A moradia como direito transversal e fundamental da formação do homem enquanto ser social: O caso do

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A moradia como direito transversal e fundamental da formação do homem enquanto ser social: O caso dos Pescadores da Perucaba em Arapiraca-AL

Silva, Marcos A. Francelino. Graduando em Arquitetura e Urbanismo – Ufal – Arapiraca

Valões, Jose Inaldo Graduado em Direito e Especialista em Direito, Politica e Sociedade - Uneal

RESUMO Este trabalho relata e discuti sobre a questão da moradia adequada enquanto direito transversal ligada ao trabalho, a renda, ao mercado, as politicas habitacionais e a desigualdade social. A falta de moradia adequada acarreta dificuldades na obtenção de outros direitos (de ir e vir, segurança, trabalho, lazer). O mercado e o Estado aparecem nessa conjuntura como aliados em diversos casos, onde um se omiti diante das ações do outro, tais ações afetam principalmente a população urbana de menor poder de consumo. Essa situação problemática acontece através da acumulação de riqueza dentro da sociedade capitalista, a dinâmica e a expansão necessárias para se obter riqueza, cria o caos urbano e as crises. Palavras chave: moradia, direito, transversal, social, estado, cidade, mercado, dinâmica.

OBSTRACT We report and discuss on the issue of adequate housing as a cross right related to work , income , market , housing policies and social inequality . The lack of adequate housing entails difficulties in obtaining other rights ( of movement , security, employment, leisure) . The market and the state appear at this juncture as allies in several cases where one omitted on the actions of another , such actions affect mainly the urban population with lower power consumption. This problematic situation occurs through the accumulation of wealth within the capitalist society , the dynamics and the expansion necessary to obtain wealth, creates the urban chaos and crises.

Keywords : house , law , cross , social , state, city , market dynamics .


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1. Introdução A moradia é um direito transversal que na maioria das vezes é vitima de omissão Estatal. O exemplo de maior expressão é a cidade de São Paulo, a 6ª maior cidade do mundo e a maior da América Latina – possui 11 milhões de habitantes – e de acordo com dados da Secretaria Municipal de Habitação, atualmente, 130 mil famílias não têm onde morar, sem contar as que vivem em habitações irregulares ou precárias, como favelas ou cortiços. A falta de moradia adequada é resultado principalmente das desigualdades de renda. De acordo com o IBGE, 83% das pessoas que não têm casas ou que moram em condições precárias, possuem renda familiar de até três salários mínimos. A força do mercado imobiliário é outro fator que dificulta o processo da aquisição de moradia adequada pela população de baixa renda, incontáveis edifícios se encontram em abandono a décadas, produtos da especulação esse edifícios existem sem nenhum cumprimento

de

sua

função

social.

2. Moradia enquanto direito fundamental A moradia adequada foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas, no Brasil o direito a moradia esta previsto nos artigos 5º e 6º da constituição federal como direito fundamental. Alguns outros tratados reforçam que a moradia é um dever do Estado para com seus cidadãos, hoje são mais de 12 textos relativos a essa causa. Apesar desse reconhecimento a nível mundial, possuir moradia adequada é um privilegio em muitos casos a luta pelo espaço dentro da cidade é uma batalha complexa entre a defesa dos direitos e a defesa da propriedade privada. O Estado que surge por meio de um processo de construção histórica iniciada após o surgimento da sociedade de classes (Sociedade Escravagista), tem em sua criação o dever de defender a propriedade privada e os privilégios da classe dominante, não diferente disso na sociedade capitalista como ferramenta de manutenção do sistema o Estado aplica-se ao minimamente nas relações de construção do espaço urbano e rural, tornando o mercado protagonista das transformações espaciais, a cidade perde então em alto grau seu valor de uso – sua construção coletiva – e torna-se um espaço de trocas de mercadorias, produtos e circulação de moeda. No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, parágrafo 2º, consagra que os direitos e garantias nela expressos "não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Portanto, a Carta Magna consubstancia no rol dos direitos protegidos aqueles enunciados nos tratados internacionais, incluindo os direitos humanos. O direito humano à moradia é um dos direitos sociais assegurado constitucionalmente, no artigo 6º. Entretanto, 6,5 milhões de brasileiros não têm acesso a uma moradia digna.(Osorio, 2003)


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3. A moradia, a cidade, o trabalho e o mercado.

3.1 A dinâmica do mercado e a cidade como mercadoria As dinâmicas do capital sobre a cidade tendo a revolução industrial e o surgimento do capitalismo concorrencial como indutores iniciais dessa transformação revolucionaria sobre a mesma, dita no geral a construção e a ocupação do espaço urbano, restringido minimamente pela legislação, planos diretores e pelo planejamento urbano. Como detentores do capital a classe dominante tem sobre a cidade o domínio, a cidade como mercadoria é então território da busca pela acumulação e ao mesmo tempo local hostil para aqueles que não detém o poder de consumo. Dessa maneira o uso da cidade voltado a acumulação de riqueza torna cada espaço presente nela uma mercadoria que varia seu valor conforme sua localização, sendo assim o direito a moradia torna-se um direito apenas daquele que pode pagar pelo espaço, deve-se entender também que o não direito a moradia acarreta em uma serie de problemas relacionados a identidade como cidadão, sociais e a dificuldade a garantia outros direitos em pratica.

3.1 O Aquecimento dos Setores da construção civil e a crise das cidades, o exemplo de Arapiraca. Condicionado pela rápida ascensão do setor construtivo e imobiliário através dos incentivos federais para esses setores o município de Arapiraca expandiu seu tecido urbano, empreendimentos como residenciais que vão do minha casa minha vida até áreas de alto padrão, que se multiplicarão pelas áreas periféricas nos últimos anos. Dentro desse período chegou a cidade também um shopping center, tal edificação por si só gerou dentro do espaço urbano uma luta por terras ao seu redor, os preços da terra próximas ao shopping aumentaram de forma impressionante, alguns construtores dizem que se chegou a um aumento de 250% no preço durante o período de 5 anos da construção do empreendimento em questão. Durante esse processo de aquecimento do mercado imobiliário obras por parte do Estado também transformaram o espaço da cidade, projetos de urbanização e áreas precárias funcionaram como possibilidade de higienização e/ou passo inicial para um processo maior de gentrificação das áreas com maior valor de mercado. Um grande exemplo dentro da cidade é a revitalização das margens do Lago da Perucaba, antes ocupadas por barracos que em tese seriam beneficiados pelo processo de urbanização da área, foi totalmente modificada onde existiam barracos hoje existem quiosques e equipamentos de lazer servindo muito pouco à população local e os moradores dos barracos foram deslocados para ambientes com uma realidade cotidiana e social totalmente diferente da sua dinâmica anterior. Esse tipo de ação age como facilitador da expansão e/ou aumento dos espaços de segregação sócio–espacial e consequentemente da desigualdade social da população local.


4 Com a rápida transformação da dinâmica da cidade as monoculturas perderam espaço significativo dando espaço para a circulação de riqueza através do comercio, essa rápida expansão comercial teve como consequência uma forte perda de identidade do individuo para a cidade, a cidade antes obra (valor de uso) torna-se mercadoria (valor de troca), as praticas de monocultura do fumo, da pesca, da mandioca, perdem espaço para o comercio, as populações praticantes desses setores da produção perdem-se em meio a rápida transformação do espaço e da economia. De forma alienante os novos meios de produção de riqueza transformam a cidade sem nenhum questionamento feito a população, tal caso se repete hoje na vila de pescadores as margens de um símbolo da cidade o Lago da Perucaba.

3.2 O Caso dos Pescadores do Lago da Perucaba O Lago da Perucaba (antigo açude da nação) é uma área de propriedade do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) localizada na cidade de Arapiraca-AL, produzida há décadas para beneficio da população local que subsistia através da pescaria. A população ocupante dessa área as margens do lagos em solo de propriedade do DNOCS e por consequência da união é formada por pescadores, onde a maioria se localiza em uma vila formada por 14 famílias, onde todas sobrevivem ou praticam a pesca de subsistência. Esse agrupamento populacional tem sido esquecido pelo Estado durante toda sua existência, sobrevivem sem abastecimento de agua, energia elétrica ou qualquer outro tipo de infraestrutura urbana, além da falta de infraestrutura eles sofrem pela omissão do estado em saúde, educação, transporte, etc. a eles nenhum direito fundamental é cumprido, o que lhes resta é a pesca e a partir dela obter recursos necessários a sua sobrevivência. A cerca de um ano acontece de forma obscura – sem a participação dos pescadores como parte interessada – um processo de desocupação da área de residência da vila, esse processo de retirada da comunidade é iniciado pela ocorrência de mais um projeto de urbanização de áreas precárias pelo poder municipal. De maneira muito interessante existe nas proximidades a construção de um residencial cuja a estrutura será a maior do Estado de Alagoas, possuirá entre outros equipamentos universidades (publica e privada), complexo residencial vertical, hotel e hospital, o hotel por exemplo localiza-se ilustrado na área onde hoje existe a vila de pescadores, esses fatores tornam ainda mais complexa a problemática onde se inseri o capital privado, o Estado e a comunidade local.


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O processo que correu durante o ultimo ano sem que a população local fosse ouvida, possui 14 advogados ligados a prefeitura no processo que se desenvolve a seu favor (e a favor do complexo residencial) ate o momento, mesmo o terreno sendo propriedade da união e sendo possível apenas a partir da moradia nesse local a sobrevivência de todas as famílias, a decisão encaminhada foi a desocupação pelas famílias, sendo pedida a força policial pós recusa de retirada por parte dos moradores. Existe então um conflito nítido entre os direitos de propriedade e de moradia, uma luta por território urbano, pelo direito a espaço na cidade, e da ligação entre à moradia adequada, o trabalho e a sobrevivência. Vemos dentro desse caso a luta pela sobrevivência, de um lado o privilegio de uma classe e de outro o direito a moradia e a sobrevivência, Burguesia x Proletariado.

3.3 A Moradia e o trabalho enquanto condições de sobrevivência Nesse caso da comunidade de pescadores a moradia esta estreitamente ligada a condição de sobrevivência, pois a partir dela eles mantém proximidade com a sua principal e/ou única fonte de renda e alimento que é o lago onde podem pescar. Privar essa comunidade da sua moradia no local é priva-los também do seu único trabalho, pois a moradia é mais do apenas um local de descanso, um casa, moradia é uma constituição fundamental e que se liga ao modo de vida, interação social e convívio, é uma estrutura que indica fatores importantíssimos para a vida do individuo morador. O trabalho como fundador do ser social e tema central do modo de produção capitalista aparece também como ponto de cume nesse embate. Para Marx, o homem deve ser capaz de reproduzir-se enquanto ser humano, essa reprodução é dada através de uma relação única entre homem e natureza pelo trabalho, o trabalho emerge então como ser central da relação social. É a relação de moradia/localização que possibilita a população em questão produzir as transformações em si e na natureza através do trabalho. Então tirar a moradia dos pescadores naquele local onde eles possuem matéria natural e seus instrumentos de trabalho, seria tira-lhes o trabalho, sua fonte de sobrevivência e sua fonte de construção enquanto ser social.


6 O que Marx (1844) nos diz tem haver com o sentido mesmo do humano como ser social, que transforma a natureza, e a partir desta transformação desenvolve um processo de aprendizagem de seus limites e suas potencialidades enquanto ser. Caso não seja assim, o ser humano não existe enquanto ser social, diferente dos demais seres. (Camargo apud Marx, 2011)

O trabalho em Marx vai então além do cotidiano econômico, o trabalho vai além de uma ocupação ou tarefa. Para ele o trabalho é a relação central do ser social, do homem para com a natureza e para com os outros homens, é a atividade que lhe distingui dos outros animais. Dessa maneira retirar o trabalho do ser social é o mesmo que extingui-lo, ou seja, sem o trabalho o homem deixa de existir enquanto membro de uma sociedade. Então se a moradia e o trabalho enquanto forma de transformação do homem e antes disso de sobrevivência frente a sua função social estão diretamente ligados, retirar a moradia significa retirar-lhe o trabalho, sendo assim implicando na sua extinção enquanto ser social. Vemos então que a moradia esta ligada de forma complexa para com a relação homem sociedade, homem natureza, homem função social, trata-la apenas como mercadoria com valor relativo à sua localização é tratar de forma superficial a sua função enquanto agente de formação e transformação do homem. Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana. (MARX, 2008, p.218)

4. O capital e o Estado Dentro desse embate – que de um lado tem o Estado e o Capital como interessados pelo espaço ocupado pelos pescadores e todo sua paisagem e do outro lado o trabalhador que utiliza da sua relação com a natureza para produzir bens necessários e a partir dai transforma-se e transforma o seu local – observamos uma complexidade que nos remete ao modo de produção capitalista e ao fato desse sistema transformar as próprias relações sociais em mercadoria. Temos uma situação onde o Estado age em concordância para com o Capital, em plena aliança, contra a população local, em um processo basicamente higienista que tem como consequência a extinção de uma cultura de importantíssimo valor histórico para região e mais importante ainda na escala de afetados diretos – população residente no local –, pois como já falado o trabalho que supre as necessidades dessa população de pescadores está diretamente ligado a sua moradia. Temos então um estreitamente do que é Estado e o que é Capital privado, se tomarmos como base Marx, veremos que o Estado é essencialmente um instrumento de dominação. Segundo Sergio Lessa “o Estado é uma organização da classe dominante em poder politico”, dessa maneira essa aproximação nos leva a tomar essas afirmações como reais ou no mínimo como verdade parcial. Dessa forma podemos entender que em qualquer circunstancia semelhante a relatada em que houverem empecilhos a dominação e a acumulação do capital, ou seja, da produção pela produção, o Estado tenderá a aliar-se ao mesmo como forma de manutenção da dinâmica e da expansão capitalista. Isso é exatamente a situação em que se encontram os


7 pescadores, o município aliado ao empresariado com o mesmo objetivo, a remoção dos moradores da comunidade, o mesmo município que excluiu esse grupo do restante da população, tratando-os como inexistentes durante toda sua historia é a força que hoje tenta extrai-los do seu local de subsistência e de formação social, tratados como algo indesejado, como escoria. Abandonados pelo poder municipal, a população de pescadores vive numa espécie de estado de exceção. A sociedade burguesa inventou o direito universal; ao mesmo tempo, a sociedade burguesa é uma sociedade de classe em sentido estrito: o Estado burguês é uma ferramenta de dominação social. O direito universal sempre teve um quê de mentira deslavada: ele não serve realmente aos pobres, aos trabalhadores, àqueles que devem obedecer e deixar-se explorar. Na sociedade em que os meios de produção são propriedade privada, a polícia, os juízes, os funcionários, tratam o proprietário de um jeito, e o que só possui “seus músculos e nervos” de outro. Mas, como se isso não bastasse, no cerne do Estado de direito, está a previsão de que o direito pode ser oficialmente suspenso.(Oliveira & Charcon, 2013)

Conclusão Como vimos o sistema de produção capitalista transforma as pessoas e os seus direitos em mercadoria, assim como suas relações com o ambiente e com o seu meio social. A moradia tomada como mercadoria dentro da logica do capital pode ser substituída por outra de equivalente valor de mercado ou mesmo por moeda equivalente, dessa maneira não é levado de maneira alguma durante todo esse processo de troca, que a moradia tem um valor essencial para a sobrevivência do individuo perante sua reprodução social, além de seu valor histórico e de identidade local. O espaço da cidade, o rio, todos os atributos e qualidade da paisagem são dotados de valor e acrescentam valor a terra, a localização da moradia e a própria moradia torna-se uma questão de poder aquisitivo mesmo sendo um direito fundamental, tal alienação social é responsável hoje por uma das problemáticas centrais da crise das cidades, junto ao transporte e a segurança, interligados entre si tais fatores são fundamentais a reprodução social do individuo, priva-los desses direitos transversais é priva-lo da vida em sociedade.


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Referencias

Oliveira

&

Charcon.

Estado

de

exceção

o

que

e

para

que

serve.

S/D.

http://blogdaboitempo.com.br/2013/12/20/estado-de-excecao-o-que-e-e-para-que-serve/ acesso em 06 de abril de 2015 às 20:33 min MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 3. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 201-224 ______. Trabalho assalariado e capital & salário preço e lucro. São Paulo: Expressão popular, 2008. Camargo, Marcio. Trabalho enquanto categoria fundante na existência humana e atual fase de reestruturação

produtiva

do

Capital.

S/D.

disponível

em:

http://www.secep.com.br/arquivos/Trabalho_enquanto_categoria_fundante_na_existencia_humana_ e_atual_fase_de_reestruturacao_produtiva_do_capital.pdf. Acesso em: 04 de abril de 2015.


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