Processos de Ensino aprendizagem Musical na Esc. de Samba Pena Branca e no Bloco Rato Seco em Diaman

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XII ENCONTRO ANUAL DA ABEM I COLÓQUIO DO NEM ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL

POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES SOCIAIS EM EDUCAÇÃO MUSICAL

21 a 24 de outubro de 2003 Florianópolis – SC

Promoção: ABEM Realização: UDESC – CEART / Departamento de Música


Promoção: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL – ABEM DIRETORIA DA ABEM 2001-2003 Presidente : Profa. Dra. Jusamara Souza (UFRGS) Vice-Presidente : Profa. Dra. Alda de Oliveira (UFBA) Membro Honorário: Profa. Dra. Vanda Lima Bellard Freire (UFRJ) Secretária: Profa. Dra. Margarete Arroyo (UFU) Tesoureira: Profa. Dra. Maria Isabel Montandon (UnB)

DIRETORIAS REGIONAIS Norte: Ms. Celson Sousa Gomes (UFPA) Nordeste: Dra. Cristina Tourinho (UFBA) Sudeste: Dra. Sônia Tereza da Silva Ribeiro (UFU) Sul: Dra. Teresa Mateiro (UDESC) Centro-Oeste: Ms. Maria Cristina de Carvalho de Azevedo (UnB)

CONSELHO EDITORIAL Dra. Liane Hentschke (UFRGS) – Presidente Dra. Luciana Del Ben (UFRGS) – Editora Dra. Maura Penna (UFPB) Dra. Regina Márcia S. Santos (UNI-RIO) Dra. Cristina Grossi (UnB)


Realização: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART DEPARTAMENTO DE MÚSICA


XII ENCONTRO ANUAL DA ABEM Presidente da ABEM: Jusamara Souza (UFRGS) Coordenação geral: Teresa Mateiro (UDESC) Coordenação científica: Viviane Beineke (UDESC) Coordenação Artístico-Cultural: Luis Cláudio Barros (UDESC) Coordenação Infra-Estrutura: Carlos Eduardo Titton (UDESC) Coordenação Documentação e Comunicação: Vânia Müller (UDESC) Comitê Científico: Luciana Del Ben (UFRGS) Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM) Beatriz Ilari (UFPR) Ilza Joly (UFSCar) Cássia Vírginia Coelho de Souza (UFMT) Cristina Touinho (UFBA) Vânia Müller (UDESC)


Processos de ensino/aprendizagem musical na escola de samba Pena Branca e no bloco Rato Seco em Diamantina

Cibele Lauria Silva Universidade do Estado de Minas Gerais cibelels@bol.com.br

No ano de 2001, o convite de amigos para desfilar na Escola de Samba Pena Branca (ESPB), em Diamantina1 , se transformou na minha monografia de conclusão do curso de Especialização em Educação Musical pela UFMG, defendida em 2002. O objetivo principal da pesquisa foi o de registrar processos de ensino/aprendizagem musical, no contexto extraescolar, ampliando assim as minhas experiências pedagógicas e musicais que, em sua maioria, são escolares. O presente relato possui o objetivo de sintetizar os dados da monografia. Atraída pela riqueza histórico-artístico-musical de Diamantina, enquanto educadora musical, fui instigada a verificar quais as motivações que os integrantes de grupos carnavalescos escolhidos, Escola de Samba Pena Branca e Bloco Rato Seco (BRS), encontraram para aprender e para se manifestar tocando, cantando e dançando durante o carnaval.

Quais

as

características

desta

aprendizagem?

E

como

se

processa

o

ensino/aprendizagem musical no contexto extra-escolar? Como apoio teórico utilizei as literaturas especializadas em Educação Musical e/ou Etnomusicologia, no contexto preferencialmente brasileiro2 , tendo sido central a tese de doutorado de Margareth Arroyo - Representações sociais sobre práticas de Ensino e Aprendizagem musical: Um Estudo Etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música - que fez uma interface entre Educação Musical e Etnomusicologia nos grupos de Congado e no conservatório de música em Uberlândia, MG. Na pesquisa de campo utilizei o recurso da etnografia, metodologia que se caracteriza pela imersão do pesquisador

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no campo, através da observação participante e dos relatos

Diamantina, ou Arraial do Tijuco, está situada ao norte do Estado, numa região rochosa, era rica pelo ouro e pelo diamante faiscado. Cidade do ex-presidente Juscelino Kubitschek conseguiu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade em 1999. É sede dos Festivais de Inverno da UFMG. 2 Ver ARROYO, 1999 LUCAS, 1999, SANTOS 1986; e CARDOSO, 2001.


posteriores sobre os dados colhidos e analisados, considerando o contexto cultural e também as perspectivas analíticas dos atores pesquisados. (Ver ARROYO, 1999; SILVA, 1996). A pesquisa de campo ocorreu principalmente em Diamantina e envolveu a minha observação, participação nos ensaios e desfiles, a realização de entrevistas semi-estruturadas e conversas informais, além de registros em áudio, vídeo e fotografias. Foi nesta segunda fase, após assistir a programação carnavalesca da cidade, que incluí na pesquisa, o Bloco infantojuvenil Rato Seco com 150 integrantes na bateria. Eles me impressionaram pela sua performance e organização. A fase principal do trabalho de campo ocorreu durante o período carnavalesco em 2001, acrescida de mais algumas visitas realizadas posteriormente. Foi importante para o estabelecimento de um sentimento de confiança e entrosamento entre as partes, procurar me inteirar dos limites de minha atuação como pesquisadora durante as suas manifestações, de forma que eu não invadisse a evolução dos ensaios e desfiles. Os participantes de ambos os grupos foram atenciosos e facilitaram o acesso às informações necessárias. Esse trabalho foi essencial para provocar em mim uma mudança no meu olhar e nas minhas percepções

Os Grupos Pesquisados “Vou pr’o arraial de baixo, sambar Sou Pena Branca quem quiser pode chegar!”3 A Escola de Samba Pena Branca nasceu na década de 50, com o nome de Jamelão. Ela se mantém com doações e ajudas da prefeitura4 . No ano de 2001 ela desfilou com 150 integrantes, sendo que da bateria participaram 45. A sua formação foi parecida com a das escolas de samba do Rio de Janeiro5 . O mestre de bateria, Marcelo Vinícius, acredita na função social de uma escola de samba para a sua comunidade, gerando o respeito pela sua cultura e sua cidade.

Os Blocos Infantis 3 4

MANDRUVÁ, 2000. Trecho do samba enredo da ESPB. No ano de 2002 e 2003 a ESPB infelizmente não desfilou por falta de recursos financeiros.


Os blocos infanto-juvenis, Os Peninhas e o Rato Seco, representam uma proposta de continuidade das tradições carnavalescas diamantinenses. A história dos dois blocos é parecida, mas eles possuem caminhos musicais diferenciados em termos rítmicos e performáticos. O Bloco “Os Peninhas”, bloco mirim da Escola de Samba Pena Branca, é composto pelas crianças da comunidade do Bairro da Consolação. Segundo Sr. José Martins, mestre de bateria do bloco, ele foi criado “pelos próprios meninos que quiseram desfilar”.

“Juntamo os menino prá podê formá o bloco! ...Eu peguei uma frigideira e comecei a tocar! Então a gente tinha mais ou meno o ouvido, então a gente ficava escutando como é que os outros faziam e ficava copiando”. Nesta fala, o mestre da bateria mirim explicita o aprendizado por imitação, através da convivência com o meio. O seu desfile se caracterizou pela batucada com o ritmo que a Escola de Samba Pena Branca fazia, além do ritmo de marchinha, andando pelas principais ruas da cidade. Composto de 15 a 20 crianças, ele arrastou foliões e espectadores às nove horas da manhã. O Bloco Rato Seco começou em 1967 e segundo Nô Maynart e Leonardo6 , é formado por crianças7 e adolescentes que possuem entre 03 e 19 anos de idade. No ano de 2001 eles desfilaram com 150 integrantes. As crianças contam com a ajuda de quatro coordenadores responsáveis pelas regências dos ritmos. Estes são codificados em números e mostrados com as mãos e apitos para as evoluções. As funções dos ritmos eram de ‘deslocamento’- aqueles que eram tocados enquanto se deslocavam pelas ruas da cidade: o “Samba” (ritmo 6) e o “Olodum”(ritmo1)8 . E os de ‘evolução’- “Funk-2, Pula pula-3, Bomba-4 e Não tem nome-5” ficavam por conta da demonstração de coreografias e variações rítmicas, em pontos estratégicos (a praça

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Em Diamantina, os Blocos desfilam dois dias intercalados Nô é o presidente fundador do bloco; Leonardo, seu irmão, coordena os ensaios da bateria. Toda a sua família é envolvida nos ensaios e desfile do bloco, a sede fica na rua Burgalhau, a mais antiga da cidade. 7 Dos 35 anos de existência, nos últimos seis anos é que contam com a participação de meninas e adolescentes. 8 Todos os nomes e números dos ritmos foram dados pelos coordenadores e integrantes do BRS durante os ensaios. 6


da matriz, a praça da rodoviária, a praça do mercado). Eles tocaram durante o ano de 2001, seis ritmos ensaiados, sendo que ainda possuem introduções para cada ritmo. A cada ano os ritmos vêm aumentando, assim como o número de integrantes do bloco.

Contextos de Ensino/Aprendizagem

Ao pesquisar as manifestações musicais carnavalescas identifiquei a presença de aprendizados específicos no “fazer musical”. Estes possuem significados inerentes, que são as “representações sociais” referentes àquela “cultura”. “Os estudos socioculturais do fazer musical têm desvelado não serem neutras as organizações sonoras e sim, investidas de uma rede de significados – estes dão sentido ao fazer musical e parecem constituir-se no estímulo básico para a própria aprendizagem.” (ARROYO, 1999, p. 341). Cada integrante possui condições específicas, dentro dos grupos, gerando assim, motivações diversificadas: Se ela nasceu ali, se ela está tocando pela primeira vez, se ela assumiu um instrumento novo, se vai cantar o samba enredo, etc, cada uma destas funções estimula perspectivas e aprendizados diferenciados. Classifiquei-os assim em três contextos principais: Primeiramente, os aprendizados livres que ocorrem em função da imersão das pessoas presentes no contexto geral carnavalesco, sem pertencer diretamente a um grupo. Este aprendizado não está formalizado no tempo e no espaço, e se caracteriza por ser holístico. E acontece através da observação, imitação e criação a partir do que está presenciando. Em segundo lugar, há a perspectiva de quem está dentro do grupo. Os integrantes aprendem

habilidades

específicas

como

os

ritmos,

lugares

dentro

do

bloco,

a

responsabilidade com horários, com suas funções e instrumento que estão carregando e com a performance do desfile. E uma terceira perspectiva de aprendizado acontece no ato do desfile. Esse é o grande momento esperado e almejado por todos que ensaiam e pela comunidade a que pertencem. Além do envolvimento e da participação na bateria, é também o momento de compartilhar a performance da alegria, das fantasias e das evoluções coreográficas, dançando e carregando a bandeira e a tradição do seu grupo. E é somente durante o desfile que podemos ter a idéia


de todo o funcionamento da Escola de Samba e dos Blocos infantis, com suas fantasias e suas cores, fazendo “um desfile bonito pra agradar o público”9 . Estes aprendizados acontecem principalmente pelas vias intuitivas e não verbais, processos estes menos valorizados pelas academias, que tendem a privilegiar os conhecimentos racionais. Pude observar que o momento dos intervalos dos ensaios e desfiles, que normalmente representariam um tempo ocioso, foram momentos de integração entre as crianças do bloco e as de fora do bloco. Elas tocavam os instrumentos dos colegas, fazendo brincadeiras de acertar os ritmos, imitando e criando. Esta imagem, que era antes para mim uma situação caótica, foi se desvelando numa das situações mais ricas de aprendizagem. As crianças se comprometiam a aprender, possuindo assim, um comportamento que eu identifiquei como ativo-criativo. Ali percebi olhos brilhantes, corpos dançantes e sons de brincadeiras e sorrisos. Elas pulavam, soltavam os braços, se juntavam a outras crianças e treinavam os passinhos nos pés descalços, pegavam os tambores e tocavam concentradas. É nesta teia de relações que se desenvolve o aprendizado no contexto carnavalesco musical, assim como em outras tradições da oralidade, num comportamento ativo, que se processa de maneira “auditiva, visual e tátil”. (ARROYO, 1999, p. 178)

As Minhas Vivências: As Ruas Como Partituras

Nas minhas vivências durante a pesquisa de campo pude identificar dois papéis a partir das perspectivas acima: um de pesquisadora-participante, por trás das câmaras, das anotações e entrevistas; e outro como integrante-pesquisadora, onde eu possuía funções no grupo. Estes dois papéis diferenciados eram, no entanto, vinculados entre si. Ao filmar os grupos, eu tinha um comportamento livre, podia me deslocar de acordo com a minha atenção. Já como integrante, eu tinha de seguir um roteiro de acordo com o grupo: por exemplo, andar tocando ou sambar nas ruas em ladeiras, pavimentadas com pedras irregulares, o que dá um ritmo todo particular aos passos do samba. Essa participação representou uma experiência importante no sentido de melhor perceber as competências envolvidas no aprendizado. 9

Presidente da Escola de Samba Pena Branca, Sr Nelito, em julho de 2001.


Como integrante dos grupos, e principalmente no desfile do Bloco Rato Seco, comecei a relacionar as ruas e as casas como referenciais para se tocar determinados ritmos. Assim, a cidade virou uma grande partitura. Com um desfile longo pelas ruas da cidade e paradas em principais praças, eu passei a ver que havia uma associação entre os ritmos e as casas e os lugares em que passávamos.

A Festa da Aprendizagem “Vai chegando a época de carnaval, você começa a ficar com aquele negócio na cabeça, aquele ritmo.”10

A festa da aprendizagem acontece de forma holística no canto, no toque dos instrumentos, na dança, na fantasia, na convivência familiar e social, através da imitação e da criação. As crianças, desde muito novas, ficam inseridas neste contexto até o momento em que elas passam a integrar os grupos, pelo próprio desejo de pertencer a eles. “Pisar na avenida” junto com uma escola de samba ou um bloco é uma responsabilidade que exige o desenvolvimento de habilidades como a criatividade, envolvimento, precisão, evolução, carisma, boa coordenação, bom preparo físico. É uma doação, uma troca de energias que acontece entre os integrantes da Escola e o público. Além disso, é carregar toda uma tradição. Faço uma relação destas vivências descritas acima às experiências que temos com quadros de visões tridimensionais. Para enxergar as figuras em alto relevo, é necessário treinar o olhar, concentrado na figura. Pequenos esboços vão se formando, até que de repente salta aos nossos olhos uma imagem diferente da que estávamos habituados a ver, no mesmo contexto, no mesmo desenho, causando-nos as sensações de perplexidade.11 È a prática de “exercícios antropológicos” (ARROYO, 2000; p. 18) através da qual posso descobrir novas ‘figuras em alto relevo’ a cada vez que eu retorno a campo, levando à ampliação e ao mesmo tempo ao afinamento da percepção.

10

Entrevista coletiva com Sr. Nelito, presidente da ESPB. “Depois de descobrir o Olho Mágico, você nunca mais terá dúvidas de que, não importa o que estiver vendo, sempre haverá algo mais a ser revelado.” ( N. E. Thing Enterprises, 1994) 11


A Educação Musical vem descobrindo, assim, nas manifestações extra-escolares, suas peculiaridades

que

consequentemente,

levam

a

diferentes

formas

de

aprendizados,

ampliando o espaço escolar. “A escola de samba vem de raízes. Meu pai tocava no Jamelão (Nome antigo da Escola de Samba Pena Branca), tantos anos. A gente pega o gosto. A gente se sente confortável. Igual foi este ano. Eu senti um alívio. A gente também tem chateação! Muito borrecimento, mas a recompensa vem depois. Todo mundo te apraudindo, todo mundo elogiando. A gente somos humildes mas fizemo alguma coisa interessante, prá agradá o público. É uma cultura, igual tem caboclinho, pastorinhas, tem carnaval, é educação.”12

12

Entrevista coletiva em julho de 2001. Sr. Nelito, um dos presidentes da ESPB.


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