História das Escolas de Samba (Fascículo 4)

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comémum

DIJCOLP

• • • LIV.

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Raul Marques é um exemplo típico das gerações pioneiras de compositores de escolas de samba_ Ao mesmo tempo em que permanecia nas escalas, empurrava suas músicas em gravações comerciais, através dos melas aa seu alcance: ou as entregava diretamente aas cantares que iriam gravó-Ias au as vendia a pessoas que tinham acessa aas cantores da época ou c1Is gravadoras. Nõa fai apenas cama compositor que desfrutou dos benefícios profissionais que a ascensão das escolas de samba possibilitava. As gravadoras foram buscar no seio dos próprias escolas os instrumentistas de que necessi· tavom para as gravações de samba. E Raul Marques foi um

dos ritmistas mais requisitados, fazendo uma carreira tão longo quanto vitoriosa. Nascido no dia 24 de agosto de 1913 no Rio de Janeiro (bairro do Saúde), Raul Gonçalves Marques teve !J sua fase óurea como compositor nos anos 40: eram de sua autoria cerca de oitenta por cento dos sucessos do cantor Jorge Veiga. Como ritmista, além de participar de gravaçães de disco, integrou vórios grupos, cama o "Favela", criado pela cantor Francisco Alves e que mais tarde, com a incorporação do Trio de Ouro, passou a chamar-se "Chico, Trio de Ouro e Escola de Samba". Pouco depois, Raul Marques participou de um grupo de sambistas liderado pelo grande compositor Geralda Pereira.

um velho sambista da Saúde


- A Saúde é um bairro muito importante na formaçõo do samba carioca e você foi menino por 16. Qual é a primeira lembrança que você tem de samba na Saúde? Raul Marques - Eu me lembro até do samba. Era muito cantado na Saúde quando eu era menino : Eu vivo na orgia Paro nõo pensar na vida O meu coraçõo est6 ferido Por causa de uma fingida - Você se lembra quem era o autor? Raul Marques - Não , eu não me lembro. Aliós , eu tenho a impressão de que es se sambo veio 16 do Estócio. - E você se metia em samba quando era garoto? Raul Marques - Eu andava me intrujando. sim . Onde tinha sambo eu estava. Na Praça Onze mesmo, eu me metia naquelas batu~ çadas . O pessoal livrava a minha cara porque ' eu ero garoto, mas eu me metia. Quer dizer: as batucadas pesadas mesmo, eu s6 ficava olhan do. Eles cantavam uma música assim : Mandei carimbor meu dinheiro Na perna de um batuqueiro - Você s6 começou a compor depois que entrou em escola de samba? Raul Marques - Não. Antes eu jó fazia os meus sambinhas. Mas os que ficaram mais . conhecidos . pelo menos no meio dos sambistas, s6 nasceram depois que entrei para a Escola de Samba Unidos da Saúde. A escola foi ganhando projeção e eu também. O meu primeiro sucesso chamava-se O amor que não morreu. - A segunda parte desse samba é do Cartola, não é? Raul Marques - É dele. sim. - Como foi que vo cê entrou na Escola de Samba Unidos da Saúde? Raul Marques - Bem , eu morava na Saúde. Então o rapaziada do bairro resolveu fazer uma escola de samba. Eles falavam assim : " Tem escola de sambo no Estócio, na Mangueira . numa porção de lugar, a gente tem que fazer uma aqui no Saúde". - Quem era o líder da rapaziada? Raul Marques - Era o Mestre Juquinho, um elemento animadissimo, uma coisa extraordin6ria. sabe? Ele era diretor de um clube de futebol . chamado Os Veteranos da Saúde Futebol Clube. Era um time ex traordin6rio. que deu muitos craques, sabe? Foi o Juquinha que começou a correr listas pelo bairro, recolhendo dinheiro dos moradores, justamente para fundar a escola de samba. A escola acabou nas-

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cendo. Naquela época eu jó tinha uns sambinhas que cantava para a rapaziada. Ai , o Mestre Juquinha falou comigo: " Você quer saber de uma coisa? Você vai ser o compositor da Unidos da Saúde ." Eu nem sabia direito o que era ser compositor de escola de samba. Mas depois pensei assim : se eu canto pro rapaziada no esquina, posso contar no escola de samba. - Você era s6 compositor do escola? Raul Marques - Não, eu era também diretor de harmonia. Cheguei 16 e fui ensaiando as cabrochas e o rapaziada. No carnaval a gente estava desfilando na Praça Onze. Você ficou muito tempo na Unidos da Saúde? Raul Marques Fiquei dois anos. Pouco depois, nasceu a União Barão da Gamboa. O pessoal que fundou era todo meu amigo. Eles falaram assim : " Você jó 'desfilou este ano pela Unidos do Saúde, no ano que vem vai sair pela nosso escola". A Vizinha Faladeira nasceu antes ou depois da Unidos da Saúde? Raul Marques - Depois . Eu também andei freqüentando a Vizinha Faladeira . . - Mas você não pertenceu à Vizinho Fa· ladeira. Raul Marques - Não. Mas andei muito por 16, porque a rapaziada era toda conhecida e me chamava para cantar samba. Na União Barão do Gamboa, sim. l6 eu fiquei pertencen~ do à escola uns dois ou três anos. Depois vO'ltei para a Un idos da Saúde. Mas a volta foi r6pida . Logo em seguido e u fui paro o Recreio de Ramo s. - Quem foi que te levou pro 16? Raul Marques - Fo i o Ernani Silva, o Sete. Nós tfnhamos uma parceria, coisa e tal. e ele acabou me levando pro 16. era uma turma boa : o Sete, o Manga. o Sagui , o Mano Décio da Viola , o Armando Marçal que era irmõo do Manga, uma turma muito boa. O atual pre· sidente da Associação das Escolas de Samba. o Amauri J6rio, também freqüentava a Recreio de Ramos. S6 que ele era rapazote ainda. Você ficou muito tempo no Recre io de Ramos? Uns três anos. Depo is o Raul Marques Mano Décio do Violo me chamou e chamou o Sete e falou assim : " O caso é o seguinte : eu estou com uma rapaziada muito boa na Prazer da Serrinha. Vamos pro 16?" E n6s fomos . A gente também j6 se dava com O pessoal da escola, o Mestre Fuleiro, aquela rapaziada . Fiquei 16 uns dois anos.


Você viveu muito tempo como ritmi ~ta profissional. Nessas escolas todas que você andou , tocava algum instrumento de bateria? Raul Marques - Tocava. Tocava tudo: surdo, tamborim , reco-reco , tudo. Nos desfiles da Praça Onze eu sempre aparecia com o meu tamborim debaixo do braço. Ficava um pouquinho na bateria e depois ia 16 pro frente puxar o samba. Ficava rodando pro frente e pro trós. - Você começou a gravar muito cedo. Como foi que conseguiu isso? Raul Marques - Bem, eu era das escolas de samba mas andava c6 embaixo, no Praça Ti radentes , nos cafés, por ali. - Quem foi que te introduziu no chamado meio artlstico? Raul Marques - O Bucy Moreira. O Bucy foi um cidadão que me ani mou muito nesse negócio, coisa e tal. Acabei entrando em contato com os cantores, gente de gravadora e tive muita sorte: sempre gravei com facilidade. - Você quando começou , transava com o pessoal do Estócio? Raul Marques - Transava. Eu conhecia bem o Bide, o Baiaco, o Brancura, o Brinco, o próprio Ismael Silva. Tinha também o Nelson Cavaquinho. - Que não deve ser esse de agora. Raul Marques - Não. Era outro que andava sempre por 16 contando sambas nos esquinas e nos botecos. Fazia também uns improvisos muito bons. Depois' ele sumiu, nunca mais vi esse rapaz. Ele era bom de samba e de cavaquinho, mas não sei que fim levou . Outro camarada com quem eu me dava no Est6cio era o Tibério, um sambista de ló. Ti nha o China, um compositor e batuqueiro. Eu me dava com o pessoal do Eslócio e de fodo lugar. - Você conheceu o pessoal do Portela? Raúl Marques - Puxa! O Paulo da Portela, por exemplo, era uma grande pessoa! Era uma co isa extraordin6ria em todos os pontos de vista. E o pessoal que gravava, como é que tratava vocês de escola de samba? O Noel Rosa, por exemplo? Raul Marques O Noel tratava a gente bem. Ele quando estava naquelas rodinhas na Lapa eu me metia também, entendeu? Eu cantava os meus pogodezinhos, mas o maioral mesmo era o Noel Rosa. O Bucy Moreira estava sempre comigo. Você começou a trabalhar desde cedo como ritmista de gravação? Raul Marquei Muito cedo. Comecei a trabalhar com o Mister Evans, que era diretor

arllstico da RCA Victor. Trabalhei muito com a Simão Boutmann também. Gravei muito com o Carmem Miranda na Odeon. - Quais eram os croques do ritmo, os caros que estavam em tudo que era gravação? Raul Marques - O Bide, o Armando Março!. o Woldemar Silvo, o Bucy Moreira, eu mesmo, o falecido Chico da Marcelina e o Baiaco, de vez em quando. Os mais asslduos eram o Bide e o Marçal. - Como compositor, qual foi o seu primeiro sucesso? Raul Marqüe. - Foi um samba gravada pela Castro Barbosa: Eu e você, você e eu A nossa dupla vai ser um sucesso Você no pandeiro Eu no tamborim Você conto o coro E deixo os versos para mim Esse sambo eu contei muito na Escola de Samba Rec reio de Ramos. - Você gravava mas continuava nas escolas de samba? Raul Marque. - Ficava ló e có. Fim de semana eu ficava nas escolas de samba. - O Miguel Baúza comprou muitos sambas seus. Como foi que você o conheceu? Raul Marque. - Ele morava ali por perto da Central do Brasil e eu também andava por 16. Ele sempre falava comigo: " Puxa Raul. eu também sou da Favela, sou do samba. A gente podia fazer uma parceria". Eu protelava sempre. Foi o Bucy que falou comigo para transar co m o Baúza, dizendo que ele era boa praça, aquelas coisas . Que ele gostava de entrar no samba dos outros mas que soltava uma nota. " Então, t6 bom", respondi . AI , eu cantava uns sambas e ele dizia : " Poxa , deixa eu entrar 01 também". Não tinha conversa, eu deixava logo : " ~ nosso desde jó". Ele 01 soltava vinte, trinta mil réis na hora. - O que o Baúza era no vida?

Raul Marque. - Era tudo. Era cambista de porto de teatro, chefiava claque nos teatros do Praça Tiradentes , fazia tudo. Às vezes o gente estava sem dinheiro e o Bucy me falava : " Pre· cisamos fazer um samba para levantar uma nota do Baúza". A gente ia encontrar com ele e não dava outra coisa : era só contar que o dinheiro vinha. Às vezes a gente até fazia samba de improviso e o negócio dava certo. - Ele também era metido a cantor, não é is· so? Raul Marquei - Isso mesmo. Pro ele com· prar os sambas mais rapidamente, eu e Bucy

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I falávamos pro ele: " Este é pro você gravar. S6

você pode conto r esse samba". Ele ficava todo bobo e soltava logo o dinheiro. Ficava todo entusiasmado: " Eu canto mesmo. Eles podem falar o que quiserem , que eu canto mesmo". Eu e Bucy apoióvomos: " Isso, Baúza, você canta muito bem. Principalmente um samba como este·· . A gente ia ali pro lado da estátua na Praçp Tiradentes, ensaiava bastante o sambo até ele aprender. Depois, ele perguntava : " Como é que ficamos?" " Foz o seguinte, Baúzo : solta dez pro mim e dez pro Bucy e a samba é todo seu. A gente nem quer entrar porque este

sambo é exatamente do seu estilo". Nõo falhava uma. Ele 56 fazia uma recomendação : " Não canta pro ninguém" . - Ele comprova samba de outros também? Raul Marques - Comprava. Mas antes, eu e Bucy éramos consultados. Ele 56 comprova os que nós recomendávamos. Ele só confiava em samba dos outros quando eu e Bucy colocávamos a segunda parte. Quando a gente estava muito sem dinheiro e aparecia um compositor querendo vender um samba pro 'Baúza, a gente falava : " O samba está bom, mas precisa de uns retoques". E ele dizia: " Vocês estõo aí pra quê?" Havia outro que comprava samba de vocês também, não havia? Raul Marques - Ah! O Cesar Brasil! Aquele também ero firme . Ele era gerente de um hotel na Rua Frei Caneca e descobrimos que o fraco dele era querer ser compositor. Queria ser sambista a pulso. Ele também só confjava em mim e no Bucy. Qualquer sambista que aparecia querendo vender música, ele falava : " Procura o Bucy ou o Raul na Praça Tiradentes" . Ele chamava todo mundo de aleijado: ·' Aquele aleijado veio me mostrar um samba que era uma porcaria. Agora que vocês mexeram é que ficou bom". - Mas ele não compunha nado? Raul Marques - Nada ! Uma vez apareceu um cara com uma letra sobre o petróleo descoberto em lobato, na Bahia. Ele oi se meteu a completar o letra e fez um troço assim: " O petr61eo do Lobato I Está cheio de salpicato" . Eu e Bucy caímos na gargalhada : quá quá qu6 quá. Ele perguntou : " De que é que vocês estão rindo?" " Nado , é que achamos interessante essa palavra que você colocou ". - Ele pagava bem a vocês? Raul Marques - Pagava iguala0 Baúza. De vez em quando ele deixava os sambistos dorm i rem no hotel como pagamento pelos sambas

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que comprava. Tinha uma turma que de vez em quando dormia lá de graça : Wilson Batista, Arlindo Marques Junior, Ataulfo Alves, Jorge Faraj , todo mundo ia pro lá. Todo mundo vendia samba 00 Cesar Brasil? Raul Marques - Toda mundo. Me lembro até de um samba que o Zé Pretinho vendeu pro ele que já estava gravado. O Zé Pretinho chegou com aquela conversa : " Poxa Cesar, não deu pro seu nome sair no disco. Mas na próxima gravação do samba o seu nome vai entrar. Pode deixar" . E o Cesar Brasil acreditando, deu-lhe uma nota de dez mil réis. O Jota Piedade, meu Deus do céu, o Jota Piedade dava pontapé no Cesar de tudo que era maneiro. Às vezes a gente estava conversando no hotel e tocava um samba qualquer no rádio . " Está escutando, Cesar?" o Jota Piedade perguntava. " Estou , aliás é muito bonito". " Então, desde já , você é meu parceiro nela". E levava uma grana por um samba que o Piedade nunca tinha ouvido. - O Cesar Brasil se dava bem com o Miguel Baúza? Raul Marques - Eu ex plico. Uma vez, eu e o Bucy promovemos um encontro entre os dois. Chegamos pro Baúza e falamos assim: " Poxa Baúza , o Cesar Brasil anda dizendo que canta melhor do que você, que você não conto nada, coisa e tal" . O Baúza ficou com uma raiva tremenda e disse que o Cesar Brasil tinha voz de cana rachada. Fomos ao Cesar Brasil e falamos a mesma coisa. " O que? Aquele aleijado disse isso? Manda aquele aleijado vir até aqui no hotel ,logo mais e vamos ver quem canta melhor" . A noite o Baúzo estava lá. levamos os dois para um bar e decidimos quem devia cantar primeiro. Foi o Baúzo. Depois o Cesar cantou. Meu Deus do céu , era dificil saber quem cantava pior. Era uma comédia. Os dois cantando mal pro chuchu pen· sando que cantavam bem. - O Baúza chegou a gravar? Raul Marques - Gravou. Era um tremendo cara de pau. Uma vez o Orlando Silvo quando estava no auge da carreira dele, disse 00 Baúza que o V itório latari da RCA Victor havia mostrado um samba dele e que o Orlando resolveu gravar. Era um samba que o Baúza havia comprado. No lugar de ficar orgulhoso, sabe o que o Baúza respondeu? " Com essa voz de choradeira? Você está maluco! Quem vai gravar aquela música sou eu! ". Foi lá no Café

Nice. Todo mundo caiu na gargalhada. O Carlos Galhardo gravou um samba Baiana me dó, que era só meu mas vendi a parceria pro ele e pro Cesar Brasil. Foi um sucesso danadc:;>. Não é que o Baúza foi criar coso com Mister Evans na RCA Victor dizendo que era ele que tinha que gravar? " Esse Galhardo me tirou meu sucesso com aquela voz horrfvel! Eu é que tinha que gravar! " - Como foi que você conseguiu vender as duas parcerias? Raul Marques - Vendendo, ué. E foi bom. Naquele ano O Radicai fez um concurso para escolher a músico mais popular para o carnaval. E o nosso samba venceu disparado porque tanto o Baúzo quanto o Cesar Brasil com· provam uns 500 jornais por dia para recortar o cupom e preencher com o nome do samba. Nunca deu confusão esse tipo de parceria? Raul Marques - Não. Às vezes a gente inventava uma para tomar um dinheiro a mais. O Cesar Brasil me mostrou um samba que o Zé Pretinho tinha vendido pro ele e me perguntou se eu conhecia. Eu disse que sim, que era um samba antigo e que conhecia até quem ero o parceiro do Zé Pretinho. " E tem mais um por· ceiro?" Eu disse que tinha, um crioulo muito brabo, que estava cumprindo uma pena na prisõo e se descobrisse que o sambo iria sair sem o nome dele, a coisa podia ficar feia . " Mas eu não tenho nada com isso. O Zé Pretinho disse que o samba era s6 dele" . Ai eu falei com ele: " Você faz o seguinte: d6 cem mil réis pro crioulo e fica livre disso. Estou avisando porque sei que ele vai sair agora da prisão e pode até vir aqui te motar" . Dias depois peguei o China da Culca e expliquei para ele do que se tratava. E pedi que ele fingisse que era o Ma· nezinho, o crioulo autor do samba e um tremendo marginal. Os cem mil réis saíram fácil , fáciL Rachamos a grana. O Cesar Brasil s6 não queria que o tal " Manezinho" aparecesse no hotel. Por causa disso, eu chegava pro ele e falava que o cara queria ir 16, coisa e tal. " Mas o oue é que ele quer?" " Dinheiro, ué. Ele estava preso e est6 a perigo". " Então você faz o seguinte: toma esses cinqüenta e dó pro ele". E assim foram várias vezes. - O Zé Pretinho sabia de tudo? Raul Marques - Sabia. Eu falei e ele ria pro burro. Resolvi acabar com a hist6ria num dia em que cheguei pro Cesar Brasil e falei que o " 'M anezinho" tinha sido preso novamente e foi


mandado para a Ilha Grande. O Cesar ficou na

maior alegria : "Puxa, agora posso dormir sossegado". - E o que é que o Cesar Brasil e o Baúza faziam com tonta música que compravam? Raul Marque. - Uma vez, eu e o Bucy fomos visitar o Miguel Baúzo que estava de cama, doente. Ele ficou mu ito contente com a nossa chegada e disse até que nós dois é que éramas amigos. Ele mastrou um baú entupido de música que comprou e pediu a gente paro ir na rua comprar queijo. Nós perguntamos para que era o queijo e ele disse que deixava perto do baú pros ratos comerem. Comendo o queijo poupariam os músicas. Comentei com o Bucy Moreira : " O homem tem até a verbo do rato". - Durante esse tempo todo você continuava ligodo a alguma escola de samba? Raul Marques - De certa maneiro, sim. Mesmo muito mais tarde quando o Prazer do Serrinha se transformou em Império Serrano, eu continuei. Sem pertencer à escola, mas freqüentando sempre. Depois é que me afastei. E tem outro coisa que me esqueci de falar : eu fui um dos fundadores da União das Escolas de Sambo. Participei dos reuniões poro Q criação da União e andei por lá muito tempo. - Você conheceu o Eloy Antero Dias? Raul Marques - O Mano Eloy? Puxa vida! Ele foi um dos fundadores da União das Escolas de Samba também. Era de macumba, era o Eloy do macumba. Fez até sucesso contando uns pontos de macumba. Mas esse negócio de contar ponto você sabe como é. O negócio depois

desandou pro ele que foi uma coisa tremendo. Eu fiz até parte de uma das gravações dele na RCA Victor. Ele trouxe o pessoal do terreiro pro estúdio e o negócio foi muito autêntico. Foi um grande sucesso. Sei lá, depois o negócia não andou muito bem. Você participou muito de cinema também? Raul Marques - Muito. Eu e o Tancredo Sil· va. O Tancredo aliás, é um dos fundadores da União das Escolas de Samba. Nós participamos daqueles filmes da Cinédia, da Ademar Gon· zaga. Quando Orson Welles esteve aqui, nós trabalhamos poro ele. Houve até uma vez que ele pediu pro gente arranjar um grupo grande de velhos sambistas e nós levamos uma porção. Me lembro até que o Tancredo Silva subiu o Morro de São Carlos e arrastou tudo que era velhinho que havia por lá. - Você também andou metido em macumba? Raul Marques - Muito! Eu e Tancredo Silva fundamos a União Espirita Umbandista. A sede era num prédio velho na Avenido Presidente Vargas, numa sala que um polftico arranjou pra nós. As primeiras carteiras de sócios fui eu que mandei fazer com um cachê de gravação. Depois a organização cresceu muito, eu continuei gravando e sai fora. Mas Tancredo ficou . - E o Orso~ Welles, como é que era? Raul Marques - Ele gostava muito de mim. ~ que tudo que ele pedia eu arranjava. Uma vez ele pediu - vejo você - uma vaca! Eu fui o

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uma vacaria que existia em São Cristóvão e pedi. O português nem queria emprestar porque ele não entendia como é que a vaca ia entrar no filme. Acabamos convencendo o português e salmos andando com a vaca até o estúdio da Cinédia, em São Januário. Ele queria tudo autêntico. - Houve também aquele lance da pernada. Raul Marques - Ah! foi mesmo. A gente fez uma batucada pesado e o couro comeu. Depois começou a pernada. Foi um tal de nego derrubar nego que não foi brincadeira. O Orson Welles só filmando e gritando pra gente con· tinuar. O Grande Otelo coitado, baixinho, levou cada tombo que vou te contar. Quando acabou, estava uma porção de gente machucada. O Grande Otelo foi parar no hospital. O Orson Welles ficou feliz. Quando a gente se queixava da violência, ele dizia: " Eu paga tudo" . - Você sabe que fim levou esse filme, Àntônio Carlos Fontoura? Antônia Carlos Fontoura (Cineasta) - An· daram procurando nos Estados Unidos e parece que acharam alguns trechos. Raul Marques O filme devia ser espe· tacular. Tinha samba, batucada, tinha tudo. Durante o filmagem morreu um camarada, o Jacaré, que fazia umas coisas nortistas. Eu tenho a impressão de que se esse filme passasse ele ia agradar muito. Tinha tudo, jangadeiro, folclore, tinha tudo. Uma coisa ex· traordinária. O Orson Welles gastou um di· nheirão .

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d,.

Embora pouco antes (10 de novembro 1937) Getúlio Vargas tenha acabado com as eleições no Brasil e instaurado o regime do Es· todo Novo, nunca houve tantas elelçl5es em matéria de escolas de samba quanto no inicio de 1938 quando, por iniciativa do jornal A Pótrlo, teriam que ser eleitos o melhor tamborinista, o melhor sapateodor, a rainha do samba, a melhor porto-bandeira, o melhor mestre-sala e o Cidadl50 Samba, Com exceçl50 do Cidadl50 Samba, que seria escolhido pelas próprios escolas reunidas no Unillo das Escolas de Samba, todos os outros seriam submetidos li votoçOo popular. através dos leitores do jornal que publicava diariamente um cupom paro cada eleiçOo. A nllo ser a Rainha do Samba e o Cidadllo, os demais candidatos participaram ainda de um prova na Feira de Amostra. Eis o resultado da eleiçllo para Rainha do Samba: I? lugar, Maurinda da Silvo (Paralso de Tuiuti), 2.799 votos; 2? lugar. Ooralice Borges do Silvo (Portela). 2.615 votos; 3? lugar, Neumo Gonçalves (Estaçllo Primeira). 1603 votos. Na Feira de Amostra, com um júri integrado por Paulo Medeiros, Ricardo Chagas, Milton Barreto, Ernane Castelli. Marcos Barcelos e José Otóvio Vieira Pinto. foram vencedores: Tamborinistas - I?, Jollo do Silveira (Unillo Parado de lucas); 2? Sebastillo Fernandes (Estaçllo Primeiro); 3? Elldio Tobias (Paz e Amor); 4? Dario de Oliveira (Depois eu Digo). Sapateodores - I? Waldemar Dantas (Paz e Amor); 2? Alves Gomes de Araújo (Estaçllo

Primeira); 3? José Dias do Silvo (Depois eu Digo). Mestres-sa/as - I? Orlando Barbosa (Unillo Entre NÓs); 2? Getúlio "Amor" Marinho (Paz e Amor); 3? Arlindo Conrado (Estoçllo Primeiro). Porto-bandeiras I? Irene Barbosa de Souza (Unillo Parada de lucos); 2? Isabel Amorim (Filhos do Deserto); 3? Odllio de Almeida (Paz e Amor); 4? lina Conrodo (Estaçllo Primeiro). Compositores - I? Carlos Cachaça (Estaçllo Primeiro); 2? Murilo Freitas (Paralso de Tuiuti); 3? Joaquim dos Santos (Paz e Amor); 4? Carivaldo Moto (Depois eu Digo); 5? Joaquim Pereira do Silvo (Filhos do Deserto); 6? Manoel Trindade (Unillo de Colégio); 7? Manoel de Souza (Unillo Entre Nós); 8? Hugo de Souza (Paralso de Campo Grande); 9? Ojalmo Marinho (Unidos de Mangueira); lO? Jolla dos Santos (Cada Ano Sai Melhor). Eloy Antero Dias. o presidente do Unillo dos Escolas de Samba. dirigiu os trabalhos poro o escolho do Cidadllo Sambo e o vencedor foi o sambista Antenar Santlssimo de Araújo, o Antenor Gargalhado do Escola de Sambo Azul e Branco, que recebeu os votos de nove escolas de sambo. O segundo colocado foi Benedito Corrêa. do Vizinho Faladeira. com quatro votos; o terceiro, Benedito dos Santos (Rainha dos Pretos). Alfredo Costa (Prazer do Serrinha) e Pedro José dos Santos (Estaçllo Primeiro). todos com três votos; o quarto foi Oswaldo Alves, do Poralso de Tuiuti, com dois votos. logo no inicio de 1938. o Mangueira perdeu

Tio Fé. uma dos pioneiros do sambo e do carnaval do morro. Tia Fé chamava-se na verdade. Fé Benedito de Oliveira e era sogro de um dos dirigentes do Estaçlla Primeiro. Júlio Dias Moreira. e avó do atual prelidente do escola. Oarke Dias Moreira. o Slnhozinho. Elo morreu no dia 1~ de janeiro. No dia 20 aconteceria o batismo do 010 dos compositores do Estaçllo Primeiro de Mangueira, numa série de comemorações que teriam inicio no dia 19. Faziam parte da ala, entre outros, os compositores Cartola, Carlos Cachaça. Isaltina Dias. Waldemira Rocha. Manoel Motos. Francisco Modesto. Sebastillo de Oliveira. Edson de Souza, Aloisio Dias e Orlando Batista. Segundo programo divulgado pelos compositores, as coisas aconteceriam da seguinte maneira: "Dia 19. formid6vel solrée dançante 00 som de um jazz inebriante. E ao som das cuicas e tamborins, um harmonioso samba no terreiro; Dia 20. Os 12 horas. encontros pugillsticos num ringue armado especialmente para a ocasiOo; 65 14 horas, a cargo de artistas exclusivos do escola. o burleta Um cabaré no morro, acompanhado por atores variados, tais como cantores, sapateadores e mil e uma novidades; Os 19 horas. com o presença do dignlsoima diretoria do Escola de Sambo Estaçllo Primeiro de Mangueira e do adestrado Alo dos Periquitos Mangueirenses, a cerimônia do batismo do ala dos compositores. Terminado esta, os presentes darOo expansOo O sua esfuziante alegria no sambo que se faró ouvir no amplo salOo e no terreiro."


Os compositores de Mangueira conclufrom o texto enviado aos jornais divulgando a cerimÔnia com a frase: " Ide à Mangueira e tereis o impressllo de que estais no Paro(so! " Enquanto a Estaçé50 Primeiro batizava o sua

alo de compositores , o Portela preparava-se

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com muito cuidado para o carnaval e criou até uma comissêlo encarregada de tratar de todos os problemas relocionados com desfile de carnaval : cenógrafos, Uno dos Reis e C/lndido dos Santos ; licença do policio, Benlcio Alberto dos Santos ; compras, Niconor Lopes e Joao Barbosa; figurinos , Alberto Machado e AntÔnio Rodrigues ; chefe da conjunto, Oswaldo dos Santos (Alvaiade), diretor de bateria, Adalberto Ferreira, o Batinno.

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Tando em vista

0$

problemas ocorridos no

cornaval anterior, o Unillo das Escolas de Samba decidiu que o desfile seria realizado no Campo de Santona , onde haveria mais espaço

para as escolas e para o público. Mas todo essa preparaçllo foi inútil , pois choveu na noite do desfile e dais dos três juradas (Lourival Pereira , Mório Domingues e Domingo Robin) nOo compareceram. Domingo, o único a atender o convite, assinou a seguinte declaraçao entregue aos dirigentes da UniOo das Escolas de Samba: " Designado pela Diretoria de Turismo para fazer parte da comissao julgadora das escolas de samba, compareci 6s 21 h35m, devido o dificuldade de transporte _ Nilo tenda encontrado nenhum dos membros da referida comissôo e tendo esperado trinta minutos, faço a

presente declaraçôo para salvaguarda das minhas responsabilidades " . A ausência dos juizes causou grande indignaçõo nao só aos integrantes das escolas de samba c0'TI0 aos responsóveis pela cobertura carnavalesca do jornal A Pótrla, Em suo ediçllo de quinta-feira depois do carnaval, o jornal divulgava a noticia numa matéria cheia de revolta , a começar pelo própria "tula : Que fa/ta de atençllo ' E isso aconteceu logo no carnaval de 1938, quando tudo indicava que ia haver uma grande disputa e iria ser posto em prótica o novo regulamento do desfile elaborado pela Unillo das Escolas de Samba, e que dizia em seu artigo primeiro : " De acordo com a músico nacional, as escolas nao poderôo apresentar os seus enredos no carnaval, por ocasiao dos préstitos, com carros alegóricos ou carretas, assim como nao sõo permitidas histórias internacionais em sonhos ou imaginaçOo" . Os quesitos submetidos a julgamento seriam os seguintes: samba, harmonia , bandeira, enredo, indumentória, comissOo de frente , fantasia do mestre-sala e da porta-bandeira e iluminaçlla da préstito _ Apesar da ausência dos juizes, os trinta e cinco escolas de sambo inscritas desfilaram com chuva e tudo_ A Azul e Bronco desfilou cantando um samba de Antenor Gargalhada que pode ser apontada também como um das sambas-enredo pioneiros, pois tratava exatamente do enredo da escola, Asas paro o

Brasl/ : " Viemos apresentar Artes que alguém nllo viu Mocidade sé! Céu de anil Dai asas ao Brasil Tenho orgulha desta terra Berço de Santos Dumont Nasceu e criou Viveu e morreu Santos Dumont Pai da Aviaçllo " Este é, portanto, um dos sambas-enredo dos anos 30. Qual teria sido o primeiro? Ao que tudo indica o pioneirismo cabe O Escola de Sambo Unidos da Tijuca, pois quase todos os sambas que as escolas cantaram naquela década nada tinham a ver com o enredo. O jornal O G/obo, ao descrever desfile de 1933 porém, acabou dando uma informaçao preciosa. O repórter foi falando de escola por escola que desfilou e a certa altura informou : " .. . surge a seguir outra escola. Unidos da Tijuca com o enredo O mundo no samba, cujo sambo principal estava de acordo com o enredo" .

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Em 1934 o Mangueira contou um sambo de Carlos Cachaça, Homenagem, com letra também " de acordo com o enredo". Em 1938 surge esse, de Antenor Gargalhada_ E sabemos também que nos carnavais seguintes foram surgindo outras, até que na fim da década de 40 todas as escolas só desfilavam cantando sambas " de acordo com o enredo" que sôo, exatamente, os sambas-enredo.


BAI EICeLAI BE IAM~A o

alegórico. O abre·ala apresenta também o

através de e x pedientes que võo das rifas 6s festas com ingresso pago, que podem ser realizadas no quadra da escola ou não. A mais antiga ala ainda em atividade é a Alo dos

enredo. Um dos cl6ssicos abre-alas, atualmente em desuso, ero um painel com a inscrição:

gueira.

Abre-Ala -

inicio do desfile da escola de

samba. Pode constituir-se de um grupo de pessoas, de uma alegoria de mão ou de um carro

Periquitos, ligada à Estação Primeira de Man-

"A escola de samba tal apresenta o enredo tal , saúda o povo. as autoridades e o imprensa e pede passagem".

número 1) . O regulamento do desfile deter· mina que é obrigatória a apresentação de uma

ala de baianas -

sem a qual a escola é des-

classificada. Bandeira - As primeiras escolas de samba saiam com estandartes como os ranchos . Coube a Heitor dos Prazeres desenhar a pri meira bandeira de escola de samba e depois

disso a União das Escolas de Samba deter· minou que fossem eliminados os estandartes,

ficando só as bandeiras. Até 1967 as bandeiras entravam também em julgamento, que só acabou quando se verificou que as bandeiras não eram mais confeccionadas por artistas

populares ou pelas bordadeiras das escalas, mas por firmas industriais.

Alegoria -

A apresentação pl6stica do

enredo da escola de samba. Pode ser conduzido em carretas ou na mão. Os carros Ala - Grupo de pessoas que vestem geralmente fantasias idênticas e que se apresentam juntas durante o desfile. A soma das olos for-

alegóricos são o resultado da influência dos préstitos das grandes sociedades tipo Fe-

que cabe à direção das escolas dar de graça as

nianos, Tenentes do Diabo e Oemocr6ticos, muito mais antigas do que as escolas de sambo no carnaval carioca. O regulamento prol'be que os carros alegóricos sejam motorizados ou pu x ados por animais. Artlstà - !: como são chamadas as pessoas encarregadas de executar os efeitos pl6sticos do enredo - as alegorias ou as fantasias .

fantasias do pessoal do bateria . As demais alas compram as suas roupas por conta própria ou

rioca (ver depoimento de Oonga no fascfculo

ma a quase totalidade dos componentes da escola de samba, 56 não fazendo parte delas os mestres-solas e as porta-bandeiras. os puxadores do samba, os destaques, os passistas e os diretores de harmonia. A bateria e os com positores const ituem as alas de elites, sendo

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Baiana -

Tipo muito ligada ao samba ca-

Barracõa - local onde são confeccionadas as alegorias. Nenhuma escola possui o seu próprio barracão e encontrar um local é cada vez mais dificil , pois as escolas preferem fazer as alegorias o mais próximo possivel de onde ser6 realizado o desfile, para que seja reduzido ao mini mo a possibilidade de avarias durante o transporte para a Avenida. Batucada - Atualmente , designo o momento em que o bateria est6 em execução. Mos durante muitos anos identificava uma roda de samba com pernada . Podia ser uma batucada leve em que um dos participantes apenas tocava a perna no outro " plantado" no centro

da roda -

ou a batucada pesada, no qual um

tentava derrubar o outro.


Boi com Abóbora - Glria muito antiga da linguagem dos sambistas, ainda em uso. Classifica um samba comum, sem nado de excepcional, nem muito ruim nem muito bom. Carnavalesca - O mesmo que artista.

Comissão de Frente -

Uma espécie de

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especial que no inicio, justificava o seu nome: desfilava, de fato, no frente da escola. De uns 15 anos para c6 não tem mais lugar certo para sair: no meio ou atrás quase nunca na frente. Os seus integrantes não dançam. Andam normalmente cumprimentando o público, retirando o chapéu e fazendo um aceno com ele. Esse movimento, geralmente, é sincronizado. Também não se apresenta fantasiado. Seus in-

Enredo - As escolas herdaram dos ranchos carnavalescos a necessidade de apresentarem um enredo em seu desfile. A partir de 1935, por imposição da União das Escolas de Samba, os enredos tiveram que obedecer a temos brasileiros. O enredo se desenvolve através do letra do samba, das alegorias e dos fantasias.

Ensaio - No inicio, os ensaios serviam principalmente para que fosse preparado o coro da escola tendo em vista o samba que iria ser cantegrantes apresentam-se de terno, quase sempre branco. A Comissão de Frente é constituida de diretores do escola e de veteranos. Algumas escolas de samba, porém, já quebraram várias vezes a tradição: apresentaram comissão de mulheres fantasiados ou de homens também fantasiados.

Corda Comissão de Carnaval ~ um grupo que trabalha ao lado da diretoria com vistas ao

desfile . Cabe à Comissão de Carnaval escolher o enredo e dirigir a sua execução. ~ ela também que, geralmente , escolhe o sambaenredo.

Até os anos 50. os escolas de sam-

bo apresentavam-se rodeadas por uma corda para evitar que estranhos participassem do desfile sem o fantasia ou com fantasias de cores diferentes. As cordas desapareceram a partir do momento que o Departamento de Turismo passou a isolar o local do desfile,

separando o público do sambista.

tada no desfile. Cada escola de samba tinha um grupo de homens e mulheres respons6vel pela apresentação do sambo. Esse grupo, chamado de canto coral, também foi uma herança dos ranchos. Os ensaios ainda eram muito úteis poro a bateria que deveria adaptar-se 00 sambo. Mais tarde, também as alas ensaiavam os evoluções. A partir dos anos 50, porém, os ensaios deixaram de cumprir os suas finalidades transformando-se numa simples apresentação de sambas, bateria e dança para um público que iria colaborar financeiramente com o escola, consumindo bebido e depois pagando ingresso na porta. E o conto coral desapareceu.

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BAII.IC8LAI 81. Grêmio Recreativo -

Quase todas as es-

colas de samba do Brasil começam o seu nome pela expressão Grêmio Recreativo. A origem, parece. é ligada ao famoso encontro de diri-

gentes da Portela com o delegado de policia Dulcfdio Gonçalves. pora Q obtenção de licença paro a escola funcionar. Quando os dirigentes disseram que o nome do escola ero Vai Como Pode, o delegado considerou-o muito feio e perguntou : " De onde vocês são?" " Da Estrada do Portei a" , informaram. " Então - sugeriu o policiol - por que vocês não adotam um nome mais digno, como Grêmio Recreativo Escola de

Samba Portela?

Ingresso - S6 o partir do inicio da década de 60 é que a entrada do públ ico poro os desfi les das escolas passou o ser cobrada. Pouco de-. pois as escolas de samba também passaram o cobrar ingresso para os seus ensaios. Atualmente a vendo de ingresso é a principal fonte de receita da tesouraria das escolas. O ingresso para homens é sempre mais coro do que o poro mulheres.

Mestre-Sala -

crianças) . Por isso um grande pecado que pode ser cometido por um mestre-sala é preocupar-se apenas com a sua danço, esquecendo-se do porta-bandeira. Nas escolas de samba nunca houve o problema de roubo da bandeira da escola, mas foi mantido a preocupaçõo dos mestres-salas de proteger as porto-bandeiras. Ele não tem que necessariamen-

te seguró-Ia pelo mão o tempo todo. Mos não

Outro tradição herdada dos

pode perdê-Ia de visto em nenhum momento. A

ranchos. Por isso a dança do mestre-solo é diferente da danço de todos os outros componentes da escola : o coreografia foi traçado pelos velhos mestres-salas dos ranchos. Uma dos missões do mestre-.sala nos ranchos carnavalescos era proteger o porta-estandarte para nõo permitir que o estandarte fosse tomado por outros grupos carnavalescos , como

melhor definição sobre o papel do mestre-sala foi dado pela ex-porta-bandeira da Portela, a magnlfica Wilma Nascimento : " O mestre-sala deve abordar a porta-bandeira como o beija-

flor aborda a flor".

era hóbito no principio do século. Um rancho que perdesse o seu estandarte era um rancho

derrotado, humilhado. A porta-estandarte era protegida pelo mestre-sala e por meninos

chamados de porta-machados (Oongo e João da

Harmonia -

Muitas vezes sõo designados

maestros poro julgarem o quesito harmonia durante o desfile. porque os respons6veis pelos desfiles, equivocadamente, acham que se troto do julgamento da harmonia do samba, do harmonia musicol. No verdade, harmonia de escola de samba é outra coisa : é o entrosamento entre o sambo cantado, o ritmo e a

dança.

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Baiana

foram

porto-machados

quando

Partido Alto -

Versão carioca do samba de

r odo da Bahia. Consiste num refrõo e versos improvisados. O refrão é repetido todas os vezes que é feito o improviso. Os instrumentos bósicos do partido alto são o pandeiro, o prato e o faca de cozinha e o cavaquinho. Podem ser usados também violão , reco-reco e tamborim. Segundo depoimento do compositor Oonga,

antigamente a expressão partido alta cios-


sificava uma espécie de elite de sambistas, todos muito bons no danço ou no execução do sambo. A danço era o principal. Depois o im· proviso passou a ser a parte mais importante do partido alto. Em escola de samba o partido alto não é executado em ensaios públicos, mos depois que o público vai embora e os parti· deiros se reúnem numa roda. Um local muito utilizado também são os tendinhas dos morros. O maior improvisador de partido alto é o som· bista Aniceto Menezes, da Império Serrano.

Passista - Homem ou mulher especialista em dançar o sambo e que no desfile se apresenta isolado sem integrar qualquer ala. Porta-Bandeira - Desfila ao lado do mestresolo, conduzindo a bandeira da escola. Re· presenta o mesmo que os porta·estondartes representavam nos ranchos. Puxador da Samba - Como é chamado o solista do samba, o cantor que no microfone conduz a música acompanhado de toda a es· cola. Talvei seja o figura mais importante de um desfile, pois qualquer erro seu poderá provocar um coas na harmonia desorgonizon·

do todo a escola. O puxador tem que contar no tom e no andamento certos, o que não é fácil; já que a duração média do desfile é de uma hora. O cantor que é uma espécie de slmbolo dos puxadores é Jamelão, que há cerca de 30 anos puxa o sambo da Estação Primeiro de Mangueira. Quadra - O local de ensaio das escolas, o mesmo que terreiro. Em 1961, aParteia inaugurou um salão poro substituir a quadra, mas quase não ensaiou lá porque era muito pequeno para a quantidade de componentes. Até 1969 todas as quadras eram ao ar livre. Naquele ano a Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, de São Paulo, inaugurou a primeiro quadra coberta do Brasil. As escolas de samba do Rio trotaram de fazer o mesmo porque estavam perdendo dinheiro. Quando chovia não havia ensaio e, portanto, não havia receita.

Representante - As escolas de samba tem em sua diretoria o cargo de representante . .; quem

fala em nome da escola na Associação dos Escolas de Samba e ao lado do presidente. participa geralmente dos entendimentos com o governo. Samba d. Quadra - São sombas lançados pela ala dos compositores nos ensaios. A temática da letra é a de qualquer outro sambo, podendo falar de coisas de amor ou exaltar a escola de samba. Muitos desses sambas são gravados e se transformam em êxito nacional como aconteceu, por exemplo, com Tem ca~ poeira (Batista da Mangueira) e Foi um rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola).

. Samba-Enr.do Até pouco tempo era chamado também de samba-de-enredo. ~ o samba que descreve na letra o enredo da escola. Embora no década de 30 tenham sido lançados alguns sambas desse tipo. s6 o partir da segundo metade dos anos 40 é que ele se consolidou definitivamente.

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SAIBA O QUE VOCÊ VAI OUVIR.

o

compol itor OJAlMA SABIÁ fo i co rre godo n o dia e m que v e n ceu o ( on cu"o d . l ombo·. nr. do (1 976 do 5algue; ro.

Nega, o que queres d. mim (Antenar Gar· galhada) - O lado A do disco é inteiromente dedicado 00 maior nome do samba do Morro do Salgueiro, o legend6rio Antenar Gargalhada Antenar Santissimo de Araújo. Ci dadão Samba de 1938, principal dirigente da Escola de Sambo Azul e Bronco e puxador de samba, Antenar Gargalhada morreu tuberculoso com pouco mais de 30 anos no principio de 1941 . Naquele ano, pouco antes do carnaval , a Escola de Samba Azul e Bronco distribuiu a seguinte nota à imprensa : " A Escola de Samba Azul e Bronco do Salguei ro , por motivo do falecimento de Antenar Santfssimo de Araújo (Gargalhada). diretor de harmonia, não for6 exibição carnavalesca no carnaval deste ano. Pelo diretoria , Eduardo Santos Teixeira, Presidente". Na gravação pela Coral Samba livre de Nega, o que queres de mim, foram incluidos versos tradicionais nas rodas de sambo do Rio de Janeiro, jó que Antenor Gargalhado compôs apenas o primeiro porte um diólogo, como se vê: " Nego, o que queres de mim?" - " Meu bem, eu quero é sossego, etc.". Amanhecer ( Antenor Gargalhada) Em Amanhecer, Antenor Gargalhada foz uma espécie de crôn ico do morro, caracterlstica que se repete em vórios sambas seus. Há um outro em que ele diz : " O malandro/ Em vez de ir poro o trabalho/ Vai pro jogo do baralho/ Ó que peso ele tem/ E quando chego cinco horas/ Ele vai subindo o morro/ Não cumprimenta ninguém" . Talvez seja por isso que acabou se tornando parceiro do grande cronista de nosso músico popular, o compositor Noel Rosa. Ambos são autores de Eu agora fiquei mal , uma das rartssimas músicos gravadas de Antenor Gargalhada . Também é o Coral Samba livre que g ravou Amanhecer.

o morra' completa (Antenor Gargalhada) Outro sambo-crônica de Antenor Gargalhada , fixando principalmente coisas do morra, o seu Morro do Salgueiro, ao qual permaneceu fiel até morrer. Quando foi eleito Cidadão Sambo , ele escolheu como seus secretários (o Cidadão Sambo tinha direito de escolher seus secretários) três sambistas do Salguei ro : Casemiro Calça Larga, Artur da Silva Jordão e Claudemiro Pereira de Araújo. Também é o Coral Samba livre que está cantando O morro • completo. Arrependimento (Antenor Gargalhada e João Melo) - Os sambas de Gargalhada incluidos no disco são - com exceção de Nega, o que quere, de mim, já gravado por Geraldo Babão - inéditos em disco e só estõo registrados graças à memória de sambistas do Morro do Salgueiro, No caso de Arrependimento, que só havia a primeira parte, foi acrescentado uma segundo, composta pelo excelente compositor João Melo que percebeu muito bem a esplrito de Gargalhada, embora cada parte tenha sido composta com , pelo menos , 40 anos de diferença. Intérprete : Coral Sambo livre. Homenagem a Antenor Gargalhada (Geraldo Babão) - Geraldo Babão é um dos grandes nomes do Salgueiro e do samba carioca . Nessa homenagem que presto ao seu mestre, ele cita na segunda porte frases de sambas de Antenor Gargalhado : " Dei x o eu afinar meu violão ", " Nego, o que queres de mim" e " Quem é a Vila poro nos acordar" . Homenagem a Antenor Gargalhada foi composto em fins de 1974 e a gravaçõo aqui utilizada - no voz do próprio Geraldo Babão - foi feita pela Gravadora Marcus Pereira, à qual agradecemos pe la cortesia.

Exaltação à Música (Pindonga e Iracy Serra) Samba de dois veteranos sambistas do Morro do Salgueiro, Pindonga (Carivaldo da Motta) é mais antigo : foi da Escola de Samba Verde Amarelo , passou depois para a Depois eu Digo, esteve afastado ·do morro, mas participou da fusõo da Depois eu Digo com a Azul e Branco que fez nascer o Acadêmicos do Sal gueiro. Iracy, além de compositor, é uma espécie de violonista oficial do morro. Qualquer sambista do Salgueiro é acompanhado por ele ao violõo. Quem conta Exaltação à Música é Pindonga. Momentos (Nilo Silva e Djalma Sabi6) Nesse samba os compositores contam como foi o primeiro desfile dos Acadêmicos do Salgueiro no carnaval de 1954. O intérprete é Djalma Sabi6 ( Djalma Costa) , Brasil, Fonte das Art.s (Djalma Costa, Eden Silva e Nilo Moreira) - Samba-enredo do Salgueiro de 1956, ano em que houve um dos desfiles mais tumultuados de todos os tempos envolvendo fotógrafos e policiais. Naquele ano o principal dirigente do escola, Casemiro Calço largo, denunciou uma proposto de suborno por parte de um elemento do júri , de cujo nome não se lembrava. Por causo disso e dos tumultos, o então dirigente do Departamento de Turismo - o veterano Alfredo Pessoa - afastou-se do cargo prometendo nunca mais participar da organização dos desfiles carnavalescos. " Nem que o bispo me peço", acrescentou. Intérprete : Djalma Sabi6, Valongo (Djalma Sabi6) - Vinte anas depois do Brasil, Fonte das Arte., Djalma Sabi6 voltou o ganhar o concurso de sambo-enredo do Salgueiro. Foi dele o samba da escola de 1956. Nesses 20 anos, ele ganhou também nos carnavais de 1957 , 1958 e 1959. ~ novamente ele mesmo quem conto.

/~

&m:l?J NEGA, O QUE QUERES DE MIM

Ó nego. o que queres de mim Se não for multo coila Eu poderei lhe dar Meu bem, eu quero é so ..ego Uma casa mobiliada Poro nós dois morar


A nega esticou o cabelo Saiu toda prosa pro ir passear Mas deu uma chuva de vento O cabelo da nega voltou pro lugar Veja o chiquê da nega Não toma café sem leite Nem come pão sem manteiga Ó nega Salgueiro deu um samba Convidou toda cidade Veio gente da Ma ngueira Só laltou da Piedade Quem quiser pode lalar Que eu não estou incomodando O meu negócio é pagode Eu quero é morrer sambando AMANHECER Meia-noite em ponto O relógio bateu E as horas se passaram O boêmio não percebeu Ao romper da aurora A noite desapareceu 11

Às quatro horas As portas se cerraram Eles loram para a calçada Batendo em chapéu de palha E um novo samba nasceu O MORRO É COMPLETO lá no morro Também temos cabaré lá contém boas mulheres Crioulinhas, cabrochinhas, engraçadinhas Cada qual mais bonitinha Aquilo é que é lá no morro também temos cabaré Para lhe dizer toda a verdade Paro gozar todos os delicias Não é preciso ir à cidade 11

lá no morro temos Tudo que o homem quer Tem cabrocha bonita Temos cassino e cabaré ARREPENDIMENTO Malvada mulher Ainda perguntas porque eu lamento Eu lamento teu mau proceder Fizeste uma jura e não cumpriste Tu me enganaste e vais te arrepender Mais tarde saberás porque

11

A verdode dói Eu sei que doi mas vou dizer Eu vou ficar feliz Vendo você sofrer Você não quis cumprir um juramento Por isso vai sair Do meu pensamento (Malvada mulher) HOMENAGEM A ANTENOR GARGALHADA Morava 16 no alto do Salgueiro Antenor Gargalhada, o primeiro Emérito compositor Na Azul e Branco ele 101 bomba Foi rei no reduto do samba Hoje exaltamos o seu valor 11

Suas músicas ninguém esquece Vamos cantá-Ias em forma de prece Deixa eu afinar o meu violão Nega, o que queres de mim Quem é a Vila poro nos acordar Com ele era sempre assim EXALTAÇÃO À MÚSICA A músico valorizando o samba Entrega os seus instrumentos Ao modesto sambista que conta Toda sua história E consegue elevar O samba ao caminho da vitória 11

Há muito vem batalhando Com verdadeira harmonia Consegue o vitória do samba Que é o hino da lolia MOMENTOS Momentos de tão grande sensação Assisti com emoção sem igual Quando desfilavo no tablado Uma escola de samba sem rival Era a Academia do Salgueiro Que colocou-se entre os primeiros Para admiração geral Com suas pastoras sorridentes Felizes o contar lará lará Jorá lará lará (bis) Naquela noite de luar Suas pastoras puseram-se a cantor Com muita melodia Apresentaram uma Romaria à Bahia

BRASil. FONTE DAS ARTES És Brasil Fonte das artes Cheio de riquezas mil Que em nossos selvagens Já se faziam notar Depois veio o civilização As academias dando novo formação A filosofia rudimentar Hoje temos obras e talentos Que vêm de longínquas eras Gênios, artes antigas e modernas Brasil! Brasil! Brasil! Fonte das musas és tu, Brasil O sonho, a glória e a vida Tesouro das artes reunidas 11

Exaltamos nossos mestres brasileiros Que até por outros mestres estrangeiros Foram invejados Com apoteose laureados Tiveram exaltado o seu valor Imitados no produto do seu labor Brasil! Brasil! Brasil! Fonte das musas és tu, Brasil O sonho, a glória e a vida Tesouro das artes reunidas

VAlONGO Lá no seio d' África vivia Em plena selva fim da sua monarquia Terminou o guerreiro No navio negreiro lugar do seu lazer feliz Veio cativo povoar nosso pais Seguiu do Cais do Valongo No Rio de Janeiro Com suas tribos chegando Foi o chõo cultivando Sob o céu brasileiro Nações Haussá, Gegê e Nagô Negra Mina e Angola Gente escrava de Sinhô Foram muitas lutas Para integração Inda hoje Desenvolvendo esta Nação Sua cultura, suas músicas e danças Reúnem aqui suas lembranças O negro assim alcançou A sua libertação E seus costumes abraçou Nossa civilização Ô ô ô Quando o tumbeiro chegou Ô Ô ô O negro se libertou


~UJJI1 ~@~ @ @rn~@~ ~1111~~ @@~~\f~ ~WJIJ1J速 IID~ ~IJ~o

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