Revista Muito n° 96

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O sambista Alaor Macedo quer pôr as escolas baianas de novo na avenida

SAMBA BAIANO

Sorvetes com álcool para os dias de calor

Flora Gil fala de maturidade e folia

DOMINGO, 31 DE JANEIRO DE 2010 #96 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

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SALVADOR DOMINGO

CARTUM GENTIL

gentil@grupoatarde.com.br

C

arnaval nem sempre foi assim. Na década de 1960, os trios elétricos já animavam a massa, mas os blocos não tinham cordas e as escolas de samba dividiam o espaço na avenida com frevos e marchinhas. Essa época perdida em uma folia cada vez mais espetacular e multimídia está sendo resgatada pela resistência e pelo sonho do sambista Alaor Macedo. O jornalista Paulo Oliveira conta parte dessa história, a partir das memórias de Alaor e da sua epopeia, com a criação da Lira Imperial, a única escola em atividade no Estado. Nas próximas páginas, o samba-enredo do homem que deseja trazer passistas e porta-bandeiras de volta para a avenida. Nadja Vladi, editora-coordenadora

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ÍNDICE

31.1.2010 CAPA O compositor Alaor Macedo sonha

ASPAS Flora Gil fala sobre o Carnaval

em ressuscitar escolas de samba da Bahia

baiano e a 12ª edição do Expresso 2222

GASTRÔ Segredos do preparo de sorvetes com álcool, para esquentar por dentro

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BIO

A atriz Natália Garcez se divide entre teatro, cinema e os ensaios da banda Drama Queen

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ATALHO

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As delícias do Jerimum Café e da Nêga Fulô Pizzaria, parada obrigatória em Imbassaí

MARCO AURÉLIO MARTINS | AG. A TARDE

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PERFIL

Marchand, tropicalista e personagem de Jorge Amado, o inacreditável Valdemar Szaniecki

FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE RENATO SIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA EDITOR-CHEFE FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADI EDITORA KÁTIA BORGES EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANA CLÉLIA REBOUÇAS. TRATAMENTO DE IMAGEM ROBERTO ABREU. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR, 71 3340-8800 (CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / ATARDE@ATARDE.COM.BR / WWW.ATARDE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA. / RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTON CAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500. FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732. REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-2079 SERGIPE E ALAGOAS GABINETE DE MÍDIA & COMUNICAÇÃO LTDA. RUA ÁLVARO BRITO, 455, SALA 35, BAIRRO 13 DE JULHO, CEP 49.020-400 - ARACAJU - SE - TELEFONE: (79)3246-4139 / (79)9978-8962 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900. (61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA

FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

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SATÉLITE

Uma visita ao Museu Oscar Niemeyer, passeio interessante e cultural em Curitiba (PR)

Arte sobre foto de arquivo de A TARDE que mostra a Acadêmicos do Samba na década de 1960

» MAKING OF, VÍDEOS E FOTOS EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR. SUGESTÕES, CRÍTICAS: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR SIGA A MUITO EM: TWITER.COM/REVISTAMUITO.

FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE


FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Plantas de Holambra a preços baixos: pé de pata-de-elefante com oito anos, que pode custar até R$ 1 mil, sai por R$ 250 na feira

MUITO INDICA FEIRA

Flores e plantas no concreto Se você é daqueles que passam horas e horas admirando os detalhes fantásticos de uma orquídea, aproveite a feira beneficente que está acontecendo esta semana, até o dia 7 de fevereiro, no foyer de entrada do Salvador Shopping (na Avenida Tancredo Neves). Todas as plantas vêm de Holambra, em São Paulo, reconhecido centro produtor brasileiro. Como o evento é beneficente, os preços também são bem camaradas. Dá para comprar orquídeas por R$ 29,90, bromélias por R$ 12 a R$ 39. E tem bonsais de figueiras, lírios, begônias, azaleias, rosas, pimenteiras, cactus e muito mais. Parte da arrecadação vai para a Casa da União, em Salvador, entidade que promove projetos de inclusão digital e alfabetização de adultos. A expectativa é que a feira movimente R$ 200 mil, dos quais R$ 40 mil serão redirecionados para projetos sociais. KATHERINE FUNKE «

I FEIRA DE FLORES DE HOLAMBRA Até 7/2, no foyer de entrada do Salvador Shopping (Av. Tancredo Neves). O pagamento de qualquer compra só pode ser feito em espécie. A renda irá para entidades que promovem projetos sociais


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MARIANA DAVID | DIVULGAÇÃO

MARCO AURÉLIO MARTINS | DIVULGAÇÃO

MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINE REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

MODA Veja mais fotos e um making of do ensaio de moda desta edição, que aponta tendências de verão

COMENTÁRIOS

MULTIMÍDIA Assista a vídeos que

mostram performances da Sound Sisters e do carrinho multimídia de Ana Dumas

ORELHA Leia contos da escritora chilena-brasileira Carola Saavedra, entrevistada desta semana

Mande suas sugestões e comentários para revistamuito@grupoatarde.com.br « IRACEMA CHEQUER | AG. A TARDE

_Trilhas

_Ondas longas

Excelente a matéria Ondas longas, revivendo os tempos áureos do rádio e uma das suas maiores expressões que é o José Ataíde, remanescente de uma safra de narradores que fizeram escola no rádio da Bahia, como Antônio Sampaio, Haroldo Pessoa, Genésio Ramos, Ney Costa, José Amilcar, Nilton Nogueira (hoje comentarista na Sociedade), Ivan Pedro (até pouco tempo na TV Bahia), França Teixeira, Antônio Pondé, Marco Aurélio, para citar alguns. Aproveito para informar que o narrador Carlos Magalhães, 79 anos, talvez seja o mais antigo do País em atividade. Parabéns pelo trabalho. Belmiro Deusdete

_Roteiro de verão

Estou escandalizada com as condições em que se encontra a Barra. A Muito trouxe recentemente na capa uma foto do Porto, dizendo que foi escolhida pelo The Guardian como uma das 10 mais belas praias do mundo. Só se foi nos anos

A revista Muito publicou, no domingo passado, na seção Trilhas, assinada por Aninha Franco, que Ivete Sangalo convidará Beyoncé para cantar com ela no Carnaval. Mas o que é que Beyoncé tem a ver com o axé brasileiro, que é típico do Carnaval? Será que a afirmação de Orlando Tapajós, de que o Carnaval está se tornando uma verdadeira bagunça, não se encaixa nesta situação? Leonardo Caldas

_Moda

Editorial de moda da revista Muito 1950. Hoje, o lixo, os mendigos que dormem nas calçadas e fazem suas necessidades no local, os pivetes gritando, o Farol com o gramado arrancado pelos sucessivos carnavais – tudo isso destrói o charme de um bairro que foi lindo. Tento mobilizar jornalistas para uma campanha de resgate. Sônia Coutinho, escritora

Conheci a Muito quando ainda morava em São Paulo e me enviavam exemplares em cartas, como presente para recordar a Bahia. Simplesmente me encantei com o material. Hoje, voltei a morar em Salvador e dou continuidade ao costume de presentear os conhecidos com um pouco da Bahia em papel. A revista inteira é de grande qualidade, e os ensaios de moda são simplesmente perfeitos. Os que mais gostei foram Água Viva e Rota de fuga. Selma Santos

ACERVO PESSOAL | DIVULGAÇÃO

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BIO NATÁLIA GARCEZ

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Ela sabe o que quer Embora os jovens adultos de hoje pareçam desnorteados com o excesso de possibilidades, a baiana Natália Garcez, 24, nunca perdeu o foco: desde cedo quis ser atriz. Estudou artes cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e, graduada há pouco, emplaca um trabalho atrás do outro. Destaque para Isaurinha (2009), musical sobre a cantora de rádio Isaurinha Garcia,eodramaadolescenteCéueBranca (2007), cuja estreia traz sempre na memória: “Foi no Teatro do Leblon, casa lotada; ali me conscientizei de que era uma atriz de verdade”. Natália também se interessa por cinema profissionalmente. Fez uma ponta em Ó Paí, Ó e foi assistente de direção de Monique Gardenberg. Quanto à TV, incomoda-abastanteacobrançadequetemde fazê-la, ou os comentários sobre estar no Rio – onde já vive há cinco anos – para tentar uma Malhação da vida. “Estou lá pelas possibilidades de trabalho, que são maiores”. Em 2010, estreia em março com a comédia Paraíso, aqui vou eu e, no segundo semestre, sobe aos palcos no elenco de Histórias de amor líquido, com direção de Paulo José. Nas brechas de tempo, compõe e canta em uma banda de indie rock, a Drama Queen, e toca o projeto de montagem de Fando & Lis, peça do espanhol FernandoArrabal.Comtantoscompromissos, teve de dispensar uma participação em Tropa de Elite 2. “O teatro é sempre prioridade”, esclarece, munida da segurança de quem sabe o que quer. «

Texto BRENO FERNANDES bfernandes@grupoatarde.com.br

Foto MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br


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ABRE ASPAS FLORA GIL EMPRESÁRIA

Facilitar faz bem à saúde» «

Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br Fotos FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br

Às vésperas do Carnaval, imaginava encontrar Flora Gil um tanto agitada com os últimos acertos para a realização do 12º ano do camarote Expresso 2222. Mas nada, mesmo no seu escritório, na Barra, estava como Gil canta na música que fez para ela: “Toda aquela luz acesa na doçura e na beleza“. E madura. E senhora. Em breve fará 50 anos. Assim como a meia-idade indica mudanças, a transformação também será tema do camarote, inspirado na composição Tempo Rei. Será dada mais atenção, a propósito, a questões ambientais e à indicação de fornecedores para gerar renda local. “Nós já praticávamos um pouco essa transformação do camarote, só que nunca divulgamos que o lixo sempre foi reciclado, que tínhamos medidores de carbono. Mas não será um camarote ecochato“, avisa. As muitas atividades da diretora da Gege Produções Artísticas desde 1987 (criada pelo marido em 1982) garantem dinamismo para essa geminiana e filha de Ewá, para quem é natural que o movimento a defina. “Não gosto de ficar parada, não gosto de ter rotina, sou uma pessoa que vive em transformação mesmo“. Há três anos, ela parou de fumar e, mesmo lidando com patrocinadores, fornecedores e, em breve, com os 1.200 convidados a cada dia, garante que nem pensa no cigarro. Nesta entrevista, ela fala sobre Carnaval, as declarações do publicitário Nizan Guanaes sobre Salvador e programas que considera imperdíveis na cidade. O nº-1? Ir à tarde ao Porto da Barra. Como quando veio a primeira vez por aqui, em 1980.

Como se sente sem fumar há três anos? Quando eu fumava, eu achava que seria incapaz de parar de fumar. Que iria precisar fumar numa hora tal, antes de pegar um avião, ou num restaurante, comendo uma comida incrível, com pessoas incríveis, tomar um vinho incrível. Não fumar um cigarro, como será a vida? Estranhei isso por três horas. Às vezes, estou num lugar, aqui na Bahia, por exemplo, tomando uma caipirosca de seriguela, que eu adoro, aí falo assim: “Poxa, um cigarrinho agora“, mas é mais ilustração. E como você lida hoje com questões às quais o tabagismo está associado, como estresse e ansiedade? Eu sou pouco estressada, devo ter o estresse num equilíbrio. Não sou exageradamente ansiosa, não sou exageradamente estressada, não sou exageradamente calma. Eu busco ter um equilíbrio. Perto do Carnaval, fico com a gangorrinha meio pra um lado. Mas estou bem. Não preciso de cigarro para nada. Eu não me lembro do cigarro, então acho que o maior desprezo é quando você não lembra dele. Agora, se eu te oferecer um café e você acender um cigarro, não só vou me lembrar como vou achar agradável o ato de fumar. Tem gente que, quando para, rompe com qualquer referência... Eu não. Tem um verbo que eu adoro na vida, que é o verbo facilitar. Quando você conjuga esse verbo e tenta fazer com que quem está a seu lado facilite também, tudo fica mais fácil. Você quer fumar, eu não gosto do cheiro, mas, poxa, deixa eu faci-


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PRISCILA AZUL | DIVULGAÇÃO

litar para você fumar seu cigarro. O verbo facilitar faz bem à saude. Qual é a concepção do camarote Expresso 2222 neste ano? Este ano, não estamos fazendo homenagens, como já fizemos, mas um conceito de transformação. A gente tem diretrizes conceituais e práticas do Expresso. A ideia é que o patrocinador alinhe a ideia dele à nossa, para ficar todo mundo feliz. A gente quer também gerar renda local e, para isso, a gente indica fornecedores. O que nós temos que trabalhar é que vocês moram aqui o ano inteiro e a gente vem aqui pontualmente para o Carnaval. Mesmo os que moram e fazem a produção do Carnaval, têm que pensar na responsabilidade de como a gente recebe a cidade e como a deixa. Nesses 12 anos do camarote, o que você considera que dá certo e o que não dá? O que não dá certo, prefiro começar por aí, é que não tem como atender dez mil pessoas num lugar onde só cabem mil; não tenho como colocar duas mil. Isso é complicado pra mim, porque às vezes as pessoas não entendem. Só posso convidar para um dia, “ah, eu quero pra todos os dias”, não dá. Tenho que trabalhar muito a generosidade alheia, que é difícil; você trabalhar a sua própria já é difícil, imagine a dos outros. Você convencer uma pessoa a ser generosa é um trabalho árduo. Tento convencer as pessoas a serem mais generosas. O que dá certo é a alegria de todo mundo vendo o Carnaval da Bahia, porque o Carnaval da Bahia é o Carnaval mais bonito

Com a família em 2005: Preta (filha de Sandra Gadelha), Isabela, Gil, Bem e José

que tem, e eu amo ficar ali vendo aqueles trios passando, eu adoro ver o Gandhy, tem muita coisa que eu olho e digo ‘que bom que estou aqui fazendo o camarote’. Gosto de ver as cantoras da Bahia passando por ali, Ivete, Daniela, Margareth, Claudinha Leitte, todos. Consegue ver? Consigo, eu fico ligada no som e, quando chega aquele vozeirão na porta do camarote, eu vou até lá. Este ano, Gil sai um dia e faz a metade do percurso com o Chiclete. Quero ver, no sábado, Gil com o Chiclete. A cada ano, muitas pessoas fazem críticas a esse modelo atual do Carnaval de Salvador. Você vê perspectivas de um outro Carnaval? Olha, o Carnaval da Bahia de hoje es-

tá bem diferente de quando eu comecei. Eu comecei com um Carnaval pequenininho, com um patrocinador e 100 convidados. Hoje eu tenho dez patrocinadores e mil convidados. Eu tive um trio elétrico por dez anos, o trio do Gil, que não cobra abadá, é um trio independente, e é difícil ter um trio independente que você leva aquelas pessoas todas e é preciso ter muitos recursos. Eu deixei de fazer o trio para fazer a Varanda Elétrica, que é um trio parado. A transformação que eu vejo do Carnaval é o número de pessoas cada vez maior, que o Carnaval fica cada vez maior. A sensação é a de um túnel que todo mundo tenta alargar. Vejo isso e vejo excesso de pessoas, excesso de marcas e a venda do Carnaval. Antigamente, se vendia menos cotas, hoje se vende mais. Isso


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inviabiliza um pouco a sua própria captação, porque tem um leque grande de empresas que compra o Carnaval da Bahia, e, às vezes, isso inviabiliza, porque você quer fechar uma parceria com seu patrocinador mas ele é concorrente do Carnaval de rua. Acho que poderia reduzir um pouquinho a venda do Carnaval da cidade, mas sei que é necessário e justo vender, porque o prefeito precisa de muito dinheiro para fazer a cidade acontecer no Carnaval e entregar a cidade para a população depois de uma festa de uma semana. Mas acho que poderia reduzir um pouquinho a comercialização do Carnaval da cidade, deveria ser reduzida para deixar a gente trabalhar. O camarote tem um patrocínio, o trio tem outro patrocínio e a cidade tem outro patrocínio. Aí, seria preciso conjugar o verbo facilitar. Mas a crítica é exatamente a esse Carnaval comercial, das cordas... Vou te falar uma coisa, tem o bloco do Camaleão, o bloco da Ivete, o bloco da Daniela, o das das pessoas que cobram, acho importante e acho bom, faz parte. Tem os que não cobram porque tem os que cobram. O que seria ruim é todo mundo cobrando ou todo mundo com trio independente. Você tem opção. “Não tenho dinheiro, não tenho vontade, não acho que é minha cara“; não é

só financeiro, não, é filosofia; “acho que Carnaval não tem que ter abadá, então eu vou solta, vou sem corda”. “Não, não, eu tenho medo, vim de São Paulo, não quero ficar lá no meio, então vou num bloco com corda”. Acho bacana ter. Não sou contra nada disso, sou a favor ter bloco de trio e de ter trio independente. Tem pra tudo. Nizan andou comparando, no Twitter, Salvador com o Bell do Chiclete – careca e fingindo ter tranças. A cidade é assim? Acho uma indelicadeza com o Bell, acho que Nizan foi infeliz e indelicado, só isso. Ele disse também que a orla parece um favelão e, por fim, que era importante que a cidade discutisse sua inércia. O que acha? Você chegou a produzir uns guias turísticos de Salvador, na virada dos anos 1990, por que parou? Sim, fiz umas três edições. É chato eu responder a essa sua pergunta porque eu não acho nada disso. Não acho Salvador uma inércia, nada disso. Acho que a orla de Salvador poderia ser melhor cuidada, mas não acho um favelão. Essa orla da Barra não precisa ser uma orla de Copacabana ou Ipanema. Mas a orla de Recife é tão bonitinha, a de Fortaleza e a de Aracaju são bonitas. A de Salvador não é descuidada, vem de sucessivos descuidos, anos após anos

«Não acho Salvador uma inércia, nada disso. Acho que a orla poderia ser melhor cuidada, mas não acho um favelão»

que ninguém tomou conta direito da orla, mas não acho que seja um favelão, discordo do Nizan. Não é assim. Não acho que Salvador está decadente. Por que, não tem hotéis? Salvador não tem hotéis? Então, Nizan emagreceu e perdeu a vista. Então, ele está precisando usar óculos. Tem o Convento do Carmo, que é um hotel incrível, tem o Zank, tem hotéis incríveis. Eu também entendo o Nizan. Ele atropela as ideias, ele é criativo, publicitário, as ideias vêm como um tsunami na cabeça dele, e ele vai falando de uma maneira que, pra quem ouve, se torna o resultado de um tsunami. Ele tinha que encaixar melhor as ideias com a fala, que vira uma metralhadora falando tanta coisa. Acho que ele foi infeliz e indelicado com o Bell, que merece respeito, aliás, todo mundo, você, eu. Cinco programas que você acha bacana em Salvador e que você indica. Gosto de ir à Barraca do Lôro tomar caipirosca de seriguela, minha preferida, e que tem no camarote todos os dias. Tem um passeio que fiz outro dia e adorei, o leitor vai dizer “que pessoa mais antiga“, mas adorei ter ido a Arembepe, fui numa praia, comi no Mar Aberto, adorei fazer esse programa. Gosto também de ir à Ribeira, ficar ali no meio da rua, que tem uns bares bem de pé-sujo, é ótimo ficar ali batendo papo. Também gosto de ir ao Bonfim e ir ao filé do Juarez, quando eu quero comer carne. Para sair à noite, sempre gosto de dois restaurantes, o Soho e o Shiro. Fico achando que Salvador tá ótima. A cidade está suja, mas está ótima. Ah, e tem outro


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«Com o ministério, Gil se viu obrigado a dormir às 11h e acordar às 7h. Isso foi o que deixou ele mais apreensivo» programa que é o melhor de todos, é o número-um, o Porto da Barra à tarde. Aí, pronto, não precisa mais nada, não precisa nem saber que Salvador tem aeroporto, porque a pessoa não sai mais daqui. Banda dois, de Gil, é um projeto bem intimista e até meio familiar. Foi bom para a família ele ter saído do ministério? Foi ótimo. O que o Gil mais gosta de fazer na vida é dormir, e o ministério tirou o que ele mais gostava, o sono. Ele sempre teve rotina de dormir às duas, três da manhã e acordar as 11h, meio-dia, era o normal, dormir, ficar vendo televisão, lendo, tocando. Não é como o Caetano, que dorme quando o dia está claro. Com o ministério, ele se viu obrigado a dormir às 11 e acordar às 7h. Isso foi, por incrível que pareça, o que deixou ele mais apreensivo. O maior desafio do Gil foi o horário de dormir e acordar, acho que até maior que o que teve com a Lei Rouanet ou problemas com a classe artística, foi o sono. Eu gostei muito quando ele saiu, e a família agradeceu. Há alguma semelhança entre o verão de 1980, quando vocês se conheceram e o verão de 2010? No verão de 1980, uma hora dessas, eu estaria no Porto da Barra, preta, preta, preta, queimada, felicíssima, no Porto da Barra. Continuo sendo

uma pessoa feliz, mas não estou preta, preta, preta, estou branca e não estou no Porto da Barra, estou trabalhando. Eu tinha 20 anos e hoje eu tenho 50. As coisas mudam, sim. Mas eu sou uma pessoa feliz, eu não fico na nostalgia. Quando leio uma entrevista de quem admiro e a pessoa diz que se sente melhor hoje, eu penso que não me sinto melhor hoje; eu me sinto uma pessoa, cada dia, cada época, sou de uma maneira, pode ser que amanhã me sinta pior e, depois de amanhã, melhor do que ontem. Eu sou geminiana. Com geminiano não se brinca. Tem gostado do que na cena cultural da cidade? O Pelourinho tem uma cena cultural muito bacana. Tenho uma amiga que trabalha no Expresso e trabalha no Pelourinho também, a Ivana Souto. Vejo o que ela pensa e o que está trazendo, tem shows bem bacanas acontecendo lá. Gil fez show no TCA, estava lotado. Não moro aqui, não sei bem como é, mas o que ouço falar são coisas boas, mas posso não estar sabendo o que está acontecendo. Vou fazer de um verso que Gil fez pra você na música Flora uma pergunta: imagina-se futura? Eu me imagino e desejo. Espero ter saúde para ter uma boa morte. «


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FOTOS ANDRÉ DE MOURA / DIVULGAÇÃO

ATALHO JERIMUM CAFÉ/NÊGA FULÔ PIZZARIA

Pizza, café e muito charme em Imbassaí No verão, a Linha Verde é uma rota de fuga. Mas evite a badalação da Praia do Forte e adiante mais alguns quilômetros até Imbassaí, o lugar tem boas opções de lazer e anda bem mais tranquilo. A dica é passear pela Alameda das Amendoeiras, ainda toda de barro, e parar em uma pequena vila que abriga um café, uma pizzaria e uma lojinha, é o Jerimum Café/NêgaFulôPizzaria.Bemcharmosa,aconstruçãodemadeiraepedrafoipensadapelo casal de proprietários, o paulista André de Moura e a mineira Taliana Moraes, que estão lá desde dezembro de 2001. No cardápio, há boas opções de massas, mas experimente a pizza. Prove os sabores marguerita e gorgonzola com nozes (os preços variam de R$ 34 a R$ 43), acompanhadas por um bom vinho ou espumante (a carta é bem variada). Depois, a pedida é um café, seguido de uma das deliciosas sobremesas da casa. Um conselho: vá cedo para conseguir uma mesa com vista para a rua, de preferência na varanda, torna sua noite bem mais agradável. « Texto NADJA VLADI nadjavladi@grupoatarde.com.br

JERIMUM CAFÉ/NÊGA FULÔ PIZZARIA Alameda das Amendoeiras, Imbassaí. Abre todos os dias, exceto quarta-feira. 71 3677-1019 DESTAQUE: experimente o sorvete com licor de amareto, acompanhado de um expresso


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Casaqueto Maria Bonita preço sob consulta. Blusa Esplanada R$ 43,99

VÉU MODA ROMANTISMO Fotos MARIANA DAVID http://www.flickr.com/photos/marianadavid/ Texto, estilo e produção MAYRA LINS mayralins@gmail.com

Em um sonho de uma noite de verão, a realidade diáfana pode invadir sutilmente o cenário, envolvendo as imagens com o encanto das transparências e o eterno romantismo dos babados e flores. As cores da água diluem fronteiras e criam passagem para a imaginação num mundo habitado por ninfas.


Soutien Esplanada R$ 15,99. Cinta Esplanada R$ 49,90. Saia Abx Contempo R$ 148

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Vestido Abx Contempo R$ 98. Saia acervo

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AGRADECIMENTOS Mariana David, Monalisa Sento Sé (modelo) e Model Club 3491-9032 (http://www.modelclub.com.br), Édipo Oliveira (beleza) – 8742-6186 e Salão Performance – 3451-4022 (http://www.espacoperformance.com.br/), Sanlazzaro Spa Urbano e Íris Azi – 3235-5885 (www.spaurbanosl.com.br)

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Túnica Esplanada R$ 33,99. Saia acervo

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COISA DE

bamba Reinventar o desfile das escolas de samba de Salvador é o sonho de Alaor Macedo, compositor baiano de linhagem nobre (sobrinho-neto de mãe Senhora), que fundou a Lira Imperial

Texto PAULO OLIVEIRA poliveira@grupoatarde.com.br

Alaor e o estandarte da Lira. Ao lado, porta-bandeira da Filhos da Liberdade, hoje extinta

MARCO AURÉLIO MARTINS | AG. A TARDE E ARQUIVO A TARDE


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A

laor Macedo merece ser tema de um samba-enredo igual aos que ele compôs para escolas de samba de Salvador (Filhos da Liberdade e Diplomatas de Amaralina) e do Rio de Janeiro (Unidos da Tijuca, Alegria de Copacabana e Salgueiro), entre 1962 e 1991. A primeira estrofe contaria as origens do filho do ator Lídio Silva, que ganhou notoriedade nos filmes de Glauber Rocha, e da pianista Ondina Macedo. Resumiria as brincadeiras de criança no Fuísco de Cima, no Barbalho, os primeiros passos como marceneiro aos 8 anos e falaria das relações de parentesco com mestre Didi, primo de seu pai, e mãe Senhora, uma das mães-de-santo mais importantes do Brasil. O enredo prosseguiria mostrando seu contato com o samba, as primeiras composições e a maior aventura: a decisão de ir para o FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

O colorido da Lira Imperial e a Juventude do Garcia, em 1967, na foto em P&B

Rio de Janeiro para tentar a vida como cantor. Esquentaria com as histórias de bastidores envolvendo banqueiros do jogo do bicho, disputas acirradas – às vezes definidas pelo poder das armas – em concursos de samba e a ida para os Estados Unidos, onde Alaor se casou e fundou a The Big Family, escola de samba que reunia os brasileiros em Washington. Na última parte, a fundação da Lira Imperial do Samba, a laranja, verde e branco de Nazaré, e a epopeia de ressuscitar os desfiles das escolas de samba de Salvador, iniciativa que arranca de entusiasmados elogiosavotosdedesconfiança.Mascomo letra de samba é para quem sabe, vamos contar essa história em texto jornalístico. A única escola em atividade em Salvador foi fundada no dia 29 de março de 2006. As cores saíram da cabeça do seu criador, sem nenhuma justificativa, mas inconscientemente retratam o Diplomatas de Amaralina (laranja) e a Império Serrano (verde e branco), que batizará a agremiação. O símbolo tem uma junção de elementos tradicionais – a coroa e o surdo –, com um detalhe para não deixar dúvida de sua baianidade: o Elevador Lacerda, incluído no logo por Lucas Batatinha, filho do compositor Batatinha. O que torna a escola peculiar é que desde a sua fundação foram feitas cinco apresentações, nenhuma delas durante o Carnaval. Também surpreende o fato de a sede ficar em uma rua (a Limoeiro) repleta de hospitais, o que impede a realização de ensaios. É dessa trincheira que Alaor batalha para concretizar seus projetos para revitalizar o desfile das escolas baianas. Dali, articulou a gravação do CD Abram Alas pro Samba, reunindo a velha guarda dos compositores de Salvador e jovens talentos. Outra conquista do paciente e perseverante Alaor Macedo foi a criação da

ARQUIVO A TARDE


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“Esquina do Samba“, ponto de encontro para sambistas e fonte de renda – o comércio de alimentos e bebidas – para as comunidades das antigas escolas. Com o patrocínio de uma cervejaria, o point começa a funcionar na folia deste ano, próximo ao Farol da Barra. Convicto de que é preciso “começar pela a estrutura e não pelo batuque”, o ex-marceneiro sonha com um sambódromo no Comércio; um centro de documentação e oficinas de formação de artistas plásticos, compositores e músicos, principalmente tocadores de cuíca, tamborins e frigideiras, que aqui, segundo ele, entraram em processo de extinção com o fim das escolas. Tudo isso bancado pela iniciativa privada: “Estou cansado de ouvir as pessoas dizerem vamos tirar um dinheiro do Estado para fazer um desfile. Ora, os governos têm de gastar dinheiro com outras prioridades: saúde, educação e segurança”, repete Alaor, confiante na estruturação das agremiações e no apoio da iniciativa privada. Por suas ações e declarações, o sambista se transformou em um “mito” para o secretário estadual de Cultura, Márcio Meirelles. “A proposta dele é genial. Ele é um cara inspirado, instigador. Se qualificou como gestor cultural e defende o retorno das escolas, o que precisa acontecer. Vi uma apresentação da Lira do Samba, na Praça Municipal, e foi deslumbrante. Estamos dispostos a criar um programa para apoiar a iniciativa, se houver demanda da sociedade”, exalta Meirelles. A professora de artes e diretora do Centro Cultural Nelson Rufino, Mazé, faz coro: “Se tem alguém que pode dar o pontapé inicial para a volta das escolas é o Alaor”.

A CONSTRUÇÃO DE UM MITO No tempo em que as escolas desfilavam entre o Campo Grande e a Praça da Sé, on-

«Alaor fez o mesmo caminho que Tia Ciata e voltou para lutar pelo samba. Ele é um bom compositor, tem experiência e uma grande virtude: faz tudo com paciência. Seu projeto de revitalizar os desfiles das escolas de samba merece atenção. O carnaval da Bahia tem lugar para todo mundo» Vadinho França, presidente do bloco de samba Alvorada, o mais antigo da Bahia

Ao lado, passistas da Diplomatas de Amaralina no Carnaval de 1969

de passavam por um palanque para ser avaliadas, Alaor fez sua estreia como compositor dos Diplomatas de Amaralina e ficou em segundo lugar com o samba-enredo Descobrimento do Brasil. “Naquela época, era muito difícil alguém de fora da comunidade vencer. Fiquei com o Diplomatas até 1972. Era muito respeitado, mas não ganhava. Aí surgiu o convite para ser intérprete do samba da Juventude do Garcia, ao lado de Roque Fumaça e Salvador Oliveira. A Juventude já tinha vencido três campeonatos e lutava pelo quarto. Resolvi me mudar”, recorda. Logo depois, diante da decadência das escolas – o último e melancólico desfile ocorreu em 1976 e foi definido pelo sambista Nelson Rufino como “degradante” –, Alaor voltou às artes da marcenaria e manteve o lado artístico, cantando em clubes como a Associação Atlética, Português, Yacht e Espanhol. Pouco para quem queria ganhar o mundo. Em1979,numasexta-feirachuvosa,oousadobaianodesceuna rodoviária do Rio de Janeiro com um saco às costas, contendo poucas roupas, um colete para usar em futuras apresentações e um berimbau.Osbolsosestavamvazios.Semsaberoquefazer,pegou um ônibus. Na primeira oportunidade, desceu pela porta dos fundos, sem pagar, no Rio Comprido, bairro entre a Tijuca e o Estácio, bem próximo do local onde surgiu, em 1928, a primeira escola de samba, a Deixa Falar. A sorte sorriu para Alaor 24 horas depois. Ao conversar com a dona de uma pensão e se identificar, foi aconselhado a ir ao clube Minerva (hoje Helênico), onde costumavam se apresentar Beth Carvalho, Jovelina Pérola Negra e Martinho da Vila. Lá, rejeitou a paqueradeumamulherquenãoconsiderouatraente,masmudou de ideia quando ela subiu no palco e soltou a voz: era a cantora Mariúza, nome artístico de Marilza da Conceição Aparecida, que faria carreira na Europa. Foi ela quem o apresentou a Pepe, dono do clube. Ele foi contratado no mesmo dia.

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A primeira tentativa de voltar a compor foi em 1980, na Unidos da Tijuca, que tinha o enredo sobre o industrial Delmiro Gouveia. Alaor foi vice. “A disputa foi acirrada, os sambas voltaram ao palco três vezes para o desempate. Foi decidido no revólver. Deram a vitória para Adriano Adauto e o pessoal do morro do Borel”, lastima, apesar de naquele ano a Tijuca ter sido campeã do segundo grupo e voltado à elite. Experiências envolvendo banqueiros de jogo do bicho e jogadas de marketing na disputa de sambas-enredos passaram a ser rotina na vida de Alaor. Ao mesmo tempo, as premiações pelas conquistas subiam – hoje, segundo ele, chegam a R$ 300 mil para cada compositor. FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

ESTRIPULIA

Escola Ritmo da Liberdade, ao lado. Abaixo, o sambista Nelson Rufino

Em 1987, depois de ter trabalhado no Hotel Meridien, o já experiente compositor foi descoberto pelos integrantes da Alegria de Copacabana, escola fincada entre os morros do Cantagalo, Pavão ePavãozinho,quandofaziaaleituradahomilianumacerimôniana Igreja da Ressurreição. Com o samba-enredo Palmarizando, a vitória era certa. Alaor chegou a ser informado pelo presidente da agremiação que seria o campeão uma semana antes da decisão. Não contava, porém, com a estripulia de seu parceiro Bolão, com quem dividiu a composição após aprender a duras penas que sozinho e sem pertencer à comunidade perderia de novo. Quando se apresentava na finalíssima, Alaor foi retirado do palco após cantar o primeiro verso – “Cheguei na força de Zambi”. Levado à presença do traficante Tonzé, foi informado de que Bolão arrombara um carro diante da quadra de ensaio. O veículo pertencia ao banqueiro de jogo do bicho Waldemir Paes Garcia, o Maninho, patrocinador da escola. Bolão levou uma surra e só não foi

«As

escolas fizeram parte de uma época em que transformamos a paixão pelas escolas de samba do Rio em um movimento digno, que revelou grandes compositores e artistas. Acho que, para voltarem,

é preciso catequizar os jovens baianos, que encaram as escolas como uma grande cultura carioca. Acredito que seria mais fácil investir numa única escola, a superseleção do samba, com alas formadas por remanescentes das antigas agremiações. Também investiria nos concursos de samba-enredo, que poderiam culminar na fusão de dois ou três composições num único samba-enredo a ser apresentado na avenida. Desse movimento, eu participaria»

Nelson Rufino, cantor, compositor e presidente do bloco de samba Amor e Paixão

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morto porque era querido pela comunidade. E Alaor, diante de um homem de confiança de Maninho, ouviu que, por ser inocente, poderia continuar frequentando a escola. Meses depois, num encontro fortuito na zona sul, Arizão, que era ligado ao bicheiro, levou Alaor para ver o ensaio do Salgueiro. Era o início de uma parceria vitoriosa. Os dois ganhariam por três anos consecutivos a disputa de samba-enredo. Em 1988, a primeira vitória veio com Em busca do ouro, mas não foi fácil. O grupo derrotado decretou guerra, literalmente, chegando a marcar um duelo com pistolas. Alaor não compareceu para o tiroteio. Para apaziguar a situação, a diretoria fundiu as letras e dividiu o prêmio entre nove compositores. “A composição é quase toda minha. Do samba de Mauro Torrão ficou apenas o ‘Banto/ D’angolo/ Crioulo, muito axé/ Eis o milagre do café’”, revela.

SIMPATIA Por não ter ido disputar o samba à bala, Alaor foi considerado frouxo pelo violento Maninho, que morreria assassinado com seis tiros de fuzil, numa emboscada, em 2008. Por outro lado, ganhou a simpatia de outros componentes , fator fundamental para suas conquistas. Seu Airton, por exemplo, era o responsável pela distribuição dos convites para os compositores. A cota de cada participante era 50 ingressos, mas o baiano levava mais do que o dobro, o que lhe permitia arregimentar torcedores extras. “O clima da quadra era um dos quesitos mais importantes para definir os finalistas. Convocávamos a torcida, mandávamos imprimir folhetos para todos decorarem o samba e os esperávamos na entrada da sede do Salgueiro com cafezinho e cachaça”, conta o tricampeão, autor também de Templo Negro em Tempo de Consciência Negra (1989) e Sou Amigo do Rei (1990). Com a derrota em 1991, Alaor passou a frequentar o bloco Boêmios de Irajá. No ano seguinte, seguiu para os Estados Unidos para participar de um evento e acabou fundando sua própria escola. Lá, gravou seu terceiro CD e se casou. Em uma de suas vindas para o Brasil para arregimentar instrumentistas para a “The Big Family” e visitar a filha única, no Rio, resolveu desviar o rumo para Salvador, onde não encontrou vestígios das escolas de samba. Seus planos mudaram. Ele fundou a Lira Imperial e começou a trabalhar para restituir a alegria de antigos bambas e formar nova geração de sambistas, seguindo ao pé da letra o que prometeu em Fruto da Raiz, gravado em 1997: “Vou levantar a bandeira do samba/ Eu vou cantar e sambar/ Porque o samba não pode acabar”. «

«Os planos de Alaor não são impossíveis. Reconheço a boa vontade e intenção dele. E como pessoa dedicada ao samba, não posso deixar de estar a favor. A volta das

escolas proporcionaria mais diversidade ao Carnaval baiano, mas é preciso discutir de que forma isso ocorrerá. Seria mais fácil

retornar com as antigas escolas ou criar novas? Qual a estrutura necessária para isso? Como despertar o apoio da iniciativa privada? Outra questão importante: a juventude baiana não tem cultura de escola de samba. Seria necessário implantá-la, quem sabe com a ajuda das secretarias de Educação. Por fim, os governos municipal e estadual precisam mostrar interesse efetivo, em vez de só acenar com promessas» João Barroso, ex-presidente da Juventude do Garcia

Um dos destaques da escola de samba Filhos do Tororó: fantasias de luxo para desfilar na avenida

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De volta ao passado As escolas de samba de Salvador se originaram das antigas batucadas (desfiles em fila indiana) e charangas. Elas tiveram um período áureo, entre os anos 1960 e 1970, em parte graças aos marinheiros e fuzileiros navais baianos que serviram no Rio e trouxeram para cá as técnicas e truques usados nas escolas cariocas. Os desfiles eram realizados entre o Campo Grande e a Praça da Sé ou a Praça Municipal, onde era instalado um palanque para elas se apresentarem para os jurados. A falta de estrutura das agremiações, o advento do trio elétrico, com som mais potente, e a decisão do presidente da Diplomata de Amaralina, João Pinheiro do Amaral, de pagar para tirar os melhores componentes das adversárias são apontados pelos especialistas como os principais fatores do declínio. Em sua fase áurea, existiam 14 escolas, divididas em dois grupos.

As escolas e suas cores originais 1. Ritmistas do Samba – vermelho e branco 2. Juventude do Garcia – azul e branco 3. Filhos do Tororó – vermelho e branco 4. Unidos de Politeama – azul e amarelo 5. Diplomatas de Amaralina – azul e laranja 6. Ritmistas da Liberdade – preto e amarelo 7. Verde e Rosa – mesmas cores do nome 8. Liga Independente do Samba do Comércio– laranja, azul e branco 9. Bafo da Onça – preto e amarelo 10. Calouros do Samba (Barra) – verde e branco


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Numeroso Valdemar

Marchand baiano de origem judaica, ogã de Oxóssi, advogado e cronista, comemora 45 anos de atividade em SP

Foto IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br

N

unca sabemos os efeitos de certas regras em algumas pessoas. Durante a adolescência em Salvador, um livreto contendo um compêndio de civilidade ensinava aos jovens nos colégios coisas consideradas muitíssimo importantes, como manter os sapatos limpos. Mas, para Valdemar Szaniecki, filho de imigrantes poloneses, faltava alguma coisa naquela pretensão toda de civilidade. Esse temperamento encontraria terreno para confirmar suas suspeitas mais tarde, quando viria a conviver com muitos artistas. Depois de ter sido repórter e cronista emSalvador,mudou-separaSãoPauloem 1960 e abriu A Galeria em 1967. Reconhece que deve seu começo a Carybé, Jorge Amado e Mário Cravo, mas A Galeria, passou a ser também uma espécie de “consulado baiano“ na capital paulista. “A gente acreditava na gente, que existia algo diferente, arte de participação, arte sensorial.

A gente saiu do que era o normal, não existe o normal”, diz o marchand, 70, casado e pai de três filhos. Para Valdemar, não era a sensibilidade ensinada em escola o que interessava: “Esse negócio de escovar dentes, manter sapato limpinho, isso é educação familiar, não de civilidade. Nós todos pensávamos assim, que a gente tinha que ser a gente, fazer alguma coisa com o Brasil”.

MÚSICA CAIPIRA Quando Tom Zé se mudou para São Paulo, foi morar numa pensão em frente à galeria. Valdemar acabou sendo seu parceiro, assinando Valdez Zanieck, em músicas como Jimi renda-se e De Iansan. E quando Tom Zé se irritou com os elogios de Caetano Veloso ao seu CD Estudando a Bossa, em 2008, ele escreveu sobre a quem devia consideração e não esqueceu Valdez. Ele teria recomendado que o músico gravasse música caipira, ou colocasse um turbante e fosse fazer adivinhação:

“Como eu poderia, enfim, ganhar a vida com mais facilidade e parar de lhe tomar dinheiro emprestado”, escreveu Tom Zé. Mas esse é o mesmo Valdemar que promovia Caetano e Gil em encontros e homenagens como quando levou para São Paulo a “comitiva tropicalista carioca” com Hélio Oiticica e o conjunto de passistas da escola de samba da Mangueira, nos idos de 1968. E abrigou Dedé, mulher de Caetano, quando ele partiu para o exílio, embarcando-a depois. São coisas que Valdemar ainda lembra, inclusive quando foi visitar o casal em Londres e Caetano o levou para ver Ginger Rogers. “Eles são ótimos“. Para Valdemar, também é tropicalismo o hoje folclórico caso que um tal de Zé Piromba fez no edifício Oceania, nos anos 1950, colocando um jegue no elevador. Isso não estava mesmo no compêndio de civilidade. Mas são episódios de uma vida verdadeiramente instigante. Ele mesmo pretende lançar neste ano um livros de crônicas, com base em textos


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Valdemar, marchand e eterno tropicalista

publicados em A TARDE, onde criou o suplemento de turismo e teve crônicas ilustradas por amigos, como os artistas Aldemir Martins e Carybé.

OGÃ DE OXÓSSI Completando 45 anos de atividades como marchand em São Paulo, o também advogado, como disse Jorge Amado certa vez, é digno de ser personagem de romance. Não é todo dia que a gente vê alguém de origem judaica que é, ao mesmo tempo, filho e ogã de Oxóssi no candomblé, no tradicional terreiro da saudosa ialorixá Olga de Alaketo (Ilê Maroiá Láji), citado em livros de Jorge comoBahia de todos os santos, Navegação de cabotagem 1 e 2 e em O sumiço da santa. Com a experiência de quem pode dizer que o mercado de arte também é arte, Valdemar, que tem o artista Jackson Pollok como ídolo, garante que não há crise para o segmento. Prova disso, a seu ver, é que a obra 200 one dollar bills, uma serigrafia (is-


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so mesmo) de Andy Warhol, posta à venda por US$ 6 milhões em novembro de 2009, saiu por US$ 43,8 milhões. Eleconsideraqueomercadodeartebrasileiroaindaé“calouro“comparadoaosda Europa e dos EUA. Por lá, artistas iniciantes vendem um desenho por US$ 500 quando aquiépossívelterumpequenoóleodeCarlos Bastos pelo mesmo valor. “É uma coisa que não tem conexão“. Mas a grande injustiça mercadológica, a seu ver, é a que sofre Mario Cravo Junior. “Insisto na obra dele porque acredito na iminente revisão dos seus preços, nacional e internacionalmente“, revela. “Ele fez partedoComitêdeRestauraçãodeJerusalém. Isso não é para qualquer um“. A propósito, a família Cravo já se mobiliza para retomar com Christian Cravo o projeto do livro sobre Mario Cravo Junior, iniciado por Cravo Neto, O Exu iluminado. Membro curador do Instituto Carybé, o marchand considera o artista argentino-baiano um gênio e um belíssimo investimento. Daqui a pouco, diz ele, vai custar caro. A arte brasileira, a seu ver, vende bem em leilões como os da Sotheby’s e a Christie’s, em que Portinari, Di Cavalcanti e Pancetti estão no topo. Mas, ele desconfia que contemporâneos, como Adriana Varejão, Cildo Meireles, Marepe e Sérgio Camargo, tem a maioria das obras adquirida por brasileiros, pois são compradas por telefone.

TEORIA DO VÍCIO Responsável por dar visibilidade em exposições a muitos artistas baianos, desde os anos 1960, como Mario Cravo Junior, Carybé, Jenner Augusto, Genaro de Carvalho, Cravo Neto, Mirabeau Sampaio, Fernando Coelho, Sante Scaldaferri, Hansen Bahia, Calazans Neto, Zu Campos, Guel Silveira, Ramiro Bernabó, Floriano Teixeira e José Maria, da nova geração baiana ele

«Parceiro de Tom Zé em várias composições musicais, cronista vivo e ameno, bom papo, cozinheiro emérito e inovador – o acarajé temperado com leite de coco é receita sua –, amigo para as horas boas e más, eis o numeroso Valdemar Szaniecki, proprietário de A Galeria, marchand por vocação. Menino, conta Calá, negociando com bolas de gude e fitas do Bonfim, ganhava os níqueis para frequentar as matinês do Cinema Jandaia ou para custear as aulas extras na sempre lembrada Escola de Expressão Corporal da professora China, no colégio situado no 63 da Ladeira da Montanha. Adulto, viaja para a Europa, a fim de comprar exposições de Carybé, quadros de Portinari, de Di e de Pancetti, que coloca no mercado nacional a preços... bem, o melhor é não falar em preços e lucros, tais coisas materiais desgostam naturezas sensíveis como a do bom Valdemar. Aqui vai meu abraço, caro amigo, parabéns a você e a Belinha, musa e sócia, pelo êxito de A Galeria, e os nossos votos, meus e de Zélia: mais 22 anos de sucesso, cada vez maior» Texto de Jorge Amado, nos 22 anos de A Galeria, em 1989, em www.agaleria.com.br

considera como excelentes os artistas Caetano Dias, Iuri Sarmento, Eliana Kertész, Florival Oliveira e Christian Cravo. Mas faz um alerta lisérgico, já que cada vez mais jovens passam a investir no mercado de arte: “Arte é um vício. Na minha época,noCarnaval,agentecheiravamuito lança-perfume. Quando você cheira uma vez, você vai cheirar sempre. Só que vai se aprimorando. Tinha a Colombina, tinha a Rodouro, que já era melhor que a outra. Com a obra de arte, é a mesma coisa“. Sua teoria do vício, aplicada ao mercado das artes, vai adiante: “ Você compra a primeira, depois vai se aprimorando, mas o vício fica. Você precisa ter intuição para praticar e assumir o vício”. Mesmo morando em São Paulo e frequentando os leilões pelo mundo, Valdemar nunca deixa de vir a seu apartamento em Salvador, no Corredor da Vitória. É aqui

que estão sepultados seus pais e irmãs. E aqui teve e tem grandes amigos. Embora afirme que a Bahia de hoje não seja a sua – a de quando ia tomar banho doce na casa da dona Cirila depois de mergulhar no Porto da Barra, antes de pegar o bonde para casa –, vê beleza na Av. Tancredo Neves e torce pela Bienal de Artes da Bahia, prevista para 2011. “Quando chego aqui, minhas vontades são tomar um Dust Muller, um Inocentes do Progresso, um Fantoches. São nomes de clubes carnavalescos, e A Cubana tem sundaes com esses nomes. Tenho vontade de ir à Ribeira tomar um sorvete. Vontade de pegar um barquinho e ir em Itaparica. De comer ensopado de camarão, caruru, de rever meus amigos. Tudo isso me dá muita saudade“. Pelas vivências e memórias deste ogã cabalístico, dá saudade até em quem não viveu nada disso. «


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Carrinho de

DESEJOS Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br

N

a primeira quinta-feira de janeiro deste ano, em pleno pôr-do-sol no Porto da Barra, um carrinho semelhante aos de café do Centro da cidade – que expressam a irrepreensível vocação de criatividade da cultura popular, aliando beleza e sobrevivência – trouxe alegria, música, arte e convivência plural ao calçadão da praia mais charmosa de Salvador. Pessoas se aproximavam e acompanharam,doFarolaoPorto,aquelecarrinho mágico. Pilotando o veículo, a bacharel em filosofia e produtora publicitária Ana Dumas, 46, parecia a felicidade em pessoa. Sentimento que foi compartilhado por todos que foram atrás daquele... seria um

Com música e poesia, Ana Dumas arrasta olhares quando sai às ruas com o pequeno veículo multimídia criado e patenteado por ela

minúsculo trio elétrico?, um sound system encolhido?,umconceitoalucinadoemmovimento? A cantora Marcela Bellas cantava sobre uma base no Ipod, balões com poesias de Karina Rabinovitz aproximavam pessoas que liam os versos porque o texto do mundo não basta, o tambor interativo parabólico da escola de samba Catarina Paraguaçu se afinou com a ideia e muitas pessoas filmavam aquela vibração que envolvia crianças,jovens,adultos,turistas.Moradores nos prédios acenavam. Todos cantavam e dançavam com músicas que iam de Michael Jackson a Timbalada, passando por Doces Bárbaros e Moraes Moreira. Tudo isso bem natural, mas, incrível é imaginar como isso tudo foi pen-

sado antes de ser executado. E quantas vezes pode ter sido visto como impraticável. Foi meio que aguardando o melhor tempo para executar seus projetos que Ana Dumas vê postas em prática ideias que vêm amadurecendo há muito. “Acho que nasci esperando o século 21 chegar“, diz ela, sabendo da importância do que muitos consideram um tempo de incertezas: “As coisas estão mudando. Esse momento é muito rico para quem está navegando na alma do mundo“.

SOUND SYSTEMS Ela sempre gostou dos carrinhos de café. Mas muitas outras referências se conjugam para o resultado do seu próprio: sound systems jamaicanos e nova-iorqui-


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Ana e o carrinho, uma releitura multimĂ­dia da cultura popular


nos, carrinhos de supermercados, instalações de Bispo do Rosário, carrinhos de DVDs de Natal e Maceió. E outras influências menos materiais. Ao contrários dos demais – feitos com madeira –, o carrinho multimídia é de zinco, que, acabou descobrindo, poderia fixar ímãs, projetar imagens e fazer verdadeira festa e ação direta na realidade. “O carrinho é um desfile de ideias sonoras, visuais, escritas e sensoriais. Uma alegoria de ideias, em forma de instalações, textos, intervenções visuais, danças e modas. É um livro aberto e ambulante“, arrisca a definição,elamesmasedefinindocomoIJ,istoé, uma Ideia-Jockey, mixando, misturando e miscigenando geral, já que não faz mixagens sonoras, apenas toca seu set e está bem mais envolvida com a cena do que apenas com a música. Com a função agregadora que o pequeno veículo tem, não faltou quem se unisse a ela, potencializando as funções do carrinho. O coletivo Sound Sisters, formado por Ana e Maira Cristina na discotecagem, a artista visual Silvana Rezende nos vídeos e a poeta Karina Rabinovitz, começa a tomar forma no Carnaval do ano passado, quando elas saíram pelas ruas do Rio Vermelho com um carrinho de café alugado. “Ali, as pessoas já enlouqueceram com ofatodealguémpegarumcarrinhodecafé e, de uma forma leve e irreverente, fazer dele um pequeno trio e brincar sem se preocupar com cordas, multidão, nem cordeiros lhe batendo“. Em julho, decidiu que faria o dela, juntou grana, fez empréstimo, escolheu com quem fazer, e, em novembro, o som já saía do carrinho. Êxtase. Logo, logo, vieram participações no projeto Hoje é Dia de Esquina, que aconteceu na Pituba e foi o teste que faltava. “Comecei a perceber que o carrinho puxava o olho das pessoas e que elas sorriam quando

ANDRÉ LIMA | DIVULGAÇÃO

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A cantora Marcela Bellas faz participação especial em apresentação do carrinho

APAREÇA BALAIO DE YEMANJÁ Data: 1º/2 Local: no gramado da Rua Fonte do Boi, Rio Vermelho Horário: 22h30 FESTA DE YEMANJÁ Data: 2/2 Local: no gramado da Rua Fonte do Boi, Rio Vermelho Horário: 17h CURTO CIRCUITO Data: 12/2 (sexta de Carnaval) Saída: Rua Fonte do Boi, Rio Vermelho Horário: 18h

viam , achavam que era coisa de doido. Mas vi que meu objetivo foi cumprido, porque o que eu mais quero é isso, que elas sorriam, interajam e fiquem felizes com ele“. Ana Dumas ainda estava um pouco apreensiva naquela hora, mas, quando ligou o som, ela mesma diz que se transformou. “Aí comecei a dançar e vi que as pessoas olhavam em dobro. E a ideia é essa, as pessoas vêm, mexem nos ímãs, mudam e interagem“. Logo depois, o surpreendente carrinho participou de um show da sempre surpreendente Mariella Santiago, onde foi possível ouvir um dueto da cantora baiana com Lauryn Hill numa duplicada releitura de uma música de Bob Marley. O Pelourinho também viu os axés do carrinho multimídia nas noites de Natal. E, depois, até uma aula em que tratava de Multimídias ancestrais, que aconteceu no Instituto de Letras da Ufba – na grama, não no auditório, o carrinho é de rua, ora.


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ÔDOIÁ

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OS ACESSÓRIOS DO CARRINHO

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1. Monitor de TV 2. Ipod 3. Netbook 4. Base para microfone sem fio 5. Twiter 6. Pulseira noturna de trânsito 7. Corneta 8. Caixa de som de 150w 9. Tomada 12v 10. Painel equalizador 11. Luz pisca-pisca 12. Painel detector de rede wireless

Embora o carro tenha se materializado em um ano, suas cores foram se definindo há mais tempo. Há dez anos, mais precisamente, desde que, com um grupo de amigos , começou a fazer um pequeno cortejo na véspera do dia de Iemanjá, foi nascendo a vontade de ter um carrinho de café para acompanhar o trajeto. Hoje, patenteado como Carrinho Multimídia, que Ana diz que é sua função e não seu nome, é quase impossível que nesta estação do ano não esteja associado ao entretenimento(vejaprogramaçãoparaoverão). Mas o projeto é maior: com ele, ganhou edital do Banco do Nordeste. A ideia vencedora do edital vai levar, este ano, oficinas de arte-educação para o município do Prado, onde Ana Dumas nasceu, juntamente com oficinas de arte integrada, com Silvana e Karina. Já conseguiu até um carrinho, que pertenceu a um antigo morador, seu Gonçalo, que vendia amendoim e caldo de cana, e estava parado desde que ele morreu. O sonho dela, na verdade, é que cada escola, cada comunidade, tenha o seu. Tanto mais, que sua ideia de “baixa resolução“, que garante mobilidade (leia-se, liberdade) ao veículo, é muito mais democrática. E acessível. Atualmente, ela se mobiliza para realizar três instalações no seu original suporte ambulante. Todas originadas em suportes que não vingaram, mas que encontram no carrinho, agora, como diz a música, a sua mais perfeita tradução: Brau – Brasileiro Universal, a exposição fotográfica Vai cega eoBolsadeideias,queéde1999.”Àsvezes fico dividida entre o remorso de ter perdido tempo com timidez e ruminando ideias por muito tempo, mas desde a adolescência eu achava que era preciso chegar à maturidade para saber lidar com as coisas”. O futuro é agora. «


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GASTRÔ SOBREMESA

Sorvete quente

Achar o ponto de consistência é o grande desafio no preparo dessas delícias geladas, que levam álcool na medida exata para o verão Texto DANIELA CASTRO dcastro@grupoatarde.com.br Fotos FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br


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S

O que pode servir de consolo é que fazer um sorvete com bebida alcoólica em casa realmente não é tarefa das mais fáceis. A edição mais recente da revista Sorvetes e Casquinhas, da editora Insumos, especializada em produtos e tecnologias do setor alimentício, lembra que “o álcool atua de forma semelhante aos açúcares, ou seja, como elemento frenador no processo de congelamento das misturas”.

orvete tem tudo a ver com verão. Um drinque aqui, outro ali também ajudam a enfrentar a estação mais quente do ano. E por que não juntar o agradável ao mais agradável ainda? Algumas sorveterias de Salvador aproveitam as altas temperaturas para tornar seu produto sedutor também àqueles que torcem o nariz para as guloseimas, mas não resistem a uma biritinha. Um sorvete de abacaxi, assim, solitário, talvez não balance muita gente. Mas que tal um de abacaxi com vinho tinto? Não tem esse que não fique, no mínimo, curioso. Foi apostando nisso que a Sorveteria da Ribeira agregou o sabor aos 58 já existentes em seu cardápio. “Todo dia 23 de setembro, que é o Dia Internacional do Sorvete, a gente lança um novo”, explica Francisco Lemos, proprietário da casa. “Esse foi Margareth Menezes quem batizou”, enfatiza. É, faltou dizer que o nome do danado é Suingue Bom. Sério, dá para resistir?

MODERAÇÃO Quem prefere uma mistura mais convencionaltambémnãosaidelácomocopo (ou taça ou casquinha) vazio. A sorveteria tem à disposição dos biriteiros de plantão o sabor caipirosca, que reproduz a conhecida combinação de limão com açúcar e vodca. “Mas, se tomar duas bolas, o bafômetro pega, viu?”, avisa seu Francisco, ferrenho incentivador da moderação. Com a mesma delicadeza, ele lamenta, mas explica que as receitas, não pode dar. “A receita foi mais cara que isso tudo aqui”, compara, mostrando as obras que estão quadruplicando o tamanho do imóvel. O jeito é tomar o rumo da Península Itapagipana e ir conferir essas duas delícias in loco mesmo.

PRAZER VOLÁTIL

Ao lado, Suingue Bom, da Ribeira, mistura abacaxi e vinho. N’A Cubana, tem o Whisky com Crispies

«A bebida agrega sabor, mas, em relação à textura, atrapalha» Georges Laporte, sorveteiro

Trocando em miúdos, a presença do álcool faz com que o sorvete, além de demorar mais para ganhar consistência, derreta muito mais rápido que os outros quando fora do refrigerador. O segredo, garante a publicação, é não ultrapassar o limite de quantidade recomendado para cada tipo de bebida. Para chegar a esse dado, basta aplicar uma fórmula simples, do tipo A = B/C. Para encontrar o A (quantidade máxima de bebida a ser usada), divida o B (peso total da mistura a ser congelada) pelo C (graduação alcoólica da bebida, que vem impressa no rótulo). Aí é só aguardar o resultado. “A bebida agrega sabor mas, em relação à textura, atrapalha”, confirma o mestre sorveteiro francês Georges Laporte. Para o dono da sorveteria Le Glacier Laporte, que não abre mão da fabricação artesanal e livre de conservantes artificiais, incluir bebidas alcoólicas entre os seus ingredientes resultou em trabalho extra e cuidado redobrado no preparo. Mas o desafio não impediu que ele adotasse em seu menu quatro sabores turbinados. O primeiro a ser testado foi o Martinica, umsorvetecremosoqueganhouaforçado rum, bebida escura cujo teor alcoólico passa dos 40° – e pode chegar aos 75°, no caso do jamaicano, o tipo mais forte da bebida. “O rum agrega um sabor bem dife-


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“Quem gosta de uma cachacinha já fica mais animado”, entrega Margarida. Vale lembrar que a cachaça, assim como a vodca, guarda a vantagem de ser incolor. É o ingrediente principal, então, que vai determinar o aspecto final do sorvete, que pode se tornar ainda mais sedutor se a escolha for pelas frutas de cores vibrantes, que combinam bem com o verão.

UM TOQUE DE MALTE

renciado, que remete aos barris de carvalho onde ele é envelhecido”, observa o chef Laporte. O contraponto fica a cargo dos minúsculos pedaços de chocolate e de laranja que entram na mistura. “Tem gente que pensa que é fruta cristalizada, mas é um doce da casca da laranja feito de forma artesanal”, faz questão de destacar Margarida Laporte, esposa de Georges e sócia dele no empreendimento. A dupla deu continuidade à experiência com a bebida para oferecer um upgrade a um dos sabores mais manjados por quem frequenta sorveterias. Assim, aquele trivial creme com passas ganhou status e virou Passas ao Rum.

MARVADA Na sequência, foi a vez de apostar as fichas numa bebida brasileiríssima, para não deixar de atender ao apelo de um cliente ilustre. Fez-se, então, o sorvete de biribiri com cachaça, encomendadopeloBabyBeef,umdosrestaurantesparaosquaisaLeGlacier Laporte fornece seus produtos. “Fizporobrigação,masentendiquecombinavamesmo”,brinca Georges Laporte. “E, quando dá certo, eu guardo no nosso cardápio também”, revela. Pois então eis que surge o Cocana, uma espécie de versão frozen daquela irresistível batidinha de coco.

O Martinica, da Le Glacier Laporte, agrega a personalidade forte do rum

ONDE ENCONTRAR Sorveteria da Ribeira Praça General Osório, 87, Largo da Ribeira – 71 3316-5451 Le Glacier Laporte Largo do Cruzeiro de São Francisco, 21, Pelourinho – 71 3266-3649 A Cubana R. Portas do Carmo, 12, Pelourinho – 71 3322-5858

A bebida mais popular da Escócia há séculos recentemente também encontrou seu lugar no paladar do baiano que ousa dar um toque de sofisticação à hora da sobremesa. Quem quiser saber o resultado final dessa mistura pode dar uma passadinha na sorveteria A Cubana. O Whisky com Crispies – sabor disponível somente na filial do Pelourinho – é fruto de pesquisas informais feitas pelo proprietário Marcos Bouzas, durante suas viagens mundo afora. Sempre em busca de sabores inusitados para renovar o cardápio, ele viu na bebida à base de malte uma possibilidade de fazer diferença. A principal dificuldade, como já se esperava, era encontrar a consistência perfeita. “O ponto de congelamento é diferente, ainda estamos tentando atingir o ideal”, confessa Bouzas. Mas, superado o inconveniente de não poder prolongar o intervalo entre uma colherada e outra, vale a pena conferir o resultado. A textura roubada pela presença do álcool é compensada, em parte, pelo crocante dos crispies. “Queria agregar algo que tivesse chocolate. Chegamos a testar o brownie, mas como o bolo também tem sabor muito marcante, um mascarava o outro”, lembra o empresário, que não teve medo de experimentar também o biscoito champanhe e a simplória bolacha maria. «


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SATÉLITE CURITIBA PARANÁ

Texto NINA NEVES nina.neves@grupoatarde.com.br

Todas as curvas de Niemeyer em Curitiba Entre os muitos programas culturais que Curitiba oferece, uma visita ao Museu Oscar Niemeyer é um dos mais interessantes. Imenso, é passeio para um dia inteiro. O prédio é uma obra de arte em si, projetado pelo mestre da arquitetura brasileira. O anexo, conhecido como Olho, é uma construção curiosa, em concreto e vidro, apoiada sobre uma larga coluna de cerâmica amarela, que foi pintada com desenhos do próprio Niemeyer. Nos dois prédios, são mais de dez salas que abrigam exposições e oficinas relacionadas aos temas das mostras. No subsolo do edifício principal, está a exposição permanente dedicada ao homem que dá nome ao museu.

São fotos, maquetes e croquis das principais obras do arquiteto. É item a ser marcado no caderninho dos interessados por arquitetura. O espaço tem forma circular, remetendo à paixão pelas curvas, assumida por Niemeyer, e teto de vidro, que é também piso do pátio térreo (cuidado com assaias).Tambémnosubsolo,noPátiodas Esculturas, há outra exposição permanente, com peças de Amélia Toledo, Bruno Giorgi,ErboStenzel,EmanoelAraújo,Francisco Brennand, Sérvulo Esmeraldo e Tomie Ohtake. Ao sair, uma volta pelo gramado na área externa pode ser muito agradável. «

DESTAQUE Quando a fome chegar, não hesite em sentar no café do museu: o cardápio é cheio de delícias a preços honestos

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EDINALDO JÚNIOR | DIVULGAÇÃO


BEL PEDROSA | DIVULGAÇÃO

ORELHA CAROLA SAAVEDRA

Prazer pelo enigma É por meio da prosa que Carola Saavedra, brasileira nascida no Chile, faz suas investigações do gênero humano. Flores azuis, o novo romance da escritora de 36 anos, vem recebendo elogios da crítica e acaba de vencer a Copa Brasileira de Literatura. Texto BRENO FERNANDES bfernandes@grupoatarde.com.br

LIVROS PUBLICADOS: Do Lado de fora (2005), Toda terça (2007), Flores azuis (2008)

Todas as histórias são histórias de amor? Nem sempre. Ricardo Piglia diz, num certo tom de brincadeira, que só existem duas histórias básicas. Ou se narra uma viagem ou uma investigação. O escritor é Ulisses ou Édipo. Eu gosto da ideia do enigma. Meu primeiro romance, Toda terça, é uma história de desamor, personagens incapazes de sair de si mesmos. Já em Flores azuis, o outro extremo, a entrega absoluta. Em comum, os dois têm a escolha pelo enigma. E se você não escrevesse? Me dedicaria à psicanálise, seria uma analista lacaniana. Ou seja, mudaria apenas a forma de apresentar o enigma. Qual o seu grau de conexão com o Chile? Eu saí de lá muito nova, aos 3. Por outro lado, a casa dos meus pais sempre foi como uma pequena “ilha Chile”. A música, a literatura, o idioma. Mas uma ilha parada no tempo, quase uma dimensão paralela. Tenho uma ligação emocional com o país, mas a língua em que escrevo é o português e sou, sem dúvida alguma, uma escritora brasileira. Os críticos dizem que os escritores iniciantes são demasiadamente autobiográficos. Vê nisto um problema? O problema surge quando o escritor falha ao fazer a transcrição, ao criar esse filtro, que é o que diferencia um texto literário de um simples relato. Por outro lado, quanto mais ele se afastar dos seus temas, daquilo que o impulsiona, menos força terá o seu texto. Qual o papel do escritor? Nenhum. Se o escritor tivesse um papel, deixaria de ser escritor para se tornar outra coisa, educador, psicólogo, vendedor. E nem mesmo acho que o papel do escritor seja contar histórias. Voltando à ideia do enigma, talvez o escritor seja apenas alguém que nos faz uma pergunta. «

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TRILHAS ANINHA FRANCO aninha.franco@grupoatarde.com.br

As falas de Lula e seus paletós

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uando Lula fala, a maioria do Brasil diz o que pensa sobre política, sexo, futebol, direitos, mulheres e todos os etecéteras que interlocutam os falares da sociedade. Lula só não se arrisca em área alienígena, como a arte, mas do resto ele fala com a mentalidade do gigante adormecido, conduzido 500 anos por uma elite empaletozada, que nunca ouviu o povo e que achava que ele jamais chegaria ao poder. Chegou desvestindo o paletó dos “Homens Bons e Honestos” de sempre, desconstruindo o empolamento idiomático da política pátria, investindo contra a concordância, deixando-se fotografar com o isopor na cabeça, entornando porres federais comentados pelo NYT, expondo, em cada uma dessas situações, que o presidente da República é um homem comum, um funcionário público a serviço do País.

çaram com maior ou menor intensidade o cérebro popular, mas não o coração. Com essas conquistas, e o poder que a aprovação pública lhe dá, Lula despiu a elite, mas não vestiu o povo. Nem Lula nem a esquerda cueca samba-canção, egressa da classe média, que o seguiu na vitória, e que no poder reivindica soluções para suas velhas torturas e prisões pessoais, mas se lixa para a tortura e a prisão dos miseráveis, para as superlotações das delegacias e para as penitenciárias desumanas que estão aí, agora, sem solução. E que, com certeza, não receberão bolsas-ditadura em 2050.

L

N

ula humanizou o poder com ações e frases lapidares, diferentes das dos presidentes saídos da caserna, da classe média, da oligarquia nordestina ou da quatrocentice paulista, que alcan-

isso, e em outras situações graves, Lula veste o paletó obsceno dos de sempre, como quando ignora a educação e opta por resolver a violência e a miserabilidade do País como eles fariam, com a esmola do bolsa-família, que se assemelha, agora, muito mais a um projeto eleitoral que social. De dentro do paletó, Lula continuou o desnudamento intelectual do povo que levou o presidente a declarar que as mulheres não devem ser submissas ao homem por um prato de comida, mas devem ser por amor, deslembrando que pretende eleger uma mulher para sucedê-lo. «

«O presidente só não se arrisca em área alienígena, como a arte»


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PAREDE MARIANA DAVID

www.flickr.com/marianadavid

O sertanejo sempre olha para o céu. Quando olha para a terra, é porque as nuvens carregadas já anunciaram a colheita. Imersa no sertão, a fotógrafa Mariana David despede-se da seção Parede com uma imagem do diálogo silencioso entre o homem e o tempo.

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