breve
marcelo soares
001
Sopro A vida é feita de pequenos momentos, instantes de alegria, tristeza, amor, ódio, paz ou caos. Brevidades que formam aquilo que chamamos de viver. Breve é uma coletânea de microcontos que fala sobre aqueles segundos que podem mudar completamente nossa vida ou, simplesmente, tornam-se mais uma memória perdida em algum canto de nossa mente. A vida é breve, como o fitar de voos de pássaros em uma manhã de Sol.
01 Era o fim. Claudio sabia desde o momento da ligação, do pedido de encontro com tom de voz sério. Agora, ali, sentados numa cadeira de restaurante enquanto garçons passam com refinadas comidas em bandejas, ele tinha total certeza do instante inevitável. André não conseguia encarar o rosto do homem que amou por quatro anos. Nos seus olhos um leve inicio de dilúvio se fazia presente. "Tenho outro alguém!", foram as palavras fatais ditas pelo amor da sua vida sem nem levantar a cabeça. Foi o fim.
02 Apesar de seus documentos dizerem que ela tinha quarenta e sete anos, e seus quilos a mais lhe darem uma conotação física de mais velha, seu rosto era bem juvenil. Alfredo achava-o belo com seus contornos arredondados, olhos castanhos grandes, bochechas que se destacavam quando ela sorria e o cabelo curto cacheado. O mágico não se lembrava mais se foi naquele momento que se encantou pela vidente de mentira ou na noite seguinte, em um velho trailer entre lençóis, luz de lampião e suor.
03 Pedro só queria comê-la e nisso ele foi bem direto. Disse com todas as palavras assim que se beijaram, logo depois do primeiro amasso e enquanto entravam no quarto de motel. E a comeu, se lambuzou em toda sua doçura. Depois, saciado, dormiu e nem viu quando ela foi embora sorrindo por tê-lo comido como queria.
04 Ivan tinha olhos tristes que escondia com todo afinco por detrás do velho óculos de aro grosso. Todo dia passava por seus colegas de cabeça baixa e ia direto para o cubículo que trabalhava. Seus olhos não se atreviam a fitar outros, não queria correr o risco de ter seu segredo revelado. Naquele dia ao entrar pela sala principal do grande escritório, um feixe de luz passou pela janela, atingiu um porta copo metálico e desviou diretamente para o seu óculos.
Seus olhos se comprimiram com a luz repentina sobre eles, o involuntário movimento de erguer a cabeça para cima no intuito de fugir do ataque luminoso selou seu destino. Assim que levantou o rosto e conseguiu abrir os olhos viu Luana, a dona do mais belo sorriso que já vira, bem na sua frente. Não conseguiu fugir, os dois esbarraram e caíram no chão. Ela sorriu achando graça de toda a situação. A partir daquele momento, os olhos de Ivan já não seriam mais tão tristes.
05 Tinha uma expressão de desdém das mais intensas que o barman já viu. Nem a dose de graça de um, a cantada barata de outro ou o convite pra dançar a tiraram de seu whisky e poltrona confortável. Naquela noite era sua amiga, amante e melhor companhia. Tomou um gole e sorriu já pensando no fora ao ver mais um se aproximar.
06 O sanfoneiro apertou o xote e ele apertou a cintura dela com mais força. Ela sabia o que viria em seguida, esperava aquilo desde a primeira olhada, o primeiro aperto de mão ao serem apresentados, a paquera discreta enquanto conversavam com os amigos em comum. Ela sorriu e o beijo intenso e carinhoso finalmente ocorreu. As bandeirinhas penduradas no salão de dança eram testemunhas de um arrasta-pé de amor como nunca se viu.
07 Passou a mão no cabelo encaracolado dela, adorava deslizar os dedos no amontoado de fios como se fosse um parque da melhor das diversões. A rede balançava suavemente acompanhando o ritmo preguiçoso do mar. Ela, com os olhos fechados de um sono merecido após uma semana cansativa, respirava lento. Ele tomou um gole da cerveja e colocou o copo de novo no chão. Empurrou a rede com o pé para balançar um pouco mais e deu um cheiro no cangote dela. Era um paraíso melhor que os dos livros.
Marcelo Soares Jornalista Mestre em Comunicação Assessor de Imprensa
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