Revista de História Amnésia nº 24

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A NOSSA AVENTURA NA HISTÓRIA

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 24 • JAN&FEV 2014

“Quem samba seus males espanta” EDIÇÃO

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Entrevistas: José Carlos Dias, Moisés de Andrade e Waldir José A Casa da Suplicação do Rio de Janeiro Educação: um tesouro a descobrir, sobre Os Quatros Pilares da Educação A Biblioteca Pública de Teresópolis RESENHAS: Os Carbonários e Olga

Capa: Obra Samba - João Cândido da Silva


LUIZ ALBERTO FUNDADOR E EDITOR-CHEFE

ARTUR ESTEVES EDITOR E REVISOR

MARCELO CAMPOS EDITOR E REVISOR

RODRIGO MELO EDITOR E DIAGRAMAÇÃO

Acesse o nosso blog: www.revistaamnesia.blogspot.com.br

Correio eletrônico: revista_amnesia@yahoo.com.br


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Janeiro & fevereiro/2014

5 Editorial

6 A Casa da Suplicação do Rio de Janeiro Paulo Paranhos

10 A Biblioteca Pública de Teresópolis Artur Esteves

11 “Quem samba seus males espanta” Maria Gabriela da Silva

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Educação: um tesouro a descobrir, sobre Os Quatros Pilares da Educação

Jorge Barbosa

15 Entrevista com José Carlos Dias & Moisés de Andrade Artur Esteves e Marcelo Campos

25 Entrevista com Waldir José Artur Esteves e Marcelo Campos

31 Resenhas: ‘‘Os Carbonários e Olga’’ Artur Esteves


Editorial Caros leitores e leitoras, Agradecemos a atenção de vocês no ano que se foi e com entusiasmo iniciamos um novo ano. Visando ter mais tempo para aperfeiçoar a qualidade de nossa Revista - meta sempre presente! -, a partir de 2014 as edições serão bimestrais. Esperamos que as leituras que apresentamos ajudem no tripé pensar-agir-melhorar, tanto em relação à nossa cidade como no tocante ao país e, por quê não, ao mundo. A transformação da Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação é um dos exemplos de como a vinda da Corte para o Brasil em 1808 impulsionou o processo de independência do país. Paulo Paranhos demostra que tal transformação representa, no plano jurídico, uma considerável autonomia em relação à metrópole. Artur Esteves nos conta um pouco da história da Biblioteca Municipal de Teresópolis. Foi criada apenas meio século após a emancipação política da cidade, passou por várias sedes e atualmente o local para abrigar seu acervo é incerto. A importância da existência e do bom funcionamento de uma biblioteca pública é algo com que todos irão concordar. E esperamos que tal pensamento tenha efeitos concretos e apareça na forma de um local que possa ajudar a demanda literária da população teresopolitana. A professora de Artes Maria Gabriela nos brinda com a resenha “Quem samba seus males espanta”, cujo objeto é o livro de Rachel Soihet “Subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da 'Belle Époque' ao tempo de Vargas”. A vontade das elites nacionais em querer assemelharem-se às suas congêneres européias fez com que repudiassem durante a Belle Époque a espontaneidade do carnaval popular, o qual viam como falta de civilidade. Durante o governo Vargas procurou-se institucionalizar o carnaval delimitando seu espaço, mas isso não foi suficiente para cercear a criatividade popular, que continuou a usar o humor para falar de problemas sociais e debochar dos poderes constituídos. Jorge Barbosa apresenta-nos um resumo de “Os Quatros Pilares da Educação”, capítulo do livro “Educação: Um tesouro a descobrir”, de Jacques Delors. A Educação deve ser entendida para além de um processo de acumulação de informações, deve ensinar o mecanismo de buscar novas informações, preparar para o trabalho – mas jamais somente isso! -, combater preconceitos para termos uma convivência mais fraterna e formar o cidadão no seu sentido mais pleno: consciente e crítico. Nesta edição trazemos duas entrevistas, ambas com antigos integrantes do Grêmio Musical Paquequer, que está em contagem regressiva para o Centenário. A primeira é uma dupla entrevista em clima boêmio com José Carlos Dias e Moisés de Andrade, os quais foram, por mais de duas décadas, músicos e diretores da Banda Paquequer. A segunda entrevista é com Waldir José, figura engajada em várias facetas da cultura teresopolitana desde os anos setenta e que de 2000 a 2008 fez parte da referida banda também como músico e diretor, além de professor. Nas resenhas do livro de Alfredo Sirkis - Os Carbonários – e do filme de Jaime Monjardim – Olga – temos visões e depoimentos sobre a militância na esquerda.

Marcelo Campos

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA •N 24• TERESÓPOLIS • JAN&FEV 2014


Textos

A CASA DA SUPLICAÇÃO DO BRASIL *Paulo Paranhos paranhos_riobranco@yahoo.com.br

A vinda da família real para o Brasil, fato significativo para os rumos da nossa História, foi, sem dúvida, a coroação da própria independência que se clamou ao longo do século XVIII através das diversas sedições ocorridas. Ao contrário do que se possa imaginar e eliminando o caráter grotesco que muitos emprestam a D. João VI, foi um período dominado por uma variada gama de realizações, mormente no setor público, experimentando o Brasil horizontes até então não sonhados. Teimam muitos ainda em estereotipar D. João como vulgar e covarde. Nada mais inverídico e inglório, para figura eivada de valores nacionalistas, tendo imprimido ao Brasil elementos de modernidade trazidos pela própria conjuntura que se apresentava à ocasião, ou seja, uma nova realidade metropolitana em um país colonial. Não sem razão as diversas obras, despiciendo aqui as enumerar2, para assinalar a passagem de profícua administração, com reflexos profundos e, porque não dizer, duradouros na prática da justiça brasileira. A simples transformação da Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação mostraria ao mundo que aqui estava o Rei, aqui estava a modernidade brasileira. É exatamente a partir do governo joanino que o Brasil se moderniza, se transforma. Ser moderno é viver uma vida de paradoxos e contradições. E D. João foi moderno e foi conservador, uma dicotomia importante para o Brasil de então. Independentemente das abstrações de caráter histórico e sociológico que são feitas sobre a figura de D. João, torna se mister apresentá- lo como um reformador, e não foi à toa que o Brasil, a partir de 1815, tornou–se um reino. E de onde viria essa visão larga de estadista que foi D. João, senão de sua profunda e devotada responsabilidade com o caráter de transformação que experimentava toda a Europa da época, inda que sucumbida na avalanche das guerras

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napoleônicas, pelo espólio por elas deixado, mas com as sementes latentes que se tornaram uma realidade com a própria Revolução Constitucionalista do Porto de 1820, e as ideias liberais germinadas em 1830 e em 1848.

A justiça joanina A transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, trouxe profundas transformações para o aparato judicial, consubstanciadas na forma do Alvará de 22 de abril de 1808, criando no Brasil uma Mesa do Desembargo do Paço, da Consciência e Ordens, que se propunha sanar inconvenientes que devem seguir–se, de não haver a competente solução dos negócios... os quais pertencem aos Tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, à Mesa da Consciência e Ordens, e ao conselho do Ultramar..., passando a competência da Mesa do Desembargo do Paço da Relação do Rio de Janeiro para esse novo organismo: Todos os negócios que até agora se decidem na Mesa do Desembargo do Paço da Relação desta cidade na conformidade do Tit. 4 do regimento de 13 de fevereiro de 1751, ficam sendo da privativa jurisdição deste Tribunal... (art. 4º) Invoca o art. 2º que este Tribunal será composto de um presidente e dois desembargadores, que eu houver por bem nomear, que entendam em todos os negócios que nele se tratarem e gozem de todas as honras, graduações e preeminências, de que gozam os desembargadores do Paço... Relativamente à presidência da Mesa haverá um Chanceler – mor do Estado do Brasil que eu for servido nomear, o qual exercerá a mesma jurisdição que exercia o do reino.3

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*Paulo Paranhos é Historiador e membro do IHGMG.


Textos

Dando continuidade a sua obra administrativa, o Regente criaria pelo Alvará de 10 de maio de 1808, no Rio de Janeiro, a Casa da Suplicação do Brasil4, em substituição ao Tribunal da Relação até então existente: Eu, o Príncipe Regente, faço aos que o presente Alvará com força de lei virem, que tomando em consideração o muito, que interessa ao Estado, o bem comum, e particular dos meus leais vassalos em que a Administração da Justiça... como também por me achar residindo nesta cidade, que deve por isso ser considerada a minha Corte atual; ...sou servido determinar o seguinte: A Relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil, e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para nele se findarem todos os pleitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso, que não seja o das Revistas, nos termos restritos do que se acha disposto nas minhas Ordenações, Leis e mais Disposições. E terão os Ministros a mesma alçada, que terão os da Casa da Suplicação de Lisboa. Relativamente à presidência da Relação, que no caso se transformara em Casa da Suplicação, diz o seu artigo 4º: A Casa da Suplicação do Brasil se comporá além do Regedor que houver por bem nomear, do Chanceler da Casa, de oito Desembargadores dos Agravos, de um Corregedor do Crime da Corte e Casa, de um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Corregedor do Cível da Corte, de um Juiz da Chancelaria, de um Ouvidor do Crime, de um Promotor da Justiça e de mais seis Extravagantes.5 O distrito da Casa da Suplicação do Brasil seria o mesmo da Relação do Rio de Janeiro, sendo seu regimento o mesmo utilizado pela Casa da Suplicação de Lisboa e pela Relação do Rio de Janeiro, naquilo que não houvesse sido revogado por este alvará e não for incompatível com a nova ordem de cousas. (art. 5º)6

Os magistrados da Suplicação Segundo o Livro de Posse dos Presidentes da Relação do Rio de Janeiro e da Casa da Suplicação do Brasil 7, tivemos como assentados em 30 de julho de 1808, no início dos trabalhos da Casa, os seguintes membros: José de Oliveira Pinto Botelho e Mosqueira, como Regedor e Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda;

Francisco de Souza Guerra Godinho, como Desembargador dos Agravos; Luiz José de Carvalho e Mello, como Corregedor do Crime; Francisco Baptista Rodrigues, como Desembargador dos Agravos; Joaquim d'Amorim Castro, como Ouvidor do Crime; Pedro Alvares Diniz, como Desembargador Extravagante; Jacinto Manoel de Oliveira, como Desembargador Extravagante; Antonio Ramos da Silva Nogueira, como Desembargador Extravagante; José Albano Fragozo, como Desembargador Extravagante; José Duarte da Silva Negrão Coelho, como Desembargador Extravagante; José Fortunato de Britto Abreu Souza e Menezes, como Promotor da Justiça. Foram criados, posteriormente, os seguintes, cargos, com seus primeiros ocupantes: Juiz dos Feitos da Coroa – 1810 – Joaquim d'Amorim Castro; Juiz Privativo do Banco do Brasil – 1812 – José Caetano de Paiva Pereira; Juiz da Chancelaria – 1815 – Sebastião Luiz Tinoco da Silva; Juiz da Santa Casa da Misericórdia – 1811 – Francisco Lopes de Souza de Faria Lemos; Juiz Conservador da Nação Britânica – 1818 – Antonio Ramos da Silva Nogueira; Superintendente–Geral do Contrabando – 1819 – Lucas Antonio Monteiro de Barros; Juiz Conservador dos Privilegiados do Comércio – 1821 – Luiz Joaquim Duque Estrada Furtado de Mendonça; Juiz dos Falidos, o último cargo criado – 1824 – José Paulo Figueiroa Nabuco de Araújo. Transferindo–se para a Rua do Lavradio, onde ocupou o prédio adquirido pela Fazenda Nacional para abrigar a Relação do Rio de Janeiro, agora Casa da Suplicação do Brasil, tivemos os seguintes ocupantes do cargo de Regedor:

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Textos

JOSÉ DE OLIVEIRA PINTO BOTELHO E MOSQUEIRA (1808 a 1821) Filho de Antonio de Oliveira Pinto e Paula Felicia Rosa de Souza Botelho, tendo nascido na cidade de Mariana, Minas Gerais. Fez parte da Mesa do Desembargo do Paço, Consciência e Ordens, a partir de 25 de abril de 1808. Com a criação da Casa da Suplicação do Brasil para lá foi nomeado por D. João, sendo Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda. Dessa mesma Casa foi Regedor no período de 1808 a 1821. Homem de vasta cultura, foi condecorado com a comenda da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa, em 6 de fevereiro de 1818; com a comenda de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, em 21 de dezembro de 1808; com a comenda da Ordem de Cristo, em 31 de janeiro de 1811; com o Hábito da mesma Ordem, em 12 de outubro de 1810; Comendador Honorário da Ordem da Torre e Espada, em 17 de dezembro de 1813 e Fidalgo da Casa Real, em 2 de outubro de 1808. Foi deputado da Mesa da Consciência e Ordens e exerceu, já no Primeiro Reinado, funções no Conselho de Estado criado pelo Imperador D. Pedro I.

FRANCISCO DE ASSIS MASCARENHAS Marquês de São João da Palma (1821 a 1824) Nascido em Lisboa, em 30 de setembro de 1779, filho de José de Assis Mascarenhas Castello Branco da Costa Lencastre e Helena Maria Josepha Xavier de Lima, veio para o Brasil e logo foi nomeado Governador e Capitão – Geral da Capitania de Goiás, onde se distinguiu por seu tino de prudência na administração provincial. Promoveu a navegação pelos rios Tocantins e Araguaia, fundando a Comarca de São João das Duas Barras. Nomeado Governador da Província de Minas Gerais, em 1808, se São Paulo, em 1814 e da Bahia, em 1818; foi escolhido em 1821 presidente da Junta Provisória do governo da Bahia, cargo que recusou, retirando–se para o Rio de Janeiro.

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Assistiu, como Condestável8, à coroação e sagração de D. Pedro I como imperador do Brasil, sendo–lhe outorgado o título de Marquês de São João da Palma, e o de mordomo–mor do Paço. Eleito senador pela Província de São Paulo, em 1826, desempenhou no cargo missão especial na Europa. Foi Desembargador da Suplicação e seu Regedor no período de 1821 a 1824. Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro desde a sua fundação em 1838. Com a abdicação de D. Pedro I, de quem era amigo particular, retirou – se da vida pública. Faleceu no Rio de Janeiro em 6 de março de 1843.

JOÃO IGNÁCIO DA CUNHA Visconde de Alcântara (1824 a 1828) Nasceu na cidade de São Luiz do Maranhão, em 23 de junho de 1781. Filho de Bento da Cunha e Marianna Mendes da Cunha. Em 1808 era nomeado Desembargador da Relação da Bahia, com exercício na Casa da Suplicação do Brasil, chegando ao cargo de Regedor no período de 1824 a 1828. Desembargador dos Agravos em 1821, mais tarde seria Intendente Geral da Polícia do Rio de Janeiro, em 1822. Aderiu à independência do Brasil, sendo agraciado pelo imperador D. Pedro I com o título de Barão de Alcântara. Em 1825 foi eleito deputado e senador. Em 1829 foi elevado a visconde e em 1830 foi eleito Conselheiro de Estado. Imposições políticas obrigaram–no a entrar para o governo desempenhando o cargo de Ministro do Império, de agosto a outubro de 1830, interinamente, e de 24 de dezembro de 1830 a 17 de março de 1831, como efetivo do cargo. Também foi Ministro da Justiça em 5 de abril de 1831. Voltou, ainda, ao poder quando se aproximava a hora da abdicação do imperador, mas pouco tempo sobreviveu a este fato. O Visconde de Alcântara foi ministro fundador da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e seu presidente honorário, até seu falecimento no Rio de Janeiro em 14 de fevereiro de 1834.

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Textos

Notas 1. O presente texto é um excerto de minha obra “A Casa da Suplicação do Brasil, a modernidade na Justiça Brasileira”, editado em 1993, pela editora Erregê. A Casa da Suplicação, tribunal de mais alta instância no Brasil, criado em 1808, foi extinto de direito em 1828, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça, mais precisamente em 18 de setembro; porém, somente em 30 de julho de 1834 foi extinto de fato. 2. Obra de inquestionável valor para o estudo do período joanino no Brasil continua sendo “D. João VI no Brasil”, do mestre Oliveira Lima que, como disse Gilberto Freyre, além de monumental, como realização científica e literária, notável pelo que vem representando como alteração de perspectiva em relação com uma personalidade caluniada e com uma época subestimada. 3. Thomás de Villa–Nova Portugal, uma das personalidades mais influentes do governo joanino no Brasil, foi o principal Chanceler–mor do Reino. 4. O nome desse tribunal advinha das petições de agravo ou libelli suplices que se interpunham perante os reis quando estes iam ao tribunal. 5. A Casa da Suplicação do Brasil tem como principal mandatário o Regedor da Justiça, cargo de igual denominação exercido na Casa da Suplicação de Lisboa. Outro ponto importante que deve ser ressaltado mostra que D. Pedro I, ao extinguir a Casa, recriando o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, sobreleva como seu presidente o antigo Chanceler da Relação.

6. Importa observar que, com a elevação da Relação do Rio de Janeiro à Casa da Suplicação do Brasil, teríamos apenas uma única Relação, a da Bahia. No entanto, mesmo sendo alcançada a uma segunda e última instância, a Relação do Rio de Janeiro, agora denominada Casa da Suplicação, eram mantidos todos os atributos anteriores daquela, inclusive seu regimento interno e seu distrito. Acumulavam a competência de tribunal local, abrangendo todas as capitanias e províncias consagradas no Regimento de 1751. 7. Do acervo do Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 8. Era, em tempo de paz, o primeiro conselheiro do rei em todos os assuntos bélicos e juiz supremo de todas as discórdias que se suscitavam entre os servidores da casa real. Tinha o direito de sentar à mesa do rei. Em tempo de guerra era quem comandava os exércitos, sendo ouvidos pelo rei em questões com as tropas. _________ ** Membro do INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS.

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Textos

A Biblioteca Pública de Teresópolis *Artur Esteves

carlosarturesteves@yahoo.com.br

Teresópolis possui um rico legado cultural e histórico, tendo sido elevada a categoria administrativa de município em 1891, se emancipando assim da cidade de Magé. Todavia, somente quase 50 anos depois, em 1940 através de doações, o município criou sua primeira biblioteca pública em uma das dependências do paço municipal, sendo Renato de Paula o primeiro bibliotecário responsável por esta. A implantação da biblioteca pública foi um grande avanço cultural para a época, pois até então só havia bibliotecas particulares e uma única livraria, a livraria Morais, localizada na Avenida Delfim Moreira n° 409. Eram os poucos lugares onde as pessoas tinham acesso à cultura livresca. A outra opção era encomendar os livros no Rio de Janeiro e estes chegariam via trem para seus compradores. Com o passar do tempo, muitos espaços serviram como espaço para abrigar a biblioteca municipal: A Casa de Cultura Adolpho Bloch, a antiga residência do exprefeito José Lino de Oliveira Leite (atual sede da Casa de Memória Arthur Dalmaso, sede da Secretaria Municipal de Cultura) e nos últimos anos estava em uma casa alugada próximo ao clube Casa de Portugal.

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No entanto, a biblioteca será removida daquela casa e o destino de sua futura sede é incerto. Os livros irão ser guardados em um depósito ao lado da casa. Porém não sabemos em que condições os mesmos deverão ser acondicionados ou se na calada da noite existem chances dos mesmos serem descartados no lixo. Segundo informações a tal casa abrigará cerca de quase 300 alunos de uma escola municipal. Entretanto, esse processo representa um enorme retrocesso na área cultural, visto a biblioteca servir a muitos usuários que necessitam de seus serviços e alguns não têm condições monetárias de ficarem adquirindo livros em livrarias pelo fato de serem caros. Além disso, o direito a cultura é garantido a todos os cidadãos segundo o artigo 215 da Constituição Federal. A biblioteca fará muita falta e deixará de enriquecer as vidas de nossa gente. Vamos ver o que os vereadores farão em relação a isso.

*Artur Esteves é professor e historiador.

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“Quem samba seus males espanta” *Maria Gabriela da Silva mariagabriela.artes@gmail.com

* Maria Gabriela da Silva Graduada em História da Arte pela UERJ. Pós-graduada com Especialização em História do Brasil pela UCAM-RJ. Professora de Artes da rede municipal de Teresópolis

Em “A Subversão Pelo Riso: Estudos Sobre o carnaval Carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas”, Rachel Soihet aborda com simplicidade e bom humor o caminho percorrido pelas manifestações populares em épocas de Carnaval no Rio de Janeiro, evidenciando através de uma narrativa rica em exemplos históricos e literários que nem sempre o riso de uns nestes quatro dias de festa era a alegria de todos. Analisando as várias práticas carnavalescas exercidas pelos populares no palco carioca desde os fins do século XIX até os anos trinta do século seguinte, Soihet constrói o devir da História do Carnaval no Rio de Janeiro, focalizando o “viceversa” que foi brincar o carnaval em tempos atrás, cuja palavra “resistência” resumiria toda luta travada entre confetes e serpentinas: se de um lado a elite da sociedade carioca resistia em conceder espaço e aceitar o sonoro batuque de um “Zé-Pereira”, do outros era o povo quem resistiria às incessantes investidas estraga-prazeres e preconceituosas das autoridades da “ordem” pública (que mais seguia o lema faça o que eu digo, não faça o que eu faço...), e onde o riso seria a arma metafísica mais poderosa a fazer frente ao cassetete da farda oficial. E tal como algo metafísico, o riso popular do carnaval carioca transcendeu vetos, nomes e bota-abaixos... Rachel Soihet mostra que essa festa que conhecemos hoje por Carnaval não foi algo sistematizado desde seus primórdios, quando sagrado e profano se mesclavam no morro da Igreja da Penha, festa religiosa que segundo a autora seria o avantpremière do carnaval carioca. Na celebração da Penha os “exageros” da alegria e da liberdade dos romeiros e afins começaram a ser reprimidos e expurgados pela “boa sociedade”, também frequentadora da então irmandade. Horrorizados com as danças e cantos praticados pelos festeiros na hora profana da festa, os senhores da belle époque carioca não mais poderiam tolerar tais desordens, tendo na força policial o aval, literalmente,

de acabar com a festa, que a essa altura já era sinônimo de barbárie e violência. Em nome das boas maneira e hábitos que o novo Rio de Janeiro afrancesado deveria assumir para gozar dos ares de uma cidade civilizada e digna de progresso, todas as manifestações de carnaval populares começaram a ser reprimidas, e não faltaram desculpas esfarrapadas e saídas pela tangente a fim de minar com a subversão causada no status quo dominante nos quatro e inter-mi-ná-veis dias de carnaval. Em nome da higiene e da modernidade proibiram o entrudo; a “bela época” silenciou o Zé-Pereira no início do século XX; os mascarados, os confetes, as serpentinas e os cordões davam pra passar, não significavam tanta ojeriza a princípio, sendo posteriormente adaptados numa espécie de corso sofisticado e mais bem quisto pelas elites. O Carnaval carioca tomava novos rumos. O famoso e conturbado período do botaabaixo do prefeito Pereira Passos na cidade foi decisivo no devir da História do Carnaval no Rio. Rachel Soihet salienta como, diante de tantas intolerâncias físicas e subjetivas que atingiam suas manifestações culturais, os populares ainda conseguiam através da festa, do riso, do escárnio, fazer sátira de seus opressores e também da sua própria condição de oprimido. As derrubadas em grande escala de moradias populares no centro da cidade e as consequentes desapropriações de seus habitantes, para dar lugar à construção do símbolo mor da modernidade vindoura – a Avenida Central – fez o povo ser empurrado para as zonas periféricas da cidade, localizadas na Praça Onze e arredores. A Avenida a se abrir era para a boa sociedade, homens de paletó e “cartola”, não era para o povo... a não ser em época de Carnaval.

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Textos

O batuque durante o século XIX no Brasil. Pintura de Johann Moritz Rugendas.

Segundo Soihet, com a descentralização do carnaval da Rua do Ouvidor para bairros dos subúrbios, para as ruas da Praça Onze (altamente perigoso, diziam a nata social e a imprensa) e, claro, para os morros adjacentes, o carnaval ganhou espaços, ficou mais “atrevido” ... por que não ocupar a nova Avenida com alegria e barulho? O esforço de separar a festa do povo da praticada pela sociedade abastada mais uma vez não deu certo, e essa “união” se fará definitivamente com a construção da Avenida Presidente Vargas em 1942, quando o símbolo máximo do carnaval carioca passa a ser a Avenida Rio Branco, com desfiles de blocos e das escolas de samba, que começavam a se organizar e disputar campeonatos, onde a rixa e a malandragem ainda permaneciam, como nos velhos tempos. Por anos o carnaval carioca foi regido pelo Zé-Pereira, por gritos, apitos, batuques, marchinhas. Contudo, lembra Rachel Soihet, a voz do carnaval passou a ser o samba, música popular originária das camadas mais pobres da sociedade, cuja influência da cultura negra é expressiva. Na luta pela difusão e aceitação do samba pela sociedade como um todo, vários nomes forma importantes como Noel Rosa e João de Barro, na tentativa de estreitar os mundos culturais popular e da elite, assim como foi importante a participação dos pintores acadêmicos Henrique Bernadelli e Rodolfo Amoedo na realização de trabalhos plásticos para os carros alegóricos dos ranchos que desfilavam na Rio Branco, vistos com menor preconceito pelas elites por considerarem ser mais “disciplinados”. Diante do quadro de proibições, repressão e preconceito pelas elites exercidas ante as manifestações originárias do carnaval carioca, que goza hoje de reconhecimento, prestígio e espaço públicos assegurados – mesmo por questões comerciais e publicitárias – é, curioso, no entanto, lembrar que os anos trinta e o Estado Novo

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contribuíram para tal política de valorização da cultura popular. Rachel Soihet frisa que o governo Vargas, através do DIP, órgão de controle sobre a Imprensa e Propaganda, possibilitou ao carnaval usufruir um espaço oficial na sociedade, incorporando, sugestivamente, nas temáticas dos sambas os valores pretendidos pelo novo Governo. Sambista bom era aquele que andasse na linha; mas nas entrelinhas, o samba sempre pertenceu ao riso, ao deboche, à inversão e, cá entre nós, sambista bom sempre dava um “jeitinho”, afinal, não diziam que quem fazia samba era malandro? Se de novo a opressão se fazia presente – de uma forma ideológica, na primeira instância – os foliões já eram doutores na ginga de não se deixar abalar com os percalços. Resistiram, conquistaram ruas e o gosto-público; riram, contagiaram os dias de carnaval carioca de irreverência e alegria. Todas as festas recriam e resgatam o tempo, o espaço e as relações sociais. Nelas são ressaltadas e realçadas aquilo que, no cotidiano, passam despercebidas ou ignoradas, por vezes, indignas de reflexão. É na festa que tomamos consciência de coisas gratificantes e/ou dolorosas; é na festa que nos tornamos muitas vezes cidadão. Mais do que meras comemorações, as festas trazem consigo características simbólicas da hierarquia que ordena a nossa sociedade capitalista. Enquanto festa que celebra o avesso da ordem, o carnaval é palco de questionamento com humor, temporário mas intenso, da estrutura social dominante, momento de perceber e ser percebido como membro deste mesmo cenário social, excludente por excelência. Metaforicamente, o Carnaval poderia ser resumido como um conto de fadas, onde em dias de confete e serpentina, o malandro vira rei e a mulata rainha.

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Textos

Educação: um tesouro a descobrir, sobre Os Quatros Pilares da Educação *Jorge Barbosa j.barbosa@hotmail.com.br

*Jorge Barbosa é graduando em Pedagogia pela FMU-SP

Jacques Delors, autor do livro “Educação: Um tesouro a descobrir”, escreve no capítulo 4, “Os Quatros Pilares da Educação”, como deve ser levado, um dos vários aspectos da educação: “Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, a p ro f u n d a r e e n r i q u e c e r e s t e s p r i m e i ro s conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudanças”. O trecho citado logo acima, resume todo o que o capítulo traz para educação, onde a educação não pode ser levada apenas como uma forma quantitativa de conhecimento (armazenar e circular informações) é para fazer dessa quantidade, uma qualidade significativa do conhecimento. Abordando, então as seguintes considerações, que a educação (conhecimento) tem quatro pilares importantes para o desenvolvimento cognitivo: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Viver Juntos e Aprender a Ser.

Os Quatros Pilares da Educação: Para o autor a educação contém quatro pilares importantes para o desenvolvimento individual e coletivo do conhecimento e por fim da civilização: I. Aprender a Conhecer: adquirir os instrumentos da compreensão; II. Aprender a Fazer: poder agir sobre o meio envolvente; III. Aprender a Viver Juntos: participação e cooperação com os outros em todas as atividades humanas; IV. Aprender a Ser: a essência que integra as pilares.

A educação deve transmitir saberes e saberfazer, pois, são as bases das competências futuras, o que acontece é que a educação esta sendo levada para o armazenamento e circulação do conhecimento. A dependência da educação não está apenas na quantidade, está na qualidade também. O objetivo dos pilares é ultrapassar a visão pura da educação como instrumento (ferramenta) para obter resultados de aquisição de capacidades, por exemplo, e passe a considerar a sua real função, a busca da realização como pessoa em sua totalidade que é representada finalmente pelo ultimo Pilar (Aprender a Ser).

Aprender a Conhecer: Aprendizagem que primeiramente busca o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento e de seus saberes codificados, com a finalidade de aprender a compreender o mundo para se viver dignamente, desenvolver suas capacidades profissionais e para comunicar, fundamentando-se no prazer de compreender, de conhecer e descobrir. Esse tipo de aprendizagem favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e a compreensão da realidade a partir da autonomia do indivíduo. A importância da formação de cultura como Cultura Geral (aberta a vários conhecimentos e linguagens e principalmente a comunicação) e a Cultura Especializada (fecha-se a alguns conhecimentos e linguagens e com a comunicação limitada) sendo assim, a ciência é essencial para o desenvolvimento.

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Textos

Aprender conhecer, antes de tudo, é aprenderaprender, pois, exercita a memória (com a quantidade enorme de informação dos meios de comunicação social) e o pensamento (combinar muitos antagônicos como concreto e abstrato, dedutivo e indutivo, por exemplo), despertando a atenção do indivíduo. O processo de aprendizagem do conhecimento não acaba, enriquece mais e mais a experiência.

Aprender a Fazer: A aprendizagem de fazer está ligada a formação profissional do indivíduo, ensinar a pôr em prática o seu conhecimento para uma determinada tarefa a ser realizada. No âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. O fazer contém duas vias: Material (domínio cognitivo e da informação nos sistemas de produção; operador e técnico); Não-material (domínio cognitivo das tarefas de concepção, de estudo e de organização).

Aprender a viver Juntos: Aprendizagem de evitar conflitos, resolver os problemas e adversidades de forma pacífica, desenvolver o conhecimento dos outros, culturas e outras formas de se ver a vida. A ideia de uma educação sem violência é uma boa ferramenta para evitar o preconceito (formadores de conflitos), pois, a tendência do homem é “supervalorizar suas qualidades”. A educação deve utilizar vias que são complementares: A descoberta progressiva do outro – primeiramente descobrir a si mesmo, para poder descobrir o outro, podendo assim, compreender melhor as suas reações com o outro; Desenvolver a empatia, em ambiente escolar é importante pela fusão de cultura e costumes, por exemplo; A interdependência. Tender para objetivos comuns – Trabalhar em conjunto em projetos motivadores, Valorização do que é comum e não da diferenço; Cooperação.

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Aprender a Ser: Aprendizagem de contribuição no desenvolvimento completo do indivíduo (Espirito / Corpo), fazendo de seu próprio juízo ferramentas para formulas os seus valores, críticas e pensamentos nas mais diversas circunstâncias da vida. A educação é o principal meio de que o indivíduo, tem a entender de sua liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação para desenvolver seus talentos.

Considerações Finais: Infelizmente, o ensino se transformou em interesses liberais e neoliberais que desumaniza a educação, onde se tinham interesses mais nobres como o humanitas ou iluministas, por exemplo, os interesses de agora são de diretrizes políticas liberais ou neoliberais, a comando de uma pequena elite na camada da sociedade, que alienam o verdadeiro sentido que seria e poderia ser a educação, refletir o conhecimento em busca de valores morais, ético e humanos, melhorando o relacionamento interpessoal da pessoa sujeito e sendo projetado em nossa sociedade de forma mais digna e respeitável. As faces que a educação contém são importantes para o desenvolvimento e progresso da pessoa, podendo agir de forma digna e moral com o seu meio social na sociedade. O desenvolvimento de suas faculdades, habilidades e técnicas são indispensáveis para o sujeito e principalmente para a sociedade. Os Quatros Pilares demonstram, os alicerces da Educação descritos em: Aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e ser, Sendo assim, resumiria esses termos em:  Aprender a Conhecer em aprender-aprender;  Aprender a Fazer em aprender-fazer  Aprender a Viver Juntos na compreensão do outro e a percepção das interdependências;  Aprender a Ser em desenvolvimento da personalidade autônoma, discernimento e responsabilidade social. Referência Bibliográfica: DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 2ed. São Paulo: Cortez Brasília, DF: MEC/UNESCO, 2003.

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Entrevista

Foto: Artur Esteves

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Moisés de Andrade & José Carlos Dias Moisés (esq.) e José Carlos Dias (dir.) no local da entrevista, a Av. José Joaquim de Araújo Regadas. Ao fundo, a praça onde o Grêmio Musical Paquequer apresentou-se no VIII Encontro Estadual de Bandas de Música Civis.

Ambos os entrevistados mantiveram durante mais de duas décadas – dos anos 70 aos anos 90 – uma dupla relação ao Grêmio Musical Paquequer, ou Banda Paquequer, como costumam chamar: chegaram como músicos e logo foram convidados para compor a diretoria. Desse modo, nos apresentam uma visão dos bastidores, o que público e músicos nem sempre se dão conta: da organização, financiamento e relação da banda com o poder público. Ao longo desse tempo assistiram ao gradual desprestígio do repertório tradicional das bandas e, por assim dizer, das próprias bandas: conviveram com maestros que compunham maxixes e atualmente percebem a indiferença de parte da plateia em relação a dobrados. Por fim, conviveram com personalidades que se destacaram no Grêmio Musical Paquequer e ainda povoam a memória musical teresopolitana: Gogóta, Ivon Bruno, Ary “Giada”, entre outros.

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Entrevista

Juventude e ingresso no Grêmio Musical Paquequer

Diretorias e presidentes

Amnésia: Seu Moisés, onde o sr. nasceu, como foi seu envolvimento com a música?

Amnésia: Os srs. entraram e logo foram para a diretoria?

Moisés: Nasci em Sumidouro em 1954. Comecei a gostar de música a partir dos 18 anos. Meu primo começou a estudar; eu passava, olhava um monte de coisa escrita (a partitura); via a retreta na praça e pensava: “nunca vou conseguir ler esse negócio”. Aí ele [dizia]: “vamos, vamos para lá”: começou a estudar. Ele entrou, mudou de cidade e saiu. Eu fiquei na música lá em Sumidouro, comecei 70 lições de solfejo e peguei o piston. Depois vi que o piston ficou muito pesado. Vim para Teresópolis em 1975 e procurei a banda aqui. Pedi para tocar sax mas não tinha vaga e o maestro me deu clarinete – passei um sufoco danado! José Carlos já estava lá, era fera no trombone.

Moisés: Eu fui rápido. Um ano e já me convidaram para participar da diretoria. Como fiscal da Ordem dos Músicos, eu não tinha a carteira. Com um ano e pouco eu já participava [disso]. Amnésia: O maestro era quem indicava? Moisés: Isso. Me indicou, chamou para fazer parte da diretoria e também da Ordem dos Músicos, para avaliar os novos músicos. Amnésia: Com funcionava a diretoria?

Amnésia: Trabalhou como o quê?

J. Carlos: Mandato de 2 anos. Podia se reeleger quantas vezes quisesse, infinitamente. (...)

Moisés: Quando vim para Teresópolis trabalhei em serviços gerais, como jardineiro, em obras... Depois fui bancário: trabalhei no BANERJ por 22 anos (...).

Amnésia: Enquanto os srs. estavam na diretoria teve algum presidente além de Ary?

Amnésia: E o sr. nasceu aqui [em Teresópolis]? Começou a se envolver com música desde pequeno? J. Carlos: Por volta dos anos 70, mais ou menos. Morávamos perto da Banda Paquequer, fomos convidados e começamos a estudar. Amnésia: Trabalhou sempre como fotógrafo? J. Carlos: Sim. Todo garoto tem o sonho de ser um músico militar, outro de ser jogador de futebol... O Grêmio Musical Paquequer é a grande escola profissionalizante em Teresópolis: temos músicos no país inteiro. [Bandas] militares e [orquestras] sinfônicas não formam músicos, já pegam músicos prontos. Ficamos lá: não deu para [a carreira] militar e fiquei correndo. Participei de muitas diretorias, eu e Moisés. Nós dois, particularmente, lutamos muito para acontecer os encontros de bandas... Moisés: …tirávamos dinheiro do [nosso] bolso... J. Carlos: …cansamos de pagar para tocar.

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J. Carlos: Tiveram muitos. Moisés: Doca ficou pouco tempo. J. Carlos: Pedro Avelar ficou um pouco. Jorge era um comerciante da rua Monte Líbano (tocava tuba). Meu pai, que morreu há pouco tempo, também foi presidente. Manoel do Piston (Manoel de Almeida). Muitos foram presidentes. O próprio Ivon foi presidente. Amnésia: Mas o mais marcante foi Ary? J. Carlos: Foi. Amnésia: Por causa do empenho dele? J. Carlos: Ele também tinha uma condição melhor...

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Entrevista

Foto: Marcelo Campos

Moisés: Manoel de Almeida também se destacou. Manoelzinho. J. Carlos: Não é só o presidente que corre atrás. Um grande nome – corremos atrás dos encontros de banda – foi Moisés de Andrade, meu amigo que está aqui [risos]. Eu e ele compomos a diretoria e ele pegou na rédea! Conseguimos colocar a banda em muitos encontros, e era difícil na época. Tudo é difícil em cultura para Teresópolis. J. Carlos: Sobre a escola de samba que assumiu lá um tempo, deixaram cortar a água. Eu e Moisés fomos negociar com a CEDAE. O cara falou assim: “É isso, isso e isso. Cortamos a água porque religaram na força duas vezes, tivemos que cortar no cano. O que vocês podem fazer?”. Pediu para escolhermos o que fazer. Escolhemos pagar um real [moeda na época?] por diretor, o que dava sete reais por mês. No outro dia religaram a água. Amnésia: Era muito dinheiro? Moisés: Não me lembro quanto era. Foi na época do cruzeiro (...). Moisés: Eu ganhei dinheiro no carnaval, através da banda. Amnésia: Tocava o que na escola de samba? Moisés: Eu não participava da escola de samba, participava da banda. A escola de samba ensaiava lá e depois, trocando ideia com a gente: “Podemos fazer parte da diretoria?”. Aí deixamos eles entrar. Seu Ary resolveu descansar. J. Carlos: Tem hora que o cara cansa, tem outras coisas para fazer. Moisés: Tem que dar oportunidade para outros criarem alguma coisa. Nossa mente às vezes é fechada para uma coisa. Amnésia: Havia interesses diferentes e dissidências na diretoria? J. Carlos: Tinha. Mas o lado mais forte ganhava. Sempre teve.

Amnésia: Quais eram as questões que geravam polêmica? J. Carlos: (…) Sempre discutimos e sempre saímos numa boa.

Personalidades da banda Amnésia: Alguma curiosidade sobre [o maestro] Gogóta [Teófilo Gomes]? Moisés: Uma coisa que ele deixou na história foi a sua caligrafia. Tenho um caderninho que ele fez para mim. Peguei solfejo com ele, solfejava o que ele passava. Escrevia como ninguém. Acho que a imprensa perdia para ele. A partitura era bem sinalizada. J. Carlos: Terminou a vida escrevendo jogo do bicho, num ponto da rua Gonçalo de Castro. Nunca foi valorizado aqui. Não sei se não correu atrás... sei que terminou a vida escrevendo jogo de bicho. Amnésia: Depois veio [o maestro] Ivon Bruno? J. Carlos: Ivon foi bem depois (…). Amnésia: O que os srs. lembram do Ivon? J. Carlos: Ivon foi um grande músico... Moisés: ...tocava saxofone... J. Carlos: ...foi um apaziguador, sabia conversar. Amnésia: Isso deveria ser importante na banda, muitas cabeças pensando diferente... Moisés: Tínhamos problemas e ele nos chamava para conversar com a diretoria, com a maior calma e tranquilidade. Uma grande pessoa, consciente. Deixou grandes frutos: o Eduardo [Bruno], o netinho dele, Zézinho também foi feito por ele e chegou a maestro da banda, a sobrinha dele (Sônia)...

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Entrevista

Foto: Marcelo Campos

J. Carlos: ...uma família toda de músicos. Um tocava fagote na [Orquestra] Sinfônica Brasileira e está aposentado. Amnésia: Quanto ao José Bruno, [lembram de] algum fato marcante? J. Carlos: Ele quem regeu durante boa parte dos encontros de bandas. O Ivon também regeu e depois o Paulinho. Mas Zé foi o primeiro a participar dos encontros de bandas. Amnésia: O sr. chegou a tocar com Paulo Rosa, não é? J. Carlos: O Paulinho. Moisés: Foi depois de Zézinho. Este saiu para tocar fora e Paulinho ficou para reger. Amnésia: Em que ano mais ou menos, lembram? Moisés: Anos 90... J. Carlos: Talvez. Tem mais, não é? Moisés: Naquele encontro em Niterói, quando estávamos com uniforme vermelho, quem estava regendo? J. Carlos: Ali foi Ivon. Amnésia: No Campo de São Bento? J. Carlos: Não. Esse de que ele está falando foi no Salesiano. Paulinho foi nos anos 90, não sei precisar: em 94 ou 95. Moisés: Não, foi antes um pouquinho. Eu saí do Banco em 98 e a Sônia já estava lá há algum tempo. Em 92, mais ou menos. Antes de 94.

Amnésia: Paulo Rosa foi o intermediário? J. Carlos: Paulinho ficou pouco tempo. Moisés: Ele é médico. Amnésia: E sobre Ary Ferreira, conhecido como Ary “Giada”? Moisés: Gente boa pra caramba. J. Carlos: Foi marcante. Moisés: Ele quem me segurou na diretoria muito tempo. Mudava pra cá, mudava pra lá, ele me chamava para ser tesoureiro dele. J. Carlos: Ary foi um grande benemérito da Banda Paquequer. Corria atrás, ajudou. Grande nome daquela banda. Moisés: Teve uma época que ele se cansou. A escola de samba “Rainha do Alto” estava ensaiando lá [na sede da banda]. Queria assumir a diretoria. Segundo eles, não queriam acabar com a banda, mas já iam acabando, pintando tudo de preto. Seu Ary voltou e pegou a diretoria. Disse: “Isso aqui é para escola de música. Pode ensaiar a escola com tudo que tem direito, mas a banda não pode acabar”. Pintaram a sede de preto e não deram mais atenção para a banda. Ary chamou a mim e ao José Carlos. J. Carlos: Foi o Ivon quem chamou Ary para voltar. Amnésia: Qual era a profissão dele? J. Carlos: Construtor. Moisés: Buscava reunião com prefeito, subvenção para a banda

Amnésia: Se chegaram até a época de Sônia, passaram por Ireny Bruno então? Moisés: Elas foram juntas. J. Carlos: Ireny é irmã de Ivon, ele as deixou lá. Logo depois morreu.

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Entrevista

Certificado de participação do Grêmio Musical Paquequer no VIII Encontro Estadual de Bandas de Música Civis. Acervo do Grêmio Musical Paquequer (documento exposto na sede) Foto: Marcelo Campos

Relações com o poder público e financiamento Amnésia: Ajudavam? Moisés: Quem ajudou mais foi o Celso [Dalmaso]. Era amigo dele [J. Carlos] e a sua esposa [de J. Carlos] trabalhava na prefeitura. Naquela época era mais fácil. Conseguimos algumas subvenções com o Celso. Amnésia: Tinham sócios que contribuíam? J. Carlos: Deveria ter. Talvez em 1914, mas depois... quem vai querer investir em banda de música? Só querem investir em futebol. Amnésia: E subsídios do Poder Público? J. Carlos: Alguma coisa. Amnésia: Ajuda fixa? J. Carlos: Não. Amnésia: Então toda vez que tinha alguma coisa vocês tinham que [pedir]? Moisés: [Tinha que] se reunir com o prefeito. Ele foi muitas vezes na Prefeitura. Gritar ao pé dele, pedir ajuda, conseguir uma subvenção. Era difícil. Até que Celso [Dalmaso] instalou-se com uma escola lá dentro... J. Carlos: ...o Centro Cultural [Waldir Dalmasso] Moisés: ...e acabou que ele nos deu uma reforma. Melhorou bastante: pagou a água, a luz. Foi bom: [antes] tirávamos do bolso para pagar. J. Carlos: A ideia era criar um Centro Cultural em cada bairro da cidade. Começou pelo Alto porque já tínhamos a sede. Ele queria fazer isso em cada bairro mas o mandato dele acabou.

Amnésia: E o governo Tricano... Moisés: Se ele dava uma agulha queria um braço. J. Carlos: Diziam: “Dava um prato de comida e um caminhão de lenha para rachar”. Moisés: Não conseguíamos diálogo com esse prefeito. Amnésia: Que avaliação vocês fazem da época que entraram até a época que saíram? Ficaram bastante tempo na banda, não é? Moisés: Eu fiquei mais de vinte anos. Você também ficou, não é Zé? J. Carlos: Eu estou até hoje, estou parado mas estou lá. Ainda sou músico da Banda Paquequer. Moisés: Estamos afastados. Problema de tempo. Eu já mudei de cidade, fica difícil vir aqui. Ele, por exemplo, como fotógrafo fins de semana tem que fotografar casamentos, aniversários. Teve vezes que ele largou serviço para ir para a banda, porque ela precisava: poucos músicos disponíveis. Essa verba que entrou da CRT: esse projeto, se fosse na nossa época, faríamos muita coisa (...). Formaram setenta músicos e setenta cantores de corais. Não sei o que aconteceu depois disso, não tenho ido mais lá. Para a banda de Guapimirim e essa aqui (...). Não acompanhei, já estava fora daqui.

Apresentações e intercâmbio de músicos Moisés: Teve [trazer] aquele cara de Petrópolis – Luís Antônio - que era bom pra caramba. J. Carlos: Para os encontros de bandas vinham grandes músicos de fora: Robson, Marcão, João.. Moisés: Hélio, o irmão de Ivon...

Amnésia: O governo Celso foi então, digamos, mais simpático com o [Grêmio Paquequer]? J. Carlos: Foi. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 24 • P. 15-24 • JAN&FEV 2014

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Entrevista

Caderno de Moisés com data de 1974, escrito pelo maestro Teófilo Gomes (Gogóta). Notem a obra-prima que é a caligrafia. Foto: Marcelo Campos

Amnésia: Como era esse intercâmbio de músicos? Outro entrevistado disse que vinha gente de Guapimirim. Moisés: Nós fomos colaborar com eles e eles vinham colaborar conosco. Você desceu uma vez de fusquinha, não é? Eu descia com meu carro e ele com o dele para levar músico para Guapi e, às vezes, buscar. Estourávamos pneu por essas roças quando caía em crateras; chuva... Teve uma vez que meu carro não pegou: fui trocar o pneu, tive que abrir o capô porque era Fiat e molhou não sei o que – estava chovendo. Colou o platinado. No outro dia que fomos buscar o carro. Zé colocou o fusquinha dele na jogada. Foi em Vargem Grande. Tivemos que arrumar táxi para levar os músicos, mas não cabia no orçamento. Tivemos que dividir a grana: nos virar e bancar.

Perfil dos músicos e ensino

Amnésia: O Patronato tinha uma banda? J. Carlos: Uma grande banda. A maioria dos músicos da Banda Paquequer, no começo, eram do Patronato. Era uma instituição parecida com a FEBEM, [mas não abrigava] delinquentes, [era como um] colégio interno. Ensinava música, carpintaria... o Waldomiro aprendeu ambas. Foi um grande marceneiro em Teresópolis. Tanto que, na Igreja do Alto [Santo Antônio], o forro foi feito por ele. Ele disse que eles quem fizeram a ferramenta para fazer aquelas escamas. Foi um bom músico e um grande amigo. Formou boa leva da Banda Paquequer como o Doca, que tocava tuba. Amnésia: Se tinham muitos jovens o ensino de música devia ser bom. Como era? O professor era o maestro? J. Carlos: Era o maestro.

Amnésia: Qual era o perfil do pessoal que tocava lá? Tinha de todo tipo? J. Carlos: A maioria era garoto. Tinha um coroa muito conceituado, Waldomiro Requinta. Era dono de uma grande carpintaria no Alto. Veio do Patronato, uma grande escola de música em Teresópolis. Amnésia: O Patronato de Menores? J. Carlos: Sim. Amnésia: O Patronato já existia... J. Carlos: ...há “milhões de anos atrás”. Ele foi um músico criado no Patronato.

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Amnésia: Ele dava aula de todos os instrumentos? J. Carlos: Sim. Infelizmente. O certo seria a Prefeitura contratar um professor de clarinete, um de flauta... mas o maestro ensinava tudo. (…) Quando o cara ficava bom ia embora. Servia o exército e por lá ficava. Amnésia: [Os srs.] são da época de Seu Gil [tompetista]? Moisés: Participei da banda e de carnavais junto com ele. Moisés: Falando a respeito do perfil das pessoas, realmente tinha médico, carpinteiro, você como fotógrafo, eu como bancário, Jorge era comerciante, Zé Luís [Zé da Gaita] era funcionário público da Prefeitura. Carlinhos também era funcionário público. (…)

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Entrevista

Foto: Marcelo Campos

Amnésia: Aqui na cidade vejo fotos [da banda] tocando na [praça da Barra], na [praça da Matriz] Santa Tereza... Moisés: Tocávamos em festas de colégio e festas juninas também. Lembra Zé, no Higino da Silveira, na Vila Muqui... Na época do Gogóta tinha um intercâmbio com os colégios. O maestro chegou a ir a vários colégios para dar aula – ideia de seu Ary. Iam dar aula no próprio colégio e traziam para a banda, [tudo] para conseguir mais músicos. J. Carlos: Na época os instrumentos eram caros. Amnésia: Havia naquela época lojas especializadas em instrumentos [musicais] aqui na cidade? Moisés: Não. Somente no Rio de Janeiro. J. Carlos: Hoje você ainda vê um saxofone na vitrine. Na época não via. Com o maestro Nelson... - esqueci o nome dele – consegui na FUNARTE dez instrumentos. Ele dava aula na Pro Arte. Disseram-me que ele conseguiria e fui procurá-lo. Ele disse: “Tenho que ver a banda tocar!”. Marcamos: “Quinta-feira vá lá ver a banda tocar” - a Pró Arte é perto da Banda Paquequer. Ele viu a banda tocar e disse: “Você está pedindo trompetes, mas tem muitos aqui”. [Retrucamos:] “A maioria é dos alunos e da escola”. Ele arrumou uns dez instrumentos, não é? Moisés: Foi. Amnésia: Eu vi em algum documento esse projeto de ir nas escolas. Não foi avante? Moisés: Não, não houve interesse dos professores e da diretoria da escola. Era o comentário do maestro, que ia lá e se esforçava. J. Carlos: Antigamente era mais difícil. Moisés: É outra administração. A Educação já tinha uma estrutura montada. Eles teriam que planejar para incluir [a música] no ano seguinte como matéria, mas achavam que não ia dar certo. Fez-se alguma coisa, mas continuou [inaudível]. (…)

Moisés: A Banda [Paquequer] formou músicos, foi uma grande escola profissionalizante. Amnésia: Eu estava lendo sobre isso: bandas militares e orquestras... J. Carlos: ...não formam músicos [como nas civis]. Moisés: O Robson... J. Carlos: ...o Marcão, Moisés: ...está em Goiás... J. Carlos: o Nivaldo e o Carlinhos estão em Minas... e por aí afora. O [inaudível] que está por um canto desse que nem sei. Muitos músicos que passaram por aqui e hoje são profissionais. Amnésia: O sr. tinha dito que numa cidade abriu um concurso e para lá foi uma leva... Moisés: Lá em Goiás. J. Carlos: E em Nhunguaçu [Mato Grosso do Sul].

Repertório Amnésia: E o repertório na época de vocês? Ainda tocavam aquele repertório tradicional de bandas como dobrados e maxixe? Ou coisas mais modernas como temas de filmes? J. Carlos: O maxixe tocamos na época do Gogóta. O Grêmio tinha um maestro que escrevia música – não lembro o nome dele. Se você falasse assim: “vamos tomar uma cerveja amanhã. Cuidado para não ficar de fogo!”, esse maestro escrevia uma música sobre isso. Um cara ia beber uma cachacinha e falava que ia comer uma batata. Então o sujeito fez um maxixe [chamado] “Cuidado com a batata”. Seu Eduardo, que era um dos músicos, arrumou uma namorada [e surgiu a música] “Tá com tudo Seu Eduardo”. Moisés: Brincadeira para incentivar também, não é?

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Entrevista

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J. Carlos: Antigamente músico de banda era compositor também. Não existiam essas músicas que tocam no rádio. Eram dobrados e os caras faziam essas variações. Amnésia: E essas coisas mais modernas como temas de filmes? Moisés: Tocávamos alguma coisa. Sertanejo também. Samba. J. Carlos: Lembrei de um maestro que ele [Moisés] não conheceu. Chamava-se sargento Aécio. Moisés: Ouvi falar muito dele. J. Carlos: O sargento Aécio foi requisitado na época por um diretor da Banda Paquequer. Para o presidente da República ele pediu um maestro para Teresópolis. Ele mandou esse sargento da Marinha. Através dos amigos dele colocou muitos temas de filmes, como “Tema de Lara”. Ele esteve aqui um tempo e foi embora. Não sei o porquê. Amnésia: E música clássica? Moisés: Chegamos a tocar alguma coisa de Beethoven. J. Carlos: Ganhamos um concurso com a sinfonia “À Pátria” [de José Vianna da Motta]. Moisés: Não podíamos entrar muito nessas sinfonias porque exigiam muitos instrumentos e a banda nunca teve grande número. J. Carlos: “À Pátria” era uma peça sinfônica. Amnésia: Antes a banda era mais prestigiada? O repertório era diferente? Moisés: Quanto ao repertório, pelo que vejo, não agrada a todo mundo, apenas uma minoria. Para música popular, desde a época de Ivon, o pessoal batia palmas. [Quando tocava] “Carinhoso”... Lembra uma vez na Igreja de Santo Antônio, bateram palmas para nós. Tocamos Leandro e Leonardo... Dobrados colocávamos para abrir e fechar [a apresentação].

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O repertório é importantíssimo. Uma vez no Meudon, Sônia estava com a bandinha – e eu de fora. Tinha um grupo tocando e todos em volta. Não tinha microfone e, quando começaram a ouvir baixinho um dobrado, todos foram se afastando (…). Eu cheguei em Teresópolis e ela me ligou para levar o pessoal. Aí percebi como hoje são poucos [que compõem] o público de banda. Tem que ter [repertório] de orquestra, música popular... tem que incluir tudo. O que agrada o pessoal é música popular, não tem jeito. Amnésia: Mas as bandas mantêm viva a tradição... Moisés: É uma tradição, mas não é para muita gente (…). J. Carlos: Hoje estamos aqui. Se chegar uma banda e tiver um carro tocando funk... Moisés: A banda perde. O pessoal escuta pouco, vem para ver o que está acontecendo... J. Carlos: ...quem gosta, gosta... (...).

Encontros de bandas e quantidade de músicos Amnésia: Na época de vocês variava em torno de quanto o número de músicos? Vocês ficaram muito tempo, devem ter visto muitas [variações]... Moisés: O que presenciei, que posso me lembrar, uns 25 músicos. Se chegou aos encontros de bandas – quando vem gente de fora - com 30 foi muito. Aqui dentro, nos ensaios, eram 10 a 15 músicos. J. Carlos: Nos encontros de bandas o cara que está meio parado volta. Moisés: Todo mundo quer passear. J. Carlos: No encontro de bandas que fomos em Bom Jardim tinham uns 40 músicos. Estávamos bem. Moisés: Foram 2 ônibus.

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Entrevista

Foto: Marcelo Campos

Amnésia: Para vocês que foram da diretoria, como Tipos e locais das apresentações funcionava a organização dos encontros de bandas? Quem arrumava os ônibus? A manutenção dos Amnésia: De que tipo de apresentações vocês instrumentos? participavam? O irmão de seu Gil disse que na época dele [anos 50] marchavam tocando dobrado J. Carlos: Corríamos atrás. A Banda Paquequer da sede até a atual Feirinha, passando pela sempre sobreviveu do esforço de seus músicos. [Avenida] Oliveira Botelho. Amnésia: Por exemplo: ia ter um encontro em tal J. Carlos: Não conheci o irmão de Gil, não sei lugar. A diretoria que arruma o uniforme? sobre isso (...). J. Carlos: A diretoria arrumava e tinha um dinheiro, Amnésia: Quer dizer que na época de vocês [isso] uns 400 contos... não aconteceu? Moisés: Mas víamos depois, muito depois. Até depositar na conta... J. Carlos: Não, não (...). Existia uma parte religiosa: a Banda Paquequer tinha uma santa. No Amnésia: Recebiam de quem? dia dessa santa – se não me engano era Santa Luzia, tenho que confirmar – a levávamos para a Igreja do J. Carlos: Da FUNARTE. Alto e, num outro dia, deixavamos a santa [de Moisés: Um cachezinho para cobrir pequenas volta]... despesas. J. Carlos: Não dava [para cobrir]. Amnésia: ...e a Banda Paquequer [que acompanhava a procissão]? Amnésia: Tiravam primeiro do bolso para depois receber? J. Carlos: Isso. Uma das fotos que está por aí que tem seu Zé Abraão, seu Bonan, [entre outros] em J. Carlos: Sempre. O Grêmio Musical Paquequer frente a Igreja do Alto tem essa santa. Ela passava sempre sobreviveu do esforço de seus músicos. O cara em procissão por uma festa religiosa. vai e tira do bolso. Não quer nem saber. Tem que consertar um instrumento ele conserta. Amnésia: E as festas de padroeiro? Na época de Moisés: Quando tinha um cinema aqui fizemos vocês a festa de Santo Antônio era forte? apresentação nele. O “Vitória” nos cedeu a bilheteria. Encontros de bandas acho que somente aconteceram na J. Carlos: Era. Todas elas. Participamos muito no nossa diretoria. Não sei mais porque não estão interior. Tinha que esperar queimar o quadro. participando. J. Carlos: Nem sei se existem ainda... Moisés: Tinha que ser meia-noite. Cantar parabéns para a princesa, para a rainha, para todo mundo. Amnésia: Em Teresópolis, me conta um amigo que é Chegávamos em casa umas duas horas da manhã, maestro, agora são mais as bandas escolares. quando não estourava o pneu na estrada. J. Carlos: Os encontros de bandas eram nacionais. Por exemplo: do Rio de Janeiro saía uma campeã para disputar com Minas Gerais.

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Entrevista

Foto: Marcelo Campos

J. Carlos: Temos muitas histórias para contar da Banda Paquequer (...). Tocamos em grandes encontros de bandas. Um deles foi na passarela do samba: reuniu dois mil músicos, era um bandão. Reuniu bandas de todo o estado do Rio de Janeiro. Tocamos o Hino Nacional e Darcy Ribeiro – na época secretário de cultura – fez questão de ver a apresentação. Amnésia: Viajaram então para várias cidades: Bom Jardim, Niterói... Moisés: ...Rio de Janeiro. Amnésia: E os ensaios? J. Carlos: Eram duas vezes por semana. Amnésia: Existia uma apresentação fixa todo mês ou [só tocavam] quando chamavam? J. Carlos: O certo era ter uma retreta por mês numa praça por aí mas a banda ficou tão envolvida com tanta coisa que não teve. Foi muito trabalho: o prefeito que inaugura alguma coisa... M o i s é s : C h e g a m o s a f a z e r, q u a n d o h o u v e oportunidade.

Banda Paquequer no VIII Encontro Estadual de Bandas de Música Civis (Praça Olímpica Luís de Camões, Teresópolis, 1983). Acervo J.C. Dias

A boêmia historiográfica e musical. Da esquerda para a direita Artur Esteves, Moisés de Andrade e J. Carlos Dias.

Entrevista realizada em 13 de janeiro de 2013 por Artur Esteves e Marcelo Campos. Edição e transcrição: Marcelo Campos

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Entrevista 2

Waldir José Foto: Marcelo Campos

Waldir José nasceu em 1963 e sua vida confunde-se com o cenário cultural teresopolitano desde então. Atuou em diversos campos da arte (poesia, teatro, cinema, música), comunicação (rádio e televisão) e militância ambiental (Movimento Conservacionista Teresopolitano). Com essa banda manteve um vínculo de oito anos (2000-2008), na qual atuou como músico, professor e diretor. Utiliza o termo “releitura” para caracterizar essa fase da banda, fase em que essas formações musicais já não gozam do mesmo prestígio que outrora o público lhes conferia, tampouco do apoio de setores públicos e privados. Recebeu o Troféu Mulher de Pedra em 2010.

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Juventude e vida profissional

Literatura, artes cênicas e cinema

Waldir: Nasci em Teresópolis. Meu pai era pedreiro e minha mãe doméstica. Sou o caçula de quatro irmãos. Minha infância foi muito simples, no bairro Taumaturgo. Nunca fui de brincar de pipa ou gude. Gostava de brincar de carrinho: fazíamos ruazinha na terra. Brincávamos [também] de Forte Apache [...]. Jogava pelada, brincava de pique-esconde, garrafão, bandeirinha e bicicleta. Em 1973 ganhei uma Monark “Tigrão”. Cresci e entrei no Euclides da Cunha […]. Fui para o Leda Dalmasso a noite mas não tive boa adaptação e voltei para o Euclides. Terminei o 1º Grau [atual Ensino Fundamental] em 1983 no Colégio Sakurá. Voltei para estudar contabilidade no Estadual [Colégio Estadual Edmundo Bittencourt]. Mas concluí o 2º Grau [Ensino Médio] no Euclides fazendo formação de professores [...]. O “Chocolate Caseiro D' Teresópolis” foi o meu primeiro emprego de carteira assinada. Antes fiz coisas informais como vender roupa, lecionar violão, tocar na noite (...). Depois fui para a parte cultural, [atuando] em rádio e televisão. Fiz estágio na rádio Teresópolis e tive um programa na rádio Geração 2000 [chamado] “Nova Civilização”, de 1999 para 2000. Eu apresentava com a professora Wanda Figueredo, era um programa voltado para a Igreja Católica. Formei-me em Recursos Humanos e estou há três anos na Albacete.

Amnésia: Como você iniciou na vida cultural?

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Waldir: Comecei escrevendo contos eróticos em 1978. Amnésia: Escrevia para jornais? Waldir: Não, nunca publiquei nenhum: naquela época era mais difícil que hoje, que se tem mais abertura. Sempre gostei do lado erótico, não do pornográfico. Em 1979 comecei a fazer esses contos mas em 1978 já fazia poesia, no que estou até hoje. Em 1981 participei do 5º Festival de Poesia do Euclides da Cunha com o poema “Hoje” e tirei o sétimo lugar [...]. Amnésia: Você chegou a atuar em artes cênicas? Waldir: A minha história com o teatro começou em 1973. Antes tive contato com o Grupo Fantasia, que hoje é a Companhia de Teatro Fantasia. Edinar Corradini estava começando a montar esse grupo e encenou a peça “Natal de Esquina”, de Irineu Castro Teixeira (...). Acabou que ela encenou “Pluft, o fantasminha” de Maria Clara Machado. No teatro conheci Nino Honorato. Conheci um rapaz que era fotógrafo […] e foi convidado por Nino para um auto de Natal chamado “O Boi e o Burro a caminho de Belém”, de Maria Clara Machado. Ele fez uma adaptação. O Nino dirigia o Teatro de Comédia de Teresópolis (TCT). Precisavam de gente para compor o povo e fui fazer figuração, não personagem. Nesse meio tempo abriu um curso de teatro no SESC: o professor Paulo ia encenar “O Santo Milagroso”, de Paulo César Muniz. Mas eu estava muito novo e muito cru e desisti da ideia. Aí fui fazer o TCT. A apresentação foi feita na escadaria da Igreja de Santo Antônio. Fiz parte do povo. Foi meu primeiro contato com Nino Honorato e com ele depois fiz quinze peças […].

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Participei também de um longa-metragem: “Praia 8: conspiração serrana”. […] O falecido Sádio de Oliveira era apaixonado por cinema, teve uma ideia e criou um roteiro. Foi ao teatro da Casa de Cultura procurar pessoas. Foi numa apresentação nossa de “Marcelino Pão e Vinho” e fomos selecionados [...]. Começou a filmar em 1996 para terminar em 1997 mas teve um problema de saúde e foi concluído em 1998 [...]. Amnésia: E o Nino Honorato, o que você achava dele? Waldir: Ele era meu amigo e um grande profissional de teatro. Começou a carreira dele no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), lá em São Paulo. Nele passou Natália Timberg, Francisco Cuoco, Mauro Mendonça. E foi da Companhia de Procópio Ferreira. Mas Nino abandonou tudo isso porque gostava de teatro mambembe. Apesar de ser um grande ator, não era um estrela [...]. Toda história dele foi voltada para o teatro, aqui e em Pernambuco. Era um grande baluarte do teatro, profissional e amador. Terminou a vida em Teresópolis porque escolheu aqui para morar. Amnésia: Em relação à oficina “Poesia & Criação”, como esse movimento surgiu? Waldir: Surgiu com Vidocq Casas. Um dia entrei numa loja no Alto para tomar um chocolate quente e estava sentado Vidocq Casas, [que me convidou para o oficina Poesia & Criação]. Peguei o telefone dele, marquei direitinho e fui. Foi meu primeiro contato com ele. [As reuniões eram] na [sede] do PCdoB: embora o movimento não fosse político o partido cedia o espaço.

Amnésia: Em que ano foi isso? Waldir: No final de 1999 para 2000. Gostei de entrar para esse movimento porque falava de poesia abertamente, não era muito protocolar, acadêmico – nada contra [isso]! Aí me identifiquei, comecei a participar e fui chamado para a diretoria [...]. Amnésia: Você que está um bom tempo na área cultural, que avaliação faz da época em que chegou até hoje? Waldir: Em Teresópolis? Amnésia: Isso. O que mudou? Waldir: Fazer cultura é muito difícil [...]. Na época Edinar Corradini começou com o teatro – pode perguntar para as pessoas - havia mais incentivo porque tinha mais apoio do poder público. Teresópolis já sediou festival nacional de cinema: atores profissionais de teatro e cinema vinham se encontrar aqui. Perdeu esse festival para Gramado por uma questão política. Teresópolis tinha o nome de “Cidade dos Festivais” porque aconteceram essas coisas. Quando eu comecei já não era o “boom” daquela época mas era melhor que hoje. Hoje vemos uma estagnação da cultura. Não temos apoio do setor privado nem do poder público. Não temos um grupo de teatro atuante na cidade. As pessoas que fazem [teatro] é porque gostam. Na minha visão ficou pior. Tem o SESC que traz artistas de fora, mas estou falando de artistas locais. Amnésia: Como foi no Poeterê? Waldir: Passei um dia na rua e vi escrito: “Poeterê com a participação do ator Carlos Vereza da TV Globo” […]. Fui apresentado a Michele Bronstein e ela me chamou para o próximo Poeterê.

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Movimento Conservacionista Teresopolitano e Elos Clube

Vida musical

Amnésia: Quando começou a escrever para o [SOS Terra], periódico do Movimento Conservacionista Teresopolitano (MCT) ?

Amnésia: Quando você entrou para o Grêmio Musical Paquequer já tocava violão...

Waldir: Foi em 2003. Já tenho cem artigos publicados. O centésimo artigo coincidiu com os cem anos do naufrágio do Titanic, então fiz [um artigo] falando sobre a história dele. Meu primeiro artigo foi sobre o Palace II, aquele edifício no Rio de Janeiro que caiu. Do MCT sou diretor assistente. Todos conhecem: é um movimento que defende a natureza de Teresópolis. É uma ONG que defende a ecologia no planeta, mas [foca em Teresópolis, porque aqui] moramos. Vidocq [lutou] pela Floresta do Jacarandá, [fez] a primeira “Carta da Natureza de Teresópolis”... tudo através dele. Além de poeta ele é pintor. Tem uma parte cultural bem profunda na cidade. O SOS Terra é o informativo do MCT. Amnésia: Como você entrou no Elos Clube Teresópolis? Waldir: Foi muito engraçado. Vidocq entrou primeiro e esses clubes tem uma espécie de apadrinhamento. Você recebe convite para entrar e eu não tinha a menor pretensão disso. Vidocq foi convidado por ser da Academia Teresopolitana de Letras e precisavam de outras pessoas, acho que eram três para compor naquele ano. Ele me convidou mas não podia me apadrinhar, então meu padrinho foi o Dr. Jorge Bragança. O trabalho do Elos Internacional é voltado para a cultura, mas o foco é a Língua Portuguesa [...].

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Waldir: Comecei a tocar violão em 1980 com Rogério Barros. Nesse época tocava no grupo “SOS – Servindo e Orando ao Senhor”, na Igreja de Santo Antônio. Padre Nivaldo dava muito apoio. Tinham muitos grupos jovens tocando nas missas. Em 1996 fundei com três amigos a banda “Última Hora”. Tocávamos na noite. Amnésia: Onde? Waldir: Shopping do Alto, Karting in Door, Bowling Center – onde hoje é a Casa & Vídeo: ali fizemos o CarnaTerê, o primeiro baile pré-carnavalesco de Teresópolis. Tocamos no interior do município, em Magé. Essa banda durou três anos. Em contato com músicos da cidade recebi convites para ir ao Grêmio mas não fui. Meu contato com [essa banda] foi muito engraçado. Eu estava passando em frente [à sede] e ouvi uma moça tocando teclado e cantando com uma voz bonita. Parei na porta e fiquei ouvindo. O Grêmio vazio e ela tocando. Ela parou e disse “Oi, você gostou, chega aí”. Comecei uma amizade com Sônia Bruno. Isso foi mais ou menos em 2000. Comecei a me engajar no projeto dando aula de violão. Lecionei para crianças carentes. Montamos vários projetos: Show em homenagem a Roberto Carlos, “Noite da Seresta”. Participei da banda do Grêmio Musical Paquequer como violonista, numa releitura da banda, porque ela é antiga. Tocava dobrados, era banda de fanfarra: isso está morrendo.

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Amnésia: A folia de reis também... Waldir: São culturas que vão morrendo com o avanço tecnológico, as novidades que chegam. Amnésia: Com o avanço da cidade. Waldir: Com a inércia da cidade em não poder resgatar a parte cultural, o que falamos antes. Participei da releitura da banda e fui chamado para apresentar eventos. Fizemos uma parceria com a oficina Poesia & Criação – fizemos vários recitais lá – e depois cheguei à diretoria. Durante oito anos participei do Grêmio nessas condições [...]. Amnésia: Tinham alguma ajuda do poder público ou privado? Waldir: Alguns vereadores às vezes apoiavam com propaganda, panfletos. Mas nada remunerando os músicos. Tocávamos em carnaval quando a Prefeitura chamava: aí sim recebíamos. O poder público fazia essa parceria conosco. Amnésia: E, como professor, como via a bagagem dos alunos? A Indústria Cultural massifica determinados ritmos e você no violão vai ensinar coisas diferentes do que eles estão acostumados a ouvir... Waldir: Lidar com isso é complexo. Por isso eu dava aula para iniciante: mesmo que o aluno já trouxesse uma bagagem de ritmos, você pode dizer para ele: “Você pode tocar funk, mas a primeiro terá que se adequar às técnicas do violão”. Mesmo que ele goste de música clássica, primeiro vai ter que tocar um “Parabéns para você”. E nisso eles começam a despertar para outros ritmos. Peguei alunos com bagagens diferentes mas que não tinham habilidade no violão e, por isso, teriam que conhecer ritmos que não gostavam.

Amnésia: Só conheceu o Grêmio Musical Paquequer quando passou em frente e viu? Waldir: Não, já ouvia falar. Conheci seu Ivon Bruno, que foi maestro. Eu gostava de passar ali - é um ambiente bucólico – mas não tinha envolvimento com a instituição. Amnésia: Continua lá? Quanto tempo ficou? Waldir: De 2000 a 2008. Hoje vou como convidado, não participo ativamente. Amnésia: Qual foi o repertório do que você chama de releitura da banda? Já não era a época dos dobrados... Waldir: ...das retretas nos coretos. Isso acabou. Somente nas cidades históricas que aparece. No governo Celso Dalmasso Teresópolis participou dos encontros de bandas... tudo isso acabou. Amnésia: Entrevistamos pessoas que disseram que nos anos 80 o repertório já não era o tradicional. E na sua época, que é mais recente? Waldir: Em 2006 fomos tocar na Casa de Espanha, no Rio de Janeiro, numa festa da Tânia Calvon. Ela é uma executiva da Ampla que faz grandes festas temáticas. Na Casa de Espanha o tema foi Oscar, então montamos repertório de cinema. Pegamos os músicos da banda mas tocamos temas de filme [...]. Você perguntou o que mudou: começamos a tocar Bossa Nova, Pop Rock, Frank Sinatra... a banda saiu do tradicional. Amnésia: Que tipo de público costumava assistir as apresentações? Waldir: No Grêmio?

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Entrevista

Entrevista 1 Foto: Marcelo Campos

Waldir José (ao centro) com os entrevistadores Marcelo Campos e Artur Esteves Amnésia: No Grêmio e fora dele. Waldir: No Grêmio iam os pais de alunos e convidados. Alguns políticos. Membros de clubes como Rotary e Elos iam esporadicamente. Na rua, por exemplo, tocávamos na Feirarte para as pessoas que estavam ali. Era uma matinê. Fizemos matinê também no Clube Comary, à beira da piscina. Não tem um público-alvo como, por exemplo, a Orquestra Sinfônica Brasileira. Amnésia: No tempo das retretas as bandas geravam grande entusiasmo. Hoje dividem a atenção com outras coisas. Não é mais o centro das atenções. Waldir: Claro que gosto cada um tem o seu. É como antigamente: havia apenas quatro canais na TV aberta. Hoje tem a TV por assinatura: vão ver outros canais, não se prendem somente nisso [...].

Amnésia: Para você que chegou com uma experiência de teatro [deve ter sido bom, visto que] lá, até hoje, fazem essas coisas inter culturais, nas quais reúnem música, teatro... Waldir: Dança de salão, dança cigana, uma série de coisas. Se você fica num só segmento... imagine se a Rede Globo fizesse apenas novelas? […] Joga um pouco com o forró, massifica, mas faz um intercâmbio cultural. Como na oficina Poesia & Criação: chegando lá a palavra é aberta. Isso é uma das coisas do Vidocq que acho legal. É diferente dos grupos como Elos onde, com todo respeito, tudo é muito protocolar: você tem que ser convidado e tal [...].

Amnésia: Faça um balanço dos seus oito anos no Grêmio Musical Paquequer. Waldir: […] O Grêmio é uma instituição de peso na cidade – vai fazer cem anos – e abandonada pelo poder público, como a maioria das coisas em Teresópolis. É o meu cantinho cultural, pelo qual tenho um carinho muito grande. As manifestações culturais que ali acontecem vão ficar na minha memória como um momento gostoso e saudável da minha vida.

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Entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014 por Artur Esteves e Marcelo Campos. Edição e transcrição: Marcelo Campos.

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RESENHAS

*Artur Esteves é professor e historiador.

*Artur Esteves carlosarturesteves@yahoo.com.br

Livro: Os Carbonários Autor: Alfredo Sirkis Editora: Bestbolso Ano: 2008

Os Carbonários

A

lfredo Sirkis relata em sua obra Os Carbonários, o movimento estudantil dos anos 1960 e seu aniquilamento pelo governo ditatorial, além de também falar um pouco sobre sua vida e suas ações como militante político e na guerrilha, o fim das guerrilhas no Brasil e a morte dos principais líderes destas.

Olga Filme: Olga Diretor: Jayme Monjardim Ano: 2004 Duração: 141 minutos

E

ste filme conta a trajetória de vida da militante comunista Olga Benário Prestes, suas ações na Alemanha e no Brasil, onde conhece Luís Carlos Prestes, acabando por se casar com ele. Porém algum tempo depois, a mesma é presa pelos agentes do governo Vargas, acabando por ser deportada para a Alemanha nazista e pelo fato de ser judia foi enviada para campo de concentração no qual dará a luz a uma filha. Olga morreu em 1942 nestes campos de concentração.

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