Antonio Gramsci e Karl Mannheim - Campo Social

Page 1

1


FONTES DE PESQUISA

O objetivo deste trabalho está relacionado às análises sociológicas feitas por dois importantes pensadores do século 20, sobretudo no que diz respeito ao sistema educacional. Inicialmente, apresentaremos suas histórias de vida, para assim sabermos o ponto de partida de cada um. Ambos tiveram matrizes teóricas diferentes, e consequentemente, embasaram suas análises de formas distintas, mas não completamente opostas. O teórico Antonio Franscesco Gramsci - nascido em Ales, na Sardenha em 1891, numa família pobre e numerosa – fazendo uso do materialismo histórico, defendia a práxis filosófica e acreditava em uma revolução cultural, que com a hegemonia da classe operária teria intelectuais advindos desta mesma classe para administrar o Estado, para assim, implantar uma sociedade civil contrária ao que vinha do Estado. Essa revolução teria como principal arma a escola, que seria unitária e garantiria a unidade de pensamento, uma nova cultura. O sociólogo Karl Mannheim (1893-1947) acrescenta às pedagogias do cultivo e do treinamento a perspectiva de um programa para a mudança da educação. Para que essas mudanças ocorressem seria preciso fazer o uso da ciência social - a sociologia, pois somos socialmente orientados. Uma educação sadia poderia contribuir para a regeneração da sociedade e do homem. Defendia uma sociedade que fosse essencialmente democrática; uma democracia de bemestar social dirigida pelo planejamento racional e governada por cientistas. Gramsci e Mannheim eram homens de seus tempos, ambos em busca de um programa educacional que visasse o modelo de sociedade que defendiam. Objetivando mostrar que os dois buscavam a superação da sociedade existente por meio de uma proposta educacional, este trabalho responderá as seguintes questões: Qual sociedade? Qual educação? Qual escola? E qual indivíduo esses autores do século 20 defendiam.

PROTÁSIO, Alexandre. O marxismo gramsciano: política e liberdade. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/ 083/83protasio.htm.; SABÓIA, Beatriz. A filosofia Gramsciana e a Educação. Disponível em: http://pt.slideshare.net/julianasareid ne1/o-momento-gramsciano; LEÃO, Wandelcy. Antonio Gramsci: Biografia e educação. Disponível em: http://pt.slideshare.net/WandelcyLea oJunior/antonio-gramsci-biografia-eeducao; DORE, Rosemary. Escola Unitária. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/20 10/03/escola-unitaria/; Biografias y vidas. Antonio Gramsci. Disponível em: http://www.biografiasyvidas.com/bio grafia/g/gramsci.htm; FERRARI, Márcio. Antonio Gramsci. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.b r/aprendizagem/antonio-gramsci307895.shtml; UFCG. Biografia

de Kral Mannheim. Disponível em:

http://www.dec.ufcg.edu.br/bio grafias/KarlManh.html; C.A. Barata Silva. Karl Mannheim: Vida, obra e herança cultural Acesso em: www.tst.jus.br/documents/; VENICIUS, Leonardo. Gramsci e a filosofia da práxis. Disponível em:

http://www.planetaeducacao.c om.br/portal/artigo.asp?artigo= 2047, ANTONIO, Fabrício.

Acadêmicos Izabelle Fernandes Alves Larissa Debastiane Letícia Cristine Pereira Marcos Serrão dos Santos Patrícia de Paula Teixeira

Aspectos epistemológicos e políticos da Sociologia do Conhecimento Pelotas; Pensamento, 2012; GROPPO, Luís. Manheim e a educação como mobilização. Disponível em: www.histedbr.fe.unicamp.br

2


SUMÁRIO Gramsci: Um sujeito de 1,5m e um grande líder revolucionário pág. 4 O intelectual italiano Antonio Francesco Gramsci (1891 – 1937) não escreveu livros em sua vida, mas várias obras literárias foram publicadas postumamente com seus escritos...

Disputa pela Hegemonia pág. 5

Unidade Escolar pág. 6

Conquistar a hegemonia por meio do trabalho de convencer as classes subalternas a aceitar a divisão social não se restringe ao mundo das ideias...

A proposta educacional de Gramsci organiza-se a partir do princípio educativo do trabalho, formulado em estreita relação com a escola humanista e com sua perspectiva de formar dirigentes...

Mannheim: um dos primeiros teóricos da sociologia da educação pág. 9 Dedicado particularmente às questões educacionais, onde se tornou um dos primeiros teóricos da sociologia da educação...

Planejamento Social pág. 10

Democratização Escolar pág. 11

No plano da intervenção política, Mannheim projeta a Sociologia do Conhecimento como campo apropriado para o planejamento social...

A juventude é um elemento fundamental do planejamento democrático, ao lado da educação social conduzida pela intelectualidade...

3


Gramsci: Um sujeito de 1,5m e um grande líder revolucionário

intelectual italiano Antonio Francesco Gramsci (1891 – 1937) não escreveu livros em sua vida, mas várias obras literárias foram publicadas postumamente com seus escritos. Foi um militante político que participou do partido socialista italiano e fundador do partido comunista na Itália. Vivendo no início do século 20, além de militante comunista, foi um teórico da política e um estudante universitário que morou na parte pobre da Itália. Nos primeiros meses como universitário vive isolado e sofre graves dificuldades materiais, padecendo de um esgotamento nervoso. Interessava-se, particularmente, pelos estudos de glotologia, realizando algumas pesquisas sobre o dialeto sardo. Gramsci frequentou também o curso de Literatura italiana ministrado por Umberto Cosmo. Nesta época, conhece Palmiro Togliatti, de quem se torna amigo. Pouco tempo depois, fazem juntos uma pesquisa sobre a estrutura social da Sardenha. Em 1914, concursou Literatura na Universidade de Turim, em contato com a Federação Juvenil Socialista, o que terminou com sua filiação ao Partido Socialista.

O

Em 1919, abandona o curso para defender suas ideias. Constituí o Jornal de Esquerda L '' Ordine Nuovo'' e defende a participação do proletariado na politica fazendo propaganda a favor da organização de conselhos de trabalhadores fabris. Em 1921, com outros militantes e intelectuais de esquerda, funda o Partido Comunista Italiano. Devido suas atividades políticas de oposição ao regime fascista, foi preso em 1926 e condenado a mais de 20 anos de prisão. Durante o tempo em que cumpre a pena, escreve seus 32 cadernos de reflexão, publicados postumamente com o título de Lettere del Carcere (Cartas do Cárcere, 1947). Em 1937 foi solto, mas, com sua saúde fragilizada sofre um derrame cerebral pouco tempo depois. Gramsci morre aos 46 anos, no início da manhã de 27 de abril. Suas cinzas são depositadas em uma urna e supultadas no Cemitério de Verano e, posteriormente, foram transferidas para Cemitério dos Ingleses, em Roma.

Além de ser conhecido por sua crítica ao regime totalitário da Itália, o fascismo – onde as relações sociais são mediadas pelo ódio e pela violência - Gramsci também faz críticas ao modelo escolar do seu tempo. Antes dos dois anos, foi vítima de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. E, apesar de ser um sujeito com uma saúde muito frágil, se tornou um grande líder revolucionário na Itália e uma das principais referências mundiais quando se trata do marxismo. No movimento operário, Gramsci procurava criar processos de formação dos operários e quando esteve preso criou uma escola dentro da prisão, acreditando que o processo de elevação cultural das pessoas poderia resultar em outro tipo de ação de cada cidadão. Mesmo com vida marcada por problemas de saúde e políticos, Gramsci deixou suas marcas em várias áreas do conhecimento humano.

Gramsci tem uma influência muito presente no Brasil. Criticando a pedagogia tradicional, Paulo Freire, quando exilado pela ditadura militar, entrou em contato com os escritos de Gramsci. A pedagogia Histórico-Crítica, elaborada pelo professor paulista Demerval Saviani, também se assemelha a proposta educativa de Gramsci. Assim, dois dos maiores educadores brasileiros, tiveram influência do intelectual italiano. Da esquerda à direita, Demerval Saviani e Paulo Freire.

4


DISPUTA PELA HEGEMONIA

G

ramsci é um teórico de renome porque renovou uma tradição teórica muito presente em sua época e ainda presente nos dias de hoje: a corrente filosófica marxista. Foi no cárcere que “desenvolveu” com mais profundidade seu pensamento marxista e sua arguta fundamentação da filosofia da práxis. Para o autor, a filosofia da práxis é uma atitude crítica de superação da antiga maneira de pensar, tendo como elemento importante o pensamento concreto existente. A filosofia da práxis busca a superação do senso comum e propõe elevar a condição cultural da massa e dos indivíduos. Nesse sentido, a educação é uma dimensão estratégica na luta pela transformação da sociedade. Essa sociedade civil constitui o ponto de partida para sua análise, nela se expressam: o partido político, o sindicato, a imprensa e também a escola. O surgimento dessas instituições indica um processo de organização das classes subalternas, mas também mostra que os grupos dominantes atuam nas instituições da sociedade civil difundindo concepções de mundo com o objetivo de obter o apoio das massas para seu projeto político de governo. O trabalho realizado pela burguesia nas instituições da sociedade civil – considerados por Gramsci como aparelhos de hegemonia - deixa aberta a disputa pela direção cultural da sociedade. Essa ideia aproxima-se do que Gramsci entende como “trama privada”, chamando a sociedade civil de “aparelho ‘privado’ de hegemonia”. As instituições da sociedade civil são compreendidas como “trincheiras de luta” porque nelas se dá o confronto entre projetos sociais e políticos que se contrapõem, no quadro da disputa pela hegemonia. Conquistar a hegemonia por meio do trabalho de convencer as classes subalternas a aceitar a divisão social não se restringe ao mundo das ideias. As concepções de mundo são acompanhadas de comportamentos: um modo de pensar tem um modo de agir correspondente. Se as massas apoiam o Estado capitalista, o Estado torna-se hegemônico, exercendo a direção intelectual e moral da sociedade. Percebendo essa “trama”, Gramsci destaca a importância de um movimento intelectual que difunda novas concepções de mundo para transformar a consciência civil das massas populares e produzir novos comportamentos. Dessa forma, a reforma intelectual e moral se darão com a conquista das classes subalternas para outra concepção de mundo e, assim, romperem com a direção do Estado capitalista.

“Gramsci destaca a importância de um movimento intelectual que difunda novas concepções de mundo para transformar a consciência civil das massas populares e produzir novos comportamentos.”

As liberdades civis e políticas também são questionadas por Gramsci. De nada valiam os direitos conquistados com a ampliação da democracia, como o direito político do cidadão de escolher seus dirigentes e poder ser dirigente, se as massas tinham dificuldades para se organizar politicamente, para se expressar com coerência e de forma unitária e ainda lhes faltavam elementos conceituais para criticar seus governantes. Nesse cenário, o teórico coloca a política como instrumento de construção da liberdade, de rompimento gradativo ou abrupto com um mundo dominado pelas necessidades da economia e suas dinâmicas. A socialização da política possibilita a construção de uma sociedade em que os homens podem desenvolver suas potencialidades plenamente e não apenas a partir das demandas do mercado de trabalho. O homem, para Gramsci, carrega as possibilidades cognitivas e físicas para sua libertação. A educação transformadora também pode ser um instrumento da passagem do mundo da necessidade para o da liberdade, rompendo com a concepção individualista de liberdade no capitalismo, onde o homem não possui as condições materiais adequadas para desempenhar suas funções políticas. Ao discutir o papel da escola, o autor sardo propõe .

uma grande revolução na forma como são organizados os currículos e o próprio sistema de ensino. O objetivo era unificar a escola, pois esta estava dividida entre o humanismo clássico ensinado para as classes dirigentes, e o ensino técnico para os filhos das classes subalternas.

5


UNIDADE ESCOLAR

ORGANIZAÇÃO

Relacionada estreitamente com seu projeto de sociedade, Gramsci atribuía à escola o papel de gerar uma sociedade igualitária. Para isso, defendia uma escola unitária com uma educação humanista para todas as classes, voltada para a formação intelectual e moral de um tecido social antiautoritário. Assim, sua proposta educacional concentrava-se no papel da cultura dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Nesse sentido, a escola única é indicada por Gramsci porque reforça o princípio da unidade do trabalho intelectual e manual. No entanto, uma profissionalização ocorrida de forma precoce impossibilitaria a formação de um homem completo. Então, Gramsci procura definir uma formação que possibilite às classes subalternas não apenas obter qualificações técnicas que lhes permitam se inserir no mundo produtivo como também adquirir uma sólida formação geral que possibilite ampliar sua participação no governo da sociedade. A proposta educacional de Gramsci organiza-se a partir do princípio educativo do trabalho, formulado em estreita relação com a escola humanista e com sua perspectiva de formar dirigentes. Isso não significa que haverá uma divisão da educação com o trabalho da fábrica, mas partir da “técnica-trabalho” para atingir a “técnica-ciência” e a “concepção histórica e humanista”. Seria um sistema educacional híbrido; união do caráter humanista com o científico. Com essa abordagem seria possível formar dirigentes especialistas para a sociedade . Essa escola seria uma escola pública, mantida pelo Estado e responsável pela formação do intelectual orgânico por meio do qual ocorreria a revolução cultural - a mente antes do poder. Para Gramsci, ainda é preciso fazer o uso da coerção para elevar o indivíduo a uma condição superior, daí o caráter coercitivo da tarefa educativa, que ao disciplinar o aluno está fazendo-o possuidor de uma nova concepção de mundo; uma concepção mais elaborada, mais autônoma. Tal autonomia iria em direção ao desejo da igualdade social, que se torna uma referência para criticar as desigualdades produzidas pelo sistema capitalista.

Escolas públicas: bibliotecas especializadas, salas para trabalhos de seminários, dormitórios e refeitórios; ampliação de prédios, material didático e corpo docente; poucos alunos por professor.

GRAUS Etapa básica: 3,4 anos – ler, escrever, fazer contas, geografia, história, direitos e deveres, primeiras noções de Estado e de Sociedade; Etapa média: 6 anos; (criar os valores fundamentais do humanismo, da autodisciplina intelectual e da autonomia moral); Conclusão: 15, 16 anos; O docente não deve ser passivo e sim engajado nessa proposta; Estímulo a criatividade.

Nota-se que o “princípio unitário” está relacionado com a luta para a igualdade social, para a superação das divisões de classe que separam a sociedade entre governantes e governados. Com isso, Gramsci destaca que o princípio unitário ultrapassa a escola como instituição: “O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário se refletirá, por isso, em todos os organismos de cultura, transformando-os e dando-lhes um novo conteúdo”. Quando Gramsci discute a escola, portanto, está discutindo a questão da hegemonia e sua íntima ligação com a formação de intelectuais. Assim como a escola, todas as outras formas de expressão cultural devem ser discutidas para serem entendidas, pois assim seria entendido como a hegemonia burguesa se instala na sociedade e, consequentemente, a forma para desinstalá-la. É assim que Antonio Gramsci fez para compreender a teoria e a prática burguesa de seu tempo, assinalando que para construir uma nova hegemonia é preciso essencialmente a construção de uma escola unitária.

6


7


8


Mannheim: Um dos primeiros teóricos da sociologia da educação sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893 1947) iniciou seus estudos de filosofia e sociologia em Budapeste. Estudou também em Berlim e Paris. Em Heidelberg, onde Mannheim foi aluno do sociólogo Alfred Weber, irmão de Max Weber. Foi professor de sociologia em Frankfurt a partir de 1934. Em 1935, com a ascensão do nazismo Mannheim deixou a Alemanha para tornar-se professor da London School of Economics.

O

Inicialmente o marxismo exerceu uma forte influência sobre o pensamento de Mannheim, no entanto acabou abandonando-o por não acreditar que fossem necessários meios revolucionários para alcançar uma melhor sociedade. Seu pensamento assemelha-se em certos aspectos aos de Hegel e Comte: acreditava que, no futuro, o homem iria superar o domínio que os processos históricos exercem sobre ele. Dedicado particularmente às questões educacionais, onde se tornou um dos primeiros teóricos da sociologia da educação. Na política acreditava que as minorias socialmente conscientes eram capazes de evitar a transformação da sociedade de massas em ditadura totalitária. O trabalho de Mannheim divide-se, basicamente, entre duas fases que se relacionam com a sua experiência na Alemanha e com sua carreira desenvolvida na Inglaterra. A primeira fase constitui-se dos primeiros escritos de Mannheim e representam a parte principal de sua obra que é a Sociologia do Conhecimento. Nesses períodos, Mannheim produziu: “Interpretação de” “Weltanschaung” (1923), “O Problema da Sociologia do Conhecimento” (1925), “O Problema das Gerações” (1928), “Competição Enquanto Fenômeno Cultural” (1929), “Ideologia e Utopia” (1929/1931) e “Ensaio sobre a Sociologia da Cultura”, publicado postumamente em 1950. Os primeiros escritos de Mannheim expressam sua luta contra a herança do idealismo, com a tentativa de revisar suas reflexões sobre o conhecimento e torná-las algo mais útil na análise sociológica. Tais escritos faziam crítica à concepção de história intelectual do conhecimento em que o desenvolvimento autônomo e sequente das ideias estava presente.

Posteriormente, no seu ensaio “O Problema de uma Sociologia do Conhecimento”, Mannheim fez uma descrição dos demais métodos de conhecimento, apontando suas falhas e tecendo razões para legitimar a metodologia que ele propôs. Mannheim propunha um novo método de conhecimento, o de investigar o pensamento como resultante de fatores sociais, na sua forma real e como funciona na vida política e social. Mannheim afirma que todo ato de conhecimento não resulta apenas da consciência puramente teórica, mas também de inúmeros elementos de natureza não teórica, provenientes da vida social e das influências e vontades a que o indivíduo está sujeito. Em síntese, as experiências vividas alicerçam as teorias. Estas são formuladas por homens dentro de certos grupos, pois o indivíduo isolado apenas participa do processo do pensamento, levando junto o que os outros pensavam entre eles. Na segunda fase, o estudo da Estrutura da Sociologia Moderna ganhou força com sua preocupação com a sociedade de massa e sua crescente burocratização e democratização. Neste período sua produção foi muito influenciada por Max Weber, e ele manifestou seus primeiros envolvimentos relacionados com a personalidade e cultura no planejamento social. Expandiu a questão dos intelectuais relativamente desvinculados de classes sociais, utilizando o termo intelligentsia cunhado por Alfred Weber, introduz uma análise do irracionalismo na política. A Sociologia do Conhecimento praticada por Mannheim não encontrou muitos seguidores, isso se deve a vários acontecimentos. Seus alunos de Frankfurt foram espalhados e deixaram de seguir carreira. Na “London School of Economics”, os estudantes interessados na pesquisa empírica não estavam devidamente preparados para fazer os tipos de pesquisas que Mannheim mais se identificava. A duração da Segunda Grande Guerra também trouxe enormes prejuízos para o desenvolvimento da sociologia de Mannheim, interrompendo, na Inglaterra, seu ensino.

9


PLANEJAMENTO SOCIAL

N

o plano da intervenção política, Mannheim projeta a Sociologia do Conhecimento como campo apropriado para o planejamento social. Neste sentido, a base científica responsável por apreender os fenômenos sociais converte-se em uma técnica social. A primeira aproximação que podemos fazer do conceito de técnica social no pensamento mannheimiano é deslocá-la para a concepção de planificação social a fim de entendê-la enquanto parte de um processo mais amplo, no qual a ciência consegue se voltar sobre a realidade social e orientá-la. Neste sentido, técnica social é um mecanismo de intervenção científica na sociedade. A preocupação de Mannheim para com o uso da técnica em sociedade remete aos problemas sociais desencadeados a partir da violência impostas pelos regimes totalitários amparados por diversos mecanismos e procedimentos, entre os quais se destacam a propaganda e os armamentos bélicos. Diante deste cenário, a orientação técnica pelo viés científico no âmbito social pode contribuir para o aperfeiçoamento da vida dos indivíduos. Para tanto, é necessário fazer com que a ciência seja mantida em vinculação direta com as ações humanas, o que, em outras palavras, caracteriza a junção da Sociologia do Conhecimento, anteriormente apresentada, com a etapa da Planificação Democrática, correspondendo à função social da ciência. Conforme afirma Mannheim, “o progresso da técnica de organização não é nada mais do que a aplicação de conceitos técnicos às formas de cooperação humana”. A orientação dos homens no desdobrar do processo de planificação remete aos elementos irracionais da vida cotidiana que devem ser apreendidos dentro do processo de racionalização da vida social. Além disso, a realidade social quando submetida à racionalização deve ser compreendida, segundo Mannheim, de dois modos. Por um lado, é necessário manter presente o aspecto singular de uma localidade em uma época específica; de outro modo, uma realidade social deve ser entendida nos seus vários aspectos. Em vista disso, o controle atua de modo integrado, promovendo a orientação paralela da economia, política, administração, educação e assim por diante. Em meio às várias dimensões constitutivas da sociedade, Mannheim aponta a educação como ponto de partida para a implantação do planejamento social. Ao iniciar por meio da educação, o processo de planificação segue duas perspectivas: primeiro, há apenas um princípio único de todas as técnicas sociais, o da influência do comportamento humano, fazendo as pessoas agirem de uma forma desejada. Segundo, o mesmo comportamento pode ser conseguido ora por um ato único de compulsão direta, ora por uma combinação de controles sociais. Assim, as técnicas sociais direcionadas a influenciar o comportamento humano na etapa da planificação são aplicadas sobre a esfera social por meio do método direto, por um lado e, de modo mais abrangente, através do método indireto, porém, não há impossibilidade em atuar com os dois ao mesmo tempo. Para Mannheim, o primeiro método direto está localizado nas relações com maior proximidade entre os indivíduos. Nesse sentido, para efetivar o planejamento através do método direto, o planificador deve observar as atitudes individuais, imaginando as consequências diretas do

próprio ato praticado. Tal característica do planejamento determina a diferença básica entre uma sociedade livre e uma sociedade planificada no âmbito individual. Nas palavras do autor: “uma sociedade planificada procurará influenciar os níveis de expectativa entre as diferentes classes. Tal sociedade evita muitas das dificuldades em que uma sociedade livre se envolve, porque é capaz de adaptar o nível de expectativas aos desejos que é possível atender”. Em se tratando de condições sociais mais abrangentes, nas quais a influência do comportamento através da técnica social não é direcionada ao indivíduo em particular, mas sim aos grupos sociais, Mannheim destaca o método indireto de controle a partir de cinco níveis diferentes de atuação, em conformidade com a realidade social em questão: 1) massas desorganizadas; 2) grupos concretos; 3) estruturas de campo; 4) situações variadas; 5) mecanismos sociais. Em cada uma destas circunstâncias, passa a ser enfatizado o contexto objetivo das atividades correspondentes ao grupo social. Em relação a isso, a via dos mecanismos sociais contribui para que a planificação não permaneça limitada a apenas uma esfera da sociedade, produzindo um planejamento predominantemente econômico, por exemplo. Ao fazer uso dos mecanismos sociais, o autor afirma ser possível desenvolver a sociedade com base na diversidade de aspectos que a constitui. Neste caso, planejar significa também não sufocar as diferentes fases e condições da realidade social.

10


DEMOCRATIZAÇÃO ESCOLAR

E

m busca de um programa de estudos em sociologia da educação que auxiliasse na superação das divisões em blocos políticos e ideológicos, Mannheim diz que mobilização para a democracia ativa se daria principalmente via educação escolar e social. A educação social deveria atingir, sobretudo, os jovens. Mais do que moralizar a criança, ênfase da educação moral, se tratava agora de mobilizar a juventude, foco da educação social de Mannheim. A juventude é um elemento fundamental do planejamento democrático, ao lado da educação social conduzida pela intelectualidade esclarecida. Segundo Mannheim, a juventude não está comprometida de antemão com o status quo e com os horizontes estreitos de sua classe social. Ela chega à vida pública como alguém que veio “de fora” e se depara com o caos dos valores antagônicos em choque. Trata-se de um grupo sem interesses comprometidos, com visão de mundo ainda aberta, um estranho neste mundo confuso, o que facilmente leva os jovens para movimentos de contestação social. Esta seria a grande potencialidade da juventude, potencialidade que não costuma ser usada em sociedades estáticas, mas que se trata de uma força fundamental a mobilizar nas sociedades dinâmicas. Nesse sentido, Mannheim também discute como a desintegração social desemboca na desintegração da personalidade, causa fundamental do fenômeno do totalitarismo. Através da educação social, base do planejamento democrático, seria possível construir um novo tipo de personalidade, de tipo democrático e, assim, um novo tipo de cidadão. A personalidade democrática é aquela que enfrenta as situações sociais com a disposição de cooperar, que possui uma conduta integradora que é capaz de tolerar os outros e as suas opiniões, mas cujo respeito às diferenças não enfraquece sua adesão militante e participativa aos valores democráticos. A construção da personalidade se daria através de três métodos principais: a identificação aos pais (que constrói o “superego”, através da identificação para com uma autoridade externa); o condicionamento externo (através de recompensas e castigos); e a responsabilidade individual (que constrói

uma subjetividade que se autodetermina). Mannheim afirma que as sociedades totalitárias descobriram e utilizaram sistematicamente os dois primeiros métodos, capazes apenas de produzir personalidades de tipo inferior, predispostas a aderir a regimes totalitários. Não se tratavam de métodos a ser descartados numa sociedade democrática, ao contrário, mas eles precisariam ser integrados ao terceiro método: a construção da responsabilidade individual, baseada no operativismo democrático, através da discussão, da escolha entre opções e do cultivo da decisão deliberada. Assim, os métodos tornam-se fases que desembocam na personalidade democrática. Nas fases finais da educação a espontaneidade e a iniciativa do educando devem ser incentivadas, bem como a capacidade de oposição à opinião geral. Nesse sentido, é prioridade a transformação da “ordem moral” existente, que requer a mobilização da juventude para os valores da democracia ativa. Mannheim considera que o excessivo desenvolvimento da racionalidade formal (ou funcional, que leva em conta apenas a adequação dos meios aos fins da ação econômica) fez regredir a racionalidade material (ou substancial, que questiona os fins da conduta racional). A planificação democrática e a própria sociedade democrática parecem ser a redenção da racionalidade substancial, cultivada em formas democráticas de participação nas decisões. O caráter das propostas de reforma social colocadas por Mannheim é pouco profundo e inovador. Ao indicar algumas ações concretas, adere muito mais a uma solução de compromisso e continuidade. Nota-se que defende o papel ainda crucial de valores, instituições e elites tradicionais; em que massas ignorantes ou deseducadas seriam um perigo. A reforma estrutural de Mannheim enfatiza a continuidade da sociedade liberal-burguesa no comando. A democratização escolar proposta pelo sociólogo, portanto, está ligada com a importância da construção de uma nova elite que encarnaria os ideais da democracia militante. Tal nova elite seria construída a partir da seleção entre os membros das juventudes das classes médias que mais se destacarem no processo da educação social.

“Queremos compreender nosso tempo, as dificuldades desta Era e como a educação sadia pode contribuir para a regeneração da sociedade e do homem”. Karl Mannheim

11


12


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.