Uma defesa da poesia: poesia e autocriação na filosofia de Richard Rorty marcos carvalho lopes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MARCOS CARVALHO LOPES

UMA DEFESA DA POESIA POESIA E AUTOCRIAÇÃO NA FILOSOFIA DE RICHARD RORTY

RIO DE JANEIRO 2013


MARCOS CARVALHO LOPES

UMA DEFESA DA POESIA POESIA E AUTOCRIAÇÃO NA FILOSOFIA DE RICHARD RORTY

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Filosofia

Orientadora: Susana de Castro

Rio de janeiro 2013


L864 Lopes, Marcos Carvalho Uma defesa da poesia: poesia e autocriação na filosofia de Richard Rorty, 2013. 266 f. Orientadora: Profa. Dra. Susana de Castro Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Filosofia, Rio de Janeiro, 2013. 1. Pragmatismo. 2. Literatura e filosofia. 3. Rorty, Richard, 1931-2007. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. II. Título. CDD 801


Marcos Carvalho Lopes UMA DEFESA DA POESIA: POESIA E AUTOCRIAÇÃO NA FILOSOFIA DE RICHARD RORTY

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Filosofia

Aprovada em:

_______________________________________________ Prof.Dra. Susana de Catro Amaral Vieira (orientadora), PPGF/UFRJ.

_______________________________________________ `Prof. Dr. Aldir Araújo Carvalho Filho, UFMA

________________________________________________ Prof. Dr. Baptiste Nöel, UNIRIO

________________________________________________ Prof. Dr. Gilberto Mendonça Teles, PUC-RJ

________________________________________________ Prof. Dr. Rafael Hadock-Lobo, PPGF/UFRJ

Rio de Janeiro Setembro de 2013


Agradecimentos À Dona Eunice, minha mãe pelo apoio, carinho e suporte. À Carmelia Aragão, pela parceria, paciência e carinho. Para Dona Anália e seu Nondinha, meus avós. Mírian e Marcelo meus irmãos. À professora Susana de Castro pela confiança e orientação. Aos colegas do GT de Pragmatismo pela oportunidade de debate e crescimento. Ao professor Paulo Ghiraldelli Jr. pelo exemplo e incentivo. Ao professor Luiz Eduardo Soares pela ajuda, incentivo e exemplo. Ao professor Gonçalo Amijos Palácios, por ter me apresentado à obra de Richard Rorty e orientado meus primeiros passos interpretativos. Ao professor Gilberto Mendonça Teles, pela amizade e acolhida. Aos vascaínos Dr. Murilo Ferraz Franco e Antônio Augusto Ribeiro Reis Júnior. Aos colegas professores da UNIRIO pela compreensão e ajuda fundamental nos momentos decisivos de costituição deste trabalho. À Sônia e a Dina, pela paciência e cuidado.


Os filósofos, depois de terem colhido dentre os doces mistérios da poesia os verdadeiros assuntos do saber, neles estabelecendo um método e instituindo uma arte de escola com aquilo que os poetas ensinavam unicamente por um prazer divino, começaram, como aprendizes ingratos, a desdenhar de seus guias e não se contentaram apenas com abrir suas próprias lojas, mas procuraram por todos os meios desacreditar seus mestres; e, diante do obstáculo da força do deleite que estes lhe opunham, quanto menor seus poder de destruição, mais ódio lhe votaram. Viam, com efeito, que sete cidades reivindicavam ser o lugar de nascimento de Homero, enquanto que muitas delas baniam os filósofos como membros indignos de seu convívio. Philip Sidney, Defesa da Poesia (SIDNEY, 2002, p.125).


RESUMO LOPES, Marcos Carvalho. Uma defesa da Poesia: poesia e autocriação na filosofia de Richard Rorty. Orientadora: Susana de Castro. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGL, CAPES, 2013. Tese (Doutorado em Filosofia).

O objetivo deste trabalho é analisar a filosofia de Richard Rorty como uma defesa da poesia. O pensador norte-americano redescreve a antiga querela entre pensadores e poetas, criticando o anseio convergente da racionalidade platônica como uma reivindicação autoritária que não se justifica em um contexto democrático e pluralista. O espaço romântico de autocriação é um pressuposto que Rorty precisa defender e conciliar com o reconhecimento pragmatista da dimensão social e adaptativa do pensamento. A trajetória intelectual do filósofo pragmatista como descrita pela sociologia das ideias de Neil Gross é o mote utilizado para problematizar a relação entre o determinismo social e o espaço de autocriação. A primazia que o filósofo norteamericano dá para a poesia como impulso para a inovação e a mudança é justificada por sua redescrição da história da filosofia como desvelamento de uma posição antiautoritária, na qual o apelo por convergência perde espaço para o anseio utópico de criar um futuro melhor. A relação de ciúme que funda a busca de Platão por superar e colocar-se no lugar de Homero, é redescrita por Rorty, a partir da visão proustiana deste sentimento. Com isso, a ânsia de desenvolver uma teoria que desvelasse verdades imutáveis e não relacionais pode ser tomada como um mero desejo de fugir da contingência. Por outro lado, a aceitação da contingência e a percepção da Filosofia como um gênero de escrita promovem uma mudança na percepção do que chamamos de sabedoria – substituindo a Alegoria da caverna de Platão por Em busca do tempo perdido de Proust como mito fundador – com a aposta na abertura poética de autocriação e reconhecimento da dimensão biográfica do pensamento.

Palavras-chave: Pragmatismo. Poesia. Autocriação.


ABSTRACT LOPES, Marcos Carvalho. A Defense of Poetry: Poetry and self-creation in the philosophy of Richard Rorty. Advisor: Susana de Castro. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGL, CAPES, 2013. Thesis (Doctorate in Philosophy).

The objective of this paper is to analyze the philosophy of Richard Rorty as a defense of poetry. This American thinker recasts the ancient quarrel between thinkers and poets, criticizing the convergent urge of Platonic rationality as an authoritative claim that is not justified in a democratic and pluralistic context. Rorty must defend his assumption of the romantic space of self-creation and reconcile it with the pragmatic recognition of the social and adaptive dimension of thought. The intellectual path of the pragmatist philosopher as described by the sociology of ideas of Neil Gross is the motto used to problematize the relation between social determinism and the space of self-creation. The primacy the American philosopher grants to poetry as an impulse to innovation and change is justified by its re-description of the history of philosophy as the unveiling of an anti-authoritarian position in which the appeal for convergence loses ground to the Utopian urge to create a better future. The relationship of jealousy in which Plato’s quest to overcome Homer and replace him is based is re-described by Rorty, from the viewpoint of the Proustian vision of this feeling. Based on this perspective, the urge to develop a theory that unveils immutable and non-relational truths can be taken as a mere desire to escape contingency. On the other hand, the acceptance of the contingency and the perception of philosophy as a genre of writing promote a change in the perception of what is called wisdom—substituting Plato’s Allegory of the Cave with Proust’s In Search of Lost Time as founding myth—and focusing on the poetic opening of selfcreation and the recognition of the biographical dimension of thought. Keywords: Pragmatism. Poetry. Self-creation.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABAO Com Derek Nystrom a Kent Puckett. Against Bosses, against oligarchies: A conversation with Richard Rorty. Charlottesville, vA: Prickly Pear Paphlets, 1998. ABAOp Com Derek Nystrom a Kent Puckett. Contra os patrões, contra as oligarquias. Uma conversa com Richard Rorty. Trad. Luiz H. de A. Dutra. São Paulo: UNESP, 2006. AOC Achieving our country: leftist thought in twentieth-century America. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1998. AOCp Para realizar a America. Trad. Paulo Ghiraldelli, Jr., Leoni Henning, Alberto Tosi Rodrigues. Rio de Janeiro: DP & A, 1999. CIS

Contingency Irony and Solidarity. Cambridge: CUP, 1989.

CISp Contingencia, ironia e solidariedade. Trad. Vera Ribeiro. Sao Paulo: Martins Martins Fontes Editora, 2007. CP

Consequences of Pragmatism. Minneapolis: The University Minnesota Press, 1982.

CPp

Consequências do Pragmatismo. (Ensaios: 1972-1980). Lisboa:Instituto Piaget. s/d.

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Essays on Heidegger and Others: Philosophical Papers II. Cambridge: CUP, 1991.

EHOp Ensaios sobre Heidegger e outros. Escritos filosóficos II. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1999. ESV ET

Com Paulo Ghiraldelli jr. Ensaios pragmatistas sobre subjetividade e verdade. Trad. Paulo Ghiraldelli Jr. Rio de Janeiro: DP&A,2006. An Ethics for Today. Finding common ground between philosophy and religion. New York, Columbia University Press, 2010.

ETp Uma ética laica. Trad. Mirella T. Martino. São Paulo: Editora WMF Mantins Fontes, 2010. FR

Com Gianni Vattimo. The future of religion. Ed. Santiago Zabala. New York: Columbia University Press, 2005.

FRD SOUZA, José Crisóstomo de (Org.) Filosofia, racionalidade, democracia: os debates Rorty & Habermas. São Paulo: UNESP, 2005. FRp

O futuro da religião. Trad. Paulo Ghiradelli e Alberto Tose Rodrigues. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2006.

GL

El giro linguistico. Dificultades metafilosoficas de la filosofia linguistica. Trad. Gabriel Bello. Barcelona: Paidos, UAB, Instituto de Ciencias de la

LT

The Linguistic Turn (ed.). Chicago: University of Chicago Press, 1967.

P

Pragmatismo: A filosofia da criação e da mudança. Trad. Cristina Magro and Antonio Marcos Pereira. Belo Horizonte: Editora UMFG, 2000.

PAE

El pragmatismo, una version: Antiautoristarismo en epistemologia y etica. Trad. Joan Verges Gifra. Barcelona: Ariel, 2000.


PCP Philosophy as Cultural Politics. Philosophical Papers IV. Cambridge: CUP, 2007. PCPp Filosofia como política cultural. Trad. João Carlos Pijnappel. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2009. PH

Editor com J. B. Schneewind e Quentin Skinner. Philosophy in History: Essays on the Historiography of Philosophy. Vambridge, UK: Cambridge University Press, 1984.

PMN Philosophy and the Mirror of Nature. Princeton: Princeton University Press, 2009. PMNp A filosofia e o espelho da natureza. Trad. Antonio Transito. Rio de Janeiro: RelumeDumara, 1994. PP

Pragmatismo e política.Trad. Paulo Ghiraldelli Jr e Alberto Tosi Rodrigues. Sao Paulo: Martins, 2005.

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The Philosophy of Richard Rorty. Randall Auxier e Lewis, E Hahn. (ed.). Chicago: Open Court, 2010.

PSH

Philosophy and Social Hope. Harmondsworth: Penguim, 2000.

ORT

Objectivity, Relativism and Truth: Philosophical Papers I. Cambridge: CUP, 1991.

ORTp Objetivismo, relativismo, e verdade: Escritos filosoficos I. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1997. R&P Rorty and Pragmatism, ed. Herman Saatkamp, Jr. (Nashville, Tenn.: Vanderbilt University Press, 1995 RCD Richard Rorty: Critical Dialogues, ed. Matthew Festenstein and Simon Thompson. Cambridge, UK: Polity Press, and Malden, Mass.: Blackwell, 2000. RHC Rorty and His Critics, ed. Robert B. Brandom. Malden, Mass.: Blackwell, 2000. RPC Rorty, Pragmatism and Confucianism: with responses by Richard Rorty. Yong Huang (ed.) Albany,NY: State University of New York Press, 2009. P. 279-300. TCF Com Eduardo Mendieta. Take care of Freedom and Truth will take care of Itself: Interviews with Richard Rorty. Stanford, CA: Stanford University Press, 2006. TP TPp

Truth and Progress: Philosophical Papers III. Cambridge: CUP, 1998. Verdade e Progresso. Barueri, SP: Manole, 2005.

UCL University California-Irvine: Richard Rorty born digital files, 1988-2003. Disponível em: http://ucispace.lib.uci.edu/handle/10575/7, Consultado em 05/09/2013. WT

Com Pascal Engel. What’s the Use of Truth? Ed. Patrick Savidan. New York: Columbia University Press, 2007.

WTp

Com Pascal Engel. Para que serve a verdade? Trad Antonio Carlos Olivieri. São Paulo: Editora UNESP, 2008.


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO

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2. POESIA E SELF (OU AUTOCRIAÇÃO) 2. 1 FILOSOFIA COMO (AUTO)BIOGRAFIA: A TRAJETÓRIA DE UM HEREGE ACADÊMICO 2.1.1 Introdução 23 2.1.2 Estratégias para sair da Caverna: Sociologia da Filosofia 24 2.1.2.1 Neil Gross e uma Ciência para antecipar (e bloquear) hereges acadêmicos 32 2.1.3 Richard Rorty e a trajetória de um herege acadêmico 37 2.1.3.1 O filósofo como especialista versus o intelectual literário 76 2.1.4 Conclusão 95 2.2. (AUTO)BIOGRAFIA COMO POESIA: O QUE NÃO CABE EM UMA TEORIA 2.2.1. Introdução: quando o filósofo é filho de um poeta 105 2.2.2. Antiautoritarismo, Verdade Redentora e Cultura Literária 110 2.2.2.1 Religião americana, agonismo e tolerância 130 2.2.3 Autocriação, poesia e a individualidade 136 2.3. RORTY LENDO PROUST: A INVENÇÃO DE UMA 2.3.1 Ciúme de Platão, ciúme de Proust: onde encontrar a sabedoria? 2.3.2 Secularização da sociedade e secularização da linguagem 2.3.3 A ironia do embate entre belo e sublime: teorizando contra a Teoria

VOCAÇÃO 150 156 168

3. CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE 1: Poemas de Philip Larkin Citados

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APÊNDICE 2: Entrevista com Luiz Eduardo Soares

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1 INTRODUÇÃO OU “O BANIMENTO POÉTICO DA FILOSOFIA” É um grande combate meu caro Glauco, muito mais grande do que parece, o que consiste em nos tornarmos bons ou maus. De modo que não devemos deixar-nos arrebatar (...) nem mesmo pela poesia vale a pena descuidar da justiça e das outras virtudes. (PLATÃO, República, 608 b).

É preciso fazer a história da Colômbia, antes que a façam os historiadores. Gabriel García Marquez, O general em seu labirinto.

.me dou conta de que não escrevi mais que ficções. Não quero, todavia, dizer que esteja fora da verdade. Parece-me que existe a possibilidade de fazer funcionar a ficção na verdade: de induzir efeitos de verdade com um discurso de ficção, e fazer isso de tal maneira que o discurso de verdade suscite, “fabrique” algo que ainda não existe, ou seja, “ficcione”.” Michel Foucault, Entrevista com L. Finas.

Durante um longo almoço em um bom restaurante de Buenos Aires, Richard Rorty (1931-2007) e Daniel Dennett (1942-), duas estrelas intelectuais da filosofia norte-americana, trocaram impressões acerca dos horizontes da filosofia: o que era, o que deveria ou não deveria ser. De acordo com os “cálculos dialéticos”, seria de se esperar que naquele “banquete” se encenasse uma “luta de gigantes pela substância” (gigantomachia peri tes ousias)1, já que na cena filosófica Rorty é muitas vezes caricaturado como um relativista que abandonou a Verdade em favor da mais recente moda europeia pós-moderna e Dennett é visto como um respeitável filósofo da mente, que defende o evolucionismo e o saber científico contra o obscurantismo e a cegueira religiosa. Neste caso, a cena esperada não se realizou, já que os dois personagens eram bons amigos e mantinham uma simpatia que ultrapassava suas diferenças filosóficas. Este sentimento de camaradagem permitiu que tentassem compreender suas divergências, não pressupondo que elas constituíssem perspectivas ontológicas distintas, separadas por abismos metafísicos. Segundo Dennett, Rorty neste dia ofereceu uma interessante explicação sobre a origem de suas divergências filosóficas. Para Dennett seria primordial conseguir o respeito dos cientistas, o que tornou necessário utilizar uma linguagem que estes poderiam apreciar. Já Rorty não partilhava deste mesmo anseio, uma vez que não dava grande importância para o que os cientistas pensariam de sua obra; seu objetivo era outro: queria conseguir a atenção e o respeito dos poetas.

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c.f Platão, Sofista 246a-c


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Para justificar sua posição Rorty não recorreu a um argumento, mas a uma narrativa, ou seja, uma dessas passagens biográficas que contamos quando estamos com amigos. Quando Rorty era garoto, seu pai – James Rorty (1894-1972) – foi editor de poesia do semanário The Nation. Isso motivou o jovem Dick, então no Colégio, a se arriscar na composição de um soneto. Com dificuldade, durante a semana letiva tratou de desenvolver cuidadosamente todos os aspectos técnicos (forma, métrica e rimas) para, no feriado, submeter seus versos a avaliação de seu pai. Este leu rapidamente o soneto do filho e o devolveu com o veredicto crítico: tratava-se apenas de uma versalhada (doggerel). (DENNET, apud METCALF, 2011)2. Não conseguir a aprovação do pai para seus versos não foi para Rorty algo banal; assim como, relacionar seu ciúme da poesia com o sentido de seu trabalho como filósofo não é um gesto trivial. A relação de Rorty com a poesia, assim como a de Dennett com a ciência é parte da diferença de “temperamento” entre estes pensadores, diferença que William James chamou de “a mais poderosa premissa jamais mencionada”. (JAMES, 1997, p.27). Antes de James, Friendrich Nietzsche nos primeiros parágrafos (§ 1-7) de Para além de Bem e Mal, quando investiga “Os preconceitos dos filósofos”, também denuncia a origem biográfica, ou melhor, fisiológica, da metafísica filosófica: “O maior desejo de cada um seria apresentar-se a si próprio como fim último da existência, e como soberano legítimo de todos os outros”. (§ 6, p.37). Deste modo o platonismo pede a fusão de público e privado na medida em que o filósofo afirma os próprios preconceitos como norma universal. Esta narrativa autobiográfica exemplifica como Rorty coloca em xeque a pretensão de universalidade e impessoalidade da filosofia e se desloca em direção à poesia. A Filosofia (com “f” maiúsculo) na tradição Platão-Kant reivindica o acesso a um ponto arquimediano inquestionável e não contextualizável (através de algum ente privilegiado ou de alguma forma de evidência incondicional). Já a perspectiva pragmatista de Rorty procura retomar a razão de Ulisses, numa concepção de racionalidade “que é mais prática do que intelectual, que toma formas em ações inteligentes mais do que em falas abstratas. Flexibilidade e adaptabilidade, ao invés do domínio de princípios abstratos, são suas marcas”. (BRANDOM, 2002, p.7). No entanto, Rorty não somente quer sublinhar a necessidade de uma visão mais darwinista do que

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Intriga nesta história a aparente falta de sensibilidade por parte de James Rorty em relação ao esforço do seu filho. Será que o jovem Dick concordaria com a avaliação de seus versos como destituídos de poesia? Em uma reportagem relembrou o episódio com outras palavras: “Eu tentei escrever alguns poemas e cometi o erro de mostrá-los ao meu pai, que me disse quão ruins eles eram”. (KLEPP, 1990). Este “equívoco honesto” parece ter sido muito importante na forma como compreendia sua busca teórica, assim como, em sua relação com a poesia. C.f. 2.3.


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newtoniana da racionalidade: também quer deslocar o paradigma que a filosofia emula da ciência para a poesia. Segundo o filósofo norte-americano, comumente se supõe que, diferente dos poetas, “os filósofos oferecem uma “base” para nossas obrigações morais com os outros”, assim como acredita-se “que os filósofos são “racionais” e a racionalidade presume-se em estar apto para exigir “validade universal” de sua posição. (RORTY, 1999, p. 263).3 Seguindo o crítico Harold Bloom (1930-), Rorty acredita que a Literatura subscreve a afirmação de Protágoras de que em cada questão há sempre dois logoi em disputa. (Diógenes Laércio 80 A-1 DK). Por conta disso, a Literatura “é irremeavelmente politeísta e agonística, como irremediavelmente monoteísta e convergente é o invento de Platão, a filosofia”4. Sabemos que a querela entre Filosofia e Poesia é tão antiga quanto à própria palavra Filosofia. A fala de Rorty não apaga este conflito, nem tão somente cria uma ponte entre estas duas montanhas5, mas aposta no desenvolvimento de uma perspectiva horizontal de saber onde a filosofia e a poesia seriam parte da conversação da humanidade. Mas o que seria esta disputa entre filósofos e poetas? O que está em jogo neste embate? Neste trabalho procuramos avaliar a filosofia de Richard Rorty como uma defesa da poesia. Assim, precisamos compreender qual o significado que a poesia tem em seu pensamento, investigando sua relação com a construção de uma individualidade (selfhood), ou seja, com a autocriação romântica. Em investigações futuras pretendemos seguir os passos das clássicas defesas da poesia de Philip Sidney e Percey B.Shelley e avaliar a importância e pertinência da poesia para a educação moral e sua relação com a História, Política e metafilosofia, na construção de um dever-ser (Poesia e Utopia).

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“For as opposed to poets, philosophers are traditionally supposed to offer a "basis" for our moral obligations to others. (…) Unlike poets, philosophers are supposed to be "rational," and rationality is supposed to consist in being able to exhibit the "universal validity" of one's position. Foucault, like Nietzsche, was a philosopher who claimed a poet's privileges. One of these privileges is to rejoin "What has universal validity to do with me?" I think that philosophers are as entitled to this privilege as poets, so I think this rejoinder sufficient. ". (EHO, p.198). 4 “Literature, Bloom says, adheres to Protagoras’ motto “two logoi opposing one another”, and thus is a inevitable polytheistic and agonistic as Plato’s invention, philosophy, is inevitable monistic and convergent”. (AOC, p. 118) 5 Martin Heidegger afirmou em “Que é metafísica?” que poetas e pensadores “moram próximos nas montanhas mais separadas” (1973, p.249). Embora Heidegger valorize a poesia,, mantém entre ela e o pensamento um turvo abismo: “O dizer do pensamento vem do silêncio longamente guardado e da cuidadosa clarificação do âmbito nele aberto. De igual origem é o nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual somente ser igual enquanto é distinto, e o poetar e o pensar terem a mais pura igualdade no cuidado da palavra, estão ambos, ao mesmo tempo, maximamente separados em sua essência. O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. Não podemos analisar aqui, sem dúvida, como, pensado a partir do acontecimento (Wesen) do ser, o poetar e o reconhecer e o pensar estão referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados. Provavelmente o reconhecer e o poetar se originam, ainda que de maneira diversa, do pensamento originário que utilizam, sem, contudo, poderem ser, para si mesmos, um pensamento” (HEIDEGGER, 1973: p. 249).


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Na sequência desta Introdução, descrevemos algumas interpretações sobre a origem e o que está em jogo no confronto entre filósofos e poetas, para, a seguir, descrever de modo mais detalhado os passos desta investigação. Antes, brevemente, justificamos a alteração no título e direcionamento em relação ao projeto inicial desta tese.

O título original deste projeto era Verdade da ficção: entre a narrativa pedagógica e a pedagogização da narrativa e seu foco estava na função das narrativas no processo de educação (para o futuro ou o porvir6) e transmissão do passado como consequência da adoção do antirepresentacionismo7 de Richard Rorty. O projeto (como o título Verdade da ficção atesta) mantinha em sua interrogação um conflito entre realismo (tomando como contradiscurso falibilista as críticas de Umberto Eco) e antirealismo que, depois pareceu pouco pertinente por manter a máquina epistemológica funcionando. Descartar estas disputas é uma consequência da adoção da perspectiva de Rorty. Conversando com nossa orientadora, a professora Susana de Castro, chegamos a um consenso de que era preciso repensar este título, já que poderia indicar que o objeto de investigação seria a problemática da verdade (tópico que Richard Rorty fez o máximo para tornar obsoleto) ao invés de pensar as consequências do desenvolvimento de uma cultura literária. Assistindo como ouvinte algumas aulas do professor Gilberto Mendonça Teles, na PUC-RJ, tomamos contato com seu projeto de desenvolver uma antologia crítica das defesas da poesia que, ao longo da história contestaram o juízo de Platão de que não haveria espaço para poetas em uma cidade justa. Percebi que a obra filosófica de Richard Rorty poderia ser encaixada nesta antologia, porque constituí um projeto de defesa da poesia. Em verdade, como veremos, a discussão sobre o lugar das narrativas é uma consequência da condenação platônica, que é o primeiro passo para a institucionalização da literatura, ou melhor, da separação entre filosofia e literatura. Tomamos então este mote para alterar o título e o escopo deste trabalho, procurando agora investigar o significado e lugar da poesia no pensamento de Richard Rorty.

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Jorge Larrosa aponta para uma interessante diferença entre futuro e porvir: o futuro aparece como uma perspectiva de continuidade do tempo atual, enquanto o porvir indica uma abertura para a descontinuidade. (LARROSA, 2001, Pág. 286-287). 7 Tomo a descrição que Richard Rorty faz do pragmatismo como uma perspectiva filosófica que progrediu em direção ao antirepresentacionismo, numa narrativa que inclui Charles S. Peirce, William James, John Dewey, W. V. Quine e Donald Davidson. Esta descrição é desenvolvida, por exemplo, em MURPHY,1993, assim como no artigo de Richard Rorty “Pragmatismo como anti-representacionismo”(1993o).


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Como é comum com os pensadores da antiguidade, quando a Filosofia era tomada como um modo de vida, existem muitas anedotas sobre a vida de Platão (427 – 347 a.C.). No entanto, a maioria tem fonte pouco confiável. Uma delas, contada por Diógenes Laércio, afirma que Platão compôs um conjunto de tragédias e iria inscrevê-las na competição que marcava o festival de Dionísio, no entanto, encontrou Sócrates no meio do caminho. Ao topar com Sócrates mudou sua trajetória, voltou para casa e queimou suas composições dramáticas8. Provavelmente essa anedota não é verdadeira; no entanto, não deixa de ser interessante já que sabemos que foi sob a influência de Sócrates que o jovem Platão se entusiasmou pela musa filosófica e passou a criticar a influência da poesia na educação grega. Para Martha Nussbaum a pergunta sobre como devemos viver seria o ponto de disputa entre filósofos e poetas. (NUSSBAUM, 2005, p.23). Em verdade, aos poucos a perspectiva teórica eclipsou a busca por uma sabedoria vital, o que é uma marca da filosofia antiga. Em grande parte isso se deriva do sucesso da alegoria da caverna inventada por Platão, que se tornou o mito fundador do pensamento ocidental, afirmando que a fundamentação fornecida pelo logos filosófico tem o poder de vincular epistemologia e moral, de tal modo que, o conhecimento da realidade em sua essência nos levaria a agir de modo correto, ou seja, de acordo com nossa verdadeira natureza. Assim, a Filosofia reivindica a Autoridade e Poder a partir do acesso privilegiado à Verdade. O que Platão chama de uma “antiga disputa entre Filosofia e Poesia”, seria um confronto que ele mesmo teria dramatizado, como forma de se opor à matriz cultural hegemônica e propor uma nova política cultural que teria como base a filosofia. O ápice do embate ocorre no livro X da República quando Platão afirma que os poetas não teriam lugar em uma cidade que tivesse como objetivo manter a estabilidade da justiça. O banimento dos poetas é complementado pelo desafio feito aos defensores da poesia para que justificassem sua utilidade através de argumentos:

Mesmo assim, fique dito que, se a poesia imitativa que visa ao prazer pudesse apresentar um argumento que prove que é necessário que ela tenha um lugar numa cidade bem administrada, prazerosos, nós a acolheríamos porque temos consciência de que ela exerce um encanto sobre nós. Concederíamos também a quantos, entre todos os seus patronos, não são poetas, mas amantes da poesia, que digam em sua defesa, com um discurso sem métrica, que ela não só é agradável, mas também útil em relação à cidade e à vida humana, e com boa vontade os ouviremos. (República 607 c-d).

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Diógenes Laércio citado em Kahn (1996, p.36).


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Segundo o filósofo norte-americano Arthur Danto (1924-) este confronto não deveria ser subestimado:

A teoria de Platão sobre a arte é sua filosofia, e, desde então, a filosofia ao longo dos séculos tem consistido em colocar emendas no testamento platônico; a filosofia mesma pode ser apenas o banimento da arte – de tal forma que o problema de separar a arte da filosofia pode ser combinado com o de perguntar o que seria a filosofia sem a arte. (DANTO, 1998, p.68. Tradução minha)9.

A condenação platônica tem, na descrição de Danto, dois passos um tanto contraditórios, já que combinam a acusação de que a arte é, ao mesmo tempo, perigosa e sem efetividade: em um primeiro momento Platão esboça uma ontologia segundo a qual a arte só é capaz de gerar aparências sedutoras, mas não conhecimento da realidade; o segundo passo é exemplificado pelo próprio diálogo socrático, em que a razão doma a realidade conceituandoa, ou seja, representa o intelectualismo socrático onde nada pode ser belo se não for racional. Esse processo de subordinação dogmática da Literatura à Teoria foi diagnosticado de modo unilateral por Nietzsche em O Nascimento da Tragédia10 como sendo uma espécie de evento fundador da metafísica: o diálogo platônico traria em seu cerne a marca dessa “pedagogização” da literatura11. Para Rorty a disputa que Platão descrevia é diferente daquela que se encena a partir do romantismo: na Grécia o círculo socrático defendia a existência de uma ordem natural quer poderia ser conhecida, em oposição àqueles que mantinham a crença em deuses antropomórficos, a razão platônica se opunha à teologia. O embate se dava entre fé religiosa e fé racional. Já a partir do romantismo os termos do confronto se modificam e o tipo de acusação que Platão dirigiu à arte passa a ser feita para a o saber teórico: a busca da filosofia por um saber teórico de alguma forma eterno e imutável gera somente sistemas sedutores e reducionistas; a emoção não deve ser submetida à moralidade, mas sim a imaginação estimulada para produzir novas linguagens e ampliar os horizontes morais. O combate entre 9

“Plato's theory of art is his philosophy, and since philosophy down the ages has consisted in placing codicils to the Platonic testament, philosophy itself may just be the disenfranchisement of art – so the problem of separating art from philosophy may be matched by the problem of asking what philosophy would be without art”. 10 Diz Nietzsche: “Platão proporcionou a toda a posteridade o protótipo de uma nova forma de arte, o protótipo do romance: do qual se tem a dizer que é a fábula esópica amplificada até o infinito, na qual a poesia mantém com a filosofia dialética uma relação hierárquica similar à que, durante muitos anos, manteve a mesma filosofia com a teologia: a saber a de ancila (escrava). Essa foi a nova posição da poesia, para a qual Platão a empurrou, sob a pressão do demoníaco Sócrates”. (NIETZSCHE, 1992. p. 89). 11 Cabe lembrar que o logos pedagógico surge em Platão como uma encenação dialógica que não se prende (ou não deveria se prender) a um sentido único, onde o que é objeto de ensino nunca é definido de modo cabal. De certa forma, a leitura forte que Nietzsche faz de Platão também o pedagogiza. Rorty em sua leitura da história da filosofia, por vezes também se utiliza deste expediente, como, por exemplo, quando interpreta Platão de modo a o identificar com o filósofo que se liberta da caverna e contempla a luz da verdade.


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argumentação racional e imaginação poética a partir do romantismo opõe aqueles que acreditam que exista uma forma certa de agir e os que defendem a possibilidade de autocriação, vendo a abertura para imaginar/viver algo novo como o mais importante. (RPC, p.292). O caminho que Rorty encontrou para contornar a tensão entre o anseio convergente da filosofia e o pluralismo da literatura foi o de procurar contar uma história que redescrevesse os termos em disputa de tal modo que o conflito entre filósofos e poetas deixasse de ser visto como algo necessário: mesmo sem possuir as mesmas crenças sobre o que é o Conhecimento, a Justiça, a Verdade etc.; poderíamos manter uma amizade viva e autêntica e, mais importante, pensar uma sociedade aberta para as diferenças e que estimule a inovação. A decepção de Rorty diante o julgamento negativo dos seus experimentos poéticos, segundo sua avaliação autoirônica, serviu como uma inspiração – edipiana – para que buscasse, pela filosofia, conquistar o respeito dos poetas. Isso significou a abertura para a crença platônica no poder da teoria de conciliar superioridade estética e moral; a vontade da posse de uma “verdade redentora” de contornos religiosos. No entanto, Rorty fracassou em sua revolta adolescente, que tomou forma na tentativa de se converter em um platônico. O resultado de seu esforço foi, segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas, a “melancolia de um desapontamento metafísico” que o fez um “antiplatônico platonicamente motivado”, que desenvolve “o programa para uma Filosofia que deve livrar-se de toda Filosofia”. (HABERMAS, 2005, p.166). Se o que Habermas chama de “toda filosofia” significa a busca platônica por essências universais e atemporais ou o anseio kantiano de tomar a Filosofia como uma “superciência” que fundamenta todo o saber possível, então seu julgamento é correto. Para Rorty qualquer tentativa de definição da filosofia só é interessante se é “implacavelmente parcial e excludente” (RORTY, 2001z, p.46). Por isso, situa como referência uma tradição que encontra a origem dos assuntos de seus debates nos escritos de Platão e Kant; tomando parte em um conflito cujo combustível se deriva da tensão entre o absoluto e o relativo, entre o belo (correspondente à dianoia platônica, ao Verstand kantiano) e o sublime (semelhante à noiesis platônica ou à Vernunft de Kant). Por um lado existe a busca daqueles que querem alcançar uma forma de belo racional e comunicável, que lhes garantisse um poder argumentativo capaz de julgar todo o restante da cultura a partir de sua posição privilegiada; por outro lado, existem aqueles que procuram uma forma de sublime romântico não-discursivo, mergulhando na profundeza dos


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sentimentos, o que lhes daria uma condição igualmente incomensurável, através da sua autocriação, de expressar verdades inauditas. Os filósofos mais instigantes são aqueles que alimentam relações mais ricas e ambíguas entre estes dois pólos o pressuposto comum é de que existiria uma perspectiva privilegiada através da qual seria possível apreciar a “realidade em si mesma”. A ideia de que seria possível alcançar este lugar de “olho-de-deus” – como exprimiu Hilary Putnam – é negada pelo pragmatismo de Rorty. Uma vez que não existe um ponto privilegiado para além dos interesses humanos a partir do qual a realidade possa ser descrita, cabe a nós a responsabilidade de contextualizar aquilo que faria parte dos nossos compromissos com os outros e aquilo que seria nosso espaço de autocriação. Por um lado, na busca de uma utopia política democrática precisamos multiplicar espaços e oportunidades de conversação argumentativa. Neste caminho, Rorty concorda quase inteiramente com Jurgen Habermas, com a diferença de negar a possibilidade de alguma forma de consenso que ultrapasse as comunidades de justificação conversacional. Por outro lado, como Harold Bloom, Rorty sabe que a avaliação de poemas não segue os mesmos critérios da deliberação política e nem devem eles servir como fundamento para a prática política:

para muitas pessoas escrever poemas não é um mero hobby, apesar de que elas nunca mostrem seus versos para qualquer um – a não ser para aqueles com quem tem intimidade. O mesmo vale para a leitura de poemas e para muitas outras atividades privadas, que, da mema forma, dão sentido para vidas humanas individuais e, são tais, que pessoas maduras, adultos de espiríto público, têm toda a razão em não tentar usá-los como base para a política. A busca pela perfeição privada, perseguida por teístas e ateus, não é nem trivial nem relevante para a política pública em uma democracia pluralista”. (PSH, p. 170. Tradução minha)12.

O sublime tem espaço em nossa autocriação privada, onde não precisamos justificar nossos gostos idiossincráticos, preferências religiosas, sexuais etc.

Alfred Whitehead (1861-1947) afirma que toda filosofia ocidental não passa de uma série de notas de pé de página ao texto de Platão. Rorty não nega esta afirmação e até mesmo a amplia como sendo uma condição de toda cultura ocidental. Porém, de modo provocativo desloca o sentido da frase de Whitehead, afirmando que:

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“Writing poems is, for many people, no mere hobby, even though they never show those poems to any save their intimates. The same goes for reading poems, and for lot of other private pursuits that both give meaning to individual human lives and are such that mature, public-spirited adults are quite right in not attempting to use them as a basis for politics. The search for private perfection, pursued by theists and atheists alike, is neither trivial nor, in a pluralistic democracy, relevant to public policy”. (PSH, p.170).


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De modo geral, penso nos metafísicos como notas de rodapé para poetas – como pessoas que se contentam, na maior parte, com rearranjar a linguagem previamente existente ao invés de criarem uma nova linguagem. Eu concordo com Heidegger que “Was aber bleibet/ Stiften die Dichter” [“Porém o que permanece,/ fundam os poetas.”]. (R&P, p.32, Tradução minha)13.

Radicalizando a virada linguística (a percepção que só podemos ter acesso ao mundo através de descrições, o que colocou a linguagem no centro do questionamento filosófico) em uma direção pragmatista, Rorty (2007c) sentencia: “Sem palavras não há raciocínios. Sem imaginação não há palavras novas. Sem palavras novas não há progresso moral ou intelectual”. Em todas as áreas, mesmo na ciência, as inovações dependem de novas descrições, de metáforas diferentes. Nesse caminho, a concepção teórica da filosofia acadêmica cede lugar à visão literária da cultura. O filósofo norte-americano segue o romancista tcheco Milan Kundera preferindo pensar os “tempos modernos” a partir da herança de Cervantes, em detrimento de Descartes, em uma tentativa de promover narrativas ao invés de teorias. Richard Rorty aponta, então, com Kundera, para um novo humanismo, fruto de uma cultura literária, tomando o romance como “o gênero característico da democracia, o gênero mais proximamente associado com a luta por liberdade e igualdade”(EHOp, p.98)14. A Literatura, com sua abertura para a diversidade, traz consigo a possibilidade de ampliação de nosso horizonte de identificação moral, desse modo, contribuindo para uma perspectiva de maior tolerância. Ao invés do contato não cognitivo com algo não humano, como na cultura religiosa, ou do desenvolvimento argumentativo da crença em verdades não contextualizáveis, teríamos o desenvolvimento de relações não cognitivas com outros seres humanos, mediadas por artefatos culturais (livros, filmes, canções, prédios etc.), que trazem uma “carga metafórica” e apontam para a possibilidade de novas formas de convivência. Os detalhes insignificantes e idiossincráticos que são apagados pela “profundidade” da leitura teórica, ganham lugar de destaque nessa nova cultura. A literatura amplia as possibilidades de redescrição ao abalar nosso senso de realidade (reificado, como a imaginação dos mortos) e abrir perspectivas para a construção de novas formas de convivência e comportamento. As narrativas serviriam, então, para nossa autoformação privada, apontando para a construção de uma sociedade em

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“More generally, I think of metaphysicians as footnotes to poets – as people who must rest content, for the most part, with rearranging previously-existing language rather than creating new language. I agree with Heidegger that "Was aber bleibet/Stiften die Dichter”.” (R&P, p. 32). 14 "novel is the characteristic genre of democracy, the genre most closely associated with the struggle for freedom and equality" (EHO, 68).


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que as diferentes formas de busca por redenção pudessem conviver e cooperar solidariamente: a Literatura nos ajudaria a aceitar melhor à convivência com pessoas de costumes diversos e compreender que não faz sentido reivindicar no espaço público-político a posse de uma descrição privilegiada da realidade para além da contingência e da finitude do que é humano. A utilidade da cultura literária está nesya utopia de ampliação da solidariedade. Nesta investigação procuramos entender o significado que Rorty dá ao termo poesia, em sua relação com o self e a abertura para autocriação. O livro do sociólogo Neil Gross, Richard Rorty: the making of an American philosopher é o mote do capítulo inicial. Gross procura mostrar como o autoconceito de Rorty como um nacionalista de esquerda e sua compreensão da dinâmica sociológica da hierarquia acadêmica seriam pressupostos com os quais poderíamos ter uma capacidade mais acurada de prever as decisões de sua trajetória intelectual. Utilizamos Gross para nos aproximar da trajetória intelectual de Rorty e nos valemos da filosofia de Rorty para refutar a pretensão (neo)positivista da sociologia das ideias de Gross. Sem o espaço de autodeterminação por parte do indivíduo toda a perspectiva filosófica de Rorty estaria arruinada: procuramos mostrar como a defesa (romântica) do valor da Literatura se vincula a celebração da possibilidade do gênio. Em um segundo passo, descrevemos como em Contingência, Ironia e Solidariedade Richard Rorty descreve a poesia combinando a descrição de Philip Rieff de que Freud e sua noção de inconsciente democratizou o gênio, mostrando como a imaginação poética é algo comum à todos os homens (na tentativa de manter a normalidade, se equilibrando entre os instintos incorrigíveis e a cultura dominadora), com uma ampliação do conceito de poeta forte de Harold Bloom e a Teoria da Linguagem e o lugar das metáforas na descrição de Donald Davidson. Continua sendo polêmico aceitar a descrição que Rieff faz da democratização do gênio: Harold Bloom lembra a dimensão aristocrática da psicanálise e acha difícil conceber que George W. Bush possua algo como um “inconsciente criativo” (BLOOM, 2003, p.204). A tentativa de conciliar a psicanálise com a gnóstica religião americana, na descrição de Rorty, levaria-nos à celebração de uma cultura literária. Cabe perguntar como tal cultura substitui (ou equilibra) o que há de trágico em Freud com o melhorismo pragmatista de Dewey. Fechando esta investigação, descrevemos como Rorty se aproxima de Proust e utiliza a narrativa de Em busca do tempo perdido como uma espécie de paradigma pelo qual descreve sua trajetória, assim como a da própria filosofia ironista e historicista, que tem Hegel, Nietzsche, Heidegger e Derrida como personagens. Com essa redescrição Rorty


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desloca o sentido mesmo da atividade filosófica, que aparece como uma espécie de romance familiar. No livro Cabeça de Porco, Luiz Eduardo Soares15 narra um pouco da trajetória de Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, conhecido traficante de drogas que foi retratado em um livro (do Caco Barcellos) como o Abusado: o dono do Morro Dona Marta. Na verdade, Marcinho VP ganhou notoriedade quando foi protagonista do documentário de João Moreira Salles, Notícias de uma guerra Particular, assim como pelas entrevistas que deu quando negociou a autorização para que Michael Jackson subisse o morro para filmar um clip. Aqui, o que nos interessa saber é que, a partir do contato com João Moreira Salles, Márcio começou a desenvolver o sonho de deixar o crime e escrever uma autobiografia. No entanto, sua tentativa de fugir da imagem de “bandido perigoso”, de reescrever sua história, acabou de modo trágico:

Preso, Márcio decidiu voltar ás leituras. João [Moreira Salles] lhe fornecia livros. Mostrou-se aplicado nos estudos, comentando cada texto com argúcia e entusiasmo: Machado de Assis, Lima Barreto, Sérgio Buarque de Holanda e vários outros. Por ocasião do lançamento do livro sobre sua vida [de Caco Barcellos], revelou a parentes e amigos os riscos que pressentia. Ele já não fazia parte do mundo ao qual era remetido pelo confinamento e pelos ardis simbólicos, dos quais era vítima e cúmplice. Temia ser assassinado não propriamente porque o livro divulgasse inconfidências que envolvem terceiros, mas pelo simples fato de ser objeto de um livro, destacando-se, diferenciando-se, ultrapassando fronteiras simbólicas que o mundo cerrado da comunidade encarcerada erguia. Essas fronteiras invisíveis eram erguidas justamente para opor-se à diferenciação individualizante — sobretudo quando ela sugerisse possibilidades de mudança e de superação do universo valorativo compartilhado pela sociedade dos apenados. Uma coisa é você converterse á Bíblia, que é parte do código cultural dos apenados, outra coisa é furar a parede cultural com livros, que são armas poderosas e perigosas porque absolutamente inclassificáveis. Pouco depois de 2003, Márcio foi encontrado morto numa caçamba de lixo da penitenciária em que cumpria pena. Seus livros estavam jogados sobre ele, coroados por um cartaz: “Nunca mais vai ler”. Márcio estava proibido de mudar por uma conspiração inconsciente e tácita, que reunia os parceiros mais desiguais e insólitos. Companheiros de prisão não permitiram que ele transgredisse a única lei inviolável: não serás outro (para que eu permaneça o que sou). (SOARES, 2005, p.107).

Na tentativa de fugir da identidade petrificada que lhe atribuíam (e a qual ele mesmo muitas vezes se condenava a retornar de modo inevitável), Márcio buscou inspiração na 15

Luis Eduardo Soares era amigo e foi orientado por Richard Rorty em seu pós-dourtorado. A filosofia de Rorty foi utilizada por Luiz Eduardo Soares na tecitura de um romance da segurança pública no Brasil, trabalho que gerou uma tetralogia de narrativas de gênero controverso (Cabeça de Porco, Elita da tropa1, Espírito Santo e Elite da Tropa 2). Uma entrevista com Luiz Eduardo Soares anexada a este trabalho foi um ponto importante em seu desenvolvimento e serámote de desdobramentos futuros com novas pesquisas. Na entrevista Luiz Eduardo Soares fala de sua trajetória, de sua relação com Rorty, da tetralogia, da aposta na literatura etc.


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leitura. Em verdade, como avalia Luiz Eduardo Soares (2006, p.108), “ler custou-lhe a vida, talvez porque livros simbolizem e realizem, neste universo infernal de reificações estendidas, a mudança insuportável”. Acreditar na capacidade da literatura de ajudar aqueles que procuram reconstruir sua vida é também aceitar o risco inerente às mudanças em um mundo sem essências. Para alimentar esta esperança utópica, o olhar de medusa da Filosofia, em seu anseio convergente por unanimidade racional, tem muito pouco à contribuir. Rorty tentou com sua filosofia defender a poesia e construir um projeto de política cultural, que tornaria as promessas de redenção através da Filosofia menos sedutoras. Ao denunciar a busca mimética por espelhar a natureza, fez surgir em seu discurso negativo, em seu escudo, o reflexo deste mítico ser cujo olhar petrifica. Talvez seja o momento de aprendermos a deixar a cabeça de medusa para trás e não usar com aqueles com os quais não temos uma identificação imediata este tipo de recurso reificador.16 Defender a poesia significa, também, aceitar a contingência e o risco da mudança. Tendo Walt Whitman como guia, Rorty saúda a poesia e a inovação: “Minha utopia [...] é uma em que os poetas, ao invés de cientistas, sacerdotes ou profetas religiosos, são vistos como a vanguarda da civilização e são os heróis e heroínas da cultura”. (R&P, p.32. Tradução minha)17.

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C.f. O ensaio “Leveza” de Ítalo Calvino em Seis propostas para o próximo milênio. (CALVINO, 1990). My utopia (…) is one in wich poets rather than scientists or priests or religious prophets are thought of as the cutting edge of civilization, and are the heroes and heroines of the culture”. (R&P, p.32). 17


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2.1 FILOSOFIA COMO (AUTO)BIOGRAFIA: A TRAJETÓRIA DE UM HEREGE ACADÊMICO Mas não consigo deixar de achar que me confundiu com alguém que obviamente não sou eu. Digo isto porque o mundo está cheio de gente que alega ser um gênio, de um tipo ou de outro, e que, na verdade, é extraordinária somente por sua espantosa incapacidade de organizar sua própria vida. Kazuo ISHIGURO (1996). O desconsolado. p.138 – Deve ter percebido o inconveniente legal básico da metodologia pré-crime. Prendemos indivíduos que nunca infringiram a lei. – Mas que certamente infligirão – afirmou Witner com convicção. .– Felizmente, não. Nós os pegamos primeiro, antes que cometam qualquer ato de violência. Desse modo a comissão do crime, em si mesma, é uma metafísica absoluta. Alegamos que são culpados. Eles, por sua vez, afirmam eternamente ser inocentes. E, de certa maneira, são inocentes. Philip K. DICK (2002). Minority Report: p.13 “Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que este paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto”. Jorge Luís BORGES (1999, p.254)

2.1.1 Introdução

A defesa que Richard Rorty faz do valor da Literatura ecoa o expressivismo e sua pretensão de que “cada indivíduo é diferente e original, e essa originalidade determina como ele deve viver”. (TAYLOR, 1997, p.481). Na procura pela autocriação e autoexpressão a arte ganha um lugar proeminente como fonte poética, que alimenta este processo contínuo de desenvolvimento da individualidade (selfhood). (IDEM, p.483). Sem a possibilidade de individuação, e mesmo do gênio, a defesa que Rorty faz da poesia cai por terra. (NEHAMAS, 1990). Neste capítulo assumimos a obra do sociólogo Neil Gross – Richard Rorty: the making of an American Philosopher [Richard Rorty: a construção de um filósofo americano] – como mote para problematizar a tensão entre individualização e socialização, e a necessidade de alguma abertura poética para autodeterminação do indivíduo. Gross desenvolve uma narrativa sobre a biografia intelectual de Rorty, tendo como foco a fundamentação de uma teoria sociológica científica com poder preditivo em relação às escolhas teóricas e profissionais de qualquer filósofo durante sua carreira acadêmica. A


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inovação que pretende trazer para a sociologia da filosofia – como veremos – está em considerar não somente fatores macroestruturais ou relacionados à busca de prestígio acadêmico, mas também os elementos de autoconceito, que fundam a autoimagem de cada intelectual e que, por isso, são determinantes em seu modo de atuar. Ao tentar traduzir a criatividade filosófica em determinação sociológica, Gross acena para um tipo de reducionismo anacrônico em suas pretensões positivas. No entanto, esta acusação merece ser desenvolvida com mais cuidado, já que a Sociologia da Filosofia – purgados seus arroubos fundacionistas – pode contribuir de modo interessante para desmitificar a atividade filosófica, desvelando sua dimensão ritual e tácita. Neste sentido, ela pode ser considerada uma aliada nos esforços metafilosóficos de Richard Rorty e do pragmatismo deweyano. Neste capítulo, em uma primeira parte (2.1.2) apresentamos sumariamente a Sociologia da Filosofia e (2.1.2.1) procuramos situar e diferenciar as pretensões específicas do trabalho de Gross. Na seção seguinte descrevemos a trajetória intelectual de Rorty a partir da narrativa desenvolvida por Gross (2.1.3.), (2.1.3.1) problematizando a seguir as transformações e divisões de seu percurso. Por fim, (2.1.4) pretendemos avaliar a proposta de Gross em confronto com a filosofia de Rory e a importância que ela dá ao conceito de autocriação.

2.1.2 Estratégias para sair da Caverna: sobre Sociologia da Filosofia

É comum a descrição dos filósofos como empenhados em uma inquirição que não tem objeto, mas que trata dos pressupostos de qualquer saber possível. Esta busca é desinteressada e tem como alvo a verdade (“Sócrates amigo, mais amiga a verdade”), uma forma de sabedoria universal, que alguns ainda qualificam como eterna e imutável. Ora, ainda que esta autoimagem platônico-kantiana fundacionista seja uma caricatura, a ideia de que sociólogos possam tomar como objeto de estudo a origem e o desenvolvimento de teorias filosóficas causa mal-estar: a filosofia, como fiadora de qualquer forma de conhecimento válido, só poderia ser avaliada pela própria filosofia e por meio de argumentos filosóficos. Sendo impossível transcender a filosofia, qualquer análise sociológica poderia ser questionada em seus pressupostos filosóficos. Por isso, a ideia de uma “sociologia da filosofia” é geralmente encaixada pelos filósofos em uma narrativa de decadência, como um fenômeno que torna manifesto a submissão do pensamento à razão instrumental ou aos mecanismos de saber-poder ou à técnica. (PESTAÑA, 2007, p.117). O tom de voz apocalíptico, neste caso, se


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conjuga com o tom de voz senhorial na proteção da dignidade da profissão, propriedade e fronteira de feudos acadêmicos. A perspectiva antifundacionista de Richard Rorty e a consequente prioridade ontológica que dá ao social18 se alinham com teorias epistemológicas, que aproximam a ideia de método de rituais que os membros de uma comunidade de investigação incorporam – como as desenvolvidas por Thomas Kuhn e Michel Polanyi19. Neste ponto, enquanto diversos autores temem o relativismo cultural, Rorty percebe um passo a mais no processo de naturalização da epistemologia – em uma estrada que parte de Platão e desemboca no pragmatismo –, fazendo da solidariedade intersubjetiva entre os membros da comunidade de investigação o critério que redescreve a ideia de objetividade (c.f. PMN, p.221-230, PMNp p.222-231). Rorty não crê em algo “além” das práticas sociais de justificação (PMN, p.390., PMNp, p.382). Por isso, investigar sociologicamente os rituais e pressupostos hierárquicos que estruturam uma comunidade – cujos membros historicamente reivindicam a guarda do tribunal da razão e a fundamentação de todo saber válido – é uma tarefa que parece estar de acordo com seus anseios contextualistas. Em uma época marcada pelo avanço do academicismo e do apelo para que as ciências humanas imitem os modelos das ciências “hard”, uma sociologia da filosofia talvez possa ajudar a re-modular o tom de voz da filosofia, em uma dicção que convide ao diálogo no jogo de pedir e dar razões. No entanto, existe o risco de que esta ciência apenas promova mais um tipo de discurso reducionista e escolástico, tendo o sociólogo como alienista inconsciente de sua própria alienação. Para Rorty em PMN, “se vemos o conhecimento como uma questão de conversação e de prática social, antes que uma tentativa de espelhar a natureza”, devemos abdicar da ideia de “uma metaprática que seja a crítica de todas as formas possíveis de prática social”. (PMNp, p.176)20. Ainda que os sociólogos abordem a filosofia com anseios positivistas de efetivar a ideia do sociólogo-rei, uma invenção da filosofia do século XIX, vale separar os insights mais instigantes para fertilizações mútuas (PESTAÑA, 2012) e redescrições criativas21. 18

C.f. VOPARIL, 2011; BRANDOM, 2013 Sobre a complementaridade entre a posição de Rorty quanto à epistemologia e a de Polany c.f. ROTHFORK, 1995 20 “If we see knowledge as a matter of conversation and of social practice, rather than as an attempt to mirror nature, we will not be likely to envisage a metapractice which will be the critique of all possible forms of social practice” (PMN, p.171). 21 O trabalho do sociólogo espanhol Jose Luis Moreno Pestaña – embora não seja o foco desta análise – é o mais interessante e imaginativo daqueles que abordam a filosofia. Sua abordagem periférica tem maior poder de ironia quanto às reivindicações do próprio campo, produzindo, por vezes, reavaliações dos anseios positivistas e hierárquicos de seus interlocutores imediatos. Suas tentativas de combinar a análise da filosofia com a sociologia das enfermidades mentais é mais do que divertida; e sua análise do fracasso intelectual de acadêmicos espanhóis 19


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Uma forma de investigação sociológica sobre a atividade intelectual já estava presente nos clássicos da Sociologia. De modo geral estes autores analisavam a relação dos filósofos com suportes estruturais e determinantes como crenças religiosas, divisões hierárquicas, mudanças políticas e econômicas, por exemplo, Karl Marx (1818-1883) focava a relação entre “práxis” e “consciência”; Émile Durkheim (1858-1917), “consciência coletiva” e a “organização social”; Max Weber (1864-1920), interesses materiais e ideais; e Karl Mannhein (1893-1947), a relação entre a situação vivida e o processo de pensamento. (BRYANT, 2011, p.9). Somente a partir da década de 1940 uma forma de sociologia do conhecimento se cristaliza e alguns estudiosos explicitamente estudam a arena intelectual, desenvolvendo a sociologia das ideias. (CAMIC; GROSS, 2002, p.237). Segundo Gross, os primeiros trabalhos em sociologia das ideias merecem ser criticados pela falta de foco, valendo-se de generalizações irrefletidas sobre “padrões culturais nacionais”, “requisitos funcionais” ou “base existencial”. (GROSS, 2008, p. 235-236). Sem perspectivas ou métodos adequados, estes sociólogos reeditariam algo mais próximo da ideia de colisão do gênio com o ambiente macroestrutural. Tomando como figuras paradigmáticas Randal Collins (1941-) e Pierre Bourdieu (1930-2002) (GROSS, 2002, 2003, 2008; HEIDEGREN; LUNDBERG, 2010), Gross defende uma “nova sociologia das ideias” na qual perspectivas individuais são consideradas respostas para exigências profissionais daqueles que disputam espaço na arena intelectual. (GROSS, 2000, p. 854). Charles Camic, Michèle Lamont, Martin Kush (GROSS, 2008, p.237), José Luis Moreno Pestaña, Louis Pinto, Alvin Gouldner e o próprio Neil Gross são os nomes mais proeminentes associados a esta nova abordagem. Cinco pontos diferenciariam a velha e a nova sociologia das ideias:

1) os antigos trabalhos tomavam o estudo das ideias como um meio (para denunciar aspectos ideológicos, por exemplo) e não como um fim em si mesmo; 2) a “velha” sociologia das ideias pressupunha uma distinção entre o conteúdo das ideias (interior) e os fatores sociais externos; divisão rejeitada na nova sociologia das ideias; 3) a antiga Sociologia tomava o significado dos textos como sendo algo autossuficiente,

transparente

e

acessível

diretamente

aos

pesquisadores;

tem como grande mérito relativizar a noção de “sucesso” imaginando as diferentes possibilidades de combinação entre 1) consagração institucional, com o êxito na ascensão a cargos burocráticos; 2) da consagração intelectual, com o reconhecimento por parte dos colegas do campo; e 3) a autonomia criativa, enfrentando o risco de se afastar da reprodução e da escolástica auto-indulgente . C.f. PESTAÑA, 2012.


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pressuposição que é problematizada pela nova sociologia que leva mais a sério o contextualismo e a ideia da construção e incorporação social do sentido; 4) enquanto a antiga sociologia das ideias focava fatores macroestruturais, a nova sociologia tende a trabalhar com um foco mais restrito as relações da comunidade intelectual numa forma de localismo; 5) a perspectiva anterior tomava a ideia do intelectual como uma categoria objetiva, já a nova sociologia das ideias toma a arena intelectual como um palco de luta por espaço e importância hierárquica dentro de seu campo. (CAMIC; GROSS, 2002).

O foco passa a ser o campo relativamente especializado daqueles que produzem ideias (interpretativas/hermenêuticas, morais, estéticas ou políticas) e como (em que contexto, com qual reivindicação de autoridade, atendendo a quais anseios etc.) estas emergem, se desenvolvem e se modificam. De modo geral, a personagem de seus estudos são os intelectuais e suas disputas hierárquicas. (CAMIC; GROSS, 2002, p.236-237). A nova sociologia das ideias tem como ponto comum a aceitação do conceito de Durkheim de “fatos sociais”, “externos ao indivíduo (ainda que este contribua em sua constituição como ator social) que, ao mesmo tempo, tornam possíveis e restringem suas escolhas intelectuais e profissionais”.22 (GROSS, 2008, p.11). Tomando como ponto de referência a comunidade filosófica, seus rituais de interação e hierarquização pretendem ter um método específico que justifique a manutenção e desenvolvimento de uma escola de investigação (ou seja, empregos para seus afiliados, eventos e financiamento para pesquisas). Mais do que isso, aumentam o nível de especialização ao propor uma sociologia da filosofia, que, na definição de Heindegren e Lundberg (2010, p.4), tem como objeto de estudo a atividade filosófica como “socialmente organizada e enraizada em diversos contextos históricos e sociais, uma atividade que inclui a produção do conhecimento filosófico, ou seja, asserções e linhas de raciocínio que reivindicam validade”.23 Estes sociólogos aceitam como um “fato social”24 o “autismo estrutural” da história da filosofia, ou seja, tomam a comunidade dos filósofos e filósofas como uma espécie de clube fechado, com rituais e hierarquia próprios. As escolas filosóficas despertariam paixões 22

“are external to the individual (although they also help to constitute her as a social actor), and they both enable and constrain her intellectual and career choices”. 23 “the sociology of philosophy is accordingly philosophical activity as a socially organized activity rooted in various historical and social contexts, an activity that includes the production of philosophical knowledge, that is to say, assertions and lines of reasoning that make claims to validity”. 24 Partindo deste conceito, carregado de positivismo, é difícil para os sociólogos das ideias fugirem da acusação de compartilhar a ambição de Durkheim de fazer da sociologia uma “ciência primeira” em torno das quais se unificariam as ciências humanas. (TOSI, 84).


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semelhantes àquelas que movem fanáticos por um time de futebol, que estão sempre dispostos a torcer qualquer argumentação, modificando premissas e descrições, de tal modo que as crenças com as quais se identificam permaneçam justificadas. (PESTAÑA, 2007, p.117). As práticas filosóficas possuem uma dimensão ritual que passa despercebida na autoconcepção dos filósofos por não se fundar em relações profanas, nas quais o conhecimento se alimenta de um consenso linguístico, mas, sim, de relações rituais, tácitas, e pré-linguísticas, como aquelas que fundam o sagrado. Este tipo de atitude ritual se nutre de celebrações cerimoniais do valor e espírito da profissão, vinculadas a exigência de certo tipo de comportamento codificado, em um sistema de expectativas mútuas: carreiras podem ser bloqueadas por atitudes cerimoniais inconvenientes, como citações de autores considerados “hereges”, fidelidade para com orientadores que possuem menor poder ou interesse em encaminhar os seus passos seguintes (em muitos casos até antecipando os resultados a serem alcançados em suas “pesquisas”), “especialidades” ou abordagens sem grande espaço acadêmico etc. Mais do que isso, sem sensibilidade simbólica pode ser difícil aprender a se colocar na altura dos textos filosóficos, como ilustra bem esta descrição feita por José Luis Moreno Pestaña: Um professor de filosofia pode ler para seus alunos parágrafos da Crítica da Razão Pura e esperar deles o tipo de atitude que aprendeu a ter em relação aos clássicos. Assim, espera que anotem seus comentários que sublinhem no compasso de sua leitura aquilo que indica e que lhe façam certas questões e não outras; se um aluno abre desconsideradamente a boca, folheia o texto com displicência e pergunta sobre que sentido há em ler um filósofo morto quando existem tantos vivos, não significa que dificultem sua aula. É o mesmo que experimenta um enfermeiro para o qual um paciente perguntasse seriamente se não pretenderá assassiná-lo com as pílulas que subministra: um ataque àquilo que faz sagrado o ofício de filósofo (a existência de ideias que refulgem para além do tempo em que foram proferidas) similar a afronta que infligiu o enfermo ao profissionalismo e motivações da enfermagem. (PESTAÑA, 2007, p.120-121).

Os dois principais nomes da disciplina, Randall Collins e Pierre Bourdieu, compartilham a descrição de uma dimensão ritual como parte inerente à atividade filosófica, no entanto, possuem avaliação diferente quanto à relação entre a obra de um autor e seu contexto sociopolítico. Collins já era conhecido por tentar provar que compositores como Beethoven, Mozart e Haydn não possuem quaisquer qualidades intrínsecas peculiares, sendo meros frutos da fortuna de um ambiente cultural favorável (SICA, 2011, p.31), procura repetir seu “feito” agora Platão, Kant e Hegel nas mais de mil páginas de seu Sociologia das Filosofias [The Sociology of Philosophies: a global theory of intelectuall change]: o tamanho do calhamaço é provavelmente seu mais robusto argumento contra a acusação de reducionismo. O sociólogo norte-americano defende a autonomia do campo filosófico,


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procurando demonstrar que é a busca por ampliação do espaço de atenção (“attention space”) o que motiva alguém a engajar-se seriamente na defesa de diferentes argumentos. Para explicar o que é a busca por espaço de atenção Collins pede que imaginemos uma série de indivíduos se acotovelando num campo aberto e gritando “ouçam-me!” (COLLINS, 1998, p.38), a tarefa do sociólogo é desvelar as condições (estratégias e situações vantajosas) que possibilitam “chamar atenção” e ganhar destaque hierárquico. A maioria não consegue ser ouvida, e na medida em que é deixada de lado se acomoda em posições periféricas, procurando associar-se a algum grande nome que poderiam ressoar. A essência da criatividade filosófica não estaria relacionada à existência de gênios individuais, mas, sim, com as reordenações dos espaços de conversação que só permitem que um pequeno número de filósofos ocupe o centro da arena filosófica. (COLLINS, 1998, p.90). O critério esdrúxulo que utiliza para determinar que alguém merece a qualificação de “grande filósofo” é a contagem do número de páginas dedicados atualmente a sua obra, o que significa que um autor conseguiu influenciar gerações posteriores e adquirir relevância. (COLLINS, 1998, p. 56-59). O autor fala da lei do pequeno número (law of small numbers) segundo a qual os lugares nos centros de convergência da conversação variam entre três e seis autores em primeiro plano na disputa pelo limitado espaço de atenção. (GROSS, 2000, p. 836). Para ocupar um destes lugares centrais não basta que ele esteja vago nem a posse de imenso capital cultural: é preciso impressionar em encontros presenciais figuras proeminentes da rede de conversação, articulando de modo interessante crenças comum dentro do pano de fundo valorizado por esta elite. Os encontros presenciais funcionam como rituais de interação que aumentam ou diminuem a energia emocional do participante, esta energia abastece o impulso criativo e fornece a autoestima necessária para realizar um trabalho melhor. Em resumo, para ser protagonista no teatro filosófico é imprescindível a autorização de outras grandes figuras da trama; conhecer os pressupostos e tentar se posicionar no centro dos debates de seu tempo. Com este método Collins desenvolve sua sociologia das filosofias que tem a espantosa

pretensão

de

explicar

os

pressupostos

sociais

que

condicionaram

o

desenvolvimento do pensamento filosófico desde a Grécia Antiga (passando por China e Índia) até os dias atuais25. 25

Por exemplo, para Randall Collins o idealismo alemão seria uma contraparte do processo de revolução acadêmica, afastando a universidade do domínio da Igreja e instituindo a autonomia dos pesquisadores para definir os seus próprios caminhos, tendo poder para assumir todas as esferas da vida intelectual (COLLINS, 1998, p.618). O idealismo alemão teria se espalhado por diversos países (Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Suécia etc.) acompanhando a importação do modelo de secularização da Universidade alemã. Além disso, os


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Aplicado a um contexto menor e sem a pretensão positiva, a descrição de Collins fornece uma explicação interessante dos motivos que levam muitos professores com grande capacidade intelectual, quando colocados na periferia intelectual, sem uma rede de reconhecimento que lhes dê energia emocional para desenvolver trabalhos criativos ou mesmo para saber sobre o que devem investigar para ganhar relevância, a cair em uma espiral paralisante de autoexigência e erudição. A posição periférica também facilitaria a encenação de falsos debates com pensadores consagrados, onde não existe grande caridade hermenêutica por parte dos autores proeminentes para responder objeções, como se não houvesse possibilidade efetiva de diálogo: um dos efeitos de ser um nome consagrado é a possibilidade de não ler os autores que o elogiam ou o refutam. (MORENO PESTAÑA, 2007, p.122). Já Pierre Bourdieu defende a existência de uma homologia entre ideias filosóficas e posições sociopolíticas. Para o sociólogo francês existe uma multiplicidade de campos (artístico, acadêmico, burocrático etc.) que reivindicam autonomia e regram seu funcionamento a partir de uma lógica própria (que chama habitus) com o reconhecimento de um tipo específico valor (econômico, cultural, social), que funciona como seu capital simbólico, legitimando estruturas hierárquicas próprias. Por isso, somente poderíamos falar de autonomia dos textos filosóficos se acrescentassemos que a significabilidade destes textos depende de uma refração promovida pela lógica interna do campo filosófico, no qual ocorre uma transformação ontológica que sublima (mas não exclui) sua origem e posição sociopolítica. (BOURDIEU, 1989, p.12; HEIDEGREN; LUNDBERG, 2010, p.11). 26 O trabalho do sociólogo seria desvelar esta alquimia, denunciando a “ilusão escolástica” que

antigos anseios intelectuais concentrados no campo da Filosofia foram desmembrados pelo crescente processo de especialização acadêmica. Tal especialização influenciou também a forma como a Filosofia se desenvolveu desde então, dialogando com outras áreas do conhecimento de modo a ampliar o seu próprio espaço de atenção. É nessa direção que Collins explica o contraste entre o sucesso de Hegel e (relativo) fracasso de Schopenhauer. O primeiro estaria mais familiarizado com o universo acadêmico e teria capturado grande atenção ao se aproximar da historiografia, movimento que esteve na primeira onda da constituição das disciplinas acadêmicas; também a seu favor, Hegel teria o fato de que existiam diversas tendências filosóficas ocupando espaço no palco filosófico quando ele apareceu se colocando no centro, articulando-as e, deste modo, produzindo sua própria ascensão. Schopenhauer, embora tivesse uma ótima teia de relações, teria aparecido muito tarde e mantinha uma visão que não dava valor a História, o que contrariava o impulso reformista alinhado com a formação de disciplinas ligadas aos estudos históricos e sociais. Hegel teria sido energizado pelo espaço de atenção que conquistou; já Schopenhauer, ante a pouca repercussão de seu trabalho, teria perdido energia emocional, declinando em direção a neurose; o que o fez desistir precocemente de dar aulas. Para Collins os dois autores produziram obras criativas, porém o que justifica a maior atenção que Hegel conseguiu são mais razões estratégicas do que alguma forma de mérito filosófico. (GROSS, 2000, p.858-859). 26 Bourdieu acredita que para desembaraçar a ambiguidade estrutural dos textos filosóficos é preciso submetê-los a uma leitura que seja ao mesmo tempo política e filosófica: “A análise adequada se baseia numa dupla rejeição: ela recusa tanto a pretensão do texto filosófico à autonomia absoluta, e a recusa correlata a toda referência externa, com a redução direta do texto às condições mais gerais de sua produção. Pode-se reconhecer a independência, mas com a condição de ver claramente que ela é apenas outro nome da dependência com respeito às leis específicas do funcionamento interno do campo filosófico”. (BOURDIEU, 1989, p.12) .


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constitui o habitus acadêmico, segundo a qual o pesquisador realiza uma busca “desinteressada” pela verdade, quando, efetivamente, suas escolhas gravitam estrategicamente (em uma racionalização post hoc) para as ideias que poderiam lhe granjear maior prestígio intelectual, o que significa ascensão na hierarquia de seu campo de estudo. (GROSS, 2008, p.244). Bourdieu não dá nenhum espaço para a ideia sartreana de transcendência, a perspectiva segundo a qual não estaríamos confinados ao que é dado, já que em cada ato poderíamos exercer nossa liberdade e agir de modo diferente do habitual. (ABOULAFAIA, 2010, p.6). O sociólogo francês ataca frontalmente a idealização do intelectual e a concepção de liberdade desenvolvida por Sartre, que, para ele, é um “monstro conceitual” fundado na “noção autodestrutiva de "projeto original", ato livre e consciente de autocriação pelo qual o criador atribui-se seu projeto de vida”. Com isso, Sartre cria o mito do "criador incriado” fruto de um “ato livre e consciente de autodeterminação, um projeto original sem origem que encerra todos os atos posteriores na escolha inaugural de uma liberdade pura”. (BOURDIEU, 1996, p.215). Sustentar uma posição que foge a qualquer condicionamento é uma forma de manter e justificar o poder da figura do intelectual, herdeiro da tradição francesa dos philosophes que, em sua busca desinteressada pela verdade, defende não somente sua liberdade, mas o poder de orientar transformações políticas efetivas27. O estudo mais conhecido de Bourdieu sobre sociologia da vida intelectual é o polêmico A ontologia política de Martin Heidegger. Nele o sociólogo francês bota a mão no vespeiro da relação entre o pensamento de Heidegger e sua adesão ao nazismo, descrevendo sua filosofia como parte da “revolução conservadora” que então tomava a Alemanha. A polêmica não se refere somente a forma “herege” como Bourdieu aborda a filosofia, mas também porque o sociólogo francês teve sua formação inicial no campo filosófico. Atacar o intelectualismo da filosofia insistindo na cientificidade da sociologia não deixa de ser uma forma de tentar cooptar prestígio reivindicando possuir o poder simbólico das ciências naturais. (SHUSTERMAN, 1999, p.25). Para o discípulo de Heidegger, Hans-Georg Gadamer a abordagem de Bourdieu faz com que o sociólogo surja como aquele que tem acesso ao realmente real, enquanto “a filosofia parece representar uma espécie de vigarice intelectual que se estabeleceu como uma instituição social honrosa”, o que torna impróprio que qualquer filósofo o julgue. (GADAMER, 2009, p.56). No entanto, ele pode dizer que o sociólogo produz uma distorção 27

Sobre um estudo exaustivo sobre a noção de philosophes c.f; GUMBRECHT,1992; sobre o intelectual como herdeiro do philosophes c.f. GUMBRECHT, 2001.


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grotesca demonstrando, em sua análise da obra de Heidegger, falta de competência “onde quer que se trate de filosofia”. (GADAMER, 2009, 'p.60). Em verdade, Bourdieu, na descrição de Gadamer, faz com que o problema do esquecimento do ser" surja como uma “eufeminização” daquilo que permanece impensado enquanto algo social. (GADAMER, 2009, p.63). Se o ser para Heidegger deveria permanecer uma palavra vazia para estimular sua automitificação, Sartre caiu na armadilha de tentar preencher esta ausência de definição tomando o “nada” como configuração metafísica da essência do humano em sua liberdade; já Bourdieu, reifica a diferença ontológica como uma – inconsciente – alquimia sociológica, o que faz de seu método uma modelação com valor científico-social, mas sem valor filosófico. (GADAMER, 2009, p.63). Outros autores têm um juízo diferente sobre a utilidade da obra de Bourdieu para a Filosofia, como demonstra a obra organizada por Richard Shusterman: Pierre Bourdieu: a critical reader (1999). Nesta coletânea Bourdieu é tratado como filósofo e motiva artigos de autores consagrados dentro deste campo (como Charles Taylor, Hubert Dreyfus, Paul Rabinow e Arthur C. Danto). Para Shusterman a critica de Bourdieu à filosofia não deve ser confundida com desprezo em relação a suas tradições e instituições (SHUSTERMAN, 1999, p.2). Em verdade, sua obra pode ser utilizada em um sentido melhorista, como o recomendado pelo pragmatismo de John Dewey em sua aproximação das ciências sociais. No entanto, Shusterman percebe que a resistência de Bourdieu quanto a uma aproximação maior do pragmatismo faz parte de sua estratégia de crítica da figura do philosophes/intelectual e sua condição profética, algo que a utopia pragmatista repõe. Já Arthur C. Danto considera que o ataque de Bourdieu a Sartre se direciona a uma concepção de liberdade extrema que mais tarde o autor de O ser e o nada abandonou. No entanto, sua noção de campo é uma ferramenta útil, sendo mais fértil que aquelas das teorias institucionais para compreender as disputas e criação de novas posições artísticas. Todavia, Bourdieu não conseguiria explicar o gênio criativo individual, que inventa estas novas possibilidades, segundo Danto, depois de incorporar as disputas de seu campo e tornar-se capaz de parafrasear Madame Bovary e afirmar “este campo sou eu” (DANTO, 1999, p.219), tendo sua “idiossincrasia” levada a sério. 2.1.2.1 Neil Gross e uma ciência para antecipar hereges acadêmicos Se todas as escolhas intelectuais – como sugerem Bourdieu e Collins – são feitas na procura de conquistar maior prestígio e ascender na hierarquia de seu campo de atuação,


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como explicar preferências que fogem do paradigma dominante? Pensando especificamente no campo da filosofia norte-americana, Neil Gross se pergunta o que motivaria um jovem filósofo a escolher como tema de trabalho de pós-graduação o pragmatismo, se com essa decisão limita e coloca em risco sua carreira? No artigo “Becoming a pragmatist philosopher: status, self-concept, and intelectual choice”, de 2002, por meio de uma pesquisa empírica – com uma série de questionários e tabelas sobre diversos fatores –, Gross tentou responder a esta questão. Em sua descrição, os pragmatistas são tidos como filósofos com menos status que outros profissionais no campo da filosofia, hereges disciplinares dispostos a contrariar convenções “aparentemente sem levar em conta as consequências profissionais” (GROSS, 2002, p. 56). Esta descrição é controversa, pois não justifica ou define qualquer padrão de coerência que una a comunidade dos que se autodescrevem como pragmatistas; estes seriam tomados simplesmente como um tipo: bárbaros subversivos. É certo que qualquer definição do que seja o “pragmatismo” seria parcial, já que este termo, desde que ganhou fama com William James, teve seu significado desdobrado em uma multiplicidade caótica de sentidos, tornando-se um rótulo pouco esclarecedor quando não especificado.28 Em sua pesquisa, Gross se pautou por aqueles filósofos que se autodenominavam pragmatistas e pelos dados de publicação de teses e dissertações desenvolvidas com esta temática. Concluiu que as teorias que justificam escolhas intelectuais como vinculadas à procura de status são válidas, já que, estatisticamente, o pragmatismo é a opção de pessoas com baixo capital intelectual e também daquelas que procuram adaptar-se contextualmente, agradando orientadores dentro de programas de pós-graduação simpáticos a esta orientação filosófica. Contudo, Gross procura mostrar que as perspectivas que se fundam na busca por prestígio são insuficientes, já que as pessoas que se autodescrevem como politicamente moderadas, cientistas com preocupações existenciais (teológicas) ou nacionalistas são estaticamente mais propensas a escrever dissertações sobre pragmatismo do que sobre temas da filosofia continental ou analítica (GROSS, 2002, p. 73). Isso justifica a necessidade de aperfeiçoamento das teorias que explicam escolhas intelectuais baseando-se na busca por status, de modo a fazer jus à importância da construção da identidade intelectual. Gross propõe uma sociologia das ideias que

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Richard Bernstein lembra que Arthur Lovejoy, em 1908, data em que a primeira vez que William James utilizou o nome pragmatismo publicamente completava dez anos, ironizou o fato de que o termo possuía treze sentidos diferentes. Para Bernstein, cem anos depois podemos considerar que Lovejoy foi conservador ao propor apenas trezes formas de pragmatismo (BERNSTEIN, 2010, p. 4-5).


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pretende ser complementar às teorias de Bourdieu, Collins e outros. Ao mesmo tempo, a teoria sugere que muito do que vem a ser importante para os pensadores como autoconceito não pode ser reduzido a preocupações sobre posições hierárquicas, envolvendo um conjunto mais amplo de autocompreensão. Estas autocompreensões, de acordo com a teoria, são variáveis-chave que ajudam a prever as escolhas que os pensadores farão em várias questões intelectuais. 29

A ideia de autoconceito não é uma invenção de Gross, mas uma apropriação a partir da psicologia social (de Erik Erikson) na tentativa de fornecer à sociologia das ideias uma visão mais robusta do indivíduo. No entanto, este passo parece ser falseado, na medida em que o sociólogo se desfaz de duas distinções: a de Erikson sobre o desenvolvimento psicológico dos indivíduos criativos e a feita pelos psicólogos sociais entre o autoconceito (que pertence ao eu e um determinado momento) e as narrativas biográficas (um self temporalmente estendido) (NEISSER, 1993, p. 5). Gross vê em Erikson uma tendência à hagiografia (GROSS, 2008, p. 270-273) que deve ser purgada em uma perspectiva sociológica que procura fazer uma taxonomia dos intelectuais, percebendo as instituições e filiações como matriz classificatória que determina tipos como ideias, caráter e valores semelhantes (Idem, p. 257); também vê a divisão promovida pelos psicólogos sociais como irrelevante para sua análise (Idem, p. 268). Explica o que chama de autoconceito de uma forma próxima ao que trivialmente consideramos ser uma busca por coerência: Os pensadores contam histórias, para si e para os outros, sobre quem eles são como intelectuais. Estão, por isso, fortemente motivados a realizar o trabalho intelectual que, inter alia, ajudará a expressar e reunir os elementos díspares destas histórias. Se todas as coisas se mantêm estáveis, os intelectuais se inclinarão para ideias que fazem este tipo de síntese possível. (GROSS, 2008, p. 272, itálico no original)30

Gross procura desenvolver uma aproximação da biografia de Richard Rorty como objeto de um estudo de caso dentro da sociologia das ideias que justifique a validade/utilidade de sua teoria do autoconceito. A trajetória de Rorty parece particularmente promissora por possuir uma controversa transformação: em uma primeira fase de sua carreira ele seria um crente militando nas fileiras da filosofia analítica e

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“theory of intellectual self-concept is intended to be complementary to the theories of Bourdieu, Collins, and others. At the same time, the theory suggests that many of the self-concepts that come to be important to thinkers cannot be reduced down to concerns over field position and involve a broader set of self-understandings. These self-understandings, according to the theory, are key variables that help predict which choices thinkers will make in a variety of intellectual matters” (GROSS, 2008, p. 264. Ênfase minha). 30 Thinkers tell stories to themselves and others about who they are as intellectuals. They are then strongly motivated to do intellectual work that will, inter alia, help to express and bring together the disparate elements of these stories. Everything else being equal, they will gravitate toward ideas that make this kind of synthesis possible


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divulgando a boa nova da virada linguística; a seguir, passa para um segundo estágio 31 de sua carreira, quando se autodescreve como pragmatista, posição que desenvolve como um Cavalo de Tróia, atacando a filosofia analítica em seu terreno. Com a teoria do autoconceito, Gross pretende explicar esta mudança em termos mais prosaicos. A análise da trajetória intelectual de Rorty tem uma função teórica como exemplo a ser generalizado, o que demonstraria a importância da coerção social mesmo para indivíduos considerados criativos: o desenvolvimento de novas ideias por pensadores deixaria de parecer algo miraculoso, um inexplicável ato de gênio, a expressão do espírito do tempo ou uma expressão simplista de interesses de classe e começaria a aparecer como é: o resultado mais ou menos previsível do trabalho de vidas e de outras experiências sociais cotidianas daqueles afortunados o bastante para ocupar um lugar no relativamente limitado número de aberturas ocupacionais deixadas por aqueles considerados intelectuais. (GROSS, 2008, p. 350, ênfase minha)32

No artigo “Richard Rorty’s pragmatism: a case study in sociology of ideas” (2003), e, de modo mais demorado, no livro Richard Rorty: the making of an American Philosopher, Neil Gross pretende desmistificar a ideia de uma virada na trajetória rortyana de tal modo que esta fosse resultado de uma decisão intempestiva de um sujeito que caiu de amores pelo pragmatismo; em verdade, seu autoconceito como patriota norte-americano de esquerda e o conhecimento sócio-histórico de como a inquirição filosófica é moldada justificariam esta transição como uma maneira de aumentar sua energia emocional (GROSS, 2003, p. 94). O livro se apoia em uma pesquisa extensa que vasculhou milhares de páginas de documentos inéditos, dentre eles correspondências e registros pessoais de Rorty e seus familiares. Gross esboça o perfil intelectual e biográfico dos pais de Rorty e segue os passos acadêmicos do filósofo norte-americano até o início da década de 1980, quando teria, segundo Gross, desenvolvido os pontos mais importantes de sua filosofia. Das 360 páginas do livro, 200 se ocupam da narrativa biográfica, sendo o restante a exposição da teoria do autoconceito (self-concept) defendida pelo autor, sua contextualização teórica, justificativa metodológica, pretensos resultados do caso em estudo etc.

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Cf Pettegrew (2000, p. 9); Dennett (2000, p. 9). “the development by thinkers of new ideas would stop seeming to be a miraculous, inexplicable act of genius or an expression of the zeitgeist or a simplistic manifestation of class interests and would start appearing for what it is: a more or less predictable outcome of the work lives and other quotidian social experiences of those fortunate enough to occupy the relatively limited number of occupational slots society sets aside for those deemed intellectuals”. (p. 350, ênfase nossa). 32


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Neil Gross constrói sua narrativa sobre a trajetória intelectual de Rorty rompendo com os enfoques para história intelectual propostas pelo humanismo, contextualismo e pósestruturalismo. Se em suas narrativas os humanistas se aproximam da estrutura de narrativas literárias, pressupondo a inseparabilidade entre vida e obra e rejeitando um a priori teórico, ainda que concebam o caráter de um modo complexo, tendem a fixar-se nas relações com outros indivíduos (familiares, amantes, rivais etc.), subestimando aspectos institucionais e dinâmicos sociais em favor do culto – ainda que indireto – do “gênio”. Os contextualistas procuram reconstruir a intenção do autor na construção de sua obra, buscando seus interesses e disputas. Entretanto, Gross os acusa de se prenderem a “casos particulares” e “circunstâncias históricas contingentes”, sucumbindo à tentação daquilo que Bourdieu chamou de “ilusão escolástica” ao não levar em conta a dimensão sociológica, ou seja, não sendo adequadamente científicos. Já os pós-estruturalistas se afastam da procura por objetividade histórica, tentando conectar passado e presente tendo em vista objetivos críticos e analisando estruturas amplas de coerção discursiva, o que para Gross fracassa quando se tenta explicar as relações mais específicas. As críticas do sociólogo norteamericano procuram justificar a primazia da sociologia das ideias como enfoque científico, o que não deixa de ser uma forma de “ilusão escolástica” tendo a sociologia como instituição metafísica. Grosso modo, podemos sintetizar o argumento de Gross em seu artigo inicial como atribuindo ao legado intelectual que Rorty recebeu de seus pais tanto sua orientação política quanto a perspectiva metafilosófica de adequar seus passos teóricos às transformações sociais (por exemplo, redescrevendo Dewey seletivamente, de modo a recuperar o que considera vivo em seu pensamento). Já no livro, com mais dados e uma narrativa detalhada, a tese do sociólogo norte-americano se modifica um pouco e acaba se tornando menos consistente na mesma medida em que se desenvolve tendo um fim em vista. A pretensão de construir uma ciência capaz de prever a atuação de hereges acadêmicos soa inverossímil e perigosa a tal ponto que faz lembrar narrativas de distopia da ficção-científica, como a de Philip K. Dick (1928-1982) no conto “Minority Report”. Este escritor norte-americano imagina uma sociedade futura na qual uma “tecnologia visionária” seria capaz de antecipar ações violentas e, com isso, possibilitar ao Estado prender os “agentes criminosos” antes mesmo que cometessem qualquer delito. O conto de Dick nos ajuda a imaginar situações e contextos mais restritos, nos quais o mesmo discurso de “ataque preventivo” – fundado em uma metafísica absoluta – é utilizado para manter a estabilidade de uma determinada sociedade. Se houvesse mesmo uma ciência capaz de predizer com exatidão


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o tipo de escolhas intelectuais que cada um estaria inclinado a tomar em sua trajetória acadêmica, seria ela utilizada em processos seletivos para desqualificar os candidatos perigosamente subversivos, aqueles seres anômalos que nas bancas de concurso escondem suas tendências desviantes em relação à autoimagem paradigmática de sua disciplina? A ciência que Gross pretende fundar seria útil e bem-vinda na distopia de uma universidade futura com uma elite reificada, que compartilharia a fé em um mesmo dogma metodológico, ao qual chamam de racionalidade, obcecados pela estabilidade como platonicamente pressuposta na República de Platão. Pensando no texto de Platão, tomar Richard Rorty como objeto de estudo corresponde a tentar antecipar a ação daquele que se embriaga de paixões poéticas e ameaça a estabilidade e a justiça guardadas pelo rei-filósofo, ou, em termos contemporâneos, aquele que afronta o consenso tácito que funda a instituição da filosofia profissional.

2.1.3 Richard Rorty e a trajetória de um herege acadêmico Richard Rorty nasceu em Nova Iorque no dia 4 de outubro de 1931. Seus pais, James Rorty (1890-1973) e Winifred Raushenbush (1894-1979), eram militantes de esquerda com lugar de destaque entre os "intelectuais de Nova Iorque" nas décadas de 1920, 30 e 40. É certo que Winifred Raushenbusch teve grande influência sobre o filho. Dela Richard Rorty teria herdado não somente o estilo temperamental, iconoclasta e intuitivo (GROSS, 2008, p. 64),33 como também uma série de questionamentos sobre como equilibrar o sentido de bem comum e o espaço de autocriação do indivíduo. Winifred era filha do importante teólogo e pastor batista Walter Rauschenbusch (1861-1918), principal teórico do Evangelho Social – que influenciou, por exemplo, Martin Luther King (1929-1968), a Teologia da Libertação e Desmond Tutu (1931-) –, que enfatizava a responsabilidade social e o sentido revolucionário do cristianismo, direcionado a substituir o egoísmo por amor. Embora Winifred contasse com o incentivo do pai para estudar, tinha com ele conflitos que Gross qualifica como geracionais: ele pregava uma “ética do autocontrole” e ela se dirigia a uma “ética da autoliberação”. (GROSS, 2008, p. 67). Winifred foi influenciada pelas ideias feministas (algo comum entre intelectuais de Nova

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Gross atribui esta avaliação a Amélie Rorty, primeira esposa de Richard Rorty.


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Iorque de seu tempo) e procurava conquistar um tipo de autonomia sexual e comportamental que seu pai não conseguia conceber como adequada – ou possível – para uma mulher.34 Winifred graduou-se em Sociologia pela Universidade de Chicago, onde também atuou como pesquisadora auxiliar do professor Robert Ezra Park (1864-1944) – de quem mais tarde escreveria uma biografia – e desenvolveu trabalhos sobre assimilação de imigrantes e sobre os levantes contra os negros e judeus. Com sua aproximação de James Rorty, no início da década de 1920, Winifred radicalizou sua militância política de esquerda: ambos criticavam o profissionalismo e a especialização excessiva dos acadêmicos que não se perguntavam se e como seu trabalho poderia ajudar na transformação social: por isso optaram por um caminho independente que nunca lhes forneceu segurança financeira. Apesar de Winifred Raushenbusch ter publicado relativamente pouco em comparação a James Rorty, Gross fornece uma visão da amplitude dos seus interesses intelectuais a partir de suas cartas e textos. Winifred se manteve relutante quanto a uma perspectiva estritamente marxista, defendia os direitos da mulher, embora se afastasse do feminismo como bandeira, se interessava por aspectos da moda, embora repudiasse sua institucionalização. No seu primeiro livro autoral, How to dress in wartime, de 1942, oferecia dicas sobre como manter a elegância na forma de se vestir sem deixar de colaborar com os esforços de contenção na economia dos tempos de guerra. Winifred destacava a necessidade de contextualizar o anseio por utopia, de não imitar a Europa, mas de pensar a partir do seu próprio horizonte; no começo da década de 1940 percebia a falência do eurocentrismo e o papel da hegemonia moral que os EUA deveriam assumir. Em sua avaliação, mudanças sociais deveriam ocorrer de baixo para cima, guiadas pela conscientização e conhecimento da sociedade, estratégia diferente da defendida por James Rorty de procurar reunir escritores e intelectuais parar denunciar um determinado tópico. Winifred escreveu panfletos e atuou em associações pela defesa dos diretos dos negros e pelos direitos civis e trabalhistas. No final de sua trajetória teve que lidar novamente com o Evangelho Social de Walter Rauschenbusch, já que ele inspirou Martin Luther King na luta pelos direitos civis; então reconheceu a herança e o valor da contribuição de seu pai.35 Em

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Neste sentido, a análise de Casey Nelson Blake (2000) é pertinente para compreender como este conflito entre Walter Rauschenbusch e Winifred pode ter influenciado a obra de Richard Rorty. 35 Richard Rorty (2007f) também escreveu sobre a herança de esperança do Evangelho Social de seu avô Walter Rauschenbusch como botões que nunca floresceram. O tipo de cristianismo comprometido com transformações sociais amplas e efetivas parece hoje ter perdido espaço para visões de redenção individualistas e ascéticas, que se alimentam do discurso milenarista e apocalíptico, mais do que da utopia de uma revolução social inspirada na caridade religiosa.


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verdade, Winifred e James Rorty, em sua visão ecológica, parecem ter procurado conciliar política e religião numa forma de misticismo (BLAKE, 2000, p. 99). James Hancock Rorty era filho de um refugiado político irlandês que sonhou ser poeta e de uma ex-professora primária feminista. O casal desenvolveu um empreendimento sem muito sucesso na indústria têxtil em Middletown, Nova Iorque (GROSS, 2008, p. 16). James formou-se em Jornalismo em Boston em 1913, depois voltou para Nova Iorque para trabalhar como revisor publicitário e jornalista, quando passou a frequentar círculos boêmios e literários, convivência que o aproximou da vanguarda e o fez um quase socialista, quase vegetariano. (GROSS, 2008, p. 37). Durante a Primeira Guerra Mundial James Rorty serviu como voluntário dirigindo uma ambulância no corpo de enfermeiros. Pela coragem, ganhou uma medalha de mérito e heroísmo; porém, a experiência do campo de batalha foi traumática e acentuou sua tendência à depressão. Tentou elaborar através da escrita criativa essa vivência extrema e a dificuldade para voltar ao cotidiano. Neste período posterior à Grande Guerra, conheceu e ficou amigo do sociólogo e economista Thorstein Veblen (1857-1929), autor que mais o influenciou. (BOLES, 1998, p. 157). Veblen destacava as conexões entre economia, cultura e sociedade e defendia o mercado livre como a melhor forma de distribuição de renda, porém criticava a ostentação das classes ociosas, o desperdício e a ineficiência do capitalismo. James Rorty compartilhava com Veblen o entusiasmo em relação à tecnologia, valorizando a técnica de engenheiros e cientistas especializados, sentimento que entra em tensão com a crítica à desumanização promovida por uma cultura que se molda pelas máquinas, mas que deveria utilizá-las para produzir um novo horizonte de menores desigualdades. James Rorty casou-se em 1920 com a assistente social Maria Lambim, com quem se mudou para São Francisco. O casamento terminou rapidamente e ele logo começou um novo relacionamento com Winifried Raushenbush, sua segunda esposa e mãe de Richard Rorty. Na década de 1920 lançou dois livros de poesia – What Michael Said to the Census Taker (1922) e Children of the Sun and Other Poems (1926) – que foram bem recebidos pela crítica. Contudo, na medida em aumentava seu engajamento político diminuía as oportunidades de publicar seus escritos criativos. A partir da metade dos anos 1920 a militância de James Rorty ganhou um verniz marxista (GROSS, 2008, p. 41) sem abandonar uma perspectiva reformista que exaltava os Estados Unidos como modelo democrático, embora reconhecendo contradições difíceis de solucionar. Por exemplo, era devoto da “religião americana”, com sua sacralização


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emersoniana do individuo, mas reconhecia os perigos políticos de que essa obcecação alimentaria o egoísmo, fazendo com que o bem comum ficasse longe do horizonte (GROSS, 2008, p. 38). A valorização do conhecimento técnico especializado também entrava em tensão permanente com o clamor por participação popular (BALES, 1998, p.176-177). Na prática, James Rorty tentava equilibrar seu engajamento sem cair no dogmatismo. Como no caso de sua demissão, em 1931, do jornal radical New Masses, do qual havia sido um dos fundadores em 1926, por não aceitar submeter avaliações estéticas aos valores partidários. Após o nascimento de Richard em 1931, sua esposa tomou para si a resolução e administração das questões domésticas para que ele tivesse melhores condições de se dedicar às atividades de militância. Após o rompimento com o partido comunista, passou à ala antistalinista, gradualmente acirrando seu patriotismo. Durante a década de 1950 participou de comitês anticomunistas, no entanto considerava o macartismo um mal maior, já que poderia fazer a América trilhar a rota do fascismo. Seu trabalho como jornalista radical não forma um corpus coerente, contudo assinala a busca por pensar seu contexto: defendeu o direito de minorias, a reforma do sistema de saúde, o sistema editorial e foi um pioneiro do pensamento ecológico (tema que progressivamente ganhou relevância em seus artigos a partir da década de 1930). Seus principais livros são Our Master’s Voice (1934), no qual desenvolve um exame crítico do lugar que a publicidade passou a ocupar na sociedade norte-americana definindo até mesmo como as pessoas deveriam viver, e Where life is Better: an Unsentimental American Journey, que registra a experiência de uma longa viagem de carro pelos Estados Unidos avaliando os esforços de reconstrução do país depois da Grande Depressão. De modo geral, James Rorty procurava um estilo de vida que fugia aos padrões preestabelecidos, pensando radicalmente a relação entre os homens, do homem com a natureza e com seu corpo (questionando modelos de saúde e alimentação). Não se tratava de uma forma de resistência aristocrática, mas da busca vital por ajudar na transformação da sociedade americana na direção do melhorismo reformista de John Dewey. A vida de James Rorty foi marcada por momentos de crise nervosa, por conta das quais chegou a ficar períodos hospitalizado. No princípio da década de 1960, após uma crise aguda, entrou em estado psicótico, quadro em que permaneceu até sua morte em 1973.36 36

Bruce Kuklick afirma que James Rorty teve duas grandes crises nervosas, sendo que a segunda, ocorrida no principio da década de 1960, o levou a um quadro de “doença mental” que incluía em seus sintomas reivindicações de presciência divina. Para Kuklick, a análise de Neil Gross apresenta, dentre outros defeitos, a falta de imaginação ao utilizar os dados biográficos de Richard Rorty, desenvolvendo hipóteses interpretativas como, por exemplo, a análise dos efeitos que o quadro psicótico do pai teve sobre o filho. Kuklick insinua uma


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Na avaliação de Neil Gross, a trajetória e herança intelectual recebidas por James Rorty e Winifred Raushenbush não poderiam deixar de repercutir na forma de autocompreensão de Richard Rorty:

Para Rorty, foi a iconoclastia política de seus progenitores, somadas às frustradas ambições políticas de seu pai, o que lhe conduziu para a política e escrita radicais. Para Raushenbush, foi o fervor de seus pais por reforma social. Como outros nos círculos intelectuais de Nova Iorque, eles se caracterizavam pelo hábito cultural de “colocar tudo em questão” e construir um espaço em que a critica social, a política e a literatura radicais eram o pão de cada dia em seus debates. Suas ideias e crenças – e a paixão com que as defendiam – não podiam deixar de impressionar seu filho único.37

Dick Rorty, como era chamado pelas pessoas próximas, foi um bebê de fraldas vermelhas (BRANDOM, 2013), cresceu “sabendo que todas as pessoas decentes eram, se não trotskistas, pelo menos socialistas”. (P, p. 150). Esta percepção se vinculava ao senso de que lutar contra a injustiça social era o objetivo da vida humana. O tipo de devoção que em sua juventude teve por certos “livros sagrados” indica bem como foi sua catequese: Quando eu tinha doze anos, os livros mais notáveis na estante de meus pais eram dois volumes encadernados em vermelho: The Case of Leon Trotsky e Not Guilty. Esses livros continham o relatório da Comissão de Inquérito presidida por Dewey sobre os Julgamentos de Moscou. Eu nunca os li com a mesma fascinação e os mesmos olhos arregalados com que li livros como a Psycopathia Sexuallis, de Krafft-Ebing, mas pensava neles do mesmo jeito que outras crianças pensavam na Bíblia de sua família: como livros que irradiavam a verdade redentora e o esplendor moral. Eu dizia para mim mesmo que, se eu fosse realmente um bom menino, eu deveria ler não só os relatórios da Comissão Dewey, mas também A História da Revolução Russa, de Trotsky, um livro que comecei a ler diversas vezes, mas nunca consegui terminar. Pois nos anos 40, a Revolução Russa e a sua traição por Stalin

direção para tal análise lembrando que Richard Rorty, que era depressivo, no começo da década de 1960 teve que se submeter a um tratamento por conta de um quadro de neurose obsessiva. Este tratamento durou seis anos de sessões continuas e outras periódicas de acompanhamento que seguiram até o início da década seguinte. No mesmo contexto, Kuklick lembra um dado que Gross não menciona: o fato de que Richard Rorty, um ateu secular, no começo da década de 1970 se casou com Mary Varney Rorty, uma mórmon praticante. Em verdade, Mary Rorty não teve resistência por parte do marido de que seus filhos fossem educados dentro da religião. Em uma entrevista recente, junto com a filha Patrícia Rorty, ela contou como era a relação de Richard Rorty com o mormismo. Scott Abbott também relatou como foi sua “aventura” de dar aulas de ensino religioso mormom aos filhos de Richard e Mary Rorty e como, aos poucos, tornou-se amigo do renomado filósofo. Ao sugerir alguma vinculação entre a “doença mental” de James Rorty, sublinhando suas reivindicações proféticas, a “neurose obsessiva” de Richard Rorty e a religião gnóstica de Mary V. Rorty, Kuklick parece propor uma crítica ad hominen ao panrelacionismo que marca a obra rortyana. Contudo, este caminho de interpretação que Kuklick considera promissor pode muito bem ser considerado um exagero interpretativo (overinterpretation) com uma má dose de psicose. 37 For Rorty, it was his parents’ political iconoclasm, along with his father’s thwarted literary ambitions, that drove him into radical politics and writing. For Raushenbush, it was her parents’ zeal for social reform. Like others in the New York intellectual circle, though, they partook of the cultural practice of “arguing the world” and made a home where radical social criticism, politics, and literature were bread-and-butter topics of discussion. Their ideas and beliefs - and the passion with which they argued for them - would not fail to impress their only child (GROSS, 2008, p. 36).


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eram para mim o que a encarnação e sua traição pelos católicos haviam sido para os jovens luteranos precoces quatrocentos anos atrás. (RORTY, p. 149).38

Os pais de Rorty romperam com o partido comunista em 1932 e, desde então, foram descritos sob o rótulo de “trotskistas”. Embora esta definição não seja totalmente correta, é justificada, já que a família de Rorty tinha Trotsky como um herói. Incentivaram o filho a conhecer informações detalhadas sobre a trajetória do líder russo, o que foi importante para alimentar sua fé na esquerda e, ao mesmo tempo, vaciná-lo contra as tentações totalitárias e autoritárias. Por conta dessa dimensão pastoral que Trotsky recebeu em sua formação, é com orgulho que o filósofo norte-americano relembra que por pouco seu pai não foi ao México em 1937 participar da comissão de inquérito presidida por John Dewey que avaliou as acusações de que o antigo líder soviético era um assassino e traidor. Depois do assassinato de Trotsky em 1940, a família de Rorty abrigou por um breve período John Frank, ex-secretário do antigo líder comunista, que precisava se esconder da polícia soviética. A divisão entre “stalinistas” e “trotskistas” tornou-se uma cisma persistente dentro da esquerda nas décadas de 1940 e 50, acirrando-se durante a Guerra Fria.39 Embora hoje esta exótica religião familiar pareça estranha, é preciso salientar como os pais de Rorty cultivaram um ativismo político que não se reificava em dogma, preservando a abertura para o diálogo e a curiosidade por informações mais detalhadas, o que permitiu farejar que a esperança utópica havia sido sequestrada pela tirania sanguinária de Stalin. Richard Rorty foi educado para ser gauche na vida e tinha prazer em ser “do contra”. O ambiente em que Richard Rorty cresceu justifica ter desenvolvido uma habilidade linguística incomum. Aos seis anos escreveu uma peça sobre a coroação do príncipe Edward de Gales, que encenou na sala de sua casa para um público que incluía, além de seus pais, amigos da família, como o poeta e crítico literário Allan Tate (1899-1979), sua esposa, a novelista e crítica Caroline Gordon (1895-1981), o poeta e novelista Robert Penn Warren (1905-1989) e o novelista e dramaturgo Andrew Lytle (1902-1995) (GROSS, 2008, p. 91). Poucas crianças têm a oportunidade de ouvir em sua sala discursos políticos tão sofisticados 38

“When I was 12, the most salient books on my parents' shelves were two red-bound volumes, The Case of Leon Trotsky and Not Guilty. These made up the report of the Dewey Commission of Inquiry into the Moscow Trials. I never read them with the wide-eyed fascination I brought to books like Krafft-Ebing's Psychopathia Sexualis, but I thought of them in the way in which other children thought of their family's Bible: they were books that radiated redemptive truth and moral splendour. If I were a really good boy, I would say to myself, I should have read not only the Dewey Commission reports, but also Trotsky's History of the Russian Revolution, a book I started many times but never managed to finish. For in the 1940s, the Russian Revolution and its betrayal by Stalin were, for me, what the Incarnation and its betrayal by the Catholics had been to precocious little Lutherans 400 years before”. (PSH, p. 5). 39 Rorty trata brevemente destes conflitos no artigo “Erros honestos” publicado em PPC Wittaker Chambers (1901-1961) contra Alger Hiss (1904-1996) e Henry Wallace (1888-1965) contra Harry Truman (1884-1972).


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como os de Sidney Hook (1902-1988) ou de A. Philip Randolph (1889-1979); ou de servir quitutes para o filósofo John Dewey (1959-1952). Richard Rorty começou seus estudos como bolsista em uma escola particular no Brooklin, em Nova Iorque. Com dificuldades financeiras, seus pais pendulavam entre o burburinho intelectual do Hotel Chelsea e passeios pelas montanhas de Nova Jersey, para onde se mudaram no fim da década de 1930. Richard passou a estudar em uma pequena escola rural. Embora a quantidade menor de alunos seja descrita na época por Dick como uma vantagem em uma escola rural, é provável que este tipo de avaliação seja uma tentativa de indulgência com o contexto, aceitando o que as possibilidades financeiras de seus pais podiam lhe oferecer. Em verdade, a precocidade intelectual do futuro filósofo era recompensada com constantes surras por parte dos valentões maiores e mais velhos, um tipo de comportamento que o jovem utopista considerava um prejuízo a ser superado juntamente com o capitalismo (RR, p. 503). A precocidade de Rorty chamava atenção. Por exemplo: com treze anos começou a editar um jornal estudantil. Em um texto de janeiro de 1944, argumentava que no Pós-Guerra era preciso que qualquer plano de recuperação considerasse o combate à fome no mundo, principalmente em países pobres como a Índia, já que a privação material é a porta de entrada para o fascismo, como, em sua avaliação, ocorreu na Alemanha (GROSS, 2008, p. 89). Aos 15 anos Richard Rorty entrou no Hutchins College da Universidade de Chicago, instituição dedicada a estudantes superdotados. Ali, por meio da leitura de trechos de grandes obras do passado, pretendia-se ensinar as verdades e virtudes eternas que tais textos encarnavam. Este programa de ensino, aos poucos – mas não sem resistência – converteu o jovem Dick a uma busca metafísica por universais. Ausente de fé religiosa, foi na Filosofia em que buscou alcançar tal anseio, começando sua graduação em Filosofia na Universidade de Chicago, onde posteriormente também fez mestrado.40 Naquele

momento

a

academia

norte-americana

recebia

um

“surto”

de

profissionalização promovido pela imigração de filósofos que fugiram da Europa nazista, como Rudolf Carnap (1892-1970), Hans Reichenbach (1891-1953), Alfred Tarski (19011983), Hebert Feigl (1902-1988) e Carl Hempel (1905-1997). Estes filósofos se vinculavam ao “Círculo de Viena”, um grupo de pensadores que, impressionados pelo Tratactus de Ludwig Wittgenstein, buscava através da ênfase na linguagem refundar o Empirismo e a

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Este tipo de análise aparece no artigo autobiográfico “Trotsky e as Orquídeas selvagens” e é ignorada pro Gross. Abordaremos este tipo de descrição do anseio que levou Richard Rorty para a filosofia no tópico 2.4.1.


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posição da Filosofia como fundamento da Ciência. Este movimento ficou conhecido como Positivismo Lógico. O rigor e a busca por dar à filosofia um caráter científico foram bem recebidos na academia norte-americana, já que ele de certo modo dava uma solução para um conflito acerca da autoimagem e função da Filosofia, que já existia desde o começo do século nos EUA. George Santayana (1863-1952) em 1913 sublinhava o choque entre a América moderna em sua economia e outra América que mantinha a consciência torturada quanto a assumir uma posição de hegemonia global, misturando culpa calvinista e egoísmo metafísico. Dizia Santayana que A América não é simplesmente um país jovem com uma mentalidade antiga; é um país com duas mentalidades, uma reminiscência das crenças e padrões dos ancestrais, a outra uma expressão dos instintos, práticas e descobertas da geração mais jovem. Em todas as coisas mais elevadas da mente – na religião, na literatura, nas emoções morais – o que prevalece é o espírito hereditário, tanto é assim que Bernard Shaw acha que a América está cem anos atrasada. A verdade é que metade da mente americana permaneceu, eu não diria que encalhada, mas retardada pela calmaria; ela tem flutuado calmamente em águas represadas, enquanto que ao mesmo tempo na invenção, na indústria e na organização social, a outra metade da mente corria água abaixo numa espécie de catarata do Niágara. Pode-se encontrar isso simbolizado na arquitetura norte-americana... a vontade norte-americana habita o arranha-céu; o intelecto americano habita a mansão colonial. (SANTAYANA apud DURANT, 1964, p. 12-13)

A tradição cortês de mansão colonial se traduzia na academia norte-americana no domínio de uma anacrônica metafísica idealista que tinha a religião como seu modelo. Nas décadas de 1920 e 30 o iluminismo de Arthur O. Lovejoy e o pragmatismo de William James e John Dewey se confrontaram como caminhos possíveis e excludentes para a Filosofia. As opções eram: seguir a ciência e produzir verdades objetivas verificáveis e claramente comunicáveis ou desenvolver-se como um discurso utópico e edificante. No período entre guerras o pragmatismo visionário de Dewey, tomando como modelo as Ciências Sociais, conseguiu exercer um papel de liderança moral utópica, conquistando uma grande importância nos debates públicos (CPp, 120-121), procurando evadir-se da perspectiva epistemológica que marcou a filosofia moderna e desviando-se da sua árida escolástica e do conservadorismo cultural (WEST, 2008, p. 145). No entanto, essa liderança nunca se converteu em hegemonia dentro das academias e, no Pós-Guerra, com a chegada do Positivismo Lógico, ficou claro que Lovejoy ganhou a disputa com o pragmatismo e o anseio da filosofia de emular a matemática e as ciências naturais tornou-se dominante. A ênfase prática e postura crítica quanto ao academicismo ajudam a explicar por que depois do auge da influência de Dewey, no período entre guerras, o pragmatismo perdeu


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espaço nas academias, já que seus principais seguidores se dedicaram à crítica cultural e rejeitaram o confinamento nas universidades (WEST, 2008, p. 281-282). O pragmatismo era (e continua sendo) uma terceira força nas academias norte-americanas. Quando os positivistas lógicos desembarcaram nos EUA, as principais correntes que tiveram que derrotar propunham formas antigas de idealismo e visões renovadas de naturalismo e realismo, eram “reacionários” metafísicos.41 Dominada por Richard McKeon (1900-1985) que, junto com Mortiner Adler compartilhava uma perspectiva que foi rotulada de mística neoaristotélica, a Universidade de Chicago, em meados da década de cinquenta, era um ponto fora da curva de ascensão do positivismo lógico. McKeon foi um dos fundadores do Hutchins College, tinha vasta erudição e interesses, foi tradutor de Aristóteles e se destacava pela imensa capacidade de comparar ideias filosóficas, construindo contrastes de tal modo que a verdade emergia de uma perspectiva pluralista dos tipos de explicações em disputa (no molde das quatro causas aristotélicas). Para ele, diferenças nos termos e métodos empregados levam a teorias diversas que não são necessariamente incomensuráveis (GROSS, 2008, p. 111). Como o programa de Hutchins tinha a marca do método de McKeon e sua busca pelo substrato de ideias convergentes a serem decifradas em qualquer livro (RORTY, 2010a: p.5), é certo que ao entrar no curso de Filosofia Richard Rorty já estava convencido do valor deste tipo de abordagem. No entanto, a convivência com McKeon o decepcionou. O rei-filósofo local tinha o gosto sádico de intimidar seus colegas e alunos com seus conhecimentos enciclopédicos de história da filosofia – não é a toa que foi a inspiração para o vilão “the Chairman” do best-seller de Robert M. Pirsig (1928-), Zen e a arte de manutenção de motocicletas. McKeon exercia seu poder tanto intelectualmente (o programa do curso de Filosofia era marcado pelo estudo da história da filosofia) quanto por meio de manobras

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No artigo “Becoming a pragmatist philosopher: status, self-concept, and intelectual choice”, de 2002, Neil Gross aponta a hegemonia analítica no cenário norte-americano da Comunidade de Filósofos; num segundo grupo está toda uma gama de pensadores que se encaixam no rótulo “filosofia continental”. O pragmatismo aparece como uma terceira categoria de identidade acadêmica entre os filósofos (GROSS, 2002, p. 57). Ainda que desde a década de 1970 se fale em uma “virada pragmática”, esta revalorização não significou uma alteração deste quadro geral: o pragmatismo permanece sendo uma perspectiva marginal e seus membros são tomados como hereges acadêmicos, pessoas dispostas a quebrar as tradições sem levar em conta as consequências profissionais (GROSS, 2002, p. 56). Gross cita alguns dados que servem para mensurar a posição do pragmatismo no cenário norte-americano: em 1995, no auge deste revival pragmático, apenas 4,5% dos filósofos que publicavam ativamente escreviam sobre este tema; entre 1991 e 1996, somente 5% das dissertações se centravam no pragmatismo; e, além disso, no ranking do National Research Council que se refere ao ano de 1993, dentre as 72 instituições avaliadas, os dois principais núcleos de difusão do pragmatismo, a Pennsylvania State University e a Southern Illinois University, estavam, respectivamente, nas posições 55 e 69, ou seja, longe das instituições de maior prestígio.


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administrativas (R&P, p. 211).42 As disputas dentro do Departamento de Filosofia eram realmente acirradas, já que Mortiner Adler chegou a afirmar que aqueles professores que não aceitavam a verdade do neotomismo eram uma ameaça tão grande para a civilização quanto Hitler (GROSS, 2008, p. 111). Outras opções que tentavam sobreviver no ambiente da universidade de Chicago, numa aliança oportuna, eram o positivismo lógico de Rudolf Carnap e o tipo de platonismo inspirado em Whitehead defendido por Charles Hartshorne (1897-2000); os dois tinham em comum a busca por uma estrutura lógica formal e necessária que resistiria à contingência (R&P, p. 30).43 Carnap não causou uma grande impressão em Richard Rorty, que considerava problemático ter que optar entre o ecletismo de McKeon e o caráter ascético do positivismo lógico (RORTY, 2010ª, p. 7). Embora não tenha adquirido qualquer crença religiosa, o filósofo e teólogo Charles Hartshorne, ex-aluno de Whitehead, foi o primeiro professor a despertar no jovem estudante “um genuíno entusiasmo pela Filosofia” (R&P, p. 29). Impressionado por Process and Reality de Whitehead e por Language, Truth and Logic, de Ayer (que conheceu em um curso ministrado por Carnap), Rorty afirma que passou a ter como seu foco a tentativa de fundir os horizontes que estes dois autores lhe desvelavam (RORTY, 2010a, p. 6): por um lado as pretensões metafísicas da “filosofia do processo” (process philosophy) de apreender sistematicamente a contingência; por outro, os ataques antimetafísicos do empirismo lógico com a aplicação do princípio de verificação (proposições carentes de verificabilidade não têm significação) (BLACKBURN, p. 314) aos problemas filosóficos. Como aluno, Rorty mostrou aptidão para história do pensamento e dificuldades para lógica matemática. Lendo livros como que propunham narrativas sinópticas e ambiciosas, como a Fenomenologia do Espírito, de Hegel, Adventures of Ideas, de Whitehead, e A 42

David L. Hall (1994) destaca a influência que McKeon teve sobre Richard Rorty. Hall considera o pluralismo uma característica do “eixo estético” do pensamento norte-americano, numa linhagem que parte da teologia de Jonathan Edwards (1703-1758), passa por Ralph Waldo Emerson, os pragmatistas clássicos Peirce, James e Dewey, Alfred Whitehead, incluindo Richard Mckeon e Richard Rorty (HALL, 1994, p. 66-80). Louis Menand considera mais especificamente que o pluralismo cultural e político ganhou efetivamente formulação teórica a partir da influência de William James (cf. MENAND, 2002, p. 383-413). Apesar de sua ansiedade metodológica, Mckeon descreve John Dewey, seu orientador no doutoramento, como quem o inspirou a tomar o pensamento como orientado para a solução de problemas (HALL, 1994, p. 256). No entanto, a posição de Mckeon, que Hall chama de “pragmatismo metateórico”, embora possa ser qualificada como um tipo de pluralismo interpretativo que constrói ferramentas para alcançar resultados, surgia para os seus discípulos reificado em método como o desafio taxonômico de sistematizar sistematizações, numa construção de listagens infindas e redundantemente solipsistas. Como atestam as memórias romanceadas de Pirsig, era muito difícil para um estudante que se aproximava de McKeon não ser absorvido por seu método de lidar com textos e tornar-se um estéril escolástico. Richard Rorty seria um dos poucos “sobreviventes” quanto a este eclipse imaginativo (HALL, 1994, p. 256); no entanto, a influência de Mckeon não deixa de aparecer em sua trajetória: no gosto pela abordagem metafilosófica e no combate ao autoritarismo filosófico, que se manifesta, por exemplo, em sua ânsia metodológica. 43 Aliança que Rorty analisa na Introdução de CP.


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grande cadeia do ser [The Great Chaim of Being], de Lovejoy, ficou muito impressionado e chegou a imaginar que a história intelectual e este tipo de Geistegeschichte poderia ser seu métier (RORTY, 2010a, p. 6). A impressão foi reforçada pelo fato de que passava a maior parte do seu tempo com colegas que eram alunos do Comitê de Pensamento Social, onde assistiu cursos de, por exemplo, Leo Strauss (1899-1973), especialista em História do Pensamento, e de David Grene (1913-2012), um professor de literatura que lhe causou grande impressão. No entanto, Rorty ficou reticente quanto à possibilidade deste tipo de narrativas, pois não sabia como refutar os argumentos dos positivistas lógicos sobre a irrelevância deste tipo de jogo de erudição. De certo modo, sua geração teve que enfrentar uma situação quase esquizofrênica quanto aquilo que esperavam deles (como descreve no artigo “Filosofia analítica e filosofia transformadora”) (2006j, p. 53):

Como um estudante de filosofia, graduado nos anos 1950-54, me achei fascinado entre dois tipos bastante diferentes de professores: aqueles que, como McKeon e Hartshorne, esperavam que eu desenvolvesse visões sobre o que estava vivo e o que estava morto no pensamento de vários filósofos importantes e aqueles que, como Carnap e Hempel, esperavam que eu estivesse familiarizado com os artigos atuais dos periódicos: em particular, artigos centrados na tentativa de prover o que era então chamado "reconstruções racionais" de várias partes da cultura – por exemplo, a prova de teorias científicas.44

Entre 1949 e 1952 Rorty escreveu sua dissertação de mestrado sob a orientação de Hartshorne, trabalho que foi um “exercício tedioso e pouco acadêmico” (RORTY, 2010a, p. 7) sobre a teoria de Whitehead de objetos eternos. Rorty mostrou a dificuldade de conciliar o conceito de objetos eternos imutáveis com a filosofia de processo, problematizando também as reivindicações da criatividade (R&P, p. 27). Parece que aí a questão da poiesis já lhe incomodava e atrapalhava a tentativa de tornar-se um metafísico. Neste período, incerto sobre o futuro, em 1951 chegou a aceitar uma proposta para fazer seu doutorado pelo Comitê de Pensamento Social e passou dois meses na França, onde estudaria com Alexandre Kojéve (1902-1968), porém logo percebeu que não possuía domínio suficiente do francês para seguir as aulas na Sorbonne, por isso voltou para Chicago e terminou sua dissertação. Richard Rorty tentou entrar nos programas de doutorado de Harvard e Yale, segundo ele, sem saber que tipo de filosofia era cultivado nessas instituições, somente que o prestígio destes lugares garantiria maiores possibilidade na carreira (RORTY, 2010a, p. 7). Harvard 44

“As a graduate student of philosophy in the years 1950-54, I found myself caught between two quite different sorts of teachers: those who, like McKeon and Hartshorne, expected me to develop views on what was living and what dead in the thought of various great philosophers and those who, like Carnap and Hempel, expected me to be familiar with current journal articles: in particular, articles centered on attempts to provide what were then called “rational reconstructions” of various parts of culture—for example, the testing of scientific theories”.


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tinha o programa mais famoso do país, dominado por autores da elite do positivismo lógico – como W. V. O. Quine (1908-2000), A. J. Ayer (1910-1989), J. L. Austin (1911-1960) e Stuart Hampshire (1914-2004) –, por isso, enfatizava o domínio técnico e marginalizava a história da filosofia ou questões sociais. Yale estava entre os cinco departamentos de maior prestígio dos EUA; porém – como Chicago – mantinha uma posição de resistência ao positivismo lógico, com uma postura eclética que valorizava o domínio que Rorty tinha da história da filosofia. Harvard lhe aceitou, mas só Yale lhe ofereceu uma bolsa, por isso, escolheu esta última, na qual fez seu doutorado entre 1952 e 1956. Esta escolha fez com que ficasse “por fora” dos debates que faziam o positivismo lógico se reconfigurar como filosofia analítica, já que em Yale somente Carl Hempel estava inserido nesta tradição (condição singular e marginal depois herdada por Arthur Papp). Sua tese de doutorado foi escrita sob a supervisão de Paul Weiss (1901-2002), ex-aluno de Whitehead. A tese mostrava a influência de sua formação em Chicago em história da Filosofia, principalmente do estilo de McKeon de promover comparações e contrastes entre filósofos de diferentes épocas. Sob o título The concept of potenciality, uma narrativa de seiscentas páginas, partia da análise da dynamis no nono livro da Metafísica para desenvolver uma comparação entre três tratamentos do conceito de potencialidade: aqueles oferecidos por Aristóteles, pelos racionalistas do século XVII, e pela filosofia da ciência hempeliana/carnapiana Assim eu gastei dois terços da pesquisa de minha dissertação lendo comentários sobre grandes filósofos mortos e a outra terceira parte lendo artigos recentes de periódicos que ofereciam novas e motivadoras análises de sentenças condicionais subjuntivas. Minha pesquisa da dissertação me deixou, se perdoarem uma metáfora desajeitada, encalhado entre a onda vazando e a maré subindo. (RORTY, 2006j, p. 54, tradução minha)45

Na introdução de sua tese, Rorty afirma que o foco de atenção dos filósofos mudou segundo uma sequência: os gregos se dirigiam às coisas, os racionalistas às ideias e julgamentos e os positivistas lógicos às palavras (GROSS, 2008, p. 142). Neste esforço de fundir horizontes, precisou desenvolver um trabalho que lidava com as dificuldades do início da Metafísica com Aristóteles e desvelar como o racionalismo moderno de Descartes, Espinosa e Leibniz (des)considerava a distinção aristotélica entre ato e potência, para chegar aos temas bastante técnicos do positivismo lógico, como “condicionais subjuntivos” (que, 45

“My dissertation was a comparison between three treatments of the concept of potentiality: those offered by Aristotle, by the 17th-century rationalists, and by Hempelian/Carnapian philosophy of science. So I spent twothirds of my dissertation research reading commentaries on great dead philosophers and the other third reading up-to-the-minute journal articles offering exciting new analyses of subjunctive conditional sentences. My dissertation research left me, if you will forgive the awkward metaphor, stranded between the ebbing wave and the rising tide”.


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com a alegre irresponsabilidade da ignorância podemos qualificar de “contrafactuais”) e nomologicidade,46 com os quais Carnap, Hempel e Nelson Goodman reconfiguravam a problemática metafísica reduzindo-a à busca de uma sublimidade lógica desconectada de historicidade (RORTY, 2010a, p. 8). Neste momento, o que é primordial em seu trabalho é o apelo para a necessidade de diálogo entre as correntes analíticas e não analíticas da filosofia, demonstrando a importância do conhecimento de história da filosofia (GROSS, 2008, p. 145). A valorização que Rorty dá para a mudança de foco para a linguagem coincide com suas primeiras leituras de Wifrid Sellars,47 filósofo que não pode ser acusado de reduzir a história da filosofia à mera erudição. Sellars empregava um estilo de escrita inspirado no positivismo lógico, combinando em suas análises profundo conhecimento da história da filosofia com uma exuberante imaginação metafísica (RORTY, 2010a, p. 8). Em Sellars, Rorty encontrou alguém que conseguia combinar as habilidades analíticas e históricas que valorizava. Para além de um estilo de escrita críptico, Sellars possuía uma coerência que durante muito tempo em Yale (e nos anos seguintes) o jovem tentou desvendar nas formulações de Peirce. A leitura de Empirismo e Filosofia da Mente – publicado em 1956 – teve sobre ele um efeito notável. Esta obra de Sellars, juntamente com “Dois dogmas do empirismo” de Quine e as Investigações Filosóficas de Wittgenstein, foram as principais responsáveis pelo questionamento do viés empirista do positivismo lógico, gerando o que conhecemos hoje como filosofia analítica (RORTY, 1997n, p. 13).48

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Estas interrogações sobre condicionais subjuntivos e nomologicidade eram um “tópico quente” que se deriva do que Hempel chamou de Paradoxo do Corvo. Rorty afirma ter passado anos tentando entender as implicações do seguinte problema (que em sua tese ajudava a demonstrar o reducionismo nominalista do positivismo lógico): “Uma generalização não-nomológica verdadeira tal como ‘Todas as moedas no meu bolso são prateadas’ não permite a reivindicação contrafactual ‘Se este centavo estivesse no meu bolso ele seria prateado’. Uma generalização nomológica verdadeira tal como ‘Todos os corvos são negros’, por outro lado, permite a reivindicação contrafactual de que ‘Se este pássaro fosse um corvo, seria negro’. Porém, é mais difícil do que alguém possa imaginar especificar o que faz uma generalização nomológica” (RORTY, 2006j: p. 53-54). [“A true non-nomological generalization such as “All the coins in my pocket are silver” does not license the counterfactual claim “If this penny were in my pocket it would be silver”. A true nomological generalization such as “All ravens are black”, on the other hand, does license the counterfactual claim that “If this bird were a raven, it would be black”. But it is harder than one might think to specify what makes a generalization nomological”]. 47 Richard J. Bernstein, em seu artigo “Richard Rorty’s deep humanism” (2008, p. 15), relembra a empolgação que a descoberta da obra de Wilfrid Sellars causou em ambos – o que teria acontecido quando Rorty estava completando sua dissertação. Bernstein aponta Sellars como o primeiro autor analítico a ter uma grande influência na obra de seu amigo. 48 John R. Searle coloca as origens da filosofia analítica moderna como a combinação da tradição epistemológica empirista com as reivindicações fundacionistas de Kant através dos “métodos de análise lógica e pelas teorias filosóficas inventadas por Gottlob Frege no século XIX”; sua face se definiu de modo mais claro com o positivismo lógico entre 1939-1945 e a fase posterior marcada pela análise linguística. Nos últimos trinta anos a filosofia analítica passa por contínuos desafios quanto às suas pretensões positivas (SEARLE, 2007, p. 2).


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Nos próximos 20 anos, até a publicação de A Filosofia e o Espelho da Natureza, o trabalho de Rorty procura estender as consequências do nominalismo psicológico de Sellars, com sua veemente negação da possibilidade de acesso a qualquer dado empírico puro independente da interpretação. Em verdade, quando caracterizamos “um episódio ou estado como aquele de saber”, já “o estamos situando no espaço lógico das razões, do justificar e ser capaz de justificar o que se diz” (SELLARS, 2008, p. 81). Se Sellars queria conduzir a filosofia analítica de um estágio humano para outro kantiano (onde se leva a sério a ideia de que “intuições sem conceitos são cegas”), Rorty seguiu em direção ao hegelianismo, destacando a dimensão intersubjetiva do saber.49 Neste movimento, cabe também ressaltar o impacto que a proposta de “terapia filosófica” de Wittgenstein em suas Investigações Filosóficas teve sobre Rorty, dissolvendo “a maioria dos problemas filosóficos que fui educado a levar a sério” e ajudando-o também a despertar do sono dogmático de sua fase metafísica.50 Em verdade, Sellars também seguiu as trilhas de Wittgenstein e sua observação de que “não há como se interpor entre a linguagem e seu objeto”. (RORTY, 2003k). Até A Filosofia e o Espelho da Natureza, Rorty segue desenvolvendo a terapia filosófica wittgensteiniana, descartando “a ideia de que a linguagem seja uma tentativa de representar a linguagem com precisão e também a ideia de que a linguagem consiste na correspondência com a realidade” (RORTY, 2003k).51 Tendo completado seu doutorado com menos de vinte e seis anos, em 1957, Richard Rorty foi convocado para o serviço militar obrigatório (TCF, p.5). De modo inocente, acreditava que poderia utilizar seu período no exército para atualizar suas leituras, mas o serviço era tão estafante que no fim do dia sentia estava esgotado demais para encarar

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Na “Introdução” que escreveu para Empirismo e Filosofia da Mente, Richard Rorty, além de sumarizar as ideias do autor, descreve a obra de Robert Brandom, Making it explicit, como uma continuação da obra de Sellars, explicitando hegelianamente a formação de uma autoconsciência social (RORTY, 1997n). 50 A Folha de São Paulo – em uma edição do caderno “Mais!” de 8 de Junho de 2003 – perguntou para Rorty qual havia sido o filósofo que mais o influenciou, sua resposta foi Wittgenstein. Perguntado sobre qual filósofo mais responde suas indagações atuais, apontou Martin Heidegger, explicando que teria passado da terapia filosófica wittgenteiniana para a narrativa heideggeriana sobre a história filosófica ocidental. Já quando questionado sobre qual filósofo contemporâneo lia com mais atenção, Rorty apontou seu discípulo Robert Brandom e sua proposta de uma narrativa que desenvolve “uma filosofia neo-hegeliana da linguagem e da cultura” (RORTY, 2003k). 51 Rorty continua explicando que essas mudanças permitem aos wittgensteinianos “deixar de lado perguntas céticas sobre se a mente humana é ou não capaz de apreender a verdadeira natureza das coisas. O progresso científico, numa perspectiva wittgensteiniana, não é questão de chegar mais perto de algo que já existia (a Verdade ou Como o Mundo Realmente É), mas sim de encontrar maneiras de falar que nos capacitem a prever o que vai acontecer, com isso nos proporcionando condições de desenvolver tecnologias que nos permitam exercer mais controle sobre nosso ambiente. O progresso moral é questão de capacitar grupos cada vez maiores de humanos a levar vidas mais livres e mais felizes e não de alcançar clareza maior quanto à chamada "realidade moral". O progresso filosófico não é questão de resolver problemas ou penetrar mistérios, mas sim, como disse Wittgenstein, de "indicar à mosca a saída da garrafa na qual ela está presa” (RORTY, 2003k).


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qualquer livro. Serviu por dois anos num período de paz (entre as guerras da Coréia e do Vietnã) e, apesar de ter considerado a experiência desumanizadora e melancólica, ele foi congratulado com uma “quase” medalha por ter ajudado na substituição do sistema de notação utilizado nos programas de computador de busca e recuperação de informação (RORTY, 2011, p. 9). Antes de entrar para o exército, em 1954, Richard se casou com a filósofa Amélie Okensberg, que foi sua colega em Chicago e Yale. Esta união desde o princípio foi controversa: os pais de Amélie não aprovaram o casamento de sua filha com um não judeu e sua situação econômica também era muito mais confortável que a dos Rorty. (GROSS, 2008, p. 118). Quando saiu do exército, em 1958, Richard Rorty era um jovem doutor de 27 anos recém-casado que precisava de um emprego. Conseguiu uma vaga de professor de filosofia no Wellesley College graças à intervenção de seu orientador de doutorado Paul Weiss. Este era um posto de prestígio e adequado à formação de Rorty, já que o colégio mantinha em primeiro plano o valor da história da filosofia (RORTY, 2010a, p. 9).52 Ali o jovem filósofo pode exercitar seus interesses, ministrando cursos sobre autores como Husserl, Heidegger e Sartre; no entanto, não era um lugar de pesquisa, o que efetivamente limitavam as possibilidades de carreira de seus professores. Apesar de satisfeito com seu trabalho, os colegas em Wellesley previam que em pouco tempo ele deixaria a instituição seguindo para um posto mais adequado às suas pretensões. Nos três anos em que trabalhou em Wellesley, Richard Rorty fez o possível para justificar o convite de uma grande universidade. Aceitou as críticas de seus colegas de que seu foco histórico e metafísico estava ultrapassado e tratou de ler os filósofos da moda (Austin, Ryle e Strawson) e as Investigações Filosóficas de Wittgenstein (TCF, p. 19). Além desta atualização, demonstrou uma capacidade produtiva mais do que suficiente para satisfazer o imperativo do academicismo de “publicar ou perecer”, trazendo ao lume (fora aquilo que aguardava no “prelo”) neste período cinco resenhas (1959, 1960a, 1960b, 1960c e 1961c) e três artigos completos (1961a, 1961b e 1961d) para revistas de grande credibilidade científica (como International Journal of Ethics, Philosophical Review, Review of Metaphysics e The New Leader).

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Rorty rememoraria o Wellesley College como responsável por exercer um relevante papel social: transformar jovens e mimadas princesas WASP, abreviatura de "Branco, Anglo-Saxão e Protestante", em mulheres fortes, conscientes, independentes e socialmente úteis (RORTY, 2010a, p. 9).


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Nos referidos textos Rorty adotava uma perspectiva metafilosófica inspirada em McKeon, que colocava como inimigo principal o reducionismo que impede o debate genuíno entre os filósofos e suas diversas filiações, promovendo escusas sofísticas ou clichês dogmáticos. Rorty procura avaliar como a virada linguística afetaria este quadro, ao explicitar a dimensão retórica e metafilosófica do jogo filosófico, propiciando um novo solo em que as controvérsias entre metafísicos e analíticos poderiam ser reavaliadas de modo frutífero. Neste sentido, Rorty acreditava que o pragmatismo ressurgia como uma genuína possibilidade de pensamento – e não como uma mera idiossincrasia provinciana –, sendo este o momento de promover uma reavaliação crítica de seu legado, tomando-o como um movimento da história do espírito a ser incorporado no pendular de sua evolução dialética.53 Nestes primeiros textos a abordagem que Rorty faz do pragmatismo tem seu foco na obra de Peirce: por um lado, aproxima o pai do pragmatismo e o segundo Wittgenstein a partir da ênfase na prática social como a origem do “significado”, relacionando-o com seus efeitos na conduta (RORTY, 1961a, p. 198); por outro, toma a noção peirciana de “autocontrole lógico” como uma espécie de virtude prática especial – uma atitude – que ajudaria a afastar o reducionismo na procura de critérios para efetivos diálogos entre filósofos de diferentes

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O primeiro artigo publicado por Rorty, “Pragmatism, Categories and Language” (1961a, p. 197), começa afirmando: “O pragmatismo está se tornando respeitável novamente. Alguns filósofos estão contentes em pensálo como uma forma confusa de aproximação ao positivismo lógico – que, por sua vez, consideram um prelúdio para nossa própria época esclarecida. Mas aqueles que observam mais de perto percebem que o movimento de pensamento envolvido é mais como um pêndulo do que como uma flecha”. [“Pragmatism is getting respectable again. Some philosophers are still content to think of it as a sort of muddleheaded first approximation to logical positivism-which they think of in turn as a prelude to our own enlightened epoch. But those who have taken a closer look have realized that the movement of thought involved here is more like a pendulum than like an arrow”]. Como exemplo dos autores que focavam com mais cuidado esta transformação, Rorty cita Morton White e Alan Pasch, cujo livro Experience and the Analytic (Chicago, 1958) havia resenhado (1959a). Em 1962, resenhando o livro de Edward C. Moore, American Pragmatism: Peirce, James, and Dewey (New York: Columbia University Press, 1961), explica o desenvolvimento hegeliano da dialética que as obras de introdução e popularização dos movimentos filosóficos seguem: primeiro, há exposições feitas por propagandistas de primeira hora, que ridicularizam a geração anterior por não perceberem a luz que o novo movimento proporcionava; num segundo momento há as exposições feitas por autores mais afastados de sua linha de frente, que descrevem como, depois de passar por um período de descrédito, as verdades reveladas surgem como tão óbvias que os próprios adversários anseiam por tomá-las como criação sua; já num terceiro momento, quando os lideres do movimento estão mortos, há possibilidade de desenvolver avaliações simpáticas que sejam também críticas. Rorty acredita que havia chegado este terceiro estágio para o pragmatismo, momento em que seria possível incorporar as conquistas efetivas deste movimento (o filósofo norte-americano repete a imagem de Hegel, da coruja de minerva alçando voo tardiamente). [“First, we have those written by enthusiastic propagandists: such books are largely ridicule of the immediately previous generation of philosophers for their failure to see the light. Next come successive exposes of the movement - the rear-guard actions of the previous generation. These exhibit the Hegelian triad noted, in a celebrated passage, by William James: "First it is attacked as absurd; then it is admitted to be true, but obvious and insignificant; finally it is seen to be so important that its adversaries claim that they themselves discovered it." Lastly, when the originators of the movement have died, and the public has begun to wonder what all the fuss was about, a third sort of exposition appears. Now, for the first time, we get books written judiciously and with detachment, sympathetically but not uncritically. These are usually quite dull, by comparison with the products of the first two stages, but we cannot do without them. The owl of Minerva flies only when the shades of night are falling.” (1962a, p. 146)].


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perspectivas (RORTY, 1962b, p. 317). Questionando os limites do reducionismo necessário para a filosofia, Rorty pergunta sobre quanta linguagem precisamos, ou melhor, quantas distinções são necessárias para filosofar; pergunta que se justifica por então descrever a história da filosofia como uma querela entre reducionistas e antirreducionistas ou pluralistas. (RORTY, 1961d, p. 101). Neste debate, não se trata de simplesmente questionar pressupostos ou acusar o oponente de inconsistência por não considerar os fatos, complicar o que poderia ser mais simples ou simplificar o que é mais complicado. Para tentar sair deste embaraço, a metafilosofia se impõe como uma necessidade, considerando-se que

Há, de fato, um importante sentido no qual toda a polêmica filosófica que não é Sprachstreit [uma disputa verbal] é metafilosófica; [...] toda controvérsia que não é uma simples discordância (realmente indecidível) sobre fatos é uma discordância sobre a utilidade de uma distinção de nível e isto é precisamente o mais recente tipo de divergência que constitui a metafilosofia.54

Este tipo de distinção de nível permite que alguns filósofos acreditem estar descrevendo a realidade enquanto os demais multiplicam aparências; desta forma eles se colocam fora do aqui e agora e de qualquer contexto que permita diálogo (RORTY, 1961d, p. 112). Além de rejeitar as reinvindicações deste tipo de diferença ontológica, Rorty ressalta que ataques que apelam para a autoconsistência referencial (ou contradição performática) não têm resultado efetivo quando tratamos com pessoas na vida real, que encarnam tacitamente55 certas descrições como forma de vida.56 Por isso, a Filosofia se torna, para Rorty, um exercício metafilosófico, um jogo no qual as próprias regras estão em questão (RORTY, 1961b), os problemas são construídos – socialmente – ao invés de encontrados (RORTY,

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There is, indeed, na important sense in which all philosophical controversy which is not Sprachstreit is metaphilosophical; for in terms of our previous classifications, all controversy which is not a simple (and quite undecidable) disagreement about facts is a disagreement about the utility of a distinction of level and it is precisely this latter kind of disagreement which constitutes metaphilosophy. (RORTY, 1961d, p. 111). 55 Rorty não quer separar as reflexões metafilosóficas dos questionamentos epistemológicos de outras disciplinas. Isso tornaria a própria metafílosofia uma prática desconectada da sociedade e de outras disciplinas, por isso, facilmente ignorada como uma idiossincrasia. A esquecida obra do químico que se tornou espistemólogo Michel Polanyi é tomada por Rorty como um modelo para sua metafilosofia (RORTY, 1961b, p. 317). Polanyi se valia da noção de “conhecimento tácito”, compreendendo que o aprendizado de uma prática científica não se daria a partir do conhecimento de certas regras neutras, mas sim através da paixão pelo saber, obsessão que o leva a incorporar certas práticas e rituais do grupo e, com isso, ganhar autoridade e reconhecimento entre seus pares (John Rothfork acredita que a epistemologia de Polanyi permaneceu complementar às obras de Rorty mesmo depois de CIS (cf. ROTHFORK, 1995)). Talvez isso também justifique os esforços complementares de Robert Brandom por tornar explícito o modo como à justificação social da autoridade se dá. 56 Rorty (1961b, p. 316) reconhecia a partir de Wittgenstein (cita o §241 de Investigações Filosóficas) “que concordar em falar uma linguagem é concordar com um modo de viver” [“that to agree in speaking a language is to agree upon a way of living”]. .


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1961d, p. 114),57 o que justifica perguntar pelos efeitos práticos das posições em disputa, reconhecendo as dificuldades que existem em viver um efetivo diálogo (que pede a abertura de cada um para se colocar em jogo). Apesar da tentativa de participar dos debates sobre a filosofia de seu tempo, foi o importante scholar da filosofia grega antiga Gregory Vlastos quem ofereceu a oportunidade para que Richard Rorty se transferisse em 1962 para Princeton. A proposta foi de um período de experiência de um ano dando aulas de grego e sobre Aristóteles. O convite foi inusitado, pois Rorty não se considerava com domínio adequado do grego para ocupar este posto. 58 O convite de Vlastos poderia ser visto como uma proposta de filiação, para que o jovem doutor se adequasse e seguisse carreira como um especialista em filosofia antiga. Não foi o que aconteceu. Rorty pretendia contribuir para a filosofia participando efetivamente dos debates de seu tempo, em um contexto em que W. V. Quine era o arbiter elegantiarum, o ego-ideal; alguém que quando estudante optou por “ler tão pouco quanto possível dos textos canônicos e recomendou essa prática aos seus alunos de Harvard”, para ele “a história da filosofia é tão irrelevante para a investigação filosófica quanto o é a história da física para a pesquisa atual naquele campo”. (RORTY, 2006j, p. 54).59 Estar em Princeton era um grande passo para seguir seu projeto, já que a universidade possuía um dos mais prestigiados programas de pós-graduação dos EUA, o que significava também ser amplamente dominado pela perspectiva analítica e emular “atitudes quinianas”. Neste contexto, compreender mais profundamente os temas que faziam parte dos debates nas revistas especializadas foi para Rorty uma necessidade que teve impacto em sua forma de escrever e pensar a filosofia (RORTY, 2010a, p. 11). Vlastos foi compreensivo ao perceber que Rorty não era a pessoa de quem precisava, também percebeu seu esforço para se tornar um insider surpreendendo-o com a proposta para continuar em Princeton após este ano 57

“Mas assim que alguém chega a ver a si mesmo como alguém que faz ao invés de encontrar – como um propositor de regras mais do que como um descobridor de fatos –, compreende a possibilidade de regras alternativas e a pluralidade de interpretação de qualquer regra proposta. [But as soon as one sees one's self as making rather than finding – as a proposer of rules rather than as a discoverer of facts – one realizes the possibility of alternative rules, and of a plurality of interpretations of any proposed rule].(RORTY, 1961d, p. 214). 58 A justificativa deste convite, que tomava Rorty como um especialista em Aristóteles, se vincula ao reconhecimento por seus pares da qualidade de sua tese de doutoramento, na qual, como vimos, estudou a Metafísica. O fato de ter sido aluno de McKeon, um dos maiores especialistas e tradutor da obra de Aristóteles, provavelmente também contou pontos a favor do jovem filósofo. Vlastos conhecia a tese de Rorty (BERNSTEIN, 2008, p. 16) e o convidou para dar aulas de Aristóteles, acreditando que assim ficaria livre para concentrar-se em Platão. 59 “Quine was Carnap’s best student, the arbiter elegantarium of analytic philosophy, and everybody’s ego-ideal. He was openly scornful about the study of the history of philosophy. In his own student years, Quine had made a point of reading as few of the canonical texts as possible, and he recommended this practice to his students at Harvard. He believed the history of philosophy to be just as irrelevant to current philosophical inquiry as is the history of physics to current research in that field”.


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de experiência. Rorty foi efetivado em Princeton em 1965 e tornou-se catedrático em 1970, permanecendo até 1982. A efetivação está ligada ao reconhecimento de que ele poderia oferecer uma contribuição importante ao projeto analítico, o que se justifica (1) por uma modificação no sentido de seu projeto metafilosófico, que passou a tentar explicar por que os filósofos deveriam tornar-se analíticos (GROSS, 2008, p. 177), e (2) por sua participação contundente nos debates – altamente especializados – da filosofia da mente. A mudança na metafilosofia de Rorty tomou forma com o projeto de uma coletânea de artigos metodológicos em torno do que Gustav Bergmann havia denominado virada linguística (linguistic turn), a adoção de uma forma de “paradigma” que afirma que “os problemas filosóficos podem ser resolvidos (ou dissolvidos) pela reforma da linguagem, ou por uma melhor compreensão da linguagem que usamos no presente”. (LT, p. 3).60 Embora, mais tarde tenha avaliado a virada linguística como uma transformação “comum a toda filosofia do século XX – como é vidente tanto em Heidegger, Gadamer, Habermas e Derrida quanto em Carnap, Ayer e Wittgenstein” (RORTY, 2006j, p. 51),61 na coletânea The Linguistic Turn, lançada em 1967, o jovem filósofo coletou apenas artigos relativamente recentes – com não mais que vinte e cinco anos – de destacados filósofos analíticos (Moritz Schlick, W.V. Quine, Rudolf Carnap, Gilbert Ryle, P. F. Strawson, Stuart Hampshire, Richard Hare etc.). Seu foco estava “na mais recente revolução filosófica”, que tinha como palco as academias anglo-saxônicas. Contudo, no longo prefácio que escreveu para esta coletânea, denominado “Dificuldades metafilosóficas da filosofia linguística”, Rorty adota uma perspectiva incomum no campo analítico, colocando em questão o alcance de tal “revolução” em seu anseio de fazer da filosofia uma disciplina científica. Na avaliação de Jürgen Habermas, retrospectivamente esta coletânea pode ser considerada um corte na filosofia analítica; os textos selecionados, ao mesmo tempo, sintetizam “um desenvolvimento triunfal” e assinalam seu fim (HABERMAS, 2004, p. 229). Habermas julga que Rorty comentou os textos de uma distância metafilosófica que não combinava com um gesto elogioso, mas sim com uma compreensão hegeliana de que aquela figura do espírito representada pela filosofia analítica, ao chegar “ao amadurecimento, estava dialeticamente condenada ao declínio”; por isso a introdução desta obra pode ser considerada a abertura para uma época pós-analítica (HABERMAS, 2004, p. 229).

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the view that philosophical problems are problems which ay be solved (or dissolved) either by reforming language, or by understanding more about the language we presently use. 61 “The linguistic turn is common to all twentieth-century philosophy--as evident in Heidegger, Gadamer, Habermas and Derrida as in Carnap, Ayer, Austin and Wittgenstein”.


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Já no início do seu texto, Rorty dá uma dimensão histórica para sua análise e enuncia uma espécie de paradoxo que acompanha a própria ideia de método filosófico:

Para saber qual método adotar, já se deve ter alcançado algumas conclusões metafísicas e epistemológicas. Se se procura defender essas conclusões usando o método escolhido, expõe-se à acusação de circularidade. Se não as defende assim, defende que, dadas as conclusões, decorre a necessidade de adotar o método escolhido, expõe-se à acusação de que o método é inadequado, pois não pode ser usado para estabelecer as teses metafísicas e epistemológicas cruciais que estão em disputa. Uma vez que o método filosófico é, ele próprio, um tópico filosófico (ou, em outras palavras, uma vez que tenham sido adotados e defendidos critérios diferentes para a solução satisfatória de um problema filosófico por diferentes escolas filosóficas), todo revolucionário filosófico está exposto à acusação de circularidade ou à acusação de ter cometido uma petição de princípio. (LT, p. 1-2)62

A seguir o filósofo norte-americano procura demonstrar como a filosofia analítica – tanto a que propõe linguagens formais quanto a que se vincula à linguagem ordinária – não se apresenta isenta de pressupostos e não fornece nenhum critério de “eficácia filosófica” para determinar quando se alcançou um efetivo progresso filosófico (com o fim da investigação e a aceitação racional de seus resultados). Por isso, acreditava que o anseio da filosofia analítica de se tornar “estritamente científica” havia fracassado. Sua pergunta passa a ser então sobre o significado deste fracasso, tomando-o em um sentido wittgensteiniano como uma possibilidade terapêutica, uma abertura para que a Filosofia deixe de repetir questões acerca de essências e se desenvolva em um sentido diverso. Rorty mantém que a Filosofia, desde que foi inventada por Platão, se move através da disputa entre Artes e Ciência; a virada linguística não diminuiu esta tensão, no entanto, nos deu a autoconsciência necessária para compreender que modificando nossos vocabulários também poderíamos modificar nossa metafilosofia. Neste sentido, a maior conquista da filosofia recente não estaria na virada linguística, mas no questionamento das dificuldades epistemológicas advindas da aceitação de uma teoria contemplativa do conhecimento (spectator theory of knowledge)63 (LT, p. 38-39). 62

To know what method to adopt, one must already have arrived at some metaphysical and some epistemological conclusions. If one attempts to defend these conclusions by the use of one's chosen method, one is open to a charge of circularity. If one does not so defend them, maintaining that given these conclusions, the need to adopt the chosen method follows, one is open to the charge that the chosen method is inadequate, for it cannot be used to establish the crucial metaphysical and epistemological theses which are in dispute. Since philosophical method is in itself a philosophical topic (or, in other words, since different criteria for the satisfactory solution of a philosophical problem are adopted, and argued for, by different schools of philosophers), every philosophical revolutionary is open to the charge of circularity or to the charge of having begged the question. 63 Não por acaso, John Dewey, em sua narrativa da história da filosofia, coloca como seu principal inimigo a teoria contemplativa do conhecimento. Novamente Rorty coloca o pragmatismo esperando no fim do caminho dialético.


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Para o futuro da Filosofia – ou mesmo para uma pós-filosofia – Rorty vê o embate entre (1) aqueles que defendem a existência de verdades filosóficas a serem descobertas e justificadas por meio de argumentação racional (que exemplifica como vias derivadas de Husserl, Austin e Strawson) e (2) aqueles que mantêm uma atitude mais lúdica, acreditando que os problemas filosóficos são construídos, de modo que poderíamos abandonar o nominalismo metodológico em direção à poesia (como o último Heidegger), mantê-lo e retomar a filosofia como um “jogo” de invenção de sistemas (como propunha Waismann) ou tomar a própria filosofia como uma atividade a ser superada terapeuticamente (como no segundo Wittgenstein). Embora Rorty não se posicione claramente entre essas alternativas proféticas, deixa clara sua inclinação para uma perspectiva construtiva ao avaliar que a virada linguística tem como consequência uma mudança na função da disciplina mudando nossa mente (reformando nossa linguagem), mais do que descrevendo-a, pois a linguagem – diferentemente da natureza intrínseca da realidade ou da unidade transcendental de apercepção – é alguma coisa que, segundo parece, pode ser modificada. (LT, p.38)64

Nos artigos especializados que Rorty escreveu sobre filosofia da mente ao mesmo tempo em que organizava a coletânea The Linguistic Turn, o filósofo norte-americano se propunha não somente a mudar nossa mente, mas a fazê-la desaparecer (RORTY, 1965a, 1967d, 1967e, 1970b, 1970c, 1970d e 1970f). Diante do dilema cartesiano da divisão entre mente e corpo, Rorty desenvolveu uma posição materialista que radicaliza a virada linguística tomando a relação entre vocabulários e ontologia como irredutível a uma teoria (BRANDOM, 2009, p. 83), mas socialmente normativa e individualmente incorrigível. Rorty rejeita a distinção entre dois tipos de substância como proposta por Descartes (entre res extensa e res cogitans), sustentando uma perspectiva materialista que afirma a redutibilidade de estados mentais a estados físicos no cérebro: a ideia de uma mente inefável seria um artefato cultural, ideia que na especulação metafísico-epistemológica ocupa o lugar antes dado pelos teólogos para uma concepção de um deus inefável (RORTY, 1982e, p. 344). Como observou Robert Brandom (2009), a posição de Rorty valoriza o homem como a espécie poética,65 com o tipo

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“change your consciousness (by reforming our language) rather than to describe it, for language – unlike the intrinsic nature of reality, or the transcendental unity of apperception – is something which, it would seem, can be changed”. 65 No texto Filosofia da Mente contemporânea (Contemporary Philosophy of Mind), de 1982, Rorty sentencia: “Nós somos a espécie poética, a única que pode modificar a si mesma modificando seu comportamento – e especialmente seu comportamento linguístico, as palavras que usa. Esta habilidade não pode ser explicada pela descoberta de mais acerca de algo chamado “mente” e nem com descobertas sobre a natureza de alguma coisa chamada ‘Deus’.” [We are the poetic species, the one which can change itself by changing its behavior – and especially its linguistic behavior, the words it uses. The ability is not to be explained by discovering more about


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de plasticidade da relação entre vocabulários e mundo que aparece nestes versos do poema “Blood and Moom”, do poeta romântico inglês W.B. Yeats: God-appointed Berkeley that proved all things a dream, That this pragmatical, preposterous pig of a world, its farrow that so solid [seem, Must vanish on the instant if the mind but change its theme 66

Para Rorty os problemas céticos advindos da separação entre mente e corpo derivamse da adoção – opcional – de um vocabulário cartesiano, que traz consigo toda uma série de palavras para descrever estados internos como se estes fossem entidades. Rorty toma o vocabulário cartesiano como uma construção histórica que poderia ser substituída por uma melhor, do mesmo modo que as descrições científicas nos levaram a abandonar a ideia de que existem demônios: O absurdo de dizer ‘ninguém jamais sentiu dor’ não é maior que dizer ‘ninguém jamais viu um demônio’ se dispomos de uma resposta adequada para a questão: ‘O que descreveria ao dizer que sentia dor?’. A ciência do futuro pode responder essa questão: ‘Você está narrando a ocorrência de certo processo cerebral e a vida seria mais simples para nós se, no futuro, você dissesse: ‘minhas fibras-C estão disparando’, em vez de ‘Estou com dor’’. Assim dizendo, em prima facie ele age tão bem quanto o cientista que responde à pergunta do xamã ‘Do que eu estava falando (reporting) quando falei (reported) de um demônio?’ dizendo ‘Você estava relatando (reporting) o conteúdo de sua alucinação, e tornaria a vida mais simples se, no futuro, você descrevesse suas experiências nesses termos’ (RORTY, 1965a, p. 30 apud: VOPARIL, 2010, p. 19 tradução minha).67

the nature of something called "the mind" any more than by discovering more about the nature of something called "God."] (p. 346). 66 Que em tradução literal seria algo como: “Berkeley, enviado por Deus, demonstrou que todas as coisas são um sonho,/ Que este pragmático, absurdo e porco mundo, estas criaturas que parecem tão sólidas,/ Desaparecem em um instante se a mente muda de tema” (YEATS apud BRANDOM, 2009: p. 84). É importante ressaltar que Rorty não se encaminha na direção de um idealismo egotista como o de Berkeley, mas sim para a construção de uma descrição que justificasse ser ao mesmo tempo naturalista e romântico através de uma forma pragmática de textualismo. No importante ensaio “O idealismo do século XIX e o textualismo do século XX”, publicado em 1980, Rorty aproxima idealismo e textualismo por compartilharem como características o antirrepresentacionismo e a oposição ao cientificismo. Os idealistas partiram “da pretensão de Berkeley de que nada pode ser semelhante a uma ideia, excepto outra ideia. Os textualistas partem da pretensão de que todos os problemas, tópicos e distinções são relativas à linguagem – os resultados de termos escolhido determinado vocabulário, para jogar um determinado jogo-de-linguagem (CPp, p. 208). Ambos tomam como paradigmática a função poética da arte na construção de novas ideias ou descrições ao invés da procura de alcançar a derradeira descrição da realidade. 67 The absurdity of saying "Nobody has ever felt a pain" is no greater than that of saying "Nobody has ever seen a demon," if we have a suitable answer to the question "What was I reporting when I said I felt a pain?" To this question, the science of the future may reply "You were reporting the occurrence of a certain brain-process, and it would make life simpler for us if you would, in the future, say 'My G-fibers are firing' instead of saying 'I'm in pain'." In so saying, he has as good a prima facie case as the scientist who answers the witch doctor's question "What was I reporting when I reported a demon?" by saying "You were reporting the content of your hallucination, and it would make life simpler if, in the future, you would describe your experiences in those terms."


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Quando um relato é apresentado como conhecimento incorrigível, isto não se deve à existência de “uma relação especial entre aqueles que conhecem e o objeto referido pela sentença”, mas por uma questão holística “sobre o modo como a frase se encaixa na linguagem de uma determinada cultura e as circunstâncias de sua utilização em um tempo dado” (RORTY, 1970f, p. 282).68 Desta forma, Rorty desenvolve uma solução materialista para o problema mente-corpo, ampliando o nominalismo de Sellars ao vincular vocabulários e práticas sociais, de tal modo que a própria ideia de mente – como também a de ontologia – parece esvaziar-se (RORTY, 2010b). O mergulho de Rorty nas controvérsias da filosofia da mente gerou a Parte I de A Filosofia e Espelho da Natureza (PMN) (RORTY, 2010a, p. 12) e, na descrição de Robert Brandom, foi tirando as consequências do materialismo eliminativo que o filósofo norteamericano desenvolveu toda a sua obra posterior (BRANDOM, 2000; 2009). Inicialmente, Rorty trata das modificações epistemológicas decorrentes da ausência da ideia de mente e só em Contingência, Ironia e Solidariedade (CIS) (1989) cria uma descrição das consequências morais e políticas da falta de um centro sublime de racionalidade. Nos anos imediatamente posteriores a sua efetivação em Princeton, Rorty sentia-se adaptado e feliz; pelo menos esta é a descrição que nos oferece Neil Gross (GROSS, 2008, p. 192). O sociólogo se vale de documentos oficiais69 para mostrar como Rorty assumiu a identidade analítica: recomendando e oferecendo cursos sobre essa tradição e tomando como critério de excelência a capacidade de argumentar de forma minuciosa e com clareza própria dos que possuem “inteligência analítica” (GROSS, 2008, p. 190-191). Entre 1965 e o principio da década de setenta, uma série de artigos publicados por Rorty atestam sua condição de filósofo analítico engajado (GROSS, 2008, p. 190-191).70 Rorty também se sentia muito satisfeito com o tempo que a universidade oferecia para seus professores pesquisarem e com a qualidade dos alunos de Princeton (GROSS, 2008, p. 192-193), lembrando que alguns de seus antigos alunos atualmente estão entre os melhores nomes da disciplina. (RORTY, 2010a, p. 10). É certo que muitos dos escritos publicados neste período são frutos ou desdobramentos de trabalhos anteriores, assim como os informes oficiais escritos como representante de Princeton ou para fins institucionais não trazem necessariamente a posição 68

“That a given sentence is used to express incorrigible knowledge is not a matter of a special relation wich holds between knowers and some object referred to by this sentence, but a matter of the way in which the sentence fits into the language of a given culture, and the circunstances of its user, at a given time”. 69 Como cartas para universidades e pedido de bolsa ou indicação de alunos. 70 Gross cita Rorty 1967d, 1967e, 1970b, 1970c, 1970d, 1970e, 1971b e 1972c.


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do filósofo norte-americano. Gross ignora que neste período Rorty sofreu uma grave crise nervosa, demonstrando enorme insatisfação tanto pessoal quanto profissional: no fim da década de 1960 teve depressão por um ano, tempo em que ficou incapacitado de escrever (KLEPP, 1990, p. 118).71 Este período de crise de identidade foi muito importante para Rorty e pode ser descrito como uma fase de conversão de sua autoimagem e da forma como era reconhecido por seus pares em Princeton: “Minha lembrança é de que nos primeiros dez anos em Princeton eu era um dos caras” [...]; no entanto, “na segunda década, cada vez mais fui visto como contestador ou difícil”. Além dos “problemas filosóficos”, questões particulares influíram neste quadro: “Me divorciei e me casei novamente e como minha primeira mulher era filósofa e amiga dos meus colegas isso gerou problemas. Não foi um divórcio amigável e não soube lidar muito bem com isso”. (TCF, p.8 tradução minha).72 O divórcio entre Amélie e Richard Rorty continua sendo um tema polêmico. Até mesmo porque a separação, que ocorreu em 1971, foi transformada em questão pública quando em 1969 Amélie Rorty fez uma leitura na Universidade de Pittsburg na qual problematizava a dependência e cerceamento de possibilidades que sofrem as mulheres a partir do modo como a relação entre os gêneros trivialmente se configuram, dando para elas a incumbência prioritária do serviço doméstico e do cuidado com os filhos.73 Para Amélie, o ideal triunfante de autoconfiança individualista exaltado na sociedade norte-americana se sustenta de modo “vampiresco” em relação às virtudes cooperativas que nos relacionamentos são pressupostas como sendo “deveres femininos” em relação aos pais, maridos e filhos (RORTY, 1977, p. 42). No caso das mulheres casadas com profissionais que tomam seu trabalho como uma atividade especial, não se trata de uma mera versão da dialética envolvendo dependência e dominação:

Não é como ser casada com um sacerdote ou ser enfermeira de um grande cirurgião; não há nada de sagrado envolvido. Mas as mulheres no séquito de scholars, 71

Não há como precisar exatamente quando Rorty passou por esta crise, mas é relevante que nos anos de 1968 e 1969 não tenha publicado nenhum texto. 72 "My recollection is that for the first ten years at Princeton, I was one of the boys," remembers Rorty. "But for the second ten years, I was seen as increasingly contrarian or difficult." In addition to philosophical differences, there were personal complications: "I got divorced and remarried, and because my first wife was a philosopher and a friend of my colleagues', there were problems. It was not a friendly divorce, and I didn't handle it very well." 73 O texto Dependency, Individuality and Works é citado por Gross como contendo lembranças de Amélie Rorty publicadas em 1977, no entanto, a autora enfatiza que o escreveu em 1969 para leitura na Universidade de Pitthsburg, publicando-o posteriormente em 1971 com o título “Dependents: the trial of success” no The Yale Review. Para a nova publicação em 1977, Amélie acrescenta um relato de sua experiência pessoal com o divório recente e diz ter reescrito algumas partes do texto. Permanece a dúvida acerca do que foi reescrito e do que é testemunho de uma situação que efetivamente enfrentava. Cabe ponderar em que medida esta ruptura afetou Richard Rorty em seu trabalho.


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cientistas e políticos estão a serviço de homens que, sem constrangimento, sentemse autorizados a lhes pedir sacrifícios. Não fazem isso em seu próprio nome, mas em nome de algo que supõe transcendente a todos. (RORTY, 1977, p. 47, tradução minha)74

As esposas de acadêmicos que também são acadêmicas geralmente precisam tentar conseguir um emprego, muitas vezes de meio período, nas cercanias do trabalho de seu marido, já que ele geralmente consegue um emprego melhor primeiro (ainda que ambos tenham a mesma preparação técnica). Para Amélie existe então uma relação de servidão que se sustenta na falta de confiança em si mesma: a mulher fica dividida entre as atividades domésticas, os cuidados com o marido e filhos, o trabalho, sem conseguir desenvolver um self, vive pela metade. Ainda que tenha mais tempo livre que o marido, fica isolada em casa, sem a possibilidade de conviver com companheiros de investigação, sem o contexto e o reconhecimento necessários para um trabalho autônomo. Além disso, precisa cooperar e dar suporte emocional ao marido, aguentando suas variações de humor e queixas: é da mulher o lado mais humano da relação, enquanto ao homem caberia a dedicação ao trabalho e a obsessão com resultados precisos (RORTY, 1977, p. 50). Na medida em que ela fica relegada a sustentar os objetivos de seu esposo, as chances de desenvolver um trabalho relevante e competitivo frustram-se e, com isso, torna-se amarga, ressentida ante o sucesso do marido que sabe brotar de uma relação “vampiresca” (que para Amélie pode ser ilustrada pelo poema “The mental traveller”, de William Blake, ou pelo romance The Sacred Fount, de Henry James). Nesta divisão doméstica o que as mulheres conseguem afinal e

se tiverem sorte, é uma nota de agradecimento no prefácio elogiando-as pela paciência e agradecendo pelo incentivo. Não há nada mais baixo do que ser o servo do servo do sagrado, no mundo, até mesmo qualquer movimento de auto-definição é feito com sentimento de culpa, cheio de vergonha. (RORTY, 1977, p. 47, tradução minha)75

. Finalmente, o homem consegue alcançar o objetivo de tornar-se professor efetivo (tenure), isto lhe dá autoconfiança por perceber que conseguiu seu crescimento pessoal. O novo status atrai novos amigos que se encantam com o charme do jovem professor que agora pode deleitar-se observando pássaros, enquanto sua esposa com olhar frio e crítico é

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“It is not like being married to a priest or being the nurse of a great surgeon; there is nothing sacred involved. But the women who surround scholars, scientists, and politicians are in the service of men who feel entitled to demand sacrifi ce from their women without embarrassment. They are not doing it in their own name, but in the name of something that is supposed to transcend them all”. 75 What the women get out of that, if they are lucky, is a grateful note in the preface commending them for their patience and thanking them for their encouragement. There is nothing lower than being the servant of the servant of the sacred; in the world, even any stirring of self-definition is guilt-ridden, shameful.


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qualificada como o retrato do ressentimento (RORTY, 1977, p. 51). Ele acabará aceitando esta descrição de sua esposa, com ela justificando seu afastamento e alienação, “encontrando a vida real no seu trabalho, em seus companheiros ou nas jovens estudantes de pós-graduação, mulheres que ainda permanecem interessantes e não estão amarguradas” (RORTY, 1977, p. 48).76 O tom geral do texto é impessoal, no entanto, quando o republicou em 1977, já separada, Amélie trata brevemente de sua experiência pessoal. Afirma ter se casado muito jovem com um filósofo que, assim como ela, era um idiot savant, centrados em si mesmos e com pouco em comum. Logo o casamento se mostrou um empreendimento solitário em que não podia contar com a ajuda do marido e tinha sua liberdade tolhida em favor da devoção dele ao trabalho: “Quando jovem, meu marido era uma pessoa de altos e austeros ideais, bastante rígido, muito reservado, um filósofo brilhante. Ele se dedicava a maior glória de Deus através da filosofia e ao desenvolvimento de sua autoestima” (RORTY, 1977, p. 40).77 Para ela, foi a repressão emocional, mais do que brigas domésticas, o que caracterizou seu matrimônio (GROSS, 2008, p. 235). O distanciamento entre eles foi colocado em xeque quando Amélie aceitou em 1971 uma bolsa para ficar por dois anos no King’s College de Cambridge. Uma vez que Richard “nem cogitava esta ideia, isto significou o divórcio”. (RORTY, 1977, p. 41). Pouco depois de Amélie partir para a Inglaterra, Richard Rorty relata ter se apaixonado por uma mulher que, “por alguma razão, não se sente dissuadida diante de minha pedantice, minha barriga e cabelos grisalhos. Omnia vincit amor, para minha surpresa – nunca havia compreendido isto antes” (GROSS, 2008, p. 235). A também filósofa Mary Varley, sua segunda esposa com quem ficou até o fim da vida, é mórmon praticante, o que contrasta com o secularismo militante de Richard, diferenças pequenas ante suas afinidades e identificação.78 O filósofo norte-americano faz questão de ressaltar que Mary Varney – a partir daqui Mary V. Rorty – tornou-se sua “musa” e lhe deu “a autoconfiança necessária para escrever como desejava sem preocupar-se com a reação de sua audiência” (GROSS, 2008, p. 234). 76

Eventually her husband will accept her account of the situation and alienate himself, finding his real life in his work or his colleagues or the young graduate students, women who are still interesting and not yet embittered. 77 my husband was a person of high and austere ideals, rather rigid, very reserved, a brilliant philosopher. He was dedicated to the greater glory of God through philosophy, and to developing his self-respect. 78 No artigo Justiça como lealdade ampliada, Rorty se utiliza de uma descrição para tentar reconciliar Habermas e Baier que credita à sua esposa Mary; este argumento serve para entender também a relação entre os dois apesar de suas diferenças religiosas: “Quando pessoas cujos comportamentos e desejos que não coincidem são bastante discordantes, elas têm a tendência de pensar que o outro é maluco ou, de modo mais polido, irracional. Quando há considerável coincidência, no entanto, elas podem concordar em divergir e considerar o outro como o tipo de pessoa com quem se pode viver – e, por fim, talvez o tipo de pessoa com quem se pode firmar amizade, casamento e assim por diante” (PP, p.118-119).


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Embora Gross ignore a importância da depressão que Rorty sofreu, em uma nota de rodapé indica que para Amélie o que deu ao filósofo norte-americano confiança para desenvolver suas posições foi a Psicanálise. Rorty rejeitou essa explicação e reafirmou a importância do seu segundo matrimônio e da felicidade que alcançou com Mary Varney (GROSS, 2008, p. 252). Em contraste com essa alegria em sua vida doméstica, Richard enfrentou uma separação litigiosa com uma longa disputa pela casa onde morava com Amélie. Além disso, como dito, seus colegas em Princeton eram amigos de sua antiga esposa e, por lealdade, afastaram-se ainda mais dele.79 Ao tornar-se efetivo, Rorty teve a abertura para propor cursos sobre autores que lhe interessavam, mas que eram desprezados por seus colegas. Além disso, passou a apoiar e desenvolver propostas de contratações para o departamento de filosofia de autores que fugiam ao perfil analítico (em 1969, por exemplo, apoiou uma proposta de contratação de Herbert Marcuse e a ideia de trazer Susan Sontag para um curso sobre Filosofia e Literatura), ansiando por um ambiente mais pluralista e menos provinciano – o que significava ser aberto à filosofia continental. Estes tipos de disputa em relação à autoimagem do departamento progressivamente deterioraram a relação de Rorty com seus colegas,80 que faziam questão de lembrar aos calouros o risco de fazer sua dissertação sob a orientação de um herege, sob pena de se especializarem em temas que não proporcionariam horizontes para sua carreira. Ele tornou-se uma forma de câncer para a filosofia profissional (KLEPP, 1990, p. 118). No diagnóstico de Rorty, o tipo de autoconsciência histórica e de questionamento metafilosófico desenvolvido em seus trabalhos não tem lugar dentro da perspectiva analítica, na medida em que esta se propõe a imitar as ciências naturais. 81 Sem estes componentes o trabalho filosófico tende a desenvolver-se desconectado do restante da cultura, como uma forma de escolasticismo que não valoriza a conversação com outros campos de saber. O impasse profissional de Rorty só se dissolveu em termos teóricos na medida em que modificou o seu projeto de procurar um solo comum entre o positivismo lógico de Ayer e a metafísica de Whitehead, pela construção de uma narrativa terapêutica que permitisse fundir 79

Gross relata as reclamações de Rorty aos colegas pelo constrangimento, de ir com Mary a uma recepção em Princeton e encontrar lá sua antiga esposa. Numa carta Vlastos respondeu a Rorty explicando-lhe, a partir de uma argumentação em que os pares eram substituídos por incógnitas, como a reclamação do colega não era razoável (GROSS, 2008, p. 236). Este tipo de apelo à racionalidade lógica e impessoal mostra bem como Richard Rorty era considerado em Princeton um estrangeiro entre gregos. 80 Gross cita como exemplos o desentendimento com Gilbert Harman em um curso compartilhado em 1969, quando diferenças sobre o sentido do trabalho filosófico se mostraram dificuldades incomensuráveis; e o contínuo distanciamento de Gregory Vlastos, em parte ligado ao divorcio e à lealdade/amizade deste para com Amélie Rorty. 81 Cf. EHOp, p.36 – EHO, p.21; Rorty desenvolve sua crítica ao historicismo em, por exemplo, 2006j e a ausência de metafilosofia em 2003o.


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os horizontes entre a obsessão da filosofia analítica com a linguagem e a dimensão historicista da filosofia continental (KLEPP, 1990, p. 118). Esta redescrição de seu trabalho também se vincula à superação de seus problemas de bloqueio de escrita: “A prosa filosófica começou a transbordar da máquina de escrever. De repente, era puro prazer, e tem sido assim desde então” (KLEPP, 1990, p. 118).82 Há alguns candidatos teóricos para a condição de leitura terapêutica que ajudou Rorty a superar sua crise e escrever PMN (1979) como uma narrativa que professa a mesma possibilidade de cura para a comunidade intelectual. Na descrição de Gross, a aproximação da obra de Thomas Kuhn reforçou em Rorty o germe do historicismo e a autoconfiança para colocar em questão frontalmente o pensamento analítico. Embora não fossem próximos, Kuhn foi colega de Rorty em Princeton a partir de 1964, onde participava do IAS [Institute for Advanced Studies], que fomentava uma orientação historicista para a história intelectual. Do IAS fizeram parte durante os anos setenta amigos próximos de Rorty, como Clifford Geertz e Quentin Skinner (este último na condição de visitante durante 1975). Apesar de nunca ter sido membro do IAS, a proximidade teria fornecido recursos simbólicos – na forma de um grupo de referência intelectual alternativo (GROSS, 2008, p. 215) – para que Rorty reafirmasse seus “instintos” historicistas e suportasse o “risco da indisciplina”:83 a epistemologia kuhniana coloca em questão a ideia de que seguir as regras de um “método” normalizador fosse o suficiente para obter ao mesmo tempo sucesso profissional e qualidade epistemológica (RORTY, 2010a, p. 12). No caso da filosofia que – de acordo com as primeiras descrições metafilosóficas rortyanas – tem como característica questionar as regras do jogo, permanecer preso a um paradigma é geralmente uma forma de acomodação e reificação, aceitando seguir a escolástica da moda. É possível sintetizar os argumentos que Rorty desenvolve em PMN em uma perspectiva kuhniana como a transformação da virada linguística em virada pragmática (ou linguístico-pragmática), uma transição de paradigmas. Para o filósofo norte-americano, depois de Kuhn, a distinção entre o discurso normal e o anormal ocupou o lugar do embate entre Poesia e Ciência como encenado no Romantismo. Não haveria um tipo de discurso privilegiado por acessar as coisas em si mesmas, mas falas diferentes, construídas e adequadas para diversos fins, com contraste entre os discursos mais prosaicos (normais) e os mais poéticos (anormais). Os problemas filosóficos seriam também contingentes: as questões que 82

“The philosophic prose began pouring out of the typewriter. Suddenly it was pure pleasure, and it´s been that way ever since". 83 A expressão “risco da indisciplina” foi cunhada por Luiz Eduardo Soares para descrever o desafio de fugir do apelo cientificista, correr o desafio de ir para além da socialização no jargão disciplinar e desenvolver possibilidades poéticas e criativas que desafiam a reificação de fronteiras (SOARES, 1993, p. 191-201).


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os gregos buscavam responder são diferentes daquelas que encontramos na modernidade. Os problemas debatidos pelos filósofos analíticos, na medida em que estão desconectados de efeitos sociais práticos e fracassam em seus objetivos fundacionistas, poderiam ser considerados quebra-cabeças autoindulgentes, anomalias numa descrição derivada de Kuhn, que indicam a crise de um paradigma e sua superação eminente. Este paradigma decadente poderia ser reconstruído genealogicamente, trazendo uma autoconsciência sobre como as questões que propõe não são de modo algum necessárias. Em PMN, Rorty tenta mostrar como uma forma de conceber a atividade filosófica se configurou a partir do representacionismo cartesiano e sua divisão entre mente e corpo, gerando posteriormente, com Kant, a reivindicação de que a filosofia seria uma disciplina especial que tem por tarefa fundamentar todo o saber válido e cuidar de seus limites. É esta descrição da atividade filosófica que alimentou também a necessidade de profissionalização da filosofia e seu anseio positivista de apresentar-se como uma quase ciência mais fundamental que qualquer ciência. PMN desenvolve uma narrativa terapêutica, em sentido wittgensteiniano, que conduz a mosca filosófica para encontrar, ao sair da garrafa, o pragmatismo (com sua valorização das práticas sociais como origem de nossas crenças) e compreender o imperativo deweyano de reconstrução (ou superação) da filosofia. Embora seja contundente a argumentação de Gross sobre a importância de Kuhn no projeto filosófico de Rorty, existe um exagero quando afirma que este foi o pensador que mais o influenciou. É questionável a ideia pressuposta por Gross de que Rorty somente tomou contato com a obra de Kuhn no começo da década de setenta (quando surge a primeira referência direta a ele em seu trabalho).84 No entanto, mais relevante é a omissão na narrativa de Gross de qualquer referência ao impacto que a leitura de Jacques Derrida e Donald Davidson teria na obra do filósofo norte-americano. Tanto Sellars e Davidson, quanto Wittgenstein, Heidegger ou Dewey poderiam disputar o posto de “principal influência”, o que por si só esvazia a questão e justifica pensar que não há, como supõe Gross, uma fonte teórica única de inspiração para a transformação que ocorreu no trabalho de Rorty entre as décadas de 1960 e 70. Uma história da filosofia sem filosofia – como observou Sellars – seria cega (RORTY, 2010a, p. 6), por isso, em PMN, Rorty dialoga e desenvolve posições próprias ao sintetizar criativamente diversos autores. Compreender o processo de construção destas hibridações só é possível acompanhando os artigos que Rorty escreveu durante a década de

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A primeira referência direta está em 1970f. Gross mostra que no fim de 1976 Rorty desenvolveu um curso em Princeton que procurava avaliar o impacto da obra de Kuhn para a filosofia, tomando-o como um divisor de águas a partir do qual a filosofia devia decidir como seguir (GROSS, 2008, p. 208-209).


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setenta, reunidos no livro Consequências do Pragmatismo (CP). Gross peca por considerar PMN isoladamente, sem levar em conta sua ligação com estes artigos de CP, que complementam seu discurso e lhe dão sentido. No fim da década de sessenta, em um grupo de estudos literários de Princeton dirigido por John Arac, Rorty teve contato pela primeira vez com a obra de Derrida, o que reavivou seu interesse por Heidegger e a vontade de desenvolver narrativas históricas hegelianas sobre o desenvolvimento da filosofia: Derrida me fez retomar Heidegger, e fiquei surpreso com as semelhanças entre as críticas ao cartesianismo feitas por Dewey, Heidegger e Wittgenstein. E, de repente, as coisas começaram a se ajustar. Eu acreditava ter descoberto um modo de misturar uma crítica da tradição cartesiana com o tipo de historicismo quase-hegeliano de Michel Foucault, Ian Hacking e Alasdair MacIntyre. Eu pensava que poderia combinar tudo isso numa narrativa quase-heideggeriana sobre as tensões internas do platonismo. (P, p. 160)85

Rorty redescobriu John Dewey, tomando-o como responsável por naturalizar Hegel de um modo capaz de levar Darwin a sério (P, p. 160 e PSH, p. 12). A aproximação de Dewey ocorre a partir de uma reconfiguração e avaliação crítica de seu legado, por um lado descartando seus momentos metafísicos e a noção de experiência e, por outro, enfatizando sua crítica à epistemologia do espectador e sua esperança social reformista. A fé na solidariedade humana é a vantagem principal que Rorty vê na narrativa pragmatista deweyana em relação às histórias contadas por Foucault e Heidegger. A revalorização de Dewey por parte de Rorty, para não se tornar uma forma de nostalgia idiossincrática, precisou se justificar no contexto da academia norte-americana e nos termos que a dominavam, ou seja, na linguagem analítica. Neste sentido, Rorty escolheu como armas o antifundacionismo de Sellars (com sua crítica à noção de experiência) e o holismo de Quine (que colocava em questão a distinção entre juízos analíticos e sintéticos), mas somente por meio do contato com a obra de Donald Davidson e sua crítica à distinção entre esquema e conteúdo – o que chamou de terceiro dogma do empirismo – o filósofo norteamericano conseguiu argumentos que solapavam qualquer tentativa de construir um ponto de vista transcendental (LOPES, 2007, p. 49). Rorty vê os filósofos analíticos Quine, Sellars e Davidson caminhando em direção ao antirrepresentacionismo (abandonando as distinções 85

This rediscovery of Dewey coincided with my first encounter with Derrida (which I owe to Jonathan Arac, my colleague at Princeton). Derrida led me back to Heidegger, and I was struck by the resemblances between Dewey's, Wittgenstein's and Heidegger's criticisms of Cartesianism. Suddenly things began to come together. I thought I saw a way to blend a criticism of the Cartesian tradition with the quasi-Hegelian historicism of Michel Foucault, Ian Hacking and Alasdair MacIntyre. I thought that I could fit all these into a quasi-Heideggerian story about the tensions within Platonism. (PSH, p. 12)


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kantianas entre receptividade/espontaneidade e intuição e conceito), num sentido semelhante àquele que resulta das críticas de Dewey à “teoria do espectador” e de Heidegger à “identificação entre physis e ideia”. Davidson, ao negar que a linguagem é uma entidade entre o homem e o mundo, dissolve as polêmicas representacionistas quanto a fronteiras (entre realidade e linguagem ou entre realidade e mente) e, de certa forma, traduz em termos argumentativos o processo de dissolução dos problemas filosóficos que Wittgenstein havia desenvolvido em suas Investigações Filosóficas. Embora não tenha adotado de modo acrítico a filosofia de Davidson, nela Rorty encontrou um conjunto de argumentos que transformavam a agenda da filosofia, sinais de uma mudança de maré que foram indispensáveis para a construção de PMN (MACINTYRE, 2008).86 PMN defende que a virada linguística foi na filosofia o “último refúgio do representacionismo”, de tal forma que “a dialéctica que conduz o último Wittgenstein e Davidson para fora de uma teoria pictórica <picture theory> da linguagem é a mesma que levou Dewey para fora de uma teoria contemplativa do conhecimento”. (RORTY, 1993o, p. 13). Esta transição já se anunciava no ensaio de 1972, “O mundo bem perdido” [The World Well Lost],87 no qual Rorty propõe a superação da dicotomia entre realismo e idealismo com a constatação de que não podemos tomar o “mundo” como um referente neutro a partir do qual poderíamos avaliar e descartar teorias. Nos artigos que escreveu durante a década de setenta, Rorty desenvolve narrativas que contrastam e sublinham semelhanças entre autores como Davidson, Wittgenstein, Foucault, Derrida, Heidegger etc., construindo a arqueologia de sua posição pragmatista, marcadamente anticartesiana, antidualista, holista, historicista, falibilista e antirrepresentacionista (CPp, p. 69-70; CP, p. 16-17). Se a onda de profissionalização que marcou o “novo rigorismo” na academia norteamericana a partir da década de 1940 foi responsável pela ascensão e hegemonia da filosofia analítica, a partir da década de 1970 seu domínio começou a ser questionado por parte das correntes marginalizadas, o que permitiu/coincidiu com o ressurgimento do pragmatismo. Transformações culturais e sociais justificavam esta resistência e a crítica ao rigorismo

86

Em verdade, em PMN Rorty acredita que não havia ainda compreendido a radicalidade da mudança proposta por Davidson, assim como não havia assimilado adequadamente autores que dialeticamente desenvolveram a filosofia depois de Hegel, como Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Gadamer e Derrida. Somente em CIS o filósofo norte-americano teria desenvolvido uma narrativa que abarca estes autores de um modo mais satisfatório. 87 Neste artigo a linha argumentativa de PMN já aparece esboçada, o que, para Cornel West (2008: p.302) e Hilary Putnam (2009, p.302), justifica considerá-lo o ponto de conversão da obra de Rorty em direção ao pragmatismo.


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academicista,88 que dentro do campo filosófico teve seu principal embate na “revolta pluralista” ocorrida durante o congresso da Divisão Leste da Associação Americana de Filosofia (American Philosophical Association, conhecida pela sigla APA) de 1978-1979 em Nova Iorque. Richard Rorty foi dos principais personagens e figura controversa nesta revolta. A hegemonia analítica dentro da APA era algo inconteste desde meados da década de 1960, o que significava na prática estipular os critérios de aceitação dos trabalhos em seus encontros, de avaliação institucional, das principais revistas acadêmicas, de financiamento de pesquisa, de oferta de bolsas etc., bloqueando e marginalizando aquelas instituições que não se alinhavam com sua metodologia. As eleições para presidência da APA eram realizadas através de um comitê, mas o cargo era visto como um prêmio por excelência e não levava em consideração qualquer dimensão política ou conciliatória. Desta forma, departamentos hegemônicos acabavam ocupando os principais lugares nas diretorias e mantinham uma estrutura reificada que se afirmava aristocrática, mas que surgia para as minorias como totalitária (LASH, 2013). Aos filósofos não analíticos restava a possibilidade de se reunir dentro de guetos, em grupos de estudos satélite que se multiplicaram na mesma medida que a APA perdia legitimidade e passava a correr o risco de implosão (WILSHIRE, 2002, p. 52). Quando o estado de Nova Iorque formou um comitê de avaliação para qualificar as instituições de ensino de filosofia, os filósofos não analíticos reconheceram nesta iniciativa uma manobra que ameaçava a New School for Social Research, tradicional centro de divulgação de ideias da esquerda norte-americana e da filosofia continental – onde trabalhou de 1967 até sua morte, em 1975, Hannah Arendt. Como o departamento de filosofia da New School estava enfraquecido, os filósofos não analíticos começaram a se articular para evitar que este importante centro de estudos fosse convertido ao paradigma “científico” da filosofia analítica ou, até mesmo, fechado. Este grupo de filósofos, que recebeu o nome de “pluralistas”, logo ampliou o leque de suas reivindicações, procurando alcançar maior representatividade na APA, exigindo inicialmente publicidade em suas decisões e se articulando para participar em grande número do encontro programado para dezembro de 1978. 88

Gross (2008) aponta quatro fatores como mudanças sociais que estimulavam a crítica ao “novo rigorismo”: (1) os movimentos vinculados à contracultura, que se alinhavam na oposição à guerra do Vietnã, reivindicavam o reconhecimento das demandas de minorias e que as diversas vozes tivessem espaço dentro da universidade com a criação de campos específicos de estudo (p. 295); (2) a crise acadêmica provocada pelo recrudescimento do mercado para absorção do crescente número de doutores formados a cada ano, situação particularmente problemática nas humanidades e que só foi superada no fim dos anos 1980 (p. 297); (3) pelo questionamento da institucionalização do profissionalismo acadêmico e sua forma melancólica de seriedade, ou seja, da fonte de autoridade dos especialistas (p. 298-299); e (4) a expansão e revigoramento de perspectivas religiosas e místicas. (p. 299-230).


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Rorty foi um dos membros da comissão que avaliou a New School. Em seus relatórios afirmou a importância estratégica da instituição e defendeu sua reestruturação e revitalização, de modo que ela não perdesse sua identidade e papel social como centro difusor da filosofia continental (recomendou, por exemplo, a contratação de Alasdair MacIntyre). Como estes documentos eram de caráter restrito, os pluralistas continuaram vendo Rorty como representante do “lado negro da força”: um filósofo analítico profissional comprometido com a manutenção da estrutura de poder na disciplina. As suspeitas talvez fossem justificadas porque a consagração institucional de Rorty era então evidente: em 19771978, foi eleito vice-presidente da Divisão Leste da APA, condição que o fazia presidente no congresso do ano seguinte. É verdade, porém, que sua eleição não se deu sem certo constrangimento (LASH, 2013), já que, por exemplo, em 1976, no artigo “Filosofia profissional e cultura transcendentalista”, atacou a seriedade e obsessão argumentativa da filosofia acadêmica, defendendo uma visão mais imaginativa e narrativa que não se fixasse numa matriz disciplinar (anunciando a necessidade de reconfiguração do papel da filosofia). Paradoxalmente, sem os votos dos analíticos e, por conseguinte, o reconhecimento de sua “seriedade”, Rorty não conseguiria alcançar este posto de líder da organização dos filósofos profissionais.89 Na posição de presidente da APA, Rorty se encontrou em uma situação incômoda, já que apreciava as reivindicações pluralistas, mas era visto por eles como um inimigo e também desconfiava de que o ressentimento superava as propostas efetivas por parte dos radicais. Rorty articulou uma proposta reformista a partir da qual a APA se comprometia a ter uma atitude mais aberta na avaliação de trabalhos para seus eventos. Contudo, antes que essa medida paliativa fosse divulgada a revolta pluralista se configurou. Em uma reunião paralela ao evento da APA, os pluralistas conseguiram reunir cerca de 800 pessoas e chamar atenção da imprensa. Em 30 de dezembro o New York Times denunciou a transformação da APA em “um monólito” onde os analíticos mostravam-se intolerantes quanto a outras orientações filosóficas, o que ficava evidente em sua programação, que negligenciava temas filosóficos básicos; a aristocracia que comandava a entidade havia perdido o contato com outras correntes de pensamento (GROSS, 2008, p. 225). Quando no dia seguinte o comitê anunciou aqueles que seriam os membros dirigentes da organização para o próximo mandato, os pluralistas questionaram as nomeações pedindo transparência e exigindo que as indicações feitas por meio de eleições diretas fossem

89

Cf. LANG, 1990, p. 121-124.


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respeitadas. Deste modo, quatro representantes do grupo dos pluralistas foram eleitos para os principais postos na APA, inclusive como presidente John Smith, um dos líderes da revolta. Houve questionamento quanto ao resultado das eleições por parte dos analíticos, eles alegaram que dentre os votantes havia estudantes e pessoas não pertencentes à divisão, portanto sem direito a voto. O congresso foi suspenso e coube a Rorty, como presidente da APA, anular ou ratificar o resultado das eleições. No dia seguinte, Rorty deu seu veredicto ponderando que, apesar de algumas irregularidades confirmadas, estas não eram suficientes para retirar a legitimidade geral da votação. Houve contestação da decisão, mas em uma polêmica – porque posteriormente os analíticos questionaram seu “método” – consulta por meio de levantamento de mãos a maioria apoiou a decisão. Não foi somente a atuação de Rorty – se eximindo de utilizar sua autoridade como presidente da APA para anular as eleições – que provocaram a irritação dos filósofos analíticos. Um mês antes do encontro em Nova Iorque ele lançou A Filosofia e o Espelho da Natureza, livro que causou escândalo por utilizar a linguagem da filosofia analítica para questionar a pretensão dos analíticos de constituir uma disciplina que fundamenta todo saber possível. Em sua leitura presidencial na APA, Rorty manteve o tom provocativo, colocando em questão os horizontes da filosofia acadêmica no texto “Pragmatismo, relativismo e irracionalismo”. Nele retomava uma antiga tensão na autoimagem dos filósofos, que na segunda década do século XX animou os primeiros anos da APA com a disputa entre a postura iluminista de Arthur O. Lovejoy (1873-1962) e o pragmatismo de William James (1842-1910). Na descrição feita por Lovejoy – que Rorty aprova e acredita que também seria do agrado de James – a filosofia teria que escolher entre dois caminhos possíveis e excludentes: seguir a Ciência e produzir verdades objetivas verificáveis claramente comunicáveis ou se desenvolver como discurso utópico edificante e visionário. Este confronto seria análogo aquele “debate entre Sócrates por um lado e os tiranos por outro – o debate entre os amantes da conversação e os amantes da retórica autoilusória” (CPp, p. 241). Nestes termos a inegável vitória histórica de Lovejoy deveria ser saudada como o que levou a filosofia norte-americana a se tornar uma disciplina profissional. Todavia, este caminho sublinhou a separação da atividade filosófica em relação ao “resto da cultura” reafirmando pressupostos intelectualistas platônico-kantianos com a busca por alcançar uma posição privilegiada e redentora para além da conversação. Rorty coloca James e Dewey ao lado de Nietzsche e Heidegger como autores que denunciam e rejeitam essa busca essencialista por uma natureza a-histórica e não humana, sendo que os pragmatistas norteamericanos têm a vantagem de manter a fé na esperança social. Tomando como válidas as


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críticas de James e Dewey, o problema está em “saber se podemos ser pragmatistas sem trair Sócrates, sem cair no irracionalismo” (CPp, p. 241). Para Rorty, o pragmatista – já que não podemos comparar um vocabulário senão com outro vocabulário – não pode dar garantias de qual seria a autoimagem da filosofia se as descrições de James e Dewey passassem para uma posição hegemônica em nossa cultura. Também não deveríamos nos preocupar em nos mantermos socráticos, já que ao adotar uma perspectiva pragmatista descartaríamos as perguntas essencialistas, o que causaria uma paralaxe naquilo que descrevemos como racionalidade. Se pela visão de Lovejoy não se poderia ser ao mesmo tempo pragmatista e profissional, a escolha de Rorty no septuagésimo aniversário da APA foi desafiar seus colegas a “honrar James e Dewey” e tomar a filosofia como parte da conversação social, tendo como escopo o objetivo hegeliano de traduzir seu tempo em pensamento.90 Reconhecia que era uma aposta alta, mas era preciso reconhecer o legado de James e Dewey como “uma sugestão de como nossas vidas poderiam ser mudadas”. (CPp, p. 246). Acrescentando este discurso à sua atuação na revolta pluralista, Rorty justificou em palavras e atos a acusação de que ele era o bad boy da academia norteamericana (RÉE, 1998). A recepção de A Filosofia e o Espelho da Natureza e a atuação de Rorty na “virada pluralista” aumentaram o mal-estar na relação com seus colegas de departamento em Princeton. As resenhas se multiplicaram, sendo a maioria negativa, acusando o autor de tentar acabar com a Filosofia, ou ao menos com sua versão analítica. Embora Rorty protestasse, afirmando que estava seguindo apenas as consequências terapêuticas do pensamento do segundo Wittgenstein, seus álibis apenas comprometiam o filósofo austríaco que, progressivamente passou a ser relegado (RORTY, 2010a, p. 14-15). Apesar da recepção dentro do campo da filosofia profissional ter sido negativa, rapidamente as questões metafilosóficas levantadas no livro apresentaram-se como incontornáveis. A pergunta mais ampla sobre se Rorty tinha ou não razão quanto à falência do fundacionismo e a necessidade 90

Da mesma forma que o desafio feito na República aos poetas para que estes justificassem em termos filosóficos sua importância para a polis é visto hoje com a desconfiança de que o que Platão chamou de uma “antiga querela” não seria mais do que uma invenção do próprio Platão, a ideia de uma tensão permanente dentro da APA também surgia no discurso de Rorty como algo novo, mas que traduzia a perspectiva hegeliana defendida pelo filósofo norte-americano de que a filosofia deveria ‘traduzir seu tempo em pensamento’. Do mesmo modo que Platão rejeitava as possíveis respostas dos poetas feitas em versos, forçando seus adversários a entrar no jogo da teoria, Rorty pensando a filosofia historicamente a partir de uma narrativa em que sublinhava o fracasso das reivindicações de fundamentação da filosofia centrada na epistemologia tentava forçar os analíticos a justificar a validade de seu empreendimento também de modo histórico e pragmático (e não somente através da técnica analítica, imanente aos textos na procura de contradições e falácias). Isso significava deixar de lado as questões socráticas essencialistas – neste texto Rorty define o pragmatismo como antiessencialismo aplicado aos objetos de teorização filosófica como a ‘linguagem’, ‘verdade’, ‘conhecimento’ etc. – e, com isso, modificar também o conceito de racionalidade.


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de reconstrução da Filosofia se sobrepunha a qualquer tipo de justificada crítica técnica sobre a “má leitura” (misreading) de autores em sua narrativa. PMN foi bem recebido fora dos departamentos de filosofia e logo este sucesso e seus aspectos polêmicos fizeram com que se multiplicassem convites para Rorty dar palestras ou trabalhar em universidades dentro e fora dos Estados Unidos. Esta crescente popularidade atingiu um novo patamar, quando em dezembro de 1981 Rorty recebeu da Fundação MacArthur o importante prêmio “genius grant”, que lhe deu segurança financeira para desenvolver novos projetos e o alçou à condição de superstar intelectual (GROSS, 2003, p. 129). Desde 1980 Rorty procurava um novo emprego, chegou a consultar algumas universidades sobre vagas dentro do departamento de filosofia, mas teve seu nome preterido devido ao seu interesse crescente por estudar autores como Nietzsche, Heidegger e Derrida e ao fato de que estes pensadores continentais na academia norte-americana são em geral vinculados à Literatura. Assim, Rorty passou a postular uma cadeira especial fora da estrutura disciplinar. Em 1982 aceitou o convite da Universidade de Virginia para ocupar a cadeira de Humanidades, onde ficou até 1998. Também em 1982 foi publicado o livro Consequências do Pragmatismo (CP), que, como já dissemos, reúne artigos de Rorty escritos entre 1972 e 1980. Os textos de CP deixavam mais claro que a rejeição por parte de Rorty da ideia de uma matriz disciplinar filosófica, que aponta para um horizonte pós-filosófico, pode não significar o fim da filosofia, mas sua reconstrução, talvez se aproximando da crítica literária com o reconhecimento de que a literatura tem hoje a primazia em nossa autocriação. Em 1976 o autor já explicava que: no decurso do século XIX, a literatura imaginativa tomou o lugar tanto da religião como da filosofia na formação e na consolação da consciência torturada dos jovens. Os romances e os poemas são agora os principais meios com os quais um jovem brilhante obtém uma imagem de si próprio. O criticismo dos romances é a forma principal como a aquisição de um caráter moral se torna articulada. Vivemos numa cultura em que pôr a nossa sensibilidade moral em palavras não se distingue claramente de exibir as nossas sensibilidades literárias. Os episódios da história da religião e da história da filosofia são vistos como paradigmas literários exemplificados, mais do que servindo como fontes de inspiração literária. [...] Nesta forma de vida, o verdadeiro, o bom e o belo desaparecem. O objetivo é compreender, não julgar. A esperança é que se compreendermos poemas suficientes, religiões suficientes, sociedades suficientes, filosofias suficientes, nos teremos tornado em algo digno da nossa própria compreensão. (CPp, p. 125)91 91

“in the course of the nineteenth century imaginative literature took the place of both religion and philosophy in forming and solacing the agonized conscience of the young. Novels and poems are now the principal means by which a bright youth gains a self-image. Criticism of novels is the principal form in which the acquisition of a moral character is made articulate. We live in a culture in which putting one's moral sensitivity into words is not clearly distinguishable from exhibiting one's literary sensibilities. Episodes from the history of religion and from


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Noutros termos, em Consequências do Pragmatismo Rorty reconhecia e celebrava não exatamente a vitória dos poetas sobre Platão, mas a possibilidade de fugir das questões que estimularam este embate e recuperar o encômio de Péricles aos atenienses por “filosofar sem pusilanimidade” (philosõphein aneu malakias) (CPp, p. 15). Isto significava aderir a uma visão da filosofia (como propriedade de frases, ações ou situações) com letra minúscula que não se reifique em Filosofia, com a letra maiúscula do nome próprio, substantivo que na tradição Platão-Kant entrelaça verdade, racionalidade e bem. Abdicando deste sentido convergente e platônico da busca por uma verdade redentora restaria a finitude humana, crenças e diversidade de projetos e a esperança pragmática de construir um futuro melhor que o presente. Isso impõe para a filosofia a necessidade hegeliana de tomar seu contexto como Rodhes, lugar para saltar ou dançar,92 reconhecendo que a loucura de “imaginar que uma filosofia ultrapassará o mundo contemporâneo [é] como acreditar que um indivíduo saltará para fora do seu tempo” (HEGEL, 1997, p. 37). No entanto, ainda não articulava filosoficamente esta forma de vida que se insinuava no horizonte que chamou então de pós-filosófico. Por exemplo, Rorty defendia uma forma de textualismo, mas queria se afastar da despersonalização (eliminação do autor/homem) da redescrição de Foucault em direção à proposta de agon preso à finitude humana de Harold Bloom, porém não sabia como “combinar a satisfação privada, autorrealização, com moralidade pública, uma preocupação com a justiça” (CPp, p. 228).93 A narrativa de Gross sobre a trajetória intelectual de Rorty se encerra em 1982. Isso se justifica porque depois deste período Rorty se tornou uma estrela intelectual que, apesar de

the history of philosophy are seen as instantiating literary paradigms, rather than serving as sources of literary inspiration. […] In this form of life, the true and the good and the beautiful drop out. The aim is to understand, not to judge. The hope is that if one understands enough poems, enough religions, enough societies, enough philosophies, one will have made oneself into something worth one's own understanding” (CP, p. 66). 92 A frase latina Hic Rhodus, hic saltus é citada por Hegel (1997, p.37) no prefácio de Princípios da Filosofia do Direito. Ela originalmente seria epígrafe de uma fábula de Esopo na qual um soldado falastrão, que se gabava de ter dado um grande salto, é desafiado a traduzir suas palavras em prática: ‘Rodhes é aqui, aqui é o lugar para que salte’. É neste contexto que Hegel afirma que a tarefa da filosofia é traduzir seu tempo em pensamento (a tradução brasileira ‘No que se refere aos indivíduos, cada um é filho do seu tempo; assim também para a filosofia que, no pensamento, pensa o seu tempo’). Hegel propõe a seguir (p. 38) uma tradução adaptada do verso latino: ‘Aqui está a rosa, aqui vamos dançar’. Mais tarde, Marx cita no Dezoito Brumário a frase latina como sendo ‘Hic Rhodus, hic salta!’, oferecendo uma mistura confusa da frase latina citada por Hegel e da versão por ele proposta com a tradução: ‘Aqui está a rosa, aqui dance’. Este desvio não é gratuito e causa polêmica entre os comentadores, que se esforçam para explicar a intenção de Marx nesta releitura que se encaixa bem na poética da usurpação que Harold Bloom e Rorty compartilham (cf. nota do tradutor Bruno Schneider em MARX, 2011: p. 30. Vale olhar na internet em inglês o Glossário de termos marxistas: <http://www.marxists.org/glossary/terms/h/i.htm> e a Isaiah Berlin Virtual Library <http://berlin.wolf.ox.ac.uk/ lists/quotations/quotations_by_ib.html>, onde há um verbete sobre a expressão). 93 “combining private fulfillment, self-realization, with public morality, a concern for justice”. (CP, p. 158).


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continuar na academia, não se detinha nela. Internacionalmente requisitado, viajou por diversos países desenvolvendo a condição de intelectual público. Esta transformação muda o contexto relevante para a análise sociológica do desenvolvimento de suas ideias. Gross abdica de ser exaustivo em nome da coerência (GROSS, 2008, p. 27), porém chega a afirmar que a única preocupação dos livros e ensaios escritos por Rorty posteriormente “foi esboçar os contornos de uma posição pragmatista numa ampla variedade de questões intelectuais, culturais e políticas” (GROSS, 2008, p. 23). Há uma tensão entre a afirmação da mudança de imagem pública, contextos, coerções, estímulos etc. e a afirmação de um único princípio que teleologicamente direcionaria os passos de Rorty. Trabalhando na Universidade de Virginia Rorty pode intensificar seu estudo sobre autores da filosofia continental – como Heidegger (sobre quem prometera escrever um livro, projeto posteriormente abortado), Hegel, Lyotard, Foucault, Freud, Nietzsche, Habermas e Derrida –, mas também continuou se aproximando e desenvolvendo diálogos dentro do campo analítico, como Davidson, Dennett, Mary Hesse, Arthur Fine, John Rawls etc. Escritores como Orwell, Proust, Nabokov e Kundera começaram a aparecer como figuras de destaque nos ensaios de Rorty. Em 1989, o filósofo norte-americano publicou sua obra-prima, o livro Contingência, Ironia e Solidariedade (CIS), que desenvolve a proposta positiva de sua filosofia descrevendo a forma de vida intelectual que seria possível ter ao recusar a necessidade de “fundamentos”, “essências” ou do conceito de natureza:

A premissa fundamental do livro é que uma crença pode continuar a regular a ação, pode ser considerada algo por que vale a pena morrer, entre pessoas plenamente cônscias de que essa crença não é causada por nada mais profundo do que as circunstâncias histórias contingentes. (CISp., p. 312)94

Nas palavras de Rorty (2010b), o argumento principal desta obra é de que

assim que pomos de lado o fundacionalismo, o representacionalismo e as querelas estéreis entre ‘realistas’ e ‘antirrealistas’, passamos a ver a filosofia em continuidade com a ciência, por um lado, e com a literatura, por outro. Argumentei também que as tarefas tradicionais da filosofia moral deviam ser assumidas pela literatura e pela experimentação política.

Rorty defende nesta obra a incomensurabilidade entre o espaço de autocriação privado e o de conversação pública. Esta divisão repercute na organização dos dois primeiros

94

The fundamental premise of the book is that a belief can still regulate action, can still be thought worth dying for, among people who are quite aware that this belief is caused by nothing deeper than contingent historical circumstance. (CIS, p. 189).


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volumes de seus Escritos Filosóficos lançados em 1991, que reúnem artigos elaborados durante os anos 1980. Enquanto Objetivismo, Relativismo e Verdade é uma coleção de ensaios que têm como foco debates dentro da filosofia analítica na busca por defender e aumentar a solidariedade para teses antirrepresentacionistas, os Ensaios sobre Heidegger e outros dialogam com a filosofia continental problematizando primordialmente as possibilidades de autocriação. Em seu trabalho posterior, Rorty procurou distinguir “o que está vivo e o que está morto no pensamento de Dewey”, redescrevendo de modo detalhado o que seria seu pragmatismo. Em um curso ministrado na universidade de Girona em 1996 o filósofo norteamericano vislumbra uma sociedade totalmente secularizada e descreve sua proposta pragmatista como uma forma de antiautoritarismo. O livro com o conteúdo integral deste importante curso, El pragmatismo, una version: Antiautoristarismo en epistemologia y ética, não foi publicado como obra única em inglês.95 Parte dele apareceu em 1998 na coletânea de ensaios Verdade e Progresso (o terceiro volume de seus Escritos Filosóficos), que reúne alguns dos textos em que Rorty dialoga com diversos autores na tentativa – contraproducente – de desencorajar o debate sobre o tópico da verdade; noutras trata do progresso moral a partir do desenvolvimento de sociedades mais pluralistas e do papel da filosofia neste processo. A convite de Hans Urich Gumbrecht e para ficar mais próximo dos filhos, em 1998 Rorty se transferiu da Universidade de Virgínia para uma cadeira de Literatura Comparada em Stanford, que ocupou até sua aposentadoria em 2005. Também em 1998 publicou Para realizar a América, um texto de intervenção política que tenta dar novo fôlego ao patriotismo americano direcionando-o para a retomada de uma esquerda reformista. Em 1999 saiu Filosofia e Esperança Social, que reúne o núcleo dos artigos de Girona, nos quais Rorty descreve sua forma de pragmatismo, além de aplicações desta perspectiva em diversas áreas (literatura, religião, direito, educação etc.) e de artigos em que tenta justificar o sentido político de sua esperança utópica. Em 2006, em um e-mail para seu amigo Jürgen Habermas, Rorty confidenciou que estava “com a mesma doença que matou Derrida", acrescentando que “segundo sua filha, esse tipo de câncer parece típico de quem ‘lê muito Heidegger’” (HABERMAS, 2007). Em 2007 publicou Filosofia como política cultural, seu quarto volume de Escritos Filosóficos, com 95

O que justifica a falsa acusação de que o filósofo norte-americano nunca delineou “uma posição pragmatista unificada”. (MALANCHOWSKY, 2010, p.121).


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trabalhos, em sua maioria, escritos entre 1996 e 2006 como “tentativas de reunir a tese de Hegel de que a filosofia é a sua época mantida em pensamento com uma abordagem não representacionista da linguagem” (PCPp, p. 11). Meses depois da publicação deste livro, em 8 de junho de 2007, Rorty faleceu vítima de câncer no pâncreas.

2.1.3.1 O filósofo como especialista versus o intelectual literário

Nesta seção reavalio a forma como a trajetória intelectual de Rorty é dividida. Como já dito, Gross procura dissolver e explicar sociologicamente as transformações na carreira do filósofo norte-americano. A imagem caricatural descreve Rorty na década de 1960 como um promissor, sério e confiável filósofo analítico comprometido com a virada linguística que, na década de 1980, converteu-se em um ameaçador e anormal herege acadêmico que, de maneira inconsequente, profetizou o fim da Filosofia como disciplina com método próprio. Este contraste é em parte alimentado por algumas autodescrições excessivamente dramáticas feitas pelo próprio filósofo norte-americano, que estimulam a simbologia de uma conversão. Os fragmentos que permitem visualizar esta divisão hiperbólica – como aponta David L. Hall (1994, p. 246) – estão na introdução do livro LT, de 1967, em que afirma de forma exultante: A filosofia linguística nos últimos trinta anos tem conseguido colocar na defensiva toda tradição filosófica, de Parmênides até Bradley e Whitehead, passando por Descartes e Hume. E tem feito isso por meio de um escrutínio cuidadoso e completo das formas nas quais os filósofos tradicionais utilizaram a linguagem na formulação de seus problemas. Esta conquista é suficiente para colocar este período entre as mais grandes épocas da história da filosofia. (LT, p. 33) 96

Em “Vinte cinco anos depois” [Twenty-five years after], texto que escreveu em 1990 como posfácio para uma edição espanhola do livro de 1967, Rorty descreve seu espanto diante deste trecho, que considera um arroubo juvenil,

meramente a tentativa de um filósofo de trinta e três anos de se convencer que tivera a sorte de ter nascido na época certa – de se persuadir que a matriz disciplinar na qual calhava se encontrar (a filosofia tal como ensinada na maioria das

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“Linguistic philosophy, over the last thirty years, has succeeded in putting the entire philosophical tradition, from Parmenides through Descartes and Hume to Bradley and Whitehead, on the defensive. It has done so by a careful and through scrutiny of the ways in which traditional philosophers have used language in the formulation of their problems. This achievement is sufficient to place this period among the great ages of the history of philosophy”.


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universidades de língua inglesa nos anos de 1960) era mais do que meramente uma escola filosófica a mais, mas uma tempestade em um copo d’água. (LT, p. 371)97

O livro Filosofia e o espelho da Natureza [Philosophy and the mirror of nature], de 1979, funcionaria como o ponto de explicitação da viragem de sua trajetória em relação à filosofia analítica, justificando para os críticos mais severos a divisão de sua obra em duas partes. Já seus simpatizantes consideram que somente em 1989, com a publicação de Contingência, Ironia e Solidariedade, o filósofo norte-americano conseguiu uma descrição do que seria sua forma de conceber a atividade filosófica. A partir desta recepção controversa se justificaria a divisão dos escritos e fases da trajetória de Rorty em três momentos (MALLANCHOWSKI, 2010, p. 104-105): 1. Os escritos da fase inicial de Rorty contêm contribuições consideradas – ainda que com algum ressentimento – sérias e sólidas para a filosofia analítica, como aqueles que descrevem seu materialismo eliminativo (1965a, 1970b, 1970c, 1970d) ou seus trabalhos sobre argumentos transcendentais (1970e, 1971b e 1979b); 2. Em um período intermediário Rorty se utiliza da linguagem da filosofia analítica para criticar a própria filosofia analítica e, de um modo mais amplo, a autoimagem tradicional da disciplina (como em PMN e CP); 3. O “Rorty Tardio” elaborou uma posição “pragmatista pós-analítica” (CIS, PSH etc.) com uma agenda própria, que muitas vezes não se prende às fronteiras disciplinares e acadêmicas.

Entre os adeptos de uma Kehre no pensamento de Rorty prevalece uma perspectiva maniqueísta. Os analíticos tendem a considerá-lo uma figura admirável e respeitável, mas que preferiu atrair os holofotes de forma extravagante, tornando-se cada vez menos sério e científico, postura que se radicaliza com sua inclinação para a filosofia continental em uma abertura para “frivolidade literária” e o relativismo. Já no lado continental, os críticos percebem no trabalho inicial de Rorty apenas uma forma de tecnicismo positivista que trivializa o lugar do pensamento sério na tradição de Hegel, Nietzsche, Heidegger e Derrida. A rebelião de Rorty não teria feito de sua obra algo respeitável, já que sua tendência seria a de

97

“That last sentence now strikes me as merely the attempt of a thirty-three-year-old philosopher to convince himself that he had had the luck to be born at the right time – to persuade himself that the disciplinary matrix in which he happened find himself (philosophy as taught is most English speaking universities in the 1960s) was more than just one more philosophical school; one more tempest in an academic teapot”.


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dar tratamento analítico para autores continentais, vulgarizando e domesticando Heidegger, Gadamer e Derrida. Como afirma acertadamente Alan Mallanchowski – na argumentação que temos seguido –, a conversão de Rorty é também para os filósofos continentais profissionais um “cavalo de Tróia”, pois “um inimigo que se posa de amigo é o inimigo mais mortal de todos” (MALLANCHOWSKI, 2010, p. 106). Embora estas abordagens de uma Kehre na obra de Rorty sejam reducionistas e de diversos autores enfatizarem uma continuidade dos questionamentos metafilosóficos do pensador norte-americano, a divisão de sua narrativa educacional (Bildungsrzählung) ecoa uma importante distinção: entre socialização e individualização. Teríamos que passar pela socialização para que somente depois fosse possível uma individualização criativa. Rorty explica isso, ainda que de um modo problemático, na parte final de PMN, onde faz uma distinção entre filosofia edificante e filosofia sistemática. Esta última buscaria o consenso através do discurso normal, enquanto a primeira se direciona à autocriação, trabalhando com descrições consideradas anormais. Rorty deixa claro que antes do processo de edificação seria necessário incorporar os valores e o discurso considerado padrão: “Temos que nos ver primeiramente como en-soi – como descritos por aquelas colocações que são objetivamente verdadeiras nos julgamentos de nossos pares – antes que haja alguma razão para que nos vejamos como pour-soi” (PMNp, p. 359). Assim como Jean-Paul Sartre, Rorty pressupõe um espaço romântico de autocriação, ou seja, um espaço de liberdade para que os homens possam agir e pensar de modo diferente do que até então fizeram. A excessiva dramatização da mudança de Rorty em sua carreira se relaciona com a valorização que ele dá ao conceito de conversão, a possibilidade de cada qual, como se diz trivialmente, “tornar-se outra pessoa” mudando seus projetos centrais. No entanto, de forma diferente do pensador francês, Rorty não fica preso ao paradigma da consciência e se situa em uma perspectiva já marcada pela virada linguística que, por partir da intersubjetividade, leva mais a sério a coerção das formas de linguagem e práticas impessoais. Por isso toma o existencialismo e sua intuição de que “reescrever a nós mesmos é a coisa mais importante que podemos fazer” (PMNp, p. 353) como uma posição reativa, uma forma de filosofia edificante. Reconhece, entretanto, que a ideia mesma de uma filosofia edificante é paradoxal,

Pois Platão definiu o filósofo por oposição ao poeta. O filósofo podia dar razões, argumentar por seus pontos de vista, justificar-se. Assim, os filósofos sistemáticos argumentativos dizem de Nietzsche e Heidegger que, sejam o que mais puderem ser,


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não são filósofos. Essa manobra de ‘não realmente um filósofo’ também é usada, evidentemente, pelos filósofos normais contra os filósofos revolucionários. Foi usada pelos pragmáticos contra os positivistas lógicos, pelos positivistas lógicos contra ‘filósofos da linguagem ordinária’ e será usada sempre que o aconchegante profissionalismo estiver em perigo. Mas nesse uso torna-se apenas um ardil retórico que não revela nada mais senão que está sendo proposto um discurso incomensurável. (PMNp, p. 363)98

Esta tensão já estava presente em um ensaio escrito por Rorty entre 1959 e 1961, publicado pela primeira vez em 2009 (como conteúdo extra na edição de trigésimo aniversário de PMN). Foi Neil Gross quem descobriu em sua pesquisa de arquivos o texto “The philosopher as expert” [O filósofo como especialista]. O principal interesse neste texto está naquilo que ele pode representar para o entendimento da trajetória intelectual do filósofo norte-americano, mais especificamente no desenvolvimento de seus questionamentos metafilosóficos e na mudança de suas conclusões sobre o sentido da filosofia (TARTAGLIA, 2011, p. 167-168). Existe um contraste entre as posições do jovem doutor que iniciava sua carreira e procurava conquistar um posto como professor efetivo dentro de uma grande Universidade e aquelas que fizeram dele – vinte anos mais tarde – um dos filósofos mais relevantes de seu tempo, em grande medida por questionar frontalmente os caminhos e pretensões da filosofia acadêmica. Gross não se prende à análise deste texto, que tem pouca repercussão em sua perspectiva epistemológica. Propomos nesta seção (1) desenvolver uma breve análise de “O filósofo como especialista”; (2) compará-lo com o artigo “Recent Metaphilosophy”, explicitando sua complementaridade; e (3) justificar a continuidade na obra de Rorty de uma defesa de uma forma de “humanismo” que, no entanto, se reconfigura a partir da década de 1970 (o que legitima a ideia de uma conversão). O ensaio descoberto por Neil Gross antecipa a divisão entre um tipo de discurso normal e outro anormal na filosofia justamente no momento em que o pensador norteamericano tentava ascender dentro da academia. É preciso, pois, levar em conta o contexto em que o jovem filósofo escreveu este texto para compreender mais adequadamente seu sentido.

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The notion of an edifying philosopher is, however, a paradox. For Plato defined the philosopher by opposition to the poet. The philosopher could give reasons, argue for his views, justify himself. So argumentative systematic philosophers say of Nietzsche and Heidegger that, whatever else they may be, they are not philosophers. This "not really a philosopher" ploy is also used, of course, by normal philosophers against revolutionary philosophers. It was used by pragmatists against logical positivists, by positivists against "ordinary language philosophers," and will be used whenever cozy professionalism is in danger. But in that usage it is just a rhetorical gambit which tells one nothing more than that an incommensurable discourse is being proposed. (PMN, p. 370).


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O dilema entre os temas que lhe interessavam mais instintivamente e aqueles que lhe garantiriam possibilidade de ascensão acadêmica foi descrito retrospectivamente por Richard Rorty como um fantasma que atormentou sua geração Já no começo da década de cinquenta, estudantes de filosofia como eu, que foram atraidos pela filosofia por conta de terem se apaixonado por Platão, Hegel ou Whitehead, tinham que obedientemente escrever teses de doutorado sobre tópicos caros a Ayer, como a análise adequada de sentenças condicionais subjuntivas. Este era, com certeza, um problema interessante. Mas ficou claro para mim que se eu não escrevesse sobre algum problema como respeitabilidade analítica, não conseguiria um emprego realmente bom. Como o resto da minha geração de doutores em filosofia, eu não era exatamente cínico, mas sabia de qual lado teria mais chances de conseguir meu sustento. (RORTY, 1996h)99

Para o jovem professor, o dilema tinha uma dimensão a mais, já que, ao se adequar ao jargão e temas acadêmicos, ele se afastava das expectativas de seus pais. Em 1961 – quando publicou seu primeiro e importante artigo, “Pragmatism, Categories and Language” – Richard Rorty enviou um exemplar para seu pai. James Rorty agradeceu, mas não deixou de ironizar a adesão do filho a um academicismo que considerava tacanho: Li-o minunciosamente de uma só tacada, sem dificuldade, e até me convenci de que entendi o que você estava falando. Dê-me tempo e ainda ei de ser um filósofo; é mais fácil do que eu pensava uma vez que se aprenda os termos. Percebo tardiamente que a filosofia não se preocupa tanto com o que você acredita, mas como acredita ou duvida ou pensa – pelo menos esta é a principal preocupação atual dos filósofos, o problema epistemológico, como acho que é chamado, depois de ter consultado o Dicionário Oxford pela vigésima vez. (apud GROSS, p. 162)100

Rorty sentia-se culpado pelo sacrifício de seus pais para mantê-lo em Chicago e, por isso, muitas vezes se autodepreciava e ficava ansioso por bons resultados (GROSS, 2009, p. 99). Não por acaso, a decisão de cursar filosofia aconteceu para Richard aos 16 anos, junto com seu primeiro período severo de depressão em Chicago, problema que o fez buscar ajuda médica. A relação entre a bilis negra e a atividade filosófica como “sintoma” faria um psicólogo nietzschiano ficar ironicamente desconfiado.

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“As early as the 1950s, philosophy students like myself who had, as undergraduates, been attracted to philosophy as a result of falling in love with Plato or Hegel or Whitehead, were dutifully writing Ph.D. dissertations on such Ayer-like topics as the proper analysis of subjunctive conditional sentences. That was, to be sure, an interesting problem. But it was clear to me that if I did not write on some such respectably analytic problem I should not get a very good job. Like the rest of my generation of philosophy PhD’s, I was not exactly cynical, but I did know on which side my bread was likely to be buttered”. 100 “I read it through at a sitting without difficulty and have even persuaded myself that I understood what you were talking about. Give me time and I shall yet be a philosopher; it’s easier than I had thought, once one learns the terms. I realise belatedly that philosophy is concerned not so much with what to belief, but how to believe or doubt or think — at least that this is the chief present preoccupation of philosophers, the epistemological problem as I find it is called, having looked it up in the Oxford dictionary for the twentieth time”.


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Os pais de Rorty apoiaram a decisão do filho de se dedicar ao estudo de Filosofia. No entanto, como intelectuais de esquerda engajados no debate público, não deixaram de alertá-lo para os perigos do academicismo. Sua mãe, Winifred Raushenbush, considerava que a universidade era provavelmente o lugar mais adequado para o temperamento e talento de Dick e, por isso, acreditava que o filho estaria vinculado a elas por muito tempo, senão por toda sua vida. Apesar dessa constatação, alertava-o para os perigos de que se prendesse em uma torre de marfim e se escondesse da vida:

Um dos problemas que em algum momento você vai ter que resolver será algo sobre o qual você já tem consciência: que é a familiaridade e algum domínio do mundo não acadêmico. Se se mantiver nas universidades como forma de se desviar deste problema – que talvez seja o que muitos acadêmicos têm feito, pelo menos aqui neste país – não seria algo bom.[...] Estou segura de que você vai enfrentar este obstáculo em seu próprio tempo e que este não tolherá por uma evasão o, até agora, tão bonito desenvolvimento de sua vida. (apud GROSS, 2008, p. 101-102)101

James Rorty, que em nome do sustento teve que deixar sua paixão pela poesia em segundo plano, tinha esperança de que seu filho tivesse a possibilidade de seguir os próprios gostos. Acreditava que estava no caminho certo ao escolher cursar Filosofia, pois este seria um meio para adquir autoconhecimento, o que talvez servisse como alívio para melancolia. Em uma carta deste período, 1947, James Rorty estimulou o filho nesta escolha, já que a Filosofia poderia servir para qualquer caminho que quisesse seguir. Incentivou-o projetando o resultado terapéutico que a “amizade pela sabedoria” ofereceria:

Um pouco de tranquilidade, eu espero; uma pequena chance para serenamente descobrir a si mesmo, possivelmente através de uma nova tentativa de liberação de sua própria necessidade de criação: através da escrita, possivelmente através da poesia, qualquer tipo de escrita criativa. Lamento todos os meus desvios para o jornalismo etc. Teria sido melhor se eu tivesse me mantido, apesar de todo sacrificio, no caminho criativo. (apud GROSS, p. 102-103)102

Deste modo, a ansiedade do jovem filósofo por conquistar um posto de prestígio acadêmico, desenvolvendo trabalhos técnicos que não tinham relevância ou conexão com 101

One of the problems you will at some point have to solve will be one that you are already yourself aware of: that is acquaintance and some mastery of the non-academic world. If you stick to universities by way of evading this problem—which is what many maybe most academicians have done, here in this country, at least—that would not be good. (In Europe the situation is I fancy somewhat different, because learning is somewhat more esteemed). I am confident that you will take this hurdle in your own good time and that you will not cramp the so far beautiful development of your life by an evasion. 102 “A little relaxation, I hope; a little chance quietly to discover yourself, possibly through a renewed attempt to release your own creative need: through writing, possibly through poetry; creative writing anyway. I regret all my diversion into journalism, etc. It would have been better if I had kept, at whatever sacrifice, to the creative path”.


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questões políticas e sociais, significava seguir em uma direção que seus pais, engajados militantes de esquerda, consideravam estéril. Neil Gross está certo quando afirma que “O filósofo como especialista” foi escrito como uma tentativa do jovem doutor de justificar para os pais sua “adesão” ao academicismo e aproximação da filosofia analítica como passos necessários para que pudesse construir uma carreira como filósofo profissional. O tema do ensaio é o caráter paradoxal da atitude daquele que vê do lado de fora (outsider) o trabalho dos filósofos profissionais, já que todos, de forma vaga, acreditam que a Filosofia é tremendamente importante. No entanto, ninguém está interessado suficientemente para buscar saber mais sobre os detalhes dos debates filosóficos. Mas se a Filosofia é considerada “a rainha das ciências, fonte dos valores últimos e daquilo que dá direção para a humanidade”, não merece mais atenção por parte do público em geral? Antes desta interrogação, seria preciso saber se os filósofos profissionais, para adquirir relevância social, poderiam ou deveriam fazer algo diferente daquilo que fazem. Richard Rorty começa o ensaio “O filósofo como especialista” de modo pouco ortodoxo, imaginando como um jornal de grande circulação noticiaria o encontro da Associação Nacional de Filosofia. Provavelmente com uma nota em um lugar pouco valorizado: uma pequena peça feita para preencher espaço, sinal de que o assunto não possui relevância para o público em geral. A seguir, especula sobre a reação de alguém que não é especialista, mas que tem simpatia pelo saber filosófico diante desta falta de repercussão das questões discutidas pelos filósofos profissionais. Este leitor ilustrado multiplicaria interrogações: “Não haveria nada de relevante nos debates desenvolvidos pelos filósofos e que o jornal deixou de relatar?”; “Ou estes filósofos profissionais ficaram lendo seus papers escritos por e para especialistas?”; “Seria a Associação de Filosofia simplesmente uma comunidade esotérica de iniciados que trata de questões que não têm nenhuma relevância pública?” etc. Para desenvolver essa questão Richard Rorty se vale de dois “tipos”: o intelectual literário ou ideólogo e o jovem filósofo profissional que quer conseguir um lugar na academia. O intelectual literário tem interesses amplos, lê revistas engajadas politicamente (cita Encounter e Partisan Review, não por acaso títulos que seus pais costumavam ler) e descarta a filosofia profissional, usando para isso algum clichê de terceira mão que promove uma generalização histórica reducionista que faz da academia um lugar irrelevante. Com isso, o intelectual literário toma para si o papel de crítico ou consciência de sua cultura, sem se perguntar sobre os motivos que levaram os filósofos profissionais a abdicar (ou reivindicar) esta diferença. Os intelectuais literários atuam como ideólogos:


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Para o ideólogo, tout commence en mystique et finit en politique [tudo começa na mística e termina na política]. O slogan que ouve repercute no fundo de sua alma, com a ressonância de uma voz peculiar projetada em um grande espaço vazio: ‘A existência precede a essência’, ‘A metafísica é produto de uma gramática defeituosa’, ‘A verdade é o que funciona’, ‘O Homem é alienado do Fundamento do seu Ser’. Porque ele não se questiona sobre quais perguntas estes slogans tentam responder e quais perguntas geram, não compreende a relatividade das respostas e perguntas. (RORTY, 2009c, p. 416)103

Já o “jovem professor Dimble” procura desesperadamente adquirir o destaque necessário para conseguir uma vaga como professor efetivo. Para tanto, promete que em breve publicará um livro sobre valores éticos pensados a partir do paradigma linguístico (embora desconheça qualquer coisa sobre gramática comparada, fonética etc.), caindo também em um silêncio embaraçoso quando lhe perguntam sobre dilemas éticos. Ao encontrá-lo em um coquetel, provavelmente não será uma companhia muito agradável nem mesmo para aqueles que têm simpatia por filosofia: nada sabe de autores mais populares – como Kierkegaard – e ignora história da Filosofia. Suas leituras estão focadas nas revistas científicas mais prestigiadas de seu campo, sendo que toda sua devoção está em acompanhar a obra do filósofo inglês contemporâneo Waffle (outra caricatura do ensaio), autor de um artigo de “tremenda importância” publicado recentemente na revista Mind (RORTY, 2009c, p. 397). Com o “jovem professor Dimble”, Rorty satiriza sua própria condição de recémformado na busca por colocação profissional. Embora não tivesse a estreiteza dos interesses de seu personagem, coloca em questão a necessidade de se manter dentro do método e rigor técnico para participar do diálogo dos filósofos profissionais e ser aceito também como um filósofo. Com a amplitude de interesses do intelectual literário preso a clichês e a estreiteza do jovem professor Dimble em sua ânsia de ser tomado como um “cientista” sério, Richard Rorty ilustra um conflito que define a própria história da Filosofia, “a tensão entre filosofia como ciência e filosofia como visão é tão antiga quanto a própria palavra filosofia”. Este choque foi o tema dos principais diálogos de Platão e é aquilo que move o desenvolvimento da Filosofia: “É o esforço para eliminar essa tensão que tem inspirado cada uma das revoluções no pensamento filosófico – revoluções que são a verdadeira matéria-prima da história da

103

“For the ideologue, tout commence en mystique et finit en politique. The slogan that he overhears reverberates in the depths of his soul, with the peculiar resonance of a voice projected into a large empty space: “Existence precedes essence,” “Metaphysics is a product of faulty grammar”, “Truth is what works”, “Man is alienated from the Ground of his Being”. Because he doesn’t ask himself what questions these slogans answers nor what question they give rise, the not grasp the relativity of answers and questions”.


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filosofia” (RORTY, 2009c, p. 401-402)104. De um lado está a percepção da Filosofia como uma forma de arte, a construção poética incorporada na obra de um grande pensador, que traz à tona os pressupostos não expressos das filosofias anteriores, produzindo uma visão sublime que converte o próprio conteúdo da investigação e o que deve ser questionado. Por outro, existe o trabalho daqueles que se guiam pelo exemplo da ciência, procurando atingir a beleza do

que

é

claramente

comunicável,

que

possui

rigor

lógico

e

é

justificado

intersubjetivamente.105 O choque entre essas duas formas de ver a Filosofia é contínuo e inevitável: A filosofia se tornará uma forma de arte somente, se e quando, os filósofos pararem de conversar uns com os outros. Ela se tornará uma ciência somente, se e quando, os filósofos concordarem que certo método em particular incorpora tanto as questões que querem responder como os critérios para reconhecer quando alcançaram as respostas. A “última” filosofia poderia ser qualquer coisa, mas de modo algum seria uma filosofia tal como conhecemos: se for inteligível seria uma estranha forma de poema ou um estranho tipo de manual técnico. (RORTY, 2009c, p. 404)106

A combinação entre visão imaginativa e domínio técnico é uma característica que distingue os gênios da filosofia. Estes autores propõem uma tradução de seu tempo, questionando pressupostos e modificando as questões que devem ser consideradas relevantes. Com a amplitude de sua proposta, estes filósofos conseguem alcançar relevância pública como se personificassem a sabedoria de uma época. Os que não possuem domínio técnico e são seduzidos por este tipo de visão, mas não são capazes de avaliá-las, tendem a ocupar um lugar político brandindo slogans reificados como instrumentos para efeitos práticos. Já os profissionais da filosofia, como Dimble, desenvolvem uma tarefa mais humilde, prosaica e colaborativa, investigando de modo cuidadoso e detalhado questões que não fazem sentido para os que não estão “por dentro” do que é motivo de debate nas revistas e sociedades científicas do campo filosófico. Os grandes filósofos propõem novas perspectivas e questões que têm um sentido revolucionário; no entanto, a avaliação da aplicabilidade de suas posições pede que tais propostas épicas sejam transformadas em conteúdo prosaico, a partir do 104

The tension between philosophy as science and philosophy as vision is as old as the word "philosophy" itself. It was explicit in Plato, and formed one of the principal themes of his dialogues.It is the effort to eliminate this tension that has inspired each of the successive revolutions in philosophical thought — revolutions that are the very stuff of the history of philosophy. 105 Neste texto, embora Rorty não utilize o termo “belo” e “sublime” para identificar este conforto, ele aparece no artigo “La belleza racional, lo sublime no discursivo y la comunidad de Filósofas y filósofos”, de 2001. cf. Rorty, 2001z. 106 Philosophy will become an art form only if and when philosophers cease to talk to each other. It will become a science only if and when philosophers agree that certain epoch, particular formulae embody both they want answered and the criteria for knowing when answers have been given. The “last” philosophy, could there be such a thing, would not be a philosophy,as we know it, at all: it would be,if it were intelligible, an odd kind of poem, or an odd kind of technical manual.


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questionamento detalhado e cuidadoso de seus argumentos, em um diálogo contínuo que é o produto próprio da filosofia. A conclusão de Rorty é de indulgência com a filosofia profissional com um pouco convincente otimismo leibziniano: os filósofos profissionais não precisam receber mais atenção do que têm recebido, mas devem ter liberdade para continuar sua investigação sem interferências externas. Este é um convite para que o outsider reconheça sua incompetência e aceite que o diálogo filosófico deve continuar a ser desenvolvido pelos filósofos profissionais que têm competência para isso. Rorty defende o campo filosófico afirmando que nem todos devem se tornar filósofos, nem os filósofos devem fazer algo diferente do que vêm fazendo; mas também deve ter provocado mal estar ao afirmar que não existe um conjunto de verdades ou um método filosófico que funcione universalmente (RORTY, 2009c, p. 220-221). O diálogo que propõe é historicista e nisso se desvia da caricatura de Dimble. O estilo de Rorty neste texto foge ao padrão da escrita técnica/analítica para um paper científico “sério”. Não por acaso, permaneceu inédito, rejeitado pela Yale Review, considerado disforme e muito demorado para definir suas questões (GROSS, 2009, p. 163). Nele misturou gêneros, construiu caricaturas de “tipos” do universo acadêmico (como o velho professor Dulkenberg e o filósofo da mente Waffle), imaginou diálogos e situações sociais para contextualizar seus questionamentos etc. A tensão entre poesia e ciência que se encena no estilo deste texto não apenas umedece a “pílula” do academicismo. Em nenhum de seus trabalhos posteriores Rorty retomou o tom experimental, divertido e irônico deste ensaio. Até mesmo porque o risco desta ironia em um efebo é diverso daquele que enfrenta alguém que já tem estabilidade institucional ou autoridade semântica para propor a relevância de suas idiossincrasias. O texto permanece na tentativa de apresentar o que seria propriamente a tarefa da filosofia, falando de um diálogo contínuo e autossuficiente, mas rompe com esta tarefa ao aceitar as perguntas do leigo, ainda que com o objetivo de desqualificá-las. As mudanças de tom trazem hesitação e insegurança que se reveste de autoridade, situando-se em um lugar outro que não foi reconhecido como “academicamente consistente”. A tentativa de justificar o trabalho dos iniciados e a necessidade de “castração” para fazer parte da comunidade daqueles que abdicam de qualquer autocriação para fazer o trabalho operário fundacional da filosofia é um ato que falha. A pretensão deste texto é desmedida e imprudente, com a ingenuidade e a arrogância de quem reivindica o nome de filósofo, porém justificando uma castração desta mesma possibilidade em favor da instituição. Em um gesto ascético de humildade e


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masoquismo o diálogo como produto da filosofia acadêmica – ou não – é, nestes termos, uma promessa negada desde o princípio. Se este texto tivesse sido aceito e publicado, as questões metafilosóficas de Rorty se imporiam como seu trabalho inicial e não seria preciso converter-se em um filósofo analítico? O esquecimento deste trabalho traz a tentação de fazer surgir a partir dele uma teleologia falhada, comparando e fazendo dele brotar textos e questões. Sabendo das tempestades posteriores, podemos ver nele um guarda-chuva esquecido, mas aqui sublinharemos a diferença de avaliação do intelectual literário e o flerte academicamente fracassado com o estilo literário. Em verdade, a rejeição do texto não significou a “morte” do jovem professor Dimble; este personagem e sua sombra continuaram acenando na obra de Rorty. O artigo “Recent Metaphilosophy” [Metafilosofia recente], publicado em 1961, é o complemento esotérico de “O filósofo como especialista”. Nele, Rorty emprega o estilo contido da filosofia analítica, enumerando seus passos argumentativos e propondo uma interrogação metafilosófica que dialoga criticamente com os livros Philosophical Systems, de Everett W. Hall (1960), e Philosophy and argument, de Henry W. Johnstone (1959). A perspectiva de “metafilosofia sintática” proposta por Hall justifica a virada linguística e a aproximação da linguagem ordinária: pressupõe um compromisso categorial de cada corrente filosófica com um conjunto de termos, mas defende uma forma de realismo do senso comum e a necessidade de “purificação” da linguagem ordinária. Para Rorty, este anseio de pureza e a adesão a uma forma de verdade por correspondência repõem a reivindicação de algum tipo de neutralidade, passo que pode ser revisado com ajuda da perspectiva de “metafilosofia pragmática” proposta por Johnstone, para quem teorias filosóficas se distinguem das teorias científicas justamente por não poderem ser testadas por correspondência (RORTY, 1961b, p. 311). Johnstone não vê o filosofar como uma “transação entre o homem e uma realidade não humana diante da qual ele verifica suas afirmações, mas essencial e primordialmente como uma transação entre um ou mais seres humanos” (RORTY, 1961b, p. 311).107 Deste modo, os problemas filosóficos são “criados pela divergência entre homens” (IDEM, p. 312)108 e os debates filosóficos são pontuados por argumentos que inevitavelmente devem ser ad hominen. Assim como não podemos decidir sobre a validade de um argumento filosófico apelando para alguma forma de evidência exterior, as críticas quanto à ausência de

107

“in Johnstone's eyes, philosophizing is not a transaction between a man and a non-human reality against which he checks himself, but essentially and primarily a trans action between two or more human beings”. 108 “for Johnstone what is "given to" philosophy are problems, and problems are created by men disagreeing.”


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consistência interna também se mostram inúteis diante dos compromissos que cada um assume e encarna. É inevitável que a única alternativa seja apelar para o ad hominem em relação à coerência pragmática em relação “[à] intenção original daquele que propôs o argumento” (RORTY, 1961b, p.314). Para Johnstone, o filósofo constrói sua individualidade (selfhood) na medida em que consegue crescimento pessoal, o tipo de “transcendência” que advém da demonstração de consistência em recorrentes argumentações ad hominem dirigidas contra ele (ALVES, 2013). Por isso fala de uma ética da controvérsia que não se difere totalmente da ética geral, pois quando alguém procura a si mesmo através do debate filosófico está também efetivamente expondo-se. Nisto estaria a diferença do filósofo para o sofista, este último não possui responsabilidade intelectual em relação àquilo que diz e, por isso, pode mudar seus pressupostos para conseguir seu único objetivo: reduzir o opositor ao silêncio (ALVES, 2013; RORTY, 1961b, p. 315). Desta forma, na descrição de Johnstone, o filósofo na busca de autotranscendência deve manter-se constantemente atento à maldição que o leva a reivindicar um tipo de autoridade não humana. Rorty, em seu artigo, cita a passagem onde Johnstone sintetiza este dilema: As posições filosóficas têm origem na tentativa de evitar um destino claramente percebido. Para o filósofo, como para Édipo, este destino tem a forma do envolvimento em uma situação desumana; o filósofo procura evitar a arrogância, o desleixo, a mesquinhez, o cinismo ou a dúvida que o faria correr o risco de desumanizar esse pensamento. Mas, assim como para o Édipo, a tentativa do filósofo de evitar o seu destino serve apenas para levá-lo a aprofundar-se em suas labutas... Por entre as ramificações de seu compromisso, pode haver males piores do que a arrogância ou o desleixo que o fizeram refugiar-se neste compromisso... Os momentos de descoberta filosófica são as ocasiões em que o filósofo se engaja em genuína controvérsia. Ele não pode evitar a controvérsia mais do que Édipo poderia evitar interrogar aqueles que detinham as pistas fatais... Mesmo que seu trabalho esteja destinado a dar frutos desumanos, ele deve executá-lo como um homem. Afigura-se que a fim de ser humano, tem de sempre passar de um ato inumano para outro... O paradigma de argumentos fatais para posições filosóficas, então, é a acusação de que o filósofo adotou um modo de desumanidade na sua própria tentativa de evitar a desumanidade. Os argumentos que têm-se caracterizado como válidos durante todo este livro são aquelas que se enquadram nesta paradigma. (JOHNSTONE apud RORTY, 1961b, p. 315)109 109

Positions are taken in philosophy in order to avoid a clearly perceived fate. For the philosopher, as for Oedipus, this fate takes the form of involvement in an inhuman situation; the philosopher seeks to avoid the arrogance, slovenliness, pettiness, cynicism, or doubt that threatens to dehumanize this thought. But just as for Oedipus, the philosopher's attempt to avoid his fate serves only to drive him deeper into its toils… For among the ramifications of his commitment, there may well be far worse evils than the arrogance or slovenliness that made him take refuge in this commitment… The moments of philosophical discovery are the occasions in which the philosopher engages in genuine controversy. He cannot avoid controversy any more than Oedipus could avoid interrogating those who held the fatal clues… Even if his work is destined to bear inhuman fruit, he must perform it like a man. It would appear that in order to be human, one must always be passing from one inhuman


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A partir da metafilosofia de Johnstone podemos nos aproximar da linguagem ordinária sem a tentação de purificá-la, compreendendo que vocabulários trazem consigo formas de vida e comportamento intersubjetivo. Rorty rejeita tanto em Hall quanto em Johnstone a ideia de que o campo filosófico deva ser tomado como uma área diferente do restante da cultura. Pergunta então se “existe alguma particular similaridade entre a autodescoberta de Édipo e, digamos, a refutação que Waffle faz de Dimble quanto ao sem sentido da sensibilia?”. Para o filósofo norte-americano a situação do filósofo não é mais próxima de Édipo do que a do cientista ou do poeta (RORTY, 1961b, p. 317): é o processo intersubjetivo de debate que produz o conhecimento. Os debates metafilosóficos não deveriam ocorrer separados de análises mais amplas, que envolvam, por exemplo, os procedimentos científicos e controvérsias políticas, sob o risco de tornarem-se abstrações sem força, formalizações facilmente ignoradas.110 Neste texto, Rorty afirma que a filosofia analítica fez evidente a importância da metafilosofia. Porém, os analíticos costumam ser “reducionistas” ao tratar de seus opositores, não aplicando os mesmos critérios a si mesmos. A proposta de Rorty é seguir o impulso de uma “metafilosofia pragmática” e pluralista que tem origem em Dewey, mas se apresenta em Johnstone e também McKeon. Ao invés do hábito escolástico de apontar o que seriam “erros” e “disparates” das escolas rivais, os filósofos analíticos deveriam parar de se vangloriar por obter “vitórias fáceis ao invocar distinções ad libitum”, que são “um mau presságio para o futuro”. Para fugir deste costume, “é tão importante ignorar distinções irrelevantes quanto formular as que seriam relevantes”, já que “controvérsias filosóficas frutíferas somente são possíveis quando ambos os lados têm a paciência para investigar os critérios de relevância de seus oponentes” (RORTY, 1961b, p. 318).111 Isaiah Berlin, no ensaio “O porco-espinho e a raposa”, se vale de um verso do poeta grego Arquíloco, “A raposa conhece muitas coisas, mas o porco-espinho conhece uma só e muito importante”, para propor uma interpretação das diferenças profundas que dividem

act to another… The paradigm of arguments fatal to philosophical positions, then, is the charge that the philosopher has adopted a mode of inhumanity in his very attempt to avoid in humanity. The arguments which I have characterized as valid through out this book are those that fall under this paradigm. 110 Curiosamente, Rorty cita o livro de Michel Polanyi Personal Knowledge como exemplo de análise metafilosófica mais ampla, autor que permanece marginal, muitas vezes sem o reconhecimento como um “legítimo” filósofo. 111 This lapse into the scho lastic habit of winning easy victories by invoking distinctions ad libitum bodes ill for the future. It is quite as important to ignore irrelevant distinctions as to formulate relevant ones, and fruitful philosophical controversy is possible only when both sides have the patience to investigate their opponents' criteria of relevance.


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pensadores e escritores. Por um lado ficam os que se identificam com o porco-espinho – como Platão, Lucrécio, Pascal, Hegel, Dostoievski, Nietzsche e Proust –, relacionando tudo que encontram com uma visão central, um princípio organizador universal que dá sentido e coerência para sua existência; por outro lado, estão os que têm natureza de raposa – como Shakespeare, Aristóteles, Heródoto, Balzac e Joyce – perseguindo fins diversos e descrevendo múltiplas experiências, por vezes contraditórias, sem as subordinar a qualquer principio ordenador moral ou estético (BERLIN, 1988, p. 43-44). Esta divisão entre raposas e porcosespinhos é reducionista e pode ser considerada até mesmo absurda, mas é um artifício provocativo. Berlin utiliza este mote para fisgar o leitor em sua investigação sobre Tolstoi, autor que por natureza seria uma raposa, mas se julgava um porco-espinho (BERLIN, 1988, p. 45). Rorty gostava desta taxonomia literária, nela se descrevia como um porco-espinho que aparenta ser uma raposa: apesar de entornar sobre meu leitor uma enxurrada de nomes e alusões, tenho realmente uma única ideia: a necessidade de superar o representacionismo e consequentemente entrar em um mundo intelectual em que os seres humanos devem apenas responder uns aos outros. (RR, p. 474, tradução minha)112

A autodescrição de Rorty como um porco-espinho se justifica quando observamos sua insistência em pensar a Filosofia como uma voz dentro da conversação da humanidade elaborando uma forma de humanismo profundo.113 Este apelo aparece já nos primeiros artigos do filósofo norte-americano; no entanto – como vimos em “O filósofo como especialista” –, com um sentido especializado de solidariedade com uma comunidade científica de investigação. No final de PMN ele insiste que, apesar do fracasso da filosofia centrada na epistemologia, existe um compromisso moral do filósofo por continuar a ser uma voz na conversação da humanidade, ainda que o assunto não seja mais aquele definido por uma disciplina com método específico. Rorty progressivamente, em seus trabalhos posteriores, procura estimular os filósofos norte-americanos a mudar de assunto, deixando de lado as interrogações metafísicas e epistemológicas, para falar de política cultural, problematizando questões éticas e políticas relevantes para o futuro que queremos construir.

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“I am a hedgehog who, despite showering my reader with allusions and dropping lots of names, has really only one idea: the need to get beyond representationalism, and thus into an intellectual world in which human beings are responsible only to each other”. 113 Sobre a filosofia de Rorty como uma forma de humanismo, cf. Castro (2008, p. 183-193); Auxier (2010, p. 17-31); Bernstein (2008, p. 13-27).


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Para o filósofo norte-americano a conversação não é um princípio metodológico, mas uma atitude de abertura hermenêutica114 (inspirada na ideia de Gadamer da inquirição como fusão de horizontes). Também não é uma conversa-fiada ou bate-papo (chat) displicente, mas algo que envolve a totalidade da atividade humana, ou seja, a cultura.115 O termo continua presente em suas obras posteriores, ganhando um sentido mais claro quando – seguindo uma sugestão de Robert Brandom (2008) – Rorty identifica conversação com o espírito (Geist) na Fenomenologia do espírito de Hegel (FR, p. 68) e descreve o pragmatismo como uma forma de neohegelianismo. Ainda que este apelo à conversação seja uma inspiração contínua do trabalho de Rorty desde suas primeiras publicações, é certo que o horizonte que tem em vista se modifica durante sua trajetória. Na década de 1960 podemos encontrar em seu trabalho uma orientação metafilosófica pluralista deweyana que se reveste da forma analítica, mas – na maior parte das vezes – não aceita a ideologia analítica, ou seja, a afirmação provinciana de que este estilo possui uma primazia em relação aos demais modos de fazer filosofia.116 Nesta fase, na medida em que toma como mote de sua narrativa a “virada linguística”, o filósofo norte-americano fala e se mantém em um contexto academicamente especializado. No começo da década de 1970 ocorre uma transformação substancial no pensamento de Rorty, na medida em que, sem descartar o conflito entre arte e ciência, passa a considerar o intelectual literário como figura paradigmática para seu trabalho em detrimento do filósofo profissional. É certo que faz isso a partir da condição de filósofo profissional. Juan de Mairena, filósofo que é um heterônimo de Antonio Machado (1875-1939), afirma um pendular inevitável do homem, sendo que “alguns vão da poética à filosofia; outros que vão da filosofia à poesia. O inevitável é ir de um ao outro, nisto como em tudo” 117 (apud NUNES, 1999, p. 14). Na trajetória do filósofo norte-americano o pendular em direção ao poético é um modo de reconciliação que pede a transformação da própria filosofia. 114

Retrospectivamente, Rorty (1995g) considerou a referência à hermenêutica um erro que deixava a “indústria epistemológica” funcionando. 115 Rorty explícita em 1980 que toma o termo “conversação” como paradigmaticamente se derivando do diálogo de Michael Oakeshott de 1959, “The voice of poetry in the conversation of Makind” [A voz da poesia na conversação da humanidade]: “I want to give a very high-toned sense to ‘conversation’. The paradigm context for my sense of the term is the famous essay of Michael Oakeshott, “The Voice of Poetry in the Conversation of Mankind”. If you think of the conversation of mankind not as chat, but as standing for the whole human enterprise – culture, if you like – then ‘conversation’ is a perfectly reasonable word for what we do to be saved”. (RORTY, 1980c, p. 52). 116 A distinção entre filosofia analítica e ideologia analítica é feita por Richard Bernstein. (2007, p. 110). 117 Esta conversão foi tema de contínua reflexão por parte de Benedito Nunes, que sentenciou: “Os grandes poetas são metafísicos fracassados: os grandes filósofos são poetas que creem na realidade de seus poemas” (NUNES, 1999, p. 15). Nisto o filósofo brasileiro cuida de guardar a fronteira entre literatura e poesia, mantendo a distância heideggeriana que separaria pensadores e poetas, no entanto ressaltando a possibilidade de um fértil hibridismo.


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A partir de meados da década de 1960 a filosofia analítica se distanciou tanto das outras correntes filosóficas que a possibilidade de diálogo tornou-se remota. A proposta metafilosófica de conversação de modo argumentativo que Rorty tentou desenvolver fracassou na medida em que o conflito entre cultura científica e cultura literária, descrito por C. P. Snow (1990), passou a ser urgente dentro do campo filosófico. O filósofo norteamericano, de modo coerente com a rejeição da dicotomia esquema-conteúdo, passou a não considerar viável propor qualquer tipo de mediação argumentativa para esta querela, pois “não é uma questão que será resolvida por críticos literários a aprender física ou físicos a ler as publicações literárias”: é um conflito que remonta ao “tempo de Platão, quando a física ainda não tinha sido inventada, e quando Filosofia e Poesia pela primeira vez se defrontaram” (CPp, p. 51)118. Rorty descreve duas tradições filosóficas que, grosso modo, correspondem aos tipos de cultura descritos por Snow. A tradição filosófica platônico-kantiana, que reivindica o poder de fundamentar todo o saber possível, é marcada por anseios positivistas que a tornam parte da cultura científica. Ela procura encontrar essências atemporais – o Real, a Verdade, o Belo, o Justo – que seriam o ponto para o qual qualquer argumentação racional convergiria. A outra tradição, que começa “mais ou menos com a Fenomenologia de Hegel” (CPp, p. 153) assume uma condição historicista e presa à finitude, que não vê a ciência como modelo privilegiado, não propõe um “vocabulário final” (Seinsverständnis) para descrever “a realidade como ela é”, mas confronta descrições de modo a desenvolver novas descrições. Os filósofos desta fileira fazem parte da cultura literária e desviam-se da procura epistemológica por fundamentação, preferindo seguir o modelo “continental” e criar um abrangente “romance de formação”, que de maneira sempre provisória e limitada articula a história da Filosofia, sua autodescrição e as demandas de seu tempo. Para estes “filósofos não kantianos, não existem problemas persistentes – salvo talvez a existência dos kantianos”. (CPp, p. 154). Hegel, Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Foucault e Derrida fazem parte desta tradição literária, que Rorty chama em PMN de “edificante” e em CIS de “ironista”. Vinculadas a estas duas formas de cultura existem “formas de vida”. A cultura científica segue a tradição socrática em seu anseio por uma “verdade redentora” para além do tempo e da conversação entre os homens. O autoexame argumentativo é o caminho para se alcançar este anseio convergente. Por outro lado, em CP Rorty considera que a forma de vida 118

“It is not an issue which is going to be resolved by literary critics learning physics or physicists reading the literary quarterlies. It was already drawn in Plato's time, when physics had not yet been invented, and when Poetry and Philosophy first squared off. (I think, incidentally, that those who criticize Snow along the lines of "not just two cultures, but many" miss his point. (CP, p. 67).


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ligada à cultura literária ainda estava se apresentando e não estava elaborada de modo argumentativo, até mesmo porque não se preocupa em justificar-se deste modo.119 A cultura literária começa a tornar-se uma possibilidade filosófica a partir do romantismo junto com a centralidade dada para a ideia de autocriação – de nós mesmos e de nossa sociedade – em detrimento de concepções teleológicas. O romantismo considera que “o primordial não é conhecer quais proposições são verdadeiras, mas antes que vocabulários devemos usar” (CPp, p. 217).120 O pragmatismo naturaliza a pretensão romântica de decifrar algo essencial e inefável, considerando que o valor dos vocabulários está meramente em sua utilidade (CPp, p. 221, CP, p. 153). Para o intelectual literário a única fonte de redenção é a imaginação humana: a vida que vale a pena ser vivida confronta os limites imaginativos de seu tempo (PCPp, p. 163). A cultura literária “substitui a ideia socrática de autoexame e autoconhecimento pela ideia de alargamento do eu ao travar conhecimento com outras maneiras de ser humano”; “quanto mais livros nós lermos, mais maneiras de ser humano levamos em consideração, mais humanos nos tornamos” (PCPp, p. 164).121 A Filosofia, ao persistir no caminho positivista-platônico, continua tentando fugir da temporalidade e tende a reificar-se dogmaticamente em exercícios tediosos, pressupondo a posse de um tipo de fala que autoritariamente põe fim à conversação. Por outro lado, seguindo o historicismo evolucionista de Dewey, o filósofo norte-americano valoriza a criatividade imaginativa que nos torna capazes de criar novos vocabulários e ajuda a instituir práticas sociais mais adequadas. Galileu não suplantou a física aristotélica por ter provado que o Livro da Natureza está escrito em termos matemáticos, mas por oferecer um vocabulário que era mais útil que o do estaragita. (CPp, p. 269). Neste ponto, Rorty segue Dewey, para quem a transformação de crenças antiquadas pede a modificação de hábitos e não uma simples adequação as formas e categorias lógicas. Para Dewey,

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Em verdade, elaborar uma narrativa que justifique a forma de vida do “intelectual literário” é uma tarefa que Rorty tentou desenvolver posteriormente em CIS e que, em sua obra posterior, continuamente procurou tornar mais atraente. 120 “I defined 'romanticism' as the thesis that the one thing needful was to discover not which propositions are true but rather what vocabulary we should use.” (CP, p. 148). 121 “The sort of person I am calling a ‘literary intellectual’ thinks that a life that is not lived close to the present limits of the human imagination is not worth living. For the Socratic idea of self-examination and selfknowledge, the literary intellectual substitutes the idea of enlarging the self by becoming acquainted with still more ways of being human. She thinks that the more books you read, the more ways of being human you have considered, the more human you become – the less tempted by dreams of an escape from time and chance, the more convinced that we humans have nothing to rely on save one another. The great virtue of the literary culture is that it tells young intellectuals that the only source of redemption is the human imagination, and that this fact should occasion pride rather than despair”. (PCP, p. 94-95).


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persiste a convicção – embora a história tenha mostrado que se trata de uma alucinação – de que todas as questões que a mente humana vem se propondo são perguntas que podem ser respondidas em termos de alternativas que as próprias questões apresentam. Mas, de fato, o progresso intelectual habitualmente ocorre mediante o simples abandono de questões junto com todas alternativas que eles pressupõem – um abandono que resulta do declínio de sua vitalidade e de uma mudança de interesse imediato. Nós não as resolvemos; nós as superamos. (DEWEY apud P, p. 51)122

A aceitação radical da historicidade também torna as questões filosóficas formulações contingentes e a filosofia uma espécie de barco de Teseu, que constantemente tem todas as suas tábuas substituídas: a pergunta sobre identidade e essências é uma formulação traiçoeira sem resposta possível e que deveria ser abandonada. Se questões platônicas são a essência da Filosofia, é o caso de anunciar uma era pós-filosófica na qual a literatura ocupa o palco central quando se trata da tarefa de nossa autocriação. Isso não significaria por fim a conversação filosófica, mas compreendê-la como parte da cultura literária. Rorty passa a descrever a filosofia também como um gênero literário e não como uma disciplina metodologicamente especializada. Os contornos da Filosofia seriam delimitados “não por uma forma ou um assunto, mas por uma tradição – um romance de família envolvendo, por exemplo, o Pai Parmênides, o honesto tio Kant, e mau irmão Derrida” (CPp, p. 153).123 Ao rejeitar a argumentação como caminho para autocriação, o textualismo de Rorty pede que, ao lidar com textos, nos comportemos de modo diferente daquele recomendado normalmente pelos padrões de “seriedade” acadêmica. Enquanto as tradições escolásticas tomam quaisquer textos “como fontes de hipóteses ou exemplos de confusão conceitual”. (CPp, p. 124), de modo diverso, o filósofo pragmatista procura reagir e provocar reações, desenvolvendo desleituras (misreading) criativas, narrativas em que monta o seu panteão de heróis e vilões. Quando a atividade de escrita filosófica é assumida como uma forma de autocriação, a recomendação é de uma atitude interpretativa polêmica e agonística. Para criar nosso romance familiar é preciso desenvolver atitudes em relação aos mortos poderosos e aos seus rivais vivos – dividindo o panteão em divino e demoníaco – é o desígnio total da cultura intelectual. A maneira 122

“the conviction persists though history shows it to be a hallucination that all the questions that the human mind has asked are questions that can be answered in terms of the alternatives that the questions themselves present. But in fact intellectual progress usually occurs through sheer abandonment of questions together with both of the alternatives they assume an abandonment that results from their decreasing vitality and a change of urgent interest. We do not solve them : we get over them”. (DEWEY, 1910, p. 19). 123 Philosophy is best seen as a kind of writing. It is delimited, as is any literary genre, not by form or matter, but by tradition - a family romance involving, e.g., Father Parmenides, honest old Uncle Kant, and bad brother Derrida. (CP, p. 92).


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de citar nomes, de mudar rapidamente de contexto e a relutância em deter-se para uma resposta que esta cultura encoraja vai contra tudo que uma disciplina acadêmica profissionalizada defende. Normalmente o conflito entre a academia e esta cultura pode permanecer implícito. Mas no caso da filosofia é obrigatório que seja expresso, quanto mais não seja porque nem mesmo o filósofo mais profissionalizado pode deixar de ver a si mesmo, senão como o duplicado contemporâneo de Platão e Kant, ao menos como comentador autorizado deles. (CPp, p. 124)124

Este tipo de atitude literária relaxada é exatamente a que Rorty havia rejeitado em “O filósofo como especialista”, quando defendia a seriedade e o rigor argumentativo. O intelectual literário, quando desenvolve uma interpretação forte, não está preocupado primariamente com que seu discurso seja reconhecido como verdadeiro pelos seus contemporâneos, mas em criar um vocabulário que seja suficientemente provocativo para promover mudança de hábitos. A racionalidade de quem segue uma perspectiva edificante é diferente daquela proposta pela filosofia analítica: Os filósofos analíticos, porque identificam a capacidade filosófica como destreza argumentativa e reparam que não existe nada que considerem um argumento numa grande porção de Heidegger e Foucault, sugerem que estes devem ser pessoas que tentaram ser filósofos e fracassaram, filósofos incompetentes. Isto é tão estúpido quanto dizer que Platão era um sofista incompetente, ou que um porco-espinho (headgehog) é uma raposa (fox) incompetente. Hegel sabia o que pensava dos filósofos que imitavam o método e o estilo da matemática. Pensava que eles eram incompetentes. Estas acusações recíprocas de incompetência não fazem nenhum bem a ninguém. Devemos limitar-nos a abandonar a questão do que a filosofia realmente é, ou de quem realmente conta como filósofo. (CPp, p. 303-304, tradução adaptada e grifo nosso)125

Ora, em tal defesa da conversação, Rorty não seria um porco-espinho incompetente que prefere atuar como raposa, mas um porco-espinho que tem como única tese as vantagens que a conversão em raposas poderia gerar. Isso justifica a afirmação de Habermas (2004, p. 229) de que Rorty seria um “antiplatônico platonicamente motivado”. A tensão entre o espaço de autocriação e o campo de argumentação necessário à deliberação política quando traduzida na diferença entre discurso normal e discurso anormal kuhniano não pode ser suprimida. Por 124

“Developing attitudes towards the mighty dead and their living rivals dividing the pantheon into the divine and the daemonic -is the whole point of highbrow culture. The kind of name-dropping, rapid shifting of context, and unwillingness to stay for an answer which this culture encourages runs counter to everything that a professionalized academic discipline stands for. Normally, the conflict between the academy and this culture can remain implicit. But in the case of philosophy it is bound to be expressed, if only because not even the most professionalized philosopher can stop seeing himself, if not as the contemporary counterpart of Plato and Kant, as at least their authorized commentator” (CP, p. 64). 125 Analytic philosophers, because they identify philosophical ability with argumentative skill and notice that there isn't anything they would consider an argument in a carload of Heidegger or Foucault, suggest that these must be people who tried to be philosophers and failed, incompetent philosophers. This is as silly as saying that Plato was an incompetent sophist, or that a hedgehog is an incompetent fox. Hegel knew what he thought about philosophers who imitated the method and style of the mathematicians. He thought they were incompetent. These reciprocal charges of incompetence do nobody any good. We should just drop the question of what philosophy really is, or who really counts as a philosopher (CP, p. 224-225).


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isso o estilo de escrita que Rorty desenvolveu a partir da década de 1970 em sua forma narrativa e exortativa não deixa também de argumentar. Rorty (1984d, p. 84) não aceitou a descrição de sua obra PMN como edificante. Posteriormente, rejeitou a utilidade da distinção entre filosofia edificadora e edificante, preferindo pensar em termos de aceitação ou não da historicidade. A defesa da cultura literária é uma escolha que não poderia ser justificada de modo argumentativo através da construção de uma teoria; fundamenta-se em sua efetividade ou torna-se algo como uma desventura do Barão de Münchhausen, em que ele se salva da areia movediça puxando a si mesmo pelos cabelos.

2.1.4 Conclusão

Para concluir este capítulo é pertinente avaliar de modo mais detido a Teoria do Autoconceito, de Neil Gross, (1) naquilo em que ela limita sua narrativa e a empobrece, (2) em sua pretensão teórica de contribuição para a Sociologia e (3) enquanto medida nos termos do pragmatismo de Rorty. Também pretendemos articular este capítulo aos passos seguintes desta investigação. Como vimos, o livro de Neil Gross é um estudo de caso com uma pretensão específica: demonstrar a importância da Teoria do Autoconceito para o desenvolvimento do poder preditivo da sociologia das ideias. O livro procura mostrar como Rorty adquiriu seu autoconceito como “patriota norte-americano de esquerda”. Esta descrição ajudaria a prever alguns passos de sua trajetória intelectual tardia. Se fatores estratégicos seriam suficientes para justificar por que Rorty rompeu com a filosofia analítica, a Teoria do Autoconceito explicaria tanto sua adesão ao pragmatismo quanto a crítica da esquerda cultural (cosmopolita e multicultural) em favor de uma esquerda reformista e patriótica. Este objetivo teórico direciona a narrativa de Gross, contaminando-a não somente com uma teleologia, mas também com uma seleção problemática de contextos relevantes. Por exemplo, ao confinar seu foco na academia (ABOULAFAIA, 2010, p. 106) e ao trabalho dos “intelectuais acadêmicos americanos” (GROSS, 2008, p. 265). Isso não invalida sua narrativa, já que como biografia intelectual o livro possui utilidade, fornecendo acesso a textos inéditos e proporcionando uma rica contextualização para a obra de Rorty. Contudo, o cuidado na descrição das circunstâncias de formação e do ambiente acadêmico em que o filósofo norteamericano se desenvolveu peca pela impessoalidade: o autor ignora as relações afetivas (com pessoas, livros literários, bichos, plantas etc.) e sua influência em seu pensamento.


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Por exemplo, Gross não dá nenhuma atenção à longa amizade que Rorty manteve com Richard Bernstein.126 Os dois se conheceram em Chicago em meados da década de 1940. Bernstein seguiu os passos de Rorty na década seguinte doutorando-se em Yale; compartilhavam o pluralismo de McKeon e o entusiasmo pela obra de Sellars. No entanto, Bernstein, desde a década de 1960, assumiu a condição de pragmatista e uma orientação aberta à filosofia continental; talvez por isso em 1965 a universidade de Yale negou-se a lhe dar uma posição como efetivo (tenure), recusa que causou protestos dos alunos, num escândalo que chamou atenção da imprensa (BERNSTEIN, 2007). Na narrativa de Gross não há referência a Bernstein e a como Rorty reagiu ao problema enfrentado por seu amigo. Esta é uma situação que ajuda a entender sua decepção com a falta de diálogo e abertura das academias norte-americanas ante a hegemonia analítica. Pela mesma razão metodológica, Amélie O. Rorty não é considerada como uma filósofa com a qual Rorty dialogava. Amélie publicou Pragmatic Philosophy: an anthology em 1966, uma coletânea de escritos dos pragmatistas clássicos que incluía seções com os textos de seus primeiros e principais críticos (como Bertrand Russel e Arthur O. Lovejoy) e, ainda, uma seção com reações e adaptações ao pragmatismo por parte de analíticos (como Quine, Carnap e Reichenbach). Esta coletânea foi publicada antes da seleção de textos de Richard Rorty sobre a virada linguística. Não é factível que o filósofo norte-americano fosse indiferente ao trabalho de sua primeira esposa, mas Gross deixa esta lacuna também aberta. Da mesma forma, a separação, a depressão e o segundo casamento de Rorty com Mary V. Rorty não ganham qualquer destaque na narrativa de Gross. Não sabemos como o fato de Mary ser uma mórmon praticante conciliou-se com o ateísmo do filosofo norteamericano. Como tentei mostrar, há na relação com Mary uma mudança que justificaria falar em uma virada, uma conversão kierkegardiana. Neste sentido, vale a pena considerar o depoimento de Luiz Eduardo Soares:

Há um aspecto muito interessante no processo que redundou na ruptura de Rorty com o cientificismo da filosofia analítica e com sua redescoberta do pragmatismo norte-americano e da filosofia continental européia. Rorty me contou que se sentia muito mal nos departamentos de filosofia que frequentou, mesmo sendo tão competentes e celebrados. Sentia-se como que paralisado. Não escrevia. Sobretudo, parecia amortecido, anestesiado, sem imaginação, impotente. As energias se gastavam nas eternas e inúteis disputas bizantinas. Arrogância, onipotência, dogmatismo, autoritarismo pareciam marcar a atmosfera da cultura acadêmica – o avesso dos valores supostamente cultuados nas universidades. O saber que se pretendia mais agudo, verdadeiro e criativo servia a que economia de poder? A que enrijecimento psicológico? A que produção de sofrimento alheio? Nesse momento, 126

Para uma avaliação do diálogo dos dois autores, cf. Westbrook (2013).


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seu casamento naufragava e uma Tsunami o arrastou à psicanálise, da qual ele saiu renovado. Outra oportunidade de inventar-se e construir uma identidade e uma história para si mesmo, com outro enredo, outras referências, outro prazer, outras possibilidades. Sempre me pareceu que estava aí a origem do insight mais importante: nós não somos comandados por nossa natureza ou por uma essência qualquer; podemos recriar nossa existência, respeitando condições e limites. A lição vale para o indivíduo e a sociedade. O que somos é contingente; somos finitos, imperfeitos, desnecessários. Por outro lado, essa precariedade é também liberdade e possibilidade de mudança. Podemos ser um projeto que valha a pena. Rorty saiu da psicanálise para outro casamento e uma outra vivência da prática intelectual, aberta, arejada, poliforme, criativa. O amor que viveu com Mary, nesse novo contexto, e as relações com os filhos, com as orquídeas, os pássaros e a literatura, iluminaram sua vida. Ele transformou-se na Tsunami que antes o levara à depressão. Produziu, desde então, muitos livros e um número imenso de artigos. Interveio em mil e um debates. Tornou-se necessário. Indispensável. Não era sua essência, nem seu destino; mas foi sua virtude. Nesse sentido, sua vida parece fundir-se à filosofia pragmatista tal como a reinventou. (SOARES, 2013)

Além disso, Gross não dá nenhuma atenção para a relação de Rorty com a literatura. Os romances e os poemas que o impressionaram ficam de fora daquilo que considera relevante para a formação intelectual. Também não há qualquer menção à paixão que o jovem filósofo nutria por orquídeas selvagens, que, quando adulto, deslocou para a observação de pássaros. Qual a importância deste cultivo/cuidado com o não linguístico para um escritor textualista que concorda com a afirmação gadameriana de que “o ser que pode ser dito é linguagem”?127 A pretensão teórica de Gross de desenvolver o poder preditivo da sociologia do conhecimento não é algo que causa uma boa impressão entre seus pares (como ficou claro num debate em 2011):128 para Bruce Kuklick, é resquício de um positivismo mal digerido (KUKLICK, 2011, p. 34), algo que para Alan Sica aparece no “tedioso cientificismo bourdiaunesco” (tedious Bourdieausque scientism) (SICA, 2011, p. 32) que tempera seu texto. Esta ambição positivista provocou a impaciência de Kuklick, que provocativamente o interpelou: A noção de que Gross ou qualquer pessoa poderia predizer que Rorty, digamos, aos 23 anos, iria desenvolver certo tipo de ideias é realmente bizarra. Desafio o 127

Em seu famoso ensaio autobiográfico “Trotsky e as orquideas selvagens” (1992m), Rorty explica a importância que estas plantas selvagens tiveram em sua pré-adolescência. Também, na entrevista que deu para o programa de televisão holandes Of Beauty and Consolation – disponível no You Tube com legendas em português –, o pensador deixa claro que a observação de pássaros, a busca por orquídeas selvagens e os instantes sublimes nabokovianos junto à natureza eram importantes na construção do que considerava belo e consolador. Uma reflexão interessante sobre a relação entre o cuidado na atividade de observar pássaros e o cultivo de um espaço de autocriação por parte dos escritores criativos pode ser encontrada no texto de Nicholas Jenkins (2010) Rorty’s Binoculars. 128 A revista Transactions of the Charles Peirce Society publicou em 2011 artigos de Joseph M. Bryant, Alan Sica, Bruce Kuklick e James A. Good avaliando o livro e a proposta teórica de Neil Gross; no mesmo número a revista publicou a réplica do jovem sociólogo norte-americano.


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Professor Gross a pegar qualquer jovem scholar e “mais ou menos predizer” as novas ideias que ele terá. Aposto o quanto ele quiser que não pode fazer isso. (KUKLICK, 2011, p.34, tradução minha).129

O anseio de que as ciências sociais sejam capazes de prever o futuro soa como um tipo de ficção científica ultrapassada. No entanto, esta é uma pretensão que ainda está na agenda daqueles que Alasdair MacIntyre chama de “criaturas hempelianas” (infant Hempelians), que procuram nas ciências sociais construir leis e generalizações semelhantes às ciências naturais. Para MacIntyre, o intento das ciências sociais esbarra em quatro fontes sistemáticas de imprevisibilidade: (1) a impossibilidade de prever a inovação conceitual radical (e suas consequências); (2) a imprevisibilidade das escolhas futuras do agente, na medida em que estas dependem de decisões ainda não tomadas, feitas a partir de descrições ainda não disponíveis sobre as alternativas a serem consideradas;130 (3) ainda que conheçamos os interesses prioritários de cada agente num contexto possível, a predição de como agirá depende das predições que o agente fará das predições que serão feitas por seus pares etc.; em um jogo de regresso infinito que inviabiliza um resultado final para a teoria dos jogos (até mesmo porque – como Philip K. Dick imagina em seu conto Minority Report – a predição pode modificar a atuação do agente e, com isso, o próprio futuro); (4) sempre podem existir fatores contingentes e idiossincráticos que não levamos em conta na construção da descrição daquilo que seria relevante para a definição do futuro. Os argumentos de MacIntyre não significam a impossibilidade das ciências sociais de construir prognósticos relevantes, mas são suficientes para esvaziar as pretensões positivas de Gross. Definindo o autoconceito de Rorty como “patriota norte-americano de esquerda”, Gross se vale de um slogan que enfatiza uma dimensão política e pública de sua obra. No entanto, é possível imaginar diversos outros lemas que seriam pertinentes e iluminariam outros aspectos de seu trabalho: “liberal burguês pós-moderno”, “amante da poesia”, “adversário da religião institucionalizada”, “professor universitário com domínio técnico”, “escritor criativo”, “bad boy da filosofia analítica” etc. A prioridade que Gross dá para o autoconceito de “patriota norte-americano de esquerda” gera uma inusitada teleologia para sua narrativa que, sem sucesso, procura no último capítulo de sua análise produzir o efeito de uma epifania: iluminados pelo método sociológico compreenderíamos aquilo que verdadeiramente motiva a adesão de Rorty ao pragmatismo e seu posicionamento político de 129

“The notion that Gross or anyone else could predict that Rorty, let us say at age 23, would develop certain sorts of ideas is really bizarre. I dare Professor Gross to take any young scholars and “more or less predict” the new ideas they will have. I will bet him any amount he wants that he cannot do it”. 130 “I cannot predict my own future actions so far as these depend upon decisions as yet unmade by me —under the descriptions which characterize the alternatives defining the decision”. (MACINTYRE, 1997, p. 96).


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crítica à esquerda cultural. É certo que as informações biográficas sobre o contexto institucional ajudam a ampliar o entendimento da obra de Rorty, mas o resultado de suas reivindicações teóricas é a reposição de uma espécie de núcleo da subjetividade, o que permite ao sociólogo postular a inversão da ideia de Sartre de que construímos nossa identidade a partir dos projetos e decisões que tomamos (ABOULAFAIA, 2010, p. 118). Esta reificação, que torna a essência anterior à existência, mostra-se desinteressante já que as “previsões” que Gross produz são feitas a posteriori e, mesmo assim, podem ser questionadas e substituídas por outras explicações menos reducionistas. Na conclusão de seu livro, Neil Gross apresenta uma série de “proposições teóricas” que impressionam por sua trivialidade, por exemplo: conclui que (1) estudantes com maior capital intelectual teriam maiores chances de aspirar trabalhar como professores; (2) também teriam mais probabilidade de estudar e, posteriormente, conseguir um posto de trabalho em departamentos de prestígio, já que (3) estes prefeririam os melhores alunos na construção de seu quadro (GROSS, 2008, p. 341-342). Estas proposições para Sica são um sonífero para qualquer pessoa que conheça uma universidade (SICA, 2011, p. 32). Kuklick é menos indulgente, para ele os resultados apresentados por Gross chegam a ser algumas vezes “absolutamente idiotas” (downright silly) (KUKLICK, 2011, p. 33), constituídos por truísmos e lugares-comuns sobre a vida acadêmica, sinais da pobreza de sua teoria (Idem, p. 35). Para Kuklick a pesquisa sofre com as limitações do próprio Neil Gross, que, por um lado, superestima a perspicácia e habilidade de seu método e, por outro, ignora aspectos da vida pessoal de Rorty131 e do desenvolvimento de sua filosofia (como o diálogo precoce com Sellars) (Idem, p. 35-36). Embora Gross afirme ter-se mantido agnóstico em relação ao valor da filosofia de Rorty (McLEMER, 2011), diante das críticas de Kuklick defende-se argumentando que o filósofo norte-americano considerava que a sociologia do conhecimento estava totalmente de acordo com a perspectiva pragmatista, vendo a inquirição como socialmente situada. Prova disso estaria em ter permitido acesso aos seus arquivos pessoais (GROSS, 2011, p. 60). Esta reivindicação de uma proximidade com a filosofia de Rorty não se sustenta. Por um lado, Rorty não aborda o problema da liberdade da vontade (free will), tópico que lhe pareceu falso desde muito cedo quando leu Hume e aderiu ao seu compatibilismo protopragmatista (R&P, p. 34). Por isso, o filósofo norte-americano não tem nenhum interesse em defender uma forma de transcendência em relação ao contexto sociológico, mas

131

cf. nota 35.


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também não aceitaria o reducionismo da criatividade a um tipo de determinismo. Sua proposta pragmática não pretende também repor as fronteiras entre ciências do espírito (Geisteswissenschaften) e ciências da natureza (Naturwissenschaften). Esta divisão tem como pressuposto a ideia romântica de que poderíamos chegar a predizer os ruídos que sairiam da boca de alguém no futuro, mas não entenderíamos seu significado. Entre a explicação (da psicofisiologia) e o entendimento (da sociologia do conhecimento) haveria um lapso considerado intraduzível. No entanto, para Rorty, só interessa aos cartesianos manter um abismo entre razões e causas: O sentido no qual os seres humanos se alteram a si mesmos ao se redescreverem não é mais metafisicamente excitante ou misterioso do que o sentido em que eles se alteram a si mesmos mudando sua dieta, seus parceiros sexuais ou sua habitação. (PMNp, p. 345)132

Ainda assim, é surpreendente que o filósofo norte-americano conceda ao fisicalista a possibilidade de “a princípio” ser capaz de no futuro “predizer cada movimento do corpo de uma pessoa (inclusive os de sua laringe e de sua mão ao escrever) por referência às microestruturas no interior de seu corpo”133 (PMNp, p. 338). Porém, a cláusula “a principio” guarda tantos pressupostos que a concessão não representa um risco relevante para a liberdade humana: para tanto seria preciso aplainar o caminho com algum tipo de “exercício pedagógico” de lavagem cerebral, o que não depende de avanços técnicos, já que os torturadores conseguem hoje fazer isso com eficiência (PMNp, p. 348).134 Ainda que saibamos o que sairá da boca da pessoa no futuro, a dificuldade de tradução estaria na “diferença entre a linguagem adequada para lidar com neurônios e a linguagem adequada para lidar com pessoas” (PMNp, p. 349).135 Com isso, Rorty parece reduzir ao absurdo a possibilidade de predição de comportamentos humanos. No entanto, ele ressalta que existem inúmeras ocasiões e contextos em que este tipo de predição é útil e comum, como “no caso de pessoas particularmente chatas e convencionais”, “das quais cada ato e palavra são tão previsíveis que as objetificamos 132

The sense in which human beings alter themselves by redescribing themselves is no more metaphysically exciting or mysterious than the sense in which they alter themselves by changing their diet, their sexual partners, or their habitation. (PMN, p. 351). 133 “Physicalism is probably right in saying that we shall someday be able, "in principle," to predict every movement of a person's body (including those of his larynx and his writing hand) by reference to microstructures within his body”. (PMN, p. 354). 134 “the "in principle" clause allows for the probability that the determination of the initial conditions (the antecedent states of microstructures) will be too difficult to carry out except as an occasional pedagogical exercise. The torturers and the brainwashers are, in any case, already in as good a position to interfere with human freedom as they could wish; further scientific progress cannot improve their position”. (PMN,p.354). 135 “the difference between a Ianguage suitable for coping with neurons and one suitable for coping with people” (PMN, p. 355).


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sem hesitação” (PMNp, p. 346), assim como existem contextos não humanos tão diferentes dos que estão previstos por nossa linguagem que percebemos que os conceitos do “Livro da Natureza” são criados e ainda precisam ser continuamente redescritos. Com este argumento ele pretende borrar a distinção entre ciências naturais e ciências humanas em favor de uma divisão entre contextos nos quais o discurso normal (epistemológico) da ciência é suficiente, e contextos anormais, em que é preciso desenvolver de modo imaginativo uma abordagem (hermenêutica) adequada. Rorty dá um golpe na arrogância disciplinar, afirmando que temos diferentes descrições que são adequadas instrumentalmente em relação a propósitos distintos e nenhuma delas é mais próxima do modo como as coisas realmente são. Gross, seguindo Bourdieu, acredita que a compreensão de que todo conhecimento é social implica na revelação de que a sociologia tem acesso ao “realmente real”, por exemplo, mostrando que tudo na academia é jogo de busca por status (LEWIS-KRAUS, 2013). Com isso, repõe a divisão metafísica entre realidade e aparência, só que agora traçada pelo metro dos sociólogos. Em termos rortyanos, isso diz mais acerca da importância que alguns sociólogos dão para si mesmos do que sobre o comportamento efetivo das pessoas (LEWISKRAUS, 2013). Embora o filósofo norte-americano considerasse a epistemologia uma forma de sociologia inconsciente de si mesmo, isso não significa que esta ciência deveria substituir a filosofia na tarefa de guardar as fronteiras da racionalidade. A compreensão da dimensão intersubjetiva e antirrepresentacionista do saber deveria significar o abandono do fundacionismo e de qualquer tentativa de colocar-se acima da conversação e contingência. A posição “agnóstica” de Gross em relação à filosofia de Rorty significa também a recusa de tentar entendê-lo ou julgá-lo em seus próprios termos. Isso não é um problema epistemológico, mas uma escolha imprudente e moralmente questionável, porque perde de vista as formas de transformação que aqueles que se dedicam ao cultivo da linguagem mais valorizam (PMN, p. 343). Como explica Rorty em PMN: Dizer que nos tornamos pessoas diferentes, que nos “refazemos” à medida que lemos mais, conversamos mais e escrevemos mais é simplesmente um modo dramático de dizer que as sentenças que se tornam verdadeiras a nosso respeito em virtude de tais atividades são com frequência mais importantes para nós que as sentenças que se tornam verdadeiras a nosso respeito quando bebemos mais, ganhamos mais e assim por diante. (PMNp, p. 353)136

136

“To say that we become different people, that we "remake" ourselves as we read more, talk more, and write more, is simply a dramatic way of saying that the sentences which become true of us by virtue of such activities are often more important to us than the sentences which become true of us when we drink more, earn more, and so on”. (PMN, p. 359)


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A preferência ou o cuidado em examinar como as pessoas se autodescrevem não se vincula a uma vantagem metafísica e epistemológica destas narrativas em primeira pessoa, até mesmo porque não há como contornar o problema do autoengano e, em muitos casos, nossas interpretações desviantes funcionam como modo de autocriação. No entanto, a vantagem “moral” que Rorty postula para esta perspectiva vincula-se de forma implícita à abertura romântica para que inventemos o nosso próprio telos e que, em nossa relação com este projeto, desenvolvamos uma vida autêntica. A aceitação da contingência ou das circunstâncias (na linguagem de Ortega y Gasset) sem o contraponto deste projeto torna-se uma negação da vontade que busca redenção pressupondo a tragédia, no niilismo de quem deixa a vida seguir o “fluxo” como uma boia jogada na correnteza de um rio. O reconhecimento da contingência que Rorty em CIS identifica com a liberdade não significa a fuga da causalidade nem a redenção em direção a um estado de ataraxia, mas a valorização da abertura romântica de autocriação poética e da responsabilidade sartreana incluída em cada escolha (HELLER, 1999, p. 30). A narrativa de Gross pressupõe uma vinculação entre vida empírica e obra criativa que é pré-nietzschiana, não fazendo jus à lição freudiana de que o “caráter moral de um indivíduo, seu grau de sensibilidade ao sofrimento alheio, é moldado por eventos aleatórios ao longo de sua vida”; de tal modo que não se relaciona necessariamente com os “projetos de autocriação que o indivíduo leva a cabo em sua obra intelectual” (RORTY, 1990j).137 Essa separação parece corresponder à proposta feita por Rorty em CIS de incomensurabilidade entre o vocabulário utilizado no espaço público, quando nosso dever para com os outros está em questão, e no espaço privado, no qual decidimos o que fazer com nossa solidão.138 Rorty pretendia exercer o papel de relações públicas da Literatura, destacando sua importante função social, de modo análogo ao que Dewey fez com as Ciências Sociais (KLEPP, 1990). Esta substituição de enfoque se justificaria como um passo a mais em direção a uma cultura literária em que nenhuma forma de discurso seria considerada como intrinsecamente mais próxima à realidade como ela é. O que Rorty (1990d), seguindo Milan Kundera, chama de “sabedoria do romance” nos afasta da busca por um “momento de incondicionalidade” e da tentativa de ser um técnico neutro politicamente (RORTY, 1986n). Isso não deveria ser visto 137

“we should remind ourselves of a lesson Freud helped us learn: a person’s moral character – his or her selective sensitivity to the pain suffered by others – is shaped by chance events in his or her life. Often, perhaps usually, this sensitivity varies independently of the projects of self-creation which the person undertakes in his or her work” (RORTY, 1990j). 138 Na avaliação de Ronald A. Kuipers (2013), esta divisão seria uma tentativa de justificar a grande admiração que Rorty tinha pela filosofia de Heidegger, apesar de considerá-lo um ser humano desprezível. Esta é uma questão que investigaremos num outro momento.


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como uma rejeição do valor das ciências sociais (PRADO JÚNIOR, 2004, p. 211-213), mas um incentivo para sua própria redescrição em sentido poético e criativo. No nosso contexto imediato temos o exemplo de reapropriação redescritiva desenvolvido por Luiz Eduardo Soares (1994) na tentativa de desenvolver uma proposta pluralista e agonística inspirada – também – em Rorty, que tem um caráter de intervenção efetiva.139 Para justificar a consistência desta proposta é preciso compreender como Rorty se apropria do anseio romântico por autocriação, desviando-se do egotismo da filosofia da consciência e dos perigos políticos do esteticismo. Para tanto, nos próximos capítulos assumiremos como mote as diferentes formas como Rorty explica sua decisão de tornar-se um filósofo nos textos “O fogo da vida” e “Trotsky e as Orquídeas Selvagens” para examinar, respectivamente, (1) o significado que reservava para a poesia na construção da individualidade e (2) como, através da Literatura, explica o processo intelectual de aquisição de autoridade semântica. Nestes textos autobiográficos Rorty dá diferentes explicações sobre aquilo que o motivou a escolher e dedicar-se à Filosofia. Esta deriva justifica aproximações diferentes de sua filosofia e podem oferecer uma perspectiva pós-nietzschiana de sua autoconstrução. Para Habermas, a partir do reconhecimento de que nos constituímos através da linguagem de modo intersubjetivo “é possível esclarecer por que o espírito humano está condenado à Odisseia”, repetindo a trajetória de Ulisses, já que “não consegue encontrar-se a si mesmo a não ser através de um desvio que passa pela alienação, pela entrega completa a outros e a outras realidades” (HABERMAS, 1990, p. 187). Esta descrição parece ser suficientemente imaginativa para entender o processo de alienação de Rorty através da filosofia e sua luta por retornar à poesia. No entanto, uma construção assim seria simplista e falsa: não há um destino final irrevogável, não há um “si mesmo” para o qual retornar quando a contingência de nossa modernidade pede um anseio insistente na autocriação. No poema Ulisses, de Alfred Tennyson (2009, p. 131), encontramos um rei ocioso e enfadado, reificado como um nome, mas que permanece sedento de aventura: Eu sou uma parte de tudo o que encontrei; porém toda experiência é um arco através do qual cintila aquele mundo não viajado cuja margem se desbota para sempre e para sempre quando eu me movo.

Ulisses de Tennyson deixa Tróia para que Telêmaco governe e embarca com seus velhos amigos crendo que “nunca é demasiado tarde para demandar um mundo mais novo”. A 139

Cf. Apêndice: Entrevista com Luiz Eduardo Soares.


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esperança que motivava Rorty não tinha um ponto de convergência, sendo tanto o aprendizado da contingência quanto a coragem de agir na direção de um futuro não previsto.


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2.2 (AUTO)BIOGRAFIA COMO POESIA: O QUE NÃO CABE EM UMA TEORIA My mother forbade us to walk backwards. That is how the dead walk, she would say. Where did she get this idea? Perhaps from a bad translation. The dead, after all, do not walk backwards but they do walk behind us. They have no lungs and cannot call out but would love for us to turn around. They are victims of love, many of them.140 (Anne Carson – “On Walking Backwards” apud BLOOM, 2011, p. 681).

2.2.1 Introdução: quando o filósofo é filho de um poeta (ou o vórtice de Rorty)

Para Richard Rorty, a literatura modernista busca lidar com uma diferença que a psicanálise tornou necessária (1980, p.180), uma necessidade de ironia que dá vida ao seu próprio jogo: sem a antecipadamente condenada luta dos filósofos para inventar uma forma de representação que nos constranja à verdade ao mesmo tempo que nos deixa livres de errar para encontrar imagens onde apenas existem jogos, não haveria coisa alguma em relação à qual se pudesse ser irônico. (CPp, p.202).141

Se não existissem estes estranhos pássaros que se atiram sobre os muros de vidro, o lirismo moderno perderia seu poder de jogo e riso?142 Também é marca da modernidade a 140

Em uma tentativa de tradução literal, o poema “Caminhando para trás” Anne Carson diz: “Minha mãe nos proibiu de caminhar para trás. Assim caminham os mortos, ela dizia. De onde tirou esta ideia? Talvez de uma má tradução. Afinal, os mortos não caminham para trás, mas sim atrás de nós. Como não têm pulmões, não podem gritar; porém eles amariam se nos voltássemos para trás. São, muitos deles, vítimas do amor”. 141 Without the foredoomed struggle of philosophers to invent a form of representation which will constrain us to truth while leaving us free to err, to find pictures where there are only games, there would be nothing to be ironic about. (CP, p. 136). 142 Em CP Rorty avaliava que “Desde Mallarmé e Joyce, toda uma série de escritores tornou difusa a função representacional da linguagem fazendo das palavras objeto e representação ao mesmo tempo. Toda uma tradição de contadores de histórias, em particular Borges e Nabokov, conseguiu seus resultados por meio da violação do espaço definido pelo arco do proscénio. Na esteira do questionamento por Nietzsche da “vontade de verdade” e do questionamento por Heidegger da “metafísica da presença” têm estado a tentar por de parte a noção de referência e a dizer coisas como “Não há nada fora do texto”. Poderíamos ver este coro que se eleva como se augurasse “o fim da metafísica” – como se assinalasse o começo da nossa libertação da tradição parmediana. Podíamos ver Borges e Nabokov, Mallarmé e Valéry e Wallace Stevens, Derrida e Foucault, como se nos estivessem a guiar para fora do mundo de sujeito-e-objeto, palavra-e-significado, linguagem-e-mundo, e em direção a um universo intelectual mais novo e melhor, não sonhado desde que os gregos primeiro fizeram essas fatídicas distinções entre nomos e physis, episteme e poiesis, que obcecaram o Ocidente. Mas isto seria, penso eu, um grande erro. Seria melhor ver estas pessoas como se estivessem a usar a tradição parmediana como um realce por contraste dialético, em cuja ausência não teria nada para dizer. Em uma cultura em que a noção de “fato inegável” – a noção parmediana de compulsão para a verdade dada pela realidade – tivesse um lugar menos importante, a totalidade do gênero de escrita “modernista” não faria sentido. A noção de “intertextualidade” não teria nenhum frêmito deliciosamente picante” (CPp, p. 202). [“Since Mallarme and Joyce, a whole series of writers have blurred the representational function of language by making words both object and representation at once. A whole tradition of storytellers, notably Borges and Nabokov, have achieved their effects by violating the space defined by the proscenium arch. In the wake of Nietzsche's questioning of "the will to truth" and Heidegger's questioning of the "metaphysics of presence, " a series of critics (notably Derrida) have been trying to do away with the notion of "referent" and saying things like "There is nothing outside the text." One could see


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denúncia da verticalidade aristocrática do jogo de luz e sombra, realidade e aparência, ao qual nos condenamos por vício ou ofício intelectual. No entanto, a heresia de revelar este efeito promovendo a horizontalidade é um desafio que se insinua sem uma linguagem anterior. Nisso, o risco de navegar em território ambíguo, “E os navios passam por dentro dos troncos das árvores/ com uma horizontalidade vertical” e afirmar “Não sei quem me sonho...” (PESSOA, 1997, p. 167)143 não é abdicar do anseio de transparência, mas talvez reconhecer que a liberdade se dá em múltiplo na linguagem (e se nega em um). Em muito Fernando Pessoa pode nos ajudar a nos aproximar de Richard Rorty. As críticas que Alberto Caiero faz à metafísica são semelhantes ao tipo de ceticismo do filósofo norte-americano. Porém, é preciso alertar o leitor contra as seduções do empirismo e lembrálo de que quem escreve é Fernando Pessoa; que a experiência de contato com a natureza, afinal, é um artifício da linguagem; e que a crença derradeira está no poder da palavra na poesia.144 Talvez seja possível imaginar Fernando Pessoa e Richard Rorty caminhando na Avenida Walt Whitman: o primeiro indo da poesia à Filosofia, o outro em sentido inverso, mas ambos fadados a errar o caminho, e errar tão completamente que trocaram de destino (fingindo surpresa com isso). Meu tema aqui é Richard Rorty e o fato deste ser filho de um poeta; a pergunta é o que para ele significa a poesia. Dada a antiga querela platônica com Homero e Hesíodo, um romance moderno em que um filósofo é filho de um poeta efetiva a possibilidade de um protagonista ao mesmo tempo irônico e apaixonado. Pois bem, este é o caso de Richard Rorty, filho do poeta James Rorty, que ironiza o representacionismo e a busca pela verdade e é, ao mesmo tempo, amante da sabedoria (redescrita como combinação de tolerância e this swelling chorus as auguring "the end of metaphysics" -as signaling the beginning of our liberation from the Parmenidean tradition. One could see Borges and Nabokov, Mallarme and Valery and Wallace Stevens, Derrida and Foucault, as guiding us out of the world of subject-and-object, word-and-meaning, language-and-world, and into a newer and better intellectual universe, undreamt of since the Greeks first made those fateful distinctions between nomos; and physis, episteme and poiesis , which have haunted the West. But this would, I think, be a great mistake. It would be better to see these people as using the Parmenidean tradition as a dialectical foil, in whose absence they would have nothing to say. In a culture in which the notion of "hard fact" -the Parmenidean notion of compulsion to truth by reality -had less of a place, the whole genre of "modernist" writing would make no sense. The notion of "intertextuality" would have no deliciously naughty thrill. (CP, p. 135-136)] No entanto, esta avaliação depende da manutenção da querela entre ciência e poesia, sem a qual “não haveria poesia sobre poesia, nem escrita que fosse uma glorificação da própria escrita. Este contraste é apenas o que os nossos filósofos parmedianos mantém vivo para nós” (CPp, p. 202) [“In a culture lacking the contrast between science and poetry, there would be no poetry about poetry, no writing which was a glorification of writing itself. That contrast is Just what our Parmenidean philosophers keep alive”. (CP, p. 136)]. Posteriormente Rorty abandona a necessidade deste contraste e defende uma cultura plenamente literária 143 Cf. o poema de Fernando Pessoa, “Chuva Oblíqua’ (PESSOA, 1997, p. 167-170). 144 Cf. o artigo de Catarina Pedroso de Lima (1999, p. 187-199), Rorty em Caeiro: “Uma aprendizagem de desaprender”. Disponível em: <http://www.plcs.umassd.edu/docs/plcs03/plcs3-pt1.pdf#page=81>.


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originalidade). Em um exercício mais prosaico de linguagem procuro aqui imaginar como Richard Rorty se redescreveu à herança de seu pai, reencantando a filosofia através da poesia. No final da década de 1920, James Rorty (1890-1973) viveu um conflito entre seu “autoconceito” como militante político de esquerda e a ambição de ser um grande poeta. Com dois livros publicados, conquistou um prêmio do jornal The Nation e seus poemas foram bem recebidos pela crítica. No entanto, a partir da metade da década de 1920 seu engajamento tornou-se proeminente e seus escritos evidenciam um anseio de intervenção intelectual (o que mesmo em direção antiteórica significa reivindicar a força da teoria) que é antitético à religião poética moderna e seu imperativo de autocriação. Se, como pensa Harold Bloom, um poema só pode ser “explicado” através de outro poema, parece que a poesia não bastava mais para aplacar a angústia de James Rorty. Indícios nesta direção podem ser encontrados no poema “Almost Eureka!” [Quase Eureka!], que James Rorty publicou em maio de 1927 na Poetry (da Poetry Foundation):

This guess, for truth's not what you think Not beauty; no, it's what you feel When, at the circus, you have let the showman steal Your dime, and once within the gate, are shown Bosco, who's not a wild man, but a clown In black-face; truth is something light A ball of paper that you blow From off your finger-tips. That's all you'll know Of truth, or need to know. Oh, never a passion-testing youth, Horatio, but could teach Philosophy a hundred simple things, and each More serious than truth.145

Estes versos estão abarrotados de citações. No contexto da América de seu tempo, o autor questiona o que haveria de Beleza e Verdade nos miseráveis seduzidos pelos espetáculos de humor racista do teatro vaudeville, onde o palhaço com o rosto pintado de preto (blackface) encena de forma caricata e preconceituosa a cultura negra. Já em uma

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Em uma tentativa de tradução literal: “Esta busca pela verdade não é o que você pensa, / Não é a beleza, não; é o que você sente/ quando, no circo, deixa o showman roubar/ seus centavos, e, uma vez dentro do picadeiro, lhe mostram/ Bosco, que não é um homem selvagem, mas um palhaço/ Blackface; verdade é alguma coisa leve/ uma bola de papel que você sopra/ algo que desaparece entre seus dedos. Isso é tudo o que você saberá/ ou precisa saber sobre a verdade.// Oh, nunca um teste de paixão juvenil/ Horácio, mas poderia a filosofia/ ensinar uma centena de coisas simples e cada qual/ mais séria do que a verdade”. RORTY, James. “Almost Eureka!” In: Poetry, Vol. 10, N° 2, May, 1927, p. 87.


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dimensão teórica é fácil encontrar ecos de algumas palavras de Nietzsche em sua denúncia da vontade de verdade como uma paixão juvenil.146 Neste poema, James Rorty rejeita as perspectivas esteticistas e filosóficas que tomam a busca da Verdade e Beleza como um anseio de pureza, dando as costas para as desigualdades e as injustiças sociais. O anseio de pureza através da união entre Belo e Bom é uma forma possível de interpretação dos famosos versos de John Keats (1795-1821) no poema “Ode on a grecian urn” [Ode sobre uma urna grega]: “Beauty is truth, truth beauty – that is all/ Ye know on earth, and all ye need to know”. [“A beleza é a verdade, a verdade a beleza – é tudo/ O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber”] (KEATS, 2010, p. 50-51). Estes versos, por sua vez, ecoam Hamlet, que, redescrito por James Rorty, considera que há muitas coisas relevantes com as quais a filosofia deveria se ocupar antes de entregar-se ao anseio de ir além dos horizontes terrenos. Segundo um crítico, o melhor da poesia de James Rorty não estava naquilo que ele pensava, mas no que via (G.H.D., 1927, p. 342). Neste sentido, desenvolvia uma sagração romântica da natureza com inspiração óbvia em Walt Whitman (BOLES, 1998, p. 159). No entanto, em um artigo publicado em julho de 1927, apesar de reafirmar sua inspiração em Whitman como crítico, James Rorty percebia o “Éden Americano” como uma paisagem muito diversa daquela que o poeta de Folhas da Relva descrevera: agora, em meio a arranha-céus de cimento, a publicidade se multiplica promovendo uma trivialização de toda linguagem, inclusive da poesia, que passa a ser publicada como forma de preencher espaços em jornais, o que cinicamente alimenta o ego e o jogo de vaidades de circos estéticos, como se na Literatura a reputação fosse construída como os pinos que são derrubados a cada rodada em uma partida de boliche (RORTY, 1927b). Depois de Nietzsche e da psicanálise, a grande aventura que os autênticos poetas desenvolvem não parecia mais seguir a forma de combinação da atividade do padre e do orador: os tempos proféticos de Whitman estavam no passado. James Rorty não conhecia

146

O versos finais do poema parecem escoar palavras de Nietzsche, como este trecho de Nietzsche contra Wagner: “Algumas coisas sabemos agora bem demais, nós, sabedores: oh, como hoje aprendemos a bem esquecer, a bem não saber como artistas!... E no tocante ao futuro: dificilmente nos acharão na trilha daqueles jovens egípcios que à noite tornam inseguros os templos, abraçam estátuas e querem expor à luz, desvelar, descobrir tudo absolutamente que por boas razões é escondido. Não, esse mau gosto, essa vontade de verdade, de “verdade a todo custo”, esse desvario adolescente no amor à verdade – nos aborrece: para isso somos demasiadamente experimentados, sérios, alegres, escaldados, profundos... Já não cremos que a verdade continue verdade, quando se lhe tira o véu... Hoje é, para nós, uma questão de decoro não querer ver tudo nu, estar presente a tudo, compreender e “saber” tudo. Tout comprendre – c’est tout mépriser [Tudo compreender – é tudo desprezar]...”. NIETZSCHE, Friendrich. O Caso Wagner: um problema para músicos/ Nietzsche contra Wagner: um dossiê de um psicólogo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.73).


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nenhum novo autor que tenha traduzido esta paisagem nova. Estava cansado de poetas que se lamentam e impaciente com o avanço das promessas de redenção religiosa. Para James Rorty, a poesia era parte da vida como a onda é parte do oceano: “uma onda de intensa consciência levantando-se em um obscuro oceano que no momento anterior parecia sem forma, vazio e sem significado”.147 A poesia seria uma função da vida, exigindo que o poeta se apresente como um arquétipo da humanidade. Ele não deve ouvir o que os críticos ou pedagogos lhe pedem, mas procurar expressar algo que ofereça uma nova dimensão à experiência, escapando das limitações de suas circunstâncias e tempo, algo que seja essencial para a estrutura da existência. A maior ofensa ao qualificar os poemas de qualquer autor é chamá-los de despretensiosos: a poesia exige que cada poeta afirme sua autoconfiança, cultive seu ego e busque ser fiel a sua visão pessoal, o que pede dedicação extrema. James Rorty pensava por vezes que poderia tentar traduzir essa América nova em seus poemas, mas titubeava considerando que a nova paisagem continha uma espécie de “fruto proibido” que o expulsava do Éden de Whitman: diversos problemas políticos e sociais práticos pediam sua preocupação e imolavam o santuário da devoção patriótica (RORTY, 1927, p. 955-956). Essas declarações sobre aquilo que seria essencial ao labor poético exalam um hálito de vontade de verdade que reifica a intensidade agônica daquele que pretende ser poeta. Como avalia Lionel Trilling, “o poeta evita fazer declarações doutrinais acerca da natureza da vida, acerca da bondade ou da crueldade da vida, acerca da sua perfectibilidade, pois, se a elas se apegasse o impediriam de alcançar a plenitude de sua visão poética” (TRILLING, 1965, p. 45). As referências, causas e poemas precursores também aparecem de forma demasiadamente explícita no poema de James Rorty, fatores que Harold Bloom, seguindo Vico, considera que deveriam ser esquecidos como condição para o “exagero particular de estilo, ou representação hiperbólica que a tradição denominou de ‘o Sublime’” (BLOOM, 1994, p. 17). Talvez seja excessivo atribuir a renúncia de James Rorty em desenvolver sua busca criativa ao engajamento político ou à procura de convergência teórica. Casado e com dificuldades financeiras, o nascimento de seu filho Richard Rorty, em 1930, e a depressão econômica enfrentada pelos EUA, somados às suas crises nervosas, podem ajudar a

147

“That is poetry: a wave of intense consciousness lifting itself out of the obscure ocean which a moment before seemed formless, empty, and without meaning. Poetry is as much a part of life as the wave is a part of the ocean”. (RORTY, 1927b, p. 956).


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contextualizar o eclipse de sua atividade poética em favor do jornalismo político e do trabalho de crítica social. Como vimos, James Rorty se ressentia por ter abdicado da escrita criativa e projetava para o filho esta possibilidade (embora não fosse muito cuidadoso na hora de avaliar e incentivar os esforços artesanais de Dick Rorty nos projetos de poema que esboçava148). Richard Rorty foi definido no título de um documentário da BBC de 2003 como “o homem que matou a verdade”. Claro que esta é uma descrição caricatural, mas que faz do filósofo – seguidor do pragmatismo de William James e John Dewey – alguém que concorda e traduz para a prosa os versos de seu pai: diferente do que supõe a nossa vã busca pela verdade, existem muitas outras coisas mais relevantes com as quais a filosofia deveria se preocupar.

2.2.2 Antiautoritarismo, Verdade Redentora e Cultura Literária

Assim como Napoleão disse não se preocupar com quem escreve as leis de uma nação – desde que coubesse a ele escrever suas canções –, Rorty não se preocupa com quem escreve os sistemas filosóficos, bem como não almeja construir um sistema deste tipo, mas se interessa por escrever a história destes sistemas. (FRD, p.86). Esta “guinada contra a teoria e a favor da narrativa” (CISp, p.21) nos conduz a uma relativização destas estórias, que devem sempre ser contadas e recontadas, já que neste horizonte historicista e nominalista se abdica da ideia de que exista uma forma correta de ver as coisas. É a cultura política e não a metafísica o contexto que deve nos guiar (R&P, p. 35)149 na construção de narrativas que, ao mesmo tempo, liguem o presente ao passado e projetem futuros utópicos (CISp, p. 21). De modo geral, a estratégia que Rorty utiliza para lidar com a história da Filosofia e construir sua narrativa é pensar os filósofos anteriores à virada linguística de forma “linguistificada”, “de modo a de lê-los como profetas de uma utopia em que todos os problemas metafísicos foram dissolvidos, e a religião e a ciência tenham dado lugar à poesia”. (R&P, p. 35).150 Desta forma, pensa o curso da história humana como um poema longo, turgido e cada vez mais polifônico – um poema que não conduz a nada a não ser a ele mesmo. Quando a espécie estiver extinta, a “mensagem total da natureza humana" não será um

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Cf. Introdução. “I see cultural politics, rather than metaphysics, as the context in which to place everything else”. 150 I linguisticize as many pre-linguistic-turn philosophers as I can, in order to read them as prophets of the utopia in which all metaphysical problems have been dissolved, and religion and science have yielded their places to poetry. 149


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conjunto de proposições, mas um conjunto de vocabulários – maior, e quanto mais diferente, melhor. (R&P, p. 33, tradução minha)151

De um modo geral, as narrativas filosóficas desenvolvidas por Rorty almejam desafiar a imagem platônica do que seria a atividade filosófica, pois para ele, ao menos no Ocidente, a figura daquele que conhece, uma figura que foi inventada basicamente por Platão, tem sido a forma dominante de vida espiritual para os intelectuais. Para pôr fim ao platonismo, precisamos oferecer uma forma alternativa de heroísmo espiritual. Como vejo, a luta entre platônicos e antiplatônicos é a luta entre a forma de perfeição espiritual que Platão descreveu e uma nova forma, romântica, secular e humanista (FRD, p. 86).152

Geralmente os trabalhos academicos sobre a obra de Rorty procuram se desviar de suas propostas de narrativa extravagantes, que em um parágrafo e, por vezes, numa sentença, alinham pensadores de tradições diversas, promovendo aproximações inusitadas sem fornecer qualquer tipo de justificativa exegética. Este tipo de proposta narrativa é profana, ferindo as exigências técnicas de especialização e busca de seriedade científica. No entanto, considero necessário correr o risco de, ainda que parcialmente, reconstruir uma das propostas rortyanas de Grande Narrativa, já que este tipo de heresia acadêmica é uma característica marcante de sua obra. Frank Ankersmit considera Rorty mais talentoso do que Heidegger na construção de narrativas que desafiam e provocam o pensamento; o filósofo norte-americano é inegavelmente um mestre neste tipo de “contação de história” e tem sido feliz em utilizá-las para confrontar as certezas da tradição filosófica (ANKERSMIT, 2005, p. 35). Contando sua história, Rorty quer herdar o pragmatismo como uma forma de secularismo romântico, que retoma (1) a defesa sofística de que o homem é a medida de todas as coisas; e (2) a da Imaginação feita por Shelley na Defesa da Poesia. Na interpretação de Rorty, Shelley afirma que a função do poeta é entrever as sombras giantescas que o futuro lança sobre o presente. Seu argumento é que, em vez de procurar a influência do eterno sobre o temporal, ou do incondicionado sobre o contingente, deveríamos simplesmente

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I think of the course of human history as a long, swelling, increasingly polyphonic poem - a poem that leads up to nothing save itself. When the specie is extinct, "human nature's total message" will not be a set of propositions, but a set of vocabularies - the more, and the more various, the better. 152 In the West at least, the figure of the knower, a figure which Plato pretty much invented, has been the dominant form of spiritual life for the intellectuals. To end Platonism one needs to offer one alternative form of spiritual heroism. As I see it, the struggle between the Platonists and the anti-Platonists is a struggle between the form of spiritual perfection which Plato described and a new, romantic, humanistic, secular form (RORTY, 1996r, p. 25).


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esquecer a relação entre a eternidade e o tempo. Deveríamos nos concentrar na relação entre o presente e o futuro humanos (FRD, p. 86-87).153

Os combates entre filósofos e sofistas e filósofos e poetas é sintetizado na disputa entre platonistas e nietzschianos, onde o que está em jogo é “se Platão tinha razão em que os seres humanos podem, por meio da busca da verdade, transcender a contingência; ou se Nietzsche tinha razão em que tanto a religião como o platonismo são fantasias escapistas” (FRP, p. 250).154 Com o pragmatismo, Rorty quer seguir a lição nietzschiana de reconhecimento da contingência e finitude. Porém, aprendendo com William James e John Dewey um modo original de “reconciliar ciência e religião, com a possibilidade de ‘ser fiel ao mesmo tempo a Newton e Darwin e ao espírito de Cristo’” (PAE, p. 29), isso não significa a adesão a uma forma de vida religiosa, mas considerar a religiosidade como possibilidade na medida em que esta toma uma forma não autoritária. O secularismo romântico de Rorty se apresenta também como uma narrativa imaginativa e utópica que propõe uma forma de redescrição da história da Filosofia. Portanto, o interesse aqui é o de tentar reconstituir esta narrativa tomando como mote o artigo de Rorty (1999b) “Pragmatismo como antiautoritarismo” (que em uma versão inicial apareceu como “Pragmatismo y religión” (PAE)). Neste texto, o filósofo norte-americano aproxima a crítica de Dewey ao representacionismo com a narrativa desenvolvida por Freud sobre o desenvolvimento do superego como superação da necessidade de um pai primordial (PAE, p. 33). A crítica que Freud dirige à religião como procura neurótica de uma fonte de autoridade não humana é para Rorty semelhante àquela que Dewey dirige contra a teoria contemplativa do conhecimento [spectator theory of knowledge], ou seja, o realismo é a versão filosófica desta vontade de submissão. Richard Rorty descreve sua proposta de pragmatismo como uma forma de antiautoritarismo em termos epistemológicos e éticos: seu mantra é insistir que não há nenhum “gancho celeste” com o qual alcançar uma “visão de olho de deus”, percebendo o “realmente real” e a forma correta de agir em qualquer situação. Deste modo deveríamos abrir mão do anseio de nos conectar com uma figura autoritária e não 153

The poet’s function is to glimpse the giantic shadow that futurity casts upon the present. Shelley’s point was that instead of looking for the influence of the eternal on the temporal, or the unconditioned on the contingent, we should just forget about the relation between eternity and time. We should concentrate on the relation between the human present and the human future. (RORTY, 1996r, p. 25). 154 the question of whether Plato was right that human beings can transcend contingency by searching for truth, or whether Nietzsche was right to treat both Platonism and religion as escapist fantasies. (PCP, p. 74). De modo tardio Rorty faz uma distinção entre o embate acerca da hegemonia cultural que opõe filosofia e poesia, daquele entre filosofia e sofistica acerca da necessidade do amor à verdade. No entanto, esta distinção só “faz diferença” quando o que está em jogo é o legado do romantismo e sua relação com o pragmatismo.


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humana, em relação à qual, submetendo nossa vontade, conseguiríamos redenção para quaisquer aflições éticas (culpas e vergonhas). Para Rorty, a aproximação entre Freud e Dewey ajuda a entender “a relação dialética na filosofia contemporânea, entre o pragmatista e seus adversários realistas” ao descrevê-la “como falta de inteligibilidade recíproca entre dois tipos de pessoas diferentes” (PAE, p. 33): aqueles que acreditam que através da religião, da filosofia ou da ciência poderão alcançar um tipo de autoridade incondicional, que permitiria possuir a verdade sem o desgaste de entrar em conversação com outros humanos; e, por outro, os que têm como esperança construir um futuro melhor através da solidariedade e cooperação entre os seres humanos. Os primeiros permaneceriam presos à necessidade de submissão em relação a uma figura autoritária e os segundos teriam se libertado deste anseio.155 Este passo interpretativo só pode funcionar a partir de uma apropriação seletiva e criativa, já que o sentido trágico da psicanálise freudiana precisa ser articulado de alguma forma com o otimismo do pragmatismo deweyano. Em verdade, embora Freud se autodescreva como um pensador trágico, o sentido que este termo ganha em sua obra é distinto do que possuía na Grécia Antiga, quando se vinculava à teleologia. A consciência trágica emerge quando os reinos de sentido humano e divino surgem na experiência social como separados e em conflito, o que solapa a possibilidade de autossuficiência humana: a enigmática interpretação do mítico desafia o pensamento legal e político como uma ordenação superior que nos escapa e em relação à qual compreensões errôneas geram resultados catastróficos (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1990, p. 27; LEAR, 2000, p. 139-140). Assim, Freud seculariza este conflito e o internaliza, descrevendo o choque entre dois reinos de sentido como um conflito interno a cada ser humano entre o plano de significação consciente e aquilo que chama de inconsciente. Se os antigos gregos através do trágico podiam afirmar a existência de um propósito no mundo, ainda que não o pudessem articular, Freud pode afirmar também o propósito das ações humanas, ainda que estas sejam disparatadas e autodestrutivas. Em Freud não haveria telos, mas contínuo conflito entre vontades obscuras e a repressão moral internalizada opressora: a civilização é construída à custa da infelicidade. Muitas vezes, este conflito moderno entre individual e social ganhou nos Estados Unidos uma solução inspirada no expressivismo de Ralph Waldo Emerson (1803-1882) e

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Esta divisão cria uma oposição entre tipos ideais, já que na maioria das vezes estes dois anseios se apresentam em conflito e em graus distintos ou nomes diversos (como Ernildo Stein, que fala da vontade de completude filosófica em conflito com a aceitação do incompleto pela psicanálise (cf. STEIN, 1997, p. 165-166)).


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Walt Whitman, celebrando a autocriação romântica do self, mas apagando o conflito trágico freudiano entre os instintos incorrigíveis e a cultura dominadora, o que filosoficamente significa regredir para uma posição “pré-shopenhauriana”. (TAYLOR, 2011b, p. 635). O pragmatismo norte-americano, em sua tentativa de valorizar o cotidiano e o consenso democrático tem também que lidar com essa acusação de reducionismo, já que não abre mão de uma dimensão utópica e criativa.156 Enquanto o Pai da Psicanálise pensa os instintos como se contrapondo à coerção social, apontando falhas nas instituições e ameaçando a civilização, Dewey pensa o impulso das contradições como força que promove a renovação das instituições a partir da adaptação e efetivação de novos hábitos. Freud desconfia desta estabilização e permanece postulando resíduos de contradição que ameaçam eclodir o “comportamento socialmente aceitável” em formas regressivas. Enquanto isso, o melhorismo deweyano temporaliza estas acomodações como um processo contínuo de adaptabilidade, aceita que as forças transformadoras têm surpreendentes semelhanças com o comportamento de “crianças e primitivos”, mas que isso não diz nada relevante e decisivo sobre a utilidade dos hábitos que rejeitam ou almejam (RIEFF, 1979, p. 53-54). Ainda que o pragmatismo possa postular certo sentido trágico quando se trata de dilemas morais,157 Rorty acredita que as críticas quanto à ausência de uma perspectiva abissal de colapso são – do ponto de vista norte-americano – marcas de um vicioso ressentimento quanto à prosperidade dos Estados Unidos. O mesmo tipo de crítica deveria ser comum na Grécia Antiga em relação a Atenas no período entre a batalha de Maratona e a Guerra contra Esparta, quando a cidade atingiu um nível de qualidade de vida que lhe permitiu abrir mão deste senso trágico tão celebrado e imaginar formas de vida diferentes. Ainda que a hegemonia norte-americana esteja em seu último período, o que talvez também signifique o fim de seu período democrático, para Rorty, em seus melhores dias, a América também contribuiu para ampliar os horizontes da imaginação humana (RORTY, 1996r, p. 86). A referência de Rorty a Moisés e o monoteísmo não é menos descabelada do que o livro de Freud: o filósofo cita um pequeno trecho que fala do parricídio do pai primordial 156

A dissolução de Freud no otimismo individualista seria a rota para a justificação da cultura moderna do narcisismo denunciada por Christopher Lasch ou o “triunfo da terapia” descrito por Philip Rief. A terapia que Rorty propõe não é freudiana, mas wittgensteiniana, na medida em que efetivamente aposta que a mosca pode encontrar uma saída da garrafa. 157 No contexto da Guerra Fria Sidney Hook reivindicou que o pragmatismo possui um senso trágico quando se tratava do conflito entre dois bens, na necessidade de escolher que acontece nos dilemas morais. Embora contextualmente este texto servisse como justificação do “giro conservador” de Hook, Rorty por vezes utiliza este texto de forma a reafirmar a esperança na democracia como um dado não fundado, mas uma aposta feita pelo pragmatista (CP, p. 69-70).


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como ato fundador da cooperação social (PAE, p. 34) e logo desloca sua análise para o campo filosófico. Este passo não é dado por Freud, que não tem qualquer interesse em teologia racional, já que, como Nietzsche e Schopenhauer, “interpreta o núcleo cognitivo da religião como um deslocamento da emoção em relação à autoridade”, que, racionalizado, surge como superestrutura intelectual (RIEFF, 1979, p. 266). A verdade psico-histórica deste ato fundador aos poucos seria recuperada numa caminhada das religiões totêmicas e politeístas ao monoteísmo em que o pai assassinado recobra suas características humanas e pede obediência incondicional (PAE, p. 35). Rorty quer seguir este raciocínio e propor uma espécie de genealogia da neurose filosófica de buscar a Verdade, alcançando o conhecimento da Realidade e do modo certo de agir em qualquer contexto: o caminho pelo qual o filósofo procura adquirir uma autoridade incomensurável como aquela da religião. Para Rorty, se Freud tivesse analisado a teoria das Formas, compreenderia a “veneração da ideia pura do Pai como origem da convicção de que o conhecimento e não o amor é a característica propriamente mais humana” (PAE, p. 36). Esta proposta de narrativa que vai do princípio da filosofia até Dewey-Freud não é desenvolvida de modo pormenorizado por Rorty no artigo “Pragmatismo como antiautoritarismo”. No entanto, utilizando outros de seus textos é possível tentar reconstruir a complementaridade que ele pretende estabelecer entre a explicação freudiana das Formas em Platão e a descrição de Hans Blumenberg da modernidade como secularização da esperança humana. Nesta seção procurei justificar a descrição que Rorty faz do platonismo, utilizando o vocabulário de Freud. Sumariamente, busquei conectar esta abordagem com a descrição da modernidade como sendo marcada por uma transição, em um primeiro momento, da Religião para a Filosofia, e posteriormente da Filosofia para a Cultura Literária, com o romantismo. De modo geral esta narrativa parte de um pressuposto platônico, ou melhor, do tropo que identifica o poeta e o sofista, aproximando retórica e poesia como marcados por uma defasagem ontológica em relação ao conhecimento filosófico.158 Tal divisão entre os níveis da aparência e da realidade depende de uma perspectiva que reifica a justificação racional das crenças a partir de uma postura fundacionista, que reivindica o acesso ao realmente real. Por isso, o processo de mudança de foco da eternidade para o futuro das novas gerações, na descrição de Rorty, só se complementa com o abandono do representacionismo e a adoção de uma perspectiva pragmatista em relação à verdade, o que

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Por exemplo, em: Protágoras (316 c – 317 c) e Górgias (501c - 502 d).


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permite abandonar a ontologia, desnudando uma perspectiva utilitarista em relação às crenças. (PAE, p. 33-34). Este último movimento na descrição de Rorty se efetiva a partir de uma posição antirrepresentacionista que encontramos em muitas passagens de Nietzsche e que caracteriza o pragmatismo de James e Dewey. Não desenvolveremos uma aproximação técnica em relação ao tópico da verdade porque este só me interessa na medida em que o questionamento do representacionismo abre espaço para a valorização romântica da imaginação, o que atualiza o embate entre Filosofia e Poesia em termos distintos daqueles propostos por Platão. Como na narrativa ontoteológica proposta por Heidegger, o filósofo norte-americano lê platonismo e metafísica como sinônimos. Esta tradição se inicia com o “pai Parmênides” e sua tentativa de fugir da contingência através de um acesso não relacional à realidade, característica que funda a Via da Verdade, a direção que a ciência (epistéme) deve escolher, rejeitando a Via da Opinião, que tem como paradigma a poesia (CPp, p. 196). O “Mito Fundador da Filosofia” é para Rorty (2000n) a Alegoria da Caverna descrita por Platão no livro VII da República, onde, depois de enfrentar e se libertar das correntes que o amarram a uma socialização presa a falsas opiniões, o filósofo sai da caverna em busca da verdade (aletheia), educando seu olhar até contemplar o Sol que representa o Bem e o Belo em si mesmo. Depois disso, volta à caverna para corrigir o olhar (ortótes) dos que se prendem a aparências, direcionando-os para a realidade do que é em si mesmo. Esta narrativa funda a reivindicação de autoridade política, moral e epistemológica do filósofo (HEIDEGGER, 2013) em um movimento de afastamento das sombras da aparência em direção à luz da razão, “que culmina em uma gloriosamente unificada visão da totalidade”, epifania que “foi desenvolvida mais detalhadamente por Agostinho, Spinoza e Hegel. Esta se tornou a metáfora central – a fantasia central – da filosofia Ocidental”159 (RORTY, 2000n). O caminho para sair da Caverna pede que sigamos uma forma de vida adequada para alcançar este fim, o que se consegue renunciando a tudo aquilo que nos distancia dele (como por exemplo, o espaço, o tempo e o corpo). Como bons filhos que somos, aspiramos a nos identificar [...] com aqueles aspectos bons, amáveis e generosos do pai, conquanto ignoramos aqueles que são violentos e voluntariosos. O platonismo nos oferece [...] a forma de reproduzir tudo aquilo que foi grande, bom e admirável em nossos pais, sem ter que reproduzir suas idiossincrasias desagradáveis. Por meio da purificação desejamos nos tornar idênticos ao aspecto que teria nosso pai se tivesse conseguido

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“This story of movement upward toward the light, culminating in a gloriously unified vision of the whole, was elaborated upon by Augustine, Spinoza and Hegel. It has become the central metaphor – the central fantasy – of Western philosophy”.


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portar-se decentemente. A Ideia do Bem é o Pai despojado das partes vergonhosas e paixões. (PAE, p. 35)160

Deste modo, para Rorty a teoria das Formas de Platão é um modo de sublimação da ideia de um pai primordial, que incorpora a necessidade (anangke), a exemplo da matemática, sem deixar espaço para a arbitrariedade ou para a força física (bia). Para Jonathan Lear, de um ponto de vista psicanalítico, a dimensão teleológica que Platão cria com o lado de fora da Caverna ou Aristóteles com a proposta de uma vida contemplativa são tentativas de constituir uma fantasia de algo que está para além da vida que experimentamos cotidianamente, um resto incomensurável e sublime (LEAR, 2000, p. 162163). Sócrates seria o modelo de alguém que alcançou esta “vida para além da vida”. Platão, na alegoria da Caverna, pensava oferecer uma metáfora da realidade metafísica primordial deste além. No entanto, o que efetivamente oferece é uma interpretação das fantasias daqueles que mataram Sócrates: a morte seria um modo de reintegrar o sentido daquilo que lhes escapava (LEAR, 2000, p. 164). Para Rorty, o platonismo e o cristianismo têm em comum um anseio convergente na busca de algo além (outside), na procura de redenção que pressupõe uma perspectiva realista, já que, “na medida em que progressivamente nos aproximamos da Verdade ou da Realidade, nos purificamos do pecado e da vergonha” (PAE, p. 36). Rorty chama de verdade redentora a procura de um “conjunto de crenças que encerraria, de uma vez por todas, o processo de reflexão sobre o que fazer de nós mesmos” (ESV, p. 76). Acreditar nela é como crer que existe algo que representa “para a vida humana aquilo que as partículas elementares representam para os quatro elementos – algo que seja a realidade por trás das aparências, a única descrição verdadeira do que esta acontecendo, o segredo final” (ESV, p. 77). Esta promessa de redenção funda a vida contemplativa e justifica a afirmação de Aristóteles no princípio da Metafísica de que “todos os homens por natureza desejam conhecer”. Embora a aproximação entre platonismo e cristianismo seja convincente, é problemático explicar como a forma de vida filosófica deu lugar ao cristianismo. Uma hipótese blumenberguiana é de que o questionamento por parte dos céticos abriu brechas para 160

“Platonism, one can imagine Freud saying, was a depersonalized version of this sort of monotheism – a further attempt at so-called purification. In this depersonalized form, proper respect for a de-humanized father figure is shown not by obedience to him but by an attempt to become identical with him. We do this by surrendering everything in us which separates us from him (such as space, time, and the body). We good sons aim at becoming identical, so to speak, with good, kind, loving, generous aspects of father, while ignoring the violent and willful aspects. Platonism gives us a way of imitating, so to speak, all that was great and good and admirable in our fathers without having to imitate their unpleasant idiosyncrasies. We wish, by purifying ourselves, to become identical with what father would have been like if he had ever managed to behave decently. The Idea of the Good is the idea of Father, stripped of his more terrifying parts and passions” (RORTY, 1999b, p. 263-264).


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que uma nova proposta de forma de vida fundada na submissão a um Deus-humano ganhasse espaço. Durante a Idade Média, este ente privilegiado eterno surgia como fundamento e fonte de redenção para a curiosidade teórica. No entanto, o nominalismo de Ockham tornou absurdo manter a crença em uma relação de pura obediência aos desejos de uma divindade onipotente que a qualquer instante poderia atualizar seus dizeres. Em verdade, houve um movimento de pensamento semelhante àquele de Sócrates no Eutífron, pelo qual a pergunta sobre se nossas ações eram ou não do agrado dos deuses é substituída pelo questionamento sobre se os deuses têm uma perspectiva correta sobre como deveríamos agir (NUSSBAUM, 2009, p. 25). Deus tornou-se uma engrenagem que não fazia parte do mecanismo e a busca moderna por “representar a realidade” uma forma de preservar a procura por redenção através da filosofia – como avaliou Kant, o Espírito Santo passou a ter que ser julgado segundo a razão de cada pessoa (ESV, p. 79). Nesta encruzilhada, Blumenberg distingue a atitude de autoafirmação (self-assertion) baconiana da tentativa de autofundamentação cartesiana. Francis Bacon prefere dar de ombros para a interrogação sobre como as coisas parecem aos olhos de Deus e tomar a curiosidade intelectual como um modo de adquirir poder sobre a natureza, em um caminho de autoafirmação da solidariedade humana na tentativa de construir um futuro melhor. Já Descartes, com seu modelo epistemológico do cogito, repõe e internaliza a procura por uma base a-histórica de racionalidade, tentando revelar a linguagem matemática por meio da qual Deus construiu o mundo. A via cartesiana de fundamentação foi uma tentativa de “reocupação” das posições de resposta para perguntas medievais que continuavam pertinentes. Neste sentido, representava um caminho pelo qual a modernidade traía sua dimensão mais original, que é a autoafirmação e não a procura de uma liberdade subjetiva (HALL, 1994, p. 26). O movimento de contestação da autofundamentação (que representa o fim da busca de redenção na Filosofia e o alvorecer de uma Cultura Literária) ganhou força no período póskantiano com o Romantismo. Este, para Rorty, é uma espécie de resultado não almejado por Kant, autor a quem deveríamos ser gratos, assim como a “Aristóteles, São Paulo e Colombo. Estes homens fizeram as coisas de forma largamente errada, mas os resultados de seus erros foram, de maneira geral, benéficos” (RORTY, 1994, p. 578). Os românticos aceitam a afirmação de Kant na terceira Crítica de que “a objetividade é conformidade com a regra, mas troca a ênfase, de tal modo que a objetividade se torna mera conformidade com a regra, mero acompanhar a multidão, mero consenso” (CPp, p. 211). Neste sentido, define o Romantismo pela crença de que o mais relevante não está na argumentação, mas no vocabulário que


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usamos (CPp, p. 210), o que significa dar prioridade à imaginação em detrimento à razão. (PCPp, p. 179). Para Rorty, somente a partir do período da Revolução Francesa e do romantismo efetivamente podemos falar da centralidade da relevância de um embate entre filosofia e poesia.161 Isso porque somente então a possibilidade de autocriação, tanto individual como política,162 passou a ocupar o centro do palco: no Ocidente a competição foi entre razão e fé religiosa; mas nos últimos duzentos anos a imaginação poética tomou o lugar da revelação divina como alternativa para a argumentação racional. O que Platão chamou de “antiga querela entre filosofia e poesia” não foi equivalente a uma disputa efetiva pelo espírito do Ocidente até a época de Blake e Schiller. Desde aquela época [...] ela tomou a forma de uma tensão entre aqueles que reivindicam que o mais importante é fazer coisas certas e os que pensam que o mais importante seria imaginar alguma coisa nova. A querela que Platão descreve – a querela entre o círculo socrático e os rapsódos – não tomou esta forma. Era, talvez, a disputa entre aqueles que tomavam seriamente a nova ideia de “ordem natural” e os que continuavam acreditando que o destino dos seres humanos estava nas mãos de deidades imprevisíveis, caprichosas e antropomórficas. (RORTY, 2009a, tradução minha)163

Na Fenomenologia do Espírito, de Hegel, Rorty enxerga “a carta constitucional da cultura literária moderna” (CPp, p. 218) ao reduzir ao absurdo a autofundamentação como um sistema que se autoapresentava de modo triunfante. Hegel historiciza a racionalidade e não se prende a fronteiras disciplinares, tomando uma posição especulativa ao invés de reflexiva, sem privilegiar o vocabulário da ciência. Em termos habermasianos, nesta obra Hegel substitui a racionalidade subjetiva por uma perspectiva comunicativa. Este movimento é possível a partir da substituição das personificações autoritárias da razão por um poder unificador intersubjetivo “que se apresenta sob o título de ‘amor’ e ‘vida’” (HABERMAS, 2000, p. 44) nos primórdios do Romantismo, mas que, enfatizando a dimensão política e 161

Debatendo com os pensadores orientais, Rorty (2009a) percebeu que a ideia de que o ocidente viveu um combate contínuo entre filosofia e poesia desde os tempos de Platão leva a um engano, porque nestes termos livrar-se do que é filosófico é abandonar a “metafísica da presença”, a busca por um ponto de imobilidade e certeza. Contudo, a “metafísica da presença” é algo que não faz parte dos sistemas de pensamento orientais. Por isso, Rorty acentua em sua descrição a importância que dá para a autocriação e a possibilidade de conversão, assumindo uma perspectiva eminentemente cristã de que o homem pode se redescrever. 162 Como afirma o texto do mais antigo programa sistemático do Idealismo Alemão, que traduziria crenças comuns a Hegel, Schelling e Höderlin no início de sua trajetória, a poesia no Romantismo “volta a ser no fim o que era no começo – mestra da {História} Humanidade; pois já não há nenhuma Filosofia, nenhuma História, apenas a arte poética sobreviverá a todas as restantes ciências e artes” (HEGEL, 1997b, p. 234). 163 In the West, the competition was between reason and religious faith; but in the last two hundred years the poetic imagination took the place of divine revelation as the alternative to rational argumentation. What Plato called: “the quarrel between philosophy and poetry” did not amount to a real struggle for the soul of the Western intellectual until the times of Blake and Schiller. Since those times, [...] it has taken the form of the tension between those who claim that it is most important to have imagined something new. The quarrel Plato described – the quarrel between the Socratic circle and the rhapsodies’ – did not take this form. It was, rather, a struggle between those who took the novel idea of a “natural order” seriously and those who continued to believe that the fate of human beings was in the hands of unpredictable, whimsical, anthropomorphic deities.


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social, Hegel prefere chamar de Espírito (Geist). Em verdade, este poder de reconciliação toma uma direção utópica no Romantismo através da valorização da arte e da capacidade poética de autocriação como substituto para a busca por redenção. Com esta transição o Romantismo abriu espaço para o que Rorty chama de “cultura literária”, na qual as fronteiras disciplinares reificadas são rejeitadas em favor da criação de descrições diferentes em novos gêneros híbridos e inusitados. Hegel foi dialeticamente questionado por Marx, que rejeitou nele tudo que não fosse historicista, e por Kierkegaard, que desacreditou sua pretensão teórica cientificista (P, p. 3132). O pragmatismo seria uma terceira réplica produtiva a Hegel, uma espécie de ramo de democracia radical da juventude hegeliana (HABERMAS, 1992, p. 148). Para Rorty, há um paralelo entre a transição do idealismo para o pragmatismo e a passagem da poesia do romantismo inglês de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) para Percy B. Shelley (1792-1822): a distinção entre aqueles que acreditam ser a Verdade Una e Eterna e os que a tomam como um desenvolvimento progressivo e têm a esperança como mais importante do que a certeza. A posição de Shelley em A Defesa da Poesia se alinha com o dito de Schiller de que devemos ser “os poetas de nossas próprias vidas”. Esta afirmação ganha uma força maior quando Nietzsche nos ensina em O nascimento da tragédia uma maneira de reencenar a disputa entre Filosofia e Poesia, tomando a criação dos sistemas metafísicos como um sintoma da ânsia de superar a finitude e buscar redenção e certeza, seguindo um modo de vida contemplativo, o mesmo exemplificado por Sócrates e sua busca da verdade. O romantismo de Shelley seria protopragmatista ao identificar razão e imaginação em uma direção utópica, o que infla o conceito de Poesia e o deifica, considerando que ela é a abertura para que o homem continuamente se reinvente. O valor não está em retornar ao destino previsto, mas em manter o anseio por originalidade e explorações heroicas, o que – como vimos – impele o “Ulysses” de Tennyson a abandonar seu reinado em Ítaca para reencontrar a aventura e a contingência, escolha que conta com a vocação prudente de seu herdeiro ao trono, Telêmaco, que centrado na esfera dos deveres comuns, seria mais hábil do que o pai para reinar. Muitas vezes Rorty construiu um paralelismo entre os papéis que tiveram Nietzsche e Heidegger na filosofia continental com aqueles de James e Dewey para o pragmatismo. Enquanto Nietzsche e James se aproximam pelo antirrepresentacionismo e pela perspectiva quanto à verdade, Heidegger e Dewey oferecem uma narrativa que permite que nos afastemos da metafísica. Os pragmatistas têm como vantagem primordial sua valorização da cooperação


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social democrática. Já Nietzsche e Heidegger promoveram um tipo de paralaxe que continua instigando admiração:

Se Hegel introduziu a narração histórica na filosofia, Nietzsche e Heidegger introduziram a metáfora. Ainda que aquilo que Gustav Bergman chamava de virada linguística na filosofia se associe com Frege e Russell, este giro não teria sido mais do que uma excentricidade anglofona se Nietzsche e Heidegger, valendo-se tanto de preceitos quanto de exemplos, não tivessem conseguido superar a convicção platônica de que a filosofia e a poesia têm uma relação de superior e inferior. (FF, p. 110).

Nietzsche pode ser considerado um protopragmatista na medida em que nega a distinção kantiana entre coisa em si e fenômeno, aliando-se a uma perspectiva naturalista darwinista, que permite tomar o desenvolvimento cultural como um processo de evolução adaptativa. Nestes termos, a pretensão socrático-platônica de que existiria um modo de vida correto perde o lugar para um elogio da diversidade. Além disso, a visão nietzschiana da verdade – como um batalhão móvel de metáforas que tem sua dimensão fiduciária esquecida devido ao hábito de uso de social, a tal ponto que passaram a ser obrigatórias – deixa explícita a necessidade de questionamento contínuo da crosta de convenção, apontando para a substituição de uma cultura na qual tanto a Filosofia quanto a Ciência e a Religião surgem como gêneros de discurso. No entanto, diferentemente dos pragmatistas, Nietzsche ainda acreditava que superando o socratismo poderia alcançar um “além do homem”. Nesse sentido, não foi capaz de deixar para trás o desejo de transcender a condição humana, abraçando uma perspectiva heroica e antidemocrática, considerando a solidariedade uma forma de fraqueza. Apesar da diferença no aspecto político, a aceitação nietzschiana da contingência radical foi o derradeiro golpe nos projetos modernos de autofundamentação, o que nos deixou com uma dupla alternativa: submissão ao niilismo platônico-cristão ou autoafirmação (HALL, 1994, p. 27). Noutros termos,

a busca por pureza ou a busca por autoampliação. A vida ascética recomendada por Platão e criticada por Nietzsche é o paradigma da primeira forma. A vida “estética”, criticada por Kierkeggard, é o paradigma da segunda. O desejo de purificar a si mesmo é o desejo de minimizar, de expurgar tudo o que é acidental, de querer uma única coisa, de intensificar, de se tornar um ser mais simples e mais transparente. O desejo de ampliar a si mesmo é o desejo de abarcar mais e mais possibilidades, de estar constantemente aprendendo, de se entregar inteiramente à curiosidade, de acabar tendo considerado todas as possibilidades do passado e do futuro. Essa era a meta compartilhada, por exemplo, por Sade, Byron e Hegel. Segundo o ponto de vista que eu estou apresentando, Freud é um apóstolo desta vida estética, a vida da


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curiosidade infinda, a vida que procura expandir seus próprios limites, ao invés de tentar encontrar o centro. (EHOp, p. 204)164

Rorty chegou a afirmar que toda a força do pensamento de Heidegger tinha origem no seu relato da história da Filosofia (CPp, p. 110) e aceitava sua proclamação de exaustão da metafísica. Entretanto, considerou-o incapaz de fugir da sedução platônica por manter a reivindicação de um acesso especial ao Pensamento do Ser, tomando sua trajetória pessoal como representativa do destino da Europa. Embora reconheça a qualidade das análises filosóficas de Heidegger, Rorty rejeita a perspectiva nostálgica e pessimista que emerge da “história do ser” desenvolvida pelo filósofo alemão em sua segunda fase, que rejeita a tecnologia e considera o Ocidente um deserto espiritual (RORTY, 2008, p. 41). Em “Pragmatismo como Antiautoritarismo”, Rorty se vale da narrativa de Hans Blumenberg e da forma como este autor justifica o projeto moderno, mantendo as críticas à “metafísica da presença” de Nietzsche, Heidegger, Adorno, Foucault e Derrida sem, com isso, “desprezar o modo de vida que o iluminismo tornou possível” (RORTY, 1983b), ou seja, sem coadunar com a impaciência destes autores para com o comportamento burguês, o amor cristão e a esperança de que a ciência possa tornar o mundo um lugar melhor (ORTp, p. 50). Assim, quer evitar o efeito de “tardividade”, o anseio do criador poético de não ser influenciado por ninguém, o que, em termos políticos, significa pedir a refundação completa da sociedade, haja vista que a “falsa consciência” nos oprime tão completamente que qualquer crença em uma contribuição para a reforma social seria um complacente autoengano. Posturas como essa reduzem as esperanças utópicas de Marx, Mill, Dewey e Rawls a uma mera vulgarização do cristianismo, fazendo deles vítimas da tarântula moral chamada Rousseau. Nesta direção, a narrativa de Rorty redescreve o aspecto trágico de Freud para conciliá-lo com a esperança democrática deweyana, abrindo a possibilidade da substituição de uma religião sádica fundada na submissão por uma religião de amor que incentive a cooperação social e a tolerância. Desta forma, o desvio de Sócrates frente aos deuses, a mudança de direção da cristandade de um criador onipotente para um homem que sofre na cruz, e a virada baconiana de uma 164

Such an attempt can take one of two antithetical forms: a search for purity or a search for selfenlargement. The ascetic life commended by Plato and criticized by Nietzsche is the paradigm of the former. The "aesthetic" life criticized by Kierkegaard is the paradigm of the latter. The desire to purify oneself is the desire to slim down, to peel away everything that is accidental, to will one thing, to intensify, to become a simpler and more transparent being. The desire to enlarge oneself is the desire to embrace more and more possibilities, to be constantly learning, to give oneself over entirely to curiosity, to end by having envisaged all the possibilities of the past and of the future. It was the goal shared by, for example, de Sade, Byron, and Hegel. On the view I am presenting, Freud is an apostle of this aesthetic life, the life of unending curiosity, the life that seeks to extend its own bounds rather than to find its center. (EHO, p. 154)


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ciência enquanto contemplação da verdade eterna para uma ciência enquanto instrumento do progresso social, podem muito bem ser vistas como preparações para o ato de fé social sugerido pela perspectiva nietzschiana de verdade. (ORTp, p. 50)165

O projeto da modernidade somente se legitima com a aceitação de que a cooperação para a construção de um futuro melhor para nossos descendentes é toda escatologia de que precisamos. Para Rorty, este passo decisivo que concilia Religião e Ciência e abre espaço para a Cultura Literária é dado pelo pragmatismo, que finalmente pode substituir o anseio por responder à pergunta sobre essências como “o que é verdade?” por “o que há de novo?” (ESV, p. 79-80), efetivamente trocando a distinção entre aparência e realidade pela distinção entre passado e futuro, crenças que não são mais úteis e outras que prometem ajudar na construção de uma vida melhor. Cabe a John Dewey o mérito de ter descartado completamente o anseio de alcançar uma posição sobre-humana, contentando-se e conclamando os homens a reconhecer que tudo aquilo com o que podem contar como fonte de redenção é a esperança – democrática – de construção de um futuro melhor a partir da cooperação e solidariedade. Esta conclusão é o ponto culminante do pragmatismo clássico e representa deixar para trás o anseio platônicoreligioso de contato com algo sobre-humano. Para explicar e contextualizar a importância da proposta de Dewey, Rorty contrasta sua posição com a dos outros pragmatistas clássicos, Charles S. Peirce e William James em relação ao embate entre Religião e Ciência. Apesar de Charles S. Peirce ter dado o pontapé inicial para o pragmatismo – (ao adotar a descrição de Alexander Bain das crenças como hábitos de ação, tirando como consequência que a investigação não tem por fim representar a realidade, mas aplacar uma dúvida, ajudando-nos a agir de modo mais eficiente) e de ser um profeta da virada linguística (com sua semiótica) – ele é, na avaliação de Rorty, o menos útil dos pragmatistas clássicos. Apesar de suas críticas ao cartesianismo, Peirce continuava a tradição epistemológica em que a filosofia procura fundar a ciência. Ele se considerava discípulo e continuador de Kant, tentando aperfeiçoar suas categorias e concepção da lógica (RORTY, 1998p, p. 838). Peirce rejeitava a ideia de que o universo não tem um fim último, por isso formulou uma cosmologia evolutiva e adaptativa em que a quantidade de caos do mundo continuamente diminuiria. A questão religiosa não era para ele motivo de brigas filosóficas; de uma família unitarista, quando de seu primeiro casamento se converteu ao episcopalismo, religião à qual se manteve 165

From this point of view, Socrates' turn away from the gods, Christianity's turn from an Omnipotent Creator to the man who suffered on the Cross, and the Baconian turn from science as contemplation of eternal truth to science as instrument of social progress, can be seen as so many preparations for the act of social faith which is suggested by a Nietzschean view of truth (ORT, p. 33).


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fiel durante toda a vida. (MENAND, 2002, p.172). Para ele, a aceitação de uma ética cristã não precisa estar conectada com uma explicação cosmológica de matriz religiosa.166 Deste modo, a moralidade permanece deslocada para uma fonte inefável. Para William James, entretanto, procurar a reconciliação entre Ciência e Religião foi um impulso constante em seu pensamento. Isso porque James foi educado de acordo com os preceitos da idiossincrática religião formulada por seu pai, Henry James, que misturava o misticismo do sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772) com o transcendentalismo de Emerson (PAE, p. 30). Valorizando o protestantismo e a democracia, descrevia um universo predeterminado no qual o individualismo não teria lugar, já que o que efetivamente nos governa é uma realidade eterna e invisível da qual estamos platonicamente afastados (MENAND, 2002, p. 99). William James afirmava que toda sua vida intelectual se derivava do trabalho de seu pai (MENAND, 2002, p. 96). No entanto, seu pragmatismo caminhou em direção oposta, defendendo um “pluriverso” e uma forma de liberdade tão acentuada por parte do individuo que motivou críticas tanto de Peirce quanto de Dewey (MENAND, p. 99-100). Para Rorty, a teoria de James sobre a verdade como “aquilo que é bom para se acreditar” tem como origem a “necessidade de reconciliar sua admiração por seu pai, com sua admiração por seus amigos cientistas; tais como Peirce e Chauncey Wright” (PSH, p. 165). A estratégia de James para desenvolver essa conciliação é se afastar do anseio de que nossas obrigações morais se originam à moda de Kant, a partir “de alguma dimensão sublime do ser onde habita a lei moral que, como a influência dos polos sobre o aço da agulha da bússola, derrama-se do céu estrelado” (JAMES, 1967, p. 261, tradução modificada). Ao invés disso, tomando a máxima pragmatista, que define crença como hábitos de ação, acoplada à perspectiva utilitarista de maximização da felicidade, James vê a obrigação moral surgir em cada reivindicação humana concreta (na medida em que ela não traga prejuízo para outros): De novo, porém, como pode tal caráter abstrato-inorgânico de cunho imperativo, adicional ao caráter imperativo da própria reivindicação concreta existir? Tome-se qualquer reivindicação, embora ligeira, que qualquer criatura, embora fraca, possa fazer. Não deve, por isso mesmo, ser satisfeita? Se não, prove, por que não. A única espécie possível de prova que se poderia aduzir seria a exibição de outra criatura que 166

Assim como diversos outros idealistas inspirados por Hegel, Peirce era holista, anti-fundacionista e coerentista, no entanto, destoava por também ser darwinista, o que o levou a dar uma solução diferente para conceber Deus como finito, uma espécie de ponto de convergência de uma cosmologia evolutiva, que se modifica num processo falibilista de síntese adaptativa. Esta explicação se vinculava à sua concepção tríadica do universo, como um processo semiótico contínuo. Peirce antecipou a virada linguística tratando de símbolos e não de “experiência”, mas permaneceu preso à crença em universais procurando uma espécie de redenção lógica a partir do sonho positivista de uma taxonomia filosófica que garantisse univocidade de sentido.


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quisesse fazer uma petição que corresse por outros tramites. A única razão possível que possa haver que esse fenômeno deva existir é que esse fenômeno seja realmente desejado. Qualquer desejo é imperativo na extensão de sua quantidade; faz-se válido pelo fato de que, afinal, existe. Alguns desejos, de fatos mesmo, são pequenos desejos; são sentidos por pessoas insignificantes, e nós, costumeiramente, fazemos poucos casos das obrigações que nos trazem. Contudo, o fato de petições pessoais como essas imporem diminutas obrigações não impede as obrigações mais amplas de serem petições pessoais. (JAMES, 1967, p. 261, tradução modificada)167

A estratégia utilizada por James para conciliar religião e ciência é argumentar que elas respondem a reivindicações humanas distintas: enquanto o trabalho científico se desenvolve de modo cooperativo na busca de predição e controle, a crença religiosa se relacionaria a projetos e anseios privados, oferecendo esperança e uma justificativa para a existência (PAE, p. 46). Desde que uma pessoa não reivindique a posse de uma posição privilegiada em relação ao conhecimento da vontade divina, suas crenças estariam justificadas nos termos desta ética pragmatista/utilitarista proposta por James, que pede a privatização da religiosidade (PSH, p. 149-150). Sua posição valoriza a diversidade e tem como lema a tolerância entre concepções distintas do que é o bem, a felicidade, somada ao anseio de inclusão a partir do desenvolvimento de instituições melhores (melhorismo). Este mesmo apelo por flexibilidade é, para Rorty, o que motiva o desenvolvimento de James de uma concepção antirrepresentacionista do conhecimento, na qual “a necessidade de escolha entre representações rivais” é substituída pela percepção de que diferentes descrições se relacionam a propósitos distintos e devem ser avaliadas por sua utilidade e não pela correspondência com os objetos em si mesmos. James pode ser acusado de não possuir responsabilidade intelectual ao equiparar a busca científica pela verdade aos caprichos idiossincráticos da fé. Neste sentido, ele falharia em seguir o que Sócrates pede no Fédon aos seus amigos: que sejam mais leais à verdade do que ao sentimento de solidariedade (Fédon 91 a), e também se afasta dos preceitos procedimentais do método cartesiano ao afirmar uma crença em relação à qual não possui evidência. Ora, esta censura pressupõe que a busca pela felicidade é distinta da busca pela 167

It rains down upon the claim, we think, from some sublime dimension of being, which the moral law inhabits, much as upon the steel of the compass-needle the influence of the Pole rains down from out of the starry heavens. But again, how can such an inorganic abstract character of imperativeness, additional to the imperativeness which is in the concrete claim itself, exist? Take any demand, however slight, which any creature, however weak, may make. Ought it not, for its own sole sake, to be satisfied? If not, prove why not. The only possible kind of proof you could adduce would be the exhibition of another creature who should make a demand that ran the other way. The only possible reason there can be why any phenomenon ought to exist is that such a phenomenon actually is desired. Any desire is imperative to the extent of its amount; it makes itself valid by the fact that it exists at all. Some desires, truly enough, are small desires; they are put forward by insignificant persons, and we customarily make light of the obligations which they bring. But the fact that such personal demands as these impose small obligations does not keep the largest obligations from being personal demands (JAMES, 1912, p. 196).


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verdade, e que esta última não deve ser guiada por desejos, mas pela contemplação daquilo que é em si mesmo. Neste ponto, a objeção de James é a mesma tanto para os realistas (que procuram alcançar o mundo como é em si mesmo) quanto para os fundacionistas (que acreditam que existe uma “ordem de razões” para além da comunidade de investigação): a marca da serpente humana está em toda parte, de tal modo que

é impossível remover o elemento humano até de nossas teorizações mais abstratas. Todas as nossas categorias mentais, sem exceção, evoluíram por causa de sua utilidade para a vida e devem seu ser a circunstâncias históricas, da mesma forma que os substantivos, verbos e adjetivos com os quais nossa linguagem as reveste. (JAMES apud PSH, p. 150)168

A objeção de James não é suficiente para refutar aqueles que rejeitam a ideia de que algo possa ser considerado uma crença válida sem que participe do jogo público de pedir e dar razões: o que o pragmatista sustenta não estaria no âmbito da razão, mas da emoção, não poderia ser tomado como algo cognitivo e é parte de um irracional “outro da razão” que não pode ser considerado sério e responsável. Neste ponto a estratégia de James é a mesma de Nietzsche e faz pela verdade aquilo que Stuart Mill fez no âmbito prático com a ideia de ação correta. O primeiro iluminismo teria seu ponto culminante em Mill, para quem não existe um critério diferente para a correção das atitudes éticas do que avaliá-las de acordo com sua capacidade de ampliar a felicidade humana. O segundo iluminismo, o pragmatismo comum a Nietzsche e James, estende este raciocínio para o campo teórico, considerando que não há outra coisa que motive o ser humano para além de seus desejos. Com isso, o pragmatismo se afasta do intelectualismo socrático e o pressuposto de que a essência da natureza humana se realiza na busca pelo conhecimento. Faz isso descartando a distinção entre cognitivo/não cognitivo, razão/emoção pela distinção entre assuntos públicos, onde a justificação social é necessária, e temas privados, em relação aos quais deveríamos ter liberdade para escolher aquilo que nos trará maior felicidade. Rorty faz questão de não “dourar a pílula” em relação à dimensão utilitarista do pragmatismo. Em verdade, lembra que William James dedica para Stuart Mill o seu livro Pragmatismo. No entanto, a aproximação não se dá a partir dos aspectos lógicos e positivos

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It is impossible to strip the human element from even our most abstract theorizing. All our mental categories without exception have been evolved because of their fruitfulness for life, and owe their being to historic circumstances, just as much as do the nouns and verbs and adjectives in which our languages clothe them. (PSH, p. 150).


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da obra do pensador inglês, mas de sua aposta no cultivo dos sentimentos e formação do caráter, o que significa a valorização da autocriação. Mill relatou em sua Autobiografia que passou por um período de grande melancolia e desânimo em relação à sua vida e obra, fase que só conseguiu superar através do efeito terapêutico que teve sobre ele a poesia de William Wordsworth. O tipo inesperado de consolo espiritual que Mill encontrou na poesia não o fez abandonar o utilitarismo, mas desenvolvê-lo em um sentido romântico, ampliando-o de tal modo que sua nova configuração “considera o sentimento, no mínimo, tão valioso quanto o pensamento, e equipara a Poesia a qualquer Filosofia verdadeira e abrangente, além de considerar a primeira como uma condição necessária da segunda” (MILL apud ABRAMS, p. 440-441). Deste modo, Mill procurava afastar-se das acusações de que o reducionismo de sua teoria fazia dele um inimigo da cultura. O biógrafo de Mill e (inconsciente) formulador da máxima pragmatista, Alexander Bain, se intrigava com a substituição do credo teórico de Mill em Bentham para a sagração da poesia. Em verdade, como observou M. H. Abrams na conclusão de O espelho e a lâmpada, a mudança no pensamento de Mill fez com que ele se alinhasse ao crítico Matthew Arnold na sagração da poesia como uma espécie de substituto humanista para a religião. Arnold profetizava que a poesia ocuparia o lugar central na cultura “para nos consolar, para nos confortar. Sem poesia, nossa ciência parecerá incompleta, e a maior parte do que agora vemos como religião e filosofia será substituída pela poesia”. (ARNOLD apud ABRAHMS, 2010, p. 442). Rorty lê o pragmatismo de William James como efetivando este movimento – do espelho representacionista para a lâmpada expressivista – ao deixar para trás a busca por um ponto de vista teórico convergente e aceitar que os seres humanos somente podem contar uns com os outros e que a diversidade deve ser valorizada. Rorty acredita que James e Nietzsche, ao rejeitarem a ideia de que “há um objeto de conhecimento real ou possível que nos permita avaliar todas as necessidades humanas”, apontam para uma espécie de politeísmo. Toma como referência o §143 de A Gaia Ciência de Nietzsche e o seguinte trecho de James como exemplares desta disposição politeísta: Se Emerson fosse forçado a ser um Wesley, ou um Moody obrigado a ser um Whitman, a consciência humana total do divino sofreria. O divino não pode significar uma qualidade única, ele deve significar um grupo de qualidades, nas quais, alternando-se como seus campeões, homens diferentes poderão encontrar missões meritórias. Cada atitude constituindo uma sílaba na mensagem total da natureza humana, somos necessários todos nós para pronunciar completamente o seu sentido. (JAMES apud PCPp, p. 60)


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No entanto, nem James nem Nietzsche desenvolveriam esta transição de modo totalmente adequado. O filósofo alemão permaneceu muito fascinado pelos heróis de Homero para reconhecer qualquer valor na democracia ou no cristianismo; de modo geral, qualquer apelo por fraternidade para ele guardaria um cheiro de platonismo: ele não estava interessado em tentar maximizar a felicidade. Em verdade, é certo que a estratégia pragmatista de evasão da epistemologia não tem qualquer conexão necessária com entusiasmo em relação à democracia; no entanto, ela pede que a religiosidade se afaste das premissas platônicas como a ideia de possuir “conhecimento de uma classificação objetiva de necessidades humanas que possa invalidar o resultado do consenso democrático” (PCPp, p. 67). Na interpretação de Rorty, Nietzsche presumia que a substituição da religião pela poesia não deixariam espaço nem para o cristianismo nem para a democracia. Contra isso o filósofo norte-americano argumenta que ambos, cristianismo e democracia, também podem ser pensados como longos e imaginativos poemas, que, dentre muitos outros, podem ser úteis socialmente. Já William James não conseguiu abrir mão totalmente da fantasia de um “além” redentor, uma forma de conexão cósmica alcançada pela pessoa consciente. James errou ao apresentar, em As variedades das experiências religiosas, sua crença como uma constatação cognitivamente fundamentada e não como uma hipótese que deveria ser avaliada pragmaticamente. Mais do que isso, revelou sua insegurança quanto às condições de nossa situação natural, pressupondo um prejuízo que só teria redenção através da experiência religiosa. John Dewey, como observa Rorty, não teria a mesma susceptibilidade de James para sentir-se culpado por algum tipo de pecado original (PCPp, p. 73). Dewey, que foi educado de uma forma tradicional dentro da igreja evangélica, sofria constantemente o assédio de sua mãe lhe interrogando sobre como estava sua relação com Jesus (PAE, p. 31). O incômodo que a pergunta da mãe lhe causava seria um dos elementos centrais para o seu pensamento maduro (PAE, p. 31), isso porque Dewey passou a renegar veementemente a ideia de que teria o dever moral de procurar conectar-se e submeter-se a uma entidade sobre-humana. Para ele, o erro estaria neste culto sádico e autoritário que de forma alguma ajudava efetivar o ideal cristão de fraternidade social, que para ele estaria na promessa de uma democracia plena. No texto Cristianismo e Democracia, de 1892, Dewey já abordava Cristo em termos bem semelhantes àqueles que atualmente são utilizados por Gianni Vattimo, ou seja, como kénosis: como a encarnação que Deus entregou à humanidade através de um processo de secularização contínua que sublinha a responsabilidade dos homens uns com os outros. (FRp, p. 57). Nas palavras de Dewey:


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O homem interpreta o Universo no qual ele vive em termos de sua própria ação no momento dado. Se Jesus Cristo tivesse feito uma afirmação absoluta, detalhada e explícita sobre todos os fatos da vida, tal afirmação não teria algum sentido – não teria sido revelação – até que os homens começassem a perceber em suas próprias ações a verdade que ele declarou – até que eles mesmos começassem a vivê-la. Em última análise, a ação própria do homem, o movimento de sua própria vida, é o único órgão que ele tem para receber e apropriar-se da verdade. A ação do homem é encontrada em seus relacionamentos sociais – o modo no qual ele se conecta com seus companheiros. É a organização social do homem, o estado em que ele está expressando a si mesmo, que sempre tem e sempre deverá estabelecer a forma e ‘soar o tom’ para o entendimento do Cristianismo. (DEWEY, 2013)

Tomando a revelação como certificação da vida, Dewey considera autocontraditória qualquer tentativa de estabelecer a verdade religiosa de uma vez por todas, já que esta deve ganhar constantemente “novos significados para desdobrar, novas ações para propor”. Nenhuma religião deveria reivindicar o monopólio da verdade e ao mesmo tempo postular e contribuir para o incremento da fraternidade social democrática. Estas posturas fundacionistas promovem cisões injustificáveis, que assim como as dicotomias platônicas entre aparência e realidade, são autoritárias e falsamente redentoras. Em verdade, todas as religiões podem justificar-se na medida em que fortaleçam a fraternidade entre os homens e seu compromisso em ampliar a felicidade humana. Se este efeito prático é produzido, pouco importa sua origem. Se Deus precisa se revelar em cada homem, todos eles deveriam ter a liberdade de cultuar aquilo que os toca incondicionalmente, já que o sagrado se efetiva em “todas as inúmeras sublimidades que os seres humanos chegam a ver com os olhos que eles próprios criaram” (PCPp, p. 78). Deste modo, se justifica por que Dewey aponta para um politeísmo romântico. Para Dewey, a efetivação da fraternidade cristã coincidiria com o desenvolvimento da democracia, com a liberdade para o debate público e autoaperfeiçoamento social. Considerando a democracia um ideal espiritual, vital e moral, Dewey a transforma em um símbolo daquilo que nos toca incondicionalmente, o que é – na terminologia de Paul Tillich – função dos símbolos de fé. Como símbolo, a Democracia aponta para um projeto, sendo em Rorty, Dewey ou Whitman, sinônimo de América. A América e o pragmatismo se entrelaçariam na substituição de todas as dicotomias platônicas e autoritárias pela divisão entre passado e futuro, promovendo a solidariedade na construção desta utopia que prescinde de fundamentos teóricos. Como afirma Whitman em seu Perspectivas Democráticas [Democratic Vistas]: Assim como, por todo o universo, talvez as maiores lições da Natureza sejam a diversidade e a liberdade, na política e no progresso do Novo Mundo também se fazem presentes essas lições... A América, ao preencher o presente com feitos


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grandiosos e com problemas, aceita de bom grado o passado, incluindo o feudalismo (pois, na verdade o presente não é mais do que a prole legítima do passado, incluindo o feudalismo) e conta para sua justificação e sucesso (pois quem, a esta altura, ainda ousaria chamar por sucesso?) quase que inteiramente com o futuro... Pois para o nosso Novo Mundo considero muito menos importante o que se fez ou o que se é, do que aquilo que está por vir. (WHITMAN apud P, p. 25-26).

Rorty retoma a ideia de Whitman de que a América é o maior de todos os poemas, considerando o pragmatismo como uma espécie de vertente filosófica do sublime americano. Seu credo poético também é, eminentemente, político. O filósofo neopragmatista procura filiar-se a Dewey pensando o que há de vivo e o que há de morto na obra deste autor, de tal modo que cria uma imagem idealizada de Dewey, aceitando, ou melhor, almejando para si o lugar de nota de rodapé em relação ao nome maior da filosofia norte-americana (RORTY apud HUANG, 2009b, p. 1). Esta concessão não é fortuita, mas estratégica, já que o Dewey de Rorty pode muito bem ser comparado com o Sócrates descrito por Platão, o Emerson de Dewey ou o Zaratustra de Nietzsche. Este tipo de filiação imaginária não é diferente do romance familiar freudiano e a fuga do autoritarismo não pode descartar este tipo de identificação e idealização. Freud, em seu “romance” Moisés e o Monoteísmo, de alguma forma reivindicava para si o papel de um novo Moisés e a aceitação da psicanálise como uma espécie de nova religiosidade laica. O enigma é saber como esta reinvindicação de autoridade pode, ela mesma, não ser autoritária. A saída de Rorty parece ser não fundar o secularismo romântico em nenhuma verdade teórica, mas conectá-lo com as transformações sociais e as esperanças utópicas de construção de um futuro melhor. Deste modo, a filosofia é convocada por Dewey para mediar as relações entre passado e futuro, como recomenda no trecho final de Reconstrução em Filosofia, para que ela coopere “com o curso dos acontecimentos”, procurando “tornar claro e coerente o curso do significado dos pormenores diários”, profetizando que desta forma “a ciência e a emoção hão de interpenetrar-se, a prática e a imaginação hão de abraçar-se. Os sentimentos religiosos e poéticos serão as livres flores da vida” (DEWEY, p. 205).

2.2.2.1 Religião americana, agonismo e tolerância

Duas interpretações sobre a origem do pragmatismo nos ajudam a entender o impulso sublime ou prosaico que move esta corrente de pensamento.


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Por um lado, o livro A evasão americana da filosofia (1989), do filósofo pop, ativista social, rapper e teólogo Cornel West (1953-), desenvolve uma narrativa genealógica do pragmatismo tomando as várias etapas de sua trajetória (surgimento, desenvolvimento, decadência e ressurgimento) em um sentido histórico-social, ou seja, contextualizando seus passos com os desafios enfrentados pela sociedade – principalmente pela classe média norteamericana. (WEST, 2008, p. 80). A história que West conta tem um sentido político explícito, rejeitando o que considera desvios individualistas e conservadores para retomar o pragmatismo em um sentido profético-marxista de crítica social revolucionária. Por conta disso, os autores clássicos do pragmatismo Charles Sanders Peirce e William James têm pouco espaço na sua obra e John Dewey é destacado como seu principal autor e ponto culminante. Depois de Dewey, após a Segunda Guerra Mundial, a profissionalização das universidades levou cada vez mais o pragmatismo para uma posição marginal, já que, fugindo da epistemologia, eles se afastaram da profissionalização acadêmica em direção à crítica cultural reativa e reformista. Richard Rorty é o grande responsável pelo ressurgimento do pragmatismo na segunda metade do século XX. Todavia, Cornel West se questiona se seu antigo professor não estaria esvaziando a significação político-social mais radical deste movimento na tentativa de lhe conferir uma aceitabilidade acadêmica. O pragmatista deveria ser professor ou mais profeta? O que diferencia como “genealógica” a narrativa de Cornel West é considerar Ralph Waldo Emerson um precursor do pragmatismo. Para West existe uma tensão inerente ao pragmatismo que desafia todo aquele que dele se aproxima: por um lado, há uma herança que vêm de Emerson, fomentando a ousadia de um pensamento próprio na América alinhada com uma valorização extrema do indivíduo criativo – o gênio. Por outro lado, existe a necessidade de crítica social a partir do horizonte histórico – e profético – de uma democracia criativa, como proposta na obra e posição paradigmática que Dewey ocupou como intelectual na vida de seu país. A postura melhorista de busca de solidariedade – para promover objetivos práticos reformistas, do mesmo modo que a postura integrada em relação ao desenvolvimento tecnológico – entra em conflito com o impulso romântico de autocriação que celebra aquele que consegue escapar de suas circunstâncias e tornar-se singular.169 Aqui nos interessa repercutir a referência que West faz a Emerson, nome que causa estranheza quando incluído em um contexto filosófico, ou melhor, em qualquer contexto. Podemos considerar este autor um poeta sem obstinação e paciência para ser grande (WEST,

169

Cf. Fraser (1990).


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2008, p. 36); um profeta da classe média que estava demasiadamente enraizado em sua sociedade para propor alguma conversão revolucionária ou como um filósofo sem talento lógico ou rigor argumentativo para ser considerado um “pensador sério”. Todas essas descrições são problemáticas e nos direcionariam para disputas bizantinas sobre fronteiras disciplinares. Uma possível solução para este impasse seria nos esquivarmos da busca por definições, em uma evasão maquiada pela citação do soneto “Emerson”, de Jorge Luis Borges (1982, p. 23): Esse alto cavalheiro americano fecha o volume de Montaigne e sai em busca de outro gozo que não vale menos, a tarde que já exalta o plano. Rumo ao fundo poente e seu declive, rumo aos confins que esse poente doura, caminha pelos campos como agora pela memória de quem isto escreve. Reflete: Eu li os livros essenciais e outros compus também que o negro olvido não riscará. Um deus me há concedido o que é dado saber a alguns mortais. Por todo o continente anda o meu nome; mas não vivi. Quisera ser outro homem.

Após tais palavras deveríamos silenciar e deixar Emerson como sua América: inabordável. Ora, este silêncio emersoniano – o mesmo que Nietzsche celebra – ecoa a última sentença do ensaio “Experiência” do autor norte-americano: “o verdadeiro romance que a existência do mundo tem por fim realizar será a transformação do gênio em poder prático” (EMERSON, 1997, p. 148). Este desafio é algo que persiste na tensão que descrevi como sendo inerente ao pragmatismo. Porém, em Emerson ela surge de um modo performático, na atitude fundadora de quem precisa “ser o Platão do seu próprio Sócrates” (BLOOM, 2005, p. 232). Emerson é a figura central da cultura norte-americana (BLOOM, 2005, p. 219), o fundador daquilo que por vezes se chama de religião americana ou sublime americano. Harold Bloom situa seu discurso The American Scholar: an Oration como o ato fundador deste anseio sublime. Neste ensaio, Emerson profetiza: “uma nação de homens existirá, pela primeira vez, quando cada um acreditar-se inspirado pela Alma Divina que também inspira todos os homens”. Segundo West, a “religião americana” se funda em três princípios: (1) a crença de que o único pecado é a limitação, o que significa uma restrição ao poder; (2) que este pecado é superável; e (3) sendo assim, a própria existência do pecado é algo belo e bom, para que possamos superá-lo (WEST, 2008, p. 47). Para Harold Bloom, todo norte-americano


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verdadeiro (ainda que estes não o saibam) é um crente da “religião americana” e acredita-se mais jovem que Deus, nem se considera parte da Natureza, acredita que Deus o ama de uma forma pessoal – por isso descobre Ele em si mesmos, em sua solidão – e só se interessam pela Ressurreição, retirando Cristo da cruz o mais rápido possível e caminhando com Ele em um espaço infinito (BLOOM, 2009, p. 38). Emerson foi o profeta desta forma de sublime autoconfiança que nega a história para promover a invenção do novo, anunciando a teodiceia da América. Wallace Stevens, no poema “O sublime americano”, descreve em versos este anseio e autoconfiança que impulsionam o projeto de autocriação da América: Mas como sentimos? Acostumamo-nos ao tempo, A paisagem e ao que seja; E o sublime desce ao próprio espírito, Ao espírito e ao espaço, O espírito vazio No espaço vago.

Já Walt Whitman, que traduziu a profecia de Emerson em versos, é também quem oferece a melhor descrição do desafio que Emerson propaga:

A melhor parte do emersonismo é gerar o gigante que destrói a si mesmo. Quem deseja ser um mero seguidor de alguém? É a pergunta subjacente em cada página. Jamais algum mestre assim ensinou, providenciando para que seu discípulo se tornasse independente – ninguém foi um evolucionista mais verdadeiro. (WHITMAN apud BLOOM, 1992, p. 242)

Emerson não se interessava pelos temas da epistemologia que marcaram a filosofia moderna desde Descartes. Com engenho retórico, profetizava a invenção e fazia troça da busca acadêmica por certezas e fundamentos absolutos. Procurando aproximar-se e valorizar o cotidiano, seu tema principal era a América, inventando-a e ao mesmo tempo criando-se como autor e profeta de uma sociedade que celebra o “eu” e que se coloca gnosticamente como liberta da natureza do tempo, da história, da coletividade e de outros “eus”. A imaginação de cada homem na medida em que desenvolve sua autoconfiança o aproxima da força do gênio. Deste modo, na avaliação de Emerson, O homem é essencialmente um poeta; a mente é sempre poética, visto conformar as coisas a si própria. No esquema emersoniano, Newton não era menor poeta que Shakespeare, já que as teorias científicas do primeiro eram antes de mais nada interpretações imaginativas da natureza. Ele arranjou as forças e os movimentos da natureza de acordo com suas ideias próprias. Homens menos criativos fazem a mesma coisa, só que menos imaginativamente e menos engenhosamente. Os filósofos não constituem exceção a esta regra. Toda filosofia é uma construção poética, uma contemplação espiritual da existência. (STROH, 1972, p. 77)


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John Dewey não entendeu Emerson somente como um filósofo, mas como mais do que isso: alguém que ansiava fazer da atividade filosófica um trabalho criativo e poético (WEST, 2008, p. 124). Isso não significaria uma vitória da poesia sobre a filosofia na antiga querela platônica, mas a percepção de que estes discursos são parte das tentativas cotidianas dos seres humanos para dar sentido ao mundo que o rodeia, em meio a carências materiais, disputas de poder e riqueza etc. Poesia e Filosofia não seriam “idênticas nem antagônicas”, mas “atividades relacionadas com o desenvolvimento de metáforas diversas para alcançar objetivos concretos por meio do enfrentamento e da luta”; em comum teriam o fato de serem os melhores produtos da atividade da inteligência humana consciente e reflexiva (WEST, 2008, p. 125). Na avaliação de West, Emerson pode ser considerado um precursor do pragmatismo tanto por sua postura de evasão em relação à epistemologia quanto por antecipar seus temas (poder, provocação e personalidade) e motivos (otimismo, moralismo e individualismo) e por tomar a América como projeto que precisava, ao mesmo tempo, ser legitimado e aperfeiçoado (WEST, 2008, p. 80). Richard Rorty a princípio resistiu em tomar a si mesmo como um crente da “religião americana” fundada por Emerson, até mesmo porque não considerava este autor muito útil, preferindo aproximar-se de Whitman. Discordava da avaliação de Dewey de que Emerson seria o filósofo da democracia, considerando-o um filósofo da autocriação privada que, com seu transcendentalismo panteísta, nunca se afastou de uma perspectiva mística. Sua América não seria propriamente “uma comunidade de concidadãos”, mas “uma clareira na qual heróis quase divinos poderiam atuar em dramas que eles haviam escrito para si mesmos” (P, p. 25). No entanto, continuamente Emerson tornou-se uma referência comum e positiva na obra de Rorty. O filósofo norte-americano, de modo irônico e provocativo, algumas vezes descreve Emerson, com sua celebração da autoconfiança e da imaginação criativa, como o fundador da filosofia recente. O pai da “religião americana” seria inspiração de uma grande vaga de pensamento: Nietzsche levava os escritos de Emerson em sua mochila quando vagava pelos Alpes no verão. William James conheceu Emerson por ser amigo de sua família. Dewey chamava Emerson de “o filósofo da democracia”. Emerson pode ser visto como tendo iniciado duas tradições do pensamento filosófico do século XX. Uma é europeia, começando por Nietzsche e começando por intermédio de Heidegger e Derrida. A outra é a tradição pragmatista norte-americana, que vai de James a Dewey a Quine e a Davidson. (FRD, p. 87)170 170

Nietzsche carried Emerson’s writings in his knapsack when tramping The Alps in the summertime. William James knew Emerson as a friend of his family’s. Dewey called Emerson “the philosopher of democracy.”


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Esta possibilidade etnocêntrica de contar a história da Filosofia a partir dos Estados Unidos é um modo jocoso de incluir outras paisagens no horizonte do Espírito hegeliano. Porém, Rorty reconhece que o termo pragmatismo é idiossincrático e que a ideia de um movimento com este nome provavelmente surgiu de “uma necessidade chauvinista de ter uma filosofia americana” (PAE, p. 26). Por outro lado, Louis Menand, em seu livro O clube metafísico: história das ideias na América, de modo convincente considera o pragmatismo uma espécie de resposta intelectual aos conflitos que geram a guerra civil. É ele um modo de pensamento que surgiu a partir da lição que a Guerra Civil trouxe, aprendendo do modo mais duro – como formulou Oliver Wendell Holmes – que as certezas e o apego a princípios inflexíveis conduzem à violência (MENAND, 2000, p. 74). Robert Brandom considera que a Guerra Civil teve para o pragmatismo efeito similar àquele que as guerras religiosas tiveram para o Iluminismo, mas de modo específico elas atestavam o fracasso das instituições da democracia americana: Antes da guerra, o debate político na região norte pautava-se pela oposição entre abolicionistas e unionistas. Os abolicionistas viam a escravidão em termos de princípios morais absolutos: a escravidão era um malefício e, portanto, o país deveria pagar qualquer que fosse o preço de sua eliminação – ainda que para isso fosse necessário separar-se do Sul a fim de manter-se a pureza da União. Os unionistas, por outro lado, reconheciam a maleficência da escravidão, mas alegavam que seria preciso encontrar meios de eliminá-la gradualmente, por um período de décadas, em reconhecimento dos interesses econômicos e culturais dos sulistas brancos, e assim manter a integridade da União. A secessão do Sul debilitou o argumento unionista ao unir os dois partidos como defensores da União. O ataque ao Forte Sumter tornou inevitável uma guerra que a maioria dos abolicionistas, tanto quanto os unionistas, não havia previsto, muito menos desejado. A terrível violência que seguiu-se daí transformou para sempre o pensamento dos rapazes da jovem geração de Harvard que partiam para a guerra cheios de ideais. Holmes, que havia sido um abolicionista convicto, foi gravemente ferido mais de uma vez. James não participou dos combates, mas dois de seus irmãos mais novos foram combatentes e um deles foi ferido gravemente. Peirce, como os demais, teve amigos e colegas mortos ou mutilados.

Os pensadores Holmes, James, Peirce e Dewey, que sofreram com a Guerra Civil, embora não formassem um movimento coerente, tomavam as ideias como construções sociais que surgem como respostas provisórias a circunstâncias particulares e irreproduzíveis. Sua sobrevivência não depende de imutabilidade, mas sim de sua adaptabilidade (MENAND, 2000, p. 13). Desta forma, o antifundacionismo pragmatista surge como uma espécie de proposta prática de tolerância que se adaptava e era coerente ao desenvolvimento social e

Emerson can be seen as having initiated two traditions of twenthieth-century philosophical thought. One is European, starting from Nietzsche and going oh through Heidegger to Derrida. The other is the American pragmatist tradition, which runs from James to Dewey to Quine to Davidson. (RORTY, 1996r, p.26).


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econômico posterior ao período de conflito civil. Como já formulado, o iluminismo pragmatista estendia para o campo teórico as considerações que o primeiro iluminismo havia defendido para o plano prático, apontando para a responsabilidade social e justificação intersubjetiva de nossas crenças. Cornel West, ao enfatizar o papel da autoconfiança de Emerson, pensa o processo de autocriação em um sentido de ágon, de modo que o conflito não é só necessário, como bemvindo. Já a perspectiva desenvolvida por Louis Menand narra historicamente o desenvolvimento do pragmatismo como alinhado ao estabelecimento da liberdade de pensamento nas academias norte-americanas. Na perspectiva de Menand, o Romantismo não teria um papel muito importante no desenvolvimento do pragmatismo, sendo a tolerância necessária para a construção da sociedade americana depois da guerra civil uma motivação originária desta forma de pensamento antifundacionista, antirrepresentacionista e falibilista.

2.2.3 Autocriação, poesia e individualidade Em novembro de 2007, na Poetry Foundation – onde oitenta anos antes James Rorty havia publicado poemas –, Richard Rorty publicou um pequeno texto chamado “O fogo da vida”. Neste texto póstumo, Dick Rorty revelava que ao se confrontar com a morte, sendo diagnosticado com um câncer inoperável no pâncreas, não encontrou consolo na religião ou em algo que tivesse aprendido com a filosofia (seja a ideia heideggeriana de ser-para-a-morte ou a argumentação materialista dos epicuristas). Rorty não considerava “a morte” ou o “medo da morte” temas acerca dos quais fosse interessante desenvolver qualquer teorização. Em verdade, tudo que os filósofos dizem sobre a morte pode ser visto de um ponto de vista pragmatista como um sintoma de fraqueza, de dificuldade em aceitar a contingência e vivê-la até o fim (PCPp, p. 187; GHIRALDELLI, 2008). Em CIS, no começo do capítulo “A contingência da individualidade” [The contingency of selfhood], Rorty já havia explicado o que fazia deste um falso tópico: Não existe nada que se possa chamar de um medo da inexistência como tal, mas apenas o medo de uma perda concreta. A ‘morte’ e o ‘nada’ são termos sonoros e igualmente vazios. Dizer que se teme um dos dois é tão canhestro quanto a tentativa epicuriana de dizer por que não devemos temê-los. Disse Epicuro: ‘Quando sou, a morte não é, e quando a morte é, não sou’, o que troca uma expressão vazia por outra. É que a palavra ‘eu’ é tão oca quanto a palavra ‘morte’. Para desembrulhar palavras desse tipo, é preciso preencher os detalhes sobre o eu em questão, especificar precisamente o que é que não será, tornar concreto o medo. (CISp, p. 58)171 171

There is no such thing as fear of inexistence as such, but only fear of some concrete loss. "Death" and "nothingness" are equally resounding, equally empty terms. To say one fears either is as clumsy as Epicurus's


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Rorty em CIS trata do “medo de extinção” a partir de um poema do inglês Philip Larkin (1922-1985), para quem este temor era um tema mais do que pertinente, como aparece, por exemplo, na estrofe inicial de seu poema “Audade”:

I work all day, and get half drunk at night. Waking at four to soundless dark, I stare. In time the curtain edges will grow light. Till then I see what's really always there: Unresting death, a whole day nearer now, Making all thought impossible but how And where and when I shall myself die. Arid interrogation: yet the dread Of dying, and being dead, Flashes afresh to hold and horrify. 172

Noutra estrofe do mesmo poema “Audade”, Larkin rejeita como trapaça os eufemismos religiosos e filosóficos sobre a “extinção final”:

This is a special way of being afraid No trick dispels. Religion used to try, That vast moth-eaten musical brocade Created to pretend we never die, And specious stuff that says no rational being Can fear a thing it cannot feel, not seeing that this is what we fear - no sight, no sound, No touch or taste or smell, nothing to think with, Nothing to love or link with, The unaesthetic from which none come round. 173

No entanto, é ao poema de Larkin “Continuing to live” [Continuar a viver”] que Rorty se reporta em CIS, citando suas três estrofes finais174 como mote para a interpretação

attempt to say why one should not fear them. Epicurus said, "When I am, death is not, and when death is, I am not"; thus exchanging one vacuity for another. For the word "I" is as hollow as the word "death." To unpack such words, one has to fill in the details about the I in question, specify precisely what it is that will not be, make one's fear concrete. (CIS, p.23). 172 Na tradução de Alípio Correa de Franca Neto: “De dia, trabalho; à noite, eu meio que encho a cara./ Olho o negror sem som, me levantando às quatro./Em tempo, a borda da cortina vai estar clara./ Até lá, vejo aquilo que está ali, de fato:/A morte infatigável, um dia mais perto,/Tornando inviável todo pensamento, exceto/O de onde, como e quando a minha vai chegar./Uma pergunta estéril: mas o horror que eu sinto/Quanto a morrer e ser extinto/Luz outra vez, para se impor e apavorar. 173 Na tradução de Alípio Correa de Franca Neto: “Esse é um tipo especial de medo, a que trapaça/ Nenhuma anula. A religião se empenhou nisto,/ Vasto brocado musical roído de traça,/ Criado pra fingir que não se morre, e ditos/ Especiosos, como “nenhum ser consciente/ Pode ter medo daquilo que não se sente”,/ Sem ver que este é o medo: não ver, ouvir, tocar,/ Cheirar, ter gosto, nada com que refletir,/ Ou com que amar, ou a que se unir,/ A anestesia da qual ninguém pode voltar”. 174 “E, após, percorreres a extensão de tua mente, o que/Avistas fica claro como um rol de carga;/ nada mais, para ti, deve ser julgado/ Existente.// E qual a vantagem? Apenas que, com o tempo,/ Como que se identifica a marca cega/ exibida por toda conduta nossa, rastreia-se lhe a origem./ Mas confessar,// Na tenra noite em que


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de como a individualidade (selfhood) se configuraria quando aceitamos uma perspectiva radicalmente historicista e nominalista. Cito o poema de Larkin completo: Continuing to live – that is, repeat A habit formed to get necessaries – Is nearly always losing, or going without. It varies. This loss of interest, hair, and enterprise – Ah, if the game were poker, yes, You might discard them, draw a full house! But it's chess. And once you have walked the length of your mind, what You command is clear as a lading-list. Anything else must not, for you, be thought To exist. And what's the profit? only that, in time, We half-identify the blind impress All our behavings bear, may trace it home. But to confess, On that green evening when our death begins, Just what it was, is hardly satisfying, Since it applied only to one man once, And that one dying.175

Na edição original de CIS, Rorty não ofereceu ao leitor maiores informações sobre o poema de Larkin; em verdade, nem ao menos mencionou seu título. Mais tarde, o filósofo Richard Shusterman percebeu que um verso estava citado de forma incorreta, ligou para Dick Rorty, que “despistou”: disse que não tinha a referência e nem era um leitor assíduo do poeta, copiou os versos de um obituário de Larkin que leu em um jornal quando estava na Inglaterra.

começa nossa morte,/ Justo qual foi ela, eis o que não chega a satisfazer,/ Pois se aplicou a um só homem, uma vez,/ E esse homem agonizava”. (CISp, p. 57). 175 “Continuar a viver” na tradução de Alípio Correa de Franca Neto: “Continuar a viver – ou seja, repetir/ Um hábito pra ter o necessário, tende/ A ser, quase sempre, passar sem, ou perder./ Isso depende.// A perda de iniciativa, cabelo, interesse –/ Se o jogo fosse pôquer, Ah, você talvez/ Tirasse a trinca e o par, ou então a descartasse!/Mas é xadrez.//Tendo passado as coisas em revista, o que/ Se tem é claro como um romaneio. Aliás,/ Você não deve imaginar que, pra você,/ Haja algo mais.// E o que se ganha? Apenas ver, numa dada hora,/A marca cega no modo de nos comportar,/ Poder rastreá-la em toda a sua trajetória./ Mas confessar,//Na noite ingênua em que começa o fim pra nós,/ O que ela foi, isso é algo insatisfatório,/Visto que se aplicava a um homem certa vez/ E esse homem morre.”.


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Shusterman (2011) confirmou a incorreção de Rorty e interpretou-a como uma demonstração prática de como o filósofo norte-americano encarava a contingência em sentido forte e como utilizava textos e citava autores de acordo com os propósitos de sua filosofia. No entanto, é provável que nesta citação errônea exista um mero lapso de memória ou, em uma hipótese mais inventiva, talvez o “desvio” seja uma brincadeira hegeliana (afinal, a Fenomenologia do Espírito termina com Hegel citando de modo levemente distorcido dois versos de Schiller). De todo modo, não é verdade que Rorty era um leitor fortuito dos poemas de Larkin: em CISp (p. 57), afirma que o medo da morte era uma preocupação constante do autor inglês em entrevistas (o que indica que acompanhava sua produção), também cita o poeta inglês em outros textos176 e admite o “pecado” da paixão por este autor “politicamente incorreto” (RIGSBEE, 2008a, p. 142).177 O poema de Larkin “Continuar a viver” é utilizado por Rorty como uma forma de desdobrar o sentido daquilo que o poeta teme perder com sua extinção. Porém, o filósofo pragmatista considera-o de modo antitético, supondo que há uma dissimulação nas palavras do poeta quando diz que a perda da sua individualidade (selfhood) com a morte é algo pouco importante. O mero fato de que Larkin escreva poemas e que procure assumir para si o nome de poeta pede que ele enfrente o desafio de ser reificado, de ter suas palavras desconsideradas como clichês vazios. Para efetivamente tornar-se um poeta seria preciso desafiar alinhar-se aos mortos poderosos e de alguma forma superá-los, mostrar sua diferença. Richard Rorty, assim como seu pai, considera que o desafio de reivindicar o nome de poeta é uma aventura que exige do postulante uma força de vontade e autoconfiança extremas. No primeiro parágrafo da resenha que em 1975 Rorty fez sobre o livro de Harold Bloom, A Angústia da Influência, o filósofo norte-americano contextualiza e descreve as três principais dificuldades que deve enfrentar hoje todo aquele que almeja ser reconhecido como alguém que legitimamente pode ser chamado de filósofo, artista, cientista ou poeta:

Aqueles que competem com os mestres mortos enfretam dificuldades familiares. As artes plásticas parecem ter se tornado um ramo da indústria de relações públicas, a filosofia de um departamento acadêmico e a ciência de projetos governamentais. Quanto à poesia, os finos novos volumes parecem completamente transparentes, graças aos poderosos raios focados imediatamente sobre eles a partir de mil ângulos críticos. É como se vivêssemos em uma era de críticos e pessoas que concedem bolsas (grantsmen), uma época que formou-se em uma bolha, que mistura o espiritual e o financeiro, chamado Cultura Contemporânea. Os títulos antigos – 176

Por exemplo, faz referência ao poema “Homage to a Government”, em Rorty (1999o). Rorty teria dito para David Rigsbee que Philip Larkin era seu poeta favorito (2008, p. 142), posição que, segundo Brandom (2009), era ocupada por W. B.Yeats. Ironicamente e segundo as circunstâncias, Rorty poderia ter citado outros nomes, como T.S Eliot, John Keats, Wallace Stevens ou Walt Whitman, Rilke etc. 177


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filósofo, artista, cientista, poeta – parecem, ao mesmo tempo, muito imponentes para se assumir e demasiado restritivos e paroquiais para grandes intenções sintéticas. E é certo que temos que ter intenções sintéticas vagas e vastas, pois vivemos sob a sombra da previsão de Hegel de transcendência automática de qualquer futuro por um futuro futuro. Se a auto-confiança for preservada diante deste historicismo, dificilmente poderá sobreviver a Freud e Marx. Quem pode ver a si mesmo como pego em um momento dialético, imerso em um romance familiar, parasita dos últimos estágios do capitalismo e, ainda assim, competir com os mortos poderosos?178

A resposta de Rorty para esta questão é a mesma dada por Harold Bloom: “os artistas mais fortes e somente os mais fortes podem sobreviver a esta cilada dialética” (BLOOM, 1994, p. 31). Para Bloom, todo poeta forte, assim como todo autor criativo, sempre promove

uma desleitura do poeta anterior, um ato de correção criativa que é, na verdade, e necessariamente uma interpretação distorcida. A história das influências poéticas produtivas, que é a história da tradição central da poesia no Ocidente a partir da Renascença, é uma história da angústia e da caricatura autoprotetora, da distorção, do revisionismo voluntarioso e perverso, sem o que a poesia moderna, como tal, não poderia existir. (BLOOM, p. 62)

A partir do Romantismo todo poeta tem um desafio autotélico de inventar a si mesmo, ou seja, tentar constituir com sua obra uma distinção com a qual sua marca-cega sobreviveria à morte: Desde Byron e Goethe, os homens têm pensado na atividade de escrever poemas como uma das melhores formas de criar um self autônomo, de evitar definir a si próprios nos termos usados por seus pais, professores, patrões e legisladores. Lá pelo ano de 1820, os jovens passaram a ter a opção de definir a si próprios como poetas, de encontrar sua identidade moral na atividade de escrever versos. (TPp, p. 272)

Larkin dissimularia a angústia quanto à sobrevivência de sua marca-cega ao afirmar uma diferença só faria realmente diferença se fosse algo comum aos demais homens. Este anseio por universalidade e convergência é uma característica da filosofia que o poeta inglês “finge” considerar mais relevante que a busca romântica por autocriação. Em verdade, para

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Familiar difficulties confront those who would compete with the dead masters. The fine arts seem to have become branches of the public relations industry, philosophy an academic department, and science a govemment project. As for poetry, the newest thin volumes seem completely transparent thanks to the powerful beams instantly focused upon them from a thousand critical angles. It is if we lived in an age of critics and grantsmen, an age which had formed itself into a blob called Contemporary Culture, a spiritual and financial union. The ancient titles – Philosopher, Artist, Scientist, Poet – seem at once too august to assume and too restrictive and parochial for vast synthetic intents. We pretty well have to have vague and vast intents, for we live under the shadow of Hegel’s prediction of automatic transcendence of any future by a future future. What self-confidence survives this historicism can hardly survive Freud and Marx. Who can see himself as caught in a dialectic moment, emmeshed in a family romance, parasitic upon the last stages of capitalism, yet still in competition with the mighty dead?


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Rorty, o interesse que o poema de Larkin provoca tem sua origem justamente naquilo em que serve como

lembrete da disputa entre filosofia e poesia, da tensão entre o esforço de chegar à autocriação pelo reconhecimento da contingência e o esforço de chegar à universalidade pela transcendência da contingência. A mesma tensão perpassou a filosofia desde a época de Hegel e, particularmente, desde Nietzsche. Os filósofos importantes do século XX são aqueles que tentaram dar continuidade aos poetas românticos, rompendo com Platão e vendo a liberdade como o reconhecimento da contingência. São esses filósofos que procuram desvincular a insistência de Hegel na historicidade do idealismo panteísta hegeliano. Eles aceitam a identificação nietzschiana do poeta forte, do criador, como o herói da humanidade – em vez do cientista, que é tradicionalmente tratado como um descobridor. (CISp, p. 61)179

Para Rorty, Hegel promoveu o reconhecimento da historicidade. No entanto, involuntariamente produziu um efeito cômico ao insistir em uma pretensão sistemática. Este aspecto, que pareceu ridículo para filósofos posteriores como Kieerkegaard e Nietzsche, tem sua ambiguidade naquilo que é disfarce de uma nova angústia: como inventar-se como filósofo descartando completamente a pretensão teleológica? Este desafio de aceitação da contingência é, em grande medida, o que move os filósofos que Rorty considera mais interessantes. Isso não significa que os pensadores que enfrentaram esta Esfinge tenham, eles mesmos, de modo autêntico, assumido como um dado a ausência de necessidade de suas próprias palavras (como no caso emblemático de Heidegger). Rorty aceita a descrição de Harold Bloom de que todo poeta principia, de modo consciente ou não, “por se rebelar com mais força contra a consciência da necessidade da morte do que todo outro homem ou mulher” (BLOOM, 1991, p. 38), e considera esta condição de revolta algo comum aos indivíduos criativos em todas as áreas do conhecimento. Os inovadores desafiam de modo agônico seus predecessores: o que a principio é amor e reverência é transmutado na disputa e inveja que impulsiona a “boa luta” 180 que gera a

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“to this reminder of the quarrel between poetry and philosophy, the tension between an effort to achieve selfcreation by the recognition of contingency and an effort to achieve universality by the transcendence of contingency. The same tension has pervaded philosophy since Hegel's time, and particularly since Nietzsche. The important philosophers of our own century are those who have tried to fo llow through on the Romantic poets by breaking with Plato and seeing fr eedom as the recognition of contingency. These are the philosophers who try to de tach Hegel's insistence on historicity fr om his pantheistic idealism. They accept Nietzsche's identification of the strong poet, the maker, as humanity's hero - rather than the scientist, who is traditionally pictured as a finder”. (CIS, p. 25-26). 180 No começo de O trabalho e os dias Hesíodo fala de duas lutas (Eris), enquanto a primeira se liga ao caos e a guerra a outra engendra criação, gerou “a Noite escura, /e o filho de Crono, Zeus sentado em alto trono,/habitante do éter, colocou-a / nas raízes da terra; é bem melhor para os homens:/ ela leva ao trabalho mesmo a pessoa sem meios./ Pois um homem sente falta de trabalho ao olhar para outro / que, rico, apressa-se a arar, plantar / e administrar bem sua casa, e um vizinho procura igualar o outro / que se apressa em alcançar a fartura. Essa Luta é boa para os mortais. / O oleiro irrita-se com o oleiro, o carpinteiro com o carpinteiro; / o mendigo inveja ao mendigo, o poeta ao poeta.” (HESIODO, 2012, p. 61-63).


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excelência. Deste modo, o desafio de aceitação da contingência não implica na passividade melancólica, mas na angústia de desenvolver um self por meio da autocriação. A rota melancólica de desvelamento de uma verdade previamente existente se confunde com a descoberta de um clichê e não com a atividade poética que para Rorty é paradigmática na modernidade. Os gênios criativos não atuam como Prometeu, mas como “Édipo cego, que não sabia que a Esfinge era sua Musa” (BLOOM, 1991, p. 39); a criatividade se deve à relação antitética com seus predecessores e não com uma dádiva retirada diretamente dos deuses. A esfinge-musa de Rorty não pode e não suporta respostas finais, considerando a grandeza como a capacidade erótica de cortejar e suportar a incompletude. A novidade com que o filósofo norte-americano redescreve a filosofia e modifica seu escopo está –seguindo Zygmunt Bauman – em não se dirigir para Tanatos, mas para Eros (BAUMAN, 1998, p. 107). É preciso flertar181 de modo alegre com o conhecimento contingente, nos termos com que Bauman se apropria de Rorty, aprender a lidar com a liquidez da modernidade. Esta dimensão líquida da modernidade é consequência do reconhecimento da contingência da linguagem, um fator tão decisivo na filosofia de Rorty que os metafísicos chamam sua primeira causa material (GARCIA-LORENTE, 2012, p. 186). Não se trata de tomar a linguagem meramente como aquilo que faz a mediação entre o homem e o mundo, mas, seguindo Wilfrid Sellars e Donald Davidson, aceitar que não podemos ter nenhum acesso a dados não linguísticos, nem contar com qualquer intuição primordial sobre as coisas mesmas. A linguagem é uma espécie de órgão de percepção especial que não funciona desconectado das expectativas e hábitos dos falantes, um tipo de instrumento adaptativo por meio do qual desenvolvemos atitudes proposicionais, que podem ser consideradas verdadeiras ou falsas, na medida em que conseguimos entender o outro no que ele diz (GHIRALDELLI, p. 25-26). Esta concepção da linguagem é incompatível com qualquer perspectiva essencialista e, ela mesma, não se desenvolve como uma teoria contemplativa, mas depende, em cada ato interpretativo, de teorizações provisórias dos falantes (teorias de passagem) que se confirmam ou não em termos práticos. Com a primazia dada à linguagem o progresso moral ou intelectual é resultado da mudança de vocabulários. Esta percepção pragmatista da linguagem é utilizada por Rorty para rejeitar a ideia de que a escolha entre vocabulários possa ser feita por meio de critérios neutros, descartando tanto a medida realista da correspondência com a realidade quanto a procura romântica por aquilo que exprimiria nosso “verdadeiro eu”. O vocabulário que

181

Cf. PHILLIPS, 1998.


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utilizamos se torna o horizonte de nossas interrogações, por isso, a mudança não pode ser um ato de vontade, nem algo que se justifica por meios argumentativos, mas resultado de (e convite para a) mudança de hábitos (CISp, p. 30). Enquanto os metafísicos sublinham esta dimensão linguística como uma causa primeira (no que o filósofo norte-americano repete a afirmação de Gadamer “ser que pode ser dito é linguagem”), tratam de ignorar o modo como Rorty se utiliza da concepção de Davidson das metáforas para explicar a inovação.182 Geralmente as teorias sobre a metáfora procuram uma forma de tornar literal aquilo que está implícito, deste modo, encaixam seu significado no espaço lógico pré-existente. Seguindo Davidson, Rorty considera que a metáfora não possui um significado para além do literal, mas seu uso é o que produz estranheza e novidade, já que não se encaixa em um jogo de linguagem nem possui valor de verdade. O que lhe interessa é sua dimensão retórica e não a semântica, utilizar uma metáfora é o mesmo que interromper bruscamente uma conversa o tempo suficiente para fazer uma careta, ou o mesmo que tirar uma fotografia do bolso e mostrá-la, ou apontar para um determinado aspecto circundante ou dar uma bofetada na cara do interlocutor ou beijá-lo. Lançar uma metáfora para um texto é como utilizar grifos, ilustrações, ou pontuações ou diagramações esquisitas. (CISp, p. 41, tradução modificada)183

A metáfora proporciona um uso diferente da linguagem que funciona como um modo de conhecimento diverso da “atitude matemática” que é padrão na tradição realistaplatônica. Nesta perspectiva última, o anseio é alcançar um vocabulário final que seja correspondente à verdade e ponha fim à conversação, por isso, pressupõe que a linguagem que possuímos já é toda aquela que precisamos e que o trabalho de investigação consiste apenas em determinar valores de verdade e purificar e clarificar seu sentido, extirpando usos inadequados que não possam ser avaliados. As metáforas, nos termos que sustentam a querela entre filosofia e poesia, geralmente são classificadas como inimigas da racionalidade. No entanto, na concepção de Rorty, este tipo de uso de linguagem que à primeira vista pode parecer falso pode ser suficientemente provocativo para causar um questionamento das descrições que habitualmente adotamos e, na medida em que ajudam a modificar nossos jogos de linguagem, se candidatam à condição de verdades literais. Por isso, a metáfora é um instrumento essencial no processo de reformulação de nossas crenças e desejos; sem ela, não haveria nenhuma coisa tal como uma revolução científica ou uma ruptura cultural, mas meramente o processo de alterar os valores de verdade 182

C.f. GARCIA-LORENTE, 2012. “In his view, tossing a metaphor into a conversation is like suddenly breaking off the conversation long enough to make a face, or pulling a photograph out of your pocket and displaying it, or pointing at a feature of the surroundings, or slapping your interlocutor's face, or kissing him. Tossing a metaphor into a text is like using italics, or illustrations, or odd punctuation or formats” (CIS, p.18). 183


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das asserções formuladas em um vocabulário para sempre imutável. (ORTp, p. 170)184

Uma forma de lidar com a linguagem que surge de modo idiossincrático, que a principio classificamos como chistes ou uso de palavras sem significado, pode causar o tipo de paralaxe (mudança de perspectiva) que uma mudança de paradigma produz. As metáforas causam mudanças que não podem ser a priori antecipadas em seus efeitos por seus criadores; estes não podem antecipar completamente o fim para as ferramentas que desenvolvem. O progresso depende, em todas as áreas da cultura, da literalização de metáforas, de usos incomuns da linguagem que são apropriados socialmente e geram novos hábitos e crenças. Deste modo, junto com as dicotomias aparência e realidade, acidente e essência, entre áreas da cultura que estão mais ou menos próximas do realmente real, na filosofia de Rorty o contraste entre literal e metafórico é descartado em favor da distinção entre usos comuns e incomuns da linguagem. Como descreve: Este modo de esboçar o contraste permite-nos pensar no momento “literário” ou “poético” como ocorrendo periodicamente em muitas áreas da cultura – ciência, filosofia, pintura e política, tanto quanto na lírica e no drama. Esse é o momento em que as coisas não estão indo bem, em que a nova geração está insatisfeita, em que os jovens começam a olhar para o que está sendo feito em um dado gênero como literatura comercial, ou como tão sobrecarregado do que Thomas Kuhn chamou de “anomalias” que é necessário um novo ponto de partida. Em tais períodos, as pessoas começam a fazer com que velhas palavras circulem em novos sentidos, a introduzir neologismos ocasionais, e assim fazer emergir um novo idioma que inicialmente atrai atenção para si mesmo, e só posteriormente se torna efetivo. Nesse estágio inicial, as palavras surgem como palavras, cores como pigmentos incrustados, acordes como dissonâncias. Uma materialidade semi-formada transforma-se na marca da vanguarda. O jargão ou o estilo que vence – aquele que exibe um poder duradouro, que se transforma no portador de significados assimiláveis e fornece as ferramentas com as quais podemos retomar nossas operações normais – deixa de se distinguir, e não é notado outra vez até a próxima geração de insatisfeitos e o “problematiza”, contrastando-o incisivamente com novidades recentes. (EHOp, p. 122)185

Rorty interpreta o inconsciente freudiano não como uma caótica e desarticulada reserva de libido, mas como “um ou mais sistemas bem articulados de crenças e desejos, 184

Idem. p.170 “This way of drawing the contrast permits us to think of a "literary" or a "poetic" moment as occurring periodically in many different areas of culture — science, philosophy, painting, and politics, as well as the lyric and the drama. It is the moment when things are not going well, when a new generation is dissatisfied, when the young have come to look at what is being done in a given genre as hackwork, or as so overburdened with what Thomas Kuhn calls "anomalies" that a new start is needed. 6 In such periods, people begin to toss around old words in new senses, to throw in the occasional neologism, and thus to hammer out a new idiom which initially attracts attention to itself and only later gets put to work. In this initial stage, words stand out as words, colors as encrusted pigments, chords as dissonances. Halfformed materiality becomes the mark of the avant-garde. The jargon or style that wins — the one that exhibits staying power, that becomes the bearer of assimilable meanings and provides the tools with which to resume normal operations — ceases to stand out. It is not noticed again until the next dissatisfied generation comes along and "problematizes" it by contrasting that jargon or style invidiously with recent novelties” (EHO, p.88). 185


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sistemas tão complexos e internamente consistentes quanto as crenças e os desejos inconscientes dos adultos” (EHOp, p. 199). Deste modo, “nossas identidades privadas inconscientes não são brutais, obtusas, sombrias e repulsivas, mas antes pares intelectuais e parceiros conversacionais de nossas identidades conscientes” (EHOp, p. 199). De certo modo, Freud, com a ajuda de Nietzsche e outros autores, ajuda a tornar literal a descrição da internalização das narrativas romanescas que a poesia romântica de autores como Wordsworth e Blake promoveu, transferindo para um palco interior o engenho da poesia épica com sua trama, heróis, vilões e buscas (cf. BLOOM, 1970). O individuo luta contra aquilo que socialmente pode limitar sua imaginação, no que somente poucos alcançariam vitória: os gênios. Contudo, Freud proporciona uma descrição da subjetividade que se contrapõe a uma concepção antidemocrática de inconsciente (como em Schelling). Como avalia Philip Rieff, Freud democratiza “o gênio dando a todas as pessoas um inconsciente criativo” (RIEFF, 1979, p. 56). Cada um tece sua trama particular a partir de fatores diferentes e idiossincráticos: enquanto os intelectuais geralmente dão muito valor para os livros que leem, outros podem apreciar flores, pássaros, times de futebol, o lucro de suas empresas, os acordes de um instrumento, animais de estimação etc.; em suma, tudo pode servir “para dramatizar e cristalizar o sentido de identidade pessoal de um ser humano” (CISp, p. 79). Mesmo os indivíduos mais obtusos possuiriam dentro de si este atributo poético e imaginativo (RIEFF, 1979, p. 344) que permite adaptar suas diversas crenças e obsessões, o que conseguem na medida em que desenvolvem metáforas bem sucedidas. Na avaliação de Rorty, A descrição freudiana da fantasia inconsciente mostra-nos como ver toda vida humana como um poema – ou, mais exatamente, toda vida humana como não tão destroçada pela dor que não possa aprender uma linguagem, nem tão imersa no trabalho que não tenha tempo para gerar uma descrição de si mesma. (CISp, p. 77)186

Em verdade, falamos de fantasia quando uma obsessão privada não atinge nenhum sentido público relevante e se mostra meramente idiossincrática; no entanto, quando o que a principio surge como idiossincrático consegue alcançar relevância e utilidade pública, falamos de metáforas que são ferramentas de progresso. A descrição freudiana da subjetividade ajuda a mostrar em melhores termos o que William James chamou de “cegueira parcial de cada ser humano”, por ser a vida impregnada de “valores e significados que deixamos de compreender por causa de nosso ponto de vista

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“For Freud's account of unconscious fantasy shows us how to see every human life as a poem - or, more exactly, every human life not so racked by pain as to be unable to learn a language nor s o immersed i n toil as to have no leisure in which to generate a self-description. (CIS, p. 35-36).


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externo e insensível”. Esta compreensão deveria nos levar a procurar desenvolver uma postura tolerante “com os seus modos próprios e peculiares de serem felizes, desde que esses modos não pretendam interferir, pela violência com os nossos” (JAMES, 1967, p. 311). Na medida em que reificamos nossas crenças postulando uma essência humana imutável ou um modo de agir que seria o correto segundo uma vontade santa, tentamos fugir da contingência por meio de uma ordenação metafísica. Contudo, tais crenças teóricas, quando assumidas dogmaticamente, tendem a pesar sobre cada um como dogmas e traumas que dificultam o processo de redescrição de nossas crenças, prejudicando a adaptação a contextos não programados, o que afeta também nossa capacidade criativa. Na ausência de essências, Rorty defende que deveríamos manter uma postura irônica em relação às nossas crenças, o que significa não se fechar em um vocabulário final como se este refletisse o modo como as coisas são em si mesmas. A ironia que Rorty defende é semelhante àquilo que o poeta John Keats em uma carta chamou de “capacidade negativa”: várias coisas se encaixam no meu espírito e logo vi de repente qual era a qualidade que torna um homem criador, sobretudo em literatura... Refiro-me à Capacidade Negativa, isto é, quando o homem é capaz de permanecer na incerteza, no mistério, na dúvida, sem procurar irritadamente alcançar os fatos e a razão. (KEATS apud TRILLING, 1965, p. 41)

É válido dizer que James Rorty, no poema citado no início deste capítulo, demonstrava uma reinvindicação de seriedade que caminha em direção contrária a esta “capacidade negativa”. Talvez isso possa servir de explicação para a frustração de seus anseios criativos, mas é problemático imaginar que todas as pessoas tenham que vivenciar o mesmo pelo tipo de angústia ante à contingência que Sartre descreve em A náusea. Talvez o platonismo adolescente da geração de Rorty hoje tenha dado lugar a um existencialismo juvenil: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Rorty acredita que o apelo do poema de Larkin por escapar de ser meramente uma “marca cega” é pertinente na mesma medida em que o aprendizado da contingência é uma tarefa sempre incompleta e o anseio de convergência permanece sedutor. Talvez não possamos apagar o conflito entre filosofia e poesia de uma vez por todas, mas ao menos caminhamos para a possibilidade de uma vida mais feliz quando compreendemos que “toda a vida humana é a elaboração de uma sofisticada fantasia idiossincrática”, um poema obscuro que continuamente elaboramos até que a morte o interrompa: “não pode completar-se, porque não há nada a completar – há apenas uma rede de relações a ser tecida outra vez, uma rede que o tempo alonga a cada dia” (CISp, p. 88).


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Quando Rorty soube de seu diagnóstico que lhe dava pouco tempo de vida, encontrou coragem na poesia, em alguns versos que guardava na memória (citou “Jardim de Proserpine”, de Swinburn, e “Em seu aniversário de setenta e cinco anos”, de Landor). Para o filósofo pragmatista, os versos, em sua combinação de rima e ritmo, são capazes de provocar emoções de uma forma que nenhuma prosa seria. Apesar dessa admiração pela poesia, Rorty confessa que nunca conseguiu escrever versos, nem estava atualizado com a produção poética de seu tempo; os poemas que cultivava provinham em sua maioria de sua adolescência. Essa atitude ambígua de venerar a poesia como algo sagrado, mas de não continuar cultivando novas leituras, suspeita ser “resultado de complicações edipianas produzidas por ter tido um pai poeta”. Confessa então que gostaria de ter passado mais tempo de sua vida com versos, Isso não é porque tema ter perdido as verdades que são incapazes de serem a afirmadas em prosa. Não existem tais verdades; não existe nada sobre a morte que Swinburne e Landor soubessem, mas que Epicuro e Heidegger fracassaram em descobrir. Ao contrário, é porque teria vivido mais plenamente se tivesse sido capaz de recitar mais velhas castanhas – da mesma forma que também teria se tivesse tido mais amigos íntimos. Culturas com vocabulários mais ricos são mais plenamente humanas – mais distantes das bestas – do que as mais pobres; homens e mulheres individuais são mais completamente humanos quando suas memórias estão amplamente estocadas com versos. (RORTY, 2007c).187

Nesta passagem, se destaca a diferença que há para Richard Rorty entre a busca de verdades superiores e a tentativa de se tornar mais amplamente humano, contraste que redescreve a antiga querela entre filósofos e poetas. Em verdade, esta confissão de que gastou seu tempo com a filosofia e que sublimou sua paixão pela poesia por conta de complicações edipianas surge como uma ambígua indicação de uma forma de vida que se nega (afinal, preferir a Fenomenologia de Hegel à Crítica de Kant é também algo idiossincrático). Seu amor à poesia talvez tenha tomado uma forma séria demais. Harold Bloom afirma que “o amor à poesia é outra forma de amor ao poder”, porém Rorty explica que nesta frase “poder significa, no mínimo, o desejo de que o futuro seja mais rico e melhor que o passado” (UCI, p. 3).188

187

“However that may be, I now wish that I had spent somewhat more of my life with verse. This is not because I fear having missed out on truths that are incapable of statement in prose. There are no such truths; there is nothing about death that Swinburne and Landor knew but Epicurus and Heidegger failed to grasp. Rather, it is because I would have lived more fully if I had been able to rattle off more old chestnuts — just as I would have if I had made more close friends. Cultures with richer vocabularies are more fully human — farther removed from the beasts — than those with poorer ones; individual men and women are more fully human when their memories are amply stocked with verses”. 188 “the love of poetry is another variant of the love of power" – where power means, at a minimum, the urge that the future, or at least my future, be richer and better than the past.


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A substituição de Tanatos pela aposta poética no futuro (por Tantalo?) é uma reivindicação que possui um pathos neurótico, algo que o filósofo norte-americano assume. Contudo, defensivamente, considera que sua postura hiperbólica está em consonância com os versos de John Dryden “Great wits are sure to madness near allied/ And thin partitions do their bounds divide” [“Grande engenho e loucura são aliados próximos/ e é muito tênue a linha que traça sua fronteira”]; citação que não serve como um argumento, mas como a afirmação de uma crença de que o filósofo pragmatista se recusa a cair no jogo metafísico – como denunciado por Bradley – e oferecer más razões para aquilo que acreditamos por instinto (UCI, p. 1). Considerando que Richard Rorty conhecia bem a obra de Philip Larkin, é provável que de modo inconsciente, ao citar o poeta inglês em CIS, guardasse a lembrança de seu poema mais famoso, “This be the verse” [Seja esse o verso], de versos execráveis moralmente (ASCHER, 2012), mas esteticamente inspiradores: They fuck you up, your mum and dad. They may not mean to, but they do. They fill you with the faults they had And add some extra, just for you. But they were fucked up in their turn By fools in old-style hats and coats, Who half the time were soppy-stern And half at one another’s throats. Man hands on misery to man. It deepens like a coastal shelf. Get out as early as you can. And don’t have any kids yourself.189

A libertação do mundo que herdamos de nossos pais é parte do caminho de autocriação, que segue, numa perspectiva rortyana, uma direção contrária ao egotismo e ao autoritarismo: À medida que emergimos do mundo de nossos pais e entramos no mundo construído pela música, os livros, os filmes e as modas de nossa geração, ampliamos nossos juízos acerca de nossas possibilidades. Quando nos apaixonamos, nos tornamos seres humanos maiores e melhores: mais livres, mais abertos e capazes de desfrutar. Quando derrubamos um tirano acontece a mesma coisa: abrem-se possibilidades que antes estavam fechadas. Nossa imaginação se libera. (FF, p. 10)

189

“Seja este o verso”: “Eles te fodem, teus queridos pais./É sem querer, só que a verdade é esta —/ Te enchem das culpas que tiveram mais/ E dão, só pra você, uma dose extra.//Mas eles se foderam com uns néscios/De paletós e de chapéus à antiga,/Durante o dia, piegas e perversos,/À noite, se esganando numa briga.// Legamos dor aos nossos semelhantes./Como um recife, ela se crava fundo./Por isso, saia dessa o quanto antes,/E nunca ponha filhos neste mundo.”.


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Com a valorização da contingência, os princípios estéticos, sejam o impulso sublime não discursivo ou a beleza racional convergente, passam a ter como referência a história de cada pessoa de uma forma que o apelo de Emerson por autoconfiança se torna uma religiosidade tácita e laica: Uma vez que você rebaixa o próprio sublime a uma resposta fisiológica e a beleza a memórias do seio, você se encaminha para a questão ‘Existe mais na admiração (awe) estética do que obsessão com, por exemplo, narcisos ou seios ou pés’. São ‘os próprios pensamentos que retornam a nós mesmos como uma majestade alienada’ simplesmente o estímulo de nossas catexias inconscientes, de modo que nossos cabelos ficam em pé somente quando certos botões especiais são apertados? Aquilo que realmente há de interessante acerca de arte e literatura não é o que pode ser capturado por generalizações psicológicas universais, mas uma questão de reviravoltas neurais meramente idiossincráticas? Se é assim, podemos pensar em Emerson aconselhando os prováveis Melvilles: ‘Tenha fé em suas obsessões! Compreendidas ou não, elas soam tudo o que você tem!’ Se a baleia de Melville não tivesse pegado, ainda teria valido a pena o tempo gasto por Melville para criá-la! Certamente você tem sua própria baleia branca? (UCI, p. 2, tradução minha).190

190

Once you lower the sublime to a physiological response, and the beautiful to memories of the breast, you are in line for the question "Is there more to aesthetic awe than obsession with, e.g., daffodils or breasts or feet". Are the "own thoughts which return to us with a sort of alienated majesty" simply the stimulations of our unconscious cathexes, so that our hair stands up only when certain special buttons are pushed? Is what is really interesting about art and literature not what can be captured by universal psychological generalizations but what is a matter of purely idiosyncratic neural twists?If so, one can think of Emerson advising would be Melvilles: "Have faith in your obsessions! Whether they catch on or not, they are all you have! If Melville's whale had not caught on, it would nevertheless be worth Melville's time to have created him! Surely you have your own white whale?"


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2.3 RORTY LENDO PROUST: INVENÇÃO DE UMA VOCAÇÃO (E REDESCRIÇÃO DA SABEDORIA) A sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma forma de ver as coisas. (PROUST, 1984, p.339).

2.3.1 Ciúme de Platão, ciúme de Proust: onde encontrar a sabedoria?

Platão tinha ciúme de Homero e do lugar que os poetas ocupavam na cultura grega. A Filosofia nasceu desse sentimento, trazendo consigo a promessa de desenvolver uma boa sociedade, que estaria livre da deformação do desejo (NUSSBAUM, 2004), afirmando a identificação socrática de virtude com conhecimento, e tomando este pressuposto como caminho de ordenação social. Para combater os poetas, Platão não tinha alternativa senão a de tecer narrativas e criar seus próprios mitos, combatendo sombras com sombras. Escrevendo contra a escrita, afirmava um saber que se fundaria na contemplação da Verdade eterna e imutável. O jovem Richard Rorty (1931-2007) escolheu aos quinze anos frequentar o curso de Filosofia, buscando nele esta “verdade redentora” que a leitura de Platão havia lhe anunciado confusamente. Rorty queria encontrar um sistema de pensamento em que pudesse conciliar os seus gostos idiossincráticos (por orquídeas selvagens, por exemplo) com a busca por justiça social. A leitura de livros marxistas havia lhe colocado em dúvida sobre seu caráter moral, pois seus gostos privados não teriam lugar, sendo condenados em qualquer utopia, uma vez que nelas a distinção entre privado e público é extirpada1911. Em Platão, o jovem percebeu a possibilidade de alcançar uma espécie de conhecimento, que prometia ao mesmo tempo lhe garantir virtude moral. A “verdade redentora” que Rorty vislumbrava adquirir pela Filosofia seria o mesmo tipo de saber que a fé religiosa proporciona: a crença na posse de uma perspectiva privilegiada, que permite ver a realidade como ela é em si mesma e, com isso, por fim a qualquer processo de inquirição. Tinha dúvidas se essa perspectiva privilegiada vertical tomaria a forma sublime de um bem estar profundo e incomunicável ou lhe daria a posse de argumentos belos e racionais, capazes de convencer qualquer interlocutor.

191

A utopia pede que se bloqueie o “eu” em favor do “nós”. Assim, o desejo de transformação social deve ser superior a qualquer gosto idiossincrático individual. Para realizar ou manter sua promessa de ordenação social, os projetos utópicos não podem “dar espaço à liberdade pessoal ou individual”. (RIBEIRO, 2004, p. 165).


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As duas opções apontam para o anseio de tornar-se autêntico, distanciando-se da educação e cultura de sua sociedade na tentativa de transcender qualquer contexto de justificação, ocupar um lugar de “umbigo celeste”192. Rorty tentou com afinco alcançar essa posição filosófica; contudo, não conseguiu manter a necessária fé na Igreja da Razão, crença que seria primordial para seguir os caminhos de investigação ascética e positivista, padrão na academia (norte-americana). Suas dúvidas quanto à possibilidade de seguir o caminho de ascensão na escada platônica, das sombras e aparências para a luz e a verdade, tornaram-se mais fortes após a leitura de dois livros: A Fenomenologia do Espírito, de Hegel e Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Rorty conta que por bom tempo considerou estas como sendo as “grandes realizações da espécie à qual pertencia”193. (RORTY, 2005, p.39). Hegel ocupou para ele o mesmo lugar dos livros marxistas, com a ideia de que também poderia “traduzir o seu tempo em pensamento” e, desta forma, contribuiu para transformar o mundo (como pretendia Karl Marx). Já Proust ocuparia, para Rorty, o lugar de suas orquídeas selvagens, ou seja, sua obsessão privada. Apesar de a primeira ser uma obra teórica e a segunda literária, as duas narrativas traziam para o jovem filósofo a percepção de algo que a tradição platônicokantiana reprimira: a contingência. Em seu ensaio autobiográfico “Trotsky e as orquídeas selvagens”, Rorty descreve com vivacidade o encantamento provocado por esta descoberta: Era o regojizante compromisso com a temporalidade que Hegel e Proust compartilhavam – o elemento especificamente antiplatônico em suas obras – que parecia tão maravilhoso. Ambos pareciam capazes de tecer todas as coisas que encontravam em uma narrativa sem solicitar uma moral para tal narrativa, e sem perguntar como a narrativa apareceria sob o aspecto da eternidade 194. (RORTY, 2005, p.39-40).

O encontro com Hegel e Proust ajudou a modificar a busca que empreendia. Podemos dizer que serviu de início para a “trajetória do pragmatista”, uma espécie de auto192

Tal anseio infantil é ilustrado na forma de busca de uma experiência religiosa (de promessa mais constante em nossa “precária geografia”) no canto VIII do livro Invenção de Orfeu do poeta Jorge de Lima (1980, p.143): “Ilha de infâncias idas, hoje achada,/ virada para todos os quadrantes,/ inícios de ontem, hoje renovados,/mas inconsútil corpo religado/ pelo umbigo celeste às Três Pessoas/ presentes na geografia precária”. Por conta da ressonância proustiana dos versos de Jorge de Lima escolhi, neste trabalho, retomar sua expressão “umbigo celeste” no mesmo sentido que Rorty trabalha com os termos de Hilary Putnam e Thomas Nagel (2004), “ocupar o lugar de um olho-de-deus” e pretender ter um “gancho celeste”. Tais termos marcam a tentativa de ultrapassar todos os contextos de justificação conversacional e humana e postular para si um saber inquestionável. 193 For quite a while after I read Hegel, I thought that the two greatest achievements of the species to which I belonged were The Phenomenology of Spirit and Remembrance of Things Past (the book which took the place of the wild orchids once I left Flatbrookville for Chicago). (PSH, p11). 194 “It was the cheerful commitment to irreducible temporality which Hegel and Proust shared - the specifically anti-Platonic element in their work - that seemed so wonderful. They both seemed able to weave everything they encountered into a narrative without asking that that narrative have a moral, and without asking how that narrative would appear under the aspect of eternity. (PSH, p11).


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narrativa irônica que Rorty utilizaria como “ponto fixo”, seu “Plano Oculto”195 para encaixar em um espectro os textos que lhes chegam a mão. Tal trajetória teria três fases: (1) Em um primeiro momento, o “Perseguidor da Iluminação” começa a duvidar da utilidade dos grandes dualismos da filosofia ocidental e percebe que esses não devem ser superados, mas esquecidos: com a ajuda de Nietzsche, compreende tais dualismos como marcos de tentativas fantasiosas de adquirir um controle total sobre a realidade. (2) Em um segundo momento, o pragmatista passa a destruir/desconstruir por meio de narrativas esse desejo de controle total, como “um simples eufemismo pretensioso da esperança masculina de oprimir as mulheres, ou da esperança da criança de se vingar da sua mamãe e do papai” 196. (RORTY, 1993n, p.109). Aqui, o “Perseguidor da Iluminação” já pode esboçar uma risada irônica, ao perceber a origem de sua antiga compulsão por uma “verdade redentora”. (3) Em um terceiro momento, a pessoa deixa de crer que seu caminho consiste de passos em uma escada em direção a uma iluminação: sua trajetória seria mais próxima do resultado contingente da leitura de vários livros. Deixa para trás qualquer dimensão da busca da verdade por correspondência e se dá conta de que “há tantas descrições quanto são os usos a que o pragmatista possa ser submetido por si mesmo ou pelos outros” 197. Então, a avaliação de qualquer das descrições alternativas é vista como tendo por referência sua eficácia para cumprir determinado objetivo, sua utilidade para um projeto. (RORTY, 1993n, p.108-109). Essa trajetória descreve uma narrativa que teria sentido pedagógico, conduzindo à dúvida quanto a distinções filosóficas tradicionais, como as entre essência e aparência, que servem para sustentar a pretensão de autoridade fundacional da visão filosófica. O primeiro livro completo escrito por Rorty, A Filosofia e o Espelho da Natureza, argumenta contra a argumentação, questionando as ideias representacionistas que fundamentariam a pretensão da Filosofia de colocar-se, a partir de Kant, como juíza e 195

No debate com Umberto Eco, Richard Rorty constrói uma narrativa “semi-autobiográfica” que seria, para ele, seu ponto fixo, sua obsessão paranoica. Era uma forma de ironizar a pretensão de Eco de propor limites para a interpretação. No livro de Umberto Eco (1989) O Pêndulo de Foucault, os personagens que se entregam a semiose hermética criam um “Plano” que tem por centro a busca do Santo Graal pelos templários. Todos os eventos, para a interpretação hermética desses personagens, apontam direta ou indiretamente para este grande Plano oculto. O Pendulo de Foucault é um dos motes do debate entre Eco e o filósofo neopragmatista americano. Rorty descreve sua narrativa sobre a “Trajetória do Pragmatista” como sendo um “equivalente pessoal da história dos templários” (RORTY, 1993n, p.108). “My own equivalent of the secret history of the Templars - the grid which I impose on any book I come across -is a semiautobiographical narrative of the Pragmatist's Progress”. (PSH, p. 133) Usando os termos de Eco neste romance, diríamos que “A trajetória do pragmatista” é o Plano da semiose hermética de Rorty. 196 “At that point, with a bit of help from Freud, one begins to hear talk about the Will to Power as just a highfalutin euphemism for the male's hope of bullying the females into submission, or the child's hope of getting back at Mummy and Daddy”. (PSH, 133). 197 “There are as many descriptions as there are uses to which the pragmatist might be put, by his or her self or by others” (PSH, p.133).


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guardiã da cultura, dado seu acesso privilegiado às bases epistemológicas da sabedoria. Nele, o filósofo norte-americano tenta descartar os problemas, que haviam ocupado a Filosofia em sentido platônico-kantiano, como perguntas perenes por essências e princípios universais. Se não existe uma “realidade” esperando para ser “descoberta”, as descrições podem ser alteradas de acordo com os projetos que pretendemos desenvolver. Nesse contexto, qual seria a função da Filosofia? Para Rorty, a Filosofia com “F” maiúscula, que marca a pretensão metafísica de um acesso privilegiado à verdade, não teria mais lugar. Seria necessário então pensar em uma era pós-filosófica ou criar uma perspectiva diferente da sabedoria, que se afastasse da tentativa de fundar epistemologicamente o conhecimento ou se colocar como juiz e “guarda de fronteira” dos valores culturais. A filosofia, com letra minúscula, deveria se tornar finita e assumir sua historicidade, cuidando de limpar o lixo metafísico de conceitos inúteis para abrir espaço para a imaginação. Em Contingência, Ironia e Solidariedade, Rorty tenta construir alguma resposta para seus anseios de juventude, rejeitando a tentativa platônica de unir justiça social e autocriação em uma única teoria. Este livro tem mais a dever a Proust do que a Platão. Embora Rorty critique o anseio de “pedagogizar narrativas”, pressupondo um fundamento epistemológico que elas espelhariam, aqui pretendemos utilizar Proust contra/com a “Trajetória do Pragmatista”, ou melhor, assumindo que a filosofia é um gênero literário e o filósofo um tipo de escritor, a narrativa de Em busca do tempo perdido pode ser lida como um mito que substitui a alegoria platônica como mote para uma redescrição da sabedoria. Lendo Contingência, Ironia e Solidariedade, como sumarizando muitas das intuições de Em busca do Tempo Perdido, poderemos entender melhor porque invejar os poetas e os criadores de metáforas, como Proust, parece ser uma sina de quem procura a sabedoria. A princípio achamos interessante assinalar as semelhanças que tanto a narrativa autobiográfica construída por Rorty, quanto os romances de formação, tem com o mito da busca de Parsifal pelo Santo Graal 1983. Na história deste cavaleiro, imortalizada na ópera de 198

Nos romances do Graal, e de forma marcante na história de Parsifal fica evidente a importância dada ao individuo e a sua vontade, que o faz seguir seu caminho. Em sua história a vontade é divinizada, segundo Joseph Campell “o romance do Graal é o romance de Deus em nosso próprio coração, e nele o Cristo se transforma numa metáfora, num símbolo daquele poder transcendental que é o esteio e o ser de nossa própria vida”. (CAMPELL, 1990, p. 198). A divinização da vontade exposta nas histórias do Graal é a única forma de resolver o problema da Terra Devastada. Nela a desordem e o caos advém justamente do fato das pessoas viverem uma vida sem autenticidade, deixando de seguir o que lhes pede o coração, para se curvar diante de convenções sociais. (Idem, p. 201). A busca pelo Graal é uma procura por desfazer essa situação de falsidade. O Graal seria a essência da energia vital que palpita nos corações humanos. Parsifal – Percival ou Parzifal – é o cavaleiro que


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Wagner, de mesmo nome, ele consegue alcançar o Graal por manter sua pureza de coração, caminhando entre opostos e construindo, não pela inteligência, mas pela fé, o seu saber. O Graal é seu caminho. Marcel, protagonista do romance proustiano, segue entre os caminhos de Guermantes e de Swann, entre Sodoma e Gomorra, é tentado pelas “raparigas em flor”199, etc. (Em verdade, todos os “romances de formação” tem algo da herança de Parsifal e das lendas do Graal). Rorty queria seguir entre as opções binárias da Filosofia tradicional, entre analíticos e continentais, o belo e o sublime, realistas e antirrealistas etc. Ambos denunciam a pressuposição de que exista um caminho, uma teoria, um método, e tentam traduzir em seus termos a lição de Nietzsche sobre a aventura de tentar “chegar a ser quem se é”. Nenhum dos dois tem ou pensa ter algo como um poder moral como “pureza de coração” e o seu “Graal” não deixa de ser uma “ilusão de ótica”, uma mudança de perspectiva que tem como componente estético o ciúme. Ciúme dos precursores na arte que se quer dominar, inveja que se faz busca, que nos incita a uma tentativa de apreender o ser em uma teoria, a nos tornarmos especialistas e dominar pela inteligência o objeto de nossa obsessão (impulso presente em Swann e Marcel, especialistas em sua compulsão). Para Harold Bloom, essa “angústia da influência” torna o parricídio na poesia uma condição necessária para que o artista supere a repetição e possa ser ele também um criador original. Nesse sentido, para o crítico norte-americano, Proust desvenda a radical necessidade que corporifica o escritor, tendo por sintoma sua escrita: (...) a narração romanesca é inveja criativa, amor é ciúme, ciúme é o pavor de não haver espaço suficiente para si (inclusive espaço literário), e de que jamais possa haver tempo suficiente para si, porque a morte é a realidade da vida de uma pessoa. (BLOOM, 2006, p.88).

alcança o Graal, dele se torna guardião, assim como dos mais altos valores espirituais: compaixão e lealdade. (Ibidem, p. 243). Parsifal é um “puro idiota tornado sábio pelo sofrimento” (Assim o descreve Richard Wagner em sua peça Parsifal. (MILLINGTON, 1995, p. 353), representa a superação de todas as oposições, seja entre Ocidente e Oriente, seja entre bem e mal. Parsifal seria aquele que segue perci à val, ou seja, pelo meio do vale; caminhando entre os contrários e construindo o seu próprio caminho. Na busca pelo Graal, cada qual deve fazer a sua própria rota, deve entrar na floresta e seguir seus instintos, mesmo que gire em círculos, não pode tomar a trilha de outro como a verdadeira: isso só o faria se perder ainda mais. Como explica Joseph Campell: “Pode-se obter indicações dadas por pessoas que seguiram algum caminho, mas é preciso que, obtidas essas indicações, você as traduza segundo o seu próprio critério, e para isso não existem livros de normas. Nessa busca fantástica – este é um romance maravilhoso, no qual cada um dos cavalheiros segue o seu próprio caminho -, quando alguém encontra o caminho de outrem e pensa; ‘ele está chegando lá’ e começa a seguir por ali, logo em seguida se vê completamente perdido, muito embora aquele outro possa ter chegado ao seu destino”. (CAMPELL, 1990, p. 199). 199 Quando Parsifal é tentado pelas “raparigas em flor”, em sua inocência pergunta “Vocês são flores? Vocês cheiram bem!”. Provavelmente são as “meninas-flor de Parsifal que inspiram o título do segundo volume de Em busca do Tempo Perdido: À sombra das raparigas em flor.


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A lição de Proust pode nos ajudar a entender a necessidade de redescrever a sabedoria, que animou o trabalho de Rorty. O escritor francês oferece em sua escrita um “antilogos”, uma “antifilosofia”, como descreve Gilles Deleuze: “Proust constrói uma imagem do pensamento que se opõe à da filosofia, combatendo o que há de mais essencial em uma filosofia clássica: seus pressupostos”. (DELEUZE, 2006, p.88). O ciúme, para Deleuze, também estaria na raiz da busca pela verdade, já que tal procura nasce no ciumento que desvenda (...) um signo mentiroso no rosto da pessoa amada; é o homem sensível quando encontra a violência de uma impressão; é o leitor, o ouvinte, quando a obra de arte emite signos, o que o forçará talvez a criar, como o apelo do gênio a outros gênios. (DELEUZE, 2006, p.88).

A comunicação de um gênio para com outro não tem a forma de uma “amizade tagarela”, mas surge como desafio de enfrentamento agonístico. A tradicional Filosofia “com todo o seu método e a sua boa vontade, nada significa diante das pressões secretas da obra de arte”. (DELEUZE, 2006, p.81). Tais “pressões secretas”, para Rorty, assim como para Deleuze, advêm da imaginação que desenvolve novas formas de ver o mundo. O ciúme alimenta o criador, este “divino intérprete que vigia os signos pelos quais a verdade se trai”. Tal traição é o que abre espaço para o novo, e, talvez seja traindo a sabedoria da Filosofia que poderemos recriá-la, com a amorosa violência de quem “dês-lê” (misread) seus precursores, tomando-os como mais trigo para o moinho de seu processo de autocriação. A sabedoria do romance nos ensina a lidar com a incerteza, a diversidade, a incompletude. Como ensina Milan Kundera: O espírito do romance é o espírito da complexidade. Cada romance diz ao leitor: “as coisas são mais complicadas do que você pensa”. Esta é a eterna verdade do romance que, entretanto, é ouvida cada vez menos no alarido das respostas simples e rápidas que precedem a questão e a excluem. (KUNDERA, 1988, p. 2122).

Em sua tentativa de redescrição da Filosofia em filosofia, Rorty passou do ciúme de Platão para o ciúme dos poetas, do privilégio da razão para o da imaginação. Mas essa é apenas uma escolha contingente, que não pode ser tomada como uma nova “verdade teórica”. Em entrevista, Rorty disse que invejava os poetas da mesma forma como filósofos analíticos, do tipo de Quine, têm inveja de cientistas naturais. Uma das grandes diferenças entre filosofia analítica e nãoanalítica tem sido o objeto da inveja dos filósofos. Não me imagino tendo inveja de um físico ou de um matemático, do mesmo modo que de um contador ou advogado – não interessando quão talentoso ou socialmente útil. Eu não tenho


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certeza se Quine poderia se imaginar tendo inveja de Blake ou Rilke. 200 (TCF, p.71, tradução minha).

O idiossincrático objeto de nossa inveja determinaria a forma de nossos interesses e o caminho que nos constitui como amigos do saber. Já que não pode argumentar a favor do tipo de sabedoria que considera mais útil, Rorty tem que contar histórias que possam ser interessantes para os demais. Seu mote é o de que a filosofia não pode nem precisa ser mais do que uma voz, um tipo de discurso, dentro da conversação da humanidade.

2.3.2. Secularização da sociedade e secularização da linguagem: uma epifania da contingência

Para o poeta Wallace Stevens a imaginação é a mente reagindo ante a pressão da realidade; no entanto, o que chamamos de realidade não é mais do que a imaginação dos mortos, e é do interesse deles que nenhuma nova reação seja necessária: que a imaginação dos vivos não possa fazer nada senão reiterar lições previamente aprendidas e exemplificar verdades já sabidas. (RORTY, 1992o).

Prender-se a crosta de convenção é algo paralisante para quem deseja criar. Por isso o poeta Stevens canta no poema “Na estrada para casa” a não existência da verdade (STEVENS, 2011): Foi quando eu disse: “Não há tal coisa como a verdade”, Que as uvas pareceram mais gordas. A raposa saltou de sua toca. Você... Você disse: “Há muitas verdades, Mas não são partes de uma verdade.” Então a árvore, à noite, começou a mudar, Nuançando-se entre verdes e azuis. Éramos duas figuras numa mata. Dissemos que estávamos sós. Foi quando eu disse: “Palavras não são formas de uma palavra única. Na soma das partes, há apenas as partes. O mundo deve ser medido a olho”; Foi quando você disse: 200

“I envy the poets, just as analytic philosophers like Quine envy natural scientists. One of the differences between analytics and non-analytic philosophy had to do with the object of the philosopher’s envy. I cannot imagine being envious of a physicist or a mathematician, any more than of an accountant or a lawyer – no matter how talented or how socially use-ful. I am not sure that Quine could have imaged being envious of a Blake or a Rilke”. Mais sobre a relação de inveja entre filósofos e cientistas naturais em 2004h.


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“Os ídolos viram muita pobreza, Cobras e ouro e piolhos, Mas não a verdade”; Foi nessa hora que o silêncio ficou mais amplo E mais longo, e a noite mais redonda, A fragrância do outono mais cálida, Mais íntima e mais forte.

Richard Rorty, assim como a maioria das pessoas, não coaduna esta afirmação de Wallace Stevens sobre a não existência da Verdade, no entanto, considera necessário modificar o modo como utilizamos este termo, abandonando qualquer procura por desvendar o que “a realidade é em si mesma”201. A miragem de uma Verdade que espera passivamente ser desvelada e nublaria a necessidade de imaginação criativa (como descrito na “Trajetória do Pragmatista”). Pois é justamente a busca da Verdade e da Beleza que move o jovem Marcel, como este nos é apresentado nas primeiras páginas de O caminho de Swan. Os livros lhe aparecem, então, como portadores “do segredo da verdade e da beleza”, tais palavras estariam “meio ressentidas, meio incompreensíveis”, porém, sua apreensão era o vago, mas permanente objetivo do seu pensamento. (PROUST, 2003, p.85). E é como um chamado do “oráculo de Delfos”202, que Bloch – colega mais velho, de quem não esperava nada mais do que a revelação da verdade – lhe apresenta a obra de Bergotte. (PROUST, 2003, p. 91). Este escritor seria para o narrador uma influência fundamental em sua decisão de tornar-se também escritor. Lendo Bergotte, Marcel começa a deslocar sua atenção do assunto, da linha da narrativa, para o jeito de dizer, o estilo que produz todo um efeito sobre o leitor. Não são os

201

C.f. TP, p.vii. As conversações de Marcel em sua busca assemelham-se as de Sócrates e como as dele, traziam algo de erótico, um transação, que por vezes tinha caráter masoquista (como nas primeiras aproximações entre o narrador e o Oriane de Guermantes), noutras tomava forma de sadismo (como o tipo de submissão que Charlus a principio lhe oferecia). (CIS, p.103; CISp, p. 308). Contudo, tais conversações na maioria das vezes não lhe causavam impacto a não ser como jogo de cena e dissimulação, do qual só viria a atribuir alguma avaliação de modo retrospectivo/introspectivo, em seus instantes de solidão, na ausência do outro. Nesse sentido o romance de formação de Proust difere profundamente, por exemplo, de A montanha mágica de Thomas Mann, onde os diálogos têm uma força bem maior para transformar os personagens, já que, estes, como a maioria de Shakespeare, “escutam a si mesmos, quase como se as próprias falas fossem proferidas por uma outra pessoa”. (BLOOM, 2005, página 187) Para Proust “só conhecemos verdadeiramente aquilo que somos obrigados a recriar pelo pensamento, aquilo que a vida de todos os dias nos oculta...”. (PROUST, 2008, p.207). Este caminho de desvelamento é turvado pelo fato de se dar para o leitor como uma rememoração, o que leva Maurice Blanchot a considerar que Em busca do tempo perdido não poderia ser qualificado com um romance de formação, já que o que o narrador aprende não é de forma alguma o efeito necessário de um desenvolvimento progressivo: “tem a irregularidade do azar, a força graciosa de um dom imerecido que não compensa em nada um trabalho longo e sábio de aprofundamento”.[2] Porém, penso que podemos defender a ideia de que o livro é sim uma Bildungsroman, na medida em que assim se apresenta para o leitor, já que o domínio do acaso e da fragmentação torna-se também um ensinamento pela forma como o romance se desenvolve, já que para Proust “só é possível imaginar-se o ausente”. (PROUST, 1981, p.124). 202


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argumentos nem o que é contado que lhe causam maior impressão, mas sim, os devaneios, os momentos em que Bergotte deixa fluir seu pensamento, traduzindo paisagens e lugares (catedrais, antigos monumentos franceses, a arte de Berma etc.) com palavras que faziam o leitor sentir algo de sublime. Tentar isolar esta sabedoria procurando o trecho ideal de Bergotte, aquele que havia lhe proporcionado maior encantamento, desvendar seu algoritmo, conhecer suas opiniões acerca de todos os assuntos, apreender seu poder tornou-se a direção do amor de Marcel. Proust nos dá algumas dicas sobre o estilo e as predileções de Bergotte, que, não por acaso, o narrador tomava como o “espelho da verdade”. É desta representação da realidade que Marcel acredita precisar para desvendar seu “Graal”, e é dela que mais tarde ele terá que se livrar para tornar-se um escritor. O narrador idealiza Bergotte e cobre com uma aura mágica tudo o que a ele se refere; é assim que se dirige ao caminho de Swann, aproximandose de Charles, por este ser amigo de seu autor favorito, transferindo suas impressões artísticas para Gilberte e Odete, de tal forma que, para o narrador, nada possuía valor senão na medida em que pudesse servir para sua busca. (PROUST, 2003, p.395). A presença fantasmagórica deste precursor lhe atormentaria sempre, como ele mesmo nos diz: Mesmo mais tarde, quando comecei a escrever um livro, certas frases, cuja qualidade não eram o bastante para me decidir a continuá-lo, encontrei-lhes equivalente em Bergotte. Mas somente então, quando lia-as nas suas obras, é que podia desfrutá-las; quando era eu quem as compunha, preocupado que elas refletissem exatamente aquilo que meu pensamento desejava exprimir, não “fazer semelhante”, tinha muito tempo para perguntar a mim mesmo se o que estava fazendo era tão agradável. Mas, na verdade, eu só amava esse tipo de frases, esse gênero de idéias. Meus inquietos esforços descontentes eram eles mesmos um sinal de amor sem prazer mais profundo. (PROUST, 2003, p. 97).

É este sintoma de pastiche que marca a avaliação negativa que o embaixador Norpois faz dos escritos de Marcel; negando-lhe o talento literário. A autoridade deste julgamento pareceu ao jovem enorme, haja vista a posição social e política de quem o pronunciavam. Novamente Proust comparou este vaticínio ao do Oráculo de Delfos para Sócrates. (PROUST, 1984, p.27). Norpois deveria estar mais próximo da verdade do que o narrador. Contudo, fazendo-lhe perguntas compreendeu que seus juízos em questões estéticas apenas repetiam o gosto comum ou se prendiam a aspectos superficiais. Entendeu, então, que repetir o que os outros diziam “em política não era sinal de inferioridade, mas de superioridade”. (PROUST, 1984, p.32).


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A ideia de que a vida mundana e a existência artística não são comensuráveis é para Proust algo muito importante203. O aprendizado dessa diferença é fundamental para que o narrador de Em busca do tempo perdido possa alcançar seu intento de ser um artista criativo. Para tanto, terá que se desviar da trajetória de Charles Swann, que não soube desvincular sua vontade de criar do impulso mundano e, por isso, manteve-se infrutífero. Comparando a trajetória deste com a do grande pintor da narrativa, Elstir, afirma o narrador que o primeiro ficou preso a ”beleza da vida”, palavras de certo modo sem significação, região situada aquém da arte e onde vi que Swan se detinha, era também aquele lugar a que um dia haveria de ir retrocedendo pouco a pouco um Elstir, por debilitação do seu gênio criador, por idolatria das formas que o tinham favorecido ou por desejo de menor esforço. (PROUST, 1984, p. 317).

Para Proust a obra de arte deve ser pensada de forma autônoma em relação ao eu social do escritor. Nesse sentido, comenta como a vida viciosa de um artista lhe colocaria com toda força e vivacidade o problema moral, com tal urgência que, muitas vezes “os grandes artistas, embora maus, se servem de seus vícios para chegar à concepção da regra moral de todos”. (PROUST, 1984, p.108). Como na Fábula das Abelhas de Mandeville, eis que o vício privado pode gerar benefícios públicos. A divisão que Rorty propõe entre espaço público e espaço privado se identifica com essa distinção proustiana: um espaço de autocriação privada e outro de conversação pública, que teriam jogos de linguagem incomensuráveis. Se na vida pública a argumentação e o consenso são valores fundamentais, em nossa autocriação privada a liberdade de imaginar formas diferentes de vida seria o que há de mais importante. Tal distinção é o que, segundo ele, nos possibilita fugir das exigências de uma visão platônica que quer chegar a uma verdade que sirva para os dois campos. Para Proust a perspectiva mundana e consensual não é capaz de gerar uma sabedoria que promova a autenticidade. Em seu platonismo adolescente, Marcel parece não compreender tal distinção e por vezes deixa-se levar pelo gosto comum; como quando - tendo tido uma impressão desfavorável da apresentação de Berma, em seu primeiro contato com a diva do teatro da época - vê-se arrastado em seu juízo pela multidão que a ovacionava, de tal forma que à medida que aplaudia lhe parecia que a atriz havia se apresentado melhor. (PROUST, 1984, p.25). Queria descobrir uma verdade una, desta forma, estava impossibilitado de criar 204. Do

203

cf. NASCIMENTO, 1997. Proust nos descreve como seria a “imagem” da verdade como o narrador a compreendia: “minha inteligência devia ser uma, e quem sabe mesmo se não existe uma só inteligência de que todo o mundo é co-locatário, uma 204


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mesmo modo, procurava em Norpois e nas críticas de jornal encontrar justificativas para uma admiração que a apresentação não havia lhe proporcionado. Essa busca de muletas para afirmar um gosto é justificada, já que, como diz Proust, “é muito raro que algum de nós tenha a coragem da própria originalidade e não se aplique a assemelhar-se aos modelos mais louvados”. (PROUST, 2007, p.535). Neste sentido, o apoio de seu pai para que Marcel seguisse a carreira de escritor – considerando que seu gosto não iria mudar, pois já tinha idade para saber o que queria – fez pesar sobre o narrador o mal estar de sentir-se parte do Tempo. Percebeu que sua vida já havia começado e que não se encontrava fora das leis da contingência. Essa impressão desagradável do peso da liberdade e de sua aposta existencial não desenvolveu nele nenhuma crença, no sentido de mudar os seus hábitos de ação. Em termos heideggerianos poderíamos dizer que foi tomado como algo impessoal, o “se” do sujeito indeterminado. Em verdade, este Hábito aparece com letras maiúsculas em Proust, já que o narrador, a partir dele, a tudo se acomoda, deixando o pêndulo oscilar entre sofrimento e tédio; prendendo o Tempo na imobilidade de dias e repetição. (BECKETT, 2003, p.28). Precisaria ainda de um longo período para superar o ciúme que o paralisava, assim como, de convivência com o “mundo da arte” (artworld). O termo mundo da arte de Arthur Danto serve bem para dar uma explicação para a necessidade da investigação que Marcel faz do universo artístico de seu tempo. Cada época formaria uma espécie de atmosfera artística, construindo suas convenções estéticas, que apontam para o que seria apreciado/aceito como arte. Como exemplo, podemos citar o caso do pintor Giotto (1266-1337), que impressionava seus contemporâneos pelo realismo de sua arte; sendo que, até mesmo Vasari (1511-1574), que viveu no fim do Renascimento, reafirmava seu espanto ante tão perfeita criação, dizendo que seria possível acreditar que os homens representados em suas telas estivessem vivos. Ora, esta “transparência”, pela qual o “artista não é mais do que uma janela que dá para uma obra prima” (PROUST, 2007, p. 55), é justamente a descrição que Marcel oferece de Berma, quando a assistindo pela segunda vez, toma seu talento como uma evidência. Não porque a virá atuar, mas porque via seu personagem através dela. Para Danto, se pudéssemos viajar no tempo e assistir a atuação de Berma não teríamos a mesma percepção descrita por Proust, já que esta seria tida como “um produto opaco do teatro da Belle èpoque, de estilo tão típico quanto os móveis de Nancy e dos cartazes de Toulouse-Lautrec”. (DANTO, 2005, p. 238). O que era transparente para os que inteligência para a qual cada um de nós, do fundo de seu corpo particular, dirige os seus olhares, como no teatro, onde cada qual tem o seu lugar e onde existe apenas um único palco”. (PROUST, 1984, p.116).


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vivenciavam uma época torna-se opaco para nós que dela nos distanciamos, no entanto podemos perceber algo que seus contemporâneos não discerniam: o “estilo” de Giotto e Berma. O que aqui Danto chama de “estilo” se refere menos ao que Giotto via "do que à sua maneira de ver, por isso mesmo invisível”. (DANTO, 2005, p.239). Tal maneira de ver deveria ser comum a um grande numero de pessoas do mundo da arte de seu tempo, já que estes compartilham a mesma avaliação de sua obra. Segundo esta teoria de Danto, podemos deduzir que os artistas criados por Proust (a literatura de Bergotte, a pintura de Elstir, a musica de Vintueil, a representação de Berma e todas as outras obras citadas na galeria das páginas de Em busca do tempo perdido) formariam uma espécie de “mundo da arte”, apontando para certa percepção do que poderia ou não fazer parte deste universo. Mas para criar sua obra é necessário que se desafie o que é convencional, reformulando os critérios de julgamento e a tensão entre belo e sublime. Se há um mundo da arte com o qual é necessário conviver, é imperativo dele também se distanciar. O sublime da criação escapa da teoria analítica de Danto. O juízo negativo do embaixador Norpois não seria a única decepção ante o qual o idealismo do narrador teria que se confrontar, em verdade, o encontro com Bergotte seria também desfavorável, na medida em que esse não correspondia à imagem que dele Marcel cultivava. Se o anúncio do nome de Bergotte causa um grande efeito sobre Marcel, sua figura o decepciona: não tinha a aparência de um velhinho debilitado, mas era “moço, rude, baixo, reforçado e míope, de nariz vermelho em forma de caramujo e barbicha negra”. (PROUST, 2007, p.100). Sua presença não trazia nada do sublime que sua obra havia despertado em Marcel. A existência de alguém chamado “Bergotte” que escrevia as obras de Bergotte, colocava em xeque a possibilidade de tomar seus livros como ponto fixo a partir do qual a “realidade” se constituía. A presença de um deus sem aura, de barbicha e nariz de caramujo, fazia tremer a própria esperança de um Olimpo literário. Além disso, sua vida mundana e apreço por Marcel pareciam contar de forma negativa em sua avaliação. Para amar, o narrador precisava sustentar a impenetrabilidade de alguém que tem um corpo, mas, de certa forma, ele já conhecia pelos livros o espírito que animava aquele nariz e cultivava aquela barbicha, de modo que não podia remediar para si a assimetria entre seu ideal artístico e aquele sujeito. Bergotte, diferentemente do Sr. Norpois, ouvia e tentava articular o que o interlocutor dizia, retificando-o sem o corrigir. Não era um oráculo da verdade (como Marcel esperava) e nem parecia ter a mesma autoridade social que possuía Norpois, cujos argumentos em matéria de arte eram irrefutáveis, “porque eram sem realidade”. (PROUST, 1984, p.111).


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Diversas outras experiências de desencantamento como esta, acontecem durante sua busca. O jovem narrador cultuava uma série de nomes que considera mágicos, nomes que para ele portavam um poder hipnótico, “Bergotte”, “Berma”, “Vintueil”, “Elstir” e, principalmente, “Guermantes”. Tais termos pareciam a princípio conter em si certa carga de inefável, certo elemento sublime que se ligaria ao seu telos na imaginação do narrador. Como se para cada virtude correspondesse uma encarnação divina que se expressava em uma figura humana excepcional. Para o crítico italiano Pietro Citatti, todo o livro de Proust “não é mais do que uma caça aos deuses que ainda habitam os tempos modernos – uma caça que esta repleta de decepções, ilusões, enganos, falsos caminhos, mas que, apesar de tudo, termina numa vitória paradoxal”. (CITATTI, 1999, p.21). O romance, em termos históricos, narra os últimos momentos de grandeza da antiga nobreza medieval, que mantinha seu poder simbólico pelos títulos e tradição, mas que definhava em termos de poder político. Por outro lado, havia a ascensão da burguesia, que possuía dinheiro, mas não o refinamento dos antigos aristocratas. A dissolução do poder sublime dos nomes corresponde também a uma secularização da sociedade, onde a força desses títulos nobiliárquicos apareceria como mera curiosidade idiossincrática (como a da americana que parece na cena final no salão dos Guermantes). Se no início do romance o narrador conhece os nomes, mas não seus portadores, no fim de sua trajetória terão quase uma inversão desta situação, já que na recepção dos Guermantes, embora Marcel conheça quase todos os presentes, não os reconhece de imediato, modificados que estão pelo envelhecimento. Proust não estabelece juízo de valor acerca desse tipo de dissolução de aura, afirmando uma espécie de darwinismo cultural que perpassaria os valores da sociedade; “pois as teorias e as escolas, como os micróbios e os glóbulos, se entredevoram e asseguram com sua luta a continuidade da vida”. (PROUST, 2008, p. 357). Esse tipo de disputa pela sobrevivência aconteceria na arte, assim como na ciência, de tal forma que, em termos proustianos existiria um inelutável progresso da arte na medida em que os gostos se transformam, sendo que, as obras de gênio construiriam os critérios a partir do qual serão julgadas. Uma longa, mas fundamental citação me parece necessária para apresentar este juízo de Proust: O motivo de que uma obra genial rara vez conquiste a admiração imediata é que o seu autor é extraordinário e poucas pessoas com ele se parecem. Há de ser a sua própria obra que, fecundando os poucos espíritos capazes de compreendê-la, os fará crescer e multiplicar-se. Foram os próprios quartetos de Beethoven (os de n.º XII, XIII, XIV e XV) que levaram cinquenta anos para dar vida e número ao público dos quartetos de Beethoven, realizando desse modo, como todas as grandes obras, um


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progresso, senão no valor dos artistas, pelo menos na sociedade dos espíritos, largamente constituída hoje pelo que era impossível encontrar quando a obra-prima apareceu, isto é, criaturas capazes de amá-la. Isso a que se chama posteridade é a posteridade da obra. É preciso que a obra (sem levar em conta, para simplificar, os gênios que na mesma época possam trabalhar paralelamente, preparando para o futuro um público melhor, de que os outros se aproveitarão) crie ela própria a sua posteridade. (PROUST,1984, p.87).

A ausência de julgamento moral por parte de Proust coincide com sua negação de qualquer telos, mas também mostra um aspecto de resistência, na medida em que, o aprendizado de seu personagem principal, diferentemente de Wilhen Meister de Goethe, não o leva a uma integração nos valores e estilo de vida determinados pela sociedade. Marcel se desvia da trajetória que Hegel descreve como sendo a padrão do herói moderno, de luta contra o mundo nos anos de aprendizado, para a acomodação de filisteu na idade adulta. (HEGEL, 2000, p.328-329). Não existe nele a mentira autoritária de uma nova forma de vida que inelutavelmente cobre todos os campos de forma totalitária, tipo de juízo contra os quais Proust se volta. (ADORNO apud ALMEIDA, 2005). Para exercer sua vocação, o artista precisa se retirar, resistir ao fausto da sociedade e dos salões. Para Proust a lei cruel da arte exige que os seres pereçam, que nos mesmos morramos padecendo todos os tormentos, a fim de cresça a relva, não do olvido, mas da vida eterna, a dura relva das obras fecundas, sobre as quais as gerações futuras virão alegremente, sem cogitar dos que sob ela dormem, fazer seus piqueniques. (PROUST, 1981, p. 244).

Pois é quando já havia desistido de sua busca que o narrador encontra em um bolinho mergulhado no chá, no som de um garfo batendo em um prato, na música de Vintueil etc., memórias involuntárias de seu passado. Deste modo percebe a contingência e as mudanças que o eu sofre durante sua trajetória. Se conseguisse traduzir sua vida em uma obra, teria, enfim, inventado sua vocação, não pela inteligência, mas pela sensibilidade, construiria uma obra em que o eu passado e o eu presente dialogariam pela memória. Se “a impressão é para o escritor o mesmo que a experimentação é para o sábio, com a diferença de ser nesse anterior e naquele posterior ao trabalho da inteligência” (PROUST, 1981, p.130), a verdade na arte é a criação de relações novas e instigantes, que se assemelhariam a função que tem a determinação de causa-efeito, para a ciência. A verdade na arte só surgiria como metáfora. Para tanto não precisa ele de uma teoria, ou seguir as verdades da lógica e do raciocínio consciente, mas, sim, captar sua forma de ver o mundo, buscando fugir do que o hábito torna comum, para transformá-la em uma obra de arte. Se a ciência nos quer levar a contemplar um só mundo, a arte nos faz dispor de “tantos mundos quantos artistas originais existem”. (PROUST, 1981, p.142).


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Diferentemente da dimensão sublime que antes imaginava ser inerente a atividade do escritor, o narrador pensa em trabalhar em seu livro, com a mesma dedicação e afinco com o que o fazia sua empregada Françoise, “pregando aqui e ali uma folha suplementar”, tal construção se daria, não na forma de uma catedral (o narrador não ousa afirmar tal), “mas modestamente como um vestido”. (PROUST, 1981, p.240). É interessante lembrar que Françoise era inigualável na cozinha, mas, ela mesma, quando perguntada, não conseguia (ou não queria) desvendar o mistério por trás da superioridade de sua arte, porém sabia do seu valor e da excelência do seu trabalho e a ele se dedicava com afinco. (PROUST, 1984, p.52). Assim, ao final da longa investigação acerca das artes, o leitor tem uma sensação de despojamento ao vê-la descrita a partir de um nível tão humilde. A partir disso, Richard Bales conclui: Isto demonstra quão plenamente o Narrador aprendeu a lição de que a arte e a vida inseparavelmente se entrelaçam, e, que no exercício de sua autoridade nesta área ele não requer nenhum suporte a partir do exemplo de outros artistas. È nos detalhes corriqueiros da existência que as sementes da grandeza repousam: ele ira tomá-los como ponto de partida e transforma-los através da permanência da arte. (BALES, 2001, p.199 tradução minha)205.

Retomando seu passado o narrador-autor consegue resgatar sua memória e realizar sua vocação. Temos então uma fusão do personagem Marcel com o escritor Proust e esta nos oferece a autoimagem que dele nos interessa, já que, como afirma Nietzsche, é a obra do artista e do filósofo que inventa quem a criou. (NIETZSCHE, 2000, p.269). Proust utilizou suas lembranças para tornar sua vida literatura, e, desta forma, nos ofereceu uma nova maneira de perceber o mundo. A lição do livro de Proust, de construção da vida como uma obra literária é, segundo Alexander Nehamas, a narrativa ideal para exemplificar o que Nietzsche chamou de eterno retorno. A vida de Marcel não representa nenhum exemplo de virtude, nem possui proezas dalgum heroísmo, mas, ao retomá-la contando a forma como suas crenças e valores foram mudando ao longo do tempo; as amizades e a artificialidade dos salões aristocráticos; suas atitudes, muitas vezes melindrosas e egoístas; a indiferença que demonstrou nos últimos dias de sua avó; seu ciúme etc., ao reconsiderar sua história em seus mínimos detalhes como o percurso necessário para chegar a ser quem era, Proust nos oferece um exemplo claro do tipo 205

“it demonstrates how completely the Narrator has learned the lesson that art and life intertwine inseparably, and in exercising his mastery in this area, he requires no further support from other artists’ examples. It is in the humdrum details of existence that the seeds of greatness lie: he will take them as his starting-point and transform them into the permanency of art”.


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de mudança da forma de ver que poderia nos levar a mudar nossa maneira de sentir. (NIETZSCHE, 2004, p.103). Para Nehamas “a interação paradoxal entre criação e descoberta, conhecimento e ação, literatura e vida, é o centro da concepção nietzschiana de self”. (NEHAMAS, 1985, p.168). O comentador norte-americano tenta mostrar que a interpretação do eterno retorno em termos cosmológicos, como se Nietzsche quisesse propor uma teoria científica, não faria jus ao seu perspectivismo e o pouco esforço que empreendeu (nas obras que revisou e publicou) para justificar tal tese. Para Nehamas o eterno retorno seria uma teoria sobre o self, o que justificaria a insistência de Nietzsche em afirmar que estava propondo uma idéia original e o tipo de mudança psicológica que ele pretendia alcançar com esta “revelação”. Nietzsche teria conseguido transformar o “miserável homenzinho que escreve seus livros” (NEHAMAS, 1985, p.234), “no filósofo que emerge de seu pensamento, no caráter magnífico que estes textos constituem e manifestam”, assim, fez de sua vida literatura e chegou a ser quem é. Richard Rorty parte da interpretação de Nehamas para tentar, ele mesmo, desenvolver uma narrativa que produzisse o efeito de paralaxe, o tipo de coisa em que o jovem Hegel, Nietzsche e Proust seriam mestres, com sua habilidade de se deslocar entre os dois lados de uma mesma questão, “enquanto, na verdade, mudaram de perspectiva e, com isso, alteravam a questão entre respostas sucessivas”206. (CISp, p.181). O que o filósofo norte-americano faz é aproximar o processo de desencantamento da linguagem e construção de uma Bildungsroman, com a trajetória do jovem Hegel, Nietzsche, Heidegger e Derrrida em seu enfrentamento com a metafísica. Estes autores seriam ironistas, algo que em um jargão mais técnico chamaríamos de nominalistas historicistas, pessoas que levam a sério a contingência e tentam fugir da metafísica. O termo metafísico é utilizado por Rorty no mesmo sentido que lhe dá Heidegger e (Jorge Luis Borges207), designando alguém que acredita que pode oferecer um ponto fixo, a partir do qual teríamos um acesso privilegiado à verdade. Podemos dizer que Marcel, a princípio, fazia uma busca metafísica, ao tomar a obra de Bergotte como um espelho para a verdade, demonstrava não levar a sério a contingência. Para Rorty, o tipo de relação que 206

“All three were skillful at appearing to be on both sides of a single question while actually shifting perspective, thereby changing the question in between successive answers”. (CIS, p.103). 207 Gosto de uma definição irônica encontrada em no conto de Jorge Luis Borges “Tlön, Ucbar: Orbis Tertius”: “Os metafísicos de Tlön não buscam a verdade, nem seguir a verossimilhança: buscam o assombro. Julgam que a metafísica é um ramo de literatura fantástica. Sabem que um sistema não é outra coisa que a subordinação de todos os aspectos do universo a um deles. Até a frase “todos os aspectos” é inaceitável porque supõe a impossível adição do instante presente e dos pretéritos. Nem é lícito o plural “os pretéritos’, porque supõe outra operação impossível..”. (BORGES, 1998, p. 481-482).


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Charlus oferece ao narrador em seu primeiro encontro se assemelha ao tipo de vinculo que os metafísicos oferecem aos seus leitores, construindo discípulos e imitadores que herdariam o poder de visão superior de seu mestre. (CIS, p.103; CISp, p.180). Nenhum dos autores escolhidos por Rorty para desenvolver sua redescrição oferecem algo que Platão aceitaria chamar de sabedoria. Por isso mesmo, o pragmatista norteamericano não os chama de “filósofos”, mas, sim, de teoristas. Seriam teoristas ironistas, pessoas que buscaram construir uma narrativa acerca da história da metafísica, tomando este passado como algo a ser superado, como se oferecessem uma escada, que deveria ser lançada longe assim que estivéssemos longe do olhar de medusa da metafísica. A grande questão que as teorias ironistas enfrentam é a de encontrar uma forma de superar a autoridade sem reivindicá-la, ou seja, como poderiam redescrever a história da metafísica sem eles mesmos se tornarem metafísicos. Quando começavam a escrever sua narrativa tinham um problema prático com o qual lidar, “como poso terminar o meu livro?”, “Como colocar um ponto final nessa história?”. Se os personagens que Proust redescreve em sua narrativa são as pessoas que encontrou durante sua vida; estes teóricos lidam com conceitos abstratos como personagens (Razão, Ser, Vontade etc.), encenando algo com pretensões grandiosas, como a História do Ser ou do Ocidente. Resumo a seguir, muito brevemente, como Rorty lê estes autores. O jovem Hegel representaria um falso começo, na medida em que seria o primeiro a tematizar a contingência, redescrevendo o passado e tomando seus antecessores como determinados por seu contexto, frutos de seu tempo; contudo, toma sua narrativa como necessária e definitiva. Rorty crê, como Kierkegaard, que se Hegel tivesse tomado sua Ciência da Lógica como apenas um experimento de pensamento seria o maior pensador de todos os tempos. Contudo, para o idealista alemão, o espírito teria adquirido a autoconsciência com sua obra e a História chegado ao fim, atingindo sua meta. Deste modo, ele se tornou mais um metafísico que reivindica para si o lugar de “umbigo celeste”. Nietzsche e Heidegger ainda cairiam nessa tentativa de alcançar uma posição sublime em relação à história reivindicando o posto de “último filósofo”. Buscar o sublime seria tentar se colocar em tal lugar que seria impossível ser julgado por outro critério que não o seu próprio, cobrir todos os “campos de possibilidades”, sem considerar que ele mesmo é fruto de um contexto. Nietzsche manteria a ideia de alguns conceitos que teriam o brilho de “palavras mágicas”, como a ideia de super-homem, alguém que transcende qualquer contexto, sendo pura autocriação. Em tais momentos esquece seu perspectivismo e tenta afirmar sua narrativa como norma universal.


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Heidegger não queria ser metafísico nem ironista. Em sua primeira fase teria traduzido Nietzsche para o jargão kantiano, o que não representou avanço no sentido de dissolução da metafísica. Contudo, tentou contar a história da metafísica sem se prender aos seus conceitos, tentando se aproximar da poesia, buscando manter a força do que considerava “palavras elementares”. Heidegger teria desenvolvido sua Bildunsgroman não como uma narrativa, mas como uma ladainha. Porém, não conseguiu fugir do problema da autorreferência, já que não percebeu que seus equivalentes do que eram para Marcel palavras como “Guermantes”, “Combray”, “Bergotte” etc., não eram mais do que uma escolha idiossincrática privada, que não precisaria se aceita por todas as pessoas. (CIS, p.118; CISp, p.203). Para Rorty, as narrativas de Heidegger podem ser imprescindíveis para quem compartilha de sua perspectiva teórica. Por não ater-se a uma dimensão de autocriação privada, Heidegger manteve-se como um sacerdote ascético208. Na descrição de Rorty, Derrida teria dado um passo adiante em direção a uma secularização da linguagem. O segundo Derrida teria abandonado a busca por quaisquer palavras-chave e transformado seus escritos em jogos idiossincráticos privados. Em obras de sua segunda fase, como Cartão-Postal, evitaria a ideia de construir um livro (como alguém que faz sexo para ter filhos) e se mostraria contente em escrever fragmentos para si mesmo (sexo por prazer), que seriam como cartas de amor privadas, que demandam por parte do leitor certa identificação, que, quando desfeita, fazem destes escritos entulhos inúteis. Ele quebra a fronteira de gênero entre Filosofia e Literatura, o que não significa que a filosofia tenha se tornado literatura. Continua tratando do cânone filosófico e incluindo, em sua narrativa, outros filósofos com quem esbarrou pelo caminho. Para Rorty, não temos critério prévio para qualificá-lo dado sua originalidade. Rorty assim resume sua avaliação da relação entre Proust e o filósofo desconstrutivista: 208

Rorty tenta preservar a utilidade das críticas de Heidegger a epistemologia e a metafísica tradicional separando-a de suas posições públicas. Sua divisão forte entre autores que teriam utilidade em nossa autocriação privada, mas não em nossa conversação publica lhe permite esse tipo de avaliação. Podemos tomar como resumo de sua postura quanto a Heidegger o seguinte trecho: “Quando lemos Heidegger como um professor de filosofia que tenta transcender a sua posição pessoal, usando os nomes e as palavras dos grandes metafísicos mortos como elementos de uma litania pessoal, ele é uma figura imensamente simpática. Porém, como filósofo de nossa vida pública, como comentarista da tecnologia e da política do século XX, ele é ressentido, mesquinho, preconceituoso, obsessivo e- no que tem ocasionalmente de pior (como em seu enaltecimento de Hitler, depois de os judeus serem expulsos da universidade – cruel” (CISp, p.206). “When we read Heidegger as a philosophy professor who managed totranscend his own condition by using the names and the words of the great dead metaphysicians as elements of a personal litany, he is an immensely sympathetic figure. But as a philosopher of our public life, as a commentator on twentieth-century technology and politics, he is resentful, petty, squinteyed, obsessive - and, at his occasional worst (as in his praise of Hitler after the Jews had been kicked out of the universities), cruel.” (CIS, p.120).


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Digo que Derrida em “Envois” escreveu um tipo de livro em que ninguém jamais havia pensado. Fez pela história da filosofia o que fizera Proust por sua história de vida: jogou umas contra as outras todas as figuras de autoridade, e todas descrições deles mesmos que era possível imaginar que essas figuras dessem, e o resultado foi que a própria ideia de “autoridade” deixou de ser aplicável em relação ao seu trabalho. Ele atingiu a autonomia do mesmo modo que Proust: nem Em busca do tempo perdido nem “Envois” se encaixam em nenhum esquema conceitual previamente usado para avaliar romances ou tratados filosóficos. Com isso, Derrida evitou a nostalgia heideggeriana, do mesmo modo que Proust evitou a nostalgia sentimental – recontextualizando incessantemente tudo que era trazido pela memória. Ele e Proust ampliaram nossos limites de possibilidade. (CISp, p.231)209.

A lição que Rorty extrai dessa aproximação entre a filosofia ironista e a obra de Proust é a de que “os romances seriam um meio mais seguro do que a teoria para expressar o reconhecimento que se tem da relatividade e da contingência”. (RORTY, 2007, p.187). Lendo a si mesmo, a partir dos romances teríamos maiores possibilidades de nos identificar com a dor e as diferentes formas de vida, Proust acreditava que “Todos os altruísmos fecundos da natureza se desenvolvem de maneira egoísta, sendo estéril o altruísmo humano não egoísta” (PROUST, 1981, p. 142), crença que Freud e Rorty aceitariam: se é por meio da identificação que estendemos nosso horizonte de lealdade, que se traduz em respeito e cuidado, romances seriam melhores do que tratados filosóficos para cumprir essa função.

2.3.3 A ironia do embate entre belo e sublime: teorizando contra a Teoria

Em 2004 Harold Bloom lançou um livro com o título pretensioso de Onde encontrar a sabedoria? dedicado para Richard Rorty. Nele, repetia o exercício de comparar autores tidos como mais teóricos e autores tomados como mais literários. Para esse crítico a vantagem tende sempre a cair do lado da literatura. Rorty provavelmente concordaria com essa avaliação, mas sabia que a medida era idiossincrática. Por exemplo, ele acreditava que Proust se deteve na descrição do belo, por isso conseguiu fazer sua obra. Mas será que ele também não tinha ambições sublimes? A leitura de Rorty é rápida e utilizaria a obra de Proust para confirmar teses prévias. Em verdade, foi Em busca de tempo perdido que fez com que ele mudasse de perspectiva e suas interrogações. Para ele 209

“I am claiming that Derrida, in "Envois," has written a kind of book which nobody had ever thought of before. He has done for the history of philosophy what Proust did for his own life story: He has played all the authority figures, and all the descriptions of himself which these figures might be imagined as giving, off against each other, with the result that the very notion of "authority" loses application in reference to his work. He has achieved autonomy in the same way that Proust achieved autonomy: neither Remembrance of Things Past nor "Envois" fits within any conceptual scheme previously used to evaluate novels or philosophical treatises. He has avoided Heideggerian nostalgia in the same way that Proust avoided sentimental nostalgia - by incessantly recontextualizing whatever memory brings back. Both he and Proust have extended the bounds of possibility”. (CIS, p.137).


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o valor dos livros estudados em ambos os departamentos, de literatura e filosofia, é de que eles cumprem a mesma função que torsos arcaicos de Apolo, telas de Vermeer e concertos do Grateful Dead. Ocasionalmente sugerem as pessoas que elas podem mudar suas vidas, e, talvez até sugiram como eles podem fazer isso. Sendo todas estas coisas equivalentes, não devemos nos dedicar ao ensino de livros ao menos que estes tenham mudado nossas vidas, ou a vida da pessoa que conhecemos, ou a vida de um grande número de pessoas no passado, ou, ao menos, temos alguma outra razão para crer que os estudando talvez mudem algo na vida de nossos estudantes (RORTY, 1994, p. 578).210

Rorty fez um trabalho muito importante tornando a Teoria uma palavra de letras miúdas. Tal secularização precisa continuar; o que indica a necessidade de sempre construir novas escadas para serem jogadas fora. E é bom acreditar que certo encantamento sublime continuará nos impulsionando a fazer esse pendulo balançar, entre dizível e indizível. A filosofia deveria então tentar se aproximar dessa possibilidade de mudança e imaginação, o que é mais útil que tentar repetir o mesmo daquilo que dalguma forma é consenso. Rorty defende uma separação entre espaço público e privado que traz, ela mesma, uma divisão idiossincrática que dificilmente seria confirmada por outros autores. Derrida mesmo não gostou do seu lugar e não queria ser reduzido a autocriação privada. Mas cada autor é mais trigo em nosso moinho e não pode dominar o uso que deles fazemos. Por exemplo, Rorty acreditava que Proust teria um uso privado, que a sua lição de redescrição das autoridades seria uma lição para nossa vida individual e não para nossa conversação política. Contudo, Zygmunt Bauman vê aí, nesse tipo de redescrição, uma possibilidade, ou melhor, uma necessidade política em nosso horizonte de diferenças: A grande chance da pós-modernidade é reproduzir em escala maciça o feito pessoal de Proust. O perigo formidável da pós-modernidade é que – se a chance não for aproveitada – pode ressuscitar ambições defuntas (ou que apenas hibernam?) da adolescência moderna e injetar nos contemporâneos o desejo de revivê-las. A história, disse Marx, sempre ocorre duas vezes. Primeiro, como tragédia, depois como farsa. Mas pode ser, como aconteceu com muitas de suas previsões, que ele tenha trocado a ordem da sucessão de gêneros (BAUMAN, 1999, p.113).

Julia Kristeva211 acredita que toda escrita deriva de algum amor, da vontade de ser compreendido (o que vale mesmo para cartas de suicidas), já a imaginação seria aberta ou

210

the value of the books studied in both literature and philosophy departments is that they serve the same function as archaic torsos of Apollo, paintings by Vermeer, and Grateful Dead concerts. They occasionally suggest to people that they must change their lives, and perhaps even suggest how they might do so. All things being equal, we should not teach books unless they have changed our lives, or the lives of people we know, or the lives of large numbers of people in the past, or unless we have some other reason to believe that studying them may change some of our students' lives (RORTY, 1994, 578). 211 Julia Kristeva toca com clareza o problema do entrecruzamento entre a dimensão melancólica e abertura para construir o diferente: “A semiologia, que se interessa pelo grau zero do simbolismo, é inevitavelmente levada a esse interrogar não somente sobre o estado amoroso, mas também sobre o seu obscuro corolário, a melancolia, para constatar ao mesmo tempo que, se não existe escrita que não seja amorosa, não existe imaginação que não seja, aberta ou secretamente, melancólica.” (Kristeva, 1989. p.. 13).


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secretamente melancólica, fruto da insatisfação com o que é. Para Rorty o embate entre beleza racional e sublime não discursivo é o eterno alimento da filosofia: se o belo pode ser alcançado pelo diálogo, pela conversação de seres racionais (discursivos); o sublime pede um tipo de mutação que é mais bem descrito como uma conversão, que não pode ser adquirida por consenso. Proust parece brincar com esse embate entre belo e sublime e com o próprio amor ciumento que difunde em seus leitores, que, admirados, querem tornar-se especialistas em sua obra. Contemplar os quadros de Elstir, ouvir a música e Vintueil, ler os textos de Bergotte, assistir uma representação de Berma é uma impossibilidade que marca o choque mesmo entre comunicável e incomunicável: pode(ría)mos ter crenças que consideramos verdadeiras sobre a obra destes artistas fictícios, mas ao tentar torná-las justificadas, estas mesmas mostram-se frágeis ou mesmo vazias (como o é o mistério nos olhos de Capitu: teria ela traído mesmo Bentinho? Podemos confiar no que nos diz um Casmurro?). Esta impossibilidade mesma de chegar a uma justificação última, alcançando “a realidade como ela é”, mantém a magia e a tensão que nos leva a imaginar o sentido dessas metáforas, que mostram o poder da linguagem de narrar e redescrever o mundo, mudando nossa forma de vêlo. A filosofia não teria esse mesmo poder de transformação da arte, mas pode nos alertar para a ausência de necessidade na repetição, trabalhando num continuo e perpétuo desencantamento e questionamento de pressupostos, no balançar do pêndulo de belo e sublime.


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3. CONCLUSÃO Richard Rorty muito cedo foi seduzido pela promessa da Filosofia de oferecer uma perspectiva totalizante, no entanto, sua contaminação foi ambígua. Como ele explica em sua autobiografia intelectual: Li meu primeiro par de filósofos quando tinha treze anos. Foram Platão e Nietzsche. Minha reação foi: estes homens não podem estar ambos certos, mas, com certeza, deve haver uma maneira de vê-los como complementares e não apenas como contradizendo um ao outro. Talvez Sócrates possa ser entendido como uma versão inicial de Zaratustra? Talvez a vontade de poder possa ser pensada como uma descrição alternativa da urgência para atingir o Belo e Bom? A leitura de Platão e Nietzsche me fez pensar, com algum alívio, que poderia não ter que ler todos os livros da biblioteca. Eu poderia simplesmente ler os livros de filosofia, aqueles que condensavam a nata de todos os outros.(RORTY, 2010a: p.5-6 tradução minha).212

A promessa de que a Filosofia ofereceria acesso à essências tornou-se para ele um engodo, um falso caminho que denunciava com paixão. Contudo, a tentativa de conciliar Sócrates e Zaratustra, personagens de Nietzsche e Platão, permaneceu como impulso de sua obra na forma como abordou a querela entre Poetas e Pensadores. Nesta descrição, enquanto Nietzsche é um profeta da diversidade, Platão desenvolve uma concepção convergente de racionalidade. Involuntariamente, ao denunciar a exaustão da metafísica platônica, Rorty também construiu sua proposta de filosofia como “forma de vida”. Como avaliou Dewey, podemos sempre pensar em duas filosofias, uma teórica que se reifica como dogma contrário a vida e outra que aceita a vida e a experiência com toda a sua incerteza, mistério, dúvida e semiconhecimento, e volta essa experiência para ela mesma, a fim de aprofundar e intensificar suas próprias qualidades – para a imaginação e a arte. É essa a filosofia de Shakespeare e Keats. (DEWEY, 2010: p.108)

Alexander Nehamas esclarece a origem dessa dupla tradição no desafio de traduzir o silêncio socrático e reinvindicar seu legado: A primeira se deriva daquelas primeiras palavras de Platão que descrevem Sócrates, porém que não meditam sobre ele, que apresentam seu modo de vida tal como Platão o viu sem nenhum esforço por interpretá-lo ou sistematizá-lo. A segunda se origina naqueles diálogos que não somente refletem Sócrates, porém que meditam

212

I read my first pair of philosophers when I was thirteen. They were Plato and Nietzsche. My reaction was: these two men cannot both be right, but surely there must be a way to see them as complementing, rather than merely contradicting, each other. Perhaps Socrates can be understood as an early version of Zarathustra? Perhaps the will to power can be thought of as an alternative description of the urge to attain the Beautiful and Good? Reading Plato and Nietzsche made me think, with some relief, that I might not have to read all the books in library. I could just read the philosophy books, the ones that skimmed the cream off all the others. (RORTY, 2010a, p.5-6)


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acerca dele. Estes sugerem que a indistinta recolecção das formas eternas permitiu a Sócrates levar uma boa vida e contém uma série de diretrizes para assegurar-se de que estas versões de Sócrates, que conhece as formas e não somente acredita nelas, são paradigmas da vida boa e de que sempre haverá entre nós peritos do bem viver. Em compensação, esta segunda tradição deu surgimento à concepção teórica da filosofia que domina nosso próprio pensamento (NEHAMAS, 2005, p.285 tradução minha).

Podemos ter uma explicação de como Rorty lida com o legado socrático a partir da forma como se desvia do lema “Sócrates amigo, mas mais amiga é a verdade”. Este lema aparece em uma passagem Fédon (89 d – 90d) depois da qual Sócrates denuncia o risco de nos tornarmos misantrópos, inimigos da humanidade, ou misólogos, inimigos da sabedoria, na medida em que idealizamos demaziadamente as pessoas ou aquilo que os estudos podem nos proporcionar. Ao sermos frustrados nestas idealizações passamos a repelir a humanidade e a racionalidade sem perceber que este juízo tem origem em uma medida extrema: pressupondo encontrar pessoas absolutamente boas ou ruins não notamos que estes extremos são exceções e, de modo diverso, ao encontrar na argumentação controvérsias que não se definem rapidamente como verdadeiros ou falsos, passamos a desprezar a razão, caindo no dogmatismo ou ceticismo irracionais. Embora possamos acusar Rorty de ter se decepcionado com a Filosofia justamente por tê-la idealizado em demasia, é certo que a solução que Platão recomenda no Fédon é problemática: deveriámos separar a busca da verdade da conversação social e de nossas lealdades. Com isso, Platão pressupõe uma verdade impessoal e necessária que estaria para além da conversação humana e do contexto do diálogo: não deveríamos acusar Sócrates de defender a imortalidade da alma por estar prestes a tomar cicuta, mas avaliar a sua argumentação “em si mesma”; daí a sentença: “Sócrates amigo, mas mais amiga a verdade”. Para Rorty, não deveríamos separar a busca da verdade da busca pela felicidade: não deveríamos tentar alcançar uma posição não humana que extirpasse todo desejo, nem postular essências ou constextos para além da conversação social. Neste sentido, a frase de Sócrates é reformulada pelo filósofo norte-americano, que gasta seu latim para dizer: “amici socii, sed forse magis amici socii futuri (nossos atuais colegas são nossos amigos, porém talvez nossos melhores amigos serão colegas do futuro)” (PAE, p.48). A frase de Rorty não parece ser retoricamente bem sucedida, se neste julgamento consideramos a força de persuasão ou impacto imediato. É uma frase canhestra, uma metáfora extraviada, mas podemos tentar fazê-la funcionar. Nela o único “além” que pode valer como horizonte de justificação é a promessa de um futuro melhor. Este aspecto utópico não se dá pela força de uma verdade impessoal, mas pela amizade, um sentimento que não pode ser


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teorizado, que depende da sedução e da identificação em um contexto intersubjetivo.213 Cada amigo pode ser comparado com um poema (não por acaso em seu ensaio póstumo “O fogo da vida” Rorty lamenta não ter tido mais amigos íntimos e ter lido mais poemas); manter a abertura para conhecer novos versos é fazer jus à autocriação romântica e exercitar a flexibilidade necessária para lidar com a contingência. Esta descrição abandona o sonho infantil de que de alguma forma poderíamos alcançar uma visão da totalidade através da filosofia, em verdade, cada livro que lemos é como a aproximação de um novo possível amigo, um parceiro de conversação, e não um passo de aproximação de como “as coisas são em si mesmas”. Deste modo a sabedoria exige o equilíbrio adequado entre duas virtudes, “a de escutar aos demais com a esperança de que possam ter ideias melhores que as que já possuem e a virtude de manter-se firme até que o outro se convença sem espaço para dúvidas de que seus próprios critérios foram desbancados” (FF, p.117-118). Sábios seriam “aqueles que conseguem combinar grande originalidade com grande tolerância” (FF, p.118).

Estes elementos do que Rorty chama de sabedoria

correspondem à sua divisão entre espaço privado de autocriação e de busca por convergência pública. Se quisermos cultivar a amizade à sabedoria neste sentido rortyano, devemos manter a capacidade negativa de separar o que consideramos útil e aquilo que não nos serve em temos de autocriação ou no horizonte político. Esta necessidade de autocriação se dá para o intelectual no âmbito da escrita e se exerce na forma de um “complexo de Hamlet”, onde a voz que hesita ao ouvir suas próprias afirmações fica em dúvida, se nega etc., dá lugar ao escrito. É através da escrita, do cultivo da palavra que o intelectual busca alimentar sua marca-cega e chegar a ser quem se é. Quanto à forma de relacionamento com a contingência, a posição de Rorty coaduna duas perspectivas: aquela de Freud, na qual o acaso é cheio de sentido (que a análise pretende desvelar) e a de Proust, quando o acaso não possui qualquer significação a ser desdobrada interiormente. A posição freudiana aceita a contingência, mas mantém o anseio convergente ampliando o espaço de intencionalidade, enquanto a postura proustiana torna externa a fonte de erupção de identidades alternativas em nossas epifanias seculares. Esta querela quanto ao modo como lidar com a contingência não se prende ao “literal” como um “destino” ou 213

“Porque não há nada geral e filosófico para ser dito sobre o amor, não há coisa alguma geral e filosófica para ser dita sobre estudos gerais. A verdade sobre ambos está nos detalhes. Tais estudos são, ou deveriam ser, mais uma forma de sedução do que de instrução.” (RORTY, 1982h tradução minha)


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“compromisso com a verdade”: ainda que inconscientemente sejamos máquinas que produzem coincidências, o contexto sempre se modifica e a redundância do passado só de modo irônico nos prepara para os desafios do futuro.214 Por isso, Rorty substitui o chamado “instinto de morte” pela capacidade poética, como abertura para fugir da reificação do sentido: este é seu “além”, como aposta no futuro (em termos antitéticos, seu ponto metafísico215). A aposta de Rorty na autocriação poética como caminho para a construção da individualidade pressupõe uma democratização do “gênio” que pode ser problemática quando apartada da crítica aos perigos de um individualismo autoreferente, do egotismo consumista.216 A constituição de uma individualidade com autoridade semântica depende de um desenvolvimento intersubjetivo que é premissa para o tipo de cidadania democrática que Rorty defende. Se não formamos nossa identidade moral a partir de determinados livros sagrados, este lugar de referência certamente hoje não é ocupado prioritariamente pela narrativa romanesca, que diluída em novelas, games, quadrinhos, revistas de fofoca etc. geralmente não atinge o desígnio de estranhamento e alargamento moral. Apesar de estar ciente deste perigo, Rorty (1996g) prefere não aderir a um tipo de amplo julgamento moralizante que o levaria a aceitar uma interpretação aristocrática da cultura (como a desenvolvida por Arthur Danto). Com ironia, os perigos e possibilidades da autocriação poética continuam sendo nosso tema e problema, como sugerem os versos de Gilberto Mendonça Teles (2011) no poema “Revolução”, feito sobre (ou contra) o diapasão de uma perspectiva rortyana217 onde a mudança de vocabulários é chave para a transformação social: Um dia começou a pensar que o mundo poderia ser mais original se houvesse uma revolução pela linguagem, trocando-se de repente o nome das coisas, de maneira que não ficasse vulgar a compreensão da vida, fácil demais para os cientistas e para os poetas metidos a filósofos. Se braço fosse chamado de caxumba caxumba de saco e este de pimenta pimenta fosse olho e este cachimbo cachimbo gaivota e esta distância, assim por diante até mudar-se a forma de todas as palavras, 214

C.f. PHILLIPS, 1998, p.17-54. Expresão que roubo de uma conversa com o professor Baptiste Grasset. 216 c.f. CARVALHO FILHO 2009 e 2010. 217 Esta é uma versão inicial do poema que foi enviado e dedicado a mim pelo autor. O poema deve aparecer no livro Brumas do Silêncio (no prelo). 215


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o homem teria de investir mais na criação de seu poema e seu poema seria um novo mundo. Assim a Europa seria o Brasil e a gente nem precisaria aprender a língua deles.

Como antecipamos na introdução, esta investigação deve se desdobrar em na análise da relação entre (1) poesia e educação moral (com a função das narrativas e sua relação com a autocriação e a política) e (2) poesia e utopia (na construção do dever-ser como aposta em um futuro utópico) em Rorty. Cabe também investigar de modo mais detido como (e se) a filosofia de Rorty substitui o conceito de experiência do pragmatismo clássico por uma visão não deificada, mas poética, de “vida”.218

218

“As relações causais entre homem e natureza parecem-me óbvias. Eu não sei porque elas precisam ser complementadas por relações experienciais. Não vejo porque precisamos de um substituto para o termo “experiência”. Se precisarmos de um, talvez poderia ser “vida”?” [The causal relations between humans and nature seem obvious. I don’t see why they need to be supplemented by experiential relations. I don’t see why we need a substitute term for “experience.” If we do need one, maybe “life” would do?”] (RORTY, 2008b: p.189)


REFERÊNCIAS

De Richard Rorty219 Livros de Richard Rorty em inglês: LT

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PH

Editor com J. B. Schneewind e Quentin Skinner. Philosophy in History: Essays on the Historiography of Philosophy. Vambridge, UK: Cambridge University Press, 1984.

CIS

Contingency Irony and Solidarity. Cambridge: CUP, 1989.

ORT Objectivity, Relativism and Truth: Philosophical Papers I. Cambridge: CUP, 1991. [Contém os seguintes ensaios, marcados a seguir com a sigla (ORT): 1984i, 1987d, 1988d, 1983c, 1985d, 1991f, 1987c, 1986n, 1988b, 1987e, 1988e, 1983b, 1986h, 1985c.] EHO

Essays on Heidegger and Others: Philosophical Papers II. Cambridge: CUP, 1991.[Contém os seguintes ensaios, marcados a seguir com a sigla (EHO): 1986m/1989i, 1984d/1992h, 1989e/1993h, 1991g, 1984c, 1989h, 1989c, fusão de 1990a e 1995i, 1986j, 1984a, 1988a, 1989g/1990c.].

AOC Achieving our country: leftist thought in twentieth-century America. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1998. [Contém 1995b e 1996e como um apêndice.] TP

Truth and Progress: Philosophical Papers III. Cambridge: CUP, 1998. [Contém os seguintes ensaios, marcados a seguir com a sigla (TP): 1995f, 1993c, 1994f, 1994m, 1993f, 1993d, 1992k, 1991a, 1995j, 1984e, 1992g/1994i, 1995k, 1995d.]

ABAO Com Derek Nystrom a Kent Puckett. Against Bosses, against oligarchies: A conversation with Richard Rorty. Charlottesville, vA: Prickly Pear Paphlets, 1998. PSH

Philosophy and Social Hope. Harmondsworth: Penguim, 2000. [Contém os seguintes ensaios, marcados a seguir com a sigla (PSH): seleção de 1996h, 1992o, /Hoffnung statt Erkenntnis/, in English, 1990e, 1996i, 1989b, 1989f, 1992j, 1996k, 1994c, 1997c, 1990b, 1998b/1999k, 1995g, 1992b, 1997i, 1996g, 1994a, 1997a.]

FR

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Fizemos um levantamento das obras de Richard Rorty tomando como base a listade escritos coletada por Gideon Lewis-Krasus e John R. Shook disponível em AUXIER, Randall e HAHN, Lewis, E. (ed.). The Philosophy of Richard Rorty. Chicago: Open Court, 2010. p.678-725. A lista aqui disponível amplia a lista de artigos, resenhas e entrvistas, o que deve ser uma útil contribuição para os que estudam a obre de Rorty.


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Com Pascal Engel. What’s the Use of Truth? Ed. Patrick Savidan. New York: Columbia University Press, 2007.

PCP Philosophy as Cultural Politics. Philosophical Papers IV. Cambridge: CUP, 2007. [Contém os seguintes ensaios, marcados a seguir com a sigla PSP: 2002e, 1998l, 1997k, 'Honest Mistakes,' 2004k, 2004g, 'Pragmatism and Romanticism,' 2003d, 2004h, 2006d, 'Wittgenstein and the Linguistic Turn,' 2005c, 2004j.] ET An Ethics for Today. Finding common ground between philosophy and religion. New York, Columbia University Press, 2010.

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Pragmatismo e política.Trad. Paulo Ghiraldelli Jr e Alberto Tosi Rodrigues. Sao Paulo: Martins, 2005. [Contém tradução para o português dos seguintes artigos: 1992o, 1995j, 1997k, 1994j.]


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Com Pascal Engel. Para que serve a verdade? Trad Antonio Carlos Olivieri. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

ETp Uma ética laica. Trad. Mirella T. Martino. São Paulo: Editora WMF Mantins Fontes, 2010. CT

Cadernos de tradução da F.F.C.: Textos de Richard Rorty. Trad. Paulo Ghiraldelli Jr., M. C. P. Martins, and Alberto Tosi Rodrigues. Marilia: Unesp Marilia Publicações, 1998. [Contém tradução para o português dos seguintes artigos 1992l, 1997c, 1997a.] (CT)

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PAE

El pragmatismo, una version: Antiautoristarismo en epistemologia y etica/. Trad. Joan Verges Gifra. Barcelona: Ariel, 2000. [Contém a tradução em espanhol dos ensaios: “Pragmatismo y Religion," 1998l, 1994l, "Panrelacionismo," "Contra la profundidad," a terceira parte de /Hoffnung Statt Erkenntnis/, 1997k, "Queda nada valioso por salvar en el empirismo?" e "El empirismo de McDowell."]

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draft.

Disponível

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Apêndice1: Poemas Citados de Philip Larkin As traduções dos poemas de Philip Larkin aqui utilizadas foram gentilmente cedidas por Alípio Correa de Franca Neto e fazem parte do livro Menos enganados: 80 poemas de Philip Larkin que esta no prelo da Editora Ateliê com publicação prevista para março de 2014.

Aubade I work all day, and get half drunk at night. Waking at four to soundless dark, I stare. In time the curtain edges will grow light. Till then I see what's really always there: Unresting death, a whole day nearer now, Making all thought impossible but how And where and when I shall myself die. Arid interrogation: yet the dread Of dying, and being dead, Flashes afresh to hold and horrify. The mind blanks at the glare. Not in remorse - The good not used, the love not given, time Torn off unused - nor wretchedly because An only life can take so long to climb Clear of its wrong beginnings, and may never: But at the total emptiness forever, The sure extinction that we travel to And shall be lost in always. Not to be here, Not to be anywhere, And soon; nothing more terrible, nothing more true. This is a special way of being afraid No trick dispels. Religion used to try, That vast moth-eaten musical brocade Created to pretend we never die, And specious stuff that says no rational being Can fear a thing it cannot feel, not seeing that this is what we fear - no sight, no sound, No touch or taste or smell, nothing to think with, Nothing to love or link with, The anaesthetic from which none come round. And so it stays just on the edge of vision, A small unfocused blur, a standing chill That slows each impulse down to indecision Most things may never happen: this one will, And realisation of it rages out


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In furnace fear when we are caught without People or drink. Courage is no good: It means not scaring others. Being brave Lets no-one off the grave. Death is no different whined at than withstood. Slowly light strengthens, and the room takes shape. It stands plain as a wardrobe, what we know, Have always known, know that we can't escape Yet can't accept. One side will have to go. Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring In locked-up offices, and all the uncaring Intricate rented world begins to rouse. The sky is white as clay, with no sun. Work has to be done. Postmen like doctors go from house to house.

Aubade

De dia, trabalho; à noite, eu meio que encho a cara. Olho o negror sem som, me levantando às quatro. Em tempo, a borda da cortina vai estar clara. Até lá, vejo aquilo que está ali, de fato: A morte infatigável, um dia mais perto, Tornando inviável todo pensamento, exceto O de onde, como e quando a minha vai chegar. Uma pergunta estéril: mas o horror que eu sinto Quanto a morrer e ser extinto Luz outra vez, para se impor e apavorar. A mente apaga-se ao clarão. Não é o remorso -- O bem que não se faz, o amor que não se vive, O tempo arrancado sem uso -- , ou a dor de nossa Única vida custar tanto a se erguer, livre De origens torpes, ou jamais se erguer. É vermos Esse vazio absoluto e sem um termo, Aquela inevitável extinção final Aonde vamos nos perder pra sempre. Não estar Aqui, não estar noutro lugar, E em breve: nada mais terrível e real. Esse é um tipo especial de medo, a que trapaça Nenhuma anula. A religião se empenhou nisto, Vasto brocado musical roído de traça, Criado pra fingir que não se morre, e ditos Especiosos, como “nenhum ser consciente Pode ter medo daquilo que não se sente”, Sem ver que este é o medo: não ver, ouvir, tocar,


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Cheirar, ter gosto, nada com que refletir, Ou com que amar, ou a que se unir, A anestesia da qual ninguém pode voltar.

E permanece assim, na fímbria da visão, A mancha desfocada, o calafrio que só retrai, Contínuo, cada impulso, e o torna indecisão. Coisas talvez não vão se dar -- mas esta vai, E a nossa consciência entra em agonia, entregue a Horror-fornalha, toda vez que ela nos pega Sem bebida ou companhia. Coragem não conta: Visa não assustar os outros. A bravura Não vai poupar da sepultura. A morte é a mesma, se você a teme ou afronta. A luz aumenta aos poucos, toma forma o quarto. Lá está, tão claro quanto o armário, o que se sabe E soube sempre, aquilo a que ninguém é apto A fugir, e não se aceita. A um dos lados cabe Ceder. Em salas por abrir, nesse entremeio, Vai soar, de cócoras, o telefone, e o alheio, Complexo mundo de aluguel vai despertar. Sem sol e branco como argila é o firmamento. Há trabalho para ser feito. Carteiros e médicos vão de lar em lar.

Continuing to live Continuing to live – that is, repeat A habit formed to get necessaries – Is nearly always losing, or going without. It varies. This loss of interest, hair, and enterprise – Ah, if the game were poker, yes, You might discard them, draw a full house! But it's chess. And once you have walked the length of your mind, what You command is clear as a lading-list. Anything else must not, for you, be thought To exist.


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And what's the profit? only that, in time, We half-identify the blind impress All our behavings bear, may trace it home. But to confess, On that green evening when our death begins, Just what it was, is hardly satisfying, Since it applied only to one man once, And that one dying.

Continuar a viver Continuar a viver – ou seja, repetir Um hábito pra ter o necessário, tende A ser, quase sempre, passar sem, ou perder. Isso depende. A perda de iniciativa, cabelo, interesse – Se o jogo fosse pôquer, Ah, você talvez Tirasse a trinca e o par, ou então a descartasse! Mas é xadrez. Tendo passado as coisas em revista, o que Se tem é claro como um romaneio. Aliás, Você não deve imaginar que, pra você, Haja algo mais. E o que se ganha? Apenas ver, numa dada hora, A marca cega no modo de nos comportar, Poder rastreá-la em toda a sua trajetória. Mas confessar, Na noite ingênua em que começa o fim pra nós, O que ela foi, isso é algo insatisfatório, Visto que se aplicava a um homem certa vez E esse homem morre.


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This be the verse They fuck you up, your mum and dad. They may not mean to, but they do. They fill you with the faults they had And add some extra, just for you. But they were fucked up in their turn By fools in old-style hats and coats, Who half the time were soppy-stern And half at one another’s throats. Man hands on misery to man. It deepens like a coastal shelf. Get out as early as you can. And don’t have any kids yourself.

Seja este o verso Eles te fodem, teus queridos pais. É sem querer, mas a verdade é esta: Te enchem das culpas que tiveram mais E dão, só pra você, uma dose extra. Mas eles se foderam com uns néscios De paletós e de chapéus à antiga, Durante o dia, piegas e perversos, De noite, se esganando numa briga. Legamos dor aos nossos semelhantes. Como um recife, ela se crava fundo. Por isso, saia dessa o quanto antes E nunca ponha filhos neste mundo.


APÊNDICE 2: Entrevista com Luiz Eduardo Soares

Não é por acaso que em Philosophy and Social Hope (p.229) Rorty chama de “filósofo” o seu amigo Luiz Eduardo Soares (daqui pode diante LES). O filósofo pragmatista considerava que esta é a denominação adequada para alguém que “remapeia a cultura, isto é, sugere um modo original e promissor de pensar a relação entre vários setores da atividade humana” (PSH, p.175). Esta definição da atividade filosófica é útil por ser provacativamente parcial, descartando aqueles que tecnicamente/profissionalmente desenvolvem a escolástica de seu tempo. De modo deweyano, toma a filosofia como mediadora entre o velho e o novo, como uma terapia direcionada para o futuro, ajudando a descartar formas de retórica e terminologia antiquadas que obstruem o progresso da Democracia. A filosofia ganha um sentido utópico, não como uma forma de conhecimento, mas sim como “uma esperança social concentrada em fazer acontecer um programa de ação, uma profecia para o futuro”.220 Rorty conhecia a tentativa de LES de escrever o romance da violência (no Rio de Janeiro), abrindo espaço para que a Utopia de uma transformação na segurança pública gerasse um novo pacto de sentido; uma redescrição poética da sociedade brasileira e de sua forma de lidar com a violência. LES foi orientado por Rorty em seu pós-doutorado em 1995 na Universidade de Virgínia; um encontro que transformou a trajetória do pensador brasileiro potencializando seu movimento da teoria para à narrativa; assim como, de sua evasão do academicismo nos sentido de desenvolver a condição de intelectual-público politicamente ativo e comprometido com o melhorismo democrático. LES se filia ao melhor da tradição pragmatista comprometendo-se com o trabalho contínuo de, não meramente distinguir ou cuidar das diferenças entre lobos e cães 221, mas de

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“Philosophy,” Dewey wrote, “is not in any sense what-ever a form of knowledge.” It is, instead, “a social hope reduced to a working program of action, a prophecy of the future.” (PCP, p.ix APUD: John Dewey, “Philosophy and Democracy,” in The Middle Works , ed. Jo Ann Boydston (Carbondale: Southern Illinois University Press, 1982), vol. XI, 43 ). 221 Platão na República compara os guardiões necessários para a segurança de sua polis com cães, alertando que estes deveriam ser educados com todo o cuidado já que “Para os pastores, a cosa mais tremenda e mais vergonhosa de todas é criar cães para os ajudarem a cuidar do rebanho, de tal modo que, devido à falta de disciplina, à fome ou a qualquer outro mal costume, se pusessem eles mesmos a tentar fazer mal as ovelhas e a assemelhar-se a lobos, em vez de cães” (República 416 a). Não por acaso, Trasímaco é retratado no começo da República (336b) como um lobo pronto para atacar. O cuidado com a diferença entre lobos e cães reaparece no Sofista numa analogia entre filósofos e sofistas, “como a entre o animal mais selvagem e o mais doméstico” (Sofista 231 a).


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procurar converter/redescrever o Estado – de lobos – fundando no medo em uma sociedade que pressupõe a confiança mútua. Em verdade, hoje provavelmente Rorty concordaria em descrever LES como fez Paulo Ghiraldelli recentemente: ele é um poeta que procura reconstruir a confiança prosaica na segurança pública, e que, na medida em que desenvolve seu poema constrói a si mesmo criativamente. Justificando estas duas denominações existe a força de uma obra que ultrapassa as fronteiras disciplinares e recoloca, para cada um que trabalha nas Humanidades, a interrogação acerca do sentido de sua posição como intelectual. A entrevista a seguir foi realizada em 12 de Janeiro de 2012 e, através dela podemos entender o que Rorty rspresentou na trajetória de Luiz Eduardo Soares e como ele adaptou e se apropriou criativamente da obra do filósofo norte-americano.

No começo de Meu Casaco de General há uma descrição em que você identifica uma dicotomia que é semelhante àquela de Rorty entre Trotsky e as orquídeas selvagens: “Nos anos 70 eu ouvia Macalé, Torquato, Capinam, Gal e Wally, como todo mundo. Quer dizer, todo mundo que para mim importava e cabia em meu próprio mundo privado. A luta contra a Ditadura tinha que ser integral para valer a pena. A vida toda devia ser comprometida, todos os lados da existência. E a estética era parte central do verdadeiro enganjamento. Isso, aliás me custou muitas dores de cabeça, porque eu fazia das tripas coração para conciliar o reformismo da frente ampla, inspirado pelos eurocomunistas que eu admirava, com a radicalidade dos vanguardistas, cujo irrealismo na política irritava meus amigos do Partidão. Por outro lado, meus amigos artistas repudiavam minhas afinidades políticas com os reformistas, cuja estética eu também abominava. O equilíbrio era mais que precário e tornava tudo ainda mais difícil. Jamais me sentia inteiramente confortável. Não me identificava com nenhum grupo completamente, mas sabia que meu destino seria conciliar essas pontas, amargando essa ambiguidade” (SOARES: 2000a: p.52). Gostaria que comentasse esse “conflito” que precisava comnciliar de alguma forma para construir sua vida. Luiz Eduardo Soares: Há uma dimensão histórico-historiográfica que é em si mesma interessante porque transcende a experiência estritamente privada individual e pode servir como uma espécie de sintoma da minha geração, o grupo ao qual pertenço etc. Eu sou membro de uma geração subsequente àquela que se formou politicamente em 68. É muito difícil você marcar fronteiras entre gerações, entre grupos sociais, em que a idade é apenas um


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dos aspectos. O que importa aqui na distinção que proponho, é a imersão em experiências particularmente singulares e distintas, marcantes. Neste caso, isso é relevante porque 1968 ofereceu a oportunidade para um mergulho social, político e estético muito particular. Os membros da geração precedente foram aqueles que eu identifiquei como tendo vivido diretamente o que eu observava a distância temporal com admiração, com muita reverência. Uma reverência jocosa, uma reverência íntima, uma reverência criativa, mas uma reverência. Para mim 68 significava uma revolução na revolução, a possibilidade de que nós, de fato, chocalhássemos e implodíssemos o stalinismo ou o que restava do stalinismo, o autoritarismo da esquerda, o machismo, a homofobia, o racismo, as perspectivas totalizantes/totalitárias, enfim, todas aquelas modalidades ideológicas que se haviam configurado ao longo do século XX, mesmo na oposição ao stalinismo no campo da esquerda. Então, 68 significava, digamos, um contato muito fértil e muito desestabilizador, subversivo (no melhor sentido da palavra), entre o hippismo, da geração beatnik norteamericana, tradições que vieram de outros países etc.; como o movimento da esquerda que se autorrevia criticamente naquele momento, sobretudo na Europa, depois também nas Américas. O movimento hippie trouxe uma série de componentes extremamente importantes em diálogo já com experiências da poética revolucionária do início do século. No Brasil, nós sabemos como isso se deu, mas, na experiência internacional, o dadaísmo, depois o surrealismo, as experiências estéticas que se afastavam do realismo socialista, que traziam o corpo, a questão de gênero, as marcas todas da historicidade e da contingência, que problematizavam o status da arte, a problemática da reprodutibilidade, da conexão com outras dinâmicas; tudo isso de alguma forma estava sendo dramaticamente revivido e traduzido, pelo menos em parte, pela experiência hippie, depois tão mal compreendida. Há muitos que não a valorizam e outros que dizem que ela acabou cooptada, incorporada no chamado sistema capitalista, coisas do tipo, o que efetivamente aconteceu, mas apenas em uma dimensão. E nós sabemos o que significa a absorção, ou seja, significa também deixar-se envenenar, além de transformar, abrigar e acolher potenciais de transformação, que, claro, num sentido de virtualidade significa abrir a possibilidade para metamorfose e significa também restos, não há absorção sem restos, sem entulhos, sem resíduos; e estes restos continuam sendo, para nós, uma forma de inspiração, de energia criativa, no sentido ético-político, no sentido estético. Mas, enfim, 68 é para mim o casamento do melhor destas tradições com a perspectiva libertária da afirmação da mulher, da liberdade sexual, da mulher no singular, na medida em que estou falando da igualdade de gêneros e para além da própria identidade de gêneros, das performances, de outras possibilidades de desmascarar as identidades como pontos de fixação. O papel importante de Michel Foucault,


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de [Gilles] Deleuze, dos neo-espinozistas, dos neonietzschianos, o papel deles todos foi muito importante e então nós temos aí uma espécie de complexo, de constelação, de obras e intervenções, de performances e significações que circulam e que funcionam como uma grande referência. Então nós temos a politização da experiência hippie e a sua transmutação em níveis culturais muito mais sofisticados ou muito, mais profundos. Por outro lado, isso também encontrava uma série de barreiras, uma série de limites. Limites externos a esse próprio complexo, a essa constelação e seria um equívoco e uma grande ingenuidade, pareceme, e eu nunca fui por este caminho, atribuir a este conjunto de autores e pensadores franceses a capacidade de enfrentar todos os nossos grandes desafios, as ideias políticas e de oferecer todas as alternativas teóricas e práticas que eram exigidas pelos desafios. E por essa visão crítica eu acho que foi importante a convivência direta com nossa situação, a situação da Ditadura no Brasil e a luta contra a ditadura, com o que isso significava em termos de limitação, de imposição de restrições muito severas, de chumbo, de peso e de realismo (naquilo que esta palavra ainda possa significar positivamente). Nós estamos falando de tradições, de obras, de intervenções, significados possíveis, eventos, mas é claro que isso tudo se torna relevante como referência para grupos sociais concretos que operam no Brasil em um determinado momento. Estou me referindo a uma geração ou conjunto de grupos sociais ou conjunto de gerações numa arena muito particular, então, agora trazendo isso para um terreno mais próximo da vivência cotidiana, de uma sociologia pedestre, prosaica. Como é que se comportavam aqueles que valorizavam tradições da ruptura, na estética, na ética reflexiva e na política? Que respostas ou que perguntas eles faziam? De que forma eles interpelavam a luta contra a ditadura no Brasil? De que maneira se portavam e que portas abriam etc.? Eu não estava convencido de que eles oferecessem (eles quem?, aqueles que reconheciam a importância destas tradições e constituições) respostas nem perguntas interessantes, viáveis, aceitáveis. Então, eu aí me voltava para outros grupos que me pareciam muito mais sintonizados com a complexidade da situação que nós enfrentávamos no dia-a-dia. E esses grupos eram ultracaretas, conservadores e reacionários do ponto de vista dos valores morais, sexuais, estéticos etc. Estes ainda cultuavam o realismo socialista, ainda mantinham vínculos com o velho marxismo, com o partido comunista, ainda que críticos do stalinismo, das perspectivas soviéticas, do socialismo real, eram, entretanto, ainda fortemente marcados por toda uma cultura muito autoritária, machista, homofóbica, misógina, com certos traços até de um racismo inconsciente. Então, é muito curioso que eu – evidentemente eu falo de mim, mas não falo exclusivamente como indivíduo, porque acredito que este depoimento traduza depoimentos possíveis e narrativas possíveis de outros como eu passavam, atravessavam esse


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momento. Para ser sincero, leal a mim mesmo, a muitas convicções, visões, no momento eu não poderia estar de acordo plenamente com um dos grupos, não me sentia em casa em nenhum dos espaços e, por outro lado, me sentia muito bem e entrosado com eles quando determinados temas, e determinadas questões eram postos. Do ponto de vista da intimidade, do ponto de vista do convívio, eu não poderia compartilhar o cotidiano com a caretice de alguns companheiros. Por outro lado, aqueles com os quais eu compartilhava o cotidiano, que eram aqueles que estavam animados e inspirados por uma perspectiva que podemos chamar de libertária; estes se afastariam de mim e eu me afastaria deles, quando os temas remetesem a política. Ocorre que este não era um dos temas, era o tema por excelência. Não por vontade nossa, mas até por imposição da hora, das circunstâncias. Mesmo que nós quiséssemos esquecê-la e afastarmo-nos dela, a política aparecia para nós em cada esquina, nos carros de polícia, nas nossas paranoias, nos medos que nos assombravam cujas bases eram absolutamente razoáveis. As paranoias se realizavam, portanto as teorias conspiratórias se confirmavam, os pesadelos se convertiam em realidade. Então, se nossos amigos estavam morrendo, não só de overdose, mas sob tortura, assassinados. Se aquele sujeito estranho na sala de aula era de fato um policial infiltrado, se nós não tínhamos privacidade, se nós não tínhamos acesso aos livros, se não podíamos ler o que desejávamos, ver o que desejávamos, se nos sentíamos infantilizados, humilhados etc. Se víamos que os horrores da desigualdade continuavam sendo tratados com hipocrisia, enfim, se estávamos diante deste quadro, nós não tínhamos como furtarmo-nos a considerar a política o grande desafio da hora, da nossa geração. Por isso, essa divisão que hoje talvez seja vista como uma divisão perfeitamente tranquila, nada “esquizofrenizante”. “Ah, eu discordo do ponto de vista dos meus amigos”; “Mas, e daí?”, isso não traz maiores consequências. Naquele momento, pelo aspecto totalizante da política, isso acabava sendo de fato um problema. Então, para te dar um exemplo anedótico, eu não podia fazer festa com todos os meus amigos. Eu fazia a festa do meu aniversário, queria reunir os amigos, porém tinha que fazer em diferentes seções. Um dia era com os amigos caretas, mas, politicamente centrados, com os pés-no-chão e com posições que me pareciam aceitáveis; e, no outro dia, com os amigos com os quais eu podia falar de teatro, cinema, literatura, poesia, vida, vida sexual, existencial, amorosa etc., que eram os amigos de todo dia, mas com os quais eu não podia tratar de questões que, entretanto, eram tão chave quanto as demais, senão maior que elas, que era a política. E aí também havia subdivisões, mas pelo menos duas festas eram necessárias. Eu tentei unificar e foi um desastre total. Acabou quase em pancadaria. Ou um descobrindo que alguém do outro grupo fumava maconha e considerando isso um ato de alienação burguesa inaceitável, de desbunde


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provocativo e ignominioso; o outro pensando que podia curar a homossexualidade do rapaz através de uma terapia psiquiátrica ou choque elétrico e outros propondo ações armadas ou ações de sublevação, num contexto de absoluta irresponsabilidade e inconsequência, por mais que o animus inspirador fosse até generoso ou corajoso; ou que admitissem transgredir absolutamente os direitos humanos em nome de suas convicções, com muito autoritarismo e dogmatismo no fundo, apesar das perspectivas estéticas tão avançadas, mas aceitando também trocar fins por meios ou meios por fins como o velho stalinismo fazia. Então, paradoxalmente, você encontrava no jovem libertário a adoção de uma praxe libertária inteiramente desrespeitosa de alguns princípios básicos, enquanto, de outro lado você podia encontrar uma pauta humanista mais sólida, mais definida. A questão do humanismo, colocando-a para nós também como um grande problema, porque, evidentemente, do ponto de vista filosófico, ela já tinha ido para o espaço, junto com a metafísica. Por outro lado, para nós a pauta continuava sendo humanitária, de defesas de direitos humanos etc. Essa era a pauta emergente, aquela que parecia a mais subversiva em relação às perspectivas stalinistas ou outras travestidas de novidade, que, entretanto, reiteravam este velho autoritarismo. Esta era uma situação que não se dissipou totalmente, mas se reacomodava ao nosso tempo. Hoje houve um amadurecimento que permite que se compreenda melhor o que está em jogo. Estas tendências às quais eu me referia continuam existindo, mas as composições já são mais variadas. Aquele tipo de sincretismo que eu pessoalmente operava, com um tipo de conexão que eu propunha entre política reformista socialdemocrata, ou de um socialismo reformista democrático e perspectivas estéticas vanguardistas, redes sociais libertárias etc., esse tipo de conexão que era absolutamente inusitada e rara se tornou perfeitamente possível. Uma das figuras importantes na popularização dessa hipótese foi o [Fernando] Gabeira, que era um personagem inexistente para nós nesse momento, porque ele estava fora do Brasil, não havia notícias ao seu respeito e talvez ele, nesse momento, nem fosse o personagem que viria a ser quando voltou ao Brasil com a Anistia. No entanto, não havia de fato esse tipo de composição, de alguém com uma visão reformista, institucionalista na política e que tivesse adotado uma posição libertária e vanguardista e que compusesse esse quadro com alguma coerência. Um ponto para concluir essa primeira conversa, essa primeira resposta. Visitou o Brasil um sociólogo chamado René Lourau (1933-2000), não sei se você o leu; ele escreveu com Georges Lapassade um livro sobre sociologia da escola e da educação. Ele era um interlocutor de Pierre Bourdieu nessa época. Lapassade era um pensador que andou bastante pelo Brasil, era muito interessante porque ele incorporava algumas temáticas libertárias, inclusive temas da religião que eram inusuais para um sociólogo, e seriam ainda mais para um antropólogo. Então o René Lourou


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veio falar em algumas instituições. Eu lembro de Rene Lourrou falando no IUPERJ convidado pela professora Lúcia do Prado Valladares. Eu não era do IUPERJ. Estava ou na graduação ou iniciando meu mestrado em antropologia no Museu Nacional. Então fui ouvi-lo e fiz uma pergunta no final de sua exposição a qual ele não soube responder, diante da qual ele hesitou, pelo menos. E essa hesitação, que mal escondia a surpresa com a pergunta, foi absolutamente surpreendente e chocante para mim. Você vai entender o motivo. Ele falava das instituições como limites impostos ao desejo. Descrevia tanto os conflitos franceses quanto os conflitos entre o poder eminentemente conservador, que se traduzia em instituições, regras, leis, limites etc., e o desejo, nas suas formulações ou psicanalíticas ou póspsicanalíticas etc. Ele aí estava trabalhando também em diálogo com [Felix] Guatarri, [Gilles] Deleuze, Mil Plateux, Anti-Edipe (talvez já tivesse saído Anti-Edipe), por aí. Eu então perguntei-lhe o seguinte, “Olha, no Brasil, estamos lutando por limites, regras e imposição de fronteiras, por instituições, porque por aqui essa liberdade é a liberdade de Leviatã. Então, para nós, a instituição significa não só limitar o indivíduo, o cidadão, mas limitar o poder absoluto do Estado. E como é que eles, então, viam essa outra fase do problema da institucionalidade”. Era [uma questão] absolutamente trivial. As instituições democráticas nasceram assim, como limitações impostas a Leviatã muito mais do que limitações impostas aos indivíduos, porque estes já estavam sobre limitações impostas despoticamente, tiranicamente por Leviatã. As instituições são sobretudo conquistas democráticas, ainda que se pague muitos preços, mas tudo isso fica muito mais complexo e sofisticado, muito mais rico na sua multidimensionalidade, dinâmicas contraditórias se começamos a observar sobre esse ponto de vista. Isso no marxismo significa, por exemplo, saltar do Lenin mais primitivo para o Gramsci mais refinado, enfim, significa saltar para uma sociologia mais rica. Ele ficou atônito. Ele gaguejou etc. No final, respondeu, mas de uma forma muito insatisfatória e não incorporou à sua reflexão teórica de fundo essa outra hipótese, essa outra questão, e parecia sem nenhum sentido que uma teoria geral sobre instituições não contemplasse essa outra dimensão. Isso pra mim confirmava o que eu pensava a respeito dessas perspectivas. Mesmo os dois autores maiores, mais geniais desse movimento – se é que podemos chamar assim –, de um lado Deleuze, do outro Foucault, você pode lê-los com grande admiração, mesmo discordando, e no entanto, muitas vezes encontrar intervenções reflexivas sobre a política ou até mesmo intervenções práticas sobre a política, primitivas, primárias. Eu dei uma vez um curso no IUPERJ (até eu sair do IUPERJ, eu havia sido o único professor a dar curso sobre Foucault no IUPERJ, o que é significativo, porque é o autor que escreveu sobre política mais lido no mundo, suas obras são as mais conhecidas no mundo. Então alguma coisa fora da


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ordem mundial que um curso de ciência política tão expressivo quanto o IUPERJ não tivesse aberto espaço para reflexão, mesmo que fosse crítica, a respeito de um autor da importância de Foucault). Meu curso foi apenas “com” ou “em torno” de entrevistas de Foucault. Eu comprei vários livros, que encomendei dos EUA, [as entrevistas] são fascinantes, às vezes mais ricas do que os livros e mais interessantes que os livros de um pensador extraordinário. E aí você vê perfeitamente isso. Ele próprio se contradizendo ou se criticando a respeito de posições etc. Muitas vezes, a visão da política pode ser uma visão muito pobre e isso tem consequências e responde a pressupostos, não se dá por acaso. Isso também mostra limitações de uma teoria etc. Mas, enfim, eu acho que o imbróglio vivido naquele momento, no momento em que cheguei à universidade, [era] um imbróglio de gerações na encruzilhada de tradições.

Mas a questão que você fez para Lourau, permanece sem resposta para você? Luiz Eduardo Soares: Não. Eu nunca tive um problema maior com ela. Estava respondida para mim, então continua respondida para mim. Eu sei perfeitamente que a instituição limita o Estado e ela é importante. Quando nos dispusermos deste aparato chamado Estado nós precisamos de instituições que ofereçam garantias etc. Por outro lado, cada garantia significa também uma imposição, um preço, significa repressão, significa um nível de opressão etc. É esse o tabuleiro.

Por trás do silêncio de Rene Lourrou não estaria uma dificuldade de contextualizar sua teoria com o Brasil e suas questões específicas?

Luiz Eduardo Soares: É uma maneira de descrever, mas não acho que seja a única, nem a melhor. É necessária, traz um aspecto importante. Por que não me parece que seja a melhor? Porque muita gente já abusou da linguagem “eles” e “nós”, ou do que é europeísmo e do que é nativismo, da autenticidade, do que é especificamente local. Este jogo de linguagem é muito problemático. Minha questão não é aplicabilidade ao Brasil; é aplicabilidade, ponto. Ele testou no local X, por acaso Paris, mas não testou no local Y, Rio de Janeiro. Não é porque o Rio tenha determinadas propriedades ou Paris tenha propriedades intrínsecas tais ou quais. É porque ele simplesmente se esqueceu que a teoria precisaria ser testada, numa multiplicidade de desafios, de contextos etc. Estou usando a palavra “testar” aqui quase como se fosse em laboratório; é uma bobagem. Nesse caso, trata-se de uma espécie de tribunal da consciência. Quando você formula uma hipótese geral a respeito de um objeto qualquer, digamos, de uma


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instituição, o exercício mental, o exercício imaginário, dispensa aplicações. Você se pergunta se essa definição focaliza a relação indivíduo-limite e dá conta do objeto. Basta se afastar do objeto e contemplá-lo com um pouquinho mais de largueza, de espírito menos dogmático e você verá que não dá conta. É importante contemplar Norbert Elias... quem é que nos diz isso? Quem é que nos diz no fundo isso é o Foucault das últimas duas ou três obras. Olha é Sociedade da disciplina etc. esse tipo de teoria geral sobre modernidade, que eu acho a parte fraca da obra de Foucault e, ele próprio à tratava como uma intervenção. Ele não tinha compromisso com isso como seus epígonos têm. Ele via isso como uma intervenção interpretativa naquele momento interessante, reveladora de certos aspectos. Ele não tinha maior compromisso, como se isso traduzisse efetivamente a essência da modernização. Ele diz isso nas entrelinhas.

Parece-me algo como um testamento traído então, assim como ocorreu como A ideologia alemã, de Karl Marx, que estava na gaveta, foi descoberto na década de 30 e virou a ideologia em outros termos. Acontece hoje em dia com Foucault, sendo utilizado também no mesmo caminho, quando os textos que ele não queria ver publicados se tornaram o centro do debate.

Luiz Eduardo Soares: Isso, como o centro. E se você ler as entrevistas, que são magníficas, ele fala da Metamorfose, da problemática, de como as questões se traem, se contradizem, de como ele pode ser poeta, como ele pode ser criador, como ele pode redefinir questões etc. E será necessário, parece-me – isso estava pra mim fortemente presente, e continua estando – indispensável contemplar a nossa história ocidental. Naquilo que nós somos parte da história ocidental. Com Norbert Elias, por um lado, com Weber, com Foucault, com Nietzsche, com Marx e com as perspectivas da crítica aos processos de coerção etc. Todos estes elementos estão presentes e nós estaríamos sendo unilaterais, empobrecedores, se negássemos aspectos evolucionários da perspectiva de Elias ou na perspectiva de Weber ou do próprio Marx e considerássemos, por outro lado, o evolucionário numa visão simplória evolucionista, jogando por fora tudo que aprendemos não só com Foucault e com os críticos, mas até com aqueles que com uma visão mais conservadora – eu falo de Ortega y Gasset, eu falo de Heidegger – já chamavam atenção também para a destruição que a modernidade também comporta. Então, o compromisso com essa multidimensionalidade e a contradição dos processos é o compromisso com um pensamento mais rico, mais aberto. Eu acho que este é


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um legado destes autores, malgrado momentos em que eles parecem propor uma solução simplória ou conservadora.

O senhor fez seu pós-doutorado com o Rorty. O que em seu pragmatismo lhe interessou e que gerou sua aproximação do pensamento dele? O que é útil no pensamento dele para você?

Luiz Eduardo Soares: Se trata muito mais de um encontro entre alguém que fazia investigações e pesquisas em torno de algumas questões obsessivas e tinha sido capaz de negar os tratamentos disponíveis, mas não de formular uma solução satisfatória – que era eu – e alguém que estava muito adiante e que havia incorporado e respondido essas questões, oferecendo um ponto de vista satisfatório. Então, o momento em que eu conheci a obra do Rorty foi muito especial, porque eu não fui impressionado pela obra do Rorty. Eu encontrei na obra respostas para perguntas que eu publicara, que eu vinha publicando há vinte anos. Então, de fato, foi um encontro muito maduro nesse sentido. E qual era a pergunta? Eu desde a graduação, no final da graduação, comecei a me dar conta de que havia uma questão que, na época, eu, com muito cuidado, porque sabia que era insatisfatório e que rapidamente dava margem para todo tipo de classificação desqualificadora etc., chamava de criatividade ou de liberdade do sujeito. Eu não poderia reificar esse sujeito e nem tratá-lo como um ente metafísico demiurgico, nem como um sujeito transcendental kantiano. Não se tratava de uma condição de possibilidade, e sim, ao contrário, de um insurgente materializado com corpo, corporeidade e dimensões inconscientes que rompia com as estruturas ainda que essas fossem sempre relevantes. Então, já na graduação, eu me perguntava sobre a parole, estudava literatura, estudava linguística, estudava Saussure. Langue/parole, essa dualidade. Como é que a parole se realiza? Ela não é uma execução da langue. E depois encontrar, tantos anos depois em Wittgenstein, questões semelhantes, reformuladas, mas que eram de fato relevantes. Chomsky oferecia a transformacional, soluções que eram respostas estruturalistas e neo-estruturalistas, claro que gerativo-transformacionais, mas que eram modulações das formulações estruturalistas. Durkheim no funcionalismo pensava nas grandes estruturas e na forma de desempenho. E eu fui procurar na filosofia da linguagem de Austin muitos anos depois os atos de fala, os atos de palavra e eu via remições a Marx que não eram muito bem incorporadas, de um Marx que focalizava as ações para além das estruturas, causalidades etc. Evidentemente, sabendo que o terreno era muito perigoso. O terreno da metafísica, em que categorias já conhecidas nos capturariam rápida e facilmente para uma filosofia da


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consciência, uma filosofia metafísica já gasta e despotencializada. Como trabalhar o problema da potência, o problema da intervenção, o problema desse dispositivo, desse sujeito operando. Então 71, 70, 71, 72, o estruturalismo não me oferece uma solução. O marxismo, cada vez mais marcado pelo estruturalismo, exorciza essa questão complemente. A linguística, remetendo para a semiologia e para a velha dicotomia – como se a dicotomia fosse suficiente – langue/parole e o transformacionismo chomskiano. A filosofia da linguagem não avançava e aí eu cheguei a Wittgenstein. Aí foi um salto extraordinário e eu chego aos exegetas de Wittgenstein. O que significa seguir uma regra? Agora estamos chegando muito próximos de questões-chave para compreensão, seja da linguagem, seja do funcionamento da vida social, seja para as problemáticas atinentes ao sujeito e às questões relativas ao inconsciente. Lacan me abria perspectivas, mas que também rapidamente se fechavam, num discurso autorreferido pretensamente positivo, neopositivo. Não é a toa que formou suas Igrejas de seita, seus gráficos etc., solucionando os problemas ainda que ele tenha formulado as questões referentes ao sujeito de uma maneira extraordinariamente fascinante. Para mim, muito marcante. Lacan foi muito marcante, mas no fundo eu sentia ali uma sonoridade. Eu sentia uns ecos hegelianos, de uma dialética que, entretanto, era evidentemente abortada num certo momento, para que uma suposta ciência neofreudiana fosse apresentada. Então, não era confortável. Deleuze começa a trabalhar essa questão muito fortemente. Ele tem um parentesco com Espinosa e traz o problema não mais apenas do desejo dessas formas de potência e da intervenção, mas o afã teoricista muito marcante na tradição francesa acaba subvertendo a totalização de uma filosofia plena um tratamento que poderia se mais fértil e era para mim insatisfatório. Eu, entretanto, seguia com o problema, procurando apresentá-lo em suas faces mais triviais, e era muito curioso porque ninguém respondia as minhas interpelações, os meus questionamentos, nem meus colegas, meus professores... e a maioria desqualificava o próprio problema. Era uma situação angustiante. Eu me lembro, por exemplo, de uma exposição, de novo... eu tinha me reportando a Lúcia do Prado Valadares, falando sobre o fato de ela ser mediadora, por ter convidado o professor Rene Lourau, ela era anfitriã. Agora eu me reporta a ela, a uma palestra que ela deu no Museu Nacional. Eu me lembro que eu estava entrando no Museu, estava realizando o mestrado no Museu em Antropologia e ela tinha terminado sua tese “Vende-se uma casa”, “Passa-se uma casa”, sobre mercado imobiliário e ações sociais etc. E ela nesse momento, foi expor o seu trabalho sobre as crises urbanas no Brasil, os conflitos urbanos que estavam surgindo, quebra-quebra em trens, alguns sinais, alguns sintomas de que a sociedade começava a dar mostras de inquietação para além dos controles repressivos que até então impunham-se e silenciavam toda sublevação. Era muito interessante


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porque eu ouvia a exposição, que era rica, interessante, repito, e fazia eco ou depois foi matriz inspiradora de outros tantos trabalhos, uma série de trabalhos interessantes, todos eles mais ou menos seguindo as mesmas linhas. E, para simplificar, eu fiz uma intervenção no final da palestra dela dizendo o seguinte: “Parece que há subjacente a toda reflexão uma espiral conceitual, teórica. Partem de estruturas mais amplas até determinantes mais imediatos, contextualizando o evento que é o objeto da reflexão, da pesquisa e, no entanto, falta sempre um liame, um elo, um laço entre o contexto e o evento. Por mais que se especifiquem as causas imediatas, as determinações, as condições favoráveis, continua sendo absolutamente misterioso, enigmático e ininteligível emergência do evento. Tanto que você tem as mesmas condições alhures e não o evento, assim como você tem a língua e não o poema. E o poema só existe depois de ter sido escrito e ele é em si mesmo sua razão de ser e se esgota em si. Há, evidentemente, condições necessárias. É preciso que haja o poeta, a pena – pare remeter ao século XIX, o papel e a língua e a tradição e os outros poetas etc., mas isso não basta.

Nenhum poema basta para a poesia, não é.

Luiz Eduardo Soares: Nenhum poema basta. Então, como não há aí encapsulado, não há uma irracionalização, o mascaramento de uma interrogação que deveria ser objeto de nossa interpelação. Será que não há aí nos escombros de uma imensa construção, por fora magnífica e aparentemente intocável na sua coerência interna, não é que não há um abismo insondável que é o sujeito e sua liberdade, o seu gesto, o seu ato. E falar disso é muito difícil; é mais fácil falar no negativo porque senão de novo nós somos capturados por uma linguagem facilmente desqualificável. O problema não é o mesmo da criação estética em alguma medida, inevitavelmente guardadas as distinções, mas há uma certa [especificidade]... pois bem, o problema não era reconhecido, era desqualificado sempre. As respostas nunca me satisfizeram e, no entanto, isso permanecia. Eu trabalhei essa questão em “Trotski e travesti”, mostrando como Trotski confundia causalidade com verossimilhança e como o gesto, o momento, o evento – eu não utilizava a palavra contingência, posso ter usado, mas não no sentido rortyano aí –, como essa questão era decisiva. Eu escrevi um texto, “Os impasses da cultura e a precariedade da ordem social” e eu fui, me tornei professor da UNICAMP, em 1983, e publiquei no caderno da UNICAMP, acho que de número 13. Depois, eu publiquei um outro texto dando sequência a esse. Eu tinha escrito esse texto já num trabalho de fim de curso no IUPERJ quando comecei o doutorado em 1981, 1980. Enfim, essas eram questões sobre as quais eu escrevia na passagem da década. Eu fui reprovado no Museu Nacional, porque eu


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tinha tido... eu tirei primeiro lugar quando entrei no Museu. Havia 98 ou 99 candidatos em 1975. Eu comecei em março de 1976, tirei primeiro lugar. Fiz ótimos cursos, com excelentes notas, fui um dos primeiros, o primeiro ou o segundo a terminar a tese de mestrado. A tese foi depois publicada etc. Quando eu fiz, então, o exame para o doutorado, eu achava que eu seria aprovado porque havia mais vagas do que candidatos e eu tinha um histórico muito bom. Então, eu apresentei de uma maneira diferente, mas no fundo eu apresentei essa grande questão que já era minha questão, para ser trabalhada teoricamente no doutorado da antropologia e tal, discutindo teorias da cultura, discutindo marxismo, discutindo o problema da agência e as implicações disso. E aí eu usava e mobilizava discussões que se davam na filosofia e na própria antropologia, linguística etc. Mas não era arrogante ou pretensioso, ao contrário. Eu fiz um esforço grande para deixar bem claro que as questões estavam todas abertas. Eu estava ali buscando aprender, ouvir dos professores e buscar o amadurecimento dessas dúvidas. E elas me perseguiam desde o início e eu não tinha encontrado soluções, mas, de fato eu fiz um esforço, no entanto, de não apresentar ali “invenções da roda”, de modo algum. Bom, apesar de ter mais vagas que candidatos eu fui reprovado. Até isso gerou uma crise lá no Museu, havia problemas políticos internos com meu orientador que não estava presente, essas coisas. Mas o que importa é que era uma declaração da instituição de que era a minha questão semostrava impertinente. Está certo, pelo menos naquele grupo que fazia a seleção. Porque não era falta de vagas, repito, e eu nem tinha um mal histórico, ao contrário eu apresentei essa mesma proposta para a professora Ruth Cardoso, que me aceitou na USP. Apresentei para o professor Roberto Cardoso, que me aceitou na UNB. Apresentei no IUPERJ, fui aceito. Eu preferi ir para o IUPERJ, porque a UNB não conseguiu abrir o doutorado, porque o reitor era um coronel ligado à Ditadura – Azevedo, acho –, que perseguia o Roberto Cardoso e proibiu a abertura do doutorado. A professora Ruth foi super generosa, acolheu-me, mas para eu ter a bolsa da Fapesp, [que] seria fundamental para eu sobreviver, eu teria que morar em São Paulo. Eu não podia. Eu tinha acabado de ter filha, ela tinha acabado de nascer. Eu dava aula e eu tinha que continuar mantendo as aulas porque tinha que sobreviver. Então, não tinha como ir, mas, surgiu a possibilidade de ir para o IUPERJ, e foi assim que fui para o IUPERJ. Mas eu estou te contando esse... foi a minha grande frustração na vida acadêmica essa reprovação para o Museu que era inesperada, que foi de alguma coisa, de fato uma declaração político-intelectual contra essa questão; e professores da banca diziam, alguns deles, que era uma questão resolvida, estava arrombando portas abertas, dando tiros de canhão para matar mosquito. Que isso é bobagem, que a teoria da cultura tinha resolvido isso. Que o marxismo tinha resolvido isso. Bom, e eu escrevi depois A indeterminação da


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subjetividade e a... esqueci o título.222 O texto, um texto longo que dava sequência ao impasse da teoria da cultura e precariedade da ordem social, publiquei em Campinas, depois escrevi “Luz Baixa Sob Neblina”, que, alguns anos depois foi publicado na Revista Dados e depois, foi publicado num dos meus primeiros livros ou... “ Os Dois Corpos do Presidente” ou “O Rigor da Indisciplina”223. Se você algum dia tiver oportunidade de ler os vários ensaios que eu escrevia sobre a teoria da cultura, sobre filosofia, antropologia, sobre filosofia, filosofia política, e sociologia, sobre teoria da cultura rá rá rá, você ia verificar que eu sempre tratava desta questão [utilitária], no positivismo eram os meus antípodas, mas o estruturalismo e as soluções dialéticas não me serviam, as soluções metafísicas e a questão do sujeito da poiesis, eu não usava essa expressão. E digamos, da autonomia do evento, se colocavam para mim como absolutamente chave e isso traria impactos muito profundos sobre o que gente vendia por ciência social por política, por filosofia, política etc. Sem evidentemente adotar uma perspectiva voluntarista, demiúrgica, ou do grande líder ou do desapreço pelas estruturas, pelas condições. Não se tratava disso, porque justamente o trabalho da poiesis ou do poeta é dialogar com as suas condições linguísticas, com o seu passado, com a influência... com a angústia da ansiedade da influência, da palavra etc. Então, num certo momento, eu acho que, por mediação do Jurandir Freire Costa, se não estou enganado, caiu-me um livro do Rorty no colo acho que foi Contingência, Ironia e Solidariedade. [...]. Eu acho que eu li uma resenha do Jurandir Freire Costa. Fiquei inteiramente perturbado positivamente. Porque estaria discutindo as questões às quais eu vinha escrevendo com outra linguagem há séculos. E então eu liguei pro Jurandir que eu já conhecia e admirava. O Jurandir vinha estudando o Rorty, falou-me sobre o livro. Na época era muito difícil de a gente conseguir os livros americanos. Ia ter que importar. Eu consegui, então, que ele me emprestasse, fiz logo uma cópia e comecei a ler todas as coisas do Rorty. Fiquei impressionado. Mas impressionado porque não foi aquela descoberta de encanto novo que te abre caminhos, foi o apaziguamento de tensões que eram ali já, entre aspas, “imemoriais”, virando atávicas. Claro que as soluções não estão todas dadas, nunca estão. Não é disso que se trata, mas foi possível encontrar uma outra maneira de falar sobre as grandes questões que me perturbavam e que me inspiravam de uma maneira muito produtiva e fecunda. E eu percebi que eram questões autênticas absolutamente legítimas. Se eu tivesse tido um interlocutor um pouquinho mais sensível e atento, que 222

Trata-se de “Subjetividade indeterminada, ceticismo da razão sociológica e o colapso da identidade social: fragmentos de uma reflexão em curso”. In: Linguagem e fundamentos da ciências humanas e sociais. Rio de janeiro: PUC, 1983. 223 C.f. “Luz baixa sob neblina: relativismo, interpretação e antropologia”. In: O rigor da indisciplina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p.71-95.


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conhecesse esta outra possibilidade, há algum tempo eu teria já sido encaminhado para leituras que me teriam ajudado muito. Infelizmente no campo das ciências sociais, as pessoas se leem mutuamente pouco a não ser em determinadas condições. Então, aqueles que talvez pudessem ter tido oportunidade de me ajudar não souberam do que eu fazia, não conheciam as minhas dúvidas. O fato é que eu permaneci solitário e o psicanalista Jurandir [Freire Costa], que naquele momento estava trabalhando com o Rorty, foi quem me fez conhecer esta alternativa. Isso, portanto, bem depois do Filosofia e o Espelho da Natureza, né? Então foi assim, eu conheci a obra do Rorty quando eu já estava em velocidade cruzeiro tentando lidar com questões que me atazanavam ao longo de quase duas décadas, uma década e meia. E foi muito, muito feliz este encontro para mim.

Marcos: Você e Rorty tiveram um debate sobre globalização e políticas ligadas à ideia de identidade. Em quais pontos você se distancia de Rorty?

Luiz Eduardo Soares: Não sei, eu acho que o Rorty, pelo fato de não ter esta formação antropológica, era mais um homem do ocidente, da sua geração, do meio urbano, um norteamericano e que as grandes questões não eram as questões relativas à diversidade, não eram relativas ao um pluralismo mais profundo, mas diziam respeito a distinções entre vocabulários para descrever experiências e realidade etc. Eu acho que há uma diferença aí em algum nível político e há uma diferença cultural e até estética na medida em que de fato o Rorty não incorporou a temática cultural, a temática antropológica cultural e etnológica, né? E para isso as diferenças que estão no mundo são as diferenças entre as filosofias. E as filosofias são aquelas conhecidas e apresentadas nas universidades ocidentais. E ele estaria aberto a considerar qualquer outra, como ele disse várias vezes, desde que qualquer outra fosse lhe apresentada. E quanto ele dizia que outras não seriam apresentáveis, que não se davam a ver por apresentação, neste mesmo sentido, não seriam descrições deste tipo, seriam teorias ou passiveis teorizações desse tipo, ele sequer compreendia. Eu sugeri que ele lesse Eduardo Viveiros de Castro, e alguns autores da etnologia. Cultura, pelos menos para mim, eu diria que é a cultura é muito mais do que um vocabulário, porque envolve profundamente emoções e forma de funcionamento do sujeito em níveis muito profundos, em toda sua sensibilidade, de tal maneira que o sujeito não se forma senão já a partir deste campo, que não é um campo apenas de descrições possíveis, sim de vivência e experiência. E aí há uma outra questão derivada que também nos afasta, que é o sentido da experiência, quer dizer, a linguagem de Lacan faz sentido para mim, assim como uma linguagem mais existencialista, e isso não fazia


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sentido absolutamente para Rorty. Quando eu pensava o sujeito como manifesto nas suas ações e nas suas palavras, mas sempre se furtando a dar-se porque não está ali no lugar em que, entretanto, aparece, na descrição lacaniana, do sujeito na linguagem, que é o sujeito não substancializável, e perfeitamente compatível com a visão não existencialista e não fundacionalista do Rorty, mas um sujeito que é atravessado por linguagem ou você poder dizer também experiências, das quais ele não dá conta, que o ultrapassam. Que, no entanto, só se dão a conhecer ou a compartilhar por seu intermédio em alguma medida sem que ele, seja senhor desta reconfiguração no sentindo consciente racional. Aí é complicado. Eu acho que a formação da filosofia analítica faz com que a psicanálise escape. A não ser numa formulação muito cartesiana, quase positivista. E faz com que a multiplicidade cultural escape, e por isso também o sentido da política passa a ser um sentido mais reduzido. Ele, por exemplo, me convidou para falar num seminário que organizou, e cuja finalidade era criticar a visão dos derridianos de que há política na desconstrução, na desconstrução e no discurso deste tipo, quando para ele, por mais que ele respeitasse Derrida, política se dá no movimento social, no sindicato, no partido. Ele queria politizar estas questões. Ele estava irritado com esta pseudopolitização da universidade americana que reduzia tudo à teoria, e a boa política era a política da teoria. E eu não concordava com o Rorty. Eu achava que, apesar de compreer a sua posição, também compreendia a posição dos derridianos. Eu também achava que era também política a atitude, a intervenção que eles faziam, porque se tratava de recompor, de reconfigurar uma própria possibilidade de subjetivação. E isso escapava, isso escapava. Então não estou dizendo que eu soubesse o que ele não sabia. Não tenho esta ousadia. Nós tínhamos visões um pouco distintas e a questão da experiência e do sujeito e a problemática da multiplicidade cultural nos afastava. Aí é claro que, então, a utopia ficava lascada por isso. Eu não quero dizer com isso de modo algum que ele seja um pensador burguês, pelo amor de Deus, como ele dizia, porque ele podia dizer, mas eu não posso. Porque ele fazia isso com auto ironia etc. Burguês no sentido que nós todos somos burgueses sim, óbvio, aí é uma discussão sociológica, mas poder-se-ia dizer que ele é um americano de sua geração, um burguês brilhante, muito aberto e democrata, mas que vê o mundo de Stanford ou de Virginia ou de Chicago etc. e que não incorporou as dimensões mais profundas da peste psicanalítica, da experiência que naufraga por conta da implosão do sujeito e que não dá conta do problema da multiplicidade cultural antropológica e etnológica. Para mim isso é muito forte e tem impacto, evidentemente, da política. Agora dizer isso não significa desmerecê-lo, pelo amor de Deus. E ele é... Há uma dimensão também prática da vida dele, que ele não era nada disso. Ele era das pessoas mais compassivas e generosas que eu já conheci. Fazia pacotes de livros e


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gastava uma nota mandando livros para quem não podia comprar, para quem não podia ler ou pra quem estava proibido de ler pelo regime político. Ele não aceitava dinheiro de países mais pobres. Quando recebia o pagamento, fazia questão de gastar tudo no país da maneira que fosse mais solidária. Não admitia secretários ou secretárias. Isso tem a ver com o pai dele, tem a ver com a mãe dele, tem a ver com a prática sindical. Ele ia ao correio pessoalmente, buscava, levava correspondência, carregava os pacotes, voltava. Não admitia esta intermediação de vassalagem, sabe, autoritária etc. Tinha um sentido socialista no sentido melhor que é o... assegura esse termo humanista, socialista, se você quiser cristão, ou judaico cristão, ou religioso no sentido de uma solidariedade humana muito forte, uma repulsa à desigualdade, uma repulsa à injustiça, uma repulsa ao preconceito, uma repulsa à humilhação do ser humano, sabe? De uma forma muito intensa. Às vezes, você tem um sujeito que é um líder político que fala estas coisas todas, e que na sua prática faz o contrário.

Marcos: Como surgiu o projeto da tetralogia? Já no tempo de seu pós-doutoramento?

Luiz Eduardo Soares: Não, isso foi gerado depois, muito depois. Eu nunca tinha imaginado aí a tetralogia. O que de mais próximo do que aconteceu depois já existia foi o seguinte: em 98 antes de ter a minha primeira experiência em gestão pública (e já há mais de 10 anos que eu estava envolvido com estudos, sobre violência, segurança pública etc.) eu propus ao George Marcus, o antropólogo que na época estava em Rice no Texas e agora está numa Universidade da Califórnia em Irvine. Ele veio ao Rio no seminário que eu organizei. Nós somos amigos há muito tempo. Ele editava uma coleção muito interessante chamada Late Editions na Universidade de Chicago. Eu até publiquei um capítulo num dos livros que ele organizou do Late Editions.224 Eu propus ao George e ele topou, e eu estava muito empolgado com este projeto fazer, uma pesquisa que me permitisse trabalhar diferentes vozes, em que eu pudesse descrever o cotidiano da produção simbólica e existencial da violência em política, em matizes distintos em dimensões diferenciadas simultaneamente. Em que eu teria os bastidores de governo em níveis diferentes. Os bastidores institucionais em níveis diferentes. As unidades institucionais distintas e em níveis hierárquicos diferentes. O universo médico dos atendimentos, não só do IML, mas também dos atendimentos de emergência. A imprensa e esta máquina de redescrição cotidiana. A imprensa e a mídia em geral. Eu escolheria

224

Cf. SOARES, Luiz Eduardo. “A toast to fear: ethnographic Flashes and Two Quasi-Aphorisms”. In: MARCUS, George (ed.). Paranoia within Reason: A Casebook on Conspiracy as Explanation. Chicago: University of Chicago Press, 1999 p.225-239.


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espaços especialmente relevantes para isso. Achava que uma descrição de um processo durante um período, um ano, trabalhando cotidianamente a produção da noticia – o trabalho da reportagem, corta, recorta, faz a bricolagem, compõe e edita, incorpora contextos, ressignifica, troca, cita –, isso com suas múltiplas vozes, porque a mídia é multi vocal, com as práticas de governo e as práticas também médicas e o sofrimento diretos das famílias, vítimas etc. Eu teria possibilidade de compor um discurso muito interessante e rico, e que tinha a ver com um texto que eu publicara no Violência e Política no Rio de Janeiro, chamado “O Herói Serial”225 e com um texto anterior que o título agora me escapa. Ah, eu acho que é o “Mágico de OZ”226, alguma coisa assim. Eu escrevi dois textos sobre novos desenvolvimentos sociais e sobre o Viva Rio etc. E ali já apresentava uma descrição inicial sobre a construção multivocal da violência como parte social e parte social total inclusive. Eu já apresentava indicações que conduziram a uma pesquisa nesse sentido. Nesta pesquisa, eu apenas desdobraria o que ali já se encaminhara ou se indicara em possibilidade, em hipótese interpretativa e operacional, metodológica etc. O George achou ótimo, ficou animado e eu estava superencantado com esta possibilidade. E eu estava participando da campanha ao governo do Estado. Anthony Garotinho era o candidato ao governo do Estado. Como hoje ele tem uma imagem tão degradada, tão deteriorada, que é sempre muito difícil 10 anos depois ou 11 anos depois ou 12, você explicar este personagem, dado que ele continua ativo e hoje tem outro significado. Naquele momento era o candidato apoiado pelas esquerdas que se opunham ao candidato César Maia, apoiado pelos conservadores, com um discurso muito duro, contrário aos Direitos Humanos, que apontava numa direção muito perniciosa na área da segurança pública, da violência, no campo criminal etc. Então não havia dúvida nenhuma na minha tribo, na comunidade de meus interlocutores, quanto ao que fazer nas eleições. Alguns anulariam o voto porque veriam já criticamente o Garotinho e lá na frente teriam sua razão. Mas dado que a competição opunha uma possibilidade de transformação, de inovação com alguns compromissos que deviam ser assumidos, e um candidato que reiterava o discurso contrário aos Direitos Humanos etc., para chancelar e oficializar o massacre que tinha ocorrido poucos anos antes no governo Marcelo Alencar com o General Cerqueira, com gratificação faroeste. Parecia eticamente justificável que houvesse ali a hesitação, ainda que a gente compreenda por que alguns tenham decidido anular o voto. Bom, quando o Garotinho venceu e veio me convidar pra participar do governo, eu fiquei muito surpreso porque a 225

“O Herói Serial e a sensibilidade pragmática”. In: SOARES, Luiz Eduardo et alii,. Violência e política no Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ISER, 1996. pp.283-309 . 226 “O Mágico de Oz e outras histórias sobre a violência no Rio”. In: SOARES, Luiz Eduardo et alii,. Violência e política no Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ISER, 1996ª, pp.251-272.


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minha expectativa era solicitar que ele abrisse a possibilidade de fazer aquela pesquisa. Até ao final, inclusive, eu estava conduzindo o grupo de transição, tinha o papel de conduzir, de coordenar a transição na área da segurança, e até às vésperas da posse eu não tinha recebido convite nenhum, mas insistia com o Garotinho para que ele... até porque eu tinha ajudado bastante. Eu tinha escrito livro, tinha ajudado na orientação na campanha nessa área e essa área tinha sido decisiva para a vitória. Enfim, tinha dado muita contribuição e achava que merecia que ele abrisse para mim as portas para que fizesse esta pesquisa. Eu queria fazer esta pesquisa. Bom, quando ele me convidou, eu, então, troquei a pesquisa pela participação direta. O que acabou sendo muito vantajoso porque eu tive benefícios de uma nova experiência, que não teria, pela minha pesquisa. E, por outro lado, percebi claramente o quão ingênuo eu estava sendo porque não haveria pesquisa alguma, seria inviável. A única pesquisa possível neste caso, para este tipo de pretensão que eu tinha, era pela imersão direta. Porque a outra só teria sido viável se eu tivesse o nível de acesso que seria completamente irrealista. É o tipo de acesso que só se tem quando se está participando efetivamente. O observador não tem, não pode ter por definição. Isso não existe. Então, acabou sendo, por vias indiretas, o meio pelo qual eu acabei fazendo o que eu buscava fazer. Eu não fiz em todas as esferas. Eu não fiz no Instituto Médico Legal e no hospital e nem fiz dentro da mídia, mas mesmo assim tive um acesso aos editores, aos repórteres e ao seu trabalho cotidiano que eu nunca tivera antes, com muita profundidade. Porém não foi evidentemente a observação que poderia fazer. Mas por outro lado deu-me acesso aos bastidores de governo, bastidores das instituições que eu nunca teria de nenhuma outra maneira. Portanto, graças a isso, eu pude escrever Meu Casaco de General e muitos trabalhos subsequentes derivaram desta possibilidade. Então, a tetralogia nasceu mais tarde de uma maneira muito casual. É claro que essa ideia de múltiplas vozes, de múltiplas dimensões, meio faulkneriana, da ideia de contar a mesma estória de ângulos diferentes, simultaneamente, etc. é claro que isso estava presente. Mas isso só foi possível configurar e se tornar uma realidade um tempo depois. Final de 2002, eu tinha ajudado o Celso Athayde, meu amigo, a organizar o [prêmio Hútuz] [...] um festival de Hip Hop que ele organizava todo ano. E era sempre muito difícil organizar. Ele tinha que trazer gente de todo país e, alugar o salão, fazer a divulgação, realizar iluminação, aquelas coisas todas que exigem muito recurso. Ele gastava tudo que tinha e o que não tinha. Vendia o carro modesto que ele tinha, conseguia um empréstimo... não havia muito interesse das empresas em patrocinar. [...] E nesse ano, tentei ajudá-lo. Fui a um ou outro lugar com ele, para ver se ajudava. Ele ganhou um dinheirinho aqui, outro dinheirinho alí, mas como sempre acabou com dívidas e superapertado. Ele me ligou: “Luiz, eu preciso de um empréstimo, vendi meu


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carro, tudo que eu tinha, tô devendo. Tenho que dar um jeito nesta situação”. Eu disse: “Celso, eu não tenho um tostão na poupança, não tenho poupança. Tenho meu ganho mensal, eu não tenho como tirar. Eu não tenho um carro, não tenho nada. A única coisa que posso fazer nesse momento, a única liquidez, fonte de liquidez, é o meu contato com editoras e tal...”. E uma editora tinha um contato comigo e feito uma proposta, se eu tivesse manifestando interesse, se eu tivesse alguma coisa para publicar porque ela tinha gostado imensamente do Meu Casaco de General, que disputou o Prêmio Jabuti, ficou no segundo lugar no final, ficou até o final ali e acabou perdendo. Mas, enfim, eu disse: “Celso, eu posso propor um livro e pedir um adiantamento, ou alguma coisa assim, e o livro nós dois escrevemos juntos. Aí, eu te dou o dinheiro que vier e isso vai ser pouco, mas já ajuda. Você topa uma coisa dessas?”. Aí ele: “Pô, nunca escrevi um livro, mas topo qualquer coisa. Agora não vou dizer que não. Eu estou precisando de dinheiro, se é esse, vamos lá, vamos nós.” Eu, “Então tá, então tá, vou a luta.” E falei com a Isa Pessoa, a respeito disso, que eu tinha a ideia de fazer um livro e se dava para a gente conversar. Ela foi lá em casa, num sábado. Eu alugava um apartamento com a Miriam ali no Flamengo. E antes da Isa chegar eu não tinha pensado de fato no que fazer. Eu não tinha nada organizado. Tinha sido um ano muito político, 2002. Eu fui candidato a vice-governador no Rio, estava muito envolvido com política. O Lula tinha sido eleito. Eu não tava sabendo o que ia acontecer no governo Lula, se eu ia participar, como é que ia ser. Tudo uma enorme interrogação. Eu não tinha plano para nenhum livro. Mas, imaginei: bom, “o que seria natural?”. Seria legal o [M.V.] Bill também participar. O Celso sempre trabalhando com o Bill, e nós três fazermos juntos. O Celso também topou isso. O Bill topou. Então, podia ser que a gente trouxesse a realidade dos jovens envolvidos com o tráfico nas favelas numa visão mais interna que eles poderiam proporcionar. Eles têm contatos em comunidades, cresceram em comunidade, têm toda possibilidade de proporcionar um acesso que eu não teria, por mais que me esforçasse, e por mais que tivesse outros contatos. Não seria diferente. Então, nós poderíamos escrever e cada um de nós escrevendo e assinando os capítulos individualmente. Com respeito à individualidade, com respeito à autoria. Eu faria uma edição geral e tal, só para ajustar, mas sem mudar conteúdo, nem o estilo. E nós trabalhando ali no vício, os jovens das favelas no Brasil e o seu ponto de vista, buscando compreendê-los antes de julgá-los. Porque eles são desde já objetos de uma ou de outra, ou interpretação sociológica, ou de um julgamento etc. Vamos ouvi-los. Era um esforço mais vivo de ouvi-los no sentido mais antropológico, ainda que isso não fosse trabalho acadêmico, com categorias antropológicas. Muito bem. Eles toparam e eu estava, então, preparando-me para receber Isa Pessoa e apresentar a ela esta


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proposta. Aí conversando com Miriam, que me ajudou a formular esta ideia também, a Miriam disse o seguinte: “Olha, porque você não propõe uma trilogia? Ao invés de um livro, você propõe uma coleção, uma série. Fica mais interessante. Tem os meninos... aí você poderia fazer da prisão, os prisioneiros e depois os egressos. Alguma coisa deste tipo” Aí eu disse: “Pô, interessante, então... tem razão. Só que eu vou fazer... então, vou propor a polícia, porque eu tenho muito contato... aí eu faço a polícia, que ainda não se fez. A gente faz os inimigos do tráfico, os inimigos dos meninos do tráfico, são os policiais, por assim dizer, e depois os presos. Vamos fazer assim”, “Tá, legal”. A Isa chegou, eu apresentei a ideia e ela gostou muito.. Contratamos o primeiro, que seria o Cabeça de Porco, foi o Cabeça de Porco. Passei o adiantamento para o Celso e tal, ele ficou satisfeito e aí tivemos que fazer o livro. Como eles então, estavam começando a desenvolver, e depois tiveram muito tempo pra desenvolver, a pesquisa deles mesmos para ro documentário que eles iriam fazer227, tinham muita entrevista e muita história pra contar nas favelas do Brasil inteiro. Isso eles foram desenvolvendo a partir daí. Eu fui se Secretário Nacional, só voltei ao projeto no final de 2003. Então, trabalhei o ano de 2004 inteirinho nesse projeto. No final de 2003, o ano de 2004 inteirinho e em 2005 no início do ano nós concluímos. Eles iam mandando para mim ao longo de 2004, desde final de 20003, 2004, eles iam mandando os textos. A gente se reunia pra conversar e ficou pronto o livro. Quando o Cabeça tava pronto eu disse: “Bom, então se trata de fazer o outro, né”. Aí eu tinha vários amigos na polícia e [havia] um deles, que era sempre muito eloquente, com muitas histórias interessantes. Liguei para o [Rodrigo] Pimentel e propus a ele que nós fizéssemos um livro que seria a sequência do Cabeça de Porco, mas agora na polícia. [Perguntei] se ele topava participar comigo. Aí ele topou na hora e disse que seria legal chamar o [André] Batista. Porque justamente, ele e o Batista, estavam trabalhando com o Zé [Padilha]. Conversando com o Zé sobre um filme que o ele estava querendo fazer sobre polícia. Que era bom a gente até se encontrar pra harmonizar as ideias. Ai nós almoçamos juntos, o Zé Padilha, o André Batista, que eu já conhecia, mas de quem ainda não era amigo, o Pimentel e eu. Batemos o martelo, “Nós vamos fazer o livro e eles vão fazer o filme”. O Zé, que já me conhecia pelo Ônibus 174, o documentário que é um excelente, sensacional trabalho. Eu dou uma longa entrevista para ele no 174. A entrevista que eu dei foi mediada pelo Pimentel, o Pimentel até que sugeriu, que levou o Padilha à minha casa, até nessa mesma casa, apartamento, lá no Flamengo. E o Padilha disse que essa entrevista mudou o filme. Que ele tinha um roteiro, mas fez outro roteiro que é todo costurado por essa

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Falcão – meninos do tráfico.


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entrevista, e a questão da invisibilidade organiza todo o filme. Dado que a entrevista foi tão importante e eu adorei o filme, nós criamos esse laço mais profundo e ele ficou muito satisfeito, então, com a ideia. Nós faríamos um trabalho, de certa forma conjugado, em diálogo. Não é que o livro seria a base do filme, nem o filme base do livro, mas ele ia fazer o roteiro. Estava começando a esboçar o roteiro, eu faria o livro e nós íamos trocando figurinhas e isso seria bom pra todos. Ele já tinha o título Tropa de Elite. Aí eu na hora disse assim: “o meu é Elite da Tropa” para a gente manter justamente a ideia da complementaridade e da diferença que oficialmente tínhamos. Vamos ter as mesmas fontes e as nossas intenções são as mesmas: criticar a violência policial, mas entendendo como é que os policiais, eles próprios, tantas vezes são vítimas também no processo do qual são algozes – paradoxalmente –, porque eles estão educados numa certa cultura e conduzidos a uma certa prática, sem que isso venha abolir a sua responsabilidade individual ou até a história. Mas as intenções são as mesmas, as fontes seriam as mesmas e as histórias as mesmas. Bom, fizemos o Elite da Tropa 1, depois o Elite da Tropa 2. A tetralogia... como você vê, o mergulho no mundo dos meninos para compreendê-los antes de julgá-los, o mergulho no universo policial para compreendê-los antes de julgá-los, ainda que as questões fiquem bem claras, é claro. E, então, faltava a... surgiu, surgiu não estava previsto. Eu não fiz a prisão e não escrevi sobre prisão. Isso aí nós resolvemos encerrar num par, seriam só dois livros. Depois veio o terceiro livro que é Elite 2. Mas como é que esses três livros viraram uma tetralogia? Porque surgiu o Espírito Santo, por uma proposta do Carlos Eduardo [Ribeiro Lemos]. Ele é um juiz criminal, que era juiz criminal, na época, do Espírito Santo e do Rodney Miranda, que à época era secretário de segurança do Espírito Santo. Quer dizer, quando eles me formularam a proposta, o Rodney já não era secretário, depois ele voltaria a ser. Ele teve um interregno aí, foi secretário em Pernambuco, saiu do Espírito Santo. Nós fomos a Pernambuco em um seminário, eu e o Carlos Eduardo e o Rodney me apresentaram a ideia: “Será que você toparia escrever conosco um livro como escreveu o Elite?”. Porque no Elite foi eu que escrevi, o um e o dois eu é que escrevo sempre, da primeira à última palavra... o acordo é que eu escrevo. Mas as história no Elite 1, todas as histórias da primeira parte do livro ou praticamente todas elas, são histórias que o Pimentel e o Batista levantaram. Na segunda parte são histórias minhas, mas fui eu que escrevi porque o meu interesse era justamente com a elaboração literária proto-criptoficcional e cívica. No Elite 2, são histórias do Cláudio e dos processos que ele me trouxe, sobre as milícias, com história minhas pessoais e de Marcelo Freixo. Então eu... ou uma ou outra história do Batista e Pimentel salteado. Bom, o Espírito Santo, então foi feito assim também. O acordo era: “Eu escrevo, mas vocês me dão as informações todas. Todos os


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processos. Vocês me abrem todas as portas e me trazem entrevistas. Vocês tem que me trazer o conteúdo porque vocês viveram o processo e eu não vivi, não conheço, só a distância”. Então, eles trouxeram todo o conteúdo, todas as histórias, toda a documentação e eu escrevi. Com isso, a gente viu que foi se formando, de fato, uma tetralogia. Porque o Espírito Santo, na verdade, é uma incursão pela corrupção no judiciário. Não só no governo e na polícia, no judiciário. Então, nós temos o mergulho no mundo dos jovens envolvidos com a violência das comunidades e favelas brasileiras, o mergulho no mundo policial, na violência policial, um mergulho na brutalidade, na crueldade do judiciário, da corrupção do judiciário e, de novo, na polícia, mas agora mais pelo âmbito das milícias. E há procedimentos comuns, são sempre vários [autores], ainda que eu sempre escreva. Com exceção do Cabeça. O Cabeça não fui eu que escrevi, escrevi os capítulos que assino, o Bill escreveu os capítulos que ele assina e o Celso, os capítulos que ele assina. Mas os outros livros foram escritos por mim. Isso são, de qualquer forma, trabalhos modulares, envolvem outros autores que eu me recuso a tratar como fonte porque eles são fundamentais para o livro.

Em relação à possibilidade do primeiro livro, que eu acho é a possibilidade do projeto como um todo, de transformação pela literatura, de transformação pela escrita. É essa a vinculação mais forte com a obra de Rorty? Luiz Eduardo Soares: Uma das vinculações é essa da empatia. Quando ele dizia: “Esse não é mais momento dos tratados filosóficos. Nós não vamos construir a paz perpétua entre as nações persuadindo com a razão e difundindo e universalizando a filosofia que esposamos. Nós precisamos de mais etnografias, reportagens, documentários, filmes, romances, porque nós precisamos criar condições para gerar uma comunidade pela empatia, por reconhecimento do valor individual e por aproximação humana no sentido compassivo para que as emoções façam o trabalho que a razão não foi capaz de desempenhar, de realizar”. Então, há uma dimensão, há uma aproximação clara com essa ideia porque eu durante lá 30 anos da minha vida, por aí, 25 ou 30 anos, escrevi os tratados. Fui lido por mil, dois mil, três mil pessoas que são os meus amigos, a minha família, né? Eu não os persuadia nem era por eles persuadido, porque nós sempre concordamos quanto ao fundamental. Nós nos enriquecíamos mutuamente complementando o conhecimento recíproco com a nossa colaboração, com o nosso trabalho pessoal, mas na comunidade nós já somos todos – com raríssimas exceções – defensores dos direitos humanos, nós defendemos a justiça e a democracia. Há uma comunhão entre nós e, portanto, se, e quando lemo-nos mutuamente, enriquecemo-nos mutuamente é claro, mas não


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expandimos muito a nossa visão, não difundimos a nossa visão, não alcançamos a sociedade com um impacto maior como gostaríamos. Então, escrevendo livros capazes de emocionar, de sensibilizar, de dialogar com o imaginário coletivo, criam-se possibilidades novas de interlocução. Novos atores descobrem a leitura, descobrem o diálogo como forma de construção de opinião, de visão de mundo, de desenvolvimento de sensibilidade de emoção. O jogo empático atravessa fronteiras e de fato amplia as possibilidades de intervenção no debate público em sentido político também.

Marcos: Parece-me paradigmática para a construção do próprio projeto da tetralogia a história do Marcinho VP e a relação dele com a literatura, como contada no Cabeça de Porco.228 Essa crença na transformação através da literatura, dela como abertura para redescrição do sujeito. Você mantém esta crença?

Luiz Eduardo Soares: Eu, se você me permite, redefiniria a questão porque não se trata de transformar alguém na medida que não há esse alguém substantivamente dado é ex-ante, né? Você tem um processo sempre de subjetivação. Alguém que passa o seu dia lendo é alguém diferente como ator concreto, substantivo, sociológico de alguém que passa o seu dia jogando carta e fumando e organizando ações para agredir terceiros. Há uma mudança comportamental, empiricamente constatável. O Marcinho que passava os seus dias na prisão 228

No livro Cabeça de Porco, Luiz Eduardo Soares narra um pouco da trajetória do traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, conhecido traficante de drogas que foi retratado em um livro (do Caco Barcellos) como o Abusado: o dono do Morro Dona Marta. Na verdade, Marcinho VP ganhou notoriedade quando foi protagonista do documentário de João Moreira Salles, Notícias de uma guerra Particular, assim como, pelas entrevistas que deu quando negociou a autorização para que Michael Jackson subisse o morro para filmar um clip. Aqui, o que nos interessa saber é que a partir do contato com João Moreira Salles, Márcio começou a desenvolver o sonho de deixar o crime e escrever uma autobiografia. No entanto, sua tentativa de fugir da imagem de “bandido perigoso”, de reescrever sua história, acabou de modo trágico: “Preso, Márcio decidiu voltar às leituras. João [Moreira Salles] lhe fornecia livros. Mostrou-se aplicado nos estudos, comentando cada texto com argúcia e entusiasmo: Machado de Assis, Lima Barreto, Sérgio Buarque de Holanda e vários outros. Por ocasião do lançamento do livro sobre sua vida [de Caco Barcellos], revelou a parentes e amigos os riscos que pressentia. Ele já não fazia parte do mundo ao qual era remetido pelo confinamento e pelos ardis simbólicos, dos quais era vítima e cúmplice. Temia ser assassinado não propriamente porque o livro divulgasse inconfidências que envolvem terceiros, mas pelo simples fato de ser objeto de um livro, destacando-se, diferenciando-se, ultrapassando fronteiras simbólicas que o mundo cerrado da comunidade encarcerada erguia. Essas fronteiras invisíveis eram erguidas justamente para opor-se à diferenciação individualizante — sobretudo quando ela sugerisse possibilidades de mudança e de superação do universo valorativo compartilhado pela sociedade dos apenados. Uma coisa é você converter-se à Bíblia, que é parte do código cultural dos apenados, outra coisa é furar a parede cultural com livros, que são armas poderosas e perigosas porque absolutamente inclassificáveis. Pouco depois de 2003, Márcio foi encontrado morto numa caçamba de lixo da penitenciária em que cumpria pena. Seus livros estavam jogados sobre ele, coroados por um cartaz: “Nunca mais vai ler”. Márcio estava proibido de mudar por uma conspiração inconsciente e tácita, que reunia os parceiros mais desiguais e insólitos. Companheiros de prisão não permitiram que ele transgredisse a única lei inviolável: não serás outro (para que eu permaneça o que sou)” (SOARES, 2005, p.107). Na tentativa de fugir da identidade petrificada que lhe atribuíam (e a que ele mesmo muitas vezes se condenava a retornar de modo inevitável), Márcio buscou inspiração na leitura.


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lendo os livros que o João [Moreira Salles] levava era o Marcinho ator concreto diferente do Marcinho que antes atuava como os demais jogando carteado e brigando etc. Então, independentemente das profundidades psicológicas do que se passava na alma de cada um, do Marcinho antes, do Marcinho depois, era ele mesmo, era ele diferente. O fato é que esse evento leitura interveio no cotidiano, nas relações, tornou um fato importante, inclusive, micro politicamente a ponto de ele, por isso, não apenas, mas também por isso, ser morto.

Marcos: Chegamos a uma questão talvez mais urgente, uma questão que me inquieta também: ele manteria essa postura fora da cadeia? Aproximar-se da literatura estando preso, num contexto de privação, é uma coisa, mas até que ponto, tendo a liberdade, ele manteria essa redescrição?

Luiz Eduardo Soares: A pergunta por um lado é fascinante, do ponto vista de um ficcionalista e, e por outro, é impertinente, do ponto de vista sociológico, psicológico etc. Porque é um contrafactual. Ela não tem resposta por definição, porque ele não viveu para isso. Não há nada que defina um ou outro caminho previamente. Ele poderia qualquer coisa dentro do campo do humano no Rio de Janeiro, das possibilidades sociológicas oferecidas a um ator como ele. Então, o contrafactual não pode ser respondido. De toda maneira, eu te diria que alguém que sai da prisão acostumado à leitura e que agora incorporou ao seu vocabulário outros recursos, e que agora dialoga consigo mesmo e compõe o seu imaginário com outras interlocuções, outras ancoragens, outras referências, outros horizontes, que constrói a sua narrativa agora entrelaçando-a com outras narrativas, é alguém que está num ponto da sua trajetória muito diferente do que estava anteriormente e é alguém que dispõe de outro instrumental, de outros recursos, de outras possibilidades. Isso faz com que se torne perfeitamente plausível a hipótese, ainda que excepcional, de que ele viesse a se tornar uma pessoa muito diferente do ponto de vista prático, do que fora antes [...] Se esses livros não fossem esses livros, fossem um só, e se fosse a Bíblia? Nós temos aí mais ancoragem empírica para verificar. Há muitos casos de conversão que envolvem transformação de comportamento e muitos casos de conversão que não envolvem transformação de comportamento. Ler a Bíblia significa ingressar num coletivo, numa tribo, num grupo social e dialogar como algumas instituições, encontrar alguns apoios, suportes e uma estrutura de plausibilidade para usar uma sociologia fenomenológica dos anos 60, uma categoria grata a autores dessa época que trabalhavam com a fenomenologia e com a sociologia fenomenologia. Uma estrutura de fragilidade que ofereceria condições para o


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desenvolvimento de subjetivação adequadas às condições de um personagem capaz de alterar a sua rota de comportamentos. Isso na religião fica muito claro, porque não é um livro nem é apenas o imaginário; é um conjunto de relações, oportunidades, apoios, instrumentos práticos etc. No caso da literatura o que pesa mais num primeiro momento não é uma comunidade, uma tribo, um conjunto de relações. O que pesa mais são narrativas alternativas, são figuras imaginárias, o que está em jogo é mais a redescrição de si mesmo, né? Isso é muito raro de acontecer, e é por isso que nós temos nem base empírica para supor. Mas digamos que alguém que leia a sério Sérgio Buarque, que leia Machado de Assis, que leia os autores do modernismo, que leia Gilberto Freire e Caio Prado... que seja um sujeito situado diante de possibilidade narrativas muito diferentes, no um estoque de alternativas de compreensão e interpretação e construção de sua realidade muito diferente do sujeito que não tem acesso a esse estoque.

Marcos: O juiz Alexandre Martins de Castro Filho é descrito em Espírito Santo como mantendo uma divisão entre duas partes da sua vida, que você destaca na divisão entre a toga e a tatuagem, da separação que pedia entre espaço privado e espaço público, do corpo tatuado não se deveria inferir o juiz. Ele pode ser considerado uma presentificação paradigmática da figura do “ironista liberal” proposta por Rorty?

Luiz Eduardo Soares: É muito interessante, muito interessante! Talvez sim, eu nunca tinha pensado nisso, você está trazendo e acho muito interessante. Eu acho que a maneira que o Rorty resolve o problema de “Trotsky e das orquídeas selvagens” e da divisão entre o privado e o público é um pouco vicária, subsidiária, sintomática daquilo que eu considerei, data venia, fragilidade do nosso mestre. Na medida em que o sujeito está tratado de modo quase positivista e unilateral, unidimensional, ele se converte mais num suporte de uma filosofia analítica, num suporte de enunciados, num suporte de vocabulários desprovido de vertebração anímica. Ele perde o espírito, no sentido de que perde profundidade analítica, experiencial, cultural e antropológica. Se você me permite como juiz que estou envolvido nessa palavra profundidade etc., pode remeter a uma filosofia metafísica do sujeito, mas se você compreende associando o que eu estou dizendo ao que já dissera antes... com as devidas cautelas, o privado e o público vão ser tratados de modo muito simplório. Para quem compreende que o sujeito não dá conta de si como eu, que o sujeito é um processo, multívoco, polissêmico, pluridimensional, em que os centros gravitacionais das dinâmicas fogem ao seu controle e que os sentidos não são regulados, mas referem-se a dimensões culturais que são


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formadoras, ainda que possam ser plasmadas por sua intervenção, e que ele é potente como ator poético, como agente de poiesis capaz de produzir eventos evidentemente dotado dessa “liberdade” que é o resto, o resíduo, o que nele resiste às estruturas, às linguagens e aos encapsulamentos. Se nós o definimos dessa maneira, muito mais tensa e complexa, evidente que já foi para o espaço o que é eixo na distinção público e privado, porque dentro do sujeito está o público, a linguagem – como dizia Saussure, inclusive já diziam os antropólogos e sociólogos. Pode ser político, portanto, o experimento de Artaud consigo mesmo num certo momento de delírio, o que pra Rorty não faz nenhum sentido, mas para um deconstrucionista faria todo o sentido. Entende? A experiência de Artaud e reviver um ritual e ressignificá-lo e escrever a esse respeito tem uma dimensão privada, mas isso pode se converter também em um signo público que aponta para possibilidades novas de vivências objetivas que redefine a própria relação do sujeito com a cultura etc. Enfim, as orquídeas e o Trotsky estão muito imbricados numa perspectiva mais etnológica, antropológica, culturalizada e psicanalisada e mais aberta a essas perspectivas. As orquídeas e Trotsky estão muito mais superpostas e as soluções que Rorty encontrou foram menos simples. Nesse sentido, também fica complicado. Não que a sua associação não seja perfeita; ela é perfeita, Rorty provavelmente concordaria, o Alexandre era um ótimo exemplo do ironista liberal. Mas isso, entretanto, não é suficiente para manter de pé essa figura do ironista liberal, entende? Eu acho que é uma construção de persona muito interessante, mas também problemática e vicaria, no fundo, de um ideário burguês muito limitado.

Marcos: No Elite da Tropa 2, há uma discussão em torno do conceito ou da definição de Rorty de Justiça como “lealdade ampliada”, que aparece como epígrafe do livro e às vezes quando você problematiza quais são as lealdades dos policiais, e isso remete a toda a estrutura de poder que gira em torno das milícias etc. Já no último livro Justiça, você se distancia um pouco dessa discussão do Rorty para uma postura mais propositiva em termos legais. Eu gostaria que você falasse um pouco dessa diferença da concepção de Justiça. Até que ponto a Justiça pode ser pensada como lealdade?

Luiz Eduardo Soares: Não, eu acho que essa discussão do Rorty é felicíssima e ela é insuperável do ponto de vista humano, digamos, demasiadamente humano. É insuperável porque por mais que os princípios superiores se definam de outra maneira, o que conta para o ser o humano, até prova em contrário, e nós não conhecemos experiência humana diversa ainda, é o que o Hume dizia. Porque na origem dessa discussão do Rorty está a observação do


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David Hume sobre a benevolência. Dá a ideia para o Hume de que o ser humano, pelo menos tal como nós o definimos como indivíduo na sociedade ocidental moderna ou, pelo menos, pré-moderna e moderna, o indivíduo se orienta para o seu interesse, entendido o sentido mais complexo, envolvendo os seus desejos e a sua vontade de sobreviver e necessidade de sobreviver a seus impulsos duais etc. e os interesses e os afetos e os desejos daqueles que são de seu amor, de seu vínculo primário, do seu vínculo mais constitutivo, são os seus próximos, em geral os seus próximos, seus familiares etc. O Hume fala da benevolência, ele diz: “olha é errado o que o Locke diz a respeito do indivíduo puramente utilitário e voltado para sim mesmo.”, ou o que o Hobbes diz, porque existe uma mediação. Nós não vamos sacrificar a vida pela humanidade, mas vamos sacrificar a vida pelo filho, pelo irmão, pelo amigo querido, pela pessoa que nós amamos. Isso é possível. Eventualmente até, por isso chamamos humanidade, mas ai não é pela humanidade, mas é por uma ideia. E aí nós entramos num outro terreno e isso não é usual. O que é, digamos, corriqueiro, o que pode ser básico numa antropologia é para Hume é a benevolência, o autointeresse, o interesse e a benevolência. E o que Rorty diz é basicamente isso: “Olha, nós nos guiamos pela benevolência”. E essa benevolência pode se estender, pode se ampliar com a nossa educação. Com o desenvolvimento de certos valores, nós somos capazes de sentir e pensar, a nossa comunidade humana, o que faz sentido pra nós, o nosso bairro, o nosso grupo, a nossa tribo, a nossa frátria, o nosso país. Nós podemos pensar até a humanidade como a nossa família, então a benevolência pode se estender. Esse vínculo que ele chama de lealdade, que é esse vínculo de amor, de afeto, de cumplicidade, pode se estender. Quando falamos de justiça, do ponto do vista ideal nós sabemos defini-la, nós temos ou não da definição, que atribuamos a essa palavra, mas sabemos como defini-la. No entanto, ao praticá-la nós seremos motivados pelos desejos, pelos afetos, pelas lealdades, e, com muito esforço, sacrificaremos essas lealdades primárias no altar das lealdades superiores e mais amplas. Isso pode acontecer, mas é mais difícil. Você tende a esconder o seu filho pra não entregá-lo à polícia. Nós vemos até como uma espécie de perversão um kantiano que por ventura entregue seu filho à polícia ou um stalinista que entregue seu filho à polícia. Há uma compreensão de que isso é humano, tanto que a própria justiça não admite o testemunho dos muito próximos. Desqualifica, até para protegê-los e porque eles compreendem que esse processo se dê. Portanto, do ponto da descrição fática e fenomenológica, digamos, e antropológica ele tá dando curso ao que fora observado por Hume, chamando a atenção para que nós baixemos a bola, que deixemos o idealismo de lado e pensemos concretamente. Estamos falando das lealdades. E quando queremos que as pessoas se encantem pelos ideais de justiça temos que levar em conta essa


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realidade. Então o que podemos fazer? Nós podemos fazer com que o sentido afetivo de lealdade se amplie até a comunidade, se estenda até o domínio que a própria universalidade se constitua e, assim, a justiça ideal se sobreporia à justiça tal como praticável por seres humanos concretos de carne e osso. Essa ideia muito simples. No Justiça, no livro eu estou uma certa forma de fazer justiça que seria perfeitamente compatível, eu acho, com determinados sentimentos básicos. Se você quer primeiro restabelecer, reparar o que a vítima perdeu ou em parte perdeu, o seu sofrimento, isso é compassível em relação à vítima. E se você, por outro lado, acha que novas vítimas não devem existir, ou seja, quer, portanto, reduzir as chances de que aquele “mal” se repita, você provavelmente estará de acordo com esforços que lhe convençam sobre a sua importância no sentido de reduzir a reprodução daquela dinâmica geradora do mal que você deseja evitar. É bastante natural isso. Eu procuro é mostrar que aplicar dessa forma nós podemos escutar com outro sentimento meio atávico, muito forte que o sentimento da vingança. O outro da lealdade, você é leal a alguém então você odeia quem odeia a pessoa que você ama, ou você odeia a pessoa que a pessoa que você ama e odeia, ou você odeia a pessoa que faz mal à pessoa que você ama. Para ser bem simplório, né? Então a vingança é uma espécie de contrapartida da lealdade, a contraparte dela. É muito difícil você separar a lealdade da vingança, o amor do ódio etc. E isso é relativamente possível se você demonstrar que vale a pena o sacrifício de aposentar a vingança. Se você ganhar um universo, um mundo de paz e uma condição mais propícia à reparação e uma condição mais propícia que não se repita o ato que você quer evitar, talvez você aceite até sacrificar a vingança em nome desse ganho. De qualquer forma os motivadores não se alteram. Eu estou respeitando esse individualismo de quem odeia, ama, é benevolente, busca lealdade. REFERÊNCIAS: SOARES, Luiz Eduardo. “A centralidade do pragmatismo para as ciências sociais e a teoria política”. In: CÍCERO, Antonio e SALOMÃO, Waly (org.). O relativismo enquanto visão de mundo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994. p.135-148. _______. “O Mágico de Oz e outras histórias sobre a violência no Rio”. In: SOARES, Luiz Eduardo et al,. Violência e política no Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ISER, 1996ª, pp.251-272. _______. “O Herói Serial e a sensibilidade pragmática”. In: SOARES, Luiz Eduardo et alii,. Violência e política no Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ISER, 1996b pp.283-309 . _______. O experimento de Avelar: romance. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. _______. Meu casaco de general. Quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.


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