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6 Considerações Finais
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eis que então chegamos ao fim de nossa pesquisa, que teve como sua proposta central dissertar sobre a possibilidade do grande Outro como saber presente no campo social do samba, transmitir à psicanálise como o sujeito pode se articular entre a fantasia e a sublimação em determinado campo da arte. Entendemos que o fim desta dissertação de mestrado de forma alguma sentencia uma conclusão definitiva sobre o tema. Tanto a valiosa intersecção entre arte e psicanálise quanto a interface mais específica entre o samba e a psicanálise são caminhos que permanecem frutíferos para novas incursões. Mais uma vez, como apontado desde a introdução, no encontro da arte com a psicanálise fica evidente, de nosso ponto de vista, que a primeira é a grande intérprete e desveladora dos funcionamentos do sujeito e do inconsciente. À psicanálise resta, quando cruzar com a mais bela face da humanidade, a arte, escutar e observar suas estéticas e significantes para tentar apreender dali as mensagens e saberes contidos na obra e no ato do artista.
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O samba, por meio de suas canções e suas características socioculturais, forneceu-nos um incrível esclarecimento sobre o sujeito na sua articulação entre a fantasia e a sublimação. Esse esclarecimento se iniciou por uma reflexão sobre a história plural e coletiva do gênero, que se vincula de forma inexorável às musicalidades afro-atlânticas e revela como a música exerce papel extraordinário na produção de laço social entre os sujeitos, mesmo em situações absolutamente adversas.
Vimos também que o samba, como fruto dessa heterogênea, exuberante e épica trajetória das musicalidades africanas, pode reunir em seus hábitos culturais indicações preciosas sobre a força social do acontecimento em ato e a possiblidade da existência de uma “lógica coletiva” que opere de forma diversa da psicologia das massas, horizonte esse delimitado principalmente pelo irremediável costume da roda de samba e seus versos de improviso. O modo de construção textual do gênero, que detém uma semântica acessível, carregada de narratividade e imbuída de um saber popular magistralmente escrito em forma de poesia, somado às suas vicissitudes históricas e socioculturais, compõe uma conjuntura que nos clarifica como o sujeito pode utilizar os significantes presentes nas letras e no meio social do samba para adereçar suas fantasias (produções psíquicas que estruturam a realidade do sujeito ao fazer tela ao real) e, com esse empréstimo, realizar a sublimação.
Desse modo, o sambista e o apreciador do samba podem se relacionar com as canções como obras de arte nas quais certos elementos, pela função do significante e pela poesia do sambista, fazem semblante da Coisa, propiciando, pela manobra estética e linguística, um destino à pulsão. Como no exemplo do significante morro que, como procuramos demonstrar em nosso estudo, era um elemento do cotidiano que se tornou obra de arte, e no campo do samba foi posto a representar poeticamente tantas coisas de forma que, ao que tudo indica, propiciou ou propicia o processo sublimatório. O morro, ao virar belo pelo samba, opera como metáfora e propicia essa prazerosa fruição estético-musical que bordeja o gozo absoluto da Coisa e possibilita um circuito de significantes à pulsão. Os saberes presentes nos sambas são tantos que foi possível, inclusive, algumas breves incursões a temas que não pertenciam ao recorte inicial deste trabalho, mas que, de qualquer modo, puderam engradecer a argumentação desta pesquisa, como foram nossas pontuações sobre o ato e sobre o “bem dizer o sintoma”. O primeiro referente à força sociopolítica da roda e da improvisação como acontecimentos em ato, o segundo vislumbra como o saber do samba pode expressar uma possibilidade de lidar com o real, a partir da ideia de “bem dizer o sintoma”.