Revista Roteiro n° 158

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Ano VIII โ ข nยบ 158 19 de fevereiro de 2009

R$ 5,90



empoucaspalavras

A piada, atribuída ao romancista e dramaturgo inglês William Somerset Maugham (1874-1965), mostra bem a fama de maus cozinheiros que seus conterrâneos adquiriram desde sempre. Nosso colunista Silio Boccanera vislumbra, entretanto, algo de novo surgindo nas cozinhas do reino de Elizabeth II. Aquela história de dizer que inglês só come peixe frito com batata idem tem sido reescrita nos últimos 20 anos. A importação maciça de chefs de cozinha do mundo inteiro transformou por completo a oferta gastronômica de Londres, que já abriga mais de seis mil restaurantes, alguns deles até citados por publicações especializadas de outros países. Além disso, a disseminação de programas de culinária criou popstars como Jamie Oliver, Nigella Lawson e Gordon Ramsay, que incitam os súditos da rainha a tomarem gosto pelo fogão (página 8). Por aqui, a diversidade gastronômica não é nenhuma novidade. Nesse quesito, Brasília tornou-se há bastante tempo uma cidade cosmopolita, que abriga as mais consagradas e exóticas culinárias do mundo inteiro. Só na famosa Rua dos Restaurantes (404/405 Sul) a Roteiro identificou recentemente cozinhas de nada menos que dez diferentes nacionalidades. E para esta edição garimpamos mais duas, ambas na Asa Norte: a portuguesa Taberna do Infante e o japonês Hachí (página 4). Igualmente internacional é o ambicioso projeto acalentado pelo carnavalesco Joãosinho Trinta, hoje um ilustre morador de Brasília: a criação da Escola de Samba das Nações, com a qual garante que vai “abalar o mundo”. Aos 75 anos, e apesar das limitações impostas pelo AVC do qual se recupera com a ajuda do Hospital Sarah Kubitschek, Joãosinho está metido em vários outros projetos, como revela em entrevista exclusiva à Roteiro. Mais do que justa, portanto, a homenagem que a Aruc vai lhe prestar neste Carnaval (página 20). Que o reinado de Momo seja só de muita paz e alegria. E até a próxima quinzena. Maria Teresa Fernandes e Adriano Lopes de Oliveira Editores

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Quem foi que disse que não existe boa gastronomia britânica? É possível, sim, comer bem na Inglaterra. Basta tomar o café da manhã três vezes ao dia...

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luzcâmeraação

A atuação magistral em O leitor, ao lado do jovem David Kross, fez de Kate Winslet a favorita ao Oscar de melhor atriz, que será anunciado no domingo de Carnaval, dia 22

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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda | SHS, Ed. Brasil 21, Bloco E, Sala 1208 – Tel: 3964.0207 Fax: 3964.0207 | Redação roteirobrasilia@alo.com.br | Editores Adriano Lopes de Oliveira e Maria Teresa Fernandes | Produção Célia Regina | Capa ilustração de Fernando Vianna Filho| Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Reportagem Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre dos Santos Franco, Beth Almeida, Catarina Seligman, Diego Recena, Eduardo Oliveira, Heitor Menezes, Lúcia Leão, Luis Turiba, Luiz Recena, Quentin Geenen de Saint Maur, Reynaldo Domingos Ferreira, Ricardo Pedreira, Sérgio Moriconi, Silio Boccanera, Súsan Faria e Vicente Sá | Fotografia Eduardo Oliveira, Rodrigo Oliveira e Sérgio Amaral | Diretor Comercial Jaime Recena (7814.1690) | Contatos Comerciais André Gil (9988.6676) e Giselma Nascimento (9985.5881) | Administrativo/Financeiro Daniel Viana | Assinaturas (3964.0207)| Impressão Gráfica Coronário.


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Cantinho português Taberna do Infante é ponto de encontro da colônia lusitana de Brasília TEXTOS E FOTOS Eduardo Oliveira

Tudo começou pelo amor ao jazz. Foi assim que o economista português Jorge Santos, pianista e baterista nas horas vagas, veio parar no Brasil. Cinco anos atrás, munido da vontade de passar o resto da vida tocando seu gênero musical preferido num país tropical, ele desembarcou na Bahia para abrir o Jazz Club, uma casa onde se pudesse ouvir a melhor música ao vivo e onde fosse servida a tradicional culinária lusitana. O português diz que nunca tinha trabalhado na área gastronômica na terrinha, mas que já tinha fama de gourmet. “Eu sempre reunia os amigos em Portugal e cozinhava para eles, e todos elogiavam muito a comida”, conta. Esses elogios deram confiança suficiente para que o economista largasse tudo e viesse se arriscar em terras tupiniquins. O Jazz Club funcionava em Barra 4

Grande, pequena cidade de veraneio da Bahia. A cidade recebia muitos veranistas brasilienses que experimentavam a comida e se apaixonavam por ela. Depois de vários pedidos dos clientes, Jorge resolveu se aventurar e trazer seu Jazz Club para Brasília. “Resolvi vir porque lá em Barra Grande, por ser uma cidade de veraneio, eu trabalhava um mês e o resto do ano não tinha o que fazer, porque todos iam embora e eu ficava sem clientes”, explica. Ao chegar aqui, o aventureiro se deparou com um custo de vida mais alto do que esperava. O alto preço do aluguel adiou o sonho do Jazz Club e Jorge se contentou em abrir uma pequena casa para poder servir sua tão elogiada comida. Assim surgiu a Taberna do Infante, que há oito meses se esconde numa discreta loja na parte

de trás da 408 Norte, virada para a quadra residencial. A explicação para o nome é dada na primeira página do cardápio: “Infante D. Henrique, o navegador, foi o impulsionador dos descobrimentos. Pioneiro, conseguiu levar Portugal aos quatro cantos do mundo. Nós levamos os sabores e aromas da cozinha tradicional portuguesa até a si”. A descoberta desses aromas e sabores só poderia começar, é claro, com o bacalhau. São sete opções, do famoso bacalhau à Gomes de Sá ao bacalhau com natas, gratinado ao molho bechamel. A fiel clientela foi conquistada boca a boca. “Vem muita gente das embaixadas, não só de Portugal. Um diz para o outro que aqui se come o melhor bacalhau da cidade e assim vão sendo conquistados novos clientes, que vêm aqui e confirmam a qualidade da comida”, orgulha-se Jorge Santos. Outro favorito dos fregueses é o polvo à lagareiro, com azeite de oliva e batatas


assadas ao murro. “No começo, o prato que mais saía era o bacalhau, mas agora o polvo já sai tanto quanto ele. É uma disputa taco a taco”, conta o chef, em bom português. Mas as opções não se limitam aos frutos do mar. O cardápio inclui também o arroz de pato à moda antiga e quatro opções de filés, inclusive o bife ao molho de café que, segundo Jorge, era o prato preferido do poeta Fernando Pessoa. Todos os pratos são para duas pessoas, mas podem ser feitos em porções individuais por 60% do valor. Para acompanhar, o restaurante oferece uma carta de vinhos com 23 rótulos portugueses. O cliente pode experimentar ainda a Super Bock, uma das cervejas mais populares de Portugal. Também vem d’além mar o café espresso Delta, feito com grãos cultivados em Timor Leste. Para a sobremesa, duas boas opções são os tradicionais pastéis de Belém e Santa Clara. Além de chef, músico e economista, Jorge também se arrisca como arquiteto. É ele quem assina o aconchegante projeto

Jorge Santos e André Marques: sempre dispostos a um bom papo

da taberna, inspirado nos pequenos restaurantes do Porto, sua cidade natal. Mas não é só o ambiente que faz o cliente se sentir em casa. Jorge e seu braço direito, André Marques, estão sempre dispostos a um bom papo. “Tem vezes que os clientes chegam aqui, sentam cada um em sua mesa, e no fim da noite tudo virou uma grande mesa, com todos conversando”. Apesar de não comportar música ao vivo, o jazz ainda marca presença na casa. Um quadro negro pendurado na parede

indica as músicas que serão tocadas no dia. Isso faz com que o chef músico mate a vontade de ouvir seus melhores discos até o momento em que possa realizar o sonho de abrir o Jazz Club por aqui. Sonho que, pelo sucesso que a taberna está fazendo, não deve demorar a se realizar. Taberna do Infante

408 Norte – Bloco D – Loja 50 (3967.3686) De 3ª a 5ª feira, das 18h30 às 24h; sexta, sábado e domingo, das 12 às 15h30 e das 18h30 à 1h.

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Novo

japa Hachi promete suprir carência de restaurante japonês tradicional e de qualidade na Asa Norte Por Akemi Nitahara Fotos Eduardo Oliveira

Desde o oshibori, aquela toalhinha quente para limpar as mãos antes de comer, até o bancha, chá digestivo para depois da refeição, passando pelas entradas, como o missoshiro (sopa de missô) e harumaki (rolinho primavera), os pratos tepan yaki (grelhados), tempura, robata (espetinhos), yakimeshi, lamem e, claro, muito sushi e sahimi, tudo é do jeito tradicional que um bom restaurante japonês deve ter. Para beber, sakê, sakeroska e cervejas japonesas Kirin Ichiban e Sapporo. Assim é o Hachí, que abriu as portas na 110 Norte no dia 31 de janeiro. Apesar de já existirem um restaurante japonês e duas temakerias na mesma comercial, o dono do Hachi, Leonardo Amorim, explica que a ideia é suprir a carência, na Asa Norte, de casas do gênero. “É uma tendência do mercado, e a nossa metodologia é implementar qualidade e atendimento”, diz Amorim, que mora no Lago Norte. O cardápio oferece os pratos mais típi6

cos da culinária nipônica. Mas pode mudar. “O cardápio inicial tem de tudo um pouco, mas com o tempo a própria clientela da casa vai mostrar o que quer, e então a gente pode oferecer outras coisas”, explica o empresário. O sushiman da casa aposta em inovações gastronômicas a serem incorporadas ao cardápio. Marcos Mitsuo trouxe a receita do sushi diretamente do Japão, onde morou por oito anos. Os segredos da cozinha ele aprendeu com um amigo de lá, receita tradicional de família. “Agora eu estou fazendo faculdade de gastronomia e faço experimentações em casa. À medida que forem aprovadas, vão integrar o cardápio”. Há dois anos na profissão, Mitsuo já foi sushiman do Mormaii, Arun e Maki Temakeria. Apesar de ficar na 110 Norte, há uma razão para o restaurante se chamar Hachí (oito em japonês). Amorim diz que esco-

lheu o nome porque, no oriente, o número oito é considerado perfeito, o número do infinito. Para o budismo, ele é sagrado e também representa solidez, a finalização de um ciclo e os oito cantos de um cubo. Na China, oito representa prosperidade e os oito grandes dias do ciclo solar, com as entradas das estações e os solstícios e equinócios. A fachada do Hachí chama atenção, com faixas de madeira em toda a frente do Bloco B da quadra. A decoração interna é baseada no equilíbrio do preto e branco, com toques em vermelho. O Hachí veio trazer o melhor da tradicional culinária japonesa para a Asa Norte. Só faltam as salinhas com tatame. Mas há um sofá bem aconchegante em volta de todo o salão. Hachí

110 Norte – Bloco B (3274.8872) Diariamente das 12 às 15h e das 19 às 24h.


Para não esquecer A chef Alice Mesquita buscou inspiração na cozinha clássica francesa para seu novo Prato da Boa Lembrança. O Filet d’Agneu Sauce Poivrade – filé de cordeiro grelhado ao vinho, ervas frescas, pepino em conserva com geleia de frutas vermelhas – vem acompanhado de batatas e tomate à provençal. A novidade, já em cartaz na Alice Brasserie (Fashion Park, na QI 17 do Lago Sul), custa R$ 55.

De casa nova No último dia 3 o Gazebo reabriu suas portas na QI 28 do Lago Sul, mas só por pouco tempo. Em abril o restaurante se muda para as margens da Ponte JK, em sede nova localizada próxima ao Mangai. A região, pelo jeito, vai virar outro pólo gastronômico da cidade. Por enquanto, o Gazebo abre para jantar, de terça a sábado, a partir das 19h30. Almoço só para grupos fechados que fizerem reserva pelo telefone 3367.7080. Depois, na sede nova, haverá muitas novidades no cardápio. É esperar.

Stars and stripes

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A crise econômica ainda está brava, mas a terra de Obama continua fincando suas bandeirinhas. Só em Brasília agora são duas Hooters. A rede de restaurantes especializada em garçonetes “bem nutridas” acaba de abrir mais uma casa, no Pier 21. O restaurante tem ambiente descontraído e um cardápio que conta com opções como... ah! nem é preciso falar do cardápio! Os marmanjos vão pra lá de qualquer jeito, mesmo que seja só para beber e beliscar algo.

A qualquer hora O Toujours Bistrot (405 Sul), o mais novo francês da cidade, ampliou seu horário de funcionamento: agora abre as portas ao meio dia e só fecha à uma da madrugada. Das 16 às 19h, quando os restaurantes geralmente fecham e se preparam para o jantar, é possível saborear delícias criadas pelo chef Alexandre Rigon – quiches, omeletes, saladas ou até mesmo o prato do dia. Destaque para o tartar de salmão servido em blinis, acompanhado de creme azedo (R$ 32), e a salada Toujours, com folhas, to­­­­­­­mate em cubos e cogumelos frescos (R$ 12).

Mudança de hábito Os franceses estão bebendo menos vinho. Mesmo assim, continuam superando os demais países do mundo no consumo da bebida. De Londres, nosso colunista Silio Boccanera informa que os franceses consumiram pouco menos de 60 litros per capita em 2007, uma queda acentuada em comparação ao índice de 2003 (66 litros). De acordo com a revista The Economist de 21 de janeiro passado, os habitantes de países mediterrâneos continuam a beber mais vinho do que os europeus do norte, mas os hábitos estão mudando. Britânicos, irlandeses e nórdicos (assim como americanos e canadenses) estão enxugando mais vinho do que antes. E a revista prenuncia: a velha divisão entre beberrões de cerveja, do lado dos anglo-saxões, e entornadores de vinho, da região sul da Europa pode gradualmente desaparecer. Um brinde a essa união!

Churrasco vegetariano Vai oferecer um churrasco e teve que convidar seu amigo vegetariano? Seus problemas acabaram: foi lançado o inovador espeto de tofu para churrasco, da Tofutura (não confunda com Tabajara). Mais conhecido como “queijo de soja”, o tofu é um alimento nutritivo, fonte de ácidos graxos polinsaturados (as gorduras do bem), proteínas, vitaminas e minerais. Cada embalagem traz quatro espetos com pedaços de tofu desidratados, prontos para assar, grelhar ou refogar com óleo vegetal, claro. A novidade chegará a Brasília depois do Carnaval e poderá ser encontrada na rede Pão de Açúcar.

Recém-chegado Acaba de chegar ao Brasil o novo vinho Tarapacá Pinot Noir, produzido na região do Valle Central, no Chile, em vinhedos selecionados com 100% de uva Pinot Noir. Segundo a vinícola, o vinho tem uma cor rubi pálida e aromas de frutas rosadas

e notas de carvalho, com taninos maduros e persistência frutada, resultado de seis meses em barricas de carvalho.

Agora na Asa Norte O C’est si Bon vai ganhar até o final do mês um segundo endereço. A nova creperia, na 213 Norte, terá projeto assinado pela mesma arquiteta da Asa Sul, Ana Maria Arsky, e um menu com novidades elaboradas pelo chef Sérgio Quintiliano, sócio das duas casas. A estrela do novo cardápio é a gallete – legítimo crepe francês – feita com massa à base de leite de soja e trigo sarraceno, isentas de glúten e lactose. São servidas com três opções de recheio: Ratatouille (berinjela, abobrinha, cebola, pimentões, tomate, alho, manjericão e azeitonas verdes, a R$ 15,50), Billie Holiday (frango desfiado, maçã e passas ao molho curry, a R$ 17,80) e Almodóvar (filé mignon em tiras ao molho shoyo acebolado, shiitake e catupiry, a R$ 19,80).

Haná indiano Divulgação

Eduardo Oliveira

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O japonês Haná entrou no clima da Índia. Em cada dia da semana, um prato indiano estará no tradicional bufê da casa, ao lado dos sushis, sashimis e outras iguarias japonesas. São pratos típicos como a Samosa, espécie de pastel recheado com batata e temperos à base de ervas, servido com chutney de hortelã. O tempero indiano mais famoso não podia ficar de fora. O curry é base para três combinações de sabor marcante: Goa Fish Curry (peixe cozido ao molho de curry), Chicken Curry (frango grelhado ao molho de curry) e Malai Prawn (creme de camarão com curry).

Subway A rede de franquia internacional Subway não para de crescer em Brasília. Só na Asa Norte, do ano passado para cá, foram inauguradas Subaways nos postos da 314 e 302 e na 707 (rua do Ceub). Em todo o DF já são 24 lojas. É uma opção mais saudável de fast-food (nem tão fast assim), já que os sanduíches podem ser personalizados com bastante salada e ingredientes naturais. 7


Van Robin

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A culinária inglesa

não é mais aquela

Por Silio Boccanera, de Londres

Muita gente que debocha da cozinha inglesa nem se dá conta de que as grandes estrelas dos programas internacionais de televisão sobre culinária são nascidas, criadas e alimentadas na Inglaterra, onde moram e praticam sua profissão. Basta ligar os canais a cabo no Brasil que transmitem esses programas (como o GNT, da Globosat/Net) e lá estão Jamie Oliver com seu jeito de garoto levado, Nigella Lawson com seus lábios grossos e sugestões de 8

sensualidade na comida, Gordon Ramsay irritado e gritando palavrões com os assistentes, Marco Pierre-White com seu ar de superioridade, além de outros chefs menos conhecidos fora do país. Em comum, só o fato de que passaram a vida se nutrindo com a comida tão desprezada da Inglaterra e hoje ensinam ao mundo a arte de preparar bons pratos e comer bem. Pode parecer uma contradição, mas a origem deles ajuda a explicar a fama dos chefs ingleses: eles se abriram para o mundo, para influências de todo lugar, de

qualquer país, sem a arrogância de colegas estrangeiros (sobretudo os franceses) que só consideram legítima a cozinha de sua própria terra. Persiste ainda um mito de que não se come bem em Londres e que a cozinha local se resume a peixe frito com batata frita (fish and chips). Isso foi verdade no passado, mas a importação maciça de chefs e cozinhas do mundo inteiro, nos últimos 20 anos, transformou por completo a oferta gastronômica londrina, mesmo sem ter criado pratos nacionais de fama – kidney pie continua a ser intragável


Pratos do River Café, restaurante às margens do Tâmisa

aos paladares mais exigentes. Só na vizinhança deste escriba dá para escolher um da Etiópia, um da Malásia, um de Cingapura e três chineses – sem mencionar os mais comuns, italianos e franceses. Seus clientes incluem britânicos “da gema” e também minorias étnicas, que formam um quinto da população londrina e gostam de saborear os pratos de suas terras de origem. O economista americano Paul Krugman, de passagem por Londres, foi quem melhor explicou a origem da comida inglesa ruim do passado – e a consequente má reputação adquirida pela cozinha local. Questão de história econômica, disse ele de forma previsível para alguém de sua profissão. A Inglaterra se industrializou e se urbanizou cedo e rápido demais, disse ele. Tirou milhões de pessoas do campo e do acesso rápido a ingredientes frescos (uma ligação que os franceses, por exemplo, jamais perderam). E isso numa época (meados do século XIX) em que a tecnologia de alimentação urbana era precária, sobretudo por falta de refrigeração. Resultado: os habitantes das cidades passaram a depender de comida enlatada, carnes preservadas e legumes que dispensam refrigeração, como a indefectível batata da culinária local. Acostumaram-se com isso. Mas por que não melhorou depois, quando a tecnologia avançou? Aí entrou de novo a economia, disse Krugman, com a lei da oferta e da procura: os consumidores já não sabiam mais a diferença entre comida boa e má. Eles se habituaram à alimentação sem graça e não tinham oferta de nada melhor. Só vieram a mudar de padrão quando a oferta se tornou mais variada, graças à experiência crescente dos ingleses com comidas no exterior, mas sobretudo depois da chegada de imigrantes com seus pratos variados. A qualidade da comida em Londres avançou a passos gigantescos nos últimos anos, com a adoção de métodos e práticas internacionais de boa cozinha e o lento abandono do hábito tradicional de refeições sem gosto, frituras em excesso, verduras e legumes fervidos além do ponto. Essas porcarias continuam a existir, claro, pois não se mudam práticas alimentares com rapidez. Mas, ao contrário do passado, existem alternativas. É só procurar. Ou prestar atenção aos chefs ingleses na TV.

O irritadiço Gordon Ramsay...

... o garoto levado Jamie Oliver Fotos: Divulgação

para quem não foi criado comendo torta de rins. A influente revista americana Gourmet, dedicada aos prazeres culinários, destacou em Londres o restaurante Moro, de cozinha espanhola e norte-africana. Antes disso, outra revista dos EUA, a New York, fez uma seleção dos melhores restaurantes italianos do mundo e apontou como vencedor o River Café, à beira no Rio Tâmisa. Até os pubs, tradicionalmente conhecidos não pela comida, mas pela cerveja quente e a fumaça de muitos cigarros, hoje já servem pratos decentes. E apenas para esclarecer: a cerveja do tipo que tomamos no Brasil (lager para os ingleses) é servida gelada; só a de outros tipos, como a irlandesa Guinness, é servida à temperatura ambiente. E fumar em pubs já está proibido, o que acabou com a fumaça. Com algumas exceções, comida de bar não pretende satisfazer a paladares muito exigentes, servindo apenas para consumo local e barato, mas deixou de ser intragável e serve perfeitamente para um almoço entre amigos, regado a cerveja ou drinques variados. Nem precisa dizer que o uísque nacional – o da vizinha Escócia – é insuperável. Londres abriga mais de seis mil restaurantes, muitos deles com a culinária de lugares distantes e incomuns, para satisfazer

... e Nigella Lawson: sensualidade na comida 9


Dia de Luiz Recena

garfadas&goles

lrecena@hotmail.com

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festa no mar

Dia dois de fevereiro é dia de festa no mar. E festeja Iemanjá. Mestre Caymmi eternizou a data em música que todos cantam ao menos os versos iniciais. Há também quem tenha a poesia completa e a envie a um aniversariante desse dia. O colunista aniversariante agradece, pois veio ao mundo, não nas águas dos mares de Iemanjá, mas nas correntes caudalosas do Rio Uruguai, na fronteira do Brasil com a Argentina. O rio manteve a tradição natural de viajar para o mar e, assim, o dois de fevereiro de 2009 foi comemorado na praia de Stella Maris, fronteira com Itapuã. E entre familiares e amigos locais, alguns mais antigos, outros mais recentes, a festa rolou do dia até a noite, com direito a pequena procissão, banho de mar e entrega de oferendas à Rainha das Águas. Nas garfadas: as imbatíveis lambretas, a salada de polvo e camarão, com vinagrete, vermelho do rabo aberto, o peixe sequinho com todas as guarnições e, para encerrar, o já clássico “malassado”, carne de primeiríssima, de feitura surpreendente e sabor que cativa o eleitorado. Nos goles: cervejas geladíssimas, caipiroscas de frutas da estação. E poucas, raras destiladas.

Endereço certo E onde aconteceu tudo isso? No endereço já conhecido dos leitores, a Toca do Dinho. Pode não ser a barraca mais bonita da praia de Stella Maris, mas é onde se come, certamente, a melhor comida do pedaço. Dinho, Rosa e Manuela comandaram a orquestra. Ju fez a ponte entre a origem (a cozinha) e o destino (a mesa). Carinhosa decoração em azul, cor da Deusa, completou o ambiente.

De responsa O time alinhou com os baianos Gustavo calção de banho e Maria Luiza, Roberta e Dedeco, Mariucha e Roberto, Tia Rosa e Márcia Valéria, reforçados por Cristiano do queijo, Luis Carlos dos carros e Ralph do cachimbo; o paulista Alex, o candango

Jaime, a mineira Flávia, o catalão Josep e a carioca Rozane. E o aniversariante, é claro. Uma esquadra de primeira...

Woodstock não morreu No finzinho da festa chegou o artista Chagas, que desenha retratos na praia. Em atenção ao seu talento, a galera da praia não perdoou, e rebatizou-o de Chagasso (mistura entre os nomes dele e do pintor espanhol)... Ex-morador de Arembepe, o reduto hippie baiano dos anos 70, a horas tantas confessou: “Beijei Janis Joplin na boca”. E diante do espanto da plateia, completou, mais humilde: “Eu e todo mundo, inclusive os pescadores”. É verdade. Muito doidona, a cantora americana passou semanas em Arembepe naquela época, deixando inúmeras marcas.

Pelo telefone Só que desta vez foi ao vivo, depois de vários dias passados em Brasília. o As modificações do Madrid agradaram à multidão que passou pela festa. As novas carnes também. o Chegou Wagyu, carne Kobe, o gado japonês produzido em São José do Rio Preto. Está no BSB Grill (asas norte e sul). A picanha serve bem até quatro pessoas. Textura e sabor justificam o preço. o X-9 Beef, o espião das carnes, ataca restôs da capital, buscando inspiração em alguns pratos da concorrência. Há proprietários organizando força-tarefa para reprimir o xereta... o Refazer o colarinho do chope que perdeu a pressão deve ser obrigatório. Pago ou brinde, não importa. o Entre donas e lenhas, a tradicional bruschetta está virando pão de alho. Isso não se faz, os velhos italianos não gostam. o Agora sim, é a lei do bom senso. Se a pizza pedida chegar fria à sua mesa, peça outra. Nova e quente. Vai ter chiadeira, mas faça valer seu direito de consumidor. o Depois da lei seca, a infame, estão ameaçando “organizar” os estacionamentos de bares e restaurantes. Inclusive atacando os manobristas e gerando mais desemprego. Até quando? Vade retro! o Para mandar mensagens para esta coluna, use o e-mail lrecena@hotmail.com.


O bom filho Pouco mais de um mês de “exílio” e já aparece a oportunidade de rever os amigos. O companheiro, também exilado, ainda que em terras baianas, aniversaria e clama pela presença dos amigos. Sem hesitar, “com grande sacrifício” me decido a passar quatro dias nas terríveis praias soteropolitanas. Dois dias de praia até noite fechada, comidinhas das melhores na barraca do Dinho, muita comemoração com o fraterno amigo Recena, com direito a oferendas a Iemanjá (não é que o danado foi achar de nascer no dia dela!). Tudo ótimo, mas o sacrifício de fato veio na forma de cerveja – afinal, para um inveterado bebedor de vinhos como eu, passar 60 horas sem acesso sequer a um espumante foi demais. Mais dois dias de trabalho em Salvador e, após o atraso de praxe no aeroporto, segui para Brasília, onde consegui chegar lá pelas 11 da noite. Táxi direto para a 408 Sul, onde acontecia mais uma reinauguração do Parrilla Madrid. Esses meninos gostam mesmo é de festa. Em dois anos, fui a pelo menos três inaugurações do mesmo empreendimento. De qualquer forma, estava ótimo. Acho que desta vez eles acertaram a mão. O ambiente e a frequência eles sempre souberam fazer, e agora comprovaram que mandam muito bem nos assados de qualidade. Lá pude rever, com muito gosto, meus grandes amigos Ricardinho Pedreira, Gil Guimarães, Júnior, Rodrigo Freire, Carlão, Juan Pratginestós e tantos outros. E, finalmente de volta o meu mundo vínico, passei a noite à base do ótimo espumante Azulejaria. Mas o melhor estava reservado para a noite seguinte: a convite do Rodrigo Freire, fomos,

em companhia de José Luiz Paixão e de Marcinho VP, ao delicioso Oliver do Clube de Golf. Rodrigo não deixou por menos: ofereceu-nos de saída uma garrafa do excelente Herdade do Peso - Aragonês, um alentejano de estirpe importado pela Zahil, da safra de 2005. Com aromas de frutas negras, taninos arredondados e paladar quase doce, escoltou com galhardia os deliciosos bolinhos de bacalhau do Oliver. Acendemos então nossos puros cubanos e Rodrigo se esmerou abrindo uma garrafa do excepcional Pesquera, um dos melhores Ribeira del Duero, vizinho de cerca das vinhas do Vega Sicília, safra 2003, importado pela Mistral. Apresentou aromas evoluídos de tabaco e couro e uma vivacidade com acidez bem colocada em boca que o nomeou o melhor da noite, fazendo perfeita escolta aos ditos cubanos. Para finalizar a agradável noite, Rodrigo nos ofereceu uma garrafa do Shiraz da Jacob’s Creeck Reserva, safra 2004, importado pela Pernod Ricard, que, com sua tipicidade de aromas de húmus e leve pimenta do reino, acompanhou com perfeição os cogumelos frescos divinamente puxados no azeite de oliva. Sem dúvida, uma noite memorável para quem há tão pouco tempo partiu de Brasília e retornou para uma rápida visita aos bons amigos daí. Só me coube lembrar o verso “lá sou amigo do rei”. E tenho a certeza de que estarei sempre retornando a Brasília para rever os amigos. Só me resta torcer para poder fazê-lo com bastante assiduidade – e que doutras feitas possa encontrar aqueles que desta não tive oportunidade de ver, como o Adriano, o Jorjão, o Mauro, o Marquinhos e tantos outros.

ALEXANDRE DOS SANTOS FRANCO paoevinho @alo.com.br

pão&vinho

à casa torna

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No tabuleiro da baiana tem... Quentin Geenen de Saint Maur

palavradochef

palavradochef @alo.com.br

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Do acarajé, trazendo os mistérios dos rituais africanos, passando pela comida sagrada com as oferendas para os deuses do Candomblé; da indumentária usada pela baiana no exercício do seu oficio, herança do vestuário da corte europeia; da explosão dos sabores e das receitas complexas até o seu registro como patrimônio imaterial. A cultura volta assim às suas raízes: ao comer, fonte de inspiração desde os desenhos rupestres até as pinturas dos banquetes e naturezas mortas. A culinária, a partir do final do século passado, acompanha a tendência da praticidade oferecida pela industrialização. A vulgarização da comida pronta se distancia dos símbolos e ri­tuais ligados aos elementos constitutivos da arte de cozinhar. O registro do acarajé como patrimônio imaterial retoma a importância das práticas distintas e diversificadas ligadas ao fazer e ao comer na gastronomia. A baiana fica no tabuleiro com seu porte digno, um sorriso vibrante dando fluidez à sua fala mansa, vestida de “camisu” com aplicações de rendas, de bata larga realçada pelos fios-decontas coloridos, de saias armadas brancas remanescentes do velho continente e com um turbante afro-brasileiro coroando a cabeça. Uma verdadeira instituição feminina da aculturação no Brasil. No universo do candomblé, Oiá e Xangô são reverenciados pelas baianas com várias comidas: abará, acaçá, caruru, canjica branca e acarajé. Após escolher um espaço para instalar seu tabuleiro, as baianas do acarajé iniciam um ritual de limpeza, varrendo e lavando o local com água e seiva. Em seguida, forram um canto com folhas do campo, uma cabeça de alho e açúcar torrado com salsa. Depois cobrem tudo com papel manilha de cor rosa, onde são depo-

sitadas as moedas, o fogareiro e um copo com água, arruda e guiné, pinhão-roxo, contas. Por fim, incensam o local. A cozinha está armada. Numa vasilha de ágata repousa a massa branca aerada, preparada em casa, obtida depois de sovar com uma colher de madeira, até dar a liga, o feijão-fradinho deixado de molho de véspera para retirar a pele, e temperado com cebola ralada e sal. O feijão escolhido para a massa do acarajé é comprado pela maioria das baianas nas bancas da Feira de São Joaquim, em Salvador, e a maior parte dele vem de pequenos produtores da zona da Chapada Diamantina, principalmente da cidade de Irecê. Com ajuda de uma colher, a massa é frita em um tacho de azeite-de-dendê, fervendo até ficar crocante, dourada por fora e firme por dentro. O bolinho frito na forma alongada é oferecido puro quando se trata de homenagear Xangô. Aqueles que nós costumamos ver e comer nas ruas da Bahia, de uso profano, é acompanhado do molho nagô feito à base de quiabo, jiló, pimenta, camarão seco e limão, com algumas variações, como, por exemplo, adicionando-se azeite de dendê. E sempre acompanhado da invariável pergunta: “Quer quente?” Da próxima vez que você saborear um acarajé, segure-o com a mão por um momento e puxe da memória a canção na voz inigualável de Dorival Caymmi. Aumente o prazer de comer com a possibilidade de envolver todos os seus sentidos numa viagem pelo universo simbólico de uma gastronomia que é a fusão de três continentes: África, Europa e Brasil. Enquanto isso, na feira da Torre, as paraenses de Brasília já estão de prosa com Xangô para ver se o tacacá será o próximo a entrar na roda.


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MÚSICA AO VIVO

roteirogastronômico

ESPAÇO VIP

ACESSO PARA DEFICIENTES ÁREA EXTERNA

FRALDÁRIO

DELIVERY

MANOBRISTA

BANHEIRO PARA DEFICIENTE

Armazém do Ferreira Restaurante inspirado no Rio de Janeiro dos anos 40. O buffet, com cerca de 20 tipos de frios, sanduíches e rodadas de empadas e quibes, com a performance do garçom Tampinha, são boas opções para os frequentadores.

206 Sul (3443.4841), Liberty Mall e Brasília Shopping cc: todos

Em plena W3 Sul, o Bar Brasília tem decoração caprichada, com móveis e objetos da primeira metade do século XX. Destaques para os pasteizinhos. Sugestão de gourmet: Cordeiro ensopado com ingredientes especiais, que realçam seu sabor.

Numa das esquinas mais valorizadas da cidade, a casa tem uma ampla varanda e o chope bem gelado. No almoço, buffet variado de saladas, massas e grelhados. À noite, as linguiças mineiras estão entre os petiscos mais pedidos.

405 Sul (3443.0299) CC: todos

brasileiros

contemporâneos

201 Sul (3224.9313) CC: todos

Cachaçaria

Empório da Cachaça

Monumental

buffet de festa

Cardápio variado, sabor e qualidade. Buffet no almoço é o carro-chefe, com mais de 10 pratos quentes, diversos tipos de saladas e várias opções de sobremesa, a R$ 35,90 (2ª a 6ª) e R$ 39,90 (sáb, dom e feriados) por pessoa.

Recém inaugurada a versão bar da cachaçaria temática de Brasília. Decoração colonial, cachaças artesanais, chopp, petiscos exclusivos e o famoso prato da casa, o arroz de senzala, são opções para quem valoriza a gastronomia brasileira. No Happy Hour, Chopp Brahma a R$2,50 e caipirinha com Sagatiba a R$ 4,00.

506 Sul Bloco A (3443.4323) CC: Todos

QI 21 do Lago Sul (3366.3531) 412 Sul (3345.3531)

creperias

É um dos mais renomados buffets de festa da cidade, com mais de dez anos de experiência. Além dos salgados e doces finos oferecidos no buffet, destaque para o Risoto de Foie-Gras, o Carré de Cordeiro ao Molho de Alecrim e o Filé ao Molho de Tâmaras.

Praliné O cardápio é bastante variado, com tortas doces e salgadas, bolos, pães, géleias, caldos quentes, quiches, tarteletes, chás, café e sucos de frutas naturais. Café da manhã por R$ 11,90 de 2ª a 6ª e Chá da tarde por R$ 18,50 2ª e 3ª (bufê por pessoa). 205 Sul bl A lj 3 (3443.7490) CC: V

Café Antiquário À beira do lago, diante da vista mais bela de Brasília, a casa atrai todos que desejam unir ambiente agradável, boa cozinha e música. Almoçar um rico grelhado e tomar café ao fim da tarde são apenas algumas das ecléticas delícias do restaurante. O piano sofistica o ambiente de 18h às 20h30 todos os dias. As noites são de jazz e blues ao vivo. Pontão do Lago Sul (3248.7755) CC: Todos

C’est si bon

Sweet Cake

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Camarão 206

Bar Brasília

confeitarias

BARes

202 Norte (3327.8342) CC: Todos

buffet de restaurante

CARTÕES DE CRÉDITO: CC / VISA: V / MASTERCARD: M / AMERICAN EXPRESS: A / DINERS: D / REDECARD: R

Inspirado nas tradicionais panquecas de dulce de leche da Argentina que o chef Sérgio Quintiliano criou o crepe Astor Piazzolla, batizando-o com o nome do maior compositor contemporâneo argentino de tangos. Após o sucesso de vendas durante o Festival Sabor Brasília 2008, o Crepe Piazzolla foi incorporado ao cardápio por R$ 15,70. 408 Sul (3244.6353) CC: V, M e D


210 Sul (3443.2050), 109 Norte (3340.7002) Deck Brasil QI 11 Lago Sul (3037.2357) CC: V, C

BSB Grill

Brasília Golfe Center - SCES Trecho 2 (3323.5961) Espaço Cultural Contemporâneo ECCO - SCN Qd.3 (3326.1250) CC: Todos

internacionais

Oliver Cozinha internacional, música e arte em dois endereços. No Clube de Golfe, desde 2005 é referência de bom gosto. Na Asa Norte (foto), o destaque é a noite, com ambiente aconchegante mesclando as belezas clássica e moderna.

creperias

Crepe au Chocolat Para domar o calor, o Crepe au Chocolat oferece o delicioso Sherazade, crepe de frutas vermelhas com chocolate derretido e sorvete. Ou então Lolita, uma vertiginosa taça com três bolas de sorvete, frutas, calda e chantilly. Refrescante pecado!

Cantina da Massa

Desde 1998 oferece as melhores e os mais diversos cortes nobres de carne: Bife Ancho, Bife de tira, Prime Ribe, Picanha, além de peixe na brasa, esfirras, quibes e outras especialidades árabes. Adega climatizada e espaço reservado completam os ambientes das casas.

Agora, todo sábado é dia de dobradinha na cantina da massa. Dobradinha bovina com mocotó, molho de tomate, alho, cebola, salsinha, cebolinha, nós-moscada, louro, sálvia e pimenta, acompanha pao italiano e caseiro(R$ 15,00).

304 Norte (3326.0976) 413 Sul (3346.0036) CC: A, V

302 Sul (3226.8374) CC: Todos

Durante todo o mês de novembro, no jantar, o Rodízio de massas e galetos estará com preços especiais: de domingo a quarta por R$ 15,20 e de quinta a sábado por R$ 16,50. No almoço, Buffet com saladas, pratos executivos e grelhados

ITALIANOS

GRELHADOS

San Marino

209 Sul (3443.5050) CC: Todos

Roadhouse Grill

Trattoria 101

Criado nos EUA, foi eleito por três anos consecutivos o preferido da família americana. Com mais de 100 lojas, seus generosos pratos foram criados, pesquisados e inspirados nas raízes da América. Conheça tais delícias: ribs, steaks, pasta, hambúrgueres.

Cardápio com produtos italianos autênticos e tradicionais. Massas, filés, peixes e risotos, carpaccio. Tudo preparado na hora. Execelente carta de vinhos com 90 rótulos, entre nacionais e importados. Ambiente charmoso e varanda completam o ambiente. Manobrista na 6ª, sáb. e dom.

­ .Clubes Sul Tr. 2 ao lado do S Pier 21 (3321.8535) Terraço Shopping (3034.8535)

O Bierfass Gilberto Salomão completa em 2007 seu 38º ano de sucesso, com uma fórmula que agrega tradição, ambiente, cozinha e público diferenciado. Destaque para a cozinha internacional, variando pratos clássicos aos modernos, que influi tanto nos ingredientes usados como na apresentação dos pratos. GIlberto Salomão QI 5 Lago Sul (3248.1519) CC: Todos

INTERNACIONAIS

Bier Fass Gilberto Salomão

101 Sudoeste (3344.8866) CC: V, M e D.

Villa Borghese O charme da decoração e a iluminação à luz de velas dão o clima romântico. Aberto diariamente para almoço e jantar. Sugestão: Tagliatelle Del Mare (Tagliatelle em saboroso molho de azeite extra virgem, tomate, alho, manjericão e camarões grandes), por R$ 45,00. 201 Sul (3226.5650) CC: Todos

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roteirogastronômico

MÚSICA AO VIVO ESPAÇO VIP

ACESSO PARA DEFICIENTES ÁREA EXTERNA

DELIVERY

FRALDÁRIO

MANOBRISTA

BANHEIRO PARA DEFICIENTE

Oca da Tribo

Belini

Saboroso e diversificado buffet, com produtos orgânicos e carnes exóticas. No domingo, pratos especiais, como o bacalhau de natas e o arroz de pequi. Horário: de segunda à sexta, das 11:30 às 15h e sábados, domingos e feriados, das 12 às 16h.

A casa premiada é um misto de padaria, delikatessen, confeitaria e restaurante. O restaurante serve risotos, massas e carnes. Destaque para o café gourmet, único torrado na própria loja, para as pizzas especiais e os buffets servidos na varanda.

padaria

naturais

ORIENTAIS

CARTÕES DE CRÉDITO: CC / VISA: V / MASTERCARD: M / AMERICAN EXPRESS: A / DINERS: D / REDECARD: R

SCS trecho 2 (3226.9880) CC: Todos

113 Sul (3345.0777)

Peixe na Rede

Diariamente no almoço e jantar, festival de sushi e sashimi, com mais de 35 opções de pratos. Nas 2as e 3as, o tradicional buffet conta com o Festival do Camarão. Funciona também à la carte e tem delivery. Horário: diariamente das 12h às 15h e das 19h às 24h.

A vedete do cardápio é a tilápia, servida de 30 maneiras. O frescor é garantido pela criteriosa criação em cativeiro na fazenda exclusiva do restaurante, a 100 Km de Bsb. Há também pratos de camarão e bacalhau.

PESCADOS

Haná

405 Sul (3242.1938) 309 Norte (3340.6937) CC: Todos

Maki Temakeria

Baco

É o lugar ideal para fanáticos por cozinha japonesa que nem todos os dias estão com apetite ou bolso para ir a um restaurante tradicional. São 20 opções de temakis, como o delicioso camarão tempurá, e oito opções de rolinhos. Às sextas e sábados, funciona até as quatro da manhã.

Premiada por todas as revistas. Massas originais da Itália, vinhos e ambiente. No cardápio, pizzas tradicionais e exóticas. Novidades são uma constante. Opção de rodízio em dias especiais – na 309 Norte, toda 3ª e domingo, e na 408 Sul, às 2as.

405 Sul (3242.3460) www.makitemakeria.com.br

Nippon

PIZZARIAS

ORIENTAIS

408 Sul (3244.9999) CC: Todos

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CC: Todos

309 Norte (3274.8600), 408 Sul (3244.2292) CC: Todos Baco Delivery (3223.0323)

Gordeixo

Tradicional e inovador. Sushis e sashimis ganham toques inusitados. Exemplo disso é o sushi de atum picado, temperado com gengibre e cebolinha envolto em fina camada de salmão. As novidades são fruto de muita pesquisa do proprietário Jun Ito.

Ambiente agradável, comida boa e área de lazer para as crianças fazem o sucesso da casa desde 1987. No almoço, além das pizzas, o buffet de massas preparadas na hora, onde o cliente escolhe os molhos e os ingredientes para compor seu prato.

403 Sul (3224.0430 / 3323.5213) CC: Todos

306 Norte (3273.8525) CC: V, M e D


Self-Service, por R$ 31,90kg de terça a sábado, com carne suína, pato e carneiro, além do legítimo bacalhau norueguês. Tradicional cardápio à la carte todos os dias. Novidade: deliciosas saltenhas de bacalhau, carne e frango.

Sorvetes com sabores regionais e tecnologia italina são a especialidade da casa. Os mais pedidos: tapioca, cupuaçu, açaí e frutas vermelhas. Na varanda, pode-se apreciar café bem tirado e fresquinho, acompanhado de tapiocas quentinhas.

407 Sul (3244.3309) CC: V e M

112 Norte (3340.4894) e Casa Park (Praça Central) CC: Todos

Sorbê

A culinária de raiz das Minas Gerais e uma programação cultural que inclui músicos de renome nacional e eventos literários. Diariamente, buffet com oito a nove tipos de carnes. Destaque para a leitoa e o pernil à pururuca, servidos às 6as e domingos.

Sorveteria genuinamente artesanal, com receitas que utilizam frutos nativos do cerrado. São mais de 150 sabores. Os sabores tradicionais, cremosos, como as variedades de chocolate, dentre outros, contêm leite e creme de leite em suas fórmulas. Já os sorvetes de frutas (com algumas exceções, como abacate, pequi, araticum e outros) são produzidos com água.

306 Norte (3272.3032) CC: Todos

Regionais

Feitiço Mineiro

405 Norte (3447.4158), 103 Sudoeste (3967.6727) e 210 Sul (3244- 3164)

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SORVETERIAS

Saborella Português

Toca do Bacalhau


Divulgação

dia&noite recortedocéu Quando conheceu o pavilhão de vidro do CCBB, em Brasília, o artista mineiro Eder Santos teve um insight: uniria a transparência da galeria com a beleza do céu da cidade. Ele viu naquele espaço o lugar perfeito para sua criação. E partiu para concretizá-la. O resultado de seu esforço estará, a partir do dia 20, em Galeria das almas, videoinstalação que ficará até 3 de maio no CCBB. Elaborada com 25 projetores de alta definição, a obra apresentará imagens sincronizadas num prisma capaz de transformar o pavilhão de vidro num grande cubo de nuvens, um recorte do céu. A proposta do artista é gerar sensações que se alternam entre liberdade e cárcere, real e virtual, finito e infinito. Faz parte da mostra o Altar das virgens, criado para provocar “um intrigante incômodo”, segundo explica Eder Santos. Trata-se de um oratório barroco, feito em parceria com o artista plástico mineiro Fernando Ancil e inspirado na obra A virgem em oração, do pintor flamengo Quintin Metsys (1460-1523). O altar é “dedicado a toda uma geração de mães que se sacrificaram por seus filhos”. De terça a domingo, das 9 às 21h, com entrada franca. Divulgação

sessãosurpresa Está de volta a terceira temporada do projeto Teste de Audiência, que apresenta, na Caixa Cultural, um filme nacional em finalização por mês e a possibilidade de conversar com o diretor e participar de uma pesquisa que eventualmente poderá influenciar a edição. A novidade deste ano é que o espectador não vai saber antes qual filme será exibido. Esse método é muito utilizado pelos tradicionais screening tests, realizados com frequência pelo cinema internacional. Os produtores Marcio Curi e Renato Barbieri explicam que a reação do público presente aos filmes será medida em Brasília e também em Curitiba, cidade para onde o projeto se ampliou. “Ela ajudará em muito a tomada de decisões de finalização e lançamento por parte dos realizadores e produtores”, explicam. Quem quiser participar do projeto deve encaminhar informações do filme (em estágio de finalização avançada) com um DVD com o corte mais recente para: Teste de Audiência - CA 7 Bloco L lote 12 sala 102 CEP 71.503-507. Mais informações em www.testedeaudiencia.com.br Isabel Gouvêa

iemanjásdeisabel Durante 15 anos, a fotógrafa Isabel Gouvêa estudou e registrou as cerimônias de culto a Iemanjá, em Salvador. Dizendo-se “paulista de nascimento, mas baiana de coração”, Isabel pesquisou a trajetória dessas festas e descobriu que elas revelam surpreendentes dimensões poéticas do imaginário baiano, “numa busca de um sentido profundo da vida”. Seu registro virou a exposição Encantamento, uma foto-instalação composta de ampliações fotográficas, emolduradas ou em transparências, projeções de imagens e de objetos que criam um ambiente que remete o espectador ao mistério e à evocação do culto à Deusa das Águas. Com curadoria de Sônia Rangel, a exposição fica na Caixa Cultural até 1º de março, de terça a domingo, das 9 às 21h. Entrada franca. 18

osolnasceuparatodos Esse é o nome da tela ao lado, de autoria de Socorro Mota. Entre as 24 que compõem a exposição Cidadelas, é a preferida da artista, que se inspirou nas aglomerações urbanas para compor sua obra. Em 15 anos de carreira, a potiguar residente em Brasília tem se dedicado a estudar o significado da arte para a sociedade e a forma como o trabalho do artista pode contribuir para um mundo melhor. Com esse sentimento nasceu o projeto Cidadelas, em 1997, com a tela Cidade grande. A partir daí, as invasões, assentamentos e amontoados de pessoas vivendo nas periferias serviram de motivação para realizar a série. No Espaço Chatô (SIG), de segunda a sexta, das 10 às 18h. Entrada franca.


Divulgação

¡vivaladiferencia!

jogodecena

homenagemaopoeta Quem não se lembra das letras de Dentro de mim mora um anjo e Face a face, tão bem interpretadas por Simone, no fim dos anos 70? Essas e muitas outras, 200 ao todo, foram escritas por Cacaso, um poeta responsável por muitos sucessos da MPB mas que morreu cedo, em 1987, com apenas 43 anos. O CCBB vai homenagear Antonio Carlos Ferreira de Brito no projeto Cacaso, música e poesia, de 5 a 15 de março. Parceiros e intérpretes lembrarão a obra do mineiro deUberaba, sempre sob o comando de Rosa Emília, cantora baiana que vive em Veneza e foi casada com o poeta. “Será um encontro de amigos para celebrar os 65 anos do nascimento do Cacaso”, justifica a cantora. No palco, alternam-se e cantam com ela Paula Santoro, Cláudio Nucci, Sueli Costa, Olívia Byington, Joyce, Zé Renato e Nelson Angelo. As apresentações acontecem de quinta a domingo, com ingressos a R$ 15 e R$ 7,50. Informações: 3310.7087.

Teatro, cinema, esquetes e artes plásticas. Sob o comando de Welder e Pipo o projeto Jogo de Cena está de volta ao palco do Teatro da Caixa. Iniciado em 1985 com o objetivo de criar uma vitrine para o movimento cultural de Brasília, o programa tem direção de James Fensterseifer e reestréia dia 25, às 20h30. Entre as atrações, um trecho da peça Você não é perfeita, tchau, de Alexandre Ribondi. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.

Estão abertas, até 30 de março, as inscrições para o Festival Internacional de Filmes Curtíssimos. Em sua 11ª edição em Paris – e 2ª em Brasília –, a mostra exibe, em abril próximo, uma seleção de filmes de três minutos de duração feitos em 75 cidades de 17 países. Os interessados podem inscrever trabalhos de qualquer gênero ou tema, amadores ou profissionais, mas não podem passar de três minutos (fora o título e os créditos). Inscrições gratuitas em www.filmescurtissimos.com.br.

Lamberto Scipioni

avezdoscurtíssimos

concretoarmado Ainda há tempo para ver a exposição Um século de concreto armado no Brasil, na Caixa Cultural. São 90 ampliações fotográficas produzidas pelo italiano Lamberto Scipioni, entre 2004 e 2005. Durante mais de um ano de trabalho, ele registrou casas, palácios, arranha-céus, escolas, pontes, rodovias, indústrias, portos e usinas hidrelétricas de todo o país. O esforço resultou num acervo fotográfico único da arquitetura e da engenharia do concreto armado no Brasil. Até 1º de março, de terça a domingo, das 9 às 21h. Agendamento de visitas monitoradas: 3206.9450. Entrada franca.

Vini Goulart/Magneto Fotografia

sórirsalva De acordo com as mais recentes teorias apocalípticas, o mundo vai acabar em 2012, daqui a três anos, portanto. Aproveitando essa deixa, vem aí a comédia 3 anos para 2012 – só rir salva, que tem direção de Thiago Casado. Um cirurgião assassino, crianças violentas e uma secretária em surto são alguns dos personagens da peça, que tem texto sarcástico e faz uma contagem regressiva para o fim do mundo. De 26 de fevereiro a 15 de março, na Casa D’ Itália (208/209 Sul). Quinta, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.

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Divulgação

Estudantes de publicidade e quem se interessa por criatividade publicitária têm boa oportunidade para conhecer um pouco da produção espanhola dos últimos quatro anos. Em cartaz no Instituto Cervantes (707/907 Sul) até 28 de março, a exposição ¡Viva la diferencia! apresenta 130 peças gráficas e 100 peças audiovisuais selecionadas pelo Clube de Criativos, que reúne as principais agências e diretores de criação da Espanha. Uma das peças da mostra (foto) foi feita para a WWF em 2007, pela agência Contrapunto. De segunda a sexta-feira, das 9 às 21h, e sábados, das 9 às 15h. Entrada franca.


carnaval2009

Incansável

Joãosinho Aos 75 anos, nosso carnavalesco mais famoso se emociona com homenagem da Aruc, declara seu amor por Brasília e faz planos ambiciosos para o futuro – entre eles a criação da Escola de Samba das Nações, com a qual garante que vai “abalar o mundo” Por Lúcia Leão Fotos Rodrigo Oliveira

“De um a dez, Joãosinho é Trinta”, diria um certo Beto Bonito, uma das boas almas de samba que povoam a Asa Norte. E tudo aquilo que o malandro pronuncia – bem sabe Noel Rosa – vai além do jogo esperto de palavras, que neste caso falam do superlativo, marca registrada da vida e da obra do grande mestre do Carnaval. Imensas alas, enormes carros, magníficas fantasias, celebérrimas polêmicas... “Superlativo é o desejo e é o sonho”, autodefiniu-se, num fim de tarde deste fevereiro, João Clemente Jorge Trinta, 75 anos, o mais novo “cidadão honorário de 20

Brasília”, que adotou o hábito de apreciar o pôr-do-sol sobre o Lago Paranoá e deixar-se emocionar às lágrimas pela evolução de formas e cores no céu que já inspirou tantos artistas. Foi assim que encontramos Joãosinho, na varanda da casa do amigo Ricardo Marques, na hora marcada para a entrevista: enxugando os olhos e lutando contra a voz embargada nos primeiros cumprimentos. Mas não demorou nada para a fala se aprumar e as palavras se encherem de ênfase nos relatos das novas experiências, dos novos sonhos e projetos. Para começar, Joãosinho agradeceu a homenagem que receberá da Aruc, resultado de um ano de maturação, pesquisa e

criação na usina de idéias da Acadêmicos do Cruzeiro, sob a batuta do jornalista e carnavalesco Moacyr Oliveira, que divide a autoria do enredo com Hélio dos Santos. “A idéia surgiu exatamente no final do desfile do ano passado, quando fomos cumprimentar o João no camarote, e no dia seguinte, na quarta-feira de cinzas, batemos o martelo: a grande campeã das escolas de Brasília vai celebrar o grande campeão de todos os carnavais”, lembra Moa. “Além disso, o Joãosinho já é um dos nossos, morador e cidadão de Brasília. Sem falar no grande apelo de público que seu nome tem: os ensaios da escola estão bombando”, festeja o carnavalesco corintiano-candango.


Mesmo gratificado, Joãosinho declinou do convite para desfilar num dos carros alegóricos da Aruc – e explicou por quê. Falou ainda da Escola de Carnaval que montará em Brasília e da Escola de Samba das Nações, que “abalará o mundo”, lamentou não festejar Momo na pequena Cavalcante e, de quebra, anunciou a volta à avenida do Sambódromo carioca, de onde está afastado desde 2002. Detalhe: em parceria com Oscar Niemeyer. A morada em Brasília, agora ele garante, é “definitiva”. Mas a vinda de Joãosinho para a cidade foi um presente do destino, que colocou o Hospital Sarah Kubitschek no seu caminho para recuperá-lo de um AVC. E não foi a primeira vez que o destino o tratou bem. Há mais de 50 anos, imigrante faminto no Rio de Janeiro, foi uma nota redentora que lhe caiu do céu. O escritor maranhense José Louzeiro relatou com maestria o episódio: “Certa vez, seguindo pela avenida BeiraMar, proximidades do Hotel Glória, num trecho que estava sendo calçado, eis que (Joãosinho Trinta) sente vertigem e antes que caísse sentou-se no meio fio, colocou a maleta sobre as pernas, teve vontade de chorar e chorou: estava há três dias sem comer e sem tomar banho, chegou a imaginar que vivia o fim de sua aventura. Mas, com a força da fé, fez um pedido a Nossa Senhora do Desterro: que Ela o ajudasse a vencer o momento difícil que atravessava. O suor escorria-lhe pelo corpo, a fraqueza tornara-se intensa. Um ônibus parou defronte ao lugar em que estava sentado. Quando o veículo deu a partida, cobrindo-o com uma nuvem de poeira, deixou aos seus pés uma cédula de Cr$ 500 mil. A princípio não acreditou no que via; imaginou que estivesse delirando. Pegou a cédula, tratou de desamassá-la e só aí passou a acreditar que o dinheiro era coisa real, milagre da Santa”. “É desse dinheiro que sobrevivo até hoje. Não fosse aquela nota, minha história teria acabado naquele meio-fio”, diz, agradecendo a Nossa Senhora do Desterro e também aos médicos, enfermeiros e atendentes do Sarah. Entre um episódio e outro, muita história rolou, construindo um enredo superlativo e improvável que o carnavalesco Moa preparou para a Aruc cantar neste Carnaval. Mas Joãosinho tem coração e mente no futuro, como demonstra neste depoimento à Roteiro:

A homenagem da Aruc (“O gavião abre as asas para Joãosinho Trinta”) Eu expliquei para a diretoria que não poderia desfilar na Aruc porque as outras escolas poderiam se sentir meio prejudicadas. Talvez os juízes ficassem pendendo para o lado da Aruc em função da minha presença. Eu me sinto muito gratificado e recebo essa homenagem com muito carinho. Mas o Carnaval precisa de cuidados... Eu vou abrir o desfile, junto com o Rei Momo e a Rainha do Carnaval, para homenagear todas as escolas.

Escola de Carnaval, uma aposta (o mestre acredita que as escolas de Brasília podem tirar o pé da lama e entrar no calendário das melhores do mundo) Eu devo começar este ano um curso, trazendo professores do Rio, os grandes mestres dos diferentes quesitos que envolvem um desfile, para promover a especialização e a profissionalização de toda a cadeia produtiva do Carnaval. Vamos trazer mestres de bateria, professores especializados em coreografia de mestre-sala e porta-bandeira, das comissões de frente, pessoas que conheçam bastante do fazer de fantasias... tudo, conforme já conversamos com as diretorias de todas as agremiações, para contribuir para um melhoramento das escolas. Vamos pegar tudo o que elas já sabem fazer e acrescentar os meus conhecimentos e contatos que tenho no mundo do Carnaval. As aulas serão nos próprios barracões e já têm garantido o apoio do GDF e do Ministério do Trabalho. O resultado desse trabalho vai começar a ser visto em 2010. Será o começo da evolução do Carnaval de Brasília, que vai chegar lá porque as escolas daqui têm o que é mais importante: um povo que tem garra, que gosta, que faz sacrifício. O dinheiro é pouco, a maior parte das escolas não tem sede própria, não tem nada pra se manter e mesmo assim se mantém. O sambódromo é mal localizado, cheio de lama, longe, e elas vão assim mesmo. As escolas de samba daqui estão de parabéns pelo esfor-

Ópera de rua, um salto de qualidade (Joãozinho fez, Joãozinho fará) Quando eu comecei a trabalhar no Carnaval do Rio, o desfile era chamado de “samba do crioulo doido”, porque faltavam exatamente os conhecimentos para a montagem de um espetáculo audiovisual, como é o desfile da escola de samba. Havia muito talento, muita vontade, os sambas eram lindos, mas não se entendia o que estava se passando. O desfile de uma escola de samba é, na verdade, uma ópera de rua. Tem o libreto, que é o enredo, a orquestra, que é a bateria, o corpo de baile, que são as alas, os personagens principais, que são os destaques, e os cenários, que são os carros alegóricos. Aquilo que se escuta através da música, do samba-enredo, tem que se ver e compreender. Tem que haver harmonia, porque quando não há essa harmonia não se entende nada e vira o tal samba do crioulo doido. Eu, que já tinha montado grandes espetáculos com Aída, Tosca e O Guarani no Teatro Municipal, levei para as escolas esse conhecimento. E elas deixaram de ser o samba do crioulo doido para se tornar o maior espetáculo da terra. É o que eu vou O carnavalesco Moacyr Oliveira no barracão da Aruc: “A grande campeã das escolas de Brasília vai celebrar o grande campeão de todos os carnavais”. fazer aqui.

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carnaval2009 ço, os presidentes das escolas são verdadeiros heróis! E a cidade tem o samba nas veias, como todo o Brasil. O Carnaval e as escolas de samba são os grandes propagadores da cultura brasileira. O do Rio é transmitido pela televisão para 157 países. O mundo inteiro conhece o Carnaval brasileiro e quer fazer um Carnaval como faz o Brasil. O Japão tem cinco escolas de samba que, se você vê, fica até espantada como as mulheres e os homens dançam, com o ritmo e o gingado que eles têm. Tem escola de samba na França, na Espanha, em Portugal, nos Estados Unidos... até na Síria há uma cidade que faz um Carnaval como o nosso. É um patrimônio que a gente quer valorizar cada vez mais. Samba para abalar o mundo (em tempo presente, Joãosinho fala do futuro, já que não há previsão de que este sonho se realize a curto prazo) A Samba das Nações é uma grande escola itinerante, com pelo menos três mil componentes selecionados entre os melhores de todas as escolas do país, que vai viajar pelo mundo levando como enredo os grandes problemas que afligem hoje a humanidade. O primeiro desses temas vai ser o meio ambiente. Vamos mostrar como o mundo era um paraíso e como hoje esse paraíso está tão maltratado. Derrubam-se e queimam-se árvores na Amazônia, os rios e os mares são poluídos, os polos estão descongelando, a poluição é tão grande que até buracos na camada de ozônio da Terra se produziu. Então, se não dermos um basta nisso, não sabemos como a vida no planeta vai ficar. Mas vamos terminar sempre com uma mensagem de ânimo, esperança, alegria e fé, que é a alegria brasileira de fazer as coisas boas acontecerem. A mensagem é de que nós estamos não “pre” mas “ocupados” com esses problemas. Você há de avaliar que um projeto como esse é muito grande, precisa de muito apoio, e atualmente o mundo está em crise. Este é o momento para nós arquitetarmos e esperarmos as coisas melhorarem um pouco. Mas já estamos trabalhando e o trabalho é muito! Imagine, formar uma escola dessa grandeza! Será um espetáculo para abalar o mundo! Tem quilombola no samba. Joãosinho organiza o Carnaval na Chapada dos Veadeiros Eu fui a Cavalcante e encontrei uma comunidade muito unida, muito coesa e com muita vontade de fazer Carnaval. Estão organizadas lá cinco agremiações, meio blocos, meio escolas de samba. Um são os kalungas, que são quilombolas. Estão aprontando fantasias e sambas, estão numa animação muito grande. Eu transmiti meus conhecimentos e os ajudei a se organizarem. Vou passar o Carnaval dividido entre o Rio e Brasília, mas na verdade gostaria de estar em Cavalcante! Na Praça da Apoteose com a Praça da Soberania (se a polêmica soterrou a praça, o carnavalesco promete eternizá-la na avenida) O Ricardo Marques, que é um grande empresário e uma pessoa de coração boníssimo, teve a idéia genial de uma escola do Rio fazer um enredo sobre Brasília no ano do cinquentenário. Nós conversamos com o Niemeyer, que adorou a idéia e se prontificou ele mesmo a desenhar um carro alegórico, onde a Praça da Soberania será a Praça da Harmonia. Ela vai passar na avenida, vai existir na avenida e vai ficar para sempre no nosso imaginário e na memória do povo! 22

O gavião abre as asas para Joãosinho Trinta Dilson Marimba, Wander Timbalada, Mestre Lollo e Fabi Rosa

Liberta a fantasia, voa meu gavião Vamos exaltar o grande mago que vem lá do Maranhão Numa viagem encantada Chega no Rio, Cidade Maravilhosa A sua arte é poesia, encanto e magia Mostrou pro mundo a sua ousadia No país das maravilhas sonhou, sonhar Viu o sol da m eia-noite arrepiar No jardim das delícias Alice a brincar, delirar Mostrou as minas do Rei Salomão É ARUC na cabeça Sonhar com rei dá leão Com sutileza, fez gentileza Mostrar a paz, amor e compaixão Brilha a negra estrela da grande constelação Negro é arte, é cultura Na criação nagô a tradição Tem Chica da Silva, festa para o rei negro Bahia de todos os deuses Do lixo o luxo iluminou a escuridão Joãosinho Trinta, um exemplo de viver Hoje Brasília faz a festa pra você Deixa o meu samba te levar amor Nessa ópera de rua eu vou Abraçado na folia brincar Com o Projeto do Amanhã eu vou brindar Ouça o samba-enredo da Aruc em www.aruc.com.br/mp3/aruc2009.mp3


Folia sob novo comando Por Vicente Sá

Galinho de Brasília Para os que gostam do Carnaval de rua, a Brasiliatur avisa que este ano o governo vai se fazer mais presente e evitar que ocorram situações de conflito como as do ano passado. Um planejamento conjunto da Secretaria de Segurança, Administração de Brasília, Polícia Militar, Detran e outros órgãos do GDF está sendo feito para que tanto os foliões brinquem como seja mantida a tranquilidade dos moradores das quadras por onde os blocos vão passar. O caso do Galinho de Brasília, quando ocorreram confrontos entre foliões e policiais no ano passado, já foi resolvido e ele vai sair da 201/202 Sul e passar pela 203/204, local onde se concentrava, e seguir no rumo do Gran Folia. Não serão permitidos ambulantes ou vendedores com caixas de isopor junto ao Galinho e os bares que ficarem nos trajetos dos blocos de rua não poderão manter som

mecânico ligado nos dias de desfile. A medida visa a evitar o conhecido “rescaldo”, isto é, aqueles foliões insistentes que permanecem nas quadras mesmo depois que os blocos já se foram e que, segundo a Brasiliatur, foram co-responsáveis pelos tumultos do ano passado. “Este ano tudo será feito para que os moradores tenham a sua tranquilidade garantida. Que os foliões brinquem e o Carnaval passe, mas não fique”, sintetiza Roney Nemer. Novo sambódromo Com a entrega de um documento ao governador Arruda, assinado por todas as escolas de samba do Distrito Federal, pedindo que não seja construído o Ceilambódromo e que o desfile seja transferido para o Plano Piloto, o governo começa a trabalhar com a ideia da mudança, talvez já para o próximo ano. “Temos um projeto do Oscar Niemeyer, de um sambódromo ao lado do ginásio Nilson Nelson, próximo ao

Silvio Abdon CLDF

Um Carnaval só de alegria. Nada de conflitos, nem de reclamações. É o que promete o presidente da Brasiliatur, Rôney Nemer, que assume a coordenação da folia buscando tornar o Carnaval brasiliense um evento turístico de peso no Centro-Oeste. Para isso, ele está expandindo a festa para 23 cidades, trazendo bandas e músicos da Bahia para o Gran Folia e agilizando a liberação dos recursos para as escolas de samba e os blocos de rua. Com a transferência do Carnaval da Secretaria de Cultura para a Brasiliatur, o governo sinaliza que quer transformá-lo em evento turístico. “Nós sabemos que ao redor de Brasília não existem grandes carnavais. É hora, pois, de ocupar esse espaço e para isso estamos trabalhando forte. Até o ano passado, as escolas de samba só recebiam os recursos na quarta-feira de cinzas, ou seja, depois do Carnaval. Este ano elas já receberam a metade e a outra metade está sendo paga com mais de dez dias de antecedência em relação ao início das festas. Os blocos também estão recebendo antecipadamente para que todos possam fazer uma ótima apresentação”, garante Rôney Nemer. O presidente da Brasiliatur anuncia também que a animação do carnaval do Gran Folia ficará a cargo de nomes conhecidos como Moraes Moreira, Luiz Caldas, Tatau e as bandas É o Tchan, Lordão e Cheiro de Amor. Mas esclarece que, mesmo com a contratação dessas estrelas, nem os gastos aumentarão nem os artistas de Brasília serão desprestigiados. “Haverá muitos shows com artistas locais em todas as cidades e, mesmo trazendo todas essas atrações, o governo ainda vai economizar dois milhões de reais em relação ao ano passado”, garante.

Eixo Monumental, local que não tem residências e que eu acho que deve ser resgatado. É realmente muito mais interessante, do ponto de vista turístico, realizar os desfiles no Plano Piloto”, confirma o presidente da Brasiliatur. Os brasilienses que não estiverem a fim de esperar até 2010 terão este ano opções para todos os gostos. Podem soltar a verve política no Pacotão, cantando loas a Dilma Russef; esquecer a crise econômica no Bloco dos Raparigueiros; frevar nos Meninos da Ceilândia com uma orquestra de 20 crianças; dançar com os 12 bonecos gigantes do Mamãe Taguá; brincar no trio elétrico da Baratona, no Eixão; fazer a lavagem da Praça do Relógio, em Taguatinga, com o Asé Dudu; ou levar os filhos e netos para dançar e homenagear Athos Bulcão na Baratinha. Como se pode ver, só vai ficar em casa ligado na telinha quem já morreu.

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Divulgação/Setur MG

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O velho

e o novo

Sem perder a mineiridade, Tiradentes mescla tradições seculares com ousadias da gastronomia contemporânea

Um capítulo à parte Uma das atrações para quem visita Tiradentes é embarcar na centenária maria-fumaça que liga a cidade a São João Del Rey, distante 12 quilômetros. O percurso é pelo “caminho do ouro”, a Estrada de Ferro Oeste Minas, inaugurada em 1881 com a presença do Imperador Dom Pedro II. Ao contrário da maioria dos trens que circulam em bitolas de um metro, os vagões que vão e voltam de São João Del Rei estão sobre bitolas de 76 centímetros. É o trem mais estreito em fun-

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cionamento no mundo, segundo os guias do passeio. Durante o belíssimo percurso entre as montanhas da região é possível aprender que a antiga maria-fumaça, movida a carvão, era utilizada para transportar ouro durante o ciclo dourado vivido por Minas Gerais. Os trens saem de Tiradentes sempre às sextas, sábados e domingos, em horários variados. Fundada em 1704, com o nome de Arraial Novo do Rio das Mortes, a cidade de São João Del Rei também tem ar-

quitetura vasta, em que predomina o barroco mineiro. Lá é possível conhecer diferentes igrejas e construções históricas como o Teatro Municipal (foto) e a Fazenda do Pombal, onde nasceu Joaquim José da Silva Xavier, o alferes e inconfidente conhecido como Tiradentes. Outra visita interessante é ao quarteirão tombado pelo patrimônio público que abriga as casas da família do ex-presidente Tancredo Neves e também um memorial em sua homenagem. No cemitério da cidade, o túmulo de Tancredo também pode ser visitado.


Jose S Bevilaqua

Na gastronomia, a cidade abriga menos opções de restaurantes que Tiradentes, mas conserva a tendência da cidade vizinha: mescla de tradição com inovação nos pratos. Mas uma das coisas mais tradicionais da cidade são as amêndoas, vendidas em cartuchos artesanais (recipientes de papel em forma de cone pintados manualmente). Podem ser com coco, amendoim ou apenas com açúcar. O costume das amêndoas surgiu nas festas religiosas da cidade, quando os cartuchos eram distribuídos de presente aos anjinhos da procissão. São João Del Rei também é famosa

Solar da Ponte Divulgação

Visitar Tiradentes, em Minas Gerais, é fazer uma bela excursão ao passado. A cidade, fundada em 1702, mantém seu centro histórico bem conservado, com belas representações do barroco brasileiro, seja no casario, nas igrejas, no artesanato ou no conjunto de tradições. O século 21 circula em Tiradentes pelos cheiros e sabores. Aos poucos, os restaurantes da região vêm se transformando em destino gastronômico contemporâneo, com experimentos que questionam – e ao mesmo tempo confirmam – as tradições da mineiridade. Ali, carne de porco, milho verde e tutu mesclam-se a outros ingredientes em busca do novo. Como resultado, Tiradentes é um aprazível e acolhedor recanto, onde saborear a vida e o novo passa por temperos e ingredientes genuínos brasileiros. Localizada a 190 quilômetros de Belo Horizonte, 480 de São Paulo, 330 do Rio de Janeiro e 930 de Brasília, Tiradentes vai se consolidando, ano após ano, como um sólido destino turístico-gastronômico, por seu charme de interior somado à sofisticação que se implantou ao resgatar uma das mais belas cidades do circuito histórico de Minas Gerais. As pousadas e os restaurantes são considerados de primeira linha. Nossa opção de hospedagem, nessa primeira viagem a Tiradentes, foi a pousada Pequena Tiradentes. Mesmo fora do centro histórico, sua arquitetura reproduz

os casarios seculares. Além da excelência em serviços e estrutura, a pousada tem como diferencial um ateliê que reúne o que há de mais significativo na produção artística e no artesanato local. Há três pousadas do chamado Roteiro de Charme: Solar da Ponte, Pousada Brisa da Serra e Pouso Alforria. Há ainda a aprazível Villa Paolucci, pequena fazenda contígua ao centro histórico. O maior atrativo da cidade, ao lado do aspecto cultural, tem sido a coletânea de bons restaurantes. A cidade valoriza tanto a boa mesa que tornou-se sede de um dos mais concorridos festivais gastronômicos do país. Este ano chega à sua 12ª edição o Festival Internacional de Cultura e Gastronomia de Tiradentes. Realizado geralmente em agosto, carrega a agenda da cidade de apetitosos acontecimentos: almoços e jantares de degustação, homenagens a chefes, cozinhas e estilos nacionais e internacionais, exposições, cursos, palestras e shows. Há também harmonizações com vinhos, malte, cerveja, café e tabaco. A cidade abriga ainda, ao longo do ano, uma conceituada mostra de cinema e um encontro de motoqueiros.

Pousada Villa Paolucci

de monumentos. Há ainda edifícios históricos, entre eles o Chafariz São José, construído em 1749 para abastecer a vila com água potável. Também já foi utilizado como lavanderia e bebedouro de animais, principalmente cavalos. Possui um aqueduto construído pelos escravos da época que traz a água de uma nascente a um quilômetro de distância e funciona perfeitamente até hoje. Com mais de um século, a Estação da Estrada de Ferro ainda segue em funcionamento. Construída entre 1880 e 1881, foi inaugurada por Dom Pedro II e tem forte influência francesa em sua arquitetura. Sua telhas marselhesas até hoje com-

Passado preservado

Para quem, como nós, optou por desvendar Tiradentes fora das grandes badalações, há pelos menos quinze atrações culturais à disposição do turista. A Matriz de Santo Antônio é a principal igreja a se visitar, com num acervo religioso repleto

por sua amplitude cultural, sendo reconhecida como Capital Brasileira da Cultura no ano de 2007, por conta de suas diversas manifestações artísticas, como as festas religiosas, o congado e as orquestras de música sacra. Outro importante símbolo da cidade é a sinfonia dos sinos de igreja. Pelo toque deles é possível saber, por exemplo, onde será realizada a solenidade, se haverá procissão, a hora da missa, quem será o celebrante e muitas outras informações. Nos dobres fúnebres, fica-se sabendo se a pessoa falecida era homem ou mulher e até mesmo qual será o horário do funeral.

Divulgação

Por Ricardo Fenelon *

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Fotos: Divulgação

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Estação da Estrada de Ferro

põem o conjunto arquitetônico. Dali, diariamente, parte trens para São João Del Rei, numa opção turística digna de um túnel do tempo (ver box). Entre construções seculares, ruas com calçamento irregular, passeios de charrete na praça, restaurantes finos e hotéis de primeira classe, Tiradentes é um cenário cinematográfico. Ali, a vida passa pelas calçadas entre prosas, assobios e muita simpatia. Não se sabe se a vida imita a arte, ou vice-versa. Fato é que o artesanato reproduz bonecas namoradeiras (bustos de figuras femininas debruçadas na janela) e pelas ruelas a cena se materializa e vai além. Assiste-se ao vivo personagens anônimos e da vida real observarem o mundo do parapeito das fachadas de suas casas. Tanta harmonia e história só nos abre o apetite. Restaurantes estrelados

Se no século XVIII Tiradentes foi fundada por bandeirantes em busca de ouro, sua grande preciosidade, neste começo de século 21, é a gastronomia contemporânea. A riqueza de seus menus se traduz em mais de vinte restaurantes com culinária de autor e variados estilos. Uma boa dica para aproveitar tantas opções é fazer a refeição num endereço e finalizar, com sobremesa e cafezinho, em outro. O restaurante que mais nos chamou a atenção foi o Theatro da Villa. Nossa saborosa experiência incluiu fatias de queijo 26

de cabra empanadas com gergelim, como entrada, seguidas de perdiz desossada com arroz. Segundo seus proprietários, o menu é modificado mensalmente, para oferecer aos visitantes novas opçoes da bem elaborada comida que se produz ali. Outra tentadora opção é o Tragaluz, um dos mais famosos da cidade. Em todas as receitas há uma releitura do cardápio tradicional mineiro, com inventivas interpretações do chef. A base da maioria dos pratos são ingredientes tradicionais, como lombo e galinha. O toque especial vem por conta das pesquisas e experimentos feitos continuamente. Um dos clássicos é o picadinho de filé com pimentões, champignon, rolinho de couve, cenoura, alho poró e banana grelhada ao melado. A sobremesa campeã é uma nova roupagem ao secular Romeu e Julieta: goiabada cascão com castanha de caju, catupiry e sorvete de goiaba. Os dois restaurantes têm uma estrela do guia Quatro Rodas. Para saborear em todos os aspectos a inesquecível Tiradentes, é necessário bem mais do que o final de semana que passamos ali. Para não voltar sem ter provado a culinária regional, vá ao restaurante Pau de Angu. Fica fora da cidade, imerso na paisagem da Serra de São José, nas redondezas. O casario histórico dá lugar a um cenário de natureza exuberante, com cachoeiras ao redor e opções próximas de turismo de aventura. Frango caipira, linguiça de pernil, costela e outras iguarias

são feitas no fogão à lenha. O bufê de sobremesa é pura fartura, com uma coleção de compotas e doces caseiros que lembra a mesa do brasiliense O Convento. Ele, o Virada´s do Largo e o Estalagem do Sabor também têm cozinha estrelada e culinária regional. Por tudo que Tiradentes oferece, você sempre trará de volta um pedacinho da cidade com você. Seja na memória, no coração ou na mala, com as imperdíveis opções de compra. Até os homens mais resistentes encontram nas facas talhadas à mão e nos objetos de estanho, com muitas opções para o bar e a cozinha, verdadeiras tentações. O ouro dos séculos coloniais já se esgotou, mas deixou talhado no coração do Brasil uma de nossa maiores preciosidades: a bela, convidativa e saborosa Tiradentes.

Tragaluz: goiabada cascão com castanha de caju, catupiry e sorvete de goiaba

* Ricardo Fenelon (na foto acima, ao lado da esposa, Adelize, no restaurante Teatro da Villa) é dermatologista. Nas horas vagas, é um estudioso e curioso da cultura e da gastronomia do Brasil. Viajou a Tiradentes com a família, para um aprazível final de semana.


galeriadearte

Contador

de histórias

Ainda dá tempo de ver a arte do sudanês Anas Abdelrahim no Metropolitan Flat

Quando o artista plástico sudanês Anas Abdelrahim inicia uma pintura, sua consciência abstrai qualquer realidade pre­­sente ou passada, pois quando pinta não pensa. Ao terminar, lê na tela seu caminho entre o Sudão, a Alemanha e o Brasil, história que pode ser conhecida nos 47 trabalhos expostos na galeria do Metropolitan Flat, numa retrospectiva de dez anos em que estão presentes as temáticas urbana e arquitetônica. Portas, casas, ruas, janelas, artesanato e cidades surgem como ponte para o observador reviver histórias e lugares guardados na memória. “Gosto de insinuar, fazer com que as pessoas ativem suas próprias fantasias e memórias”, afirma. Assim, ciente da dificuldade de o “leitor” encontrar em seus desenhos a história por ele escrita e vivida, concede a cada um a possibilidade de encontrar suas próprias experiências. Nascido no Sudão, Anas começou a desenhar ainda na infância, influenciado pelo trabalho do pai, que fazia em casa seus projetos de engenharia. Em seu país de origem, estudou artes plásticas e, aos 21 anos, já trabalhava na área. Depois, influenciado por um amigo alemão, mudouse para Berlim, onde estudou na Universidade de Belas Artes, tornando-se mestre e iniciando uma série de exposições. Em agosto de 2007, a convite de um amigo brasiliense, pisou pela primeira vez no Brasil e em Brasília, onde vive há um ano e meio, apesar de ainda ter ateliê em Berlim, cidade em que morou por nove anos. Em português que promete ser fluente dentro de pouco tempo, Anas conta que o principal ingrediente de seus qua-

Marchand

Por Ana Cristina Vilela

dros é o sentimento vivenciado em cada etapa de sua jornada. Para escrever suas histórias, usa técnicas nanquim e pastel oleoso ou técnica mista (tinta tipográfica, óleo e pastel oleoso), quase sempre sobre papel porque “havia escassez de telas no Sudão”. Assim, habituou-se a não usar tecido. Além do uso do papel, tanto branco quanto envelhecido, outra característica de suas pinturas é a cor, sempre em tons envelhecidos e harmônicos, colorindo os matizes desérticos sudaneses. “No Sudão, faltam cores na natureza, as casas também são, em geral, brancas, por isso usam-se roupas coloridas e colorem-se portas e janelas”, esclarece. A harmonia, aliás, é companhia de que não abre mão, seja nas criações coloridas ou nas feitas em preto e branco. Ao

entrar numa obra de Anas – atualmente artista da Galeria de Arte Andrea Mendes, de Brasília, responsável pela exposição do artista, juntamente com o Metropolitan Flat – é difícil imaginar que não tenha passado por retoques, mas não passou, pois é filha de apenas um fluxo de criação, como na arte japonesa do sumi-e. Suas ruas, janelas, portas e cidades retratam, em traços certeiros, o que os olhos do artista vê através de lentes sensíveis e sentimentais. Por isso, o trabalho Brasília, em guache sobre papel, salta aos olhos e grita, em seus traços limpos: “Sou Brasília!” Anas Adbdelrahim – desenhos e pinturas

Até 25/2, de 2ª a sábado, das 9 às 21h, no Metropolitan Flat (SHN – Quadra 2 – Bloco H – 3967.7247). Mais informações: www. andreamendesgaleria.com e 3967.7247.

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verso&prosa

O mistério

de ter filhos

Livro autobiográfico narra a experiência de criar e aprender a amar um filho com Síndrome de Down

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por ricardo pedreira

Ter um filho com algum problema mais grave do que os normais e esperados é um temor recorrente dos pais. Além disso, pais idealizam seus filhos – antes e depois de nascerem. Mas os filhos existem e têm problemas – mais ou menos graves – independente dos desejos e idealizações dos pais. Isso tudo parece papo de autoajuda, ou divagação sobre o óbvio, mas numa situação extrema é uma daquelas verdades simples e fortes que, quando bem compreendidas, fazem toda a diferença. Imagine um filho que, desde o nascimento, seja tudo, menos normal. Por exemplo: um filho com Síndrome de Down, ou mongolóide, como se dizia nos tempos politicamente incorretos. O escritor Cristovão Tezza viveu e vive essa realidade com seu filho Felipe, hoje com 27 anos. Como numa terapia em praça pública, fez de sua experiência um livro magistral – O filho eterno. Tezza conta o impacto provocado pela chegada do menino, a revolta com o destino, as dificuldades para criar Felipe e o crescimento do incondicional amor. Ele também revê sua própria trajetória na vida à luz de todo esse doloroso processo. O livro é narrado na terceira pessoa, recurso, segundo o próprio Tezza, para guardar um mínimo de distância diante

hoje, quando pai e filho, torcedores apaixonados pelo Atlético Paranaense, combinam animados assistir pela televisão a um jogo do time do coração. Entre um ponto e outro, toda uma vida de dores e descobertas e aquele grande aprendizado de todos os pais: o amor por um filho se constrói, mas parece também algo inevitável, que estava guardado num canto da gente. É um pequeno livro, de linguagem seca, elegante e precisa, que nos atrai como um sonho estranho e irresistível. Ao final, a gente sai com o sentimento de que o ser humano não é tão ruim quanto parece e que a vida é muito boa de ser vivida.

de uma história tão forte e que levou mais de dez anos matutando na cachola até colocar no papel. Mas é uma história assumidamente autobiográfica. Catarinense criado em Curitiba, Tezza viveu para valer a loucura dos anos 70, sempre gostou de escrever, casou, teve o Felipe e mais uma filha (normal) e hoje é um professor universitário de aparência tranquila e burguesa, além de escritor e crítico literário. Já fez vários livros de ficção, mas foi com O filho eterno que conquistou de vez o público e a crítica. Lançado em 2007, o livro já está na sétima edição e venceu os mais importantes prêmios da literatura nacional no ano passado. Diferente do que se poderia supor, O filho eterno nada tem de piegas ou sentimentalóide. Está a anos-luz de qualquer coisa parecida. No início, chega a espantar, a incomodar, pela crueza e sinceridade com que Tezza expõe suas verdades, a começar pelo desejo de que o filho morresse logo. Diz ele, a certa altura: “Um filho é a ideia de um filho; uma mulher é a ideia de uma mulher. Às vezes as coisas coincidem com as ideias que fazemos delas; às vezes não”. Essa implacável realidade é narrada meticulosamente desde o momento do nascimento, quando o pai se estarrece diante da informação dos médicos de que o filho não é normal, e vem até os dias de

O filho eterno

Cristovão Tezza Editora Record 222 páginas, R$ 24

“Cada coisa que há no mundo! Crianças cretinas – no sentido técnico do termo – que jamais chegarão à metade do quociente de inteligência de alguém normal; que não terão praticamente autonomia nenhuma; que serão incapazes de abstração, esse milagre que nos define; e cuja noção de tempo não irá muito além de um ontem imemorial, milenar, e um amanhã nebuloso. Para eles, o tempo não existe. A fala será, para sempre, um balbuciar de palavras avulsas, sentenças curtas truncadas; será incapaz de enunciar uma estrutura em voz passiva (a janela foi quebrada por João estará fora de sua compreensão). O equilíbrio no andar será sempre incerto e lento; se os pais se distraem, eles engordarão como tonéis, debaixo de uma fome não censurada pela sensação de saciedade que neurologicamente demora a chegar. Tudo neles demora a chegar. Não veem à distância – o mundo é exasperadamente curto; só existe o que está ao alcance das mãos. São caturros e teimosos – e controlam com dificuldade os impulsos, que se repetem circulares. Só conseguirão andar muito tempo depois do tempo normal. E são crianças feias, baixinhas, próximas ao nanismo – pequenos ogros de boca aberta, língua muito grande, pescoços achatados e largos como troncos. Em poucos minutos – ele não pensou nisso, mas era o que estava acontecendo – aquela criança horrível já ocupava todos os poros de sua vida.”

Fotos: divulgação

Trecho do livro

Cristovão fez na terceira pessoa um depoimento impressionante

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As leis

de Burman

Um dos principais realizadores argentinos da atualidade, o jovem Daniel Burman, de apenas 36 anos, reafirma o lugar de destaque que alcançou no cinema contemporâneo

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Por Sérgio Moriconi

Normalmente citado ao lado de Lucrecia Martel como uma das grandes promessas do cinema do continente, Daniel Burman parece ser agora uma realidade inquestionável. Seu magnífico Ninho vazio resgata com todas as letras a figura ultimamente desmoralizada do autor cinematográfico. Cunhado pela revista francesa Cahiers du Cinéma nos anos 50, o “autor”, diferentemente do mero diretor de cinema, seria alguém capaz de construir através de seus filmes uma poética própria, um universo particular, um pensamento, uma filosofia singular, que estariam expressos em qualquer fragmento de uma obra sua. Os críticos da célebre publicação francesa costumavam dizer que havia um cinema – assim como um pensamento – nos filmes de John Ford, assim como nos de Hitchcock, de Hawks etc. Contemporaneamente eles diriam (como, de fato, dizem) a mesma coisa de Almodóvar, Woody Allen e também

(muito provavelmente) de Burman. Ser um autor não é necessariamente ter um estilo, ainda que todos os autores tenham um estilo muito marcante. Mas nem todo realizador com estilo é um autor. Muito ao contrário. Hoje é muito comum ver grandes estilistas sem nada para dizer. Quando a polêmica sobre os autores de cinema surgiu no final dos anos 50, os críticos queriam saber quem imprimia o estilo de um filme – o diretor ou o roteirista? O tema permaneceu um tabu por muito tempo, já que o cinema, obviamente, é uma obra coletiva. De qualquer maneira, também saltava aos olhos o fato de que diretores que trabalhavam dentro da indústria, com equipes gigantescas, e que nem sequer escreviam seus próprios roteiros, conseguiam imprimir uma marca muito pessoal aos seus filmes. Ninho vazio foi escrito por Burman, apenas por ele, e é “cinema de autor”, seja qual for o significado e amplitude que a expressão possa ter nos dias de hoje. Como bem lembra o crítico Eduardo de la


Fotos: divulgação

Cruz, que fez um maravilhoso ensaio sobre a obra de Burman, “autor nesses tempos pós-mo­­dernos, quando se declarou a morte do sujeito e o fim da história, pode ser uma maldição irremediável”. O que intriga em Ninho vazio, obra construída a partir de uma teia narrativa sutil e intrincada, é o poder de comunicação com as plateias comuns. O filme fez nada menos que 300 mil expectadores apenas na Argentina e Burman vem sendo considerado um diretor de enorme empatia popular no seu país. Vários fatores contribuem para a originalidade de Ninho vazio. Poderíamos citar a maneira como Burman manipula os vários temas recorrentes em sua obra e os articula de uma forma em que o processo de criação em si está tematizado. Para quem viu o filme, lembramos que Leonardo (Oscar Martinez), o protagonista do filme, é um escritor que acaba de lançar um livro e já começa a fazer pequenas anotações para iniciar um outro. Leo, é assim que o chamam, vive o que podemos chamar de crise da meia idade. Nada de muito dramático. Há uma metáfora deliciosa no filme. Leonardo imagina dois corpos flutuando na água. Ao ser perguntado pela filha se estavam mortos, ele responde: “Não, estão casados”. Burman captura seu personagem no momento em que os filhos crescem e pode ser que estejam na iminência – pelo menos é o que ele imagina – de deixar o lar. O título, Ninho vazio, alude não apenas a isso: o casamento com Martha (Cecília Roth) anda morno depois de tantos anos.

Na sequência inicial do filme, Leonardo e Martha, acompanhados de um grande número de pessoas, estão num jantar em homenagem ao escritor. Um velho conhecido flerta com Martha, enquanto Leonardo se sente atraído por uma jovem que ocupa uma mesa próxima. Burman usa a câmara com muita inteligência, fazendo-a passear de um conviva a outro, sempre voltando, no entanto, a Leonardo e Martha. Um indivíduo que se diz pesquisador de um distúrbio psíquico em que o sujeito não sabe mais distinguir a realidade – os fatos vividos – da fantasia senta-se ao lado de Leonardo. Esse personagem, que julgamos periférico, vai ter uma importância muito grande no filme. Ele surge em diferentes momentos, cruzando o destino de Leonardo. Realidade ou imaginação? Na verdade, Burman só nos deixa seguros sobre o que de fato é a realidade do filme (a história que nos será contada sobre fatos que seguem uma ordem cronológica) na sequência inicial, a do jantar, e na seguinte, quando Leonardo e Martha chegam em casa muito tarde da noite e percebem (ele principalmente) que a filha ainda não chegou. Ela já está uma mocinha e agora as coisas são assim, argumenta Martha. Angustiado, Leonardo sentase numa poltrona, onde faz anotações num pequeno caderno para seu próximo livro, e diz que vai esperar a menina chegar. O que vamos ver dali para frente se passa na imaginação de Leonardo. Ou será que algumas cenas se referem ao plano do real? A resposta é irrelevante. Burman dramatiza livremente as angústias de

Leonardo, que, da mesma forma, são as angústias do diretor, materializadas, como temas recorrentes, em seus vários outros filmes – O abraço partido e As leis de família, por exemplo. Em Los mundos possibles de Daniel Burman, escrito antes de Ninho vazio, Eduardo de la Cruz enumera com grande perspicácia alguns desses temas recorrentes na obra do diretor argentino. O crítico deve estar agora muito impressionado pela forma interessantíssima como Burman manipula questões tão complexas como “a busca de um pai, de uma nacionalidade, de um amor; a espera; o deslocamento entre um mundo conhecido e um desconhecido (as mudanças e as consequências que isso traz); a necessidade de ultrapassar fronteiras e mundos culturais”. Judeu, Burman inventa um genro também judeu (imaginário!) para Leonardo. É ele, o genro, quem na ficção da imaginação (!?) pede ao sogro uma opinião sobre a novela que escreveu, Ninho vazio. Burman assume a “patologia” descrita pelo personagem psiquiatra da cena inicial do jantar como um atributo essencial do artista criador. O real e a imaginação são também as ferramentas de que se utilizam o realizador e seus personagens para construir suas identidades. Ninho Vazio (El Nido Vacío)

Argentina/Espanha/França/Itália/2008, 91 min. Roteiro e direção: Daniel Burman. Com Oscar Martínez, Cecilia Roth, Carlos Bermejo, Eugenia Capizzano, Inés Efron, Arturo Goetz, Jean Pierre Noher e Ron Richter.


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Dias de glória Aos 33 anos, com a impressionante marca de 24 longas em sua filmografia (que inclui Titanic, recordista de bilheteria da história do cinema), Kate Winslet vive o melhor momento de uma brilhante carreira iniciada há 15 anos, em 1994, com o chocante drama Almas gêmeas. O crítico Reynaldo Domingos Ferreira assistiu e comenta a seguir os dois filmes – O leitor e Foi apenas um sonho – que fizeram da atriz inglesa a campeã de premiações neste início de temporada cinematográfica. Ela já abocanhou dois prêmios de melhor atriz (o Globo de Ouro e o Bafta, o mais importante do cinema britânico) e outros dois de melhor atriz coadjuvante (novamente o Globo de Ouro e o Screens’ Actors Guild Awards, que vem a ser o sindicato de atores de Hollywood). Mas a glória maior parece estar reservada para o domingo de Carnaval, dia 22, com a provável conquista do Oscar, para o qual já foi indicada seis vezes: duas como melhor atriz coadjuvante (em 1995, por Razão e sensibilidade, e em 2011, por Iris) e quatro como melhor atriz (em 1997, por Titanic; em 2004, por Brilho eterno de uma mente sem lembranças; em 2006, por Pecados íntimos; e agora por O leitor, de Stephen Daldry). O Globo de Ouro de melhor atriz premiou a magnífica atuação de Kate em Foi apenas um sonho, dirigido por seu marido, Sam Mendes.

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O leitor Neste filme, o bem sucedido cineasta britânico Stephen Daldry procura mostrar em linguagem convencional, mas de bom acabamento técnico (principalmente no que diz respeito às interpretações), o quanto tem sido difícil para os alemães se conciliar com o passado e como é, da mesma forma, penoso abordar, em termos artísticos, a vida e o amor numa sociedade que se envolveu com o genocídio. Para tratar dessas questões, Daldry baseou seu filme no best-seller homônimo e autobiográfico de Bernhard Schlink, colaborador de David Hare na elaboração do roteiro. Embora o diretor se recuse a admitir que seu filme – produzido por Anthony Minghella e Sydney Pollack, que morreram durante as filmagens – seja centrado no Holocausto, o livro de Schlink, jurista alemão de origem judaica, não nega isso. Ele aborda a questão, de forma direta, não só no julgamento de Hanna (Kate Winslet) por envolvimento no extermínio de judeus nos campos de concentração como durante os seminários frequentados pelo protagonista, Michael Berg (David Kross), estudante de Direito na Faculdade de Heidelberg. É importante, por isso, que se dê especial atenção a esses seminários – apesar de constituírem a parte mais fraca, do ponto de vista técnico, do filme e também, ao que parece, do livro –, quando o professor Rohl (Bruno Ganz), motivado pelo caso de Hanna, suscita o debate entre seus alunos sobre questões do tipo “o sentido de culpa germânico e a prevalência da lei sobre a moral na condução de uma sociedade”. E ainda, no intervalo desses seminários, a visita que Michael, abalado por tomar conhecimento do passado de Hanna, faz aos campos de concentração que guardam para a memória de sempre monturos de objetos de pessoas ali sacrificadas, captados em tonalidade pictórica pelas lentes de Chris Menge e Roger Deakins, indicados ao Oscar – sequência dispensável se o filme, como quer seu realizador, não se centrasse no Holocausto A película, que tem cinco indicações ao prêmio mais famoso do cinema, se inicia em Berlim, em 1995, quando Michael Berg (Ralph Fiennes) prepara um café da

manhã para uma mulher, Brigitte (Jeanette Hahn), que passou a noite com ele e deve sair em seguida. Pelas insinuações dela, percebe-se que Michael é pessoa problemática, o que se vai confirmar mais tarde ao se saber que, por ser de gênio muito fechado, ele não aturou o casamento, e a filha, Júlia (Hannah Heurzsprung) reclama por não conhecer nada sobre sua vida. Em flashback muito bem inserido, a narrativa regride ao ano de 1958, em Neustadt, quando Michael, de 15 anos, ao retornar da escola sob a chuva, sente-se mal do estômago e vomita na entrada de um edifício, sendo prontamente atendido por uma mulher, Hanna, de atitudes rudes, grosseiras, que o leva até o cubículo onde mora, tratando-o até que se restabeleça. Ao voltar para casa, Michael relata o acontecido aos pais, Thomas (Florian Bartholomai) e Carla Berg (Susanne Lothar), que chamam o médico para verificar o que há com ele. Diagnosticado como sofredor de escarlatina, Michael se vê obrigado a ficar de repouso, sem ir à escola e isolado dos irmãos Peter (Mathias Habich) e Ângela (Friederika Becht). Só depois de algum tempo ele volta à casa de Hanna, com algumas flores para lhe oferecer. A partir de então tem início o envolvimento amoroso de Michael e Hanna, que se revela aos olhos do jovem como muito sensual. Tanto pela técnica narrativa como pela abordagem da psicologia do adolescente no momento de sua iniciação sexual, o caso lembra o de François e Marthe em Adúltera, de Claude Autant Lara, baseado no romance O diabo no corpo, de Raymond Radiguet.

A diferença reside no fato de Hanna se interessar pelas leituras que Michael lhe faz de obras literárias famosas, antes dos relacionamentos amorosos. Empolgada por textos como a Odisseia, de Homero, O amante de Lady Chatterley, de Lawrence, ou A dama do cachorrinho, de Tchékhov, com os quais se emociona às lágrimas, Hanna não poderia fazer crer a Michael, naquelas circunstâncias, de acordo com as reflexões por ele feitas anos mais tarde, de que teria sido, no passado, responsável por tantas atrocidades. Conquistando com essa interpretação sua sexta indicação ao Oscar, aos 33 anos de idade, Kate Winslet confirma, uma vez mais, ser uma atriz de completo domínio da técnica de interpretar, embora não esteja, a meu ver, tão bem como esteve em Foi apenas um sonho. Ela encarna a complexa personagem com muita determinação e vigor, fazendo com que o destaque de sua caracterização se posicione principalmente na maneira de Hanna caminhar, como se lhe pesasse o fardo da vida. Ralph Fiennes, Bruno Ganz e Lena Olin, como sempre, estão perfeitos em suas atuações, mas a grande surpresa do elenco é David Kross, que, como o jovem Michael Berg, se destaca numa interpretação que arrebata, justificadamente, inúmeros prêmios internacionais, como os mais recentes, os dos críticos de Las Vegas e de Chicago. Ao se apresentar para os testes, Kross tinha 16 anos. Mas foi só depois de completar 18 que pôde rodar as cenas de nudismo e de relacionamento sexual com Kate Winslet. É um ator realmente de muito talento.

Foi apenas um sonho Em Foi apenas um sonho, baseado numa das melhores novelas americanas do século 20, o também premiado britânico Sam Mendes esmera o aspecto visual para reconstituir a época do conformismo da classe média suburbana dos EUA e nela situar a história de um casal que procura, já no sétimo ano de vida conjugal, cada qual à sua maneira, a realização de seus sonhos. O objetivo admitido por Mendes (ven-

cedor do Oscar por Beleza americana), assim como o de seu roteirista Justin Haythe, é o de fazer com que mais pessoas redescubram a obra The revolutionary road, de Richard Yates, em que se baseia o filme. Yates, por sua vez, esclareceu, de certa feita, que o tema de seu livro, se pudesse ser sintetizado, estaria centrado em pessoas que, apesar de haverem nascido para viver sozinhas, insistem em ocultar das outras essa sua tragédia pessoal. 33


Divulgação

luzcâmeraação É no aspecto visual – imposto em grande parte pelas cores neutras da excelente fotografia de Roger Deakins – que o filme de Mendes se diferencia bastante de Mad man, glamurosa série televisiva da HBO sobre executivos da propaganda, passada também na década de 50, que exibe ambientação suburbana de tonalidades vivas, chamativas, o que a torna bastante superficial. Para evitar isso, Mendes rodou seu filme, inicialmente, nos subúrbios de Connecticut, cujas construções conservam as características da década de 50. É numa pequena casa desse lugar que, no ano de 1955, vive às mil maravilhas, pelo menos na aparência, o casal Frank (Leonardo DiCaprio) e April Wheeler (Kate Winslet), com dois filhos. Ela estudou arte dramática, mas sua estreia no palco resultou num grande fracasso, o que a levou a se tornar exclusivamente dona de casa. Frank, por sua vez, se viu forçado a trabalhar para a mesma empresa Knox que deu emprego a seu pai durante toda a vida. Embora insatisfeito com o que faz, mas também sem ter certeza do que deseja fazer, Frank vai galgando posições aos poucos até que, um dia, é transferido para Nova York, onde a sede da empresa fica num arranha-céu de arquitetura antiquada, cujo ambiente, de certa decadência, reflete bem as frustrações profissionais da personagem. Com a ajuda da corretora Helen Givings (Kathy Bates), Frank e April, que se julgam especiais, de gostos e costumes refinados, escolhem uma casa próxima de uma floresta e vizinha à dos Campbell – Shep (David Harbour) e Milly (Kathryn Hahn) –, de quem se tornam amigos. Mal se completa a mudança, porém, April, cheia de caraminholas na cabeça, arquiteta o mirabolante plano de mudança da família para Paris, onde Frank já estivera durante a guerra. É sobre esse plano de April que se estabelecem os conflitos do casal, pontuados por comentário musical de Thomas Newman, de belo efeito dramático. A partir de então, o filme ganha sentido de atemporalidade pela abordagem de temas atuais, como o aborto. Haythe, o roteirista, teve o cuidado de preservar quase a integralidade dos diálogos de Yates. E a miseen-scène de Mendes, egresso do teatro, cal-

ca o realismo próprio das montagens dos textos de Tennessee Williams. Suas marcações são rígidas no sentido de valorizar a atuação dos atores. E que atores!... Leonardo DiCaprio, seguindo à risca as orientações da direção, apresenta uma interpretação madura de um homem que, embora um tanto desmotivado do ponto de vista profissional, faz de tudo para que, no âmbito familiar, as coisas deem certo. Sua atuação é discreta, sem arroubos, sustentada pelo expressivo uso dos músculos faciais. O seu Frank traz sempre um sorriso aberto nos lábios para April desde que ela – ou qualquer pessoa do restrito círculo de relacionamento do casal, como o matemático esquizofrênico John Grivings (Michael Shannon) – não o atinja em seus valores morais, herdados do pai naturalmente, cujos conceitos ele traz sempre na lembrança. Kate Winslet volta magnífica ao papel de uma suburbana como a Sarah Pierce que interpretara em Pecados íntimos, de Todd Field. Mas é certo que, desta feita, a carga dramática de sua personagem, April Wheeler, é mais intensa, porque seu conflito é interior. Ela está insatisfeita consigo própria. April quer luz, quer plateia, quer a vastidão da floresta lá fora, vista da janela, enquanto ela fica, durante toda a jornada, na claustrofóbica cozinha de sua casa, entregue à rotina do trabalho doméstico. April pretende por isso inverter os papéis com o marido, Frank. Ela quer ganhar o mundo e deixá-lo em casa na ociosidade. Winslet, ao que fica evidente, trabalhou arduamente na construção da personagem não só no que diz respeito àqueles elementos considerados essenciais – como figurinos, maquiagem, postura em cena etc – mas principalmente à observação do seu poder de atriz de hipnotizar pessoas

pela emissão de radiações invisíveis das vontades e dos sentimentos de April Wheeler. E nessa particularidade ela está perfeita. Excepcional. Além disso, contou com as marcações de cena inteligentes do marido Mendes e, também muito importante, o irrestrito apoio do amigo DiCaprio, que nos momentos mais dramáticos lhe propicia a necessária sustentação para brilhar. Há no elenco três nomes ainda a mencionar: primeiro, a irrepreensível Kathy Bates, que, como a corretora de imóveis Helen Grivings, não deixa transparecer, na atuação profissional, o sofrimento de sua vida familiar, qual seja o de ter o filho John, PhD em Matemática, isolado na clínica psiquiátrica sob tratamento de eletrochoque; segundo, David Harbour, que se destaca no papel de Shep Campbell, um indivíduo sensível, que capta o drama dos vizinhos Wheeler, absorve-o e, pensando não ser observado pela mulher, Milly, passa a sofrer intensamente por eles; e terceiro, Michael Shannon, numa brilhante atuação como John Grivings, que, durante um passeio com o casal em crise, observa: “Não é difícil encontrar pessoas que reclamam do vazio da vida. O que é raro é ver alguém que clame por falta de esperança”. O leitor (The reader)

EUA/ Reino Unido/Alemanha/2008, 124 min. Direção: Stephen Daldry. Roteiro: David Hare, com base no livro The reader, de Benhard Shlink. Com Kate Winslet, Ralph Fiennes, Jeanette Hahn, David Kross, Bruno Ganz, Susanne Lothar, Florian Bartholomai, Friederika Becht, Matthias Habich, Hannah Heurzsprung, Lena Olin e Alexandra Maria Lara.

Foi apenas um sonho (The revolutionary road)

EUA/Reino Unido/2008, 106 min. Direção: Sam Mendes. Roteiro: Justin Haythe, baseado no livro The revolutionary road, de Richard Yates. Com Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Kate Bates, Michael Shannon, Kathryn Hahn, David Harbour e Zoe Kazan.




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