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7 CONCLUSÃO

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APÊNDICES

APÊNDICES

7 CONCLUSÃO

Este trabalho teve por objetivo aprofundar a discussão acerca da transformação do gosto investigando o papel do corpo, como matriz cognitivo-sensório-motora que atua sobre e sofre os efeitos do processo de aprendizado de um novo regime de gosto. Através de pesquisa etnográfica, realizada durante o ano de 2018 na cidade do Rio de Janeiro, foi possível fazer uma imersão no universo das Escolas de Samba, e compreender como a prática do samba se estrutura em um regime de gosto padronizado institucionalmente, que chamamos de samba de competição. O regime de gosto, tal como definem Arsel e Bean (2013) normatiza a dinâmica entre ações, objetos e significados, produzindo corpos distintos de acordo com a função dentro da escola (dançar ou tocar samba). Como contribuição, propomos uma ampliação do modelo estendido de aquisição de competência cultural do consumidor (MACIEL e WALLENDORF, 2017). Primeiramente, apontamos a necessidade de considerar o corpo dos consumidores antes e após o processo de transformação de gosto. No início do seu engajamento com o novo regime, o indivíduo se utiliza de esquemas inscritos em seu habitus, mas eles não incluem apenas disposições em um patamar cognitivo, e sim vivências corporais que resultaram no desenvolvimento de habilidades motoras, e que podem ser replicadas nessa nova prática almejada. Após atingir o domínio da competência, o consumidor incorpora o regime, passando a unir materialidade, ações e significados de tal maneira que gera adaptações no corpo fisiológico, sensorial e motor. Essa transformação aporta novos esquemas ao seu habitus, que por sua vez atuarão como uma matriz corporal de percepção para vivências futuras. Assim, a entrada em certos regimes pode ser favorecida pela produção de um corpo, forjado por seu habitus para desenvolver competências motoras ou sensoriais específicas. O expert de cerveja artesanal pode usar suas habilidades de olfato e paladar refinados para ingressar com maior facilidade no ramo de cafés especiais. Da mesma maneira, uma mão com muita destreza reproduzirá com mais facilidade os gestos exigidos nas técnicas de maquiagem ou de culinária, que pedem motricidade fina afiada para tarefas precisas e minuciosas. Gerações mais jovens desenvolvem motricidade fina através do uso de aparelhos eletrônicos, seja digitando em um teclado ou usando touchscreen. Uma prática que exija precisão nos dedos

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talvez seja melhor performada por um jovem do que por gerações que não tenham a mesma experiência. Reconhecer essas interseções pode ser útil para empresas e mercados que visam a disseminação de uma prática, criando um encontro entre as vivências corporais de seu público alvo com as competências necessárias a um certo tipo de consumo. A presente pesquisa permitiu identificar dois elementos adicionais, identificados no samba de competição, que podem complementar o modelo de engenharia de gosto (MACIEL e WALLENDORF, 2017). O primeiro consiste em uma quarta prática dispersa, que chamamos de simulação da expertise. Trata-se do momento em que o aprendiz ocupa o lugar do expert e reconhece o que ainda falta em sua aprendizagem. O segundo elemento é a figura do gatekeeper, responsável por transmitir o regime, orientar ejulgara performance e o processo de aprendizado dos engajados na aquisição de novo regime de gosto. A identificação de ambos elementos possivelmente resulta do fato de que o contexto pesquisado se encontra em um nível distinto de estruturação da prática se comparado com o contexto da cerveja artesanal. Segundo as hierarquias de legitimação de Bourdieu (1990), existem três estágios de estruturação de um mercado centrado no gosto. O mais alto nível consiste em mercados que tornaram a sua cultura legitima, e possuem instituições como universidades e academias para padronizar universalmente aquele gosto com rigor acadêmico e criar metodologias de ensino. A música erudita, a escultura e a literatura se alinham à essa categoria. O nível intermediário engloba mercados que ainda estão buscando se legitimar, mas que apresentam apenas iniciativas dispersas como críticos e clubes que tentam julgar e criar padrões. O último nível encontra mercados no qual a prática do gosto é arbitrária, ou seja, cada um se baseia na sua própria experiência sem sofrer muitas influências institucionais. O samba de competição se equipara ao nível intermediário por apresentar, por um lado, características que visam a legitimação tais como a existência de uma metodologia de ensino. Por outro lado, no entanto, a informalidade ainda é um traço marcante, dado que cada Escola de Samba cria suas próprias iniciativas e não há uma instituição transversal normatizando a prática do samba de competição. Segundo Maciel e Wallendorf (2017), o mercado de cerveja artesanal se equipara ao nível intermediário e arbitrário, pois ainda não possuí uma trajetória de aprendizado bem definida, abrindo espaço para que os consumidores atuem por conta própria para se desenvolver. Os dois contextos parecem estar caminhando na direção da legitimação, mesmo estando em estágios diferenciados. Com isso, a figura do gatekeeper e a simulação da expertise podem ser elementos sinalizadores da estruturação de um mercado, assim como o surgimento de críticos e de clubes de apreciação exemplificados por Bourdieu (1990). Essa comparação

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