Revista Tá Na Rua #1

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Instituto Tá Na Rua ANO 1.

para as

Artes, Educação

Nº 01.

e

Cidadania

JULHO 2008.


© Instituto Tá Na Rua para as Artes, Educação e Cidadania | 2008

Todos os direitos reservados a Instituto Tá Na Rua para as Artes, Educação e Cidadania Av. Rio Branco, 179/5º andar Centro Rio de Janeiro RJ CEP:20040 007 Telefax: +55 [21] 2220 0678


Instituto Tá Na Rua para as Artes, Educação e Cidadania Diretor Artístico: Amir Haddad Presidente: Disnael dos Anjos Vice-Presidente: Alessandro Perssan Tesoureiro: Alexandre Santini Conselho-Fiscal: Maria Helena Cruz, Amir Haddad, Ana Candida Moura Coordenador Técnico-Pedagógico: Licko Turle

Projeto Memória Tá Na Rua: Alexandre Santini Consultoria Tá Na Rua: Amir Haddad Coordenação Técnica: Licko Turle Coordenação de Produção: Filomena Mancuzo Coordenação de Pesquisa: Jussara Trindade Pesquisadores: Jussara Trindade e Licko Turle Produção Administrativa: Laila Vils Catalogação e Assistentes de Pesquisa: Fernanda Paixão e Mery Alentejo Assistente de Catalogação: Thuany Klinger Assistente de Digitação e Site: Roberto Zanato Assistentes de Produção e Digitação: Henrique Monnerat e Nelson Sanka Ponto de Cultura - Equipe de Digitação: Barbara Braga, Beatriz Flores da Silva, Cássia Melo Olival, Cintia Santana, Fabiana Erana, João Herculano Dias, Karina Assunção, Liana Ébano, Rejane Ramos da Silva, Rica Pereira Mota e Silvia Muniz Werneck Projeto Gráfico e Identidade Visual: Marcos Corrêa | Ato Gráfico Assessoria Jurídica: Ana Candida Moura



Editorial

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Quem somos nós

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Teatro sem Arquitetura, Dramaturgia sem Literatura, Ator sem Papel.

por Licko Turle

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A Criação Coletiva: TÁ NA RUA

por Lauro Góes

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Palavra do presidente eleito Amir Haddad

56

Mapa-roteiro - Dar Não Dói, O Que Dói é Resistir

Alexandre Santini

86

Encontro Nacional de Teatro de Rua: Comentários e observações de um casal de aprendizes

por Licko Turle & Jussara Trindade

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Mémória Tá Na Rua – Pequeno Roteiro Histórico, acervo Tá Na Rua

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Yan Michalski e a criação coleitva no Brasil

por Lauro Góes

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Sobre design gráfico e teatro: uma aproximação

por Marcos Corrêa

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O teatro de rua no Brasil - Catálogo de Grupos

sumário

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Este é o primeiro número de uma revista que pretendemos editar trimestralmente com o objetivo de difundir o teatro realizado em espaços abertos no Brasil e no mundo e, é mais um dos produtos que o projeto Memória Tá Na Rua entrega ao público como resultado de dois anos de pesquisa sobre o grupo de teatro Ta Na Rua do Rio de Janeiro, projeto que foi realizado com a captação de recursos financeiros junto à PETROBRÁS, através da Lei de Incentivo Cultural – Lei Rouanet – após ter sido aprovado e selecionado em concorrência pública nacional com mais de 800 outros projetos de memória e patrimônio. Além desta revista, foram produzidos pelo projeto: um livro ilustrado com 256 páginas em quatro cores; um documentário em DVD com 100 minutos de duração; uma exposição fotográfica permanente e outra itinerante que registram os melhores momentos do grupo e um site eletrônico dinâmico, onde o usuário poderá baixar conteúdo sobre teatro. Todos eles receberam o nome da frase-síntese criada por Amir Haddad - TÁ NA RUA: TEATRO SEM ARQUITETURA, DRAMATURGIA SEM LITERATURA, ATOR SEM PAPEL, que também é o tema central do nosso periódico. Escolhemos para esta ‘estréia’ um texto onde Licko Turle tenta traduzir o enunciado criado por Amir Haddad – Teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura e ator sem papel – por ser o tema desta edição especial; uma entrevista do grupo na sua primeira formação,– A Criação Coletiva – concedida ao ator e professor doutor Lauro Góes, da UFRJ, em 1983, onde aparecem os primeiros sinais da criação de uma nova linguagem. Outro texto que retiramos da ‘memória’ é – Com a palavra... o presidente! – matéria jornalística plantada pelo diretor teatral, Aderbal Freire Filho, no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, após a eleição fictícia de Amir Haddad como presidente da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. Publicamos, ainda, o mapa-roteiro do último espetáculo do grupo – Dar Não Dói, O Que Dói É Resistir ou Em Paz cm a Ditadura – com a


l a i r o t i d e introdução e comentários do seu dramaturg, Alexandre Santini. Jussara Trindade e Licko Turle inauguram uma maneira diferente de ‘criticar’ com suas visões bem humoradas, irônicas e, às vezes, ácidas sobre o – XIII Encontro Nacional de Teatro de Rua de Angra dos Reis: Comentários e observações de um casal de aprendizes. Ainda, do acervo Ta Na Rua exibimos outra preciosidade, o – Pequeno Roteiro Histórico – que registrou os primeiros passos do grupo desde de 1973. Depois, a nossa homenagem à, talvez, o maior crítico e conhecedor do teatro que o Brasil já teve– Yan Michalski e a criação coleitva no Brasil, por Lauro Góes. Nosso designer gráfico, Marcos Corrêa, experimentou traduzir em palavras, seus processos de construção visual da identidade visual e do livro do Tá Na Rua, em seu texto - Sobre design gráfico e teatro: uma aproximação. A última sessão chama-se O teatro de rua no Brasil que é a nossa contribuição para a construção da Rede Brasileira de Teatro de Rua, uma espécie de catálogo nacional dos grupos e companhias. A Revista TÁ NA RUA não pretende ser uma referência científica, apesar de conter textos produzidos por teóricos e pesquisadores; também, não visa ser um ‘manual’ de teatro de rua que possa ser aplicado sem reflexão prévia e, apesar do seu nome e da sua equipe de articulistas e colaboradores, não terá matérias e artigos exclusivos do grupo Tá Na Rua, mesmo sendo um veículo de divulgação da pesquisa e dos trabalhos artísticos, educacionais e sociais deste coletivo carioca. Gostaríamos imensamente que você enviasse a sua crítica ou sugestão para nós. Obrigado,

Editorial.


Quem O Circo Chegou Bum, bum, bum,bate o tambor Senhores e senhoras, prezada população Com vocês o grupo “Ta Na Rua”, Teatro, alegria, animação e discussão. São dez unidos e contente parceiros, Mosqueteiros da liberdade de expressão Que com inteligência, alegria E percepção do que acontece à sua volta Vão à rua reativando uma antiga tradição. São séculos, milênio de teatro Ao alcance dos seus corações É só colocar seus sentimentos em movimento (aliados á razão) E bumba: o teatro se manifesta Gigante adormecido que se reconhece quando (surge a ocasião) Tem também a trouxa A mais esperta sacola de roupa que já se viu. Foi visto na babilônia e na Grécia E numa antiga caverna de Cro-magnom. Tem a mulher que sofre Que poderá sofrer com a história Que o prezado transeunte contar. Tem o homen que beija, e a mulher que abraça, E muito mais Pra que serve isso?


somos nós A senhora sabe? Sem dúvida quando vir saberá Estamos na rua, Num espaço arduamente conquistado O teatro morreu Viva o teatro. E além deste Circo Etéreo O “Ta Na Rua” tem também as suas oficinas de trabalho Onde todos podem participar e trabalhar No caminho do desimpedimento da sua própria expressão Atividade útil para o crescimento do ser humano Temos preços módicos e não fixos Passíveis de negociação Já trabalhamos para Prefeituras escolas, favelas, associações de bairros,etc. Temos o maior interesse Em exercer o nosso trabalho. Ele é importante para nós E queremos crer que pra vocês também. O TEATRO NÃO ESTA EM CRISE, ELE ACABOU DE RENASCER. Trabalhamos no presente para um outro futuro. Tá Na Rua (Fala de apresentação dos espetáculo)


Teatro sem Arquitetura, Dramaturgia sem Literatura, Ator sem Papel por Licko Turle


Em janeiro de 2008, após as férias coletivas anuais, Amir Haddad subiu as escadarias da nossa sede, na Lapa, para o mais um encontro de trabalho com o Tá Na Rua. Após a nossa oficina rotineira de despressurização, sentamos como de hábito para conversarmos e ouvir as observações do nosso mestre e diretor. Amir disse que havia desenvolvido uma frasesíntese que espelhava perfeitamente para onde caminhou a pesquisa do grupo nestes quase trinta anos de trabalho continuo: “Teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel”. E começou a explicar como havia chegado a este raciocínio, utilizando-se de analogias explicativas. Quando nosso ‘ensaio’ terminou, a frase continuava a ecoar na minha cabeça, repetidamente: “Teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel”. Cheguei em casa e resolvi escrever sobre o que eu havia entendido desta definição tão enigmática e complexa para o teatro que ele colocava neste enunciado: “Teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel”. O teatrólogo recorre ao uso da preposição sem para inverter a ordem a que a manifestação teatral passou a ser subjugada após a ascensão da burguesia e a criação dos teatros públicos. Segundo o gramático brasileiro, Evanildo Bechara, “preposição é a expressão que, posta entre duas outras, estabelece uma subordinação da segunda à primeira” (BECHARA, 1988, p.155). A afirmação “teatro com (é) arquitetura, dramaturgia é (com) literatura e ator com (é) papel ou personagem” nunca é expressa verbalmente, porém, ela é perceptível nas expressões faciais daqueles que buscam as oficinas do Tá Na Rua com o objetivo de ‘ser ator’, ‘fazer teatro’. Isto ocorre porque, mesmo aquela pessoa que nunca teve a oportunidade de assistir a um espetáculo teatral, tem imagens e procedimentos da cena à italiana, internalizados e acredita

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que esta é a única e verdadeira forma da linguagem teatral. Façamos, então, uma rápida análise sobre a importância desta assertiva pela ótica da sua gramática e da sua sintaxe/semântica. Quando um ouvinte, estudante de teatro, em seus primeiros dias de aula, escuta as palavras teatro-dramaturgia-ator, ele, provavelmente, fará as seguintes associações (naturalizadas ideologicamente): da primeira, com uma arquitetura predial com palco e platéia que também é nomeada da palavra “teatro”, ainda que conheça as várias formas arquitetônicas possíveis como arena, anfiteatro, elizabetano, ‘currale espanhol’ ou cena à italiana; da segunda palavra – dramaturgia - lhe virá a cabeça imediatamente uma estrutura de diálogos divididas em atos, cenas, prólogos, com entremeses, unidades de tempo, ação, lugar, palavras trabalhadas e escolhidas por ‘autores’, gênero literário, texto organizado especialmente para o teatro, etc., ou seja, literatura; na terceira e última, o nosso jovem estudante ‘pensará’ no papel (ou na personagem) que ele irá ‘representar’ para o público, a oportunidade de mostrar seu talento, seu corpo, sua voz, sua beleza ou feiúra especiais, a sua composição da personagem, o figurino, os postiços que ele criou para caracterizar melhor o papel... E, por fim, a sua transformação total, até vir a ser um monstro sagrado do teatro (ou seja, uma deformação ou desumanização, como o leitor preferir). Podemos, então, entender que, as palavras teatro-dramaturgia-ator possuem, atualmente, uma carga conotativa que induzem o aluno a fazer uma interpretação distorcida sobre as mesmas e a estabelecer uma relação de dependência entre subordinante e subordinada (apesar da elipse da preposição com) ou uma afirmação (apesar da elipse do verbo de ligação é) com os termos arquitetura-literatura-papel. Assim, são criados falsos


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binômios dialéticos, ou seja, para que os substantivos teatro-dramaturgia-ator tenham sentido completo faz-se necessário o sentido denotativo dos outros - arquitetura-literaturapapel (personagem). São falsos, porque não constroem uma relação dialética onde um não existe sem o outro como, por exemplo, senhor/escravo. Outra confusão possível, no entendimento sobre teatro que o nosso jovem aprendiz possa vir a fazer, ao ouvir as palavras teatro-dramaturgia-ator, seria a de que estas palavras têm a função de sinônimo de arquitetura (edifício teatral), literatura (gênero dramático) e papel (propriedade individual que não permite a liberdade e o distanciamento do ator). Na construção frasal teatro sem arquitetura; dramaturgia sem literatura e ator sem papel, Amir Haddad quer, exatamente, chamar à atenção para a origem etmológica e a função social das palavras teatro, dramaturgia e ator, retirando as limitações que a elas foram impostas por um tipo de pensamento, de institucionalização num determinado período histórico, devolvendo a elas os sentidos de festa, de celebração, de jogo e de produção coletiva de saberes e conhecimentos, desmitificando definitivamente a idéia de que a linguagem teatral só pode ser utilizada por alguns eleitos legitimados pelo sistema social vigente na maioria dos países ocidentais, de tal forma que o aprendiz possa estar livre das ideologias e valores que foram a elas agregadas. Como diria o próprio Amir Haddad, “É preciso tirar a camisa de força da ideologia e vestir os trapos coloridos da fantasia”...

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A Criação Coletiva: Tá Na Rua

Entrevista com o grupo “Tá Na Rua”, março de 1983.

por Lauro Góes


Esta entrevista foi realizada por Lauro Góes no segundo semestre do ano de 1983 e faz parte da sua dissertação de mestrado apresentada a Escola de Comunicação da UFRJ. Ela nunca foi divulgada e, agora, a trazemos à tona por entender que, o texto aponta todas as questões fundamentais que interessaram ao grupo nestes quase trinta anos de existência, como a dramaturgia para espaços abertos, a música, o espaço, os figurinos, o contato com a cultura popular, a relação ator-platéia e a idéia embrionária de um instituto, que só veio a se concretizar em 1999. Outro fator fundamental é o valor histórico, uma vez que este número tem como tema central a MEMÒRIA. Esta é, talvez, a única entrevista coletiva concedida pelos oito atores-fundadores do grupo sem a presença de seu professor, diretor e mentor intelectual, Amir Haddad

.. Arthur Faria – Que falta de informações? Lauro Góes – Primeiro, essa dúvida: não sei o que vocês pensam de não fazer apenas um texto sobre o trabalho de vocês, mas de fazer também uma apresentação e convidar a banca pra ir ver. Eu queria brigar um pouco por isso, daí eu queria uma opinião pra levar pra Heloisa e tentar defender isso junto com ela. Porque ela teria de defender essa idéia junto aos outros professores, entende? Arthur Faria – Que você quer saber? Qual é a nossa opinião? Lauro Góes – É. Qual a posição de vocês sobre isso? Ricardo Pavão – Eu acho uma ótima. É. Acho que é. Pra gente é fantástico. Acho que a melhor maneira de resolver a coisa é eles irem lá ver. Agora, não sei se eles acham isso. Arthur Faria – É. Não sei se isso é suficiente lá para os critérios deles. Isso que a gente vai ter de ver. Agora, acho se eles verem, vai enriquecer qualquer critério de avaliação que eles

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tenham. Mesmo que você tenha de escrever alguma coisa depois ou que isso tenha de ser registrado de alguma forma mais concreta. O fato de eles verem vai ser muito enriquecedor até dos critérios de... Lucy Mafra – Agora, tem de ver se dá pra eles concordarem, né? Porque eu acho uma loucura eles não verem! É alguma coisa de comunicação, trata-se disso. No mínimo, vão ter de ver. Ricardo Pavão – Só não imagino é a gente fazendo uma coisa especial pra banca; um dia especial pra banca ir. Lauro Góes – Não, porque aí também já foge à idéia, porque você não teria uma platéia espontaneamente reunida pra isso. Ricardo Pavão – Pois é. Exatamente. Agora, eles irem lá ver uma rua, ótimo! Ia enriquecer tudo. Enriqueceria muito todo o conceito de tese também, não é?

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Arthur Faria - Também acho. E depois, todos os questionamentos que a banca pudesse fazer sobre o trabalho, nos enriqueceriam também. É esse retorno seria muito interessante. Porque certamente teriam pessoas contra, pessoas a favor, pessoas que questionaram sobre um aspecto... Tudo isso enriqueceria as nossas próprias informações sobre o que a gente faz. Seria bom. Lauro Góes – É. Aumentaria essa discussão. Arthur Faria – É. Aprofundaria. Sergio Luz – E devia ser assim. Eu não sei como é esse negócio de tese numa faculdade de comunicação, mas eu acho que se você faz, por exemplo, uma tese sobre Macunaíma, eles têm de ler Macunaíma, não é? Então, se a tese dele é sobre o Tá Na Rua, eles vão ter de “ler” o Tá Na Rua. Arthur Faria – É. Têm de ler. Se não podem ler a gente, têm de ver a gente – que é a maneira de nos “ler”, não é? Lauro Góes – É o modo de ir ao encontro da linguagem específica que o trabalho de vocês desenvolveu. Arthur Faria – Claro. Senão, eles vão conhecer o objeto da sua tese apenas pela sua tese. Lauro Góes – E por um filtro lingüístico, e não pela linguagem de rua. Arthur Faria – Foi boa essa sua comparação. Se fosse uma tese sobre um livro, obviamente toda a banca teria lido o livro. Então, à medida que é sobre um grupo de teatro, porque não “ler” o grupo de teatro, vendo o trabalho desse grupo? Podia juntar os papéis que a gente tem aqui, as nossas redações, as nossas anotações... Podia tudo ser material para discussão. Sergio Luz – Material diversificado, que teria um núcleo na apresentação. Acho


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interessantíssimo. Você pode, no mínimo, renovar o método de avaliação dessas coisas. Lauro Góes – Tem outra coisa que eu queria saber também uma opinião. O Sergio tava falando da possibilidade de a tese ficar fechada demais no Tá Na Rua. Sergio Luz – Não, eu me sinto homenageado. As outras pessoas todas aí... É que você toca no ponto da criação coletiva e essa é a criação coletiva do Tá Na Rua, entendeu? É especificidade do Tá Na Rua, que é diferente do Asdrúbal, diferente de todos os outros. Lauro Góes – É. De cada um. Lucy Mafra – É. Mas eu não sei. O Lauro falou uma coisa que eu acho que tema ver, porque eu acho que é por aí a escolha dele. Quando ele falou sobre a necessidade das pessoas irem ver a apresentação do grupo, ele fez referência à linguagem. E eu acho que quando ele fala que vai pegar o Tá Na Rua, é uma coisa assim: é pegar essa discussão de linguagem. Por isso ele quer que as pessoas vejam, por isso ele pega a nossa maneira de trabalhar, de ser formar, de se juntar... É disso que ele tá falando, né? A discussão é de linguagem. Daí tem tudo a ver ser o grupo da gente. Sergio Luz – É. Eu acho até que o Asdrúbal também adquiriu a linguagem deles, mas eles não pensaram uma linguagem, eles não tiveram essa preocupação no processo de trabalho deles. Talvez, sabendo disso, a escolha é certa.

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Ricardo Pavão – Eu acho que esse negócio deles irem ver ajuda principalmente nesse aspecto da discussão. Porque se fosse uma tese sobre teatro de uma maneira geral, não precisaria ir ver nada. Arthur Faria – É. Porque tem o contexto teatral, né? Ricardo Pavão – É. Tem o contexto. Tem o palco, tem a platéia, abre a cortina, ascende à luz... Tudo pronto, morou? Lauro Góes – Mas será que estaria tudo pronto mesmo no teatro, no teatrão? Você acha? Ricardo Pavão – Eu acho. Tem mil questões que se colocam, mas tá lá, tá mais acabado, mais aferível, do que o nosso. Lucy Mafra – Você pode levar o texto para eles lerem e o resto eles imaginam. Ricardo Pavão – O que não é nenhum mérito nem demérito não, porque se você for pegar algum povão, gente de alguns lugares onde a gente fez o trabalho, onde ninguém nunca foi num teatro – teatro aí como edifício teatral – a coisa que a gente faz está mais pronta em relação a eles, que um teatro. No teatro, ele fala no meio da cena. Quando o ator lá for matar não sei quem, ele vai gritar, vai se meter no meio da cena. Porque isso acontece. Você ouve até, às vezes, as pessoas falarem: “Ah! Fui fazer uma peça em Saracuruna ou sei lá onde, e de

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repente a platéia começou a falar!” É claro! Agora, eu imagino que a banca examinadora que vai tratar a sua tese, esteja mais acostumada à relação do teatro burguês, né? A relação do teatro dentro do edifício teatral. Ou, de repente, os caras já viram muito bumba-meu-boi por aí. Arthur Faria – É, mas mesmo tendo visto tudo isto, ele nunca viu nada, nenhum trabalho, como o nosso, porque é novidade. Não é bumba-meu-boi. Lucy Mafra – É. É outra coisa. Ricardo Pavão – Certo. A novidade ainda é maior do que essa, porque não é bumba-meuboi, nem reisado, nem nada disso. Lauro Góes – Eu gostaria de saber, também, sobre os caminhos de você. Por onde vocês já andaram? Ficam mais na periferia ou mais por aqui? Artur Faria – Olha o mapa! Ricardo Pavão – Aquele mapa ali não está atualizado, mas mostra bastante por onde a gente andou.

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Lucy Mafra – Sempre mais do centro para a periferia. Zona sul a gente quase não fez. Zona sul a gente tem Ipanema, Aterro, Lago do Machado e Laranjeiras. Ricardo Pavão – E são todos considerados uma zona sul meio norte, né? Como exceção de Ipanema. Lauro Góes – E vocês adaptam o tipo de espetáculo, de texto de coisa a ser feita, em função do local pra onde vocês estão indo? Ricardo Pavão – Tem que adaptar, né? Artur Faria – Adaptar não é bem o termo, né? Lauro Góes – Como é? Qual é o termo? Artur Faria – Como a gente tem um conjunto de números, uma variedade de material a ser utilizado, dependendo do lugar em que a gente faz, a gente lança mão de alguns desses números, entendeu? Sérgio Luz – E às vezes usa até os mesmo números em todos, porque a resposta é sempre diferente. E aí, como a resposta sendo diferente, a gente devolve diferente também, da outra amplitude e aí fica completamente diferente. Lucy Mafra – É, dependendo da classe, as coisas que eles colocam nos números são diferentes. Ricardo Pavão – É bom você saber que a gente não tem um espetáculo fechado. Então, como não tem nenhum espetáculo fechado, cada lugar é um lugar. A gente tem, evidentemente, uma base: alguns números, alguns personagens e alguns fenômenos, mas que entram de


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acordo com local. E ás vezes tem, também, um tema. Um tema, digamos assim, social; um assunto social, da atualidade, forte, que está no ar da cidade, entendeu? Artur Faria – Por exemplo, da última vez, quando você viu, foi o dinheiro. Emprego, desemprego. Marilena Bibas – O problema da maxi-desvalorização, que agente estava discutindo desde da outra rua. Ana Carneiro – Às vezes, também, é um assunto mais ligado à comunidade aonde a gente vai. Por exemplo, a única vez que a gente foi a Ipanema, à zona sul realmente, foi através da associação de bairro. Eles iam fazer um dia da comunidade para ver se conseguiam congregar mais as pessoas para o movimento da associação. Então a moça veio aqui, falou quais eram os problemas que estavam tendo, tipo juntar pessoal da favela com o pessoal dos edifícios na mesma associação, os assaltos, o policiamento do bairro, essa coisa toda. Aí, a gente foi e levantou esse material em nós e ele fatalmente percorreu a apresentação toda, entendeu? Então apareceram assaltos no meio da apresentação – um assalto que a gente criou – teve desfile de modas... Já outra vez, a gente vai não sei onde aí pelo subúrbio e saem os assuntos mais ligados a essa comunidade, ao nível econômico das pessoas, à situação social. A gente tá sempre muito ligado aos lugares que a gente vai. Cada vez mais.

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Artur Faria – E ao que acontece nesses lugares. Porque atua nos nossos números. Por exemplo, aquela piada do namorado e da namorada. Tem a piada em si, né, como material que a gente leva. Agora, a maneira como ela é desenvolvida, depende muito do local. Nessa da feira de São Cristóvão, pintou um cara para fazer um namorado. Já pintou outras vezes, mas no caso, não pintou qualquer cara. Era aquele cara, com aquele jeito dele, com uma participação intensa, sem timidez, uma pessoa que fazia circo e, de repente, entrou na roda e começou a trabalhar. Então aconteceu de uma maneira diferente. A gente pode ir mais longe na brincadeira, na relação com a menina; o pai também pinto de outra maneira, entendeu? Entendeu como é muito determinado pelos acontecimentos? A gente já fez em outros lugares, completamente diferente. Lucy Mafra – No Borel a gente fez com todos os três personagens levados por pessoas do grupo. Mas as pessoas de fora deram tantos dados, que teve o casamento deles. Do casamento, se viu como é que ficou, depois, a relação do namorado com a namorada – como é que ficou a vida dela – toda a relação deles. Tudo porque, de repente, uma mulher do público falou assim: - “Não casa, não. Não casa porque é pior”. Aí, a gente foi discutir porque é pior, pondo toda informação que a gente tem. Porque a garota casou e pedia ajuda à mãe (a mulher que tinha falado) e ela dizia: - “Eu não. Eu te disse pra não casar, casou porque quis. Agora agüenta”. Aí, o marido punha ela pra lavar roupa pra cuidar da casa, chamava os amigos pra comer em casa e ela ficava na cozinha... Então, deu pra discutir esse aspecto da realidade do casamento.

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A gente pode discutir a relação machista, a questão da dominação do homem sobre a mulher. Ver como é que aquela menina foi forçada a casar e como, de repente, isso virou faca de dois gumes. Porque o marido a maltratava e o pai dava força, dizendo que ela tinha que obedecer porque o cara era o marido, porque ele era o homem da casa e tal. Então, a base é uma, mais a maneira como ela se desenvolve, depende muito do momento em que se dá. Sergio Luz – É. E também tem uma outra coisa. Adaptação se faz quando se tem um texto, né? E nós não temos um texto. Eu acho, por exemplo, que tem uns números da gente que são pra se saber como é que pensam as pessoas daquele lugar. O namorado e a namorada é um deles. A gente leva pra qualquer lugar e eles revelam imediatamente o que pensam sobre a relação sexual entre jovens e por ai vai. O material sempre dados por eles. Artur Faria – É uma maneira que a gente tem de discutir as opiniões sobre determinado assunto. Sergio Luz – A gente não chega e diz: “Olha, a nossa opinião é essa”. Não. A gente vai construindo em cima, vai produzindo isso junto.

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Lucy Mafra – Porque a gente pergunta; O que é que o Senhor faria se fosse o pai dela?” Mas acontece que, na piada, o pai dela não faz nada. O cara é que dá uma boa resposta e sai bem. É uma piada. Agora, a gente levanta a questão e eles discutem pra caralho. No final, a gente vai e alivia - conta o final da piada, que é pra fechar. Mas sempre a tentativa do trabalho é de levantar a discussão. Participar com num debate. Lauro Góes – Agora uma coisa que eu fiquei muito encantado, gostei, foi que a todo o momento vocês estão correndo o risco de explodir a própria situação. De repente, pode acontecer qualquer coisa e aquilo desandar e vocês perderem o controle. Isso já aconteceu em algum momento? Artur Faria – Como assim? O que você chama de perder o controle? Lucy Mafra – Perder o controle é o que agente mais gosta. Lauro Góes – Eu falo de surgir alguma coisa absolutamente tão inesperada que paralise todo o trabalho e vocês não saibam dar continuidade a ele. Sergio Luz – Mas não nos paralisa. Acho que as coisas tomam outro movimento que não o esperado. Só. Lucy Mafra – A polícia uma vez nos parou. Mas foi integrada ao espetáculo. Marilena Bibas – É. Foi integrada. Foi teatral até o fim. Mas mudou. Porque a partir da li tinha entrado um dado novo que modificou o que vinha acontecendo. Lauro Góes – Eu acho que vocês tão sempre no risco, sempre no limite da explosão:


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“Aqui vai parar. Não parou. Agora aqui vai parar, não vai dar pra continuar...” Aí, abraça aquele elemento que chegou e que vai atrapalhar, e põe pra dentro. Artur Faria – É. Exatamente. Marilena Bibas – É integrada junto com o que a gente já tá levando, com a linha de raciocínio que a gente já tá levando. Ricardo Pavão – Tem um outro negócio que a rua ensinou pra gente – um critério eu, acho – que é a calma. Calma. O caos é uma outra forma de organização, não é? Só isso. Então, quando estoura, às vezes, a gente não tá calmo e fica maluco. Já aconteceu. Mas atualmente, quando estoura – e estoura mesmo! Às vezes entra um bêbado assim aprontando, no meio de uma estória. Fica a fim de entrar e entra - a gente dá um tempo pra ver o que é aquilo, né? Artur Faria – E às vezes o bêbado se transforma em um ator. Às vezes ele já entrou porque quer falar alguma coisa. Lucy Mafra – É um trabalho, ás vezes, com o inconsciente do cara, ele trabalha limpidamente. Na freqüência do grupo. E a gente fala: “Vem nessa”.E ele entra manso. Quando a gente vê, tá fazendo maravilha, trabalhando solto o tempo todo. Artur Faria – Agora, nunca a gente trabalha a um nível lógico, racional, entendeu? Então, sempre tem um espaço pra entrar muita coisa.

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Lucy Mafra – Se vem claro, forte, da pessoa, sempre tem; sempre dá pra entrar. Ana Carneiro – Esse limite de poder estourar era muito mais sentido no começo do trabalho. Atualmente a gente já tem uma elasticidade, uma calma, da um tempo. Artur Faria – E não tem nenhuma estória que a gente não possa mexer, que não possa ser diferente, que não possa ser entendida, mudada, ou ser o inverso do que ela sempre foi. Ricardo Pavão – E também, agora, a gente teatraliza tudo. Porque a gente aprendeu que é necessário. E aprendeu na rua. Nada disso a gente a inventou aqui pra fazer na rua. A gente aprendeu lá. E uma das coisas que a gente aprendeu foi isso – se uma pessoa entra dentro da roda, pra fazer qualquer coisa, é meter - lhe uma roupinha imediatamente. Uma roupa teatral. Coloca o cara dentro do teatro. Põe ele pra trabalhar. Lauro Góes – Sei. Transformar ele num ator. Ricardo Pavão – E aí, ele distancia. Porque o povo sabe isso muito bem. O Amir fala e agente sabe, que o povo é a vanguarda. A vanguarda da vanguarda é o povo, né? Então, se põe uma roupinha de teatro neles, eles passam imediatamente a fazer teatro mesmo. Lucy Mafra – E as vezes que a gente marcou e não botou roupa, eles pediram. Eles não bobeiam. Pedem mesmo: “Põe um paninho em mim, põe um negocinho em mim”.

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Artur Faria – Que é pra quebrar o cotidiano. Lucy Mafra – Pra quebrar. A gente já punha, mas como um dia a gente bobeou eles pediram, a gente disse: “Pode criar, é isso mesmo. É um absurdo a gente não vestir o ator que entrou”. Ricardo Pavão – Eles sacam. Eles sacam muito mais que a gente. Sérgio Luz – E quando eles entram, já entram com vontade de brincar, sabendo que é teatro. Artur Faria – Entram porque têm alguma coisa pra dizer. Foi tocado por algum ponto dele e ele quer botar isso pra fora. E se ele tem a possibilidade de entrar numa roda, ele vai colocando tudo.

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Ricardo Pavão – E coisas até de dizer o que a gente pode fazer pra crescer a brincadeira. Por exemplo, aquele cara da bandida, lá de São Paulo, que pedia pro Amir botar dinheiro no bolso dele. Tem um número que Marilena faz, que é o número da bandida: uma empregada doméstica que é pega com a geladeira cheia de comida. Evidentemente ela roubou alguém pra ter essa geladeira cheia. No caso, o patrão, ele tá dando queixa. A polícia vem e prende ela. Começa a discussão. Roubou, não roubou... Marilena Bibas – O povo diz que não pode prender a mulher. Mas diz que roubou. O povo sabe que ela roubou. Sergio Luz – O povo não tem moralismo de dizer: “Não, ela não roubou”. Ricardo Pavão – Ele é mais justo que isso. Sabe que ela roubou, mas é a favor. Ela tem que roubar. Eles sabem que ela precisa. Mas aí, lá em São Paulo, neste lesco-lesco, pintou o advogado de defesa da bandida. Um cara entrou. Um criolão lá... “. Não, vou defender ela. Põe a julgamento”. Bem, foi a julgamento. E ela tava no pau de arara, bicho, polícia sentando o pau nela. Quando surgiu o advogado de defesa da bandida. Artur Faria – E começou a argumentar muito bem, sobre as injustiças que ela tá sofrendo. E isso aliviou o lado dela. Botou uma discussão lá. Marilena Bibas – Começou a discutir quanto é que vale o trabalho dela, quanto é que não vale. Lucy Mafra – Aí, na hora que o patrão começou a ficar muito sem saída, por que os argumentos do advogado de defesa eram muito bons e tinham a ver com a realidade da vida de todo mundo ali, um cara entrou para ser o advogado do patrão. Um cara de terno, que deveria ser advogado mesmo ou, pelo menos, era de nível universitário. Entrou lá. Ele tava vendo desde o começo. Entrou. Entrou pra que a brincadeira continuasse e a discussão fosse mais longe. Disse: “Eu sou o seu advogado de defesa”.E aí começou a defender o patrão


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com os argumentos tão bons quanto o do outro. Ricardo Pavão – E com o saque teatral de chegar assim pro patrão e dizer: “põe um dinheiro ai no meu bolso”. Entendeu? Ele defendia o patrão: “Porque ele é um homem muito bom!” E o patrão enfiava o dinheiro no bolso dele assim, com todo mundo vendo. Aquele negócio teatral mesmo. Tacava dinheiro no bolso dele. Quanto mais ele defendia o patrão, mais o patrão dava dinheiro pra ele. Artur Faria – Numa cena que ele criou. Ele entrou já pra fazer a cena do advogado corrupto que defende com todos os argumentos, brilhantemente o patrão. Ricardo Pavão – Falava que o patrão dava emprego! Lucy Mafra – Falava bem dele, que ele era um homem bom. Perguntava: “O que seria dela sem o patrão? Ela não teria emprego”. Artur Faria – A gente vive dentro da realidade de um sistema e a gente nunca rompe com isso, a gente nunca faz com que o teatro se transforme na realidade. O teatro é sempre uma discussão da realidade que é a realidade. E isso é mágico. A magia não é transformar o teatro em realidade. A mágica é transformar o teatro no meio de buscar instrumentos para transformar a realidade. Mas buscar instrumentos lá na realidade. Senão fica milagre. Então, como você tá ali balizado pela ideologia do sistema, da realidade que todo mundo vive, a discussão vai sempre muito longe. E não tá resolvida nunca, por que não tá resolvida isso na realidade. A gente nunca deixa que o teatro resolva os problemas da realidade. O patrão, até hoje, levou a melhor sempre, levou a melhor sobre o empregado, então no teatro da gente o patrão tem a força dele, que a realidade endossa. Não é mágico. Então, a figura do patrão não é nunca uma figura fraca, entende? Porque não existe essa figura do patrão fraca, em nível da discussão coletiva. Não existe. É um sistema que o patrão tem uma figura forte, mesmo que tenha um patrão que seja uma figura fraca. Mas nunca nada é particularizado a ponto de virar um caso específico.

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Lucy Mafra – Ele pode mostrar toda a fragilidade dele, agora, ele não perde a força. O poder é o poder. Artur Faria – Ele é um ser humano, vivo, chora. Ele tem lá suas contradições, agora tem lá a realidade: é o patrão. E a empregada, também a gente nunca deixa aflorar a sua heroína. Não, ela tem lá as suas contradições também. Lucy Mafra – Roubou mesmo. Artur Faria – Em São Paulo, ela acabou fazendo um acordo com ele. Marilena Bibas – Tem um negócio que eu queria falar sobre esse trabalho da bandida. Algum tempo antes, a gente fez uma apresentação no Parque Lage, pra uma platéia de estudante. E eles, no final, tornaram a bandida numa heroína. Fizeram a revolução invadiram

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a delegacia onde ela estava, bateram em todo mundo – nos guardas, no patrão – Viraram super-heróis. Lauro Góes – E vocês param aí ou continuaram? Artur Faria – Não, aí acabou. Acabou tudo. Lucy Mafra – A gente não vai resolver isso pra eles. A gente fez o final que eles fizeram. Lauro Góes – Vocês fizeram o final digo, o trajeto dessa personagem aí sozinha, depois do que aconteceu com ela? Artur Faria – Não, não deu. No caso aí, não deu, porque virou um carnaval. Virou Zona infernal. Não deu. Agora, o que você fala, tem a ver. Mas só daria se tivesse tido um mínimo de teatralidade na ação. Mas não, a ação foi totalmente mágica.

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Marilena Bibas – E também a gente não sabia muito sobre a bandida. A gente tava igual a eles entendeu? Aí, a gente não sabia que a bandida tinha roubado mesmo. A gente não tinha aprofundado mais na História, esse personagem, pra saber qual era dessa mulher, entendeu? Então a gente tava lá igualzinho a eles, querendo salvar ela de qualquer maneira. A gente não tava trabalhando com a realidade dela mesmo, tá entendendo? Ricardo Pavão – É, porque quem disse que ela tinha roubado mesmo foi o povo na rua e, por acaso em São Cristóvão, na primeira vez que a gente foi lá. Marilena Bibas – É. Foi na rua que a gente resolveu isso. Ricardo Pavão – Eles disseram: “Ela roubou mesmo”.Agente é que não queria que ela tivesse roubado. Se lembra dessa época? A gente ficava defendendo. É pobre, mais é honesta. Propiciava esse tipo de movimento heróico. Mas depois a gente entendeu que ela entendeu que ela roubou mesmo. Marilena Bibas – E que roubou mesmo, porque a barra pesa. Aí, ficou muito mais fácil, mais lúdico, muito mais fácil, muito mais na brincadeira. A gente começou a discutir melhor porque essa mulher roubou. Deu pra discutir a mais – valia geral, mesmo. Artur Faria – A diferença entre o salário e o trabalho. Porque a gente perguntava: “Ela trabalha o suficiente para ter a geladeira cheia?” “Trabalha”.Todo mundo repetia. “Mas ela ganha o suficiente para ter a geladeira cheia?” “Não, não ganha”. Marilena Bibas – Aí as pessoas começaram a dizer: “Mas ela não pode ser presa!” “Mas a empregada pode ter a geladeira cheia? Alguém aqui tem a geladeira cheia? Ninguém”.E todo mundo trabalha?”” Trabalha. “Então tá com geladeira cheia. Ela roubou!”. Artur Faria – Aí começamos a ver a diferença entre trabalho e salário. Através deles, porque


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eles reclamavam: “Ela trabalha”.E é verdade, ela trabalha. Marilena Bibas – Ela fala: “Eu trabalho o dia inteiro. Meu marido faz biscate”.E o patrão morria de rir: “E biscate enche a geladeira de alguém?”. Lucy Mafra – Falavam que o marido dela tinha sido visto pegando o frescão! O monte de porrada que ela levava! Artur Faria – A gente brinca com essas coisas. E com isso, agente vai aprofundando o nosso conhecimento sobre a realidade e a nossa consciência sobre o momento. Lauro Góes – E o trabalho vai se modificando com a contribuição, das participações, né? E aquele lado que você falou, do ilusionismo teatral? Vocês nunca perceberam que o público sentisse falta disso ou pedisse alguma mágica, uma intervenção mágica? Artur Faria – Não, a mágica nunca pediram. Uma solução mágica, não. Nunca. O que eles gostam muito que a gente faz – e que é uma coisa totalmente diferente do ilusionismo – è poetizar a situação. Isso eles adoram. Se não ta poetizado, eles não acham legal. É verdade! Eles não gostam de nada que seja naturalista, que seja dramático. Ricardo Pavão – É. Não transam assim de jeito nenhum. |

Artur Faria – Eles têm muito humor. Eles brincam: gostam de brincar mesmo. Eles sabem que aquilo que está ali não é realidade e que é uma mera maneira deles brincarem. Ricardo Pavão – Tanto que no nordeste eles chamam aquilo que a gente faz de “brincadeira”. O termo, que inclusive que a gente achou melhor o que agente faz na rua é esse – brincadeira. Eu não gosto de chamar de teatro não. Porque pra mim, mistura. Pra mim, particularmente. Quando falo com as pessoas no meio da rua, pergunto: “Gostou da brincadeira?” Atualmente, quando eu trato com eles, só chamo de brincadeira. E é uma brincadeira. E isso tem a ver com as línguas internacionais todas. Em francês é jouer, em inglês é play... Lauro Góes – Isso aconteceu no domingo, em São Cristóvão. Chegou um cara pra mim e disse: “Que é que é isso aí?” Eu disse. “Eu não sei. Que você acha que é?” Ele ficou parado. Aí eu quis ajudar e disse “Isso é teatro na rua”; Aí ele ficou me olhando sério. Aí eu disse assim “É teatro de rua”.Eles não gostou das duas coisas e disse: “Não, isso não é nada disso não. Não é nada disso não”.Não concordou com nenhuma das duas proposta que eu tinha dado. Não era uma coisa, nem outra. Não aprovou nem uma sugestão e nem outra. Ricardo Pavão – Porque não é mesmo, não é mesmo. Sergio Luz – Se você disse que era brincadeira, tava óbvio que era brincadeira. Artur Faria – É porque o teatro já perdeu tanto o contato com a sua origem, com o que motivou

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o teatro, que de repente não é mais reconhecido como teatro, entendeu? O que é reconhecido com teatro é o que é culturalmente estabelecido. Então, essa brincadeira, esse jogo essa troca de idéias, de informação, tudo isso que se dá ali no meio da rua naquele momento, não é mais identificado como teatro. Por que o teatro se faz dentro de uma sala fechada, que tem um edifício, que têm as suas regras, a sua postura pra assistir, a sua reverencia ao assistir. Então, uma coisa que é totalmente irreverente, que você pode meter o dedo, misturar, mexer, falar, entrar, sair... Como é que isso pode ser teatro se o teatro que a gente conhece é esse teatro todo formalizado? E o que a gente discute é que ele não foi sempre assim. Lauro Góes – É verdade. Sergio Luz – Mas a gente diz que é teatro porque é teatro. Artur Faria – E quando a gente fala “teatro burguês”, é porque tem um teatro de uma burguesia que organizou um teatro – colocou as paredes, as cadeiras, o palco... Ricardo Pavão – Porque o teatro tem a ver, realmente, com o ator não com o edifício teatral.

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Artur Faria – Não é a arquitetura do teatro que conta. É o ator-teatro. Ricardo Pavão – E estão os livros todos ali pra provar, né? Tem um monte deles. Artur Faria – Porque essa visão burguesa do teatro é uma coisa que os atores vão internalizando. Afinal, nós somos dessa classe. A gente precisou muito tempo pra livrar dos vícios do teatro burguês, como precisar de silêncio, ter de ser destacado... “Não, agora eu vou falar, então o spot tem que estar encima de mim”.E, de preferência, que todo o resto esteja escuro. Então, a gente teve de desmontar toda essa linguagem, teve de desmontando pra deixar aflorar essa brincadeira da participação mais intensa, mais coletiva. Lucy Mafra - É. Começou na gente mesmo, né? Aprendendo como é que um ator trabalha com o outro, com é que os atores trabalhavam juntos, que o importante é “quem”, é “o que”, quer dizer, o importante é “de que se trata” e não “quem sabe”. Não é teatro psicológico. Todo esse trabalho, todo esse desmonte, a gente teve de sofrer enquanto pessoa, cada um, e enquanto grupo. Uma coisa que agora esta muito distante da gente, mas que agente teve de entender - o que é falar de um assunto, o que é pensar sobre um assunto. No domingo, você viu uma grande parte do trabalho improvisada – toda aquela parte que aconteceu da vedete, que a Maria fez; o lance do desemprego que o Artur colocou; o lance da bunda que eu coloquei... Todos esses dados, todas essas coisas, foram improvisados. Pra poder falar delas, a gente vinha pensando junto o tempo todo. A gente desenvolve um assunto e quando ta lá com ele. A gente fez um trabalho no Largo do Machado, por exemplo, sobre a maxi-desvalorização, que foi bem em cima desse acontecimento. Chegou agora, essa área tava limpa, mas continua forte o assunto “dinheiro”.


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Lauro Góes - É, aí pintou o emprego, né? Lucy Mafra – É, então a gente pegou e falou do emprego. Marilena Bibas – E também porque tá maior desemprego, né? Lucy Mafra – E ninguém disse assim: “Olha vai ser isso aqui: a gente vai falar de dinheiro, vai ter um lance com dinheiro”.Não. Chegou lá e, quando surgiu à possibilidade, o assunto começou a pintar. Artur Faria – A gente conta muito, quando vai a um lugar, com a realidade das pessoas que agente vai encontra naquele lugar. Por exemplo, se a gente vai num lugar popular como a feira de São Cristóvão, a gente sabe qual é a realidade daquelas pessoas que estão ali na roda. Marilena Bibas – Não dá pra falar no preço da gasolina, do aumento que ela teve. Eles não têm carro! Não têm como pensar em grana pro carro! Artur Faria - Não dá pra falar do preço da gasolina se os caras não têm onde botar gasolina. Então, tem que se ver o que tá funcionando na cabeça das pessoas do público. Qual é a realidade deles, pra saber qual o assunto que dá pra discutir com eles. Porque sempre tem a ver com a realidade que ele tá vivendo. Um lugar popular como São Cristóvão é diferente de quando agente vai a Laranjeiras discutir o problema das construções dos prédios, porque essa é a preocupação que ocorre lá, entende?

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Lauro Góes – Sei. E esse tipo de trabalho nunca leva as pessoas àquela coisa toda que é meio forçação, meio forçada, no teatrão, “depois faremos um debate sobre o espetáculo”, não é? Marilena Bibas – Ah, não. O debate já foi feito. Lauro Góes – Já foi feito, né? Já tá lá. O correu durante. E nunca tem ninguém que queira discutir depois? Lucy Mafra – Depois a gente toma uma cerveja junto e comemora, morre de rir de tudo que aconteceu. Um bate – papo. Lauro Góes – Não tem a crítica ou a reflexão crítica... Artur Faria – Não, a crítica já foi feita na hora, durante. Marilena Bibas – Tem é a cerveja depois. Aquilo tudo foi criando uma intimidade entre as pessoas e a gente. Eles ficam carregados de coisas pra dizer, pra bater – papo, e sempre rola esse papo depois. Sempre rola. Tomar uma cerveja, ou sentar num lugar e ficar batendo papo... A gente nunca acaba e sai, vai embora. Artur Faria – A maioria das pessoas que ficam no final, são as que participam, ficam mais mobilizadas. Então eles discutem inclusive sobre a participação deles como ator. “Pô, eu tava

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bem?” “Pô, aquela hora... sabe, aquela hora que não dava pra fazer isso, não dava pra fazer aquilo...” Eles discutem o espetáculo com a gente; avaliam. E eles tão preocupados com a eficácia, com o rendimento da brincadeira, não é com a imagem deles, não. “Pó, foi legal aquela hora que aconteceu tal coisa, foi bom”.Olha pra um, de repente, e começa a falar: “você, eu me lembro. Você veio e me deu aquele empurrão...” Coisa assim do jogo. Que nem quando acaba o jogo de futebol e a gente e avalia: “Aquele passe...” Igualzinho, como se fosse um jogo que você estivesse avaliando como é que ele se desenvolveu. Esse é o negócio ótimo, por que é um treino muito bom. Esse vídeo – tape é muito enriquecedor da pratica. A gente faz isso lá com eles e depois faz o nosso aqui, aí já buscando aprofundar mesmo. Vai fazendo a revisão da apresentação toda, parte por parte. Lauro Góes – Como é a preparação de cada apresentação? Vocês disseram que tem uma direção em função do local, dos temas que estão correndo na cidade. E aí? Artur Faria – A gente vai antes ver o local. É importante isso. A gente vai lá, bate papo com as pessoas. Sempre.

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Lauro Góes – Ah! Vocês estão sempre no local, na hora em que a coisa vai acontecer, é isso? Lucy Mafra – É, um dia ou outro antes, mais ou menos no mesmo horário. Lauro Góes – Por exemplo, a feira de São Cristóvão – vocês teriam ido no domingo anterior pra dar uma sacada? Ricardo Pavão – É, seria isso. No caso a gente não foi, porque a gente já conhecia a feira. A gente já fez duas vezes e estava fazendo a terceira. Mas digamos que a gente vai fazer num local em que nunca se foi. Tem que ir lá, dar uma olhada, sacar, ver, bater papo com as pessoas, tomar uma cerveja, ver quem é que freqüenta o local... Marilena Bibas – Eles falam de coisas que acontecem lá, de como é o bairro... Ricardo Pavão – A gente se impregna um pouco do bairro, fica sentindo com é que é. Volta e conversa um pouco sobre isso. Pra não cometer gafes, que agente não é burro. Chegar lá e falar de gasolina onde neguinho está preocupado com emprego, com o preço do feijão e vice–versa. Lucy Mafra – É, porque quando a gente está lidando com platéia de estudante, por exemplo, e conta a piada do namorado e da namorada, as soluções que pintam são outras soluções. Ricardo Pavão – Esse negócio de adaptação que se falou no início do papo, aliás, no caso de São Cristóvão teve uma adaptação que a gente fez mesmo. Acho até que foi a primeira vez que a gente fez isso. Adaptação ao pé da letra - que foi aquela piada do avião. A gente fez especificamente. Porque aquela piada é feita com judeus e palestinos. E no final o judeu


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grita “Viva Israel” e joga o Palestino. Lá o pernambucano gritou “Viva Pernambuco” e jogou o paraibano, né? Foi uma adaptação mesmo, porque a gente sabia que lá só tem nordestino mesmo. Como a gente tava nessa de brincar e sabe que existe essa coisa com pernambucano, Lá no nordeste, porque Pernambuco é um lugar mais rico, sempre tem mais verba, a Sudene é lá... Então, a gente adaptou. Lauro Góes – E a estrutura das coisas é sempre muito flexível pra que vocês possam modificar de acordo com essas coisas, né? Artur Faria – Sempre. Pra que agente possa desenvolver o que público quer discutir. Porque a gente bota um tema lá e aí eles têm uma maneira de discutir esse tema. Sabe como? A gente nunca tinha pensado em julgamento da bandida, por exemplo. Nunca. Nunca tinha passado pela cabeça da gente: “Vamos fazer um julgamento em praça pública da questão da relação da empregada com o patrão”. Eles é que propuseram pra gente. Então é que surgiu uma proposta clara, também. É uma reunião de contribuições. Logo que pintou o primeiro advogado, o outro teve espaço, na realidade, pra existir. É uma coisa que todo mundo sabe, né? Tá na realidade aí. Lá em São Paulo teve, também duas bandidas: a do grupo e uma pessoa do público, uma empregada doméstica que tava assistindo e entrou. Foi pro pau-de-arara junto com a Marilena, entrou no cacete também.

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Lucy Mafra – E ela falava: “roubei mesmo”. Lembra, Marilena? Falava: “Fico lavando as calcinhas da sua mulher!”. Ricardo Pavão – Ela era ótima. Apanhava mesmo. A gente batia nela legal mesmo. Quer dizer, seguramos de jeito que não machuca ninguém, a gente tá brincando, mas ela apanhava, gritava “socorro”, era ótima mesmo. Lucy Mafra – E isso aconteceu por causa dessa coisa que o trabalho da gente tem, de trabalhar com o inconsciente coletivo. Daí a gente começa a trabalhar e quase todas as coisas ficam claras. Quando o cara entra, ele vai levando o raciocínio e vai tudo sendo levado assim, sem atropelos. Quando por qualquer razão, agente tem uma recaída dessas de teatrão e faz uma coisa linearmente, faz um raciocínio puramente psicológico eles dançam e dança todo mundo. Porque faz funcionar tudo, é que tem um raciocínio sendo levado o tempo todo, que as pessoas se identificam. Todas as pessoas estão sabendo do que se trata. Então, cada dado se soma aquilo. São dados da realidade. Nós todos sabemos deles. Então, quando a gente vai e da uma tirada do alto da cabeça, a gente perde a participação na hora. Ricardo Pavão – E tem coisas mais sutis que a gente tem de destrançar no nosso ator. To me lembrando aqui de uma vez, lá no Vidigal, em que disseram que “a mulher que grita, rodopia e cai” fazia isso porque tava bêbada. Ai, a Lucy foi fazendo ela ficar bêbada. Esse negócio de

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transição que tem no teatro burguês. A pessoa tem de ficar bêbada; então, ela começa a beber, vai bebendo, bebendo daqui a dez minutos a pessoa tá bêbada. Lá não. Na rua não tem esse realismo não. “Tá sofrendo porque tá bêbada”. É um, dois, no outro minuto já tá bêbada; Não precisa começar a beber pra ficar bêbada; não tem esse negócio. Lucy Mafra – É outro tempo, né? Marilena Bibas – É, porque tá tudo claro ali, você não tá, bebendo mesmo de verdade. Então, pra que fazer uma gradação que também é uma mentira? Ricardo Pavão – Pois é, não precisa disso. É um, dois pronto. É fantástico. Isso é uma das coisas que eu gosto e que aprecio na rua. Você tá rindo e imediatamente você tá chorando numa boa. Você ta amando, ta adorando uma pessoa aqui e daqui a pouco você tá aos tapas. E faz o maior sentido. Contando parece coisa de louco. Artur Faria – Porque não tem o psicólogo, pra ter passagem. Lauro Góes – Fora do Rio existem outros grupos como o Tá na Rua?

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Artur Faria – Existe um trabalho de rua. Agora mesmo, no Mambembão*, veio um grupo de Aracajú (Imbuaça). Ricardo Pavão – Mas não é igual ao Tá Na Rua. Lauro Góes – Nem um trabalho aproximado. Ricardo Pavão – Não. É um trabalho de rua, mas eles trabalham só em cima do cordel. Lucy Mafra – A gente não tem texto, não têm método. É bem diferente. Lauro Góes – É o espetáculo deles têm texto, é fechado à participação do público, as pessoas não entram pra jogar. Artur Faria – Não, eles não têm espaço. As pessoas comentam e riem etc., mas não participam diretamente. Ricardo Pavão – Evidentemente que é mais aberto que um espetáculo num edifício teatral. Tem esse espaço de você falar umas coisas, o ator responder, mas tem uma estória lá sendo contada e o final dela não vai ser modificado por conta de alguém do público que entre ou diga alguma coisa, né? Não vão receber uma coisa assim. Artur Faria – Não é da natureza do trabalho deles. Ricardo Pavão – Tão lá contando o lance deles. Agora, como esse que a gente faz. Eu não conheço nem um outro não. É capaz até de ter, né? Lauro Góes – Não, acho que não. Agora, nem vocês saíram do Rio, já? *Projeto do SNT (atual Funarte) que trazia grupos de todo o país para o Rio.


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Marilena Bibas – Nós já! Muito. Lauro Góes – Pra onde? São Paulo? Lucy Mafra – São Paulo, Recife, Paraíba, Brasília, Estado do Rio – Angra dos Reis, Paraty, Friburgo... Artur Faria – Fizemos algumas viagens, principalmente em 81. A gente viajou muito. Viajamos o ano inteiro, né? Ana Carneiro – Eu estou ligada numa coisa que Lucy tava falando. Sobre a criação coletiva, quando você começou a falar com ela no inicio do trabalho do grupo e, depois, como é que foi mudando. Lembra que você começou a falar alguma coisa ligada a isso? O processo mesmo do desenvolvimento do nosso trabalho. Lucy Mafra – Eu tava falando do ator. Ana Carneiro – É do ator. Lucy Mafra – De qual foi a desmontada que a gente fez - de como o importante é o “que” em vez de “quem”, de como levar um raciocínio claro em cima do assunto... É sobre isso Ana? Ana Carneiro – É. Porque eu sinto que á medida que tendo essa desmontada, o trabalho ficou tendo mais, realmente – e tende a ter cada vez mais – uma coisa de criação coletiva mesmo, do grupo. Porque no início, tinha muito mais uma apresentação individual dos atores alinhavada pelo Amir. Então, era um lance, inclusive, que a gente sabia pouco como cada um participava enquanto o outro tava trabalhando. Atualmente, acontece cada vez menos a apresentação individual de cada ator. Acontecem coisas em que o grupo participa coletivamente – o grupo todo cria aquela brincadeira.

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Artur Faria – É como se a dramaturgia estivesse se desenvolvendo – se você puder chamar isso de dramaturgia. Como se a gente tivesse começado a escrever um monólogo, diálogos e agora tivéssemos coletivo maiores, né? Vai se tornando mais complexo. Devido ao desenvolvimento desse Know-how, dessa capacidade de racionar juntos, de trabalhar coletivamente. Ana Carneiro – Um aprendizado mesmo. Lucy Mafra – Aprendemos a ter cuidado em colocar qualquer dado, saber o que é um dado coletivo, o que é um dado individual, no sentido de como atua uma interferência tua como ator. Saber como é que você trabalha junto, como é que você interfere. Muitas vezes o que fazia a gente não trabalhar enquanto o outro trabalhava, era ter medo de interferir. Por que a gente não tinha o que somar. Quando entrava, dava diferença. Sergio Luz – Agora, também é assim: quanto mais o ator se desenvolve individualmente, mais ele sabe jogar no coletivo. É engraçado, mas é por aí. Artur Faria – É. “O paradoxo do comediante”.

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Ricardo Pavão – Tem uma coisa sobre a qual eu queria falar também. A gente falou aqui, até agora do espetáculo - dos números da bandida, da piada e tal. Do espetáculo e da participação do público no espetáculo. Mas tem uma coisa que a gente, já percebia em nível do inconsciente, mas começou a colocar á nível da discussão e da participação e um que é um outro tipo de Know-how da roda, do espaço em que você trabalha. De certa maneira o edifício teatral, né? A construção do nosso espaço mesmo. Como é que você faz uma roda, o que é necessário pra uma roda se manter aberta, porque uma roda se fecha, porque de repente se cria um bico numa roda... Tá entendendo? É esse tipo de coisa que a gente andou e anda trabalhando bastante. E são coisas que não estão no espetáculo em si. São coisas do Knowhow mesmo, de técnica. Evidentemente, foi coisa tirada da prática, não foi uma técnica que a gente inventou loucamente, e resolveu “vamos aplicar aqui nesse espaço”, mas são coisas que a gente tá percebendo. Como é que você faz uma roda? Como é que você delimita um espaço pra trabalhar? Faz um traçado de giz no chão e pede pro povo não passar? Como é que é isso? Ou é sua energia que você projeta, lá? Você fala de pertinho pro cara ou você fala de longe? Como é que uma hora é bom de um jeito e outra ora é bom do outro? Quem centra essa roda – se ela tem um centro – como é que ocupa esse centro? E questões assim que se colocam quando você vai pra rua, mas que se colocam mesmo, brabo. Se você não amar uma roda direito logo que você começa, você tá fodido! Até conseguir engrenar o espetáculo, é uma meleca. Lá em São Cristóvão a gente começou tendo problema na armação daquela roda. Logo no início. Marilena Bibas – É. Teve um problema e deu problema durante todo o espetáculo. Até o fim. Ricardo Pavão – Deu um bico! Ficou quase palco Italiano. Você tava lá desde do início. Se lembra uma hora que pra baixo, do lado da rua, a roda não fechava? Pois é. Isto é um exemplo de roda sem eixo. Marilena Bibas – Ficou sem eixo. Ás as pessoas se formavam todas aqui de um lado, enquanto o outro lado não tinha ninguém. O espetáculo ficava frontal o tempo todo. Pra conseguir girar isso a gente teve de ir jogando energia pra lá, jogando o tempo todo, pra rodar. E teve que mudar o centro da roda, também. Isso deu um desequilíbrio que ficou até o final. Até que as pessoas começaram a fechar, entendeu? Porque de início ficou meio descentrada e, aí eles ficaram sem referencia também. Ricardo Pavão – E é uma coisa importante isso. Pra esse tipo de trabalho da gente e imagino que pra todo mundo que trabalha na rua. Pro camelô, pra todo mundo. Lá em São Cristóvão mesmo eu tive curiosidade de ir as outras rodas e ver como alguns resolviam isso. Uns colocavam uma cordinha – o cara que tava tocando, colocou um barbante fazendo um quadrado. Então, essa é uma coisa que você precisa resolver mesmo se você vai trabalhar na


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rua. Não dá pra fazer uma delimitação. Mas se você vai trabalhar, você precisa de um espaço. Como é que você faz isso? Marilena Bibas – Esse cara que você falou tava trabalhando com microfone, não tava? Ricardo Pavão – Tava, com um microfone. Marilena Bibas – Com microfone, eles ficam logo assim, desse jeito. Ricardo Pavão – Nem sempre. Um outro que tava trabalhando com o microfone ali pertinho, tocando violão e cantando, tinha gente colado nele. O microfone tava lá e o cara tava aqui, grudadinho mesmo. Se o cara tá cantando, eu to ligada nele. Se tem microfone, eu escuto beleza, escuto primeiro, mas não é o microfone que faz eu ficar lá. De jeito nenhum. Marilena Bibas – Ah, não, mas se você vai cantar num microfone no meio da rua, é mais difícil você está transando direito com as pessoas pra organizar o espaço. Você tá ligado aqui, no microfone. Você esta delimitando entendeu? Seu espaço, o que você atinge, não é atingido só com a sua energia. Você tá com um microfone que dá dimensão, né? Ricardo Pavão – Por isso que o cara põe a cordinha lá! Marilena Bibas – Por isso que o cara põe a cordinha. Porque ele não consegue organizar isso.

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Ricardo Pavão – Claro. Porque se a roda fecha muito, rapaz, termina a gente não podendo interpretar. Se a roda fecha, ou se ela esgarça. A tendência geral é fechar. Naturalmente ela tente a fechar. Porque as pessoas vão chegando e vão empurrando... Agora, se abre muito como já aconteceu algumas vezes, você não consegue fechar, de repente você tem um espaço do tamanho de um campo de futebol, maior do que o espaço que você pode atuar. Uma loucura! Artur Faria – Afora que é um desgaste de energia enorme. Explode a roda! Lauro Góes – Que é o prédio do trabalho, né? Artur Faria – É, a roda é o espaço do trabalho, a nossa arquitetura. Marilena Bibas – Agora, em São Cristóvão também tinha a questão de que o Amir e o Ricardo estavam numa situação que não acontece nunca. O Amir resolveu dessa vez, que ele ia pra rua ficar sentado no meio da roda com Ricardo maquiando ele. Geralmente, chega todo mundo e todos começam a por sua energia pra delimitar esse espaço. E têm também uma coisa forte, que é o Ricardo quem bate o bumbo - que põe energia e leva o som – e o Amir é a pessoa que faz o mestre de cerimônia, entendeu?

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Dessa vez, ficam os dois juntos lá no meio e então o resto do grupo tinha força, mas ao mesmo tempo ficava faltando alguma coisa. Era como se tivesse desmontado esse universo, entendeu? Demorou mais pra gente organizar. Começou a organizar a hora que eles se levantaram e ai juntou todo mundo, se juntaram as forças mesmo. Aí gente começou a organizar. Mas aí, já tinha dançado o início do trabalho. Artur Faria – Foi uma desatenção da gente. Marilena Bibas – Foi. Porque era uma coisa nova. Se fosse uma coisa que a gente já soubesse trabalhar com ela, eles poderiam ficar lá no meio e a gente teria feito o resto, feito uma compensação, sei lá. De alguma forma a gente saberia como lidar com isso. Mas, aí ficou como se tivesse faltando alguma coisa o tempo todo. Um desequilíbrio. Essa é uma das coisas que pode acontecer de dificuldade na roda. Lauro Góes – Você não tem nenhuma relação de produção com a platéia não, né? Vocês não passaram o chapéu...

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Artur Faria – Depende. A maioria das vezes a gente passa. Agora, isso ainda é uma coisa muito pouco resolvida. Lucy Mafra – E eu acho que tem a ver com esse lado de que a gente tá sempre sendo financiado, né? Artur Faria – É, na maioria das vezes a gente tá financiando. Porque quando a gente não tá financiado, o chapéu passa muito bem. Passa na boa. Lucy Mafra – Agora, se você tá ganhando vinte mil pra fazer na rua, pedir mil cruzeiros seria desonesto. Às vezes a relação da gente pedir dinheiro nas ruas da fundação Rio, é mais no sentido de haver espaço pro cara trocar, devolver. Senão, fica muito mágico, entendeu ? Nessas vezes, a gente não perde; recebe, entendeu? Pra não ficar gratuito. Agora, em Brasília, a gente tava duro. Hospedado legal pelo Sesc, mas tava duro. Então, na rua o que a gente levantava era pra comida do dia, pro lance que a gente fazia de noite, depois de fazer a apresentação no teatro – as oficinas teatrais. Então, a gente pedia muito bem. E nós comemos muitas e muitas noites com o dinheiro da nossa rua. Quer dizer: aí a gente sabia pedir. Cada um pegava um chapéu e ia pedindo. Por que tinha a realidade. Agora, fora isso, a gente pede mais ou menos simbolicamente, sabendo o que é “pra cerveja”. Aí, a gente recebe, não pede. Lauro Góes – Quer dizer que você tem sido desses sempre financiados? Lucy Mafra – Não! Lauro Góes – Têm quanto tempo? Artur Faria – Têm dois anos.


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Lauro Góes – É? E quanto tempo tem o grupo? Artur Faria – Com essa formação têm três anos, mas no total tem oito anos. Marilena Bibas – Tem algumas pessoas que já estão aí desde o começo. Outras entraram há três anos, quando se formou o grupo Tá Na Rua. Antes, era o Grupo de Niterói. Lucy Mafra – E tinha outro grupo Tá Na Rua, que foi formado por alunos do curso do Amir. Ricardo Pavão – Isso aí é uma coisa muito ligada, talvez, ao desenvolvimento do trabalho do Amir, né? Essa parte do pré-Tá Na Rua. Lauro Góes – O Sérgio era do Grupo de Niterói? Sergio Luz – Não, eu fui aluno do Amir. Eu vim exatamente de onde a Rosa Douat, a Marilena e a Lucy vieram. Mas eu não fui o primeiro Tá... E nem de Niterói. Eu fui aluno do Amir. Artur Faria – Isso é porque na época em que o grupo de Niterói se dissolveu, o Amir, através das aulas, tinha um grupo já fazendo rua. Era, digamos o momento mais avançado do trabalho de pesquisa que o Amir desenvolvia conosco. Lucy Mafra – Era um grupo que já tava fazendo rua, vendendo as ruas. Só não era todo mundo. |

Artur Faria – Quando se dissolveu o Niterói, que vinha desenvolvendo essa pesquisa há uns três ou quatros anos, a solução foi juntar os dois grupos. E, aí, surgiu o Tá Na Rua atual. Lauro Góes – E como é absorção de novos elementos pelo grupo? Artur Faria – Como assim? Em termos de que? Lauro Góes – Com as pessoas novas. Por exemplo, esse rapaz – se ele quiser vir trabalhar com vocês? Sergio Luz - A gente manda ele vir nas oficinas, que acontecem sempre, todas as 2ª feiras. E aí, pelo processo de trabalho, o entrosamento, ele fica em condições de fazer uma aula. Artur Faria – Porque a gente não que o grupo seja um concentrador de energia. Quer que seja um difusor. Lauro Góes – Claro. Tem que ter até multiplicadores, né? Artur Faria – Tem que ir espalhando, em vez de concentrar tudo aqui. Senão, todo mundo que quiser fazer esse tipo de trabalho tem de entrar pro Tá Na Rua. Aí, o grupo incha e explode. Então, ao invés disso, vai expandido. Lauro Góes – E vocês já estão fazendo esse trabalho paralelo de criar outros grupos? Artur Faria – A gente faz o trabalho de treinamento. Não tem outros grupos ainda não.

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Lauro Góes – Como? Cada um tem o seu Tá Na Rua surgindo? Você tem o seu, ele tem o dele? Artur Faria – Não. Têm turmas, têm aulas. A Lucy, agora, começa a formar um grupo. Ela é a primeira que tá tentando fazer isso aí. Um grupo para teatro de rua. Lucy Mafra – A gente não para a rua ainda não. A gente tá trabalhando, tá calculando pelo desenvolvimento do trabalho, vendo isso direito pra ver se dá pra rua ou não. Artur Faria – Mas ela é a única que tem esse objetivo. Marilena Bibas – Mesmo assim, as pessoas deste grupo dela, são todas alunas, fazem um treinamento aqui com o Amir ou com o Artur. E fazem as oficinas com todos nós. Lucy Mafra – É. Não são pessoas de fora, não. São pessoas daqui que to chamando. São pessoas que tem pelo menos dois anos de trabalho que ficaram interessados em começar a fazer alguma coisa. Eles vivam indo para a rua coma gente e ficando com vontade de fazer rua também: são os alunos adiantados. Eles já têm tempo trabalho. Artur Faria – E a Lucy tá aproveitando a mão de obra.

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Ricardo Pavão – Aí é bom explicar que a gente tem o Tá Na Rua, que é um grupo de teatro e têm o Instituto, que é uma outra coisa, que envolve umas quarenta pessoas mais ou menos, com aulas de teatro, oficinas teatrais, de corpo, de música. Artur Faria - É. O Ricardo tá começando com a música, a Marilena com o corpo e a Lucy com esse grupo. Lucy Mafra – E ele e o Amir dão aula. Artur Faria – O Amir dá aula há muito tempo e eu comecei já tem oito meses. O Instituto começou a se formar ano passado. Começou a se configurar. A partir dessa necessidade que você perguntou: como é que faz para responder ao interesse que as pessoas tem pelo trabalho. Não é questão de entrar ou sair, mas de responder a esse interesse, satisfazer essa vontade, essa curiosidade. É uma necessidade das pessoas e nossa também. Necessidade de expandir, de divulgar o trabalho. Aí a se formar o Instituto. A gente acabou um livro agora, também, que está sendo editado. Tudo em processo de divulgação de disseminação do trabalho, na medida em que ele vai se consubstanciando, se tornando mais forte, mais conseqüente. Lauro Góes – Quer dizer que não teve nenhum momento em que tivesse havido uma “fundação” do grupo, né? Ele não foi “fundado”, né? Artur Faria – Não. Inclusive o nome é provisório. Aliás, o nome sempre foi provisório. Lauro Góes – É. Permanentemente provisório. A gente nunca falou assim: “vamos


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fundar um grupo com tal nome. Esse é o melhor nome que porque a gente vai para a rua e tal”. Não. Nunca teve isso. Lucy Mafra – O nome que tinha mais tempo, antes, era o de “Niterói”, que tinha mais tempo do trabalho e que era de onde vinha à base do trabalho. Que já tinha tido outros nomes antes, também. O primeiro Tá... Era uma conseqüência do curso do Amir. Eu, a Rosa e a Marilena fazíamos parte do antigo Tá... A gente vendia os espetáculos para pagar as aulas do Amir. Marilena Bibas – Foi assim que nasceu o primeiro Tá Na Rua. Lucy Mafra – A gente começou a vender pra pagar. Foi à primeira vez que a gente foi para rua. A gente não tinha experiência. A gente subia morro, fazia espetáculo. Aí, logo depois que o Niterói dançou, ia ter uma semana de teatro independente do Cacilda Becker que o Amir chamou a gente para fazer um trabalho junto com o Niterói. Aí encontramos no Asa, ensaiamos, foi legal. A gente chegou lá no Cacilda, fez o trabalho depois então, disse: “bom, agora, vamos nos separar, né?”. Artur Faria – É. Não tinha porque. Lucy Mafra – Aí, continuamos trabalhando. Marilena Bibas – É, porque tinha o Niterói e o Tá Na Rua e o Amir trabalhava nos dois. Ela tava a fim de fazer teatro de rua, mas tinha o grupo dele aqui, que descobriu o trabalho com ele e que, por isso, sabiam mais do trabalho do que nós. Então, como fazer? Ele não podia continuar fazendo uma pesquisa e fazendo a prática lá. Então, juntou.

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E lá também, o antigo Tá..., Era um grupo de treinamento de atores inicialmente, onde nem todo mundo queria fazer teatro de rua. Então, só com as pessoas que sobraram lá, o Amir não tinha como continuar o trabalhão de treinamento. Então, se juntou quem tava a fim de continuar com o trabalho de rua e o pessoal de Niterói, pra ver se a gente levava adiante um trabalho. Foi o que aconteceu. Todo mundo aqui do Niterói tava a fim de fazer rua, então juntou. Artur Faria – A fim de fazer teatro. Marilena Bibas – De fazer teatro, mas no momento o caminho era rua. Tinha dançado o trabalho deles. O caminho que tava pintando era a rua mesmo. Então, foi todo mundo pra rua e passou a ser só grupo Tá Na Rua. Ricardo Pavão – E eu e o Sérgio entramos de pára –quedas. É que a gente é bem relacionado com o homem, né? Betina Weissman – Mas também a gente precisava do grupo, porque de repente tinha mulher de montão. Então, a gente tava aceitando qualquer um que caísse de pára-quedas mesmo. Era só cair aqui no alvo e ó... Marilena Bibas – Teve um, que era o Gondim, que saiu depois. Ficou um ano.

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Ricardo Pavão – Eu já tinha trabalhado com o Amir no Somma, em 74. Sergio Luz – Eu caí de pára-quedas porque fui aluno do Amir em todos os cursos que ele deu. Lauro Góes – E o Godim foi para aonde? Lucy Mafra – Trabalhava com bioenergética. Não fez teatro não. Artur Faria – Faz teatro a nível terapêutico. Marilena Bibas – Que esse trabalho se presta muito pra isso, também. Lucy Mafra – É. A gente tem uns três ou quatro loucos que a gente trata. Marilena Bibas – Tem gente fazendo terapia com a gente há um bocado de tempo. Betina Weissman – Porque a gente trabalha com pessoas que não necessariamente querem ser atores, entendeu? No sentido de fazer carreira. São pessoas interessadas na expressão, né? Então, fica sendo mais terapêutico. Daí tem muitas pessoas trabalhando com a gente há anos e que nunca vão fazer teatro porque não é essa a delas. É mais uma coisa do exercitar, de exercer uma expressão.

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Artur Faria – É, porque um dos males da nossa época é a dificuldade de expressão. Lauro Góes – Você já trabalharam com textos, peças de teatro? Marilena Bibas – Texto é uma questão. Abre um parênteses. Artur Farias – O nosso trabalho de treinamento foi, durante muito tempo. Texto de todos os autores que possa imaginar. Desde autores brasileiros contemporâneos até os clássicos. A gente conhece cenas, pedaços de texto, desenvolvendo trabalho de treinamento. Aí, depois – final do ano retrasado e ano passado – a gente começou a trabalhar com perspectiva de montar um texto de autor brasileiro. Mas ainda era muito misturado com o processo de treinamento dos atores também. Acabou não resultando como montagem. Betina Weissman - O texto é uma questão de caminho. Acho, que o que é importante nessa questão do texto é que o trabalho de desenvolvimento de linguagem foi feito através do texto. O início de todo esse questionamento de linguagem foi através do texto, que é essencial enquanto uma linguagem característica, definida. A gente não foi um grupo de pessoas que se reuniu pra começar a trabalhar, a improvisar pra ver o que acontecia. A gente começou a trabalhar em cima de texto, buscando não o entendimento de uma dramaturgia. Não era um trabalho do texto, visando unicamente uma montagem. Era um estudo de dramaturgia. De linguagem dramaturgica burguesa. Artur Faria – Dos último duzentos, trezentos anos. Desenvolvida a partir da ascensão da burguesia. Então, ela é uma dramaturgia com essas características. A gente começou a


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trabalhar isso. Foi a fase de Niterói. Inclusive, a gente nunca com seguiria fazer o que você viu a gente fazer com as piadas – essa dramaturgia aberta nunca poderia ter surgido – se não fosse através de uma crítica a uma dramaturgia fechada. Porque a gente fala: “é uma piada que a gente dramatiza” - mas por baixo disso, tem todo um estudo, um aprofundamento. Betina Weissman – Tem uma abordagem de texto. Porque bem ou mal a gente vê essas coisas como texto. É uma compreensão de o que é texto. Marilena Bibas – O nosso texto é esse. Ricardo Pavão – Agora, em relação a texto mesmo, a gente espera um dia montar uma coisa. É dentro do caminho natural da gente. Pelo menos a gente acha isso hoje, no nível do desenvolvimento teatral do grupo. A gente pretende mostra um negócio num edifício teatral mesmo, com bilheteria, com tudo. Artur Faria – Investigar essa linguagem aberta num espaço fechado. A gente sente que o grupo pode amadurecer com isso. Lauro Góes – Que você tá chamando de teatro burguês? Você localiza como texto do século XVI para cá. Texto do teatro fechado, do renascimento para cá. Quando o “Teatro” entra.

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Artur Faria – Só passou a ser burguês quando começou a discutir as questões particulares, os afetos, as relações dessa classe que ascendeu, entendeu? Aí, vai cair no realismo, no naturalismo, no psicologismo, essas correntes aí. Até o Brecht rompendo. Ricardo Pavão – E paralelo a isso de construir a dramaturgia foram eles também que inventaram o edifício teatral. A burguesia inventou o edifício teatral. Lauro Góes – O caixão. Ricardo Pavão – É. Foi cercando a rua. Lauro Góes – E texto mesmo, assim como você diz: “um dia nós vamos trabalhar com texto mesmo”.O que é isso? Artur Faria – Seria a dramaturgia de autor. De autores que tenham a ver com a gente. A gente, especificamente, para dar nomes aos bois, pensa em colocar um texto de Vicente Pereira. Tem essa idéia hoje. Mas a gente sempre trabalhou com texto que não são considerados “bons texto”. Por exemplo, esse texto de Vicente que a gente trabalha com ele, têm uma característica dramatúrgica que leva, segundo os critérios tradicionais, a avaliá-lo como mau texto de teatro. Ele não tem densidade dramatúrgica. Betina Weissman – É mais cinematográfica no desenvolvimento da narrativa. Ele tem

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cortes de cinema. Qualquer um pega e diz: “ah, isso não é teatro!” Acha que é bom pra fazer pornochanchada e coisas assim. Durante muitos anos a gente trabalhou com texto integralista, que era o oposto desse texto do Vicente, no sentido de que ele era perfeito de acordo com as regras do bem escrever - preâmbulo, clímax, unidade de tempo, espaço e ação. Agora, o conteúdo, era o pior possível; porque era um conteúdo de direita. Então, o teatro brasileiro de esquerda lê e fala: “Essa não é uma boa peça, não é uma boa dramaturgia. Não é montável”. Porque o conteúdo é ruim. O outro não é uma boa dramaturgia porque não tem estrutura. Uma contradição do teatro. E a gente começou a analisar, a avaliar, o quanto uma coisa determinava a outra. Com essa necessidade de escrever segue cânones. Lauro Góes – É, porque a esquerda nunca vai montar um texto de direita. Artur Faria – Não, mas aí é que a gente discute. Porque não é só a questão do conteúdo, não; é questão da forma também. Vocês vê os textos que a esquerda produziu e você não pode dizer que tenham um bom texto. A não ser o do Vianinha. De resto, pouquíssimo.

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Lauro Góes – É, você sempre tem que mexer nos textos, que romper com eles, aniquilar. Re-escrever. Artur Faria – É. Você não aceita o texto. É como se estivéssemos sem dramaturgia no momento. Sergio Luz – Têm uma coisa que ele falou que eu acho engraçado, - a esquerda não montaria uma peça de direita. Por que não? Lauro Góes – Acho que ela temeria, não? Artur Faria – É porque a linguagem dela não conseguiria revelar o conteúdo daquilo. O medo é esse - ser confundido com aquele conteúdo. Lauro Góes – Ela não conseguiria fazer uma critica daquilo, não conseguiria se desentender com aquilo Ia acabar se identificando. Betina Weissman – Foi mais ou menos que a gente tentou fazer. A gente foi procurar discutir. Ricardo Pavão – Porque a linguagem da esquerda é identificada com a linguagem da direita. É igualzinha. O que vale é a mensagem. Betina Weissman – É igualzinha. Senão, teria condições. O Brecht faz isso. O Shakespeare. Eles falam tranqüilamente da direita. Não têm medo disso. O Brecht têm personagem capitalista. Era o capitalismo que ele queria revelar. Sergio Luz – Ele escreveu sobre Hittler!


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Artur Faria – E sem botar nariz postiço. Betina Weissman – Isso, sem ter de transformar ele num monstro. Esse era um texto que a gente pegava. Nessa época que a gente pegava texto horrorosos, de vez em quando a gente pegava um texto desses – Brecht, uma coisa assim – pra desafogar, para exercitar. Pra se realimenta com outra linguagem. Porque tinha hora que o nosso material de trabalho era tão árido, que ficava, muito seco parecia que não íamos conseguir. Só ficava nos sugando tirando energia. Artur Faria – Porque a gente estava num momento de investigação. Betina Weissman – E porque a gente ainda era muito misturado com isso. Sergio Luz — É. A gente tem sempre a consciência desarmada, mas têm sempre uma armadilha no pé. Tem mesmo. Você fala a linguagem igual à de seu opositor. É impossível não se misturar. Artur Faria – Principalmente porque de repente, em nível do afeto, você tem tantas coisas em comum com ele! Um gosta da mãe tanto quanto o outro, respeita o pai... Lauro Góes – É, o negócio mistura mesmo a cabeça. Betina Weissman – E você fica vivendo essas contradições aí, profundamente. Então, se você resolve discutir isso é uma energia enorme que você desprende para transar isso dentro e fora de você o tempo todo.

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Por isso, de vez em quando a gente precisava ser alimentado. Aí, usava muito o Brecht. E começamos a ver coisas mais populares, também. A ver a diferença que era. Me lembro de vez em quando a gente lia umas burletas, umas coisas de revista, umas coisas mais populares. Teve uma época que a gente fez uma pesquisa de textos pro projeto memória, do SNT e a gente leu uma porrada de texto pra fazer sinopse. E aí pintou uma coisa de linguagem mais popular, tipo burleta, revista, ceninhas, crônicas que saiam em jornais antigamente, comédias. A gente começou a brincar com esse material. Eu sinto que a partir daí a gente começou a se interessar e a se aproximar um pouco mais dessa linguagem mais popular. Depois, os cordéis. A gente pegou os cordéis ainda em Niterói. Eu me lembro lá em Volta Redonda, um trabalho que o Amir fez com o pessoal de lá – filhos de operários, pessoas assim. Ele fez um curso rápido e a gente foi no último dia de trabalhar com eles. E foi um trabalho desenvolvido com esse material do cordel que a gente hoje em dia voltou a usar com o Tá Na Rua. Então, lá em Niterói já começou a pintar essa relação com o teatro mais popular. Só que não era esse o nosso material básico. Era uma coisa esporádica. Mas já tinha o contato com isso. Uma perspectiva de querer chegar nesse tipo de expressão. Só que através de outro tipo de material.

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Marilena Bibas – O primeiro Tá..., quando foi à rua, foi usando um texto de cordel. Já era isso voltando. Ricardo Pavão – Eu queria falar sobre uma coisa que eu ainda não falei, que é sobre o bumbo. A gente usa um bumbo na rua; usa um instrumento de percussão. Eu acho que é o instrumento praquele trabalho que a gente faz na rua. Porque eu me lembro quando eu fui pela primeira vez na rua, quando ainda era o primeiro Tá Na Rua, que tinha música também, mas era violão. Umas coisas assim. Marilena Bibas – Violão, acordeom e umas percussões. Betina Weissman – O acordeom era legal.

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Ricardo Pavão – É, mas não é uma coisa consagradora. Ele é uma coisa muito acompanhadora, não congrega. Esse instrumento de agora, ele congrega, ele organiza muito a roda; atrai, enquanto que o acordeom, um violão, ajudam a mostrar uma bela canção, a cantar uma coisa. Ele te ajuda, te acompanha e te prende. Você jamais poderá cantar uma música com a harmonia do momento, com o sentimento que surgiu no momento, porque ele tem a harmonia presa, entende? Se na hora que você ensaia você canta a música em Mi Maior, você vai cantar a música em Mi Maior eternamente. Ao passo que se você canta com o surdo, hoje você canta em Lá, amanhã você canta em Sol, você canta de acordo com o sentimento que você tem na hora. E isso organiza muito, ajuda a gente demais. É o instrumento certo pra esse trabalho da gente. Tem outros agora, também. Ontem mesmo a gente fez um trabalho e a Betina saiu tocando tarol. Marilena Bibas – Tarol é um instrumento legal. Ricardo Pavão – É legal, mas é um instrumento marcado. Betina Weissman – E é mais difícil que o bumbo. Muito mais difícil. Porque ele também não leva a melodia e o bumbo leva. Dá o chão. O tarol é uma coisa que ilustra o bumbo, mas ele não leva. É o instrumento que colore. Ricardo Pavão – Ele repica o bumbo. Betina Weissman – Ele cria colorido, mas ele não leva. Ele cria clima, faz diálogos, tensões, mas não organiza. Ele não é aquele chão, aquela base em que você vai em cima. Não é mesmo. Acho que mesmo que eu soubesse tocar, não era isso. Ricardo Pavão – Não, não é não. Eu to falando isso, porque a gente tá descobrindo uma sonoridade para o nosso espetáculo. É uma questão de som. Não é uma questão de som musical só, não. E como você fala calmamente com as pessoas, sem se violentar. Porque às vezes a gente terminava rouco, o Amir terminava babando; aí tem que tomar água... E agora a gente começou a usar menos o surdo, pra não excitar muito e não levar a uma superatuação.


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Procurando usar mais para juntar, pra pontear. É uma coisa de som que, esse ano, a gente tá investigando. De acústica. Betina Weissman – É. Porque rouquidão, esse troços, não é só, problema pessoal do ator não. Pode ter, também, mas não é só. É uma coisa também do todo, da harmonia coletiva. Que às vezes você pode ter uma voz ótima e de repente dançar tudo. É uma coisa mais de todo mesmo, da harmonia daquele grupo. Ricardo Pavão – E nós já usamos outros instrumentos na rua. A gente já tentou usar corneta, usar várias coisinhas. Mas disso tudo, o que vai ficando mesmo é o surdo. Acho que foi uma escolha muito boa, acertada. Eu to falando isso porque você vê, por exemplo. O espetáculo de Aracajú – tinha uma bandinha que tocava, uma excelente bandinha, mas é diferente, porque ela não é usada na estruturação do espaço. Eu acho que o uso do surdo não é uma coisa de não ter outro instrumento, é uma opção mesmo. Legal. E que tem haver ainda mais com a coisa carioca, de Rio de Janeiro. Marilena Bibas – Dá o ritmo, né? Ricardo Pavão – E a gente não usa ele, também, só fazendo samba. Você viu lá, né? A gente não faz samba.

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Betina Weissman – A gente não usa ele nos intervalos. Porque eu sinto que esse trabalho de Aracajú que você falou, que é um trabalho muito popular, usava a bandinha nas ligações de uma cena pra outra, nos intervalos. Eu sinto que a diferença que você fala é que pra gente ele é uma coisa estrutural, pra organizar. Ricardo Pavão – É, no caso da gente, ele organiza mesmo. Você viu um espetáculo, exatamente, em que a gente não fez isso porque eu fiquei maquiando o Amir – o que era uma novidade, porque geralmente a gente vai dançando e rodando e forma a roda, entendeu? Então, voltando àquele papo que a gente tava conversando, de roda, esse surdo atua nessa estruturação do espaço, na formação da roda, do espaço em que nós vamos atuar. É aí que ele atua. Tanto que se você gravar um espetáculo da gente – Nós temos um espetáculo gravado em São Paulo, quando o surdo era pior do esse que a gente tem agora – quando você vai escutar, é um horror! É um tum, tum, tum, uma coisa que parece DKV – lembra como ele fazia um esporro tremendo? Agora lá, na hora, ao vivo, ele é fantástico para organizar. Eu às vezes me espanto. Betina Weissman – Há pouco a gente tava falando de texto, sobre usar texto. Eu fiquei me lembrando de uma coisa que pinta mesmo no nosso trabalho e que eu acho que pinta na classe média, que é assim: desde Niterói e, depois, no Tá Na Rua também, desde de que a gente começou a trabalhar em cima de linguagem e a conseguir alguma coisa e a mostrar o trabalho ao nível que ele se achava, como nos ensaios abertos, e a gente mostrava pra

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classe média, sempre tinha alguém que achava que tava tudo marcado, que achava: “Vocês combinaram tudo”; olhava e dizia: “Ah, isso foi tudo combinado; ele olhou para ela, ela olhou para ele... tudo combinado, ensaiado”.E desde aquela época, apesar do trabalho não ser em cima de material popular, a maneira de trabalhar já vinha sendo essa que foi dar nisso, na rua. Mas começou lá. Aí, eu fico pensando, por exemplo, na rua, quando a gente trabalha com público popular, ninguém nunca fala nisso. Então, eu acho que essa coisa do acontecimento espontâneo, do improviso, é tão importante, é tão real, tão concreto pra eles, que ninguém diz: “vocês combinaram”, sabe? Artur Faria – É muito mais importante do que o fato de como é que se deu. Não importa. Eles não se sentem usados, enganados.

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Betina Weissman – “Ah, artista ensaia tudo, chega e faz”. Eles não pensam mesmo; Eles aceitam espontaneamente o que a gente está colocando espontaneamente. E eu acho que é uma coisa de linguagem. A linguagem deles também é essa, então a maneira que eles recebem é essa. Eu fiquei lembrando daquele ensaio aberto que a gente fez em Belo Horizonte, em que tinha gente que insistia nisso; para a maioria da platéia, a discussão sobre trabalho foi “Vocês ensaiaram esse ensaio antes de vir pra cá”.Isso virou um papo, as pessoas não acreditavam, não queriam de jeito nenhum aceitar, que a gente não tinha ensaiado, que era um ensaio aberto. E, hoje em dia, a classe média quando vê, também acha isso. Agora, isso nunca veio de um popular. Então, eu acho que tem haver com essa coisa fechada da linguagem. Ricardo Pavão – Ainda mais quando eles se metem mesmo lá, né? Lauro Góes – Aí é que o pessoal da classe média acha que já tá tudo preparado mesmo. Betina Weissman – Porque a classe média não consegue fazer isso. Marilena Bibas – Esse que é o problema: eles não podem achar que foi preparado, porque eles tão fazendo junto com a gente. Lauro Góes – Mas eles pensam que você já passou uma nota pro cara antes, pra ele fazer. Betina Weissman – Porque a classe média só consegue entrar se ela tiver um papel definido. É muito raro, no nosso espetáculo, alguém de classe média entrar solto como entra um popular. Eles entram quando já tem um papel muito claro. Claro que quem entra sempre entra pra seguir a brincadeira, nunca tá solto geral. Mas classe média entra muito pouco pra brincar solto. E quando eles entram com um papel, também, não largam o papel de jeito nenhum. É um horror. Eles encarnam o papel. Acho que é por isso que tem a linguagem fechada no texto, como é a dramaturgia que a gente chamou de burguesa. Acho que tem haver com isso,


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sabe? Fica difícil a concepção de uma coisa aberta, espontânea, acontecer profundamente. Ricardo Pavão – Acho que isso tem haver com o profissional em geral. Sério. A gente pergunta assim: “Quê que você é?”, o cara diz: “Sou engenheiro, médico, mãe, pai...” Tem sempre um papel que o cara é. Ele só é aquilo. Ele é um profissional liberal. Já o povo, é biscateiro, entendeu? Faz de tudo, se vira, dá nó em pingo d’água pra viver. Então, é diferente, né? “Ce é o que?” Quê que ele é? E vai poder disser em sã consciência “eu sou contínuo”. Acontece dele estar sendo servente ou contínuo, mas antes de mais nada, ele é outra coisa, né? Betina Weissman – Acho que de alguma maneira, bem ou mal, é um pouco por isso que a esquerda não monta um texto de direita, sabe? Não tem linguagem para isso, porque também pensam assim. Quer dizer: a linguagem burguesa de uma maneira geral seja de que tendência política ela for, parece que é assim. Eu tenho a impressão de que é assim. Não dá conta de uma coisa mais aberta porque não tem uma perspectiva de tudo mais aberto. Vive dessa maneira as coisas. Quando pinta umas coisa mais abertas, não acredita, não pode ser. É todo trabalho que você tem de fazer pra se destituir disso. Nós, atores de classe média. Eu vivi isso, acho que nós todos. Se destituir dessa coisa linear. Marilena Bibas – Eu não. |

Betina Weissman – Porque não é de classe média, é de outra origem. Então, é uma coisa como se a gente não pudesse fazer todos os papéis. Cada papel fica sendo apropriado pelas pessoas da nossa classe e não pela nossa expressão como ser humano. Então, tem todo um trabalho de se destituir dessa prisão para poder fazer os papéis sem estar sempre se apropriando deles. A gente enquanto classe. A Mari, por exemplo, não sofre desse mal. Artur Faria – Sofre de outros. Betina Weissman – De outros, claro, mas esse é um. Artur Faria – Esse é o mal da nossa época, da nossa sociedade.

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Palavra do presidente eleito Amir Haddad


O presidente Amir Haddad, de ascendência árabe, junta o anti-fundamentalismo, o tropicalismo, o alcoolismo (da Lapa, pois ele pessoalmente é abstêmio) e o humanismo para combater o cinismo, o esnobismo, o estrabismo (menos o meu), o banditismo e o abismo. É diretor de teatro, ator, caixeiro-viajante da cultura, e foi escolhido Presidente da República do outro Brasil por aclamação e com o uso da força (da maior força e da força de expressão). Assim como já houve o presidente pé-de-valsa, agora é a hora do presidente tá na rua. Amir Haddad recentemente desmontou Nelson Rodrigues, em Botafogo, e Shakespeare, na Lapa, e reinventou o teatro, o ator e o próprio homem. No Catete, para onde a sede do governo do Brasil voltará, isto é, outra vez para perto do povo, Amir pode desmontar deus e o diabo e inventar de vez o governo nu.

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Prf. B.Strb

Ecce homo: Amir Haddad, Presidente do Brasil. O ator, diretor de teatro, o mestre, o poeta Amir Haddad. Villas-Bôas Corrêa (jornalista político): Depois do susto de ser nomeado, como o sr. pretende consertar o Brasil? Amir Haddad: Como pessoa interessada no bem-estar e desenvolvimento do povo a que pertenço e do país onde nasci, devo dizer que leio e ouço com muita atenção os colunistas políticos de seu porte. Tenho aprendido muito com vocês, ao mesmo tempo sempre tenho a esperança de que meu movimento político também possa iluminá-los. Uma coisa que gostaria de dizer para você é que eu não posso, como candidato ou presidente eleito, aceitar a idéia de que eu esteja vivendo em um país “estragado”, visto que o verbo “consertar” me faz pensar isso. O meu


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amor, pelo país e seu povo, ficaria bastante prejudicado com a idéia de que iria governar um país “estragado”. Me faltaria ânimo, coragem, determinação. Acredito que temos problemas de difícil solução que, resolvidos, poderão ajudar o país a deslanchar em direção a um futuro melhor. Não será um conserto, será um avanço. Não podemos idealizar o mundo. A dificuldade com a realidade faz com que nós estejamos sempre “idealizando” esta realidade. Com isso negamos nossos defeitos ou fracassos. Falamos sempre no fracasso do socialismo, nunca no fracasso do capitalismo. Viver num mundo idealizado nos salva da necessidade de mudar o mundo real. Concordo com você que é um tarefa muito difícil, pois os problemas são muitos e grandes, mas acho que o país tem potencial de saúde enorme e que esta potencialidade far-se-á realidade se conseguirmos remover os tampões de conservadorismo reacionário que sufocam nossa trajetória em direção a um mundo melhor. Parte da sociedade brasileira se comporta como se fosse proprietária do país. Não diria, como Brizola, que nossas classes dominantes se comportam como invasores e ocupantes de um país que não é delas. Se esse peso de cima para baixo diminuir, a pressão de baixo para cima logo nos fará perceber a emergência de um novo movimento no país. Mas isto não é tarefa de um único homem. Terá de ser um empenho coletivo nacional e não bastará um plano econômico para resolver a questão. Será preciso também enfrentar de frente a questão cultural. Talvez aí esteja a resposta. Não se faz revolução só com economia. A nação só se movimenta quando o pensamento se movimenta. E os governos autoritários sabem disso. A primeira coisa de que eles cuidam é impor algum tipo de censura, política ou econômica, ou ambas, à “livre expressão” das tendências, pensamentos e sentimentos. Qual é a sua vassoura para varrer o lixo do Congresso? A. H. : Pra mim a melhor vassoura é a virtude. Se não vejamos: o que falta ao país? Caráter, honestidade, responsabilidade, competência, tolerância, liberdade, independência econômica, generosidade? Todas essas palavras podem ser substituídas por apenas uma: Virtude. Se é virtude o que falta, virtude é o que devemos injetar no Congresso. Como? Virtude na imprensa escrita, falada e televisada. Virtude nas relações de trabalho, virtude nas relações humanas, virtude na produção cultural do país. Que virtudes têm nossos homens públicos? As virtudes dos políticos parecem ser apenas a virtude da negociação, do jogo político, esperteza, habilidade no engano. As virtudes públicas, saneadoras da vida política ficam fora do jogo. Quanto à minha “nomeação”, é verdade que eu fiquei assustado quando fui convidado a representar esse papel. A responsabilidade é muito grande. Minha platéia agora é bem maior. Cada gesto, palavra ou ação terá importância nacional e ressonância. Quero corresponder à confiança que foi depositada em mim. Fico apavorado, mas quero agir com a clareza de quem acredita na história e na excelência da vida política. Quero governar com minhas virtudes. E representar também.


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******************************************************************** Tales Faria (diretor da sucursal de Brasília do Jornal do Brasil): - Seu governo será uma tragédia ou uma comédia? A política é um palco ou um picadeiro? A.H.: Só agora eu estou adentrando a cena política, representando um papel que muitos atores da nossa vida pública gostariam de representar. Eu venho agora tentar. Papel difícil. Na peça A Compadecida, atriz que vai representar o papel de Virgem Maria se declara indigna de tal honra e pede autorização aos fiéis espectadores para fazê-lo. Eu também, ao meu público! Quero fazer um bom governo e representar bem o meu papel. A arrogância, a vaidade e a ambição desmedidas podem arruinar qualquer representação. Eu não sou e não posso ser ou querer ser mais importante do que o papel que eu estiver representando. Desmontar o ego faz parte deste jogo. A sua pergunta parece já conter um juízo sobre outros governos e talvez seja isto que você está me perguntando: Uma tragédia como Getúlio Vargas e Jango Goulart? Uma tragicomédia como Jânio Quadros? Ou uma farsa como o governo Collor? Não acho que gostaria de entrar em cena já sabendo qual seria o meu destino. Estaria negando o jogo político e a necessidade de mudar as coisas, transformando o jogo numa fatalidade. Quero saber se sou capaz de mudar as coisas. O herói trágico da Grécia caminha inexoravelmente para o seu fim, e não tem como evitá-lo, pois os dados estão lançados e não há retrocesso. Os deuses já decidiram, há muito, o que vai acontecer. A tragédia se origina do sacrifício ritual de um bode oferecido ao deus Dionísio. Ele não escapará ao sacrifício. A tragédia é um canto para a morte. “Tragos” em grego é bode e “ode” é canto. O “canto” do “bode” – Tragédia. Quero ser dono do meu próprio destino e quero também ser capaz de ajudar a livrar meu país do eterno e “trágico” retorno do sacrifício de sua população. Mesmo que os deuses não queiram!!! Já a comédia teria nascido na Grécia fora do recinto sagrado das religiões durante os banquetes festivos. Ao final, depois de muitas libações alcoólicas, um cidadão poderia se levantar e começar a falar alto e a fazer críticas aos governos, à vida pública, à vida privada, aos cidadãos e seus costumes, para entretenimento e prazer dos convivas. Todos se divertiam e tinham esperança de que, rindo destes costumes, esses estariam sendo castigados e, portanto, modificados. A comédia parece querer dizer que o mundo é assim, mas pode ser de outro jeito. Que o homem pode modificar as coisas e ser sujeito de sua própria história se tiver consciência de seu ridículo. Mas eu não quero de maneira nenhuma que possam dizer que meu mandato é uma “comédia”. Quero e preciso ter humor o tempo todo para enfrentar a turbulência que terei pela frente. Governar pode ser um ato dramático. Drama é uma palavra grega que significa “ação”, portanto, movimento. O drama é enredo. O samba é enredo. A vida é enredo. O teatro é enredo. A política é enredo! Quem conhece o eterno fluir dos desfiles do samba (Foi um rio que passou em minha vida, disse Paulinho da Viola) pode imaginar a “tragédia” que se dará no enredo da “escola” que andar

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para trás. Quero avançar com segurança, mas as ações para isso não são fáceis nem visíveis, e muitas vezes o percurso poderá ser tornar muito “dramático”. As paixões, as opiniões, as dissensões poderão eventualmente deixar tudo muito difícil, mas faz parte do jogo. O “risco” é parte inseparável do jogo dramático e político. Todas as forças sociais atuam durante estes jogos. Um espetáculo de “cartas marcadas” que não corre nenhum risco certamente será um espetáculo destinado ao fracasso. O teatro é como a vida e a política também. Não quero transformar minha vida num “picadeiro” ou em um “pesadelo”. Tenho certeza de que posso atrair para meu convívio pessoas interessantes que hoje participam pouco da vida política do país. Por isso saio da “cena” para entrar “em cena”: a cena política. Emir Sader (cientista político): Como deslocar a produção essencial da cultura no Brasil da esfera mercantil para a esfera pública?

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A. H. : Não pode haver estado-mínimo na área da cultura. Não pretendo estancar o mercado, ma vou certamente reforçar a manifestação de nossa herança étnica e cultural com o objetivo de fortalecer nossa cidadania e auto-estima, e ajudar a produzir a cal, o tijolo e o cimento da nação. O povo não é só consumidor de cultura, mas também produtor, e através dela se expressa. Sei que isto é muito difícil, pois hoje, como você diz, a produção essencial da cultura está contida dentro da esfera mercantil, o que praticamente determina a pena de morte da alma e da identidade cultural de uma enorme parcela da população brasileira. Enfrentar esta questão é muito importante, isto poderá ajudar a evitar a tragédia (genocídio cultural) como também poderá evitar a comédia com seu jogo de erros e identidades trocadas. E talvez até modificar a economia. Minha idéia de cultura faz com que eu consiga me identificar com o mais humilde de meus possíveis eleitores, pois somos todos feitos da mesma origem e da mesma história. Africana, índia, ibérica, mediterrânea, grega, romana. O homem branco protestante do Atlântico Norte não é dono da verdade. Nós, sozinhos, saberemos descobrir e apontar novos modelos de organização social e produção cultural sem medo de sermos invadidos ou atingidos por mísseis de longo alcance que se orientam pelo calor emitido por nossos cérebros pensantes. Como mudar? As políticas públicas terão que ir se sucedendo e fazendo movimentar a vida cultural brasileira fora do mercado. Parece um discurso obsoleto diante da globalização, mas não é. É exatamente o que nós precisamos para sobreviver a esta massificação, que, além de econômica, é ideológica e excludente. Trabalho muito por este Brasil, e sou feliz por isso. Porque sei que há muita coisa acontecendo e que o país não pára. Saber disso me enche de esperança e de vontade de trabalhar pela manifestação destas correntes subterrâneas, através de políticas públicas que estimulem sua emergência e rompam o enorme bloqueio que o mercado estabelece em relação aos nossos corações e mentes. Quero citar você: Recursos públicos devem ser sempre dirigidos para interesse públicos. Recursos governamentais devem ter contrapartidas sociais, porque são recursos da massa da população, nas


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mãos do Estado – JB set/2006. Investimento público não tem retorno monetário, mas sim social: melhora a qualidade de vida. É para todos. É claro que há setores da economia que precisam de apoio financeiro e estímulo. Principalmente na área da cultura. Não pretendo abandoná-la, pois conheço seus problemas. Quero pensar a produção de bens culturais como fonte de divisas para o país, e de renda e sobrevivência dignas para o artista brasileiro. Políticas de mercado para atividades de mercado. Um equilíbrio entre o público e o privado terá de ser buscado. A Inglaterra tem teatros públicos, a França tem teatros públicos, a Itália tem teatros públicos, a Rússia só tem teatros públicos, memórias do antigo regime. Os EUA não têm teatros públicos e investem na cultura através de incentivos fiscais. Este tem sido também o modelo brasileiro, que vem sofrendo críticas e modificações desde que foi instalado. Conheço seus limites e suas vantagens, e quero modificá-lo. Ana Maria Tahan (editora chefe do Jornal do Brasil): Além das exigências legais, você acha que um candidato à presidência deveria se submeter a uma espécie de vestibular, com testes de conhecimentos gerais? A. H. : Depende do que se quer testar, Ana. Eu tenho tido, através de 25 anos de teatro de rua, muito contato com pessoas que nós poderíamos, sem escândalo, taxar de ignorantes. Que talvez não sobrevivessem a nenhum teste de “conhecimentos gerais”, dos mais primários. E, no entanto, Ana, “não foi pouco o que eu aprendi com esta gente”, como esbravejava Galileu Galilei diante da arrogância autoritária dos donos do saber da época, na peça de Bertolt Brecht. Às vezes, nós ficamos tão ilhados nos nossos saberes, que temos dificuldade de perceber outras sabedorias, diferentes da nossa. Com o povo na rua, fazendo teatro, aprendi a entrar em contato com a “ignorância” da minha sabedoria e com a “sabedoria” da ignorância popular. Na platéia da rua as classes se misturam, são heterogêneas e o sentimento popular aflora livremente. O embate entre as duas posturas conduziram-me a um equilíbrio necessário entre o saber estratificado e o outro, em movimento. Augusto Boal é quem me ensina: “Educar” vem do latim educare, que significa conduzir. “Educar” significa “ensinar”, o que é dado como certo e necessário. “Pedagogia” vem do grego paidagogos, que era o escravo que caminhava com o aluno e o ajudava a encontrar a escola e o saber. “Educação” significa a transmissão do saber existente; “Pedagogia”, a busca de novos saberes. Acho que se não tivesse passado pela rua não teria aceitado o convite para representar este papel. Não vou deixar que a arrogância do meu saber dominante interfira na construção desse personagem. E posso conseguir uma descontração e um desarme ideológico que me permitam dialogar com a nação. Sinto-me abastecido para representar o papel conforme o imagino. A ignorante sabedoria popular me possibilita fazer bem este papel. Posso até não ser aprovado em um teste de conhecimentos gerais, apesar disso posso saber muito do que é preciso saber para bem governar um país. Há pessoas que seriam imbatíveis em teste de conhecimentos gerais

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(na televisão tem muitas) e que provavelmente seriam um desastre governando o país. Assim como eu, outros candidatos poderão ter tido vida/escolaridade diferente das reconhecidas, mas com validade e crescimento igualmente respeitáveis. Poderão até ser reprovados no teste. Mas aprovados na prática. A natureza humana sempre nos surpreende. Quero acrescentar que o destino de uma nação ou país não estará sempre nas mãos de uma pessoa só. Embora não queira desistir de nenhuma prerrogativa de homem público, líder, estadista, seja o que for, eu não tenho, nem teria, nem quero ter o intuito ou desejo de governar sozinho. Não quero ser um imperador. Quero chamar quem de melhor o país possuir, em todos os campos, e tentar interessá-los em participar comigo na construção de novas possibilidades para nós. Augusto Nunes (diretor de jornalismo do Jornal do Brasil): A quantas boas peças de teatro um candidato precisa ter assistido para disputar a Presidência da República? E quantos bons romances precisa ter lido?

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A. H. : Antes de ser presidente, e depois, e sempre, eu vou ser por formação, opção, paixão, convicção, um homem de teatro. Você acha que eu me julgo merecedor do voto do eleitor só porque vou ao teatro, faço teatro, leio teatro? Será que o fato de ter lido muitos romances (e eu leio) me credencia a governar o país? Acho que não, meu amigo. E acho também que não fui convidado a fazer este papel por causa disso. Ao longo de toda a minha vida tenho me empenhado no entendimento da vida e da realidade brasileiras. Acompanho passo a passo, desde a década de 60, os acontecimentos históricos, políticos e sociais que formaram nossa identidade neste meio século de existência. Se eu não tivesse vivido tudo isso e não tivesse tido boas escolas públicas brasileiras antes da ditadura (eu só estudei em escolas públicas) eu estaria hoje completamente alienado dos verdadeiros problemas que assolam este país, e estaria provavelmente defendendo uma forma de governo que atendesse apenas a meus interesses individuais ou da classe social ou grupo a que pertenço, sem nenhuma preocupação política ou social verdadeira. Pelo contrário, estaria tomado de uma sensação corporativista e faria uma leitura do mundo que não conseguiria ir além de meu próprio umbigo. Ter vivido o país em todos os seus momentos, ter vivido seus dramas, ter sido um estudante pobre lutando pela sobrevivência e, aí sim, ter feito um teatro preocupado com o mundo e a realidade à minha volta, é o que me faz sentir qualificado para o cargo de presidente de meu país. Como foi importante ter feito minha história pessoal sem perder em nenhum momento o contato com o real. Aprendi fazendo, não aprendi lendo ou só vendo. Para mim, a prática sempre antecedeu a teoria. Porque, como diz Antonio Pedro Borges, na prática, a teoria é outra. Tenho visto políticos na platéia dos teatros que nem por isso se tornam melhores. Quando o Gal. Médici (ou Castelo Branco, não lembro) foi assistir a uma peça minha e gostou, eu vi que o problema não era a mensagem e sim a linguagem. Larguei tudo e fui para as ruas. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina nossa


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vã filosofia” – Shakespeare. Há lideranças mundiais e seus contestadores, e não sabemos se leram romances ou foram ao teatro. George Bush vai ao teatro? E Tony Blair, tem tempo de ler? E Osama Bin Laden? Quero governar com os sentimentos e pensamentos de minha melhor cidadania, e não com os louros ou lauréis da minha pseudo-sabedoria. O tempo urge. E ruge? Mas não pense que por isso não dou importância política à vida cultural do país. Dou e muito. Só que não confundo cultura com informação cultural. Tenho tido encontros com homens do povo, de grande integridade, que lhes é garantida pela manutenção das características culturais que moldaram sua identidade. O Brasil é um país culturalmente rico e variado, e a emergência desta identidade é que irá formar a nação brasileira. No meu governo, o Ministério da Cultura será tão importante quando o Ministério da Economia ou do Planejamento. Nossos governantes, os “cultos” e os “incultos”, nunca deram valor verdadeiro à questão cultural. Acho até que ignoraram o problema. Nossos políticos, mesmo os que “vão ao teatro” ou “lêem romances”, nunca elevaram além de 0.5% o orçamento para a cultura. Ignorância da classe política? Quero conversar, se eleito, com todos eles sobre esta questão. Sou um homem da cultura, e não de cultura. Quero me cercar das melhores cabeças pensantes do país e que tenham compromisso com o mundo em que vivemos, e não apenas com sua vaidade e sobrevivência. O Brasil precisa deste pensamento. É preciso fazer um novo contrato social com os intelectuais para que também assumam a responsabilidade de fazer o país crescer.

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Cristóvam Buarque (candidato à presidência/PDT): O que você faria para garantir que todas as crianças deste país tenham educação com a mesma qualidade? A. H. : Perguntas que me ocorrem ao ler sua pergunta: 1º) Por que não falar de Brizola? 2º) Por que não falar do sucesso dos CIEPS e do bombardeio a que eles foram submetidos por seus opositores? Ainda há pouco vi jornalistas afirmarem o “fracasso” dos CIEPS. Que fracasso? Fracasso como? Todos aqueles que trabalharam neste processo de transformação da educação formal e não formal do Rio de Janeiro sabem que não houve “fracasso” nos CIEPS. Derrotado pela demagogia do Plano Sarney, Darcy Ribeiro perdeu as eleições para governador do Estado do Rio de Janeiro. Brizola não elegeu seu sucessor. E o que veio depois dele implodiu os CIEPS, e o próximo governador completou o sepultamento. E desde então, todos os planos educacionais têm sido versões diminuídas, porque não assumidas, do Projeto Especial de Educação do Governo Brizola. Não podia ter “dado certo”, pois era imperioso acabar com os sucessos do governo anterior. O Rio de Janeiro, hoje, paga por isso. 3º) Por que fingir que a questão da educação, no Brasil, ainda não foi encarada ou só agora começou a sê-lo? Por que fingir que tudo começou agora? 4º) Por que esta enorme dificuldade em mudar o sistema educacional brasileiro? A quem interessa a manutenção do status quo? 5º)

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Por que a nova escola não se firma? 6º) Por que esta hipocrisia? 7º) Por que não se faz um histórico das tentativas de melhorar a educação no Brasil? Quando vingou? Onde vingou? Por que vingou? Ou então, por que não vingou? A quem interessa educação a todos com a mesma qualidade? E a quem não interessa? 8º) Que forças se opõem para que isso aconteça? Eu me proponho a promover o desmonte ideológico de escolas, professores e sistema de ensino, e pensar a educação como forma de libertação e não de obediência. E apontar em que setores se processa a resistência surda a essas mudanças. Alguns trabalhos educacionais em comunidade de baixa renda que são feitos hoje acenam mais amplamente por um modelo novo de educação do que nossas escolas, oficiais ou não. Às vezes tenho vontade de morar na Mangueira para meus filhos e netos poderem usufruir todas as ofertas de educação através da vida cultural e esportiva que aquela comunidade oferece. Excelente. Essa excelência, porém, parece a exceção que confirma a regra. Se sabemos que é bom, por que não ampliamos estas ofertas a todos os jovens escolares brasileiros? Por que só em alguns pontos de risco? Qual a finalidade? Combater a violência? Protegendo nossos filhos e esposas e a nós mesmos de ataques de jovens favelados? Ou formando cidadãos de primeira classe? Não somos todos merecedores de educação especial? Qual o limite entre o formal e o não formal? É possível uma ordem nova, levando consigo os princípios de uma ordem antiga? O que é uma escola “para todos” numa sociedade com a mais perversa divisão de classes? Como mudar isto de cima para baixo? À época dos CIEPS, alunos de classe média já estavam migrando das escolas particulares atraídos pela excelência dos CIEPS. Por que acabou? Agora, tendo oportunidade, quero conclamar todas as forças empenhadas na implantação daquele projeto para que se manifestem e venham lutar por mudanças definitivas no sistema educacional brasileiro, deixando bem claro que não estou começando nada, mas apenas fazendo justiça aos educadores brasileiros que antes de mim pensaram uma nova educação para o povo brasileiro, apenas continuando o que outros, antes e melhor que eu, vinham fazendo, e mobilizando o povo brasileiro para esta luta. Que, mais do que educacional, é política. Precisamos juntar nossos esforços e avivar nossa memória. Não quero ser o primeiro, quero ser o último na implantação de uma nova escola pública brasileira, capaz de atender a todos os cidadãos, sem distinção de classe, raça ou cor. José Mario Eymael (candidato à presidência / PSDC): O próximo presidente tem que fazer o Brasil crescer. Quais os vetores para esse crescimento? A. H. : Todo presidente deveria querer fazer seu país crescer. Não só o próximo, mas todos. Esta é a principal função do cargo. Nenhum presidente “tem que”, eu imagino. O presidente deve querer! Será que todos querem? Além do mais, “crescer” é um conceito muito vago. O que é crescer? Crescer para onde? Em que direção? Crescer como? Qual o critério do crescimento? Quais os interesses a serem defendidos por este crescimento? Um personagem


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de uma peça de teatro exigia “progresso” de seu país. Perguntado que “progresso” ele queria, o personagem respondeu: “- O progresso que vai pra frente, o progresso que progride”. E mais, não explicou. Muitas vezes os números indicam crescimento desejável, mas é evidente para todos que o país está se movendo e irá, daqui a pouco, começar a melhorar seus resultados. E outras vezes os dados indicam crescimento, mas, apesar disso, você sente o país como que estagnado, porque só parte da sua população está participando desse crescimento. O jovem Buda, depois de aprimorar seus conhecimentos, abandonando sua casa e família abastadas, fez voto de pobreza e passou a mendigar. Só depois de ter vivido esta experiência se julgou preparado para adentrar o “Nirvana”, o paraíso. E para lá se dirigiu. Ao chegar a sua porta o Buda olhou para trás, viu que estava sozinho. Seu povo não vinha com ele. Imediatamente deu as costas ao “Paraíso” e voltou para ensinar a seu povo o caminho da sabedoria e da redenção. O importante nesta parábola é a afirmação da idéia de que não existe salvação individual. Ou nos salvamos todos, ou .... Fortalecer o mercado interno estimulando uma política salarial justa, financiamento o pequeno e o médio produtor a juros baixos, estímulo à exportação, combate aos cartéis e monopólios. Políticas especiais para o agro-negócio. Reforma-agrária. Política externa agressiva e de alta-estima são ferramentas que podem nos ajudar nesta construção. Mas não basta. Serão necessários também grandes investimentos na área de bens imateriais para provocar a emergência de uma forma de sentir e pensar nacional, através de estímulo à capacidade de se expressar e de se articular do cidadão brasileiro. A fundo perdido? Os militares fazem a Pátria. Os políticos fazem o País. Mas são os artistas que constróem a Nação. A Nação brasileira, visível, no horizonte, ainda está para se articular. Quero investir nesse processo. Acho que isto faz o país crescer e ampliar seus limites. As nações não têm fronteiras. A nação francesa influenciou muito o Brasil quando os meios de comunicação eram muito mais precários que os de hoje. O cinema, a música, o teatro e a literatura americanos exportam a nação americana para longe. Já os armamentos e os soldados são exportados pelo país e pelos militares, respectivamente. Shakespeare, até hoje, faz mais pela nação inglesa que qualquer rei, ministro ou rainha fez ou jamais fará. Investir na manifestação consolida a identificação. E ajuda a descolonizar nossos afetos, sentimentos e pensamentos mais profundos. Abre caminhos. Embora esteja agora representando um papel na cena política, não posso e não devo trair minha origem nos tablados da cultura.

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Dar N茫o D贸i: Uma Dramaturgia Hist贸rica por Alexandre Santini


Em 1945, após a derrota dos nazistas na Batalha de Stalingrado, episódio que marcou a vitórias das forças Aliadas na II Guerra mundial, o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu: “A Poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. Ao longo do século XX, muitas fronteiras foram derrubadas, inclusive aquelas que separavam a arte da vida. As experiências artísticas mais interessantes do século passado foram justamente aquelas que procuraram aproximar a produção artística/intelectual das questões e desafios que a humanidade enfrentou nas suas batalhas históricas e cotidianas. Fazendo uma analogia com Drummond, poderíamos afirmar que o Tá Na Rua surge a partir de um coletivo de artistas que fugiu do palco, da arquitetura e dos modos de produção convencionais, para (re)encontrar o teatro nas ruas, em contato com a população, um teatro mais urgente, necessário, em sintonia com as características e possibilidades expressivas do povo brasileiro. Essa experiência teatral ultramoderna, desenvolvida continuamente durante os últimos 28 anos, talvez seja uma das coisas mais relevantes que se produziu no teatro mundial neste último quarto de século. Talvez por estarmos na periferia do capitalismo, ou por sermos periféricos no próprio meio teatral de nosso país, o alcance e dimensão desta experiência seja algo que somente a história poderá definir. Como não somos nem seremos os historiadores de nós mesmos, nos resta a possibilidade de divulgar e sistematizar o trabalho

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que é desenvolvido pelo Tá Na Rua. Registrarmos nossas memórias para que elas estejam ao alcance da história. Neste sentido, comemoro aqui esta oportunidade de podermos publicar a versão integral da dramaturgia desenvolvida para “Dar Não Dói, o que dói é resistir”, espetáculo do grupo Tá Na rua, dirigido por Amir Haddad que fez longa carreira entre 2003 e 2006, com cerca de 200 apresentações para um público total de cerca de 50 mil espectadores. Comemoro primeiro porque dramaturgia contemporânea no Brasil é algo bastante raro de se ver publicado. Ainda mais uma dramaturgia não-convencional, colaborativa, desenvolvida junto ao grupo a partir dos ensaios e apresentações, regularmente modificada, adaptada, adequada a cada momento e a cada realidade. Uma dramaturgia que se construiu pela necessidade, pela urgência de se tocar em um tema infelizmente pouco abordado pelo teatro brasileiro nos últimos 20 anos: a ditadura militar no Brasil (1964-1985). E como foi que o Tá Na Rua escolheu/decidiu abordar este tema e transformá-lo em um espetáculo?

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No final de 2002, a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República, compreendemos que a eleição de um líder operário para presidente do Brasil significava uma ruptura profunda com a ideologia da elite que historicamente governou o país. Ainda que o presidente eleito não pudesse – e talvez até hoje não possa – realizar todas as mudanças sociais e econômicas necessárias ao país, sua chegada ao poder representou uma mudança simbólica que nos levou a uma revisão da nossa própria atuação como artistas. A nova geração de atores do Tá Na Rua, nascida e formada nas décadas de 80 e 90, pouco conhecia sobre a história recente do Brasil e, portanto, não tinha subsídios e informações para compreender a dimensão histórica deste momento. Ao longo do ano de 2003 realizamos uma série de “oficinas temáticas” reunindo o grupo mais jovem e alguns membros da “velha guarda” do Tá Na Rua, compartilhando saberes e dúvidas, reunindo material escrito, músicas, conversas, muita discussão e reflexão sobre história e cultura brasileira, ditadura, democracia, socialismo, capitalismo, etc. No fim do ano de 2003, com a publicação de um edital da prefeitura do Rio para Grupos de Teatro, decidimos apresentar este processo de pesquisa e criação como subsídio para a construção de um espetáculo. Para nossa surpresa e alegria o projeto foi aprovado e o espetáculo “Dar Não Dói o Que Dói é resistir” estreou em janeiro de 2004 no Festival Porto dos Palcos, realizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Na estréia, o roteiro tinha uma meia-dúzia de páginas, em uma abordagem cênica e histórica ainda muito introdutória e incipiente. O roteiro e o espetáculo foram crescendo e ganhando forma à medida que avançava a compreensão do grupo sobre o processo histórico passado e presente, cada apresentação acrescentava novos subsídios e possibilidades que iam sendo incorporadas nos espetáculos seguintes. A carreira deste espetáculo teve seu momento culminante em


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setembro de 2005, com a apresentação de “Dar Não Dói, o Que Dói é Resistir” em Paris, como parte da programação teatral do “Ano do Brasil na França”. O roteiro é composto por fragmentos de textos, notícias de jornal, documentos oficiais, depoimentos, canções. De Elio Gaspari a Nelson Rodrigues, de Costa e Silva a Augusto Boal, de Millôr Fernandes a Delfim Netto, são muitos os fatos históricos e versões que compõem este texto. Abandonamos a noção dramática de originalidade para trabalharmos com recortes, citações, referências, construindo uma narrativa épica que se desenvolve na cronologia da história. O leitor que não assistiu ao espetáculo terá a oportunidade de se confrontar com um caso concreto de “dramaturgia sem literatura”. Os que assistiram e agora puderem ler o roteiro terão uma visão mais ampla do processo de criação deste espetáculo. Esperamos que a publicação deste roteiro incentive os novos grupos, artistas, dramaturgos, a se debruçarem sobre a história como material para a criação teatral. Ao teatro sempre estará aberta a possibilidade de ser uma tribuna para as idéias de transformação social. Historicamente, o teatro brasileiro sempre foi um espaço que acolheu e estimulou as correntes democráticas e progressistas. O Teatro avança quando se liga aos ventos da transformação, e retrocede quando se amesquinha na manutenção de privilégios, em dramas familiares, em grandes produções de entretenimento sem maiores ambições culturais e políticas. O Tá Na Rua fez a sua opção há 28 anos, e “Dar Não Dói o Que Dói é Resistir” é um espetáculo coerente com esta trajetória de resistência cultural.

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Um roteiro para ser visto, um espetáculo para ser lido. A história não acabou. O tempo não pára. O teatro é filho da história e não da idelologia, nos ensinou o mestre Amir Haddad. Boa leitura!

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DAR NÃO DÓI, O QUE DÓI É RESISTIR ou Em paz com a dita dura... Dramaturgia de Alexandre Santini para espetáculo do Grupo Tá Na Rua. Criado e desenvolvido entre 2003 e 2006, sob a direção de Amir Haddad

ÍNDI-CENAS: ABERTURA - Com vocês, o Grupo Tá Na Rua!! PRÓLOGO - Golpe Militar de 31 de Março de 1964 BRASIL PRÉ – 64 (flash-back): - O Povo Brasileiro entra em Cena - Luis Carlos Prestes e Nikita Kruschev / A Internacional - Deus e o Diabo (Glauber Rocha) - Comício da Central - Discurso do Jango Golpe militar/ Ato Institucional nº1 - Marcha da Família / Queremos Deus - Gracias a la Vida : O ano de 1964 termina no Brasil... NOTÍCIAS DA DÉCADA DE 60 No mundo: - Invenção da pílula - Morte da Marilyn Monroe

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- Morte do Kennedy - Guerra do Vietnã - Morte do Che Guevara No Brasil - Nasce a Rede Globo (Fantástico) - Sabor de Burrice (Tom Zé) A RESISTENCIA CULTURAL ENTRE 1964 E 1968 - Show Opinião - Liberdade, Liberdade - Editora Civilização Brasileira 1968: O ANO QUE NÃO TERMINOU

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O Poder Jovem - Manifestações estudantis - Maio de 68, Paris em Chamas. Estudantes no Brasil - Congresso da UNE de Ibiúna - Morte do Edson Luís - Passeata dos Cem Mil - Discurso de Vladimir Palmeira A Invasão do Teatro : Os Artistas na « Roda-Viva » - CCC invade o Teatro Ruth Escobar em SP. - Depoimento de Marília pêra ao jornal A Tarde. A escalada da crise - Atentado ao Teatro Opinião - Estréia do Galileu do Oficina AI-5 ou “Uma cena que começa pelo 5º ato !” - A missa negra, textos de Élio Gaspari; - Ato institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 - O Teatro para levar ao Ato, por Delfim Netto


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OS ANOS DE CHUMBO A prisão de Augusto Boal - Artigo de Nelson Rodrigues em O Globo - Depoimento de Augusto Boal, em Milagre no Brasil O Milagre Brasileiro - 90 milhões em Ação - Milésimo Gol de Pelé - Brasil Tricampeão - “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil” A Luta Armada... - Sequestro do Embaixador Americano - Atentado mata Carlos Marighella - Carlos Lamarca é morto no sertão baiano. ...e Outras Lutas |

- Eleição de Salvador Allende / Golpe Militar no Chile - Morre o poeta Pablo Neruda - Caetano e Gil vão para o exílio em Londres - O Papa Paulo VI condena a tortura no Brasil BLOCO DA RESISTÊNCIA CULTURAL A Censura - Não põe corda no meu bloco/ Samba-plataforma - O Bêbado e a Equilibrista Fim do AI- 5 - Jornal do Brasil... - Apesar de Você Anistia - Eu to voltando/ Retornam ao Brasil os exilados Diretas Já - Comícios das diretas - Hino Nacional Fafá de Belém

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EPÌLOGO Eu quero - Samba do Império Serrano de 1986 ENCERRAMENTO ******************************************************************** DAR NÃO DÓI, O QUE DÓI É RESISTIR! Ou EM PAZ COM A DITA DURA (Fragmentos para uma encenação possível - Liturgia histórica teatral carnavalizada)

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I – ABERTURA NARRAÇÃO – “Dar não dói, o que dói é resistir” é o Teatro da história recente do Brasil. Em cena, a resistência cultural à ditadura militar, esta longa jornada noite adentro de nossa história que foi o governo dos generais. E Quem conta esta história é um produto desta mesma ditadura, um filho do governo Médici que, em meio à repressão total, criou uma linguagem teatral capaz de resistir e driblar a todas as formas de ditadura. Senhoras e Senhores, com vocês, o Grupo TÁ NA RUA! PRÓLOGO: 1964 – O ANO EM QUE TUDO COMEÇOU NARRAÇÃO – Em 1964 instalou-se no Brasil a ditadura militar, a fim de garantir o capital e o continente contra o socialismo. (Grande Movimentação Militar) 2º MOVIMENTO : O Brasil Pré-64 (flash –back) O BRASIL SE MOVIMENTA (Gal Costa –Festa do Interior))


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NARRAÇÃO – Reformas de base, reforma agrária, Centros Populares de Cultura (CPC), ligas camponesas. Entra em cena o povo brasileiro, que vive um momento de grande movimentação política, social e cultural. Grupos de operários, camponeses, artistas e intelectuais tomam a cena, dispostos a tomarem nas mãos os seus destinos e serem os protagonistas de sua própria história. (música: Bandera Rossa) NARRAÇÃO – Em meio a guerra fria, com o mundo dividido entre Estados Unidos e União Soviética, o Brasil , gigante da américa latina, é disputado por ambos os lados. Janeiro de 1964 - Em Moscou, Luiz Carlos Prestes assegura a Nikita Kruschov: PRESTES - Se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato ! NARRAÇÃO – O Brasil parece encontrar o caminho de sua revolução. O desfecho parecia apenas uma questão de tempo.

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(Movimentação coletiva ao som da Internacional) Dia 13 de Março de 1964 – Comício da Central NARRAÇÃO – Primeira exibição do filme “Deus e o Diabo na Terra do sol” de Glauber Rocha. (cena do filme : duelo entre Corisco e Antônio das Mortes) ANTÔNIO DAS MORTES – Eu sou Antônio das Mortes ! Se entrega, Corisco ! CORISCO –

Eu não me entrego não,

Não me entrego ao tenente,

Não me entrego ao capitão,

Eu me entrego só na morte,

De parabelo na mão !

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(Troca de tiros. Corisco é atingido, gira o corpo, grita). CORISCO – Mais forte são os poderes do povo ! NARRAÇÃO – Após a exibição, uma parte da platéia sai do cinema direto para o COMÍCIO DA CENTRAL, aonde o pres. Jango discursará para o povo. (Grande Movimentação Coletiva : Comício da Central) DISCURSO DE JANGO“Trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação: aquela que dará um pedaço de terra própria para ele trabalhar, um pedaço de terra para ele cultivar. Aí então, o trabalhador e a sua família, sua família sofrida, irá trabalhar para eles, porque até aqui ele trabalha para o dono da terra, que ele aluga, ou é para o dono da terra que ele entrega a sua produção.

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Hoje, com o alto testemunho da nação, e com a solidariedade do povo reunido na praça que só ao povo pertence, o governo que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma seus propósitos inabaláveis de lutar, de lutar com todas as suas forças, pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e, ao lado do povo, pelo progresso do Brasil.” (Os militares retiram Jango de cena ao som do « Guarani » ) MENESTRÉIS –

Depois do Comício da Central

Os Generais sentiram o drama

E na madrugada calada

Urdiram a trama.

No mais sinistro golpe que já se viu

Sabemos que foi no dia

31 de Março de 1964

Que o povo caiu de quatro

No mais triste Primeiro de Abril.

IV - ATO INSTITUCIONAL (Nº 1)


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(A imagem inicial dos militares volta a ser formada. Arma-se a Junta Militar) À NAÇAO É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de se abrir no Brasil. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas.

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Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte. ATO INSTITUCIONAL Rio de Janeiro - GB, Nove de abril de 1964. ARTHUR DA COSTA E SILVA General do Exército. FRANCISCO DE ASSIS CORREIA DE MELLO Tenente-Brigadeiro. AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD Vice-Almirante. Movimentação Coletiva - A vitória da reação. As mulheres que marcham com Deus pela liberdade desfilam em agradecimento aos militares por terem livrado o Brasil do « demônio comunista ». (Música : « Queremos Deus ») NARRAÇÃO – O ano de 1964 termina no Brasil com um saldo de 4454 pessoas presas, cassadas ou demitidas, 20 mortos, 09 suicídios e 203 denúncias de torturas.

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(Música: “Gracias a la vida”) - Baixado o ato institucional nº 1. 40 políticos tiveram os seus mandatos cassados! - O ex-presidente João Goulart pede asilo no Uruguai. - O Marechal Castelo Branco é eleito presidente pelo Congresso. - A Censura apreende as cópias do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. - São demitidos 26 artistas da Rádio Nacional. Entre eles, Mário Lago, Dias Gomes, Paulo Gracindo e Oduvaldo Vianna. - A relação de artistas e intelectuais presos, perseguidos ou citados em Inquéritos PoliciaisMilitares neste período incluía nomes como : Flávio Rangel, Giafrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar, Dina Sfat, Maria Della Costa, Ênio Silveira, Paulo Francis, Carlos Heitor Cony, Antônio Callado, Darcy Ribeiro, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade.

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Notícias da Década de 60 (as notícias são narradas e as imagens encenadas pelos atores, pontuadas por intervenções musicais) - Nove de Maio de 1960: A invenção da píllula: passaporte para a revolução sexual. - 1962 : Loira, insone, linda e deprimida: Morre “Marilyn Monroe”. - 1963 : Atentado Mata o Presidente Norte Americano John Kenedy. (tema: Washington Post) - 1965 : Os E.U.A se afundam na Guerra do Vietnã. - 8 de outubro de 1967: o argentino Ernesto ‘Che’ Guevara, líder da revolução Cubana, é assassinado na serra Boliviana pelo exército do ditador Hugo Bánzer, em operação coordenada pela CIA. NOTÍCIAS DO BRASIL : As 11: 00h de 26 de Abril de 1965 entrou no ar a TV Globo do Rio de Janeiro. (Música: FANTÁSTICO)


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NARRAÇÃO – O compositor baiano Tom Zé nos apresenta uma crítica irônica e ácida da realidade brasileira deste momento, uma síntese do « projeto intelectual » da ditadura : A Burrice está na mesa !

Veja que Beleza

Em diversas cores

Veja que beleza

Em vários sabores

A burrice está na mesa...

(Os atores montam uma imagem tropicalista) GENERAL CHAPELETA - PM de Cassetete Exército de Brucutu Democracia, o Cacete. O povo que vá tomar no cú ! (movimentação militar –repressiva)

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A resistência Cultural entre 1964 e 1968 NARRAÇÃO – Estréia no Rio o show Opinião, com Nara Leão, Zé Keti e João do Vale. O espetáculo reunia a musa da bossa-nova, um imigrante nordestino e um sambista dos morros cariocas, que cantavam e contavam as suas histórias, representando a diversidade cultural do povo brasileiro. Opinião foi a primeira manifestação de resistência cultural ao golpe militar de 1964. O show é um estrondoso sucesso de público e crítica:

“Podem me prender

Podem me bater

Podem até deixar-me sem comer

Que eu não mudo de opinião. »

(Entra a música « CARCARÁ ») - Em abril de 1965 o Grupo Opinião estréia o espetáculo Liberdade, Liberdade. O espetáculo reunia uma coletânea de textos da literatura universal em defesa da liberdade e contra o autoritarismo , organizados por Flávio Rangel e Millôr Fernandes. (Trecho da peça)

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Abraão Lincoln – Pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo ; pode-se enganar todas as pessoas algum tempo ; mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo. Mme Roland, guilhotinada pela revolucão francesa - Liberdade, liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome ! Danton – Audácia, mais audácia, sempre audácia ! Aristóteles – As tiranias são os mais frágeis governos ! Artigo 141 da constituição Brasileira – É livre a manifestação de pensamento ! Bernard Shaw – Há quem morra chorando pelo pobre : eu morrerei denunciando a pobreza ! Voltaire – Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las. Tiradentes – Cumpri minha palavra : morro pela liberdade ! Benito Mussolini – Acabamos de enterrar o cadáver pútrido da liberdade !

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Luis XIV – O Estado sou eu ! (Fim da citação) - A Editora Civilização Brasileira, do dirigente comunista Ênio Silveira, edita um novo livro a cada dia útil do ano. As livrarias do Rio e de São Paulo estão cheias de marxismo - O pres. Costa e Silva declara: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”

MENESTREL –

Desde o azarado Comício

Da Central do Brasil

Que o povo não ia mais pra rua

Era mais fácil o Homem pisar na lua

Do que o povo vir para a praça

Toda manifestação de protesto

Era considerada arruaça

Mas avancemos no tema um ponto


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E chegaremos ao ano de 1968.

1968: O ANO QUE NÃO TERMINOU O Poder Jovem NARRAÇÃO – Estudantes nas ruas, a imaginação no poder: - Explodem manifestações estudantis em Roma, Milão, Londres, Madri, Varsóvia e Nanterre. - É Proibido Proibir: em maio de 68, jovens franceses ocupam a Sorbonne e o movimento se espalha por Paris. Barricadas e choques de Rua deixam 365 feridos. Estudantes no Brasil NARRAÇÃO – Enquanto no mundo inteiro os estudantes se manifestavam em defesa da liberdade, no Brasil o governo militar reprime violentamente o movimento estudantil: - 920 estudantes são detidos em um sítio na região de Ibiúna, no interior paulista, durante a realização de um congresso clandestino da UNE. Hino da UNE –

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A UNE, reúne, futuro e tradição

A UNE, a UNE, a UNE é união

A UNE, a UNE, a UNE somos nós

A UNE é nossa força, a UNE é nossa voz.

A morte de Edson Luís No dia 28 de março, durante manifestação estudantil no restaurante calabouço, no Rio, um soldado da PM mata o estudante Edson Luís de Lima. Seu cadáver é alvo de uma disputa entre os estudantes e a repressão, que enfim é levado pelos manifestantes para a Assembléia legislativa. O Cortejo fúnebre se transforma numa grande manifestação de protesto contra o governo. (Tema: Cálice) A passeata dos Cem Mil NARRAÇÃO – No dia 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, acontece a passeata dos cem

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mil, a maior manifestação desde o golpe de 64, reunindo estudantes, artistas, intelectuais e a população em geral, sob o lema “Abaixo a ditadura”. MENESTREL –

A Passeata dos Cem Mil

Contra o golpe de Primeiro de Abril

Foi a maior manifestação já vista

Povo, estudante, intelectual e artista.

Marchando juntos na mesma pista

Lutando por um Novo Brasil

NARRAÇÃO – Às 13 horas e 40 minutos, diante da multidão que se concentrava na Cinelândia, o líder estudantil Vladimir Palmeira se dirige aos manifestantes para encerrar a concentração e dar início à passeata:

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VLADIMIR PALMEIRA – “A ditadura mais descarada adora leis, deixa eles fazerem leis! Façam, uma, duas, três constituições, instalem e depois amordacem um, dois, três congressos! A gente deixa, pessoal. Mas a gente sabe que não hoje, mas até o fim desta luta a gente derruba uma, duas, três constituições e faz nova lei e nova assembléia, porque esta assembléia que está aí não resolve problema de ninguém! (Aplausos) Mas, minha gente, não pense que aplaudir e gritar” abaixo a ditadura “é uma vitória. Hoje a repressão não veio porque não pode. E a nossa vitória é esta: ter saído na raça, porque achava que tinha que sair. Mas a gente vai voltar pra casa, o estudante pra aula, o operário pra fábrica, repórter pro jornal, artistas pro teatro. E é em casa, na sala de aula, no trabalho, no jornal e no teatro, que a gente vai continuar esta luta! Eu quero por isso em votação: a gente vai continuar esta luta?” NARRAÇÃO – Milhares de braços levantados disseram a Vladimir o que ele esperava. Impulsionado pela esmagadora votação, o líder anunciou: “Eu vou na frente!”

A Invasão do Teatro : Os Artistas na « Roda-Viva » NARRAÇÃO – O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invade o teatro onde é realizada a temporada paulista da peça Roda Viva, de Chico Buarque. O teatro é depredado


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e os atores são espancados. O jornal A folha da tarde, descreveu assim o acontecido em sua edição do dia 19 de julho de 1968 : “Os artistas da peça roda viva foram duramente espancados por um grupo de 20 homens que , armados de cassetetes e jogando bombas de gás lacrimogênio, invadiram o teatro Ruth Escobar no fim do espetáculo.Os invasores quebraram tudo que puderam,bateram em todos os artistas, principalmente no contra –regra José Luiz Araújo e na atriz Marília Pêra, que depois de várias vezes mordida foi obrigada a andar nua pela rua.” Eis o depoimento da atriz Marília Pêra : « Eles eram quase 50 ,conheciam a peça muito bem, sabiam onde ficava a caixa de luz e a cena final. É importante que se saiba que eles estavam organizados, sabiam onde ir. Encurralaram os homens no camarim e deram nas mulheres. Foi um horror. Todo mundo estava abalado. Num estado de nervos incrível. Eu estava no camarim me trocando,quando eles entraram forçando a porta,me tiraram a roupa e me botaram lá fora. Não apanhei muito porque minha camareira me protegeu. Meu maior desespero foi quando vi que o anel de meu pai não estava comigo. Era a única lembrança que eu tinha dele. Atualmente eu sou a mais visada, porque fui a única a reconhecer o agressor que pegamos. Eram dois que nós entregamos à polícia, mas como um deles era oficial da AERONÁUTICA, acabaram deixando-o ir embora. Na hora do reconhecimento não me enganei. Nunca mais vou esquecer o rosto do homem que tirou a minha roupa. »

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A Escalada da Crise - No Rio de Janeiro, é destruído o Teatro Opinião, em ação organizada por grupos paramilitares de extrema-direita. (comentário sobre grupo Opinião : Marcha da quarta – feira de cinzas) - Em São Paulo, o Teatro Oficina realiza o ensaio geral da peça Galileu Galilei, de Brecht, com a presença da censura, na noite do dia 13 de dezembro de 1968. GALILEU – A verdade é filha do tempo, e não da autoridade !

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- O General Médici, comandante do III Exército, pede a decretação do estado de Sítio.

MENESTREL –

No dia 13 de dezembro

Se bem me lembro

E com assunto sério eu não brinco

Vou narrar sem mistério

O que foi este deletério

Ato Institucional Número cinco.

AI-5 ou “Uma cena que começa pelo 5º ato !”

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A Missa Negra - “Às dezessete horas da Sexta-feira, 13 de dezembro do ano bissexto de 1968, o Marechal Arthur da Costa e Silva, com a pressão a 22 por 13, parou de brincar com palavras cruzadas e desceu a escadaria de mármore do Palácio Laranjeiras para presidir o Conselho de Segurança Nacional. Quando Costa e Silva ocupou a cabeceira da mesa, cada ministro tinha uma cópia do Ato Institucional nº 5 em frente a seu lugar. Dois microfones, colocados ostensivamente sobre a mesa, gravariam a sessão. A sala estava tomada pelo barulho de sirenes de veículos que circulavam no pátio da mansão”. O presidente abriu a sessão com um discurso em que se denominou ‘legítimo representante da Revolução de 31 de Março de 1964’ e lembrou que ‘com grande esforço, boa vontade e tolerância’ conseguira chegar a ‘quase dois anos de governo presumidamente constitucional’. Ofereceu ao plenário ‘ uma decisão optativa’ : COSTA E SILVA - Ou a Revolução continua, ou a Revolução se desagrega ! (Batendo na mesa) A decisão está tomada ! NARRAÇÃO – Com um preâmbulo de seis parágrafos, o Ato tinha doze artigos e cabia em quatro folhas de papel. Sua leitura atenta exigia pouco mais que cinco minutos. Sua encenação se fará em pouco mais de dois minutos!


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ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, Resolve editar o seguinte. ATO INSTITUCIONAL : - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em : - Proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política ; - Aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança : |

Liberdade vigiada ; b) proibição de freqüentar determinados lugares ; c) domicílio determinado. - Fica suspensa a garantia de hábeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Art 12 – O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 13 de dezembro de 1968 ; 147º da Independência e 80º da República. ARTUR DA COSTA E SILVA · PEDRO ALEIXO (Vice –presidente) - Da Constituição, que é antes de tudo um instrumento da garantia dos direitos da pessoa humana, e da garantia dos direitos políticos, não sobra absolutamente nada ! Estaremos instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura. ALM. RADEMAKER (ministro da marinha) - Acabamos de ouvir a palavra abalizada do vice-presidente, da qual discordo absolutamente. O que se tem que fazer é realmente uma repressão !

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GENERAL LYRA TAVARES (ministro do exército) – Nós estamos agora perdendo condições de manter a ordem neste país ! JARBAS PASSARINHO (ministro do trabalho) – (a Costa e Silva) Sei que a Vossa Excelência repugna enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que neste momento é esta que está diante de nós. (pausa dramática) Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência ! (Costa e Silva retira-se debaixo de aplausos) A prisão de Augusto Boal

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NARRAÇÃO – A decretação do AI -5 oficializa e estimula a perseguição a artistas e intelectuais no Brasil. A atividade cultural torna-se caso de polícia no país controlado pelos militares. A repressão feroz começa a escandalizar até mesmo personalidades que se manifestavam favoravelmente ao regime militar. Entre eles, estava o jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues, que em sua crônica diária no jornal O Globo faz um apelo emocionado pela libertação de seu amigo, « O artista Augusto Boal » : NÉLSON RODRIGUES – « Para aqueles que a partir dos gregos até os nossos dias jamais viram uma peça, talvez o nome e a figura de Augusto Boal não signifiquem nada. Mas para os que tem um mínimo de sensibilidade para o teatro, Augusto Boal representa muito. Na minha crônica de ontem eu dizia que ele é um dos maiores autores e diretores do drama brasileiro. Muito bem. Há coisa de três ou quatro dias eu soube que ele estava preso, em São Paulo. Nada se compara ao meu espanto e nada o descreve. Preso por quê, a troco de quê ? Se me perguntarem o que faz Augusto Boal, darei esta resposta : - ‘Faz teatro’. Poderão insistir : - ‘Mas além de teatro ?’. E eu : - ‘Só teatro’. Vamos admitir que a pessoa continue : ‘E o que pensa Augusto Boal . Minha resposta : ‘ Pensa em teatro.’ Eu sou, como se sabe, de uma insuspeição total. Venho com a revolução de março de 1964 desde o primeiro momento e antes do primeiro momento. Portanto é como revolucionário que estou dando meu testemunho sobre um homem preso como subversivo.


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E o que faz este meu amigo ? Sua vida é uma apaixonada meditação sobre o mistério teatral. Se é crime ‘fazer teatro’, então que o prendam. Se é crime estudar teatro - prendam-no. Porque ele não faz, nem fará jamais, outra coisa. » AUGUSTO BOAL « Era incrível a bestialidade daquela gente. Eram incapazes de compreender a monstruosidade do que acabava de acontecer. Eu estava ali, nu, pendurado pelos joelhos, sofrendo choques elétricos violentíssimos. Para eles, a violência contra um suspeito era “interrogatório” , não era tortura. Desta vez não me lembro nem mais ou meno quanto durou o choque, mas certamente foi muito mais do que eu podia aguentar, em estado de consciência. Eu me lembro que o meu corpo saltava pendurado pelos joelhos, como se fosse uma máquina de quebrar pedras. Lembro do meu grito continuado e das caras ferozes, ofendidas. Deve ter passado muito tempo. Desmaiei. Não sei se uma ou duas vezes, se muito ou se pouco tempo. Só sei que depois de algum tempo eu ainda continuava ali, pendurado e que meus dedos pareciam bolas de sangue, sangue escuro, quase preto. » (Augusto Boal, “Milagre no Brasil”) | O Milagre Brasileiro: NARRAÇÃO – Com a cultura brasileira pendurada no pau-de-arara, o Brasil caminha a passos largos para um curto período de prosperidade e crescimento econômico, que ficou conhecido como « Milagre Brasileiro ». (Entra em cena o Brasil do Milagre. Jovens torturados e arrastados em um cortejo patriótico ao som de « Noventa milhões em ação”) - O Brasil do milagre cresce a taxas de 10% ao ano. Ninguém segura este país ! - O ministro da fazenda, Delfim Neto, define o seu projeto econômico : « É preciso que o bolo cresça , para depois dividi –lo » - Pelé faz o seu milésimo gol - Por um placar de 4x1, confirmando o prognóstico do presidente Médici, o Brasil derrota a Itália e se consagra tricampeão mundial de Futebol. - Em visita ao sertão nordestino, o presidente Médici anuncia a construção da Rodovia

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Transamazônica, ligando o maranhão ao acre. É o início de um grande projeto de colonização. - Estréia o Jornal Nacional - O The New York Times informa : « O regime é antipatizado, mas o Brasil cresce ». Em Nova York, começa a construção das torres gêmeas do World Trade Center. - Médici vai aos EUA, e o pres. Nixon afirma que « Para onde o Brasil for, para lá irá o resto do continente latino-americano » A RESISTÊNCIA (Apesar de Você) A Luta Armada... - Sequestrado o embaixador americano Charles Elbrick. Quem assume a autoria da ação é o movimento revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Entre os sequestradores, está o jornalista e escritor Fernando Gabeira.

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- O ex-capitão Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), é encontrado morto em um volkswagen carbonizado em SP. - Sequestrado o embaixador suíço Enrico Bucher. É trocado por 70 prisioneiros políticos que embarcam para o méxico. Entre eles, o ex- líder estudantil José Dirceu.

- Carlos Lamarca é morto no sertão Baiano. ...e Outras Lutas. - O socialista Salvador Allende é eleito Presidente do Chile. O país torna-se o principal destino da comunidade Brasileira no exílio. A CIA e a extrema direita chilena organizam um golpe militar liderado pelo General Augusto Pinochet. O presidente Allende é assassinado no Palácio La Moneda, em 11 de setembro de 1973. - O poeta chileno Pablo Neruda morre doze dias após o golpe militar. - Caetano Veloso e Gilberto Gil depois de dois meses detidos na vila militar de Realengo,


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seguem para o exílio em Londres. Gil, despedindo-se do Rio de Janeiro, cria o sambaexaltação Aquele Abraço... - Há no país neste momento cerca de 500 presos políticos : mais da metade são estudantes cuja idade média é de 23 anos. - O papa Paulo VI condena a tortura no Brasil. - A Anistia Internacional divulga um documento com o nome de 400 torturadores no Brasil. O documento é proibido de circular no país.

A CENSURA MENESTREL –

Foi Censurada a imprensa

E toda manifestação de cultura

Pois mais perigoso é o que pensa

Aquele que a verdade sempre procura...

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- A Censura proíbe a declaração do presidente da ARENA, Filinto Muller, de que não há Censura no Brasil. - O diretor da Censura de diversões públicas, Rogério Nunes, suspendeu por vinte dias a encenação do espetáculo Somma ou os melhores anos de nossas vidas , dirigido por Amir Haddad. O Motivo : a peça foi alterada com o intuito de mostrar personagens obscenos e em total desacordo com que foi previamente apresentado às autoridades policiais. NARRAÇÃO – Em dez anos de vigência do AI-5 foram proibidos cerca de seiscentos filmes, quinhentos livros, 450 peças, mil letras de música, milhares de matérias jornalísticas, dezenas de programas de rádio e televisão, capítulos e sinopses inteiras de telenovelas. De cada dez cartuns que Henfil desenhava para o Jornal do Brasil nos anos 70, sete ou oito caíam na malha fina da censura.

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Comentário musical: SAMBA-PLATAFORMA (João Bosco e Aldir Blanc):

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Não põe corda no meu bloco

Não vem com seu carro-chefe

Não dá ordem ao pessoal

Não traz lema nem divisa

Que a gente não precisa

Que organizem nosso carnaval

Não sou candidato a nada

Meu negócio é batucada

Mas meu coração não se conforma

O meu peito é do contra

E por isso mete bronca

Nesse samba-plataforma

Por um bloco, que derrube esse coreto

Com passistas à vontade

Que não dance o minueto

Por um bloco, sem bandeira ou fingimento

Que balance e bagunce o desfile e o julgamento

Por um bloco que aumente o movimento

Que sacuda e arrebente, o cordão de isolamento

Não põe no meu...CÙ!

ROGÉRIO NUNES, O CENSOR – Não procedem as críticas sobre a repressão do governo à liberdade artística no país ! FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – O intelectual ou é incômodo ou não é nada ; em qualquer circunstância, em qualquer regime. CHICO BUARQUE – é impossível não fazer a autocensura, ela não é consciente. GUARNIERI – A autocensura deixa uma marca ; a pessoa corre o risco de incorporá-la. ALCEU AMOROSO LIMA – As novas gerações estão amedrontadas !


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NARRAÇÃO – Os militares fazem a pátria, os políticos fazem o país, mas são os artistas que constroem a nação. Neste momento em que a alma da nação brasileira se encontrava ferida e amordaçada, como se sobre ela tivesse desabado um imenso viaduto, os compositores João Bosco e Aldir Blanc souberam captar o sentimento desta época e o imortalizaram em uma canção que entrou para a história :

O Bêbado e a Equilibrista

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos.

A lua, tal qual a dona de um bordel

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel .

E nuvens, lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco, louco.

Um bêbado com chapéu – coco

Fazia irreverências mil

À noite do Brasil ( meu brasil !...)

Que sonha, com a volta do irmão do Henfil,

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete.

Chora, a nossa pátria – mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil.

Mas sei (ah ! eu sei)

Que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança, dança,

Na corda – bamba de sombrinha

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E em cada passo dessa linha

Pode se machucar.

Ah, a esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar.

Fim do AI-5 Jornal do Brasil, 31 de dezembro de 1978 :

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À meia-noite de hoje o Brasil sai do mais longo regime ditatorial de sua história. Dez anos e dezoito dias depois de sua edição, a Ato Institucional nº 5, que suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os poderes e deu atribuições especiais ao presidente da república, encerra sua existência. A partir de meia-noite : . O Brasileiro passa a Ter direito a hábeas – corpus nos casos de crime político. . O poder executivo não poderá cassar os mandatos parlamentares. Os direitos políticos tornam-se permanentes . O Congresso passa a funcionar por delegação popular. O poder Judiciário recupera as suas prerrogativas. . O Direito Brasileiro livra-se da pena de morte, da prisão perpétua e do banimento. ANISTIA ( Vai Passar) NARRAÇÃO – Com o fim do AI -5, a pressão popular volta a ser exercida nas ruas. Manifestações exigem o retorno dos que foram expulsos ou deixaram o país por perseguições políticas. O povo pedia « Anistia ampla, geral e irrestrita », e este movimento garantiu o retorno dos exilados brasileiros espalhados pelo mundo. Retornam ao país : (comentário musical – « Eu tô voltando »)


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- Leonel Brizola, ex-governador do rio Grande do Sul ; - Fernando Gabeira, jornalista e escritor ; - Luis Carlos Prestes, dirigente comunista ; - Ferreira Gullar, poeta e escritor ; - Vladimir Palmeira, líder estudantil ; - José Serra, economista ; - José Celso Martinez Corrêa, teatrólogo ; - Darcy Ribeiro, antropólogo ; - Glauber Rocha, cineasta. Estes nomes e muitos outros, anônimos ou famosos, que partiram em um rabo de foguete rumo à diáspora do exílio, retornam para ocupar o seu espaço na cena nacional e participar, nos palanques ou nas ruas, do movimento de reconstrução da democracia. DIRETAS JÁ |

O povo bota o bloco na rua - Em 1984, explode no Brasil inteiro o movimento popular por eleições diretas para presidente da república. O povo volta a ocupar as ruas em grandes manifestações, como as que reuniram 500 mil em são Paulo e 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro. É a voz de uma artista que se levanta expressando o sentimento que tomava conta do país naquele momento. (Hino Nacional - Fafá de Belém) EPÍLOGO NARRAÇÃO – Saem de cena os militares, mas a história não acabou, e ainda está por ser escrita. 40 anos depois do golpe militar, o Brasil ainda está aprendendo a trilhar os caminhos da democracia. O ideal de um governo « do povo, pelo povo e para o povo » ainda é uma meta a ser alcançada, e é esta esperança que nos faz continuar de pé e seguir adiante. A cultura do povo brasileiro, que sofre, mas segue em frente, e renasce resplandecente a

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cada ano em espetáculos como o carnaval, é a nossa inspiração como artistas que atuam no presente para a construção de um outro futuro. O samba do Império Serrano para o carnaval de 1986, escrito « no calor da hora » da volta à democracia, é ainda um manifesto extremamente atual que representa os nossos sonhos no dia de hoje :

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EU QUERO

(Samba -Enredo do Império Serrano – 1986 – Aloísio Machado)

Eu quero, a bem da verdade.

A Felicidade em sua extensão

Encontrar o gênio em sua fonte

E atravessar a ponte

Dessa doce ilusão

(Quero, quero, quero sim)!

Quero que meu amanhã, meu amanhã

Seja um hoje bem melhor, bem melhor!

Uma juventude sã

Com ar puro ao redor (bis)

Quero nosso povo bem nutrido

O país desenvolvido

Quero paz e moradia

Chega de ganhar tão pouco

Chega de sufoco e de covardia

Me dá, me dá

Me dá o que é meu

Foram vinte anos

Que alguém comeu (bis)

Quero me formar bem informado


E meu filho bem letrado

Ser um grande Bacharel (Bacharel)

Se por acaso alguma dor

Que o doutor seja doutor

E não passe de bedel

Cessou a tempestade

É tempo de bonança

Dona Liberdade

Chegou junto com a esperança

Vem meu bem, vem meu bem.

Sentir o meu astral, que legal!

Hoje estou cheio de desejo

Quero te cobrir de beijos

Et Cetera e tal (bis)

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XIII Encontro de Teatro de Rua de Angra dos Reis/RJ De 14 a 21 de abril de 2008 A vis達o dupla de um casal de aprendizes por Licko Turle & Jussara Trindade


Caros amigos, Fomos apresentados como mestres e doutorandos em Teatro para todos, durante o nosso encontro no Teatro Municipal de Angra dos Reis. E, todos sabem, que estamos lançando um livro sobre teatro de rua. Sim, isto tudo é verdade! Mas, estávamos ali, principalmente, para aprender, pois somos, antes de tudo, aprendizes. Antes do teatro, a Jussara estudou piano, teoria musical, musicoterapia, a linguagem do corpo, shiatsu e floralterapia; ela é do norte do Paraná, pé-vermelho. Nós nos conhecemos em um projeto de educação, no Rio, em 1998. Eu comecei a brincar com teatro em 1977, no Rio, como músico e compositor. Depois, conheci Cecília Conde, que me apresentou a Darcy Ribeiro, que trouxe Augusto Boal de volta para o Brasil, com quem fui trabalhar em 1986; em 1989 criamos, juntos, o Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro. Em 1995, saí do CTO (por motivos pessoais) e fui para o grupo Tá Na Rua, com Amir Haddad, e gente sonhava juntos a Escola Carioca do Espetáculo Brasileiro, do Instituto... Um dia, senti a necessidade de entender o que é que eu fazia e resolvi estudar esta coisa chamada teatro. Só que lá, na UNIRIO, ninguém dá aula de Teatro do Oprimido e, muito menos, de teatro de rua. Então, tive que ler e escrever sobre isto. É ao que me dedico até hoje. Como não achamos ainda o endereço de nenhuma escola nesta área, andamos daqui pra lá e de lá pra cá procurando a tal “escola de teatro popular”, a “escola de teatro de rua”, aquela que possa nos ensinar a pensar e refletir sobre esta função político-social milenar de comunicação, que leva ao debate público as questões mais relevantes e universais do Homem; que nos faz sorrir e chorar, mas, principalmente celebrar com outros amantes do teatro a utopia possível da Idade do Ouro, onde homens,

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deuses e semi-deuses viviam em total harmonia com a natureza. Assim, eu e a Ju chegamos ao XIII Encontro de Teatro de Rua de Angra dos Reis, em abril do corrente ano de 2008, d.C. e nos matriculamos neste Curso Intensivo de Teatro de Rua no Brasil, em sete dias (o mesmo tempo que Deus levou para criar o Mundo...).

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Como material didático-pedagógico, foram oferecidos muitos espetáculos, oficinas, debates, reuniões, bate-papo, música, dança, cama quentinha, comida caseira e uma cidade em festa. Na Grécia Antiga, dizem, eram assim os Grandes Festivais de Teatro. Vi o Norte, vi o Sul; do Ceará, pra São Paulo, passando pelas Minas Gerais e o meu Rio de Janeiro. Também o Distrito Federal se fez presente. Todos os sotaques do teatro de rua brasileiro marcaram presença na reunião anual naquele porto seguro de Angra dos Reis Magos. Como colegas de turma, tivemos o público da cidade ao qual nos misturávamos, conversando animadamente durante o deslocamento para a próxima praça, para o próximo espetáculo, para as próximas aulas... “Você gostou? Não gostou?” E isto... e aquilo... E íamos construindo o nosso conhecimento e nos formando durante a caminhada... Os nossos professores foram os artistas, os brincantes, os palhaços, os atores; tínhamos que prestar à atenção em cada argumento, cada roteiro, cada gesto poético; uma música aqui, uma bandeira ali. “- Por que esta cor e não aquela?” “- Por que um homem e não uma mulher?” “- Não entendi o que você quis dizer com isto... dá pra repetir?” Não, não dá... As salas de aula foram as praças: do Carmo, da Matriz, do Cais do Porto; foi a Tenda, as ruas da cidade. O refeitório, num Casarão, na esquina da praça. Como forma de agradecimento a todos vocês que nos fizeram aprender muito mais sobre o teatro de rua, passamos a relatar todas as sensações, emoções e reflexões que pudemos registrar. Nossas observações não são críticas ou julgamentos de valor. São, antes, anotações da memória, do coração, da alma. É a nossa forma de contribuir para esse eterno aprendizado sobre ... ... O TEATRO DE RUA ... ... e a participação do público... ... A entrada de pessoas do público em cena foi recorrente em quase todos os espetáculos que tivemos a oportunidade de ver. O que nos chamou a atenção foi o “como” cada grupo lidava com este espect-ator (termo usado por Boal em seu método de Teatro do Oprimido). Não vimos O SALTO, mas o próprio ator André Garcia conversou conosco enquanto caminhávamos pelo cais. Contou sobre o homem bêbado que resolveu entrar no seu espetáculo. Falava muito e não permitia que a função continuasse. Primeiro André o ignorou,


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depois tentou conversar com ele; por fim, o chamou para a cena e lhe disse: “- Faz você o espetáculo!” E sentou. O homem começou a dançar, e André percebeu que ele conhecia bem o “miudinho” (um passo de samba) e resolveu juntar-se a ele. Depois, puxou um lencinho e os dois improvisaram uma performance. Quando acabou a música, o homem agradeceu e saiu feliz, dizendo que ia “tomar uma na tendinha” e foi-se embora. E André concluiu o seu “salto”. Depois de narrar para nós tudo o que acontecera, refletiu ele: “Pena que eu demorei a entender qual era a do cara...” Assistimos CAFÉ PEQUENO DA SILVA E PSIU. O espetáculo é totalmente estruturado para a participação do público, do início ao fim. O que posso sublinhar foi a maneira como o ator mantinha um olhar de 360º sobre tudo o que acontecia ao seu redor, principalmente um grupo de três adolescentes à sua direita que, aparentemente, estavam ali para tumultuar ou “aparecer”. Richard Riguetti imediatamente incluiu-os na cena, ao brincar sobre o corte de cabelo de um deles, demonstrando grande experiência e segurança com crianças, adolescentes e adultos. No mesmo espaço, o espetáculo mexicano adentrou depois. CUSCUZ foi um plus para o Encontro. Daniel também demonstrou bom domínio de público e, não tendo nenhuma dificuldade com a nossa língua, conseguia trabalhar com as crianças que, entusiasmadas, de vez em quando invadiam a cena.

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A COMÉDIA DE ARLEQUIM E MIRANDOLINA pode ter sido prejudicada pelo mau tempo. O espetáculo foi transferido para dentro do Convento de Angra dos Reis, o que impossibilitou qualquer análise sobre a performance do Carrera Comlewsky/RJ na rua. A acústica do local é bastante ruim e transformou o espetáculo em cena à italiana. Foram colocadas cadeiras para maior conforto do público, mas penso que isto impediu que o tablado criado pelo grupo surtisse o mesmo efeito da Commedia dell’Arte. Os atores e, principalmente, os músicos, ficaram acuados e limitados espacialmente. A quarta parede ergueu-se rapidamente à nossa frente e o público foi apassivado, como costuma ocorrer num teatro fechado. Não conseguimos chegar a tempo para assistir O ESPETÁCULO NÃO PODE PARAR. No encerramento da noite de sábado, A BRAVA surge na Praça do Porto. Foi o primeiro espetáculo que vimos em espaço aberto. O público circundou os quatro atores e divertia-se com as tiradas que eles mandavam, sempre com duplo sentido e inteligência. A companhia demonstrava grande prática de rua e recriava freqüentemente o “espaço estético” (outra vez, Boal), sem nenhum método diretivo, mas simplesmente com suas ações físicas. Transformaram a todos em um grande coro grego: ora éramos, todos, uma tropa de soldados franceses, ora nobres ingleses. Ora povo; ora inquisidores. Fizeram uma fogueira-ciranda com alguns espectadores e um corredor-da-morte, com outros. Por fim, moveram seu tablado de ferro e recriaram um show rock-punk-dark-paulistano durante a “execução” da protagonista.

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BARBOSINHA FUTEBÓ CRUBI:UMA HISTORIA DE ADONIRANS foi o trabalho apresentado pelo TUOV/SP, que completou 42 anos de estrada. Apesar de seus méritos, ficamos um pouco desconcertados quando um homem embriagado e feliz com o tema do futebol resolveu entrar em campo para “jogar” com os atores. Ele foi, simplesmente, ignorado pelo grupo, como se não estivesse ali. Um integrante, que estava no apoio técnico com a camisa do Encontro Nacional de Teatro de Rua, entrou lentamente por trás dos atores, passou pelo centro da cena e tentou puxá-lo para fora. O homem deu-lhe um tranco e se recusou a sair. O tal integrante foi saindo, como se nenhuma das talvez 300 pessoas que lá estavam o tivesse visto. Aí, o ator que estava no papel de juiz de futebol apitou e deu cartão vermelho para o senhor que, ainda “jogando”, reclamou, xingou o juiz e saiu de campo para não mais voltar, fazendo deste um belo momento teatral do espetáculo.

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A FARSA DO PÃO E CIRCO veio de Fortaleza/CE e, mesmo sob a tenda plástica de proteção da chuva, o grupo Caretas manteve a tradição nordestina dos espaços abertos e trabalhou em círculo, como se faz naturalmente nas ruas, sem coxias ou tapadeiras. Este espetáculo teve muitas interferências do povo da rua. Em uma delas, um senhor negro, descalço e com camisa de futebol, um pouco alcoolizado, entrou em cena após o número do quebrador de cocos e anunciou que iria, ele, quebrar o coco (pois o ator não havia conseguido a proeza). Experiente, este permitiu imediatamente que o espect-ator fizesse a sua demonstração. O homem pediu que os tambores rufassem, que o público aplaudisse, e a cada momento interrompia o seu gestus de homem forte e destemido para exigir uma outra coisa, dos atores ou da platéia. Por fim, deu um golpe de karatê com a mão no coco e saiu gemendo, fingindo ter-se machucado e demonstrando toda a sua fragilidade. Foi aplaudido por todos, é claro! Outra intervenção, não menos interessante e ainda com o Teatro Caretas, foi a de uma senhora loira, que mandava tiradas sarcásticas e bem-humoradas o tempo todo, desconcentrando o ator em cena e divertindo o público. Após várias tentativas frustradas de controlar a mulher, um dos atores foi até ela, pegou-a no colo e a levou para um carro cenográfico que fora colocado na roda, onde a colocou sentada, no alto. Disse-lhe: “- Pronto! Agora você fica aí sentadinha, tá?” E o espetáculo continuou. O público delirou, porque a esta altura do campeonato já estava torcendo por ela, que sinceramente não sei se estava bêbada, ou se apenas queria participar. Quando, um pouco mais tarde, foi retirada da cena pelos atores, boa parte do público protestou, inclusive nós! MEDEA trabalhou com a luz do fogo, mas o local era escuro demais. Mesmo assim, percebemos quando uma das atrizes tentou levar para dentro da cena uma senhora que estava na roda. Mas ela se recusou a participar, embora a jovem atriz tenha insistido. A sensação que o Grupo Teatro Meio Fio/RJ nos passou sobre a sua prática de rua foi a de um coletivo ainda principiante, que utilizou uma dramaturgia “fechada” que não ajudou em nada, para


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uma proposta teatral em espaço aberto. Não vimos RIO CHORA, CHORA RIO. Mas, assistimos A INCRÍVEL VIAGEM DA FAMÍLIA AÇO. (Eles também foram para baixo da tenda! Sempre o risco da chuva!) Este espetáculo era muito intimista e voltado para o público infantil. A interação público-platéia se dava, praticamente, apenas pela identificação das criancinhas com o palhaço Aço Júnior que, de vez em quando, buscava entabular alguma conversa (à parte) com eles. Dali fomos para a Praça do Porto, onde o teatro Kabana/MG nos surpreendeu com EH BOI! No início, as pessoas pareciam totalmente acomodadas – e passivas - nas cadeiras. Tinha teatro de bonecos, contação de história, títeres, música e matracas à disposição do público, que acompanhava tudo educadamente... até que, de repente, um boi gigantesco, de aproximadamente quatro metros de altura, irrompe em cena e desmonta totalmente a platéia, derrubando cadeiras, avançando para cima de crianças e adultos. Aí voou pipoca, algodão-doce, cerveja, picolés e bebês pra todo lado! Correu todo mundo, o espaço estético se transformou e ganhou toda a praça. Apareceu o “toureiro”, a “moçoila”, o “valentão”, para contracenarem com o imenso boi... todos estes, espectadores! Um cortejo foi formado e a cena se deslocou para a outra ponta da praça. E o público atrás, sempre incitando e fugindo. Pura brincadeira e jogo popular. Bakthin teria adorado!

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O Oigalê fechou o encontro com DEUS E O DIABO NA TERRA DE MISÉRIA. Os gaúchos também fizeram a sua apresentação embaixo da tenda, em arena. Numa crítica direta aos estereótipos do gaúcho, uma atriz “gaiteira” ditava as regras do jogo para o público, dizendo o que podia e o que não podia. “- Aqui palmas; aqui, não palmas”. Entrando no jogo, o público já começou a se divertir antes mesmo do espetáculo. Não houve nenhuma intervenção direta, mas os atores interagiram todo o tempo com todos, desde a música de abertura até “passar o chapéu”. ...a dramaturgia de rua... ... Uma das questões que mais nos interessou no Encontro de Angra foi a da dramaturgia. Na edição passada, o Dr. André Carreira (da UDESC) ministrou um curso sobre Direção no teatro de rua, que eu e a Jussara fizemos. Ali, discutimos a dramaturgia possível para o teatro de rua. O professor disse que, para ele, uma das características mais importantes de um texto específico para a rua seria a da “transparência”. Ou seja, a capacidade de permitir que outros textos passem por ele, dialoguem com ele, atravessem-no... e, principalmente, de dar espaço para as interferências espontâneas. Propus o termo “porosidade”, uma vez que nem tudo o que é transparente permite ser perpassado. Nessa ocasião comentamos os estudos da Drª. Iná Camargo, da USP, e a sua tese sobre o épico, como uma referência teórica bastante

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importante para a pesquisa, neste campo.

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Bem, constatamos agora, em 2008, que várias companhias trabalharam com a narrativa épica, contando histórias, ficções ou fatos históricos com adaptações para a sua região; outras, com textos dramáticos “fechados”, onde o diálogo prevaleceu. Em nossa percepção, aquelas que utilizaram a arte de narrar obtiveram com o público uma comunicação mais horizontal e mais direta, ao adotarem uma linguagem mais apropriada para espaços abertos, onde geralmente as pessoas estão mais longe, não escutam bem todas as palavras e intenções, há interrupções, chuva, dificuldade de visão, ruídos... As montagens de MEDEA e ARLEQUIM..., por exemplo, estavam mais baseadas no texto dramático; já as companhias com maior prática de rua, como Oigalê, Brava, Caretas, União e Olho Vivo (e talvez as outras que não vimos, mas que traziam no título uma história, como MANUELA E O BOTO, do Acre e O VAQUEIRO QUE NÃO SABIA MENTIR, de Angra), fizeram a opção por uma dramaturgia épica provavelmente porque, em sua experiência, sabem que esta permite um distanciamento crítico e a construção da opinião do ator sobre o que está sendo apresentado por ele mesmo. O ator-narrador aparece e faz a mediação entre o público e a obra, relaciona um ao outro, e ambos passam a ser cúmplices. Talvez seja este um dos princípios do teatro de rua: o “jogo”, a cumplicidade. O holandês Johan Huizinga, em sua obra Homo Ludens, nos ajuda a entender um pouco mais sobre o funcionamento do jogo no desenvolvimento humano. A opção pelo épico (Bertolt Brecht foi um dos encenadores que mais o utilizou) permite, ainda, o humor; a ironia; a crueldade; e, principalmente, a liberdade de criação e de improviso, tão importantes no teatro de rua. Existem algumas formas medievais, como os autos e as paixões, que ainda hoje são muito bem recebidas nos espaços abertos. Em depoimento, durante o lançamento de seu livro, o TUOV comentou quem após escolherem o tema para o próximo trabalho, dividem o grupo em equipes de música, texto, figurinos e dramaturgia. Esta última escolhe uma manifestação da cultura popular para o tema ser contado: futebol, carnaval, boi, etc. O artista de rua e o palhaço são livres para estabelecerem a sua dramaturgia, apoiada em suas performances, truques, números e empatia. O espetáculo A INCRÍVEL VIAGEM DA FAMÍLIA AÇO, da Cia Entreato/RJ, nos chamou a atenção, pois embora baseado numa estética circense, não desenvolvia com o público uma comunicação aberta, como propõe o circo. Tudo estava muito certo, bem acabado; figurinos e cenários primorosos; atores versáteis, cantando bem e tocando instrumentos musicais; optaram por falar de uma viagem fantástica pela cultura brasileira, numa adaptação direcionada especificamente para os pequetitos... sei lá, de zero a seis anos. Achamos que tiveram muita coragem e ousadia, apresentando-se num Encontro Nacional já “tradicional” como o de Angra dos Reis. Quando terminou o espetáculo, um dos integrantes veio me perguntar se eu (Licko) havia gostado.


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Fui sincero e disse: “Sim! Mas... vocês fazem teatro de rua?” Ele também foi honesto comigo: “Não. Fazemos teatro-escola e, às vezes, em shopping centers!” Isto era perceptível, pensei. Acrescentou ele que os atores do grupo tinham o desejo de se aprofundarem na linguagem do teatro de rua; queriam fazer oficinas com a gente, do Tá Na Rua. Combinamos, então, de nos encontrarmos futuramente... ...o manual e guia prático... ...Alguém, que tomava uma cerveja na mesa ao lado da nossa durante o jantar, falou de repente: “- Posso me meter?” Ele ouvira minha conversa com a Jussara e as nossas observações sobre os espetáculos-solo de palhaços, que havíamos assistido no dia anterior. “- Claro, claro!”, respondemos. Já puxando a cadeira, o ator Henrique (do Pequeno Teatro de Retalhos/RJ) fez o seguinte comentário. “- Olha, o que está acontecendo é que há dois anos atrás, no Festival Anjos do Picadeiro (realizado na Fundição Progresso/RJ), veio um italiano que deu uma oficina de palhaços e vendeu o Manual e Guia Prático do Palhaço de Rua... você percebeu? Todos os espetáculos têm a mesma seqüência! Mais ou menos assim: 1.Todos se vestem na frente do público; 2. Todos dizem que vão sair e entrar e devem ser aplaudidos; 3. A mãozinha deve ficar em baixo, fazendo assim, ó... para o público fazer OOOOOOOOOOOHHHHHHHHHHH! 4. Os números dos objetos em miniatura; 5. O número perigoso, e por aí vai...” Contava ele, quase indignado. O performer francês Cyrill Hernandez estava por perto e entrou na conversa: “Lá na França, agora, é o mesmo problema!” Como nós (Licko e Jussara) não somos pesquisadores dessa área, achamos interessante o rumo que a conversa estava tomando e passamos a ouvir atentamente sobre o assunto que eles estavam trazendo. Porque era mesmo uma novidade, para nós. Realmente faláramos sobre isto, principalmente porque dois dos espetáculos haviam sido apresentados no mesmo lugar, sucessivamente – o primeiro era do Rio, brasileiro. O outro, mexicano! E havíamos percebido neles muita coisa em comum. Perguntei: “- E o de Angra (O ESPETÁCULO NÃO PODE PARAR), que não vimos?” Henrique foi categórico: “– Mesma coisa!” E continuou: “Vocês viram o primeiro? (O SALTO), de manhã?” Infelizmente, havíamos chegado à cidade depois, e lamentamos. O ator, que havia apresentado CLAUFUSÃO no primeiro dia do Encontro, demonstrou assim a sua preocupação, pesquisador que é. Abrimos a programação do Encontro, e nos chamou a atenção o fato de que haviam sido apresentados no mesmo dia (sábado, 19) quatro espetáculos-solo de palhaço, das Cias Será o Benidito? Off-Sina, Circo Cuzcuz e Quintal do Circo. Houve, ainda, a performance de Carlos Biagiolli (Rocokóz) pelas ruas da cidade. E a mesa de bate-papo, além deste último, contou ainda com a presença de Luis Carlos Vasconcelos, o palhaço Chuchu, da Piolin. Para nós, não importa se foi coincidência ou intenção por parte da curadoria do Encontro; mas foi, sim,

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um curso intensivo sobre o tema! Corta!

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Ontem, dia 25 de abril, já de volta ao Rio, fomos assistir a uma palestra no Centro Cultural da Justiça Federal, com o diretor teatral Sidney Cruz, do Palco Giratório/SESC, e o Prof. Dr. André Carreira, da UDESC, sobre dramaturgia, numa promoção da Cia do Pequeno Gesto, do Tuninho Guedes. Encontramos com o João Artigos, integrante do Teatro de Anônimo, e que é também organizador do Festival Anjos do Picadeiro. Perguntei na lata: “- João, existe um MANUAL E GUIA PRÁTICO DO PALHAÇO DE RUA???” E ele respondeu, de chôfre: “- Sim, foi um argentino que veio aqui há dois anos atrás e deu um curso no Anjos do Picadeiro.” Agradeci a informação e fui caminhando pelo centro da cidade até os Arcos da Lapa... Uma coisa não me saía da cabeça. No ano de 2006 eu estivera no Encontro das Culturas Populares, Identidade e Diversidade, promovido pelo MinC em Brasília. Nessa ocasião, foi realizada uma reunião do teatro popular na hora do almoço, na tenda Espaço Livre. Fui até lá e encontrei vários diretores de teatro, do norte e nordeste do país. Ao fim da reunião, um deles pediu a atenção de todos e informou que estava vendendo - por apenas dez reais - o livro MANUAL BÁSICO PARA TEATRO DE RUA: TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS. Era Marcos Cristiano, da Bahia. Como pesquisador, comprei o livro... Acho que isto é uma boa discussão! ... os objetos cênicos e seu uso na rua... ...Dentre as engenhocas que o teatro de rua sempre utilizou como recurso técnico e estético, vimos nos espetáculos do Off-Sina e do Entreato estruturas que funcionavam como “rotunda” e “camarim” ao mesmo tempo. Escadas “multiuso” apareceram com o Oigalê e a Brava, que também usou uma plataforma de ferro reciclado com rodízios, dos quais se desprendiam pedaços de grade que serviam como escudos militares (adereços); era esta uma base firme para o seu equipamento de som, instrumentos musicais e microfones. As pernas-de-pau deram elevação e verticalidade (efeitos de gigantismo ao diabo e aos santos) aos atores do Oigalê, aparecendo também com o grupo Kabana, que brindou a todos com um gigantesco boi e uma fantástica engenhoca sonora (mistura de triciclo com uma vara de pescar movida a bateria) que lhes permitiu realizar um cortejo sonorizado. Além disso, havia o tapume para a manipulação do fantoche de boizinho que abriu o seu espetáculo. O Carrera Comlevsky montou um tablado medieval, um autêntico “tablado espanhol” móvel. Soubemos (mas não vimos) que o Grupo Experimental de Teatro Vivarte, (do Acre) trouxera uma cobra de dez metros que engoliu um homem e o Gabinete 3, de Brasília, aquários, dentro dos quais os atores trabalharam. O Teatro Meio-fio optou por tonéis de metal com fogo, que tinham a função de iluminação cênica e cenográfica, simultaneamente.


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O TUOV manteve a tradição dos praticáveis (cubos pretos), alegorias de mão e bandeiras coloridas. O cenário do Caretas ficou preso no aeroporto (que pena!) e tiveram que improvisar... ... a sede pública ... ... No café da manhã, Richard comentou conosco a importância de puxarmos uma reunião sobre a Rede Brasileira de Teatro de Rua. Ele tinha informes sobre a sua criação em Salvador, Santa Catarina e outros rincões. A nossa inconfidência cresce a olhos vistos: “A queda da bastilha está próxima!” “Libertas quae sera tamen!” “Viva Canudos, Viva Zapata!” “Hasta la vitória, siempre! Propus (Licko) que fizéssemos isto na pracinha em frente ao refeitório do Encontro, depois do almoço. A notícia correu mundo! À tarde, foi chegando um a um... a roda se abriu. Durante a reunião informal, percebemos que alguns coletivos de trabalho já adotaram a idéia da “sede pública” que o Tá Na Rua vem realizando há quatro anos no Largo da Carioca, no Centro do Rio de Janeiro. O Off-Sina ocupa regularmente o Largo do Machado no bairro de Laranjeiras, também no Rio; Fábio, da Brava, contou que sua Companhia havia realizado ensaios do espetáculo numa praça em São Paulo e que o público que os assistia colaborou em todos os momentos; lembrei que a Cia Pavanelli adotou a Praça Santa Cecília (Sampa) e a Cia de São Jorge de Variedades (também Sampa) trabalhou comigo e Amir Haddad na pracinha do bairro onde fica a sua sede. O pessoal da rede de Belo Horizonte se reúne na praça de Santa Teresa, uma terça-feira por mês.

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A idéia surgiu em 2004, quando a Casa do Tá Na Rua fechou para obras de restauração e o grupo precisava ensaiar, reunir, brigar, etc. Fomos para a praça em frente, no Largo da Lapa, e passamos a nos reunir ali, avisando ao público passante que aquilo era aula, oficina ao ar livre, espetáculo. E, que a partir daquela data, seria ali a nossa “sede pública”. Algum tempo depois, ampliamos nossas “instalações” para outros espaços, incluindo algumas ruas adjacentes e o Centro do Rio. Hoje, temos uma sede, que pertence ao Estado, transformamos as ruas próximas em “sala de aula” para treino dos cortejos, e um “salão” para as oficinas, no Largo da Carioca. Enfim, constituímos um grande “patrimônio”, onde funciona a Escola Carioca do Espetáculo Brasileiro! Este foi mais um aprendizado. Se fazemos teatro de rua, o melhor lugar para ensaiar é a própria rua! Além disso, é uma forma de interagir diretamente com a comunidade “em torno”, dá visibilidade ao trabalho e é um ótimo veículo de comunicação... ... a questão da mulher... ... Vários espetáculos do XIII Encontro trouxeram uma questão que merece ser discutida dentro do universo teatral. O que significa ser mulher no Teatro de Rua? Aventura? Destino?

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Vaidade? Sacrifício? Diversão? Antes, o que significa ser mulher que trabalha fora, na rua, num país que guarda ainda hoje o ranço de uma colonização judaico-católica, conservadora, onde o lugar da mulher é dentro de casa? Em sua maioria, a mulher brasileira continua restrita ao universo do privado; o do público é, ainda, o espaço social do homem - diria o antropólogo social Roberto DaMatta. E o que significa ser, além de simplesmente mulher, atriz de rua? Se, ser atriz já é uma coisa assim, digamos... “moderninha” para os machistas de plantão, imagine ser atriz no espaço pouco protegido da rua! Ela vê e ouve cada coisa que lhe dirigem... não é fácil esse enfrentamento, o que acaba muitas vezes trazendo para a mulher que atua na rua a justificada necessidade de se proteger, de alguma forma, dos possíveis ataques ideológicos de um público ainda não acostumado a dividir igualitariamente esse espaço. Uma defesa que pode se manifestar de muitas formas. Por isso, tentamos colocar essa importante questão como mais um ponto de partida para refletirmos sobre o teatro de rua, no Encontro de Angra dos Reis. E encontramos coisas muito interessantes!

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Observamos, por exemplo, no espetáculo A Brava (Brava Companhia – SP), uma brava protagonista que apresenta Joana D’arc, a jovem camponesa que irá liderar o exército francês contra os ingleses e, depois, traída pelo próprio rei que ajudou a coroar, morre como herege na fogueira da Santa Inquisição. O peso de um drama tão intenso e comovente pôde, entretanto, ser “quebrado” pela divertida atuação dos atores, cujo alinhavo dramatúrgico levou em conta elementos importantes para a rua – abertura para a improvisação, agilidade, comunicação com o público, musicalidade exuberante, uso criativo do espaço – uma verdadeira festa para a alma! O elenco masculino, totalmente à vontade, conseguia fazer da apresentação uma grande brincadeira, onde o divertimento não diminuiu absolutamente em nada a seriedade do tema e o rigor estético com que o mesmo estava sendo tratado ali. Mas tivemos um pouco de “pena” – se é que se poderia falar assim - da atriz, única mulher em cena, cujo papel não lhe permitia participar da diversão. De certo modo, coube-lhe o aspecto árduo e sofrido da história, de modo que, enquanto todos corriam de um lado a outro, tocavam instrumentos, cantavam ou praguejavam, etc, a atriz mantinha bravamente a sua postura de heroína. Fazendo uma analogia com o futebol, Licko comentou a respeito do goleiro que, ao contrário do restante do time que joga movendo-se em conjunto por todo o gramado, precisa permanecer sozinho naquele espaço restrito que lhe é dado, atento e na defensiva, não podendo permitir a si mesmo um só segundo de distração, sob a pena de afundar todo o resto da equipe! Resumindo, não pode brincar em jogo, assim como a protagonista de A Brava também não pôde brincar em cena. Também ficamos pensativos sobre a questão do herói/heroína que é punido pelos deuses por tentar mudar o seu destino (em que tragédia grega eu vi esse tema, mesmo?), arquétipo do ser humano que aspira ir


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além de sua condição. E como isto, ainda hoje, é válido para as mulheres que ousam ir para a rua fazer arte... Afinal, divertir-se na rua é para as “mulheres da vida”! Noutro momento, tive (Jussara) a oportunidade de conversar informalmente sobre isso com a atriz, Rafaela Carneiro. Trocamos impressões sobre a questão e acabei sugerindo a ela, como uma possibilidade de exercício teatral, descobrir/criar/explorar/dialogar/aprofundar e, principalmente, brincar com outros aspectos de Joana D’Arc. E talvez esse personagem revele mais coisas. Mas, quero deixar claro que não houve, aqui, nenhuma intenção (ou pretensão!) de propor ao grupo uma outra concepção para o personagem e o espetáculo que, repito, foram, para nós, arrebatadores. Observamos, em outros coletivos, as funções de direção/apresentação/narração serem exercidas por mulheres, como foi o caso de A FARSA DO PÃO E CIRCO (Grupo Teatro de Caretas – CE), de EH BOI! (Teatro Kabana – MG) e de DEUS E O DIABO NA TERRA DE MISÉRIA (Oigalê - Cooperativa de Artistas teatrais de Porto Alegre – RS). Bastante interessante foi o debate realizado no final deste último, durante o qual o grupo explicitou sua opinião quanto à imagem da mulher divulgada pelo Centro de Tradições Gaúchas – o CTG (instituição que se expandiu por todo o país e também no exterior) – mostrando que a postura política de um coletivo se dá não apenas por meio da mensagem direta, mas também pelos signos presentes na cena. Neste caso, tratava-se do uso de botas de cano alto (elemento fundamental da vestimenta do “gaúcho” típico) pela atriz-apresentadora, uma mulher. Uma inversão sutil que pode passar despercebida por muitos públicos, mas certamente não pelo conterrâneo mais conservador, para quem a “prenda” deve usar um calçado delicado, condizente com a condição – e passividade - feminina. Um espetáculo cativante, tecnicamente impecável e profundamente revelador, que dá vontade de assistir novamente!

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No Teatro de Caretas (CE), a diretora-atriz-apresentadora optou pela adoção de um figurino tradicionalmente masculino (casaca e cartola) e pela liderança explícita em cena, demonstrando também a posição do grupo a respeito do espaço a ser ocupado pela mulher neste meio artístico. No espetáculo A INCRÍVEL VIAGEM DA FAMÍLIA AÇO (Cia Entreato – RJ), vimos uma atriz atuar como protagonista, num papel masculino. Imediatamente, surgiu à nossa mente a pergunta: Por que não uma palhacinha em lugar do palhacinho? Existiu alguma exigência para o masculino? Ou foi uma condição dada como natural, por tratar-se de um personagem que “sai pelo mundo”, coisa culturalmente atribuída ao homem, mesmo criança? Pela voz feminina, aparentemente mais adequada para o papel de um menino? Se quisermos discutir profundamente a questão dos gêneros, temos que levar em conta a existência de uma ideologia, introjetada socialmente, segundo a qual a mulher – em sua condição de mulher - não pode assumir uma função central ou realizar façanhas fora do

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ambiente familiar e doméstico; para conseguir isso, ela tem que lançar mão da estratégia de travestimento, recurso tradicional das comédias de confusão de identidade, das farsas medievais, etc. Só que, aqui, essa troca não faz parte da trama; o espectador não participou desse processo; a questão permanece no terreno do realismo ilusionista e acaba se tornando paradoxal, uma vez que a mulher é visível, embaixo do figurino e da maquiagem! Mas, todos se referem a ela como “ele”. O público, em sua inteligência, percebe que há uma discrepância entre o dito e o mostrado, e que aquela situação foi colocada como “verdade”, não como “jogo”. Se assim fosse, seria um motivo a mais de riso e diversão. A mesma questão está presente também em A COMÉDIA DE ARLEQUIM E MIRANDOLINA (Carrera Gomlevsky – RJ). Mas, neste espetáculo, a situação é diferente, uma vez que a condição masculina do personagem protagonista está previamente dada pelo texto clássico. A Cia Entreato tinha a possibilidade de optar pelo gênero do personagem. Já no caso deste coletivo, trata-se de uma adequação, talvez sem alternativa, para um elenco predominantemente feminino. Ainda assim, permanece a questão da adoção de textos que não atendem às possibilidades concretas de um coletivo.

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O Teatro Kabana – MG trouxe, com EH BOI!, uma brincadeira de rua liderada por um gigantesco boi (títere) que, literalmente, roubou todo o espetáculo! Delicioso e surpreendente. Antes de chegar a essa apoteose, porém, houve toda uma ação cênica, e foi nessa parte introdutória em que encontramos um aspecto sobre o feminino que, penso, merece maior reflexão. Em dado momento, entra em cena uma mulher. De costas, dançando sensualmente para a platéia, aumentando assim o suspense sobre a sua presença, ela é apresentada pelos músicos como uma doce mocinha que a partir daí irá narrar a história. Rosinha (acho que era esse o nome do personagem, mas haja memória pra tanto detalhe...) vira-se, mostrando uma atriz vigorosa, plena e... mulher madura! Presença forte em cena, buscava uma comunicação direta com o público, convidado a interagir sob a sua batuta de maestrina. Mas alguma coisa permanecia estranha, eu sentia um desencontro entre a atriz e o personagem. Teria sido uma opção do grupo, jogar com o público o efeito desse contraste? Afinal, a cultura popular está repleta de brincadeiras onde se joga, distanciadamente, com esse tipo de dinâmica. Mas, ali, isso não ficou tão claro para mim. Numa constatação mais imediata e superficial sobre a questão do feminino, logo me veio à mente o problema que a mulher enfrenta acerca de uma certa “ditadura da juventude”, que traz como conseqüência a negação da própria idade à medida que esta avança. Quem já não passou pela brincadeirinha de esconde-esconde sobre o ano de nascimento, etc? Cheguei a comentar com um dos atores, ao cumprimentá-lo pelo belo espetáculo, sobre a possibilidade de se criar uma narradora matriarca, guardiã de um conhecimento milenar, arquétipo da sabedoria, uma espécie de griô mulher. Ainda penso que poderia ser esta uma experimentação teatral válida, para o Kabana.


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Mas, ainda assim, continuei a pensar no assunto, pois a mim mesma parecia que tudo isso trazia, ainda, outras questões menos óbvias. Lembrei de uma grande amiga, sanfoneira e atriz, que trabalha há muitos anos com contação de histórias e teatro-educação, e que construiu para si uma narradora assim, alegre e divertida, que a garotada adora. Por que uma narradora tem que ter, necessariamente, esse ar infantil? Arrisco, aqui, a hipótese de que talvez tenha se estabelecido, cultural e subjetivamente, uma espécie de relação natural entre o teatro de rua (que o imaginário popular associa imediatamente ao circo, por sua ancestralidade) e o teatro voltado especificamente para o público infantil. Dentro dessa lógica, a mulher-que-conta-uma-história é, necessariamente uma mulher muito jovem (a mãe com seus filhos pequenos, a tia na escola, etc). E o que acontece com essa mocinha, quando essas mesmas crianças crescem, tornam-se jovens e depois, adultas? Pergunto, então: qual é o espaço da mulher madura dentro do teatro de rua? E ainda: existe de fato esse espaço, ou será preciso criá-lo, para não ficarmos paralisados dentro dos estereótipos que a nossa sociedade (ocidental, industrial, masculina, etc) estabeleceu para a mulher? O grupo Teatro Meio Fio – RJ teve o mérito de levar para a rua, com MEDEA, um clássico com personagens femininos muito marcantes, demonstrando a garra e a coragem do coletivo que, além disso, ainda fez a sua apresentação debaixo de chuva. Entretanto, o tratamento dado à peça pela direção, que transportou uma dramaturgia trágica para outra, dramática, de certa forma diminuiu a grandiosidade desses personagens. A cena de Medea, chorando compulsivamente no chão, não lembrava de modo algum a mulher forte do mito de Eurípides, profundamente conhecedora de magia, capaz de enfrentar as maiores dificuldades num país estrangeiro! O figurino também não ajudou muito nessa construção da protagonista; infelizmente, o imaginário pop masculino está repleto de clichês que ligam o estilo utilizado (o corpete justo, preto, com a cintura à mostra e saia flutuante) a uma sensualidade que tende a atrair para si toda a atenção desse espectador. Nada contra a criação de uma Medea com um visual “Madonna”, que de certa maneira traria para a atualidade a questão da “ética da paixão feminina”, tão antiga quanto contemporânea, desde que tais signos não desviem o foco do tema (sobre o qual, afinal, o grupo pretende refletir, penso eu), mantendo na superfície uma questão tão presente na cultura ocidental desde a Grécia Antiga. Até que ponto uma mulher seduzida, traída e abandonada num lugar estranho, pode chegar? Trazer tal discussão para a rua pode ser, de fato, um maravilhoso exercício teatral e até mesmo de cidadania. Por isso, creio que vale a pena continuar a se descobrir Medea.

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Discreta, porém essencial, foi a participação de Lílian no espetáculo CAFÉ PEQUENO DA SILVA E PSIU (Grupo Off-Sina – RJ), com destaque para a função de sonoplasta. Atuar na área técnica, reduto tradicional masculino é, sem dúvida, um avanço

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da mulher no teatro de rua, e merece um espaço específico para a troca de conhecimentos nessa área, em eventos futuros. Para terminar, não poderia deixar de mencionar a atuação competente e generosa da Michelle, incansavelmente envolvida na complexa função de curadora do Encontro de Angra! Soube enfrentar e resolver os problemas logísticos que foram naturalmente surgindo, usando para isto uma grande força, oculta em aparência tão delicada – atributo feminino por excelência – e deixando à mostra seu amor e dedicação ao teatro e, particularmente, ao de rua. Todos, da Rede, lhe devemos muito! Enfim, a questão da mulher no teatro de rua está em aberto e merece de seus praticantes e estudiosos as mais cuidadosas reflexões, ainda que se corra o risco de trazer, nesta empreitada, velhos clichês feministas. Mas, creio que é melhor errar por excesso do que por falta, pois questões não resolvidas nesta área também podem tornar-se motivo de conflito – e até rompimento – dentro dos grupos. ... quando começa e quando termina...

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... um encontro de teatro de rua? Fizemos esta e outras perguntas para nós mesmos, enquanto fazíamos “as curvas da estrada de Santos” (aquela do Roberto Carlos em Ritmo de Aventura) que nos levaria para o Rio de Janeiro... Um encontro, um festival, funciona como uma “escola temporária” para atores, produtores e professores de teatro? - Esquecemos alguma coisa no Hotel? Agrega valores como turismo, educação artística, cidadania, geração de renda, dá votos, etc.? Aquele funk até que não foi tão ruim! Produz saber e conhecimento? Coloca o CD do Oigalê prá gente ouvir... Prá mim, o melhor do festival era o bate-papo na beira da piscina... Quantas pessoas trabalharam nele? A comida tava boa, né? Caseira! Quantas pessoas o assistiram? Legal a tal borracharia, hein? Deve ter sido caro, mas aqui a prefeitura apóia! Temos que pagar o nosso aluguel, venceu ontem! Teve lançamento de livro e debate!... Há quanto tempo eu não jogava pingue-pongue! CONCLUSÃO: (nossa, é óbvio!) O Encontro Nacional de Teatro de Rua de Angra é uma espécie de instituição que não começa, nem termina. Simplesmente, existe! É um patrimônio imaterial da cultura brasileira, um centro de referência e de pesquisa para o teatro de rua no Brasil. Por lá, já passaram verdadeiras escolas de teatro como o Galpão, Imbuaça, Oi Nóis, Vento Forte, TUOV, Tá Na Rua, Brava, Oigalê, Kabana, Alegria, Alegria, Fora do Sério, Falus & Stercos e tantas outras dezenas de grupos que, se somássemos os seus anos de trabalho continuado, teríamos séculos e mais séculos de cátedra teatral. Cada um com a sua


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pedagogia, técnicas, procedimentos. Sabemos que, dia menos dia, a memória deste encontro será resgatada em documentos, vídeos, fotos, imprensa, depoimentos e etc. Isto tudo, reunido, foi, para nós (eu e Ju), uma verdadeira universidade. Encontramos a “escola de teatro de rua” onde se produz saber e conhecimento, onde se troca tecnologias sociais e técnicas artísticas, onde se escrevem teses e dissertações e, a prática ilumina a teoria. Obrigado ao Sr. Magnífico Reitor Mário dos Anjos e à Srª Diretora Michelle Cabral. Nós voltaremos... renasceremos das cinzas... das profundezas do Inferno... de Marte... Nossa vingança será maligna... o Império contra-ataca... glub..., glub..., glub..., I’ll be back... ...no ano que vem! *************** DANGER! Esta mensagem se auto-destruirá em 5 segundos!

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Mem贸ria T谩 Na Rua: Pequeno Roteiro Hist贸rico, acervo T谩 Na Rua


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A pré-história. Out. 73 – Da insatisfação com a prática teatral vigente, surge a idéia de juntar alguns atores, que já houvessem trabalhado com o diretor Amir Haddad, para montar um espetáculo que resultasse de um trabalho coletivo. Out. 73 a Mai. 74 – Desenvolvimento dos ensaios. Decide-se por uma produção cooperativa. Jun. 74 – Estréia o espetáculo “SOMMA” ou “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, que busca dar experiência teatral ao grupo. Desenvolvido em cima de diversas cenas e diversos autores, o trabalho acontecia de forma diferente a cada noite, resultando sempre do contato com o publico e da capacidade de improvisação e da liberdade dos atores. Devido a esta estrutura aberta, a censura corta a carreira do espetáculo vinte e cinco dias após sua primeira apresentação. Há um período de hesitação.

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Dez. 74 – Chocados com a violência da interdição, alguns elementos do espetáculo censurado sentem a necessidade de continuar trabalhando juntos. Começam a ensaiar uma peça, “Yoa boca boa” de Amir Amorim. Jan. 75 – O trabalho é reformulado. A peça é abandonada por não corresponder aos questionamentos do trabalho naquele momento. O grupo sofre transformações, com a saída de elementos mais especificamente interessados na montagem do texto, e com a entrada de outros.

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Mar. 75 a dez. 76 – O grupo, que não tinha onde ensaiar, consegue um novo local mais permanente: uma sala do DCE da UFF (Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Fluminense), em Niterói, cedida gratuitamente pelos estudantes que tentam reestruturar suas entidades, estimulados pela perspectiva de um possível abrandamento do regime militar. O grupo tem pela primeira vez uma base real para a consolidação de seu trabalho. Naturalmente passa a se chamar “Grupo Niterói”, Está se encerrando a fase chamada pré- história do trabalho. Dez. 76. - Com mais tempo e mais vagar, pesquisa-se outros textos brasileiros que poderiam discutir com maior clareza a realidade político-social do país: mais de quarenta (40) textos são selecionados. Decide-se por aprofundar o estudo de alguns textos entre os inúmeros pesquisados. É a fase “MADE IN BRASIL”, surge a idéia de montar um espetáculo com este nome, usando este material. De quarentena textos escritos no Brasil em diferentes épocas, quatro são selecionados: “O MICTÓRIO”, de Alcir Ribeiro, “MARILDA, A OPRIMIDA” de Luiz Carlos Góes, “O MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA” de Roberto Athaide e “MORRER PELA PATRIA” de Carlos Cavaco. O primeiro foi escrito em 1964, o segundo em 1972, o terceiro em 1968 e o ultimo em 1936. Desses quatro, os três primeiros refletem a perplexidade e o desanimo com a falta de alternativas políticas que haviam assaltado a nova geração de autores brasileiros após o fechamento do regime em 1964 e com a promulgação do AI-5 em 1968. O ultimo deles, escrito em 1936, reflete, com limpidez de propósitos, uma proposta autoritária de governo, justificada na necessidade de preservar e defender os valores ideológicos tão caros a classe dominante do país desde sempre: “Deus, Pátria e, Família”. 75/76 – “MORRER PELA PATRIA”, de Carlos Cavaco, pela clareza cristalina com que o autor expõe e defende suas déias, e por se achar que todas as situações descritas nos outros três textos eram decorrentes das colocações ideológicas feitas nela, é a peça escolhida como


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material básico de investigação. O grupo conscientiza-se da necessidade de resistir à descaracterização cultural imposta pela ideologia autoritária do modelo político brasileiro: torna-se essencial entender a fundo a base ideológica e cultural de sustentação do regime e desenvolver uma linguagem teatral capaz de discuti-la. O grupo inicia a sua historia. A perspectiva do trabalho deixa de ser o estudo de um texto com vistas a montagem de um espetáculo, projeto “MADE IN BRASIL”, e passa a ser uma pesquisa ampla, pois abrange agora vários aspectos necessários ao desenvolvimento de uma linguagem capaz de revelar, de maneira critica, a ideologia autoritária contida no texto. Os principais aspectos definidos, à época, foram os seguintes:

a. formação do grupo:

b. formação de um ator capaz de apresentar com opinião, de maneira critica, o conteúdo de um texto;

c. estudo do texto, relação entre forma e conteúdo;

d. conseqüente realização do espetáculo com o desenvolvimento de uma forma de produção que não interferisse no processo de pesquisa que vinha se desenvolvendo.

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Os obstáculos a serem superados a partir desta nova postura são muito grandes, dada a dificuldade em se desenvolver uma pesquisa de linguagem teatral com objetivos tão abrangentes em um pais sem nenhuma tradição de apoio a esse tipo de estudo. A consciência destas dificuldades faz com que o nome do projeto passe a ser “CALMA QUE O BRASIL É NOSSO”, alerta para que o grupo não se desfaça nem se impaciente. Uma nova fase se inicia. Fev. 77 – O grupo inicia uma pesquisa de textos para o SNT - Serviço Nacional de Teatro com a finalidade de conseguir algum dinheiro para a manutenção de suas atividades e remunerações de seus elementos.

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Mar. 77 – O grupo participa, pela primeira vez, juntamente com AMIR HADDAD, de um curso para grupos de teatro em Volta Redonda. Maio 77 a Jun. 77 – Torna-se imprescindível a saída para fora. Começam os ensaios abertos, onde o grupo busca abrir a discussão sobre seu trabalho, no contato com o publico. São realizados três ensaios abertos em locais de concentração de população pertencentes às classes medias: Faculdade de Arquitetura da UFF, Cine Clube de Santa Tereza e Aliança Francesa de Copacabana, todos no Rio de Janeiro. Primeiros choques e surpresas.

Jul. 77 – Estadia em nova Friburgo por quinze dias, ensaiando em tempo integral (pela primeira vez na vida do grupo), como preparação para o Festival de Inverno, em Belo Horizonte.

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Participação na programação oficial do Festival de Inverno organizado pela Universidade Federal de Minas Gerais. São realizados quatro ensaios abertos para diversos tipos de público: CONTAGEM, cidade industrial, para um publico eminentemente operário; OURO PRETO, cidade turística e artística e publico idem; BELO HORIZONTE, capital do Estado, para estudantes e artistas. O trabalho de Contagem proporcionou ao grupo sua primeira oportunidade de contato com uma platéia mais popular, revelando aspectos até então obscuros sobre a natureza do trabalho, e sua vocação popular: nova e importante fase se inicia. Set. 77 – O grupo participa de um seminário sobre integralismo, ideologia que é o pano de fundo do texto “MORRER PELA PÁTRIA”, base das pesquisas que vínhamos realizando. Out.77 – mais dois ensaios abertos são realizados no Centro Unificado Profissional do Rio de Janeiro (CUP), para alunos e professores. Esses ensaios foram de grande importância para o trabalho, pois, além da prática, deram ao grupo a possibilidade de uma discussão e definição mais ampla da linguagem que se buscava –


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UMA LINGUAGEM QUE APRESENTE A REALIDADE, AO INVÉS DE SIMPLESMENTE REPRESENTÁ-LA; UMA LINGUAGEM QUE SE APROXIMA DE NOSSAS RAÍZES MAIS POPULARES E, POR ISSO MESMO, MAIS SIMPLES, MAIS DIRETA.

A partir desse momento a linguagem começa a ficar mais clara, mais definida. Começa a aflorar a expressão teatral do grupo.

Nov. 77 – o grupo sofre alterações em sua composição, com a saída de elementos e entrada de outros. Jan. 78 – O grupo recebe convite da Secretaria de Turismo e Cultura da cidade de Ouro Preto, MG para voltar à cidade e realizar um trabalho de implantação de um núcleo de atividades teatrais ali. Jul. 78 – O Grupo vai a Ouro Preto, alí permanecendo 40 dias, quando desenvolve o estudo da peça “AS CONFRARIAS” de Jorge Andrade, que discute a realidade político-social da cidade e de seus habitantes, a convite da Secretaria de Turismo e Cultural. É a primeira vez que o grupo consegue viver e conviver durante um período tão longo mantendo-se integralmente de sua atividade: teatro. A partir do estudo da peça e do processo de trabalho desenvolvido resulta a formação de um grupo loção, o “PALCO E RUA”, que resolve montar como seu primeiro trabalho o texto estudado, “AS CONFRARIAS”, e que mantém, a partir de então, uma atividade constante na comunidade, desenvolvendo um trabalho de características próprias.

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Set. 78 - O Grupo começa a trabalhar no “Relatório de ouro Preto”, fazendo o relato e o registro dos acontecimentos relacionados ao trabalho feito naquela cidade. Nov.78 - Conclusão do “relatório de Ouro Preto”. Jan.79 - O Grupo passa a ocupar por um período de três meses, estendido depois até o final do ano, uma das salas destinadas à pesquisa da oficina de teatro experimental Cacilda Becker, através de concorrência aberta pelo SNT (Serviço Nacional de Teatro).

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O trabalho cresce bastante com as novas condições proporcionadas à pesquisa. Além do trabalho, participa-se, durante este período, de discussões semanais sobre um modo alternativo de administração para o teatro Cacilda Becker, juntamente com outros grupo s de teatro independente. Os ensaios abertos se intensificam, incorporando - se ao processo de levantamento do espetáculo: são realizados todas as sexta-feira. Começa-se a fazer um registro mais sistemático do processo de trabalho desenvolvido pelo grupo. A história... Jan 80 - Depois de uma leve volta à pequena sala do DCE da UFF, o grupo passa a trabalhar numa sala mais ampla cedidas pelos os estudantes da casa do Estudante Universitários (CEU). O trabalho cresce a tal ponto que o Grupo pensa em iniciar suas apresentações de “Morrer pela Pátria”, ainda no primeiro semestre deste ano.

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Fev 80 - A perspectiva de apresentar o trabalho acirra as contradições internas, criando um impasse que provoca uma ruptura do grupo. Quatro elementos (ultima resistência à opção popular) saem e outros quatro permanecem, discutindo como o trabalho pode ser reformulado, fazendo leituras, e procurando dar continuidade ao processo. Mar. 80 – Os remanescente do núcleo de Niterói participam, no teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro, de uma atividade que busca consolidar, na prática os resultados do processo de discussão do ano de 1979, a “Semana do Teatro Alternativo” juntamente com o outro grupo que, também sob a orientação de Amir Haddad, já vinha realizando atividades de rua, o grupo “Ta na Rua”. A partir desse encontro, os grupos resolvem se juntar, somandose o cabedal teórico do grupo de Niterói e a prática de rua do outro grupo, frente avançada de pesquisa de linguagem que estava se desenvolvendo. Dessa junção, surge o atual “ Ta na Rua”, cujos objetivos são: aprofundar a pesquisa de uma linguagem de teatro mais popular; expandir sua ação efetiva, atuando de maneira mais direta e critica ,no tecido vivo da cidade e no panorama teatral do país. Decide-se por dois campos de ação: a) apresentações na rua e; b) em espaço fechado. Abr./Mai 80 – Inicia-se o trabalho com cenas isoladas e peças curtas de vários autores nacionais e estrangeiros, para treinamento e adestramento dos atores. É feita uma primeira apresentação de rua em Santa Tereza. Um novo grupo começa a


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tomar cor. Participação na I Mostra de Teatro Popular do C.A.C, em Juiz de Fora (MG). Faz-se duas apresentações de rua: 1) em um calçadão de compras e 2) durante uma feira livre e uma oficina sobre o processo de trabalho e desenvolvimento do grupo. Jul. 80 – Viagem à Brasília para curso e apresentações do grupo. No Teatro Garagem, apresentam-se as Jornadas Teatrais – “O Teatro Aberto em Sala Fechada”, oficinas de teatro realizadas em conjunto por público e atores e que utilizava os vários textos trabalhados pelo grupo. Pela característica comum desses textos que, de alguma forma, discutiam a educação como instrumento de transmissão dos valores ideológico das classes dominantes, a oficina é chamada “o instituto da educação”. – na rua faz-se apresentações no Plano Piloto (03) em duas cidades satélites (Guará e Ceilândia). Ago. 80 – Primeira ajuda oficial recebida pelo grupo: a Fundação Rio, órgão cultural do município, compra seis espetáculos de rua: 1) Largo do Machado; 2) Quinta da Boa Vista; 3) Feira de São Cristóvão; 4) Praça XV; 5) Calçadão de Madureira; e, 6) Jardim do Méier. Essa ajuda possibilita ao grupo aprofundar seu trabalho de rua.

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Participação no I Encontro de Teatro de Rua, em Parati, no estado do Rio de Janeiro. São feitas duas apresentações: uma caminhada teatral pelas ruas da cidade e em praças, além de debates e contatos com o trabalho dos demais grupos participantes. Set. 80 – Resultado da participação no I Encontro de Teatro de Rua, viaja para Angra dos Reis para participar de um seminário sobre teatro de rua promovido pelo grupo teatral Revolucena, que também havia participado do encontro em Parati. O Seminário realiza-se nas ruínas históricas do mosteiro da cidade e é desenvolvido juntamente com o grupo local. Out. 80 – Com as apresentações patrocinadas pela Fundação Rio, do contato do grupo com associações de bairro, movimentos de emancipação e grupos de teatro independentes, o trabalho do TNR cresce com rapidez. Começa-se a desenvolver uma dramaturgia própria para a rua, aberta à participação do público. Investiga-se o tipo de material a ser levado para as praças: roupas, objetos, máscaras, bandeiras. Revela-se a importância da música, o poder de congregação do tambor. Percebese a influência do tipo de local – área de lazer, de passagem, de compras, etc. – na

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preparação e realização do espetáculo. O grupo começa a se consolidar. Continua o trabalho de Teatro Aberto em sala fechada, com o do “Instituto da educação”. É preparado um projeto de financiamento que busca aprofundar e ampliar o nosso contato com a Fundação Rio. O projeto propõe o financiamento de três frentes de trabalho então desenvolvidas pelo grupo e resultantes do processo de diversificação de sua pesquisa básica por uma linguagem teatral, divertidamente critica, popular: a) espetáculos na rua; b) documentação, agora com registro escrito e iconográfico (fotos, s-8); e, c) oficinas, incluído além de “o instituto da educação”, o estudo da dramaturgia de autor, o levantamento e montagem de um texto completo.

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Jan. 81 – Com a aprovação apenas parcial do projeto (2/3) pela Fundação Rio, o grupo revê seus planos e decide tentar viabilizar todas suas frentes de trabalho, apesar do corte de recursos. A organização e o planejamento procuram responder às necessidades reais de crescimento do trabalho, sem permitir que a dependência em relação a “FEV. 81” qualquer tipo de apoio institucional venha prejudicar um processo que sempre se caracterizou por uma independência e pela busca de meios alternativos de subsistência. Retorna-se imediatamente a prática, com apresentações de rua e o das oficinas de teatro aberto em sala fechada, em nossa sala na céu as segundas feiras. Mar 81 – Firma-se Convênio com a Fundação Rio para o período de março a dezembro de 1981. Este convênio proporcionou ao grupo sua primeira e importante ajuda financeira, após quase sete anos de trabalho. Porém, como forma de distribuir os recursos a serem aplicados, no projeto aprovado, a Fundação RIO decide estabelecer uma forma de contrato que vem restringir ainda mais a plenitude do projeto inicial: São firmados contratos de trabalho autônomos com cada membro do grupo, para 20 (vinte) apresentações de rua e 20 (vinte) oficinas de Teatro Aberto em Sala Fechada distribuídas pelo período do convênio. Este tipo de relação impede a tão desejada administração do dinheiro pelo próprio grupo, de acordo com suas necessidades de crescimento e desenvolvimento, o que vem a prejudicar a expansão do trabalho. Viagem à Friburgo para a apresentação de rua, à convite do SESC local. Primeira ida ao Nordeste. O grupo participa como convidado especial da IV Semana de Teatro Universitário, em João Pessoa – Paraíba, promovida pela Universidade Federal da


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Paraíba, que contava com a participação de diversos grupos de outros estados da região. Realiza-se espetáculo de rua, cursos e oficinas (2). Em Recife, à convite da prefeitura, pela primeira vez, Amir e o grupo realizam conjuntamente um curso para o grupo de teatro de comunidade faveladas da cidade. Realiza-se também um trabalho de rua juntamente com as pessoas que participam do curso,em uma praça da periferia da cidade. O contato com os grupos do nordeste e com o povo nordestino revelam novas facetas e perspectiva de trabalho Ago. 81 – Participação como um dos representantes brasileiros no III Festival Internacional de Teatro, em São Paulo (capital). Realizam-se palestras, oficinas e duas apresentações de rua na Praça da Sé, coração da cidade. Uma visão do que acontece nos palcos e ruas de diversos paises deste e outros continentes revela novas metas e consolida ganhos importantes conquistados nos vários anos de trabalho e pesquisa. O grupo amadurece tanto nas suas relações internas como a nível da consciência coletiva que se tem sobre o resultado de seus esforços no desenvolvimento de uma linguagem popular, que pode e consegue se expressar em varias línguas.

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- inícios dos ensaios do” Espelho da Carne”, de Vicente Perereira. Set. 81- O grupo participa da II Mostra de Teatro Popular do CAC, em Juiz de Fora, MG. Amir e o grupo realizam um curso para jovens atores da cidade, aprofundando-se a discussão e transmissão de saber iniciadas no ano anterior. Out. a Dez. 81 – Primeira Faculdade Rural visitada pelo grupo: apresentação de rua, na cidade de Secretária, interior do Estado do Rio de Janeiro. - Têm inicio as avaliações sobre o processo de desenvolvimento do trabalho em 1981. No trabalho de rua, a decisão por apresentações em regiões da periferia geográfica e política da cidade, em bairros pobres e comunidades carentes das mínimas condições de vida e habitação, faz com que o grupo e seu trabalho amadureçam política e ideologicamente. Possibilitando com seus jogos e brincadeiras a expressão e a manifestação de desejos e anseios reprimidos, abrindo um espaço lúcido e consciente onde a camisa de força da ideologia dominante é substituída por roupas e panos coloridos; e, seus princípios e valores discutidos a luz das

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inteligência e com sentimento da liberdade que afloram através da alegria e da discussão vividas no calor da brincadeira do teatro. O grupo passa a atuar, efetivamente, no tecido vivo da sociedade, em contato direto com a população, encontrando seu “ pueblo”: a utopia redescobrindo a linguagem de sua representação. Após a realização de cerca de 50 oficinas, o grupo começa a conscientizar a força de seu trabalho coletivo. No processo de transmissão do saber, descobre-se a importância política da libertação da expressão e a consciência de que todo ser humano, independentemente de seu oficio, é capaz de desenvolver totalmente seu potencial de criatividade, conquistando o prazer, encontrando a felicidade.

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No trabalho com texto, iniciados os ensaios do “Espelho da carne”, reencontra-se a investigação da dramaturgia de autor como alicerce do embasamento ideológico e político do grupo. O aprofundamento da realidade político-social vivida pelas personagens da peça de Vicente Pereira remete o trabalho ao encontro de suas origens: decide-se retornar ao processo de levantamento e montagem de “Morrer pela Pátria”. Acredita-se que, a montagem conjunta de ambos os textos revele de maneira bastante clara todo o processo de gestação e afirmação da ideologia autoritária do regime vigente, sem prejuízo do trabalho de rua. A análise, organização da documentação e registro do trabalho realizado ate então, com vistas a publicação dos primeiros resultados da pesquisa, juntamente com a perspectiva de melhoria das condições de documentação e registro em 1982, passa a ser fundamental para o aprofundamento da investigação e divulgação do trabalho. Elaboração do plano de atividade e projeto para 1982. Jan. 82 – Retorno das atividades. Expectativas em ralação aos projetos. Aguarda-se que os Institutos de auxilio à pesquisa retomem suas atividades após os feriados prolongados de fimde-ano, para a apresentação dos projetos. Discute-se a conclusão precipitada do processo de trabalho em dezembro, antes do início das férias; a viagem para parte do grupo para um curso em Teresina, capital do estado nordestino do Piauí, faz com que o grupo tenha de encerrar os seus encontros de avaliação abruptamente. São entregues projetos para continuidade do trabalho do teatro de rua, documentação das diversas frentes, e instalação de um centro cultural que reúna todas as atividades do grupo. Fev. 82 – O grupo dá continuidade aos seus trabalhos de oficina e começa a discutir a maneira de participar do carnaval, a grande manifestação popular do povo brasileiro. Discute-se a apropriação desse espaço lúdico de critica popular de uma industria de


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turismo imediatista e selvagem, voltada para o estimulo de imagens preconceituosas e estereotipadas da alegria e sensualidade do, brasileiro. O grupo decide trabalhar na preparação de um bloco de carnaval formado com os participantes mais assíduos das oficinas e busca resgatar o alegre espírito carnavalesco que se mantém vivo nas marchinhas de carnaval cantadas na primeira metade do século: músicas que comentam com suas letras jocosas e bem humoradas os objetivos e esperança do povo brasileiro. O bloco sai duas vezes na avenida, participando animadamente da folia. Com essa participação, o grupo procura interferir de modo mais conseqüente na realidade que o cerca. Um grupo de rua não poderia deixar passar desapercebido a grande manifestação popular de teatro de rua que é o carnaval carioca. Mar. a Mai. 82 – Na ressaca do reinado de momo, monarca da folia, o grupo amarga suas contradições. O encerramento precipitado do processo de trabalho em 1981, levou a um super-dimensionamento dos projetos e seus orçamentos, que ficam dissociados da realidade econômica e política das instituições culturais brasileiras, mais interessadas em comprar produtos acabados do que em estimular processos criativos e contribuir para a expansão de trabalhos questionadores. A falta de recurso acirra as contradições individuais e de grupo.

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- Uma pessoa desliga-se do processo de trabalho, porque leva o grupo a aprofundar ainda mais sua opção popular e sua consciência coletiva em relação ao comprometimento ideológico e político que está assumindo frente a realidade da produção cultural do país. - Incapaz de expandir, o grupo volta a sua energia para o questionamento de suas relações internas, desmantelando, ainda mais profundamente, suas estruturas de controle e poder que continuam a manter algum resquício da disciplina autoritária – filha da hierarquia – tão cara ao nossos governos, militares ou não. Impossibilitados de crescer, decidimosa nos multiplicar. - Torna-se vital a criação – com ou sem recurso – da infra-estrutura de um centro de cultura alternativa que reúna todas as nossas atividades. Indica-se a formação de um verdadeiro instituto cujo o principal objetivo, o mais abrangente, é o desenvolvimento harmônico do ser humano e de seu teatro. Procura-se intensificar e diversificar as diversas frentes de trabalho e pesquisa.

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- as oficinas são reestruturadas buscando-se maior realidade econômica e capacidade de transmissão de conhecimento. O compromisso dos participantes mais assíduos é questionado no sentido de uma participação mais regular que venha a favorecer o aprofundamento do trabalho e da transmissão de conhecimento. Somos agora cerca de cinqüenta pessoas trabalhando nas oficinas. Com os participantes mais interessados são formadas duas turmas de treinamento de ator, no total de dezesseis pessoas que desejam estabelecer um contato mais direto com a linguagem que vem sendo desenvolvida pelo grupo. O teatro de rua começa a ser trabalhado no sentido da descentralização, buscando-se distribuir com a maior igualdade a responsabilidade pela criação da gira de rua – nome tomado a umbanda, e que ajuda a definir a relação de desenvolvimento que se estabelece entre ator e personagem, tornando mais coletiva a participação dos atores no espaço da roda. Uma nova atividade em espaço fechado é apresentada pela ,primeira vez em Volta Redonda, cidade operaria do Estado do Rio de Janeiro. Chama-se “entra tudo: variedades Ta na Rua”, que reúne nossas experiências em espaços fechados e abertos.

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- São identificados os trabalhos com um texto de autor nacional, “Espelho da Carne”, de Vicente Pereira, visando sua montagem e apresentação. Parte do grupo prepara um musical, “Sentimentos Modernos”, a ser estreado no inicio de agosto. Essas duas atividades pretendem ocupar de maneira nova os espaços tradicionais do teatro burguês. O grupo começa a ter mais consciência do caldo cultural em que pretende germinar, e com sua linguagem mais conquistada, passa a agir de modo mais abrangente no panorama cultural do país. Jun. 82 – Apresentações de rua em comunidades, a convite de associações de moradores, leva o grupo a experimentar a sua linguagem a partir de assuntos específicos, o que aumenta a preocupação com o poético em contraposição com o didático. O grupo aprofunda-se no estudo da historia do homem e de seu teatro. - Finalmente, é aprovado um projeto para a apresentação de dois trabalhos de teatro de rua mensais, durante o segundo semestre do ano. Antes da assinatura do contrato, o grupo é surpreendido por um corte em metade da verba a ele destinada e da qual já havia sido retirado dinheiro do “departamento financeiro” do grupo para a documentação dos trabalhos. - O grupo inicia as apresentações programadas e prepara um novo “entra tudo”, em sua sede visando arrecadar os recursos mínimos necessários à viagem de seu orientador o diretor Amir


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Haddad, para um encontro de teatro latino-americano, em Nova Iorque. - O grupo consegue arrecadar o suficiente e Amir viaja a Nova Iorque. Ago. 82 – Com a viagem de Amir, inicia-se um longo período em que o grupo passa a assumir por inteiro a condução do processo de trabalho. - Nesse momento, parte do grupo esta em fase de conclusão de um espetáculo musical – “Sentimentos Modernos” – realizado pelo grupo Popará, formado por quatro pessoas do Ta na Rua e outros músicos atores não pertencentes ao grupo. - Tem continuidade os ensaios de “O espelho ...” ; as atividades de rua e as oficinas. - Na ausência de Amir, as contradições aparecem e revelam o nível de compromisso das pessoas com o trabalho. Com grande parte do grupo voltada para o trabalho do grupo Popará, existe uma diluição do nosso processo de trabalho, o que vem a gerar longas e explosivas discussões.

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- Faz-se uma rua no aterro, talvez a primeira sem a presença de Amir. Forma-se uma roda compacta e quente, mas o grupo, minado pelas suas dificuldades de relacionamento interpessoal, tem problemas em mantê-la e levar até o fim o trabalho iniciado. - Momentos difíceis para o grupo. Buscando cumprir seus compromissos, manter o funcionamento de uma estrutura, ainda muito ligada a presença do seu orientador e vivendo um período de intenso questionamento de suas relações, objetivos e realidades, agravado pelas dificuldades econômicas. Penoso aprendizado, beirando a desestruturação. Set. 82 – Retorno de Amir. Bons papos e ótimas noticias. Em Nova Iorque Amir prepara para a Unesco, um projeto para o financiamento e expansão de novas atividades (nosso trabalho desperta grande interesse em círculos brasileiros de Nova Iorque). - Tem inicio ao projeto da FUNARTE – um projeto visando a integração escola-comunidade – do qual o grupo participa juntamente com o grupo de educadores. Visitará as escolas e

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participará das reuniões. - Prepara-se a leitura de “Anônima”, peca de Wilson Sayão a ser lida dentro do programa de leituras de peças premiadas promovida pelo Instituto Nacional de Arte Cênicas (INACEN). - O grupo trabalha a maior parte do tempo sem o Amir, que dirige o show do cantor Ney Matogrosso, e com a atriz convidada Dulce Macaratte, antiga companheira e admiradora do nosso trabalho. - O grupo continua a fazer ruas e oficinas sem Amir; dando continuidade ao movimento de conquista de sua própria autoridade e maturidade.

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Out. 82 – A “Anônima” é apresentada. O resultado é bastante bom. A opção por uma leitura “quente”, que buscasse levantar ao máximo as cenas, evitando-se o recurso a inflexões para revelar o rico fluxo de sentimentos e a densa carga emocional das personagens, causa polêmica mas resulta num saldo altamente positivo, conforme fica demonstrado no debate que se segue à peça. O grupo coloca a sua linguagem, a sua maneira de trabalhar em texto... - Estimulados com o sucesso da leitura da “Anônima”, o grupo resolve organizar um ciclo de leitura e debate de peças para o final do ano (dezembro). - O projeto FUNARTE vai se desenvolvendo com visitas às comunidades e reuniões com os professores da escola. - As ruas continuam a ser feitas sem Amir, com grande crescimento e amadurecimento do grupo. As mulheres levam a gira pela primeira vez à uma manifestação política no consulado da Argentina. - Estréia o show de Ney Matogrosso. - inicia-se as avaliações sobre o trabalho em 1982: o grupo, o instituto, as oficinas... Preparação de um projeto para o carnaval a ser apresentado à RIOARTE. Nov. 82 – o grupo faz uma apresentação em Nova Iguaçu (Santa Eugenia) dentro do projeto


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Funarte. - Amir é operado. As ruas e oficinas são feitas, nesse período, algumas vezes com o Amir e outras, sem. Não há uma critério rígido, procura-se descobrir o que é o melhor para o momento de desenvolvimento do trabalho. Num processo de consolidação do Instituto, as oficinas passam a ser feitas, periodicamente, sem o Amir e o grupo, apenas pelo pessoal das turmas e outros interessados. - O ciclo de leitura pensado pelo grupo, transforma-se no “Seminário de Teatro X Ideologia” baseado na leitura de três peças muito trabalhadas pelo grupo: 1) “Morrer Pela Pátria”, escrita em 1936 e de ideologia integralista;2) “A bandeira proletária”, peça escrita na década de 20 pelo movimento anarco-sindicalista que dominava o movimento operário à época; 3) “O Espelho da Carne”, contemporânea, que já vínhamos trabalhando a bastante tempo. Iniciam-se as leituras das peças. - Ruas experimentais: Penha e Praça da República. Desenvolve-se o entendimento sobre a roda; A roda sem um centro fixo, determinante. A ação coletiva é que leva ao equilíbrio, à manutenção da roda sem esforços: o conteúdo dando forma ao continente. Não inventamos a roda; ela é a maneira como o povo se organiza naturalmente para assistir a algum acontecimento nas ruas.

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Dez. 82 – O seminário é adiado para janeiro de 1983, para que tenhamos tempo de organizálo melhor. - Em Nova Iguaçu o trabalho cresce. Música, teatro, oficina de pipas, organiza-se um mural. A garotada do bairro (os marginais do pedaço) adere entusiasticamente. - Realiza-se a I AMARATONA do instituto, para encerramento das atividades de 82. são três dias de trabalho com leituras de textos feitas por alunos e pessoas do grupo. - Na seqüência de AMARATONA realiza-se uma Rua de Natal (no dia 24), na Cinelândia, coração da cidade, com a participação mágica dos membros do Instituto (alunos e amigos) e de Tigre, popular artista de rua. Todos à Rua!! Um almoço muito animado encerra, no dia seguinte, as atividades de 82.

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Jan. a Fev. 83 – Após o período de festas, retomamos imediatamente as nossas atividades com uma grande limpeza em nosso local de trabalho. São três dias de limpa e esfrega. Devido a realização do seminário sobre Teatro X Ideologia, programado para a 1ª quinzena de janeiro, ao desejo de nos prepararmos bem para o carnaval de 83, adiamos nossas férias, habitualmente tiradas nesse período, para depois da folia.

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- Realiza-se o Seminário num pequeno auditório do INAGEN (o mesmo lugar onde o grupo havia feito a leitura da “Anônima”. São quatro dias de discussões, improvisações e compreensão do Teatro como Filho da Historia e não da ideologia. O teatro está burguês, ele não é necessariamente burguês, não nasceu nem viveu eternamente aprisionado em edifícios construídos para torná-lo confortavelmente acessível a uma classe dominante que tem o tempo e as condições econômicas para usufruí-lo enquanto um bem cultural produzido e comercializado como artigo de luxo para uma elite culturalmente sofisticada. Como Filho da História, está burguês, mas consciente do presente, ele pode optar por um outro futuro. Força total. A atmosfera alegre e lúdica do circo explode na sala. São incríveis as imagens que afloram da improvisação: malabaristas, domadores, palhaços, elefantes, animais amestrados, um numero sem-fim de atrações. A energia criativa reprimida por um estilo burguês de representação consegue encontrar, finalmente, uma passagem e pôr-se a serviço da alegria e da felicidade. - Nova Iguaçu o projeto FUNARTE tem continuidade, começando-se as avaliações e discussões sobre a perspectiva de continuidade. Dois consultores (especialista da área de educação) abordam com o grupo os diferentes aspectos da educação formal e da informal. - Realiza-se o balanço de 1982 e as avaliações sobre o trabalho. Um projeto de financiamento é preparado para a RIOARTE. - O bloco carnavalesco Ta Na Rua participa alegre e teatralmente do carnaval carioca. Duas saídas: na sexta feira à noite (já tradicional) e domingo á tarde,aproveitando a luz do sol e a maior disposição das pessoas nas ruas para a brincadeira. - Com nossas anotações e fotos, prepara-se um livro sobre o trabalho de rua, a ser editado pela RIOARTE.


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- Após o carnaval, o grupo toma férias coletivas de 15 dias. Contudo, o trabalho em Nova Iguaçu não pode ser interrompido, o que reduz para oito dias o período de férias de parte do grupo. Mar. a Abr. 83 – Retoma-se o trabalho com a preparação de uma apresentação de rua. Discute-se um novo planejamento para as oficinas. As quatro oficinas mensais (sempre realizadas as segundas feiras à noite) são organizadas de acordo com as necessidades de crescimento do coletivo do Instituto:

A – A primeira oficina passa a ser livre (sem a participação de Amir ou do grupo Tá Na Rua);

B - A segunda passa a ter a participação do grupo;

C - A terceira passa a ser uma oficina com participação de Amir e o grupo, onde são desenvolvidas temas e textos;

D - A última do mês, também com a participação de todos, é divulgada e aberta ao publico.

E - A cada dois meses, a ultima oficina do mês transforma se numa AMRATONA, com duração mais longa, e onde busca-se reunir e apresentar o crescimento desse período bi-mestral, para discussão, avaliação e aprofundamento do processo.

F - Na oficina livre de abril, exibe-se um filme sobre o teatro Elisabetano;

G - E na oficina seguinte Amir e o grupo fazem uma conferência ilustrada obre o tema.

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O objetivo das mudanças é tornar cada vez mais conseqüente o processo de transmissão de conhecimento. - Parte do grupo passa a participar das reuniões sobre o Brizolão (Projeto de implantação de um centro de treinamento e pesquisa na área de educação, além de entendimento escolar e comunitário nas áreas faveladas dos morros do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul – parte elegante da cidade)

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Maio.83 – Nesse período intensificaram-se os ensaios de “ O Espelho da Carne”. Trabalha-se a participação de Amir, em continuidade ao processo de expansão da autonomia e autoridade do grupo. Os ensaios crescem a cada dia, apesar de prejudicados por um processo de trabalho intermitente, devido às necessárias interrupções para atuações nas demais frentes: educacionais, treinamento, teatro de rua, administração, etc. Os fins-de-semana em que não vamos à rua são utilizados para ensaio. Estamos nos aproximando do momento de elaboração do espetáculo: vários ensaios são feitos no Teatro da CÉU, começa-se a estudar o cenário e o desenvolvimento visual da narrativa. Vamos lá, a todo pano! - São realizados reuniões e dois trabalhos de rua ligados ao Projeto Brizolão, nos morros do Pavãozinho e Cantagalo. O Projeto cresce com rapidez e exige uma dedicação sempre maior.

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- O Projeto FUNARTE, em Nova Iguaçu, tem aprovada a sua proposta de continuidade. Reiniciam-se as reuniões. - No último fim de semana de junho, o grupo participa de um encontro de teatro de rua, no Teatro Cacilda Becker, do Inacen. É realizado um espetáculo de rua no Largo do Machado, próximo ao teatro, que serve de “palco” as apresentações de vários grupos. - Parte do grupo responde a um convite para participar, com espetáculo, de uma festa comunitária em Lumiar, pequena cidade do interior do estado. Reavivam-se nossos planos de uma ação mais consistente em áreas rurais. Julho. 83 – Perdendo-se em suas contradições internas, o grupo desiste no início de julho, do projeto de montagem de “O Espelho...”. Mas uma vez em nossa história, o grupo naufraga num mar de dúvidas e hesitações e se afoga à vista da costa. Não deixa-se entretanto, de afirmar-se o profundo desejo de realizarmos um trabalho em sala fechada. Recupera-se o projeto VARIEDADES e passamos a trabalhar pequenas cenas visando, em princípio, apresentá-las na próxima AMARATONA, no final de agosto, prevendo-se um crescimento gradativo que venha resultar na montagem do show VARIEDADES. De boas intenções o inferno está calçado! Nossas intenções não vão além disso; Do fato de serem boas. Algumas cenas são apresentadas – todas


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as programadas exceto uma única, retirada do texto “O Espelho...” – e o projeto esgota-se aí. - O projeto Brizolão esvazia-se mediante a impossibilidade do governo adquirir a posse do espaço em que aquele iria se desenvolver. - Em Nova Iguaçu, realiza-se um Seminário com a participação de todos os professores da escola. Decide-se intensificar nossa participação e interferência no contexto educacional da escola. Em agosto, com reinício das aulas, passamos a atingir todo o corpo docente e discente da escola, com atividades variadas: Teatro, Música, Pintura, Barro, Oficina de Pipas etc. O dinheiro do projeto, previsto para final de julho, não havia saído até o final de agosto. A situação fica bastante difícil, quase insustentável. Aumentam as gestões junto aos órgãos responsáveis, para a solução do impasse. O projeto PAVUNA tem início, acenando com as mesmas sombrias perspectivas: aumento de trabalho sem a devida melhoria das condições econômicas para exercê-lo. - Tem início a intersindical, projeto para apresentações de vários grupos de teatro, música e dança em locais da periferia cultural da cidade, organizado pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos (SATED) e patrocinado pelo INACEM. O grupo compromete-se a realizar seis apresentações de rua entre setembro e outubro.

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- O grupo participa em Parati do II Encontro de Teatro de Rua. Realizam-se, além de uma apresentação do grupo e um desfile de abertura, oficinas com a participação de todos os grupos reunidos do encontro. Devido ao crescimento das diferentes frentes do grupo; a maneira nova como, desta da viagem do Amir à Nova Iorque, em setembro de 82, o grupo vem buscando conquistar sua maturidade, uma pratica realmente profissional; às contradições e hesitações inerentes a esta prática que exige maior autonomia de autoridade de cada membro do grupo; à surpreendente perda de substancia e critérios de avaliação e prática, resultante do afastamento de seu orientador, levam o grupo a fechar-se para balanço, principalmente na área de que mais tem crescido, a organização do Instituto. Setembro.83 Apesar de termos nos fechado para “balanço”, esses foram meses de intensa

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atividade para o grupo tanto interna quanto externamente. Em relação ao Instituto a parada é mais acentuada. Discute-se nas turmas e no espaço coletivo das oficinas os desdobramentos possíveis do trabalho: há uma sensível necessidade de elaboração e síntese que propicie o deslanche de um movimento mais profundo, conseqüente. O grupo teatral entende a necessidade de abrir novos espaços que favoreçam a expansão de atividades de apoio, necessárias ao crescimento do trabalho. São criados diversos departamentos. É preparado um projeto para o fundo de promoção da cultura, da UNESCO. Esse projeto expande e aprofunda as propostas encaminhadas, pelo primeiro projeto redigido por Amir quando em Nova Iorque, em setembro de 82, em que não havia conseguido tramitar satisfatoriamente pela burocracia do Fundo. Adequa-se este segundo projeto aos padrões e diretrizes exigidos pelo Fundo.

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Quanto às nossas atividades externas, o “balanço” exerceu um efeito totalmente paradoxal. Nas seis atividades programadas pela intersindical, investe-se intensamente no processo de compartimentação do grupo. Passa-se a trabalhar em pequenos grupos de no mínimo quatro integrantes e no máximo seis pessoas. O trabalho e as pessoas crescem muito com esta decisão. Agora, além de se trabalhar sem o Amir, experimentam-se várias formações de grupo. A proposta do grupo é aferida a nível individual por cada membro do grupo. A avaliação desse movimento é que percebe-se o quanto esta capacidade de articular novas formações pode ser útil no processo de treinamento e formação de novos atores. - Participação em duas campanhas: uma contra a Lei de Segurança Nacional, organizada pelos partidos de oposição e outra contra a extinção dos tradicionais bondinhos de Santa Tereza. - Participa-se também de duas promoções culturais em cidades do interior do estado; uma litorânea e outra serrana. Em Rio das Ostras, pacata localidade praieira do litoral norte do estado, são realizadas duas apresentações de rua, dentro do projeto “Primavera Cultural” que, durante vários finais-desemana, leva à cidade espetáculos de musica, dança e teatro.


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Em Petrópolis, imperial cidade da serra dos órgãos, participa-se do projeto “SESC na Serrana” que promove uma mostra de treze grupos de teatro da cidade, juntamente, com a realização de vários encontros sobre a realidade do teatro contemporâneo, encontros dos quais três são realizados, em três fins-de-semanas diferentes, por membros do grupo. No fim-de-semana de encerramento, o Tà Na Rua realiza uma oficina (Entratudo) e uma apresentação de rua, num trabalho de mais de quatro horas de duração. - Amir supervisiona dois grupos que preparam a montagem de espetáculo. Concomitantemente, realiza um curso no INACEM sobre o Teatro no Teatro de Shakespeare. - Começam a reuniões sobre a viabilidade de apresentar-se um projeto, em proposta a edital do governo para ocupação de teatro(s) do estado. Procuram-se bases mais concretas para expansão e crescimentos do trabalho, desenvolvendo sua capacidade de, cada vez mais, influir no movimento cultural do país.

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Yan Michalski e a criação coletiva no Brasil por Lauro Góes


| Esta entrevista, realizada em novembro de 1982, com Yan Michalski, é um anexo da dissertação de mestrado em comunicação do professor Lauro Góes. Yan foi professor da Escola de Teatro da UNIRIO. professor e diretor da Casa de Artes de Laranjeiras, crítico de teatro de um periódico carioca (Jornal do Brasil).

Lauro Góes – Há quanto tempo você acredita ter – se iniciado o fenômeno da criação coletiva no teatro brasileiro? Yan Michalski – O ponto de partida para uma mentalidade de criação coletiva foi o seminário de Dramaturgia do Arena. Não era propriamente uma criação coletiva,mas um trabalho onde os atores se reuniam,traziam um esboço de texto, e todos os outros criticavam, discutiam exaustivamente. Depois o escritor ia para casa, refazia o texto e voltava a mostrá-lo. Aconteceu na segunda metade da década de 50, mas não teve seguimento, foi um fato isolado e as peças eram assinadas individualmente. Aqui no Rio, havia no centro popular de cultura uma equipe de criação,embora ela fosse um caso à parte, porque trabalhava em cima de um caso concreto. O “Auto dos 99%” foi oficialmente registrado como de criação coletiva, mas também esta experiência não teve seqüência imediata. Na década de 60 recebemos os ecos do que se fazia lá fora, como os trabalhos do “Open Theatre” que funcionava como grupo de criação coletiva até o momento em que se deu conta de que se tivesse um autor entre eles seria melhor, e adotaram Van Itali como coordenador do material elaborado pela equipe,

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passando a assinar como autor. O fenômeno tal como existe hoje é fruto da mentalidade da década de 60, quando se contestava tudo, e se questionava a figura do autor, a autoria em geral. Primeiro, a autoridade do autor foi superada pela autoridade do diretor, e se começa à partir de então a se atribuir uma conotação negativa à figura do autor de gabinete. Os grupos jovens formados dentro desse espírito entenderam que essa maneira esta mais condizente com as idéias que tinham da atividade teatral. Além disso, a repercussão entre nós e na América Latina das experiências americanas e européias dava-nos a sensação de estarmos atualizados com o último movimento de criação cênica. Lauro Góes – Houve algum trabalho de criação coletiva que se tivesse destacado na década de 60?

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Yan Michalski – Assim, que se tivesse destacado com sucesso não consigo me lembrar. Mas é o caso de se averiguar em São Paulo como foi evoluindo o trabalho do grupo “União e olho Vivo”, sob a coordenação de César Vieira. É o mais antigo, e bem teatro de periferia, para o operário. O César assina o texto, mas é criação coletiva. Mais recentemente, na década de 70, a crise de autores veio reforçar a idéia da criação coletiva. O que se pode observar é uma quebra de contato, de comunicação entre a dramaturgia que os autores em atividade apresentavam ou estão apresentando, e as necessidades dos jovens, que não se reconheciam na produção dramatúrgica dos autores individuais. Na década de 70, tinha muita gente jovem escrevendo, gente ótima que se revelou, que se firmou além dos mais antigos, como o Guarnieri, o Dias Gomes, que continuaram escrevendo; mas a dramaturgia deles não interessavam aos grupos jovens, sobre tudo os que se destinavam para uma platéia inédita, a da periferia; a gente conversa com os integrante dos grupos e percebe que eles querem autoria total do produto final. E, como eles não são autores individualmente, a solução que escolheram é essa. Quantitativamente onde isso prevalece é nos grupos ligados á FETIERJ, (hoje FETAERJ – Federação do Teatro Amador do Estado do Rio de Janeiro) O grupo que mais aparece no Rio como criação coletiva é o”Asdrúbal trouxe o trombone”. Desde o início adotaram aquele caminho porque mesmo “O Inspetor Geral”, de Gogol, no resultado, na apresentação, o texto era deles. Acho que sempre foram muito coerentes; talvez no início não se tenham dado conta de até que ponto o texto era deles, e foram se aperfeiçoando nessa direção; a partir de uma certa altura descartaram a necessidade de pegar como ponto de apoio um texto existente. Lauro Góes – Então a crise na dramaturgia pode ser apontada como um dos fatores causais do aparecimento do fenômeno da criação coletiva no teatro? Yan Michalski - Mais importante que a crise dos autores, que evidentemente não pode ser esquecida, é o descompasso entre a dramaturgia que esses autores fazem e as necessidades


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dos grupos. Por maior que seja a crise, as companhias profissionais convencionais sempre acham textos para montarem, de autores nacionais ou estrangeiros, e não se ressentem da ausência de texto disponível. E esses grupos novos não encontram o mesmo estímulo ou nenhum nos mesmos textos. Tem outro caso que é o de “Macunaíma”. É uma adaptação coletiva de um texto, porque a peça não pré-existia e surge de improvisação; o que interessava dos ensaios era fixado, transcrito por uma equipe coordenada por Jacque Thieriot. Tanto que a autoria do texto é apresentada assim: “adaptação de Jacques Thieriot”. Lauro Góes – A criação coletiva ainda é usada por poucos grupos. É um fenômeno que esta se expandindo? Yan Michalski – Quantitativamente está se expandindo muito, mas não diria que artisticamente ele esteja evoluindo. Ele é muito concentrado – com poucas exceções – nessa área marginal. Lauro Góes – Em comparação com o espetáculo convencional que pode contar com algum financiamento, a produção coletiva perde em nível estético? Yan Michalski – A gente tem de partir do princípio de que as exigências e as expectativas que se aplicam ao processo convencional, não se aplicam a esse tipo de trabalho. Não se vai esperar, por exemplo, que saia um texto publicável que possa vir a ser retomado mais adiante por outro grupo, mesmo que seja de constituição parecida com a do grupo que o concebeu. Faz parte desse trabalho a exclusividade do texto para uma montagem específica. Não imagino alguém remontando “Aquela coisa toda”, criação coletiva dos integrantes do “Asdrúbal trouxe o trombone” : só eles puderam fazer e assim mesmo não acredito que interesse ao grupo repetir a peça. Pertenceu a um determinado momento da história deles; é o aspecto da transitoriedade, do instantaneísmo.

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Não tem nenhum desses trabalhos – acho que nunca terá – que revele o valor permanente, perene, mais amplo no sentido de ser testado por varias encenações, mostrando novos ângulos, como uma boa peça tradicional. Acho que isso diminui, até certo ponto, o alcance, mas por outro lado e compensado pelo fato de que dá a esse pessoal a possibilidade de um trabalho instigante, que, de outra maneira, eles não teriam. Grupos equivalentes a esses, há vinte anos, viviam montando Martins Pena. Foi uma saída que os mais jovens encontraram, e que está sendo adotado nos teatros das cidades grandes ou nos teatros regionais. Nos espetáculos que chegam para participar do Mambembe, boa parte deles são de criação coletiva, alguns bem interessantes. Trabalham muito em cima das tradições populares e regionais, de uma matéria prima já anônima por natureza. Há uma crise, mundial até, de autores teatrais. Há quanto tempo se toma conhecimento de um grande talento de autor? Aqui especificamente acho que é devido ao momento histórico. Durante a repressão surgiu

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uma leva muito interessante de autores, como a Leilah Assunção a Consuelo de Castro, Roberto Athaíde, Fernando Mello, José Vicente, Antonio Bivar, Isabel Câmara, Plínio Marcos e outros. Todos começaram mais ou menos na mesma época. No que começou a abertura, já há mais de dois anos, nenhum deles apresentou um trabalho qualquer. Imagino que devem estar escrevendo. A Leilah pelo menos acabou de escrever um roteiro para o Clodovil que esta fazendo muito sucesso em São Paulo. O que me parece é que essa geração ficou tão condicionada pelas condições políticas em que se formou que, quando as condições mudaram, eles precisaram de uma longa pausa para respirar e se reciclar. Eles usavam uma linguagem construída em função de uma censura e agora tem de reaprender a escrever sob novas condições. Paralelamente a essa teoria que eu estou elaborando, também aconteceu que vários deles piraram. Isso existiu em outros países que viveram situações semelhantes. Até que começasse a surgir uma dramaturgia alemã depois do nazismo, levou tempo; o mesmo aconteceu na Espanha, depois de Franco e em Portugal, depois de Salazar. Não foi imediatamente, ouve um hiato de criação. Essas transformações muito fortes das condições políticas de trabalho ocasionaram isso. Na primeira fase após a abertura, era natural que o grande esforço fosse o de montar as peças proibidas. Das peças dos últimos concursos de dramaturgia que eu tenho lido, sobretudo as premiadas, de autores como o Saião ou o Ricardo Meirelles, algumas são muito interessantes, melhores do que a maioria das que se montam por aí. No entanto, continuam inéditas. Acho que o que eles escrevem não interessa nem as companhias, nem aos empresários que não investiriam um centavo em autores desconhecidos, nem aos grupos de criação coletiva. Falta um canal por onde essa dramaturgia possa ser escoada. Todos têm boas idéias, abordagens interessantes, mas como eles continuam inéditos, eles tem falhas teatrais sérias porque não são montados, e não conseguem corrigi-las. É um círculo vicioso, porque estes autores não são montados por não serem suficientemente bons em carpintaria, em acabamento. Lauro Góes – Você acha que passaao esta primeira fase, a criação coletiva tenderia a desaparecer? Yan Michalski – Não acredito, porque ocupou um espaço que é dela. Mas o que eu não sei muito bem é para onde ela se expandiria.


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Sobre design gráfico e teatro: uma aproximação por Marcos Corrêa*

* designer gráfico (Ato Gráfico Design) do projeto Memória Tá Na Rua


| Como desenvolver um projeto visual para um grupo de teatro que tem o discurso de não seguir “a lógica de produção de cartazes, folders, fichas técnicas e outros elementos convencionais do teatro, porque nunca compactuou com a fragmentação do fazer artístico”? Como pensar visualmente/narrativamente um todo aparentemente caótico? Essas e muitas outras questões, transitaram por nossas cabeças, mãos e olhos. Mergulhando e impregnados de idéias, textos, fotos, desenhos, fotolitos e arte-finais antigas, cartazes (bem poucos), conversas, histórias e estórias, iniciamos o desenvolvimento da visualidade do grupo Tá Na Rua. A primeira fase do projeto compreendeu a identidade visual, sítio eletrônico, dvd (capa e rótulo), livro, a presente revista e o material de divulgação do(s) lançamento(s) destes produtos culturais, coincidentemente (ou não...) no aniversário de 71 anos de Amir Haddad. Este artigo dá uma pincelada nos processos de construção da identidade visual e do livro. Não nos estendendo em prolegômenos técnico-formais, vamos nos ater, rapidamente (escrevo este artigo no dia do fechamento da revista, automaticamente, num café...), aos conceitos que nortearam esse jogo, esse repertório, esse universo visual peculiar: um grupo de teatro de rua, um coletivo de pesquisa, um experimento cênico. Partindo de alguns detalhes sobre o logotipo, podemos sintetizar os conceitos deste projeto:

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• na tipografia do nome, as caixas altas (maiúsculas) e caixas baixas (minúsculas) tem a mesma altura, inclusive o acento agudo se transforma em detalhe interno do caracter “a” em “Tá” >> a não-diferenciação entre público e atores. a relação/gestão horizontal. a importância do coletivo •as três cores básicas estão (quase) sempre presentes >> o básico, o atávico, o objetivo. das três cores básicas nascem todas as outras, toda a potência das cores/idéias já existem aqui. •o “bobo-da-corte” do logotipo original foi mantido. e redesenhado sem alterações formais evidentes >> a “tradição”. a coerência de discurso. o pensamento revolucionário. as idéias que levaram o grupo a escolher este personagem como símbolo persistem ainda hoje. sem “modernizações” e sem maquiagem, mas revisto e reinterpretado. Estas idéias básicas permearam também o conceito do livro. O “livro-trouxa”. Onde as memórias estarão guardadas. Onde o leitor abra este livro e as idéias/imagens/ cores saltem, como nas cheganças do grupo. Onde a multiplicidade esteja refletida. Onde o aparente caos formal sugira o improviso, tão presente e fundamentalnas apresentações do grupo. Onde a coerência e consistência das idéias e pensamentos estejam evidentes nestes recortes, por vezes teóricos, por vezes emocionados, por vezes históricos, por vezes formais, por vezes afetuosos. Estes foram os desejos que perseguimos durante todo o processo. A contrução do livro começa pela estrutura: o formato da página, as margens, a mancha gráfica que o texto ocupará, as tipografias, os níveis de leitura (corpo do texto, títulos, subtítulos, notas, citações, epígrafes, referências, a numeração das páginas, a cabeça da página, a relação entre texto e imagem, as entrelinhas...) Uma base racional, uma estrutura lógica. (pausa) Um músico (que não me ocorre no momento) dizia algo assim sobre como tocar jazz: aprenda música, treine solfejos, conheça profundamente seu instrumento. Depois, esqueça isso tudo e apenas toque. (retomada) Pronta esta estrutura, improvisamos com os elementos, partindo de idéias contidas no texto, do potencial imagético das fotos, de ironias, contrapontos, paradoxos, comentários e reflexões sobre a matéria-prima. A estrutura existe ali, invisível quase. Podemos traçar aqui um paralelo com o modus operandi do grupo com suas rodas de


elaboração, reflexão e pensamento anterior ao trabalho de corpo, música, movimento, cores e produção de sentido. E ainda, traçar um paralelo mais profundo com o próprio modus operandi do Ato Gráfico com grupos de teatro. Mas este é um assunto (longo) para uma outra ocasião... Refletir sobre estes e outros paralelos possíveis e sobre os processos envolvidos, renderia mais que o presente (e brevíssimo) artigo. O melhor talvez seja experienciar o livro, pois, como dizia Fernando Pessoa: “Sentir? Sinta quem lê!”

(E quem vê, acrescento).

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O teatro de rua no Brasil

Catรกlogo de Grupos


Nome do grupo: Buraco d`Oráculo Data da fundação: Agosto de 1998 Número de integrantes: Três – Adailton Alves, Edson Paulo e Lu Coelho Endereço, Cidade, Estado: São Paulo – SP Site (se houver): www.buracodoraculo.blogspot.com E-mail (se houver): buracodoraculo@yahoo.com.br Contato telefônico: (11) 6621-8280 / 8188-3670 Nome do grupo: Cia. Teatral Lendas de Eucaniqui Nome do dirigente: Dóris Mariah Data de fundação: Oficailmente 19 de junho de 2006 Número de integrantes: Dois Endereço: Rua: Francisco Jeronymo Fernandes, Nº Qudra 71 Lote 02, Bairro Jardim Maria Luiza 3 - Araraquara - SP Cep:14.806-514 E-mail: lendasdeeucaniqui@hotmail.com Contato:(16)3324-7479/ 8125-6674 Nome do grupo:Teatro Popular União e Olho Vivo Nome do dirigente (se houver): Cesar Vieira (Idibal Mato Pivetta) Data da fundação:1966 Número de integrantes: 26 Endereço, Cidade, Estado e CEP: R. Newtom Prado 766 - Bom Retiro - São Paulo - SP CEP 01177000 Site (se houver) provisório: www.cesarvieiratuov.com.br E-mail (se houver) graro@terra.com.br e teatropopularolhovivo@uol.com.br Contato telefônico: 11 33311001 e 11 55794722 Confraria da Paixão - Teatro de Raízes Populares Nome do dirigente: Luiz de Assis Monteiro Data da fundação: 4 de março de 2001 Número de integrantes: 47 Endereço: Rua Lopes de Oliveira, 659 Barra Funda São Paulo – SP CEP: 01.152-010 E-mail: confrariadapaixao@gmail.com Nome do grupo:Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo Nome do dirigente (se houver): Marcos Pavanelli Data da fundação: 1999 Número de integrantes: 6 Endereço, Cidade, Estado: R. Francisco da Lira, 200 ap. 13 D Jardim Leonor Mendes de Barros, São Paulo/SP cep: 02346-010 Site (se houver): www.nucleopavanelli.com.br E-mail (se houver) marcospavaneli@yahoo.com.br Contato telefônico: 11- 9746-1459 Nome do grupo: TEM UM JECA NA CIDADE - ASSOCIAÇÃO CULTURAL AMIGOS DO JECA

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Nome do dirigente: ANDRÉ LUIZ MAZZAROPI - O FILHO DO JECA Data da fundação: 1.984 Número de integrantes: 12 Endereço: RUA DÉA FREIRE N º 18 - IAPI - CEO -12.060.320 - TAUBATÉ-SP Site (se houver) www.andreluizmazzaropi.com.br -(em construção) E-mail (se houver) alt@vivax.com.br Contato telefônico: FONES (12)- 3022.1017 - 9714.2853 Nome do grupo: TRUPE ARTEMANHA de investigação urbana Data da fundação: Janeiro de 1996 Número de integrantes: 7 Endereço: Estrada do Campo Limpo, 2706 São Paulo - SP Site: www.trupeartemanha.com.br E-mail: trupeartemanha@trupeartemanha.com.br Contato telefônico: (11) 9862-4821 | (11) 8754-2713

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Nome do grupo: POMBAS URBANAS Data da fundação: 30/10/1989 Número de integrantes: 08 Endereço, Cidade, Estado e CEP: AVENIDA DOS METALÚRGICOS, 2.100 - BAIRRO CIDADE TIRADENTES - SÃO PAULO - SP CEP 08471-000 Site (se houver): www.pombasurbanas.org.br E-mail (se houver). pombas.urbanas@terra.com.br Contato telefônico:(11)6285-5699 Nome do grupo: Grupo Rosa dos Ventos Nome do contato: Tiago Data da fundação: 19 de abril de 1999 Número de integrantes: 09 Endereço, Rua Domingos Leonardo Cerávolo, 493 - Vila Lider. Cidade: Presidente Prudente - SP Estado: SP e CEP: 19 041 170 Site: www.rosadosventos.art.br E-mail: circoteatrorosadosventos@yahoo.com.br Contato telefônico: 18 - 3222 89 38 18 - 9742 59 94 18 - 9747 6867 Nome do Grupo: Cia Torta Nome do Representante: Fernanda Beppler Data da Fundação: 03/02/2007 Número de componentes: 4 (quatro) Endereço, Cidade, Estado: Rua Espírito Santo, 261/202 – Porto Alegre/RS - Brasil Telefone: (51) 3392.9648 / 9313.6026 Site: www.ciatorta.blogspot.com E-mail: nandabeppler@hotmail.com Nome do grupo: Grupo Falos & Stercus Nome do dirigente (se houver): Alexandre Vargas


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Data da fundação: 01/05/91 Número de integrantes:9 Endereço, Cidade, Estado e CEP: Rua Riachuelo 1521/85 - Centro - Porto Alegre - RS CEP 90010271 Site (se houver) www.falosestercus.com.br E-mail (se houver)alefalos@terra.com.br Contato telefônico: 051 32125737 ou 051 91196972 Nome do grupo: Cia. Chegança Nome do dirigente: Diretor Artístico: Michelle Cabral Data da fundação: Surgiu em Janeiro de 2005, a princípio chamando-se “Fábrica das Artes”, posteriormente foi batizada de Cia. Chegança. Número de integrantes: 07 Endereço, Cidade, Estado: Rua José Sarney, 920-A. CEP: 65.000-000 - São Luís - MA E-mail : ciacheganca@gmail.com Contato telefônico: (98) 91441771( Afonso Bagui) e (98) 32329306 (Michelle Cabral) Nome: Companhia tem sim sinhô! - União dos artistas do povo. Representante: Israel Stallin Ferreira Diniz Fundada em Outubro de 2000 a Cia e itinerante atualmente em Juazeiro do Norte-CE (rua senhor do bonfim, 796, bairro joão cabral cep: 63050-730) ate junho, depois, Piaui, Bahia, Goias Brasilia , Minas gerais e Rio de janeiro no 2º semestre... fazendo www.temsimsinho.blogspot.com | istallin@gmail.com

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Nome do grupo: GRUPO TEATRO DE CARETAS Data da fundação: 10 de março de 2000 Número de integrantes: 7 Endereço, Cidade, Estado: Rua Carlos Chagas, 941 Bairro Bom Sucesso - Fortaleza - CE CEP 60 451 550 Site (se houver) www.teatrodecaretas.blogspot.com E-mail (se houver) teatrodecaretas@yahoo.com.br Contato telefônico: (85) 9972 2376 (85) 99758907 Nome do Grupo: Dona Zefinha Nome do dirigente: Orlângelo Leal Data de fundação: 1997 Número de integrantes: 04 Endereço: Rua Fiscal Vieira, 3330 J. Távora Fortaleça –CE CEP:. 60.120-170 Site: www.donazefinha.com.br email: donazefinha@hotmail.com contato telefônico: 9972 2871/ 8868 3303/ 8823 4758 Nome do Grupo: TRUPE ‘CABA DE CHEGAR DE TEATRO Nome do dirigente: ANA MARLENE FERREIRA LIMA

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Data da fundação: 31 de Agosto de 1990 Número de integrantes: 09 Endereço: Rua Comendador Acioli 80 – Altos, Centro – Fortaleza/CE CEP 60040-050 E-mail: haroldoaragao@uol.com.br Telefones de contato: (85) 88019294 Nome: GRUPO NÓIS DE TEATRO Endereço: Rua Barra Vermelha, 381 - Granja Portugal. Fortaleza - CE CEP: 60.545-160 E-mail: altemar.monteiro@fla.incra.gov.br Nome do grupo: ARTEIROS Nome do dirigente (se houver): Data da fundação: março de 2001 Número de integrantes: 04 componentes Endereço, Cidade, Estado e CEP: Rua João Ferreira da Silva, 80 - Jatobá - Olinda - PE 53.370-810 Site: http://atoemmovimento.blogspot.com/ E-mail: ato.pe@hotmail.com ou atoivo2004@yahoo.com.br Contato telefônico: (81) 9934338 - 34934031

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Nome do grupo: IFÁ-RHADHÁ DE ART’ NEGRA Nome do dirigente (se houver): Data da fundação: 20 de novembro de 2003 Número de integrantes: Atualmente 10 componentes, aumenta de acordo com as ações desenvolvidas. Endereço, Cidade, Estado e CEP: Rua João Ferreira da Silva, 80 - Jatobá - Olinda - CEP 53.370-810 Site: http://atoemmovimento.blogspot.com/ E-mail: ifarhadha@hotmail.com Contato telefônico: (81) 99344338 - 34934031 Nome do grupo: Imbuaça Produções Artísticas Nome do dirigente (se houver): É um coletivo Data da fundação: 28 de agosto de 1977. Número de integrantes: 6 integrantes Endereço, Cidade, Estado e CEP: Rua Muribeca, 04 - Bairro Santo Antonio - 49.060-470 Aracaju - Sergipe Site (se houver) em manutenção E-mail (se houver) gimbuaca@infonet.com.br Contato telefônico: (79) 3215 3064 ou (79) 9981 3436 (Lindolfo) Nome do grupo: Grupo de Teatro Rerigtiba Nome do dirigente (se houver): Telma Amaral Data da fundação: 23 de julho de 1993 (15 anos) Número de integrantes: 35 Endereço, Cidade, Estado: Av. Oliveira, 07 - Bairro: Justiça II - Cidade: Anchieta-ES CEP: 29.230-000 Site (se houver) www.grupodeteatrorerigtiba.com.br E-mail (se houver) grupodeteatrorerigtiba@gmail.com Contato telefônico: (28) 3526-2063 Nome do grupo: Cia. Malarrumada Nome do dirigente (se houver): Marcelo Oliveira Data da fundação:28.04.2006


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Número de integrantes: 12 pessoas Endereço, Cidade, Estado: Rua Riachuelo 501 apto. 301C Padre Eustaquio - Belo Horizonte Minas Gerais (endereço para correspondencia) Site (se houver) www.ciamalarrumada.com.br E-mail (se houver) ciamalarrumada@gmail.com Contato telefônico:031 3464-2131 /031 8808-9449 Nome do grupo: Grupo Teatro Kabana Nome do dirigente: Mauro Lúcio Xavier Data da fundação: 1980 Número de integrantes: 08 Endereço: Rua São José, 25 , Sabará, MG Site : gtkabana.com.br E-mail : gtkabana@terra.com.br Contato telefônico: 31 36717520 Nome do Grupo: VIRUNDANGAS, grupo de investigação cênica Nome do Representante: Thaís Campos Data da Fundação: AGOSTO DE 2007 Número de componentes: 7 Cidade, Estado: Ouro Preto, MG“- Telefone: (31) 9113-6242 Site: em construção E-mail: virundangas@yahoogrupos.com.br ou vanessabiffon@gmail.com

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Nome do grupo: As Marias da Graça Data da fundação: 1991 Número de integrantes: 4 Endereço: Rua Conselheiro Macedo Soares, 61/201 Lagoa Rio de Janeiro RJ Cep:22471-120 Site www.asmariasdagraca.com.br E-mail: asmariasdagraca@asmariasdagraca.com.br Contato telefônico: 21- 25394520 Nome do grupo: As Três Marias – Núcleo de Folguedos Brasileiros Nome do dirigente (se houver): Juliana Manhães Data da fundação: agosto de 2002 Número de integrantes: 11 Endereço, Cidade, Estado e CEP: Rua Costa Bastos 556/ 102 Santa Teresa Rio de Janeiro – RJ CEP: 20240-020 Site (se houver): http://astresmariasnucleodefolguedos.blogspot.com | www.divinoemaranhado.art.br E-mail (se houver): astresmariascontato@gmail.com Contato telefônico: 21 – 8162 8004/21 – 8778 8857 Nome do Grupo: CIA. DA LUA Nome do dirigente: Zequinha Miguel Data de Fundação: 23 de abril de 1994 Número de integrantes: 12

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Endereço: Rua Professor Lima, 154 - Centro Angra dos Reis - RJ CEP: 23900-000 Site:www.angraemperfil.com E-mail: angraemperfil@ig.com.br Contato telefônico:(24)3365-1224/3367-7794 Nome: Cia. Será O Benidito?! Nome dos diretores: André Garcia Alvez e Marcia Kaskus Data da fundação: Agosto de 2002 Número de integrantes: 4 pessoas Endereço: Rua da Passagem, 78/504 – Botafogo - Rio de Janeiro / RJ www.seraobenidito.com.br seraobenidito@seraobenidito.com.br andre@seraobenidito.com.br marcia@seraobenidito.com.br Tels:(21) 8741-6166 / 9166-6479 Nome do grupo: FarsaCena Cia Teatral Nome do dirigente: Robson Sanches Data da Fundação: 15/06/2001 Número de integrantes: Três Endereço: Rua Ana Cristina César 155, gabinal 4, lote 3, bloco 1, ap. 306- Freguesia , Jacarepaguá, Rio de Janeiro, CEP 22763-145. Site: www.farsacena.com.br ( em construção) Email: farsacena@gmail.com Contato telefonico: (21) 3412-0320 Nome do grupo: O Pequeno Teatro de Retalhos Representante: Henrique Escobar Data da Fundação: Janeiro de 2004 Número de componentes: Dois Endereço: Rua Salvador Pires, 119/203 – CEP: 20775-030 Méier, Rio de Janeiro - RJ Telefone: 2289-9435/9609-0961/9746-8645 Site: www.teatroderetalhos.com.br E-mail: opequenoteatroderetalhos@yahoo.com.br Nome do grupo: GRUPO ENTROU POR UMA PORTA Nome do dirigente: REINALDO SANT’ANA Data da fundação: 25 DE SETEMBRO DE 1988 Número de integrantes: 12 Endereço: RUA CAÇÚ 150 - RUA A, CASA 275 - TAQUARA - JACAREAPGUÁ - RIO DE JANEIRO -RJ 22710-074 BLOGS: www.grupoentrouporumaporta.zip.net | http://grupoentrouporumaporta.blogspot.com/ E-mail: cidadaosantana@gmail.com | grupoentrouporumaporta@yahoo.com.br Contato telefônico: (5521) 3342 7506 / 8342 8058 Nome do grupo: Teatro de Anônimo Nome do dirigente: João Carlos Artigos Data da fundação:17/12/86 Número de integrantes: 6 + 4 equipe de produção + 2 técnicos e 5 músicos contratados


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Endereço: Rua dos Arcos 24 /4° andar Site: www.teatrodeanonimo.com.br E-mail: anonimo@teatrodeanonimo.com.br Contato telefônico: 21 22400930 / 22402478“ Teatro de Anônimo Caixa Postal 6505 Cep 20010-120 - RJ MSN: Proceder4@hotmail.com Skype: joaoartigos1 Nome do grupo: GRUPO CUTUCURIM Nome do dirigente : Mário dos Anjos / João Novaes Data da fundação: 20 / 09/ 1987 Número de integrantes: 11 Endereço: Rua Salomão Reseck, n. 126, Morro do Carmo, Angra dos Reis - RJ , CEP: 23.900.000 Site (se houver): www.cutucurim.xpg.com.br (está inativo no momento) E-mail (se houver): grupocutucurim@hotmail.com Contato telefônico: 24 - 92527536 (Mário) - 24 - 92250289/ 21-25546266 – João Nome: Palhaça Margarita Nome do dirigente: Ana Luisa Cardoso Data da fundação:Margarita se apresenta na rua desde 1988, de 1991 a 2001 fez parte (incluindo a fundação) do primeiro grupo de palhaças do Brasil: As Marias da Graça, em 2006 estreou seu primeiro espetáculo solo; Margarita Vai à Luta e com ele percorre pçs em várias cidades, mas principalmente do Rio de Janeiro. Número de integrantes: 1 Endereço: Rua Paissandú 199 apt 404. Flamengo - Rio de janeiro CEP: 22210 080 E-mail: 88margarita@gmail.com/ margarita@skydome.com.br Contato telefônico: 21 25572685

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