Mídia e Escola

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Mídia e Escola


© 2005 Fernando Rossetti Planejamento editorial e de produção: Edições Jogo de Amarelinha – Leonardo Chianca Edição de arte, projeto gráfico e capa: Jairo Souza Preparação de textos: Januária Cristina Alves, Rita Narciso Kawamata Revisão: Adriana de Oliveira, Cecília Devus Imagens: • Capa (divulgação) – a partir do alto, da esquerda para a direita: Comunicação e Cultura, Cidade Escola Aprendiz, NCE/ECA-USP, Agência Uga-Uga de Comunicação, Cipó – Comunicação Interativa, Comunicação e Cultura, Cipó – Comunicação Interativa, Agência Uga-Uga de Comunicação • Montagem da pág. 103: André Oliveira Nóbrega Impressão e acabamento: Gráfica Copypress Catalogação: Alexandre Cardoso Leite / CRB8-7007 Rossetti-Ferreira, Fernando Mídia e Escola - Perspectivas para políticas públicas / Fernando Rossetti-Ferreira. – São Paulo Edições Jogo de Amarelinha, 2005. 112 p. : il. ISBN 85-99188-01-1 1. Educação e comunicação 2. Tecnologia educacional 3. Política educacional I. Título CDD-371.33 379 1. Educação: meios de comunicação de massa – 371.33 2. Educação: políticas públicas – 379.2

ISBN 85-99188-01-1

UNICEF - BRASIL

EDIÇÕES JOGO DE AMARELINHA

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Parceiros estratégicos da Rede CEP:


Fernando Rossetti

Mídia e Escola Perspectivas para

políticas públicas Pesquisa e colaboração: Alexandre Le Voci Sayad

Patricia Meira de Vasconcellos


SUMÁRIO SUMÁRIO Introdução: Rede CEP – Rede de experiências em Comunicação, Educação e Participação / 6 1. Contexto histórico / 13 Educação / 16 Comunicação / 19 Participação / 21 a) Sociedade civil organizada / 22 b) Estado e governo / 25 2. Resultados e limites / 27 Quantidade versus Qualidade / 31 Investimento e estudante / 35 Atendimento direto versus indireto / 37 Liderança versus Institucionalização / 39 Evento versus Processo / 41 3. Desafios estruturais / 45 Salários e status / 48 Carreira docente / 51 Tempo e espaço / 56 Formação inicial e em serviço / 58 Modelos de avaliação / 61 Micropolítica / 63 Macropolítica / 68


4. Parcerias, redes e voluntários / 71 Quem articula? / 75 Como formar? / 77 Que instâncias? / 78 Que voluntários? / 81 5. Aprender fazendo / 83 Processo versus Produto / 87 Autoria e direção / 89 Faixas etárias / 90 Erro e correção / 92 Rodas de discussões / 93 Complementar ou curricular / 95 Escola e sociedade / 96 6. Perspectivas / 99 1. Guerra de guerrilhas / 99 2. Políticas públicas / 100 Tecendo a Rede / 103 Rede CEP / 104 Sites relacionados ao tema / 106 Bibliografia / 108 Agradecimentos / 110 Biografia / 111


Rede CEP

Rede de experiências em Comunicação, Educação e Participação

A

revolução nas tecnologias de informação e comunicação, acelerada pela internet, implica mudanças radicais na maneira como os seres humanos dialogam, constroem conhecimento e transmitem experiências e valores. Mais do que nunca, as pessoas precisam hoje aprender a lidar com as diversas mídias, para poder, de fato, exercer sua cidadania. A linha que une as experiências citadas nesta publicação defende que a melhor maneira para ensinar as muitas linguagens das mídias que nos cercam é envolver crianças, adolescentes e jovens na produção de comunicação, ou seja, na elaboração de vídeos, na criação de programas para rádio, no desenvolvimento de sites e blogs (diários virtuais), no desenho de histórias em quadrinhos, na produção de reportagens para jornais e fanzines, entre outras atividades. Quem edita um vídeo assume para sempre uma posição mais ativa e crítica diante da televisão. Fazer um jornal desenvolve habilidades e competências que são necessárias em qualquer profissão de desta6


que atualmente. As rádios têm o poder de fortalecer a identidade de uma comunidade. O apresentador de televisão Abelardo Barbosa (1916-1988), o Chacrinha, já bradava nos anos 1970: “Quem não se comunica se estrumbica”. A história deste livro é também entrelaçada à da Rede CEP (Rede de experiências em Comunicação, Educação e Participação), composta por mais de uma dezena de organizações que, apesar de heterogêneas, têm como proposta central inserir práticas comunicativas no ensino. São organizações que trabalham em várias partes do país, cada uma a seu modo, com diferentes mediações tecnológicas, em projetos de tal envergadura que, se ainda não são, estão em vias de se tornar políticas públicas. No segundo semestre de 2002, quando o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) convocou a apresentação de projetos que apontassem caminhos para a construção de políticas públicas de Comunicação, Educação e Participação, a partir dos conhecimentos e experiências acumulados em projetos que vinha apoiando no Brasil. A pergunta central era: como ampliar um conjunto de projetos que, apesar da alta qualidade e dos significativos resultados, atende uma parcela 7


pequena do alunado brasileiro? Como atingir mais de 50 milhões de estudantes brasileiros com metodologias desenvolvidas em projetos que atendem, no máximo, alguns milhares de aprendizes? Nesse contexto, foi feita uma pesquisa de campo com nove dessas organizações, visitadas por três dias (em média), além de um seminário do qual participaram representantes dos melhores projetos da área no país. Este livro é resultado dessas ações. A pesquisa do Unicef aproximou ainda mais atores sociais que haviam se encontrado em várias circunstâncias, devido à afinidade de suas atividades em Comunicação, Educação e Participação. Muitas das organizações pesquisadas participaram, por exemplo, da experiência da Rede de Educação pela Comunicação, a Reducom, criada por um programa do Instituto Ayrton Senna, em aliança com a Embratel, que se estendeu de 1999 a 2001. Em abril de 2004, na 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro, estavam quase todos, novamente juntos, apresentando seus trabalhos, inclusive os resultados preliminares da pesquisa do Unicef, incorporados neste livro. Durante a cúpula, ocorreu uma reunião informal entre as lideranças das áreas presentes. Elas acorda8


ram realizar um seminário no segundo semestre de 2004 para discutir estratégias de articulação, com vistas a ampliar o impacto das iniciativas individuais. Assim, Unicef, Instituto C&A e Fundação Avina apoiaram a realização do Seminário de Articulação pela Educação, Comunicação e Mobilização Social, em setembro de 2004, em Brasília. Esse encontro, de três dias, em um hotel na avenida Paulista, em São Paulo, resultou num projeto de ação de três anos de trabalho em rede, com o objetivo geral de promover e qualificar políticas de Comunicação, Educação e Participação. No Seminário, as vinte pessoas presentes decidiram formar a Rede CEP, para atuar em níveis municipal, estadual e federal, envolvendo crianças, adolescentes, jovens, educadores, gestores dos sistemas de ensino, membros da comunidade, organizações não-governamentais, universidades, entre outros. A meta maior da Rede CEP é construir em 3 anos uma proposta abrangente de política pública envolvendo mídia e escola. Como primeiro passo, este livro e o relatório publicado na Biblioteca Virtual do Unicef (www.unicef.org.br) buscam sistematizar informações sobre o dia-a-dia dessas experiências: como surgiram; quais seus conceitos norteadores; 9


que dificuldades enfrentam; como se sustentam – ou como tentam se sustentar –; como é a relação com o poder público; quais as abordagens em planejamento e avaliação; qual é a contribuição do investimento social privado; entre outras. A tríade conceitual Comunicação, Educação e Participação foi adotada porque os projetos que compõem a Rede CEP credibilizam a produção de mídia por crianças e adolescentes, quando eles, de fato, participam da concepção e realização do produto final. Os modelos mais tradicionais de ensino tendem a desapropriar os aprendizes de sua produção, focando o ensino na transmissão de informações e valores preestabelecidos pelos adultos. Fazem o que Paulo Freire denominava “educação bancária”, em que se transmite às novas gerações aquilo que a geração anterior considera importante, sem qualquer adequação. Comunicação é o primeiro termo da trilogia porque representa a grande inovação da atualidade. As novas mídias põem em xeque os modelos tradicionais de ensino e subvertem poderes estabelecidos. O problema da educação hoje não é tanto dar acesso à informação, papel tradicional das escolas, mas dar sentido ao “mar de informações” em que estamos todos mergulhados. Para lidar com 10


tanta informação, é preciso repensar os modelos de Comunicação, Educação e Participação predominantes no século XX. O fato é que os livros – há alguns séculos –, os jornais, o rádio, a televisão – e agora a internet, o celular, i-Pod, MSN, Skipe, entre muitas outras mediações tecnológicas –, estão mudando as relações humanas. Esta publicação, em particular, e a Rede CEP, como um todo, propõem maneiras de introduzir as mídias na escola, como estratégia para adequar a educação básica brasileira aos desafios do século XXI. O texto a seguir se pretende mais jornalístico do que acadêmico. O material é voltado essencialmente a gestores de sistemas de ensino e educadores que tenham o desejo de introduzir a produção de mídia na ação educativa. A maior parte da primeira edição deste livro seguiu nominalmente para mais de 3 mil secretários estaduais e municipais de educação.

Fernando Rossetti São Paulo, maio de 2005 11


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Agência Uga-Uga / Divulgação


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CONTEXTO

HISTÓRICO

As experiências analisadas neste livro têm, entre si, várias semelhanças e muitas diferenças, apesar de tratarem do mesmo tema: Comunicação, Educação e Participação. Neste capítulo veremos como cada parte desta tríade está inserida num determinado contexto histórico e sociopolítico

Divulgação

As nove experiências mencionadas neste livro expressam realidades muito distintas. Considerando apenas o contexto regional, há ações que se desenrolam no Amazonas, na Bahia, no Ceará, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os projetos são liderados por organizações não-governamentais, universidades, governos, ou parcerias entre

Estudantes participam de programa da rádio Itatiaia, numa mobilização do projeto Jite (Oficina de Imagens). 13


os três setores. Os processos educativos envolvem dezenas de crianças e jovens – e, às vezes, milhares de estudantes e professores. Os orçamentos das instituições variam de R$ 100 mil a R$ 25 milhões por ano. A diversidade de produtos de comunicação criados nesses projetos é igualmente acentuada: sites na internet, jornais, revistas, programas de rádio, fanzines, vídeos, livros, campanhas, cartazes, murais, histórias em quadrinhos, materiais didáticos e paradidáticos, entre outros. As metodologias de desenvolvimento desses produtos também variam significativamente. No entanto, num contexto mais amplo, esses projetos compartilham uma série de raízes históricas, notadamente nos três campos em que suas ações se desenvolvem: Comunicação, Educação e Participação. Em relação à base teórica, o educador Paulo Freire (1921-1997) é, sem dúvida, o intelectual mais citado pela maioria dos profissionais envolvidos nas instituições analisadas, fazendo contraponto ao sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), que defende a centralização do papel da escola na sociedade. Sob esse aspecto, as experiências em educação e comunicação nascem como oposição ao funcionalismo de Durkheim. 14


O teórico colombiano, que pesquisa as relações entre comunicação e cultura, Jesús Martín-Barbero, define conceitos importantes para a área em questão, como ecossistemas comunicativos, gestão comunicativa e educomunicação. A educomunicação, ainda em disseminação no país, encaixa-se nas práticas citadas, nas quais a comunicação torna-se uma ferramenta educativa poderosa. Em seu estudo Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, Martín-Barbero propõe a comunicação como um processo compartilhado e “mediado pelos meios”, e não somente determinado por eles. Nos Estados Unidos, experiências práticas no campo da educomunicação são apresentadas de duas formas: trabalhos em mediações tecnológicas, para instruir professores e alunos a lidar com as novas tecnologias e usufruir de todas as suas possibilidades (Information literacy), e a preparação de estudantes para o impacto da mídia, uma espécie de alfabetização para ela (Media literacy). A origem das experiências em Comunicação, Educação e Participação no Brasil nos remete aos movimentos sociais aqui ocorridos e às experiências da Igreja Católica desde a década de 1950. O recente trabalho em rede de instituições que abordam essa tríade ajudou na organização das ações. 15


A Rede da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), em 2000, por exemplo, fortificou organizações em todo o Brasil que já trabalhavam a questão da infância junto à mídia. Algumas dessas compõem a Rede CEP (Comunicação, Educação e Participação), que nasceu em 2004, de um movimento “orgânico” e “não proprietário” de 13 instituições envolvidas na área.

Educação

Divulgação

O campo da educação passa hoje por enormes transformações no plano internacional e, mais ainda, no nacional. Expressões como sociedade do conhecimento, sociedade da informação, “lifelong learning”

Jovens do projeto Rádio Escola Aprendiz exibem produção em comunicação (Cidade Escola Aprendiz). 16


(“aprendizagem por toda vida” ou “formação continuada”), cidades educadoras, entre muitas outras, são rapidamente incorporadas ao vocabulário cotidiano de boa parte dos cidadãos e, mais especialmente, dos educadores. No Brasil, as reformas educacionais ganharam vulto e velocidade cada vez maiores desde o início do processo de redemocratização no país. Uma breve lista dessas mudanças dá a dimensão do que vem ocorrendo na área nos últimos anos: • A iminente universalização do acesso ao Ensino Fundamental dos 7 aos 14 anos e a expansão do Ensino Médio e Superior acima de 10% ao ano. • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB (Lei n. 9.394/96). • O lançamento, pelo Ministério da Educação (MEC), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), com seus Temas Transversais. • A possibilidade legal de as escolas de Ensino Médio implementarem ações e projetos próprios em 25% do currículo. • A redefinição dos mecanismos de alocação dos recursos educacionais, como propõe a emenda constitucional que criou o Departamento de Desenvolvimento de Políticas de Financiamento da Educação Básica, em 1996, e o subsídio de vagas 17


em universidades privadas, o Programa Universidade para Todos (ProUni). • O desenvolvimento de complexos sistemas de avaliação associados às políticas educacionais. • A não-continuidade de políticas públicas conforme o partido que está no poder. Além disso, novos atores sociais entram na arena da educação, principalmente por intermédio do chamado Terceiro Setor. Vários estudos – e a própria emergência de núcleos de pesquisa e formação nessa área – indicam um boom de ONGs no Brasil a partir da década de 1990 – desde fundações e institutos ligados a grandes empresas nacionais e transnacionais até pequenas organizações comunitárias. Há ainda o crescimento das ações de voluntariado. Na produção teórica, ocorre uma proliferação de estudos que alteram desde a maneira como se concebem os processos de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento humano (construtivismo, construcionismo, sociointeracionismo etc.) até propostas de recortes mais amplos para os sistemas educativos. Surgem e se consolidam conceitos e expressões como ações complementares à escola, educação integral, entre outras, indicando que educação é mais do que aquilo que se desenvolve estritamente no 18


universo escolar – e, especialmente, mais do que os conteúdos que são tradicionalmente trabalhados nas escolas. A circulação quase voraz de informações torna-se uma questão central da chamada sociedade do conhecimento e exige um esforço para a democratização do acesso a elas, além de uma quase total reformulação da escola tradicional. O jovem sujeito da educação vive hoje em um mundo cada vez mais fragmentado, que assiste ao fim das grandes narrativas e ao enfraquecimento das instituições – família, escola, Igreja. Nesse cenário complexo, ganha importância o papel da educação no processo de construção da identidade dos indivíduos. A escola, predominantemente transmissora de conteúdos e comportamentos, passa a ser questionada.

Comunicação No campo da comunicação, as mudanças são ainda maiores. A confusão atual em torno dos suportes para a música é um bom exemplo disso. Nestes primeiros anos de século XXI ninguém sabe ainda qual será o suporte predominante para a circulação da música. O disco de vinil praticamente está extinto no Brasil e os CDs já estão ficando defasados. Surgem sites na internet especializados 19


em disponibilizar músicas digitalizadas, com diversos programas, a maioria deles não compatíveis entre si. Novos aparelhos de reprodução de músicas são lançados em grande número e variedade, por vezes acoplados a outras tecnologias de comunicação, como telefones celulares. Jornais impressos agora disputam leitores com a internet e sua capacidade quase infinita de armazenar e transmitir informações. A produção de vídeos vem barateando a tal ponto que é possível imaginar, num futuro próximo, todas as escolas com acesso a esse tipo de produção. A segmentação da mídia e a facilidade de produzi-la gera uma proliferação de vozes a serem ouvidas, contrastando com a concentração e o fortalecimento dos grandes conglomerados de comunicação. Os avanços tecnológicos dos veículos de comunicação, assim como as tecnologias de celular e os programas de bate-papo em tempo real para computadores, implicam uma direta mudança de comportamento social, que influe no relacionamento interpessoal e na construção da identidade. Isso tudo é intensificado pela força cada vez mais impetuosa da publicidade – e seu discurso “Eu sou o que consumo”. 20


Essas mudanças na comunicação produzem forte impacto na educação e na própria cultura – fato destacado por todos os projetos analisados. Aqui também se multiplicam as pesquisas, que propõem novos campos de atuação social, como a educomunicação. Esse é um movimento antigo – considerando que cada nova tecnologia de comunicação e informação resulta em debate teórico –, que vem desde a prensa de Gutemberg, no século XV, até os dias de hoje. A questão principal é a velocidade que as inovações tecnológicas adquiriram na recente virada de milênio.

Participação Transformações não menos significativas vêm ocorrendo no campo da participação. Elas podem ser bem ilustradas, no plano internacional, pela queda do Muro de Berlim, em 1989, e o que ela representou para a fundamentação ideológica das ações sociais, públicas e privadas. No Brasil, a redemocratização do país promoveu e ampliou o emprego de expressões como direitos humanos, direitos das crianças e adolescentes, protagonismo juvenil e a própria participação. A palavra cidadania, de tão usada, chegou a perder impacto. 21


Sob esse ponto de vista, é preciso considerar ainda a profunda reestruturação que vem acontecendo na economia mundial, exemplificada pela globalização e suas implicações na formação dos cidadãos e na inclusão social. Sendo assim, fica evidente que há muitas raízes históricas comuns às nove experiências analisadas na pesquisa, apesar da diversidade de origens. Por outro lado, algumas diferenças revelam como os projetos se relacionam com o contexto mais amplo. a) Sociedade civil organizada As duas organizações mais antigas – Comunicação e Cultura e Movimento de Organização Comunitária (MOC) –, fundadas antes de 1990, têm na origem alguma relação com movimentos sociais de esquerda, quando a polaridade entre capitalismo e comunismo ainda fazia sentido. O Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE/ECA-USP), embora tenha sido criado na década de 1990, tem lideranças que trabalham com movimentos populares desde os anos 1970. Dessas três organizações, duas também se associam desde o início a setores católicos desses movimentos, como as comunidades eclesiais de base. 22


Já as cinco organizações mais jovens – Aprendiz, Casa Grande, Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga – são diretamente vinculadas ao fenômeno do Terceiro Setor. Sua institucionalização seria inviável sem a disponibilidade de recursos privados para o desenvolvimento de ações no campo social, o que ocorreu notadamente a partir de meados da década de 1990. Um exemplo desse fenômeno é a Rede Andi, que começou a ser formada em 1999. A implantação dessa rede de monitoramento de jornais, com recursos inicialmente captados pela própria Andi (ONG existente desde 1990), foi em alguns momentos crucial para a institucionalização de organizações citadas neste livro. Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga fazem parte da Rede Andi desde seu primeiro ano de funcionamento. Todas ressaltam que as parcerias e a visibilidade decorrentes disso foram fundamentais para sua sustentabilidade e expansão. Outro exemplo é a participação de líderes dessas organizações em programas voltados para o fortalecimento de gestores e de projetos sociais. Uga-Uga e Oficina de Imagens, cujos líderes fazem parte de uma rede de lideranças formada pela fundação suíça Avina, receberam recursos e apoio técnico para qualificar seus processos administrativos. 23


Divulgação

Embora o vocabulário, o repertório cultural e a visão política dos projetos tenham muito a ver com essas origens, de uma maneira ou de outra, o conjunto das experiências relaciona-se com duas vertentes – os movimentos de esquerda e o Terceiro Setor. De um lado, todos sofrem alguma influência dos movimentos e ideologias de transformação da sociedade, enfatizando questões como cidadania, direitos, participação e inclusão – e, em alguns casos, sintetizados na missão, pura e simples, de melhorar a qualidade da educação pública. De outro lado, todas

Criança entrevista criança no projeto Comunicação Juvenil (MOC). 24


essas experiências reafirmam as parcerias com os novos atores do campo social brasileiro, que, impulsionados pelas profundas mudanças na economia local e internacional, apóiam-se em conceitos como responsabilidade social empresarial e investimento social privado. Foi com uma instituição desse tipo que o MOC, por exemplo, fez uma parceria para desenvolver o Projeto Comunicação Juvenil, no sertão semi-árido da Bahia. b) Estado e governo A nona experiência analisada – Multirio –, uma empresa municipal cuja matriz histórica não se situa diretamente nem nos movimentos de esquerda nem no Terceiro Setor, traz uma outra dimensão que afeta todos os casos estudados: o Estado. Destaca-se, nos casos pesquisados, o impacto que têm nessas ações os ocupantes do aparelho governamental e suas ideologias, valores e práticas, em nível federal, estadual ou municipal. Aprofundaremos no capítulo 3, Desafios estruturais, a questão do envolvimento do Estado e/ou governo em projetos de Comunicação, Educação e Participação. Antes, apresentaremos as principais conquistas das experiências incluídas neste estudo e também algumas de suas limitações. v 25


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Comunicação e Cultura / Divulgação


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RESULTADOS E LIMITES

Comunicação é evento. Educação é processo. O equilíbrio entre essa aparente dicotomia tem sido um dos grandes desafios das ONGs que trabalham com Comunicação, Educação e Participação. As variáveis abordadas neste capítulo nos dão uma idéia de como cada instituição tem lidado com essa questão

A velocidade das transformações que vêm ocorrendo com cada componente da tríade Comunicação, Educação e Participação marca profundamente as ações sociais que unem esses três campos. É notável, nos nove casos estudados, o enorme crescimento que as instituições e seu atendimento direto tiveram nos últimos anos. O NCE e o Comunicação e Cultura, por exemplo, já estão em processo de nacionalização de algumas de suas metodologias. O primeiro tem parceria com o MEC, no Centro-Oeste, para instalar rádios em escolas, além de um projeto mais amplo com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 27


Divulgação

o educom.radio, que pretendia cobrir as 455 escolas de Ensino Fundamental até 2005. O Comunicação e Cultura atinge mais de mil escolas nos estados do Ceará e Pernambuco com o projeto Primeiras Letras, que publica jornais editados por alunos e professores de 1a a 8a séries. O MOC, cuja missão vai além da Comunicação, Educação e Participação, é referência nacional em programas de erradicação do trabalho infantil, e seus trabalhos abrangem, com capacitações e materiais, vários estados, chegando até outros países da América Latina. A Multirio, que desenvolve materiais de comunicação com e para a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, teve no ano de 2003 o maior orçamento desde sua fundação. Iniciou, entre outras atividades, a produção de filmes de animação sobre lendas brasileiras para crianças e adolescentes. Além disso, coordenou a realização da 4a Cúpula Mundial

Adolescentes criam e desenvolvem desenhos visando a produção de filmes de animação, como Curupira (Multirio). 28


de Mídia para Crianças e Adolescentes, em abril de 2004, no Rio de Janeiro – um dos maiores eventos internacionais na área. A maioria das organizações ou projetos mais jovens (pós-1995) não chegaram ainda à escala de política pública, mas têm crescimento proporcional em atendimento, impacto e visibilidade. Desde sua fundação, as instituições Aprendiz (SP), Cipó (BA), Casa Grande (CE), Oficina de Imagens (MG) e Uga-Uga (AM) têm ampliado significativamente suas redes de parceiros e seus programas. O Aprendiz, por exemplo, lança-se na consolidação do que denomina bairro-escola – uma articulação de diversos programas, empresas, ONGs, atores sociais e instituições de ensino, para a criação de percursos formativos para crianças e jovens, na Vila Madalena, em São Paulo. Seu site (www.aprendiz.org.br) é um dos mais importantes no Brasil nesse âmbito. A Cipó tornou-se referência, de Salvador a São Paulo, em trabalhos de educação pela comunicação – forma como eles denominam seu fazer pedagógico. Além disso, consolidou-se como uma das mais estruturadas agências da Rede Andi, chegando a oferecer cursos rápidos nas redações da mídia local sobre infância e adolescência. 29


A Oficina de Imagens, além de ampliar o número de programas, expande seu principal projeto em Comunicação, Educação e Participação, o Latanet. Em 2004, voltou-se para a capacitação de educadores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, com estudantes, em parceria com o governo da cidade. A Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, sertão do Cariri (CE), embora ainda trabalhe com atendimento e orçamento comparativamente pequenos, tornou-se referência pelo Brasil afora, recebendo cerca de 3 mil visitas por mês. Após anos de batalha jurídica e negociação política, conseguiu, em 2003, o registro de uma rádio educativa, legalizando um trabalho que, ainda na fase “pirata”, já ameaçava a audiência das rádios comerciais locais. A Agência Uga-Uga de Comunicação realizou, em Manaus, em 2003, os dois maiores eventos de sua recente história: a 1a Conferência Juvenil dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Seminário Infância, Adolescência e Mídia na Amazônia. Com isso, ampliou o número de parceiros e consolidou sua sustentabilidade. Também começou a contratar novos multiplicadores para seus Núcleos de Mobilização – o que enriquece suas atividades. 30


As mudanças observadas entre as crianças e jovens participantes desses programas – quando de fato ocorrem – mostram o potencial das abordagens educativas que reúnem a tríade Comunicação, Educação e Participação: • Ampliam o vocabulário e repertório cultural. • Aumentam as habilidades de comunicação. • Desenvolvem competências de trabalho em grupo, negociação de conflitos e planejamento de projetos. • Melhoram o desempenho escolar, entre outros ganhos. Esse movimento também se manifesta institucionalmente: surgem grêmios estudantis, novas ONGs, cooperativas de trabalho, grupos juvenis de intervenção comunitária, periódicos, projetos conjuntos entre professores e estudantes etc. Porém, algumas vezes isso não ocorre, especialmente quando o escopo de atendimento atinge a escala de políticas públicas.

Quantidade versus Qualidade A diferença no número de crianças, adolescentes e educadores atendidos pelos diferentes projetos está diretamente relacionada à qualidade dos resultados. Uma observação geral indica que, 31


quanto maior o atendimento (mais pessoas atendidas), menor tende a ser o impacto na vida de cada estudante e menos elaborado tende a ser o produto de comunicação criado. Quando se observam, por exemplo, os programas de atendimento direto, em que o trabalho ocorre no espaço da própria ONG, é notável a evolução, em termos de inclusão social, cidadania e repertório cultural dos jovens envolvidos e a qualidade dos produtos de comunicação criados. Isso tem a ver com o fato de que o espaço da escola, de certa forma, determina as relações que nele ocorrem, sendo sempre mais fácil garantir a qualidade dos produtos de comunicação (bem como seu conteúdo e a riqueza de referências éticas) fora do ambiente escolar do que na sala de aula. Mas mesmo quando a ONG amplia o atendimento em seu próprio território, a tendência é a diminuição do impacto individual e a queda da qualidade dos produtos. Exemplo disso é que, em geral, muitos jovens protagonistas nas experiências de Comunicação, Educação e Participação incorporam-se à própria equipe da ONG. Depois de um ano de funcionamento do projeto, esse movimento diminui significativamente ou, às vezes, simplesmente acaba. Há pelo menos duas explicações para isso. 32


Em primeiro lugar, quando o atendimento é pequeno e as turmas envolvem poucos estudantes (no máximo 25), os vínculos afetivos criados entre os gestores, educadores e aprendizes são muito mais fortes, assim como a atenção dada a cada estudante. À medida que aumenta o número de pessoas envolvidas na experiência e a metodologia se consolida, esses vínculos afetivos enfraquecem e as principais lideranças dos projetos se afastam do trabalho pedagógico para se concentrar nas atividades de gestão e captação de recursos, que demandam cada vez mais atenção. Em segundo lugar, esse enfraquecimento está diretamente relacionado à entrada de novos educadores no programa, com repertório, em geral, bastante diferente daquele dos pioneiros da organização ou do projeto. Para disseminar trabalhos de Comunicação, Educação e Participação é necessário formar multiplicadores, mas estes, muitas vezes, têm formação inicial e repertório cultural mais frágeis do que os pioneiros dessas experiências. Considerando os projetos que ocorrem no espaço escolar, há ainda outro agravante. Na presença dos líderes ou formadores do projeto, os professores que desenvolvem o trabalho modificam sua didática. Mas, quando os líderes partem, espe33


cialmente quando a formação é concluída, a didática tradicional, menos participativa, tende a se impor e a restringir o impacto do trabalho. Não há solução fácil para esse problema, já que está relacionado à formação dos profissionais das redes de ensino público do país [veja capítulo 3, Desafios estruturais]. O mais importante é uma estruturação mais consistente dos processos de formação e de acompanhamento dos multiplicadores – sejam eles ligados às secretarias de educação ou às ONGs. Muitos projetos mencionados neste livro já acumularam experiências na formação de crianças e jovens, mas, quando se propõem a formar os multiplicadores de seu trabalho, enfrentam sérios desafios, por falta de repertório conceitual e pela dificuldade de o professor tradicional estabelecer um diálogo com os adolescentes. Dar uma boa formação aos educadores que trabalharão com as crianças e adolescentes e supervisionar seu trabalho é fundamental para a disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação em escala de política pública. Mas esse processo é bastante oneroso e só é realmente possível se estiver articulado ao próprio sistema de formação dos educadores das redes de ensino. 34


A presença permanente de outros atores sociais na escola (como os educomunicadores, propostos pelo NCE) também poderia diminuir esse problema [veja capítulo 4, Parcerias, redes e voluntários]. Há ainda quem opte pela manutenção de uma escala pequena de atendimento no projeto, buscando ampliar seu impacto por meio da capacitação de poucas, mas influentes, lideranças – o que implica aprimorar o processo de seleção dos aprendizes que serão formados.

Investimento e estudante Não é possível fazer uma correlação direta entre a quantia investida por estudante (o chamado per capita), o impacto do projeto em sua vida e a qualidade do produto de comunicação criado por ele. É evidente que os projetos que contam com mais recursos tendem a obter resultados melhores. Alguns projetos investem, por estudante, valores equivalentes ao de uma mensalidade de escola particular de elite (acima de R$ 500,00/mês). Mas outros projetos, com investimentos significativamente menores, por vezes obtêm resultados semelhantes. 35


Fatores como o escopo de atendimento a estudantes, o espaço onde o programa ocorre (na escola, numa comunidade pequena ou na periferia de uma megalópole) e a formação dos educadores parecem influir muito mais na qualidade dos resultados do que os valores financeiros diretamente investidos. Assim, não se chega, com a amostragem da referida pesquisa, a um indicador per capita ideal, isto é, um valor de investimento por aluno que possa ser generalizado. Mas é certo que um gestor público que queira implantar em sua rede de ensino projetos de Comunicação, Educação e Participação precisará de recursos, se quiser ter resultados definitivos. O caso do projeto educom.radio, do NCE, oferece algum parâmetro nesse sentido. Apesar da alteração dos planos de instalação das rádios, devido a mudanças no poder executivo municipal de São Paulo (cerca de 120 equipamentos não chegaram a ser instalados), os R$ 5,8 milhões investidos em três anos e meio formaram onze mil pessoas que, nas escolas, têm o papel de multiplicar seus conhecimentos e facilitar o acesso ao rádio. Seu valor per capita é de quase R$ 500,00 por pessoa formada – um valor elevado, considerando que a média investida por estudante na escola pública 36


brasileira de Ensino Fundamental está na faixa de R$ 700,00 por ano, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), de 1999*. Mesmo assim, para as lideranças do educom. radio, o orçamento foi subdimensionado, já que não inclui uma série de produtos de comunicação que projetos desse tipo demandam, nem avaliação externa, nem supervisão após a conclusão da formação – fatores essenciais para garantir a qualidade e a sustentabilidade dos resultados.

Atendimento direto versus indireto Um outro desafio na quantificação do per capita de projetos de Comunicação, Educação e Participação é o conceito de atendimento direto, mencionado anteriormente. Em geral, entende-se como atendimento direto o número de aprendizes que passam por algum tipo de formação ao longo do programa. A questão é que, muitas vezes, o público atingido nessas formações dissemina seus conhecimentos entre pessoas de sua comunidade de origem (o chamado público indireto). Além disso, os produtos * http://www.inep.gov.br/download/estatisticas/gastos_educacao/tabelas_anexos/6.xls 37


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de comunicação gerados por essas experiências também podem ter grande impacto, atravessando toda uma rede de ensino ou sendo veiculados por meios de comunicação de massas. Jovens do Aprendiz, por exemplo, produzem programas em algumas das maiores rádios de São Paulo. A Cipó define sua ação educativa como “uma nova maneira de ensinar, em que o educando participa ativamente da produção de peças de comunicação que, uma vez disseminadas, geram novos processos de educação e/ou de mobilização social”. Portanto, para avaliar o impacto desses projetos em relação aos recursos investidos, seria necessário levar em consideração, além do público diretamente atingido, os efeitos que as pessoas formadas e seus produtos de comunicação geram numa comunidade específica e na sociedade em geral – algo para o qual não há ainda bases conceituais nem instrumentos de avaliação desenvolvidos.

Produção de peças de comunicação em vídeo (Cipó). 38


Liderança versus Institucionalização O papel dos líderes dos projetos e a maturidade de suas organizações também devem ser considerados para a disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação em redes de escolas, a partir de instituições externas ao sistema regular de ensino. Em geral, quanto mais jovem a organização, mais importante é o papel das lideranças pioneiras. Freqüentemente, as organizações têm um único líder, que inicialmente é o grande empreendedor da ação educativa. Mas, à medida que o atendimento se expande, as atribuições desse líder aumentam enormemente. É quando surge no projeto a necessidade de ampliar o grupo gestor, muitas vezes agregando um coordenador pedagógico e outros profissionais que dividem funções de coordenação e de atendimento a estudantes. Embora sejam fundamentais para a montagem e a estruturação dos projetos, a médio e longo prazos essas lideranças pioneiras podem se tornar gargalos para a expansão do atendimento. Atualmente, com o crescimento inerente a esse tipo de trabalho, essas lideranças tendem a acumular tantas funções que a gestão da organização e do projeto entra em crise: os educadores da “linha de frente” se sentem 39


desamparados, a quantidade de recursos a serem captados aumenta exponencialmente, os parceiros ou possíveis parceiros sentem dificuldade no contato e recebem menos atenção, e até a manutenção da infra-estrutura (espaços de trabalho, computadores, banheiros etc.) se torna um desafio. Esse tipo de crise de gestão nos projetos, decorrente da ampliação do trabalho, é freqüente na história dos casos analisados. Sendo uma “crise anunciada”, a solução, neste caso, seria ter, desde o início, a preocupação de formar novas lideranças com quem se possa futuramente dividir funções de gestão. Mas, como ocorre em empresas privadas, esse processo nunca se dá de forma tranqüila e representa sempre um consumo enorme de tempo, paciência e recursos. Há casos em que essa crise dura meses, outros em que pode levar anos para ser superada. Organizações mais institucionalizadas, com seus conceitos e metodologias sistematizados e modelo de gestão bem estabelecido, têm mais condições de trabalhar com políticas públicas do que outras que ainda estão consumindo muita energia e tempo com questões internas, inerentes a projetos desse tipo. Isso porque a sistematização das metodologias e a consolidação do modelo de gestão facilitam o 40


ingresso de novos atores na organização, bem como sua ambientação na cultura organizacional (a aquisição da “alma” do projeto, sem necessariamente ter contato com os líderes pioneiros).

Evento versus Processo Outra “crise anunciada” em projetos desse tipo relaciona-se com as características atuais do Terceiro Setor brasileiro, seus mecanismos de apoio a ações sociais e as expectativas de suas lideranças. As empresas privadas hoje esperam resultados extremamente rápidos em qualquer empreendimento no qual estejam envolvidas. Freqüentemente, pressupõem-se grande visibilidade na mídia em relação ao projeto social apoiado e resultados expressivos nos alunos, em prazos que raramente superam um ano. O problema é que “o tempo da educação se mede em gerações”, como diz a educadora paulista Telma Weisz, e raramente se consegue, de fato, transformar a vida de um estudante a curto prazo. Em síntese, educação é processo, mas a expectativa dominante entre os financiadores e a mídia de massas é de que ela seja um evento (conflito que caracteriza a maioria dos projetos sociais e que, por exemplo, explica em parte o suposto fracasso do programa federal Fome Zero). 41


A visibilidade tende a ser maior quando há resultados concretos a serem apresentados – processo que também leva, com freqüência, mais de um ano. Quando há grande visibilidade inicial, o projeto sai da pauta da mídia de massas, que tem na novidade (news) e nos eventos suas principais fontes de notícias. Com isso, a virada de ano fiscal das empresas e dos institutos e fundações empresariais constitui uma ameaça constante aos projetos sustentados financeiramente por eles. Ao final de cada ano, além da dificuldade para pagar o 13o salário (um privilégio, na maioria das ONGs), as lideranças desses projetos, em geral, não sabem se terão de cortar ou ampliar seus recursos humanos no início do ano seguinte – uma tensão que dura, no mínimo, até o período do carnaval. Nesse caso, também não há solução simples. Ela envolve, em primeiro lugar, um investimento constante nas relações públicas entre os executores dos projetos e seus financiadores. Por vezes, é necessário também investir na formação dos atores empresariais para que conheçam melhor a complexa dinâmica dos processos sociais e se apropriem de instrumentos conceituais que possibilitem uma participação no projeto mais efetiva e menos simplista (o 42


que, em geral, se manifesta por um grau acentuado de assistencialismo). Quanto mais próxima a relação entre executores e financiadores e mais compartilhados os conceitos que movem o projeto, maior a sustentabilidade da ação educativa. O amadurecimento do Terceiro Setor brasileiro, em curso atualmente, tende a ampliar os prazos de financiamento a esse tipo de iniciativa, considerando todo o processo, da experiência-piloto à sistematização e disseminação da metodologia, e não apenas os eventos e resultados imediatos. Ampliar a rede de sustentação econômica da instituição, diversificando os parceiros e as atividades (organizações internacionais, institutos e fundações nacionais, empresas, universidades, governos, venda de produtos, prestação de serviços etc.), também potencializa significativamente a sustentabilidade dessas ações. Outra estratégia para enfrentar a tensão imanente entre evento e processo é trabalhar com um plano de comunicação profissional que associe ao processo educativo certos eventos comunicativos – o que inclui ter um bom site institucional, lançar publicações, promover eventos, disseminar amplamente os produtos criados pelos aprendizes, entre muitas outras atividades possíveis. v 43


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NCE/ECA-USP / Divulgação


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DESAFIOS

ESTRUTURAIS

Neste capítulo veremos que são inúmeros os desafios estruturais para disseminar a Comunicação, Educação e Participação, especialmente nas escolas e em outras instituições públicas. Porém, o trabalho das ONGs analisadas aponta caminhos e soluções para a possível consolidação de uma metodologia de ensino que preveja a inclusão dessa temática nas escolas

O principal entrave para a disseminação, em redes de escolas, de projetos que efetivamente associam os campos Comunicação, Educação e Participação é a maneira como essas redes são organizadas. Sem entrar no mérito do porquê dessa situação, o fato é que as escolas públicas conseguem ser, ao mesmo tempo, moldáveis às reformas educacionais desencadeadas pelos gestores públicos e impermeáveis a mudanças significativas em seu modus operandi. 45


Moldáveis às vontades dos gestores porque a estrutura do sistema educacional brasileiro incorpora um grau acentuado de concentração de poder nas instâncias superiores de gestão, notadamente, nas secretarias estaduais e municipais e no Ministério da Educação. As escolas têm pouco ou nenhum poder de fato para determinar seu funcionamento. Desde a contratação e promoção dos profissionais até a organização do currículo, muito do que é realmente importante para o cotidiano escolar é decidido fora e acima da escola. Ora o Legislativo decide incluir nos conteúdos escolares as disciplinas que considera importantes, ora o Executivo altera o próprio atendimento das escolas, definindo para elas novos públicos e, por vezes, novos gestores (como ocorreu na segunda metade da década de 1990 com a rede de 6,5 mil escolas estaduais de São Paulo, das quais uma parte foi municipalizada, e outra, “reorganizada” – termo utilizado pelo governo, na época, para identificar quais escolas ofereceriam o Ensino Fundamental e quais, o Ensino Médio. Com isso, mais de quatro milhões de famílias foram afetadas). Por outro lado, essas escolas são impermeáveis às mudanças porque, como diz o economista Cláudio de Moura Castro, “educação é aquilo que acontece 46


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depois que o professor fecha a porta da sala de aula”. Explica-se, apesar da nova LDB, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e de muitas outras mudanças legais e conceituais que possibilitariam uma transformação radical do que ocorre na sala de aula, em geral, as aulas continuam seguindo a metodologia expositiva – o que Paulo Freire definiu como educação bancária (de banco, assento), que consiste na transmissão de informações para estudantes que são entendidos como recipientes vazios – como os cofrinhos de guardar moedas – a serem preenchidos com o saber acumulado pelo professor. Esse modelo de ensino – que era amplamente questionado por educadores e pensadores do

Participantes do projeto Redação Escola Aprendiz em atividade de produção (Cidade Escola Aprendiz). 47


mundo todo já na primeira metade do século XX – recebeu seu xeque-mate com a revolução nas tecnologias de comunicação e informação. O problema hoje, mais do que acesso à informação, é excesso de informação, e informação extremamente fragmentada. Mas subsiste em larga escala nas redes públicas brasileiras a metodologia de abrir o livro didático em sala de aula, copiar seus textos na lousa, obrigar os estudantes a reproduzir esses textos em seus cadernos (mesmo que tenham o livro) e fazer exercícios, também prescritos pela edição. O “bom aluno” é associado àquele que funciona como um bom “cofrinho”, sem muito questionamento. São vários os fatores que levam a isso. A seguir, analisaremos alguns dos principais desafios estruturais para a consolidação de novas metodologias de ensino nas escolas públicas brasileiras, entre elas os projetos de Comunicação, Educação e Participação.

Salários e status O curso de graduação universitária com mais vagas ociosas no Brasil é o de pedagogia, segundo dados do Inep/MEC de 2002. Além disso, há hoje uma carência endêmica de professores no ensino básico de determinadas disciplinas, como química 48


e geografia, cujos estudantes nas universidades públicas em geral têm o perfil socioeconômico mais desfavorecido entre os universitários brasileiros (vêm de escolas públicas, têm famílias com menos escolaridade etc.). Evidentemente, isso não ocorre por acaso. A carreira de professor em redes públicas de ensino é hoje desvalorizada, tanto em termos financeiros como em status social. Embora existam professores e diretores engajados, por vezes de forma idealista, muitos buscariam uma outra profissão se o mercado de trabalho assim permitisse. Ser professor é uma segunda (por vezes, última) opção profissional até mesmo entre os estudantes de magistério. A enorme concentração de mulheres nessa profissão, no Brasil, indica que os salários pagos aos professores servem para complementar a renda familiar, mas não para sustentar uma família. Então, o primeiro desafio estrutural para a melhoria da educação pública brasileira é valorizar o trabalho dos professores, tanto econômica como simbolicamente. Por um lado, esse desafio só pode ser superado a médio e longo prazos, pois depende do crescimento econômico do país e das políticas dirigidas à área, o que permitiria incrementar os salários. Mas, mesmo com o orçamento atual, daria 49


para priorizar mais recursos para a educação, o que não vem ocorrendo no plano federal. No aspecto simbólico é notável como muito poderia ser feito, permanentemente. A reforma educacional da Coréia do Sul, por exemplo, além de priorizar recursos para a educação ao longo de mais de duas décadas, valorizou enormemente no plano simbólico o papel do professor na sociedade. O professor coreano tem orgulho da sua profissão. No Brasil, a vinculação de parcelas da arrecadação de impostos para a educação, pela Constituição de 1988, e a destinação mais específica de recursos para os salários dos professores, pelo Fundef (que tem o sugestivo nome de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), mostram que o governo tem ciência desses fatos. Mas essas ações ainda estão muito aquém do necessário para que a educação pública realmente dê um salto de qualidade, e as ações propriamente de valorização do magistério ainda são mínimas, se comparadas às informações divulgadas pelo próprio MEC e pelas secretarias, desqualificando a formação desses professores. O montante de investimento federal em educação determinado pela emenda constitucional do Fundef, em 1996, nunca foi de fato praticado. 50


Carreira docente Associada aos baixos salários e à desvalorização simbólica dos professores, há ainda outra distorção central no sistema de ensino público brasileiro, que explica por que é tão difícil mudar, para melhor, a educação. São raros os casos no Brasil em que o professor de Ensino Básico ascende na carreira por critérios relacionados ao mérito do trabalho que desenvolve em sala de aula. O tempo de carreira ainda é um dos principais fatores de ascensão – seja em termos salariais, seja na possibilidade de optar por uma escola “melhor” (sem os alunos ditos “difíceis” nem um entorno social considerado “perigoso”). Isso ocorre principalmente nas grandes cidades e explica por que as escolas de cidades pequenas, mais inseridas em uma determinada comunidade, com recursos humanos mais estáveis, geralmente obtêm resultados melhores em avaliações, como o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), do Inep/MEC, e o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), da rede estadual de São Paulo. A maioria das escolas não tem qualquer controle real sobre os professores que nela trabalham – muito 51


menos sobre a definição de quem vai dirigi-la. Em muitos estados e municípios brasileiros, especialmente no Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o cargo de diretor da escola ainda é uma nomeação política do Secretário de Educação, ou mesmo do prefeito. Os processos de concurso para efetivação de professores são extremamente complexos e demorados, o que deixa muitos docentes em situação contratual instável, por longos períodos. O resultado é que a circulação de professores e, freqüentemente, de diretores pelas escolas públicas é enorme, o que dificulta, quando não impede, a formação de uma equipe escolar fixa, com missão, objetivos e valores compartilhados entre si e entre a comunidade atendida. Questões como essas são, em regra, definidas fora e acima da escola, e apropriadas individualmente pelos professores, que circulam pelas escolas, na maior parte das vezes, trabalhando em duas ou mais instituições de ensino. A circulação de diretores é ainda mais grave. Da maneira como a maioria das redes públicas de ensino estrutura a carreira docente, os professores com mais tempo de serviço e mais pontos no prontuário (ganhos com cursos e especializações muitas vezes desarticulados do sistema mais geral 52


de ensino) escolhem a escola onde querem trabalhar e, se tiverem pontos e tempo suficientes, definem a escola que vão dirigir. Como há “escolas melhores” (em geral as que dão menos trabalho) e “escolas piores” (que atendem as populações mais carentes), evoluir na carreira, seja como professor ou diretor, significa mudar constantemente do “pior” para o “melhor”. Por vezes, isso acontece mais de uma vez por ano letivo, e não de um ano para o outro. É desnecessário falar sobre a importância que tem o diretor de uma escola. As experiências de Comunicação, Educação e Participação descritas adiante são unânimes em atribuir um papel central aos diretores em tudo o que diz respeito à escola. Em resumo, a “cara” da escola quem dá é o diretor ou a diretora. E a circulação de diretores (e professores) pelas escolas dá essa cara meio esquizofrênica que têm as redes públicas brasileiras. Com isso, projetos que disseminam suas metodologias e conceitos recorrendo à estratégia de capacitar grupos de profissionais em cada escola têm pouca sustentabilidade, pois nada garante que, no ano seguinte, os componentes da equipe capacitada continuarão lá; e o diretor, que pode ter apoiado o projeto num ano, no ano seguinte pode estar em 53


outra unidade, a vários bairros de distância. Esse movimento de profissionais provoca uma espécie de amnésia sistêmica na gestão da escola. Outra estratégia usada por algumas experiências citadas neste livro é capacitar diretamente professores, por adesão, independentemente da unidade de origem, tendo como perspectiva criar uma “massa crítica” de profissionais que conheçam as metodologias e conceitos de Comunicação, Educação e Participação e que possam, com o tempo, desenvolver individualmente projetos nessa área ou se associar a outros que, porventura, também tenham sido capacitados. Há ainda a alternativa de identificar e capacitar lideranças, entre os profissionais e gestores das escolas, da rede pública, ou mesmo estudantes e membros da comunidade, que, onde quer que estejam, empreendam projetos inovadores nas escolas e, com o tempo, “contaminem” as práticas tradicionais de ensino. Mas qualquer dessas alternativas seria enormemente favorecida se existisse aquilo que todos dizem ser central para a qualidade da educação: a comunidade escolar. No entanto, ela não existe – pelos motivos acima citados – e só será alcançada se ocorrerem mudanças significativas na carreira docente e 54


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na maneira como se alocam diretor e professores na escola, associadas a uma política de fixação dos profissionais a uma determinada comunidade, o que implica ampliar enormemente a autonomia da unidade escolar nesses processos. Discutir essas questões é uma atitude potencialmente tão explosiva quanto reformar o sistema previdenciário no Brasil, já que a carreira docente e as maneiras de atribuir aulas são consideradas, pelos sindicatos que representam os docentes, direitos adquiridos. De fato, de certa forma o são, já que

Atividades de editoria (criação e produção de livros) e de produção de programas de rádio (Fundação Casa Grande). 55


o rebaixamento dos salários ocorrido nos últimos 30 anos está associado à construção de carreiras docentes que pouco ou nada têm a ver com a qualidade do ensino, mas a dar certas “recompensas” (como o direito de faltar a um número significativo de aulas) para um profissional freqüentemente desvalorizado.

Tempo e espaço Os desafios estruturais apresentados anteriormente já seriam suficientes para diminuir, ou até bloquear, o impacto de projetos de Comunicação, Educação e Participação nas escolas, ou de qualquer outra iniciativa que busque melhorar o ensino público brasileiro. Mas há ainda outros fatores que incrementam essas dificuldades. Uma das diferenças mais nítidas entre as nove experiências é o que ocorre no espaço escolar ou fora dele. Quando se faz um produto de comunicação – um programa de rádio, um site ou um jornal, por exemplo –, não se trabalha primeiro o português, depois a geografia, depois a arte, e assim por diante, como acontece nas aulas de 40 a 55 minutos. No espaço de uma ONG ou de uma instituição externa à escola, todos esses conteúdos são trabalhados ao mesmo tempo, em geral, em períodos 56


mais extensos, de duas ou três horas, com acompanhamento de equipes multidisciplinares, em espaços igualmente multidisciplinares (muitas vezes parecidos com uma redação de jornal). Mas na escola, da maneira como a maioria delas ainda está organizada hoje, tudo tem de se encaixar no espaço da sala de aula e no tempo das diferentes disciplinas, com um professor de cada vez. O tempo disponível para os professores trabalharem juntos, articulando o que vão ensinar nas diferentes aulas, também costuma ser exíguo (de duas a três horas semanais, na rede estadual de São Paulo, por exemplo). O resultado é que esse período de trabalho coletivo fora da sala de aula costuma ser preenchido por questões burocráticas e, quando sobra tempo, por questões pedagógicas emergenciais, impossibilitando que projetos interdisciplinares freqüentem a pauta dessas reuniões. A desvinculação dos projetos político-pedagógicos (PPPs) das escolas em relação ao que de fato ocorre na sala de aula (quando esses PPPs existem) mostra nitidamente a desarticulação das disciplinas e dos professores. É um problema que também tem sido enfrentado, por exemplo, pelos PCN, especialmente os chamados Temas Transversais, que esbarram na organização do tempo e espaço escolar. 57


Novamente, esse desafio só pode ser superado com tempo e investimento suficientes, já que implica mais trabalho coletivo entre os professores, rearranjos importantes das disciplinas e, principalmente, o rompimento com a “cultura bancária” de ensino – tema a ser discutido em seguida.

Formação inicial e em serviço Seria injusto atribuir às escolas públicas de educação básica e aos seus profissionais a responsabilidade pela organização (ou desorganização) atual do tempo e espaço escolar. A maneira como os conteúdos são divididos em disciplinas e aulas – a chamada grade curricular e horária – tem relação direta com a forma como o conhecimento é tratado nas instituições de Ensino Superior e pesquisa, não só do Brasil como em boa parte do mundo. A escola que conhecemos resulta, entre muitas outras coisas, do positivismo (que fragmentou e “organizou” as áreas do saber humano) e da revolução industrial (que levou uma parte significativa das instituições modernas, inclusive escolas, a um modelo de gestão semelhante ao de uma linha de montagem). Se, dentro de uma universidade como a Universidade de São Paulo (USP), departamentos 58


que tratam do mesmo tema têm dificuldade de diálogo e raramente conseguem desenvolver projetos conjuntos, por que esperar que na rede pública de Ensino Fundamental e Médio ocorram processos interdisciplinares? Professores de português são formados em faculdades de letras (isso, quando cursam uma graduação); professores de matemática vêm de outra faculdade (com culturas e valores diferentes); professores de geografia também; e assim por diante. Se nunca tiveram oportunidade de trocar conhecimentos com outros campos do saber durante sua formação inicial, é praticamente impossível que façam isso quando se tornarem professores. Simplesmente falta o hábito, o repertório da prática de troca e construção conjunta de projetos – quando não há uma concorrência aberta, como ocorre entre departamentos e faculdades de uma mesma universidade. Associado a isso, há ainda outro agravante: as metodologias de ensino das universidades continuam, em grande parte, seguindo o modelo “bancário”, da aula expositiva, sem considerar a prática. Inclusive teorias complexas e inovadoras, como o construtivismo e o sociointeracionismo, são freqüentemente trabalhadas de maneira teórica e descontextualizada. O resultado é que, mesmo co59


nhecendo as teorias que propõem novas maneiras de ensinar e aprender, os professores não sabem como colocá-las em prática. Os cursos de formação continuada, oferecidos aos professores que já atuam nas redes de ensino, raramente se preocupam em apresentar com didática e metodologia criativas idéias e conceitos inovadores. O que se observa, em boa parte das escolas, é que os profissionais da educação muitas vezes têm o discurso sobre a interdisciplinaridade, o construtivismo ou a transversalidade, só que ao fechar a porta da sala de aula... a prática diverge da teoria. Aliar teoria e prática é um dos grandes méritos da maioria dos projetos pesquisados. Quando se propõem a trabalhar com os professores, buscam fazê-lo de acordo com a metodologia que deverá ser usada com os próprios estudantes. A maioria, inclusive, trabalha com os estudantes e com os professores ao mesmo tempo, em processos participativos. Para capacitar alguém a fazer um jornal é preciso fazer um jornal (e não falar sobre todas as etapas envolvidas nessa produção). Como diz um educador entrevistado na referida pesquisa, “não se chega à democracia apenas falando dela”. 60


A dificuldade de implementar na prática as idéias dos PCN, por exemplo, tem estreita relação com a formação inicial e a formação em serviço dos professores. E a mudança desse aspecto depende de uma mudança cultural, ideológica e política na concepção de conhecimento e na maneira como o ser humano ensina e aprende.

Modelos de avaliação

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Para dificultar ainda mais essas transformações, tão necessárias e urgentes, há ainda as avaliações. O vestibular é o melhor exemplo: o Ensino Médio ora determina o que os alunos devem aprender (muitas vezes mais focados no acúmulo de informações do que em competências

Adolescentes dos Núcleos de Mobilização Social produzindo cartazes e fanzines em escola de Manaus (Agência Uga-Uga). 61


e habilidades), ora serve de pretexto às escolas para manter seu currículo e sua metodologia. As próprias famílias desconfiam quando seus filhos adolescentes, em vez de terem de resolver listas de problemas maçantes e descontextualizados, são envolvidos na produção de um jornal ou site voltado para a comunidade. No imaginário social brasileiro, o modelo dominante de avaliação ainda é a prova, o exame, com questões de múltipla escolha ou dissertativas voltadas para aferir determinados conhecimentos. Fatores hoje considerados essenciais na seleção de profissionais para o mercado de trabalho – como liderança, capacidade de trabalho em grupo e competência para acessar e relacionar dados – ainda estão à margem da maioria das avaliações escolares. Isso ocorre não só nas provas elaboradas pelas escolas e aplicadas aos alunos, como nas avaliações do sistema educativo, como o Saeb, do Inep/MEC, que aplica testes em amostras de estudantes de todo o país. Assim, os projetos de Comunicação, Educação e Participação, para serem sustentáveis a médio e longo prazos, precisam também lidar com a questão da avaliação, introduzindo novas abordagens avaliativas, que incluam o processo de aprendizagem e não 62


só a capacidade de responder certas questões num determinado instante, mudança que aumentaria o repertório dos profissionais de educação e das instituições de ensino nessa área. Até a comunidade deve ser envolvida em processos de avaliação, para que amplie sua perspectiva de como estes podem ser feitos e para que servem. Muitas experiências têm boas soluções para a avaliação de processos e resultados. Alguns instrumentos e roteiros usados pelos projetos estão disponíveis no relatório, que relata integralmente cada uma das experiências*.

Micropolítica Os vários fatores acima determinam as relações que ocorrem na escola. A divisão do tempo e espaço, a formação dos professores e seu baixo acesso a bens culturais, em razão da renda, a maneira como o diretor é indicado para a escola, a cultura escolar e da rede de ensino são elementos constitutivos da micropolítica da educação. Como diz o próprio nome, os projetos de Comunicação, Educação e Participação implicam uma horizontalidade maior nas relações, em que são * Consulte Biblioteca Virtual do Unicef (www.unicef.org.br) 63


delegadas aos estudantes responsabilidades e decisões que nos modelos mais tradicionais de ensino se concentram nos níveis superiores de gestão. A maioria dos projetos citados permite que os aprendizes escolham os assuntos que abordarão em seus meios de comunicação. É comum que os adultos ofereçam alternativas, ampliem o repertório dos temas e abordagens possíveis, mas quem escolhe são os estudantes. No modelo tradicional de ensino, os conteúdos – a grade curricular – vêm prontos, fechados. Nas metodologias que se apóiam mais nos interesses e curiosidades dos alunos, os conteúdos variam mais, e o educador é obrigado a ter um raciocínio mais interdisciplinar e, muitas vezes, não sabe todas as respostas. Na estrutura vertical de poder da educação brasileira (MEC > secretarias de educação > burocracia intermediária > escolas), o peso do diretor na micropolítica da escola é enorme. Professores em geral têm pouca voz; estudantes, quase nenhuma. A participação das famílias, mesmo nas atividades que envolvem seus filhos, tende a ser reduzida e pouco incentivada. Nos projetos de comunicação, é usual que crianças e jovens adquiram competência com as 64


novas linguagens e tecnologias mais rapidamente do que os professores, o que desequilibra as relações micropolíticas da sala de aula. Assim, além das questões já delineadas, um dos desafios estruturais centrais dos projetos e metodologias inovadores é a cultura de poder, a micropolítica da escola, em geral, bastante arraigada e difícil de mudar de maneira sustentável. O NCE usa o conceito de ecossistema comunicativo para abordar essa questão. Parte importante do poder na escola está na concentração e na circulação das informações, nos fluxos de comunicação. Quando se insere um meio de comunicação na escola, como uma rádio, em geral, há uma espécie de ruptura nesse ecossistema comunicativo, especialmente quando crianças e jovens têm a oportunidade de serem protagonistas na produção. Isso, muitas vezes, ameaça certas relações de poder, gerando conflitos interpessoais e até intergrupos (alunos versus professores, professores versus direção). Para lidar com isso, o NCE propõe a gestão comunicativa, cujo objetivo é tornar mais democrático o ecossistema comunicativo da escola. A ONG Comunicação e Cultura, no Ceará, registrou casos em que a direção da escola simplesmente trancou os jornais produzidos por um grupo 65


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de estudantes. No projeto educom.radio, em São Paulo, algumas rádios passam, sintomaticamente, a maior parte do tempo trancadas nas escolas. Até a obtenção de espaço de trabalho na escola para o desenvolvimento do projeto pode ser muito dificultada. É necessária muita habilidade política e negociação de conflitos dentro da escola para superar essas tensões. Há vários casos, nas experiências analisadas, de surgimento de grêmios e outras instâncias políticas dentro da unidade escolar, a partir da introdução de meios de comunicação participativos. O grande problema é que a sustentabilidade dessas novas relações micropolíticas, mais horizontais e participativas, tende a ser baixa, devido à circulação

Estudantes do projeto educom.radio produzem peça de comunicação em rádio (NCE/ECA-USP). 66


de diretores e professores, e à cultura dominante, na rede de ensino toda, mais vertical e autoritária. Os projetos por vezes conseguem grandes transformações em um ano; no ano seguinte, têm de começar todo o processo de formação novamente. Uma das estratégias utilizadas pelas experiências citadas é a de buscar formar membros mais permanentes da comunidade escolar, além de professores e alunos, por vezes um pai ou mãe, em outras, uma liderança comunitária que esteja presente no dia-a-dia da escola. Outra estratégia é disseminar experiências participativas em várias escolas, com a perspectiva de, a médio e longo prazo, formar uma massa crítica e transformar de forma permanente o imaginário e a cultura de poder da educação – uma estratégia que poderia ser comparada à da Guerra de Guerrilhas [veja capítulo 6 – Perspectivas]. Alguns projetos, como os Núcleos de Mobilização do Uga-Uga, em Manaus, priorizam as relações públicas com coordenadores pedagógicos, que tradicionalmente têm o domínio sobre os conteúdos curriculares da escola. É necessário também criar mecanismos e instâncias democráticas de controle dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação produzidos por estudantes. Há casos em que se constrói con67


juntamente um código de ética, ou um documento parecido. O Clube do Jornal, no Ceará, tem um ombudsman, que pode ser acessado por quem se sinta prejudicado pelas publicações juvenis (são mais de cem no estado). Se esses mecanismos e instâncias não são criados, a tendência é ocorrer uma interferência maior dos adultos nos produtos de comunicação dos estudantes.

Macropolítica Outro desafio estrutural a ser sempre considerado – um dos mais importantes para o conjunto das políticas públicas na área social do país – é a continuidade dos projetos. Ainda é comum no Brasil que cada grupo político, ao assumir o Executivo, descontinue projetos da gestão anterior e inicie outros. Como discutiremos com mais detalhes a seguir, a educação é um processo cujos resultados levam anos para aparecer, e as mudanças políticas no topo das redes de ensino interferem fortemente nisso. Redes com grande circulação de secretários da educação, cada um com seu pacote de reformas, tendem a ficar confusas, sem foco nem prioridades bem definidos. Como as empresas que se envolvem no Terceiro Setor, os políticos precisam de visibilidade (uns para 68


reforçar sua marca, outros para se eleger), por isso é grande a tendência a promover mais eventos do que processos – mesmo nas políticas públicas. É socialmente mais impactante a curto prazo construir escolas do que investir nos salários e na formação continuada dos professores. Idealmente, a educação deveria ter uma burocracia (no sentido weberiano do termo, ou seja, numa organização eficiente por excelência, capaz de prever e planejar suas ações) que garantisse continuidade aos processos e alinhasse os diversos projetos em desenvolvimento nas redes de ensino. Mudanças de gestor principal na secretaria ou no ministério não deveriam representar uma ameaça às escolas. Porém, representam; e as poucas redes que conseguem ter políticas públicas contínuas e consistentes em sua administração têm colhido bons frutos em termos de melhoria de ensino, como mostram Ceará e Minas Gerais, entre outros estados. Enfim, a Comunicação, Educação e Participação é favorecida quando os gestores da macropolítica educacional, além de criar novos projetos e promover reformas, asseguram a continuidade dos processos que já estão em curso e uma maior perenidade aos novos projetos. v 69


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Agência Uga-Uga / Divulgação


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PARCERIAS, REDES E VOLUNTÁRIOS

Quando se fala na tríade Comunicação, Educação e Participação é inevitável pensar em diversidade e transversalidade de idéias, opiniões, modos de ser e fazer. Isto é essencial para que todos os envolvidos nas atividades tenham vez e voz e que o projeto seja amplamente disseminado. Porém, como veremos neste capítulo, não é tão simples integrar todo um repertório diversificado num trabalho possível e de qualidade

Uma das maiores diferenças entre as escolas e as organizações citadas nesta publicação é a composição da equipe. Nos projetos há de tudo: várias faixas etárias, várias ocupações (de arquitetos a psiquiatras, de pedagogos a publicitários, de radialistas a acadêmicos, de estudantes universitários a profissionais que também atuam no mercado de trabalho), muitos membros remunerados (autônomos, celetistas, bolsistas, estagiários, prestadores de serviços) e alguns voluntários. 71


Divulgação

A maioria dos projetos também é associada a redes sociais e mantém parcerias com diversos tipos de instituições: fundações, ONGs, escolas públicas e privadas, meios de comunicação, sindicatos, organizações comunitárias, grupos de discussão e campanhas, grupos juvenis, instâncias governamentais, universidades, entre outras. Mas as escolas brasileiras estão isoladas. Mal dispõem de profissionais suficientes para dar conta do que ocorre dentro delas; não têm recursos para se relacionar de maneira mais intensa e profícua

Oficina para professores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, atividade do projeto Latanet (Oficina de Imagens). 72


com a comunidade que as cerca e com a sociedade em geral. Os principais interlocutores das escolas fazem parte do sistema de ensino. Até as famílias têm acesso restrito ao universo escolar. Um grande problema é que parte expressiva dos resultados, individuais e coletivos, observados nos projetos de Comunicação, Educação e Participação, decorre da riqueza trazida por pessoas e instituições com origens, culturas e fazeres distintos – aquilo que na Cidade Escola Aprendiz é chamado de caldo de cultura. Em geral, um jornal produzido por uma equipe multidisciplinar tem mais qualidade do que outro, criado por um grupo uniforme, só de professores ou só de estudantes, por exemplo. É uma simples questão de repertório de conhecimentos e habilidades – o caldo de cultura –, que é tanto mais rico quanto mais diversificado for o grupo. O incremento do repertório dos estudantes também tende a ser maior quando são expostos a profissionais com formação e origem variadas, e também quando circulam por outros espaços culturais e educativos. A criação de um produto de comunicação sem a presença de uma pessoa com repertório amplo na área tende, especialmente no início do processo, a reproduzir modelos comerciais de 73


mídia, sem colocar em questão os formatos dos veículos de comunicação – um dos objetivos mais comuns nos projetos. Uma diretora que participou de um projeto promovido pelo Aprendiz, em São Paulo, disse que a lição mais importante que ela aprendeu foi perceber como a ampliação das relações com pessoas e instituições externas à escola contribui para a melhoria dos processos educativos que ocorrem dentro desta. Portanto, uma questão central para a disseminação, com qualidade, da Comunicação, Educação e Participação nas redes de ensino é saber como instaurar processos de enriquecimento permanente do repertório das escolas. O título deste capítulo aponta um caminho complementar à formação continuada dos educadores: Parcerias, redes e voluntários. Quanto mais as unidades escolares tiverem capacidade de firmar parcerias, articular-se a redes sociais e atrair profissionais variados, levando para fora delas seus estudantes, melhor tende a ser a qualidade da educação por elas oferecida. Mas isso não é nada fácil, e o Brasil tem alguns exemplos de experiências malsucedidas de voluntariado em escolas. Por outro lado, é notável como mesmo projetos pequenos, isolados e com poucos 74


recursos – como é o caso da Fundação Casa Grande, no interior do Ceará – são capazes, quando se dispõem, de trabalhar com repertórios culturais amplos, sempre em expansão. As perguntas analisadas adiante apontam alguns caminhos para ampliar a rede de relações e, conseqüentemente, o repertório das escolas.

Quem articula? Quem vai buscar parceiros, conversar com voluntários, escrever projetos, captar recursos, navegar pela internet em busca de novas oportunidades para a escola, organizar eventos e reuniões com a comunidade? Os diretores de escolas não recebem formação neste sentido. Quando têm perfil articulador, em geral, a escola se beneficia. Mas o tempo é escasso, e o sistema de ensino não prioriza esse tipo de atividade. Uma solução que vem aparecendo nas organizações analisadas é ter um profissional que cuide dessas questões. O job description (descrição das funções) desse profissional inclui a lista de tarefas do parágrafo acima, entre várias outras. Dependendo do tamanho da instituição, é necessário que essa pessoa tenha uma equipe quando, por exemplo, se promovem muitos eventos para a comunidade. 75


Mesmo assim, o executivo principal da instituição continua sendo o relações públicas número um. Ele dá o tom da organização e alinha seus fazeres. Mas, em geral, são bem-sucedidas as experiências de gestão em que esse executivo principal compartilha com outro profissional – ou mesmo com uma equipe – as funções de relacionamento com a comunidade. A Central Cipó de Notícias, Agência da Rede Andi, em Salvador, mantém um profissional no comando das relações externas, e outro para as tarefas internas. O Aprendiz tem a Agência Aprendiz, um setor que cuida das parcerias. Nas organizações e projetos em que não existe essa função, os líderes tendem a ficar ainda mais sobrecarregados de tarefas. Esse modelo pode ser introduzido nas escolas e, certamente, favoreceria a disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação. Ele já tem sido usado pelas redes de ensino nos projetos que abrem as escolas aos finais de semana, por exemplo. O ideal seria que esse profissional tivesse a função de articulação externa para toda a escola. Mas, dependendo da dinâmica de cada unidade e considerando os Desafios estruturais mencionados, tende a ser mais simples associar esse profissional ao projeto que envolve comunicação. 76


Como já foi dito, o NCE propõe a introdução do educomunicador nas escolas e a criação de cursos universitários específicos para sua formação. Entre outras funções, esse indivíduo também é um articulador de parcerias, e recebe capacitação para isso. A equipe do educom.radio tem, inclusive, pessoas denominadas “articuladores”. De uma maneira ou de outra, esse profissional tem de ser do quadro permanente, ou suas ações perdem a continuidade.

Como formar? Os processos de formação em serviço para professores vêm buscando ampliar suas redes de relações. Muitos estados e municípios brasileiros têm se articulado a instituições de Ensino Superior. Mas seria importante ampliar essas parcerias. Hoje há ONGs e empresas com capacidade de formação que poderiam ser associadas a determinadas escolas. Em termos de política pública, é muito mais complexo criar processos descentralizados e diversificados de formação em serviço. Mas é possível associar, ao menos aos projetos de Comunicação, Educação e Participação, instituições que trabalham com determinadas áreas e que podem acompanhar a médio e longo prazos certos processos na escola. 77


É bastante usual, quando um projeto de formação em serviço ganha corpo, que a equipe demande certos conhecimentos: Como avaliar melhor? Que software usar? Como lidar com uma nova temática que surgiu entre os estudantes? Nesses casos, o ideal seria que as escolas ou as equipes dos projetos tivessem acesso a um cadastro de instituições e cursos que pudessem colaborar na sua formação. Algumas redes, como a mineira, já têm trabalhado com esse modelo, oferecendo cursos em áreas e formatos diferentes, aos quais os professores ou equipes de projetos podem aderir, se tiverem interesse. A formação oferecida pelo projeto Latanet (da ONG Oficina de Imagens), em Belo Horizonte, faz parte desse cadastro da rede mineira.

Que instâncias? Conteúdos e formação em serviço são, em geral, centralizados em um departamento ou divisão das secretarias de educação. Relações com a comunidade são responsabilidade ora da assessoria de comunicação social, ora do gabinete do secretário, ou recaem sobre quem cuida de projetos especiais. Diretores e coordenadores pedagógicos têm fóruns específicos de interlocução com os níveis superiores 78


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de gestão das redes. A cultura política dominante nas escolas ainda delega pouco poder a associações de pais e mestres e conselhos escolares. Assim, trabalhar com parceiros, redes e voluntários envolve uma série de instâncias políticas e pedagógicas da rede de ensino. No campo pedagógico, por exemplo, os casos mais bem-sucedidos de disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação têm estreita relação com as estruturas oficiais de gestão (currículo, formação etc.) e com as políticas mais gerais da rede. Os projetos de maior impacto investem muito tempo e energia na construção dessas relações, que

Adolescente apresenta programa de rádio em Feira de Santana, Bahia (MOC). 79


por vezes são extremamente conflituosas, envolvendo culturas e expectativas diversas. Lidar com comunicação e trabalhar de maneira mais participativa são propostas que necessariamente encontrarão resistência não só dentro das escolas como nas instâncias superiores de gestão das redes. O que se conclui a partir das experiências é que a melhor maneira de lidar com essa questão é definir quais são os interlocutores (fixos) do projeto, na rede e nas organizações parceiras. E criar instâncias e mecanismos de discussão e planejamento do trabalho, com reuniões permanentes e periódicas (e não apenas voltadas a crises e emergências). Alguns projetos bem-sucedidos criam um conselho gestor, composto por representantes das diversas instâncias da rede de ensino e das organizações parceiras, inclusive financiadores. No nível das escolas também é favorável criar esse tipo de conselho, vinculado ao projeto de Comunicação, Educação e Participação – lembrando sempre de incluir estudantes. Mas é preciso sempre considerar as instâncias de poder já existentes, avaliando quais são estrategicamente importantes, para que sejam incluídas no conselho gestor do projeto.

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Que voluntários?

Idealmente, a disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação deve contar com uma rede de apoio de comunicadores em geral e, também, de profissionais de outras áreas. Mas, para isso funcionar, é necessário planejar a participação de todos e prever recursos para a formação e o acompanhamento dessas pessoas. Há situações em que voluntários se tornam mais problema do que solução em projetos sociais. O que fazer com aquele engenheiro aposentado que se oferece para dar aulas de matemática aos estudantes? Ele tem formação? Sabe lidar com os estudantes? Onde ele vai trabalhar? Voluntários tendem, como todas as pessoas sem uma formação adequada, a dar aulas expositivas. Nos projetos citados, há poucos voluntários. Bons projetos envolvendo voluntários, em geral, têm um período inicial de formação e um acompanhamento permanente do trabalho desenvolvido por eles. É também mais produtivo buscar voluntários para desempenhar funções predefinidas, que comportem as características do trabalho voluntário, do que abrir inscrições e depois ver onde encaixá-los – e tudo isso deve ser claramente informado pelos meios de comunicação criados pelo projeto. v 81


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Comunicação e Cultura / Divulgação


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APRENDER

FAZENDO

Uma das premissas dos trabalhos que envolvem Comunicação, Educação e Participação é o “aprender fazendo”. Porém, como mostram as questões abordadas neste capítulo, este processo de aprendizagem requer bastante reflexão e avaliação constante para ser validado como uma verdadeira proposta de transformação de um modus operandi antigo

Por mais sólidas que sejam as bases conceituais e o planejamento dos casos analisados, projetos de Comunicação, Educação e Participação de qualidade envolvem um alto grau de experimentação e inovação. Trabalhar com a criação de produtos de comunicação implica lidar com imprevistos e carências, num cronograma apertado. Como outros processos sociais complexos, os meios de comunicação envolvem tantas variáveis que é praticamente impossível controlar todas elas. Mesmo na mídia de massa, o 83


Divulgação

fechamento de uma edição é sempre uma espécie de “crise controlada” – em que se tem de equilibrar tempo e recursos disponíveis com a qualidade do produto final, o que implica uma série de decisões estratégicas em prazos exíguos. O mundo escolar, ao contrário, tende a buscar o previsível – embora também enfrente carências de toda ordem. As avaliações, em geral, aferem aquilo que deveria ter acontecido num dado período, pois trabalham com indicadores predeterminados, associados ao currículo. Isto é, as variáveis são

Jovens cariocas atuam em ilha de edição de vídeo (Multirio). 84


conhecidas e monitoradas ao longo do processo. Nos últimos anos, o termo escolarizar ganhou uma acepção negativa, quando usado para descrever metodologias de ensino e aprendizagem que tiram de contexto determinados conhecimentos e organizam sua apresentação de maneira linear, fragmentada, em aulas expositivas. Assim, projetos de Comunicação, Educação e Participação, mais do que uma atividade entre as várias trabalhadas pela escola, constituem propostas de transformação do próprio modo como a escola trabalha. Isso é recorrente nas experiências aqui citadas. Como diz um educador da Cipó, em Salvador: “A gente quer ser o arroz-com-feijão, não o chantilly”. É possível escolarizar (no mal sentido) a criação de um produto de comunicação, formatando e planejando de antemão todas as atividades, de forma que, quando os alunos se envolvem na produção, acabam lidando com poucos dos desafios que teriam de superar na “vida real”. Isso tem ocorrido em alguns casos, especialmente quando a execução do produto de comunicação é deixada exclusivamente nas mãos dos adultos da escola, sem muita capacitação nem monitoramento, ou quando se trabalha com multiplicadores que não dispõem de retaguarda. 85


Mas o imprevisto, a pressa e a superação de obstáculos fazem parte do “currículo” (por vezes, oculto ou inconsciente) das experiências mais bemsucedidas em termos de elevação da auto-estima, de participação social dos estudantes e de desenvolvimento de habilidades e competências mais gerais, como trabalho em grupo e liderança. Em mais da metade dos projetos analisados, os educadores costumam dizer, com certo orgulho: “aqui nós aprendemos fazendo”. Boa parte desses projetos construiu sua metodologia de trabalho de forma experimental e só depois foi buscar sustentação teórica e conceitual para sistematizar sua prática pedagógica. Resultados importantes observados nos aprendizes advêm de seu envolvimento nesses processos de aprender fazendo, o que contextualiza os conhecimentos e conteúdos abordados e dá sentido à aprendizagem. O fato é que, para se disseminar a Comunicação, Educação e Participação, por meio de políticas públicas, mantendo esse caráter experimental, promovendo a metodologia central do aprender fazendo, é necessário considerar certas questões que, invariavelmente, envolvem a atividade mais nitidamente pedagógica dos casos citados neste livro. 86


Processo versus Produto A comunicação se concretiza em produtos (site, jornal, programa de rádio, vídeo etc.). Já a educação é essencialmente um processo. O trabalho com a criação de produtos de comunicação tende a subverter a lógica da escola, cujos produtos em geral têm pouca relevância social além do propósito de avaliar o desenvolvimento do processo de um ou de vários estudantes. É bastante comum surgir, em projetos de Comunicação, Educação e Participação, a discussão sobre a importância do processo e do produto. Alguns defendem que um projeto interessante tem bons produtos, que refletiriam a qualidade do processo pedagógico. Em alguns casos, os adultos chegam a interferir fortemente na finalização do produto para garantir sua qualidade. Para outros, é apenas o processo que importa, ou seja, a vivência de relações de produção mais participativas e democráticas, o trabalho com os conteúdos de forma contextualizada e prática valeria mais, em termos pedagógicos, do que a qualidade final do produto de comunicação que for criado. Entre esses dois extremos, a tendência mais ampla defende que os projetos se preocupem em pla87


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nejar tanto o processo pedagógico como o produto de comunicação, com graus variados de ênfase no primeiro e no segundo. As instituições mais jovens, muitas lideradas por jornalistas, tendem a se preocupar mais com a qualidade do produto final de seu processo pedagógico do que as organizações com origem em movimentos de esquerda. Os projetos maiores, já em escala de política pública, são mais focados no que acontece ao longo do processo de formação – e seus resultados, em termos de participação social e cidadania – do que no acabamento de um jornal ou site.

Estudantes editam programa de televisão, em estúdio de Nova Olinda, Ceará (Fundação Casa Grande).

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Independentemente da abordagem que se escolher, é preciso lidar com essa equação, e o ideal é que tanto o processo como o produto tenham qualidade – todos ganham com isso, do público direto (da formação) ao indireto (da comunicação), além dos financiadores.

Autoria e direção Crianças e jovens envolvidos em projetos de Comunicação, Educação e Participação demonstram grande prazer em apresentar o resultado de seu trabalho, independentemente da qualidade de seus produtos. Mesmo quando grupos grandes de estudantes estão envolvidos, esse sentimento de autoria tende a ser uniformemente distribuído entre os participantes. O foco que o projeto dá entre processo e produto interfere nesse sentimento de autoria. Como foi mencionado, há projetos em que os adultos buscam não interferir de maneira alguma, e outros nos quais a interferência chega a desencorajar os estudantes. Não há receita pronta para lidar com essa questão, embora, obviamente, seja preciso preservar o sentimento de autoria nos estudantes, pois este é um fator constitutivo de auto-estima, por exemplo, em projetos desse tipo. 89


Os estudantes, em geral, mostram que têm repertório suficiente para identificar um bom produto, mas não necessariamente para executá-lo. Freqüentemente gostam e até pedem auxílio de adultos – educadores ou profissionais – no processo de criação de seus produtos. Quando os adultos são capazes de trabalhar com os aprendizes de forma “não bancária”, mas participativa, em geral, surge um sentimento de autoria compartilhada. Mas é também possível, no outro extremo, alienar os estudantes de seu produto, dependendo do nível de interferência. Assim, a direção de um processo de Comunicação, Educação e Participação deve envolver grande sensibilidade por parte dos adultos, para perceber os momentos em que é possível interferir e outros em que é melhor deixar que os estudantes acertem ou errem e arquem com as conseqüências de suas próprias decisões.

Faixas etárias Os projetos citados nesta obra variam suas metodologias conforme a idade dos aprendizes, embora o modelo do aprender fazendo, da participação mais horizontal dos envolvidos, seja sempre preservado. 90


Em síntese, para faixas etárias mais jovens há a tendência de se trabalhar com um repertório de questões, conteúdos e conhecimentos mais reduzido e de se delegar menos responsabilidade para as crianças, especialmente quando a escala é de política pública. Quanto mais maduros os aprendizes, maior o grau de responsabilização e menor a interferência dos educadores. Em casos de atendimento restrito, nos quais a relação entre adultos e crianças é muito próxima, ou em que aprendizes de várias idades trabalham juntos, mesmo as faixas etárias mais novas tendem a ter mais autonomia. Na Casa Grande, no interior do Ceará, há crianças de oito anos que mantêm programas de rádio semanais de uma hora de duração, que elas mesmas criam e executam, com ótimos resultados. Nas escolas onde há um sentimento de comunidade e identidade mais forte, também se percebe a formação de grupos intergeracionais, que freqüentemente lidam melhor com as diferenças de idade, dando mais autonomia para todos os participantes, independentemente da faixa etária. 91


Erro e correção A forma como os adultos concebem o que é erro e como ele deve ser corrigido tem impacto direto na sua interferência ou não nos produtos de comunicação criados por crianças e jovens. Aqui, novamente, há várias alternativas. De projetos disseminados em escolas onde os professores corrigem gramaticalmente os textos de jornal até aqueles nos quais os adultos preferem não corrigir nada, deixando que, uma vez publicado o produto, os alunos percebam, com os retornos que recebem, onde acertaram e onde erraram. É freqüente observar entre os adolescentes envolvidos nesses projetos a preocupação com a correção do texto e a qualidade do produto, preocupação essa que não existiria em outras situações em que os sentimentos de autoria e de interação com os pares não fossem tão presentes. O fato é que a Comunicação, Educação e Participação, além de propor uma mudança na forma como se trabalha o ensino e a aprendizagem nas escolas, implica uma reflexão sobre o que é certo ou errado e as formas de correção. Alguns projetos recorrem à correção em grupo, estratégia também usada por escolas com ensino mais renovado. Nela, um grupo pode corrigir o 92


trabalho do outro, ou é feita uma analise da produção em grupo com discussão de seus pontos fortes e fracos. Outra estratégia é discutir a adequação de determinada produção, analisando a quem ela se dirige e quais as demandas de qualidade desse público. É possível ainda simplesmente eliminar a interferência adulta, deixando que o produto gere demandas de correção na próxima edição. Esta questão é importante também na relação entre os adultos e os financiadores do projeto, que freqüentemente não têm repertório conceitual para compreender a publicação de um jornal com erros de ortografia ou com uma estética pouco trabalhada – preocupação que por vezes leva os adultos a interferir mais do que deveriam no produto. Talvez o ideal nesse caso seja associar as várias alternativas de correção apresentadas, avaliando, caso a caso, qual estratégia é mais adequada para cada momento, considerando não só o aprendiz como o público-alvo da comunicação.

Rodas de discussões A roda de discussão é uma metodologia praticamente universal nos projetos analisados. Alguns iniciam cada dia de trabalho com uma roda de aquecimento, na qual se discutem como cada um está, 93


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os fatos mais importantes do momento e o que será feito no dia, terminando as atividades igualmente em roda, para avaliar o que foi feito no período e deliberar sobre os próximos passos. Problemas de disciplina freqüentemente são trabalhados em discussões coletivas. Decisõeschave, sobre o produto que será desenvolvido ou os temas que serão abordados, chegam a ser feitas por votação. Como já foi dito, há um certo consenso de que participação se aprende participando, e os projetos se preocupam bastante em criar instâncias e situações nesse sentido.

Oficina para professores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, durante atividade do projeto Latanet (Oficina de Imagens).

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Na grande parte das escolas, espaços onde a cultura dominante é oposta, as rodas e discussões encontram resistência, e os professores apresentam pouca competência e escasso repertório para promovê-las. Novamente é necessário formar professores e multiplicadores em metodologias mais participativas. E cuidar para que essa formação não se reduza a um evento.

Complementar ou curricular As questões levantadas no capítulo Desafios estruturais fazem com que a tendência nas escolas seja colocar à margem de seu fazer principal os projetos de Comunicação, Educação e Participação. A maioria dos projetos citados tem caráter extra-curricular (ocorre na escola, mas fora da grade horária regular) ou complementar (ocorre em espaços externos, mantendo-se algum diálogo com a escola de origem dos estudantes). Como já foi dito, o ideal seria que projetos desse tipo fossem curriculares, e que as metodologias participativas de criação de produtos de comunicação ou de desenvolvimento de projetos pelos estudantes abrangessem todo o trabalho da escola, inclusive em sala de aula. Mas isso ainda ocorre em pequena

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escala, principalmente em trabalhos bem articulados às políticas da secretaria da educação, ou quando há um número pequeno de escolas envolvidas na experiência. Em geral, a estratégia utilizada pelos projetos é buscar que os meios de comunicação produzidos (extraclasse) sejam levados para a sala de aula pelos próprios estudantes ou por professores, que podem utilizá-los como material para o trabalho pedagógico, já que, na maioria das vezes, esses meios abordam questões diretamente relacionadas ao cotidiano escolar. Em alguns casos, o que foi produzido pelos aprendizes, em outros espaços, tem como objetivo principal o uso em sala de aula, que abordará assuntos, por exemplo, associados aos Temas transversais, incluindo versões para estudantes e professores.

Escola e sociedade Os espaços que lidam com educação nas sociedades contemporâneas estão se multiplicando. Além dos mais tradicionais, como a escola, a família e as Igrejas, há hoje várias outras instituições que mantêm processos estruturados de ensino e aprendizagem: desde empresas de grande porte, com universidades corporativas, até centros de juventude, postos de inclusão digital e museus. 96


Como já foi descrito, as escolas regulares de ensino estão isoladas, tendendo a trabalhar seus conteúdos sem associá-los ao entorno social. Há uma proposta cada vez mais forte na sociedade brasileira – incluída na LDB de 1996 – de oferecer educação em tempo integral para as crianças e jovens brasileiros, sem que isso signifique necessariamente ficar na escola o dia todo. Há várias abordagens teóricas e práticas atualmente, no Brasil e no exterior, que entendem que a educação dos cidadãos do século XXI deve envolver essas diversas instituições. A idéia das cidades educadoras, por exemplo, sintetiza a proposta de que o sistema educacional deve articular vários espaços e atividades educativas, e não apenas concentrar-se em redes de escolas regulares. O trabalho com Comunicação, Educação e Participação traz contribuições importantes a escolas, currículos e metodologias de ensino. Mas seu potencial suplanta a abrangência da escola. As experiências citadas mostram que, além do potencial de renovação do fazer escolar, projetos desse tipo são instrumentos poderosos de articulação dos diferentes espaços e programas educativos. v

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Cipó / Divulgação


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PERSPECTIVAS

Vimos, ao longo deste livro, que os projetos em Comunicação, Educação e Participação já são uma realidade em muitas instituições que trabalham com crianças e jovens no Brasil. Porém, ainda há muito que fazer para que o tema seja, de fato, incorporado ao sistema educacional brasileiro. Neste capítulo final, vamos saber os porquês disso

Além da demanda por parte do sistema educativo e da sociedade em geral, hoje há experiência acumulada no Brasil para a disseminação de projetos de Comunicação, Educação e Participação em escolas de Ensino Fundamental e Médio. São dois os caminhos básicos para isso, que devem ser vistos como complementares: 1. Guerra de guerrilhas É favorável continuar apoiando projetos locais, de pequeno porte, com parcerias que envolvam uma ou algumas poucas escolas da 99


região, ONGs e/ou universidades, buscando sempre articulação com as secretarias de educação. Nota-se que esses pequenos projetos, com o tempo, vão ganhando maturidade, articulando-se a outros, gerando uma massa crítica importante para a transformação da própria cultura da educação e para a disseminação mais ampla de novos projetos. Por vezes, esses projetos podem até ocorrer fora da escola, numa ONG, por exemplo, garantindo-se, entretanto, que ele dialogue com o cotidiano da escola. 2. Políticas públicas É cada vez mais viável – dado o amadurecimento de muitas experiências iniciadas da maneira descrita acima – desencadear grandes projetos de Comunicação, Educação e Participação, atingindo dezenas ou centenas de escolas, com amplos processos de formação, planejamento de projetos e distribuição de equipamentos. Para isso, seria interessante que as políticas públicas se associassem a instituições que já venham trabalhando na área. O ideal seria a constru100


ção de uma rede de projetos que pudesse disponibilizar conhecimentos, materiais, processos de formação e supervisão permanente para o desenvolvimento de várias políticas públicas no país. O sucesso das iniciativas em menor escala e a dificuldade em manter a qualidade nas experiências envolvendo muitas escolas mostram que, mesmo nos grandes projetos, é necessário manter certas características de projetos pequenos. Por exemplo, no lugar de capacitar a esmo toda uma rede e distribuir para todas as escolas equipamentos de comunicação – numa abordagem mais universal –, talvez seja melhor identificar comunidades estáveis, que tenham perfil ou demanda de um tipo específico de trabalho, e focalizar mais os processos de formação e distribuição de equipamentos. Isso tende a melhorar a relação investimento/resultados. A primeira linha de projetos pode até ser financiada pelo governo, mas conta hoje com os recursos do Terceiro Setor, que talvez seja o parceiro financiador mais adequado para isso. A segunda linha de projetos já trabalha em escala de política pública, e é praticamente impossível implementá-la apenas com 101


recursos da iniciativa privada, sendo que o Estado deve arcar com parte significativa dos investimentos. Podem-se iniciar trabalhos na primeira linha tendo como perspectiva a ampliação de escala, o que envolverá desde a pesquisa e o desenvolvimento da metodologia, com certos parceiros, até a disseminação, mais associada ao Governo. O fundamental, independentemente da linha de ação escolhida, é compreender que projetos de Comunicação, Educação e Participação, mais do que simples metodologias ou disciplinas, constituem uma proposta de transformação da maneira como as escolas trabalham o ensino e a aprendizagem. Ou seja, são processos que levam bastante tempo, muitas vezes mais do que os quatro anos de gestão de um governo. Se isso não for considerado, há o risco de criar bons “eventos” – mesmo que durem três anos –, mas não conseguir mudar significativamente os processos educativos de forma permanente, isto é, melhorar a qualidade da educação. v

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Tecendo Tecendo a Rede

a Rede

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REDE CEP ‒ REDE DE EXPERIÊNCIAS EM COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO Organizações que participaram do Seminário de Articulação pela Educação, Comunicação e Mobilização Social, em setembro de 2004, em São Paulo-SP: Agência Uga-Uga de Comunicação www.agenciaugauga.org.br Endereço: Rua Diogo Bernardes, 72 – Conjunto Habitacional Jardim Espanha 3 – Aleixo – Manaus – AM – 69060-020 Telefone: (92) 642-8013/9003 Auçuba – Comunicação e Educação www.aucuba.org.br Endereço: Rua Quarenta e Oito, 668 Encruzilhada – Recife – PE – 52050-380 Telefone: (81) 3426-6386 Bem TV – Educação e Comunicação www.bemtv.org.br Endereço: Rua General Osório, 49 São Domingos – Niterói – RJ – 24210-190 Telefone: (21) 3604-1665 Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular www.cecip.com.br Endereço: Largo de São Francisco de Paula, 34 – 4o andar Rio de Janeiro – RJ – 20051-070 Telefone: (21) 2509-3812 Cidade Escola Aprendiz www.aprendiz.org.br Endereço: Rua Belmiro Braga, 146 Vila Madalena – São Paulo – SP – 05432-020 Telefone: (11) 3819-9225/9226 Cipó – Comunicação Interativa www.cipo.org.br Endereço: Rua Amazonas, 782 Pituba – Salvador – BA – 41830-380 Telefone: (71) 3240-4477 104


Comunicação e Cultura www.comcultura.org.br Endereço: Rua Castro e Silva, 121 Centro – Fortaleza – CE – 60030-010 Telefone: (85) 3231-6092 Fundação Casa Grande Endereço: Rua Jeremias Pereira, 444 Centro – Nova Olinda – CE – 63165-000 Telefone: (88) 3546-1333 MOC – Movimento de Organização Comunitária www.moc.org.br Endereço: Rua Pontal, 61 Cruzeiro – Feira de Santana – Bahia – 44017-170 Telefone: (75) 3221-1393 Multirio – Empresa Municipal de Multimeios www.multirio.rj.gov.br Endereço: Largo dos Leões, 15 Humaitá – Rio de Janeiro – RJ – 22260-210 Telefone: (21) 2528-8205 NCE/ECA-USP – Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo www.usp.br/nce Endereço: Av. Prof. Lucio Martins Rodrigues, 443 – bloco 22 – sala 26 Cidade Universitária – São Paulo – SP – 05508-900 Telefone: (11) 3091-4784 Oficina de Imagens www.oficinadeimagens.org.br Endereço: Rua Salinas, 1101 Santa Teresa – Belo Horizonte – MG – 31015-190 Telefone: (31) 3482-0217 Projeto Saúde e Alegria www.saudeealegria.org.br Endereço: Trav. Dom Amando, 697 Santarém – PA – 68005-420 Telefone: (93) 3522-2161/5144 105


SITES RELACIONADOS AO TEMA Ação Educativa www.acaoeducativa.org.br

ONG com foco em educação e políticas públicas para a juventude, dando sempre à comunicação um papel especial. Andi – Agência de Notícias dos Direitos da Infância www.andi.org.br

A ONG, com sede em Brasília, gerencia uma rede nacional e outra latino-americana de agências de notícias que fiscalizam a cobertura da mídia sobre o tema da infância. No site, há um banco de dados de experiências sociais em várias áreas, inclusive em educomunicação. Cidade do Conhecimento www.cidade.usp.br

Programa do Instituto de Estudos Avançados da USP que pretende derrubar “os muros” das instituições e as burocracias internas na formação de professores, considerando as novas tecnologias e a comunicação. Educação, Comunicação e Participação www.unicef.org.br (Biblioteca Virtual do Unicef)

No site é possível fazer o download (em formato pdf) da íntegra da pesquisa Educação, Comunicação e Participação, feita para o Unicef, que deu origem a este livro. Educarede www.educarede.org.br

O site é uma ferramenta para o programa Educarede, que trabalha com educação, inclusão digital, comunicação e artes em escolas públicas. educom.radio www.educomradio.com.br

O site do programa de educomunicação do NCE apresenta textos sobre educomunicação, uma boa agenda de eventos na área, além de alguns programas feitos pelos estudantes. 106


Instituto Ayrton Senna www.ias.org.br

Além do esporte e da arte, a educação pela comunicação é um dos focos de ação do instituto. Midia Ativa www.midiativa.tv

Site da ONG que controla e propõe mudanças na programação televisiva brasileira, com ênfase em programas que têm a criança e o jovem como público-alvo. Portal do Unicef www.unicef.org.br

Oferece informação sobre como o Fundo das Nações Unidas para a Infância investe em educação inclusiva no Brasil, muitos desses investimentos envolvendo elementos da comunicação e da participação.

Em inglês: Education Week On the Web www.edweek.org

Excelente publicação norte-americana que traça um panorama da educação nos Estados Unidos e no mundo. The Mirror Project www.mirrorproject.org

ONG sediada em Massachusetts, Estados Unidos, que se propõe a produzir mídia alternativa (principalmente em vídeo) para desenvolver o aspecto social e cultural das comunidades. Youth Speaks www.youthspeaks.org

ONG norte-americana que estimula, por meio de programas e oficinas de comunicação, a escrita criativa e a poesia entre estudantes. Youth In Focus www.youthinfocus.org

A fotografia é a linguagem utilizada por essa ONG de Seattle (EUA), para desenvolver uma melhor educação para os jovens. 107


BIBLIOGRAFIA BIBLIOGRAFIA BÁSICA – MÍDIA E ESCOLA BIASOLI-ALVES, Zilia M. Mendes & FISCMANN, Roseli. Crianças e adolescentes – Construindo uma cultura de tolerância. São Paulo, Edusp, 2001. BRAGA, José Luiz & CALAZANS, Regina. Comunicação & Educação – Questões delicadas na interface. São Paulo, Hacker Editores, 2001, p. 14-70. BUCHT, Catharina & FEILITZEN, Cecília. Perspectivas sobre a criança e a mídia. Brasília, MEC-Unesco, 2001. COSTA, Antônio Carlos Gomes. Aventura pedagógica, caminhos e descaminhos de uma ação educativa. Belo Horizonte, Modus Faciendi, 2001. GINDRE, Gustavo. Comunicação nas sociedades de crise. São Paulo, i@ditora, 2002. KAPLUN, Mario. “Processos educativos e canais de comunicação”, in Comunicação e Educação, jan./abr. 1999, p. 68-75. LOPES, Maria Immacolata Vassalo. “O campo da comunicação: discussão sobre seu estatuto disciplinar”, in Revista USP, n. 48, dez. 2000 – fev. 2001. MARQUES DE MELO, J. & SATTLER, L. Direitos: comunicação na sociedade da informação. SBC, Umesp, 2005, p. 65-102. MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Buenos Aires, Grupo Editorial Norma, 2002. 108


MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Ensanchando territorios en comunicación/educación”, in VALDERRAMA, Carlos, Comunicación & Educación, Bogotá, Universidad Central, 2000, p. 101-113. RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?. São Paulo, Cortez, 2001. SIERRA, Francisco. Introdución a la teoría de la comunicación educativa. Madrid, Sevilla Editorial, 2000. SOARES, Ismar de Oliveira. “Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais”, in Contato, Brasília, ano 1, n. 1, jan./mar. 1999, p. 19-74. SOARES, Ismar de Oliveira. “Educomunicação: um campo de mediações”, in Comunicação & Educação, São Paulo, ECA/USP, Editora Segmento, Ano VII, set./dez. 2000, n. 19, p. 12-24. SOARES, Ismar de Oliveira. Sociedade da informação ou da comunicação?. São Paulo, Cidade Nova, 1996. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo (educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna). São Paulo, Ática, 1998. UNESCO/Instituto Ayrton Senna. Educação para o desenvolvimento humano. São Paulo, Saraiva, 2004. VALDERAMA, Carlos Eduardo (org.). Comunicación-Educación – Coordinadas, abordajes y travesias. Bogotá, Universidad Central, 2000. 109


AGRADECIMENTOS Várias centenas, talvez mais de um milhar de crianças, jovens e adultos contribuíram para a elaboração deste pequeno livro. Durante a pesquisa conduzida para o Unicef, em 2003 e 2004, foram realizadas dezenas de entrevistas, algumas em salas de aula lotadas. Aos que compartilharam generosamente suas experiências, agradecemos o privilégio que nos foi dado de conhecer seus trabalhos. Esta publicação não teria sido possível sem o estímulo e apoio, em conhecimento e recursos, do Unicef, em especial da oficial de comunicação Rachel Mello. Os queridos colegas Patrícia Vasconcellos e Alexandre Le Voci Sayad também deram valioso suporte ao longo de todo o trabalho. Um grupo importante de especialistas ajudou a construir o projeto inicial e os instrumentos da pesquisa: Cíntia Leandro (Central de Projetos), Gabriela Goulart (Andi), Iracema Nascimento (Ação Educativa), Maria Helena Bonilla (UFBA), Mário Volpi (Unicef), Sílvio Kaloustian (Unicef) e Vânia Quintão (UnB). Os líderes das organizações pesquisadas e das outras que participaram do seminário que resultou na Rede de Experiências em Comunicação, Educação e Participação – Rede CEP também tiveram valor inestimável. Em seus nomes, agradeço suas equipes: Anna Penido (Cipó), Daniel Raviolo (Comunicação e Cultura), Caetano Scanavinno (Saúde e Alegria), Bernardo Brant e Luiz Guilherme Gomes (Oficina de Imagens), Ismar de Oliveira Soares (NCE/ECA-USP) – que nos cedeu a bibliografia –, Eneida Marques (Uga-Uga), Claudius Ceccom (Cecip), Gilberto Dimenstein (Aprendiz), Naidson Batista (MOC), Regina de Assis (Multirio), Alemberg Quindins (Casa Grande), Cris Felix (Auçuba) e Márcia Correa e Castro (Bem TV). A concepção final do livro se deu em grupo, no seminário de constituição da Rede CEP, que, além do Unicef, contou com relevante apoio da Fundação Avina e do Instituto C&A e de vários de seus profissionais. A Andi e suas lideranças foram uma presença constante e amiga. Hércules Soares, da Central de Projetos, e Leonardo Chianca, da Edições Jogo de Amarelinha, também ofereceram seu profissionalismo para o sucesso deste trabalho. Enfim, gostaríamos de ressaltar que Mídia e Escola – Perspectivas para políticas públicas é produto do esforço e dedicação de um número muito grande de pessoas, cujo rico conhecimento tentamos aqui sistematizar. 110


BIOGRAFIA

Fernando Rossetti nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 1962, e vive em São Paulo desde 1987. É formado em Ciências Sociais pela Unicamp, com especialização em direitos humanos na Universidade Columbia, de Nova York. Atuou no jornal Folha de S.Paulo, ao longo da década de 1990, como repórter de educação e correspondente na África do Sul (1994-1995), atividade que lhe rendeu três prêmios. Foi coordenador de programas no Instituto Ayrton Senna e diretor-executivo da ONG Cidade Escola Aprendiz (1999-2002). De 2002 a 2004, trabalhou como consultor para diversas organizações nacionais e internacionais, como a Andi e o Unicef – consultoria que resultou neste livro. É colunista do Canal Futura e do site Aprendiz (www.aprendiz.org.br) desde 1997. Em 2005, tornou-se diretor-executivo do Gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (www.gife.org.br). Para contatar o autor, escreva para rossetti@uol.com.br. 111


Este livro foi composto nas fontes Humanist, Kozuka e Gill Sans e impresso em maio de 2005 pela Copypress, sobre papel Offset 90 g/m2 (miolo) e Supremo 250 g/m2 (capa).

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