Tempo, Idoso e a Arquitetura | TFG

Page 1


Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

O TEMPO, O IDOSO E A ARQUITETURA

MARIA BEATRIZ DA C. M. RODRIGUES São Paulo 2017


Trabalho Final de Graduação apresentado ao Departamento de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do título de graduando.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Celso Lomonte Minozzi

São Paulo 2017


AGRADECIMENTOS À FAU Mackenzie e seus professores pelo ensino oferecido e pelo longo caminho de aprendizados e conquistas. Especialmente ao meu orientador Prof. Dr. Celso Lomonte Minozzi pela paciência, compreensão e por me manter fiel a minha essência. Aos meus amigos pelo apoio e otimismo que me proporcionaram leveza ao longo destes anos. E principalmente à minha família, pelos valores, pelo amor e pela força oferecida ao longo de todos estes anos.


RESUMO Através do trabalho desenvolvido, foi apresentada ideia distinta daquela generalizada do idoso como um indivíduo com limitações físicas e psicológicas. O intuito é buscar o que transcende esta imagem, na qual é dado espaço ao bem-estar da mente e da alma do idoso, com um olhar antropológico sobre o assunto. A fim de fazer essa análise, serão discutidos a influência da mudança do tempo na vida do velho, como o velho se adaptou a tais mudanças e como ele se integra à sociedade contemporânea. Logo, para de fato compreender esta condição do idoso na atual sociedade, será estudado a fundo qual o papel que este passou a desenvolver no mundo que hoje conhecemos. Ao abordar conjuntamente esses aspectos que dizem respeito ao velho, é possível então redefini-lo. Desta forma, a velhice é tida como uma melhoria ao longo do tempo, visto como sinônimo de maturidade.

ABSTRACT The work developed presents a distinct idea from the generalized one that refers to the elder as an individual with physical and psychological limitations. The purpose of this paper is to search what is beyond the superficial image, giving space to the well-being of the mind and the soul, both seen though an anthropological view. In order to conduct this analysis, concepts such as the influence of change in time and its impact in an elder’s life, how they adapt to change and consequently integrate into society, will be discussed. That said, to truly understand their condition in modern society, this paper will study the role they have played in the world we live. Given new parameters for understanding, its possible to redefine the elderly as an improvement in time.


SUMÁRIO 07 09 19 40 56 59

Introdução O Tempo O Novo Pensamento O Idoso Considerações Finais Bibliografia


“Envelhecer é o preço que todos temos que pagar se quisermos continuar vivos”. Erico Veríssimo


Existem certos assuntos que por si só são delicados, difíceis de serem discutidos e raramente abordados; a velhice é um deles. Ao mencionar o idoso/velho/senhor, o sentimento é sempre de piedade, como se aquele momento de sua vida fosse um passo da morte. É comum que se tenha a ideia de que o idoso é vulnerável, insignificante, um apêndice para a sociedade. O intuito inicial foi remover esta ideia continuamente rígida do velho na sociedade, remover todas as amarras que voltam para uma visão clichê sobre o assunto. De forma que ao abordar a questão da velhice, as visões iniciais foram sempre das limitações físicas, das doenças psicológicas e da fase prévia ao fim da vida. Tal qual surgiu o questionamento principal: por quê? Por quê criamos esta percepção tão negativa e amedrontada da evolução na-tural da vida? Quem é o idoso na sociedade? Ao enaltecer estes temas, percebi que ao olhar o idoso, não enxergamos o que existe além do físico. Nos limitamos a características aparentes, sendo todo o resto descartável. Assim, foi proposto compreender o físico, aceitar a condição atual do corpo, mas ir além com a mente, buscar o que transcende o superficial. Dessa forma, propor uma nova abordagem, ou até mesmo de forma ousada, uma redefinição da velhice como sinônimo de maturidade. Visto que existem diversas interpretações para a condição do idoso na contemporaneidade, por meio da compreensão do tempo, do novo pensamento e da sociedade, foi possível abrir um caminho para novas abordagens sobre a questão do idoso. Através de um entendimento em escala macro para micro, esta análise abordou aspectos sociológicos e antro-

7


pológicos do indivíduo e do coletivo. Como o idoso se insere em meio a sociedade? Ao ler um texto do antigo publicitário, Ricardo Guimarães, sua visão iluminou o que já buscava: “Maturidade tem a ver com ciência e conhecimento, com saber quem somos e como as coisas funcionam para que possamos gerenciar melhor e usufruir o máximo da vida como ela é. Uma dessas sabedorias é aceitar a velhice como parte do design da vida e entender seu propósito, que é o de nos ensinar a usar e gostar dos limites que definem beleza e eficiência. Temos que fazer essa lição de casa para garantir um futuro em que os limites de recursos da natureza e da sociedade deverão ser reconhecidos e gerenciados com muito conhecimento e sabedoria. Não só porque teremos muitos velhos na sociedade, mas porque já temos muita gente numa realidade cada vez mais complexa. Sempre disse para meus filhos que, apesar de terem uma juventude mais longa que a minha, eles teriam que amadurecer mais cedo para viver nesta sociedade globalizada em rede que dá tanto poder aos indivíduos. Amadurecer é revelar identidade e reconhecer diferenças. Por isso temos que nos reconhecer em outro patamar de complexidade para fazer a evolução da sociedade. A supervalorização da juventude, do consumo, do individualismo e das coisas deve evoluir para a valorização das relações, da interdependência e do significado das coisas, sintomas da maturidade”. ¹

E o publicitário, Ricardo Guimarães baseia seu pensamento nos ideais do arquiteto húngaro György Dóczi, que relata as necessidades para esse avanço:

¹ GUIMARÃES, Ricardo. “O Poder dos Limites”. Disponível em: < https://revistatrip.uol.com.br/trip/ ricardo-guimaraes-maturidade-envelhecimento-idade-beleza>. Acesso em: 05 de set., 2017. ²Ibid.

“As proporções da natureza, da arte e da arquitetura podem nos auxiliar nesse esforço, porque essas proporções são limitações partilhadas que criam relações harmoniosas baseadas nas diferenças. Assim, elas nos mostram que as limitações não são apenas restritivas, mas também criativas”. ²

Logo, visando um entendimento do velho como o nosso futuro, como indivíduo e não como um encosto ou um hóspede supérfluo à sociedade.

8


“De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: - Meu tempo é quando”. Vinicius de Moraes


O que é o tempo? Como reagimos diante das mudanças? Quanto tempo o tempo tem? O tempo encurta com o passar de cada minuto, dia, ano. Tudo ao nosso redor impõe pressa, urgência e por mais que todos tentem se encaixar nos padrões exigidos, na maioria das vezes, não há tempo suficiente. Ao longo de toda a história da humanidade, o ser humano sempre possuiu uma fascinação pela passagem do tempo, no entanto de uma forma um tanto quanto pessimista, porém realista. O arquiteto e urbanista Thierry Paquot evidencia no documentário, “Quanto tempo o tempo tem?” que: “Ao vir ao mundo, começa a contagem trágica e angustiante. Chego para morrer”.³ Desse modo, como é repetidamente enfatizado ao longo do documentário¹, o presente é o único momento a ser vivido; é o único momento em que existimos. A complexidade do tempo nos proíbe de compreender o instante em que de fato vivemos. Mas ainda que tenhamos um passado e um futuro, sempre viveremos no presente. Porém, para a conceituação do termo tempo, é necessário

³“Quanto tempo o tempo tem?” Direção: Adriana Dutra e Walter Carvalho. Produção: Claudia Dutra e Alessandra Alli. 2015. 4 GOLDFARB, Delia Catulio. “Corpo, Tempo e Envelhecimento”. Mestrado em 1997.

compreender a sua origem. Seu conceito foi algo criado pela humanidade, onde sua noção é definida pela idade cronológica, que enquadra a vida em um espaço limite. Como foi relatado por Delia Catulio Goldfarb, em sua dissertação de mestrado, ao analisar a relação entre a psicanálise e o tempo, afirma: “A vida se desenvolve entre o nascimento e a morte, este tempo vivido é o tempo subjetivo de formação do eu”.4

O conceito do “eu” se dá através de uma sensação sub-

10


jetiva em diversos momentos da existência dos indivíduos. O indivíduo é distinto ou semelhante ao coletivo e está relação se dá através da identidade. “O individualismo, ao sustentar a ideia de que cada um de nós é um ser único, sujeito de sua própria existência, e o sistema jurídico, ao institucionalizar o contrato em partes, reforçam e tornam necessária essa ideia de permanência, de unicidade das pessoas. Em termos metafísicos, a identidade é representada como um traço do ser, como algo que faz parte do ser; negando esta postura, Heidegger afirma que, ao contrário é o ser que faz parte da identidade”.5 (pg. 48)

Como retrato destes conceitos de indivíduo e identidade, o ensaio fotográfico reúne obras de alguns fotógrafos que retratam de forma subjetiva e, mas em destaque o tema principal deste trabalho: o idoso.

Almeida, J. A. M. (2005). Sobre a Anamorfose: identidade e emancipação na velhice. Tese de Doutorado, Psicologia Social, PUCSP, São Paulo. 5

NY Vivian Maier

11


NY Fernando Villela

NY Vivian Maier

12


NY Vivian Maier

13


NY Vivian Maier

14


EUA Fernando Villela

EUA Fernando Villela

15


EUA Fernando Villela

16


Ao retomar a compreensão do tempo, ao longo de séculos, o método de medir o tempo tem se modificado desde o início das civilizações; seja através da lua e estrelas, seja através das estações, seja por uma ampulheta ou seja através do tempo em que oradores dissertavam na antiga civilização grega. O tempo é relativo e subjetivo, no qual as pessoas o vivem de formas completamente distintas dadas o seu cotidiano. Desta forma, a evolução da humanidade requer incessantemente uma atualização e reorganização da relação do homem com o tempo. Tal qual estes se influenciam concomitantemente com mudanças significativas em seus valores e diferentes visões em relação à representação e compreensão do tempo. Um período de grande transformação no significado do tempo é a revolução industrial, fenômeno este que desencadeou a modernidade, como é definido por Delia Catulio Goldfarb4: “A modernidade veio marcar o “fim da história”; neste nosso tempo de presente perpétuo, o registro das experiências, ainda que na simples forma de avaliação do cotidiano, faz-se impossível pois o que acabou de acontecer já pertence a um passado descartável. Este é um tempo de consumo e produção de imagens, onde não existe o tempo necessário para a ressignificação dos acontecimentos, para sua elaboração e simbolização”.4

A sociedade industrial, que teve início no século XIX, estabelece um ritmo acelerado e disciplinado, com enfoque constante na organização do trabalho. Através desta ordenação, com rigidez de horário, tempo cronometrado, cria-se um ritual e um cotidiano inconscientemente mais rígido do que havia sido GOLDFARB, Delia Catulio. “Corpo, Tempo e Envelhecimento”. Mestrado em 1997. 4

vivido. Nos envolvemos com máquinas que auxiliam, poupam e enriquecem o tempo e ainda assim, continuamos em um estado

17


constante de alerta, sempre aguardando o próximo momento, movidos pelos incessantes sentimentos de aflição e ansiedade. “A ideia do tempo não escapa desta articulação; é sobre ela que se organiza grande parte da subjetividade e se faz história. Tempo encarnado na modernidade como progresso referido sempre às noções de apropriação, acumulação e consumo tanto de bens materiais como intelectuais ou culturais. Esta idéia de progresso organiza as subjetividades priorizando o individual sobre o coletivo, dando lugar a uma maior permissividade para as tendências destrutivas organizadas como rivalidade e oposição. O passado é sempre ultrapassado em favor de um porvir ilusório, que prejudica os investimentos na realidade presente, e o futuro é superinvestido como única possibilidade de satisfação. Cria-se assim um tempo vertiginoso que não permite a valorização do presente. Situação no mínimo problemática para quem vê, por causa da idade, encolher o horizonte de futuro e para quem conta com o capital da experiência passada como valor fundamental”.4

Sem perspectiva de um futuro produtivo, o velho se ofusca em meio ao capitalismo. Domados pela nova revolução da atualidade, a longevidade, deixam de se encaixar às leis do mercado. Não se pode falar em tempo sem mencionar a velhice. E como falar da velhice sem abordar a passagem do tempo? Quem é o idoso em meio a este caos? É o vizinho, o tio distante que mora em outra cidade, é o homem que cruza a rua e troca olhares todo dia pela manhã? A velhice é o futuro, o futuro que pelas leis naturais aguarda todos nós, mas um futuro indesejado, temido e incerto. Porém, por que? Porque há tanto medo e resistência deste futuro? O ser humano teme o desconhecido, teme o que não pode ser controlado, teme e velhice e o

GOLDFARB, Delia Catulio. “Corpo, Tempo e Envelhecimento”. Mestrado em 1997. 4

ponto final seguido deste momento. De forma que a velhice se torna algo distante, algo visto no próximo, mas raramente em si mesmo.

18


“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Karl Marx


No início do século XX, e principalmente nos anos que seguiram a primeira guerra mundial, em decorrência das grandes mudanças do período, sofreram grande impacto as definições futuras de sociedade, políticas e economia. Ao longo deste tempo, é possível afirmar que os problemas de habitação, cotidiano nas cidades, organizações urbanas, como também relações sociais foram reflexo de um período crítico na história, como definição apresentada pelo autor Anatole Kopp: “o moderno não era uma causa e sim uma cultura”. Para os arquitetos e urbanistas, os críticos, os sociólogos, e diversos outros com papeis influentes, o período pós-guerra era acima de qualquer coisa, uma tentativa de transformação da sociedade através da construção de um novo ambiente, uma nova mentalidade acompanhada de novos valores. Entre a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução econômica, social e política de 1917 na Rússia, os modos de produção haviam mudado, por completo. Como ideais principais deste grupo revolucionário, o que se reflete são as necessidades de “massa”, do coletivo. Somente a produção arquitetônica também de “massa” poderia possivelmente responder à nova demanda. Porém, para melhor compreensão é necessário situar-se no contexto histórico onde surge esta ideologia moderna na arquitetura e urbanismo. No momento pós-guerra de 1914-1918, ocorre na Rússia a revolução de outubro de 1917 que ascende os bolcheviques ao poder, os quais até então obtinham uma compreensão nula de arquitetura e urbanismo. Já na Europa Ocidental, regiões

20


se encontram completamente destroçadas, com sobreviventes que se apegam à esperança de uma vida melhor. E a Terceira Internacional (Comintern), une o movimento operário onde a revolução russa agora possui um modelo universal. Posto que todos os países da Europa atingidos pela guerra encontram-se apegados a urgência de transformações sociais e novas políticas fundamentais, o autor ressalta: “(...) A crença profunda nas transformações iminentes, foi sem dúvida alguma mais importante entre as massas despossuídas e entre certos intelectuais (entre os quais arquitetos e urbanistas) que nesse momento se aliaram ao movimento operário. É nesse contexto que aparecem os “funcionalistas”, o “Novembergrupe”, na Alemanha; Le Corbusier e o movimento do “L’Espirit Nouveau”, na França. É a revolução que proporciona aos futuristas russos um campo de ação política e social”.6

Os aspectos entre a URSS e a França com certeza possuem diferenças como também pontos semelhantes, estes sendo: o papel principal que a indústria exerce sobre a arquitetônica e artística, sobrepondo a arte; o enfoque em soluções para a massa; pensamento de novos valores pedagógicos no novo ambiente construído tido como transformador social, mas acima de tudo “a iminência das transformações sociais”.³ (pg. 17). Os arquitetos visavam naquele momento, proporcionar aos habitantes das cidades, edificações das quais sempre estiveram privados. De modo que eram normais as novas concepções arquitetônicas estarem ligadas aos conceitos políticos de esquerda da época para que pudessem obter o mesmo obje6 KOPP, A. Quando o moderno não tivo. O movimento socialista era o que apoiava em grande parera um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. te os conjuntos modernos, onde os sindicatos operários eram a

21


grande maioria das cooperativas de habitação. “Em que consiste hoje nossa tarefa, o que devemos apren-

der em primeiro lugar, em que direção devemos tender? É preciso aprender a trabalhar bem – com precisão, com limpeza, com economia. Precisamos desenvolver a cultura do trabalho, a cultura da vida, a cultura do modo de vida”.6

A cultura do modo de vida torna-se a base de todas as teorias arquitetônicas e artísticas deste período (década de XX), fazendo com que as novas formas de habitação fossem fundadas nos ideais dos revolucionários. Para construção desta sociedade era imprescindível transformar os hábitos e comportamentos encontrados na sociedade antiga, onde a revolução cultural assumia o conceito do que na Rússia era chamado de “BYT” ou “modo de vida”. Tinham então como um de seus principais ideais, a reconstrução do modo de vida. Para os arquitetos, que na URSS se nomearam “construtivistas”, a habitação da sociedade antiga era somente um reflexo da antiga formação familiar, ligada a conceitos burgueses, devendo ela ser abolida e trocada por uma nova forma de moradia. Esta nova forma de habitação serviria para construção de novas formas de relações entre indivíduos, entre o coletivo. “Assim deveria surgir o que Moiseï Guinzburg chamava “um novo organismo arquitetural” o “Dom-Kommuna” ou Casa Comunitária”.³ Assim surge a União dos Arquitetos Contemporâneos com um novo modo de vida socialista, guiados pelos ideais da Bauhaus e por Le Corbusier. Como reflexo deste momento 6 KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São que se espalha por toda Europa, porém em nenhum país a ação Paulo: Nobel: Edusp, 1990. política e social da arquitetura se torna tão presente ao longo do

22


período moderno quanto na arquitetura da URSS. Com a constante pergunta a frente de todas definições de política, valores e relações sociais: “a quem pertence o mundo?”, Anatole Kopp deixa claro em seu discurso sobre a causa em mãos:

“Antes de mais nada, às multidões anônimas que povoam os casebres das grandes cidades, aos trabalhadores, às massas que, se esperava, viriam a ser os verdadeiros atores da história, a estas responderam, cada um a seu mundo e segundo a situação existente em seu país, os pioneiros da arquitetura “moderna”, colocando seus conhecimentos, seu talento e seu entusiasmo a serviço do que eles acreditavam ser o “sentido da historia”. É por isso que o “moderno” não foi para eles um estilo, mas uma causa, pela qual frequentemente sacrificaram aquilo que, para a maior parte de seus colegas, constituía justamente a gratificação que se poderia esperar do exercício tradicional da profissão de arquiteto: dinheiro e fama”.6

ALEMANHA Durante a República de Weimar, a arquitetura moderna teve seu maior impacto sobre a prática arquitetônica onde o “Neues Bauen”, como era feita referência na Alemanha, apresentava soluções para as questões que surgiram com a revolução industrial do século XIX. Assim, o autor exprime quais eram as ideias essenciais daquele momento na Alemanha:

KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

“Foi o levar em consideração, sob o prisma da arquitetura e do urbanismo, as condições de vida e também das aspirações daqueles para os quais não existira outra arquitetura além daquela imaginada e desejada por seus empregadores ou por aqueles que especulavam com sua miséria – vilas operárias, cortiços, casas de aluguel em Berlim, etc. – que fez com que para os “Novos arquitetos” dos anos vinte o “moderno” não fosse um estilo, mas sim uma causa. Essa orientação fez com que seu campo de ação principal e frequentemente exclusivo fossem as habitações e seus equipamentos anexos, bem como os problemas urbanísticos dos quais a habitação constitui o centro. Na cidade do futuro, como imaginavam, os bairros de habitação popular não deveriam ser o que frequentemente eram nas cidades existentes: um câncer

23


urbano ignorado ou dissimulado, mas, ao contrário, um elemento essencial na composição. Na aurora do século XX, portanto, prepara-se uma verdadeira revolução arquitetônica”.6 (pg. 27)

A ação do “Neues Bauen” tomou grande força na Alemanha das as condições extremamente precárias das habitações populares, dado o contexto histórico pós-guerra, com uma condição de vida ainda pior do que previamente à guerra. Dessa forma, com o maior número de recursos nas cidades, ocorreu um êxodo rural e uma concentração urbana, não só na Alemanha como em todos os países da Europa provocados pela Revolução Industrial. Como efeito, o fluxo de pessoas em busca de emprego industrial, provoca uma superpopulação de habitações existentes e uma construção de habitações da força de trabalho que supriam nada mais que o essencial, de forma cientifica e racional; desenvolvidas em função das necessidades da época. “O movimento reformador não tinha objetivos políticos precisos; tratava-se mais de um movimento de ideias que colocava em questão tanto as estruturas da sociedade existente assim como os comportamentos humanos no âmbito da vida cotidiana, fosse em relação quer quanto ao habitat, ao lazer, à educação, às artes, à sexualidade, etc. Em relação a tudo isso, o movimento reformador pretendia lançar um olhar novo, sem ideias preconcebidas. O “homem novo”, a “nova vida”, a “cidade do futuro” são temas que voltam constantemente nas discussões dos reformadores, com insistência particular nas questões da habitação”.6 (pg. 34)

No final do século XIX, ocorre algo similar à uma segunda fase da Revolução Industrial que induz um avanço tecnológico onde se constituiu o “Werkbund”, que busca uma 6 KOPP, A. Quando o moderno não compatibilidade entre a arte e a indústria, que busca um estilo era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. que não é de sua época. Dessa forma, surge a tipificação como

24


elemento chave para o “Werkbund” que segundo suas teorias, “desenvolverá um gosto seguro, de valor geral”. (pg. 37) Sendo assim, a arquitetura busca esta mesma essência, de tipificação para uma cultura harmoniosa. A concepção de habitação para superar o déficit habitacional do período, dado o fato que serviriam como substituição para os cortiços operários, onde o simples retorno aos métodos prévios à guerra não seriam o suficiente. A princípio, a ideia inicial de habitação eram residências individuais, que à primeira vista, pareciam ser as que mais se opunham à cidade tradicional. Estas possuíam jardins individuais, terrenos livres para plantar legumes, etc.; aspectos que a guerra e suas privações excluíram de ocorrer no passado. Porém, o que veio a acontecer foi o oposto do que era esperado: “Apareceram comportamentos mais sociais na vida cotidiana, baseados em contatos humanos e sentimentos de solidariedade ao invés de sobre o individualismo e o fechamento sobre si mesmo. O ódio da guerra, os movimentos pacifistas, a esperança de uma vida melhor, desenvolveram sentimentos de abertura social em contradição ao isolamento de cada um em suas casas e terrenos. Tiveram o papel importante também os sentimentos e hábitos que o Partido Social-Democrata de antes da guerra inculcara em seus filiados e eleitores. A essa ‘contra-sociedade’, que até então era constituída por uma rede de equipamentos dispersos na cidade ‘capitalista’, era preciso dar uma forma material, construir conjuntos que se materializassem e que, além de sua própria função, desempenhassem um papel de propaganda para a nova sociedade do futuro, mostrando modelos funcionando no presente. A busca de um objetivo comum, do avanço coletivo e solidário para o futuro pareciam ser sem dúvida melhor expressos por um conjunto arquitetônico importante e agrupado do que por habitações individuais dispersas em meio a jardins individuais”.6 (pg. 45) KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

O agrupamento das habitações permitia o contato e a

25


troca entre habitantes com facilidade como também justificava a presença de equipamentos coletivos complexos; além de promover uma impressão de segurança e defesa contra o mundo exterior hostil, especialmente pelo momento pós-guerra. Walter Gropius descreve o momento em 1926: “Não são mais vilas particulares, mas centenas de apartamentos que precisam ser construídos. Não mansões para os ricos, mas boas casas, utilizáveis pelos operários, residências que respondam não a princípios estéticos, mas sim a dados objetivos”.6 (pg. 46)

O movimento do “Neues Bauen” revela seu embasamento: construir para massa de trabalhadores para uma boa arquitetura, com foco na funcionalidade e no trabalho. De forma que ao analisar brevemente aquele período e os grupos sociais, aonde que o idoso se insere em meio a este novo pensamento baseado no trabalho? Sua produção é tão eficiente quanto o restante? Em meio ao caos a esta redefinição de sociedade, o que remete ao passado, passa a ser ignorado e descartado. A ligação com o passado, a história e memoria se perde em meio a este novo pensamento, de forma que aquele que remete ao passado, geralmente o idoso, perde a importância que previamente tinha. Com a guerra, grande parte foi destruído, e o que está sendo reerguido, não possui ligação com o tradicional, era completamente desapegado de ideias prévias.

KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

“Nessa sociedade as características principais da nova arquitetura constituem-se na normalização, tipificação, padronização (...) Na planificação socialista da construção, a redução progressiva do número de elementos padronizados é um índice da socialização da vida de massas”.6 (pg. 47)

26


Esta característica da nova arquitetura foi desenvolvida a partir do pensamento de funcionalidade, praticidade e um estilo que atenda a todos. Porém, esta mesma ideia de tipificação e padronização, até certo ponto, é em parte aplicada à sociedade em questões políticas, sociais e econômicas. A tipificação é um resultado da otimização da produtividade, porém, este mesmo conceito foi aplicado como referência de modo de vida. Aqueles que não se encaixam ou destoavam de alguma forma, apesar do sentimento de coletividade, já havia o pensamento e marginalização implícito. A ideia do funcionalismo era recorrente na Alemanha: “Para um problema corretamente colocado só pode haver uma solução: a certa, como em matemática, pois a arquitetura agora é uma ciência. Mas a nova arquitetura é também, no espirito de seus promotores, um instrumento de liberação social, o próprio instigar de uma nova maneira de viver, da ‘Neue Wohnkultur’ (nova cultura da habitação) como se diz na Alemanha. A nova vida será mais comunitária, menos centrada sobre os problemas da família”.6 (pg. 50)

A arquitetura, como resultado de uma nova política, estava moldando a forma de pensar, guiava famílias, operários, a sociedade como um todo. Com foco no trabalho e produção, qual a situação de pessoas que não conseguiam acompanhar este pensamento?

KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

“A ideia dominante, no que se refere à própria habitação, é que tudo que constitui o ambiente material da vida cotidiana influi sobre o comportamento e participa assim da transformação progressiva da natureza humana. Os grandes equipamentos coletivos do bairro, as lavanderias coletivas, as creches, as salas de reunião, têm a mesma função. Sua multiplicação contribui, ao transferir para fora da habitação familiar tarefas domesticas que antes ali ocorriam, para evolução do conceito mesmo de família e para acelerar a passagem da família extensa, necessária para a

27


realização dessas tarefas dentro de casa, para a família ‘moderna’ reduzida aos pais e aos filhos e que se apoia para a maior parte de suas atividades domésticas em uma rede de equipamentos que permite a socialização dessas atividades”.6 (pg. 60)

Em 1932, o “Neues Bauen”, considerado principalmente uma causa antes de ser um estilo, vive seus últimos dias. Foi dissolvido sob o plano político e ideológico como vítima da crise econômica dos Estados Unidos que atingiu a Europa. URSS – União Soviética A principal característica da arquitetura soviética dos anos vinte, foi a tentativa de desenvolver uma atualidade segundo o projeto de sociedade da Revolução de Outubro de 1917. Esta é a junção de projeto arquitetônico e projeto social, sendo estes os principais interesses da época. Porém, compreende-se hoje em dia, a União Soviética era uma sociedade distinta da que existia antes da revolução: Havia “pouca relação com os objetos fraternais, igualitários e liberadores proclamados então e que – pensava-se, em certos círculos pelo menos – fariam nascer esse ‘homem novo’ construtor e ator da sociedade socialista”.6 (pg.74)

As teses de alguns arquitetos foram a ilustração de uma sociedade projetada logo após outubro de 1917, e estes arquitetos, e também sociólogos, economistas e organizadores, pensavam em participar da transformação social através da organização do espaço, chamada por estes como “condensador social”. KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

“Entretanto, apesar dos textos e dos discursos, as características precisas dessa nova sociedade continuavam vagas. Nem os textos oficiais dos primeiros anos do poder soviético, nem os dos clássicos do marxismo-leninismo apresentaram – como fizeram anteriormente os ‘socialistas utopicos’ – uma descrição da socie-

28


dade futura que procuravam construir. (...) Assim, os construtivistas jamais dispuseram de um ‘projeto de sociedade’ precisamente formulado e em função do qual eles teriam imaginado seu projeto arquitetônico”.6 (pg. 75)

Os construtivistas ressaltam assim, o surgimento da classe trabalhadora, onde este grupo desempenha um papel essencial dado que o sistema político no qual fundaram seus ideais, dependiam unicamente desta classe. A prioridade deste movimento era a planificação e compreensão das necessidades e particularidades dos novos consumidores enquanto coletividade. O projeto social é construído como crítica ao que se designava como modo de vida “pequeno-burguês”, considerado: “mesquinho, individualista, fechado sobre si mesmo, preocupado antes de tudo com os aspectos materiais da existência, etc.” (pg. 86) Logo, os revolucionários desenvolvem uma prática com enfoque no coletivo, não mais o individual. Deste modo, a família passa a ser particularmente objeto de diversos debates no qual há opiniões distintas sobre o assunto. “Para os clássicos do marxismo, a família, no sentido tradicional do termo, constitui apenas um estágio transitório do desenvolvimento da sociedade humana; a família tal qual a conhecemos não existiu sempre e não existirá para sempre. Na medida em que ela é não apenas uma célula social, mas também uma célula econômica, as transformações trazidas pelo socialismo deveriam condenar a família tradicional ao desaparecimento e a sua substituição por outras formas de relacionamento”.6 (pg. 86)

KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

Esta questão da transformação da estrutura familiar é de extrema importância para a arquitetura de modo que a residência constitui o espaço construído para a família, onde a preocu-

29


pação era de coincidir o trabalho profissional com os objetivos sociais e políticos. E embora a URSS era liderada por revolucionários, permanecia um país onde o campesinato representava quase 80% da população que não eram a favor de abandonar seus hábitos, tradições e o cotidiano bucólico. Entre diversos questionamentos, foi determinado que a sociedade do futuro deveria basear-se em novas formas e nova pratica social, para reconstrução do modo de vida, através da vida comunitária. Assim, como definição, as comunidades de modo de vida: “As tarefas da comunidade são: educar o novo homem coletivo, defensor ativo e construtor do socialismo (...) Uma das tarefas da comunidade é a construção do modo de vida socialista (...) Toda a vida, a atividade e o trabalho da comunidade são dirigidos para a criação das condições mais favoráveis à construção consequente do novo modo de vida socialista (...) A transformação radical da economia, a mudança nas relações sociais, conduzem a uma alteração radical do modo de vida. A construção das comunidades nas condições da ditadura do proletariado não constitui um objetivo em si mesmo, mas um meio para a transformação do modo de vida e de propaganda pela ação, pelo pôr em prática da construção de um modo de vida socialista’”.6 (pg.89-90)

Além dos objetivos em comum, as condições e dificuldades da época incitavam que algumas pessoas se agrupassem, onde a contribuição dos construtivistas não foi somente um modo funcional de planejamento, mas sim, uma integração dos problemas sociais à arquitetura e urbanismo em seu embasa-

KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990. 6

mento. Porém, como que esta fase possuiu de forma direta ou indireta tanto impacto na questão da velhice? Através de questões sociais, políticas e econômicas, a assistente social Maria Eliane Catunda Siqueira, com mestrado em gerontologia, apresenta no

30


livro “Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas”, teorias sociológicas do envelhecimento. Desde 1950 tanto nos Estados Unidos quanto na Europa Ocidental, foram apresentadas diversas teorias sociológicas em relação ao envelhecimento e desenvolvimento populacional para construção deste novo pensamento da atualidade. Em seguida, uma tabela com a classificação das teorias sociológicas sobre a velhice e o envelhecimento:

31


32


As teorias selecionadas para maior aprofundamentos e compreensão, possuem uma ligação um tanto quanto direta com a questão do modernismo e do novo modo de pensamento.

TEORIA DO DESENGAJAMENTO “A teoria do desengajamento representa a primeira tentativa de explicar o processo de envelhecimento e as mudanças nas relações entre o indivíduo e a sociedade, sendo a mais explícita aplicação do funcionalismo estrutural na análise da condição do idoso em sua reação psicológica e social perante o envelhecimento (...) Esta teoria aponta a funcionalidade do processo, tanto para a sociedade como para o indivíduo, uma vez que possibilita à sociedade abrir espaço para pessoas jovens e eficientes, ao passo que dá ao idoso tempo para se preparar para o desengajamento total – a morte. No quesito a mutualidade, “a teoria postula que a sociedade se afasta das pessoas idosas na mesma proporção em que estas se afastam da sociedade. Ou seja, o processo é normativamente dirigido com base na concordância dos envolvidos – idosos e sociedade”.7 (pg. 85-86)

TEORIA DA MODERNIZAÇÃO Desenvolvida por Cowgill e Holmes em 1972, esta teoria relata sobre a relação entre a modernização e as mudanças 7 NERI, Anita Liberalesso Neri. nos papéis sociais de pessoas idosos. “O conceito da modern“Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psi- ização, aqui, refere-se ao processo de industrialização, que leva cológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007.

a mudanças estruturais nas sociedades, quase dão de maneira

33


particular, considerando o contexto histórico e cultural”. Esta teoria enaltece alguns aspectos principais em seu desenvolvimento: “Tecnologia científica aplicada à produção econômica: leva à criação de novas ocupações em contextos urbanos, absorvendo os jovens e tornando obsoletos os conhecimentos e as aptidões das pessoas mais velhas. A falta de oportunidades de recapacitação leva à aposentadoria precoce, à perda de rendimentos e às consequentes mudanças em papeis familiares e comunitários. Anteriormente, os mais jovens eram dependentes dos mais velhos, agora, os idosos tornam-se os seus dependentes; Urbanização: inclui a separação do trabalho da vida doméstica e o distanciamento geográfico entre jovens migrantes urbanos e suas famílias, trazendo mudanças profundas nas relações intergeracionais. A segregação residencial entre gerações enfraquece os laços familiares, aumenta a distância entre gerações, contribuindo para redução do status quo dos idosos; Alfabetização e educação intensiva: gera uma situação em que os jovens são mais capacitados do que os mais velhos, ocasionando mudanças em papeis sociais. Os jovens passam a ocupar posições anteriormente reservadas aos mais velhos. Essas mudanças ampliam a distância entre gerações, causando a segregação intelectual dos idosos. Como os jovens representam o progresso, os recursos sociais são a eles preferencialmente di7 NERI, Anita Liberalesso Neri. recionados, acentuando o declínio no status dos idosos”;7 (pg. “Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psi- 89-90) cológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007.

34


TEORIA DA SUBCULTURA DO ENVELHECIMENTO “Kart (1997) argumenta que, embora Rose, em 1965, relacione os princípios básicos da teoria ao funcionalismo, suas proposições a remetem ao interacionismo simbólico, pois enfatizam que as normas se desenvolvem com base em interações sociais. Essa teoria afirma que, na sociedade norte-americana, os idosos estão desenvolvendo uma cultura própria, resultante de suas crenças e de seus interesses comuns (por exemplo, cuidados com a saúde), da exclusão de interações com outros grupos etários e do crescimento de interação dos idosos entre si como resultado de política pública segregacionista (por exemplo, aposentadoria, conjuntos residenciais para idosos). A teoria propõe que mudanças demográficas, ecológicas e sociais contribuem para o desenvolvimento da subcultura”.7 (pg. 92)

PERSPECTIVA DO CURSO DE VIDA “Neugarten e Neugarten (1996) discutem essa perspectiva nas sociedades atuais, denominadas por eles ‘sociedade de idosos’, chamam a atenção para o fato de que, nessas sociedades, os idosos tem confrontado novas complexidades, incertezas e ambiguidades. Essa nova realidade, das ‘sociedades pós-apo7 NERI, Anita Liberalesso Neri. sentadoria-, exige orientação para resolução de problemas e ha“Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psi- bilidades bem diferentes das necessárias no passado. Portanto, cológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007.

grande tolerância para ambiguidade, imprevisibilidade e para

35


negociações interpessoais assumirão centralidade na interpretação o processo de envelhecimento”.7

TEORIA POLÍTICO-ECONOMICA DO ENVELHECIMENTO “Essa teoria tem sua origem no marxismo, na teoria do conflito de Simmel e na teoria crítica, e é uma reação ao estruturalismo funcional. Reflete contribuições de autores diversos, atuando com base nas pesquisas desenvolvidas por estes e em seus conceitos-chave, provenientes da economia; incluem, por exemplo, a ideia de constrangimentos estruturais de controle dos recursos sociais, da marginalização e de classe social (...) as propostas políticas públicas, baseiam-se em um conjunto de perspectivas teóricas que orientam a configuração do ‘Estado de bem-estar social’ na sociedade industrial. Do funcionalismo estrutural, emerge a noção de que a industrialização e a urbanização criaram novos problemas sociais, subvertendo as demandas tradicionais por apoio social, moradia e saúde, que requerem respostas para a manutenção da ordem e do consenso. Do pluralismo democrático, origina-se a ideia de que o crescimento da população idosa cria um novo grupo de interesse, que passa a exercer pressão, exigindo respostas a suas demandas. Das teorias econômicas neoclássicas, vem a noção 7 NERI, Anita Liberalesso Neri. de que a aposentadoria dos idosos é um resultado natural e dese“Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psi- jável das mudanças industriais e tecnológicas e das mudanças na cológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007.

divisão do trabalho que as acompanham”.7

36


Ao reunir as teorias acima, que estão mais próximas da interação da história do modernismo e do idoso, todas remetem mais ao contexto norte-americano de forma que ao adequar a realidade brasileira, o embasamento teórico é similar, mas com algumas distinções de cotidiano. De modo que ao adequar alguns modelos teóricos desenvolvidos em outros contextos ao nosso, “contribui para dar continuidade ao processa de construção do corpo teórico da gerontologia nacional”.7 Essas teorias auxiliam a solucionar questões da atualidade. Ajudam a analisar o contexto social e a solucionar questões da atualidade. Ao destacar as teorias acima, que mais se aproximam do novo pensamento imposto pelo modernismo, a mudança da relação entre o idoso e a sociedade torna-se mais evidente. Como já previamente discutido, a modernização teoriza sobre a revolução industrial e sobre a transformação do modo de vida social, político e econômico. Porém, a partir da teoria da modernização, o principal quesito que influencia o papel do idoso na sociedade é a produtividade. Desenvolvida a partir do papel do idoso no coletivo e o status que possue, esta discorre até certo ponto sobre a desvalorização do velho, que antes possuía um “status quo” elevado. Hoje amparado pela gerontologia que tem como definição: “estudo dos fenômenos fisiológicos, psicológicos e sociais relacionados ao envelhecimento do ser humano”, o 7 NERI, Anita Liberalesso Neri. velho já é tratado como diferente. “Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psi- Pela mudança da formação de famílias, pela valorização cológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007.

do jovem, etc., o idoso foi marginalizado de forma que a geron-

37


tologia em decorrência dessas transformações sociais precisa se adaptar. A gerontologia é definida a fim de proporcionar melhor qualidade de vida aos indivíduos que atingem esta fase. Porém, a partir desta classificação, de uma cultura ou uma realidade que atinge somente a este grupo designado, surge então, a teoria da subcultura. Nesta, ocorre um afastamento mútuo entre idoso e sociedade onde normas e valores específicos são criados em função da velhice, pois perde-se a empatia e identificação com o restante da sociedade (sem ligação direta com gênero, raça, classe social, etc.). Como fica a qualidade de vida como consequência da aplicação desta teoria? Como Eliane Brum discorre em sua reportagem: “Os velhos perderam afeto, amizade e calor, ganharam anos. Vivem mais que seus pais e avós. Mas vivem mais sós”.8 (pg. 87)

7 NERI, Anita Liberalesso Neri. “Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007. 8

BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São Paulo: Globo, 2008.

Além do descolamento social, ocorrem também as relações intergeracionais, que retomam a teoria da modernização e também a teoria do desengajamento, onde as relações entre idosos e a sociedade são aprofundadas. E, visto que o jovem se destaca em função deste cenário, ocorre com o idoso o desengajamento, de forma espontânea e inevitável como pré-requisito funcional para estabilidade social. O jovem passa a ocupar este papel na sociedade pois torna-se sinônimo de produtividade e futuro. Sua mente e seu corpo conseguem de modo geral acompanhar o ritmo frenético da contemporaneidade. E o idoso passa a remeter somente ao passado, aquilo que está ultrapassado.

38


Essas teorias por fim tocam em todos aspectos relativos ao idoso, seja sua relação com a sociedade, seja seu bem-estar ou seu auto aceitamento. Assim, através deste desenvolvimento, é possível compreender também o tema da velhice na contemporaneidade.

39


“Reduzidos a um único tempo verbal, o pretérito, com suspeito presente e um futuro que ninguém quer”. Eliane Brum


A partir do momento que vivemos em sociedade, é imprescindível falar em alteridade como elemento chave, isto é, todo homem social interage e interdepende do outro. Se examinarmos o comportamento humano no âmbito social, podemos concluir que ele nada mais é senão o resultado de uma construção social. Sendo assim, as imposições naturais de ordem social, decorrentes da construção em que se inserem, geram conflitos quanto as regras sociais e as relações que delas derivam. Como indivíduos, somos frutos das relações, nos constituímos como sujeito a partir do outro. Dessa forma, fixa-se a ideia colocada por Aristóteles de que o homem é, em sua natureza, um ser social. “A cidade é uma criação natural, e o homem é por natureza um animal social [...] a característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade.” (Política, I, 1253b, 15)

Há, contudo, uma grande dificuldade de lidar com figuras diferentes das que estão enraizadas em nossos próprios âmbitos sociais. No entanto, se observarmos com cuidado o outro, passaremos a apreciá-los. Como consequência da sociedade individualista em que vivemos, o idoso se tornou o outro, tornou-se sujeito de marginalização. Este fato social deplorável é consoante de uma individualização massificada na sociedade, ou seja, o homem só se garante como ser social na medida em que pode exercer seus direitos, coisa que se torna impossível quando atribuímos a eles um estado de decrepitude e inutilidade. Passamos a caracterizar a velhice como um enfraquecimento, como

41


uma qualidade que provoca medo e rejeição. Dominados por esse estereótipo, beiramos a ignorância sobre a figura do velho. Todos nós sabemos reconhecer o velho, mas será que de fato sabemos defini-lo? Alguns adotam os critérios biológicos característicos, como por exemplo o cabelo branco, rugas, hipertensão, artrose, etc. Por outro lado, temos o enquadramento psicológico que tem como parâmetro o enrijecimento do pensamento, certo grau de regressão ou até a tendência a depressão. No entanto, o velho é uma totalidade, este se mostra como uma construção sempre mutável, motivo este pelo qual se torna ainda mais suscetível de compreensão. Não deveríamos sentir o peso da palavra velhice, pelo contrário, esta é passível de respeito e admiração. Temos que entender que os idosos possuem uma sabedoria empírica que vamos demorar muito a atingir. Em outros tempos, os mais velhos eram os mentores da sociedade, figuras que representavam a história, a sabedoria e os costumes daquela determinada civilização. Por simbolizarem a maturidade e a experiência, eram estes os conselheiros dotados do máximo respeito. Contudo, em virtude das transformações da sociedade, esta concepção sofreu uma drástica transformação; o idoso perdeu seu prestigio social e passou a ser depreciado. Se soubéssemos o que o “outro” tem a nos oferecer talvez o medo de possivelmente carecer de recurso, força e poder, características que atribuímos à velhice, não nos assustaria no futuro. Pelo contrário, passaríamos a compreender que por mais que o limite da vida humana seja a morte, e a velhice a fase final da existência, não são sinônimos de impotência.

42


“O sujeito se configura nas três dimensões do tempo: ante os obstáculos do presente, evoca o passado em busca do sentido necessário e joga para o futuro as possibilidades de reparação [...]”.4

Compreende-se que com a experiência de vida, o velho, em decorrência das imposições sociais, tenta encarar os obstáculos do presente. Marcado pelo desenvolvimento da tecnologia e da medicina, é notável o atual crescimento da população idosa, além da considerável e constante mudança de valores. Temos a tendência, em geral, de achar que por conta da sua menor participação na sociedade, o idoso não tem função e consequentemente importância. Aos poucos estamos criando a ideia de que o velho é participante ativo da sociedade. A sociedade e a cidade são transformadas de formas para que o indivíduo se sinta integrado, onde a lógica do mercado é de transformar lugares coletivos em lugares domésticos para criar uma aproximação. Porém, onde que isso ocorre com o idoso? O consumo gerado pelo capitalismo cria uma falsa sensação de acolhimento e proteção em um local coletivo onde o sujeito, não só o idoso mas a sociedade como um todo, não consegue mais enfrentar o mundo coletivo na sua real dimensão. O novo mundo, de estranhamento e enfrentamento, está cada vez mais mascarado pelo consumo do capitalismo.

4 GOLDFARB, Delia Catulio. “Corpo, Tempo e Envelhecimento”. Mestrado em 1997.

“A lógica estético espetacular não só remodelou os centros comerciais, as lojas, os bares, como estende sem domínio atualmente ao próprio espaço da cidade. O imperativo do divertimento consumista transformou-se radicalmente o estatuto e a função desta, tornando-a uma cidade feita para o prazer, o entertainment, o fun”.9 (pg. 319).

43


Gilles Lipovetsky ressalta que com essa transformação e a estetização do mundo que engloba a ideia do superficial, da imagem transmitida ser mais importante que qualquer outro significado, a cidade e a sociedade estão perdendo seu valor, a desvalorização destes está ocorrendo. De modo que o sentido da cidade mudou, o indivíduo está na constante busca pelo bem-estar pelo consumo que lhe traga esta “falsa” sensação de acolhimento. Desta forma, é proposto a cidade “habitável”, contra a cidade desumanizada surge a arquitetura sensual e o urbanismo sensorial. Ocorre uma concorrência entre a estética do hiperespetáculo (imagens hipnóticas) e a estética ambiental (sensoriais).

“Nesses residenciais protegidos, toda feiura pretende estar excluída; porém é uma beleza deslambida, insossa, dessubstancializada, uma estética do certinho, do conforto da tranquilidade num espaço privatizado e liofilizado: uma ‘privatopia em andamento’. Mas às asvessas do que é uma cidade. Acaso não é o último paradoxo do capitalismo em matéria de urbanismo gerar ao mesmo tempo cidades tentaculares que, por seu descomedimento, escapam do controle e despejam seus horrores, mas em que a vida fervilha, e cidades artificiais, que respondem ao desejo de beleza e de prazer, mas congeladas na sua estética de confecção, de que a vida está ausente?”9 (pg. 342)

Assim, deixa claro a constante busca por esse bem-estar artificial, de forma que atualmente o prazer não está somente no que está sendo vivenciado e sim, no modo que está sendo transmitido. Prazer no modo, em que aquilo é mostrado para o resto da sociedade, ao preencher os vazios desta e vida sem alma com este extremo prazer artificial, que se insere no conceito de hip9

LIPOVETSKY, Gilles. “A Estetetização do Mundo”.

erespetáculo e no internauta transestético, que afirmam a maior importância da aparência e do que está sendo transmitido do que

44


o real significado da situação ou indivíduo. Sociedade sem alma, onde o valor está na coisa e não mais no sujeito, sendo esta uma das ideias principais do capitalismo: o consumo e a superficialidade. A juventude é o grande objeto de desejo da sociedade contemporânea, não só sexualmente, mas principalmente pela cobiça do ego e bem-estar próprio. Até mesmo a busca do bem-estar se limita a opções rasas na sociedade, ao estético, que não transcende o físico. Muitas vezes, a beleza cobiçada é a de imperfeições o que remete a um jovem, que ainda não cometeu tantos erros na vida, que possui a pele sem grandes marcas e possui disposição. Um exemplo claro desta situação é na reportagem de Eliane Brum, ao visitar um lar de repouso e relata diversos diálogos com os moradores do local. Ao conversar com um dos moradores, a jornalista questiona os desejos na velhice, daquele indivíduo e como resposta diz: “Cyd Charisse, a de carne e osso, já passou dos oitenta e é provável que as tao suspiradas pernas exibam hoje uma hidrografia de varizes. A de Paulo segue com vinte, trinta, dono absoluto que é o objeto de seu desejo”. (pg. 99)

Como uma possível quebra deste ideal, a fotografa Angelina Jimenez fez uma exibição que exemplifica e simboliza em parte ressignificação do idoso, chamada: “Racing Ages, ” que traduzida pode ser interpretada como: corrida da idade. Esta sequência de fotos, retrata a redefinição dos limites do corpo 8 BRUM, Eliane. O olho da rua: uma e da velhice, com o intuito de quebrar padrões rígidos na sorepórter em busca da literatura da ciedade. Ou um suposto paradoxo para o ensaio fotográfico, é vida real. São Paulo: Globo, 2008. a corrida do idoso em tentar se superar, tentando encaixar-se

45


nos padrões acelerados da contemporaneidade. Porém, o intuito principal destas fotos são transcender o físico, retratando a superação através da mente. Visto que, o bem-estar na velhice se limita à forma em que o corpo reage ao mundo e não a mente confirmamos o ponto anteriormente apresentado. Jacques Leclercq deixa isso claro em seu livro quando ressalta: “vivemos numa civilização de jovens em que se evita e velhice, em que se evitam as próprias aparências da velhice”. É assim que os idosos vão sendo expulsos, desconsiderando o nosso próprio futuro, sem respeito pelo o que o outro está vivendo e sem respeito pelo nosso futuro. Porém, atingimos um momento em que não são somente expulsos pela sociedade que os cerca, como principalmente são colocados de lado, marginalizados pois não existe mais o sentimento de empatia com outros grupos fora daquele que foi “definido”. Dessa forma, as cidades e, mais precisamente, as metrópoles, são aqui apreendidas não como a causa principal, mas como consequência de situações maiores. Sua inteligibilidade pede por um olhar ampliado, que enxerga além das determinações do aqui e o agora; uma percepção informada por categorias que permitem a compreensão das transformações que atingiram a sociedade como um todo. Não se restringe a somente a hospitalidade como uma barreira cultural, mas principalmente como uma característica pessoal. A partir do momento que o indivíduo atinge esta fase da vida, sua velhice, restam pouquíssimas opções a serem se-

46


USATF Indoor Masters Championships. Boston, Massachusetts. 2008. Exposição “Racing Age” - Angela Jimenez

47


World Masters. Riccione, Italy. 2007. Exposição “Racing Age” - Angela Jimenez

48


World Masters. Riccione, Italy. 2007. Exposição “Racing Age” - Angela Jimenez

49


John, 92 anos. National Senior Games. Louisville, Kentucky. 2007. Exposição “Racing Age” - Angela Jimenez

50


USATF Masters Championship. Landover, Maryland. 2009. Exposição “Racing Age” - Angela Jimenez

51


guidas: recolhem-se na intimidade da moradia ou romper com esta exclusão e seguir por um caminho e desbravar espaços “desconhecidos”. Desta forma, entre a cidade e a velhice surge e só aumenta com o passar do tempo, um vácuo, que se tornará uma batalha diária para ser preenchido. Porque além das limitações físicas, ocorre a insegurança pessoal e mental reforçada pela exclusão imposta pela sociedade. “De uma verdadeira conspiração contra os que ousaram envelhecer”. (PRADO, Adriana. p. 61). A hospitalidade é um dos conceitos mais significativos da contemporaneidade, abordada por Jacques Derrida que a define como um exercício de troca, que envolve a superação das diferenças entre os indivíduos, por meio de um sentimento de justiça universal. Tal exercício só alcança sua plenitude se trabalhado juntamente à questão da generosidade, em que o diálogo com o outro abre caminhos para a compreensão do mesmo como indivíduo singular, que possui direitos, desejos, cultura e ideias a serem respeitadas. Apesar da compreensão e da tentativa de empatia, ainda ocorre certa recusa, uma vez que caracteriza - como a própria etimologia da palavra sugere - um indivíduo que está “a mais” naquela sociedade: ele é o extra que rompe com uma dada hegemonia e, por isso, muitas vezes acaba sendo tratado com hostilidade. Neste sentido os estranhos estão sempre limitados a uma série de normas a eles impostas, criando-se tensões entre os direitos individuais. Desta forma, se habitamos o mesmo planeta, porque não temos a liberdade de ir e vir? De nos inserirmos onde desejamos independente do nosso físico?

52


Hospitalidade não é somente em relação ao estrangeiro, ao o acolher em sua residência, cidade ou nação. Tem um sentido muito mais amplo e é uma relação de extrema tensão. A posição de hospitaleiro já nasce a partir do momento em que eu acolho a alteridade do outro ou estou aberto ao outro. Justamente por isso que a guerra, rejeição ou xenofobia não são excluídos desta relação. Deste ponto de vista, primeiro eu me abro para o outro, para depois, a partir de meus pensamentos, rejeitar. A rejeição nada mais é do que uma reação a primeira abertura. Portanto, sou refém do outro e tenho responsabilidade sobre. Porém, a alteridade e a hospitalidade decorrem de uma relação de respeito. Lévinas descreve que para haver respeito, o olhar deve estar sob o outro, um olhar distante, ocorrendo a redefinição do indivíduo a partir do meu olhar e do que é entendido como rostos. A relação com o rosto do outro, falar e escutar o outro já abre a dimensão do respeito. O estrangeiro traz consigo uma questão própria, língua, costumes, histórias, memórias e nos põe em questão, uma vez que a hegemonia local é interrompida, podendo causar mudanças sociais. Justamente por isso, o estrangeiro é interpretado como hóspede e inimigo simultaneamente. A reação imediatista é fechar as fronteiras em uma tentativa de proteção, que Derrida chama de autoimunidade. Entretanto, isso é um movimento suicida, uma vez que a identidade própria é constituída pela relação com os outros e com o próprio exterior. Compreendendo então que sem a hospitalidade não há identidade e que sem uma identidade com as fronteiras bem definidas, não há o sentido de

53


acolher algo que está fora. A língua é um corpo onde não há como se autorrenunciar. É tradição, memória e identidade de uma nação. Levar em conta essas diferenças, é estar aberto, ter alteridade pelo novo cidadão, hospedar, respeitar e como consequência, mudar sua própria identidade em decorrência de experiências e interações com o estrangeiro. Ao retomar o conceito da cidade grande, a sociedade contemporânea e o capitalismo, os efeitos são claros: todos que não correspondem aos princípios de agilidade e estar constantemente aberto ao novo, é posto de lado, torna-se o estrangeiro. Nas cidades, a negação dos idosos é clara e cada vez mais presente onde a dificuldade em acompanhar o ritmo de produção, dadas limitações que o tempo proporciona, os insere neste papel. O primeiro passo, talvez, para o caminho da hospitalidade seja, portanto, respeitar a individualidade de cada um, permitindo que as diferenças coexistam em equilíbrio dentro de uma sociedade, sob um mesmo conjunto de leis. E, para que isto seja alcançado, é preciso conhecer o outro. É necessário a empatia pela história de outro indivíduo. A compreensão do estrangeiro como pessoa singular parte do exercício de se abrir ao outro, de dizer “sim” àquele que chega sendo, assim, hospitaleiro. Em um primeiro momento de contato deve-se estar em reserva, para garantir que sua identidade seja preservada; mas, ao mesmo tempo, deve-se procurar esquecer qualquer tipo de preconceito, a fim conhecer o outro

54


sem que haja nenhum tipo de julgamento prévio. Neste momento automaticamente as partes de tornam reféns umas das outras, sendo, portanto, importante impor limites à relação. A partir do conhecimento do outro como indivíduo singular é que se decide se avança ou se recua. Além disso, compreender que contrário da diversidade cultural, a vida é algo pelo qual todos passam e se por sorte, atingir a maturidade da velhice, chegará, independente de querer ou não. Desse modo, estar aberto para olhar o outro de longe, entender suas diferenças e características, respeitar e ter interações com os outros, se doar, integram aspectos da alteridade e hospitalidade. Estas, são relações essenciais para a formação da identidade pessoal, que não depende somente de vivências do próprio indivíduo, mas também de interações com o meio externo em que habita, onde a relação do jovem com o idoso é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade.

55


“Velho, é o seu preconceito”. Cartola


A velhice é um tema da contemporaneidade, pois até 50 anos atrás não era sequer uma questão válida na sociedade. A discussão sobre a velhice ainda não supriu totalmente às necessidades dos indivíduos pois por ser extremamente recente, ainda há um longo caminho de adaptação deste tema. O velho ainda é visto como suas debilitações físicas e psicológicas e não como o um indivíduo absoluto. É necessário superar essa ideia generalizada e ultrapassada que se construiu do velho durante tanto tempo. De modo que a partir da nossa realidade e das questões do cotidiano precisamos, às vezes, nos desligar da correria do dia-a-dia e nos conscientizar sobre a presença e importância do velho, bem como o de outras coisas a nossa volta. O estatuto do IBGE a partir das informações coletadas mostrou que com o passar do tempo a tendência demográfica do Brasil é um aumento da população idosa e uma queda da taxa de natalidade, dando assim base ao que foi discutido acima. Reféns de uma sociedade capitalista, vivemos um cotidiano frenético, de ritmo acelerado. “Duas de nossas ‘marcas identitárias’ tradicionais – país agrário e jovem- cederam lugar a outras; industrializado, urbanizado e que apresenta quedas importantes nas taxas de natalidade e de mortalidade, além do aumento da expectativa de vida ao nascer e aos 60 anos”.5 (p.59)

Almeida, J. A. M. (2005). Sobre a Anamorfose: identidade e emancipação na velhice. Tese de Doutorado, Psicologia Social, PUCSP, São Paulo. 5

Seria atrevido dizer que poderíamos ser anômicos, des-

apegados dos padrões impostos, porque sabemos que isso já não é mais possível. Mas deve haver um equilibro entre o ser e estar. Não precisamos ser tudo aquilo que a sociedade espera de nós mas precisamos estar mais presentes, cientes da nossa vida e das

57


relações que estabelecemos. Assim, retomamos a pergunta, de quem é o idoso? Como Juracy Almeida discorre em sua tese de doutorado: “Os idosos nem são inúteis e descartáveis, meros espectros daquilo que foram ou dos modelos de homem idealizados, nem são pessoas necessariamente ativas e dispostas que se sobrepõem às dificuldades do envelhecimento graças a novos receituários rejuvenescedores. Nem restos sociais, nem super-homens. Nem coitados ou pesos sociais, nem culpados por não serem capazes de driblar as armadilhas do envelhecimento ou por não terem se precavido. O embate entre modelos revela apenas as disputas pelas definições dos significados socialmente hegemônicos”.5

O idoso nada mais é que o futuro de todos, um futuro que ao invés de ser encarado com receio, amarras e medo, enxergá-lo como maturidade e aceitação.

Almeida, J. A. M. (2005). Sobre a Anamorfose: identidade e emancipação na velhice. Tese de Doutorado, Psicologia Social, PUCSP, São Paulo. 5

58


BIBLIOGRAFIA BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São Paulo: Globo, 2008. LIPOVETSKY, G.; SERROY J. A estetização do mundo – viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap 5. DERRIDA, Jacques. “Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar da hospitalidade”. Editora Escuta Ltda. 2003. PRADO, Adriana R. De Almeida Prado. LOPES, Maria Elisabete (orgs.) “Desenho Universal: Caminhos da Acessibilidade no Brasil”. Cap. 1 – Conceituação e Procedimentos Metodológicos. AnnaBlume Editora. Março de 2010. NERI, Anita Liberalesso Neri. “Desenvolvimento e Envelhecimento: Perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas”. Papirus Editora. 2007. FARIAS, Tassio Ricelly Pinto de. A Questão Social como Questão Filosófica. Disponível em: <http://conhecimentopratico.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/37/artigo263466-1.asp>. ZAGALO, Gonçalo. Hospitalidade e Soberania - Uma leitura de Jacques Derrida. Revista Filosófica de Coimbra - n° 30 (2006). Coimbra. 2006. p.307-323 “Quanto tempo o tempo tem?” Direção: Adriana Dutra e Walter Carvalho. Produção: Claudia Dutra e Alessandra Alli. 2015. GOLDFARB, Delia Catulio. “Corpo, Tempo e Envelhecimento”. Mestrado em 1997. GUIMARÃES, Ricardo. “O Poder dos Limites”. Disponível em: < https://revistatrip.uol.com. br/trip/ricardo-guimaraes-maturidade-envelhecimento-idade-beleza>. Acesso em: 05 de set., 2017.

59



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.