União da Tinga - Sinopse 2021

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"Sou Cria, sou da Tinga, e daĂ­!" Carnaval 2021

Carnavalesco: Zeca Swinguinho AUTORES DO ENREDO: Neila Preste de Araujo, Waltinho Honorato e Zeca Swinguinho


Justificativa Poética Tuas Crias te conclamam! Em êxtase me deixo levar pela onda de emoção. Ecoa o brado guerreiro do nosso povo... E toma conta de toda Restinga, a voz do oprimido que se orgulha do chão, a voz do samba autêntico no Pantheon da resistência da cultura popular. Vai meu estandarte verde, amarelo e vermelho e retoma o seu histórico do seu lugar, redescobre traços e alicerces, vilas, ruas, becos e vielas. Vai e reencontrar na temática das suas origens a sua própria raiz e voa nas asas do Pavão, em busca do que sempre será seu: o desejo de lutar por mais um campeonato. Atravessa o rio e deixa a Ilhota e não olha para traz. Entende que foi lá na terra alagada, que estão suas origens. Segue para um mundo desconhecido, deixa um Bilhete para os maridos e avisa que já foi. Leva tudo num caminhão e toma conta desse chão, pois “ESSA TERRA TEM DONO ESSE DONO SOU EU”. Faz política e nunca desfez de seus semelhantes... Pois aqui todos são Crias e daí.


O grande enredo de nossas vidas vai passar abençoado por seu padrinho Imperadores do Samba e seus padrinhos espirituais Oxalá, Oxum, Iemanjá e Iansã. Quantos hábitos, costumes e verdades tão nossas estão presentes neste momento, em que o relógio começa a marcar o nosso tempo. O interprete liberta o grito de um ano, desata na garganta do povo um nó. Muitos parecem sorrir; outros precisam chorar; eu e você no axé da nossa Terra, da nossa Casa do nosso chão; ele é nosso solo sagrado de onde cada um de nós é Cria, é Rei Coroado do nosso carnaval... Tá na hora! Não da mais pra segurar! Tinga! E as vozes de milhares se encontram em um único desejo: Tuas Crias te conclamam!


Introdução O Carnaval é a maior festa popular do Brasil, e está intimamente ligado à nossa identidade cultural. Aproveitar a ocasião para retratar a história do Bairro de onde viemos e o que hoje somos é uma oportunidade ímpar de trazer à tona, para o grande público. Restinga:

Enredo Sou Cria, sou da Restinga e daí! Aqui quando o estado não faz, a gente escancara. Aqui mulher tem Lugar de Fala! Aqui a violência existe, mas não é o Ator Principal. Nós somos a polução mais Negra desse local, nós temos a Cor da Esperança. A Esperança mora nos nossos Projetos Sociais, nos nossos campos de futebol, que geram craques que levam na identidade o nome, Tinga! Assando uma carne e fazendo um samba, mantendo viva a tradição. Temos grandes escolas do carnaval, Estado Maior da Restinga. Somos a dissidência que é a União da Tinga e daí!


Histórico Na metade do século XX o governo brasileiro decidiu fazer uma limpa em suas grandes cidades e em Porto Alegre não foi diferente. Com o fim da escravidão, em 1888, os negros não tiveram nenhum tipo de assistência para se adaptarem à sua nova condição de “liberdade”. A grande maioria de libertos buscaram as cidades em busca de oportunidades. Em Porto Alegre foram se colocando em regiões de baixo custo e precárias de alugueis baratos em cortiços e becos da região central e no seu entorno. Em 1920 o Prefeito Otávio Rocha em uma grande reforma das áreas centrais põe fim dos becos expulsando seus moradores, eram as áreas de comunidade negras da cidade. Com a expulsão tais sujeitos buscam se acomoda em áreas próximas entre elas a Ilhota. A Ilhota surge de uma alteração do fluxo dos veios fluviais que serpenteava a cidade na administração de José Montaury, em 1911 no final da Rua Lobo da Costa do outro lado do veio d’água surge um volume de terras que passa a ser chamado de Ilhota acessada por uma ponte de madeira. Assim toda área que compõem a Praça Garibaldi ao sul e em direção ao Guaíba passa a ser conhecida como ILHOTA. Com o crescente reajuste dos alugueis, as fiscalizações de construção urbana expulsa os moradores com casas precárias de áreas residenciais e a continua migração do campo vai ampliando o número de pessoas na região da Ilhota que cresce e ocupa áreas cada vez mais precárias, irregulares e alagadas em forma de becos com visível precariedade. Ali vivia uma maioria de negros e pardos e o local tinha fama de área perigosa e de


reduto de marginais e ladrões. A fama tinha seus motivos, mas, para além da marginalidade toda a Ilhota era habitada por uma esmagadora maioria de trabalhadores - vendedores, entregadores, artesãos, estivadores e tarefeiros, com algumas atividades especializadas como costureiros, sapateiros, barbeiros, tipógrafos, lavadeiras e domesticas e, em poucos casos ocupando cargos públicos de baixo escalão - que davam muito duro para ganhar a vida. Vivendo em sub-habitações em área alagada, os moradores da Ilhota eram vítimas constantes de enchentes. Na Ilhota, nasceram gaúchos ilustres, berço do samba de Lupicínio Rodrigues e do futebol Osmar Fortes Barcellos conhecido como Tesourinha, casa da Liga da Canela Preta, campeonato de futebol que reunia as comunidades negras em resistência ao racismo dos grandes times de futebol. A Ilhota era lugar de fé, onde morava o Mestre Borel – Grio do Batuque, mestre tamboreiro e conhecedor do Ioruba. A política de modernização da cidade passou décadas planejando a limpeza e a suposta “revitalização” da Ilhota, isso acontece efetivamente com a entrada do período do Regime Militar que agrega a força com os recursos para a transformação da área, com proposta de limpeza e modernização da cidade em política de branqueamento dos Territórios Negros que resistiam nas áreas no entorno do centro da cidade. A proposta de remoção da Ilhota a décadas anunciada passa a se efetivar em 12 de fevereiro de 1967, chegando pela Av. Ipiranga um número significativo de camiões do município e contratados, 40 funcionários do DEMHAB acompanhados da brigada (polícia militar) e do exército. Em meio a gritos, choros e xingamentos, o Dr. Ênio - Assistente Social do DEMAHB - vai convencendo a população e ao mesmo tempo os funcionários já vão reunindo os pertencesses de cada casa e colocando no caminhão, içando as estruturas de madeira inteira, quando possível, e jogando na carroceria, uma a uma. A casa, o pouco que se tinha e os sujeitos que vão perdendo seu chão, seu território e tudo que com ele fica – proximidade do trabalho, do comercio, do hospital, dos amigos e parentes. A ordem expressa do prefeito Célio Marques Fernandes (delegado indicado pelo Regime Militar para prefeitura em 1964) é levar


todos que não comprovarem trabalho para gleba de terra na Estrada da Restinga ao sul da capital em meio de área rural remota que a prefeitura comprou com essa finalidade. A Restinga possui mata rasteira em terra arenosa, com regiões alagadas, muitas sangas e arroios com paisagem descampada e ou plantações, região de poucas estradas onde o deslocamento se dava a cavalo ou carroça. As casas da Ilhota, são trazidas e largadas na Restinga em lotes pequenos, junto se colocava o pouco que se tinha, uma a uma as famílias vão chegando, as ruas vão sendo abertas conforme chega a população. Na Restinga não havia nada, não havia luz, água potável, comida ou lugar de referência para reclamar, as primeiras casas são colocadas a 500m da Estrada João Antônio de Silveira, essa é a única referência, para todas as famílias que entre 10 a 15 vão chegando diariamente. As casas são improvisadas com o que veio da Ilhota, não há material novo, não há tábuas, pregos ou telhas, não há ajuda do município. Então, vai se montando as casas do jeito que dá. São velhos, mulheres e crianças, e também os homens, todos que não comprovaram trabalho em carteira ou justificativa do patrão foram removidos compulsoriamente, sem direitos e ou escolha. Vir para Restinga era como ser penalizado a viver no isolamento do resto do mundo por ser pobre e aguardar a morte por solidão e falta de emprego e assistência medica. Não havia transporte só os caminhões que traziam o fluxo de pessoas que eram controlados com a presença da brigada, a Vila de Maloca que era a Ilhota troca os becos por ruas retas e lotes bem medidos, troca a proximidade com o centro pela distancia físico e social da Restinga. A vida na origem do bairro soprava baixinho e em abandono dos sujeitos. Com o tempo as denúncias vão resultando em melhorias, transporte uma viagem de ida outra de volta, o que representou a perda do trabalho, o isolamento e a consolidação da miséria. Vai chegando ajuda esporadicamente, aqui apoio é a própria comunidade, casas de batuques são removidas junto com o povo e com isso os Grios, as benzedeiras. A Igreja Católica era a visita do padre de Belém Novo que uma vez por semana ocupa a sombra da figueira com bancos onde reunia a comunidade. O centro Espírita que percorria a Ilhota vem e monta uma sede em 1969. É sopa que chega, é a doação do matadouro que suporta a


vida uma vez por semana. Foi com muita luta que se conseguiu a bica d’água, a luz na faixa, mais ônibus e instituições de apoio já em 1969. Nesse tempo o governo já é de Thompson Flores, a segregação recebe o nome de “Vila de Transição” e um projeto urbano de casas populares é negociada com o Governo Federal – Restinga Nova. Em 1970, as obras se iniciam e chega o trabalho na construção civil para quem aguardava, já tem escola para atender as crianças e a esperança bate mais forte. É a vida transformando o lugar árido em um lar.

As etapas da Restinga Nova vão consolidando outros espaços para além do que chamaram de Restinga Velha. Mesmo assim, é terra de trabalhadores toda a Restinga, os mais pobres aguardam o esgoto e a água encanada, quem não consegui comprar as casas de alvenaria do projeto buscam melhorar seu espaço, lideranças vão abraçando a lutas, as conquistas lentas são sólidas e na década de 70 postos de saúde, posto policial e escolas mais estruturadas. A linha de ônibus sempre parca e precária vai ampliando seus horários, a comunidade vai se adaptando, inventa formas próprias de organização usa a pedra com o nome e ou sapatos para marcar a fila do ônibus e seu lugar de acento para viagem. Os campeonatos de futebol vão sendo organizados surgem o CTG, a Igreja e o centro espírita ganham lugar. A cidade toda é limpa e outras vilas de malocas ganham o destino Restinga somando aos que já se encontram aqui. A vida vai construindo uma ordem, entre os banhos de sanga, o ato de surrupiar melancias e estudar a meninada vai crescendo, o povo adulto se organizando e a sobrevivência é marcada pela colaboração contínua, desde o início e fevereiro de 1967 até hoje, vivo em uma espécie de quilombo urbano, fruto da segregação e isolamento forçado que durou anos, décadas, mas que, contudo fortaleceu o ímpeto de lutar. Organizamo-nos na Fé, no Samba, no Esporte e na Cultura. Sou filho da luta dos nossos Grios, da fé e da esperança, sou parte desta história, cresci ouvindo, cresci vivendo, cresci lutando, isso é sou Restingueiro! Sou Cria, sou Tinga, e daí!!!


Bibliografia:

ARAUJO, Neila Prestes. Origens do Bairro Restinga, entre versões, a inversão do olhar sobre a memória: uma história autocentrada no discurso do sujeito subalterno sobre o processo de ocupação da comunidade entre 1967 – 1971. Dissertação de Mestrado defendida no Programa Pós Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2019. GAMALHO, Nola Patrícia. A Produção da Periferia: das representações do espaço ao espaço de representação no Bairro Restinga – Porto Alegre/RS. Dissertação de Mestrado. Instituto de Geociências – PPG Geografia. UFRGS 2009. ZAMBONI, Vanessa. Construção Social do Espaço, Identidade e Territórios em Processos de Remoção: O Caso do Bairro Restinga – Porto Alegre/ RS. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Planejamento) Programa de Planejamento Urbano e Regional – PROPUR. UFRGS. Porto Alegre, 2009.


Setorização

SETOR 01: Da Ilhota ao Mundo Desconhecido;

SETOR 02: Essa Terra tem dono, esse dono sou eu;

SETOR 03: A Força da Comunidade, Raiz e Fé - O Batuque, a Devoção Mística e a Política;

SETOR 04: No Reinado da Folia, Tinga tuas Crias te conclamam!


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