Contos de fadas

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“Duas graças há no respirar: inspirar o ar e dele se livrar. Inspirar constrange, expirar liberta. Tão linda é feita da vida uma mescla. Agradece a Deus quando ele te aperta, e agradece de novo quando te liberta.”

Goethe

GRUPO V | 2015 - 2018 Escola Livre Antroposofia Formação e Estudos Biográficos Juiz de Fora - MG – Brasil @escolalivremg

Projeto Gráfico: Marcilia Almeida Revisão: Laila Silva Edição: Tereza Dalmacio


ÍNDICE Alzimara Bizerra Carvalho Angélica Alves Justo Carla da Costa Dias Cecília Patrícia Alves Costa Cristiano Moreira Débora de Jordão Nogueira Irene Maria de Freitas Joseana Pereira Luciana Carvalho Zacharias Luciana Aragão Carvalho Maria Amália Cardi Santos

06 10 14 17 20 22 24 26 29 32 35

Maria Chirley Inácio Maria Emília de Lira e Oliveira Marli Ribeiro Mirian Teles Von Hauenschild Nair Barbosa Guedes Paula Brugnoli Ribeiro Priscila Sahate Suzana Braga Deslands Tereza Cristina Campos Oliveira Tereza Cristina Menezes Souza Dalmacio Verônica David dos Santos Verônica Silva Alves Viviane Nakayama Borges Vasconcelos

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A Menina, o Vaga-lume e o Giramundo Por Alzimara Bizerra Carvalho

Era uma vez num reino muito distante... Numa terra abençoada Generosa de chão a chão, Onde o sol não descansava E a lua dormia não... Chegava uma gente forte Pois de muita decisão, De fincar na terra raízes E cuidar de seu quinhão... E nesse quinhão tinha mato, Tinha riacho, tinha flor, Tinha bicho, tinha pedra, Tinha até velha moenda, Que da cana roçada Escorria doce licor... E nesse Reino Encantado De sol, de lua e de flor, Havia a moça mais bela Que de tanta formosura, Suspirava junto à janela Por um moço pelejador... Suspirou até encontrar Um moreno bem garboso De ofício muito engenhoso, Hábil de muito treino, Que forjava os metais do Reino... Giramundo...Giramundo... E gira o Reino também...

Passa inverno, passa verão E caem sementes na terra Que brotam dessa união... Então... Numa noite muito chuvosa, Onde os olhos choviam também De felicidade sua mãe lhe contava, Que os anjos disseram Amém... A menina há muito esperada Na terra seu choro rompeu E nos braços a mãe carregava Sua bonequinha que agora nasceu... Giramundo...Giramundo... E gira o Reino também... A pequena menina crescia Muito arteira muito danada Com a fantasia amarrada Na alma e no coração... Brincadeiras fazia muitas Junto com seus irmãos... Era pique, era queimada, Era pipa, era pião, Era bola bem ajeitada Que lançava com prontidão... Mas dizia sua mãe Com muita indignação Que brincar feito moleque Era coisa muito estranha

Que menina fazia não... A menina muito astuta Já naquela ocasião, Levantou sua batuta Lhe fazendo objeção... Coragem, força e vontade, Não tem diferenciação!!! Se é menino ou se é menina Não importa a condição, Pois quando a criança brinca Basta só a liberdade Que ela traz no coração... E não só de recreação Vivia essa menina não, Os livros também eram Sua outra ocupação... Mergulhava nesse mundo, Nessa outra dimensão E ficava absorvida, Totalmente envolvida Por tamanha imensidão... E nesse Reino Encantado De pomar, pedra e quinhão... Borboleta tinha um bocado, Joaninha tinha um montão... E achava que com os livros Faria decifração Desse mundo de alquimia, Que bom maestro regia Com enorme exatidão...


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Mas nem tudo eram flores, Neste belo Reino Encantado... A rudeza de seu pai A alma lhe havia tocado... Forjava, forjava, forjava, Com dureza de opinião... Ela sempre se arriscava Mas não tinha compreensão E o metal duro forjado Transpassava o coração... O dela, da mãe e também de seus irmãos. Sua mãe sempre devota, Se punha sempre a rezar... Do Alto teria resposta Pro sofrimento acalmar Já vivia adoentada Dos ossos e do pulmão Cada junta que doía Rasgava carne e razão... E sua menina desde sempre Cuidava dela e da casa Junto com os seus irmãos...

E pras essas horas difíceis Se lembrava do colo da Avó... Prestando breve homenagem Pra quem teve um destino só... Cuidar com zelo e carinho Quem atravessou seu caminho... Transformando ouro em cuidado No pequeno coração agigantado... Da avó, da mãe e das tias, Um mundo mágico herdado... Benzeduras, unguentos e rezas, Acertou o dado lançado... Essa sorte ela sabia, Já havia lhe acompanhado...

Giramundo...Giramundo... E gira o Reino também... Cresceu aquela menina Que assim já moça buscava Algo que lhe faltava Sem entender muito bem... Sua mãe lhe apercebendo Com tamanha precisão, Disse filha vá buscar A parte de seu quinhão... E ela diz assim pra mãe Que é difícil se apartar E longe se aventurar... Da doce mãe, forte mulher Que mantem firme legado, Apesar do corpo cansado E dos males que passou Mantém sorriso nos lábios E a reza que os guiou... E a mãe se compadeceu Daquele olhar instigado... Que pra não se desviar Do caminho resguardado Três conselhos lhe deu... Pois pra quem te precisar Tuas mãos em teu ofício Muitos podem amparar... Não descuide do início Onde tudo se ergueu... Não descuide do seu ouro Que eterno te fortaleceu... Não descuide da batuta Que a ti sempre regeu... Vai e pega a estrada Que bem longe levará E volte quando quiser Aqui irei te aguardar...

E ela saiu crescida Com tesouros que recolheu... Guardados no coração Com a alma, a fé e a razão No caminho que escolheu... Porém nesse caminho Que começou a trilhar... Encontrou muitas agruras Que não sabia explicar... Pediu ajuda pra noite, Pro Sol e pro Luar E um vaga-lume ganhou Que o sábio maestro enviou... Como algo tão pequeno Pode das agruras livrar? Não desdenho dessa sorte Mas o caminho é tortuoso, Como posso suportar? O vaga-lume então lhe disse Num ressoar bem estridente Como quem fala com a gente De dentro, do interior... Vamos andando que as agruras Essas vais ter de passar Mas o que é bom logo vem Pois aquilo que procuras Essas vão te encontrar... Numa floresta chegou Muito densa e perigosa E lá encontrou uma árvore... Copa alta e muito grossa Que assim não permitia Ela o caminho trilhar... Ai de mim um machado!!! Ela assim esbravejou... O vaga-lume lhe atendeu


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9 Como assim lhe interessou... Mas atente, tenha cuidado. Nem tudo é pra ser cortado... Ela então se pôs a cortar A árvore com o machado... Golpe-a-golpe, mão-a-mão, Ela tenta derrubar, E sente muita estranheza Surgindo uma tal fraqueza Precisando se agarrar... Então se lembrou da mãe E do conselho que deu... E assim aconteceu, Sem raiz e sem regalo... Por mais alta que seja, Morre logo, num estalo Qualquer árvore que for... A árvore ela contornou Pela floresta mais densa... Com o vaga-lume sempre por perto Voando com diligência... E num ponto chegou De mar calmo e sereno Que teria de atravessar... E que assim não permitia Ela o caminho trilhar... Ai de mim um barco!!! Ela assim esbravejou... O vagalume lhe atendeu Como assim lhe interessou... Mas se atente tenha cuidado Pois nem tudo é pra ser sossegado... Assim no barco entrou E se pôs a remar...

Uma tempestade surgiu Do nada sem avisar... Jogando pra lá e pra cá... Súbito o barco virou, Ela começou a se afogar... Então se lembrou da mãe E dos conselhos que deu... E assim aconteceu, Logo se pôs a nadar Com fé e convicção... Mantendo força e coragem Tecidas no coração... Apesar do mar revolto Não caiu em pranto solto, Nem se viu desesperar... Porque muitas vezes na vida, Não se deve congelar... Então ela nadou até ao porto chegar... com o vaga-lume sempre por perto, voando com seu piscar... E assim ela seguiu Pela estrada que escolheu... Até encontrar um leão Que logo lhe estremeceu... Ai de mim uma espingarda!!! Ela assim esbravejou... O vaga-lume lhe atendeu como assim lhe interessou... Mas atente, tenha cuidado, Nem tudo é pra ser matado... Com muitos tiros de raspão... A mirar então se pôs Acertando o bravo leão, E daqueles tiros tomados No corpo as dores sentiu, Não sabendo donde saiu...

Então se lembrou da mãe E dos conselhos que deu... E assim aconteceu, Larga a arma, pega o chicote, Que havia perto dali... Domando o bicho feroz Que ia levar junto a si... Porque na vida é preciso Domar o que temos a mais... Senão a fera devora, Aquilo que mais nos compraz... Mas dessa vez junto não ia O vaga-lume que a seguia... Pois as asas e a luz Doou para aquela moça Que agora já até reluz... Muitos vôos para alçar Caminhos mais a percorrer Mais amores pra brotar Coração a se ocupar Mais encontros a fazer... Essa estória aqui não termina, Porque a busca nunca acaba... Se a vontade logo vem Os anjos dizem amém... Giramundo...Giramundo... E gira o reino também...


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O Caminho Por Angélica Alves Justo

Era uma vez, há muito tempo atrás, ou quem sabe, não foi há tanto tempo assim. Aconteceu o nascimento de uma menina. Ela era muito feliz e alegre. Gostava de correr, dançar pelos campos, sentindo o vento bater em seu corpo, abraçando-a. Deitava, às vezes, no chão quente e ficava observando as nuvens no céu, ora se transformando em dragões, serpentes, gigantes, monstros, princesas, príncipes , bruxas, etc.. O vento também trazia até ela o aroma das árvores frutíferas, mangueiras, goiabeiras, laranjeiras, jabuticabeiras, etc.. , que a deixava inebriada. Ao pôr-do-sol, corria para um lugar, mais alto e observava, o manto escuro da noite chegando, salpicando o céu de estrelinhas. De vez em quando via uma estrela cadente, fechava os olhos e fazia um pedido. Nas noites de lua cheia, procurava São Jorge montado em seu cavalo, com uma lança na mão a ferir o dragão. Em sua casa, junto ao fogão de lenha, ouvia as histórias contadas pelos adultos. Gostava de observar a sua mãe nos afazeres domésticos e nos cuidados com ela e seus irmãos. O seu pai, sempre sério e pensativo, porém tinha, às vezes, gestos com expressões de alegrias, tristezas, dores, dúvidas, e ela ficava a observar sem entender bem o que se passava em torno dela. Porém, o mundo em que ela vivia era cheio de magia e muito harmônico. Um dia, ao acordar, sentiu uma inquietação mesclada de uma tristeza muito profunda, não sabia definir com clareza o que estava acontecendo. Chegou para o seu pai e disse que gostaria de ir embora, tinha necessidade de conhecer outros lugares e pessoas. O pai ficou muito triste, depois chamou a sua “Menina-moça “, era a forma carinhosa como ele a tratava e disse que ela poderia ir, se isso realmente, era o que queria. Ela sentiu medo, insegurança, mas partiu para um lugar desconhecido, até então. Às vezes, se sentava no chão e chorava, chorava.... , tomada de uma grande saudade de algo que ficou no passado. Não sabia se era a infância, adolescência ou a ausência de sua família. Mas, toda esta dor fez com que ela amadurecesse e ficasse mais independente. Passado algum tempo, recebeu a notícia da morte de seu pai, que a deixou com um sentimento de perda muito grande. Insegura, angustiada, solitária, saiu à procura de algo ou alguém , que preenchesse esta perda. Encontrou em um lugar sombrio, frio, entre cadáveres, um rosto de um lindo rapaz de olhos negros a se destacar de outras pessoas ali presentes. Ela se aproximou e abraçaram, foi reconfortada de sua dor e deste encontro, nasceu uma grande paixão, casaram-se ainda muito jovens e tiveram três lindos filhos. Mas a Menina-Moça-Mãe, com o tempo começou a sentir-se incompleta e infeliz e o mesmo acontecia com o Menino-Moço-Pai. Nessa situação cheia de conflitos, dúvidas, sofrimentos, a Menina-Moça-Mãe agora mulher, saiu a caminhar à procura de ajuda. Chegou numa vasta


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floresta, nela tinha uma caverna profunda na qual a Menina-Moça-Mãe-Mulher começou a penetrar. De repente ouviu sibilos e barulhos nas folhas secas de algo a se arrastar, e do meio da escuridão apareceu uma serpente enorme que tinha o rosto de uma mulher velha, com marcas profundas e olhar penetrante. A Menina-Moça-Mãe-Mulher ficou aterrorizada e paralisada, a serpente começou a subir pelos seus pés e a enrolar em suas pernas e disse: “Olha para mim e você verá o que tanto a sufoca”. Ao se deparar com aquela situação, a Menina-Moça-Mãe-Mulher, sentiu algo a surgir dentro dela, uma força interior muito grande, que a fez jogar a serpente para debaixo dos seus pés. Aos poucos, a serpente voltou para o seu lugar se arrastando , deixando um líquido esverdeado e viscoso, pelo chão por onde passava e ficou observando a Menina-Moça-Mãe-Mulher-Guerreira, que se afastava solitária, sabendo que,muitos desafios iria ainda encontrar em sua caminhada. A sua insatisfação voltou, ela sentiu necessidade de conhecer outros lugares e pessoas. Foi parar em um lugar distante, onde na atmosfera reinava muitos odores, cores, sabores, e um som de um mantra ecoou: Oh! Namah Shiva!( “Om, inclino-me perante o meu divino Ser interior”). Grande dançarino do Universo, onde tudo transforma em morte e vida fazendo com que o ciclo da vida siga o seu ritmo. Indo mais para o norte sobrevoou o teto do mundo, Hymalaia, ficou muito emocionada , as lágrimas desciam o seu rosto diante de tamanha beleza! Encontrou pessoas próximas a este local, que entoavam um mantra em um templo sagrado: Om Mani Padmi Hum !( “da lama nasce a flor de lótus” ) Na sua caminhada seguindo ao impulso de sua alma, foi até o “Vale dos reis e rainhas”, onde o divino é representado pelo humano, desceu o rio Nilo com suas margens férteis, entrou e visitou vários templos sagrados, a grande esfinge, pirâmides, sobrevoou o deserto de Saara e foi ao caminho da “Via Crucis”, ao Monte das Oiveiras , Gólgota, Rio Jordão, e outros lindos lugares de passagem de Jesus-Cristo. Em outra região do mundo , um país frio, no monte Salvat, lá estavam pessoas, que falavam do “despertar através da consicênica” , local de iniciação de um grande mestre , Rudolf Steiner. Ela foi alimentada anímica-espirtualmente, mas sentiu saudades e retornou às suas montanhas mineiras. Convidada por um gentil cavaleiro foi parar em um local onde as águas brotavam do chão e com lindas montanhas. Lá encontrou um violeiro que entoava uma melodia, na qual percebeu que resumia a sua história.

“Ando devagar porque já tive pressa Levo esse sorriso porque já chorei demais Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe Só levo a certeza de que muito pouco eu sei Eu nada sei Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das maças e das maçãs,


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É preciso amor para poder pulsar, É preciso paz para poder sorrir, É preciso a chuva para florir, Penso que cumprir a vida seja simplesmente Compreender a marcha e ir tocando em frente. Como um velho boiadeiro levando a boiada Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou Estrada eu sou Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das maças e das maçãs, É preciso amor para poder pulsar, É preciso paz para poder sorrir, É preciso a chuva para florir, Todo mundo ama um dia todo mundo chora, Um dia a gente chega, e no outro via embora. Cada um de nós compõe a sua própria história, Cada um carrega o dom de ser capaz E ser feliz. Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das maças e das maçãs, É preciso amor para poder pulsar, É preciso paz para poder sorrir, É preciso a chuva para florir, Ando devagar porque já tive pressa Levo esse sorriso porque já chorei demais Cada um de nós compõe a sua própria história, Cada um carrega o dom de ser capaz E ser feliz”.1 Hoje me encontro mais fortalecida, os desafios continuam e a vida segue o seu fluxo.

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Tocando em frente- Almir Sater e Renato Teixeira


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A coroa e o manto Por Carla Dias

Era uma vez, num lugar não muito distante, onde as flores exalavam um doce perfume e as árvores se enchiam de saborosos frutos, nasceu em um dia de vento forte e junto ao primeiro raio de sol, uma pequena menina. Segunda filha, mas herdeira do nome do pai, um mestre da cura que dedicava todo o seu tempo estudando e tratando de todos que o procuravam, a menina pequena e frágil, exigia toda a atenção e cuidado de seus pais. Ainda pequenina, quando sua nova irmã nasceu. Pouco tempo se passou e embarcaram, o casal e suas três filhas, de volta para o reino onde de onde haviam partido e onde vivia a avó paterna. Por mar viajaram e no porto chegaram. “Mamãe, posso ir?”... O pai muito trabalhava e a mãe cuidava delas. A avó sempre as visitava e o verão juntas passavam. As meninas cresciam brincando: “batatinha frita 1, 2, 3”. Mas o tempo da escola chegou e os primeiros desafios se apresentaram. A menina temia o mundo que aparecia. Foi se acostumando quando ganhou um presente: quando sua pequena irmã chegou. Escolheu seu nome e cuidados lhe depositou. As meninas cresciam e a pequena Carlota Joaquina, como seu pai a chamava, continuava com as pernas finas. Falava, mas as letras trocava; estudava, mas as letras embaralhava. Em silencio, sonhava com príncipes e castelos. O tempo foi passando e a flor desabrochando, mas quase não se via, ao contrario da irmã, que crescia e se desenvolvia. A mãe, muito sonhadora, começou a estudar para seus sonhos alcançar. A menina, que já crescia, muito orgulhosa se sentia. O sol começou a brilhar, a vida, a rodar e o mundo, a girar. A menina, agora moça, começou a caminhar. Passo a passo, ia tomando distância, subindo montanhas e saltando pedras, encontrando alguns tesouros e príncipes que a ajudavam a carregar. Conheceu pequenas vilas, cruzou rios e descobriu mares. Cores cinzas e vibrantes, texturas, massas, formas e pesos. Dançava, saltava e trabalhava para estar no mundo. Queria ganhar o mundo, queria mudar o mundo. Um dia, quando girava no espaço e rodava com os pés fora do chão, sentindo a leveza de seu corpo, caiu e foi ao chão. Um lindo príncipe a socorreu e abateu seu coração. Pouco tempo se passou e Carlota se mudou para um pequeno castelo que começava a ser construído no alto de uma floresta. Terminaram a construção e viajaram, cruzando o grande mar para novas terras explorar. O sonho se revelava e o mundo ela ganhava. Aos estudos retornou e se dedicou, porém, um dia, uma tristeza se abateu sobre o reino. Sua avó adoeceu e seu pai entristeceu. No extremo da vida, o segredo lhe foi desvelado e este foi repassado. Seu pai assim descobria que era um rei encantado e o nome dado tinha sido herdado. Fazer a roda girar fazia a vida desenrolar. Árvores, folhas, raízes, barro e chão. Seus passos carimbavam seu caminho, mas no ventre nada a brotar. Procurou a resposta em muitos lugares e curandeiros, mas não a encontrava. A tristeza ia aumentando e o casal se fragilizando. Um dia, já sem esperança, o casal partiu em viagem pelo interior do reino que habitavam. As estradas terrosas, a poeira, o barro seco, o barro modelado que encontraram nas mãos prendadas de artesãs tão nobres... “Tens filho? Minha boneca vai te trazer sorte!”. Cachoeiras vibrantes em potentes rochas onde se via a luz do sol se transformar em cores. A natureza agia com intensidade e calmaria. Pouco tempo se passou e a boa nova se anunciou! No ventre, um pequenino ser se desenvolvia e o centro do universo ali se via, transformado e remodelado no movimento do mundo que forjava a mãe. Nessa caminhada, algumas montanhas teve que escalar e, numa noite fria de primavera, pôde vislumbrar o forte menino de negros cabelos como a noite. Festas, flores e alegrias... Sentia que há muito o conhecia. Sentia que aquele ser logo outro traria. E assim, após um longo dia de intensa tempestade, numa noite quente de verão, vislumbrou seu segundo herdeiro, um menino robusto


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da cor do sol de fim de tarde. Assim como o irmão, trazia o sangue do pai e chegava inundado com o sangue da mãe. O pequeno guerreiro, em sua primeira batalha, provou sua realeza. O pai ensimesmado não segurou com firmeza e prontidão as voltas do coração. A mãe se fez rainha do seu reino em força e formosura. O tempo passou, a roda girou, o mundo encantou... Vivia no castelo com os dois príncipes herdeiros, no alto de uma colina, onde tudo podia ver. Sentia falta de seu pai, rumara para outros mundos. Um dia, a rainha acordou e percebeu que estava sem sua coroa. Procurou, procurou e procurou, mas não a encontrou. Procurou em todos os lugares, em todos os cantos, mas não a encontrou. O peso da ausência perturbava a paz e a tranquilidade do reino, que se ressentia por não ver a coroa que antes reluzia. A rainha se punha a procurar como se em estivesse a andar em círculos. Cansada de procurar, a rainha vestia a armadura e e, como cavaleiro, saía pelo reino. Gostava de ir à vila, às aldeias e estalagens. Gostava de toda a gente, das histórias que ouvia e dos caminhos diversos que cada um percorria. Gostava de saber e conhecer tudo o que acontecia. Se distraía com os fios de luz que tecia. Um dia, ao amanhecer, foi despertada pelo raio de sol que penetrava pela janela. Assustou-se quando viu seus dois filhos ao lado de seu leito. Despertou rapidamente e viu os dois vestidos, prontos para a partida. Os dois a abraçaram com intensidade e se despediram, haviam decidido buscar conhecimento no mundo além-terras, além-mar. A rainha abençoou-os em seu caminho. Com a ausência dos príncipes, não tinha mais como evitar se mostrar. Teria que assumir todo o reino. Os dias foram se passando e a rainha mais aflita ia ficando, afinal, onde estava sua coroa? Uma manhã, quando estava no jardim, se encantou com a graça de uma reluzente libélula que voava ao seu redor. Era grande, como nunca havia visto até então. Pousou em sua mão e depois em seu vestido. O encanto a serenou e, distraída, a rainha falou alto do que lhe afligia. A libélula voou e pousou em seu ombro e então a rainha ouviu: “Bela rainha, sua coroa foi encantada. Um feitiço tornou-a invisível. Ela está onde deve estar, porém, nem você a sente, nem ninguém a vê”. A rainha se levantou assustada. Tinha mesmo ouvido o pequeno inseto falar consigo! E a libélula, que não desgrudava, continuou: “Bela rainha, tens que quebrar o feitiço para que a coroa se restaure. Durante 21 dias e 21 noites tens que descer ao porão do castelo e vigiar, não podes se distrair. Ao final, descobrirás como anular o feitiço e vestir seu manto coroado”. Então, a libélula voou. O que fazer, o que vigiar? A rainha se viu diante de um grande desafio e pôs-se a pensar no que fazer. Ficou em silencio durante os 21 dias e as 21 noites, sem distração, pôs-se a prestar atenção. Suspendeu todos os afazeres e adiou todos os despachos. No último dia, a rainha acordou sentindo uma leve dor de cabeça, como se algo lhe pesasse, também sentia uma pressão em seus ombros. A rainha caminhou até o espelho e quase desmaiou com o que viu. Diante do espelho, a imagem de uma bela mulher, com seu manto e sua coroa de ouro cravejada de rubis e esmeraldas: a imagem de uma rainha. Sua coroa estava lá, no alto de sua cabeça irradiando toda a beleza e a realeza. Seu manto vermelho se estendia até o chão. A rainha saiu dos seus aposentos e caminhou pelo castelo. Todos se admiraram diante da luz que irradiava. Mandou preparar a carruagem e saiu pelo reino, sentindo a coroa agora em seu lugar. O povo comemorou a alegria de ver sua beleza. Quando souberam do que havia se passado, os príncipes retornaram ao castelo e saudaram a rainha. De sua janela, admirava a luz no voo suave da libélula. E assim, o tempo seguiu e a rainha reinou durante muitos e muitos anos, sem nunca mais perder sua coroa e seu manto.


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A menina das águas Cecília P. A. Costa

Era uma vez, num tempo bem distante daqui, uma jovem camponesa e um jovem relojoeiro que se encantaram assim que se viram. Do fruto desse amor nasceu uma pequenina criança. Por ser prematura, não tinham onde colocá-la e por isso acomodaram-na em uma gaveta com o zelo de quem guarda um tesouro precioso. À medida que ela foi crescendo, o casal foi ampliando sua casa, assim como fazem os caracóis. Aos poucos e com muito esforço construíram quatro quartos: um para que ela dormisse, outro para que ela chorasse, outro para que ela brincasse e outro para que ela rezasse. Pode até parecer um exagero, mas cada quarto foi necessário – e não um mero luxo. Afinal, desde bem pequena suas lágrimas eram tão abundantes que por onde passava, deixava um rastro de lágrimas. A pequena comovia-se profundamente com as dores do mundo: os gatos abandonados, os cachorros estropiados, os pássaros caídos do ninho, os peixes pescados, as galinhas assadas... Enfim, quando a comoção era grande, o casal tinha que arcar com os prejuízos que se seguiam às inundações. Foi por isso que a sábia mãe, tão logo a menina esboçasse uma cara de choro, a mandava correr para o quarto de chorar. Lá havia os aparatos necessários para a drenagem das águas. Já o quarto de brincar abrigava toda sorte de bichos abandonados que a pequena encontrava, de modo que esse cômodo foi também necessário. Porém, em pouco tempo, os animais eram tantos que o quarto já não lhes comportava, e não tardou muito tempo, o quintal tornou-se pequeno. O quarto de dormir não exige maiores explicações, mas o de rezar foi encomendado pela avó da pequena. A velha avó percebeu que apenas a fé e a confiança na bondade suprema poderiam dirimir as dores do grande coração de sua pequena neta. Assim, por muitos anos, a avó contou-lhe histórias de todas as partes do mundo, onde o amor supremo curava todas as dores, por mais profundas que fossem. Claro que as histórias eram sempre contadas no quarto de chorar. A pequena cresceu e, com sua experiência de vida, concluiu que a causa de tanta dor no mundo era a maldade das pessoas. Desconfiou da sabedoria divina que teria criado um ser tão perverso e deixou de rezar. Percebeu a inutilidade de sua dor e deixou de chorar. Sentindo-se só, resolveu sair pelo mundo em busca de um lugar onde pudesse viver feliz, cercada de árvores frondosas, flores multicoloridas e toda sorte de animais. No caminho, encontrou um jovem nobre e de coração puro por quem se apaixonou. Porém, julgou que ali estaria a fonte de sua infelicidade futura e fugiu. Preferiu cercar-se de livros e aprendeu tudo que podia sobre jardins, insetos, pássaros, animais selvagens, florestas, rios e mares. Depois de muito andar, ainda não havia encontrado um lugar livre da maldade dos homens, por isso, embrenhou-se em um deserto sem fim. Cansada, com sede, faminta, sentindo-se só, desprotegida e sem rumo, sentou e chorou longamente. Nem ela soube dizer quantos dias, meses ou anos durou aquele choro por tanto tempo contido. Quando seus olhos desincharam vislumbrou um arco-íris no céu e percebeu que estava ilhada. Suas lágrimas haviam formado um vasto oceano e ao seu redor cresciam belas plantas. Ali também havia pássaros, borboletas, bichos-preguiça, macacos, raposas, quatis, peixes, gatos, cachorros, sapos, galinhas e toda a biodiversidade que vocês puderem imaginar. Só não tinha gente! Aquele lugar era tudo que a menina havia sonhado. Lá encontrou um castelo abandonado com tudo que precisava. A moça viveu ali por longos anos! As lágrimas continuaram a verter, mas agora por motivo de alegria e devoção. Além disso, sentia-se livre para ser como era. Agora ela não precisava mais se refugiar no quarto de chorar, pois sua casa era bem no alto de uma montanha, de modo que ficava segura quando subia o nível das águas. Para além de sua ilha, as pessoas contavam a lenda do castelo abandonado e da solitária princesa que lá vivia. À medida que a história foi se espalhando, príncipes de reinos próximos e longínquos começaram a buscar o castelo. Ninguém sabe ao certo quantos príncipes tentaram ou quais foram seus destinos. A verdade é que por mais que se explicasse a localização exata do castelo, não havia quem pudesse transpor suas águas profun-


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das. Muitos naufragaram por desconhecerem os abismos e redemoinhos que se ocultavam abaixo daquelas águas aparentemente calmas. É certo que alguns bravos cavalheiros conseguiram transpô-las, mas se perderam na densa floresta; dizem que até hoje estão a vagar em busca do castelo. Porém, três cavalheiros encontraram a princesa. O primeiro conseguiu chegar à porta do castelo, que era guardada por uma enorme e mortal serpente. Assim que a acertou com sua lança, a serpente se transformou em duas. Percebendo que não poderia matá-las, usou de seus conhecimentos hipnóticos e herpetológicos e com cada mão segurou uma das serpentes. Porém, tendo as mãos ocupadas, pouco pôde fazer. Como a porta estava fechada, gritou pela princesa solitária em todos os idiomas que conhecia. Após longo tempo, a princesa apareceu à janela, mas ele não conseguiu olhá-la nos olhos. Em sua presença, ele só pôde ver o abismo profundo que havia dentro de si e soube que o transpor seria tarefa para toda uma vida. Antes que caísse doente de sede e fome, decidiu voltar ao reino distante de onde havia vindo. O segundo cavalheiro também conseguiu chegar à porta do castelo, e desta vez não havia serpente alguma, mas a porta estava trancada. Ele bateu na porta, chamou, gritou, esmurrou, mas tudo era silêncio. Decidiu então que ali ficaria pelo tempo que fosse preciso, e com toda a sinceridade de seu coração, contava de suas tristes sagas, do vazio de sua alma, do gelo de seu coração, do amargor de sua boca. As histórias eram tão dolorosas, que a princesa se compadeceu dele, abriu a porta do castelo e dele cuidou o quanto pôde... Mas ela não pôde por muito tempo, pois o vazio de sua alma era tamanho, o gelo de seu coração e o amargor eram tantos, que a princesa quase se desvaneceu em lágrimas e culpa. Sim, culpa de ter abandonado o mundo dos homens, pois ao olhar para a dor do cavalheiro, ela soube que esse também era seu mundo, do qual ela jamais conseguiria escapar. Enfraquecida, a princesa lutou para fugir de sua própria ilha. As árvores frondosas tinham secado, a primavera era silêncio e névoa e os animais estavam doentes. Ao chegar às margens da ilha, viu ao longe um barqueiro, que ao ouvir seus gritos, se aproximou. Ele levava um estrangeiro que vinha de algum lugar e ia para lugar nenhum. Quando a princesa o viu, foi atravessada por um raio que lhe tirou os sentidos. Ao recobrar a consciência, percebeu que muito tempo havia passado. O barco chegara a nenhum lugar, onde o estrangeiro aportou e sumiu em meio às brumas. Após sentir a profunda dor daquela partida, a princesa soube aonde queria chegar. Pediu ao barqueiro que a levasse ao povo que sabia que sofria, onde havia uma escola de curandeiros. Foi lá que aprendeu sobre a magia da cura, não da cura de fora, mas da cura de dentro. Aprendeu a fortalecer as raízes da ancestralidade, a mudar o passado, viver no presente e plantar o futuro com as sementes do amor e da consciência. Primeiro usou todos os aprendizados para curar sua própria vida. Voltou no tempo, reencontrou o rapaz de coração nobre e puro, e com ele se casou. Ensinou-lhe sobre as artes da cura e ele a ensinou sobre as artes do amor sincero. Construíram um castelo em meio à floresta, com frutos, flores, pássaros... E lá vivem muito felizes! Há uma ponte que os liga ao mundo dos homens que sofrem e é com muita coragem que eles os ajudam a transpor seus próprios abismos.


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O príncipe e o desafio Por Cristiano Moreira

Era uma vez, um simples homem do campo que se apaixonou por uma princesa de outro reino. Essa princesa era filha de um rei muito sábio das leis de Deus, um rei dotado de uma visão dos mistérios de Cristo e a rainha que era de origem camponesa, que sabia sobre ervas, culinária e produzia as mais belas costuras de toda a região. Aquele camponês ganhou o coração da princesa, ela deu à luz a um filho e deu a ele o mesmo nome de seu pai, o que tinha um significado que agradava ao rei. Porém, antes da criança vir ao mundo, o pai teve que ir para terras distantes enfrentar uma guerra, e então a princesa ficou com seu pequeno bebê no castelo de seu pai. Que menino danado era aquele! Sempre sorridente e alegre nas brincadeiras com as crianças do reino e na escola. Seu avô ensinava tudo sobre os mistérios de Deus e das escrituras sagradas e o levava ao tabernáculo sagrado todos os domingos. Sua avó lhe ensinava a costurar e a bordar, para que assim se aquietasse um pouco. Ele sentia muita falta do pai e sempre se recordava dele com sua mãe. Esse menino, na tenra infância, foi afligido por uma grave doença que retirava o ar de seus pulmões e fazia com ele desfalecesse de uma hora para outra, por isso, tinha que poupar suas energias para não sucumbir. Certa vez, numa crise respiratória terrível, foi até a janela de seus aposentos a fim de tomar um pouco de ar. Foi então que teve uma visão de reflexão sobre o sentido da vida e o caminho que deveria percorrer. Nesse momento, a grave doença deixou o menino, e ele agora estava livre! Com todo o ar possível em seus pulmões, ele então começou a praticar esportes e a se interessar pelas artes, principalmente a música. Além de ir à escola e ser um ótimo aluno, ele também se destacou nas atividades corporais e artísticas em vários âmbitos, mas o primeiro foi o teatro, onde se viu realmente como um artista. Alcançando já os seus 14 anos, ele então começa uma profunda interiorização de sua vontade, a fim de conhecer a si mesmo; questiona tudo e todos e vive, naquele momento, uma crise com o mundo. Ele não aceita as injustiças e a falta de delicadeza que as pessoas mostram com seus próximos, porque fora educado nas rigorosas leis cristãs. E é nesse profundo recolher que ele então conhece uma princesa e percebe que alguma coisa se movimenta dentro do seu coração, que algo novo está surgindo. Ele quer descobrir o que aquela jovem princesa tem que o faz diferente de antes, mas a tal princesa não quer muito saber dele, chega até a trata-lo com desprezo. Mesmo assim, isso não muda o que brotou em seu interior e ele continua tentando conquistar a princesa. Mesmo sendo um jovem muito espirituoso, cheio de qualidades artísticas e também sendo um bom guerreiro, cinco anos se passaram de tentativas e fracassos até que a princesa se rendeu e o aceitou em sua vida. A alegria tomou conta de seu ser e ele sentia o que era o amor verdadeiro brotando em seu íntimo. Viveu com a princesa três anos de puro amor e de descobertas sobre a vida e sobre eles mesmos, que só poderiam fazer juntos, mas ele então resolveu partir, pois agora precisava defender o seu reino e tomar posse do trono. Desta forma, a deixou livre. Ele então entrou no exército da pátria, como um simples soldado, acatando ordens, lavando o chão, aprendendo sobre direitos e deveres, aprendendo a sobreviver no mundo, a domar seus impulsos mais animais e ter plena consciência de si mesmo, através de muito sofrimento e dor, pois só assim ele poderia ser preparado para o que estava por vir.


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Após esse período de reclusão e de treinamento, o príncipe conheceu um hierofante, um iniciador nos mistérios da vida e do universo, e esse sábio fez sua iniciação no mundo das imagens e dos conteúdos da alma e do espírito, e assim ele encontra seu caminho. Caminho que o príncipe sente que vai até ele e o encontra e o faz realmente sair para a batalha de se encontrar verdadeiramente e usar todas as suas dádivas para o mundo. Agora iniciado e com a consciência ampliada, o príncipe realmente começa a conhecer o mundo e a aprender com ele, com cada pessoa que passa por sua vida. Apesar de ser um caminho solitário, ele gosta de caminhar sozinho, não sofre por isso, mas às vezes é muito questionado por suas escolhas, principalmente porque deixou a princesa que tanto amou para caminhar sozinho. Finalmente, depois de passar por sete anos de trabalho árduo em seu reino, ele então resolve lançar mão de tudo que construiu e se arremessar em uma nova aventura, novos desafios, novas alegrias e novas tristezas. Assim, ele fez uma nova iniciação em uma escola esotérica, onde ampliou sua visão e aprendeu a usar suas dádivas em prol dos outros, para ajudar os outros a se encontrarem. Então, ele pega seu cavalo mais que especial de pelo azul, sua música, sua coragem e parte para uma terra onde não sabe o que vai encontrar, mas sabe que tem uma missão lá, sem esquecer de onde veio, mas pronto a realizar essa missão com toda dedicação e nobreza que moram em sua alma. Já está nesse reino a dois invernos e a cada dia tem de enfrentar uma nova batalha. Mas a maior batalha é travada em seu íntimo, em silêncio...


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A princesa e a borboleta Por Débora de Jordão Nogueira

Era uma vez, uma princesa que morava num lindo castelo. Ao redor desse castelo haviam lindas árvores frondosas. Ela adorava passear nessa floresta, pois sentia a chuva no mato, as flores, ouvia o canto dos passarinhos e via a beleza de todo aquele verde, com todas aquelas cores colorindo ainda mais o seu reino. Ela gostava muito de caminhar e todo dia pela manhã, ao acordar, já ia para o seu passeio. Mas, certo dia, andou tanto que se perdeu na floresta, e de tão cansada, adormeceu. Embaixo de uma árvore, caiu em sono profundo. Nesse sono, ela teve um terrível pesadelo: viu o seu reino em guerra, e ela havia se perdido de sua família e amigos. Havia brigas, mortes por onde passava. Sentia-se triste, sozinha e com muito medo. Queria encontrar o castelo onde morava, sua família e seus amigos, mas não conseguia encontrar o caminho de volta. Estava cansada e sem esperança, até que encontrou uma linda borboleta, com asas em tons laranjas e vermelhos, que chamou muito a sua atenção, por isso, passou a segui-la. A borboleta voava, voava, e a princesa continuava a segui-la. Quando, de repente, percebeu que estava no alto de uma montanha e de lá conseguia avistar o seu castelo. De tão feliz, acordou e percebeu que tudo aquilo não passava de um pesadelo. Então, levantou-se, ajeitou a sua coroa na cabeça e retornou para o seu castelo, onde encontrou sua família e seus amigos com o coração cheio de vida e alegria!


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A figurinha que não tinha álbum Por Irene Maria de Freitas

Há muitos e muitos anos, havia um planeta colorido em toda sua extensão. Os reinos que ali existiam eram feitos de uma fina estrutura, como se fossem de papel. Aquele era o Mundo das Figurinhas. Naquele mundo, toda figurinha que brotava do solo se destinava a ocupar um espaço, de tamanho e formato determinados, onde iria se enquadrar. Em uma noite tranquila de primavera, no Reino da Terra, brotou uma figurinha muito peculiar. Ela apresentava todas as cores em sua face, e um formato até então nunca visto. Todos no Reino da Terra se esforçaram por ignorar aquela informação e colocaram a excêntrica figurinha no espaço para o qual se destinava. Por razões já conhecidas, a figurinha se descolava constantemente da parede; parede essa que mais parecia a página de um álbum. Numa certa manhã, os trovões e os raios foram visitar o Reino da Terra e a figurinha se juntou à ventania e voou em busca de um novo destino. Então, a ventania a levou até o Reino da Água. Naquele reino muitos tentaram cortar suas pontas, aparar o que consideravam arestas, para deixá-la no tamanho e no formato conhecidos e que permitissem encaixá-la em alguma de suas paredes. No rio, ela foi lavada em mais uma tentativa de adequá-la. No rio estava e pelo rio foi levada, deixando para trás também o Reino da Água. A destemida figurinha chegou ao Reino do Ar, e neste novo reino tentaram construir um castelo para ela. Um, dois, três álbuns foram construídos, mas nenhuma página era capaz de conter a abundância presente naquela figurinha. O tempo passou e a figurinha sem álbum continuava a busca por seu lugar. Em uma fria noite de outono, a encantadora figurinha se deparou com uma imponente fogueira. Não era possível sair de perto do fogo, sentia que aquele era o único caminho que podia percorrer. Seguindo o caloroso chamado, a autêntica figurinha se uniu àquela chama. Suas cinzas foram subindo, subindo e clareando todo o céu, como fogos de artifício, alcançando um lugar onde finalmente podia ser quem era. Este lugar era chamado de Sol e os seres que lá se encontravam em nada lembravam as figurinhas repetidas dos reinos que ela conhecera.


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Kauana dos Anacés Por Joseana Pereira

Kauana era filha de Mair, homem vindo de terras distantes, e de Uyara, da tribo dos Anacés. Mair e Uyara se conheceram na serra de Uruburetama, Ceará. Apaixonaram-se, mas o amor deles não foi bem visto pela tribo de Uyara e resolveram ir embora para viver longe dali. Mas, o que não sabiam é que Uyara já carregava Kauana. A gravidez foi bem difícil, quase que o bebê não nasceu. Mas Kauana sabia que tinha que vir a esse mundo, cumprir sua missão, através dos pais. Kauana cresceu afastada de suas raízes indígenas, desconhecendo a sabedoria e as tradições do povo Anacés. Só sabia que era descendente da linhagem de pajés da sua tribo, figuras que eram vistas como conselheiros, curandeiros, feiticeiros e intermediários espirituais de sua comunidade. Ela achava isso muito estranho, pois era muito distante da realidade que vivia. E esse fato da sua história de vida ficaria esquecido por muito tempo. Assim como a gravidez, a vida não foi fácil, a família tinha dificuldades financeiras, mas, assim como na gravidez, ela tinha certeza que deveria seguir adiante, estudar e trabalhar para cumprir a sua missão de vida. Para esquecer as dificuldades Kauana era uma sonhadora... Sonhava acordada que viajaria o mundo para conhecer povos diferentes, suas línguas e seus costumes. Definiu para si o objetivo de que conheceria todos os continentes desse mundo tão complexo e diverso. Na adolescência, Kauana teve um vislumbre do que seria sua missão no mundo; vislumbre não, ela teve certeza de que trabalharia ajudando as pessoas a buscarem ter mais sentido na vida. Como? Ela sentia lá no fundinho que ela chegaria às pessoas através do trabalho. Afinal, vivia num mundo onde as pessoas corriam e corriam... E muitas vezes, ela pensava: “por que tanto correm? Correm atrás do quê?”. Ora, corriam porque tinham que trabalhar para se sustentar, para comprar, para adquirir bens, para guardar para quando ficarem velhos. Pelo menos foi essa a explicação que foi escutando ao longo da vida. Cresceu escutando da mãe: “Minha filha, você tem que trabalhar para ter um lugar onde possa ‘cair viva’, pois ‘cair morta’ cai-se em qualquer lugar”. E lá foi Kauana cumprir o que tinha aprendido com a mãe e o que observava nas pessoas de um modo geral. Ela cresceu, estudou, trabalhou e passou a cuidar dos pais quando adoeceram por um bom tempo, até que os dois faleceram. Com o falecimento do pai, Kauana passou a trabalhar ainda mais, viajou, conheceu vários países, conheceu novas culturas, ouviu outros idiomas. Percebeu-se cidadã do mundo, admiradora desse caldeirão de diversidade em que vivemos. Mas tinha algo que continuamente vinha à sua mente: “por que as pessoas agem de determinada forma? Qual o sentido real da vida?”. Kauana sempre se considerou uma pessoa feliz no trabalho, pois sempre trabalhou com o que gostava, e ganhou dinheiro para comprar um lugar onde poderia “cair viva”, como sua mãe pregou. No ambiente de trabalho fez vários amigos muito importantes para sua vida, conheceu pessoas maravilhosas e conheceu seu grande amor. Porém, percebia uma grande angústia nas pessoas quando se tratava de questões relativas ao trabalho, muitos falavam de tristeza, outros falavam que a vida era sem graça, em preto e branco. Outros ficavam deprimidos. Kauana então se perguntava por que tantas pessoas chegavam até ela para


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contar suas histórias, para buscar sua opinião, seu conselho? Na maioria das vezes, Kauana só escutava. Contudo, ela percebia que seu escutar, muitas vezes tinha um poder de acalmar, de fazer com que o outro se sentisse cuidado, de voltar a ter esperança de que poderia melhorar ou mudar sua vida. De tanto ouvir que tinha essa característica, Kauana passou a prestar mais atenção em si e um dia deu-se conta que estava se aproximando cada vez mais de descobrir e confirmar sua missão de vida. Lembrou-se da história que sua mãe contava sobre sua descendência de uma linhagem de pajés. De repente, muitas coisas passaram a fazer sentido: o vislumbre da missão de vida quando era adolescente, as escolhas profissionais que fez ao longo da vida, as atividades que fazia como voluntária, o interesse pelo esoterismo etc. Kauana então tomou a decisão de rever a forma como vivia e trabalhava. Começou a estudar outros temas, mudou de trabalho e de cidade. Hoje, Kauana ainda controla o medo de não ter onde “cair viva” quando envelhecer, mas passou a olhar para si com mais atenção e respeito. Assumiu e atualmente vive seu propósito de vida: “ajudar pessoas a descobrir que podem dar mais cor às suas vidas quando não se limitam a modelos preestabelecidos, a olhar o futuro com mais sentido e poder de escolha”. Kauana tem certeza que uma vida com sentido faz bem para a autoestima e para a construção de uma sociedade mais sustentável, autêntica e feliz!


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A princesa do horizonte Luciana Aragão Carvalho

Era uma vez, num reino distante, uma nobre família, que vivia num maravilhoso castelo cercado pelas mais belas paisagens e por um belo horizonte. Lá viviam um rei bondoso, honesto e trabalhador que cuidava de todo o reino e, uma rainha, que era uma linda monarca e que cuidava do rei, da princesa, do príncipe e do castelo. Seu filho era um belo príncipe, que adorava cavalgar pelo reino, e sua filha era uma bela princesa sonhadora e feliz. Os anos passaram, o príncipe se casou com uma nobre dama e a princesa se casou com um nobre cavalheiro. A princesa teve duas princesinhas lindas, e algum tempo depois toda a família se mudou para um outro reino, cercado por um mar de águas calmas e cristalinas. Por algum tempo, a vida parecia normal, as princesinhas cresciam saudáveis e felizes e o nobre casal levava sua vida cercado de amigos e festas. Certo dia, porém, uma bruxa, passando por ali, percebendo a alegria da nobre família, jogou um feitiço sobre o casal, que apesar das festas do reino, passou a sentir um descontentamento e uma irritação inexplicável. Eles começaram então a sentir saudade do antigo reino e resolveram voltar para as montanhas. Pediram abrigo no castelo do rei e foram recebidos com muito amor e carinho. Lá chegando, perceberam que as coisas já não eram mais da forma como tinham deixado anos atrás, e o reino passava por grandes dificuldades, após um longo período de estiagem. Além disso, o bondoso rei estava velho e cansado, e sua saúde não era mais a mesma. Um dia, o sol não apareceu e todos ficaram abaladíssimos ao saber que o rei havia morrido. Houve uma grande comoção, pois ele era amado por todos. Mas, por sorte, o príncipe foi muito bem preparado pelo próprio rei, o acompanhando desde a infância, sendo treinado para substituí-lo, e, com toda honradez, assumiu o seu cargo de imediato. A rainha demandou muito cuidado pois ficou em luto por muitos anos, e foi somente quando as fadas da floresta interviram, que ela foi envolvida pela magia. Através da força vinda da terra, das raízes, dos rios e do sol, com a força da natureza, a rainha conseguiu superar a perda do rei e ajudar o filho na reconstrução do reino. A princesa também ficou sem chão com a partida de seu pai, sentindo-se muito só e desamparada e, naquele momento, entendeu que o feitiço da bruxa era forte demais para ser quebrado, e que o melhor seria deixar seu esposo partir para outros reinos também, para que pudessem encontrar novamente a felicidade. E assim foi feito. Mas não foi fácil! Ela precisou de ajuda e foi pedir para uma sábia que morava perto do castelo. Ela conhecia a arte de reler a vida das pessoas, apresentando para a princesa uma ciência espiritual muito poderosa. Ela logo se interessou e começou a frequentar a escola de magias e a participar de todos os encontros de magos e sábios da região. E foi num desses congressos de magia que ela teve um grande encontro de almas. Bastou um cruzar de olhos entre ela e um mago professor, que o amor brotou novamente em seu coração.


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No começo, ela ficou apavorada com muito medo, tentou fugir, mas ele pacientemente esperou por ela, pois ele sabia que estavam destinados àquele encontro verdadeiro. Ela ia e voltava, porque também não conseguia ficar longe dele, e, paralelamente, estudava cada vez mais as coisas da alma humana, mas principalmente estudava a si mesma. E tudo que ela fazia ele incentivava, contribuía e mostrava para ela que podia confiar nele, ser ela mesma e que juntos podiam fazer muito pelo reino. As princesinhas, filhas da princesa, também cresceram e se tornaram jovens mulheres, fortes e corajosas. E já não precisavam mais de tanta atenção, pois já estavam começando a conhecer outros reinos. Ela sabia que em pouco tempo também se aventurariam pelo mundo, não necessitando mais de seus cuidados e sim de suas bênçãos. A princesa então foi estudando mais e mais sobre as questões da alma e do coração, e se pôs a ajudar a quem aparecesse em sua porta. Logo, a notícia se espalhou e ela pôde colocar em prática seus conhecimentos e, principalmente, seu amor nos atendimentos que não paravam de crescer. E então, a princesa e o mago professor resolveram se casar novamente. Houve uma grande festa no reino, onde todos que participaram dessa história foram convidados. Um lindo banquete foi servido e todos cantaram alegremente, agradecendo a abundância e a harmonia que voltaram para todos os lares do reino. No castelo do novo casal havia uma enorme mesa, com lugares para receber aqueles que quisessem se sentar e se juntar a eles para alimentar o corpo e os corações. E assim foi feito, e a felicidade voltou a reinar e todos foram felizes para sempre!


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O conto do germe da luz Por Luciana Carvalho Zacharias

Era uma vez, uma casinha localizada na ponta de um monte alto, cercada por um muro coberto de hera, onde tudo cheirava à chuva na terra e fruta no ar. Lá vivia uma menininha que andava descalça e com roupinhas de cambraia e bordado inglês. Seu nome significava “luz”, pois era feita de pura e intensa luz em seu coração! Ela gostava muito de pisar na terra e sua brincadeira favorita era com um pequeno espelho, que ganhara de sua fada-madrinha, no qual via refletido o céu, de maneira que caminhava pelas nuvens criando a própria paisagem decifrada nos desenhos que se formavam, à revelia de sua imaginação. Um dia, num furacão anunciado, foi arrancada dos muros de hera. Sua fada, vendo que esquecera o espelho, lhe enviou 4 baús com a missão de acompanhá-la, por onde quer que fosse, cada um com seus poderes... Foi parar no Castelo das Bruxas Organizadas e lá tudo corria ao bel prazer delas, ao comando de suas enérgicas batutas! Um silêncio ensurdecedor permeava a menina com um medo tão grande que limitava até a ação de sua fada-madrinha. Estava atrelada aos limites intransponíveis do castelo do medo... E lá permaneceu paralisada! Lançou mão do primeiro baú e nele continha um silêncio diferente do que a arrebatara, era um silêncio acolhedor e calmo com uma tênue luz amarelada. Até que, em outra ocasião, um redemoinho adentrou sua vida e a carregou para o Mosteiro dos Mistérios Dolosos, onde habitavam seres encapuzados em suas próprias sombras. As atividades se desenvolviam sendo anunciadas pelas badaladas de um sino. Sinistro! O som desse sino ecoava ao longe, aprisionando até os sonhos de quem lá habitava... E lá estava a menininha sem fada-madrinha e sem nuvens! Desta vez, trouxe à tona o segundo baú, que continha um som mágico, divino, que lhe permitia sair de sua condição e se restabelecer em movimentos suaves e libertadores! E, pela terceira vez, foi arrebatada. Uma tormenta lhe devolveu ao ninho perdido. Se sentiu uma estranha mas restabeleceu cores, cheiros e sabores e lançou mão também de seu terceiro baú que continha letras e lhe contava histórias de tempos idos e felizes... Numa quarta vez, a menina foi acometida de nova tormenta e, desta vez, aportou em terra firme e livre, onde habitava um rei autoritário, mas muito sensível. Como não se lembrava o que era liberdade, se retraiu e o medo voltou a dominá-la! Nem se lembrou dos mágicos baús e que ainda lhe restava um! E assim foi vivendo de acordo com os sentimentos e pensamentos difusos, emaranhados e confusos. Mas a luzinha em seu coração nunca se apagava! Prova disso foram as tarefas ditadas por sua própria sina e que conseguiu desempenhá-las a contento, cada qual a seu próprio tempo. A primeira tarefa foi plantar a semente de uma flor que germinava somente no ar; a segunda, catar estrelas que brilhavam nas entranhas da terra; a terceira era colher todas as lágrimas e derramá-las no mar através das nascentes dos rios; a quarta, e última tarefa, consistia em aprisionar o “lusco-fusco” no instante exato em que o céu se transformava em escuridão total. Muito teve o que fazer, e o cansaço só a fortaleceu! Porém, um dia, o sol que brilhava pela conquista das tarefas se escondeu em trevas, apagando totalmente a luz de seu interior, assim... Do nada! E a vida dela passou a ser uma busca intensa dessa luz. Se tornou pescadora de seus próprios sonhos, caçadora de sua própria alma! Viajou e descobriu outros mundos...


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Até que um dia, sem esperar, resgatou 4 pedras preciosas que derramaram um brilho tão ofuscante sobre ela que a luzinha em seu coração ascendeu para sempre! Uma dessas pedras era revestida de um som profundo e cativante; a outra, translúcida, em luz serena onde refletia a bondade suprema; a terceira trazia a essência de um pulsar vital irradiando paixão e a quarta transmitia um calor de mistério e pura alquimia. E foi aí que a menininha se fez rainha e soberana de um reino chamado FELICIDADE! Mas a história não parou por aí... A cada nova ciranda se institui um ritmo e, certa vez, sua sina ditou um ritmo adverso, que a colocou em situação de abismo e escuridão novamente. Mas como não há precipício tão fundo que não tenha beira... E se agarrando às beiras, recorda das imensas fontes de força e lança mão de seu quarto e último baú, que era todo perfurado e arejado. Ao se refugiar nele, nesse exato intervalo, adentra uma luz resplandecente, e, desse feito, colhe uma estrela que lhe ilumina e recomeça... Puxa vida, ora essa! E a menininha, com seus pés descalços, mesmo rainha, recupera seu espelho, pois reencontra sua fada-madrinha, que agora a convida para dançar e decifrar as formas das nuvens, à revelia de sua imaginação e, numa intuição rara e profética, colhendo flores em suas dores, se encaixa nos versos do poeta: “Se cada dia cai dentro de uma noite, há um poço profundo onde a claridade está presa. Devemos sentarmos na beira do poço da sombra, para pescar luz caída, com paciência.” - (Pablo Neruda).


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O renascer Por Maria Amália Cardi Santos

Era uma vez, na floresta de um reino triste por detrás de uma colina, vivia uma corujinha chamada Confusa. Ela era muito criança e tímida, brincava só e gostava disso. Tinha uma família que a amava, mas gostava mesmo de estar feliz e a sós na floresta, voar pelos ares, nadar nas cachoeiras, ver os campos onde vivia, ouvir outros pássaros a cantar sem parar e observar os muitos bichos ao redor, os quais não temia. Gostava muito do vento e era sozinha, e isso era muito bom! Tinha até um amigo cavalo que a levava de vez em quando, correndo como fogo e não voando, para onde Confusa quisesse! Sua felicidade era estar na natureza e, de preferência, no reino encantado das águas com o sol dando brilho aos seus voos! Confusa cresceu e, um dia, passeando pela floresta, reencontrou uma coruja amiga, mais velha do que ela e que já há muito, mas muito tempo não via, pois morava muito distante. Sua amiga a convidou para que fosse conhecer a sua aldeia e Confusa aceitou. Ao chegar lá, ela se espantou com o que viu: tantos bichos juntos no mesmo espaço, fazendo tanta agitação! Estranhou a princípio, mas logo depois se acostumou rapidinho e foi gostando desse movimento todo, gostando tanto que acabou se mudando para essa nova aldeia e lá fixando sua morada. Achava-se muito feliz, tinha vários amigos de todos os tipos – sapos tagarelas, ovelhas quietinhas, touros bravos, onças pintadas, girafas desengonçadas, macacos palhaços, cobras venenosas e muito mais. Não tinha problema nenhum com eles, e tudo lhe era permitido. Confusa alcançava tudo. Não havia lugar naquela floresta que Confusa não conhecesse. Até que um dia, sem querer, se apaixonou perdidamente por outro coruja. Ele era muito amável, bonito, romântico, atencioso e carinhoso, ou seja, exatamente como ela gostava. Ele a conquistou e ficaram juntos! Amor forte de coração, como nunca houvera antes em sua vida! O tempo se passou e Confusa cada vez mais se misturava com o jeito da sua nova morada: agitada e dispersa, ficando assim cada vez mais distante de si mesma... Porém, um dia esse amor forte ruiu... O coruja não a queria mais como antes! E Confusa ficou tão triste que foi parar na beira do lago sozinha para chorar. Era uma dor profunda de alma que nunca sentira antes. Não queria falar para os outros bichos, pois era uma dor dela. A tristeza doía tanto em seu coração, que um dia, após realizar um voo exaustivo a noite toda pelos céus da floresta, caiu fortemente, colidindo com um tronco de árvore seca que a deixou entre a vida e a morte. Tudo se transformou no olhar da corujinha, que já não via mais nada, a não ser o céu azul chamando-a para voltar. Então, ela disse: “Posso voltar, vou obedecer, mas se deixar eu ficar aqui na floresta, farei diferente, prometo!”. E assim aconteceu... Os amigos animais a socorreram, cada um fazia o que podia, pois era muito bom ajudá-la, e ela agradecia sempre! Mas ainda havia risco, afinal, não estava totalmente curada. Então, levaram-na até uma maga branca que vivia dentro de uma floresta, onde todos tinham medo de ir, mas para os que tinham coragem de chegar lá, de ultrapassar as barreiras que a própria floresta empunha, esses eram milagrosamente curados, pois a maga branca curava todos pelo amor! Confusa não tinha medo de enfrentar esse caminho cheio de pedras e quando a maga pediu para que mergulhasse no lago e


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encontrasse a pérola da sua saúde, Confusa assim o fez sem medo! Com isso, a Maga do Amor curou aquela corujinha pequena! E disse-lhe: “Agora tu te chamarás Renovare! E essa será tua missão a partir de hoje!”. Renovare começava a abrir os olhos e a sentir um amor muito grande por todos, não só pelos amigos da floresta, mas por todos aqueles que passavam em sua frente. Começou a sorrir e ver que o amado tivera sua importância e sua missão no tempo dele, mas que agora sua vida seria outra... E assim foi. A coruja ficou 75 dias na casa da maga branca se recuperando, e quando voltou para a floresta era outra. Os amigos não percebiam a mudança, mas, por dentro, a corujinha estava diferente. A alegria genuína brotava de suas penas, o olhar agora era mais sereno, porém, precisava ainda de sabedoria, de muita sabedoria... E foi o que Renovare continuou a buscar, sozinha novamente. Ouvia apenas em sua mente o conselho da maga branca que dizia: “Siga seu coração, que não haverá erro!”. E assim ela foi por esse caminho, passando por bruxas da floresta que viam seu passado e futuro, mas corujinha não queria isso, queria apenas se conhecer. Foi quando passou por um convento das irmãs tartarugas, entrou, orou, silenciou, decidiu ficar ali e aprender com elas. Então, as portas da sabedoria começaram a se abrir para ela, que se encantava cada dia mais e pensava: “Que mundo lindo e desconhecido por detrás dessa floresta gigante que eu não via! Que maravilha de lugar! Daqui não quero sair mais!”. E foi em uma casa de madeira no alto de uma linda montanha que a corujinha Renovare refez o seu ninho, onde se via bem ao longe o horizonte com o sol, a mata fechada abaixo, montanhas por detrás da casa e muitos pássaros a voar. Lá podia-se sempre ver o pôr do sol e agradecer essa experiência de sua vida, que a encheu de luz e lhe deu uma vontade imensa de começar a repassar para outros a vontade de encontrar o seu próprio caminho, o caminho das suas próprias casas. Afinal, foi assim que Renovare foi onde finalmente encontrou a verdadeira paz e o seu reino se tornou alegre!


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Esperança, a princesa corajosa Por Maria Chirley Inácio

Era uma vez, num país muito distante, um rei muito bom, mas que não tinha filhos. Esse rei casou-se com uma bela rainha, que tinha sofrido grandes perdas. Entre nove filhos, apenas três moravam com enormes dragões que existiam em volta dos castelos edificados por dois reis diferentes: um do primeiro reinado e outro do segundo casamento da rainha, sendo que ambos foram engolidos pelos dragões. Para agradar o novo rei do terceiro casamento da rainha, ela pediu ajuda a um anjo, que trouxe uma criança para alegrar a vida do rei. Passaram doze meses, numa tardezinha de domingo, ainda iluminado pelos raios solar, os pássaros contavam alegremente, borboletas de todas as cores, grandes e pequenas, voavam sobre as plantações e flores de um belíssimo jardim natural. Um raio de luz iluminava todo o castelo com a presença da recém-chegada. Ervas aromáticas perfumavam os aposentos da rainha, e ali todos viveram com muito amor, harmonia e felicidade. A pequena princesinha foi crescendo neste ambiente com muito amor, carinho, paparicos e atenção por todos do castelo. Ela chegou a acreditar que a vida era totalmente cor-de-rosa: corria, pulava, brincava, dançava, cantarolava, cavalgava em seu lindo cavalo alado e tinha seus belos sonhos de princesa. Mas um certo dia, a rainha-mãe surpreendeu a pequena, dizendo que a princesinha deveria morar por alguns anos num castelo, muito longe dali, administrado por algumas fadas-madrinhas, que tinham como missão receber princesas para ensinar o mundo das letras e também para prepará-las a administrar qualquer castelo. E lá foi a pequenina princesinha morar com as fadinhas e outras princesinhas que já estavam no imenso castelo. O tempo foi passando, a princesa crescendo, mas, paralelamente, no coração da princesa crescia uma enorme vontade de voltar para os braços dos monarcas e de sentir todo aconchego da família. Quando as fadinhas viam a princesa triste, logo ofereciam umas substâncias mágicas para a princesa tomar, e imediatamente ela ficava alegre e voltava para as suas atividades. Meses e anos passaram e a princesa sentia vontade de doar os seus brinquedos, inclusive as lindas bonecas, pois ela já não tinha os mesmos interesses. Sabe por quê? Começava um novo ritmo na vida da princesa, certa vez, em uma linda noite fria, com o céu estrelado e uma lua cheia de mistérios, no pátio do castelo das fadas-madrinhas, realizavam uma grande festa, comemorando a noite de São João. Havia muitos convidados e autoridades importantes do local. Já quase no final da festa, ela foi abordada por um belo príncipe, surpreendendo-a com um beijo no rosto. A princesa não o conhecia e ficou vermelha de vergonha, porque era tímida, inocente e pura. Neste momento sentiu calafrios e um desconforto no corpo com repugnância pela atitude do desconhecido. Acontece que o nobre príncipe era muito insistente e não perdia a oportunidade de acertar o alvo. Até que certo dia, usando uma de suas manobras, conseguiu, com sua lança untada com uma porção de substância mágica, alcançar o coração da princesa. Naquele momento, a doce e ingênua princesa sentia um calor agradável aquecendo o seu corpo, como o som de uma linda música e a presença de raios de luzes flamejantes vindos na direção das estrelas cadentes. O fenômeno deixou-a paralisada. Em poucos segundos já não sentia o solo em seus pés, voando em direção ao céu e ficando bem próximo das estrelas. O príncipe, muito inteligente e experiente, não perdeu tempo em conquistar os olhos da rainha. A soberana, também muito rápida no gatilho, engendrou um namoro sério com uma pessoa muito adequada para os patrões dos dois reinados, que, com jeitinho, culminou num casamento da princesa mesmo com pouca idade. Após a cerimônia, a princesa recebeu o título de rainha e os jovens monarcas fizeram a viagem de lua de mel em direção a mundos muito distantes dali, utilizando os seus cavalos alados e uma bússola mági-


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ca. Desta forma, conseguiram chegar acima das nuvens, sobrevoaram lugares maravilhosos que nunca tinham visto. Mas algo estranho logo surgiu, perderam a bússola mágica no caminho e, em seguida, a velocidade do voo foi diminuindo e chegaram em montanhas de reinos que ainda não conheciam. Enfim, durante essa longa viagem, os jovens e inexperientes monarcas edificaram um lindo jardim, plantaram duas belas roseiras rosa-bebê e um belo cravo amarelo cor-de-ouro, que até hoje enfeitam aquele jardim – e o melhor da história é que as rosas e o cravo estão reproduzindo suas espécies. Mesmo com tantas oportunidades de continuar viajando em lindos voos, o rei perdeu completamente a direção. A família real passou por vales, despenhadeiros, até que chegaram no fundo do túnel, e essa viagem durou muitos e muitos anos. A rainha chegava a pensar que a viagem não teria mais fim, porque tudo estava ficando escuro. Ela ficou muito triste, mas, de repente, surgiu uma fadinha que lhe deu de presente duas lanternas poderosas: uma vermelha, com a marca da coragem, e outra amarela, com a marca da esperança. Ambas lanternas ajudaram a rainha a aterrissar em planícies encantadas. Lá, ela construiu o seu castelo com segurança, e é claro, durante as viagens, apareceram muitas bruxas malvadas, lobo mau e dragões, mas nada que a rainha corajosa e cheia de esperança não desse conta de combater. Dizem que esta rainha ainda procura novas marcas de lanternas para iluminar o seu caminho, para continuar sendo útil aqui, ali e acolá. Com isso, ela canta, dança ao som das músicas por onde passa, conta histórias, reescreve a sua própria história, buscando discernimentos para entender melhor os ritmos para novas viagens.


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Cachos de mel e lira dourada Por Maria Emilia Mila

Há algum tempo, num reino distante, nascia, decorrente de um lindo amor, uma pequena garotinha tão alva como a neve e com olhos vibrantes e já atentos ao mundo. Apesar da curiosidade em descobrir seu novo mundo, ela preferia ter ficado um tempo maior no mundo espiritual dos anjos, pois lá não existia dor nem sofrimento. E parecia que a garotinha não queria nascer, pois ela sentia e se compadecia com as dores do mundo terreno dos homens. Apesar deste breve início de dúvidas, tinha a certeza da amorosa criação que lhe seria confiada por seus pais, rei e rainha daquele belo reino distante. No dia de seu nascimento, o reino estava em festa e muitos foram os presentes dados à pequena garotinha: amor para superar os desafios, compreensão para lidar com as diferenças, saúde para traçar seu caminho e um nome que batizava seu ser: Cachos de Mel. A criança cresceu e se desenvolveu com muita energia, vitalidade, vontade e curiosidade em explorar a natureza, além do interesse pelos animais e sentimentos humanos. Sim, sentimentos humanos que a remetiam ao momento inicial de sua vinda ao mundo. Sempre teve interesse pelo outro, fosse ele uma planta, bicho ou ser humano. A infância de Cachos de Mel foi envolta por gnomos, fadas e duendes, seres estes que se tornaram seus amigos protetores. Eles a auxiliaram num desabrochar de percepções e intuições, que permaneceram em sua alma a acompanhando e funcionando como um bálsamo ao sofrimento do mundo dos homens, o qual Cachos por toda sua vida se compadecia. Ela, ao mesmo tempo em que não entendia muito dos sofrimentos humanos, sentia muita vontade em ajudar a amenizar dores, medos e conflitos pelos quais os seres humanos passavam. O tempo passou e a menina infantojuvenil Cachos de Mel se tornou uma jovem determinada e corajosa. Havia momentos de recolhimento e de solidão, mas a alegria era a essência de Cachos que, por onde passava, fazia amizades e deixava um colorido único no coração de todo ser vivo daquele reino distante. Certo dia, numa das suas caminhadas pelo bosque que existia em torno do castelo onde vivia, a jovem encontrou uma lira. Como ser curiosa era uma de suas principais características, Cachos não hesitou em se aproximar daquele instrumento que, a princípio, era sem vida, opaco e frio. Chegando perto, a menina adormeceu, visto que sentiu um sono incontrolável e, aos poucos, dormindo e também em vigília, sentiu a presença de um ser. Ele tinha luz própria e uma bondade em seu coração que era perceptível de sentir e, mentalmente, transmitia a Cachos que aquela lira a acompanharia em seu caminho. Através de sua música lhe ofereceria segurança, harmonia, calma, paz interior e a intuição necessária para cada momento de sua vida; a ajudaria na escolha de seus propósitos e definiria metas na sua vida adulta. Cachos apenas confiou, e sentiu amor e preenchimento no seu ser. Um longo tempo se passou, a jovem Cachos de Mel se tornou madura e guardava sempre consigo aquela experiência única da sua juventude. A experiência e a lira opaca e fria, mas que havia lhe proporcionado aquele encontro com Estevão, o ser de luz que havia lhe dado conforto e segurança, mostrando que no mundo existem possibilidades de boas escolhas. E através de boas escolhas, alívios de sofrimentos; sofrimentos esses que sempre chamaram a atenção de Cachos de Mel.


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O tempo passou um pouco mais e Cachos tinha duas certezas: que teria filhos e que seu propósito de vida era ajudar pessoas. Escutaria lamentos, perdas, dores e tantos outros sofrimentos que assolavam aos homens. Descobriu que dessa forma também trabalhava seu compadecimento e aliviava também suas dores. No momento em que percebeu isso tocou a lira e, na mesma hora, ela emitiu uma luz dourada, soando um som sem igual e que lhe arrepiava por inteiro. Lembrou do ser, certificou-se da sua missão de vida e sentiu amor. Cachos teve três filhos, que lhe inspiram diariamente, fazendo-a acreditar que o mundo pode ser bom, justo e que é possível que haja entendimentos, que os sofrimentos existem e que possibilitam crescimento e desenvolvimento espiritual. E a lira sempre acompanha Cachos de Mel para que ela nunca se esqueça disso.


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A princesa dos mil reinados Por Marli Ribeiro Gomes Pereira

Era uma vez, um rei que tinha o dom de fazer mágicas e inventar coisas. Maravilhosas eram as suas invenções: perfumadas quando eram águas de cheiro, saborosas quando eram essências para fazer sorvetes e picolés, mágicas quando eram tintas que não borravam. Naquele reino, tudo isso era muito valorizado e por isso todos o chamavam de Rei com Cartola de Mágico. Eu disse “naquele reino”, mas não era bem assim. Ele gostava de mostrar sua magnitude para mil reinos e por isso viajou e atravessou fronteiras. A rainha, companheira do rei, era diferente de todas as pessoas, porque seus olhos eram cor-de-rosa e assim era chamada. Aquela característica que lhe conferia uma singularidade era também um problema, porque ela não via a realidade com todas as suas cores. O mundo visto pela rainha era delicado, alegre e bonito. O Rei com Cartola de Mágico e a Rainha de Olhos Cor-de-Rosa tinham quatro lindas filhas. Eu é que estou dizendo que elas eram lindas, mas o casal achava as duas mais velhas bonitas porque eram altas, inteligentes e expressivas. As duas mais novas passavam despercebidas. Há! Mas depois vocês saberão o mundo particular que essas duas princesinhas espertas construíram. A terceira filha se chamava Mosquito Doce, porque era ágil e pequena, delicada e carinhosa. Quando ela estava com cinco anos e meio, o Rei adoeceu. Ele era bem mais velho que a rainha. Um dia, ela colocou os óculos escuros e disse para as filhas que o rei havia morrido. As quatro princesas tentaram ver os olhos cor-de-rosa, mas eles estavam escondidos atrás das lentes. Naquele reino ninguém as conhecia, e quem viu as mágicas do rei, logo se esqueceu. As bruxas da Floresta Sombria assustavam as pequenas e pobres princesas. Elas sentiam medo, fome, desamparo e tristeza e a rainha não via por causa dos seus olhos cor-de-rosa. Ela nem percebeu que perdera o reinado. As duas princesas mais velhas foram enfeitiçadas pelas bruxas da Floresta Sombria. Elas comeram um fruto que embaçava a visão na hora de escolher o caminho. Por isso, elas iam para lugares que não queriam, mas não sabiam voltar. A mais velha, quando ficou adulta, foi engolida pelo dragão da Floresta Sombria. A Princesa Mosquito Doce e sua irmã mais nova perceberam que se havia bruxa naquele reino, certamente haveriam fadas. Então, decidiram procurar por elas e encontraram muitas! Nos pomares acharam frutos com sabor de outono, gangorras que levavam ao céu, riachos com pedras encantadas e torta de maçã com sabor de ambrosia. A fada-madrinha da Princesa Mosquito Doce narrava histórias, a aquecia e a amava. À noite, quando todos dormiam, ela levava a princesa para ouvir um camponês tocar violino.


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Depois de alguns anos, a Rainha dos Olhos Cor-de-Rosa casou-se com um caçador e tiveram uma filha. Resolveram então se mudar para um novo reino onde havia felicidade. Lá havia um grande rio, uma ponte, um córrego de águas transparentes, sorvete com doce de leite, parque, circo e um mágico que proporcionava momentos de beleza, sonho e poesia. Mosquito Doce aprendeu a se adaptar. Desde que nascera dormia num lugar e acordava em outro. Com o tempo, ela até se esqueceu do reino onde nascera. Porém, em todos os lugares por onde passava, seu olhar vislumbrava as estrelas. Talvez, por isso, sempre surgiam fadas em seu caminho. E num desses encontros, ela viajou por entre as galáxias com um Pequeno Príncipe e conheceu uma rosa, entendendo o mistério da existência humana. Ela era tão novinha, apenas quatorze anos, mas em seu coração havia uma lupa e um telescópio. Errante, pobre e rica, a princesa percorreu longos caminhos até que um dia, um belo dia, o Caçador, a ex-rainha de Olhos Cor-de-Rosa, Mosquito Doce e a quinta filha foram como camponeses para servir a um rei forte e poderoso. Pela primeira vez, a doce princesa sentiu seus delicados pés tatearem a maciez da relva sobre um chão firme, e ali ela construiu sua Tenda de Realizações. Nos bailes da realeza era cortejada por plebeus e príncipes, mas o seu coração era de todos e, por isso, de ninguém. De tanto conviver com fadas ela aprendeu o ofício de realizar desejos das crianças. Numa noite, dormiu olhando as estrelas e acordou no dia seguinte com o “ovo virado”. Sua cabeça estava cheia de interrogações: “O que poderá fazer uma fada num mundo onde as pessoas não acreditavam mais em sonhos?”. O “Tororó” secou, ninguém mais ouvia a música da fonte. Os três cavaleiros que acudiram “Terezinha de Jesus” foram embora e a canção foi esquecida. “Carneirinho, carneirão, Olhai para o céu, olhai para o chão.” Que chão? Que chão? Que chão? A Casa Cinzenta do reino das crianças foi enfeitiçada pela bruxa que gostava de dizer não. Havia dentro do coração de Mosquito Doce um chamado, um impulso para o reino cinzento das crianças. O rei forte e poderoso quando soube, lhe ofereceu mil moedas de ouro para ela ficar em sua corte. Agora, ela já completara vinte e quatro verãos (ela nasceu em fevereiro) e não foi difícil a decisão, porque o pedido do coração é mais importante que as mil moedas de ouro do rei. Pintou paisagens nos muros acinzentados e construiu caminhos para os cavalos de cabos de vassoura galoparem ao vento. Abriu as portas das gaiolas e inventou balões que atravessavam telhados e alcançavam o céu. Escorregou no arco-íris e dançou entre as estrelas. Um dia, um camponês que ela conhecia desde menina surgiu em sua porta numa carruagem de plumas e flores do campo. Era o príncipe da sua vida e o casamento foi realizado no reino das crianças.


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Mosquito Doce era uma mistura de princesa e fada, portanto não sabia como se vestir para a ocasião. Então ela trajou uma roupa rosa de fada e uma tiara de flores do campo de princesa. Mil crianças fizeram parte do seu cortejo. O Príncipe da Carruagem de Plumas e a princesa não tiveram filhos. Resultado de alguma poção mágica de bruxa ou a sugestão de uma fada-madrinha? Até hoje, eles não tiveram a resposta, mas para que resposta se a sua vida é um eterno gestar e dar à luz, criar e recriar, colorir e semear o belo? Então, eu pergunto a essa princesa de tantos reinos: “quais sonhos povoam suas noites de sono em travesseiros de seda com penas de ganso?”. Há! Essa doce menina tentou em vão fazer mágicas e inventar coisas: “perfumadas águas de cheiro, saborosas essências para fazer sorvetes e picolés, mágicas tintas que não borravam”. Hoje, num reino distante, que pode ser aqui ou ali, ela canta, dança e conta histórias. Dizem que, atualmente, ela está reescrevendo e entendendo a sua história. É claro que, para ser uma boa narradora, é preciso primeiro entender, amar e se encantar com a sua própria história. Irreverente, criativa, alegre e sensível, contam que ela finalizou a narrativa de sua vida assim: “Ainda bem que nesse conto não tem madrastas com maçãs envenenadas, lobos que sopram casas que voam pelos ares, meninas de capuzes vermelhos perdidas em florestas e engolidas por lobos e princesas adormecidas em castelos milenares. Apareceram bruxas sim, mas nenhuma que uma boa fada não desse conta”.


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A menina que não queria viver Por Mirian Teles Von Hauenschild

Era uma vez, um lavrador que morava em um pequeno pedaço de chão com sua mulher, seus seis filhos e duas sobrinhas. O lavrador era um homem rude, não sabia ler, mas era muito trabalhador. A terra que ele arava e plantava estava sempre viçosa, com alimento suficiente para sua família e para vender. Era carinhoso com os filhos e protegia a família. Sua mulher era bonita, culta, gostava muito de ler, fazia lindas cartas com uma caligrafia que mais se assemelhava às penas de um pavão e bordava. Como eram lindos os seus bordados! Ela tinha mãos de fada, cada trabalho manual que fazia alegrava muito os filhos e o lavrador. Um dia, um bruxo muito malvado passou pela casa e viu pela janela como a mulher era muito bonita e quis tê-la para si. Como o lavrador não estava, tratou de seduzi-la. Quando o lavrador chegou da sua viagem, viu que a mulher estava muito diferente, não cuidava mais dos filhos, não bordava e ficava acabrunhada num canto. Ele quis saber o que havia acontecido na sua ausência e a sobrinha, que viu tudo, contou para ele. O pobre homem ficou muito triste. Não demorou muito, o bruxo voltou e levou a mulher. A pequena Mairim tinha só dois anos e chorava muito. Ela ficou com muita dó dos seus irmãos, principalmente o menor. Era tão pequenininho! O lavrador, junto com suas sobrinhas, criou os filhos como pôde. Nesse período, ele precisava viajar muito e os filhos ficavam com as sobrinhas. Mairim gostava muito de uma delas, Atin. Somente Atin sabia consolar a pequena, mas ela também era muito nova e, às vezes, ficava impaciente e brigava com pequena menina. A pequena Mairim gostava muito de observar a natureza. Ficava horas observando as formigas e as lesmas, subia nas árvores e brincava de faz de conta. Às vezes, fingia que era uma princesa e que um lindo príncipe um dia viria buscá-la. Algumas vezes, a família teve que se mudar. E aos trancos e barrancos, Mairim cresceu. Passaram-se seis anos e Atin separou-se da família, pois queria casar e formar a sua família. Mairim chorou muito e ficou com mais medo ainda de perder o seu amado pai. Era um grande sofrimento quando ele viajava e ela quis morrer. Ela gostava de fazer cafuné no seu amado pai e ele sempre deixava embaixo do travesseiro uma moeda. Ela juntou as moedas e um dia comprou uma lata de doce, escondeu-se atrás da porta do quarto e comeu tudo sozinha. Aprendeu depressa que não deveria comer escondido e que repartir era mais gostoso, pois não teria um desarranjo intestinal. A partir daí, a menina passou a gostar menos de doces. Para que seus filhos não ficassem desamparados e à mercê de algum bruxo ou bruxa, o lavrador ensinou-os a rezar e todo o domingo os levava para a igreja, na primeira missa. A pequena menina gostava de rezar e ficar olhando Nossa Senhora. Quando ela perguntava ao pai porque havia tanto sofrimento no mundo, ele mandava que ela rezasse. Muito magra, mas com grande teimosia, Mairim chegou à primeira fase do segundo setênio acompanhada principalmente por Nossa Senhora e suas visões de um mundo paralelo. As frequentes anemias não a fizeram sucumbir, mas trouxeram dificuldades na escola. A bem da verdade, não se sabe ao certo se as dificuldades da pequena se davam pela anemia ou pela tristeza, medo e uma imensa saudade de um mundo que não existia.


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Apesar de todas as incertezas, Mairim ainda encontrava alegria para brincar com seus irmãos e amigos. Mas, na maioria das vezes, ficava sozinha. Embora visse fadas, gnomos e espíritos, não tinha medo deles. Só ficava triste quando diziam que ela os inventava. A pequena menina tinha como companheira uma boneca, Maristela, a quem ela contava todas as suas dúvidas, tristezas e alegrias, e principalmente as dores da escola. Ela sonhava com uma escola diferente, que amasse seus alunos. O lavrador conhecia uma fada que muito gostava da pequena Mairim. Ela era baixinha, gordinha, com as bochechas bem rosadas e os cabelos presos, e usava vestidos ou saias rodadas. Mairim sempre ia visitá-la e ela lhe fazia alguns mimos. A fada fazia um delicioso pãozinho doce, doce de abóbora e outras delicias. Um dia, a fada contou-lhe sobre sua mãe. E pela primeira vez, Mairim viu uma foto da sua mãe, ao lado do seu pai, tirada no dia do casamento. A outra sobrinha também quis casar e o pai não tinha com quem deixar seus filhos, principalmente as meninas, com as quais ele muito se preocupava. Então, achou por bem colocá-las em um convento. Mairim não conseguiu ficar longe do pai por muito tempo e novamente desejou a morte. O pai, para ter seus filhos de volta, casou-se com uma moça que parecia gostar de crianças. Mas o que o pai não sabia era que a pobre moça estava também enfeitiçada! Começou a tratar mal os filhos do marido, inventava historias para o pai brigar com eles... A vida virou um inferno e a jovem Mairim, com 13 anos, quis novamente morrer. No hospital, ela teve um grande encontro que lhe trouxe a vontade de viver novamente: encontrou com dois lindos espíritos que garantiram vir à terra através dela e que lhe ajudariam. Então, ela quis viver! Não demorou muito e a mulher do pai perdeu temporariamente o juízo. Até seus pobres dois filhos não foram poupados quando ela enlouqueceu. Graças a Mairim e Atin, sua prima, os filhos pequenos foram salvos e trancados em um quarto até que levaram a moça embora. Depois, ela voltou e cuidou dos filhos. Ainda teve mais uma filha, mas o casamento com o lavrador não se sustentou mais. Contudo, o lavrador estava sempre por perto dela e dos filhos. E Mairim amava muito seus irmãos. Passaram-se os anos e Mairim perdeu a sua boneca. A visão de fadas e gnomos foi substituída por vultos e sombras. Foi morar em outra cidade, conheceu um rapaz, se apaixonou, e mesmo sabendo que o rapaz viveria pouco, não quis deixá-lo. A sua morte mais uma vez despedaçou o coração de Mairim, que só não desejou a morte, porque o rapaz deixou-lhe um lindo filho. Viúva, ela voltou para a casa do lavrador, passou-se um tempo e novamente voltou a morar na cidade grande. Ainda quiseram lhe tirar o filho, causando-lhe enorme dor e desespero. Mairim era forte e corajosa, e trabalhou para sustentar o filho. Quando o filho ia para a casa do avô, nas férias, ela gostava de ir às festas e encontrar-se com os amigos. Às vezes, ela ficava como cheia de graça e amava a todos; às vezes, se sentia muito triste, porque não podia ajudar a todos. Seus amigos, assim como sua família, a achavam esquisita. Um dia conheceu um homem bonito, que era de outras terras bem distantes, que ficou interessado por ela. Todavia, Mairim não gostava de estrangeiros. Ela pensava que o grande problema do seu país era causado pelos estrangeiros.


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O homem ficou encantado com a expressão da Mairim, seu sorriso, sua rebeldia, sua liberdade e não conseguiu ficar sem vê-la. Durante um mês, ele ficou na rua da casa dela esperando encontrá-la e a convidou para jantar. Ela foi e inexplicavelmente começou a querer ficar perto dele. Não demorou muito e Mairim descobriu que ele era o príncipe que ela tanto esperava! Casaram em um casamento apressado e sem convidados. Com ele, ela teve mais dois filhos: uma linda e muito amada filha e um lindo e muito amado filho. O príncipe recebeu o pequeno filho órfão da Mairim como seu filho. Assim, a prole de Mairim com o príncipe se completou. Mais tarde, Mairim descobriu que já conhecia os dois meninos antes deles terem nascido! Vinte anos depois, Mairim perguntou se o príncipe ainda queria se casar com ela e ele aceitou. Fizeram uma linda festa à beira-mar, vieram todos os amigos, receberam a bênção de um sacerdote e dançaram a noite toda ao redor da fogueira. Muitas dores ainda aconteceram, mas, com a ajuda do príncipe, Mairim superou todas. O lavrador que já havia voltado ao lar sagrado, com a alegria de ter acompanhado seus filhos da melhor maneira que pôde, ficou feliz ao ver que a pequena tão frágil havia se tornado uma mulher tão forte. Passaram-se alguns anos e Mairim foi estudar os mistérios, e lá encontrou outras pessoas tão esquisitas como ela, que acreditavam em fadas e gnomos. Falavam de coisas que batia no coração dela como uma das verdades que ela procurou no mundo. Mairim conheceu sua mãe, que já havia se separado do bruxo, e ficou muito grata por ter tido tempo de conhecê-la e amá-la antes do seu retorno à lua. Os anos se passaram e o filho de Mairim lhe deu um neto e, mais uma vez, ela pôde experimentar uma nova forma de amar. Já havia aprendido que o amor pelo príncipe é grande, mas diferente do amor pelo pai e muito maior que o amor pelos filhos. E agora aprendeu que o amor pelo neto é tão grande quanto o amor pelos filhos, mas com um brilho diferente. E assim, a menina que não queria viver conheceu um mundo mais belo.


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Corina desenrolando o cipoal Por Nair Barbosa Guedes

Era uma vez, há muito tempo, o reino de Aramis, onde morava um rei poderoso, uma rainha e seus dez filhos: sete homens e três mulheres. Durante muitos anos, a Princesa Corina, foi a única menina no meio de sete homens. Desde cedo, ela pode sentir a diferença de tratamento que a sua mãe Celina dava a ela e aos irmãos. Corina era muito esperta e sabia conviver com essa situação – ela ajudava a sua mãe nas tarefas domésticas e depois ia para a floresta do reino brincar com seus irmãos, amiguinhos e amiguinhas. Assim, Corina, foi crescendo e, aos 5 anos e meio, entrou na escola, pelas mãos do seu irmão mais velho, José, a quem amava de paixão e que foi seu guia pela vida afora. Corina gostava de conversar com as pessoas do reino, principalmente as mais simples e isso marcou a sua vida inteira. Às vezes, ela saia de manhã e só voltava à tardinha – sua mãe Celina já estava inquieta, mas Corina sabia muito bem conversar com a sua mãe. Ela conheceu outras pessoas no seu reino e em outros reinos também e começou a perceber que havia muitas injustiças, tristezas, pobrezas... Então começou a lutar pela causa dos pobres. Corina conheceu um jovem muito garboso e inteligente, um príncipe de outro reino. Ela se apaixonou pelo Príncipe André e eles se casaram e lutaram pelo mundo afora. Corina e André tiveram quatro filhos: Marina, Francisco, Gisa e George. Francisco faleceu com seis meses, o que entristeceu muito Corina e André. Os dois sempre procuram dar toda a proteção e carinho aos filhos, apesar das dificuldades. Corina se indignava muito com o que estava acontecendo no reino – muitas mortes, prisões, torturas... Ela denunciou tudo isto e foi presa. Felizmente, foi solta, mas a família teve que viver escondida pelos bosques, nas casas dos camponeses e depois tiveram que ir para outros reinos bem distantes... E por lá viveram durante seis anos. Sempre pensando em proteger os seus três filhos, Corina e André continuaram conhecendo outros reinos, e aos poucos conseguiram voltar para o seu reino. No reino, as pessoas estavam mais felizes, pois aqueles momentos mais tristes haviam passado, todos tinham lutado muito. Aos poucos, a vida foi voltando ao normal. Um dia, um anjo trouxe um bebê que estava procurando uma família. André e Corina o acolheram e eles se tornaram o pai e a mãe do Victor Luiz, que hoje está com 14 anos. Eles moram em um bosque, onde existe uma Escola Waldorf, onde Victor estuda desde os dois anos. Corina conheceu uma fada que a convidou para participar de uma escola de adultos para estudar a sua biografia. Nessa escola, Corina começou a desenrolar o cipoal em que se “enfiou”... E começou a trabalhar as questões que sempre desejou. Ela fica deslumbrada diante de novos conhecimentos, que não imagina existir. A princesa tem profundo agradecimento à sua Fada Madrinha e essa escola que encontrou.


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A menina que encontrou um tesouro Por Paula Brugnoli Ribeiro

Era uma vez, uma menina que gostava muito de brincar. Ela adorava subir no flamboyant do jardim da sua casa, ver as joaninhas andando no dorso da sua mão, tatu-bolinha enrolar e desenrolar, andar de carrinho de rolimã, de bicicleta, ir ao clube nadar, brincar de pegador e de estátua com as crianças da vizinhança. Ela também adorava, ir à praia subir nas ondas do mar e ouvir seus discos de histórias. Outra grande alegria da menina era comer as coisas gostosas que sua avó fazia e ouvir histórias contadas por ela. Ela foi à escola e lá enfrentou dificuldades, pois só queria brincar e não queria saber de estudar. Precisou de ajuda para estudar e um dia ouviu da professora que falou para a sua mãe: “A sua filha é inteligente, porém preguiçosa”. Um dia, recebeu o convite de um maestro para fazer parte do seu coral. Ela foi, cantou muito, gostou de cantar, mas na hora que o maestro falou que tinha de estudar música, para ler as partituras, ela não quis mais e desistiu. Durante toda a sua juventude seguiu acreditando nisto que ouviu da professora, pois não levou os estudos a sério e só queria matar aula, jogar queimada e vôlei. Quando chegou o dia de escolher a faculdade, não ouviu a sugestão do pai para fazer medicina e respondeu: “Eu? Medicina? Nem pensar! Tem que estudar muito e trabalhar muito e eu não quero essa vida para mim”. Deste modo, escolheu a faculdade que foi mais fácil para ela, mas não a levou muito a sério. Assim que se formou na faculdade, casou, sem pensar seriamente na escolha que havia feito – simplesmente sentiu uma forte atração pelo namorado e isso bastou. Um ano depois nasceu seu primeiro filho, que foi um grande desafio. Um belo dia, o marido deu a ela a notícia que tinha sido demitido e teriam que se mudar para o Rio de Janeiro, pois foi onde ele conseguiu um novo emprego. Ela sofreu muito, pois teve que viver longe dos pais que tanto amava. Entretanto, deu conta do recado, mas percebeu com quem havia se casado. O mundo dela desabou! Ela aprendeu a fazer tudo sozinha, pois descobriu que não podia contar com o marido. Dois anos depois, ela teve a grata surpresa de estar grávida novamente e de saber que iria voltar para a sua terra natal. Ela teve uma grande alegria com o nascimento da filha. Decidiu montar uma butique de criança na sua casa, mas o negócio não deu certo. Então surgiu nela um desejo de trabalhar dentro da sua área de formação. O pai a ajudou conseguir um trabalho no hospital. Naquela época, ela descobriu o alcoolismo do marido, e teve grandes dificuldades no casamento. Ficou profundamente triste e pediu a separação. Quando o marido saiu de casa, ela encontrou em Deus a força que precisava para atravessar o “deserto”. Recebeu todo apoio dos pais, e dedicou-se ao trabalho e a criação dos filhos. No hospital, ela trabalhava em diversas áreas e aprendeu a ser profissional.


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Um belo dia, ela teve uma visão de que queria trabalhar com desenvolvimento de pessoas. Surgiu nela um profundo desejo de sair do hospital e trilhar outros caminhos. Ela então pediu a Deus, em oração, por três anos diariamente: “Meu Deus, eu coloco a minha vida em suas mãos, me mostre o caminho que devo seguir”. Numa tarde de agosto, ela foi demitida do hospital e agradeceu a Deus por isso. Foi para São Paulo fazer um curso, para trabalhar com desenvolvimento de pessoas. Aprofundou ainda mais as suas buscas espirituais, fez cursos, retiros espirituais, participou de grupos, leu avidamente sobre esoterismo, metafísica e filosofia. Naquele momento da vida, ela recebeu um profundo chamado não só para a espiritualidade, como também para um trabalho em que viu um sentido maior. Foi em busca dos dois com coragem e determinação. Pouco tempo depois, conheceu a antroposofia. Atravessou um portal e do outro lado encontrou um precioso tesouro, guardado em uma arca linda e dourada. Lá dentro da arca, ela encontrou palavras recheadas de grande sabedoria: “Quando seguimos nossa bem-aventurança, e por bem-aventurança quero dizer o profundo sentimento de se estar no caminho e fazendo aquilo que nos impele a avançar a partir de nosso próprio ser, se seguirmos este chamado, portas se abrirão onde antes não havia portas, onde não sabíamos ser possível haver portas e onde não haveria portas para nenhuma outra pessoa. Depois de você já ter andado um bom caminho, ao olhar para trás, tem a impressão de que sua vida foi composta por um escritor. Ela tem uma ordem e continuidade. De repente, você percebe que os eventos, que na época pareciam ter sido encontros casuais, na verdade foram muito importantes na estruturação de todo o enredo. E da mesma forma você também deve ter tido um papel equivalente na vida dos outros, como uma sinfonia de vidas engrenadas. As vidas se cruzam e desaparecem. Então, muito tempo depois, você pode compreender a importância daquele encontro casual. O mistério que vivemos procurando, e pensamos encontrar em algum lugar no exterior ao nosso, não existe desta forma. É aquilo que somos. Não é preciso ir a algum lugar para encontrar Deus. Ele está dentro de cada ser humano, onde quer que ele esteja. Oportunidades de achar poderes profundos dentro de nós surgem quando enfrentamos desafios na nossa vida. Devemos encontrar um lugar dentro de nós onde existe alegria e é isso que vai apagar a nossa dor. Devemos buscar ver a Deus em todas as coisas, pensar na vida como uma oferenda, colocando-nos aos pés daquilo que representa o sagrado para nós. Devemos buscar incessantemente a sabedoria e o nosso autoconhecimento e autodesenvolvimento. A vida deve ser feita de várias mortes e renascimentos, morrer para o velho e renascer para novo. A natureza nos ensina isto. O que negas te subordina, o que aceitas te transforma. Conhece-te. Aceita-te. Domina-te. Transforma-te. O graal representa o caminho espiritual que se estende entre os pares de opostos, medo e desejo, bem e mal. Temos que erradicar da alma todo o medo e terror que o futuro possa nos trazer. Temos que adquirir serenidade a respeito do futuro. Temos que olhar para frente com absoluta equanimidade para tudo que possa vir. Temos que pensar que tudo que vier nos será dado por uma direção espiritual plena de sabedoria. Isso é parte do que temos que aprender nesta era – viver com pura confiança, sem qualquer segurança na existência. Confiança na


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ajuda sempre presente do mundo espiritual. Nada terá valor se a coragem nos faltar. Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior todas as manhãs e todas as noites. Alegrias são dádivas do destino que comprovam seu valor no presente. Pesares, ao contrário, são fontes de conhecimento, cujo significado se revela no futuro. No pensar, lucidez; no sentir, afeição; no querer, ponderação – se eu aspirar essas três, então poderei esperar e saber orientar-me nas trilhas da vida, frente a corações humanos, no âmbito do dever, pois lucidez provém da luz da alma, afeição mantém o calor do espírito, e ponderação revigora a força vital. E tudo isto, aspirado na confiança em Deus, conduz, nos caminhos humanos, a bons e seguros passos na vida. Não importa que eu tenha uma opinião diferente da do outro, e sim que o outro venha a encontrar o certo por si próprio, se eu contribuir um pouco para tal. Tudo depende de como vemos as coisas e não de como são na realidade. A saída do sofrimento é o sentido. Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir a sua vida e você irá chamá-lo de destino”. Ela sentiu profunda gratidão por ter encontrado este tesouro tão precioso. “Obrigada, meu Deus, por este presente!”. Esse tesouro recheado de sabedoria tem inspirado e alimentado sua alma, e iluminando seus caminhos desde então.


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A Menina-Moça-Mulher Por Priscila Sahate

Há muitos e muitos anos, havia um vale encantado onde as montanhas se encontravam em harmonia, os pássaros cantavam alegremente ao amanhecer, as árvores se abraçavam e os rios corriam como em uma brincadeira juvenil. Lá viviam o Rei Pedra e sua família, a rainha, seus dois filhos e três netos, todos homens. No Reino Pedra todos nasciam com três saquinhos contendo pequenas pedras, um amarelo, um vermelho e um azul, os quais acompanhavam a pessoa até sua morte. Em um baú dourado, com o brasão da família, eram guardados os saquinhos daqueles que já se foram. Em uma noite de inverno, o reino estava em festa, pois mais uma criança estava para chegar. Todo o vale comemorou a sua chegada, já que, após três netos homens, essa era menina, a tão esperada menina. Seus pais ficaram tão felizes que não repararam que seu saquinho vermelho estava vazio. A Menina cresceu sem se dar conta que um de seus saquinhos não tinha pedras. Não sentia falta de nada. Teve uma infância como a das outras crianças: se banhava nos rios, se divertia com os cavalos e realizava suas tarefas conforme um bom membro Pedra deveria fazer. Certa manhã, ao despertar, a Menina viu que algo estava acontecendo no vale encantado. Os pássaros pareciam não cantar como antes e os rios eram levados quase que à força em direção ao mar. Os dias da Menina, que agora já era uma moça, seguiram sem ela dar muita importância ao que estava acontecendo. Até que no primeiro dia da semana, o dia regido pelo grande astro, ao cavalgar em seu cavalo, se desequilibrou, indo direto ao chão. Com a queda, seus três saquinhos se esparramaram pelos jardins do reino. Foi quando a Menina-Moça viu que um de seus saquinhos, aquele na cor vermelha, não tinha pedras. O escondeu rapidamente, pois ninguém podia saber que havia alguém no Reino Pedra com um saquinho vazio. A partir desse momento, todos os dias ao anoitecer, Menina-Moça iniciava sua busca por pedras pelo vale adormecido. Enquanto suas buscas ocorriam à luz da lua, os dias no vale se tornavam cada vez menos coloridos. O rei já tinha morrido e seus filhos não tinham força para comandar o reino. Centenas de noites se passaram e o saquinho vermelho continuava vazio. Em muitos momentos, Menina-Moça encontrou fadas que a entregaram algumas pedras, o que a deixava muito feliz e realizada por ter os três saquinhos preenchidos. Mas essa felicidade durava pouco, pois as pedras se desfaziam e o vazio voltava a ocupar seu lugar. Em uma das noites, encontrou um pássaro que a presenteou com gravetos que exalavam um perfume encantador. Menina-Moça achou estranho, mas guardou os gravetos no saquinho vermelho. Na noite seguinte, encontrou um peixe que a deu um pouco de água. A água ocupou o lugar


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dos gravetos que já tinham perdido o aroma. Na outra noite, seu cavalo lhe entregou alguns fios de sua crina. Nada durava mais do que 24 horas no saquinho vermelho, mas todos os dias ele estava preenchido. Dias e noites se passaram até que, em uma manhã como outra qualquer no Reino Pedra, ao despertar, ela olhou para as montanhas, para as plantas e flores, os animais, olhou para a abundância das águas preenchendo as fendas que ali se apresentavam, toda aquela riqueza a seu alcance, e não entendia o motivo de carregar pedras. A então Mulher se levantou e, à luz do sol, diante de toda sua clareza, devolveu as pedras dos saquinhos amarelo e azul à terra e ao fogo, e ofertou os três saquinhos, o amarelo, o azul e o vermelho à natureza.


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Aprendendo a voar Por Suzana Braga Deslands

Há muitos anos, quando as aves falavam e tinham nomes, galinhas, gansos, marrecos, patos e muito mais conviviam pacificamente num sítio. Havia um galo bonito, de nome Uranus, que brilhava no galinheiro e as demais galinhas se empolgavam com sua beleza, inteligência e astúcia. Certo dia, o galo subiu no topo do poleiro e avistou ao longe os patos que se divertiam à beira do lago. Como fosse longe, despediu-se de seus pares dizendo querer conhecer outros lugares. Sua curiosidade o dirigiu até o lugar avistado e ficou maravilhado com as novidades presenciadas. Encontrou um mundo diferente, bonito e solar. Encantou-se com uma patinha de nome Luara, órfã, a menor e mais tímida de todas, parecia um bibelô. Embora fossem de mundos distintos, começaram a namorar e Luara engravidou. Enquanto aguardavam o bebê, Uranus a levou para seu galinheiro visando abrigá-la. Imaginavam como seria o filhote e faziam planos para seu futuro. Nessa espera, uma cegonha voava fazendo suas entregas de bebês. Estava muito atarefada, já que a cegonha mais experiente de seu grupo se encontrava de férias. Mesmo assim, ela se esforçava bastante para desenvolver o seu trabalho com a maior precisão. Viajava longas distâncias e, por vezes, ficava muito cansada, dava uma paradinha para respirar, beber água e prosseguir sua viagem. Em um certo dia com muito calor, a nova cegonha estava atrasada em suas entregas, e corria para entregar a encomenda de uma gaivota fêmea. Como estava exausta, nem percebeu quando deixou cair a pequena gaivota no galinheiro onde se encontravam Uranus e Luara. O casal estranhou um pouco aquela ave tão pequenina, que não se parecia com nenhum dos dois, porém, agradeceram o presente, entendendo que era um filhote híbrido de suas espécies diferentes e lhe deram o nome de Neptune. Quando a cegonha experiente chegou de suas férias prolongadas, foi conferir o trabalho da substituta. Olhando as fichas de todas as encomendas, percebeu que havia um casal sem registro de recebimento do seu bebê e tratou logo de providenciar um novo membro que lhes fosse adequado. Daí a alguns meses, a família de Uranus e Luara recebeu um novo filhote, para alegria de todos. Para esse irmãozinho de Neptune foi dado o nome de Venusiano. Ele era muito generoso com a irmã e, mesmo sendo menorzinho, a ajudava com todas as suas habilidades. Neptune era muito atrapalhada, se sentia estranha, não gostava da comida que se comia ali, não conseguia aprender a ciscar com facilidade nem nadar como os patinhos. A mãe pata lhe dizia que suas asas cresciam muito rápido, a atrapalhavam a aprender a nadar e a fazer os ofícios que se praticavam no sítio. Como era muito diferente dos demais, seus pais cortavam suas asas todos os meses na esperança de que aprendesse a se comportar como os filhos dos outros. Dona Luara tentava educar Neptune de diversas formas, mas, apesar dos esforços da gaivotinha, ela não conseguia aprender. A pata mãe perdia a paciência, batia com força na água tentando ensiná-la e aquele excesso de água no ouvido de Neptune a deixou surda de um dos ouvidos. Mandaram Neptune para a escola e, como ia bem nos estudos, perceberam que ela teria alguma condição de se desenvolver. Mesmo assim, eles não a deixavam se afastar para muito longe e a prendiam dentro do sítio. Mais um irmãozinho chegou, a quem chamaram de Mascote, e assim os filhos foram crescendo e transitando entre o galinheiro e o lago. Neptune olhava para cima e idealizava que queria voar, mas aquilo não era para ela, não imaginava a sua origem e, embora com dificuldades, tentava se adaptar à rotina do sítio onde viviam seus supostos pais.


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Um dia, na frente do lago, Neptune reencontrou um primo, Orfeu, que pensou poder ajudá-la na sua intenção de aprender a voar. Ele era um pouco mais velho, mais experiente e comovido com a falta de destreza de Neptune, e prometeu ajudá-la. Para tanto, resolveram se casar e morar em outro lugar, longe dali. Foram trabalhar para pagar os custos da nova moradia e o início da vida foi boa. Com o passar do tempo, porém, Orfeu não reconhecia os talentos de Neptune e isso a deixava com grande sensação de fracasso. Neptune saiu debaixo da asa de Orfeu e foi passear por outras bandas. Caminhou bastante e em um terreno distante encontrou um grupo de aves diferentes das que conhecia até então. Ao se aproximar, duas delas foram muito receptivas, Demeter e Ceres pareciam ser da mesma espécie de Neptune e lhe mostraram um mundo muito bonito, onde as pessoas se ajudavam, respeitavam o diferente, preocupavam-se umas com as outras e lhe deram muita atenção. Ficaram amigas para sempre. Um pouco depois conheceu Hades, um falcão por quem se encantou! Fizeram planos e foram morar em um arbusto, compartilhado com outras aves. Neptune foi bem recebida e lá tiveram dois ovinhos dos quais nasceram Eolius e Marciana. Hades era uma boa ave, sempre se preocupava com a saúde da família, contudo, se enraivecia com qualquer tentativa de Neptune alçar voo ou se relacionar com pessoas de outras famílias, por isso, grunhia muito alto, assustando Neptune. Um dia, a pobre gaivota sentiu-se tão amedrontada que não aguentou mais. Embora ainda muito desajeitada para voar, fugiu com seus filhotes embaixo das asas até encontrar um galho de outra árvore para construir um novo abrigo. O ninho era precário e por isso teve que trabalhar muito para recompô-lo. Mesmo assim, ela estava feliz, cuidando dos filhotes, trabalhando e sentindo a liberdade. Anos depois, com os filhotes crescendo, Neptune percebeu que precisava voltar a estudar e não parou mais. Conheceu um corvo, Aerus, com quem viveu alguns anos, aprimorou sua capacidade de voar, até que o corvo encontrou uma gralha nova e se mandou com ela. Neptune ficou muito entristecida no começo, mas, como tinha muitos amigos, além de seus filhos, que também se tornaram bons amigos seus, vivia feliz, estudando, cantando e passeando. Eolius casou-se com uma passarinha campana e vivem felizes. Marciana tem um monte de amigos e vive passeando com um sabiá. Certo dia, uma amiga a apresentou a um albatroz amigo, de nome Plácido, que apreciava as flores, os astros e gostava de música, como ela. E estão voando juntos até hoje!


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Cristal em o Retorno ao Reino de Locke Por Tereza Cristina Campos Oliveira

Era uma vez, há muito tempo, o Reino de Locke, com um grande castelo, onde moravam um rei, uma rainha e seus seis filhos, três homens e três mulheres. A segunda filha era casada e num acidente com uma carruagem, seu marido faleceu. Assim, ela e suas quatro filhas foram morar no Castelo de Locke. As princesinhas eram tratadas com todos os mimos e carinhos. Aos poucos seus tios foram casando e foram morar nos arredores da grande Floresta Azul. As meninas ficaram aos cuidados do Rei Locke, da rainha, da mamãe e da tia mais velha que se chamava Eufrásia. Mamãe Flor trabalhava durante todo o dia cuidando de doentes em uma estalagem do reino, onde as princesinhas iam sempre visitá-los. A princesa mais velha, chamada Cristal, adorava brincar nos vales, subir e descer montanhas e escalar morros. Ela tinha uma amiguinha chamada Esmeralda, que era sua companheira constante nas brincadeiras, mas Esmeralda não gostava de brincar das mesmas brincadeiras que Cristal. Mas, ela não queria nem saber, Esmeralda tinha que fazer o que ela mandava. Às vezes, para agradar a amiga, brincava de casinha, de rainha, mas, logo se entediava, porque alegria para ela era correr, desbravar os campos, florestas e subir e descer morros. As duas amigas cresceram, sempre unidas, em meio às belezas do Reino de Locke. Elas sempre se encontravam, principalmente nos treinos para corrida de bigas com cavalos. Cristal era uma grande atleta e representava muito bem o Reino de Locke nas competições em outros reinos; era um tempo de muitos amigos e alegrias. Um belo dia, na arena de treinos, Cristal conheceu um belo rapaz que era atleta da luta de espadas. Eles se apaixonaram e, após sete anos de um lindo relacionamento, se casaram. Não passou muito tempo, apenas alguns meses, Cristal engravidou de sua primeira filha, uma linda princesinha chamada Aurora, mas, antes do nascimento, Cristal descobriu que seu grande amor não era um príncipe, mas sim um dragão. Cristal travou grandes lutas com o dragão na floresta e nas montanhas, até que finalmente conseguiu se livrar das garras dele e seguiu a vida junto com sua filhinha Aurora. Cristal lutou muito para conseguir uma forma de sustentar sua filha, até que conseguiu um emprego numa taberna que fazia negócios com os moradores. Aquele foi um momento muito importante para Cristal, pois ela tinha muita alegria e satisfação em poder cuidar forma digna de sua filha. Após um ano, sua mãe e duas irmãs foram morar na casinha de Cristal, o que facilitou muito para ela, pois, como trabalhava o dia inteiro, suas irmãs cuidavam de Aurora. No trabalho, teve que enfrentar muitos obstáculos, porque os homens sabiam que ela não tinha nenhum marido para defendê-la e a perturbavam muito, mas Cristal sempre se manteve certa e confiante do seu comportamento. Sempre foi uma excelente empregada, reconhecida por todos, e sempre era solicitada para novas funções. Foi um tempo de realizações. Ainda naquele trabalho, ela conheceu outro rapaz, muito trabalhador e que gostava muito de Cristal. Eles começaram a namorar e, após um tempo, Cristal casou-se novamente. Deste relacionamento nasceu seu segundo filho, Alexandre, um menino muito lindo, mas com uma saúde frágil. Cristal teve muito trabalho com Alexandre, até que conheceu uma maga chamada Sol, que a ajudou muito devolver a saúde de seu filho. Cristal adorava ouvir os ensinamentos que recebia de Sol, e isso lhe enchia o coração de alegria e satisfação. Cristal buscava os pergaminhos indicados por Sol e lia tudo, assim começou a perceber o que lhe tocava verdadeiramente o coração.


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O tempo foi passando muito rápido e Cristal precisou morar com sua família em um outro reino, o Reino da Tempestade. Neste reino, Cristal foi afastada depois de algum tempo de tudo que lhe trazia alegria: trabalhava muito, num serviço que não lhe agradava, mas precisava muito fazer isso, porque decidiu cuidar muito bem de seus filhos. Após alguns anos, sua filha Aurora foi morar no Reino dos Sete Mares e seu filho voltou para o Reino de Locke, onde foram concluir seus estudos nas escolas que preparavam os jovens da época para uma profissão. Aquela foi uma fase muito difícil para Cristal, pois sentia-se muito sozinha. O que ainda lhe trazia um pouco de alegria e força para lutar tinha se afastado dela, mas Cristal ainda teve forças para sustentar sua decisão até que seus filhos estivessem prontos, formados e capazes de seguirem independentes suas vidas. A situação no Reino da Tempestade foi se agravando, o príncipe virou um dragão, que a cada dia ficava mais forte e com suas labaredas costumava queimar Cristal. Ela não tinha forças para reagir, porque estava presa por uma corrente aos pés do dragão e não conseguia achar a chave para abrir o ferrolho – por mais que procurasse, não a encontrava. Um dia, sua mãe Flor foi visitá-la e não gostou nada do que viu; Cristal estava muito triste e sem vontade de viver. Sua mãe ficou pensando como poderia ajudá-la e teve uma ideia, saiu a percorrer os calabouços do castelo, através de corredores escuros, até que ouviu um barulho de ferro batendo numa bigorna: era o ferreiro, que vivia num mundo de escuridão, fazendo armas para os guerreiros do Reino da Tempestade. Flor contou toda a história de Cristal para ele e pediu que fizesse uma chave que abrisse qualquer cadeado. Assim, ele fez a chave com muita alegria, porque sempre viveu nas trevas e aquela foi a oportunidade de acender uma luz em seu coração. Flor voltou correndo para casa de Cristal e ficaram esperando a oportunidade perfeita. Até que um dia, o dragão caiu no sono profundo, depois de muito voar à noite pela floresta. Então, elas aproveitaram e, bem silenciosamente, abriram o cadeado e Cristal foi libertada das garras do perverso dragão. Cristal e sua mãe Flor voltaram imediatamente para o Reino de Locke. Elas foram morar no seu antigo castelo, com a tia Eufrásia, e isso já foi de grande alegria para Cristal, pois reencontrou suas irmãs e amigas de infância. Tão logo se estabeleceu em seu castelo, foi correndo procurar a maga Sol, que cuidou dela e lhe deu chás e ervas que ajudaram Cristal a recuperar suas forças bem rápido. Já fortificada fisicamente, a maga Sol a convidou para participar de sua Escola de Mistérios, onde aprenderia a lidar com as leis espirituais e adquirir conhecimentos e sabedoria que a ajudariam em sua caminhada. Cristal ficou com o coração repleto de alegria e foi procurar os meios que a possibilitassem ingressar na escola. Chegou o dia de começar as aulas, onde reencontrou a maga Sol, outros magos que lhe contam histórias de gnomos, fadas, Cristo e outros, e colegas que estão também como ela começando uma nova caminhada. Tudo isso foi de grande emoção para Cristal. Nesta escola, com os ensinamentos recebidos, Cristal começou a adquirir força, coragem e a enxergar seu verdadeiro ideal. Ela começou, aos poucos, a trabalhar naquilo que sempre desejou, ajudando pessoas que necessitam de amor, compaixão, afeto ou simplesmente um abraço. Assim, Cristal continua caminhando, caminhando, numa trilha longa que não tem fim... FIM


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A princesa e seus cavaleiros Por Tereza Cristina Menezes Souza Dalmacio

Era uma vez, uma menina sorridente, um tanto valente e primogênita de quatro filhos de dois jovens adolescentes. Ela tinha 16 e ele, 17 anos. O casal, que brincava de gente grande, já trazia no colo aquela pequena “boneca”, de cabelos cacheados e dourados, frustrando um pouco o pai, que torcia pela chegada do príncipe herdeiro que pudesse acompanhá-lo em suas belas e longas caçadas. Assim, a bela Tereza, ao completar um ano de vida, recebeu de presente o nascimento do primeiro varão, o futuro caçador e herdeiro de tantas batalhas. No mesmo dia, na mesma hora, com a bênção de toda nação. E momentos antes de a caravana partir para a maternidade, a cozinha da casa, que naquele dia festivo regozijava em conversas alegres e muitas gargalhadas do reino Menezes Souza, SILENCIOU. E as mulheres, que preparavam deliciosos quitutes para a celebração, deixaram seus afazeres. Tortas, docinhos e salgados foram deixados de lado, sem muita serventia para aquele dia. O tempo passou e a sorridente Tereza cresceu em meio a três irmãos, que nasceram ano a ano, um após ao outro, para a alegria de todo reinado. O pai – tão belo, forte e valente –, cantava para a filha, com os três meninos ao lado, a velha canção:

“Terezinha de Jesus De uma queda foi ao chão Acudiram três cavalheiros Todos três, chapéu na mão O primeiro foi seu pai O segundo, seu irmão O terceiro foi aquele Que a Tereza deu a mão” E ao término da cantoria, ele dizia entre risos e abraçando os quatro rebentos e a sua bela esposa: “Não! Tetê vai dar a mão é ao papai”. E toda família ria e brincava. Assim, ela cresceu, solta, livre e arteira, liderando os irmãos. As estripulias eram muitas para o desespero da jovem, bela e vaidosa mãe, que não via com bons olhos a sua princesa de espada na cinta e pendurada nas árvores sempre em meio a grandes aventuras e fabulosas conquistas. Quanta imaginação no coração daquela princesa... A menina virou uma bela jovem, longe dos padrões estéticos da mãe. Deixou os cabelos crescerem, parou de pentear e amava quanto mais encaracolados eles ficavam. Jeans, All Star e batas indianas completavam o figurino hippie e rock and roll, que tanto desagradava o rei e a rainha.


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O pai, antes doce, cobrava e bravejava por não gostar do comportamento rebelde da princesa. O tempo passou. Por volta dos 14 anos, Tereza percebeu que seria muito difícil viver ali, naquela província tão acanhada, com um rei rigoroso e uma rainha tão vaidosa e diferente dela. Então, planejou a sua saída brilhante, com muita paz e um tantinho de sabedoria. Tornou-se uma aluna brilhante. Passou a falar sempre em universidades da corte e que na província seria impossível a preparação que tanto queria. Assim, aos 15 anos, com a bênção do rei e da rainha, a princesa mudou para a corte, para morar com uma tia pra lá de querida, que seria o seu modelo de mulher ao longo da vida. A princesa morou ali por muito tempo: anos de muita liberdade e de outras grandes aventuras. Tempos depois, a princesa conheceu o seu príncipe encantado. Grande, forte e gentil. Se apaixonara e casaram. Dois anos depois, nascia o primeiro filho. Trinta e quatro meses mais tarde, o segundo. E a alegria naquele novo reinado crescia. A princesa era uma mãe de jogar bola de gude, soltar pipa, andar de bicicleta, brincar de carrinho e rolar no chão com os seus pequenos herdeiros. Adorava ser mãe de meninos. O príncipe era o pai que lia na hora de dormir, contava histórias e os apresentava a belas canções. Por dezoito anos consecutivos, a vida fluía com paz e harmonia. Até que o primogênito adoeceu seriamente. A primeira grande dor da vida da princesa Tereza e de toda a família. Ele melhorou e a vida retornou à sua normalidade. Anos mais tarde, outra dor invade o coração da Tereza. O seu príncipe vai embora e encerra-se uma união de quase três décadas. Assim, com muito sofrimento e aprendizado, a princesa se reconhece como aquela menina feliz, risonha e arteira – e, se precisar, com a espada na cinta ou na mão. Hoje, a princesa cumpre a sua saga, às vezes com muito cansaço. Trabalha como se houvesse trinta anos de novo e, na mesma proporção, vibra, como se estivesse dentro daquelas grandes aventuras de outrora, escalando morros e árvores à espera do novo, do belo e do revolucionário. E nessa andança ela encontrou – não no campo de batalha, mas no silêncio de um seminário – a Tereza. Se olharam, se abraçaram e seguem, menina e mulher, de mãos dadas para mais uma jornada.


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A boneca que virou gente Por Verônica David Santos

Era uma vez, uma linda boneca que se chamava Verônica. Uma boneca gerada com amor e carinho, que cresceu orientada pelo seu pai e sua mãe, em companhia de suas irmãs. Sim! Uma boneca que tinha família, casa com quintal, escola, amigos... E muitos pensamentos! Uma vontade enorme de se conhecer e amar as pessoas! A boneca cresceu brincando no quintal com as suas irmãs, conhecendo as plantas e os animais que ali viviam. Depois foi para a escola, um lugar onde ela aprendeu muitas coisas sobre o mundo das pessoas e fez muitos amigos. Mas, por ser uma boneca no mundo de gente, se sentia diferente. Não se satisfazia com apenas uma visão de mundo. Parecia que algo a impedia de amar, de sentir, de ser quem ela era de verdade. E essa sensação lhe trazia sofrimento. Buscava sempre uma novidade, uma forma de se conhecer e entender melhor o mundo das pessoas. Queria parar de sofrer. Que mundo estranho esse! As pessoas se amavam, mas se agrediam, sofriam por dinheiro, relações, doenças e perdas. Se alegravam também com dinheiro, relações, saúde e ganhos. Se uniam e se separavam com a mesma frequência... Verônica não conseguia entender muito bem como funcionava o mundo de gente. Apesar de ser boneca, Verônica cresceu e estava na hora de escolher uma profissão. Escolheu estudar nutrição, conhecer o alimento do corpo. E também estudar ioga, o alimento da alma e do espírito. E assim, começou a despertar uma luz no centro do peito da boneca... E a boneca começou, embora ainda oprimida, a se sentir mais compreensiva e afetuosa. Conheceu o seu príncipe encantado e, numa explosão de amor, geraram dois seres. Formou a sua própria família, se dedicou à profissão e continuou os seus estudos. O príncipe foi embora, mas logo a vida lhe trouxe outro! A sua luz e o amor foram crescendo e, um dia, a boneca percebeu que havia se tornado gente também. Seu nome não representava mais uma boneca, mas trazia em si a força para vitória, a expressão da “imagem verdadeira”. E assim, como gente com o coração cheio de amor, começou a ensinar o que tinha aprendido às pessoas interessadas. E, dessa forma, começou a trocar conhecimento, ajudando as outras bonecas a se perceberem gente também. A boneca teve algumas fadas-madrinhas que a ajudaram a entender as incoerências humanas, em especial a sua avó Ninita, que lhe ensinou as coisas de gente, como cozinhar, cuidar da casa, conversar e compreender as pessoas. Alguns amigos também foram especiais em sua trajetória, assim como o nascimento dos seus filhos, o que muito colaborou com o seu aprendizado!


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E apesar de sofrer como gente, descobriu em si muito amor e alegria para compartilhar com as pessoas sobre a jornada no planeta Terra. Percebeu também que o mundo estava sempre em transformação, e que essas mudanças possibilitavam o desenvolvimento, transformando as pessoas em gente de verdade, que iluminavam a sua trajetória com a sua luz interna e deixavam um rastro de luz para as outras pessoas à sua volta. Esse compartilhar fez brotar uma grande felicidade no coração da boneca que virou gente! A liberdade de ser! E assim, Verônica se fez feliz!


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O mundo da menina de duas pernas e duas rodas Por Verônica Silva Alves

Tudo começou quando um belo rapaz se encantou pela morena de olhos verdes. O que os unia era a paixão por bicicleta. Gostavam de pedalar e conversar, conversar e pedalar em suas magrelas. As pedaladas os levaram ao altar. Sonhavam com filhos e filhas, mas o destino preferiu filhas, que ao todo eram quatro. “As meninas do Almiro e da Elza”, assim eram conhecidas. Na véspera de chegar a terceira, um temporal sem igual, por horas a fio, abalou a cidade. O quintal da casa alagou-se. Pai Almiro foi o herói do dia. Improvisou uma ponte de tijolos e tábuas para sua amada chegar ao portão. Houve tanta tensão até a chegada da mãezinha ao hospital, que a criança achou por bem não nascer. Só que não era ela quem tinha o poder de decisão, e isso só se descobriu mais tarde. Depois de horas, a mãe voltou para casa sem a criança, e os médicos não deram grandes esperanças... Esses pais tão queridos apelaram para a Mãe Divina e a criança foi batizada no hospital, consagrada a mãe Maria. Passaram-se uns dias, a menininha conseguiu ter força e coragem para botar os pulmões para funcionar. Gritou com toda força: “Me leva para casa!”. A alegria foi tanta que o casal a batizou pela segunda vez. A criança foi crescendo e acreditava que sua casa era o quintal. Só percebia a realidade quando sua mãe a chamava para entrar. Passava a maior parte do tempo no esconderijo secreto, na casinha do seu cachorro. Lindo como ele só, tinha olhos claros e adorava dividir a casa. Sua alegria e o oposto dela foram enormes quando começou a frequentar a escola. Chegava em casa radiante quando tinha muitas histórias para contar e calada quando se sentia invadida. Ia e voltava montada na magrela do pai. E nessas idas e vindas, cedo percebeu como era bom ter duas pernas e duas rodas. Com suas duas pernas mais as duas rodas, o mundo passou a ser conhecido pela menina, tornou-se pequeno. As pernas e as rodas a levavam cada vez mais longe: ruas, quarteirões, praças, casa de amigos, igreja, escola; não havia lugar que a magrela não alcançasse. O mundo se alargou a cada pedalada. Novas paisagens, cidades, asfalto e terra percorridos pelas duas pernas e pelas duas rodas... Uma vida andarilha! Ousou dar um salto ainda maior, ir além, quando se colocou à disposição de minimizar as desigualdades sociais. Caminhou à margem, acolhendo as diferenças. Como andarilha, muitas vezes não tinha onde dormir, nem se importava com o que comer, pois cada dia se apresentava como único. Na certeza de que fora consagrada a Maria, seu amparo esteve sempre presente, e na lida de cada dia foi acumulando sonhos. No fundo, sempre soube que sonhos eram para ser realizados. Suas realizações aconteciam na proporção em que se permitia pedalar. Conheceu de tudo um pouco no mundo do trabalho: deu de comer a quem tinha fome, deu colo a quem carecia, compreendeu o incompreensível e cuidou dos seres especiais. E ao mesmo tempo em que preenchia sua alma, foi esquecendo de si.


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A sina da andarilha continuou em trilhas de fortes subidas e descidas, entre quedas, inclusive, mas sempre com rumo certeiro. Tão certeiro que, numa dessas viagens, se deparou com uma linda paisagem, onde reencontrou um ser de grande luz que lhe tocou o coração. A partir desse encontro, a andarilha criou asas, se tornando cada vez mais livre, leve e solta e recebeu de presente um passe para transitar em outros mundos. Desde então, não parou de receber presentes. E no último momento em que precisava de força e de coragem para olhar para a sua biografia, esbarrou com Luz, uma amiguinha de outro reino que lhe ofereceu de coração um belo e singelo poema e é com gesto de profunda reverência que a menina decidiu compartilhá-lo:

“Cai do céu a estrelinha em forma de menininha, se aloja em uma redoma, mas consegue duas rodinhas que lhe ajudam a girar. Mundo estranho percorre, querendo sempre mudar. Dar pão a quem tem fome e manto a quem tem frio. Em suas rodinhas gigantes, roda moinhos e roda peão... Numa dessas andanças, a andarilha parou! Na paisagem encantada, um encontro se forjou, daí, então, a menininha virou estrela, brilhou, criou asas e voou! Rumo certo, céu aberto, mas a história não acabou...”


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Cheia de vida Por Viviane Nakayama Borges Vasconcelos

Era uma vez, numa manhã de verão na Cidade Maravilhosa, nascia Viviane, com os olhos negros como duas jabuticabas, trazendo grande alegria para sua família. Ela cresceu com muito carinho de seus pais e seu avô materno. Logo nasceram seus dois irmãos, Edison e Mônica. Os três irmãos estavam sempre juntos nas brincadeiras e também nas travessuras. Mais tarde veio Wagner, quando ela tinha 10 anos. Eles foram crescendo e cada um pôde escolher o seu caminho. Viviane tornou-se engenheira, pois desde pequena gostava de organizar as brincadeiras e os espaços. Edison também formou em engenheiro, Mônica se tornou pedagoga, pois desde criança era doce e gostava de cuidar das pessoas, e Wagner fez economia. Mais tarde, todos se casaram e formaram lindas famílias. Viviane se casou com Paulo e juntos tiveram três lindos filhos: Rodrigo, Vinícius e Thiago. Nessa nova fase de sua vida, ela teve muitas oportunidades de aprender coisas diferentes. Não tinha medo do desconhecido e assim conheceu lindos lugares, pessoas, trabalhos diferentes e teve muitos momentos de alegria, liberdade e conquistas. Dessa forma, pôde realizar os seus sonhos. Agora, Viviane dedica-se a ajudar as pessoas para que tenham coragem de também fazer essa viagem, para que descubram quanta beleza guarda o desconhecido. Recentemente, ela teve mais um de seus sonhos realizado. Nasceu sua primeira netinha, Isadora, trazendo grande alegria para sua família, iniciando assim uma nova história.


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