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Editorial Sérias decisões a serem tomadas nesta crise
03/05/2020 00h00
A crise excita o espírito populista que existe no Congresso. Se ele é sempre avesso a fazer contas, neste momento a aversão aumenta e se mistura com a louvável mas desinformada intenção de se fazer “justiça social” não importa como, e que vai na contramão da lógica, por vias que estrangulam a única fonte de geração de empregos em uma situação como esta, a empresa privada. São feitas propostas que podem ser bemintencionadas, como “empréstimo compulsório” e aumento da carga tributária sobre as pessoas jurídicas, mas justo quando as empresas veem seus caixas se esgotarem na queda em parafuso das receitas dragadas pela recessão. Não faz sentido.
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O mergulho na recessão, com o fechamento de empresas, aumento de desemprego e toda uma série de malefícios que estrangulam também os cofres públicos, causa uma corrida no setor público em busca de novas receitas — mesmo que a base a ser taxada por aumento de impostos ou novos gravames esteja sendo estreitada pela redução da renda e da receita de pessoas físicas e jurídicas. Com o estrangulamento desta fonte de receitas do Estado, repete-se a piada do cavalo acostumado pelo dono a comer cada vez menos, até que um dia morre. Dentro da tradição nacional, não se fala em corte de gastos para ajudar no reequilíbrio das finanças públicas.
Reflete bem a excitação populista o número de projetos que se acumulam no Congresso há anos para a taxação de “grandes fortunas”, sempre vendida como a solução para todos os déficits fiscais. O mais conhecido dos autores de um desses projetos, o ainda senador tucano Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo se convenceu da ineficácia da iniciativa. Assim como aconteceu com países europeus, que tentaram explorar este suposto rico filão e apenas incentivaram a fuga de patrimônios e ficaram com o prejuízo da queda de receita e da geração de empregos. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que em 1990 o bloco tinha 12 dos seus membros, países desenvolvidos, com este imposto; em 2017, apenas quatro: França, Noruega, Espanha e Suíça. Haviam extinto a taxação Alemanha, Áustria, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Islândia, Luxemburgo e Suécia. Não compensava. O Nobel de Economia Milton Friedman foi certeiro: “Um dos maiores erros é julgar as políticas e programas por suas intenções, em vez de julgá-los por seus resultados.”
Se os políticos querem defender os eleitores e a sociedade, precisam cobrar um ajuste no setor público à altura desta crise, a maior desde a Grande Depressão de 1929/30. Devem trabalhar contra o fato muito injusto de trabalhadores do setor privado serem forçados pelas circunstâncias a abrir mão de parte do salário, com redução da jornada, para manter empregos e empregadores — uma coisa não existe sem a outra —, enquanto o funcionalismo se mantém como uma das maiores rubricas de gastos da Federação, sem que contribuam para o ajuste de que todos são levados a participar. Os servidores vivem num país à parte, sob a blindagem de fortes corporações no Congresso. E depois políticos denunciarão que a renda se concentrou ainda mais na crise. Precisam ter consciência das causas.
Executadas medidas de emergência, é preciso atacar de reformas estruturais, contornando o varejo de propostas tópicas impulsionadas por ideologia, sem uma visão de sistema. Em vez de mudanças oportunistas em impostos, deve-se realizar a reforma tributária. Também a do Estado. Mudanças como estas farão com que o país saia da crise em outras bases. Uma falha histórica será o enfrentamento da crise sem se fazerem as correções de que o país precisa.
Parece que parte dos políticos ainda não enxergou o Brasil que a paralisação abrupta do sistema produtivo no mundo e no país, devido ao coronavírus, colocou à mostra: a miséria no entorno e dentro de grandes capitais, a falta de saneamento básico —35 milhões de brasileiros não têm água tratada, e quase 100 milhões não dispõem de coleta de esgoto —, as dezenas de milhões sem emprego formal, sem fonte regular de renda, também por falta de instrução. Trata-se de uma população sem acesso a benefício previdenciário sustentável. Não terá qualquer segurança financeira na velhice. Milhões deverão continuar a constituir uma nação de pobres e, no futuro, de idosos miseráveis. Não se pode esquecer que o governo lançou o auxílio de R$ 600 e esperava atender 54 milhões. Poderão ser 70 milhões. Os tais “invisíveis” têm o tamanho de um país. Estão nas favelas, nos sinais fazendo malabarismo, pedindo esmola, trabalhando como “flanelinhas”, vendendo amendoim nos bares etc. Ficaram à vista.
A pergunta é se os políticos e a sociedade querem manter o Brasil depois da crise da mesma forma como está agora. Com renda e riqueza concentradas, sem infraestrutura condizente com um país de 220 milhões de pessoas, do tamanho de um continente e com um PIB entre os dez maiores do mundo — pelo menos era antes da epidemia —, e também um dos mais violentos. Muito pode ser feito agora contra isso.