no Distrito Federal
EconomiaSolidária
Suplemento Especial Edição I dez /2015
BANCOS COMUNITÁRIOS TRABALHAM PARA O DESENVOLVIMENTO DA PERIFERIA DE BRASÍLIA
Dezembro de 2015
Economia Solidária no DF
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Expediente Reportagem: Juliana Andrade, Juliana Martins e Samuel Oliveira Edição: Juliana Andrade, Juliana Martins e Samuel Oliveira Fotografia: Juliana Andrade Capa, editoração e arte: Marcelo Rubartelly Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em jornalismo. Orientadora: Luciane Agnez
Bancos Comunitários trabalham para o desenvolvimento da periferia de Brasília
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Finanças Solidárias
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Iniciativas oferecem microcrédito à população desbancarizada. Na Estrutural e no Itapoã os bancos já funcionam normalmente, na Ceilândia projeto está em fase de implantação
O
Distrito Federal (DF) possui 31 Regiões Administrativas (RA’s), espalhadas por uma área de 5.802 km². Partindo da região central de Brasília, a RA mais afastada (Brazlândia) fica a, aproximadamente, 50 km. Distância não muito significativa, mas que em números de desenvolvimento, é gritante. O Coeficiente Gini, índice que calcula a desigualdade, aponta que Brasília é a cidade mais desigual em distribuição de renda no país, marcando 0,474 (quanto mais perto de um, maior a diferença). A Pesquisa por Amostra de Domicilio de 2014, feita pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), mostra que a renda per capta do Lago Sul é 18 vezes maior do que a da Estrutural. Neste contexto, marcado pelo contraste entre ricos e pobres, surgem projetos que pretendem mudar a dinâmica da economia local. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD’s) na Estrutural, Itapoã e Ceilândia são exemplos de iniciativas voltadas para impulsionar o desenvolvimento social, por meio de serviços financeiros solidários.
Os Bancos Comunitários são instituições que oferecem soluções voltadas para geração do trabalho e renda. Segundo dados da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, existem hoje no país 103 em funcionamento. Destes, dez estão localizados na região centro-oeste, sendo três no Distrito Federal. A atuação destas instituições caracteriza-se pela oferta de linhas de microcrédito à população desbancarizada. Os empréstimos são concedidos a juros baixos e a avaliação de risco é feita pela própria comunidade, que é também quem gere a instituição. É o que explica a presidente do Ateliê de Ideias, entidade articuladora dos Bancos Comunitários no centro-oeste, Leonora Mol. “O primeiro passo para instalar um BCD é montar um fórum de desenvolvimento comunitário, para debater os problemas locais. Até porque todas as ações precisam ser discutidas com o fórum. As políticas de crédito e as autorizações de empréstimos, por exemplo, serão avaliadas em conjunto. O banco só existe se a comunidade efetivamente tomar conta dele.”
As linhas de crédito são desenvolvidas de acordo com as demandas identificadas em cada comunidade e podem ser oferecidas em forma de moeda social, reconhecida pelo Banco Central, ou em Real. Em geral, a linha de crédito para consumo é oferecida na forma de moeda social para estimular o desenvolvimento econômico local, já que a circulação da moeda é restrita à área de atuação do Banco. “Os comerciantes se beneficiam porque as pessoas, ao invés de comprar fora do bairro, compram na comunidade. Isso dinamiza a economia”, explica o secretário adjunto de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE), Roberto Marinho. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento contam com o apoio da Senaes e, apesar de não serem regulamentados, recursos destinados à iniciativa estão previstos em lei. A Lei Orçamentária Anual (LOA) destinam verbas públicas para ações de fomento e fortalecimento de empreendimentos solidários.
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Os comerciantes se beneficiam porque as pessoas, ao invés de comprar fora do bairro, compram na comunidade. Isso dinamiza a economia.” Roberto Marinho, secretário adjunto de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego Economia Solidária no DF
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Finanças Solidárias
Eu até pretendia tomar mais dinheiro emprestado, mas como foi meu primeiro contato com o banco, tive o limite de R$1,5 mil.” Ananias da Silva, autônomo
Cliente há, aproximadamente, quatro meses, Ananias pretende ampliar negócio
OS PRIMEIROS PASSOS NO DISTRITO FEDERAL
A
iniciativa de bancos comunitários chegou ao Distrito Federal em 2010, quando um grupo de moradores da Cidade Estrutural decidiu apostar no desenvolvimento socioeconômico por meio da proposta solidária. Conhecedores do projeto que há anos rendia bons frutos na periferia de Fortaleza, devido ao trabalho do Banco Palmas, os novos empreendedores sociais resolveram dar início ao processo de instalação do Banco Comunitário de Desenvolvimento da Cidade Estrutural. “O dinheiro é só uma justificativa para unir as pessoas”, afirma a agente comunitária da instituição, Maria Aba-
dia Teixeira. E foi devido a uma série de atividades promovidas em conjunto que o grupo conseguiu arrecadar o lastro – quantia de dinheiro que garante valor à moeda em circulação – para que, em abril de 2011, o banco popular pudesse abrir as portas. Com a Conquista, moeda social própria, já impressa, a partir de então o desafio era tornar a instituição conhecida e confiável à população e ao comércio. Atraídos pela novidade, alguns comerciantes logo aderiram à ideia e passaram a aceitar compras em seus estabelecimentos por meio da Conquista.
Além de trabalhar com a moeda social, o Banco da Estrutural opera linhas de crédito para consumo (compras) e crédito produtivo (negócios) a juros muito abaixo do mercado. A análise de cadastro, diferente dos bancos comerciais, é feita consultando a vizinhos próximos sobre a índole do candidato ao crédito. Da fundação até novembro de 2015, já circularam mais de R$ 90 mil em empréstimos. Um dos beneficiados é o autônomo Ananias da Silva, que há pouco mais de quatro meses tomou R$1,5 mil emprestados. O dinheiro, conta ele, foi investido na compra do
Quando as dificuldades surgem... Nem só de belas histórias, como a do Ananias, vive um banco comunitário. Com o passar do tempo, a adesão dos comerciantes à política de desconto nas compras por meio da moeda social perdeu força e a novidade, que encantava muita gente, deixou de ser tão atrativa. Hoje restam poucos comerciantes que ainda trabalham com a Conquista. Com a baixa procura pela moeda, a ideia é apresentar ao comércio local o E-dinheiro (entenda o aplicativo na pág 8). Segundo Abadia, a ferramenta digital dá mais confiança a quem vende. “Percebendo que o crédito entra na conta no momento da venda, o comerciante fica mais tranquilo. Sem medo de sofrer calote”, enfatiza a agente. Crendo que a luta ainda vai proporcionar grandes resultados, ela segue em frente. “Tenho certeza que, com muita dedicação, ainda vamos crescer e ajudar muito esta cidade”, encerra.
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carrinho, que serve como banca, onde vende salgados, doces e sucos em frente ao edifício do Detran, no SIA. Da pequena banca sai o sustento para a mulher e os quatro filhos. Ananias comemora: “Oportunidade como esta que eu recebi, nenhum banco por aí oferece”, citando os baixos juros cobrados. Para o futuro, o objetivo é adquirir novos créditos e ampliar o negócio. “Eu até pretendia tomar mais dinheiro emprestado, mas como foi meu primeiro contato com o banco, tive o limite de R$1,5 mil”, explica. Com as vendas em alta, outro plano, tirar a carteira de habilitação, também já está em curso.
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Maria do Socorro e Maria das Graças recebem última parcela de empréstimo
UMA COMUNIDADE ENVOLVIDA Nós queremos agregar dentro da realidade delas uma maneira de se juntarem para produzir e trabalhar. Ideias, a gente tem muitas, difícil é fazer acontecer. Nosso desafio é juntar.” Maria do Socorro Dias, agente do Banco Comunitário de Desenvolvimento do Itapoã
"E
ste estabelecimento apoia o desenvolvimento social e econômico do Itapoã. Aceitamos Moeda Atitude". Esta é a frase que estampa um cartaz no pequeno restaurante da dona Deusanir da Costa. Ela e mais 12 comerciantes da região acolheram a ideia da moeda social Atitude e se cadastraram no Banco Comunitário de Desenvolvimento da cidade. Não é apenas o fato de receber a moeda Atitude que elas têm em comum. Assim como Deusanir, a dona do salão de beleza, Roseni da Silva, a dona do mercadinho, Rejane Souza, entre outros comerciantes e moradores, também contam com a oferta de crédito do banco. Ao serem perguntadas sobre os objetivos em relação ao comércio, a resposta também é a mesma. A relação entre a tomada de crédito e a expansão da moeda tem sido fundamental. Maria do Socorro Dias, agente do Banco
Comunitário, afirma que é comum os comércios que tomam crédito aceitarem a moeda. "A parceria vai além da Atitude", observa. Um exemplo disso é Valdimar Carvalho, dono de uma lan house. Ele foi o primeiro a cadastrar o comércio para receber a Atitude. "Eu não conhecia, entrei para expandir a moeda e gostaria que futuramente todos os comércios recebessem", afirma. A luta para conquistar os comércios é comum entre os bancos comunitários do DF. Valdimar conta que quase não se fala da moeda, ainda, e que fica muito feliz quando algum cliente compra com a Atitude. O empreendedor ressalta que além de oferecer desconto para quem paga com a moeda social, pretende contribuir com a divulgação e compreende a importância dela para o desenvolvimento do comércio local. O Banco Comunitário do Itapoã começou a ser estruturado em 2012,
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mas só foi inaugurado em novembro de 2014. A linha de crédito do banco é aberta, porém a maioria dos empréstimos oferecidos é aplicada em pequenos empreendimentos. Desde a inauguração, foram concedidos apenas dois créditos na linha de consumo. Os clientes são fieis e quase não há inadimplência. Rejane Silva, a dona do mercadinho citado anteriormente, não esperou o fim do prazo para quitar a dívida. "Ela que nos chamou para pagar", conta Maria do Socorro, que foi pessoalmente ao mercado receber o pagamento. O empréstimo foi feito para ser aplicado no pequeno negócio. Tímida, Rejane afirma apenas que, caso precise, tomará empréstimo novamente. O trabalho das agentes do banco vai além do emprestar dinheiro e trocar moeda. Em parceria informal com a Pastoral da Criança, as agentes Maria do Socorro e Maria das Dores também oferecem cursos de arranjos e artesanato para as mulheres da região. Elas contam que perceberam que não estavam conseguindo atingir as mulheres desempregadas. "Nós queremos agregar dentro da realidade delas uma maneira de se juntarem para produzir e trabalhar. Ideias, a gente tem muitas, difícil é fazer acontecer. Nosso desafio é juntar", afirmam. Maria do Socorro ainda ressalta que as irmãs da Pastoral entraram para o Conselho Gestor do Banco após perceberem como a iniciativa era importante para a comunidade. "Sabe quando as coisas estão se juntando? É comunitário mesmo. É você abraçar a questão, estar junto e ir junto", conclui ela. Para as agentes, o banco, aos poucos, está cumprindo o seu papel. Elas estão mais esperançosas com a vinda do E-dinheiro e acreditam que ele irá facilitar a expansão do banco. Aos poucos, elas vão conquistando a comunidade. Afirmam que eles têm uma boa estrutura em relação à formação, mas que muitas vezes se deparam com questões de verbas, porém o pensamento positivo no trabalho coletivo é o que importa. "Se não houver um bom trabalho, um bom desempenho, não vai ter dinheiro faça o negócio andar. É pouco, mas esse pouco está rendendo", completa Maria do Socorro.
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Arquivo Pessoal/ Sírio Júnior (Mudof)
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Artistas mostram seu trabalho nas ruas de Ceilândia
DESENVOLVIMENTO CULTURAL
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a Região Administrativa (RA) IX, Ceilândia, o projeto para instalação do Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD) nasce dentro da rede colaborativa da cultura “Correria em Ceilândia”. O coletivo, que dá nome a moeda social Correria, reúne as entidades Associação Cultural Menino de Ceilândia, Bateria Nota Show, Águia Imperial, Grupo Atitude e Arte Cei, que constituem o Conselho Gestor do BCD. O projeto, que tem o apoio do Ministério da Cultura (MinC), busca desenvolver iniciativas de finanças solidárias voltadas para o fomento da transversalidade cultural, além das linhas de crédito tradicionais. A sede do Banco funciona na QNQ 4, a poucos metros de distância da maior favela da América Latina, o Sol Nascente. O espaço, cedido pela Administração da RA, também é sede da entidade cultural “Pró-menino de Ceilândia” - mantenedora do Banco Comunitário - que oferece cursos em várias áreas à comunidade local. O membro do Conselho Gestor, Ailton da Silva, afirma que o projeto do BCD está sendo desenvolvido desde 2013 e que, embora, ainda, não haja linhas de crédito disponíveis para a comunidade, a instituição já atua em outras frentes da Econo-
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mia Solidária. “Neste ano, por exemplo, promovemos a Feira da Economia da Cultura de Ceilândia. A ação foi realizada com colaboração e troca de serviços, frentes que também caracterizam a atuação do Banco Comunitário”, relata. Diferente da Estrutural e do Itapoã, o projeto não é gerido pelo Ateliê de Ideais, que neste caso atua como parceiro na capacitação dos agentes. A instituição responsável pela gestão dos recursos, repassados pelo MinC, é a Universidade de Brasília (UnB). A iniciativa conta com o recurso de R$ 600 mil para o financiamento de equipamentos, investimento em capacitação e segurança, e implantação do sistema e da moeda social. Como este recurso não pode ser usado como capital de giro no Banco, o Conselho Gestor tem realizado ações de captação de recursos junto à comunidade para construir a lastro da moeda social Correria. Em setembro, a promoção de uma rifa de bicicleta arrecadou aproximadamente R$ 2 mil. O valor será disponibilizado na linha de empréstimos para consumo. Ailton afirma que mesmo sendo um pequeno valor, a abertura da linha de crédito deve ajudar a divulgar a iniciativa na comunidade. Para ele, a
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falta de conhecimento sobre a atuação do BCD tem sido o principal desafio para implantação do projeto. Dúvidas sobre a lógica de funcionamento do BCD são constantes. “Para mim, o Banco é um trabalho econômico e não só social, como vem sendo trabalhado. Eu sinto falta de pessoas entendidas no assunto, como economistas, por exemplo,” afirma o publicitário e artista Sírio Júnior, 27 anos. Ele é proprietário de um estúdio de design gráfico e afirma ter interesse em parti-
cipar da rede de comerciantes credenciados a receber Correria, mas mesmo assim, parece não confiar na proposta de autogestão comunitária. Ao mesmo tempo em que desenvolve iniciativas para fomentar o debate sobre finanças solidárias na comunidade, a equipe gestora promove uma pesquisa para mapear os projetos culturais. O objetivo é propor uma linha de crédito focada em diferentes ações culturais, a partir das necessidades apontadas pelo estudo. “Como artista da cidade, acredito que o maior desafio é encontrar espaços para propagar a arte. O artista do Hip Hop, por exemplo, tem poucos espaços para divulgar seu trabalho, e quando tem, geralmente, não conta com apoio financeiro. O Banco Comunitário vai dar oportunidades para artistas e produtores locais, não só por meio de empréstimos, mas também pela possibilidade de integração de diversos segmentos sociais,” afirma o Mc Rafinha Bravoz. O formato da moeda social ainda não está definido. Apesar de ter solicitado a impressão dos primeiros exemplares de Correria, o Conselho Gestor tem dúvidas sobre a viabilidade de circulação das notas. O E-dinheiro é uma possibilidade que vem sendo estudada para implantação da moeda social. Ailton lembra que embora existam experiências de sucesso com o uso dos dois modelos de circulação, a adesão da comunidade deve ser decisiva na escolha. Determinados a formar a rede para a circulação da “Correria” e impulsionar o desenvolvimento da região, os oito agentes – seis remunerados e dois voluntários –, envolvidos no projeto, dão seguimento às ações para construir o lastro, mapear projetos culturais e conquistar o apoio da comunidade.
O Banco Comunitário vai dar oportunidades para artistas e produtores locais, não só por meio de empréstimos, mas também pela possibilidade de integração de diversos segmentos sociais.” (Mc Rafinha Bravoz)
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SEM APOIO POPULAR
I
Agência Câmara
nfelizmente, nem todas as experiências têm o mesmo sucesso. No Arapoangas, bairro da Região Administrativa de Planaltina, Maria Páscoa, ex-agente do banco comunitário local, não conseguiu fazer com que a comunidade abraçasse a causa. Ela veio de um encontro com o Ateliê de Ideias animada e cheia de motivações para implantar o banco na comunidade, porém não teve sucesso. “A gente percebeu que as pessoas não viam o banco como uma coisa real. Achavam que não ia vingar, porque era um banco no qual as pessoas tinham que tomar conta, todo mundo tinha que ser dono”, lembra Maria.
Kamila Costa, outra ex-agente da instituição, conta que, durante seu período a serviço do banco comunitário, ainda faltava muita informação para população acerca do assunto. “Notamos durante os seis meses de atuação, que as pessoas em geral conhecem muito pouco sobre o funcionamento de um banco comunitário e das próprias bandeiras da Economia Solidária. Apesar de muito discutido em seminários, congressos, plenárias e até em universidades, o tema ainda é pouco familiar entre moradores de bairros carentes como o Arapoangas”, afirma. Para conscientizar e informar a população, Kamila utilizou materiais
didáticos, como folders explicativos sobre economia solidária. Para a articuladora dos Bancos Comunitário de Desenvolvimento da região Centro-Oeste e presidente do Ateliê de Ideias, Leonora Mol, a dificuldade do banco do Arapoangas foi o fato das pessoas não se sentirem donas do banco, o que é essencial para o sucesso da iniciativa. “A comunidade não abraçou a ideia. O banco comunitário só existe se a comunidade tomar conta dele. Ela tem que se empoderar e se envolver na ideia do banco comunitário”, ressalta. Ainda há uma tentativa de abrir um banco comunitário em Planaltina,
que atenderia também ao Arapoangas, mas para Leonora o desafio ainda será maior. “A comunidade de Planaltina é diferente das outras, como Itapoã e Estrutural. As pessoas vão muito para o Plano Piloto, elas não têm a vida efetivamente como em uma comunidade e isso conta muito no processo de estruturação do banco”, afirma. Entre iniciativas que deram certo e outras que nem tanto, os bancos comunitários tentam se afirmar no Distrito Federal. Pequenas oportunidades de oferecer crédito a quem precisa e de manter as riquezas do comércio na própria cidade, mas que precisam do apoio da comunidade.
No Congresso
Projeto de Lei busca regulamentar Bancos Comunitários
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nquanto os bancos comunitários crescem e tentam se afirmar nas comunidades, um projeto de Lei Complementar em tramitação no Congresso busca regulamentar a iniciativa. O PLP 93/2007, de autoria da deputada Luiza Erundina, cria o Segmento Nacional de Finanças Populares e Solidárias, constituído pelo Conselho Nacional de Finanças Populares e Solidárias (Conafis) e pelos Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário (BPDS).
De acordo com a proposta, o Conafis seria o responsável por regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos bancos. O texto ainda afirma que somente as instituições autorizadas pelo Conselho poderão usar a denominação de Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário. As atuais sociedades civis que atuam na concessão de crédito também poderão integrar o Segmento, caso desejem e sigam as normas determinadas pelo Conafis.
O texto afirma que “(...) o grande desafio consiste em criar condições para que cada comunidade, município ou microrregião possa consolidar instituições de crédito popular dotadas de mecanismos de financiamento não apenas voltados à produção, mas que ofereçam outros serviços e atuem alicerçadas nas mais diversas parcerias com vistas ao desenvolvimento socioeconômico comunitário”. O PLP expande a atuação, autorizando os bancos a fazerem captação de poupança, opera-
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ção de títulos de capitalização, administração de carteira de investimento, prestação de avais e garantia, transações com seguros, entre outros. Se aprovada a proposta, o Conselho terá a participação de representantes de órgãos do governo, como Banco Central, Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O projeto tramita na Câmara dos Deputados e atualmente se encontra na Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
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Entenda como funcionam as moedas sociais
CORIO N Á BANIT U IM
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"A tude", "Conquista" e "Correria". Essas são as moedas sociais que tentam fortalecer o comércio local em dis ntas regiões do Distrito Federal. Mas como elas funcionam? A moeda social tem o mesmo valor do Real, porém, diferente da moeda nacional, ela só pode circular dentro da comunidade e os estabelecimentos têm livre escolha de aceitar a moeda ou não. Para aderir à inicia va, basta o comerciante fazer um cadastro no banco comunitário da cidade. A grande aposta das moedas sociais é que os comerciantes locais ofereçam descontos a quem compra com a "A tude", no caso do Itapoã, ou a "Conquista", na Estrutural, por exemplo. O intuito é que as pessoas troquem o Real pela moeda local, incen vadas pelos descontos. Com isso, ao invés de gastar o dinheiro nos grandes comércios fora da comunidade, a população compra nos estabelecimentos locais e mantém o dinheiro em circulação na própria cidade. Assim, tanto o cliente como o empreendedor saem beneficiados. As moedas sociais possuem selos e elementos de segurança para que não sejam falsificadas. Em novembro de 2015, o Brasil contava com 103 moedas sociais em circulação, de acordo com o Ins tuto Banco Palmas.
E-dinheiro: A moeda social eletrônica Uma das grandes apostas para expandir os bancos comunitários é o E-dinheiro. O aplica vo traz o banco comunitário para a palma da mão e permite fazer pagamentos, recebimentos, depósitos e transferências. A plataforma também é ú l para acompanhar as finanças da família, pois possibilita um controle, por meio de uma rede de contatos dependentes, de quem gasta, quanto e onde. O E-dinheiro é gratuito e possui navegação intui va. Não precisa ter internet para usar o aplica vo, basta ter um celular a vo, independente da operadora. Os comerciantes que recebem o pagamento das compras pela moeda eletrônica podem re rar o dinheiro em papel no banco comunitário ou usar os créditos no E-dinheiro para efetuar outros pagamentos. A inicia va par u do Ins tuto Banco Palmas e deve chegar a todos os bancos comunitários do Brasil.
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2 Já com o dinheiro em mãos, José investe no seu carrinho de picolés. Dona Maria segue em busca de materiais para nalizar sua casa
6 Com os trocados que ganhou do pai, Pedrinho movimenta as vendas no carrinho do seu José
Conquista
Atitude
Bem
O nome dado à moeda social da Estrutural representa as vitórias alcançadas e almejadas pela comunidade. A cédula traz imagens da construção de obras importantes da cidade de um lado e, do outro, a conclusão das mesmas.
O nome da moeda social do Itapoã foi escolhido a partir de uma sugestão do Ateliê de Ideais. A lógica é despertar "Atitude" na comunidade, para que ela possa atuar de maneira efetiva junto ao projeto.
Em Vitória/ES, a comunidade, que recebeu o primeiro banco comunitário do estado, também homenageou o bairro onde mora, "São Benedito", ao escolher o nome da moeda social "Bem".
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Moedas Sociais
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Seu José e Dª Maria vão ao Banco Comunitário em busca de crédito solidário
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H IN
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A RC
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7 Depois de um dia de trabalho, seu José passa no mercado e aproveita os descontos que o estabelecimento também oferece a quem faz compras usando o dinheiro da comunidade
Com o mesmo crédito, ela paga pelos serviços de seu João, pedreiro que trabalha na sua construção
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3 DE IS ÃO A RI UÇ E R AT ST M N CO
Dona Maria consegue preços melhores na hora de adquirir materiais para sua obra usando a moeda social
5 Seu João continua o movimento da moeda local adquirindo produtos no mercadinho do bairro e ainda dá uns trocados a Pedrinho, seu lho
Correria
Araponga
Palma
Em Ceilândia, o nome da moeda social recebeu fortes inuências da linguagem popular da região. "Correria" signica "agir ou trabalhar para conquistar o pão de cada dia".
Apesar da nomenclatura correta do bairro ser Arapoangas, o nome Araponga caiu nas graças dos moradores da região e deu nome à moeda social dessa comunidade.
O nome da moeda social "Palma" faz menção ao Conjunto Palmeiras, bairro de Fortaleza onde atua o Banco Palmas.
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Primeiros Passos
Da índia para o mundo
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Após dezessete anos, o Palmas, primeiro banco comunitário no Brasil, segue inovando na forma de fazer economia solidária
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a capital cearense vem a experiência pioneira da instalação de bancos comunitários em território brasileiro. O Banco Palmas, fundado em 1998, na periferia de Fortaleza, é a realização mais notável de uma comunidade que se acostumou a promover importantes feitos com base em princípios solidários. Os dezessete anos de trabalho consolidam o Palmas como referência numa rede que conta com 103 instituições, presentes em vinte estados do país. Os fatos que desencadearam sua origem remontam um cenário de, aproximadamente, 40 anos. No início da década de 1970, cerca de 200 famílias que habitavam a orla marítima de Fortaleza foram retiradas do local, onde seriam instalados hotéis para atender à demanda turística da cidade. O destino do grande grupo desabrigado: Conjunto Palmeiras, a quilômetros do mar e mais distante ainda da realidade dos novos empreendimentos. Quase vinte anos após a mudança, mas ainda sem urbanização apropriada para a habitação do bairro, a comunidade se reuniu e decidiu construir, em mutirão, a infraestrutura necessária. “Os moradores ergueram desde praças e escola, até a rede de esgoto”, conta o coordenador do Banco Palmas, João Joaquim de Melo Neto.
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Economia Solidária no DF
Resolvido o problema habitacional, a Associação de Moradores se viu diante de outra demanda, desta vez de matriz econômica. “Por que somos tão pobres? Nos perguntávamos”, afirma Joaquim Melo. A partir do levantamento de hábitos de consumo local, a dúvida foi esclarecida. A baixa renda da população e o inexistente potencial produtivo do Conjunto Palmeiras se justificava, principalmente, pela evasão do dinheiro. “Percebemos que toda a nossa renda acabava indo para os caixas de comércios em outras regiões”, completa o coordenador. Inspirada pelo sucesso do Grammen Bank, primeiro banco comunitário do mundo, em Bangladesh, a Associação de Moradores deu início ao processo de criação do Instituto Palmas. A partir de então, uma série de atividades, como a divulgação da iniciativa em áreas de grande movimento e escolas, foi implementada visando conscientizar e preparar o ambiente para o estabelecimento do banco. Nos primeiros meses de funcionamento, o principal desafio dos gestores foi conquistar a confiança dos comerciantes e consumidores locais. Joaquim afirma que a Palma, moeda recém-criada com validade e circulação apenas no bairro, não possuía credibilidade. “Em seis meses, tínhamos só seis clientes. As pessoas não acreditavam naquele pedaço de papel, de valor idêntico ao Real”, relata. O reconhecimento significativo veio após a adesão dos principais estabelecimentos comerciais da região à moeda. O posto de gasolina do bairro e a rede de transporte alternativo local foram decisivos para a popularização da Palma e do banco. Outro fator importante para o sucesso, segundo o coordenador do
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instituto, foi a vitória numa batalha judicial, que se estendeu por anos, contra o Banco Central do Brasil (BC). “O órgão impediu a emissão da moeda social, alegando que caberia somente a ele a distribuição de dinheiro no território nacional”, diz e completa: “O parecer da justiça favorável a nós mostrou ao povo que o Palmas merecia crédito”. Hoje, uma nota técnica do BC valida a circulação de moedas sociais nas regiões que abrigam bancos comunitários.
“É preciso inovar”
Operando uma carteira de crédito próxima a R$ 3 milhões, com mais de 250 empresas circulando a moeda local, o Palmas é o banco comunitário de números mais expressivos no cenário nacional. Questionado sobre qual seria a chave para se alcançar e manter o sucesso institucional, Joaquim Melo afirma que o desenvolvimento de novas ações é imprescindível. Visando dar mais praticidade e segurança e reduzir o custo de transações financeiras, o Palmas Lab, laboratório de inovações ligado à instituição, idealizou o E-dinheiro, aplicativo que permite a realização de compras e concessão de créditos via telefone celular. As novas tendências que surgem no Palmas Lab afetam diretamente os mais de seis mil clientes e não estão restritas apenas à área da tecnologia. Cursos profissionalizantes, em convênio com renomadas instituições, contribuem para o aprimoramento da mão de obra local, expansão das possibilidades no mercado de trabalho e aperfeiçoamento na gestão do próprio banco. Entre os principais parceiros estão a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade Columbia.
Vitalvoices.org
Pioneirismo e inovação a serviço da comunidade
e a iniciativa dos bancos comunitários no Brasil começou em 1998, a atuação desse perfil de banco surgiu alguns anos antes. Em 1976, era inaugurado em Bangladesh o primeiro banco comunitário, o Grameen Bank. A ideia de oferecer microcrédito aos pobres rendeu o prêmio Nobel da Paz ao bengali, fundador do banco, Muhammand Yunus, em 2006. O banco foi criado pelo professor de economia que se sentia incomodado com a situação de pobreza da região. Além de oferecer crédito às pessoas que não preenchiam os requisitos para pegar um empréstimo em banco comercial, a iniciativa busca incentivar o empreendedorismo e dar poder às mulheres, que hoje somam 97% dos clientes do banco. O Grameen Bank possui 2.565 agências e presta serviço em mais de 80 aldeias de Bangladesh, atendendo mais de 97% do total de aldeias da região. O Banco tem cerca de 7,5 milhões de mutuários, dos quais, segundo a instituição, 65% melhoraram as condições socioeconômicas, saindo da extrema pobreza. Segundo a BBC, uma pesquisa divulgada pelo Banco Mundial mostrou que o microcrédito já tirou dez milhões de moradores de Bangladesh da pobreza entre 1990 e 2008. A iniciativa rompeu as fronteiras e hoje é usado em grandes países, como Estados Unidos e o próprio Brasil.
Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank
Primeiros Passos
Prática solidária segue na contramão da economia tradicional Com objetivo de unir pessoas em torno de iniciativas que geram trabalho e renda aos menos favorecidos, a Economia Solidária tem conquistado espaço no Brasil
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nir pessoas com o objetivo de gerar renda, oportunidades de acesso a bens, serviços e desenvolvimento econômico. A economia solidária se baseia em princípios democráticos e segue na contramão do sistema patronal, em que o grande potencial de produção e os lucros estão em poder de poucos. “São políticas alternativas ao sistema capitalista, que se contrapõem à fórmula tradicional de fazer negócios, justamente por proporcionar melhor distribuição de recursos”, explica o mestre em economia, Newton Marques. “O que vale nesta metodologia é a troca e a cooperação mútua, para impulsionar a grande força produtiva que há nas regiões de menor renda”, completa o economista. Na organização solidária, os trabalhadores buscam construir juntos as bases para um futuro mais próspero. Bancos comunitários e cooperativas solidárias estão entre as principais manifestações deste tipo de gestão. Estas iniciativas surgem, em geral, para suprir carências dentro das comunida-
des, inclusive como alternativas ao desemprego e à precarização do trabalho. No entanto, as práticas solidárias não se restringem apenas a movimentos de caráter financeiro. Existem também espaços dedicados à troca, locais onde as pessoas se reúnem para fazer negócios sobre produtos e serviços, sem utilizar dinheiro nem moedas sociais, necessariamente. A fórmula proporciona uma aproximação entre os cidadãos. Em busca de uma organização que defendesse interesses e elaborasse estratégias para o desenvolvimento de novas ideias, foi criado, em 2003, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, entidade que congrega 160 Fóruns regionais e mais de 3 mil empreendimentos pelo país. “As principais frentes de atuação do movimento são a formulação de políticas voltadas à solidariedade e a união em torno de atividades, antes muito isoladas umas das outras, em todo o território nacional”, explica a coordenadora-executiva do Fórum, Rizoneide Amorim. Ainda no início da última década,
As principais frentes de atuação do movimento são a formulação de políticas voltadas à solidariedade e a união em torno de atividades, antes muito isoladas umas das outras, em todo o território nacional.” Rizoneide Amorim, coordenadora-executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária as iniciativas solidárias, que recebiam incentivos de um ou outro estado e município, chamaram a atenção do governo federal. De olho no potencial desenvolvimento proporcionado por elas, também em 2003, dentro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). “Esta Secretaria surgiu para suprir necessidades de um movimento, há muito, já existente e para disseminar a ideia de que a economia solidária
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é viável, rentável e, em muitos casos, necessária”, explica o secretário-adjunto, Roberto Marinho. A Senaes trabalha no fomento às instituições. É o organismo oficial que destina recursos públicos para o fortalecimento e para a criação de novos empreendimentos. Agentes que trabalham na instalação dos Bancos Comunitários nas comunidades, por exemplo, são remunerados por meio de verbas vindas da Secretaria.
Economia Solidária no DF
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Inclusão Social
Lógica cooperativa promove novas oportunidades Diferente do mercantilismo, sistema ignora relações de hierarquia e aposta na divisão democrática das “sobras”
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erar trabalho e renda, defender preços mais justos e valorizar o trabalhador são alguns dos objetivos do cooperativismo. Este ramo de atividade, que é braço importante da lógica solidária, representa o sustento de milhões de famílias brasileiras. Para se ter uma ideia, só no Distrito Federal, de acordo com a Organização das Cooperativas do DF (OCDF), cerca de um quarto da população tem acesso a produtos ou serviços cooperados. “O cooperativismo é a autêntica inclusão social de quem, em outro momento, não teria chances de crescer sozinho”, afirma Roberto Marazi, presidente da OCDF. De acordo com ele, a ideia é unir forças de modo que as oportunidades cheguem a todos. Para que pequenos produtores, por exemplo, tenham condições de fazer conhecido o seu trabalho.
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Basicamente, as diferenças entre as cooperativas e as empresas mercantis (focadas no lucro) estão na forma de gerir o trabalho e o dinheiro. Enquanto nas instituições do mercado tradicional há relação hierárquica e objetivos distintos, quando o patrão visa ao lucro e o empregado ao salário, no sistema cooperativo o trabalho visa construir resultados em conjunto, sem patrões ou chefes, e as sobras, como é chamado o lucro, beneficiam a todos. As empresas são criadas para operar em concorrência umas com as outras, já as cooperativas estimulam a integração e buscam oferecer o menor preço possível. Dentro deste vasto universo, há no Distrito Federal iniciativas solidárias que vêm promovendo mudanças significativas na realidade de seus co-
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operados e demais agentes envolvidos neste processo de colaboração.
Histórias que nascem do lixo
Localizada em Ceilândia, a Recicle a Vida nasceu da união de catadores de materiais que decidiram unificar a venda dos resíduos às usinas de reciclagem. Atualmente, na sede da cooperativa, o trabalho dos 75 cooperados, ou agentes ambientais, como preferem ser chamados devido ao apelo de preservação do ambiente, se soma ao de 11 contratados via CLT e 13 egressos do sistema prisional, fruto de uma parceria com a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Aliás, parcerias já foram e ainda têm sido muito importantes para a instituição. A aquisição das grandes máquinas utilizadas para o transporte e prensa dos recicláveis só foi possível por conta
Cooperadas fazem triagem do material recolhido
de convênios, principalmente com órgãos públicos federais. Parte do material que chega também é viabilizada pelo governo. O decreto 5.940/2006, da Presidência da República, impõe que resíduos produzidos nas repartições públicas sejam doados a cooperativas de catadores. O restante do material chega de entidades parceiras, coleta seletiva do governo local e pelas mãos dos catadores. A seleção do material é feita também por catadores cooperados, entre eles Maria Neide Pereira, de 54 anos, que há mais de 18 vive da coleta e venda de materiais recicláveis. Sobre aquilo que o trabalho proporcionou até hoje, ela destaca valores que vão além do alcance financeiro. “De tudo o que consegui, imagino que as maiores conquistas foram ver minha filha formada na faculdade e o meu
Inclusão Social
O cooperativismo é a autêntica inclusão social de quem, em outro momento, não teria chances de crescer sozinho Roberto Marazi, presidente da OCDF
Produção de laticínios na Copas
União em torno do leite
Para garantir a pequenos produtores condições de vender o leite coletado em suas propriedades, um grupo de agricultores familiares se reuniu em 2000 e decidiu criar a Cooperativa de Leite de São Sebastião (Copas). A ideia surgiu devido às dificuldades enfrentadas na hora da venda por quem não produzia em grande escala. “As empresas que revendem e transformam o leite em outros alimentos não têm interesse em comprar pequenas quantidades”, afirma o coordenador-técnico da Copas, Fernando Cabral.
O grupo de cooperados chega hoje a quase 200 produtores e a Copas possui uma fábrica própria, que garante emprego a 25 pessoas e de onde saem, além do leite ensacado, uma porção de outros derivados, que inclui queijos, iogurte e manteiga. Diariamente, cerca de 18 mil litros de leite chegam à sede nos caminhões tanque, doados pelo Ministério do Trabalho, que vão buscar em cada chácara, sítio e fazenda que contenha um membro. O principal cliente da Copas, atualmente, é o governo local. Os laticínios que compõem a merenda dos alunos da rede pública de ensino
Um pouco de história Foto: Wikipedia
filho concluir o ensino médio”, afirma sorridente a catadora que estudou apenas até a terceira série do ensino fundamental. Projetando o futuro, Neide brinca: “Já trabalhei demais para os meus filhos, agora quero trabalhar só pra mim, gastar o meu dinheiro comigo. Daqui pra frente, é tudo meu”, encerra. O operador de empilhadeira, Marcelo Queiroz, 27, circula entre esteiras, contêineres e pessoas com grande habilidade. É ele o responsável por carregar todas as pilhas de material prensado até o local de embarque nos caminhões, que levam a carga a usinas de reciclagem em Santa Catarina e Minas Gerais. Ele chegou à cooperativa em 2010 e, mesmo não sendo cooperado, é exemplo de que o trabalho da Recicle a Vida rende bons frutos a todos os envolvidos nesta união solidária. Egresso de uma penitenciária, desde o início mostrou grande disposição ao trabalho e logo chamou a atenção de todos. Cumprida a pena, como forma de reconhecimento pela reabilitação do jovem, a cooperativa decidiu contratá-lo. Hoje, Marcelo comemora: “Minha vida é outra. O meu sustento sai daqui. Agradeço todos os dias pela oportunidade que tive”. Obedecendo a um dos princípios fundamentais do cooperativismo, que é a promoção de formação, informação e educação, a Recicle a Vida ainda oferece diversos cursos nas áreas de gastronomia, manicure e serigrafia, entre outras, em conjunto com associações e instituições de ensino. “A nossa missão é esta: prover melhores condições de vida aos cooperados e a quem mais se envolva no nosso trabalho”, observa o coordenador da cooperativa, Cleusimar Andrade.
Sociedade dos Probos de Rochdale
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são, em grande parte, originários da cooperativa. A contar pelo ânimo do cooperado e fundador Fábio Braz, 51 anos, o trabalho vem obtendo grande êxito. “A proposta inicial era justamente dar condições dos pequenos venderem, sem deixar ninguém de fora”, conta ele, que já chegou a produzir 150 litros de leite por dia em sua propriedade. Para seguir cumprindo bem o seu papel, a Copas firma parcerias com institutos especializados para oferecer cursos aos cooperados com o objetivo de aperfeiçoar, cada vez mais, o processo de produção do leite.
cooperativismo nasceu no século XIX, em meio à expansão industrial na Inglaterra. Com a ascensão das máquinas, a mão de obra perdeu grande valor. Os trabalhadores eram forçados a longas jornadas de trabalho, em troca de baixos salários. Foi então que um grupo de 28 operários, a maioria tecelões, inconformados com as condições impostas, decidiu se reunir em busca de uma nova forma de organização do trabalho. Baseados no princípio de valorização da classe trabalha-
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dora inauguraram, em 21 de dezembro de 1844, o primeiro armazém cooperativo, no bairro de Rochdale, em Manchester. Surgia, então, a Sociedade dos Probos de Rochdale, primeira cooperativa moderna. No Brasil, a experiência cooperativa nasceu ainda no século XIX. A primeira entidade que se tem notícia é a Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, fundada em 1889. A partir de então, a ideia se difundiu e hoje alcança todos os estados brasileiros e diferentes setores econômicos.
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Dificuldades Projetos de desenvolvimento social esbarraram na alta carga tributária Sem condições de arcar com impostos, cooperativa Candangas em Planaltina reduziu os postos de trabalho de 20 para 8, no último ano A formalização, especialmente como cooperativa, gera uma quantidade de custos que nem sempre o empreendimento está preparado para assumir.” Fernando Zamban, assessor nacional de Economia Solidária da Cáritas Brasileira
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pesar das diferenças já pontuadas entre empresas e cooperativas, o tratamento tributário dado a estes dois segmentos é o mesmo. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 271/2005, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR),z propõe mudanças no tratamento tributário ao ato cooperativista. Em 2008, a Receita Federal do Brasil anunciou por meio de Nota à Imprensa a intenção do Governo Federal em adequar a incidência de impostos sobre este tipo de sociedade. Sete anos depois, ainda sem legislações especificas, a alta carga tributária tem inviabilizado a sobrevivência de muitos empreendimentos. A cooperativa Candangas é exemplo deste problema. Produzindo bolsas a partir de matéria-prima reciclada, a sociedade chegou a gerar trabalho e renda para mais de vinte moradoras do bairro Arapoangas, em Planaltina. Como o ritmo de produção acompanha as demandas dos clientes, o faturamento oscila a cada período e a incidência elevada de impostos tem comprometido a viabilidade financeira da organização. Os postos de trabalho já foram
reduzidos, são atualmente oito, e as cooperadas pensam em aderir ao cadastro de Microempreendedores Individuais (MEI) para continuar as atividades. O assessor nacional de Economia Solidária da Cáritas Brasileira, Fernando Zamban, afirma que a adesão ao MEI tem sido a opção para muitos empreendimentos de economia solidária que sofrem com a mesma situação. “A formalização, especialmente como cooperativa, gera uma quantidade de custos que nem sempre o empreendimento está preparado para assumir”. Para ele, o PLC 271/2005 vai colaborar para formalização de muitos grupos, mas ressalta que o texto ainda precisa ser aperfeiçoado. “O projeto é muito superficial no que diz respeito ao tratamento diferenciado às modalidades de cooperativa. Não basta distinguir apenas por segmentos, pois existem cooperativas que movimentam milhões de reais e é justo que elas paguem mais. Empreendimentos de vinte pessoas não podem ter o mesmo tratamento tributário.” O autor da proposta, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) afirma que a negociação das isenções de impostos junto à Receita Federal tem sido o principal entrave na tramitação do PLC. O projeto está na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, onde aguarda o parecer da relatoria. Se aprovado, segue para votação no Plenário, para apreciação em dois turnos. Em seguida, será encaminhado ao Senado Federal.
Perfil
Conquistas
Maria
de
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aminhando contra o vento, sem lenço e sem documento”, mas com destino certo: Brasília. Entre tantas Marias, atraídas pela possibilidade de uma vida melhor, a Páscoa, que cita os versos de Caetano Veloso para ilustrar a própria história, afirma ter encontrado no Planalto Central as oportunidades necessárias. O vento, que para o compositor baiano representava um período difícil, soprou na vida da maranhense de Santa Luzia do Paruá como impulso para velas hasteadas, rumo a novos ares. As restrições financeiras impostas pela vida e o prognóstico de mais dificuldades na chegada à nova cidade não foram capazes de contê-la. “Ouvi dizer no rádio, que pessoas sem estudo não poderiam vir para Brasília, que aqui era lugar de concurso. Mesmo assim, decidi contrariar”, afirma Páscoa. O dinheiro para bancar a viagem de aproximadamente dois mil quilômetros foi adquirido com a venda de roupas, utensílios domésticos e até galinhas. Para completar a quantia, uma ajuda do padre da vila. Obstinada a mudar de vida, embarcou rumo à nova capital deixando para trás cinco filhos e o marido. Por sorte ou destino, os fatos subsequentes a ajudaram a superar o primeiro desafio: conseguir um lugar para ficar. No ônibus, encontrou o filho de uma antiga conhecida, que vinha para a casa da mãe, localizada na região do Paranoá. Recebida de braços abertos pela conterrânea, Páscoa tinha agora um novo objetivo: conseguir emprego. Três dias após desembarcar em Brasília, começou a trabalhar como empregada doméstica. O ofício trouxe a possibilidade de unir novamente a família. Um a um, filhos e marido se mudaram para a capital federal. A cada objetivo alcançado, Páscoa traçava novas metas. A conclusão do ensino médio e a fundação da cooperativa Candangas estão entre as conquistas mais memoráveis. As condições de extrema pobreza em que viveu na infância obrigaram-na a abandonar a escola ainda no quinto ano do ensino fundamental. Neste mesmo período veio a primeira experiência com a economia solidária, por meio de projetos de-
Ouvi dizer no rádio, que pessoas sem estudo não poderiam vir para Brasília, que aqui era lugar de concurso. Mesmo assim, decidi contrariar.” Maria Páscoa, fundadora da Cooperativa Candangas
senvolvidos pela Cáritas Brasileira. Já em Planaltina, região administrativa onde reside atualmente, Páscoa retornou à escola, após quase três décadas. Persistência e determinação são características. Em 1994, a cooperativa de corte e costura foi fundada com objetivo de gerar renda a um grupo de 20 mulheres, moradoras do bairro Arapoangas. O produto sofreu transformações durante o tempo, no entanto, a mudança de valores no empreendimento é o que há de mais transformador. A Candangas passou a produzir bolsas a partir de banners e faixas. Produtos descartáveis, que se somariam ao imenso montante do lixo produzido pela população, ganharam novas formas nas mãos das cooperadas. Bolsa, mochila, sacola ou nécessaire, para ela não importa qual produto chama mais a atenção do cliente, desde que desperte nele consciência ambiental.
O trabalho da cooperativa ganhou os holofotes em 2013, quando protagonizou o quadro “Mandando Bem” do programa Caldeirão do Huck. Os equipamentos doados pela iniciativa ajudaram a melhorar as condições de trabalho. Porém a fama repentina não foi capaz de promover mudanças profundas. “As ondas de sucesso passam,” afirma ao analisar o promissor, mas passageiro aumento nas demandas, enfatizando que falta à sociedade conscientização sobre reciclagem e o reaproveitamento de materiais. Hoje, mesmo diante da crise que atinge a cooperativa e chega a inviabilizar a produção das bolsas, Páscoa não desanima. Aponta a educação ambiental como único caminho. Motivada pelos princípios do cooperativismo, ainda julga os verbos do futuro no plural. Crente em dias melhores, ela vai “por que não?”.
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