restante do tecido que sobrou para mostrar... Madson – Este trabalho que você está me mostrando é basicamente de cortar e colar? Márcia - É. Este é o princípio da cartonagem, não leva costura. Tudo é colado e forrado. Madson – Você apresentará o protótipo para ela e se der certo, irá desenvolver para ela revender? Márcia - Isso, pra loja dela... Madson – Então, seu público é variado... Márcia - É... São várias idéias... Por exemplo, este trabalho – ABRE UMA SACO E ME MOSTRA UMA CAIXA, SEM TEMPA, DE MEDIDA FORNECIDA PELA CLIENTE PARA GUARDAR DISQUETE DE COMPUTADOR.


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Ela me comprou um conjunto completo para o quarto da filha e passou semana passada e me pediu para fazer esta caixinha para guardar os disquetes e não ficarem espalhados... jogados... e ficarem do lado do computador... Então, o que o cliente me pede, eu dou a ele... É por ai... e assim as coisas vão aparecendo. Madson – Com relação à palavra protótipo, onde você ouviu falar em protótipo? Aliás, o que é um protótipo para você? Márcia - Onde foi que eu escutei isso? Protótipo? Eu tenho como protótipo uma peça em que estou em desenvolvimento, então eu tenho que fazer um modelo para apresentar ao cliente e ver se a peça será aprovada. Então, eu tenho pra mim isso como protótipo. Madson – Sua comunicação com o cliente é sempre verbal... ele te descreve, você imagina e o protótipo serve para tirar as dúvidas. Porque nem o cliente desenha, nem você desenha antes de realizar. Márcia - Isso mesmo... Exatamente... Madson – A palavra protótipo está intimamente ligada ao Design e não com o artesanato... Ou nos cursos de artesanato que você já fez, usa-se esta terminologia de protótipo? E ainda, qual sua opinião sobre o que você faz? É artesanato, é design, é uma mistura, não é nada disso? Márcia - Eu acredito que o que eu faço é uma mistura... Eu até tenho um encanto por esta coisa do design... pois eu vejo o criar uma nova peça como um desafio... dá medo quando o cliente me pede para criar algo novo para ele... eu não consigo dormir... pensando, pensando, pensando.. é até engraçado... esta carteira que mostrei, até ontem eu não sabia ainda como iria fazer a lateral dela. Caminhando de manhã... que eu caminho toda manhã e, em minhas caminhadas, tenho muitas idéias... Eu estava caminhando e pensando e, de repente, eu disse: “Já sei”. Quando cheguei em casa, já fui direto deixar mais ou menos desenhado no papel o que eu estou na cabeça. Madson - Então, o seu dia-a-dia acaba influenciando na criação de suas peças... Márcia - Com certeza... Eu consigo ver, olhar... estou na rua e me deparo com algo na rua e que aquilo me dá uma idéia... algo completamente inesperado, mas que eu olho com outros olhos, com uma “maldade”e consigo tirar daquilo algo que ninguém conseguiria. Além disso, os clientes interferem, opinam... dizem: “E se você colocasse assim, ou de outro jeito”. Eu vou pegando aquilo que eu vou ouvindo e vou aprimorando essas peças... como meu “feijão-com-arroz”, básicas, muitas delas já passaram por inúmeras transformações. Madson – Agora, em 2008, o que você faz não de agora, faz parte de um processo que vem se desenvolvendo, sofrendo transformações, passando por testes, experimentos, acertos e erros... Você já eliminou coisas que fazia no início e agora não faz mais? Pode exemplificar? Márcia - Tenho exemplos, sim... Por exemplo, eu fazia uma caixinha que tinha janelinhas, telhadinho... era para guardar algodão, contonetes de crianças. Era uma peça que não podia ter custo alto, mas demandava muito tempo. Eu parei e pensei porque continuar com esta peça, já que o tempo que eu estou nela, eu concluo 10 de outra? E assim, outras... Eu fazia um arquivo, que era outra peça que eu tinha que trabalhar com um papelão muito grosso e dava trabalho para cortar, porque tudo eu corto na mão... e esta é uma peça que não se usa mais... todo mundo arquiva coisas nos computadores, em disquetes, em CDs... não mais em fichas de papel, né? E ai, deletei...


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Madson – Qual sua peça de maior sucesso... de procura, de venda, de comercialização? Qual uma peça sua chave? Márcia - Uma peça chave é essa aqui. ELA SE LEVANTA E PEGA DA MESA ONDE ESTÃO EXPOSTOS OS TRABALHOS, UMA PEQUENA CADERNETA DE ANOTAÇÕES. Na realidade, não seria somente uma, mas como você quer exemplo, vou mostrar este bloquinho... que nesta última novela das oito, Paraíso Tropical, o pessoal da Globo vem muito aqui, né? Até por causa dos outros objetos que tem para vender aqui... no Cassino Atlântico... Madson – O que é o Cassino Atlântico? Márcia - O Cassino Atlântico é um shopping que é constituído de galerias de arte, de joalherias... então o público que vem aqui, é mais restrito... Aqui, já vai fazer 12 anos, o shopping também tem a feira de antiguidades que, depois de alguns anos, agregou também o artesanato. Então, o público daqui é bem seleto. Madson – O que valoriza também este tipo de trabalho? Márcia - É. O público que vem aqui vem em busca mesmo... porque estão em busca de um presente que se consiga ver carinho... Madson – Mas, você estava falando da novela “Paraíso Tropical”... Márcia - Isso. O pessoal da Globo teve aqui... eles já compraram várias vezes comigo... Foram direto na “onça” – SE REFERINDO ÀS PEÇAS QUE ELA FORRA COM TECIDO DE PADRONAGEM DE ONCINHA -. Tudo que tinha de “onça” eles levaram. Eles me disseram que era da parte de cenário, pediram para eu preencher uma ficha, eu preenchi. Ai passou, eu não sabia direito para que era. Também não perguntei, eu acho que não cabe a mim perguntar... A minha parte até então, já tinha terminado que era de fazer, eles compraram... Ai, estava aqui um belo dia... eu não estava nem vem a novela... eles tinham comprado este bloquinho, mas sendo de “onça” – APONTA PARA O BLOCO QUE ESTAVA ME MOSTRANDO - alguém de manhã, já me pedindo aquele “bloquinho da caneta”... eu quero... eu sei que em um dia, vendi todos os bloquinhos que tinha trazido... Madson – Por causa da novela? Márcia - Porque apareceu na novela e as pessoas me falaram que viram na novela... Eles compraram mesmo comigo... Minhas amigas daqui, me falaram: “Márcia, apareceu seu bloquinho apareceu na novela com a Bebel – ERA UM PERSONAGEM DE GRANDE REPERCUSSÃO NA NOVELA PARAÍSO TROPICAL -, no calçadão. Ela abria o bloquinho, pegava a caneta e escrevia”. Ele vende muito bem... Teve uma história com ele... Eu sou a mulher das histórias, né? Mas, é porque minha vida é uma vida muito agitada, acontecem muitas coisas... Eu moro em São Gonçalo... e quando começou esta minha jornada de vir trabalhar na Zona Sul, eu não conhecia ninguém. Então, eu ia embora com mala, bolsas... E, um dia, eu vindo trabalhar, desci na Central do Brasil... tava com a mala e a bolsa para pegar outro ônibus e vir trabalhar... E ai, um cara encostou um canivete em minha costela, não sei se ele pensava que eu era “gringa”, turista... Eu disse: “O que é isso, garoto?”. Ele só dizia: “perdeu, perdeu”... Eu estava nervosa, mas não queria dar minhas coisas, quando um fiscal do ônibus disse: “Larga esta mulher... ela é a mulher do cara”. Eu fiquei apavorada... Eu virei até mulher de bandido


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neste dia... nem me pergunte de quem eu sou mulher que até hoje não sei. Só sei que o cara me soltou. Entrei no ônibus toda me tremendo e chorando. Naquele dia, Madson, eu não vendi nada na parte da manhã... já estava dando 5 horas da tarde e eu, quase em pânico, com medo de ser assaltada de novo... Eu estava sentada naquela pilastra ali – APONTA PARA UMA OUTRA COLUNA ONDE A SUA BANCA DE PRODUTOS FICAVA – quando apareceu uma mulher que me falou que estava ali somente para me fazer uma grande encomenda. Ela era do Rio Grande do Sul e tinha recebido por uma cunhada que havia comprado uma lembrancinha e ela gostou muito. Ela fazia parte do Lions e apresentara a lembrancinha aos integrantes de seu grupo e a peça havia sido aprovada como brinde oficial do nosso evento que faremos. Madson – No mesmo dia em que tinha acontecido toda esta tragédia... Você não tinha vendido praticamente nada, tinha sido quase assaltada... Márcia - Pois é... não acreditei... Madson, foram 400 peças. Detalhe: ela deixou um cheque como sinal (à vista) e o restante em outro cheque para 30 dias. Me informou que o correio seria por conta dela. Fiquei muito feliz e radiante com isso. Madson – É incrível... Márcia - E até o final do dia, foi só venda, venda, venda... Madson – Como foi que você conheceu aqui, o Cassino Atlântico? Aqui em baixo é só artesanato? Márcia - É... Somente artesanato. NESTE MOMENTO, O CELULAR DA MÁRCIA TOCA E ERA SEU MARIDO INFORMANDO QUE UMA CLIENTE PRECISAVA FALAR COM ELA SOBRE UMA ENCOMENDA. Márcia - Na época em que eu fazia os eventos do SEBRAE, houve uma parceira com Cassino Atlântico, pois o SEBRAE faria uma parte de divulgação para o shopping... Você está vendo... a loja mais popular aqui é a TOK STOK. O SEBRAE entrou com a proposta de divulgar o shopping, enquanto o SEBRAE selecionou 20 artesãos para venderem seus trabalhos nesta área que o shopping disponibilizou. O SEBRAE tinha uma lista de 500 artesãos, mas selecionou somente os 20 melhores. Madson – Aqui, não tem outra pessoa que faça o mesmo trabalho que você faz? Cartonagem? Márcia - Até tem, mas os produtos são diferentes. Eu lhe falei que não faço mais caixa para chá... É a peça que ela mais faz. Ela não consegue ter uma produção como a minha: diversificada e em quantidade. Madson – Vocês pagam o valor fixo para ficarem aqui? Márcia - Na época do SEBRAE, a gente passava o valor para o SEBRAE repassar ao Shopping. O tempo foi passando, a parceira entre o SEBRAE e o Shopping acabou, se rompeu. Então, desses 20 artesãos que vieram para cá do SEBRAE, ficaram somente aqueles que quiseram ficar negociar diretamente com o Shopping. Eu sempre gostei muito aqui deste shopping porque não tem tumulto... eu até vendo pouco aqui, mas no final de ano eu nem consigo sentar de tanta procura. No entanto, aqui é um lugar certo onde as pessoas passam e se tornam, de alguma forma, cliente. Segunda-feira, eu estava em casa e logo cedo recebi uma ligação de uma cliente que teve aqui no sábado para comprar um porta-documento e queria confirmar a encomenda de 100 porta-documentos para o dia dos pais, do colégio dela, de crianças pequenas. Às vezes, para aquilo que eu não tenho


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resposta na hora, ela vem assim, depois. Então, eu fechei com ela essa quantidade de porta-documentos para o dia dos pais. Madson – Quais os pontos de venda de seus produtos? Esse daqui... o da feira Hippie... Márcia - Coloco meus produtos lá na Cidade do Samba, na lojinha do Sambódromo – TAMBÉM DA AMEBRAS – além das lojas que me encomendam para revenda... Madson – Nestes casos, de lojas para revenda, você coloca a marca/etiqueta da cliente? Márcia - Isso, coloco. Madson – Mostre-me aquele trabalho da caixinha de costura que você me mostrou na Cidade do Samba... é bom ver, mostrado por quem fez... Pegue uma dessas que você mais gosta. O TEMPO TODO DURANTE O DEPOIMENTO, CLIENTES PASSAM E PARAM EM FRENTE AOS PRODUTOS DA MÁRCIA. Madson – O legal desta caixa é que multiuso para objetos de costura... Esta você desenvolveu, fez a criação ou aperfeiçoou? Márcia - Não, eu aperfeiçoei... Domingo passado, é até engraçado, eu estava com a revista do jornal o Extra e vi em uma loja de shopping, essa mesma caixinha vendida por R$ 170,00 (cento e setenta reais). ELA ME MOSTRA O DIFERENCIAL DELA, ALÉM DO ACABAMENTO, ELEMENTOS QUE ACRESCENTOU. Madson – Esta flor em cima é uma marca sua? Márcia - É só no caso desta caixa eu coloquei a flor, para servir como portaalfinete... Nesta minha colega que vende aqui, ela faz também essa caixinha de costura, mas ela coloca fitas em cima com um laço, o produto tem a identidade dela. Eu não gosto de fitas... meu trabalho não tem fitas, porque eu não gosto de fitas... meu negócio é mais limpo. O produto tem a minha identidade por isso. Às vezes, você acaba querendo enfeitar demais e acaba estragando. Madson – Você se considera uma artesã que cria e que reproduz e que se assemelha a uma designer... Márcia - Sim e que muito em breve, eu tenho essa certeza que estarei dizendo que serei uma designer, quando me perguntarem o que eu sou. Madson – Você acha que é mais bacana, essa denominação? É... quando eu acabei o segundo grau... eu fiz pedagógico... eu.. a minha intenção sempre foi me formar professora. Mas, quando eu comecei a trabalhar com isso aqui, percebi que não era ser professora. Eu gosto mesmo é dessa área de design, então... a minha meta, meu objetivo é fazer minha faculdade de design. Acredito que agora, no início de 2009, as coisas estão caminhando para isso. Cada vez mais eu estou tendo assim, mais resposta de meu trabalho. Eu estou conseguindo colocar, cada vez mais, qualidade em meu trabalho. Eu acho que tem muito carinho porque são feitas... cada peça, você pega na mão...É diferente de um trabalho industrial que é passado lá por uma máquina, ela vai naquela esteirinha, caminhando e uma máquina faz uma coisa, outra máquina faz outra... diferente disso aqui – MOSTRANDO A CAIXINHA DE COSTURA – passa por todas as etapas dela na mão... Madson – E você quer ser uma designer que faz trabalhos manuais... É isso? Márcia - Isso... Madson – Você se mantém com este trabalho?


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Márcia - É com ele que eu me mantenho... Madson, há quatro anos atrás, quase cinco anos, meu marido ficou desempregado. Foi uma época que foi complicado. E foi graças ao meu trabalho que eu consegui, não deixei faltar as coisas para meus filhos... Pouco tempo depois que ele ficou desempregado, o pai dele morreu... Foi suicídio...meu sogro se matou. Ele estava com depressão, deu um tiro no peito e morreu. Agora, em abril, fez três anos. Nossa casa é nos fundas da casa dos pais dele. Então, numa madrugada, minha sogra acordou e viu meu sogro caído, no chão da cozinha. Foi abrir a porta e chamar por meu marido, que desceu a escada correndo... nem escutou nada, somente o pedido de socorro... pegou o pai dele nos braços, pois ele achava que o pai tinha caído... Isso, fez com ele também entrasse em uma forte depressão. Meu marido tentou se matar também, várias vezes. Meu marido não comia, não dormia, não trabalhava. E todo esse tempo, graças a Deus, Deus me deu muita força que eu consegui além de ajudar ele a sair disso, eu consegui não deixar a peteca cair. Com dois filhos, eu via meus filhos estudando, precisando das coisas, alimentação... e eu consegui. Sempre eu disse para os meus filhos: “Se todo mundo tem, porque vocês também não vão ter?”. Eu sempre explicando, também... Mamãe tá trabalhando...e tal... Eles tem o celular deles... faço questão que eles tenham o computador... eles tem a televisão deles no quarto. Outro dia eu olhei assim minha cozinha e tava tão feia... Vou comprar móveis novos... Fui na loja vi tudo que queria na minha cozinha e comprei. Já acabei de pagar... com o meu trabalho, não é pedindo nada a ninguém, não. Nem no meu começo foi pedindo dinheiro para comprar o material, não. Eu comecei com o crochê para juntar o dinheirinho que daria para comprar o material da cartonagem. Eu já tenho máquina de encadernar, tenho máquina de colocar os rebites, esses cantinhos – MOSTRA UM PORTA-CARTÃO – ela descreve as máquinas que precisa para realizar o seu trabalho. Resumindo, tudo começou assim... do nada... e ai, cada vez mais eu vou conseguindo as coisas... consegui comprar uma máquina de corta e vincar... que meu objetivo não é montar loja e sim, montar uma oficina para que fazer as caixas e repassar para pessoas que querem aplicar as técnicas delas em minhas caixas. Pinturas, aplicações, decupagem... quero montar essa minha oficina. Essa máquina eu já consegui comprar e pagar, que foi muito cara... custou R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e agora tem que partir para outra etapa e fazer isso funcionar. Também as facas, que são necessárias para cortar com um diferencial as peças. Só faltam essas facas para chegar perto do que eu quero... Mas, já está muito perto disso... E uma outra coisa também, é o carrinho que preciso para me locomover e distribuir meus produtos... e que também já está bem próximo. Teve muito suor, teve muito trabalho e ainda tem, mas cada dia eu sinto que vale a pena...


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7.5 Depoimento de Vera Lúcia Fernandes da Rosa, na Cidade do Samba, em 05/06/2008

Eu sou Vera Lúcia Fernandes da Rosa. Tenho 53 anos, moro em Maricá, cidade litorânea do Rio de Janeiro. Eu sou formada em turismo e hotelaria, pela Estácio de Sá, mas eu já tinha um curso de técnica em Turismo, quando eu fui para Maricá, em 2000. Quando eu cheguei em Maricá, lá não tinha campo para exercer minha profissão, porque eu queria ser turismóloga. Eu passei a fazer congelados e artesanatos em madeira, pintura. Antes de eu ir para Maricá, eu fazia cesta de café da manhã, quando eu morava em Vila Isabel. Minha irmã me ajudava... Madson – Antes disso, você trabalhava com que? Vera - Eu trabalhei como assistente administrativa de materiais na Stand elétrica, durante 14 anos. Trabalhei em outras empresas na mesma função de assistente administrativa. Até que fiquei desempregada. Quando eu fiquei desempregada eu já estava com 40 anos. Ai ficou difícil para eu arranjar um emprego e eu só tinha o segundo grau. Foi quando fiz o técnico em turismo. Trabalhei 6 meses como estagiária em uma agência de turismo, em Copacabana. Como eles queriam só me pagar salário mínino, eu preferi ficar em casa fazendo meus salgados, que eu ganhava mais. Madson – Porque você fez turismo? Vera - Eu sempre gostei de turismo. Eu queria ser, na realidade, guia de turismo. Eu sempre gostei dos passeios, na época eu fazia muito passeios em grupo. Eu conheci um amigo que morava em Vila Isabel que fizemos algumas excursões, mas aquilo não foi para frente. Foi quando comecei a fazer as cestas de café da manhã. Comecei a fazer as cestas e como sou muito organizada, coloquei minhas clientes no computador. Eu tinha uma média 150 clientes. Madson – Você também fazia os produtos ou você comprava pronto e só embalava? Vera - Não... eu também fazia os produtos. Tinha balas, mas levava até salgadinhos que eu mesma fazia. Estava indo tudo bem, quando nós (eu e irmã) resolvemos deixar de pagar aluguel para comprar uma casa. Através de um amigo, compramos uma casa em Maricá. Lá não tinha para quem fazer congelados, nem cesta da manhã. Foi quando eu comecei a fazer a faculdade de Turismo, com a intenção de trabalhar. Nesta época, ouvi os comentários sobre construção da Cidade do Samba e pensei que pudesse uma oportunidade de trabalho. Tinha uma amigo, José Carlos Rego, que tinha ligações com a LIESA e pedi para ele tentar arranjar algum trabalho na Cidade do Samba. Ele me avisou que o quadro de funcionários estava completo, mas conseguiu me passar o telefone da Célia Domingues. Como ela tinha esperança de levar o projeto para a Cidade do Samba, ele levou meu currículo para a Célia. Madson – Ai o teu amigo deixou o currículo com a Célia... Vera - Isso... O José Carlos Rego... Entrou em contato comigo me dando o telefone para eu entrar em contato com a Célia. Falei com ela e marcou uma data e hora comigo. Ali, ela me disse para eu aguardar um pouquinho que iria começar um projeto no qual eu podia trabalhar com ela.


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Madson – Ela lhe explicou qual seria o projeto? Vera - O projeto era de qualificação e profissionalização para pessoas de baixa renda, direcionados para o carnaval. Só que ela estava dependendo de verba do governo, por causa da parceira que ela tinha com os governos Municipal, Estadual e Federal. Eu já estava ficando aflita porque eu tentava falar com ela, mas não conseguia falar com ela pelo celular. Foi quando, seis meses depois, ela telefonou para minha casa para eu falar com ela, aqui na Cidade do Samba. Madson – Foi até uma surpresa... Vera - Foi uma surpresa, porque eu nem esperava mais. Ela marcou comigo para eu vir aqui na Cidade do Samba. Chegando aqui, ela encontrava-se naquela sala que hoje é copa, no barracão 1. Ela me entrevistou e perguntou se eu poderia começar na semana seguinte. Eu fiquei assim, encantada, né? Madson – Qual era a proposta? Vera - A proposta era para que eu coordenasse os cursos que teriam aqui, direcionados para o artesão na área de carnaval, como qualificação e profissionalização para pessoas de baixa renda. Ai, eu vim. A partir daí, eu comecei a trabalhar com ela. Nós não tínhamos praticamente nada, de instalações, formulários... como eu tinha já experiência na área administrativa, acabou me servindo, e muito. Ai eu fiz todos os formulários. Comecei a fazer ... porque eu não tinha nenhum conhecimento nesta área de carnaval... até para mim... ter algum conhecimento, comecei a pesquisar para poder entender. Eu não conhecia nada de material de carnaval... nada disso. Madson – E a relação da Célia com o carnaval, você já sabia qual era? Vera - Ela me explicou... ela me ensinou muito. Madson – Ela lhe explicou qual a relação dela com o carnaval? Vera - Era uma ligação profunda. Além de sair por muitos anos em escolas de samba, ela foi... trabalhou na Mangueira, era nascida na Mangueira e trabalhou na Mangueira, porque o Elmo era... VERA PÁRA COM O DEPOIMENTO PARA ANTENDER AO TELEFONE Madson – Continuando o depoimento... Então, a Célia era esposa do Elmo e o Elmo era... Vera - O presidente da Mangueira e ela era a primeira dama da Mangueira. Lá, ela trabalhou junto com a comunidade em projetos sociais. Então, a Célia tinha muito conhecimento disso. Eu aprendi muito com ela. Ela me ensinou muita coisa e fomos tocando. Quando saiu a verba pra fazer o projeto, eu comecei a... ela me deu orientação de quantas turmas seriam... porque essa informação ela tem que me passar, porque a verba é de acordo com cada projeto... quantas turmas, quais seriam os cursos e eu, a partir daí, eu desenvolvi... e quem seriam os instrutores... Eu entrei em contato com todos eles e entrei em contato com os alunos, formei as turmas... e Madson – Como era divulgado isso... era nas comunidades? Vera - Nas comunidades. As pessoas vinham se inscrever aqui e também a Célia, ela botou muita coisa pela mídia, saiu em alguns jornais, na época. Sei que vieram... eu fiquei quase louca com mais de 1000 fichas, de candidatos. Dali, eu comecei a fazer uma triagem, entrei em contato com estes alunos... Madson – Os cursos eram dados aqui?


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Vera - Os cursos eram dados aqui. Ai, eu fiz toda a parte administrativa e coordenava os instrutores e alunos, juntamente com Célia. E o curso foi indo. Nós não tínhamos nenhuma estrutura, as instalações eram improvisadas, eram os banners separando as salas... Madson – Porque aqui é um grande galpão... Vocês ganharam o quarto andar... Vera - Justamente. A Célia ganhou este quarto andar e conseguiu fazer, dar a partida neste projeto, na Cidade do Samba. Madson – Você se lembra quantos alunos foram nesta primeira turma? Vera - Olha, nós tínhamos mais ou menos, acho que eram uma 17 turmas, com 20 alunos por turma. Madson – Quais eram os cursos? Vera - Eram vários. Foi arte em espuma, adereços, cartonagem, modelagem e costura, chapelaria... foi desenho artístico... Madson – Todos, aprendizados para as escolas de samba? Vera - Todos eles, menos cartonagem, né? Mas, a cartonagem a Célia usa mais para fazer produtos de embalagens que é para as lojas, dos produtos das oficinas. Então, eu sei que, graças a Deus, deu tudo certo e a coisa só foi melhorando. Quando chegou o ano passado, em 2007, a Célia conseguiu poder fazer essa obra aqui. A minha salinha que era pequena, era a copa, e eu fico aqui, nesta parte que foi dividida em salas, oficinas... Madson – A obra que você fala é... Vera - O piso, as divisórias, os equipamentos... aí eu, graças a Deus, estou aqui, em um lugar melhor... o espaço está melhor, bonito... estamos aqui trabalhando e eu coordenando os cursos... Madson – Você trabalha de que horas a que horas? Vera - Eu trabalho de 9 às 17 hroras... Madson – Que é o horário que tem cursos... varia? Vera - É, varia... Madson – Atualmente, qual é o projeto que está sendo oferecido... qual o nome do projeto? Vera - Carnaval e Cidadania... não. Espera que eu vou te dizer... Armazém do Samba. No momento estamos com este projeto. Madson – Fale-me quais são as oficinas... Vera - As oficinas são: arte em espuma, adereços, cartonagem... cartonagem, não... desta vez é embalagem, modelagem e costura, chapelaria, adereços... Madson – As aulas são de que horas a que horas? Vera - Depende... dependendo das oficinas, tem curso de manhã e de tarde... em dias alternados, mas são dois dias na semana... O horário da manhã, é de 8 às 12 horas... e de tarde, é de 13 às 17 horas. Madson – A carga horária de cada curso, qual é? Deste projeto... Vera - Deste projeto não sei decorado. Madson – É quanto tempo cada curso deste projeto? Vera - São três meses de curso. Duas vezes na semana. Madson – Então, são ofertados os cursos... os alunos fazem as inscrições, fazem as aulas... e ao final do curso? Vera - Ao final do curso, eles ganham um certificado e, este certificado, eles podem, depois, apresentar às escolas de samba para que possam trabalhar. A Célia tem uma parceira com as escolas de samba para aproveitar estes artesões do carnaval.


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Madson – Então, estes cursos são ofertados fora do período de carnaval? Durante o ano todo... Vera - Durante o ano todo. Além deles poderem trabalhar no carnaval, eles podem também trabalhar por conta própria... Madson – Depois que eles fazem os cursos... eles produzem... Vera - Produzem... quando eles estão cursando... eu faço uma avaliação do material que eles produziram e nesta avaliação, aqueles que tiverem com mais perfeição, vai pra loja para que seja comercializado, vendido. Madson – Que loja? Vera - A loja, no sambódromo... nós temos uma loja no sambódromo... e temos uma loja aqui, na Cidade do Samba, no barracão 1, primeiro andar... Madson – Vocês vendem para quem? Vera - Nós vendemos para os turistas, que vem visitar aqui, a Cidade do Samba e o sambódromo. Madson – Este material é fornecido pelo projeto? Vera - Todo o material é fornecido pelo projeto. Madson – De que maneira, Vera? Algumas coisas vocês compram, outras vocês reciclam? Vera - Justamente. Algumas coisas, compramos; outras, reciclamos porque os alunos... as escolas de samba, quando termina o carnaval, elas dão fantasias para o projeto para que sejam recicladas... Madson – O que é que geralmente é aproveitado, reciclado e o que é comprado? Dê exemplos... Vera - Geralmente, uma coisa que é muito aproveitada são as fazendas (tecidos) das fantasias, a armação de chapéus são aproveitas, plumas... o paetê não dá para aproveitar muito... é sempre um item que compramos muito... Madson – O que mais vocês compram? Vera - Compramos cola, tesoura, pistola de cola... é o tipo de coisa que compramos... mas, em termos de material assim... os alunos aproveitam muita coisa das fantasias que vêm para serem recicladas, por exemplo: aljofre, “unhas”, pedras... pastilhas... Madson – Quais os tipos de produtos que fazem aqui para colocarem nas lojas? O resultado das oficinas daqui são levados para lá? Quem direciona os produtos? O cliente é que gosta? Vera - Isso aí... eles compram muito é bonecas (baianinhas, em miniaturas), máscaras, são arcos para o cabelo, pregadeiras (para cabelo)... e coisas... Madson – A parte de moda, também? Vera - Camisetas bordadas... da parte da customização... Madson – Aquelas sandálias havaianas, não? São para outra coisa? Vera - É... Madson – Além da vendas, existe outra coisa... quando existem as festas que a Célia fecha trabalho e as oficinas passam a produzir para os kits distribuídos nas festas... Vera - É... a Célia também... além da produção sair pela loja, nós fazemos um trabalho para empresas privadas, pessoas que querem um determinado produtos, nós produzimos... a partir de uma banco de dados de artesões... Entramos em contato com eles para que possam fornecer, de acordo com o que foi pedido... Madson – Foi assim que foi feito, por exemplo, o PAN?


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Vera - Não... sim... os alunos daqui participaram com a mão de obra... A AMEBRAS administrou esta parte do projeto do PAN... A Célia fez uma parceira com o comitê... Madson – Porque foi a Rosa (Magalhães, carnavalesca) quem elaborou o projeto de abertura do PAN... Vera - A Rosa que elaborou, então a Célia fez uma parceria e nós administramos na área de financeira... foi administrado e fornecemos para trabalhar no barracão os alunos que já tinham feito o curso aqui... alunos... trabalhando nas fantasias, roupas, não só os alunos, como os estagiários da Estácio de Sá... Fornecemos as costureiras, botamos para trabalhar os aderecistas, ferreiros... nós que indicamos e eles ficaram trabalhando lá, durante dois meses... Madson – Então, esta foi uma forma deles colocarem a “mão na massa”, na prática o que aprenderam aqui? Vera - É... Madson - E no caso de empresas privadas que fecham com vocês festas... Como vocês fazem? Vocês produzem um tipo de produto que servirá como souvenir? Vera - Justamente. Isso daí também acontece, sempre com a temática do carnaval. Madson – Você pode dar exemplos? Vera - Teve um baile de máscaras que nós produzimos todas as máscaras. Madson – Todo mundo que chagava à festa recebia uma máscara? Vera - Todo mundo recebia uma máscara na entrada da festa. Isto foi em torno de 1500 máscaras. O convite era pago, mas já vinha... estava incluso a máscara, além de enfeitarmos todas as mesas com máscaras também. Fizemos uns arranjos bonitos com as máscaras. Ficou muito bonita a festa. Madson – Foi tudo feito por aqui? Vera - Tudo feito por aqui, foram os alunos. Cinquenta alunos trabalharam nesta confecção, durante um mês. Madson – Há sempre este tipo de evento durante o ano? Vera - Este evento foi o 1º. Baile de Máscaras da Cidade do Samba... Ficaram de fazer outro, em 2008. Não sei se vão fazer... Madson – Por exemplo, aquela festa que houve no mês passado, da Esso... Vocês fizeram alguma coisa? Vera - Que eu saiba, não. Madson – A forma de escoamento da produção dos objetos produzidos aqui é através das lojas, eventos e ... que mais? Vera - Só... mas o instrutor também fornece material, produtos para as lojas...Eles também são artesões, né? Madson – Como é o esquema? Vera - Eles deixam os produtos em consignação... aí, no caso se ocorrer a venda, eles vem para receber e pedem mais... Madson – No caso da Márcia que está dando agora na oficina de cartonagem... Ela me falou no depoimento que ela trabalha de acordo com o que pedem. O que vocês pediram a Márcia para fazer neste curso de cartonagem? Vera - Nós pedimos a Márcia para que ela nos fornecesse, fizesse, ensinasse aos alunos a parte de embalagem. Porque nós estamos precisando de embalagem para nós embalarmos os produtos: sacolas, pequenas, medias e grandes de papel... Temos aí um papel muito bonito, com a marca da Cidade do Samba, e ela está trabalhando em cima deste papel... ela está fazendo caixas também para que sejam


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postas as bonecas, as baianinhas, caixas para colocar chaveiros e todo tipo de embalagem... Madson – Não havia este tipo de embalagem? Vera - Não... antes tinha, mas ela não trabalhava neste tipo de direcionamento só para embalagem. Madson – Mas, quem fazia as embalagens? Vera - Era ela mesmo quem fornecia, feitos na casa dela e vendia para a AMEBRAS. A Célia está vendo que está tendo muita saída e botou ela para ensinar aos alunos para eles se tornarem fornecedores da AMEBRAS. Madson – Esta é uma exigência do cliente que quer levar o produto já embalado? Vera - É, geralmente, quando se compra um produto, tem que ter uma embalagem. Valoriza muito o produto. Madson – Você já esteve nas lojas? Vera - Já tive, sim... claro. Madson – O que mudou, desde que você veio para cá, até agora? Tem aparecido novos produtos? Como vocês criam novos produtos? Vera - A Célia quem indica, que vê mais isso. A Célia tem uma boa visualização assim. Se ela ver uma coisa, um produto que ela possa transformar aquilo em uma peça de carnaval, direcionada para o carnaval, ela vai e procura aquela pessoa, aquele artesão e modifica aquela peça e passa a ser uma peça direcionada para o carnaval. Então, é ela mesma que cria o que ela quer... Madson – Como foi feito agora com a Márcia... Vera - Justamente. Madson – O que mais, Vera... o que está faltando falar? Vera - Ao final de cada curso é gerado um relatório encaminhado para a administração, na pessoa de Ivana, para que sejam confeccionados os certificados entregues aos alunos que concluíram os cursos. Após este processo, os alunos são cadastrados em um banco de dados que se presta fazer a ligação entre o mercado (Escolas de Samba, por exemplo) e os alunos. As Escolas de Samba são as mais interessadas na mão-de-obra qualificada dos alunos que saem da AMEBRAS. A principal demanda é por alunos dos cursos de chapelaria, adereços, costura, escultura em espuma e isopor e pastelação. Outra forma de inserção destes alunos no mercado é através da produção de seus produtos para a venda autônoma. Madson – Quero ver como você controla o dia a dia daqui... alunos, professores... Vera - É através destas fichas (Mostra os formulários e fichas que criou para controlar os professores, alunos). Quando começou aqui o curso, eu vi que teria que ter uma forma para administrar isso... Eu criei, eu fiz uma lista... de presença dos alunos e dos instrutores e fui melhorando de acordo com a necessidade. Através desta lista dos instrutores é que controlo a freqüência deles no curso, para o pagamento. No caso do aluno ele precisa ter uma freqüência mínina de 75% para receber o certificado. Madson – É atribuído nota para cada aluno? Vera - Não. No final de cada curso, os instrutores fazem uma avaliação para mim de quais alunos se adaptaram melhor e os que poderão ser utilizados, indicar para trabalhar em escolas de samba. Madson – Há um perfil deste alunos? Que tipo de pessoas procuram a AMEBRAS para fazerem os cursos?


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Vera - É bem heterogêneo... São pessoas de terceira idade, jovens... tem turmas que tenho a metade jovem, a metade pessoas de terceira idade.. Tem turma que eu ponho só pessoas acima de 30 anos... eu direciono isso. Madson – E como você faz isso? Vera - Eu faço de acordo com a orientação dela... no começo. Mas, agora eu faço a triagem geralmente, pela data da ficha de inscrição... Como a procura é muito grande, nós até hoje, não conseguimos dar conta de tanta procura, pelo número de vagas é bem abaixo do numero de inscrição... Às vezes, as inscrições duram duas semanas, para ter inscrições. Eu pego aqueles que chegaram primeiro, entro em contato... se eles toparem fazer o curso, vou separando os alunos, até formar 20 alunos. A partir daí, abre a turma. Madson – É importante falar que os cursos são gratuitos... Vera - É. Os cursos são todos gratuitos e nós damos o material e os alunos só tem que trazer o corpo. Madson – Mostre-me seu arquivo com as fichas... Vera - Eu tenho o cadastro de todos o instrutores, dos alunos (MOSTRA TODO OS ALUNOS e INSTRUTORES) Madson – Estas fichas estão funcionando? Está dando certo... Vera - Está dando certo, mas eu preciso atualizar alguns dados... Por exemplo, a Célia está precisando entrar em contato com todos os alunos para participarem de uma palestra segunda-feira... e eu não tenho o e-mails deles porque, nem todo mundo tem acesso à internet, né? Tem alunos aqui que são tão carentes que nem telefone próprio tem... Eles colocam o telefone de vizinho para recados... Madson – No caso da Márcia, que eu entrevistei, foi aluna do projeto. Você chegou a pegar esta época? Vera - Foi anterior... eu não trabalhava aqui, não. Quando eu cheguei aqui, ela já foi apresentada a mim como instrutora. Madson – Quem mais? Vera - O Sandro... tem vários... peguei o Sandro como aluno e depois eu o indiquei para ser instrutor, na época das máscaras. Porque o Sandro já trabalhava neste ramo, em escola de samba. Ele fez mais o curso para pegar o certificado dele. Estes certificados saem até com a logo do SEBRAE, do Ministério do Trabalho. Madson – O Sandro é este perfil do aluno carente que tem envolvimento com o carnaval, morava no entorno de escolas de samba... Vera - Justamente. Aproveitamos ele para dar aula. Madson – O Rômulo também? Vera - Não. O Rômulo trabalhava aí na LIESA com o Milton Cunha e ele saiu e foi aproveitado para dar o curso. Madson – Vocês têm curso de modelagem e costura, também? Vera - Temos... A Graça está dando aula... ela é modelista. Madson – Qual produto vocês estão fazendo? Vera - Ela dá, na realidade, ela faz modelagem de tudo que se imagina. Eles vão sair daqui sabendo costura, fazendo roupas, até modelagem. Alguns produtos dela vão para a loja. Outros, a gente aproveita para customizar. Em cima do trabalho dela, a gente customiza, faz customização. Madson – Para finalizar, deixe uma mensagem... quais suas expectativas para o projeto? Para a AMEBRAS, para os alunos e para você?


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Vera - Eu espero que todas as vezes que fazemos as oficinas e esperamos que nós possamos profissionalizar muitos alunos, né? Estamos sempre incentivando eles para que eles sigam neste ramo, pois o carnaval é muito grande e dele pode sair muita coisa. Inclusive, eu tenho outro aluno que estudou aqui e fez o curso de espuma. Ele hoje é um fornecedor do mercadão de Madureira. Ele fez um atelier em sua casa e fornece muito material para lojas. Madson – Que tipo de material? Vera - Ele faz material para festa infantil, muitos chapéus, escudos de times de futebol... diversas coisas... máscaras em espumas... e ele está ganhando dinheiro. Eu acredito que todos que fizerem como ele, ir à luta, não pode ficar em casa esperando as coisas acontecerem. Eu acredito que todos que passaram por aqui vão ter uma grande vitória. Só tem que correr atrás. Ele e outros que temos conhecimento, podem conseguir. Espero que a AMEBRAS, cada ano que passe, melhore e consiga profissionalizar bons profissionais e com a abertura da Cidade do Samba isso fez como que muitas pessoas conseguissem trabalhar, ter a sua profissionalização... é isso que as escolas de samba precisam... ter pessoas capacitadas para trabalhar nas escolas de samba, porque o nosso carnaval é a coisa mais maravilhosa que nós temos, no Rio de Janeiro e no Brasil. Madson – Fora do período de carnaval, eles podem produzir para as lojas da AMEBRAS, mas também em outros lugares. Vera - Isso mesmo. É o caso do Humberto. Ele não trabalha só na época de carnaval. Ele trabalha o ano todo para as lojas do Mercadão de Madureira, para a CADEG. Agora, está entrando no Saara, para as lojas que ele mesmo cria. Ele criou o próprio mercado dele. Fez a clientela dele e está vivendo disso. A Márcia também... Eu tenho diversos ex-alunos que estão vivendo assim... o ano todo produzindo. Eles mesmos criam, eles mesmos fazem. Madson – Então, a função dos cursos está sendo cumprida... Vera - Está dando certo...


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7.6 Depoimento de Ivana de Freitas, na Cidade do Samba, em 05/06/2008

Ivana - Meu nome é Ivana de Freitas, tenho 23 anos, sou formada em técnica de informática e estou cursando o quinto período da Faculdade de Educação Física, na UNISUAM. Como eu vim parar na Associação de Mulheres Empreendedoras do Brasil – AMEBRAS? É uma longa história. Como eu trabalho e estou me formando em professora de Educação Física, eu dava aulas de natação em uma academia, em Vila Valqueire. Por coincidência, um de meus alunos vem a ser filho de minha chefe, D. Célia Domingues, presidente da AMEBRAS. Tempos depois, fui pedir um estágio a ela, devido ela ter tido ligação com a Vila Olímpica da Mangueira, eu queria um estágio a mais. Ela me explicou que naquele momento, eles não estavam contratando estagiários, a lista estava encerrada e, ela me fez uma proposta. Como estava para sair um projeto – Segundo tempo de Samba – me fez a proposta de trabalhar com ela. Madson – Isso foi quando, Ivana? Ivana - Foi em Junho de 2006. Madson – Está fazendo dois anos, agora... Ivana - Isso, dois anos... O que foi que aconteceu? Ela me fez a proposta de três meses, até o projeto sair. Eu aceitei. Fiquei numa correria: de manhã, eu continuei dando aula, à tarde eu ia pra o escritório e à noite, eu ia para a Faculdade... Só que os meus horários para dar aula, ficaram mais complicados, mais escassos... e eu optei por ficar, continuar no escritório com ela, na área administrativa. Madson – Dos projetos sociais, é isso? Ivana - Dos projetos sociais, exatamente. Até que, a proposta que ela tinha feito, de dar aula no projeto, ela me optou de escolher dar aula ou continuar na área administrativa. Eu optei por estar, continuar na área administrativa, até porque eu já estava atuando fluentemente e até encontrar uma outra pessoa que começasse novo processo, novo trabalho, então eu dei continuidade. Madson – E o que era a área administrativa? O que você faz na área administrativa? Ivana - Eu contribuo com a Célia na elaboração de projetos, serviços burocráticos de área administrativa, como organização de arquivos, atendimento telefônico, atendimento ao cliente... Madson – Ai, teu horário aqui agora está sendo qual? Ivana - Meu horário, atualmente, está sendo de 8 da manhã até 17 horas, diariamente, de segunda à sexta. Antes, era só meio expediente porque eu estava dando aula. Agora é horário integral. Madson – Você é do samba? Ivana - Sou... O TELEFONE TOCA E IVANA INTERROMPE O DEPOIMENTO PARA ATENDER AO TELEFONE. Ivana - Minha trajetória no samba... Eu comecei... ou melhor, meu pai (falecido) era diretor de harmonia, entre várias escolas pelas quais passou, ele atuou na Imperatriz, na qual ele ganhou estandarte de ouro, na década de 1990... 1994 ou 1995. Madson – Como é o nome do teu pai?


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Ivana - Ivan de Freitas. Atuou no Paraíso do Tuiuti, Unidos da Tijuca, Lins Imperial, Arranco do Engenho de Dentro, nossa... várias. O último trabalho dele foi na Portela, mas infelizmente, ele não concluiu, pois no ano de 2004 ele veio a falecer. Enfim, como minha família é sambista, meu pai diretor não tinha como eu não me envolver com o carnaval. Minha mãe também gosta muito, e foi passista do Cacique de Ramos... Madson – Tua mãe foi passista? Que ótimo... Ivana - Minha mãe foi... do Cacique de Ramos. Madson – E tu gostas de carnaval? Ivana - Eu amo carnaval. Tanto que com isso, com 6 anos de idade, minha mãe não tinha com quem me deixar pra poder desfilar, ela queria porque queria desfilar, a roupa tava pronta, os meus irmãos mais velhos, todos foram viajar. O que que ela fez? O dono da ala, do Arranco do Engenho de Dentro, uma ala chamada “ala dos malandrinhos”, de calça branca, uma camisa listrada e um chapéu de Panamá... todo bordado. Ele fez uma camisa infantil pra mim, minha mãe costurou uma calça branca e me levou pra desfilar. Conseguiu autorização com o Juizado de menor, eu era uma criança de 6 anos de idade. Desde então, nunca mais parei de desfilar... tornei-me a mascote da ala. Essa ala foi para outras escolas, passou pela Unidos de Lucas, Unidos da Tijuca e eu acompanhando. Até que em 1998... O TELEFONE INTERROMPE MAIS UMA VEZ... Ivana - Minha trajetória começou quando eu saí da ala dos malandrinhos, na Unidos da Tijuca... Foi meu primeiro ano como passista... Sempre gostei muito de samba... Madson – Ah! Você foi passista? Ivana - Fui passista... Desfilei na Unidos da Tijuca, mas minha estréia foi na Lins Imperial. Neste mesmo ano, sai na Lins Imperial, na Unidos da Tijuca e na Arranco do Engenho de Dentro, como passista. No ano seguinte, em 1999, permaneci na Unidos da Tijuca como passista e desfilei lá até o ano 2000. No carnaval de 2001, eu passei a ser composição de carro. Desfilei 2001 e 2002. Em 2003 e 2004, eu não desfilei. No ano de 2005, eu desfilei no carnaval da Unidos Tijuca, como homenagem ao meu pai... VERA INTERROMPE A O DEPOIMENTO PARA PEDIR UM MATERIAL DE ESCRITÓRIO A IVANA. Ivana - Como eu tinha perdido meu pai em dezembro de 2004, conforme havia falado, o presidente da Unidos da Tijuca, me deu a camisa da diretoria da escola para desfilar. Ele me disse que meu pai ficaria feliz com isso e eu concordei com ele... muito emocionada, mas desfilei. Em 2006, foi minha realização como passista, porque eu sou mangueirense louca de paixão, não escondo de ninguém. Meu coração é verde-e-rosa, uma paixão... choro e tudo. Eu ganhei uma fantasia de passista. Desfilei como passista. Foi muito bom... foi a minha emoção, a minha realização. Em 2007, repeti a dose. Novamente, desfilei na Mangueira. Não desfilei em outra escola. Nesse carnaval de 2008, eu resolvi fazer algo diferente. Como eu desfilo desde os 6 anos de idade, nunca tinha saído do Rio, no carnaval eu resolvi descansar um pouquinho ai viajei. Mas, ano que vem estou na avenida novamente. Gosto muito... Amo o carnaval. Madson – Deixa eu te perguntar sobre estes projetos da AMEBRAS, essa situação de cursos de profissionalização e qualificação profissional de mão-de-obra. O que


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você acha? Qual sua opinião sobre os projetos e qual a repercussão junto à Cidade do Samba, porque esse projeto da Célia veio aparecer com a Cidade do Samba. Você o conheceu justamente por causa disso? Ivana - Exatamente. Foi uma alavanca de ambas as partes. Foi uma alavanca tanto para o projeto social da AMEBRAS, quanto para a Cidade do Samba. Quando estava sendo montada a estrutura da Cidade do Samba, a Célia Domigues fez uma parceria com o presidente da LIGA, Sr. Jorge Castanheira. Na realidade, na época, quem estava à frente era o Capitão Guimarães. Então, implantar os projetos da AMEBRAS aqui na Cidade do Samba sempre foi um sonho da Célia. Sonho esse que, graças a Deus, eles deram oportunidade de tornar realidade. Madson – Que já vem de uma experiência dela como primeira-dama da Mangueira... Ivana - Exatamente. Já vem de uma experiência dos projetos que ela executava na Mangueira. Tudo começou lá. Graças a Deus, expandiu. Ela colocou pulso firme... Até saiu uma matéria sobre ela dizendo que a mão-de-ferro da Mangueira, veste saias. Ele corre atrás, ela se empenha. A gente costuma brincar que ela é uma formiguinha, que vai cavando um buraquinho e quando a gente vê está uma monstruosidade. Meu ponto de vista é que os projetos sociais dependem de todos nós. Se cada um faz um pouquinho, as coisas melhoram, porque é tanta gente precisando de uma oportunidade. Madson – Fale um pouco melhor dos objetivos principais dos projetos... Ivana - O objetivo do projeto é qualificar, capacitar as pessoas, homem, mulher e adolescente, para que eles possam ingressar nessa dificuldade que é o mercado de trabalho. Até mesmo conseguir promover a sua própria mão de obra. Ter um recurso próprio para o seu sustento. A finalidade do projeto é esse, ajudar. Qual é a forma que a Célia faz isso? Com oficinas profissionalizantes ligadas ao carnaval e outras independentes de carnaval, para não ficar única e exclusivamente dependendo do carnaval. Porque fica aquela dúvida: acabou o carnaval, o que vou fazer? Madson – O restante do ano... Ivana - Isso... o restante do ano, os meses decorrentes. Aqui tem oficinas que não dependem única e exclusivamente do carnaval, como bijuterias, cartonagem, customização... que são tipos de trabalhos independentes. Você pega uma blusa, recorta e customiza, você vende. E com a venda deste produto feito por você mesmo, você consegue ter o dinheirinho e comprar o seu alimento, pagar sua casa e manter os estudos de seus filhos. Madson – Como você classifica os produtos feitos aqui ou que são vendidos pelas lojas? É artesanato? Ivana - É tudo artesanal... A proposta da Célia é pela mão de obra. Ela optou por trabalhar com produtos artesanais, não-industrializados. Essa é a proposta. Madson - Porque? Ivana - Não precisa de máquina. O produto não-industruializado. Madson – O processo quando o aluno finaliza o curso, para ele receber o certificado e sobre o banco de dados... Ivana - Nós estamos criando um banco de dados... um cadastro de todos os alunos que fizeram os cursos e estão aptos a trabalhar. Fica disponível para as escolas de samba, os carnavalescos e os parceiros dos projetos. O aluno qualificado fica com o cadastro reservado. Por exemplo, se um cenógrafo está precisando de um


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estagiário, ele entra em contato conosco, a gente seleciona o aluno e indica para ele. Madson – Então, essa é uma segunda etapa do projeto? Depois da qualificação, o encaminhamento para o mercado. Tem funcionado? Ivana - Tem sim. Muitos já saem daqui trabalhando. Outros começam a trabalhar por conta própria. Mesmo aqueles que não conseguiram imediatamente, tempos depois eles nos contatam para informar que já conseguiram, para nos comunicar que conseguiram trabalho. Ou para informar que estão conseguindo o seu objetivo. Eles ligam, para dar um retorno sobre sua atuação e agradecer pelo que nós fizemos. Madson – Fale-me um pouquinho sobre as dificuldades de tocar o projeto. De uma maneira ou de outra, você está à frente do projeto, porque você está sempre junta com a Célia. Não peço para que fale por ela, mas você percebe as principais dificuldades para manter o projeto, em seu dia-a-dia. Ivana - A principal dificuldade é manter o projeto. Conseguir a capacitação de recursos. Quando se elabora um projeto, alguém precisa acreditar e fazer que alguém acredite que sua idéia é válida, é um tanto quanto complicado. Madson – Você está falando da captação de novos parceiros? Ivana - De parceiros e cursos, né? Porque quando você chama um parceiro e mostra sua idéia, ele tem que liberar recurso. Madson – Mas o parceiro não vai fazer isso só porque você é boazinha... Tem uma contrapartida. Ivana - Tem toda uma questão de prós e contras. Ele não vai me dar o recurso dele em troca de nada. Nós também oferecemos a ele a divulgação da marca dele, a marca da empresa no uniforme da instituição. Aqui, nós usamos camiseta e avental, em alunos e instrutores. A camiseta para os alunos e o avental para os professores. A vinculação da marca dele em todo o material de divulgação, inclusive o site da instituição. Nada é de graça, tudo é uma troca. Quando a gente consegue que um acredite, invista e que o projeto está indo em frente, graças a Deus, tem sempre um que está querendo entrar também. Conseguir manter que a grandiosidade que é a AMEBRAS. Madson – Pode-se dizer que o maior parceiro da AMEBRAS é a LIESA? Ou ela é a madrinha? Ivana - Pode-se dizer que seja padrinho e um dos principais parceiros. A LIGA foi fundamental no ponta-pé da AMEBRAS. Madson – Até porque a AMEBRAS está intimamente ligada à LIESA... Ivana - Está ligada, não deixa de estar. Além da parceria... uma amizade muito grande. E ficou maior ainda depois que conseguimos implantar o projeto aqui, na Cidade do Samba. Madson – Vocês têm o quarto andar... e agora, já invadiram o terceiro? Ivana - É como eu digo... a Célia vai cavando... começou pequena... com divisões de painéis... que eram as salas de aula... o escritório era uma sala minúscula, onde hoje é a copa. Conseguimos fazer as obras para as salas de aula, um escritório decente. Então, o quarto andar é exclusivamente para o andamento das oficinas e com uma parte administrativa para coordenação dos cursos, feita pela Sra. Vera. Invadimos o terceiro andar, onde ficou toda a parte burocrática, o escritório da Célia, onde fazemos as reuniões e recebemos os parceiros, além da criação de projetos... Não deixa de ter oficinas aqui, também. Abrimos o centro de


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informática, internet comunitária, temos o salão de beleza e o espaço de massagem. Madson – Quem são as pessoas e empresas que procuram vocês para pedir estagiários e para se associar, como parceiros: teatros, escolas de samba? Ivana - Nas escolas de samba, os carnavalescos nos procuram por estagiários para integrarem as equipes de bancadas e interagirem com suas equipes formadas nos barracões. Nós temos uma procura grande de produtores de teatro e cenógrafos, além de confecções... Madson – E procuram por pessoas para trabalharem em eventos... Há uma saída dos produtos feitos nas oficinas para os eventos, como souvenirs? Ivana - Participamos de eventos, sim. Algum tempo atrás, uma pessoa nos procurou para fazermos uma festa infantil... está sendo uma novidade. A procura maior é por souvenirs: máscaras, adereços de cabeça com temática carnavalesca. Em período de carnaval, montamos exposições e oficinas em shoppings, até o término do carnaval ou até 15 dias depois. A gente monta um stand com amostras de fantasias e criamos uma oficina para crianças e adultos. As crianças gostam sempre de uma novidade, pois os pais podem ficar despreocupados enquanto eles compram, os filhos ficam com a gente. As crianças ficam pintando, sentindo o material...e saem já com a máscara para a folia... é uma brincadeira que torna-se um aprendizagem. Madson – Quais os produtos colocados para venda nas lojas? Ivana - Dentre vários, temos máscaras, adereços de cabeça, colares, bonecas em miniatura (passista, baiana, casal de mestra-sala e porta-bandeira), porta-lápis... produzidas nas oficinas e depois de avaliados são encaminhados às lojas. Temos uma loja na Cidade do Samba e outra no Sambódromo. Temos também os artesãos já qualificados que trazem os produtos, autônomos. Madson – Quem é o cliente da AMEBRAS? Das lojas? Ivana - Nós temos muito turistas, nacionais e internacionais... e, também, há a procura de moradores locais. Madson – Além dos produtos há também a visitação da cidade do samba e ao Sambódromo? Ivana - É. É onde o turista do Rio, outro estado ou pais... tem a possibilidade de estar levando para casa um pouquinho do nosso carnaval e tirar foto com fantasia. No Sambódromo, ele está realmente no Palácio do carnaval. Ele se veste com a fantasia e sente um pouquinho da emoção do carnaval. Madson – Você acha que os objetos que eles levam... os souvenirs falam do carnaval e representam o carnaval? Ivana - Falam e representam o carnaval. São completamente alusivos ao carnaval. São baianas, passistas, sambistas... Madson – Você que já foi (e é) do samba se identifica com estes produtos? Ivana - Existe uma artesã que fez uma passista em miniatura para mim: uma passista negra, com cabelo amarrado assim como o meu, sambando toda bonitinha... muito parecida comigo... eu me identifico muito. Madson – Quais as suas expectativas com o projeto? Ivana - Que ele se estabeleça e cresça cada vez mais... que se expanda cada vez mais... o mundo ai fora é muito grande e ele nos engole rapidamente, a luta é muito grande, temos que batalhar... temos que correr atrás, buscar e batalhar pelo melhor... sempre. Desistir, jamais.


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7.7 Depoimento de Jurema Martins Correa Lemos, na Cidade do Samba, em 17/07/2008

Jurema - Meu nome é Jurema Martins Correa Lemos. Tenho 58 anos, sou moradora de São Cristóvão e já trabalho nesta área de carnaval há um bocado de tempo, tenho uma longa caminhada ai. Eu iniciei este trabalho, na realidade, fazendo fantasias na minha casa. Eu comecei a fazer trabalhos para a Portela... Isso nos anos (19)80... fantasias de ala para a Portela, para a Tuiutí, porque eu desfilava lá e na época nós não podíamos pagar. Então, eu fazia em casa. Madson – Você mora perto da Tuiutí? Jurema – Eu moro em São Cristóvão, Benfica.e a Tuiutí é no Campo de São Cristóvão... Então, eu me iniciei assim. Depois disso, surgiu um curso... eu já tinha feito bastante fantasias... um curso na Mangueira de adereços e eu me interessei. Fui lá na Mangueira para fazer este curso... Madson – Na quadra? Jurema – Na quadra mesmo, na Visconde de Niterói... Chegando lá, iniciei fazendo este curso... Madson – Espera um pouco... Voltando para as suas fantasias: você costurava? Jurema – Fazia tudo, professor. Madson – Mas, você fazia para um presidente de ala... A ala não era sua... Jurema – Eu pegava o desenho com o carnavalesco da escola e ele dizia... Naquela época, não era tão organizado como é hoje, né? Ele dizia: olha a fantasia é essa... Eu ia para casa e desenrolava no negócio. Então, me inscrevi neste curso da Mangueira, pois bem.. Mas, acontece que eu acho que por causa da minha eficiência, não sei... O professor começou a ficar um pouco desinteressado e ele também morava longe... Madson – Tinha muita gente? Jurema – Eram entre 15 e 20 alunos... Madson – E como você soube disso? Foi jornal? Jurema – Ai, eu não me lembro se foi jornal, se foi... Não lembro. Então, comecei este curso e me saí muito bem. Porque eu já vivia metida nisso, em adereços... Madson – O que eles ensinavam? Jurema – Eram as coisas básicas: trabalhar com a pistola, era trabalhar com estes materiais alternativos, mandavam fazer determinados adereços, eu fazia. Este professor morava em Niterói... Era distante para ele. Madson – Você lembra como era o nome dele? Jurema – Lembro. Era João Calheiros. Madson – Você lembra em que mês do ano foi isso? Não era perto do carnaval? Jurema – Era no começo do ano... Todos os cursos da Mangueira começam no início do ano e terminam em meados do ano. Depois, recomeçam outros em agosto que vão até dezembro. Madson – Isto faz parte dos projetos sociais da Mangueira? Jurema – Isso... Projetos sociais... Então, como o professor morava distante e via que eu me saia bem, ele entregava o grupo na minha mão... Ele dizia, ligava: Jurema, hoje você dá aula para mim... Madson – Você passou a ser monitora dele...


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Jurema – É... Aí, logo depois... Ele tinha muitas atividades... Ele é carnavalesco lá (em Niterói). Mexia muito com festas e tal... Ele me pediu para que eu ficasse... Aí, a coordenadora me perguntou se eu queria ficar no lugar dele... Madson – Isso, antes dos cursos terminarem... Foi quanto tempo este curso, Jurema? Jurema – Foram 4 meses... Aí, ele me perguntou se eu queria pegar a escola... Eu comecei a dar aula... Nesta brincadeira, já tem uns 10 anos, 12 anos... Logo depois, a Célia começou... Porque lá, os projetos sociais da Mangueira começaram através da Célia... Madson – Você sabe por que os projetos sociais da Mangueira começaram com a Célia? Jurema – Ela começou este trabalho lá porque o marido dela era o presidente da Mangueira e ela, como primeira-dama da escola, iniciou este trabalho para a comunidade. Dali a Célia começou o projeto dela na AMEBRAS e me chamou também. Madson – Então, você já dá aula para a AMEBRAS desde o começo? Tem quanto tempo? Jurema – 10, 12 anos... Madson – Sempre de adereços? Aliás, o que você chama de adereços? Jurema – Professor... Tudo, tudo... Dos pés à cabeça... Madson – O adereço é o que complementa a fantasia... Jurema – É lógico... A fantasia em si, também é adereçada, enfeitada... Não deixa de ser... Você faz a roupagem e você adereça a roupa... Madson – Qual era o objetivo deste curso? Jurema - Era preparar os profissionais para a área... para trabalhar junto aos barracões das escolas de samba... Madson – Mas, se o carnaval só acontece uma vez por ano... Jurema – Mas, acontece que em meados do ano acontece muita coisa, muitas atividades... Eu tenho alunos meus que trabalham em Casas de Shows, o ano todo... Fazendo adereços. Você há de convir que a cidade tem muitos turistas... Então, o show acontece não somente no carnaval. No Rio de Janeiro, o carnaval é o ano inteiro, entende? Esta área deste curso meu... Ela te dá chance, te abre novos caminhos, outros rumos... E você usa isto aqui (apontando para os adereços que ela trouxe para eu fotografar) para outros tipos de trabalhos... Madson – Tipo o quê? Jurema – Você pode trabalhar com ornamentação ambiental, com festas... te dá ampla abertura para outras coisas... Madson – Então, você considera que o que faz nestes cursos com seus alunos é despertar a habilidade manual para trabalhar em outras áreas que trabalham com o mesmo tipo de material... Jurema – É isso mesmo... Madson – E você vem dando estes cursos desde sempre, desde o começo da AMEBRAS? Jurema – Sempre, sempre, sempre... Madson – O que você fazia antes? Jurema – Eu, eu.... Não tinha interesse com outras coisas não... trabalhava fazendo flores... Madson – Você já trabalha com coisas manuais? Jurema – Artesanais... Artesanato. Sempre artesanato.


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Madson – Mas, você vendia ou era só para consumo próprio? Jurema – Fazia alguma coisa… Vendia… Eu sempre me interessei por pintura em tecidos, fazer sabonetes... Madson – Então você sempre foi interessada nestas coisas... Começou a dar aulas no projeto e depois passou a viver só de dar aulas? Jurema – Faço carnaval também... Trabalho em Escolas de Sambas... Todo ano me encaixo em equipes que me chamam. Madson – Tem alguma Escola certa? Jurema – Não, professor. O certo é a parte financeira: onde me pagam, eu vou. A verdade é essa. Madson – Você vai se oferecer? Jurema – Tem muitas pessoas que já me conhecem. A gente acaba ficando conhecida né? As pessoas me chamam, me convocam: Jurema, tem um trabalhinho ai, vamos fazer? Quem já conhece meu trabalho, né? Eu trabalhei 4 anos direto para a Mangueira, porque a Mangueira fazia roupa com uma confecção em São Cristóvão, a Mr. Coat. A empresa fechava negócio com a diretoria da Escola e a Mr. Coat me chamou para fazer a roupa da diretoria (aquelas pessoas que acompanham o desfile). Eram roupas normais, mas agora são fantasias também. Madson – A Mr. Coat lhe chamou para costurar? Jurema – Não... Para adereçar. Eles faziam a parte de costura, porque tinha estrutura para isso e eu ficava no adereçamento. Eu ia com minha equipe e fazia para toda a diretoria da Mangueira, durante 4 anos. Inclusive, fiz as Marias Bonitas e os Lampiões, no ano Campeão, em 2002. Madson – E o que você fazia no restante do ano? Jurema – Sempre dando aula... Eu vivo disso. Dou aula e faço meus objetos para vender, para encomendas, para quem se interessa. Na Mangueira, eu deixo muitas coisas... Lá é freqüentado por muitas pessoas e as pessoas que vão na feiras de artesanato em Brasília, Belo Horizonte, Goiás.. Tem um caso agora, recente de uma feira que a Mangueira foi e uma senhora viu meus trabalhos expostos lá. Ela pediu, se interessou, pediu, gostou, pediu o meu telefone para entrar em contato comigo e a secretária lá deu... Ela entrou em contato comigo... Queria uns trabalhos... Marquei com ela aqui no Rio (ela era daqui do Rio de Janeiro) e fui conversar com ela. Ela é a presidente da rede de lanchonetes PALHETA e esta mulher, ela tem algumas lojas no aeroporto Tom Jobim, Galeão... Ela me contou que precisava desta material para botar lá... Madson – E ela lhe falou o que queria? Jurema – Eu levei meu material e ela falou o que queria... Levei arcos, adereços de cabeça, bonecas em miniatura, máscaras... Aquelas máscaras bonitas, com plumas... Madson – Aí, ela lhe encomendou? Jurema – Encomendou... Tanto é que, neste carnaval, eu estava trabalhando aqui para a Célia, fazendo a fantasia das crianças do Império Serrano... Eu fiz aqui, na Cidade do Samba... Então, quando cheguei em casa, ela tinha me telefonado pedindo mais trabalhos... Madson – Era muita coisa? Jurema – Ah, professor... Foram umas 60 peças, variadas... Madson – Isso foi quando?


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Jurema – Agora, carnaval (2008)... Janeiro, porque carnaval foi dia 02 de fevereiro... Madson – E você já fez outras coisas para ela, depois disso? Jurema – Não... O interesse dela é esse... Madson – Mas, ela já vendeu? Ela lhe pagou tudo? Jurema – Pagou na hora... E ela já me encomendou mais para as duas lojas. Madson – E como você faz para vender mais isso, essas suas peças? Fora essas encomendas? Você vende também nas lojas da AMEBRAS? Jurema - Aqui é feito da seguinte maneira: eu dou aula, na aula é fornecido o material, né? Porque os alunos fazem, produzem aquilo que eu ensino e todo esse material (produtos) é colocado nas lojinhas para vender. Como na Mangueira também... Lá, tem uma lojinha, a boutique da Mangueira, onde tudo é vendido para quem freqüenta a quadra. Madson – Na AMEBRAS, na Cidade do Samba e no Sambódromo... Jurema – Isso, isso... Tem material meu mesmo e dos meus cursos, para vender. Madson – Eu vi produtos seus nas lojas da AMEBRAS... Jurema – É... Quando me pedem, me telefonam pedindo produtos: arcos, bonecas... E eu mando para lá. Madson – Eles mexem na sua maneira de fazer? Desde quando você começou, há mais ou menos 10 anos, você tem mexido no seu produto, alterado? Jurema – Eu melhoro, procuro outras idéias, estou sempre pesquisando, sempre olhando... Madson – Como você pesquisa? Jurema – Ah, professor... Eu vejo mil e uma coisas. Por exemplo, esse Parintins, eu copiei e eu já reproduzo isso, boto nos meus trabalhos... Vou fazer agora, pode ter certeza... Eu faço assim... Madson – Estas miniaturas que você está fazendo, principalmente de baianas e passistas... Jurema – Eu faço fantasias diversas, em miniaturas... Tudo desse tamanho aí... (apontando para a baiana em cima da mesa)... Eu compro a boneca, faço a roupa... Tudo isso ai eu faço... Eu faço o desenho... Eu tiro da minha cabeça... Eu invento... Madson – Você desfila no carnaval? Jurema – Eu desfilo na diretoria da Mangueira, faço parte da ala feminina da Escola. Madson – Mas, você nunca copia o modelo das fantasias da Mangueira... Jurema – Não, não... E nem dá, né? É uma coisa tão miúda... Você nem pode extrapolar... Não pode ficar inventando muito... Uma baiana deste tamanho aí... Não foge muito disso aí... Madson – Me diga uma coisa: porque sua baiana é branquinha? Jurema – Não, não... Isso aí varia muito... É de acordo com o que eu tenho... Mas, também tem pretinha... Só que é mais difícil encontrar... Apesar de ser mais procurada... Sabia? E nem é mais cara... É a mesma coisa... É porque na loja, nem sempre tem delas... Madson – Eu já mostrei na Faculdade estas bonecas e elas eram brancas e me perguntaram o por quê? Jurema – Às vezes, a gente não acha pretinha... E eu tenho necessidade de fazer, porque tenho que trabalhar... Eu acabei um curso agora... Formei alguns alunos,


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na semana passada... Na formatura da Mangueira que eu lhe mostrei o convite... Eu não posso ficar esperando a baiana pretinha chegar na loja... entende? Madson – Lá no curso da Mangueira, vocês também fornecem todo o material? Jurema – Também... E o produto também é vendido na boutique da Mangueira... Direto... Madson – Mas, este curso que você formou agora na Mangueira não tem nada com este da AMEBRAS? Jurema – Não, não... É outra pessoa que está coordenando os cursos lá... Madson – E este material que você usa para produzir suas peças, você compra tudo? Jurema – É resto de material também... Eu aproveito fantasias... Se você me der um pedaço de calça cortada, eu aproveito... Eu acabo o desfile de carnaval, venho embora para casa... Eu venho igual a uma lixeira... Eu venho catando tudo o que eu encontro pela frente... Eu garimpo tudo que sobra da avenida, no chão... Qualquer lugar, na dispersão... Até aquele portão último de saída nosso, eu pego tudo... Eu já vou para o desfile com um saquinho aqui na minha roupa para levar as coisas que pego na volta... Levo tesoura para ajudar... Madson – E este material que você recolhe dá para suprir durante o ano todo? Jurema – Dá porque isso aí... é pequeno... São pedacinhos de pano... Madson – E você tem espaço em casa para guardar tanta coisa? Jurema – Eu tenho, né? Eu guardo muita coisa para aproveitar, tranqueira... Muita coisa... Eu guardo o lixo dos outros... Tudo eu guardo... Tudo eu aproveito... Eu reciclo tudo... Madson – E a maneira de como você dá forma... Sai tudo de sua cabeça? Jurema – Sai tudo de minha cabeça... Eu me sento... Eu pego uma caneta, um lápis e sento lá para desenhar... Me viro nos 30, né? Tá vendo essa boneca infantil aqui? É feita de meias soquetes... com acrilon por dentro para dar volume. Um dia, eu fazendo compras na Cidade, vi no jornaleiro uma boneca como essa... Estava escrito: boneco feito com meia soquete... Olhei, olhei, olhei... Quando cheguei em casa, peguei uma meia velha lá, do meu filho, enchi de coisa, peguei um restinho de pluma que tinha lá... Ai fiz... comecei a dar forma... Madson – E tem sido bem vendido? Jurema – Tem, tem... As pessoas compram para criança... Esse boneco eu comecei a fazer no ano passado... Olha, no dia da formatura, tinha uns 10 na mesa... Só voltei com 3... Madson – Você tem muito produto já feito em casa? Jurema – Não... Madson – Você vai fazendo na medida em que vende? Jurema – É.. Não dá tempo para isso, porque eu faço, vendo... Faço, vendo... Não dá tempo... Eu sou sozinha... Mas, meu marido me ajuda muito... Na minha casa, somos só eu, meu marido e meu filho... Meu filho está para casar... e trabalha... Só tenho ele de filho... Filho único de mãe casada... Madson – Você está vivendo disso, de produzir objetos para vender e dar aulas? Dá para viver bem? Jurema – Dá... Estou satisfeita com o que eu faço, pois faço com amor, com carinho e ainda ganho dinheiro... É muito importante você fazer aquilo que você gosta, né? Gostar do que faz... Você não trabalhar somente pelo dinheiro... Também pelo dinheiro, porque hoje em dia é impossível viver sem dinheiro, mas


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a importância maior não está no dinheiro. A minha importância maior está no que eu faço... Em curtir aquilo que eu faço... E eu gosto muito! Madson – Se você não tivesse essa atividade, o que estaria fazendo? Jurema – Não sei... Talvez, de repente dando aula ou fazendo outra coisa... Madson – Como você se define? Você se acha o que? Jurema – Uma aprendiz... Todo dia eu aprendo um pouquinho... Madson – E se eu lhe perguntar qual sua profissão? Jurema – Eu sou aderecista... Eu faço adereços para carnaval, para quarto de criança, para outras coisas... Madson – Você resolveu sua vida assim... Para você, tudo que você produz é adereço? Jurema – É... Tudo que faço é adereço... Madson – Alguém interfere em sua criação? A própria Célia direciona muito, né? Jurema – Ela faz isso, sim... Mas com minhas coisas, não... Eu já trago e ela aceita... Madson – E ela nunca pede para você fazer coisas novas? Jurema – Tem um material... Este arco aqui, este colar... Eu desenvolvi até a embalagem... Madson – Quem compra seu produto? Jurema – São turistas de um modo em geral... Tanto os estrangeiros, quanto os brasileiros... Madson – Como você sabe? Já foi lá para a loja? Jurema – Por exemplo, na Mangueira... A boutique está aberta na hora do samba... Na hora que chegar gente lá a loja é aberta... Os orientadores de turismo já levam lá... NESTE MOMENTO JUREMA ME ENTREGA UM PRESENTE: UMA MÁSCARA EM MINIATURA ENFEITANDO UM ARO, TRANSFORADO EM CHAVEIRO. Madson – Você faz isso (chaveiro) para vender? Jurema – Faço... Tem vários chaveiros com as bandeiras das Escolas... Eu não sabia qual era a sua Escola de Samba, por isso fiz a máscara... Madson – Qual o seu produto que sai mais? Jurema – Eu anoto tudo o que eu vendo... Vende mais este arco (apontando para um arco em cima da mesa com flores de tecido)... Já devo ter feito mais de 3000 arcos como esse aqui... Sai muito... A Célia me pede 150 por vez... Teve uma festa que o convite era este arco, lá de Minas... Ela me pediu para ser o convite... Desta vez, eu fiz uns 300 arcos destes. Mandei para ela pelos correios... Fiz tudo em 1 mês... Foi muito rápido. Aqui no Rio, a Grande Rio me pediu para fazer para as mulheres que eram convidadas para o seu camarote... A mulher do presidente que me encomendou... O convite para entrar no camarote era a camiseta e os arcos. Algum tempo atrás, fiz também estes arcos para a esposa do Garotinho, D. Rosinha Garotinho pediu para o camarote dela... Madson – Mas, uma parte do material você tem que comprar como os arcos... Quem compra para você? Jurema – Sou eu mesma que compro para meus produtos... Tudo eu que faço... Eu e meu marido somos unidos... Família que vive unida, né? tem que trabalhar unida... Madson – Existe uma peça, um produto que você goste mais de fazer?


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Jurema – Não... Mexeu com paetê, já está de bom tamanho... Eu brinco de carnaval, mesmo fora de época...


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7.8 Depoimento de Shirley Melo, na Loja do Sambódromo, em 21/07/2008 Shirley – Meu nome é Shirley Melo, tenho 54 anos e moro em Ricardo de Albuquerque. Sempre trabalhei com o comércio, em geral. Quando era mais jovem, produzi bijuterias e fui representante de vendas. Madson – Como você se define? Qual a sua profissão/ocupação? Shirley – Minha profissão é contabilista. Sou formada em Contabilidade pela Universidade Gama Filho, mas exerci por pouco tempo. Meu pai era militar, mas tinha um escritório de contabilidade, em que eu assinava alguns balanços. No entanto, meu dom mesmo sempre foi comercial, assistente de vendas, lidar com o público... Aí conheci a Célia Domingues com vendas. Fui representante da marca dela, Quartz, uniformes industriais. Madson – Como você chegou até a Célia? Já vendia outros produtos? Shirley – Por intermédio de minhas bijoux... Aí fui trabalhar na Mesbla... Trabalhei por 18 anos na Mesbla. Minha seção era decoração. Quando a Célia me chamou para trabalhar com ela, eu ainda estava na Mesbla. Quando a Mesbla acabou, fui trabalhar com a Célia, como representante comercial dela, de uniformes industriais e alguns produtos de moda. Madson – Isso foi mais ou menos em que ano? Lembra? Shirley – Por volta de 1990. Já trabalho com a Célia há muito tempo. Ela abriu uma papelaria, mas eu já era representante dela. Fui ser gerente na papelaria dela, em Madureira. Ela resolveu mudar de área, devido a um ciclo de amizades que ela tinha. Eram empresárias que elas se reuniam, às sextas-feiras no centro comercial de Madureira. Ela fazia parte desta associação. Ela percebeu que precisávamos expor nossos produtos. Foi quando ela propôs a criação da Associação das Mulheres Empreendedoras do Brasil – AMEBRAS. Ela ainda teve também um salão de cabeleireiros. A papelaria abria às 7 h da manhã, por causa do movimento das escolas que existiam perto da papelaria. A loja ficava da Estrada da Portela e passava muitos alunos por lá. Madson – E quanto tempo durou esta papelaria? Shirley – 8 anos. Mais aí, cresceu, né? Expandimos com outros produtos: o artesanato. Foi neste período que a Célia foi para a Mangueira (como primeiradama) e criou os projetos sociais. A preocupação da Célia sempre foi este... Eu quando saí da Mesbla, tinha que criar minha filha, né? A Célia viu o sacrifício de outras mulheres, como eu... As mulheres gostam de artesanato... Ela queria que as mulheres produzissem para vender seus artesanatos. Ela botava na loja... Sempre tentando melhorar a questão da renda familiar da mulherada... Para ter sua própria fonte de renda. Então, eu mesma criei minha filha, que já é formada, com meu próprio trabalho, pois eu me separei do pai dela quando ela tinha 3 anos de idade. Tive um pouco de ajuda do meu pai e de minha mãe, mas foi meu trabalho que me sustentou. Eu tenho um orgulho danado! Mas, eu gosto muito do que eu faço... Gosto demais! Não é só aqui, não. Quando eu trabalhava na Mesbla, era de 16 às 20 h, no Barra Shopping. Eu chegava 10, 11 h da manhã. Eu chegava e ia arrumar toda a minha seção, que era imensa, colocar as coisas no seu devido lugar: flores, prataria, louça... Conferia meu estoque, ia repor a loja todinha... Depois, eu ia tomar um banho, me maquiar, arrumar para começar a atender às clientes.


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Madson – Mas, você falava da ação da Célia na Mangueira e o início dos projetos sócias dela como Primeira-Dama da Mangueira... E como a ONG começou a sair da idéia e começou a atuar efetivamente? Shirley - Começou a sair da idéia... Quando ela saiu da Mangueira, ela montou a sede da ONG na General Justos (escritório central). Ela continuava com a loja dela em Madureira. Depois, nós fomos para a Praça Tiradentes, onde ela abriu um Centro Comercial... Madson – Aquele prédio cor de rosa? Lá está fechado, agora? Shirley – Não... Lá, tem cursos de telemarketing, cavaquinho... Aquele prédio é da Prefeitura e ela conseguiu, através dos projetos sociais... tomar conta e implantar os cursos também lá. Aqui também, no Sambódromo, foi a Célia quem conseguiu. Ela procurava um local, no qual os turistas freqüentassem para colocar alguns produtos a venda, das mulheres que produziam... Aqui (apontando para a lojinha), não tinha nada. Eram somente as pilastras e o teto. Ela conseguiu e fez as paredes para fechar. Ela achava que deveria ter alguma atividade aqui no Sambódromo, pois quando os turistas chegavam para ver o Sambódromo só encontravam as arquibancadas de cimento, mas em nada lembrava o carnaval que eles imaginavam. Ela trouxe umas fantasias para cá e permitia que os turistas se vestissem para serem fotografados, aproximando da realidade do carnaval. Hoje, é o que ainda acontece... Veja aí estas fantasias expostas e o vídeo (DVD) que fica passando cenas, o tempo todo, do último desfile de escolas de samba. Aqui no Sambódromo existia um Museu para os visitantes, mas ficava mais distante... As pessoas não queriam ir até lá, pois já se aproximava da favela e tinham que caminhar, era meio deserto. Aqui, não... A nossa loja fica logo na boca da passarela. Quando os carros chegam, estacionam na frente da loja. Madson – Ela começou sozinha? Shirley – Quando ela montou o projeto para conseguir este espaço, convidou o Sr. Dionísio, que foi um famoso Mestre-Sala para ele implantar aqui o projeto de cursos para novos Mestres-Salas e Portas-Bandeiras. Aos sábados, há aulas aqui com crianças pequenas e adolescentes. O Sr. Dionísio já possui esta escolinha há 18 anos. Desta forma, a lojinha ficou dividida em duas partes: a do Sr. Dionísio é responsável pela venda de produtos industrializados com apelo na cidade do Rio de Janeiro e o carnaval; na outra metade da loja ficam os produtos feitos artesanalmente e saídos dos projetos sociais. A AMEBRAS já fez 10 anos e aqui no Sambódromo já estamos há 7 anos. Foi daí que saiu o projeto Carnaval e Cidadania. É uma parceria deles dois: da Célia e do Sr. Dionísio. Madson – Quem escolhe o produto dele ou da AMEBRAS é o próprio cliente/turista? Shirley – Sim. Eles é quem escolhem o que querem levar ou fotografar. Os clientes pagam R$ 3,00 (Três reais) para vestirem as fantasias e fotografarem. Os produtos dele são industrializados, como: canecas, pratos, chaveiros, miniaturas do Cristo Redentor... Essas coisas que você vê aí. Ele tem duas funcionárias que atendem aos clientes e a AMEBRAS tem duas, eu e a Adriana. O trabalho do Sr. Dionísio é a dança, mas este é o meio dele sobreviver. Ele compra os produtos industrializados para pagar os funcionários que falam sobre o projeto dele, que é lindo. Sábado passado, houve uma festa aí, na quadra, com os alunos dele. Ele fica extremamente feliz quando uma Escola de Samba pede indicação dele para algum aluno fazer parte da agremiação. A Selminha Sorriso (Porta-Bandeira da


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Beija-Flor) saiu do projeto dele. A Lucinha Nobre, da Mocidade, também. É parte da memória do carnaval... É belíssimo! Madson – Você acompanhou desde a fundação da chegada aqui? Shirley – Sim. Madson – Então, resolveram abrir esta loja por causa dos turistas? Shirley – Isso. Madson – Como os turistas vêm até aqui? É por meio de agências de turismo? Shirley – É agência, sim. Já está no roteiro turístico. Se os turistas vem ao Rio de Janeiro para passar só um dia, eles tem que passar pelo Sambódromo e pelo Maracanã. São os dois pontos obrigatórios. Madson – E a Célia fechou a papelaria para se dedicar aos projetos sociais... Shirley – Ela passou para frente. Os filhos não quiseram dar continuidade e seguiram por outros caminhos. Madson – Fale-me sobre os produtos que são expostos/vendidos aqui... Shirley – Os mais vendidos são máscaras de carnaval, miniaturas (baianas, passistas), adereços de cabeça. Eles chegam aqui, a gente veste uma fantasia e eles têm que levar alguma coisa de carnaval. Compram máscaras, adereços de carnaval, as bonequinhas para eles mesmos e para darem de presente para os amigos. Eles levam de lembrança... o souvenir deles é esse. São chaveirinhos com miniaturas, máscaras... Madson – Quando começou a loja, você lembra quais eram os produtos? Shirley – Sempre foram estes. Madson – É a Célia quem direciona a criação dos produtos? Shirley – É a Célia quem pede. Ele pede chaveiro, passistas, adereços... Ela adora as bonequinhas. Ela é quem bola tudo. Ela desenvolveu agora as ventosas (bonecas em miniaturas com dispositivo para fixar nos vidros dos carros). Madson – E o que você acredita que vende mais? Shirley – São os arcos de cabeça, adereços de cabeça. Madson – No caso dos homens? Shirley – Quando eles compram para si mesmo, eles levam os chapéus de palha, de panamá. E levam presentes também. Madson – Vocês tem embalagem para viagem? Shirley - - Temos, sim. São sacolas, porque as caixas fazem muito volume... Eu arrumo tudo para eles poderem levar direitinho, não ocupa muito espaço. Madson – E como estes produtos chegam aqui? Shirley – Através de indicação... Quando os artesãos chegam aqui, por meio dos cursos, eles não acham que são capazes. Eles aprendem a fazer o básico, lidar com os materiais... Madson – Quem são estas pessoas? Shirley – Comunidade, na sua maioria. Madson – Como eles ficam sabendo dos cursos e da ONG? Shirley – Através de propagandas, que a Célia divulga demais ou através de indicação de outros que já passaram por aqui. Eles se inscrevem nos cursos, totalmente grátis, de 3 meses. Depois disso, eles começam a produzir para vender. Eles acabam desenvolvendo a criatividade, pois a partir do que eles aprenderam, desenvolvem outras coisas. Tenho um artesão aqui... Hoje ele é um artesão... o Ailton... Virou até instrutor... Ele aprendeu a fazer máscaras, mas já passou a desenvolver bonequinhas e outras coisas. Ele faz em casa e fornece. É essa a história que a Célia quer: a pessoa aprende uma atividade que a mantenha, que


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seja capaz de, através do carnaval e do artesanato, reconhecer-se como cidadão. Hoje tem uma profissão. O exemplo da Márcia é muito interessante. Madson – Eu a entrevistei no Shopping Cassino Atlântico... Shirley – A Márcia é uma coisa maravilhosa! Hoje, ela é instrutora e sustenta a casa e a família com o seu trabalho. Mas, não foi só a Márcia, não. Tenho muito exemplos bons. A Jurema... A Jurema já tem uma história... Ela começou na Mangueira. Ela foi a primeira instrutora da época da Mangueira. Madson – Eu também entrevistei Jurema... Ela fala com muito carinho dos projetos da AMEBRAS... Shirley – Eu tenho o maior orgulho de estar falando aqui, hoje, sobre estas histórias de pessoas que passaram por aqui e continuam conosco. É uma prova de como o resultado pode ser bacana. Eu adoro trabalhar com a Célia pelo coração que ela tem. Ela quer ajudar, novos alunos, ex-funcionários... Ela dá uma segunda, terceira, quarta chance... É parceira, amiga. Ela sempre acredita que as pessoas são capazes. Madson – Quem é o cliente da AMEBRAS? Shirley - É o estrangeiro... É o brasileiro... Temos umas 4 firmas que compram com a gente de São Paulo, Brasília, Minas Gerais... Fazem encomendas. Madson – Qual o tipo de produto destes clientes (empresas)? Shirley – Eles têm lojas em Aeroporto e pedem para que nós forneçamos os produtos. São, basicamente, os mesmo produtos com destaque para as bonecas em miniaturas e os adereços de cabeça. Na época de carnaval, eles pedem umas camisetinhas que fazemos com o tema de carnaval... bordadinhas com paetês. Durante o resto do ano é máscara, baianinhas... Madson – E tudo sai do projeto? Shirley – É... E eventos também. Fizemos outro dia, na Cidade do Samba, um evento grande para a ESSO e as lembrancinhas eram todas daqui. Madson – Os turistas estrangeiros se comunicam através dos guias turísticos? Shirley – É sim. A gente está sempre em contato com os guias. Já fizemos festas para eles. Fazemos sempre café-da-manhã ou um jantar. Já levamos eles para o PORCÃO do Flamengo para apresentar o nosso projeto e explicar sobre os produtos. Então eles estão sempre atualizados das nossas ações. Madson – Eles reclamam de algum produto? Shirley – Não. A gente faz muitos adereços e distribui para eles. No carnaval, eles já vão buscar os turistas com os nossos adereços e chamam a atenção para levar os clientes para o Sambódromo. Madson – Qual o período do ano de maior venda? Shirley – É no carnaval. A partir de dezembro, passando por janeiro até o carnaval é o melhor período de vendas e visitação. No entanto, em janeiro, quando começam a montar a estrutura para os desfiles no Sambódromo a gente tem dificuldade no acesso à loja. Tem dias que na frente fica fechado. Tem dias que é a lateral... Acaba sendo um caos. Mas, agora com a Cidade do Samba, eles vão visitar lá e tem outra lojinha dentro da Cidade do Samba. Madson – E os piores meses? Shirley – A gente está passando agora. Parece que no estrangeiro, este período é verão... Então, está muito fraco o movimento. Então, setembro, outubro, novembro e dezembro acabam sendo os melhores meses. Quando começa a montagem aqui... É horrível!


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Madson – Durante aqueles ensaios de finais-de-semana, antes do carnaval, vocês nem abrem? Shirley – É muito difícil, pois fica tudo tomado aqui na frente. As pessoas que vem aqui, elas vem para verem os ensaios, não para comprar nada. Madson – Existe algum tipo de produto que os turistas já pediram e vocês não têm aqui? Shirley – Não. Não, porque a gente faz muita pesquisa antes com eles mesmos. Se eles próprios pedirem a primeira vez, já tem. Madson – Quando a artesã chega aqui para oferecer algum produto, vocês direcionam? Shirley – Tem gente que chega aqui e nós pedimos para dar mais uma cara de carnaval. Quando a gente faz feira, ou aqui ou fora (para São Paulo, Campinas, Minas Gerais), às vezes a Célia vê algum produto e me manda ir na artesã para dar o nosso cartão. Quando ela nos procura, a gente pede para ela dar uma característica de carnaval na peça dela. Tem um exemplo bom: tenho uma artesã que conheci em uma feira. Ela fazia uns porta-jóias com uma bonequinha em cima, uma bailarina. Eu pedi para ela colocar a boneca com uma fantasia. O Cocco, que você acabou de entrevistar, também. Ele fazia umas camisetas com aplicações do Rio de Janeiro e nós pedimos para ele colocar uns paetês, uns brilhos e torná-las mais carnavalescas. Colocou as mulatas, baianas... Madson – Para finalizar esta conversa... Lá na Cidade do Samba, há um show que é uma apresentação de carnaval... É nesse momento que vocês divulgam os produtos? Shirley – É. O evento da Cidade do Samba traz muitas pessoas para a lojinha. O apresentador do show (Milton Cunha) fala no microfone, anunciando os souvenirs, os artesanatos. Quando termina o show, a loja fica lotada. Madson – A venda é somente em dinheiro... Shirley – Os produtos daqui são de um projeto social... A gente não tem a maquininha de cartão de crédito/débito. Até porque os produtos são baratos. O produto mais caro que temos aqui é em torno de R$ 30,00 (Trinta reais), R$ 40,00 (Quarenta reais). Madson – Porque as baianas e as passistas são, na sua maioria, brancas? Shirley – Porque, às vezes, não tem para vender nas lojas. A Célia até já tentou pedir na fábrica, mas tinha que comprar uma grande quantidade e os artesãos e alunos precisam produzir. A gente compra o que tem. A base da boneca é aquela Barbie mesmo. A gente está desenvolvendo uma técnica para tingir estas bonecas brancas, para deixar elas mais morenas. Madson – Quais são os projetos futuros? Shirley – A Célia está preparando o lançamento do catálogo. Eu acho que o catálogo vai ser uma grande ajuda para o projeto, para os artesãos. Vão entrar no catálogo os produtos das melhores artesãs. A Célia vai distribuir este catálogo para o mundo inteiro. Tem uma parte que conta a história da AMEBRAS e na parte dos produtos vai ter o contato para fazerem as encomendas. Vai ser maravilhoso! O catálogo é uma proposta que deixa registrada a história destas pessoas que vivem de seu trabalho. Tem gente que não fica olhando este tipo de coisa na internet. Mas, quando vêem o catálogo aí dão mais valor. Ela vai colocar uma equipe para levar e distribuir os catálogos. A Célia faz contato com o mundo todo. Madson – Então, a idéia é aumentar a produção e as vendas através do catálogo...


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Shirley – Isso.


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7.9 Depoimento de Cocco Barçante, na Loja do Sambódromo, em 21/07/2008

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No dia do depoimento de Shirley, Cocco Barçante estava na loja do Sambódromo, pois ele produz para os pontos de vendas da AMEBRAS e havia levado mais peças para abastecer a loja.

Cocco - Meu nome é Cocco Barçante. Sou formado em Moda pelo SENAICETIQT. Atualmente, sou professor ... Eu me formei em 2001 e sou professor do Centro de Moda do SENAC e Universidade Cândido Mendes, na disciplina de Estamparia industrial e Manual. Madson – Você mora no Rio de Janeiro? Cocco – Fico no Rio alguns dias da semana, mas meu atelier é em Petrópolis, onde tenho residência, há 10 anos. Madson – Então, antes de você fazer moda já trabalhava com... Cocco – Ah! Já... Já trabalho há 25 anos com estamparia. Estampava para confecções, sempre artesanalmente. Madson – E foi fazer moda para quê? Cocco- Para dar um upgrade, dar uma melhorada, conhecer mais a área e ter um diploma na área, que é importante. Até para eu poder estar dando aula... Madson – E você também dá aula de estamparia? Cocco – De estamparia... Industrial e artesanal... No Centro de Moda do SENAC, na Universidade Cândido Mendes e no Centro de Artes da Prefeitura Caloustre Gulbenkian... aqui do lado. Quando eu me formei, lancei este trabalho que se chama “Sentimentos do Rio”... Madson – E fale para mim... O que é o “Sentimentos do Rio”? Cocco – É o registro artesanal sobre a cidade... quer dizer, unir o urbano e o artesanal... Dar um ar romântico à cidade... Porque o artesanato tem isso: esse ar romântico e sensual, né? Madson – Mas, o que você chama de “Sentimentos do Rio”? Cocco – São painéis que retratam o cotidiano do carioca, de cada bairro... Madson – Dos vários cariocas que formam “O carioca”... Cocco – Exato, exato... Madson – Que bairros são esses? Você fez uma pesquisa de imagens? Você foi aos bairros? Cocco – Ah, sim... Teve uma pesquisa de cores e formas de cada bairro e eu fui montando uma palheta própria de cores dos bairros, sob a minha visão. Madson – Quais são os bairros? Cocco – A Lapa, para mim, é amarela; Santa Tereza é sépia; Ipanema é azul; Cosme Velho é Lilás... Cada bairro desses tem um painel... E o painel que se chama “Carioca” que fala do jeito carioca de ser e dessa união de referências, como você falou: pessoas de vários lugares (do Brasil e do mundo) e que vão se tornando carioca também, pois todos são bem recebidos, mesmo sem serem daqui. Madson – Quais bairros tem mais? São só esses ou tem mais algum? Cocco – Ainda estou seguindo o meu próprio caminho... Vou fazer uma exposição agora, em setembro, e vou lançar o painel sobre o bairro da Tijuca. O lançamento será no Shopping Tijuca.


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Madson – E como você faz isso? A cada ano você escolhe um? Ou a cada semestre? Cocco – A cada ano ou a cada 2 anos... Ano passado, eu não lancei porque houve muitos eventos... Foi o ano do Pan (jogos Pan-americanos)... Então, a gente estava muito envolvido em eventos, divulgando o trabalho... Madson – Este trabalho tem relação com o seu trabalho de conclusão de curso, sua formatura? Cocco – Tem, sim... Minha monografia foi sobre a criação de uma bolsa sobre o Rio (de Janeiro)... Que era o formato do bonde de Santa Tereza, com pessoas dentro e tal... Teve uma repercussão legal... Madson – E você começou com o bairro de Santa Tereza? Cocco – Comecei com a Lapa... O painel da Lapa chama-se “Nós e a Lapa”. Eu fiz uma cena na Lapa... Madson – Onde estão estes painéis? Eles existem fisicamente? Cocco – Existem, claro... Eles são todos pintados e bordados... Eu os utilizo muito em eventos, me alugam ou eu os empresto para eventos... Madson – Como é o seu processo de criação dos painéis? Eles são o ponto de partida para a criação de suas peças... Cocco – Escolho um bairro, pesquiso as formas do bairro, desde os transportes utilizados naquele bairro, normalmente apresentam uma característica urbana... Eu transformo os transportes dos bairros em estamparia... Eu pego características do bairro, a história de cada bairro e ai, começo a criar coleções... Primeiro faço o painel de referências pintado a mão, depois bordado... Madson – Então, já é uma leitura sua sobre aquele bairro... A partir daí é que sairá uma coleção... Cocco – Isso e meus produtos são: camisetas, roupas, bolsas, acessórios em geral... mas com características artesanais... De cada bairro eu vou desenvolvendo e trabalhando sempre em parceria com um grupo da Maré que são 8 mulheres bordadeiras... Elas fazem parte da Ação comunitária do Brasil, né? A gente tem essa parceria, porque meu trabalho tem essa característica, esse lado ligado à reciclagem, ao reaproveitamento de materiais... Os bordados são sempre com materiais reaproveitados... Madson – Como você conheceu elas (as bordadeiras)? Cocco – Eu conheci no Fashion Rio, Fashion Business, no stand do SEBRAE... de empreendedorismo social. Madson – Mas, você foi já sabendo que elas existiam ou foi para o evento Fashion Rio? Cocco – Fui para visitar os stands, aí eu as encontrei e achei que tinha tudo a ver com meu trabalho... Estamos aí, há 3 anos, já... Aí, a gente tem essa oportunidade de estar escoando este trabalho aqui na AMEBRAS, também... Madson – E onde mais você coloca seus produtos para vender? Cocco – Tudo meu é montado no atelier, em Petrópolis... Depois, eu apanho com as bordadeiras da Maré e levo para terminar de montar em Petrópolis e trago para o Rio, para vender... No caso das camisetas, eu compro a malha, peço para alguém cortar, pinto a parte da blusa que quero customizar, levo para as bordadeiras, recolho o material já bordado, mando fechar (costurar) e levo para a distribuição (ou venda). Levo também para as minhas exposições... De 2 em 2 meses eu promovo exposições em shoppings, rodadas de negócios do SEBRAE, feiras...


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Madson – Você fez algum curso no SEBRAE? Como foi o seu contato com o SEBRAE? Cocco – Quando eu me formei, fiz alguns cursos no SEBRAE sobre artesanato... e conheci também um parceiro meu de ponto de venda, pois tem muitas mostras de artesanato pelo Brasil e eles levam minhas peças... Foi a Casa do Artesanato que fica na Real Grandeza no número 243, em Botafogo... Você deve ir lá para conhecer... É muito legal... Tem artesanato de todo o estado do Rio de Janeiro. Madson – Como você chegou lá? Na Casa do Artesanato... Foi através do SEBRAE? Cocco – É... Foi... Fui fazer uns cursos lá no SEBRAE e conheci a Casa do Artesanato... Madson – Sobre a produção de suas camisetas, você já as compra prontas ou faz tudo? Cocco – Como já falei, as fases da produção são distintas... Madson – É mesmo... Já falou... Como você chegou até a AMEBRAS? Cocco – Eu estava com a Casa do Artesanato, participando da feira de turismo no Rio-Centro, há 4 anos atrás... A diretora da Casa do Artesanato me apresentou para Célia Domingues que estava também na Feira... Ela achou que meu trabalho tinha relação com espaço de venda da AMEBRAS e daí nasceu mais esta parceria. Madson – E você põe para vender aqui (Sambódromo) e lá na loja da Cidade do Samba? Cocco – É... Na Cidade do Samba, na Casa do Artesanato, aqui no Sambódromo, tem uma loja em Santa Tereza que é minha conhecida... em um hotel em Copacabana... Madson – Tudo que você deixa é em consignação? Cocco – Tudo em consignação. Madson – Você passa de quanto em quanto tempo para prestar contas? Cocco – De mês em mês. Uma vez por mês e trago mais peças... novidades. Madson – Quais produtos você faz? Camisetas... Cocco – Bolsas, porta-níqueis, carteiras, aventais... Madson – Tudo isso tem aqui, na AMEBRAS? Ou você diferencia seu produto de acordo com o ponto de venda? Cocco – Não... Normalmente, tudo que eu faço, coloco para vender nos pontos de venda. Madson – Você trabalha com quantas pessoas? Cocco – Atualmente, são as bordadeiras mais costureiras... São umas 20 pessoas envolvidas na minha produção. Madson – Isso é desde a época de sua formatura? Já tentou montar um horário Cocco – É... Desde minha formatura... Madson – Você sobrevive disso? Dessa produção? Cocco – É... Disso e de dar aulas, também. Madson – Você já deu aulas na AMEBRAS? Cocco – Não, porque o tempo não bate... A gente já tentou montar um horário, mas não conseguiu. Madson – Porque você deu este nome de “Sentimentos do Rio” para o seu trabalho? Cocco – Porque eu acho que o sentimento é algo verdadeiro... Todo mundo tem sentimentos verdadeiros, não é fogo de palha... Os sentimentos são verdadeiros. É para retratar estes sentimentos desta cidade que são muito fortes,


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independentemente dos momentos... São sentimentos reais: bons ou ruins, mas são fortes. Madson – Você só trabalha com os bairros turísticos? Seu apelo é turístico? Cocco – Não... Eu tenho um apelo mais para ufanista do que para turista... É para pessoas apaixonadas pelo Rio (de Janeiro) e para o turismo também. Madson – Você ainda não realizou o painel de Copacabana? Por que? Cocco – Ainda não... Justamente não comecei por ele, porque seria o primeiro, normalmente, né? Eu preferi amadurecer o trabalho, para quando falar de Copacabana, falar de uma forma não tão turística, mas de uma forma mais madura. O trabalho vai caminhando para isso. Madson – Pelo que entendi o nome “Sentimentos do Rio” trata-se do seu sentimento em relação ao Rio de Janeiro... Cocco – É isso mesmo... e fiz relações com as cores de cada bairro para dar partida ao desenvolvimento de cada coleção... É minha visão de cada bairro e a vibração que me passa cada localidade dessas... Estou em busca de minha própria linguagem. Madson – Como você se define? Você se considera um artista, artesão, designer... Cocco – Eu me considero artista plástico que trabalha de maneira artesanal, utilizando as formas dos bairros e as cores... Para colocar minha arte. Minha comunicação é através de meu trabalho, minha arte. Minha comunicação é através da pintura... mesmo eu sendo formado em Design de Moda, o meu foco é a arte que está em cima daquela peça... É lógico que ela tem que ter um bom acabamento interno, um design legal, ser uma peça moderna, mas não necessariamente o design não é a coisa mais importante. As minhas peças têm um impacto maior pela arte que elas carregam, e não pelo design. O artista, atualmente, busca pelo mercado em sua produção. É uma profissão que você tem metas a cumprir... Essa coisa meio viajandona não faz parte de minha profissão, não... Tudo é bem real, com os objetivos bem definidos... Não é à toa que atualmente estou expandindo... Na primeira exposição que eu fiz, foi no SENAICETIQT e tudo cabia em uma sala pequena... Na última que fiz, era em um lugar muito maior. Hoje, eu trabalho muito bem direcionado, com vistas a chegar à conquista de mais espaço. Madson – E você considera que sua arte pode ser ensinada, pois você dá aulas... Cocco – Com certeza... Eu foco bastante na potencialidade das pessoas perceberem que a cidade do Rio é uma cidade inspiradora, por isso fazer produtos voltados para o turismo, pois as pessoas vêm visitar e querem levar uma lembrança... É importantíssimo que este trabalho tenha qualidade, tenha acabamento... Seja um produto com características carioca, brasileira, mas não devendo nada a nenhum produto que esteja em qualquer outro museu. Madson – Então você acredita que seu trabalho fala de você, do Rio de Janeiro e fala do Brasil... É isso? Cocco – Quem vê meus trabalhos sabe que quem fez comunica sobre o carioca, a cidade, a localidade, o país... faz parte de minha paixão pela estampa, pelo artesanato que é aplicado na peça... Tem essa referência de que é feito no Rio de Janeiro. Madson – Você acha que as pessoas que compram suas camisetas prestam atenção nesses motivos? Cocco – Só compram meus trabalhos as pessoas que têm sensibilidade de perceber essa linguagem de quem fez com quem vai comprar... Pela embalagem,


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pois elas são engarrafadas em garrafas PET... Eu tive uma luz, um dia, para desenvolver aquela embalagem reaproveitando as garrafas PET para acondicionar as camisetas. Eu ajudo com a reciclagem, dando destino às garrafas PET e diferenciando ainda mais meus produtos. Tem uma cultura ecológica, né? Com preocupação ecológica... Em frente de meu atelier tem uma parede feita com 1200 garrafas PET... Eu vou juntando, aviso a todo mundo e, quando falta, eu compro dos catadores de garrafas. Madson – Quais os seus próximos objetivos e o que está fazendo para alcançálos? Cocco – Meu próximo objetivo é lançar um livro, onde eu poderei mostrar a nossa cidade, com minha linguagem de modo mais justo, mais igualitária, mais compartilhada... Mostrando meu trabalho. Penso em fazer um registro artesanal desta cidade, ou dos artesanatos desta cidade. Pretendo mostrar meu trabalho com fotos e o processo de criação que envolva moda, artesanato, design... Tudo desta união aí. É um trabalho que sei que ainda tenho 2 ou 3 anos para desenvolver o conceito, mas quero falar das comunidades, da cidade do Rio de Janeiro. E depois, é só passear com o livro por aí... continuar a fazer exposições. Tem ainda muita coisa para rolar, mas este livro é com certeza minha maior meta.


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7.10 Depoimento de Célia Domingues, na Cidade do Samba, em 02/09/2009 Madson - Qual o seu nome e como você se define? Célia - Meu nome é Célia Regina Domingues, sou uma pessoa muito ligada à área social, sou administradora de empresas, há muito tempo trabalhei como administradora, quer dizer, eu trabalho até hoje né, só que num outro foco, eu saí muito desta questão só burocrática e passei para uma linha de ação, que é a AMEBRAS: Associação das Mulheres Empreendedoras do Brasil, estou presidente, nossa atuação é muito voltada pra linha de produção, pra linha de inclusão , linha de resgate do material humano, levantar a auto-estima das pessoas. Se me perguntar como eu me defino, eu me defino como uma pessoa que passou por tudo isso que e hoje graças a Deus eu tenho a oportunidade de poder oferecer as pessoas uma forma de reagir, falta de oportunidade, falta de acesso a algumas coisas, criada num lugar, numa comunidade de baixa renda, mas uma comunidade muito forte que é a comunidade da Mangueira e hoje eu me sinto muito gratificada de poder estar junto a uma grande equipe, fazendo um trabalho que dá as pessoas que estão de onde eu vim à oportunidade de reagir, de preservar sua auto-estima, de preservar sua identidade, de buscar seu espaço no mercado. E através da AMEBRAS a gente tem conseguido fazer esse trabalho já há dez anos, com mais de dezoito mil pessoas, são quase setenta por cento de pessoas incluídas no mercado de trabalho, através desses projetos de qualificação. E essa oportunidade também, a gente faz porque a gente tem grandes parceiros. Parceiros como a Liga das Escolas de Samba, que á a liga independente, a LIESA, Associação das Escolas de Samba Mirim, Associação das Escolas de Samba, a Universidade Veiga de Almeida, entre outros, a Leite de Rosas, a Fundação Banco do Brasil, os Ministérios, o governo Estadual, Municipal e Federal, tem se envolvido muito na questão de qualificar pessoas pra que elas possam ter oportunidade de entrar no mercado de trabalho, preservar sua cidadania através do poder de comprar seu arroz e feijão. Então eu acho que sou uma pecinha nessa engrenagem, to muito feliz de fazer parte desse contexto. Madson - A AMEBRAS é uma ONG. É isso? Célia - Isso. Madson - E como uma ONG ela precisa de apoio dessas parcerias pra que os projetos possam funcionar, então, a AMEBRAS também depende do dinheiro do governo. Célia - É. A AMEBRAS é uma associação sem fins lucrativos que já existe há dez anos, e nesses dez anos, quer dizer, há onze anos né, que é de noventa e oito. Então nesses onze anos nos estamos buscando apoio junto aos governos pra que a gente possa manter essas oficinas, diversas oficinas funcionando, dando oportunidade às pessoas de uma qualificação, de uma re-qualificação, de uma nova oportunidade de ter uma nova profissão. Agora pra manter tudo isso, nós precisamos realmente das parcerias, não só de governo, mas da Iniciativa Privada também. Mas atualmente nossos maiores parceiros financeiros são os governos: Municipal, Estadual e Federal, que investe nessa qualificação, que investe com recursos pra que a gente possa pagar os professores, comprar material, dar lanche, passagem e fazer uma divulgação desse trabalho. Então, sem essas parcerias a AMEBRAS não existe porque ela não pode caminhar, visto que nós atendemos


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quase três mil pessoas, entre jovens e adultos por ano, qualificando, e ninguém paga nada, na verdade eles vêm se qualificam e levam pra eles esse tesouro que é uma oportunidade nova de entrar no mercado de trabalho. Madson - E o teu publico é basicamente pessoas de baixa renda. Célia - É. Nós atendemos, geralmente, jovens a partir dos dezesseis anos e adultos sem limite de idade, inclusive nós temos senhorinhas de oitenta, de setenta, de oitenta e cinco anos em nossas turmas e todo nosso publico, ou seja, 80% do nosso público, vem da comunidade de baixa renda, de comunidades de alto risco social e basicamente comunidades do entorno das Escolas de Samba e aqui do entorno da Cidade do Samba também. Agora nós temos também universitários, temos pessoas que já tem oportunidade de pagar um curso, mas mediante a qualidade e a oportunidade que nossos cursos oferecem essas pessoas também nos procuram e cabe a elas, infelizmente aguardar um pouquinho pra que nossos alunos, os da comunidade, sejam atendidos com prioridade, mas sempre a gente dá um jeitinho também de atender esses que nos procuram que não são de comunidades de baixa renda, mas que querem fazer o curso aqui com a gente. Madson - São profissões ligadas, basicamente ao carnaval e às artes cênicas. É isso? Você poderia falar sobre os cursos e as qualificações. Célia - No início nós começamos a trabalhar com costureiras, com bordadeiras, com maquiagem e depois nós vimos que o carnaval tem uma necessidade muito grande de diversos profissionais, também ligadas a artes cênicas e através de conversas com muitos carnavalescos, nos vimos qual era a necessidade, o que eles estavam realmente precisando em se tratando de profissionais e de mão de obra qualificada e aí não parou mais, é o marceneiro, é o pintor, bordadeira, aderecista, pessoal pra chapelaria, pra fazer perucas, o peruqueiro, que quase não existe mais, customização, maquiagem artística, figurino, pintura artística e por ai vai uma série de oficinas que são oferecidas e que depois são aproveitadas nas escolas de samba, nos barracões. Porque acontece o seguinte: com essa qualificação hoje, os próprios carnavalescos têm a oportunidade de requisitar uma mão de obra que já esta preparada pro que ele precisa, poupa tempo, poupa dinheiro, poupa energia pra poder ensinar. Quando um profissional chega ao barracão ele sabe o que vai fazer, ele só tem que se adaptar àquela necessidade do carnavalesco, do diretor de barracão, mas a técnica em si, ele já tem conhecimento. Madson - Então a AMEBRAS também funciona como uma bolsa de oportunidade no sentido de colocação desse mercado para qual, as pessoas fizeram a qualificação. Célia - É. Hoje na realidade a AMEBRAS tem um núcleo que se chama “Negócios e Oportunidades”, nós qualificamos, buscamos o negócio para dar oportunidade às pessoas que se qualificaram, por isso que setenta por cento das pessoas já saem pro mercado com a qualificação. Então a AMEBRAS faz essa ponte, que é justamente o diferencial, não simplesmente de qualificar o individuo, mas de acompanhá-lo até o mercado de trabalho, se manter no mercado é um compromisso dele para com ele, agora até que ele entre no mercado a gente acompanha sim. Madson - Aí esse “entrar no mercado” pode ser de forma autônoma, pode ser através das escolas de samba... Célia - E produtoras de eventos, emissoras de TV, empresas que trabalham com shows, que trabalham com teatro, vem muito nos requisitar, esses profissionais. Então hoje nós preparamos profissionais, não só pra atender o mercado do


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carnaval, que é o nosso principal foco, mas também pra poder atender a todas essas pessoas, essas empresas, que trabalham com artes cênicas, que precisam desses profissionais. Madson - A Liga quando faz festas, quando faz eventos aqui na cidade do samba, também acaba contratando o serviço da AMEBRAS e, por conseguinte o trabalho das pessoas que vocês qualificaram. Célia - Sempre. A Liga tem esse cuidado de também está dando oportunidade e essas pessoas, então, todas as festas que a Liga faz, que tem parte de cenografia, aqui na Cidade do Samba, até mesmo, no desfile oficial do carnaval, na abertura, que sempre se faz um show de abertura, também pro show turístico que acontece na Cidade do Samba, todo figurino que o elenco usa, é feito, é uma obra do nosso querido carnavalesco Milton Cunha, mas agora, a reprodução de toda a parte de figurino, toda a parte de fantasia é feita pelos nossos alunos aqui na Cidade do Samba. Madson - Eu queria que você falasse um pouco da estrutura física da AMEBRAS. A gente está falando aqui da Cidade do Samba mas nem sempre foi aqui. E aí como é que ela é feita? Quantos pontos de venda você tem e quais são os eventos que você participa fora do Rio de Janeiro, como aquelas feiras. Eu queria que você falasse um pouquinho disso. Célia - Bom. A Sede da AMEBRAS fica na Avenida General Justo, 275517, a nossa Sede administrativa. Aqui na Cidade do Samba, nós temos o Centro de Formação Profissional que é o Armazém do Samba, é cedido, aqui, o espaço pela LIESA pra que a gente possa ter essas oficinas com todas as instalações funcionando pra tender os alunos nós temos lá no Sambódromo uma loja de atendimento, na verdade é um Centro de Recepção ao Turista, que nós chamamos de Espaço Cultural Carnaval e Cidadania, onde atendemos aos turistas mostrando pra eles, um pouquinho do carnaval, da nossa cultura e recebendo eles lá com todo aparato de figurino da escola de samba pra que eles possam vestir, fotografar e levar de lembrança da nossa cidade. Madson - Isso num período sem ser de carnaval... Célia - Isso é o ano inteiro, de segunda a segunda, de nove às dezessete horas, no setor dois do sambódromo. É um espaço cedido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, através da RioTur e nós já estamos lá há cinco anos, recebendo turistas do mundo todo. E aqui também na Cidade do Samba nós temos uma loja, uma boutique do carnaval, onde são vendidos todos os souvenirs, todos os produtos que são alusivos ao samba e ao carnaval. Esse ano de dois mil e oito nós tivemos a grande alegria de completar dez anos lançando um catálogo, que é o primeiro catálogo de souvenir de carnaval do mundo, não existe outro e é tudo fruto do trabalho de dez anos da AMEBRAS com mais de dez mil artesãos que trabalham e buscam a sua sobrevivência através dessa arte. Madson - Você falou aí de dois takes que eu queria que você explorasse um pouco mais: Souvenir de carnaval, porque é o que o turista vem em busca de tentar levar um pouco da festa, como não pode levar, ele leva essa lembrancinha do Rio de Janeiro. Você acha que essa lembrancinha, esse souvenir, ele acaba falando sobre a própria localidade: Rio de Janeiro. E a outra coisa é: Você caracteriza as pessoas que participam já produzindo os materiais eles são artesãos? Porque a gente tem uma visão de artesão um pouco diferente disso, mas você está falando de um artesão urbano, é isso?


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Célia - É, na verdade depois que nós começamos a trabalhar com o souvenir... Porque o souvenir? Por que o turista chega ao Rio de Janeiro como ele chega a qualquer outro estado brasileiro e tem sempre uma lembrancinha, quer dizer, em qualquer outro Estado brasileiro tem uma lembrancinha, no Nordeste tem uma lembrancinha, em Minas tem uma lembrancinha, no Rio de Janeiro ele chega, e a lembrancinha que ele tinha... Na realidade ele chega ao Rio de Janeiro pra conhecer Copacabana, o Cristo, Corcovado, conhecer o Maracanã e o Sambódromo. Em cada lugar desses que ele vai, ele tem um souvenir, ele tem o Cristo, ele tem alguma coisa lá, Copacabana, no Maracanã ele tem todos os produtos alusivos ao futebol e no Sambódromo, no carnaval ele não tinha nada, ele só ia lá e conhecia o Sambódromo gelado, frio, vazio e não tinha qualquer noção do carnaval. Então veio essa seguinte questão: Se nós estamos trabalhando mão de obra pro carnaval, vamos trabalhar produto, porque o turista chega ao Rio de Janeiro e também quer levar um pedacinho da nossa cultura e esse pedacinho tem que ser representado pelo souvenir, então nós começamos a fazer um planejamento, desenvolver uma linha de produtos que seriam alusivos ao carnaval e ao samba, e aí, nós lançamos o catálogo que tem alguns desses produtos, que hoje já tem muitos mais produtos e que eles são colocados nos pontos turísticos onde o turista passa, principalmente no Sambódromo e na Cidade do Samba. Com isso, nós vimos então que estava surgindo uma nova categoria que era o artesão do carnaval, não é só aquele artesão que faz as esculturas em madeira, as esculturas em espuma, as esculturas em resina, em gesso, mas também aquele que trabalha com pequenas peças que são as que vão para o comércio, aí surgiu então essa categoria que é o artesão do carnaval, esse novo profissional, que hoje ele vive pesquisando pra poder ampliar a linha de produtos, de souvenir, pra oferecer ao turista, mas com muita qualidade e com uma mensagem muito rica que é a nossa historia através de cada produto que cada um leva. Madson - Quais são os produtos com maior saída, com maior procura, com maior aceitação? Aliás, como é também que vocês fazem essa relação? Aquilo que sempre é produzido, nunca sai de linha e aquilo que vocês tentaram, não deu certo, vocês foram substituindo por outras coisas? Eu sei que vocês têm muita miniatura, principalmente dos principais personagens, eu queria que você comentasse quais são, e além das miniaturas têm outras cosias que não são miniaturas, são de tamanho natural? Célia - É... nós, na realidade começamos a fazer uma pesquisa pra saber o que o turista esperava, o que ele tava querendo levar, e aí, o carro chefe: máscara, máscara o ano todo, todo o tempo, máscara de carnaval que a gente chama... Que é a mascara do pula-pula, que é aquela máscara bem popular que é pra ele usar e brincar, embora nós tenhamos uma linha de máscaras para colecionadores, mas aí já é um público mais seletivo, mas mascara é todo o tempo, nós temos uma linha de personagem de biscuit. Madson - Quem passa pelos cursos aqui, eles aprendem a fazer tudo isso que é vendido lá? Célia - Todos os produtos passam pelo curso, eles são ensinados no curso pra daí cada aluno escolher qual é a técnica que ele quer aprimorar e a passar produzir e produzindo ele passa a ser o fornecedor desses pontos de venda desses produtos, e aí nós temos uma linha de miniaturas de biscuit que são personalidades, que tem a sambista, a passista, tem o rei momo, tem o gari o Renato, que representa aqui, na realidade, um pouquinho do carnaval do Rio, temos a baiana, temos o ritimista,


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temos o mestre-sala, a porta-bandeira, então, é uma série de miniaturas de biscuit, temos camisetas desses personagens também, que depois são customizados, temos pinturas desses mesmos personagens e outros, temos vários adereços de cabeça, nossa! Uma variedade muito grande porque nós ensinamos a técnica depois cada um põe sua criatividade em cima daquilo que ele quer produzir, então a gente pode colocar dez artesãos, juntos, na mesma sala, com o mesmo material pra poder fazer um adereço, vão sair dez adereços diferentes, cada um coloca sua criatividade em cima daquele produto e ali sai um produto diferenciado. E também, e o que o pessoal gosta demais são todas as caixas que são pintadas com o tema carnaval, entendeu? Que vai o passista, que vai a porta-bandeira, vai o ritimista, é uma pintura artesanal que decora as caixas, tanto de embalagens quanto porta-treco essas coisas. Agora, é muito legal ver o turista, como ele fica feliz, ele fica entusiasmado, ele fica assim alucinado quando ele vê tantos produtos, claro que nós já fizemos muitos que nem entraram, porque é o que a gente gosta, é o que a gente acha. Quando chega na prateleira pra venda, às vezes não é aquilo que o turista quer, por exemplo, aprendemos que peças pesadas não são vendas rápidas, peças grandes também não, tudo por que? Por causa da fragilidade do transporte, então as peças pequenas, tipo souvenir mesmo, uma lembrancinha é o que mais eles gostam. Madson - Você está falando do material que é colocado lá na loja pra vender aos turistas, mas também tem uma outra série que, pelas entrevistas que eu já fiz com o pessoal, as pessoas que passaram por aqui, existe um outra forma de ganhar dinheiro, ou seja, de ter essa questão de cidadania através do seu próprio trabalho aprendido aqui, sem ser fornecendo lá pras lojas da AMEBRAS, ou melhor, sem ser no mercadão de Madureira, fazendo pra festa de aniversario não é isso? Célia - É, na verdade eles não fornecem só pra AMEBRAS, a AMEBRAS ela tem alguns pontos de venda, aqui na Cidade do Samba, no Sambódromo e uma parceria que nos temos com alguns shoppings centers, que nos cedem o espaço no período de natal até carnaval que em contrapartida nós fazemos a decoração de carnaval pra eles naquele momento. Agora, fora isso, o artesão tem liberdade pra procurar mais clientes... o seu cliente em outros espaços, no mercadão de Madureira, eles fazem festas temáticas, eles fazem produtos que participam de feiras que nós também participamos, participamos da Feira Nacional de Artesanato que é em Belo Horizonte, com o CAPE que é um instituto que organiza toda essa feira, que é uma das maiores feiras de artesanato do Brasil, que é lá em Belo Horizonte, feito por mãos de Minas, nós participamos, nós temos um espaço, mas tem outras feiras tanto Estaduais, municipais, nacionais e qualquer artesão pode se organizar e pode participar e é isso que eles estão fazendo, eles estão abrindo novos espaços, abrindo novos horizontes pra que possam oferecer seu produto, tem gente inclusive que já manda alguns produtos pra fora do Brasil. Madson - Você tem alguém que você pudesse nomear, pessoas que passaram por aqui, muitas pessoas que já tiveram participação, pra falar como exemplo, de como ela está estabelecia, ou menino ou menina, ou o que for, virou instrutor e a partir daí também ele está se mantendo, ou então já trabalhe com isso? Eu cheguei a entrevistar a Márcia e entrevistei um monte de gente, que só me fala da virada, da mudança de vida delas e da maneira como elas estão vivendo hoje a partir daquele contato inicial com as ações da AMEBRAS. Célia - É, geralmente, as pessoas chegam aqui, na gente, muito desanimadas, sem perspectiva, com a auto-estima lá em baixo e a transformação ela é notória, no


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meio do curso a gente já vê que as pessoas estão se cuidando mais, que elas já estão fazendo planejamento, que elas já tem umas perspectiva, que ela já tem um projeto de vida. Então nós temos vários casos como esse: A Márcia que mora em São Gonçalo, ela participou do projeto se qualificando em 2002 com a gente, se destacou de uma tal forma que virou uma instrutora do nosso projeto, hoje, a Márcia é instrutora do nosso projeto, ela trabalha por conta própria dando aula em outras unidades, ela tem um ponto de venda dentro do Shopping Cassino Atlântico e ela ainda trabalha com algumas empresas fazendo souvenir de final de ano e a Márcia, ela acabou empregando a família toda, ela tem dois filhos, a sogra e o marido que estava desempregado, então hoje ela montou na realidade, tipo assim, uma cooperativa familiar e aí assim, um risca e corta, o outro faz a colagem, o outro a montagem e ela faz o acabamento e a venda e ainda dá aula. Então ela diz pra gente o seguinte: O que ela ganha hoje, o que a família ganha dá pra eles viverem com certa tranqüilidade e fazer um planejamento. Temos o Cleber também. O Cleber chegou aqui pra gente, o Cleber é carnavalesco de escola do grupo de Nova Iguaçu, mas o Cleber chegou aqui pra gente sem muita perspectiva, ele se destacou, nós vimos que ele gostava mesmo disso e ele como aderecista, na parte de chapelaria também se destacou bastante e aí o Cleber, fizemos uma capacitação com ele, um intensivo, ele virou instrutor, ele é instrutor hoje do nosso projeto, ele é carnavalesco no Império da Uva em Nova Iguaçu e ele ainda pega uma série de produção pra poder fazer junto com outros carnavalescos, ele ajuda, o Cleber já comprou, ele já tem a casinha dele, ele já tem o carro próprio dele, quer dizer foi uma transformação que ele teve na vida. E temos outros, temos a Íris que ta trabalhando aqui com a gente, hoje a Íris ela é instrutora, trabalhou com a gente também no PAN, fez cursos com a gente, trabalhou no PAN, ela hoje é instrutora e é responsável hoje pela organização interna da produção que é feita nas oficinas. Temos a Jurema, que veio da Mangueira, a Jurema já trabalhava também nessa área, se especializou com a gente, hoje é instrutora, é chefe também de setor quando a gente pega uma produção grande pra poder fazer, ela também é uma pessoa muito responsável, uma das melhores instrutoras que nós temos, quer dizer, entre outras pessoas, quer dizer, pra gente esse é o verdadeiro troféu, é quando a gente vê o antes e o agora, como que a pessoa fica depois que passa por essa transformação, por esse trabalho de resgate da sua auto-estima, pra gente realmente é isso que vale. Madson - Como é que as pessoas conhecem e sabem dessa historia? Como é que as pessoas estão cabisbaixas e tristes da vida e de repente se deparam com a AMEBRAS? Vocês colocam anúncios? Como é que é feita essa divulgação e como é que elas chegam aqui? Porque, você falou, mas não disse como elas chegam aqui. Que acaba sendo um espaço de acolhimento dessas pessoas pra promover nelas uma transformação. Célia - É nós fazemos a divulgação quando temos as inscrições, quando vamos abrir novas oportunidades nós fazemos uma divulgação: Nas escolas de samba, que são representantes das comunidades, é onde a comunidade está, fazemos uma divulgação nas rádios que são parceiras nossas com os programas de samba, vários programas, vários veículos na internet inclusive e fazemos também alguma matéria pra distribuir tipo panfleto pra chamar a comunidade pra essa oportunidade. E os interessados, eles vem aqui a Cidade do Samba, que aqui é Rua Rivadávia Correia, 60, barracão 01 da LIESA, eles vem aqui na AMEBRAS,


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fazem a inscrição e logo são chamados e sempre estão aqui com a gente fazendo as oficinas. Madson - Ficam aguardando um contato com vocês pra quando vocês abrirem, vocês abrem cursos de quanto em quanto tempo? Célia - É geralmente, nós começamos a abrir de quatro em quatro meses, mas como umas oficinas terminam mais rápido do que outras, então a gente faz uma, a gente abre pra toas as oficinas e depois conforme vão surgindo oportunidades a gente vai chamando. É só uma pena que nós não podemos atender a todos que nos procuram, nós temos 400 vagas, temos 1200 inscrições, mas a gente tem feito um apelo pro governo pra olhar com carinho pra esse setor que está precisado tanto de profissionais e tem tanta gente desempregada, é só uma questão de casar aí investimento, trazendo recurso pra essa qualificação porque o mercado está aberto esperando esses novos profissionais. Madson - Você, você... Só pra gente finalizar. Como foi a tua entrada nessa AMEBRAS, criação da AMEBRAS e com entrevistas que eu já peguei de pessoas que já falaram de ti elas sempre tocam na questão da Mangueira, você por ser moradora de lá, depois freqüentando a quadra e as ações sociais na quadra, você promoveu uns cursos lá, foi isso? Como foi? Eu queria ouvir falar da tua boca. Que você explicasse esse inicio de tudo. Célia - É como é que tudo começou. Eu, na realidade em [19]95, primeiro eu nasci na Mangueira, eu sempre estive envolvida com a questão social da comunidade, eu trabalhei numa empresa durante muitos anos, a Leite de Rosas que era empresa vizinha, estava dentro da comunidade e tudo que a comunidade precisava acabava indo bater na porta do vizinho que era a Leite de Rosas, pra poder pedir ajuda, como eu trabalhava lá, claro e evidente que eu tinha conhecimento dessa necessidade, eu procurava ajudar, agilizar no que eu pudesse pra que a coisa se tornasse viável. Mas em [19]95 eu fui convidada pelo Elmo pra ser diretora vice-presidente social da escola, pra cuidar exatamente da parte social, na época eu fiquei meio preocupada, uma responsabilidade muito grande, mas depois eu vi que tudo tem sua hora de acontecer, nada é por acaso, então eu vi que era a grande oportunidade da minha vida, de fazer alguma coisa pela minha comunidade junto com uma grande equipe que foi a diretoria daquela época, então eu peguei essa oportunidade e a primeira coisa que nós vimos foi a necessidade de qualificar as pessoas, então nós começamos a montar uma proposta de um projeto social que seria parte de um grande programa social, pra que desse oportunidade às pessoas de se qualificarem, pra que as famílias pudessem sair pra trabalhar pra que eles pudessem retornar sabendo que podiam pagar seu arroz e feijão, no fim do mês e aí tudo começou na Mangueira com o projeto de qualificação que eu coordenei de [19]95 a 2002 e aí em [19]98 nós vimos que a procura lá na Mangueira era muito grande, de pessoas de fora da comunidade e que a Mangueira não tinha condições de sair pra fazer esse trabalho em outras comunidades, mas uma instituição outra poderia e nós, eu e mais dezoito amigas, empreendedoras na época, já tínhamos empresa, então nós tínhamos o habito de uma vez por mês a gente se reunia pra um almoço e aí a gente conversava, falava de amigo, de filho, do papagaio, do funcionário que não chagava a tempo, das questões trabalhistas, políticas e todo mês a gente entrava e saia com o mesmo discurso, então um mês a gente decidiu, ou a gente ia tomar um posição, uma voz jurídica pra poder tentar resolver parte desses problemas ou a gente não ia mais falar sobre eles e aí resolvemos tomar voz jurídica, assim surgiu a AMEBRAS e


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uma das propostas realmente foi trazer a qualificação de pessoas, a oportunidade de qualificar pessoas pra atender as nossas empresas, na realidade não tinha nada a ver com o carnaval, a minha linha de trabalho, o meu setor era a confecção, então a gente qualificava costureiras, bordadeiras, modelistas e eu já pegava as melhores e levava pra minha empresa, na parte de estética a outra amiga lá, já tinha um empresa no setor de estética, já pegava esteticista, pegava pessoal de limpeza de pele, de cabelo, de unha e levava e aí nos começamos a ver que 90% das pessoas que eram qualificas por nós já saiam empregadas porque nós éramos o mercado que estávamos esperando essa mão de obra já qualificada, que nós podíamos na realidade preparar sem nenhum problema, sem, vamos dizer assim, sem vestígios de coisas que... Sem maus hábitos. Nós fazemos uma qualificação pura, limpa pra que as pessoa pudessem ir pra nossa empresa sem ter hábitos anteriores e aí a gente viu que era 90% e falamos bom se isso acontece com a gente isso vai acontecer no carnaval também então nós começamos então a partir pra esse setor do carnaval, qualificando gente e mandando pras escolas de samba e nós chegamos também a 75% de inclusão direta. Madson - Eu queria te perguntar essa coisa que você fala do mercado que fica muito abstrato... você acha que o mercado já existia ou vocês também nesse processo acabaram criando um mercado? Quando você, já existe o carnaval mas não é o ano inteiro ele é um período sazonal e o que vocês acabaram fazendo foi qualificando pessoas que acabam sobrevivendo o ano inteiro, então vocês meio que criaram um mercado, ou eu estou errado? Célia - O mercado na realidade ele já existia, que o carnaval já existe há séculos, o problema é que como é que eram feito esse trabalho do carnaval. O profissional, na realidade, era o carnavalesco e o figurinista e o marceneiro e o serralheiro, eram quatro profissionais e elas tinham que fazer tudo e o carnavalesco pegava a comunidade, essa mão-de-obra pra dar suporte, de apoio, pra que pudesse ajudar nessa reprodução toda, mas essa mão-de-obra ela não era fixa, um ano era um grupo outro ano era outro, quando o carnavalesco voltava no ano seguinte pra fazer o trabalho essas pessoas já estavam trabalhando em outras atividades... aí, ele pegava a comunidade... eram outras pessoas e ele estava sempre naquele processo, quando ele começava a trabalhar essas pessoas e elas pegarem o pique da produção já acabou o carnaval, no ano seguinte ele não dava continuidade a essa capacitação... ele tinha que voltar a estaca zero e começar tudo de novo e aí foi isso que nós vimos, foi que ele tava nesse processo do ioiô... ele ia e vinha e ele não passava daquilo e os carnavalescos reclamavam muito por isso, então nós vimos que esse mercado existia, ele tava precisando ser trabalhado e ele tinha que ser trabalhado com uma nova oportunidade dessa mão-de-obra qualificada com muita qualidade e foi isso que nós começamos a fazer e também as coisas vão mudando o carnaval mudou muito o carnaval era marginalizado e hoje não é mais... o carnaval, antigamente, era apenas um entretenimento... hoje, ele é um grande campo de negócios e de oportunidades de trabalho, então as coisas mudam muito e foi mudando nesse setor também, as escolas foram se organizando melhor e começaram a trabalhar com maior antecedência pra que o carnaval fosse melhor preparado, com mais tranqüilidade e que ficasse mais em conta tudo que era feito a nível de material, ou seja, que as compras tivessem melhor preço e aí com isso ele é obrigado a ter o pessoal trabalhando o que aconteceu é que abriu novas áreas de profissionais, porque hoje, nós temos o diretor de barracão... hoje, nós temos o almoxarifado e o almoxarife... hoje, nós temos o figurinista, que já existia mas,


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hoje, ele é bem melhor trabalhado, porque, antes de ser figurinista, ele era... ele fazia muitas atividades... hoje, não... ele é o figurinista que tem outras pessoas que fazem as atividades que ele fazia no passado e por aí vai, então a questão é que começou a abrir setores que realmente cada profissional poderia se qualificar e se preparar pra trabalhar cada vez melhor aquelas técnicas, então na realidade, eu acho que o mercado ele tava adormecido... ele não estava explorado ainda o suficiente a ponto de poder atender o que hoje o carnaval precisa, até porque o carnaval cresceu tanto que se tornou o maior espetáculo do mundo e pra se produzir o maior espetáculo do mundo precisa de profissionais, são muitas mãos trabalhando. Madson - A própria criação e inauguração da Cidade do Samba, em prol dessa coisa de planejamento, de ter melhores condições e sair da questão do improviso e passar pra essa questão do negócio também. Célia - Com a construção da Cidade do Samba obrigou as escolas a realmente se organizarem, a tratar as escolas, os presidentes tratam as escolas hoje realmente como uma empresa tem que ter uma administração, pra isso aqui na Cidade do Samba nós temos o prefeito, nós temos a administração, nós temos um condomínio, então tudo isso faz com que as pessoas, os administradores das escolas se mexam e possam dar um tratamento administrativo profissional pra sua escola fazendo com que se abram novos campos, até porque eles não ficam exclusivamente no trabalho do carnaval para o desfile e sim de uma produção pra vários espetáculos em diversos estados brasileiros e fora do Brasil também, então eles tem que se preparar pra isso. A Cidade do Samba seu essa possibilidade, tirou as escolas de um barracão muito precário que tinha, tinha uma série de problemas de barracões, chovia dentro de barracões, molhava as fantasias, molhava as alegorias, não era um local adequado, seguro, não tinha segurança para os trabalhadores, não tinha um copa, não tinha uma cozinha boa,... hoje, não... a Cidade do Samba proporciona tudo isso, local com segurança, adequado pra poder receber os funcionários, receber visitas, receber uma administração com as instalações adequadas, com banheiro, com vestuário, com restaurante, com refeitório, quer dizer, até pros próprios prestadores de serviço é um incentivo muito grande e um prazer de vir trabalhar. Madson - Pra gente finalizar eu queria que você falasse qual é sua perspectiva enquanto presidente da AMEBRAS, o que é que você espera, o que você esperava e tem feito e o que é que ainda falta. E outra coisa também que a gente não pode deixar de falar, são os outros projetos que tem surgido, eu entendo que a AMEBRAS tem sido pioneiro nesse sentido, eu queria que você falasse um pouco disso depois você fala e o que você espera do futuro? Célia - Uma das coisas que deixa a gente assim bem feliz é que embora a AMEBRAS tenha sido pioneira nessa visão e na iniciativa também de buscar recurso pra qualificar mão-de-obra para o carnaval é que existem hoje diversos projetos voltados pra esse setor, ou seja, tem diversas instituições, escolas de samba mesmo que buscam também oportunidade, parcerias, pra poder oferecer pra sua comunidade a oportunidade de se tornar um novo profissional do carnaval, pra isso tem a Portela, Vila Isabel, a Mangueira também tem dado continuidade ao seu trabalho, a Beija Flor que faz um trabalho maravilhoso, a Estácio, a Viradouro, a Porto da Pedra, Salgueiro faz uma coisa assim, um trabalho muito bacana, são escolas que se preocupam não só em levar mais qualidade de trabalho, de serviço para o seu carnaval, pro seu barracão, mas também para dar


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oportunidade a sua comunidade que é protagonista do espetáculo, porque através das comunidades, esse segurando nas comunidades que as escolas fazem grandes carnavais, agora, nos já fizemos muitas coisas mas também temos muita coisa por fazer, porque a cada tempo que passa a gente vê que vai se abrindo um leque muito grande de novas oportunidades e a gente não é bobo a gente quer aproveitar todas as oportunidades e aí eu acho que isso não vai parar nunca mais, até o próprio governo com o empresariado, a classe política já viu que o carnaval é um grande mercado a se trabalhar, vou até falar uma coisa aqui mas isso é notório, é um grande palanque também, só que nós queremos também receber nós não podemos só dar, isso é uma via de mão dupla e por isso que eu acho que todos os governos em todas as esferas Municipal, Estadual e Federal, tem se preocupado muito porque sabe que comunidade qualificada com oportunidade de trabalho gerando renda pra que eles possam comprar seu arroz e feijão e ficar felizes é dar retorno pro governo é sinal que o governo está se preocupando com essas pessoas e as escolas de samba em contrapartida tem, não só sua comunidade organizada, mais tranqüila, mas também participante da produção desse grande espetáculo. Então eu acho que tem muita coisa ainda pra acontecer, pra crescer, é preciso que a gente veja o carnaval como um mercado sério não apenas como um entretenimento que acontece em fevereiro porque na realidade o carnaval ele acontece todos os dias do ano, todos os dias do ano e não se faria um grande investimento como se fez aqui na Cidade do Samba pensando só em dois meses do ano, três meses do ano, isso aqui tem um investimento pra que a gente possa explorar é um equipamento que a gente pode explorar, que a gente pode ter grandes produções aqui durante todos os anos com isso dando oportunidade às pessoas de comer seu arroz e feijão todos os dias


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7.11 Depoimento de funcionários Sambódromo, em 15/10/2009

e

visitantes,

na

loja

do

Pessoas fantasiadas sendo fotografadas pelo sambódromo Filmagem na loja do sambódromo Adriana - Bom, meu nome é Adriana e tenho 34 anos. Trabalho aqui há 2 anos, como caixa no projeto da AMEBRAS que é da Célia. Uma colega minha que me indicou. Eu comecei no Via Parque, o shopping, trabalhando com os produtos da Célia. Teve a exposição de fantasias e vendíamos produtos que eram fabricados lá no projeto, que é na Cidade do Samba. Pausa na entrevista Madson - Então você veio do Via Parque... houve um quiosque não foi isso? No final de ano. Houve um quiosque e você foi trabalhar lá? Adriana - Fui trabalhar lá, que através de uma amiga minha que já conhecia a Célia e trabalhava no projeto. Madson - Houve uma exposição de produtos de carnaval... Adriana -... de fantasias e teve os produtos também que eram vendidos. Madson - Aí você ficou lá por um tempo... Adriana - Fiquei por um tempo, terminou e como gostaram do meu desempenho... Madson - Você fazia o que antes? Você nunca trabalhou? Adriana - Nada, era dona de casa. Nunca trabalhei. Só cuidando de filho, de marido... e gostei do trabalho, elas também gostaram do meu desempenho, por ser uma pessoa comunicativa, gosto de lidar com público, com pessoas, aí elas me chamaram para vir para cá, para participar do projeto aqui. Madson - Você veio direto para cá? Adriana - Vim direto para cá, de lá do Via Parque já trouxe as mercadorias e no dia seguinte já estava começando aqui. Madson - E aqui, como funciona? O que você faz aqui? Só recebe dinheiro? Adriana - Isso... eu sou caixa, trabalho com a parte financeira do aluguel das fantasias, do pagamento das mercadorias, embalo e recebo o dinheiro dos turistas. Madson - Mas você presta conta também com os fornecedores? Adriana - Não, essa parte já fica para a Cátia. Madson - Lá? Adriana - Não, aqui. Madson - Aqui você trabalha com quem? Quem são as pessoas? Adriana - Trabalha, eu, a Cátia, o Teomi e Cardoso. Somos nós quatro na parte da AMEBRAS. Madson - Eles fazem o atendimento? Adriana - Isso, eles fazem o atendimento aos turistas. Eu trabalho no caixa até as duas horas. Duas horas a Cátia vem, pega o caixa e eu venho atender o público junto as outros meninos. Madson - Basicamente, o que vocês oferecem aos clientes? Adriana - Além das fantasias, tem as mercadorias que são tanto as industriais que são do Sr. Manoel Dionísio, quanto as artesanais que são do Projeto AMEBRAS que é da Célia. Madson - E como é que esses produtos chegam aqui? São através das oficinas? É o resultado de que?


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Adriana - É o resultado das oficinas que nós temos na Cidade do Samba, que são cursos que são oferecidos lá. E os produtos que lá são fabricados, eles mandam pra cá através do rapaz responsável, que é o Cléber, que é um dos monitores, aí ele traz para cá e nós expomos para serem vendidos. E também tem os fornecedores que vêem expor os seus trabalhos, que quando gosta, acha coisa que uma coisa interessante e achamos que os turistas vão gostar, a gente pega. Madson - Porque basicamente o teu cliente é turista. Turista nacional e internacional. Qual é o peso? Qual que tem mais? É o nacional ou internacional? Ou tanto faz? Adriana - É internacional. Madson - Eles vêm para cá, para conhecer o Sambódromo? Adriana - Isso, para conhecer o Sambódromo. Aí como os guias já sabem do nosso projeto, aí eles trazem os turistas pra cá. Por isso que geralmente são os internacionais, porque geralmente vem com guia, então os guias como já conhecem o nosso trabalho eles já trazem diretamente pra cá. Quando eles são brasileiros, geralmente, eles vêm em turmas, entre eles mesmos, ou de táxi, aí eles conhecem mais ou menos só o Sambódromo e vão embora. Madson - Os turistas vêm comprar de vocês basicamente o que? Nem sempre tem compra... Adriana - Nem sempre tem compra, eles ficam tão abismados, tão eufóricos com as fantasias que, às vezes, eles vêm, alugam a fantasia e vão embora. Madson - Para fazer uma foto, para filmar... Mas, eles também levam? Adriana - Levam, mas, geralmente, o que eles procuram são coisas do Rio de Janeiro, Maracanã, Corcovado, Pão de Açúcar... Madson - Não necessariamente que representam o carnaval? Adriana - Não necessariamente o carnaval. Madson - Mas, essas coisas de carnaval têm saída? Adriana - Tem. Geralmente, são mais as máscaras, os arcos, eles procuram mais. Madson - Por quê? Você sabe? Adriana - Eu acho que encantam, né? Pela maneira que foi feito? Por levar uma coisa que lembra o Sambódromo... Madson - E uma coisa que sai mais aqui do Projeto da AMEBRAS? Adriana - Placas. Madson - Mas isso não é da AMEBRASs. Adriana - É da AMEBRAS. Madson - Mas, isso é feito lá? Adriana - Não, isso é do fornecedor, mas é feito à mão. Tudo confeccionado por um fornecedor. Não é nada industrializado. Esse é da Nanci. Madson - A Nanci é uma fornecedora? Ela veio oferecer? Adriana - Isso... é uma fornecedora. Ela que veio oferecer. É até mesmo o esposo dela que faz e que confecciona as placas, basicamente isso. E mais porque são coisas, são lembrancinhas... porque, geralmente, eles vêm e querem levar lembrança pra toda família, aí, para não ficar muito caro, eles levam um imã e chaveiro por custarem menos. Pela quantidade, eles preferem levar os imãs e os chaveiros, porque são pequenas lembrancinhas que lembram o Rio e que vão custar um pouco menos. Madson - Então, está diretamente ligado à questão do valor e do tamanho. Adriana - Exatamente, porque também transportar... eles preferem coisas miúdas porque cabem em qualquer lugar e, principalmente, coisas que não quebrem.


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Madson - E as bonecas de miniatura? Elas não têm muita saída? Adriana - As bonecas, geralmente, são para pessoas idosas, eles gostam muito. Madson - Então, tem... há uma segmentação do turismo também? Adriana - Isso. Ainda tem isso. Madson - E como são os turistas? Tem muita gente mais idosa, que vem aqui? Adriana - Não, vem de todas as idades, toda classe social vem. Mas a parte de boneca, coisas mais detalhadas, chama mais atenção para os idosos. Os adolescentes, as pessoas mais adultas preferem mais os chaveiros e os imãs. Cordão... Madson - Será que está relacionado com o preço também? Adriana - Elas são bem mais caras. Madson - Os teus preços variam de quanto, mais ou menos? Adriana - Varia de R$5,00 a R$60,00. Madson - O teu produto mais caro custa R$60,00? Adriana - Tem a boneca também de “Goia” que custa R$150,00. A mais cara é R$150,00. Madson - Eles que procuram ou vocês que oferecem os produtos? Porque eu sei que eles estão expostos. Como é a abordagem de vocês? Adriana - Geralmente, quando eles chegam próximo à mercadoria... aí, eles tem contato, aproxima para explicar como é feito, pelo projeto. Madson - Quando o turista é internacional como é que vocês se comunicam com ele? Adriana - Aí já tem o Teom. o Teom fala inglês, aí é ele que aborda e tem a conversa com o turista. Eu não falo, infelizmente não falo, ainda não. Madson - Mas, você pretende? Até porque é básico, né? Adriana - Pretendo. Com certeza, precisa. Madson - Está diretamente ligado à questão do turismo, né? Porque se não tivesse o turismo, se não tivesse o Sambódromo, não tinha sentido de ter essa loja. Adriana - Com certeza. Mas, os guias também eles fazem assim, porque aqui nós somos praticamente uma família e os guias são todos conhecidos nossos, então eles ajudam bastante. Eles abordam, eles explicam. Os turistas já chegam aqui dentro sabendo de tudo, tanto é que eles já vão direto ao caixa. Por que antes deles alugarem a fantasia, eles têm que passar no caixa pegar o ticket, pagar para depois vir escolher. Então os guias são muito importantes nisso. Lá dentro do ônibus eles já explicam tudo. Madson - Os guias não ganham nada de vocês por essa... Adriana - Da fantasia não, venda sim, comissão como em todos os pontos turísticos, são 10 %. Madson - E vocês fazem algum evento que reúna os guias para explicar, como é que eles ficam sabendo? Um dia alguém soube e aí passam para o outro... Adriana - Dizem que tem... tem o site da AMEBRAS e do Sr. Manoel Dionísio que explica, tem também o explicativo do Sr. Dionísio que ele colocou ali. Madson - Mas, a Célia, nem o pessoal da AMEBRAS nunca faz um encontro desses guias? Adriana - Mas nessa parte a gente não participa. Geralmente, a Célia faz sim, com eles. Madson - Eu estava vendo que dia 18 vai ser fechado por conta de um evento, mas é um evento externo? Vocês vão participar?


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Adriana - Sim. Não, é das criancinhas, é alguma coisa relacionada a crianças, das crianças aqui da frente. Madson - Por que vocês também participam dos eventos quando são feitos fora, não tem? Feira, festas... Adriana - Geralmente, quem vai mais é a nossa parte, a da AMEBRAS, justamente por que nos interessa . Madson - Que tipo de evento? Adriana - Quem vai muito é Célia e Cátia. Elas vão em feiras, principalmente aquelas que tem artesanato e lá elas trazem geralmente para ver se é aceito. Por que, às vezes, elas gostam do produto mas não é bem aceito. Madson - Mas, elas vão comprar para trazer para cá? Adriana - Isso. Elas pegam o telefone da pessoa. Elas vêem o produto, gostam daquele produto, elas trazem uma quantidade razoável de 5 a 10 e pega o telefone da pessoa. Caso for aceito pelo turista, elas voltam a ligar. Mas antes disso elas explicam lá. Madson - Mas, ela também não leva o produto daqui para vender? Adriana - Também, tem as feirinhas, ainda tem isso. Assim como foi feito no Via Parque, também para as feirinhas, para expor e vender lá. Aí... é tipo uma troca, porque ficam várias barracas e, geralmente, as meninas que ficam que estão na barraca ficam observando tudo e troca. Madson - Como é que vocês classificam o produto que vem lá do projeto, onde esse pessoal que vende pra cá, isso é o que para vocês? Adriana - Como assim? Não entendi. Madson - Todo esse material, as máscaras, os arcos, as bonecas? Adriana - Eu, pelo menos, fico encantada com a criatividade da pessoa né? Madson - Mas como você chama? Como você chama isso? Esses objetos que são vendidos aqui como você classifica? Como é que as pessoas procuram por ele? Que categoria de produto é? Existe uma categoria? É artesanato? Adriana - É artesanato, a gente trabalha basicamente com artesanato, é assim que eles procuram. É assim que a gente tenta expor para eles,é um artesanato. Pausa na entrevista Filmagem na loja do sambódromo (...) Adriana - Não, não existi isso. (...) de forma alguma, geralmente eles percebem isso, eles percebem muito isso em relação às máscaras, porque se você pegar uma máscara no caso que é industrializada para uma máscara que é confeccionada no projeto tem diferença e isso todo mundo percebe, não só turistas, como qualquer pessoa percebe que há diferença. Que uma foi confeccionada por uma pessoa, à mão, com os mínimos detalhes com aquela que é industrializada. Madson - Qual a que você prefere? Adriana - Depende muito do trabalho. Tem máscaras que são industrializadas que são aquelas mais simples que são confeccionadas por pessoas que começaram o curso agora e tem aquelas que são feitas pelos próprios monitores, que é aceita melhor do que a industrializada. O custo é até parecido, por que essas menores são feitas pelo pessoal que está começando agora são até mais em conta, mais barata. E a outra que é mais sofisticada, tem mais detalhes, plumas diferenciadas é um pouquinho mais cara, e eles também preferem.


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Madson - E qual é o outro tipo de produto? Você está falando desses que são pareceidos lá da oficina, que são os objetos que você diz artesanais e que outro tipo de produto tem aqui? Adriana - No caso da AMEBRAS? Madson - Não, daqui, desse espaço. Me fala como é a divisão aqui da loja. Adriana - As pessoas não percebem a divisão, ninguém percebe a divisão. Até mesmo os guias não conseguem perceber isso, porque como são dois projetos, duas maneiras a serem pagas por comissão. Tanto do meu lado, quanto da menina. Então, quando são produtos dela, ela anota na pasta dela, quando são produtos meus, eu anoto na minha pasta. Então, quando os guias, muitos deles não pegam na frente do turista, esperam para o dia seguinte. Muitas vezes, quando eles vêm procurar muitas vezes só está eu no caixa ou ela sozinha. Aí não foi meu, foi dela, aí eles falam: mas eu não estou entendendo, aí que eles vão perceber que há essa separação. Que aí vamos explicar a separação. Madson - Então me explica a separação. Adriana - É, geralmente, isso... são dois projetos. Um que é o projeto de mestresala e porta-bandeira que é do Mestre Dionísio, que vende os produtos industrializados. Madson - Tipo o que? Adriana - Tudo que seja industrializado e venha lembrar o Rio, pratos, Cristo de resina, (...) de pedra, sanfonas com vários cartões postais juntos, postais do Rio. Madson - Quer dizer que é só o trabalho de comprar e revender? Adriana - Isso, exatamente. Madson - No trabalho da AMEBRAS... Adriana - Já é diferente, aí são produtos que vem diretamente da Cidade do Samba dos projetos. Madson - Você sabe falar alguma coisa sobre o projeto? Dos projetos da AMEBRAS? Você sabe qual é o sentido do projeto? Por que é feito isso? Adriana - Com certeza. A Célia começou no caso, tanto é que o projeto se chama AMEBRAS, que é Mulheres Empreendedoras do Brasil, justamente para ajudar as mulheres que tem um custo de renda muito baixo. Que são donas de casa, que nunca trabalharam, que estão com uma perspectiva de vida melhor para elas, então procuram esses projetos que são remunerados de alguma forma. Com lanches durante o dia, com passagem e até mesmo no final do curso com certificado que para frente podem trabalhar em casa mesmo, tomando conta dos filhos. Mas isso acabou se expandindo que hoje não são só mulheres que freqüentam o curso, são adolescentes, tem homens, tem mulheres. Madson - Dessas pessoas que põem as coisas para venderam aqui, você se lembra de alguma, que você pudesse falar? Algum caso? Adriana - Tem a Rosa, ela trabalha com bijuterias feitas de miçanga, que são bem detalhadas e ela começou no curso lá. Madson - E você sabe dizer como ela vive? Como é o dia a dia dela? Adriana - Não, a vida dela particular eu não sei. Madson - Não, não é a vida particular, é a vida na realidade a partir do projeto. Queria saber se você sabe como ela vendia em outros lugares? Se ela sobrevive somente disso? Adriana - É somente disso, a auto-estima dela aumentou muito. Ela começou no projeto em relação com isso mesmo, ser uma mulher empreendedora, aprendeu a


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trabalhar com miçangas lá no curso e, hoje em dia, ela expõe para várias lojas assim, inclusive para cá. Madson - Você conhece a Jurema? Adriana - Conheço a Nilmar, que faz as baianas de Carmem Miranda. Madson - Ela que vem aqui, ou é ali do lado? Adriana - Não, ela que vem aqui, diretamente aqui, nós temos contato, telefone, precisando de mercadoria a gente liga. “Nilmar, estamos precisando de mais „tantas‟...”, ela traz pra gente. Madson - Ela vive disso? Você conhece a Márcia? Adriana - Também, não Madson - Que fazia coisa de papelão, caixinha? Adriana - Não, pessoalmente não, mas eu não sei se deve ser, acho que é ela, que faz essas coisas assim. Pessoalmente, eu não a conheço. Por que esses produtos aí ela entrega lá na Cidade do Samba, aí as pessoas trazem pra cá. Ela nunca veio aqui ou se veio, eu não tive o prazer de conhecê-la. Pausa na entrevista Filmagem na loja do sambódromo Filmagem externa no sambódromo Filmagem na loja do sambódromo Adriana - (...) os turistas... só elogios a respeito do projeto e da criatividade que nós tivemos em relação a isso tudo aqui, do aluguel das fantasias. Os turistas ficam encantados com tanta criatividade que nós temos em relação a isso, a gente expor um pouquinho durante o ano inteiro o que é durante quatro dias, segunda, terça e quarta de carnaval. A gente mostra o ano inteiro um pedacinho do que acontece na avenida e eles ficam encantados e isso pra mim é muito gratificante.... Porque a criatividade foi assim... esse projeto foi muito lindo, eu acho que foi muito lindo o que a Célia fez. Madson - Até porque o carnaval acontece uma vez por ano né? E as pessoas que vem no restante do ano não podem experimentar nada do carnaval. Adriana - Exatamente. E essa é uma maneira deles curtirem um pouquinho. Tanto é que eles dizem: nossa, como as fantasias são pesadas. Na televisão nós não vemos a dimensão, porque vocês entram na avenida com uma alegria tão grande, com um entusiasmo que não passa pra gente do outro lado da tela que essas fantasias são pesadas do jeito que são. Porque vocês sambam, se divertem tanto que parecem que são leves. Quando eles colocam a fantasia, eles: nossa, vocês estão de parabéns por conseguirem agüentar por um hora e vinte isso na avenida, sambando, dançando, com uma alegria, com uma felicidade tão grande e é impossível a gente ficar cinco minutos com uma fantasia dessa. É isso que eles passam para a gente. E eu concordo plenamente.


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