A primeira competição entre sambistas que se tem natlcia acanteceu no bairro do Engenho de Dentro, na casa de um sambista e macumbeiro conhecido por Zé Espinguela, que freqüentava muito a Mangueira. O compositar Cartola, de Mangueira, (Angenar de Oliveira), não se lembra em que ano aconteceu a c0mpetição, mas se recorda, Inclusive, que Zé Espinguela levou depois as escolas para a Praça Onze: - Ele tinha uma amante aqui em Mangueira. Era cosada mas tinha uma amante por aqui. Não sala daqui. Esse negócio de concurso de samba quem inventou foi ele. Era macumbeiro e fazia todos os anos na casa dele, no Engenho de Dentro, uma festa no dia de São Sebastiao. Ele misturava roda de samba com macumba, tinha comida, tinha bebida, aquela coisa, toda. E inventou um negócio que era o seguint e: fazer um samba. Ele dizia assim: "Eu quero um samba com a polavra tal". Eu fiz, o Paulo do portela fez, o Heitor dos Prazeres, o falecido Agenor. Dal, ele inventou um concurso na Praça Onze. Juvenal Lopes, antigo mestre-sala da Escola de Samba Deixa Falar, integrant e da Uniao do Estócio e, nos anos 60, presidente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. em depoimento gravado que prestou ao seu filho Pedro Paulo, falou de Zé Espinguela: Grande sambista e sapateador. um mulato alto, era casado no Engenho de Dentro com uma senhora que tinha uma Casa de Santo. E tinha uma mulher por nome Joaninha, irma do Mariazinha. do Alzira Dente de Ouro e Ambrozina. umas mulatas danadas no samba. Essa Mariazinha tocava tudo que era instrumento de corda. No portido alto, ela pegava no cavaquinho e violão e tocava: "Oi não me mate, nega Não me mate, não Oi não me mate, Teresa. 00 meu coração coração Mas não me mate".
Eu gostava quando a Joaninha cantava com a Mariazinha. E o Zé Espinguela s6 no sapateado. Juvenallopes 'embra~se que cantar, tocar e dançar samba em casas de macumba era um recurso que os sambistas aplicavam paro enganar a policia que acabava sempre com as rodas de samba. O mesmo dizia João do Baiana (1887-1973) que, certa vez, contou que a policio já havia descoberto o truque e aparecia de repente nas macumbas: - Recebemos uma denúncia de que aqui se canta sambo. Juvenallopes tem várias histórias sobre esse tipo de perseguição: Por uma ocasião, passando pelo Mangueira, apanhei Teresa. irmã do falecido Miná, uma crioula que tocava violão, mãe de Mo~ leque Diabo, peguei o Aristides que também tocava violão e muitos outros instrumentos de corda e que depois andou muito pelo Catete. A Tere$o do Miná saiu e fomos poro o casa do Francelino, no Morro do Urubu, onde havia uma macumba. Havia uma sessão e nós ficamos do lado de fora cantando samba e es· perando acabar a macumba. Me lembro até que estava um frio miserável. era junho, época de São João, inclusive era festa de Xangõ. Embora nõo participássemos da macumba, fomos servidos com uma bandeja com pão-de-ló, canjica e pão com manteiga. Quando terminou o macumba, o Teresa chamou a gente com um sambo: Acorda, acorda Quem está dormindo acorda Acorda, acorda Na fé de Deus Acorda, acorda A bença, a bença Boa noite, boa noite - Era um tal de apanhar instrumentos, pandeiros, pratos com faca, que o sambo estava começando. A Teresa estava tocando violão e eu fiquei tentando tirar um samba. Ai me lembrei do Delegado 23? Distrito, Abelardo da luz, que, de vez em quando, dava umas incertas na gente. Tirei um samba: Cruz credo
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Credo em cruz Ai vem o delegado Abelardo da luz Temos põo-de·lá Temos pão com manteiga Você sai do samba Já vou minha nego Quando o samba estava na melhor, bateram no porta dizendo que não adiantava fugir pois a casa estava cercada. Ninguém corre. Ai, por causa do samba, o homem colocou a gente da ca sa pra fora. Fez a gente descer o morro com um frio danado. Nem chegamos a comer, a tomar café, coisfssima nenhuma. Descemos e andamos a pé, do Morro do Urubu até o 23? Distrito, que naquele tempo era em Madureira, de baixo do pau e de · ben~ galada. E o Delegado Abelardo da luz obrigan· do a gente a cantar o sambo sem parar. Tinha que contar no ritmo. Ou cantava no ritmo ou levava bengalada. Na delegacia, subimos o escada, o delegado chamou o Francelino e avisou: "Outro vez, vocês vão ficar uma porção de tempo", Foi dar umas voltas e a gente lá, morrendo de fome. Voltou e tornou o falar: "Outra vez que você botar essa molecada dentro da sua casa e vir com essa vagabundagem de samba, eu boto você no xadrez. Não tem Nicanor do Nascimento, nem nada". O Nicanor, na época, era o deputado que arranjava as licenças para as casas de macumba. E repetia: "E você no xadrez e a licença do lado de fora. No meu distrito não quero saber disto". Juvenal lopes volta para Zé Espinguela: - Ele organizou um concurso na sua casa do Engenho de Dentro, na Rua Borja Reis. Com· pareceram representantes do Estócio, da Mangueira, de Oswaldo Cruz e da Favela. Me lem· bro que o pessoal do Estácio foi desclassificado porque apareceu de gravata e de flauta. Foi até o Benedito Lacerda que apareceu com o flauta. O samba do Estácio era assim: De que tanto choras Se nõo estás sentida As lágrimas que vertes São fingidas Eu tenho certeza Que não vou te perdoar Chora, meu bem, chora O samba da Mangueira era do falecido Ar· turzinno Faria:
Eu quero é nota Carinho e sossego Poro viver descansado Cheio de alegria, meu bem Com uma cabrocha ao meu lado
O samba de Oswaldo Cruz era do Paulo da Portela: "Avante mocidade E hora Vamos fazer nosso progresso Vamos deixar correr A fama suburbana Por todo esse universo Universo O samba harmonioso é lindo E paro ter maior valor Vamos por em linha de frente E poro ter maior valor Vamos por em linho de frente Paro presidente O Mano Claudionor". - O Claudionor era um rapaz do Portela qtJe naquela época jó dava esses passos que existem hoje em dia. Era grande. O Paulo da Por· tela ero timido, escabriado. Quando tocava o sambo, ele fugia. Depois, vinha aderindo oos poucos. Em Oswaldo Cruz, desde 05 anos 20, havia também uma casa, na Rua Adelaide Badaj6s, que era uma espécie de clube de samba. Era a casa de Tio Ester - Ester Maria do Cruz - uma baiana que fundou, inclusive, um grupo carnavalesco, o Bloco Quem Fala de Nós Come Mosca, que depois se juntou com o bloco de Paulo da Portela, Baianinhas de Oswaldo Cruz, saindo dai o Vai Como Pode e, mais tarde, a Portela. O compositor Candeia, nascido em 1935, nõo conheceu os primeiros tempos da cosa de Tia Ester, mos se lembro perfeitamente dos festas que elo continuava promovendo quando ele jó era menino. Afirma Candeia: - Paro mim, ela é uma espécie de Tia Siata. A casa dela era um casarão enorme, em Os~ waldo Cruz, onde abrigava todo o mundo e dava os seus pagodes. Era baile de regional e roda de samba. O Jair do Cavaquinho foi criado lá. Chegava alguém pedindo põo ou uma guarida, Dona Ester abrigava todo mundo até que se arrumasse na vida. Naquela época, Oswaldo Cruz não tinha cinema, teatro. nado disso. Por isso, a cosa de Dono Ester ero uma espécie de centro de Oswaldo Cruz, onde as peso soas iam se divertir. Me lembro de ter visto na casa dela o Zé Com Fome, o Luperce Miranda. o Claudionor Cruz, uma porção de gente assim. Foi naquele clima que comecei o me salientar. Zé Espinguela e Tia Ester nõo deixaram nenhum samba de sucesso. Mas se deve a eles, sem dúvida, muita coisa que se inseriu no história dos escolas de samba.
Coll\ saIS instrull\Cntos bárbaros. as escolas con&@jO\\ vmladeiros Il)ilagcs.
deitos inlprcssionantcs. Dezenove escolas participaram do primeiro desfile de escola de samba, realizado em 1932, na Praça Onze, numa promoçõo do jornal M,:,ndo Esportivo. j6 desaparecido. O júr:i, integrado pelo casal Eugênio e Alvaro Moreira, José Lira. Orestes Barbosa, Fernando Costa. Raimun· do Magalhães Júnior e J. Reis, deu o seguinte resultado:
(~(lan~udra venceu) 1? lugar - Estação Primeira de Mangueira; 2? lugar - Segunda Linha do Estácio e Vai Como Pode (mais tarde, Portela) ; 3? lugar - Para o Ano Sai Melhor; 4? lugar - Unidos da Tijuca,
A iniciativa da realização do desfile partiu de um repórter chamado Carlos Pimentel, muito ligado 00 samba carioca, e contou com o apoio imediato da redação do jornal, integrada por vórios jornalistas ligados à música popular, como Antônio Nóssara, Armando Reis (Cristóvão de Alencar) e Orestes Barbosa, O desfile das escolas de samba foi uma revelação para os cariocas que ainda não estavam acostumados com a música e com os instrumen tos das escolas. Para se t er uma idéia do desconhecimento dos relacionadas com elos, basto reproduzir algumas notas publicadas na imprensa, antes do desfile:
A PRAÇA ONZE SERÁ TEATRO DE UMA GRANDE COMPETIÇÃO MUSICAL " O campeonato de sambas que o Mundo Esportivo faró realizar domingo de carnava l no Praça Onze destino-se o um extraordinório êxito. Independente do número de atrações, a grande competição de melodias tem o seu maior elemento de sucesso rumoroso na quantidade ~norme de escolas jó inscritas e que se preparam para o concurso. A idéio é realmente encantadora. Doi o acolhido entusióstica que teve e a ansiedade com que é aguardada a sua realização. Não resta dúvida que constituiró uma nota de pitoresco inédito no carnaval deste ano. As es-
colas mais célebres da cidade, os prlncipes da melodia do malandro, as " altos patentes" do samba concorrerão 00 grande campeonato. Pode-se resumir o espetóculo assim: é o alma sonora dos morros que vai descer paro a cidade. Todas as ladeiras, todos os morros virão, respectivamente, para a Praça Onze, teatro da linda competição.
-,
Os priIl\eiros desfIles Terá o público oportu~idade de ouvir instrumentos moi conhecidos pela maioria do cidade. E o coso, por exemplo. do "cuica". cujo som se destaca de todos, pois é único e inconfundivel. Para que o leitor tenho uma idéio da importância do campeonato de samba. diremos apenas que várias escolas entrarão na Praça Onze com mais de cem figuras cada uma. Além dos instrumentos conhecidos, outros aparecerão, por
certo. na hora da parada sonoro, criados pela febre de improvisação que sempre empolgo os carnavalescos. O Mundo Esportivo oferecerá
aos três primeiros colocados prêmios voliosissimos, que estão em exposição numa dos vitrines da Capital." VINTE "ESCOLAS" NO CAMPEONATO DE SAMBA "Domingo. na Praça Onze, o público assistirá o um torneio que promete grande brilho, tal o encanto de sua originalidade. Queremos aludir ao campeonato de samba que o Mundo Esportivo promoverá. O acontecimento é inédito: até agora, não se realizou entre nós uma competição idêntica que reunisse tontos elementos para um êxito sem igual. Os sambas que se candidatam aos grandes prêmios são os mais lindos dos nossos morros, das ladeiras, dos lugares sonoros do Rio. O público que conhece ~ música do "malandro" pelo disco, ainda não sentiu, talvez, o sabor que tem a melodia na boca do próprio "malandro". O efeito é muito maior e a sugest ão é muito intensa. Na competição entrarão instrumentos que nem todos conhecem. A "cuica", por exemplo, ainda não foi ouvida por nós com o atenção devida. Dizem que uma caixa de charuto usada por,uma "alto patente" do samba vale, às vezes, uma orquestra completa. E a impressão que se tem realmente. Com seus instrumentos bárbaros, as escolas conseguem verdadeiros milagres, efeitos impressionantes. Para julgar, só vendo com os próprios olhos. Nos morros do cidade, existem melodias ignorados. Nem sempre a publicidade seduz o "malandro", que não raro foz música para recreio interno ou por uma necessidade de expressão independente de qualquer idéia de fama ou de d inhe iro. Tem aí uma infinidade de coisas sonoros desconhecidas e que são verdadeiros maravilhas, não só pelo sedução da melodia como pelo graça, humorismo doce dos motivos. O interesse da cidade pelo campeonato de samba do Mundo Esportivo é intenso. Todas as atenções se voltam para os morros, ladeiras, os lugares sonoros de onde virão os concorrentes. Escolas existem que apresentarão mais de cem fi guras. E facilmente compreensivel o que será mais de cem bocas cantando com a sinceridade que os cantores de samba põem na voz para maior reper.:ussão das palavras. O espetáculo promete um esplendor estupendo e deverá ter um êxito formidável e bem merecido." TUDO PRONTO PARA A PARADA DO SAMBA "Depois de amanhã, a Praça Onze será teatro do grande campeonato de samba. promovido pelo Mundo Esportivo. Já conhece o público em linhas gerais o extraordinário acontecimento que constituirá uma nota de irresistivel encanto no carnaval deste ano. O êxi to do formidável certame está acima de qualquer dúvida. Bosta ver o número de concorrentes, aliás, impressionante. As escolas que se candidatam aos grandes prêmios são as melhores do cidade. O Rio verá de fato o massa encantadora dos morros descer para a Praça Onze.
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O espetácu lo não podia ser mais pitoresco e sugestivo. Cada escola aparecerá ao público com um número considerável de figuras. São pois centenas de bocas cantando com a maior emoção os melodias mais graciosas da cidade. Independente das vozes e dos instrumentos sonoros, há um sem-número de detalhes interessantes, inéditos e encantadores. Quando a primeira escola pisf.Jr o teatro para a originaUssima peleja, logo uma onda de melodia encherá a metrópole. O samba dos morros nem sempre desce à cidade; às vezes, fica lá em cima, longe de qualquer possibilidade de ser transportado paro o disco. Há "malandros" que não admitem a vitrola porque têm o impressão de que, na chapa, o samba perde a sinceridade, a graça emotiva e doce, o espirito delicioso. Assim sendo, fazem o samba para si e para o seu gozo interior. Na Praça Onze, ouviremos sambas que nunca nos chegaram aos ouvidos e que têm portanto todo a formidável sedução mógica do primeira audição. Já falamos nos instrumentos prodigiosos que con· seguem todos os efeitos, repercutindo profundamente o sua alma. Só a "cuica" encherá a Praça Onze com seu bárbaro rumor que desenha os vozes profundos do samba, do espanto, da superstição. Outro espet6culo imponente: os " pastoras". Escolas há que se apresentarão com dezenas de " pastoras". O co ro feminino que se destaca no meio de todos, chega-nos até o fundo da alma. Não queremos, é claro, descrever o que será o campeonato de samba, pois que ele é sem nenhum exagero um quadro indescritivel. Apenas tentamos. aqui, dar uma p61ida visão da sua incomparável imponência."
A bateria do tambor é monótona, esquisitamente monótona. Foi o jornal
O
GLOBO que
promoveu o desfile das escolas de samba de 1933, na Praça Onze, e que contou com a participação de
pa ra o local um desfile de cor50. O repórter encarregado por O GLOBO de preparar a apresen-
28 escolas. Mais uma vez, ganhou
tação ficou impressionado com as coisas que ia descobrindo nas es·
a Mangueira: 1? lugar - Estação Primeira de
colas de samba. No dia, por exemplo, em que foi visitar a escola De
Mangue i ra~
Mim Ninguém Se lembra, de Bento
2!' lugar -
Azu l e Branco do Sal·
gueiro;
3!' lugar 4 ? lugar -
Unidos da Tijuca: Vai como Pode e De
Mim Ninguém Se lembra. 5? luga r - União do Uruguai. O desfile seria real izado na Es-
pionada do Castelo e só não foi porque jó havia sido programado
Ribeiro . dirigida por Heitor dos Prazeres, ficou espantado com a bateria , principalmente com a cuíca (que chamava de " puita") e com o su rdo :
"A bate ria da Escola de Samba De Mim Ningué m Se lembra é qua lquer coisa de notóvel. As puita s, às vezes, pa recem ser
humanas: ca ntam e parecem se comover com a melancolia dos ritmo s. Hó também um tambor mu ito grande que domina todas as vozes. A bateria do tambor é monótona , esquisitamente monótona".
Pra que ogato veioaomundo? C faro, para semlrde' 'puita." E como se faz uma "pu ita " ? perguntou o repórter ao com· po sitor Ga stão de Oliveira , do Morro do Tuiuti. Resposta : ló no morro e x iste mu ito gato. Pro que o gato ve io ao mundo? Claro, para servir de " pu ita".
..:...... .. . :
....
, Nós matamos um gato a pauladas e o esfolamos. Antes, o gato tem que ser deitado em água quente paro que suo pele saio com fa~ cilidade. Põe--se depois para secar no sol. O resto é fácil. Um barril pequeno, que é fechado ao fundo, com a pele. Uma corda e está terminada a "puita" . As escolas de samba deram grande importância ao desfile de 1933. Tanto que ao inscrever a sua escola, Paulo da Portela declarou a O GLOBO:
Estamos satisfeitos por termos proporcionado à cidade o espetáculo mais estranho deste ano, - Vamos encontrar grandes adversárias. Todavia, alimento algumas esperanças. A Portei a vem se preparando com um carinho excepcional e , pelo menos, deverá alcançar uma boa colocação. O regulamento adotado para o desfile contém determinações que perduram até hoje, como' a exi~ gência de que cada escola apresente uma ala de baianas e a proibição de instrumentos de sopro. Ei-Io: "- No julgamento terão valor os seguintes quesitos: harmonia, que valerá cinco pontos; poesia do samba, três pontos; melodia do samba, três pontos; enredo, três pontos: originalidade, três pontos;
.. ..
conjunto, três pontos. Embora sem ter influência decisiva no julgamento, as evoluções, como detalhe do conjunto, terão. é claro, valor. As escolas de samba deverão trazer bandeira, não estando, porém, proibido o estandarte que, usado, não poderá merecer a observação do júri. Cada escola cantará três sambas. Esses sambas serão desclassificados se já tiverem sido gravados ou se já forem conhe~ cidos através do rádio ou do teatro. Não serão permitidos instrumentos de sopro, aceitando-se qualquer instrumento de cordas. - Ê obrigatória a presença de baianas nas escolas. Serão distribuídos prêmios para o campeão e vice-campeão e para os três escolas que virão o seguir. - Poro que o campeonato possa terminar cedo, isto é, até meianoite, ficou acertado que o desfile terá início às 17 horas". E como foi o desfile? PERTO DE 40.000 PESSOAS ASSISTIRAM AO DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA! Mangueira venceu o torneio Os outros resultados Como prevíamos, O Campeonato de Samba que O GLOBO organizou constituiu um dos espetáculos mais bonitos do carnaval de 1933. Perto de quarenta mil pessoas assistiram ao desfile dos escolas do morro.
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Aliás, nõo poderia ser outro o resu tado da iniciativa·de OGLOBO. Ninguém ignora a sedução que exerce sobre o espírito da gente da cidade a melodia nascida no casebre de zinco. Nossa imaginação romantizou sempre esses trovadores ingênuos do morro e para eles se sentiu atraída. Como raramente assistimos a um espetáculo que nos proporcionasse uma oportunidade de estar, frente à frente, com o samba do morro, nada poderia ser mais oportuno que o torneio que O GLOBO oro ganizou" Estamos satisfeitos por termos proporcionado à cidade o espetáculo mais estranho do carnaval deste ano. A Praça Onze apresentou no domingo de carnaval um aspecto inteiramente inédito. Pode~se dizer que aquele local teró acolhido poucas vezes um público tão numeroso como no primeiro dia de carnaval. Avaliamos em perto de 40.000 o número de pessoas que assistiram 00 campeonato de samba, e essa é a mesma avaliação dos nosso! colegas do CORREIO DA MANHA. Desde cedo era enor· me a massa de gente aglomerada na Praça Onze. Quando, porém, o desfile das escolas teve início, era impossível alguém aproximar-se do coreto da comissão julgadora, porque a multidõo crescera. REINOU COMPLETA ORDEM Sem embargo da deficiência do policiamento no local, o desfile
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enredo " A Corte do Samba". E a
cias lament6veis.
seguir vieram: Sporte Club Guarany, de Dona Clara; União do Amor; Aventureiros da Matriz; Embaixada Escola Amizade do Realengo, com o enredo "A Terra e a América"; a escola de Cordovil , Podia Ser Pior, com o enredo
O INíCIO E O FINAL DO CAMPEONATO O campeonato das escolas teve início às 20,40, só terminando às
24 horas e 30 minutos. AS ESCOLAS! Desfilaram vinte e cinco escolas inscritas, sendo de perto de dez o número das escolas qve embora sem estarem no concurso , fizeram
evoluções em frente do coreto da comissão julgadora. para homenagear O G_LOBO. , A COMISSAO DE JU RI
Estava anunciado que a comissão julgadora seria composta de Antônio Velaso, Jorge Murad , João da Gente, Pillar Drummond e Roberto Lobo. Não comparecendo,
porém, os dois últimos, dos quais o primeiro justificou de forma satisfatória a sua ausência, por inter-
médio de João da Gente, e não podendo Antônio Veloso tomar parte no julgamento, teve que ser modificado o iúri, que ficou constituído por João da Gente, Jorge Mu rad e o nosso companheiro Jolre Rodrigues.
A Escola de Samba Nós Não Somos Lá Essas Coisas trouxe os 25 bichos. Às 20 horas e 40 minutos desfilava a primeira escola, que era a
" Adão e Eva" (Tentação da Carne):
A escola União Barão da Gamboa, com o enredo " Homenagem às Escolas de Samba e Seus Compositores"; a escola Capricho do Engenho Novo; a escola Inimigos da Tristeza, com o enredo "Escolas de Samba"; depois, deu entrada a Azul e Branco, escola do Salgueiro, que trazia o enredo " Uma "'oite na Bahia"; a escola Na Hora é Que se Vê, com o enredo "O Sabiá de Minha Terra"; a escola Recreio de Ramos, com o enredo "Jardim da Primavera"; a escola de Portela, Vai Como Pode, com o enredo "O Carnaval"; a escola Última Hora, com o enredo nA Favela"; a escola Nós Não Somos Lá Essas Coisas, com o enredo li A Loteria", trazendo os 25 bichos; a seguir, apareceu a Escola de Samba de Mangueira, trazendo à frente uma comissão vestida a rigor e que pedia passagem pafQ a escola apresentar oseu enredo Uma Segunda-Feira no Bonfim"; veio depois a Estrela da Tijuca, com o enredo 11 Sistema Solari'É Assim que Nós Queremos, Filhos de Ninguém, surgindo a seguir outra escola, Unidos da
Tijuca, com o enredo "O Mundo no Samba" , cuia samba principal estava de acordo com o enredo. Agradaram: Escola de Catumbi,
Em Cima da Hora, com o enredo " Jardim de Catumbi": É a Que Se
Vê; Tuiuti, escola com o enredo " Uma Excursão à Bahia"; a escola Príncipes da Floresta, Salgueiro, com o enredo "Passeata nas Florestas na Bahia"; a escola União do Uruguai estava original e merecendo o pessoal do Arthur muitas palmas pela harmonia que trazia com o enredo " Na Bahia"; a escola Mocidade Louca de São Cristóvão , com o enredo " Antiga Bahia"; a escola Lira do Amor, de Bento Ribeiro, com o enredo "Convidados Pela Fama", onde Heitor dos Prazeres, vestido de príncipe da música, empunhando o seu "cavaquinho de ouro", cantou um dos seus sambas, entre aplausos da massa popular. Prazer da Serrinha , outra escola, trouxe o enredo " Uma Sorte Serrano" e , finalmente , a Escola Paz e Amor. OS RESULTADOS
A Mangueira foi a melhor escola de samba e a vitória não foi dada só pelo iúri , mas também pelo povo que a aclamou em delírio. A escola vice-campeã foi a Azul e Branco, vindo em seguida a Unidos da Tiiuca, De Mim Ninguém Se Lembra e Vai Como Pode, sendo que as últimas em quarto lugar, e ainda União do Uruguai, em quinto lugar.
Paulo da Portela apresenta A Ivaiade: ~~Este aqui é o pequeno que me substitui!' O compositor Alvaiade, de 62 anos, é um dos integrantes do grupo cio ve lho guardo da Porte Ia. É um conjunto de antigos compositores que j6 gravou discos e part icipa até das paradas de sucesso, como acont eceu com o samba Quantas lógrimas, gravado por Cristina Buarque de Holanda, de autoria de um membro do velho guardo do escola, Manacéia. Alvaiade é uma espécie de lide r do grupo, jó que na Portei a ocupou posições de chefio durante muito tempo. Muitas das suas músicas (O que vier eu traço, Marinheiro de primeira viagem, etc.) foram gravadas e chegaram a se tornar conhecidas do grande público. É um dos lundadores do União> Brasileiro dos Compositores, onde seu apelido chegou até a causar confusão. É que ele fazia vales de cinco mil réis e assinava Alvaiade. Um dia, o tesoureiro da entidade chamou o presidente. Alberto Ribeiro, e reclamou: - Não é possivel se gostar tanto dinheiro com Alvaiade. É para pintar o quê? Alvaiade conta agora um pouco da história do glorioso Escola de Sambo Portela. - Desde quando você est6 metido em sambo? ALVAIADE - Desde 1928. Naquela época, o Paulo da Portela morava na Estrado da Portela, 276, que era um correr de casa que tinha o opel ido de Barra Preto. Eu morava na Rua B, em Oswaldo Cruz, e tinha um bloco carnavalesco por 16. E o Paulo me convidou para a Portela. - O seu bloco era grande? ALVAIADE - Pequeno. Eramos eu, o lalecido Brasileiro, o Zé Cachacinha, o Alvarenga, um grupo pequeno. O Alvarenga j6 pertencia à Portela antes de mim. - Como é o seu nome, Alvaiade? ALVAIADE - Oswaldo dos Santos. Nasci o 21 de novembro de 1913, aqui no Estrado do Portela. - Quando você entrou para a Portela jó era compositor? ALVAIADE - Não. eu acompanhava o pes-
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soaI, fazia um centro no cavaquinho, cantava, etc. Depois é que comecei a fazer música. - A primeiro vez que você saiu com a Por· tela jó loi poro destilar no Praça Onze? ALVAIADE - Não. A primeiro vez loi poro participar de uma roda de samba em Bento Ribeiro, no casa do Paulo de Bento Ribeil"o. Ali6s, o razão do Paulo da Portelo ganhar esse nome foi justamente por causa do Paulo de Bento Ribeiro, que também era de samba. - Como é que o Paulo do Portelo trotava os mais novos como você? ALVAIADE - O Paulo era uma ligura humana foro de série. E muito observador. Eu era muito garoto naquela época e ele chegou até a me entregar certas responsabilidades dentro
da escola, como a de substituí·lo de vez em quando, na sua ausência. Quando ele ia para São Paulo, mais tarde, com o Cartola e o Heitor dos Prazeres, quem preparava a escola era eu, como chefe interino, além do Ventura e o AI· cides, que eram os diretores de harmonia. Quando ele chegava era só para comandar a escola. - Ele chegou até apontar você como subs· tituto dele, não foi? ALVAIADE - Foi. Ele sempre dizia poro os visitantes que iam à Portela: "Este aqui é o pequeno que me substitui". Aquilo me dava muito entusiasmo. A minha prova de fogo foi em 1934. Foi uma festa na Portela e recebemos a visita de uns doutores, coisa muito rara na época numa escola de samba. E fui quem recebeu o pessoal. Depois foi num batismo de uma escola de samba ló na Botija. Fui incluldo na delegação da Portela mas como um simples integrante. Quando soltamos do bonde, o Clóudia de Quintino me lalou: "Olho, Alvaiade, o Paulo disse pro você fazer a cerimônia" . Ai, tomei as medidas. Formei a rapaziada, tiramos um samba quando chegamos, houve aquela troca de gentilezas, aquela coisa toda. Eu sei que fui bem porque o CI6udio de Quintino me deu os parabéns depois.
Paulo do Portela: ~~J7 ou partir sem brigo:' Alvaiade: ~~Sejafelis com seu novo amor:' -- o
Paulo era boa praça. mas era muito exigente também. não é isso? Principalmente com a roupa. ALVAIADE - É verdade. Ninguém podia se apresentar com chinelo charlote porque o Paulo não gostava. O pessoal da Estácio. por exemplo, - e isso não é querer falar mal, mas falar a verdade - apresentava-se muito bem, com ternos carlssimos. Mas de chinelo charlote no pé e lenço no pescoço. O pessoal da Portela. não. A gente tinha que andar de sapato e gravata. O Paula dizia assim : "Quero toda mundo com o pé ocupado e pescoço também". Quer dizer: sapato e gravata. Por sorte, a nossa rapaziada quase não bebia. A gente era diferente das outras escolas. - Como é que foi a briga do Paulo com a Portela? ALVAIADE - Nesso época - foi no carnaval de 1940 - eu estava chefiando a escola na lugar do Paulo, que estavo em São Poulo com o Cartola e o Heitor dos Prazeres. Ele chegou na hora em que a escola estava formada para desfilar na Praça Onze e queria que os companheiros dele desfilassem também. Mas o problema é que eles estavam com uma fan· tasia preta e branca e o pessoal da diretoria achou que não era direito. Se o Paulo quisesse desfilar, tudo bem. Mas os seus companheiros é que não podiam. - Toda a diretoria pensava assim? ALVAIADE - Toda. Ainda dissemos pro ele que os companheiros dele podiam entrar na escola, mas s6 depois que passasse pela camissão julgadora. Chamamos o Manoel Bom Bom Bom e ele repetiu para o Paulo a mesma coisa. AI, o Paulo disse: " Se eles não podem entrar eu também não entro". O Manoel Bom Bom Bom levantou a corda - naquela época as escolas desfilavam com corda - e falou: "En· tão, você não desfila. Pode sair". O Paula saiu e nunca mais desfilou pela Portela. - Mas ele nem visitava a escola? ALVAIADE - Oito dias depois, a gente es·
tava comemorando a vit"ória da Portela lá na sede. E o Paulo apareceu com um pessoal da Mangueira. Me lembro que ele estava com o Cartola e o Chico Porrão. Ele estava esquisito. de um ieito que eu não tinha visto assim. Acho que tinha tomado umas e outras. ele que não era de beber. Eu sei que chegou na Portela, trepou na mesa e começou a fazer um discurso: "Vocês crianças. vocês ursos". não sei o quê. falando coisas que não eram do feitio dele. Até os parentes deles ficaram revoltados com a situação. Eu ainda pedi a palavra tentando contornar o problema, mas havia uma grande revolta. Sai mos dali e fomos para uma 6rea, onde é hoje o botequim do Nozinho, irmão do Natal, e o Paulo puxou um samba da Man· gueira: "Vou partir sem briga" e não sei o que mais. Eu ai puxei um samba assim: "Seja feliz com o seu novo amor Porque eu vou procurar o meu bem-estar Pode arranjar quem você quiser 56 peço pro de mim esquecer, mulher'". É um scrnba do Nijinha, o autor de Senti· mentos que o Paulinho da Viola gravou. Mas o ambiente não estava bom. não. E o pessoal da Mangueira percebeu isso. Me lembro até que o Chico Porrão falou assim pro mim: "Alvaiade, eu não tenho um alfinete pro me defender'" . Eu falei pro ele assim : "Não tem nada, não. Aqui você est6 como se estivesse em sua própria casa". Mandei um componente da Portela ir até Madureira buscar um carro, mas naquela altura tinha gente a fim de pegar alguém, não sei se o Paulo ou o pessoal da Mangueira. Quando o carro chegou, botei a rapaziada lá dentro e lui em pé, no estribo, até 16 fora protegendo eles. Na volta, veio uma porção de gente em cima de mim me espinafrar porque eu protegi o pessoal. O Paulo saiu e a Portei a passou sete anos ganhando os desfiles na Praça Onze. Ele nunca se esqueceu da Porte lo. Muitos vezes a gente ficava conversando em cima da ponte de Oswaldo Cruz e ele perguntando como é que ia o negócio. aquelas coisas. Ele estava no Escola
Chico Santana e Alberto Conoto
Manacei
_ incoln
Paulo da Portela morreu no ano em que ia voltar.
Paulo .da - Mas havia aquele negócio de que sambis· ta era sinônimo de marginal. ALVAIADE - Havia. Inclusive falavam isso da Portela. que é uma escola da planlcie. Mas
conosco nõo havia problema. - Você se lembra dos seus primeiros sam· bas para a Portela? ALVAIADE - Mais ou menos. Acho que era um assim:
de Sambo lira do Amor mas não esquecia a nossa escola. No ono em que ia voltar, morreu. Você chamava o Paulo de você ou de
senhor? ALVAIADE Você mesmo. Era o Mano Paulo. - Havia mui t a gente na Partele no inicio da
escola? ALVAIADE - Não_Houve um ano, não sei se 1931 , ou 32 , não me lembro, que Qcontectlu um negócio que nunca mais me esqueci. Nós fomos
descer pro desfilar no Praça Onze e fomos pegar o trem na estação de Dono Clara. O Rutina, que era o tesoureiro , pagou 90 passagens. E se queixou: " Meu Deus, isso não é mais uma escola de samba, é um rancho. Nunca vi tanta gente numo escola de samba!". - ~ verdade que no inicio eram homens que
desfilavam vestidos de baianas? ALVAIADE - ~. Nós não tlnhamos baiQnas no início. Quem saia de baiana era O elaudi~nar, o Boaventura, o Manoel Bom Bom Bom, o Antônio Mestre-Sala e outros. Era um grupo de homens que saia de baiana. - Mas não tinha mulher na Portela? ALVAIADE - Tinha, não solam de baiana. Quando a gente ia. por exemplo. a uma ba· talha de confete. o próprio Paulo ia de casa em casa pedir consentimento às famUias para levar suas moças com a escola. Depois en· tregava todas elas em -suas casas. Éromosuma familia.
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Meu amor Não me maltrate assim Meu bem Não sei o mal que te fiz Agora sei que me odeias Mas algum dia Ainda espero ser feliz
Me lembro de outro também que fiz baseado nos vendedores que corriam os trens vendendo tudo. Bala, jornal. etc. Conhecia até alguns pelo nome, como o Cheiroso. Era assim: Baleiro Balas a dez, um tostão Queijeiro Queijo de Minas é bOJl'
Jornaleiro Meu Deus do céu que maçada Ele vem gritando Diário da Noite Olha O Globo e Vanguarda Chegou o Cheiroso Tem a descrição encerrada - Além de dirigente da escola, o Manoel Bom Bam Bom também foi mestre-sala, nõo é
isso? ALVAIADE -
Ele foi o primeiro mestre-sala
da escola. Foi mestre-sala 24 on05. A primeira porta-bandeira foi a falecida Broulino. - Qual foi a primeira vez que a Portei o desfilou no Praça Onze cantando um sambo seu? ALVAIADE - Foi em 1934, mais ou menos_ Eu 56 queria saber Porque tu és tão fingida assim Deves bem compreender
o
compositor e panderista AI·
berto Lonato ingressou na Portela em
1940. Mas ele assistiu às
primeiras reuniões visando à criação da escola. ALBERTO LONATO - ~ que os criadores da Porlela fundaram a escola aqui mesmo em Oswaldo Cruz. mas faziam suas reuniões, multas vezas, nupaa casa em que fui criado, em Qulntlno Bocaluva, na Rua Qulntão, 363.
- Era casa de quem? ALBERTO LONATO Era da falecida Madalena Rica. - Quem é que comparecia às reuniões? ALBERTO LONATO - O Paula da
Portela, o Heitor dos Praxeres, o Licurgo, o Claudlanor, o Zé da Caso ta e vórios outros que não me Iam.. bro. Jó faz multo tempo. - Em que época foi Isso? ALBERTO LONATO Foi mais ou menos em 1928. Entre 1928 e
Ora meu bem Eu 56 amo o você A mais ninguém Ai, o pessoal fazia improviso. Naquele tempo, não havia segunda parte feita. Havia os versantes. como o Joõo da Gente que até foi ap<\Jidado de Gog6 de Ouro. O Claudionar, o Ventura também eram grandes improvisa-
dores e geralmente era o pessoal da direção de harmonia que fazia isso. O Claudionor e o Ventura eram da harmonia. - Você também foi diretor de harmonia? ALVAIADE - Eu fui chefe de conjunto quase vinte anos. E dentro dessa função eu fazia tudo. O chefe de conjunto era o responsável pelos ensaios de um modo geral. Era uma espécie de diretor de harmonia. Tinha que ter noção de bateria, examinar vozes, tudo isso. Eu era o homem de sete instrumentos na Portela. Recebia visitas em nome da escola, visitava as co-irmãs, tudo isso eu fazia. E fazia discursos também. O Paulo fazia discursos. Ele era bom orador? ALVAIADE Puxa, ele tinha o dom da palavra. E era de uma gentileza de deixar todo mundo pasmado. - Naquele tempo que o Portela iniciava você j6 era um camarada conhecido no meio do sambo? ALVAIADE - Bem, o que me fez mais co· nhecido foi o futebol. Aliás, foi no futebol que ganhei esse apelido de Alvaiade. Joguei na in· fantil da Portei a, depois passei para o segundo quadro e acabei no primeiro. Em 1935 eu es· tava jogando no primeiro time da Associação Atlética Partuguesa. Em samba eu apareci mais por causo do minha função de organizador. Minha maior preocupação era lançar os novos compositores. Esses novos compositores são os velhos de hoje: o Manacéia, Walter Rosa, Candeia, Chico Santana e muitos outros. Houve uma época que combinei com os compositores que cada um Sõ podia lançar duas músicas por ano. Todo mundo cumpriu. Mas
1930. Foi dali que saiu a Vai Como Pode. E par que Iam lustamente
naquela casa? ALBERTO LONATO - O pessaal do samba estava sempre 16. Gente do Estóclo, da Mangueira. aquela gente. A Madalena era uma Mãe de Santo multo respeitada. Era conhecida como Madalena Xangô de Ouro. O Zé Esplnguela também la muito ló. Conheci multo ele. Outro que la ló: o Plxlngulnha.
houve um ano que o Chico Santana encontrou comigo na padaria e me trouxe um problema. Ele jó tinha apresentado os seus dois sambas mas tinha um terceiro que não queria deixar de lodo. Me contou o sambo e eu gostei. Fiquei em dúvida e acabei quebrando o protocolo. Afinal, ele podia morrer ou eu - e o sambo ficaria esquecido. Hoje, o samba é consiaerado, oficialmente, o hino oficial da Portela: Portela Suas cores tem Na bandeira do Brasil E no céu também Avante portelense Paro vitória Não vê que seu passado É cheio de gl6ria Eu tenho saudade Desperta oh grande mocidade - Nos primeiros tempos onde era mesmo a sede da Portela? ALVAIADE - Ora, a sede. A sede? Bem, às vezes a Portei a ensaiava na casa do Benido. No carnaval, saia da casa do Caetano ou da casa do Rufina. Mais tarde é que alugamos uma casa na Estrada da Portela, onde é hoje o bar do Nozinho. Tinha uns 20 metros qua· drados e era ali que a gente ensajava. - E a famosa jaqueira da Portela? ALVAIADE- Era num terreno na esquina da Estrada da Portela com a Rua Joaquim Tei· xeira. De fato, o pessoal ia pra ali, debaixo da jaqueira, cantar samba. Mos não era na sede do Portela, não. Bem, espera af, agora eu me lembro, ali onde é hoje o bar do Nozinho tinha uma jaqueira, sim. - Depois do Manoel Bam Bam Bam, quem ficou de mestre-sala na Portela? ALVAIADE - O Antônio, que também ficou muito tempo. Aliás, tanto o Antônio quanto o Manoel já são falecidos. Depois dos dois, apareceram outros, mas não ficaram muito tempo, não.
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LEIA
E
SAIBA O QUE VOCÊ VAI OUVIR.
OUÇA Quitandeira (Paulo da Portei a) Era um samba inédita de Paula da Portei a (Paulo Benjamim de Oliveira) até 1974, quando a compositor Alvaiade, também do Portei o, lembrouse dele ao participar de uma gravação de um lP feito por Discos Marcus Pereira. O próprio
Alvaiade conta na gravação a história desse samba. Macunaíma (David Correio e Norival Reis) Samba-enredo do Portela de 1975, pode ser
apontado como um simbolo desse tipo de samba dos anos 70, no qual os compositores aplicam todos os recursos para torn6-lo capaz de fazer a escola desfilar sem deixar de ser um sucesso comercial. Canto no disco que acompanho o fasciculo o conjunto Os Pagodeiros do Largo do Est6cio_ Heróis da liberdade (Silos de Oliveira, Mono Décio do Violo e M. Ferreira) - Um dos mais
belos sambas-enredo de todos os tempos. Foi apresentado pelo Escola de Sambo Império Serrano no carnaval de 1969 e reúne pelo
menos dois dos reis do samba-enredo: Silos de Oliveira e Mano Décio da Viola. J6 mereceu várias gravações e a escolhida por nós foi a de Jorge Goulart. O Saber Poética da Literatura de Cordel (Baianinho) - Outro clássico do gênero samba-enredo, embora tenha sido apresentado por uma escola não incluida entre as maiores, a Em Cima da Hora, do bairro de Cavalcante, no carnaval de 1973. É o pr6prio Baianinho (El6dio Gomes) quem est6 cantando. Chica da Silva (Noel Raso de Oliveira e Anescarzinho) A Escola de Sambo Acadêmicos do Salgueiro, que desde 1960 apresentava inovações em seu desfile, viu todas as suas experiências vitoriosas no carnaval de 1963, quando apresentou o enredo "Chica da Silva". O samba mereceu nota dez tanto na letra como na melodia. O cantor é Noel Rosa de Oliveira. Bahia de Todos os Deuses (Balo e Manoel) O Salgueiro voltaria a ser campeão em 1969 pela terceira vez com ajuda desse animadls-
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simo samba-enredo que contou também com várias gravações. Um dos seus autores, o engraxate Bala , foi inclusive homenageado pelo Governo da Bahia, por ter cantado tão bem aquele Estado. O cantor Jorge Goulart, que desde 1965 participo das desfiles " puxando" os sambas-enredo, é o intérprete escolhido para Bahia de Todos os Deuses. Não Quero Mais Amar a Ninguém (Cartola, Carlos Cachaça e Zé do Zilda) - Em 1936, O escola de samba campeã foi a Unidos da Tijuca, atualmente desfilando entre as escolas do segundo ·grupo. Mas o prêmio de melhor samba foi atribuido à Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira pelo samba que cantou e que na época tinha o nome de O Destino Não Quis. Várias gravações foram feitas desse samba: - às vezes chamado de Primeiro Amor - que tem na segunda parte versos que o escritor Rubem Braga encontrou conotações shakespeareanas:"Semente de amor/Sei que sou desde nascença". A gravação utilizada foi o de Pau linho do Violo, feita em 1973, com o nome de Não Quero Mais Amar a Ninguém. Festa da Cirlo de Nazaré (Dario Marciano, Aderbal Moreira e Nilo Mendes) - Outro sambo de 1975. Foi apresentado pela Escola de Samba Unidos de São Carlos e provocou protestos de autoridades eclesiásticas do Pará. que consideraram um desrespeito tentar reproduzir no carnaval carioca a procissão do Orio de Nazaré, de Belém. Chegaram até o pedir ao então Governador Chagas Freitas que impedisse a salda da escola com aquele enredo, mas não foram atendidos.
QUITANDEIRO Quitandeiro Leva cheiro e tomate Na casa da Chocolate Hoie vai ter macarrão Prepara a barriga
Macacada Que a bóia está enfezada E a pagode fica bom Chega só 30 litros de uca Para fechar a mutuca Desses negos beberrão Chocolate Tu avise à crioula Que carregue na cebola E no queiio parmezão MACUNAíMA Portela apresenta Do folclore tradlçães Milagres da sertão, a mata virgem Assombrada com despertações E a rainha mãe da mata Macunaíma fascinou Aluar se fez poema Com seu filha encantado Pais a maldição levou Macunaína. índio branco. catimbeiro Negro sonso, feiticeiro Mata a cabra e dá a nó Se em forma de estrela A Macunaíma dá O talismã que ele perde e sai a vagar Canta o irapuru e encanta Liberta a mágoa do seu triste coração Negrinho da Pastoreia Foi a sua salvação E derrotando o gigante Era uma vez Piamã Macunaima volta como Ulraqultã Malupiara na luta e no a.m or Quando sua pedra para sempre O moço levou O nosso her61 assim cantou Vou-me embora. vou-me embora Eu aqui volta mais não Vou morar na Infinito E virar constelação
HERÓiS DA LIBERDADE
ô
õ õ ô liberdade, Senhor Passava noite vinha dia O sangue do negro corria Dia a dia De lamento em lamento De agonia em agonia Ele pedia O fim da tirania lá em Vila Rica Junta ao largo da Bica Local da opressão A fiei maçonaria Com sabedoria Deu sua decisão Com flores e alegria
Veio o Abolição
Chica da Silva
A independência Laureando seu brasão
Surgiu no seio
Ao longe, soldadas e tambores Alunos e professores
O contratador João Fernandes de Oliveira A comprou Para ser a sua companheira E a mulata que era escrava Sentiu forte transformação Trocando o gemido da senzala
Acompanhados de clarins
Cantavam assim Já raiou a liberdade A liberdade já ralou Essa brisa Que a juventude afaga Essa chama
Que o ádio não apaga Pelo universo É
a evolução
Em sua legítima razão
Samba, oh! s"mba Tem a sua primazia
Vem gozar de felicidade Samba oh! samba Leva esta homenagem
Aos heráis da liberdade Õ ô ô ô liberdade, Senhor Saber Poético da Literatura de Cordel
Pela fidalguia do salão Com a influência e o poder do seu amor Que superou A barreira da cor Francisca da Silva Do cativeiro zombou ô ô ô ô
Ôôôôôôôôôôô No Arraial do Tijuco Ló no Estado de Minas Hoje lendária cidade Seu lindo nome é Diamantina Onde viveu a Chica que manda
Deslumbrando a sociedade Com orgulho e o capricho da cidade Importante, maiestosa e inveíada Para que a vida lhe tornasse mais bela
João Fernandes de Oliveira Era uma vez Era assim que começava
Mandou construir
Eu era menino, hoje re.ordo As histórias que vovô contava O Pavão Misterioso Que Evangelista mandou construir Com seu talento conquistou Ô Ô Ô A filha do conde seu amor Quem é que não se lembra O conto do Boi Mandingueiro Quando falava o seu nome Vaqueiro tremia de medo Se amansasse o boi Tinha um premio em dinheiro E também casava Com a filha do fazendeiro O padre Ciço de Juazeiro Homem de bom coração Sempre lembrado pelo povo cristão
Para conduzi-Ia Quando ia assistir À missa na Capela
Vamos cantar, minha gente
Preste atenção no refrão Viva o poeta Violeiro lá do sertão ~ boi ê ê boiada
É mandingueiro, gente É vaqueijada CHICA DA SILVA Apesar
De não possuir grande beleza
NÃO QUERO MAIS AMAR A NINGUÉM
Da mais alta nobreza
Um vasto lago e uma belíssima galera
BAHIA DE TODOS OS DEUSES Bahia
Não quero mais amar a ninguém
Não fui feliz O destino não quis Meu primeiro amor Morreu como a flor
Ainda em botão Deixando espinhos Que dilaceram O meu coração Semente de amor Sei que sou desde nascença Mas sem ter vida e fulgor Eis minha sentença Tentei pela primeira vez Um sonho vibrar Foi beiio que nasceu e morreu Sem se chegar a dar Não quero mais, etc.
Às vezes dou gargalhada Ao lembrar do passado Nunca pensei em amor Nunca amei
Nem fui amado Se julgas que estou mentindo Jurar sou capaz Foi simples sonho que passou E nada mais
FESTA DO cíRIO DE NAZARÉ Mês de outubro Em Belém do Pará São dias de alegria e muita fé
Os meus olhos estão brilhando
Começa com extensa romaria matinal
Meu coração palpitando De tanta felicidade
O Cirio de Nazaré
és a rainha da beleza universal
Minha querida Bahia Muito antes do Império Foste a primeira capital
Preto Velho Benedito já dizia Felicidade também mora na Bahia Tua histária, tua glária Teu nome é tradição Bahia do velho mercado Subida da Conceição és tão rica em minerais Tens cacau, tens carnaúba Famoso iacarandá Terra abençoada pelos deuses
Que maravilha a procissão E como é linda a Santa em sua berlinda E o romeiro a implorar
Pedindo à Dona em oração Para lhe ajudar Oh! Virgem Santa Olhai por nós Olhai por nás Oh I Virgem Santa Pois precisamos de paz
Em torno da Motriz As barraquinhas com seus pregoeiros
Moças e senhoras da lugar Três vestidos fazem para se apresentar Tem o circo dos horrores
E a petrálea a jorrar Nega baiana Tabuleiro de quindim Todo o dio ela está Na Igreja do Bonfim
Berro-boi, roda-gigante
Comidas tipicas do Estado do Pará
Na ladeira tem, tem capoeira Zum zum zum zum zum zum Capoeira mata um
Tem pato no tucupi Mucuã e tacacá Mariçoca e tucuman
As crianças se divertem Em seu mundo fascinante E o vendeiro de iguarias a pronunciar
Açai e aluá