De volta à folia: o carnaval de rua e o Bixiga na retomada dos espaços públicos em São Paulo

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de volta ,

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o carnaval de rua e 0 Bixiga na retomada dos

"I t

espa90s publicos em Sao Paulo

I



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SAMIRA ABDELNUR CHAMMA

DE VOLTA A. FOLIA o carnava! de rua e

0

Bixiga na retomada dos espa90s publicos em Sao Paulo

a

Trabalho Final de Gradua~ao apresentado Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial obten~ao do grau de Arquiteta e Urbanista .

a

•

ORIENTADORES: Paula Raquel Jorge e Angelo Cecco

Sao Paulo

2019


a9 radeci mentos

a

Agrade90 minha familia, especial mente aDs meus pais, pelo incentivo e apoio incondicional em todas as empreitadas da vida, e minha irma, que mesmo tao longe, esta sempre tao perta de mim. Par comemorarem minhas vit6rias e chorarem minhas lagrimas. Sem eles, nada seria passIve!. Aos meus amados amigos, companheiros de cad a parte desses anos e motivac;ao diaria: a faculdade nao teria sido a mesma sem voces. Guardo com muito amor todos as momentos compartilhados e sou eternamente grata par termos, cruzado caminhos. As minhas orientadoras, Larissa e Paula. Larissa, que desde 0 infcio acreditou que iria dar samba. Paula, que sou be me conduzir em meio tantos devaneios e pas meus pes no chao . • Ao meu orientador, Angelo, pelos encontros semanais acolhedores e enriquecedores, por acreditar tanto no potencial do aluno e por incentivar 0 pensamento crftico e a ampliac;ao do sentido do TFG na escola. Agradec;o ainda as vivencias que esse trabalho me proporcionou. Pude sentir 0 carnaval mais de perto e de dentro, me apaixonei por urn bairro, me emocionei ainda mais com 0 samba e tive certeza de que a arquitetura parte, antes de tudo, do enxergar as pessoas.

a

a


"A rua, que eu acreditava fosse capaz de imprimir a minha vida giros surpreendentes, a rua, com as suas inquietac;:oes e os seus olhares, era 0 meu verdadeiro elemento: nela eu recebia, como em nenhum outro lugar, 0 vento da eventualidade" Andre Breton


resumo

Estetrabalhofala sobre espa90 publico e sua apropria9ao, entendendo-o como alga essencial para a forma9ao e desenvolvimento da cidade, e percebendo-o, principal mente, como lugar de encontro, onde ha trocas sociais, alteridade e onde a urbanidade floresce. A condi9ao de pedestre, e, portanto, a dimensao humana - negligenciada inumeras vezes durante a forma9ao das cidades, incluindo Sao Paulo -, Ii fundamental para a percep9ao desse universe de possibilidades que a cidade pode oferecer. Algumas formas de apropria9ao do espa9D publico sao as festas de rua, como 0 carnaval, que alem de contribufrem para a apreensao da cidade como lugar de encontro, sao express6es culturais legftimas e instrumentos de afirma9ao e resistencia para diversos grupos sociais. Tais movimentos, apesar de terem urn grande valor imaterial e relevancia hist6rica , sao diversas vezes reprimidos par polfticas publicas, que acabam por gerar consequencias como a descaracteriza9aO e a perda de espa90 e, portanto, de grupos na sociedade. 0 objetivo geral deste trabalho consiste em propor uma interven9aO no bairro do Bixiga que contribua para a gera9ao de urbanidade, conlira caminhabilidade e que de suporte as festas de rua, incluindo a carnaval, numa tentativa de potencializar as apropria90es e festejos que ali acontecem comtanta for9a e que sao reflexo das manifesta90es culturais no bairro. Para isso, foi realizada pesquisa bibliogrMica sobre os tres universos que compoem a trabalho - espa90s publicos e sua apropria9ao, principal mente em Sao Paulo, carnaval de rua e a bairro do Bixiga - e tambem uma pesquisa a campo, culminando numa proposta projetual. Ao tim do desenvolvimento deste trabalho, percebe-se como as pol{ticas publicas pod em atuar sabre a ambiente urbano de forma excludente, tanto no que diz respeito a morfologia da cidade, quanta comportamentos sociais, e como as manifesta90es culturais, par vezes tolhidas portais pol(ticas, servem

a


de instrumento de afirmac;:ao e resisb~ncia de diversos grupos a esse modelo. Percebe-se tambem a forc;:a e a importancia dos ativismos urbanos, incluindo a retomada do carnaval de rua, num movimento maior de reapropriac;:ao dos

espa90s publicos e de tentativa de mudan9a na 16gica do pensar a cidade. Nota-se, ainda, a recorrente tendencia de limitar e mercantilizar apropriac;:oes culturais espontaneas que se popularizam, assim como conclui-se que 0 olhar crftico ao longo da hist6ria para tais movimentos num territ6rio pode servir de instrumento para colocar em pauta a discussao da marginalizac;:ao de grupos e culturas que merecem ser valorizadas.

Palavras-chave: Espac;:o publico. Carnaval de rua. Bixiga. Manifestac;:oes culturais. Ativismos urbanos.


lista de figuras Figura 1 (Parte 1) - 0 espa<;o publico como lugar de encontro

16

Figura 2 - 0 espa90 publico como lugar de encontro para as caminhantes

19

Figura 3 - Pessoas param para assitir

a urn artista de rua em Sao Paulo

20

Figura 4 (Parte 2) - Roda de samba

24

Figura 5 • Demoli90es na Av. Sao Joao para seu alargamento em 1911/1912

27

Figura 6 - 0 Corso na Av. Paulista nos primeiros anos da dtkada de 1910

29

Figura 7 - Desfile carnavalesco na Lapa, na decada de 1920

30

Figura 8 - Romeiros acampam na festa do Born Jesus de Pirapora

31

Figura 9 - 0 samba de len90

33

Figura 10 - Detalhe da planta da cidade de Sao Paulo em 1952

35

Figura 11 - Membros do Camisa Verde reunidos nurn bloeo para sair na segunda-feira

37

de Carnaval, na decada de 1920 Figura 12 - Piquinique realizado pelo Camisa Verde em Santos, em 1915 Figura 13 - 0 vale do Saracura, na regiao da

Pra~a

14-Bis, em 1910

35 36

Figura 14 - Disparidade entre a ocupa~ao da regiao central, no canto direito, e a regiao

35

do Bixiga, proxima aos cursos d'agua, em 1881 Figura 15 - Foto tirada para a

Exposi~ao

Retratos do Bixiga, faz

men~ao

a

38

multiculturalidade presente no bairro Figura 16 - Fachadas coloridas na R. Conselheiro Carrao

39

Figura 17 - Vista do Vale do Anhangabau na decada de 1940/50

41

Figura 18 - Cordao carnavalesco Vai-Vai em 1949

43

Figura 19 - Desfile da Nene da Vila Matilde na decada de 1960, grupo carnavalesco ja

44

criado como escola de samba Figura 20 - Foto tirada para a

Exposi~ao

Retratos do Bixiga

45

Figura 21 - Foto tirada para a

Exposi~ao

Retratos do Bixiga

45

Figura 22 - Membros do Bloco Esfarrapado. Armandinho, um dos fund adores, ao centro

46

Figura 23 - Minhocao corta a Sao Paulo do tim do seculo xx

49

Figura 24 - Muro e ausencia de urbanidade nas ruas do Morumbi

49


Figura 25 - Oesfile no Anhangabau em 1968. 0 prefeito Faria Lima se encontra ao centro,

50

sobre um palanque Figura 26 - Oesfile na Av. Tlradentes em 1978. Nota-se as fantasias elaboradas e as cameras

51

de televisao Figura 27 - Topografia acidentada e os diversos cursos d'agua do bairro, hoje tampon ados

53

Figura 28 - A construltao da Radial Leste, cortando a Bixiga em 1971. Vista do Glicerio para a

53

Bela Vista Figura 29 - Oelimita9ao do bairro do Bixiga

54

Figura 30 (Parte 3) - Minhocao aberto para pedestres, 2017

56

Figura 31 - Manifesta9ao na Av. Paulista, junho de 2013

59

Figura 32 - Coletivo pro poe atividades no Largo da Batata

60

Figura 33 - Projeto Centro Aberto, no Largo Sao Francisco e Sao Bento

61

Figura 34 - Projeto Centro Aberto, no Largo Sao Francisco e Sao Bento

61

Figura 35 - Paulista aberta

62

Figura 36 - Virada Cultural toma a regiao do Teatro Municipal

63

Figura 37 - Ilustra9ao do Manifesto Carnavalista, de 2012

65

Figura 38 - Cortejo do Baixo Augusta

65

Figura 39 - Av. 23 de Maio tomada par desfiles de bloces no carnaval de 2018

66

Figura 40 - Cortejo do Bloco To de Bowie no centro

67

Figura 41- Folioes se divertem no cortejo do Bloco Tarado Ni Voce, no sabado de Carnaval

68

Figura 42 - Folioes nos cortejos em frente ao Monumento as Bandeiras

69

Figura 43 - BaianaSystem arrasta multidoes na Av. Tiradentes

69

Figura 44 - Extravasar: folia se diverte ao sam de BaianaSystem

71

Figura 45 - Cortejo do Bloco Pagu proximo ao Pateo do Colegio

73

Figura 46 - Folioes se vestem de laranja, satirizando polemic a dos candidatos laranja do PSL

73

Figura 47 - Bloce Orquestra Voadora faz referencia a morte de Marielle Franco

73

Figura 48 - Vended ores oficiais deixam a regiao do Ibirapuera ap6s dispersao de blocos

75

Figura 49 - Moradoras do bairro asisstem cortejo do Espetacular Bloce da Charanga do

76

Fran9a da janela Figura 50 - Moradores asisstem cortejo do Espetacular Bloco da Charanga do Fran9a da

76

sacada Figura 51 - Blocos se unem em cortejo no Arrastao dos Blocos, no centro

77

Figura 52 - Grande quantidade de bens tombados da regiao

78

Figura 53 - Gabarito predominantemente baixo na regiao central do bairro, condizendo em

78

grande parte com os bens tombados


,

Figura 54 - Foto de sobrevoo na altura da Prat;a Dam Orione em diret;ao ao centro. E visivel a

79

predominancia do baixo gabarito na regiao

Figura 55 - Festa da Nossa Senhora da Achiropita: agosto e setembro

82

Figura 56 - Ensaios da Vai-Vai na rua: Quintas e Domingos proximos ao carnaval

83

Figura 57 - Bloee dos Esfarrapados: sempre na Segunda-feira de carnaval

84

Figura 58 - Bolo Gigante do aniversario de Sao Paulo: todo dia 09 de janeiro

85

Figura 59 - Lavagem do grupo lid Qba de Min na Rua Treze de Maio

86

Figura 60 - Samba da Treze: tad a naite de sexta-feira

87

Figura 61 - Jazz na Escadaria: ao menos urna vez no mes

88

Figura 62 - Feira de Antiguidades na Pra9a Dam Orione

89

Figura 63 (Parte 4) - Cortejo do Bloee Filhos de Gil na Vila Mariana em 2019

90

Figura 64 - 0 encaixe XYZ, presente no prototipo feito em Groningen

92

Figura 65 - Prot6tipo em Groningen, 2013

93

Figura 66 - Prot6tipo em Groningen, 2013. Alguns usos possiveis

93

Figura 67 - Pequeno pavilhao construido na entrada da travessa

94

Figura 68 - Apropria'1oes no pavilhao constuido

95

Figura 69 - Espa'1o livre e mobiliario na travessa do bairro

95

Figura 70 - Cartografia sensitiva

98

Figura 71 - As tres central ida des de festejos

100

Figura 72 - Analise de pontos de interesse hist6rico-culturais

101

Figura 73 - Analise de pontos vazios/sub-utilizados

102

Figura 74 - Diagrama do percurso ludico

103

Figura 75 - Masterplant

104

Figura 76 - Diagrama do percurso ludico

105

Figura 77 - Corte esquematico da rua Treze de Maio

106

Figura 78 - Nivelamento de cal'1ada e pista de rolamento na R. Treze de Maio

107

Figura 79 - Vegeta'1ao, mobilia rio e ilumina'1ao como balizadores na R. Treze de Maio

107

Figura 80 - Caracteristicas da R. Treze de Maio a serem preservadas

107

Figura 81 - Corte esquematico da rua de velocidade reduzida tipo 1

108

Figura 82 - Corte esquematico da rua de velocidade reduzida tipo 2

108

Figura 83 - Esquema: algumas fun'1oes do "estar"

109

Figura 84 - Os elementos base e os possiveis modulos formados a partir deles

110

Figura 85 - Fun'1oes atendidas a partir da jun'1ao de modulos

111

Figura 86 - Fun'1oes atendidas a partir da jun'1ao de modulos

112

Figura 87 - Fun'1oes atendidas a partir da jun'1ao de modulos

113

Figura 88 - Os encaixes: sistema construtivo

114


Figu,.a 89 - Os encaixes: sistema construtivo

115

Figu,.a 90 - Processo e resultado do experimento

116

Figu,.a 91 - Programas propostos para as interven90es

117

Figu,.a 92 - Localiza9.90 das Interven90es 1 e 2

118

Figu,.a 93 - Vista da Rua Santo Antonio para 0 fm do muro e a Rua Cora9.90 da Europa

119

Figu,.a 94 - Vista aerea do muro de grafitti na R. S. Antonio

119

Figu,.a 95 - Vista da R. C. Europa para 0 terreno de interven9.90 1

119

Figu,.a 96 - Vista da R. L. Barreto para 0 terreno da interven9ao 2

119

Figu,.a 97 - Perspectiva: interven90es 1 e 2

120

Figu,.a 98 - Implanta9.90 das interven90es 1 e 2

121

Figu,.a 99 - Corte longitudinal AA: interven90es 1 e 2

122

Figu,.a 100 - Corte transversal BB: interven90es 1 e 2

124

Figu,.a 101 - Perspectiva da interven9.90 2

125

Figu,.a 102 - Localiza9.90 da interven9.90 3

126

Figu,.a 103 - Escada existente, que leva ate a R. L. Granato

126

Figu,.a 104 - Vista da rua Dr. L. Granato

126

Figu,.a 105 - Implanta9.90 Interven9.90 3

127

Figu,.a 106 - Perspectiva interven9.90 3

127

Figu,.a 107 - Localiza9.90 da interven9.90 4

128

Figu,.a 108 - 0 terreno da interven9.90 4 hoje

128

Figu,.a 109 - Implanta9.90 Interven9.90 4

129

Figu,.a 110 - Perspectiva interven9.90 4

129

Figu,.a 111 - Localiza9.90 da interven9.90 5

130

Figu,.a 112 - 0 terreno da interven930 5 hoje

130

Figu,.a 113 - Implanta9.90 Interven9.90 5

131

Figu,.a 114 - Perspectiva interven9.90 5

131

Figu,.a 115 - Localiza9.90 da interven9.90 6

132

Figu,.a 116 - Vista da Escadaria do Bixiga

132

Figu,.a 117 - Largo formado no inicio da escadaria

132

Figu,.a 118 - Implanta9.90 interven9.90 6

133

Figu,.a 119 - Alunos na area de estudo

140

Figu,.a 120 - Alunos na area de estudo

140

Figu,.a 121 - Produ9.90 da cartografia

140

Figu,.a 122 - Parte da cartografia produzida

141

Figu,.a 123 - Alunos participantes no dia da exposi9.90 dos trabalhos realizados

141

Figu,.a 124 - Cartografia produzida pelos alunos

141


,

.

sumano capitulo 1

introdu~ao

16

PARTE 1 - da cidade capitulo 2

14

espa~o

publico e urbanidade

18

a importancia do espac;:o publico

18

o caminhar e outra forma de pensar a cidade

19

PARTE 2 - da hist6ria capitulo 3

24

da funda~ao da cidade a decada de 1930

de vila a cidade burguesa ••

26 26

pnmelros carnavals

28

dos campos do Bixiga as primeiras ocupac;:oes

35

capitulo 4

da decada de 1930 a decada de 1960

o caminho para

0

descaso

40 40

o carnaval negro cresce

41

Bixiga povoado e a rua como espac;:o de lazer e festejos

44


capitulo 5

do tim da decada de 1960 ao tim do seculo xx

48

o medo do espa<;:o publico

48

carnavaloficializado

50

Bixiga de resistencia

52

PARTE 3 - da retomada capitulo 6

seculo XXI

56 58

a retomada do espa<;:o publico

58

o carnaval volta as ruas

64

o Bixiga na virada do sEkulo

77

PARTE 4 - das reflexoes

90

capitulo 7

referencias projetuais

92

capitulo 8

. proposll~oes

98

leitu ra do territ6rio o projeto

capitulo 9

98

103

conclusao

134

referencias

136

apendice

140


capitulo 1 introdu~ao Este trabalho discorre sobre espa90 publico e sua apropria9aO, entendendo-o como alga essencial para a formac;ao e desenvolvimento da cidade. Percebe-se 0 bom espa90 publico como lugar de encontro, onde ha trocas sociais, alteridade e onde a urbanidade floresce: "A urbanidade e o que rege as encontros entre as cidadaos e e no territ6rio da urbanidade que a cidade completa (au nao) a experiencia pessoal, par meio das trocas, da conversa, dos imprevistos, do f1anar, do viver a aventura coletivamente" (CALLIARI, 2016, p. 23). Esse universe 56 tern sentido quando experimentado pelo olhar da dimensao humana e do caminhar, pais a partir dessa condicrao, as atividades opcionais, tao atrativas nurn meio urbano que as permitem, pod em ser aproveitadas e, assim, 0 convfvio social pode ser assegurado. Apesar de sua importancia, tal 6tica foi deixada de lade inumeras vezes durante a forma9ao de cidades, incluindo Sao Paulo - contexto deste trabalho -, 0 que acabou gerando espa90s que em nada favorecem a urbanidade. Entende-se os festejos de rua, como 0 carnavat e outras manifesta90es aqui colocadas, como algumas das formas de apropria9ao do espa90 publico que, alem de contribufrem para a apreensao da cidade como lugar de encontro, sao expressoes culturais tegftimas e instrumentos de afirma9ao e resistencia para diversos grupos sociais. Tais movimentos tern urn grande valor imaterial e relevancia historica, mas sao diversas vezes reprimidos por polfticas publicas, que acabam por gerar consequâ‚Źmcias como a descaracteriza9ao e a perda de espa90, e, portanto, de grupos na sociedade. Tem-se nesses entraves a problematica, e, apontando para a valoriza9ao de tais manifesta90es, bern como para seu apoio e tentativa de acolhida, justifica-se esse trabalho. objetivo geral consiste em propor uma interven9ao no bairro do Bixiga que contribua para a gera9ao de urbanidade, confira caminhabilidade e que de suporte as festas de rua, incluindo 0 carnaval, numa tentativa de potencializar as apropria90es e festejos que ali acontecem com tanta for9a e que sao reflexo

o

14


das manifesta90es culturais no bairro.

Para a realiza9iio deste trabalho, loi leita pesquisa bibliogrMica sobre os tres universos que 0 compoem: espa90s publicos e sua apropria9ao, principalmente em Sao Paulo, carnaval de rua e 0 bairro do Bixiga. Sobre 0

primeiro, ressalta-se Calliari (2016), Gehl (2010) e Rolnik (1997); sobre 0 segundo, Simson (2007), Soares (1999) e DaMatta (1990); e no terceiro, Marzola (1979), Gon9alves (2016) e Lucena (2016). Foram tambem realizadas pesquisas a campo para a familiariza9ao com 0 bairro, seu contexto urbano e suas apropria90es e festas de rua, 0 que cotaborou para a defini9ao do percurso, escolha de terrenos e maneiras de intervir no territ6rio. Tendo em vista que esses tres universos de estudo se permeiam, em determinado momento do trabalho, optou-se por discorrer sobre eles por

perfodos hist6ricos, definidos a partir da periodiza9iio proposta por Calliari (2016) com algumas altera90es. Dessa maneira, em cada perfodo intercalase os tres temas , para que 0 entendimento de cada um se de de forma mais compteta e contextualizada.

15


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.

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a CI

a

e


capitulo 2 espa~o

publico e urbanidade

a importancia do espac;:o publico

o espa90

publico sempre esteve no cerne da forma9ao das cidades ocidentais, tanto em sua constrU(~ao ffsica, quanta em sua propria identidade. Na Grecia Antiga, 0 espa90 publico, especificamente a agora, era onde tudo acontecia: "A agora era 0 lugar do mercado, das compras, do encontro cotidiano, mas tambem 0 ambiente onde se discutiam as questoes da cidade

- a "politica" [ ... ] Era, portanto, uma configura9ao que misturava 0 conceito abstrato da vida publica a um espa90 fisico e concreto" (CALLIARI, 2016, p.

30). A religiao tambem teve grande influencia no uso do espa90 publico, sendo a razao das primeiras grandes constru90es que marcaram a paisagem das cidades. Uma olhada as pra9as centra is de cidades europeias e percebese a influencia que as catedrais tiveram e ainda tern no espa90 ao seu redor. As trocas comerciais tambem se deram historicamente no espac;o publico, send a a prac;a

0

ponto de encontro entre as habitantes das cidades medievais, por

exemplo (CALLIARI, 2016). A cultura, a circula9ao, 0 transporte, as festas e as manifestac;oes de poder sao algumas das tantas outras dinamicas que foram,

historicamente, surgindo e se desenvolvendo no espa90 publico(GEHL, 2010). Palco da vida em sociedade, pode-se entender 0 espa90 publico, entao, como um lugar de encontro, onde se dao as trocas,

0

fazer, a exercfcio da

funC;ao cidada. Um lugar onde se estimulam os sentidos e, principal mente, onde se convive com 0 outro, com a diferente. Urn born espac;o publico aquele que propicia a urbanidade: "A urbanidade

e0

e

que rege as encontros

entre os cidadaos e e no territ6rio da urbanidade que a cidade com pi eta (ou nao) a experiencia pessoal, par meio das trocas, da conversa, dos imprevistos,

do flanar, do viver a aventura coletivamente" (CALLIARI, 2016, p. 23).

18


Figura 2 - 0 espa90 publico como lugar de encontro para os caminhantes Fonte: Blog Carol Sassateli,2014.

o caminhar e outra forma de pensar a cidade A condi9ao de lugar de encontro, tao cara para a convfvio social, s6 faz sentido quando na escala humana, do pedestre, e, portanto, no caminhar. Os olhares que se cruzam, a chance ao acaso, as atividades programadas au espantaneas, tudo depende dessa circunstancia: "Caminhar e a infcio, a ponto de partida. 0 homem fal criada para caminhar e todos as eventos da vida grandes e pequenos - ocorrem quando caminhamos entre outras pessoas. A vida em toda a sua diversidade se desdobra diante de nos quando estamos a pe" (GEHL, 2010, p. 19). Apesar de tao importante para a vida conjunta em cidade, durante muito tempo, a condi9ao do pedestre foi negligenciada em diversas partes do mundo. Polfticas publicas e ideologias marcantes conforrnaram espa90s que visavam a circula9aa au a Separa9aO das fun90es, a que acabou resultando em ausencia de urbanidade, e gerou cidades pouco agradaveis para a andar e todas as possibilidades que 0 acompanham. A partir das decadas de 60 e 70, questiona-se tal conduta e vern a tona a importancia da dimensao humana no planejarnento urbano, discussao que se estende atualidade e ainda mais ampliada hoje.

a

e

19


Jan Gehl (2010) Ii um dos estudiosos que hoje defendem 0 pensar na escala das pessoas como fator essencial para pensar a cidade e obter cidades mais vivas, seguras. sustentaveis e saudaveis. A preocupac;:ao a nrvel dos olhos deve ser a prioridade, 0 que inclui levar em conta desde 0 mobiliario urbano ate os sentidos aguc;:ados durante urn percurso pela cidade, que pode ser

urn objetivo em si mesmo. Para

0

autor, a maior atrac;:ao da cidade e a pr6pria

presen9a das pessoas e as atividades opcionais - aquelas como 0 observar 0 movimento, assistir urn artista de rua e sentar no banco de uma pra9a - sao as atividades mais atrativas e populares, que 56 conseguem tlorescer quando

a

a cidade oferece uma boa qualidade urbana para 0 pedestre. Figura 3 • Pessoas

param para assitir a um artista de rua em Sao Paulo

Fonte: Revista Afinal Cultura & Comunica9ao, 2015

Tais atividades opcionais, ou interven90eS temponkias, sao de grande importancia para a vida em sociedade, medida que proporcionam a amabilidade urbana - termo definido pela autora Adriana Fontes (2011) para denominar 0 atributo do espa90 amavel, aquele que propicia a proximidade entre as pessoas e 0 espa90:

a

[ ... ] Ao mesmo tempo em que a interven9aO interage com as pessoas, faz tambem com que estas interajam entre si, 20


aproximando-as, vitalizando os espac;os e dando origem a urn novo cicio que se autoalimenta, uma vez que a amabitidade pode permitir novas intervenc;oes, que vao gerar espac;os cada

vez mais amaveis, e assim sucessivamente[ ... ]" (FONTES, 2011, p.15) Sob etica similar, Jeff Speck (2017) discorre a favor da cidade caminhavel e traz 0 termo "walkabitity", ou "caminhabitidade", reunindo recomendac;oes para methorar a experiencia do caminhar na cidade. Ete fata, por exempto, da demanda induzida: mais e methores rodovias significam mais tn3fego, assim como 0 inverso tambem e verdadeiro, como ocorreu em diversas cidades do mundo. Diz tam bern da importancia da experimentaC;80 quando se faz transformac;oes nos espac;os, atraves do uso de elementos temponirios para testar uma ideia antes de torna-ta permanente, como ocorreu por exemplo na conversao da Times Square em Nova York em uma zona peatonat. Speck ressatta tambem as vantagens da rua compartithada, que ao distribuir as responsabitidades e privilegiar a permanencia, e uma tentativa de contribuir para uma cidade mais caminhavel. othar do pedestre e 0 caminhar, atem de ter sua importancia para

o

nortear 0 planejamento urbano e contribuir para 0 encontro e para as trocas socia is, pode tambem ser entendido como um instrumento de simuttanea leitura e escrita do espac;o, ele proprio uma intervenC;80 urbana. Em muitos momentos da historia da arte, 0 caminhar e 0 percurso aparecem como urn

ato estetico, detransforma~ao do lugare de seus significados (CARERI, 2002). A relevancia do caminhar na cidade e sua utilizac;ao como um instrumento urbanfstico e artfstico, e tambem de certa forma para 0 entendimento das trocas sociais ja fot evidenciado inumeras vezes ao longo do tempo. Se a prodUC;80 da cidade, como materializaC;80 espacial, pode ser entendida como

"sempre continua e consequencia de um processo histerico [ ... ]" (MARINO, 2018), nao ha como mudar drasticamente a cidade consolidada, que tantas vezes esqueceu do caminhar, mas e possfvel que daqui para frente se aproveite do que propicia urbanidade e se construa e transforme espac;os a partir da perspectiva mais humana, democratica e inclusiva, que e a do olhar

do pedestre. "[ ... ] Caminhar pelos espa~os comuns da cidade pode ser um objetivo em si mesmo - mas tambem um come~o" (GEHL, 2010, p.29).

21





a

· ,. IS aria


capitulo 3

da funda(f30 da cidade ~ Co

de vila

a decada

de 1930

a cidade burguesa

o ,m

•

Ate 0 seculo XIX, a entao Vila de Sao Paulo tinha uma vida marcada pela rotina de uma pequena comunidade. 0 espa90 publico era frequentado pelos homens livres, escravos, tropeiros, lavadeiras e quitandeiras em suas atividades cotidianas, sendo que a vivencia das ruas era base ada sobretudo nas ocasi6es festivas, que inclufam prociss6es religiosas, festas juninas e outros festejos. 0 comercio tambem acontecia no espa90 publico, enquanto que a maiaria das atividades da elite aconteciam ainda dentro de casa

(CALLlARI,2016). A partir da segunda metade do seculo XIX, diversos fatores fazem com que a vila se transforme, gradativamente, em cidade. A chegada da ferrovia, em 1867, para escoar a produc;ao de cafe do interior para 0 litoral, junta mente com a alto contingente de imigrantes e, posteriormente a instala9ao de industrias na regiao, sao os principais deles:

As mudanc;as causadas pelo tripe cafe-industria-imigrac;ao foram de tal ordem que moldaram as bases para que Sao Paulo comec;asse 0 seculo xx em condic;oes relativas total mente distintas daquelas verificadas 30 anos antes: aumento brutal de popula9aO (de 31 mil para quase 240 mil em 1900), maior importancia relativa no cenario nacional (de decima maior cidade a terceira) e maior relevancia pol(tica (cidade provinciana no Imperio, protagonista na Republica) (CALLIARI, 2016, p. 102). A cidade de ruas escuras vai ganhando melhorias urbanas, como a iluminac;ao das vias e posteriormente a presenc;a dos bondes. Tudo isso modifica e reconfigura a cidade, que recebe cad a vez mais gente e diversidade,

26


e com ela, vem 0 contlito, fruto do lidar com 0 diferente, das novas interac;:oes socia is, situac;:oes nunca antes experimentadas com tal intensidade no territ6rio (CALLIARI, 2016). 0 C6digo de Posturas, promulgado em 1875 e estabelecido em 1886, retlexo disso e traz uma serie de regras sobre a vida cotidiana, edificac;:oes, arruamento e higiene. C6digo e um dos instrumentos utilizados pela elite do cafe recemestabelecida para se aproximar cada vez mais de uma imagem burguesa, limpa e ordenada, que se estende cidade. Para isso, ele ressignifica 0 espac;:o da rua - destinando-o somente fruic;:ao da cidade -, preve 0 alargamento de vias e, principalmente, profbe a existencia dos corti,os (ROLNIK, 1997). Pode-se dizer que "a primeira preocupa,ao da legisla,ao municipal, alem de redesenhar as ruas centra is, foi eliminar estas formas de ocupac;:ao da area mais valorizada - 0 centro da cidade" (ROLNIK, 1997, p. 37).

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Figura 5 Demoli90es na Av. Sao Joao para seu alargamento em 1911/1912

Fonte: Desconhecido, 1910-1915. Acervo arti'stico e cultural da Prefeitura se Sao Paulo

A proibic;:ao dos cortic;:os expulsa a populac;:ao que morava na regiao central, uma camada de baixa renda, em grande parte composta por escravos libertos vindos das lavouras para a cidade em busca de oportunidades. Assim, tal popula,ao se ve obrigada a se estabelecer na entao periferia da cidade, que compreendia principalmente as regioes hoje conhecidas por

27


~

Barra Funda, Baixada do Glicerio e Bixiga, areas pr6ximas ao centro comercial

~ e desvalorizadas, principal mente por serem areas de fundo de vale ou muito fngremes (SOAREAS, 1999). Enquanto isso, a elite emergente continua enriquecendo e a busca pela cidade burguesa permanece. No infcio do seculoXX, 0 centro da cidade assiste uma sofistica9ao de cara europeia, com a expansao de urn comercio de luxo, lojas francesas, cinemas e cates, alem de reformas de grandes espa90s publicos, como 0 Anhangabau: a elite finalmente ganha as ruas. Ao mesmo tempo, 0 setor industrial cresce e emprega em grande parte a popula9ao imigrante recem-chegada ao pafs, que se afasta cada vez mais do centro e acaba por formar os bairros operarios. Dentre eles, destaca-se 0 Bras, que nas primeiras decadas do seculo XX, podia ser considerado a primeira nova centralidade presente na cidade (CALLIARI, 2016).

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. . . 2 pnmelros carnavals • -• ~

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Quando as vivencias nas ruas se davam sobretudo pelas ocasi6es

~ festivas, 0 carnaval era uma delas. 0 festejo chega aD Brasil na forma de Entrudo, trazido pelos colonizadores portugueses. A festa era realizada para saudar a primavera, e consistia em "batalhas aquaticas", incluindo lim6es e laranjas de cheiro. No seculo XIX, 0 entrudo era celebrado principal mente pela elite dos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e Salvador (SOARES, 1999). A partir de 1855, 0 Carnaval Veneziano aparece por aqui, celebrado pelas classes mais privilegiadas, e ocorre concomitantemente aD Entrudo ate o fim do seculo XIX. Nessa forma de festejo, as famflias desfilavam em carras abertos, luxuosamente enfeitados. Em 1915 0 corso la carnaval veneziano, na Avenida Paulista recem asfaltada, era a forma de fazer carnaval em Sao Paulo pela emergente elite do cate, que almejava cada vez mais uma cultura de cunho burgues-europeu (SIMSON, 2007).

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28


Figu,.a 6 • 0 Corso na Av. Paulista nos primeiros anos da

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Fonte: Revista Careta apud Acervo Estadao, 2015

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De fora dessas cetebra90es - ou participando como meros expectadores das cal9adas -, 0 povo cria sua propria maneira de festejar 0 carnavat: surgem os carnavais poputares em bairros operarios, mais afastados , do centro urbano, come9ando no Bras e alcan9ando tam bern a Lapa e a Agua Branca, com participa9ao majoritaria dos imigrantes e suas famflias que ali se instalaram. A princlpio, no Bras, os folguedos tinham lugar dentro dos saloes e, a partir de 1915, come9aram a ocorrer na rua, inspirados no modelo de carnaval veneziano praticado pela elite. Jogavam-se confetes, serpentinas e lan9a-perfumes, tocavam-se marchinhas e atrafa-se urn publico cada vez maior (SOARES, 1999). Em 1916, as manifesta90es carnavalescas chegam a Lapa, promovidas principalmente pelos clubes da regiiio, grandes congregadores da popula,iio , do bairro. Anos depois, a Agua Branca tam bern festeja 0 carnaval, iniciado com a cria9ao do Bloco Moderado, por dois amigos operarios que viviam no bairro e com 0 apoio de comerciantes (SIMSON, 2007). Os folguedos dos bairros operarios tinham suas particularidades, mas todos baseavam-se em uma rela9ao de grupos de vizinhan9a e eram fruto do relacionamento social entre as familias e moradores do bairro, fossem operarios, pequenos industriais ou comerciantes.

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Figura 7 . Desfile carnavalesco na Lapa, na decada de

1920 Fonte: Simson, 2007

o carnaval negro Nas primeiras decadas do seculo xx, a vinda de uma populaC;ao negra do interior cidade implica tam bern na chegada de uma expressao cultural propria. Porem, sob a otica de urn prevalecimento da cultura burguesaeuropeia, as manifesta90es culturais negras nao tinham lugar na cidade. A batucada, a umbigada eo samba, passaram a ser banidas. UNa epoca, nao

a

podia fazer samba em Sao Paulo. Quem fazia samba ia em cana ... " (FILME apud Samba Paulista: fragmentos de uma hist"ria esquecida).

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Com isso, as manifesta90es negras acabam buscando espac;o em

outras festividades, as celebra,oes profano-religiosas. A festa de Santa Cruz, por exemplo motivava rezas, procissoes, folguedos e zambumbas junto

a

Liberdade e ao Glicerio. A Festa da Nossa senhora da Achiropita, no Bixiga, era recheada de samba e procissoes para a Madona. 0 Treze de maio era festejado na Barra Funda e ainda em pontos mais afastados da cidade, com

samba e comidas tfpicas (SIMSON, 2007).

30


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Quem fei que disse que paulista nae faz samba?

o samba paulista vern do samba rural, do interior de Sao Paulo, com a bumbo como instrumento principal. A Festa de Sao Born Jesus em Pirapora teve grande importancia na afirmac;ao do samba paulista, pais atraia muitos grupos negros de diversas regi6es , que, abrigados em barrac6es durante as romarias, realizavam as batuques, samba de lenc;o, umbigadas, etc, que eram proibidos na capital, apos a parte religiosa da festa (SIMSON , 2007).

Figura 8 - Romeiros acampam na festa

Figura 9 - 0 samba de lenr,:o

do Bom Jesus de Pirapora Fonte: Acervo Casa do Samba apud Revista Campo & Cidade

Batuque de Pirapora - Geraldo Fi lme Eu era menino Mamae disse: vamos em bora Voce vai ser batizado No samba de Pirapora Mamae fez uma promessa Para me vestir de anjo Me vestiu de azul-celeste Na cabecra um arranjo Ouviu-se a voz do festeiro No meio da multidao Menino preto nao sai Aqui nessa procissao Mamae, mulher decidida Ao santo pediu perdao

Jogou minha asa fora Me levou pro barracao La no barraco Tudo era alegria Nego batia na zabumba Eo boi gemia Iniciado 0 neguinho Num batuque de terreiro Samba de Piracicaba Tiete e campineiro Os bam bas da Pauliceia Nao consigo esquecer Fredericao na zabumba Fazia a terra tremer

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Cresci na roda de bamba No meio da alegria Eunice puxava 0 ponto Dona Olimpia respondia Sinha caia na roda Gastando a sua sanda Ii a E a poe ira levantava Com 0 vento das sete saias La no terreiro Tudo era alegria Nego batia na zabumba Eo boi gemia [...]

Em "Batuque de Pirapora", de Geraldo Filme, fica evidente a segregac;ao racial que os negros sofriam na capital, mesmo adentrando as festas religiosas, e e quase possivel sentir a ambiencia festiva do samba de Pirapora.

Alem de se revelar no interior de Sao Paulo, 0 samba acabava acontecendo em alguns pontos de concentra~ao negra na cidade, a partir de altas horas da noite ate ofim da madrugada. 0 Largo da Banana, na Barra Funda, proximo ao terminal das estradas de ferro Santos-Jundiaf e Sorocabana (MARC HEZIN, 2016), era local de trabalho informal dos negros na venda de produtos alimentfcios e foi um dos maiores redutos do samba, da tiririca , da umbigada , e do surgimento de importantes nomes do samba paulista, como Geraldo Filme, Dionisio e Tio Mario (AZEVEDO, 2014). Figura 10 - Oetalhe da planta da cidade de Sao Paulo em 1952

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Fonte - Hist6rico demografico do municipio de Sao Paulo apud Marchezin , 2016

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La no Largo da Banana , na Barra Funda ... a rapaziada , a ordenado era, a soldo era pequeno. Entao eles ganhavam tantos cachos de banana, par cada tantos cachos carregados, eles ganhavam um. Entao eles colocavam ali na pra~a para o ... E na hora em que folgavam um pouquinho, eles armavam um samba. A gente era moleque, ficava olhando as "veio", eles nao deixavam entrar na roda, sabe: 'Sai daqui moleque, chega pra la ... (FILME apud AZEVEDO, 2014, p. 320)

a

Mais frente, 0 Largo da Banana vai dar lugar ao Viaduto Pacaembu, numa epoca de investimentos em obras de infraestrutura e busca do " progresso"

(MARCHEZIN, 2016).

Vou sam bar n'outro lugar. Geraldo Filme Fiquei sem 0 terreiro da Escola Ja nao posso mais sam bar Sambista sem 0 Largo da Banana A Barra Funda vai parar Surgiu um viaduto, e progresso Eu nao posso protestar Adeus, berqo do samba Eu you-me embora Vou sambar noutro lugar

Havia tambem os bailes de porao, amplamente frequentados pel os negros na decada de 30, principalmente no Bixiga (MARZOLA, 1999), e os "sal6es de ra<1a", muito numerosos entre 1920 e 1950, fatores que somados foram contribuindo para uma elabora<1ao e consolida<1aoda cultura negra e do samba em Sao Paulo

(SIMSON , 2007). ~--------------------------------------------~

Assim, essa vivencia fest iva, repetida anualmente, da origem aos folguedos carnavalescos da popula9ao negra, em territorios que Ihes eram proprios, de modo que em 1914 surge 0 primeiro cordao carnavalesco negro, criado por Dionfsio Barboza, 0 Grupo Carnavalesco da Barra Funda, depois apelidado de Camisa Verde. Depois dele, alguns outros come9am a surgir, como 0 dos Campos Elfsios em 1918, apesar das repress6es policiais aos

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III

33


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folguedos negros. que se abrandavam durante 0 perfodo do Momo. "A polfcia " ~ nao interferia nas atividades propriamente carnavalescas [ .. .]. Mas danctar -~ samba fora do perfodo carnavalesco era atividade mal vista e reprimida pela ~ poHcia .... como aponta a relata de seu Zezinho do Morro da Casa Verde na obra U de Olga von Simson (2007, p.194). Figura 11 Membros do Camisa Verde reunidos num bloeo para sair na segunda-feira de Carnaval, na dfkada de 1920

Fonte: Simson, 2007

as festejos negros tiveram influencia da estadia de DionIsio no Rio de Janeiro. que traz muito do rancho (manifestactaO carnavalesca que fazia sucesso por h,) e das bandas militares, dando origem marcha sambada, ritmo que ditava um desfile nao muito rapido. com muitas evoluctoes e bastante ginga. Ah~m disso. as festejos tambem se influenciaram pelas festas profano-religiosas mencionadas. alem dos folguedos locais. configurando assim um "verdadeiro caleidoscopio cultural incorporado criactao do desfile" (SIMSON, 2007, p. 116). As agremiactoes nao se restringiam aos festejos nos dias de carnaval. sendo na verdade entidades organizadoras do lazer da popula(fao pobre e negra da cidade durantetodo 0 ano. Promoviam confraternizactoes. bailes e romarias. celebractoes que arrecadavam verba e culminavam nas atividades carnavalescas. que consistiam nos cortejos em seus bairros de origem.

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34


Portanto, sendo lugar de convfvio, as cordoes se pautavam nas relacroes familiares e de grupos de vizinhancra, sen do essenciais na manutencrao de uma tradicrao.

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Figura 12 Piquinique realizado pelo Camisa Verde em Santos, em 1915

Fonte: Simson, 2007

Ate meados de 1920, os cord6es buscavam seu espa~o na cidade e ainda naotinham aceita~ao do publico em geral, que viam os folguedos negros como manifestac;oes de menor importancia e de urn grupo etnicamente diferenciado. Nesse perfodo tambem safam pelas ruas as "blocos de sujo", grupos de pessoas de urn estrato social mais pobre, que se reuniam em volta de urn instrumento e saiam cantando, de forma espontanea, principalmente

pela Av. Sao Joao (regiao de morada de tal estrato da popula~ao). Ja se nota af o esbo~o de uma diferencia~ao entre os folguedos assistidos e os folguedos com maior participa~ao (SIMSON, 2007).

dos campos do Bixiga as primeiras ocupa<;:6es

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Numa Sao Paulo ainda pouco ocupada, as Campos do Bixiga eram territ6rio de uma estalagem. Tem-se registros de que a estalagem era de 35


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Antonio Bexiga (uma das hipoteses para a origem do nome do bairro)1 , que se localizava no infcio do que e hoje a Rua Santo Antonio, e servia de pousada aos que vinham do interior para vender seus animais no Largo do Piques, que depois se tornaria 0 Largo da Memoria e hoje Pra,a da Bandeira. No local, realizava-se uma especie de feira livre, onde tambem se leiloavam escravos (MARZOLA,1979). , A beira do Rio Saracura, os Campos do Bixiga tambem se tornavam urn reduto de escravos fugidos, que salam muitas vezes do Piques, nas proximidades do corrego do Anhangabau. Alem de seguir 0 curso d'"gua, aproveitavam da topografia acidentada da regiao da Grota para se esconder. Assirn, surge urn dos rnuitos quilornbos urbanos de Sao Paulo, 0 Quilornbo Saracura, localizado na mesma area do Tanque Reuno (MARZOLA, 1979). Figura 13 • D vale do Saracura, na regiao da Pra<Ja 14¡ Bis, em 1910

Fonte: Vicenzo Pastore, 1910

1

Ha algumas hip6teses para

0

territ6rio ser chamado de Bexiga. Uma delas,

e que a area

abrigou muitas pessoas que haviam contraido variola, doen<Ja essa tambem chamada popularmente de "bexiga" por conta de seus sintomas. Dutra, vem de um matadouro que fora construido na regiao entre 1773 e 1774, no qual se comercializava bexigas de boi. A ultima faz alusao 36

a estalagem de Antonio Bexiga (nome que poderia estar relacionado acontra<Jao


Sao Paulo come9a a se urbanizar por volta de 1870, mas a regiao do ~ Bixiga demora a ser densamente ocupada, e em 1878 que ocorre 0 primeiro ~ loteamento das terras da Chckara, agora em posse de Antonio Jose Leite Braga, aproveitando 0 embalo da urbaniza9ao.

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Figura 14 Oisparidade entre a ocupa9ao da regiao central, no canto direito, e a regiao do Bixiga, pr6xima aos

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cursos d'agua, em 1881

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Fonte: Companhia

Cantareira de Esgotos apud Gon<;alves, 2016

Bixiga multicultural Com a politica higienista estabelecida pela elite do cafe na area central, o Bixiga, como uma das regi6es perifericas, recebe muitos negros em seu territorio. Vale ressaltar que um motivQ importante de estabelecimento dessa popula9ao no bairro era a possibilidade de morar nas proximidades da Avenida Paulista - regiao onde se localizavam as casas de bar6es, nas quais

de variola ou ao proprio nome da familia), que correspondia a regiao em questao. Fato e que 0 territorio come<;a a ser chamado pelo nome Bexiga no final do sEkulo XVII.

37


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mulheres negras eram admitidas como criadas e lavadeiras - a urn baixo custo de terreno, ja que a area sofria frequentemente com alagamentos par estar em regiiio de vales (SIMSON, 2007). Ao mesmo tempo que recebia as negros vindos do centro, 0 Bixiga passava tambem a ser ocupado par imigrantes, em sua maioria italianos da regiao da Calabria. De classes modestas, vinham de areas rurais desde 1880 para trabalhar como artesaos ou pequenos comerciantes na Sao Paulo que ofere cia, agora, muitas oportunidades (GON<;ALVES, 2016). Os imigrantes se instalavam nas areas mais nobres do Bixiga, como no Morro dos Ingleses, na Rua Treze de Maio au na Rua Rui Barbosa, espa9Ds fisicamente menos vulneniveis que as regioes mais (ngremes e fundos de vale, a regiao da Grata eo Baixo Bixiga, mais ocupadas pela parcela negra do bairro. Apesar disso, a relactao entre um grupo e outro ainda era mais pacifica que em outras regioes da cidade. Figura 15 • Foto tirada para a Exposi980 Retratos do Bixiga, faz men980

a

multicultu ralidade presente no bairro

Fonte: Vicenzo Pastore, 1910

Nas ruas estreitas e tortuosas do Bixiga, desenhadas pelos capomastres - mestres construtores italianos - surgiam constructoes que recriavam ambientes da Italia, carregando consigo toda uma tradic;ao cultural que se mantem muito forte ate hoje no bairro, seja nas fachadas coloridas e 38


ornamentadas, na presen9a das inumeras cantinas au na Par6quia da Nossa ~ Senhara da Achiropita, erguida em 1914 ainda como capela. Mais frente, a ~

a

festa da santa ja evidenciaria urn Bixiga multicultural: " [ ... ] no dia 15 de agosto, o samba carria salta pela rua Treze de Maio, festejanda a Madona italiana e

reunindo os negros do bairro." (SIMSON, 2007, p. 102). Hoje, a festa conta com a participa9ao da bateria da Vai-Vai, tradicional red uta negro, da mesma maneira que a imagem da santa esta presente nos ensaios da escala. Figura 16Fachadas coloridas na R. Conselheiro Carrao

Fonte: Caio Pimenta/SPTuris

39


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capitulo 4

,o

da decada de 1930 a decada de 1960 o caminho para

0

descaso

Nas decadas que se sucedem, Sao Paulo passa gradativamente de

cidade

ametropote. Com constante crescimento demognifico, a cidade inicia

urn processo de espraiamento a partir da opc;ao pete modelo de transporte sabre rodas, que tern como marco 0 famoso Plano de Avenidas de Prestes Maia de 1930, implementado durante seu mandata. As novas avenidas vao redesenhar 0 espac;:o urbano e alcan9ar zonas ainda nao muito povoadas, alem de muitas delas ocuparem regioes de fundos de vale, fazendo do sistema via rio 0 etemento estruturador da cidade. Nessa epoca, ha 0 abandono dos bairros openirios, primeiro par parte das industrias, ja que agora a logica do transporte se distancia da ferrovia, e acompanha as estradas onde as terras ainda sao mais baratas, e depois, par consequencia, pela propria popula9ao operckia, que tambem sai procura de terrenos mais acesslveis em dire9ao periferia (CALLIARI, 2016). Esse movimento de periferiza(fso das classes mais baixas se generaliza na cidade e e impulsionado, alem da valoriza9ao da terra nas regioes mais centrais, pelas lin has de onibus, enquanto as classes media e alta ali permanecem, uma vez que a centro continua reunindo atividades comerciais e de lazer. A dinamica da valoriza9ao da terra tambem provoca um aumento nas formas mais baratas de moradia na regiao central - que concentra a maioria dos empregos -, como as corti90s. Grande parte do alto numero de migrantes, muitos deles nordestinos, que chegam em Sao Paulo a partir da decada de 60, atrafdos pel a industria, acaba se dirigindo tal meio de morar. Ao final da decada de 60, tem-se, entao, uma metropole com novas centralidades, que se estabeleceram a partir de um desenho rodoviario, constitufdo em detrimento da frui9ao publica. Nao raro, as novas eixos

a

a

a

40


criaram fissuras urbanas e barreiras para as pedestres, contribuindo para

~, o

a conforma9ao de espa90s ausentes de urbanidade. 0 pedestre, deixado de i: c lado, se ve gradualmente, expulso do espa90 pUblico. 0" Figura 17 - Vista do Vale do Anhangabau na dec ada de

1940/50

Fonte: Desconhecido, 1940-50. Acervo artistico e cultural da Prefeitura se Sao Paulo

o carnaval negro cresce Com 0 gradual deslocamento da populac;ao opera ria de seus bairros, os lac;os de vizinhanc;a se enfraquecem, e isso implica diretamente no

-c. CD

2 III

desaparecimento do festejo carnavalesco de sse grupo social. 0 carnaval open3rio, entao, se desarticula, enquanto os folguedos negros comec;am a se

afirmar (SIMSON, 2007). A partir da decada de 1930, ha uma expansao dos cord6es, a medida que surgem novas agremiac;oes em outros centros negros paulistanos que se formavam em regioes mais afastadas do centro, em decorrencia do movimento •

de periferizac;ao, e ha 0 fortalecimento de alguns cordoes existentes. E nessa epoca que surge 0 cordao carnavalesco Vai-Vai, no Bixiga.

41


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I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I

I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I

Vai -Vai: orgulho da Saracura

o cordao carnavalesco Vai-Vai e fundado em 1930 a partir do time de futebol Cai-Cai, em urn dos primeiros redutos negros da cidade: 0 bairro do Bixiga. Nas

proximidades do vale do rio Saracura,

0

cordao era aglutinador das atividades

negras no bairro, promovendo bailes, piqueniques, romarias, alem de claro , folguedos carnavalescos. Nascido na fase de expansao dos cord6es, 0 VaiVai conta desde 0 infcio com 0 apoio da populac;ao do bairro, incluindo as numerOSDS imigrantes italianos, que muito incentivaram a agremiac;ao negra.

o Vai-Vai nao demora a ter seus ensaios indo das casas dos fund adores para as ruas, contribuindo para a atmosfera permanentemente festiva do bairro (SIMSON,2007). Que Barulho e aquele. Que barulho e aquele que vem la! • Eo Vai Vai Que vai brincar no carnaval No Carnaval Quem nunca sambou na vida Primeira vez, por ventura • Eo Vai Vai do Bixiga Orgulho da Saracura

Os versos a cima formam um dos primeiros sambas da Vai-Vai, eompostos por Tino, e evideneiam a maior afirmalfao do folguedo earnavaleseo no bairro e a busea por visibilidade ao cordao (lUCENA, 2016). Figura 18 - Cordao carnavalesco Vai-Vai em

1949

Fonte - Vai Vai

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Durante a observada periferizac;;ao dos negros em Sao Paulo, 0 Vai-Vai, junta mente com 0 Camisa Verde, conseguem permanecer, revelando a grande articulac;;ao na qual a agremiac;;ao se estruturava e sendo expressao da resistencia negra ate hoje. Com a oficializac;;ao do carnaval, 0 Vai-Vai, como muitos cord6es, se transforma em escola de samba e e ainda hoje referencia no bairro.

I I I I I I I I I I I

~--------------------------------------------~

Desse perfodo em diante, nota-se uma institucionaliza9ao progressiva do carnaval: os cordoes passam a ser obrigados a se registrar junto ao poder publico, definindo as cores que os identificavam nas apresenta90es e pagando taxas, alem de terem seus estandartes carimbados na preteitura. Apesar da aceita9ao oficial dos folguedos negros, isso nao se traduzia num tratamento amigavel por parte do poder publico, nem na concessao de urn espa90 na cidade reservado para eles, como ocorria com os corsos da Paulista e do Bras. Nos dias de Momo, os cordoes salam de seus bairros e "andavam pela cidade em busca de locais onde ja estivessem ocorrendo brincadeiras carnavalescas ani mad as, 0 que Ihes garantia certa seguran9a contra uma repressao polidal explicita" (SIMSON, 2007, p. 195). Buscavam, entao, a regiao da Paulista, seguida do Triangulo Hist6rico (0 espa~o do centro comercial da cidade estava aberto folia) e, por tim, dos saloes de ra~a. A institucionaliza9ao era observada tambem nas competi90es entre agremia90es. Estas ocorrtam inicialmente na regiao do Triangulo Historico e, posteriormente, no Vale do Anhangabau e na Avenida Sao Joao, que contavam com palanques armados por emissoras de radio e jornais. Surgiu • tambem a Cidade da Folia, no Parque Antartica, na Agua Branca, que cobrava ingresso dos expectadores e garantia bons premios em dinheiros as melhores agremia90es, tat~r que atrala os cordoes apos 0 desfile no centro. Mais a trente, em 1954, 0 Parque do Ibirapuera era incluldo no percurso, cada vez mais extenso e disperso pela cidade (SIMSON, 2007). Se adequando a esses moldes, com 0 passar dos anos, os cordoes se multiplicavam e ganhavam cada vez mats visibilidade e aceita9ao na cidade, ao mesmo tempo que enfrentavam tambem a perda progressiva das caracterfsticas de folguedo livre e descompromissado, ja que se

2

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2 III

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43


~

encontravam cada vez mais amerce das regras a ele impostas e da busca de " -l; financiamento dessa logica de cortejo (SIMSON, 2007).

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Figura 19 - Desfile

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da Nene da Vila Matilde na decada de 1960, grupo carnavalesco jta criado como escola de samba Fonte: Simson, 2007

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Bixiga povoado e a rua como espac;:o de lazer e ., festejos

o Bixiga tern, nesse momento da historia, como seus frequentadores somente os pr6prios moradores, que trabalhavam em pequenas industrias familiares e oficinas. Os negros, ate a decada de 1930, viviam exclufdos do trabalho fabril e do comercio formal e se ocupavam do pequeno comercio e de trabalhos bra,ais e domesticos, pior remunerados (AZEVEDO, 2014). Nao havia grandes casas comerciais que atralssem moradores de outros bairros, 0 que contribuiu para 0 fortalecimento de uma Intima rela9ao de vizinhan,a (GON<;ALVES, 2016). Essa atmosfera de "cidade de interior", de estabelecimentos familiares, onde os moradores se conhecem, e sentida de maneira muito forte ate hoje, em varias partes do bairro. Nao raro se ve pelas ruas do Bixiga vizinhos conversando durante a tarde e crian9as andando sozinhas, comportamentos nao muito comuns no frenesi da contemporanea megalopole paulistana. 44


Figura 20 - Foto

CZ

-

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tirada para a tg Exposi~ao

Retratos

do Bixiga

Fonte: Felipe Torres,

2010

Figura

21 ~

Foto

tirada para a Exposi~ao

Retratos

do Bixiga

Fonte: Anderson Pecci,2010

A urbanizac;ao e 0 consequente adensamento da cidade se intensifica na decada de 3D, com a crise da economia cafeeira, e e nesse perfodo e na decada seguinte que as multiplas culturas do bairro comec;am a

se manifestar com mais forc;a, dando origem aos festejos, rituais, folguedos, procissoes e serestas pelas ruas do bairro: A musica ja era parte do lugar, iniciava ao anoitecer, culminava na noite alta, e se encerrava no alvorecer do novo dia. Musica e letra, poesia e voz acompanharam a hist6ria do Bixiga, anunciando 0 territ6rio de forma contagiante. Diferentes grupos por meio da musicalidadeforam insinuando ao espac;o urn bairro sonore (LUCENA, 2016, p. 58).

45


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A Festa da Nossa Senhora da Achiropita, sfmbolo da presen<;a italiana,

tern seu inlcio em 1926 e continua acontecendo, com a presen9a de iguarias e musica (LUCENA, 2016). 0 Cordao Carnavalesco Vai-Vai se forma em 1930-

e, como vista anteriormente, e expressao da resistencia negra - e realiza seus folguedos carnavalescos nas ruas. Em 1947, a primeiro blaeD de carnaval

da cidade,

0

BlaeD Esfarrapado, tambem traz a folia para as vias.

as bares e

restaurantes se firmavam como espa9DS de encontro e a presen9a de artistas, musicos e boemios cada vez mais frequente pelas ruas do Bixiga, que atendiam as chamadas dos sambistas e seresteiros em suas letras musicais.

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Bloco Esfarrapado

o Bloca de carnaval mais antigo de Sao Paulo surge a partir de integrantes do cordao Vai-Vai em 1947, como uma atividade pre-carnavalesca. 0 Bloco servia tambem para aliviar a tensao entre as associa~6es, que se acirrava nas decadas de 1940 e 1950 resultando invariavelmente em disputas ffsicas. 0 cerne do cortejo era a espontaneidade e a improviso, com as fundadores saindo pelas ruas do Bixiga vestidos como desejassem, portando um velho e "esfarrapado" estandarte, os instrumentos mais antigos da agremia~ao , ou mesmo latas, enquanto moradores Ihes davam vinho e comida. Nao havia competi~ao , de modo que de forma inedita, brancos e negros participavam do folguedo: " [... ] No Farrapo era branco, preto, azul, amarelo, todo mundo entrava [ ... ] Era bagun~a , entao eles entravam [ ... ] (Seu Livinho apud SOARES, 1999, p. 34). Figura 22 - Mernbros do Bleco Esfarrapado. Arrnandinho, urn dos fundadores, ao centro

Fonte - Portal do Bixiga, 1947

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~--------------------------------------------~ 46


Despontam no bairro as cantinas italianas, restaurantes e os teatros ~ 2 e companhias cenicas , estas ja nos anos de 1950, de modo que 0 espfrito tg artfstico, musical e poetico do Bixiga come9a a atrair gente de outros territorios (MARZOLA, 1979). Muitas figuras do samba paulista passaram pete bairro e produziram tetras em homenagem ao Bixiga e sua vida noturna. Adoniram Barbosa se estabelece na cidade em 1930 e tern urn impacto na popularizac;:ao do bairro, enquanto visava seu sucesso no radio. Geraldo Filme, por sua vez, que compos muitos sambas para a Vai-Vai, vive no Bixiga quando ja reconhecido como sambista e compositor. Em 1950, com 0 parque industrial de Sao Paulo mais consolidado, a Bela Vista era 0 subdistrito de maior densidade demogn,fica da cidade: 170 habitantes por hectare. Da me sma maneira , a quantidade de corti90s e habita90es precarias segue em aumento (MARZOLA, 1979). Cabe aqui cotocar que 0 corti90 e outras formas insatubres de habitar, sao fatores que tornam 0 espac;:o publico e, principalmente a rua, 0 unico espa90 de lazer da popula9aO. A rua como palco de maniiesta90es populares e uma questao intrfnseca ao Bixiga, como sera enfatizado mais frente.

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Os teatros do Bixiga tiveram grande importancia, principalmente na decada de 70, quando

muitos deles se tornaram Icones de resistencia polltica e cultural. Um grande exemplo

e0

Teatro Ruth Escobar, inaugurado em 1963, que em 1969 foi palco da pec;a "Roda Vivda", de Chico Buarque.

47


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capitulo 5

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do tim da decada de 1960 ao tim do seculo xx o medo do espac;:o publico Em 1970, Sao Paulo se tornava 0 centro de uma megal6pole global, atraindo ainda mais imigrantes internos e aumentando seu numero de grandes avenidas e rodovias, como as Marginais. a Radial-Leste e 0 famigerado Minhodio, obras implantadas rapidamente pelo governo militar vigente. 0 movimento pendular periferia-centro se intensifica, assim como a valoriza9ao fundiaria, 0 quefaz com que as assentamentos informais, tais como as favelas,

aumentem muito nessa decada (CALLIARI, 2016).

o centro come9a a perder sua variedade de uscs quando 0 setor terciario acompanha

0

crescente vetar de expansao para a regiao da Av. Paulista,

e posteriormente, nas decadas de 1980/90, para a Av. Faria Lima e Berrini. A classe media cresce, assim como a desigualdade social e a violâ‚Źmcia urbana. aumento do crime na cidade e a busca pela sensac;ao de seguranc;a, alem das transformac;oes no ambito economico, acabam por resultar numa

o

nova forma marcante de ocupac;ao espacial da cidade, que se prolifera a partir da decada de 1970: os condomfnios residenciais e corporativos fechados e os shoppings centers. Esses grandes espac;os fechados tern natureza semipublica, areas de propriedade privada, que possibilitarn 0 acesso a outras pessoas que nao sornente os proprietarios ou usuarios. A disseminac;ao desses espac;os evidencia 0 contlito entre 0 publico e 0 privado, it rnedida que intensifica a segregac;ao dentro de urn rnesrno territ6rio e acaba, por vezes,

substituindo parte da vida co let iva no espa90 publico (OLIVEIRA, 2013). Sobre esses espa90s, a autora Teresa Caldeira (apud CALLIARI, 2016, p. 152) os define como "enclaves fortificados": "Os enclaves fortificados [ ... ] sao propriedade privada para uso coletivo e enfatizam

48

0

valor do que e privado e restrito,


ao mesmo tempo que desvalorizam 0 que e publico e aberto ~, na cidade. Sao fisicamente demarcados e isolados por .g muros, grades, espac;os vazios e detalhes arquitetonicos. =o Sao voltados para 0 interior e nao em direc;ao rua, cuja vida publica rejeitam explicitamente. Sao controlados por guardas armados e sistemas de seguranc;as que imp6em as regras de inclusao e exclusao [ ... J" ~

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Figura 23 Minhocao corta a Sao Paulo do tim do seculo XX

Fonte: Divulgat;:ao CET apud Mobilidade Sampa

Figura 24 - Muro e ausencia de urbanidade nas ruas do Morumbi

Fonte: Helvio Romero

Tem-se, entao, no fim do sEkulo XX, uma cidade repleta de fissuras urbanas, que abriga as diversas classes sociais de modo compartimentalizado, cada uma em seu modo de morar. 0 espac;o publico aberto e democratico vai sendo evitado, assim como uma das muitas qualidades que ele permite: , o convfvio com 0 diferente e as trocas socials. E urn perfodo de medo e abandono do espaÂŤo pUblico. 49


2 carnaval oficializado • -• "0

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Apesar de exigir uma regulariza9ao, 0 poder publico raramente destinava recurSDS aos fotguedos carnavatescos, que atrafam urn numero cada vez maior de folioes. Na decada de 60, essa conduta se acentua sob 0 mandato do prefeito Prestes Maia, que concentrava esfof(;:os na reurbaniza9ao da cidade com a constru9ao de viadutos e avenidas, em detrimento do financiamento de manifesta90es populares de lazer. Os cordoes passam por dificuldades para financiar os desfiles, que se tornavam cad a vez mais elaborados (SIMSON, 2007). Diante disso, as tfderes das agremiac;oes se mobilizam em associa90es para reivindicar autoridades auxflio aos cord6es, ate que em 1968, as folguedos populares sao oficializados pete prefeito Faria Lima, seguindo 0 modelo carioca de escolas de samba. Tais mol des se distanciavam do carnaval dos cord6es paulistanos, que deveriam se enquadrar uma serie de regras. Nao era mais batuque, e sim bateria. Nao mais estandarte, e sim bandeira, levada pel a porta-bandeira e mestre-sala. Instrumentos de sopro, tais como o clarim, que tradicionalmente introduzia 0 cortejo do cordao, foram banidos. Oficializa-se 0 samba no formato carioca como 0 ritmo do carnaval, dando adeus as levadas mais gingadas dos cord6es.

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Figura 25 - Desfile no Anhangabau em 1968. 0 prefeito Faria Lima se encontra ao centro, sabre um palanque

Fonte: Simson, 2007

50


o resultado desse processo fai 0

desaparecimento dos cordoes na 2 " decada de 1970 e 0 surgimento de escolas de samba nesses novos moldes, ~ ~ frequentemente fruto da adapta9ao dos cord6es - muitas com dirigentes c:: brancos, presenc;a ate entao quase inedita nas agremia90es -, passando a

2

interessar a setores mais amplos da sociedade. Se inicia tambem a transmissao pela televisao dos desfiles no Rio de Janeiro, muito mais rebuscado do que se via em Sao Paulo, atribuindo "urn novo status ao ata de desfilar na avenida" (SIMSON, 2007, p. 220). 0 carnaval negro ganhava espa<;o na midia nacional e internacional. o padrao do carnaval carioca imperava progressivamente, de modo que ate carnavalescos eram importados de la para ca, visando a vitoria na avenida. Os dirigentes das escolas se tornavam mais jovens, brancos e ambientados visao empresarial. 0 desfile de escola de samba se transformava numa mercadoria, no qual lucravam autoridades, meios de comunica(fao e as seta res turfstico e comercial. 0 sambista virava profissao e 0 divertir-se, urn ate de consumo.

III

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Figura 26 ¡ Desfile na Av. Tlradentes em 1978. Nota-se as fantasias elaboradas e as cameras de televisao

Fonte: Simson, 2007

51


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Com a consolida9ao dos desfiles de carnaval ao modo carioca, durante a tim da decada de 60 e 70, a distanciamento de urn cortejo mais democnitico e participativo, que ocupasse a espa90 publico, e cada vez maior. Nao toa, isso acontece ao mesmo tempo em que 0 pais vive urn perfodo de restri90es liberdade, durante a ditadura militar, com violl~ncia e censura a manifesta90es artlsticas. Como consequencia, percebe-se urn abandono dos espa90s publicos de uma maneira geral eo desaparecimento concreto do carnaval de rua. can~ter visual e exclusivo que a carnaval dominado pelas escolas de samba adquire se afirma ainda mais com a migra9ao dos desfiles da Av. Sao Joao e do Vale do Anhangabau para 0 Samb6dromo Anhembi, em 1991, com ingressos pagos e explicitamente voltados para a transmissao televisiva (SIMSON,2007).

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Bixiga de resistâ‚Źmcia

o processo de urbaniza9ao e verticaliza9ao chega ao bairro e 0 8ixiga se ve marcado por cicatrizes urbanas: viadutos, avenidas e a liga9ao leste_ ~ oeste rasgam a bairro, alem do alargamento de ruas e demoli90es de casaroes x 1; e vilas (LUCENA, 2016). 0 Bixiga demora a se eoneelar aD Ira9ado da eidade, principal mente por nao ser englobado pelos pianos urbantsticos. Muitas vias abertas no bairro foram de interesse de liga9ao de pontos na cidade, e nao dialogam com 0 entorno proximo. Ha tambem 0 asfaltamento de ruas e tamponamento de rios 3 : a avenida Nove de Julho, por exemplo, foi construida sabre a Rio Saracura e a Vinte e Tres de Maio, sobre 0 !tororo. Essas mudan9as na morfologia urbana sao sentidas pela popula9aO do bairro e retratadas com maestri a pelo ic6nico samba "Tradi9aO", composto por Geraldo Filme na deeada de 70: Quem nunca viu 0 samba amanhecer Vai no Bexiga pra ver Vai no Bexiga pra ver o samba nao levanta mais poeira 3

52

Apendice


Asfalto hoje cobriu 0 nosso chao Lembrant;a eu tenho da Saracura Saudade tenho do nosso cordao Bexiga hoje e s6 arranha-ceu E nao se ve mais a luz da Lua Mas 0 Vai-Vai esta firme no pedat;o • E tradit;ao e 0 samba continua

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Figura 27 - Topografia acidentada e as diversos cursos d'agua do bairro, hoje tampon ados

Fonte: da autora, a partir do MDC (Mapa Digital da Cidade), em 2018 Figura 28 - A constru<,ao da Radial Leste, cortando a Bixiga em 1971. Vista do Glicerio para a Bela Vista

Fonte: Iva Justina, 1971

No contexto de forte imigra<;ao nacional na decada de 1960, urn grande numero de nordestinos se estabelece no Bixiga, encontrando no bairro alugueis a baixo pre<;o e proximidade do mercado de trabalho. Essa

53


¡g,x J;

popula9aO se dirige, principalmente, a corti90s, vilas, po roes e outros tipos de habita90es insalubres, processo esse que, segundo Gon9alves (2016, p. 89), "deu infcio degrada9iio dos bens patrimoniais hist6ricos do bairro, com intensa deteriora9ao e demoli90es de ediffcios relevantes para dar lugar a predios comerciais e para eliminar os corti 90S ali instalados". De inumeras maneiras, a resistencia se faz presente. Numa popula9aO margem, que luta pela sua permanencia ali; em sua delimita9ao, que nao existe oficialmente e transcende os limites do distrito da Bela Vista; na sua nomenclatura, que em registros oficiais se escreve com "e", mas em sua hist6ria oral, com "i". A frase dita e afirmada pelo bairro nao por acaso: 0

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Bixiga e urn estado de espfrito. Figura 29 -

e

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Delimitaqao do bairro do Bixiga

Fonte: da autora, a partir do MDC (Mapa Digital da Cidade), em 2018

•

REPUBLICA BELA VISTA

-

BIXIGA

Ap6s esse perfodo de diretrizes objetivando "progresso" em detrimento da questao patrimonial, artfstica e mesmo humana - 0 que ainda hoje se observa em diversas politicas publicas - na decada de 1980, num contexto de abertura polftica, sao colocadas em pauta discuss6es em diversos ambitos, 54


inclusive sobre revitalizac;ao de patrimonio hist6rico na cidade, de preservac;ao ~ cultural e de costumes (LUCENA, 2016). A proposta de tombamento para '\l o bairro comec;a a ganhar espac;o, assim como a surgimento de projetas urbanos para diversas regioes da cidade, incluindo bairros centrais como a Bixiga. Fala-se sabre ressignificac;ao, hist6ria, cultura: "As paisagens vaG sendo ressignificadas sob um imaginaria denominado patrimonia, levando a que 0 casaria e as manifestac;oes culturais caracterizem 0 "espfrita" do bairra" (LUCENA,2016).

55




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capitulo 6

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seculo XXI a retomada do espa<;:o publico Resultante de todo esse processD, tem-se a Sao Paulo de hoje: uma cidade de muitas cidades, com urn sistema viario ainda determinante

para OCUpa9iio do espa90 e a desigualdade e segrega9iio espacial como caracterfsticas marcantes do territ6rio. Par Dutro lado, percebe-se uma tendencia

de reintegra9ao

e

reapropria9iio dos espa90s publicos por diversos setores da popula9iio, iniciada num perfodo pos ditadura, nos anos 80 e 90, mas que ganha for9a ressurgimento da vontade principal mente no seculo XXI (MARINO, 2018). de estar no espa90 publico evidenciado par diversos indicadores, como as manifestacroes politicas, as ativismos urbanos, as acroes institucionais

°

e

e, ressaltados neste trabalho pelo carnaval de rua, as eventos.

manifesta~oes

politicas

Talvez uma das primeiras evid€mcias mais marcantes da retomada do

uso do espa90 publico neste seculo, foram as manifesta90es de junho de 2013, que se relacionam com uma onda de protestos ao redor do mundo, • entre eles a Primavera Arabe, no Oriente Medio, eo Occupy Wall Street, em Nova York. A partir de um aumento das passagens de onibus e retletindo uma profunda crise de representatividade polltica, as ruas de Sao Paulo e de outras cidades do Brasil foram tomadas por milhares de pessoas em varias manifestac;oes diferentes. Em 2016, 0 impeachment rendeu novamente 0 controle das ruas sociedade civil (CALLIARI, 2016), seguido ao perlodo da pre-elei9iio presidencial de 2018. manifestar-se nas ruas parece ter voltado ao rol de praticas da cidade.

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58

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Figura 31 -

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ManifestaC;8o na Av.

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Paulista, junho de

2013 Fonte: Psicanalistas

e democracia, 2013

ativismos urbanos

e

Na vida cotidiana, 0 desejo de reocupa9ao constatado pelos movimentos e ativismos urbanos que despontaram para reivindicar e discutir seu espa90 na cidade. Alguns surgiram para discutir a mobilidade, seja do

ponto de vista do pedestre, como a coletivo Sampape (2012) e a ONG Cidade a Pe (2015), au do ciclista, atraves da associa,ao Ciclocidade (1999), par exemplo, resultando ate, em alguns casos, em poHticas publicas efetivas. Outros buscam promover a ocupa9ao e utiliza9ao dos espa90s da cidade, enquanto incentivam seu usa. Em rela9ao as pra9as, pode-se

mencionar a Movimento Boa Pra,a (2008), que surgiu a partir da iniciativa de vizinhos e chegou ate um modelo de gestao colaborativa de pra9as com 0

apoio de diversos coletivos, e a A Batata Precisa de Voce (2014), que promoveu encontros e eventos sociais no Largo da Batata para fortalecer a rela9ao afetiva com 0 local e reivindicar melhorias no espa90. Os imoveis abandonados, par sua vez, assistiram a atua9ao de coletivos artfsticos, como Casa Amarela

(2014), Ouvidor 63 (2014), Calefa,ao Tropicaos (2010) e Mamba Negra (2013), que neles promovem festas e atividades culturais.

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ainda coletivos que

59


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promovem expedi~6es a pe pel a cidade, como 0 coletivo Rios e Ruas (2010) e a ja mencionado Sampape, e aqueles que lutam pel a ressignifica9ao de alguns espac;os, como a Associac;ao Parque Minhocao (2016) e a serie de coletivos relacionados ao Parque Augusta. Figura 32 - Coletivo

pro poe atividades no Largo da Batata Fonte: Carta Capital,

2014

Em suma. comec;a-se a perceber que 0 urbanismo tradicional, com decis6es de cima para baixo e que, na maiaria das vezes, ignora 0 olhar da dimensao humana, nao condiz com as anseios de quem esta clamando 0

rumo dos acontecimentos da cidade para si. 0 fortalecimento do urbanismo

e

tatieD - que nao deixa de ser uma forma de ativismo urbano - urn exemplo de contestac;ao desse modelo, medida que a pratica se baseia na escala do microplanejamento, propondo transformactoes eficientes a curto prazo e baixo custo, com engajamento da comunidade local. As interven'1oes realizadas podem servir inclusive para experimentar e testar medidas que futuramente serao, ou nao, consolidadas (MARINO, 2018).

a

60


a~oes

institucionais

No per(odo tratado, observa-se tambem uma serie de a90es institucionais na direc;ao do incentivo ao usa do espa90 publico pelas pessoas e que contribufram para 0 fortalecimento dos movimentos e coletivos e, assim, para a retomada. No infcio deste sEkulo, a prefeitura e as principais 6rgaos da administra9ao da cidade voltam a funcionar no centro, que tern suas atividades dinamizadas pelo Plano Diretor Estrategico de 2002. Nessa epoca sao feitas diversas obras de melhorias urbanas e a construc;ao de corredores de 6nibus (MARINO, 2018). A Ciclofaixa de Lazer surge em 2009 e em 2013, uma rede de ciclovias foi parcialmente implementada. Nesse ana tambem, a cidade implanta seu primeiro parklet, forma de uso de vagas de estacionamento como extensao do espac;o publico para pessoas, ao mesmo tempo em que regulariza e reconhece par lei a arte de rua. novo Plano Diretor Estrategico, de 2014, foi construfdo de forma participativa e busca humanizar a cidade, requaliticando os espa90s publicos de diversas maneiras, junto com a Lei de Ocupa9ao e Uso do Solo (2016), ao estimularem 0 usa misto e as fachadas ativas, buscam 0 mesmo tim. Tambem em 2014, a prefeitura promove alguns eventos e programas, como 0 SP na rua , que convocou alguns coletivos para ocuparem 0 centro em forma de festa, e 0 Projeto Centro Aberto, que busca revitalizar espa90s publicos na regiao central por meio da instala9ao de atividades e mobiliario temporario. A abertura de vias emblematicas para 0 usa de lazer para pedestres, que se estabelece a partir de uma apropria9ao existente anteriormente, e outra dessas a90es, sendo 0 Minhocao e a Av. Paulista expoentes desse processo.

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Figuras 33 e 34

- Projeto Centro Aberto, no Largo Sao Francisco e Sao Bento Fonte: GestaoUrbana SP

61


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Figura 35 - Paulista aberta

Fonte: Catraca Livre, 2016

eventos Seja atraindo multidoes, ou reunindo grupos pequenos, os eventos promovidos em espa90s publicos se most ram cad a vez mais presentes na vida da cidade. Shows, mostras, interven90es artlsticas, eventos esportivos, celebra90es, festivais e feiras em parques e ruas ... Sao inumeras as atividades que crescem em sintonia com os demais movimentos desde a virada do sEkulo. A Virada Cultural, emblematica na cidade, teve sua primeira edi9aO em

2005, e continua a ani mar 0 centro da cidade e durante 24 horas de dura~iio, anualmente. Estima-se que a edi~iio de 2019 foi a maior de todas, atraindo 5 milh6es de pessoas em mais de 1200 atividades(PUTINI; TITO, 2019). Seguida dela, surgem outros eventos simi lares, como a Virada Esportiva (2006) e a Paulista Cultural (2018). carnaval de rua, recentemente retomado, e outro

°

evento que estimula a permanencia e 0 usa dos espa90s publicos.

Figura 36 - Virada Cultural toma a regiao do Teatro Municpal

Fonte: G1 , 2019

62



2 • -

0

carnaval volta as ruas

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E somente no fim da decada de 1980 e infcio de 1990, no contexto de abertura politica e redemocratiza9ao, que a volta dos folguedos para os espa90s publicos se inicia. Ocorrendo paralelamente aos desfiles das escolas, o movimento no sudeste se inicia no Rio de Janeiro e se espalha anos mais tarde para Belo Horizonte e Sao Paulo (DIAS, 2019), de modo que ganha for9a na decada de 2000, quando surgem alguns blocos que hoje sao referencia, como 0 Kolombolo Dia Piratininga (2002), 0 Academicos do Baixo Augusta (2009) e 0 Agora Vai (2004), todos afirmando 0 direito de estar na cidade, no espa90 publico. Em 2010, falava-se em 70 mil foli6es pelas ruas de Sao Paulo, mas os jornais da ocasiao tratavam a folia como uma alternativa inesperada dos paulistanos (BONATELLI, 2010). Apesar disso, a infraestrutura fornecida para a testa era quase inexistente, enquanto boicotes e repress6es aos cortejos eram constantes. Neste mesmo ana, 0 fundador do Baixo Augusta recebeu voz de prisao par ocupar a Rua Augusta com 0 cortejo e em 2012, 0 bleeD enfrentou proibi90es e teve que se apresentar em urn estacionamento no centro (BLOCOS, 2014). Contra a repressao e reivindicando reconhecimento e infraestrutura, representantes dos v<kios bloeDs se uniram para lan9ar 0 Manifesto Carnavalista, em 2012. 0 Manifesto ressaltava a importancia do exercfcio da cidadania ao ocupar a rua atraves de manifesta90es artfsticas e da valorizac;ao

a

a

da tradi9aO cultural paulistana, se colocando a favor do direito folia e alegria (MANIFESTO, 2012).

64


Figura 37 - Ilustralt80 do Manifesto

-

Carnavalista, de 2012

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Fonte: Manifesto,

2012

Pn.O CARNAVAI. [)[ RUA EM

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Figura 38 - Cortejo do Baixo Augusta

Fonte: Flickr, 2012

65


o estouro

Com algum dialogo, mas ainda sem reconhecimento par parte do "

~

poder publico, 0 carnaval de rua aos poucos se popularizava na capital e, fazendo a hist6ria se repetir, tentava buscar seu espa90 na cidade. Somavam

40 cortejos ate

0

ano de 2014, quando a prefeitura final mente regulamenta a

folia sob urn decreta, que autorizava as folguedos de rua, proibia a exigencia de abadas e cord as que separassem as foli6es do trio eletrico, alE~m de exigir a

cadastramento dos blocos (SAO PAULO, 2014). cen.rio para a consolida9aO da festa estava formado: em 2014, 170 blacDs salam pelas ruas de Sao Paulo. No ana seguinte, 0 numero passa para 270, arrastando cerca de 1,5 milh6es de foli6es, com blocos atraindo urn publico muito maior do que 0 previsto. e cada vez mais diversificados no

o

quesito estilo musical. Em 2016, pela primeira vez 0 carnaval de rua recebe patrocfnio privado e conta com 355 blacDs cadastrados. Ate ai, a folia se concentra nas regioes de Pinheiros e da Se, e menos de urn ter(fo ocupa as

periferias (FELITTI, 2016). No ano seguinte, cerca de 2,5 milhoes participam dos 391 cortejos

pelas ruas da capital e em 2018, 0 carnaval de rua de Sao Paulo se transforma em um dos maiores do Brasil: foram 433 blocos, acompanhados de 3 milh6es de pessoas (PELLEGRINI, 2019). Figura 39

~

Av. 23 de Maio

tom ada por desfiles de bloeos no earnaval de 2018 Fonte: Rovena Rosal Ageneia Brasil, 2018

Figura 40 ~ Cortejo do Bloeo To de Bowie no centro Fonte: Walmor Carvalho,

2017 66


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o hoje

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"Com verba e artistas em peso, Carnaval de rua de Sao Paulo deixa Rio para tras", e a manchete da Folha de S. Paulo no domingo de carnaval de 2019. Neste ano, 0 crescimento estrondoso do carnaval de rua se taz visfvel na capital mais uma vez: 570 bloeDs se inscreveram, sendo que urn em cada cinco blacDs fizeram sua estreia nesse anD. E a prefeitura preve que cerca de 5 milh6es de pessoas curtiram a festa (CUNHA, 2019). Figura 41¡ Foli6es se divertem no

cortejo do BloeD Tarado Ni Voce, no

saba do de Carnaval

Fonte: da autora,

2019

Esse numero se distribui nos mais variados tipos de bloeDs. As marchinhas carnavalescas coexistem com 0 samba, 0 axe, 0 freya, 0 ijexa e ate 0 rock e 0 jazz, fazendo jus dezenas de facetas do paulistano. Ainda que 0 circuito eentro-pinheiros seja 0 maior palco para os eortejos, a folia se expandiu pelo municfpio e os biDe os na periferia aumentaram em numero e receberam incentivos de projetos sociais (ZYLBERKAN, 2019).

as

68


Durante

0

carnaval, vias emblematicas da cidade sao fechadas para

os carros e ocupadas pelas pessoas, assim como no pre e p6s-carnaval. Em

2018, a Avenida 23 de Maio foi urn dos eireuitos oeupados por mega-bloeos (eapazes de atrair 100.000 pessoas), que em 2019 oeuparam a Avenida LUIs Carlos Berrini e a Av. Tiradentes. Ao mesmo tempo, pequenas ruas de bairro se animam com pequenos blocos de vizinhan<ta, atraindo ate 500 pessoas.

o esplrito da folia

2 " ~ ~

;;

•

pareee ter extrapolado de vez a data do earnaval,

tornando-se cada vez mais comum os ensaios abertos, as festas e as eelebra~6es

promovidas pelos bloeos na eidade aD longo do anD,

consolida ainda mais

0

0

que

carnaval de rua em Sao Paulo.

Figura 42 Folioes nos cortejos em frente ao Monumento as Bandeiras

Fonte: Bruno

Santos, 2019

Figura 43 BaianaSystem arrasta multidoes na Av. Tiradentes

Fonte: Nelson Antoine, 2019

69


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I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I

carne e cora9ao de carnaval A retomada do carnaval de rua, como vista anteriormente, esta inserida nurn contexte mais amplo de reapropriac;ao do espa(fO publico em Sao Paulo. Alem de ser urn reflexo desse movimento, 0 carnaval carrega tambem urn sentido

particular na sociedade. Para

0

discorrer sabre 0 terna , 0 carnaval diz muito a respeito das relac;6es socia is dos brasileiros e baseado no prindpia da inversao de valores. Na decada de 1990,

e

ele defende que, em meio a uma sociedade desigual, este seria 0 momento no

qual e passlvel se sentir grupo, como coletivo. Uma festa sem dono, onde todos tern 0 direito de brincar.

I I I I I I I I I

,

E ali que nos, brasileiros, deixamos de lado nossa sociedade hierarquizada e repressiva, e ensaiamos viver com mais liberdade e individualidade. Essa e, para mim , a dramatiza~ao que permite englobar numa so teoria , nao s6 os conflitos de classe (que sao compensados e abrandados no Carnaval), como tambem a inven~ao de um momento especial, que guarda com 0 cotidiano brasileiro uma rela~ao altamente significativa e politicamente carregada [... ]

I

I I I I I I I I I

I I I I I I I I I I

I I I I I I I I

antrop61ogo Roberto DaMatta (1990), urn dos primeiros intelectuais a

(DAMATTA , 1990, p, 34),

Trazida a reflexao para a atualidade, esse momento especial representa uma inversao tambem do cotidiano , como um respiro vida contemporanea , que e dura e repleta de normas, que dizem respeito tambem ao comportamento do proprio corpo na cidade. Uma suspensao temporaria das regras, que inclui o caminhar pela cidade sem necessaria mente um ponto final como objetivo, fazendo do percurso uma parte da propria celebrac;;ao (OAMATTA, 1990). Adiciona-se a tudo isso, a simples, mas fundamental busca pelo ludico, que e par vezes escassa quando fevereiro chega ao tim. 0 carnaval e um momenta em que as pessoas "perseguem fundamentalmente 0 prazer e a sorte, a felicidade , eo bem-estar. E isso que impede a precisao corporativa e permite religar (como um verdadeiro momenta religioso) todos com todos como simples 'foli6es'" (DAMATTA , 1990, p, 94), Se vestir como quiser, com muito glitter, flores , aderec;;os e fantasias. Tudo isso mais que aceito durante a carnaval. Tem-se aqui um momento de puro

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extravasamento, miscelanea, espontaneidade e , principalmente, liberdade. 0 carnaval pode ser entendido, portanto, como um reflexo de quem somos e de como gostariamos de ser. Figura 44 Extravasar: folia se diverte ao sam de BaianaSystem no carnaval de Sao Paulo

Fonte: Edson Lopes Jr.lUOL,

2019

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resistencia, sobrevivencia e politica

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Como visto na hist6ria, os folguedos populares nas ruas sempre foram g. " urn meio de afirma9ao cultural. Principalmente os negros, eneontravam no ~ earnaval- momenta de abrangeneia e liberalidade - espa90 para se manifestar. Da rnesma maneira, erescem e se afirmarn os bloeos que se fundamentam em , eausas, pautas que normal mente nao tem voz no mundo eotidiano. E 0 easo por exemplo do bloco Pagu (2017) e do Eu Acho Coco (2019), que se apoiam no empoderamento feminino, 0 11u Oba De Min, que coloeam em pauta a cultura negra e 0 MinhoQueens (2016), um dentre dezenas que exaltam a cultura LGBT.

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Figura 45 - Cortejo do Bloco Pagu proximo ao Pateo do Colegio

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Fonte: Marcos Bacon

o vies politizado tambem esteve tradicionalmente presente nos bloeos. No carnaval openirio, 0 carro alegorieo do bloco Moderado eritieava os comerciantes desonestos na d,kada de 1940. Na decada de 1950, ofun dad or do Bloeo Esfarrapado foi preso pelo OOPS ao se vestir e satirizar 0 enHio presidente Juscelino Kubitschek durante 0 cortejo do bloco. As marchinhas de carnaval, por sua vez, sempre denotaram a satira polltica, desde a Segunda Guerra Mundial, quando a marchinha "Quem e 0 Tal?" fez sucesso ironizando Hitler, passando por Vargas e ehegando ate eseandalos de corrupc;ao como a Operac;ao Lava Jato, em 2016 e 0 comportamento conservador e as polemieas ligadas presidencia de Jair Boisonaro, em 2019 (LOBEL, 2019). Isso tambem esta presente nas fantasias e aderec;os portados pelos foli6es. Para 0 historiador Luiz Antonio Simas (apud DIAS, 2019), os momentos , mais complicados para 0 paistendem a gerar os melhores carnavais. li E uma festa engajada que satiriza 0 cotidiano, a polftica e os costumes, 0 atual momento. Os sambas e as marchinhas sao muito adequados caricatura. [Tem] esse papel de cutucar a on9a com vara curta".

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72


Fonte: Folha,

2019

Figura 47 Bloco Orquestra Voadora faz referencia

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morte de Marielle Franco

Fonte: Andre Lucas/UOL, 2019

Assim, 0 carnaval se mostra, atraves de diversas facetas, uma forma de , resisb~ncia e de sobrevivencia ao mundo "real ". E uma maneira de exercfcio de cidadania, num pa Is que fechou seus canais formais para tal maior parte ,

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da popula,iio (SIMAS apud DIAS, 2019). E urn ato consciente e politizado, ern forma de ode

amusica, ao democratico, acultura e ao se apropriar da cidade.

73


mercantiliza~ao

X essencia

Com as en ormes proporc;oes que 0 carnaval de rua de Sao Paulotomou, " ~ principal mente nos ultimos cinco anos, a festa tern enfrentado, mais uma vez, o esb090 de uma institucionaliza9ao. Os decretos estabelecidos em 2015, e mais recentemente em 2017, revogando 0 decreta de 2014, evidenciam urn engessamento da folia atraves da burocratizac;ao, alem de urn crescente interesse economico no festejo. Par urn lado, as decretos significam 0 reconhecimento par parte do poder publico ao carnaval de rua, 0 que quer dizer a disponibiliza9ao de uma infraestrutura testa: banheiros pUblicos; fechamentos oficiais de ruas; mobilizac;ao de outros setores como 0 da saude, para atendimento e campanhas especfficas de conscientiza9ao; maior divulgac;ao dos cortejos, entre outras medidas (SAO PAULO, 2017). Mas, por outro lado, uma serie de imposi90es feita aos bloeDs, como a exigencia do credenciamento com muita antecedencia junto a prefeitura, os circuitos fixas previamente estabelecidos, a cobranc;a de taxas, os horarias restritos de inlcio e dispersao, e, principalmente, a naa reconhecirnento dos festejos que naa se adequarn as exigencias impostas pela preleitura (LiSBOA, 2019). AIE~m disso, percebe-se urn crescente interesse ecanornico no evento, que se rnanifesta por exemplo no patrodnio de marcas de bebidas, que monopolizam as vend as durante os folguedos, enos muitos blacos que se estruturam como empresas para viabilizar a estrutura exigida (PELLEGRINI, 2019). Ha tambem a populariza9ao dos mega-blocos, que atraem mais de 100.000 pessoas, e sao inseridos num esquema de grandes trios eletricos e carras de som em uma langa avenida, liderados muitas vezes par artistas do Brasil todo com patrocinios do setor privado - em 2019 por exemplo, seis blocos desfilaram pela Av. Tiradentes durante todo 0 dia. Tudo isso indica uma especie de pasteurizacrao de uma manifestac;ao popular que e, essencialmente, canstitu(da de liberdade e dernocracia.

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74


Figura 48 Vendedores oficiais

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deixam a regiao

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do Ibirapuera apas

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dispersao de blocos

Fonte: da autora,

2019

Na contra-mao desse movimento, observa-se varios blocos que se mantem atraves de urn financiamento de bairro, arrecadando verba durante 0 ano atraves de festas e celebrac;oes. 0 Bloco Esfarrapado urn exemplo disso

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(PELLEGRINI, 2019). Outros, se colocam contra essa tendencia ao negar a utilizac;ao de trios eletricos e caixas de som, fazendo uso somente da "corda de pessoas" para garantir um espac;o aos integrantes da bateria, que fica no ,

chao, lado a lado com

0

foliao. E 0 caso do Espetacular Bloco da Charanga

do Franc;a, por exemplo. Ha ainda aqueles que, mesmo sem a autorizac;ao da prefeitura, sa em nas ruas tocando e festejando, atraindo moradores do bairro e quem estiver passando.

Em 2019, mais de 60 blocos se uniram no chamadoArrastao dos Blocos, se manifestando em urn unico cortejo no centro, fora das datas "oficiais", para se posicionar contra a tendencia da mercantilizac;ao, imposic;ao de regras que limitam a manifestac;ao cultural, e as repressoes policiais, que tambem foram

marcas do carnaval deste ano (MANIFESTO, 2019; Bloco Agora Vai acusa PM de truculencia, 2019). 75


Fonte: da autora,

2019

Figura 50 -

Moradores do bairro

de Santa Cecilia

assistem ao cortejo do Espetacular Bloeo da Charanga do Fran9a da sacada Fonte: da autora,

2019

76

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Figura 51 - Blocos se unem em cortejo

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no Arrastao dos

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Blocos, no centro

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Fonte: Arthur Lima, Bia Varella e Sofia Antunes, 2019

Os impasses que 0 carnaval de rua sofre na atualidade revelam 0 quaD complexo e 0 contlito de interesses dos diferentes setores da sociedade e como uma manifesta9ao cultural popular pode aDs poucos ser disputada por todos eles. De urna maneira ou de Dutra, a explosiva retornada da folia de que a apropriacrao da rua ja se apresenta muito forte s6 refor9a 0 fato , na cidade. E certo e observado durante sua historia, que 0 carnaval tern como caracterfstica inerente a capacidade de se reinventar e encontrar seu espa90 na cidade, servindo de instrurnento de resistencia e ocupa9ao das ruas.

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o Bixiga na virada do seculo

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patrimonio Na virada do seculo, 0 Bixiga conta com a atua9ao de ONGs pete territorio, que se voltam para os rnoradores de baixa renda - ainda ha muitos corti90s no bairro. Criarn-se acervos e rnuseus para abrigar urn pouco dessa historia, enquanto coletivos dao continuidade ao tema da preserva9ao. A prote9ao dos bens historicos toma forma em 1993 e revisada em 2002, pelo COMPRESP (Conselho Municipal de Preserva9ao do Patrimonio Historico), quando 0 Bixiga se torna 0 prirneiro bairro a possuir urn tornbamento por urna area em conjunto. 0 orgao de patrimonio da esfera estadual, 0 CONDEPHAAT

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(Conselho de Defesa do Patrimonio Historico, Arqueologico, Artfstico e Turistico do Estado de Sao Paulo)tambem tombou diversos edificios do bairro, de modo que hoje 0 Bixiga possui mais de 800 im6veistombados, 113 dos bens • • tombados de toda a cldade (ZOE, 2018). Vale ressaltar que 0 tombamento por si so, da forma como ocorre hoje, nao garante necessariamente uma boa condi9ao de preserva9ao dos imoveis, de maneira que ainda percebese muitos edificios degradados mesmo que tombados (GON<;:ALVES, 2017), mas tal polftica pode servista como uma maneira de incentivar a discussao e reconhecer a importancia da hist6ria e cultura do local , alem de conter minimamente a especula9ao imobiliaria.

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Figura 52 - Grande quantidade de bens

Figul"a 53 - Gabarito predominantemente

tombados da regiao

baixo na regiao central do bairro, condizendo em grande parte com os bens tombados

Fonte: da autora, a partir do MDC (Mapa Digital da Cidade), em 2018

78


Figura 54 - Foto de sobrevoo na

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altura da Pratta Dom Orione em direttao •

ao centro. E visivel a predominancia do baixo gabarito na regiao

Fonte: Gustavo Dias,

2018

Bixiga de apropria~oes de rua Nesse contexto, as festas e manifesta90es populares que ocorrem na rua, permanecem acontecendo e ganham ainda mais for9a. Algumas festividades se mantem na mesma dinamica, enquanto outras adquirem linguagens mais conlemporaneas (LUCENA, 2016), angariando urn publico cada vez maior. Pode-se questionar ate que ponto as festividades, algumas com propor90es tao maiores do que originalmente, como a Festa da Achiropita. sao de fato uma expressao das manifesta90es espontaneas da coletividade, au apenas uma reconstru9ao de um imagimirio de tradi9ao que visa a turismo e a valoriza9ao economica (GON<;ALVES, 2017). Falo que as celebra90es do Bixiga tem alcan9ado grande repercussao e, mesmo tendo suas caracterlsticas alteradas, muitas vezes ate para sua propria sobrevivencia, podem servir para que a preSerVa9aO do bairro seja cada vez mats incentivada e para que sua historia, tao rica e por vezes deixada de lado. e quase apagada, seja mais divulgada e presligiada. "Vale 0 olhar do morador, do invesligador e do visitante ser agu9ado para as questoes e preocupa90es do lugar, ampliam sensibilidades e as possibilidades no tocante interpreta9ao do patrimonio. na elabora9ao de pianos e articula9ao de parcerias" (LUCENA, 2016).

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79



Entende-se entao, 0 territorio do Bixiga como construrdo socialmente por diversos grupos que se encaixavam na sociedade como minorias, sejam escravos libertos, sejam imigrantes, sejam nordestinos e, mais recentemente, refugiados de diversos parses. Suas manifesta<;:6es culturais tem lugar, historicamente, no espa<;:o publico do bairro - principal mente na rua -, onde a expressao de uma miscigena<;:ao cultural e de resistencia sao ate hoje protagonistas. As diferentes festividades e manifesta<;:6es populares que ocupam a rua das mais diversas formas sao uma representa<;:ao de tudo isso, e atraves delas, 0 Bixiga se mantem vivo.





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capitulo 7

referencias projetuais XYZ open city

o "XYZ Open City" eurn dos bra90s do projeto "XYZ Factory", urn sistema modular e de baixo custo desenvolvido e disponihilizado para que as proprias pessoas, em suas comunidades locais, possam produzir e implementar diversas fun90es compartilhadas no espa90 publico. 0 sistema foi criado pelo coletivo artistico e ativista N55, fundado em 1994 em Copenhagen, e pode ser utilizado para construir desde jardins urbanos e espa90s para comer, ate estruturas tlutuantes e habita90es isoladas. 0 esquema de constru9ao baseado na tecnica conhecida como XYZ, que consiste na amarrac;ao dos nos em tres eixDs, para a obten9ao de modulos ortogonais, fazendo uso de ferramentas basicas. Dessa forma, as modulos podem ser combinadas em qualquer dire9ao, como num jogo de montar (N55). o prototipo da XYC Open City foi construido em 2013 em Groningen, na Holanda, atraves da parceria entre 0 coletivo e professores e estudantes da Minerva Art Academy. No prototipo, utilizou-se barras de alumfnio para a forma9ao do modulo e foram gerados espa90s para fun90es como estar, comer, cozinhar e gerar energia (N55).

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Figura 64 - 0 encaixe XYZ, presente no prot6tipo feito em Groningen

Fonte: N55, 2013

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Figura 65 Prot6tipo em Groningen, 2013

Fonte: N55, 2013

Figura 66 Prot6tipo em Groningen, 2013. Alguns usos ,

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posslvels

Fonte: N55, 2013

o XYZ

Open City e uma forte referencia projetual, tanto no que diz respeito aD sistema construtivo, quanto na ideia que defende. 0 projeto se prop6e como ferramenta de empoderamento das pessoas sobre suas proprias cidades, algo que vern ganhandofor,a principalmente desde a virada do seculo, em Sao Paulo e aD redor do mundo, como foi apontado. Essa logica contesta 0 urbanismo tradicional de "cima para baixo", que se observou na formaC;ao de muitas cidades, colocando 0 cidadao, usuario do espa90, como protagonista. A logica construtiva esta em consonancia com essa ideia: 0 encaixe dos nos simples e resistente, e a logica modular permite a facil construc;ao e tlexibilidade de usos, aspectos tao importantes para que a comunidade local consiga construir seus proprios espac;os e, consequentemente, se aproprie deles,

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93


a casa do quarteirao - Estudio Orizzontale

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A Casa do Quarteirao uma instala9ao de madeira permanente desenvolvida pete Estudio Orizzontale em parceria com 0 designer visual NOROCKET, na ilha dos A,ores. Foi criada para 0 festival de artes Walk & Talk 2016, que visa produzir projetos experimentais, dialogando com 0 territoria, a cultura e a comunidade local e assim promover a partilha e a co-cria9ao de espa90s. A instala9ao se localiza numa pequena travessa do bairro 0 Quarteirao, na cidade de Ponta Delgada, com 0 intuito de transforma-Ia numa pra9a para uso da comunidade. A instala9ao consiste no conjunto de urn pequeno pavilhao, urn terra90 e urn espac;o livre entre etes. Feito em cinco dias com a ajuda da comunidade, 0 projeto utiliza urn tipo de madeira nativa da ilha, e segue a logica modular, para que possa ser remontado em varias configura,6es atendendo as diversas necessidades (LYNCH, 2016). Figura 67 Pequeno pavilhao construido na entrada da travessa

Fonte: Sara Pinehiro

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Figura 68 Apropria90es no pavilhao constuido

Fonte: Rui Soares

Figura 69 - Espa90 livre e mobilia rio na travessa do bairro

Fonte: Rui Soares

Este projeto, como XYZ Open City e outros ativismos urbanos apresentados, prop6e 0 envolvimento da comunidade na construc;:ao de urn espa90 que sera por ela utilizado, algo tao importante para a apropria9ao e sentimento de pertenc;:a na cidade. Atraves de uma intervenc;:ao singela, construfda com poucos materia is em pouco tempo, 0 projeto dfl urn novo uso para urn espac;:o em meio cidade consolidada, considerando 0 entorno e suas particularidades. A leveza, a mistura do existente com 0 novo, e a distribuic;:ao do programa pela pequena travessa entre empenas pod em ser apontadas como qualidades do projeto.

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95



Fevereiro de 2019. Esexta-feira, pelas ruas do Bixiga. Sao oito horas da noite, eo termometro marca 30 graus. 0 Bixiga ferve, de calor e de encontros. Em um bar pequeno, sambistas se preparam para dar infcio a uma das dezenas de rodas de samba que pipocam pelo bairro. Mais abaixo, amigos se reunem nos botecos lotados de cerveja gel ada e gente animada. Ruas acima, famflias enchem a barriga com os pratos fartos das cantinas italianas, enquanto 0 tradicional samba, esquinas ao lado, Iota a rua. Filas se formam nas entradas das baladas, grupos de carnaval realizam seus ensaios abertos em casas de show, dezenas esperam nas cal<;:adas para assistir a espetaculos nos teatros das redondezas. Ja adentramos a madrugada, mas para as ruas pulsantes do Bixiga, a noite parece nao ter fim.


capitulo 8

. proposlC~oes uma leitura do territ6rio A partir da 6tica das apropria90es e festas de rua, elaborou-se uma cartografia sensitiva das apropria90es que ocorrem no bairro, levando em considera9ao seu porte e sua localiza9ao habitual (Figura 70).

__ Apropria(:oes sazona;s (festa da Achiropita e Ensaios da Vai-Va;) __ Apropria(:oes sema nai s (samba, feira livre, feira de antiguidades, eventos mus i cais ... )

Rotas dos bloeDs de Carnaval de Rua em 2018 Apropria~6es

fruto de eventos

- - internos (p r 6ximas a bares , te-

atros ... ) Figura 70 - Cartografia sensitiva

Fonte: da autora 98


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A partirda cartografia elaborada, percebe-se uma concentra9ao grande de festividades na regiao que vai da Pra9a Dom Orione ate a quadra da Vai-Vai, proximo Pra9a 14 Bis. Tal fato definiu 0 recorte territorial de estudo mais aprofundado do territorio e, consequentemente, as proposi90es realizadas. , E posslvel perceber tambem a existencia de tres regioes nas quais acontecem muitos festejos. Sao elas a regiao da Vai-Vai e uma por9ao do grotao do Bixiga, a regiao proxima Achiropita e a regiao da Pra9a Dom Orione (Figura 71).

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Figura 71 - As tres centralidades de festejos

VAl-VAl GROTA

Fonte: da autora

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Para 0 entendimento do territorio, adiciona-se lente das festas de rua outros aspectos muito importantes para a forma9ao do bairro que refletem diretamente em suas caracterfsticas atuais. Sao eles a multiculturalidade, o patrimonio historico e a resistimcia. No recorte territorial definido, sao mapeados pontos de interesse historico e/ou cultural, que refletem essas caracterfsticas, bem como terrenos subutilizados que apresentam algum potencial para 0 uso publico.

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interesse hist6rico e/ou cultural

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Figura 72 - Analise

de pontos de interesse hist6ricoculturais

Fonte: da autora

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vazios/subutilizados

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Figura 73 - Analise

de pontos "aziosl sub-utilizados

Fonte: da Butora

102

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As analises do territorio, somadas as demais questoes estudadas, tanto no que tange ao espac;o publico, entendido como lugar de encontro e que se relaciona com a importancia do caminhar e da urbanidade, quanto no que tange ao carnaval de rua, como manifestac;ao que quebra 0 cotidiano, que provoca , libera e instiga -, geram diretrizes para uma proposic;ao: promover caminhabilidade, dar margem a usos, como respiros que instigam em meio a cidade consolidada e, principalmente, potencializar as apropriacroes e festejos de rua que ali acontecem com tanta forcra, numa tentativa de colaborar para a manifestacrao cultural tao rica e viva no Bixiga.

o projeto a projeto se define, entao, como urn percurso ludico, da Vai-Vai ate a Prac;a Dom Orione, que perpassa os pontos de interesse dessa investigac;ao e permite, na verdade, muitos percursos. Assim, se constitui de tres camadas: as ruas, 0 mobiliario urbano e as intervencroes.

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\ Figura 74Diagrama do percurso ludico Fonte: da autora

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~i9ura 75 - Masterplan Fonte: da autora 104 100m


1- ruas Percebe-se que a morfologia da malha via ria nessa por9ao do bairro nao condiz com as apropriac;oes e festejos que ali existem atualmente. 0 Samba da Treze, par exemplo, atrai muitas pessoas para a rua Treze de Maio todas as sextas-feiras, de modo que, sem 0 fechamento da rua, nem as automoveis

conseguem circular adequadamente e nem as participantes do evento ficam em seguran9a . Alem disso, a maiaria das vias disp6em de cal9adas estreitas, desconfortaveis e inseguras para 0 pedestre, alem de muito espac;o destinado a vagas de estacionamento, 0 que nao contribui para a urbanidade. Dessa forma, prop6e-se transformar as ruas do percurso em lug ares mais caminhciveis, diminuindo a velocidade, alargando cal9adas onde posslvel, transformando algumas das vias em ruas compartilhadas, trabalhando travessias mais seguras e propondo 0 fechamento temporario de algumas ruas atraves de balizadores .

• RUA COMPART Il HADA TRAVESSIAS EM Nt VEL • VELOCIDADE REDUZIDA FECHAMENTOS TEMPORARIOS POR FESTAS E EVENTOS

Figura 76 Diagrama do percurso ludico Fonte: da autora

105


rua compartilhada - Treze de Maio

16m 1m

Faixa de Faixa de serv;,o acesso Fa;x a Fa; xa livre ca r ro

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Vagas

even t ua; s

Figura 77 ~ Corte esquem.:hico da reconfigura9Bo da rua Treze de Maio Fonte: da autora

A rua compartilhada parte da premissa de compartilhar 0 espa,o e a responsabilidade da rua, para fazer do local de passagem um lugar de permanemcia que estimule as atividades sociais. Para isso, pode-se propor 0 nivelamento entre 0 espac;o das pessoas e a espac;o dos carros, afim de eliminar a hierarquia e estimular 0 cantata visual (Figura 78). 0 que natural mente diminui a velocidade dos vefculos e aumenta a seguranc;a. Pode-se tambem propor que a sinalizactao seja feita atraves de texturas e cores dos pisos, mobiliario e 106


vegeta,iio (Figura 79), tornando a rua compartilhada urn espa,o atrativo para , a vida urbana . E interessante tambem que se mantenha as caracterlsticas naturais da rua (Figura 80), coloborando para uma apropria,iio dos cidadiios locais (LAB, 2017). Figura 78 -

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Nivelamento de

cal<;ada e pista de •

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rolamento na R. Treze de Maio

Fonte: da autora

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Figura 79 -

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iluminat;:Bo como balizadores na R. Treze de Maio

Fonte: da autora

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Figura 80 -

Caracteristicas da R. Treze de

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Maio a serem

preservadas

Fonte: da autora

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velocidade reduzida - tipo 1

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Faixa carras

Figura 81 e 82 - Corte esquematico da rua de velocidade reduzida tipo 1 e 2

Fonte: da autora

108


2 - mobililirio A segunda camada do percurso se constitui do mobiliario urbano, que esta presente, tanto nas interven90es, quanta nas ruas. Ele visa dar suporte as

festas de rua do bairro, atendendo necessidades do pr6prio "estar" durante as eventos, alem de acomodar atividades da vida cotidiana.

DESCANSAR

COMER

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BRINCAR

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INTERAGIR

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Figura 83 - Esquema: algumas funyoes do "estar"

Fonte: da autora

A premissa do mobilia rio e a facil montagem/desmontagem e armazenamento, para que, conforme 0 desejo das pessoas e a ocorrencia das festas, ele possa aumentar, diminuir e tamar as mais variadas formas. A ideia que nas ruas, a malaria dos mobiliarios sejam fixQs, para que sua fun9ao balizadora seja garantida. Para atender a flexibilidade, 0 mobiliario parte de poucos elementos base: as barras metalicas e as placas de tetra pak recicladas - que podem receber pintura acrflica 4 -, para a forma(fao de modulos, que podem ser replicados em qualquer direc;ao e assim atender as fun90es pretendidas.

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4

A representa<J8o das placas do mobiliario conta com uma paleta de cores aleat6ria. Em

etapas posteriores, seria interessante a realiza<J8o de um estudo cromatico, para que, a partir de uma leitura sensivel do bairro, se resgatasse cores que fazem sentido na pro posta.

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elementos base lOcm

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75cm 75cm Figura 84 - Os elementos base e as possfveis m6dulos form ados a partir deles Fonte: da autora

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A partir dessa logica, ha inumeras possibilidades de objetos e espa90s que podem ser formados, como bancos. espa9Ds para comer, t6tens informativos, tablados e abrigos, atendendo as atividades pretendidas separadamente au numa mesma situa9ao e podendo gerar tambem outras fun90es . Quando urn modulo deixado em balanc;:o, adiciona-se 0 travamento diagonal (Figura 87).

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Figura 85 - Func;oes atendidas a partir da jUn!;ao de modulos Fonte: da autora

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Fun~6es

Fonte: da autora 112

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atendidas a partir da junc;ao de m6dulos

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Figura 87 - Func;6es atendidas a partir da jun9ao de m6dulos Fonte: da autora

113


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os encalxes Nao existe uma pec;a de encaixe, de modo que, para a construCfao do modulo, as barras sao parafusadas entre si a partir do sistema XYZ, dispondo de turos sempre nos mesmos pontcs. As placas se conectam ao modulo com o auxflio de espac;adores de plastico, pe(fa que esta presente tamhem na uniao de urn modulo com 0 Dutro.

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Fonte: da autora 114

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Figura 89 - Os encaixes: sistema construtivo Fonte: da autora

115


Para testar 0 funcionamento do encaixe, sua resistâ‚Źmcia e propon;:oes de furos e elementos, foi realizado urn experirnento em madeira na escala 1:1.

I

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Figura 90 ~ Processo e resultado do experimento Fonte: da autora

116


3 - intervencroes Na terceira camada do percurso estao as intervenc;oes: transforma96es feitas nos lotes identificados como suhutilizados. 0 mobiliario desenvolvido esta presente nelas, contribuindo para a conformac;ao dos espa90s. Para cada uma das interven90es. atribui-se urn programa que dialoga com 0 contexto

pr6ximo, e a diretriz geral

e a configurac;ao de pra9as -

atentando ao fato de o bairro ser bastante consolidado e possuir poucos respiros - que contem pequenas edificac;oes de apoio, com banheiros publicos e espac;o para armazenamento do mobiliariol auxnio para eventos e, em algumas situa90es, espac;os comerciais. Prop6e-se a implanta9ao de cobertura verde para essas edifica90es. CONTEMPLAR (prat;a + c:ornercio)

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Figura 91 - Prog ramas propostos para as interventt6es Fonte : da autora 117


(DeeD Aprofundou-se no conjunto das intervenc;6es 1 e 2, que se localizam entre a area mais acidentada do percurso e uma area mais plana, ah~m de estar

entre duas das centralidades promotoras de eventos de rua identificadas. na pon;;ao norte do territ6rio. Pede ser entendida, entao, como urn ponto chave para conectartrechos do percurso e, portanto, do bairro.

Figura 92 -

Localiza~ao

das Interventtoes 1 e 2

Fonte: da autora, 2018

Nas areas de ambas as intervenc;6es funcionam hoje estacionamentos. Em frente a area 1, ha urn grande muro de contensao que recebeu grafittis que contam a hist6ria do bairro, local hoje bastante degradado, enquanto a area 2, 10 metros acima da primeira, vai de uma extremidade outra do

a

quarteirao. Pretende-se entao, transformar tais estacionamentos em prac;as, que se integram atraves da abertura da ligac;ao entre a Rua LUIS Barreto e a Rua Corac;ao da Europa, sem saida, e uma passarela e elevador publicos, conectando ambas as areas. 118


Figu,.a 93 - Vista da Rua Santo Antonio para

0

tim do muro e a Rua Corac;ao da Europa

Fonte: da autora, 2018

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Figu,.a 94 - Vista aerea do muro de grafitti na R. S. Antonio e, acima, a Rua Corac;ao da Europa Fonte: Bixiga Existe, 2018

Figu,.a 95 - Vista da R. C. Europa para a

Figu,.a 96 - Vista da R. L. Barreto para a

terreno da intervenc;ao 1 Fonte: Bixiga Existe, 2018

terreno da intervenc;ao 2 Fonte: Bixiga Existe, 2018

119


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Figura 97 - Perspectiva: intervenc:;:oes 1 e 2

Fonte: da autora

120


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Figura 98 • ImplantaqBo das interven90es 1 e 2 Fonte: da autora

121


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Figu ra 99 - Corte longitudinal AA: interven<Joes 1 e 2 Fonte: da autora


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No projeto, 0 mobilia rio ora organiza os fluxos, como na interven9ao 2, ora se assenta em platos, que sao pensados tambem para incentivar a

contempia,ao dos grafittis, como na interven,ao 1 (Figura 100), podendo ocupar mais ou menDs espa90, dependendo dos eventos que ocorrem. A Rua LUIs Barreto e uma das vias fechadas durante a Festa da Achiropita, de modo que os espa90s propostos podem cumprir a fun9ao de desafogamento durante 0 festejo. Podem ser utilizados tambem por outras institui90es que carecem de espa90s para eventos, como escolas, por exemplo. A Figura 98 e a Figura 99 mostram a interven9ao em duas situa90es diferentes, exemplificando possfveis montagens do mobilia rio. Quanto as edifica90es de apoio, pensou-se em duas areas para cates na interven9ao 1, incentivando a permanencia, alem dos banheiros publicos e sala de apoio, presentes tambem na interven9ao 2.

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Figura 100 - Corte transversal BS: intervenc;:oes 1 e 2 Fonte: da autora, 2019 124

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Figul"a 101 ¡ Perspectiva da intervem;ao 2 Fonte: da autora, 2019 125


CD As demais interven90es foram trabalhadas de forma mais diagramatica. A intervenc;ao 3 se localiza numa das poucas areas verdes do bairro, que

e adjacente a uma

escadaria. hoje degradada. Para revitalizar

0

espac;o,

aproximar as pessoas do verde e evitar a deposi9ao de lixo no local, alga que Dcorre com frequencia. prop6e-se dais espac;os de estar, que partem de

patamares da esc ada existente.

Figura 102 -

Localiza98o da interven<;ao 3

Fonte: da autora,

2019

Figura 103 -

Escada existente, que leva ate a R. L. Granato

Fonte: da autora,

2019 126

Figura 104 - Vista da rua Dr. L. Granato Fonte: da autora, 2019


Figura 1.05 .

\ff\p\aotact80 \oter'Jeoct80 3 ra foote: da auto . 2019

Figura 1.06 .

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A interven9ao 4 hoje um posto de gasolina na esquina da Rua Conselheiro Carrao com a Rua dos Ingleses, local importante na tocatiza9ao dos eventos. Prop6e-se a implanta9ao de uma pra9a em platos, com um espa90 reservado para parquinho, pensando nos poucos espa90s livres voltados para cr;an9as no bairro. Ha, como na maioria, uma edifica9ao de apoio.

\ Figura 107 Localiza<;ao da interven<;ao 4

Fonte: da autora,

2019

Figura 108 -

o terreno da interven<;ao 4 hoje

Fonte: da autora,

2019 128


Figura 109 _ Implanta~ao

'nterven~ao 4 Fonte: da autora,

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2019

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Figura 110 _ Perspectiva

jnterven~ao 4 Fonte: da autora

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129


A quinta intervenc;:ao ocupa 0 lugar de urn dos muitos estacionamentos que existem no bairro e na area das cantinas. Sua transformac;:ao em prac;:a seria interessante principalmente por se localizar num ponto sempre movimentado, especialmente na ocorrencia de eventos. Sugere-se 0 uso da empena para

proje9ao de filmes.

Figura 111 ¡

Localiza<;ao da interven<;ao 5

Fonte: da autora,

2019

Figura 112 ¡

o terreno da interven<;ao 5 hoje

Fonte: da autora,

2019 130


J:jgura 113 _ Implanta/Yao Interven/Yao 5

Fonte: da autora,

2019

•

J:igura 114 _ Perspectiva interven/Yao 5

Fonte: da autora,

2019

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131


A intervenc;ao 6 compreende 0 largo da Escadaria do Bixiga, monumento tombado pelo patrimonio hist6rico. Atualmente, a pequena area de estar seguida pela rua e por vagas de estacionamento a 45 graus. Prop6e-se 0 deslocamento da pista de rolamento para entre as vagas, afim de estender a area de estar, que acaba se conformando em uma prac;a, e fazer dos carros estacionados elementos balizadores, para aumentar a seguranc;a dos pedestres.

e

Figura 115 Localiza<;8o

da interven<;8o 6

Fonte: da autora, 2019

Figura 116 - Vista da Escadaria do Bixiga Fonte: da autora, 2019 132

Figura 117 - Largo formado no ini'cio da escadaria Fonte: da autora, 2019


~

Figura 118 Implantar;ao intervenr;ao 6 Fonte: da autora, 2019

133


capitulo 9

conclusao Com

olhar voltado ao desenvolvimento da cidade de Sao Paulo ao longo da hist6ria, percebe-se como as polfticas publicas pod em ter influencia sabre 0 ambiente urbano, tanto no que diz respeito propria morfologia da cidade, quanta comportamentos sociais relacionados determinados grupos. A aproximac;ao aos universos desse trabalho evidencia 0 carater excludente que essas politicas tiveram em inumeros mementos: Sao Paulo como urn tode se conform a em espa90s publicos que carecem de urbanidade e que nao favorecem 0 convfvio com a alteridade; 0 Bixiga carrega diversas marcas em seu tecido urbano, como viadutos e grandes avenidas abertas sem dialogo com 0 contexto proximo e 0 tamponamento de rios, como cicatrizes deixadas ao 10ngo da historia; 0 carnaval de rua, por sua vez, quando praticado peros negros era reprimido e visto como manifestac;ao cultural de menor valor e, por muito tempo, nao teve lugar na cidade. Como movimento de reac;ao a tais polfticas excludentes, os festejos e manifestac;oes culturais aqui colocados podem ser entendidos como urn instrumentode resistencia e afirrnac;aodegrupos ao longo da historia, como na pratica do samba e dos festejos em cord6es negros no infcio do sEkulo XIX, ou nas festas de rua que ainda acontecem no Bixiga, dando voz a diversos grupos diferentes - 0 que evidencia 0 sincretismo que habita 0 bairro. Percebeu-se a festa como uma fresta, um pequeno espac;o de expressoes legftimas, que permite a mudanc;a momentanea do cotidiano e que ali quer permanecer. A reac;ao tambem se mostra no contexto mais recente de retomada dos espac;os publicos, no qual os ativismos urbanos, que despontaram aos montes no infcio deste sEkulo, envolvem 0 cidadao no pensar e se apropriar da cidade, representando uma forma mais assertiva de estar no ambiente urbano. A retomada do carnaval de rua se insere nesse contexto, e pode ser enxergada como uma forma de ativismo, onde a vontade de estar na rua floresce intensamente. Isso acaba por acarretar, muitas vezes, num movimento inverso, no 0

a

134

a

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qual as polfticas publicas e leis de incentivo se estabelecem em razao da pressao de movimentos dos mais variados grupos sociais. Quando se trata de manifesta90es culturais populares, as leis regulamentadoras, criadas pela pressao dos proprios festejos ou em decorrencia de seu crescimento evidente, acabarn por ser uma faca de do is gumes: ao mesmo tempo que respaldam e conferem algum tipo de infraestrutura, elas tendem a descaracterizar, limitar e ate mercantilizar manifesta90es que sao espontaneas. Observouse esse fen6meno nos cordoes carnavalescos da decada de 1930 e na implanta~iio

do modelo carioca de escolas de samba ao final da decada de

1960. Com a retomada ex pi os iva do carnaval de rua nos ultirnos anos, tem-se percebido a mesma tendencia, que se acentua com 0 contexto da sociedade conternporanea, muito mais interessada em experiencias do que em bens materiais.

Ainda no contexto da contemporaneidade, percebe-se que a velocidade de rnudan9a da sociedade e muito maior que a da cidade, entendida como fruto de urn processo historico. Dessa forma , as necessidades de rnudan9a e a flexibilidade desejadas, muitas vezes nao condizem com os espa90s que a

cidade oferece, questiio abarcada pela proposta projetual deste trabalho. A partir de todo 0 processo, considera-se, entao, que um olhar crftico ao longo da historia para manifesta90es culturais, como a carnaval, e para urn territorio, como 0 Bixiga, pode servir de instrumento para a melhor compreensao da atual conjuntura e para colocar em pauta a discussao da marginaliza9ao de grupos e culturas que merecem ser valorizadas. Nesse senti do, conclui-se, ainda, que este trabalho atingiu 0 objetivo de propor uma interven9ao no bairro do Bixiga, que contribua para a gera9ao de urbanidade. confira caminhabilidade e que de suporte as festas de rua. incluindo 0 carnavat. numa tentativa de potencializar as apropria90es e festejos que ali acontecem com tanta for9a e que sao reflexo das manifesta90es culturais no bairro.

"Urn povo que nao arna e nao preserva as suas forrnas de expressao rnais autenticas, jarnais sera urn povo livre"

Plinio Marcos

135


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a

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apendice Durante alii Semana de Integrac;:ao - semana que reuniu alunos detodos as semestres da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo para trabalharem

sabre as temas de TFG - foi proposta uma atividade, juntamente com outro TFG que trabalhou 0 Bixiga do ponto de vista dos rios. A atividade consistiu na realiza9ao do percurso na area de estudo - que agregou partes dos percursos de ambos os TFGs - apos a apresenta,ao dos temas, acompanhado de urn registro fotogrcifico. Esse processo gerou 0 registro das sensac;:oes, traduzido atraves de uma cartografia.

Figura 119 - Alunos na area de estudo

Figura 120 - Alunos na

Fonte: da autora, 2019

Fonte: da autora, 2019

area de estudo Figul"a 121 Produ~ao

da

cartografia

Fonte: da autora,

2019

140


Figura 123 - Alunos participantes no dia da exposic;ao dos trabalhos

Fonte: da autora, 2019

Figura 122 . Parte da

cartografia produzida Fonte: da autora , 2019

Figura 124 -

Cartografia produzida pel os alunos Fonte: da autora, 2019 141




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