"O lápis Mágico de Malala"

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O lápis mágico de Malala

Acreditas em magia?

Q

uando eu era mais nova, costumava ver um programa na televisão sobre um menino que tinha um lápis mágico. Se ele sentia fome, desenhava uma tigela

de caril, e a tigela aparecia. Se ele e os amigos estavam em perigo, desenhava um polícia. Este menino era um pequeno herói, sempre pronto para proteger as pessoas que precisavam de ajuda. Como eu desejava também ter um lápis mágico!

Se eu tivesse um lápis mágico, usá-lo-ia para... ...pôr uma fechadura na porta do meu quarto, para que os meus irmãos não me incomodassem. ...parar o tempo, e assim poder dormir mais uma hora todas as manhãs.


...eliminar o cheiro da lixeira perto da nossa casa. E usá-lo-ia para tornar as outras pessoas felizes.

Desenharia… ...os vestidos mais bonitos do mundo para a minha mãe. ...os melhores edifícios do vale para o meu pai, para que ele pudesse abrir muitas escolas onde as crianças estudassem de graça.

...uma bola de futebol a sério, para que eu e os meus irmãos não tivéssemos de brincar com uma meia velha cheia de lixo.

À noite, antes de ir para a cama, exprimia o desejo de ter um lápis mágico que fosse só meu. E de manhã ao acordar, abria a gaveta da mesinha de cabeceira. Mas o lápis mágico nunca estava lá.

U

m dia, fui à lixeira deitar fora cascas de batata e de ovo. Ia a franzir o nariz e a

enxotar as moscas, ao mesmo tempo que procurava ter cuidado para não pisar o lixo com os meus sapatos bonitos. De repente, vi uma menina da minha idade a esgaravatar no monte de lixo.


E alguns meninos, procuravam bocados de metal com ímanes na ponta de cordéis. Quando o meu pai chegou a casa após o trabalho, contei-lhe o que tinha visto. Ele ficou muito triste.

— Aba? — Sim, jani? — disse ele. Eu adorava ouvir o meu pai chamar-me «querida». — Porque será que nunca tinha visto aquela menina na minha escola? — Porque... — começou ele, mas não terminou logo. — Porque, jani, no nosso país nem todos os pais mandam as filhas à escola. E algumas crianças têm de trabalhar para sustentar a família. Aqueles meninos vão vender os bocados de metal que encontrarem. Se estivessem na escola, as suas famílias passariam fome. A escola era o meu lugar preferido, mas eu nunca me tinha considerado uma pessoa com sorte por poder frequentá-la. O meu pai sempre disse: «A Malala viverá livre como um pássaro.» Perguntava-me agora a mim mesma até que ponto eu seria realmente livre.

Naquela noite, pensei nas famílias que não tinham comida suficiente. E na menina que não podia ir à escola. E pensei até no facto de todos esperarem que, quando eu fosse mais velha, tivesse de limpar a casa e cozinhar para os meus irmãos porque, de onde venho, as meninas não podem vir a ser aquilo com que sonham.


Foi então que me apercebi de que, se tivesse o lápis mágico, usá-lo-ia para desenhar um mundo melhor, um mundo de paz. Primeiro,

erradicaria

a

guerra,

a

pobreza e a fome. Depois desenharia meninas e meninos, todos eles com direitos iguais.

D

urante os anos seguintes, à noite, em vez de desejar ter um

lápis mágico, apliquei-me muito na escola dia após dia. Queria ser uma das melhores alunas da minha turma. Mas, pouco depois, homens poderosos e perigosos declararam que as meninas estavam proibidas de ir à escola.

Eles percorriam agora as ruas da nossa cidade. Andavam armados. Uma a uma, as meninas deixaram de ir à escola. — Aba, onde estão as alunas? — Já não se sentem seguras aqui, jani. Como era possível que alguns homens impedissem todas as meninas do nosso vale de irem à escola? Pensei que se mais pessoas soubessem o que nos estava a acontecer talvez elas pudessem ajudar-nos.


Desejar isso não era suficiente. Alguém precisava de falar. Porque não eu? Escrevi sobre o que era ter medo de ir à escola dizendo que algumas das minhas amigas se tinham ido embora por causa da ameaça que enfrentavam na nossa cidade. Escrevi sobre o quanto adorava a escola e o orgulho que sentia do meu uniforme.

Assim que comecei a escrever, não parei mais. Escrevi discursos e viajei pelo meu país, partilhando a minha história — até falei com o repórter de um famoso jornal internacional. As pessoas queriam realmente saber mais sobre a minha vida! Falei em nome de todas as meninas do meu vale que não podiam falar por si mesmas. A minha voz tornou-se tão poderosa que os homens perigosos tentaram silenciar-me. Mas falharam. E agora a minha voz soa mais alto do que nunca. Mais alto porque as pessoas se juntaram a mim, e todos juntos formamos um coro, defendendo aquilo em que acreditamos. Nós... ...erguemos as nossas vozes pelos carenciados. ...ajudamos as pessoas em perigo, mesmo que estejam a um oceano de distância. ...pensamos no mundo como uma família.

Ainda acreditas em magia? Eu acredito. Escrevia sozinha no meu quarto, mas pessoas em todo o mundo liam a minha história. Agora milhões de pessoas conhecem-na e ajudam-me a espalhar a minha mensagem de esperança.


Finalmente encontrei a magia que procurava — nas minhas palavras e no meu trabalho.

Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo.

E

u sou Malala. Sempre desejei contribuir para que o mundo seja um lugar mais pacífico... ...e todos os dias trabalho para realizar o meu desejo.



Queridos amigos, Quando era criança, costumava ver um programa na televisão chamado Shaka Laka Boom Boom. Era sobre um menino de nome Sanju, que conseguia tornar real qualquer coisa ao desenhá-la com um lápis mágico que ele achou. Sanju e os seus amigos estavam sempre a meter-se em sarilhos, e o lápis mágico ajudava-os a livrarem-se deles. Eu, durante a minha infância, nunca tive grandes problemas.


Cresci no lindo Vale de Swat, no Noroeste do Paquistão, tenho dois irmãos mais novos que eram muito travessos. Sou, portanto, a única filha de uma mãe resiliente e de um pai inspirador que era diretor de uma escola. Quando eu tinha dez anos, as raparigas do meu vale foram proibidas de ir à escola. De início, pensei: O que posso fazer? Sou apenas uma criança. Ao ver o meu pai a defender publicamente a educação das raparigas, percebi que eu também tinha uma voz e quis usá-la. Acreditava, então, como acredito agora, que todas as crianças devem ter acesso à educação. Quando somos pequenas, sentimo-nos impotentes. Confiamos nos adultos para fazerem o trabalho mais difícil. Mas ao sentir ameaçado o meu direito de ir à escola, senti-me mais forte que nunca, e descobri que a minha voz tinha poder. Em tempos, desejei ter o lápis mágico de Sanju. Agora sei que quando descobrimos a nossa voz, qualquer lápis pode ser mágico. Espero que a minha história vos inspire a encontrar a magia na vossa própria vida e a defender sempre aquilo em que acreditam. A magia está em toda a parte: no conhecimento, na beleza, no amor, na paz. A magia está dentro de vocês, nas vossas palavras, na vossa voz.



Malala Yousafzai

O lápis mágico de Malala Barcarena, Presença, 2018


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