3 1 antropologia e direito texto complementar

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UniEVANGÉLICA – Campus Ceres – Curso de Direito Antropologia – Professor Marcos Macedo

Texto Complementar Antropologia & Direito Uma perspectiva sociológica e antropológica do direito como fato social e objeto cultural

“Uma das marcas características da Antropologia seja, como notara Foucault, sua capacidade em nos apresentar materiais que colocam em questão nossas certezas teológico-filosóficas, inclusive aquelas relacionadas às possibilidades de produção de um conhecimento “científico”, no sentido mais positivista do termo.” Eduardo V. Vargas, Vargas, Sociólogo e Antropólogo

Como se viu em sala de aula, o Direito como ciência é ramo das ciências humanas aplicadas, predominantemente dogmático, ou seja, dedicado a compreender a dinâmica existente no conjunto de leis positivadas (produzidas e aplicadas) pelo Estado, sob uma perspectiva informativa e prescritiva. Essa é a regra predominante, é a regra geral.

Contudo, sabemos que não é essa visão que orienta a compreensão do Direito como objeto de estudo da Sociologia e, por sua vez, da Antropologia.

Não é a mera descrição da lei (entender sua formação, vigência, aplicação etc.) que importa, mas, sim, a compreensão do direito como fato social, visto como um dado social que transcende a mera produção de normas pelo Estado, porquanto exigir-se nesse estudo uma posição reflexiva a qual nos permite inclusive Jesus – o único caminho!

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investigar o direito como produto civilizacional, dos costumes herdados no decorrer do tempo e na história e, portanto, dado como produto da cultura humana.

Entendendo particularmente o direito como fato social, objeto de estudo da Sociologia, é compreender o pensamento de seu teórico precursor Émile Durkheim (1859-1917), cujo pensamento foi influenciado pelo filósofo positivista Augusto Comte. Sobre a concepção do fato social destaca-se:

Émile Durkheim definiu o objeto da Sociologia como sendo o “fato social”, isto é, ‘toda maneira de agir, fixa ou não, susceptível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter’ (In. Lakatos; Marconi, 2006). O fato social existe, portanto, de forma independente da significação subjetiva a ele atribuída pelos indivíduos de uma sociedade, uma vez que é o fato social que os conforma e não o contrário. Evidencia-se, destarte, outra característica do fato social: sua força coercitiva sobre as condutas individuais. Ora, para Durkheim, o fato social se apresenta com um objeto material (ou coisa) que pode ser explicado por intermédio de leis da causalidade social – daí a possibilidade de explicação científica sobre ele. (PAULINO, 2011, p. 19)

Em apertadíssima síntese, pode-se afirmar que fato social é a forma de fazer, agir, de maneira coercitiva, o indivíduo viver em harmonia social. Elementos: Exterioridade, Coercibilidade, Sociabilidade.

Disso, apreende-se como elementos do fato social a exterioridade, coercibilidade e objetividade (socialização). Ou seja:

i.

Exterioridade: Entendermos o fato social como coisa, assim, devemos observá-lo do exterior. Quer dizer, não nascemos sabendo, pelo que, pela sociologia, seremos capazes de compreender a realidade (social) mediante o método científico, descobrindo tais fenômenos (fato social) como se descobrem os fenômenos físicos, naturais objetos de análise das ciências naturais.

Jesus – o único caminho!

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Saber Inato: na essência desconhecemos a realidade objetivamente. No campo das ciências humanas, em particular à sociologia e seu objeto de estudo, desconhecemos de fato o que são instituições ou institutos como Estado, Soberania, Democracia etc. Temos disso uma mera ideia, vaga e confusa, restritos ao senso comum, ou seja, (pré)conceitos, (pré)concepções, de caráter não psíquico, patológico e biológico que nos são próprios, inatos.

ii.

Coercibilidade: a coerção é uma característica externa do fenômeno social que permite reconhecê-lo. Não se pretende que a coerção seja a característica essencial dos fatos sociais, mas se quer apresentá-la como a aparência externa a qual permite reconhecê-los. É elucidativo exemplificar a Para Émilie Durkheim, os pluralidade de sentidos que é dada à coercibilidade no conflitos da sociedade eram de ordem moral. Considerava a pensamento de Émile Durkheim: a moda, como meio sociedade “o fim e a fonte moral”. obrigatório implícito é difuso; as correntes de opinião Para ele, a moral e suas regras que levam ao casamento, suicídio, influência na eram essenciais ao fato social, natalidade e as instituições como escola, o próprio haja vista que as regras morais vinculavam o indivíduo em direito e o Estado, as crenças e a moral, são todos sociedade a fins sociais, coletivos. fenômenos sociais que têm em comum o fato de serem Assim, a moral exerce uma dados exteriores aos indivíduos, mas que se impõem a coerção exterior em favor da todos explícita ou implicitamente. coletividade e será papel da sociologia compreender essa realidade.

iii.

Objetividade (socialização): para Durkheim a sociedade nada mais é do que “a condição da existência social que é o consenso”. O consenso é a condição sine qua non (essencial) da existência social, pelo que tal deve ser ensinado, apreendido pelos indivíduos para que possam efetivamente ser aptos a viver em sociedade e que esta seja realmente harmônica.

Do terceiro elemento do fato social acima registrado, a socialização fundada no consenso, que é o amalgama da relação entre indivíduos e coletividade (sociedade), torna-se possível, assim, se estabelecer a harmonia social, o progresso social. Jesus – o único caminho!

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Ao comparar sociedades primitivas (ágrafas) ou tradicionais e a sociedade moderna (industrial, capitalista do século XIX) e seus problemas, e imbuído do ideal iluminista francês revolucionário de igualdade, liberdade e, particularmente, a fraternidade, Durkheim em sua obra “A Divisão do Trabalho” (1893) averiguou a referida relação indivíduos-sociedade baseada no consenso, a qual concluiu afirmando a existência de dois tipos de solidariedade – mecânica ou por semelhança e orgânica, que expressam formas extremas de organização social de sua época.

Fraternidade

A

primeira,

solidariedade

mecânica

ou

por

semelhança, compreendem aquelas sociedades primitivas ou

=

tradicionais em que a consciência individual é rigidamente Solidariedade

imposta pela consciência coletiva, enquanto a segunda, solidariedade orgânica, baseia-se na diferenciação promovida

pela divisão do trabalho inerente à sociedade moderna, industrial e capitalista. Podese assim afirmar:

Solidariedade Retoma a ideia de Fraternidade, um dos ideais da Revolução Francesa, sendo o meio pelo qual a sociedade, a partir do consenso, promove a

A solidariedade mecânica ou por semelhança caracteriza as sociedades onde os indivíduos diferem pouco um dos outros. Membros de uma mesma coletividade, eles se assemelham porque têm os mesmos valores, sentimentos, reconhecem os mesmos objetivos como sagrados. A sociedade tem coerência porque ainda não se diferenciaram. Em oposição, a solidariedade orgânica é aquela em que o consenso – unidade coerente da coletividade – resulta uma diferenciação, ou se exprime por seu intermédio. Durkheim chama de orgânica a solidariedade baseada na diferenciação das profissões e a multiplicação da atividade industrial a que os indivíduos estão submetidos na sociedade capitalista do século XIX, fazendo uma clara analogia aos órgãos de um ser vivo, cada qual com formas e funções distintas, embora todos essenciais para a vida. (Rymond Aron, 1999)

harmonia social.

Se de um lado chega-se a duas formas de organização extremas, na própria sociedade moderna (orgânica, diferenciada) e suas contradições explícitas Jesus – o único caminho!

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coexistirá, por conta de haver estruturas segmentárias, instituições regidas pela solidariedade mecância, mesmo que em menor grau.

As duas formas de

Para Émile Durkheim, o meio pelo qual os estados

solidariedade evoluem em razão inversa: enquanto uma progride, a outra se retrai, mas cada uma delas, a seu modo, cumpre a função de assegurar a coesão social nas sociedades simples ou

de consciência (consciência coletiva) não perceptíveis da sociedade moderna industrial, regida pela divisão do trabalho, podem ser reconhecidos e compreendidos, destacadamente, a partir dos fenômenos jurídicos (direito repressivo e direto restitutivo).

complexas.

Disso, pode-se afirmar, como melhor exemplo, que o Direito Penal particularmente a persecução penal exercida pelo Estado ao prescrever o que é crime e, por conseguinte, estabelecer/aplicar sanções para coibir tais práticas, é exemplo claro e evidente de solidariedade mecânica – direito repressivo; e, por outro lado, a concepção de Estado de Direito (regidos por uma Constituição como norma superior),

marca

do

estatuto

político

da

modernidade, decorre do estabelecimento de

Em que pese decorrer dos costumes

um contrato entre os indivíduos em delegar ao

difusos, o Direito é uma forma estável

Estado e suas instituições, regidos pela Lei, o

externo e objetivo que simboliza os

dever de promover a harmonia na sociedade sendo tal contrato o elemento norteador da diferenciação social e, portanto, um exemplo claro e evidente de solidariedade orgânica – direito restitutivo.

e precisa e serve, portanto, de fator elementos mais essenciais da solidariedade social. Para o sociólogo, o papel do Direito é, nas sociedades complexas, análogo ao do sistema nervoso: regula as funções do corpo. Por isso expressa também o grau de concentração da sociedade devido à divisão do trabalho social.

E se, além disso tudo, acrescermos a cultura como dado relevante para a compreensão do próprio Direito ou, como afirmamos anteriormente, o direito como produto da cultura humana? Jesus – o único caminho!

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Assim, para se entender a relação entre cultura e o direito, deve-se estabelecer uma divisão entre costumes sujeitos a sanções informais e difusas, e as leis, que exigem sanções formais e espefíficas.

A diferença entre costume e lei quer dizer que esta seja obrigatória e o costume não, em que pese o costume poder ter conotações de “dever-ser” tão forte quanto as normas legais.

O costume é inerente a todos e a cada uma das instituições. Há costumes familiares, religiosos, econômicos e políticos. Ex. proibição de casamento entre pessoas de diferentes credos, etnias etc.

Em certas sociedades e em certas circunstâncias aparece um âmbito institucional especial – o âmbito legal: o direito – no qual algumas das regras, não todas, são recriadas fora de seu contexto, para converter-se em critérios universais de conduta que, formalmente codificadas, devem ser impostas pela autoridade e a partir de processos coercitivos, adjudicatórios.

Vale

ressaltar

nessa

perspectiva,

antropológica

portanto,

a

manifestação material tanto quanto simbólica do direito decorrentes da lei ou dos costumes (particularmente o direito consuetudinário, cujas normas não emanam do Estado), entendidos num processo plural (pluralismo jurídico) de construção e reprodução das identidades culturais, em que particularmente se quer compreender o que vem a ser o homo juridicus, ou melhor, propor-se a reflexão sobre o ser humano que: pode ser apreendido enquanto um sujeito constituído normativamente e inscrito culturalmente pela “herança” que recebe e da qual deverá dar conta em sua existência compartilhada em comunidade com outros humanos, seja em Jesus – o único caminho!

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sociedades ‘simples’ ou ‘complexas’. [...] ‘Herança’, não esqueçamos, no plano simbólico é noção jurídica, e para o direito ela é o patrimônio que recebemos após a morte de nossos pais ou parentes...’Nesse sentido, a ‘herança’, enquanto signo de profunda reverberação jurídica, extrapola o seu sentido instrumental de se referir àquilo que se percebe num processo sucessório, para significar a base sociocultural própria com a qual o indivíduo é conclamado a viver, isto é, a efetuar sua projeção existencial enquanto ‘carne’ e ‘espírito’. É a partir da letra (escrita), da lei e de suas respectivas inscrições que o ser humano, agora sujeito (e sujeitado), dá início a sua jornada enquanto “animal metafísico”, este ser dual, a se colocar entre matéria e espírito, liberdade e limites, entre si (ego) e o outro (alter), entre ser e dever-ser. O direito, a lei, a norma são partes atuantes desse processo de viver entre o ‘real’ e o ‘simbólico’, numa vida que é, de fato, a mescla dinâmica entre essas duas dimensões, dependendo, o sujeito, para se guiar nessa ‘corda bamba’, do equilíbrio proveniente de sua razão. A razão, o logos dos gregos e a racionalização dos contemporâneos, objetiva e desmistifica, tal qual preconizou o iluminismo, acaba sendo fiada em meio a uma porção de crenças não demonstradas, mas, ainda assim, ‘certezas’... para uma série de certezas seguintes, essas em larga medida demonstráveis, que serão produzidas a partir daqueles dogmas, dentre elas, a certeza do ou no Direito vigente. [...] Esse é o papel fundante do direito (ou da lei, se tal passagem for interpretada dentro do caráter reducionista com que se apreende e se pratica o Direito hoje): a constituição jurídica do sujeito. (PAULINO, 2011, 71-73) (grifamos)

Jesus – o único caminho!

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