MULHERES E CIDADE

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CENTRO UNIVERSITÁRIO TIRADENTES - UNIT ARQUITETURA E URBANISMO

MARIA CLARA RODRIGUES GOMES

MULHERES E CIDADE: A relação entre o direito das mulheres à cidade e o planejamento urbano com base na perspectiva de gênero

Maceió 2019


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MARIA CLARA RODRIGUES GOMES

MULHERES E CIDADE: A relação entre o direito das mulheres à cidade e o planejamento urbano com base na perspectiva de gênero

Trabalho Final de Graduação apresentado a banca examinadora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Tiradentes (UNIT/AL), como requisito para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Renan Durval Aparecido da Silva.

Maceió 2019


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G633m

Gomes, Maria Clara Rodrigues.

Mulheres e cidade: a relação entre o direito das mulheres à cidade e o planejamento urbano com base na perspectiva de gênero / Maria Clara Rodrigues Gomes. – Maceió: Unit, 2019. 141 f. : il. Trabalho de conclusão de curso (graduação em Arquitetura e Urbanismo) - Centro Universitário Tiradentes UNIT/AL. Orientador(a): Prof. Renan Durval Aparecido da Silva.

1. Arquitetura e urbanismo - feminismo. 2. Direito à cidade Maceió. I. Título. CDU: 72 Catalogação na fonte: Elaborada pela biblioteca do Centro Universitário Tiradentes UNIT/AL


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A todas e todos que me ensinaram a amar a cidade. A todas as mulheres, as que vieram antes e as que continuam na luta.


6 AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não seria possível sem a ajuda direta e indireta de várias pessoas. A essas, em especial, agradeço: Minha mãe e meu pai, por terem me dado a maior base que alguém pode ter: a educação. Mãe, obrigada por ser a grande companheira que é e por sempre me ajudar de todas as maneiras possíveis e impossíveis. Pai, obrigada por ser o meu eterno melhor amigo e por me mostrar que eu posso ser e fazer o que quiser. Mariana, minha irmã, por compartilhar a vida comigo e estar do meu lado incondicionalmente. Tutu, meu parceiro de sonhos, pelo carinho e apoio em todas as aventuras que embarco. Sei que são muitas. Joyce e Débora, minhas super-amigas, parceiras da graduação e da vida, obrigada por todo o companheirismo durante essa trajetória e todas as outras que já trilhamos juntas. Acredite, virar todas essas noites sem vocês não teria sido possível. Vovó Fátima por todo o cuidado, minhas tias pelo carinho e amor de sempre. Rafinha, meu pedacinho de alegria e pureza em meio a tanta correria. Minhas amigas e amigos, sei que esses últimos meses se traduziram em vários pedidos de ajuda. Obrigada por compreenderem as minhas ausências e mesmo assim se mostrarem presentes, disponíveis para ouvir as minhas inquietações e dispostos a ajudar, seja com uma conversa, um abraço ou uma ajudinha no Photoshop. Larinha, artista que admiro tanto, obrigada por ter ilustrado com tanto carinho e de maneira maravilhosamente sensível todas as capas desse trabalho. Daphne, que tive a sorte de encontrar durante esse estudo, obrigada por todas as conversas, sugestões, trocas, materiais compartilhados e por estar comigo nessa causa. Minhas professoras e professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIT/AL, que além de mestres, foram conselheiros e amigos nos momentos de dificuldade, obrigada por todo o conhecimento compartilhado. Agradeço em especial a Lali, por fazer eu me apaixonar pela arquitetura e pelo urbanismo em cada uma de suas aulas. Renan, meu orientador, que esteve do meu lado desde o início da graduação, obrigada por ter me ajudado a abrir tantas portas, por todo o incentivo e por ter mergulhado comigo no desafio desse trabalho.


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Todas as mulheres incríveis que cruzaram meu caminho até aqui, as que vieram antes de mim e as que continuam na luta: muito obrigada! Graças a vocês, passei a enxergar as coisas por uma outra ótica e estou aqui escrevendo sobre o nosso direito à cidade.

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“Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre.” - Simone de Beauvoir


9 RESUMO

As relações de segregação presentes na sociedade são reproduzidas pelo espaço físico, tornando-se, automaticamente, segregações espaciais. O padrão de organização do espaço público com base no trabalho produtivo permaneceu por muito tempo, concebendo cidades por homens e para homens. A partir do momento que as mulheres começaram a quebrar esse padrão e ocupar o espaço público, a cidade se apresentou como um território hostil, palco de reprodução de desigualdades e despreparado para enxergar a figura feminina como ator de fundamental importância. Dessa forma, quando as mulheres colocam os pés na rua, parecem ter que assumir o risco e a obrigação de tornarem seus corpos tão públicos quanto o espaço em que se inserem, ferindo diretamente o seu direito à cidade. Isto posto, o estudo que segue buscou investigar a experiência das mulheres nos espaços públicos livres de uma área nobre da planície litorânea central da cidade de Maceió/AL. Para tal, fez-se necessário realizar vivências, elaborar mapas e formulários, que se transformaram em estatísticas e na elaboração de diretrizes necessárias para a construção de cidades mais amigáveis para suas usuárias. Com o desenvolvimento do trabalho, foi possível perceber que a preocupação em democratizar os espaços públicos e torná-los seguros para as mulheres é sinônimo de uma cidade melhor para todos. O debate aqui apresentado é uma forma destacar a necessidade da implantação da perspectiva de gênero no campo da arquitetura e do urbanismo, de modo a garantir a autonomia e o pleno usufruto do direito à cidade por parte de todas, todos e todes. Palavras-chave: Direito à cidade; Feminismo; Maceió.


10 ABSTRACT

The social segregations are reflected and reproduced by the spaces, becoming automatically spatial segregations The standard of sorting the public spaces based on the reproductive work remained for a long time, shaping cities from and for men. When women started to break this kind of pattern and occupy the streets, the cities looked like a hostile territory, reproducing inequalities and unready to see woman as a important figure. As of the moment that women started to break the patterns and actually ocuppy the public spaces, they seem to have to get along with the risk of the obligation of having their bodies seem as public as these spaces, hurting their right to the city. Therefore, this study investigated the women’s experiences in an área of the city of Maceió/AL. The study was based on volunteers’ experiences, maps and form’s responses, that became statatistics and guidelines for building women friendly cities. It was possible to see that the concern of democratizing the streets and making them safer for woman is a synonym of a better city for everybody. The present discussion is a way of highlighting the need of implementation of the gender perspective in the urban planning and architecture field, in order to ensure the autonomy and the full enjoyment of the right to the city by women and men. Keywords: Right to the city; Feminism; Maceió.


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SUMÁRIO

1 | INTRODUÇÃO .....................................................................................................14 1.1 Objetivos ..............................................................................................................15 1.2 Metodologia .........................................................................................................15 1.3 Justificativa - por que a mulher e a cidade? ........................................................16 1.4 Estrutura dos capítulos ........................................................................................17 2 | CONSTRUINDO UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER COM O ESPAÇO PÚBLICO .... .............................................................................................19 2.1 Direito à Cidade ...................................................................................................20 2.2 Público e privado, masculino e feminino .............................................................23 2.3 Feminismo – uma resistência ao patriarcado ..................................................... 30 2.4 Equidade e igualdade de gênero .........................................................................33 2.5 Motivações de deslocamentos ............................................................................36 2.6 Gender Mainstreaming e Gender Planning .........................................................41 3 | O QUE TEM SIDO PROPOSTO? ........................................................................43 3.1 Lei da Parada Segura – Maceió – AL ..................................................................44 3.2 “Vagão Rosa” no Brasil – RJ, DF, SP e PE .........................................................46 3.3 ODS 5 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU) ..............................52 3.4 Campanha Cidades Seguras para as Mulheres (ONG ActionAid) ......................54 3.5 Campanha Chega de Fiu Fiu (ONG Olga) ..........................................................57 3.6 Outros materiais ..................................................................................................59 3.7 Estudo de Caso: Viena, Áustria ...........................................................................64 3.8 Estudo de Caso: Berlim, Alemanha .....................................................................73 4 | ÁREA DE ESTUDO: USO, SENSAÇÕES E BARREIRAS .................................83 4.1 Área de estudo: Jatiúca – Mangabeiras – Cruz das Almas .................................84 4.3 Mapeamento colaborativo de sensações ............................................................92 4.4 Percepções urbanas – qual sensação esse cenário desperta em você? ...........94 4.5 Barreiras – o que limita a experiência das mulheres? .......................................114 4.6 Diretrizes – (re)pensando o recorte sob uma perspectiva de gênero ...............117


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4.7 Intervenção urbana realizada no recorte em estudo .........................................125 5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................135 APÊNDICE 01 – Mapa das Sensações .................................................................140


1 INTRODUÇÃO

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1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho, foi movido por diversos questionamentos quanto à função social do arquiteto e urbanista e como tal profissional, através de suas competências, pode contribuir para possibilitar o usufruto do direito à cidade. Dessa forma, o estudo que segue, estruturado enquanto Trabalho Final de Graduação, é posto como uma investigação sobre como se dá a relação das mulheres com os espaços livres públicos e como a sua construção define e condiciona suas vivências na cidade. A rua é feita e apropriada pelas pessoas, as quais estabelecem relações sociais de poder e hierarquia, tornando-se, assim, palco de reprodução de práticas culturais. Logo, as relações de segregação presentes na sociedade são automaticamente reproduzidas pelo espaço físico, tornando-se, automaticamente, segregações espaciais. A estrutura social patriarcal, a misoginia, o machismo, o medo do assédio e a falta de estrutura adequada às necessidades das mulheres são fatores que limitam sua liberdade e, portanto, desrespeitam o seu direito à cidade. Portanto, quais as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na ocupação dos espaços públicos? Quais medidas vêm sendo adotadas visando garantir o pleno exercício do direito à cidade e à ocupação dos espaços públicos pelas mulheres? Além disso, qual a real efetividade destas medidas? A preocupação em democratizar os espaços públicos e torná-los seguros para as mulheres é sinônimo de uma cidade melhor para todos. Uma cidade segura e inclusiva para mulheres, idosos e crianças, será, automaticamente, segura e inclusiva para os demais grupos, como homens, jovens e adultos (JACOBS, 2001). Deste modo, espera-se que esta pesquisa possa colaborar oferecendo parâmetros de análise que possibilitem a criação de intervenções que possam vir a servir como ferramentas para que os benefícios sociais urbanos sejam reparados de modo a alcançar a todas, todos e todes. Espera-se também que este trabalho incentive outras pesquisas para que a discussão do tema seja ampliada e que seus indicadores finais contribuam, de alguma forma, para a construção de cidades mais humanas e democráticas.


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1.1 Objetivos

OBJETIVO GERAL: Compreender as relações de gênero e planejamento urbano nos espaços livres públicos de uma área nobre da planície litorânea central da cidade de Maceió/AL. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: • Compreender as relações de gênero e planejamento urbano. • Analisar a experiência das mulheres na ocupação dos espaços públicos em uma área nobre da capital alagoana. • Elaborar propostas de intervenção urbana para promover a equidade de gênero em áreas livres públicas bem infraestruturadas de Maceió-AL.

1.2 Metodologia

Para desenvolver este trabalho, primeiramente, foi necessário realizar análises bibliográficas referentes ao planejamento urbano, direito à cidade, gender planning e sobre as relações homem – público x mulher – privado. Posteriormente, realizou-se um estudo sobre o que tem sido proposto como forma de melhorar a qualidade da experiência das mulheres nos espaços públicos, enriquecendo grandemente o repertório de referências da autora. Além disso, fez-se necessária a realização de dois estudos de casos, os quais auxiliaram diretamente na compreensão das maneiras de pensar a cidade através de uma perspectiva de gênero, oferecendo também um amplo suporte para o desenvolvimento das diretrizes adotadas por parte da autora. Com a intenção de registrar informações e percepções sobre a área de estudo, derivas e observações foram realizadas e traduzidas em forma de mapas e fotos. Essa etapa do trabalho possibilitou o reconhecimento dos elementos espaciais e a compreensão da dinâmica do recorte, além de permitir que a autora enxergasse (e vivenciasse) as deficiências e barreiras que o espaço livre público oferece às suas usuárias. Para a obtenção das informações necessárias para diagnosticar e compreender como se dá a experiência urbana das mulheres, foi necessário apoiar


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se nos métodos qualitativo e quantitativo. Os dados qualitativos colhidos, registrados em forma de mapa de sensações, foram desenvolvidos com base em vivências de voluntários pelo recorte. Esse mapa permitiu que a autora tabelasse e associasse as sensações registradas com os elementos espaciais capturados em forma de foto pelos voluntários. Já o caráter quantitativo, foi apresentado através de um formulário online, onde foi possível obter respostas exatas e configurar estatísticas (ilustradas enquanto nuvens de palavras e gráficos), as quais foram determinantes para o desenvolvimento das conclusões do estudo. Posteriormente, desenvolveu e aplicou à área de estudo algumas diretrizes espaciais a partir dos conceitos e estudos explorados ao longo do trabalho, a fim de repensar o espaço sob uma perspectiva de gênero. Visando tornar o recorte trabalhado mais amigável e convidativo para as mulheres, algumas alternativas espaciais foram propostas através de colagens digitais sobre registros feitos pela autora. Por fim, interviu no espaço livre público do recorte por meio de uma intervenção artística. A autora, ao lado de voluntárias, colou lambes em muros, postes e mobiliários urbanos, impressos com estatísticas e provocações em relação a questão em estudo. 1.3 Justificativa – por que mulher e cidade?

Esse trabalho surgiu de uma inquietação movida por incômodos e questionamentos ao transitar no universo da cidade com o olhar feminino. Para justificar a escolha do tema, me embaso, primeiramente, em experiências pessoais, uma vez que como mulher e moradora de Maceió, percebo meu lugar segregado e pouco aproveitado. Ao relacionar as minhas vivências com as de outras mulheres, percebo diversos pontos de convergência ao ocuparmos o espaço livre público. Existe uma série de adversidades, sendo o medo, o sentimento de constante limitação a sensação de vulnerabilidade e as maiores delas. São comuns e recorrentes as indagações: a que horas devo sair? Por onde devo ir? Qual roupa devo usar? De fato, a violência, o medo e a sensação de vulnerabilidade atinge a todos, porém atingem majoritariamente alguns segmentos da sociedade, e as mulheres estão inseridas nesse contexto.


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A partir disso, podemos compreender que a grande maioria das cidades não foi feita para as mulheres, visto que suas necessidades, na maior parte dos casos, não são levadas em consideração, os seus anseios e problemas ficam invisíveis nas políticas urbanas e nas soluções espaciais buscadas pelos projetos de arquitetura e urbanismo. O espaço público deve ser de todos e para todos, porém, na prática, as necessidades específicas de cada gênero continuam segregadas no esquecimento. Diante desse cenário, esse trabalho se propõe a contribuir para a produção de uma reflexão acerca das relações entre mulher e cidade e como a sua construção define a vivência das mesmas no território urbano. 1.4 Estrutura dos capítulos

• PRIMEIRO CAPÍTULO – CONSTRUINDO UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER COM O ESPAÇO PÚBLICO Se traduz no referencial teórico da pesquisa, organiza conceitos essenciais para a compreensão do trabalho, como: Direito à cidade; A relação homem – público x mulher – privado; Feminismo; Patriarcalismo; Equidade e Igualdade de gênero; Motivações de deslocamento; Gender Mainstreaming e Gender Planning. • SEGUNDO CAPÍTULO – O QUE TEM SIDO PROPOSTO? Estuda o que tem sido feito por meio de diferentes seguimentos da sociedade, como projetos de lei, campanhas, ações e ONGs que buscam medidas para melhorar a qualidade da experiência das mulheres nos espaços públicos. Apresenta, também, estudos de caso das cidades de Viena e Berlim, cidades que adotaram o método de planejamento em estudo. • TERCEIRO CAPÍTULO – ÁREA DE ESTUDO: USOS, SENSAÇÕES E BARREIRAS Consiste na caracterização da área de estudo e em investigações sobre a experiência urbana do espaço, reconhecendo os elementos espaciais e a dinâmica do recorte. Esse capítulo busca compreender como se dá a experiência urbana das suas usuárias e detecta as barreiras que limitam suas experiências. Por fim, aplicase as diretrizes e os conceitos explorados ao longo do trabalho para a área de estudo, a fim de repensar o recorte sob uma perspectiva de gênero.


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• CONSIDERAÇÕES

FINAIS:

UMA

CIDADE

COLETIVA

É

UMA

CIDADE

FEMINISTA Nesse capítulo constam as conclusões pontuadas a partir das análises desenvolvidas ao longo do trabalho e as considerações finais sobre o tema em estudo.


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2. CONSTRUINDO UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER COM O ESPAÇO PÚBLICO 2.1

Direito à cidade

No Brasil, a discussão sobre o direito à cidade, posta por grupos sociais e intelectuais, vem à tona durante o período da Ditadura Militar Brasileira (1964 – 1985), num contexto em que noções de justiça, direito e democracia tinham um peso social ainda maior. O termo começou a ser utilizado e reivindicado por parte de grupos sociais e intelectuais. Em 1979, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato publicava um artigo defendendo a necessidade de construção da consciência do direito à cidade como uma forma de qualificar as reivindicações populares (MARICATO, 1979). Nessa oportunidade, Maricato fazia menções à obra Le Droit à la Ville (1968), do sociólogo francês Henri Lefebvre, grande estudioso sobre o tema. Em uma passagem de sua obra, o autor afirma que “o direito à cidade se afirma como um apelo, como uma exigência” (LEFEBVRE, 1969, p. 107). A associação entre direito à cidade e cidadania é também mencionada pelo sociólogo e economista Pedro Jacobi: Todas as pessoas que vivem na cidade são cidadãos? Não é bem assim. Na verdade, todos têm direito à cidade e têm direito de se assumirem como cidadãos. Mas, na prática, da maneira como as modernas cidades crescem e se desenvolvem, o que ocorre é uma urbanização desurbanizada. [...] Direito à cidade quer dizer direito à vida urbana, à habitação, à dignidade. É pensar a cidade como um espaço de usufruto do cotidiano, como um lugar de encontro e não de desencontro. […] O direito à cidade representa, acima de tudo, pensar uma cidade democrática, uma cidade que rompa as suas amarras com o passado” (JACOBI, 1986, p. 22).

A intenção tanto de Jacobi quanto de Maricato era de orientar os movimentos populares da época. Maricato apresenta uma proposta mais voltada para a ocupação de terrenos vazios, a reforma agrária e o direito à terra. Já Jacobi, aborda o termo como “algo além da casa e da terra”, o sociólogo relaciona o direito à cidade a uma cidade democrática, em que festas, encontros e relações são possíveis. Entre as décadas de 1970 e 1980, auge da ditadura militar no Brasil, a destruição dos espaços públicos de manifestação política e convivência produziu um cenário de ausência de cidadania e permitiu que as pessoas voltassem a imaginar como a cidade poderia ser. Estudiosos, preocupados com a redemocratização, se mobilizaram sobre o direito à cidade através de textos, pesquisas e teses, e, assim, o


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direito à cidade conquistou o cenário das pesquisas nacionais mostrando a possibilidade de transformação do cotidiano e da vida urbana. A ausência de serviços de necessidade básica passa a ser vinculada a questões mais amplas, como a democracia e a cidadania: A questão da ausência da cidadania emerge, neste período, articulando a cassação dos direitos políticos com a negação do direito à cidade; confere-se, assim, às lutas urbanas um caráter mais amplo de busca da cidadania e pela democracia política e social (BONDUKI, 1986, p. 46).

Um ponto comum entre todos os textos publicados nesse período, sejam eles de intervenção ou acadêmicos, é a afirmação de que o direito à cidade não se resume a reivindicações por serviços urbanos ou direitos específicos - ele seria o conjunto de todas as demandas, incluindo o acesso ao exercício da democracia e cidadania. Nesse momento, a luta pelo direito à cidade é dada através da tentativa de organizar lutas distintas num denominador comum, na tentativa de traduzir mudanças na cultura política dos movimentos populares urbanos. Com a popularidade e a generalização do termo nos mais diversos círculos acadêmicos e sociais, começou a surgir uma crítica à variedade de sentidos associados ao termo - o que, para alguns autores, seria a principal causa da perda do seu potencial crítico, passando a representar qualquer pauta urbana (SOUZA, 2010). Assim, diante de uma necessidade de definir o termo, vários estudiosos entram em uma espécie de competição pela melhor maneira de compreender a obra de Lefebvre. O geógrafo David Harvey, por sua vez, em seu texto mais famoso, intitulado “The Right to the City”, compreende o termo como um direito humano coletivo que desafia o sistema capitalista, por permitir transformar a cidade de acordo com os desejos do coração (HARVEY, 2003). A luta pelo direito à cidade se tornou uma projeção de justiça, democracia e igualdade na cidade, isso por parte dos movimentos sociais (como os de junho de 2013 no Brasil) e das tentativas dos estudiosos de compreender tais protestos. Nesse momento, os autores passaram a dizer que o potencial crítico do termo estava mais forte do que nunca (MARICATO, 2013). O direito à cidade é definido no Brasil pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela lei número 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como “Estatuto da Cidade”. Esse direito é uma garantia de que todo brasileiro tem de usufruir da estrutura e dos espaços públicos de sua cidade, com igualdade e utilização.


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Embora exista, nos últimos anos, uma larga concepção da importância do direito à cidade, esse debate, por vezes, ignora que a cidade é diversificada: dentro de uma mesma malha urbana se desenvolvem diferentes tipos de territórios, com mais ou menos acessos a direitos. A arquiteta e urbanista Joice Berth, interliga a efetivação do direito à cidade à participação social: Cidade é um espaço público, onde você se locomove, mora, estuda, trabalha e cria raízes. As pessoas têm dificuldade de entender: como assim, direito à cidade, a cidade não é pública? É, mas não em sua totalidade (BERTH, 2018).

Enquanto as praças e ruas das cidades continuarem se estabelecendo como palco de lutas sociais, o direito à cidade vai continuar no centro das reivindicações populares e sendo visto como possibilidade de emancipação, mostrando que o termo conseguiu, de fato, reunir os mais diferentes atores sociais, não apenas pela sua grande abrangência, mas pelo fato de que por meio dele é possível articular uma luta por liberdade.


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2.2 Público e privado, masculino e feminino

Interpretar a cidade e suas lógicas de produção é primordial para que se compreenda como a mulher vivencia esse espaço, assim como de que maneira as relações de poder se dão e o quanto influenciam na sua organização. A diferença entre homens e mulheres narrada nesse estudo e se dá através de uma construção cultural que atribui a cada um dos lados diferentes formas de poder, ditando e atribuindo à mulher a responsabilidade pelo espaço privado, pela vida doméstica, cuidados da casa e da família, e associou-as falsamente ao frágil, ao delicado e ao sentimental. Enquanto aos homens, foram-lhes atribuídas as responsabilidades do setor público, externo e “pesado”. Essa divisão é constantemente reproduzida nas demais escalas da vida cotidiana, partindo do inconsciente até coisas mais concretas. É claro, nessa mesma direção, que tudo dito sobre o homem da rua não seria aplicável a uma mulher na rua que, como é sabido, é algo muito diferente. Uma mulher da rua não é a versão feminina do homem da rua, mas pelo contrário, sua negatividade. Desde o começo, a mulher da rua significa simplesmente “prostituta”, uma mulher que está situada muitas vezes no estrato mais baixo do sistema de classificação moral dos comportamentos. Não é por acaso que o seu trabalho se chama eufemisticamente de “fazer a rua”. Uma mulher na rua é que confirma as piores suspeitas que possam recair sobre uma mulher que foi vista sozinha, parou em um canto ou qualquer portal (DELGADO, 2007, p. 225).

Delgado (2007) também define a “mulher privada”, vista não como uma mulher que desfrute de sua vida privada, mas sim como uma mulher que seria propriedade privada de um homem. Para o autor, o aparente paradoxo de que um mesmo atributo (a rua), elevou o homem à categoria de cidadão e rebaixou a mulher à categoria de “prostituta”, reverberou a organização do espaço publico atual, a priori por criar divisões entre gêneros masculinos e femininos, concepção embasada na ideia de que existem espaços para mulheres e espaços para homens. Assim, entendendo que a construção social dos gêneros torna a mulher alheia da esfera pública e que aspectos como a objetificação do corpo feminino, a vulnerabilidade, a sensação de insegurança, a falta de poder atribuído e aspectos de desvalorização profissional, impactam não somente na construção do papel social das mulheres, mas também no modo como as mesmas vivenciam a cidade. A desigualdade entre gêneros se expressa em todos os espaços, sejam eles públicos, privados, comerciais, institucionais e residenciais. Os seguintes dados exemplificam a manifestação dessa desigualdade no universo das cidades:


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DisponĂ­vel em: https://paranaportal.uol.com.br/geral/996-das-mulheres-ja-foram-assediadas/

DisponĂ­vel em: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/pesquisa-8-em-cada-19-mulhe res-brasileiras-tem-medo-de-andar-sozinhas-noite.html

DisponĂ­vel em: https://g1/globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/06/18/97percent-das-mulheresdizem-ja-ter-sido-vitima-de-assedio-no-transporte-publico-e-privado-no-brasil-diz-pesquisa/ghtml


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O espaço público permite a visualização de conflitos e, por salientar diversas opressões, carrega consigo a constante tensão das disputas de espaços e exala, a todo o momento, a ânsia de suas lutas sociais (TAVOLARI, 2015). Portanto, o espaço público se apresenta de maneira ambígua como uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que é reflexo dos problemas sociais, é também responsável por reproduzi-los. A cidade não é tão inocente e também não é isenta. Ela está o tempo inteiro dizendo para a gente o que realmente se passa na sociedade (BERTH, 2018). A cidade levou tempo e precisou de processos históricos para se consolidar, ela nasce com o processo de sedentarização e vai se modificando ao longo do tempo. É, antes de tudo, lugar de troca, encontro, palco de histórias, revoltas, lutas e grandes feitos, onde habitam estruturas e relações de poder que transbordam a cada rua (ROLNIK, 2012). Os primeiros assentamentos sedentários fazem seu aparecimento durante a chamada Revolução Neolítica. Por meio da fixação da população em um território, estabelece-se o lugar de moradia, o lugar de trabalho e a consequente produção de um excedente alimentar. Assim, a necessidade de registro, gestão e organização é gerada, sendo os espaços responsáveis por influenciar e concretizar tais relações de poder e trabalho. A regra foi a de que o surgimento das primeiras cidades se desse entrelaçado com o aparecimento de formas centralizadas e hierárquicas de exercício do poder; e, com efeito, foi justamente a formação de sistemas de dominação, com monarcas e seus exércitos, que permitiu, ao lado das inovações técnicas, uma crescente extração de excedente alimentar, sobre o fundamento da opressão dos produtores diretos (SOUZA, 2011, p. 45).

Para compreender as vivências do feminino na cidade, é necessário debater sobre os papéis que as mulheres exercem na sociedade, as relações de gênero e a construção do papel da mulher ao longo da história. A construção social e cultural do que é feminino e masculino é imposta como um padrão natural. Esses padrões são construídos, reforçados ou desconstruídos pela forma como se organizam as sociedades ao longo da historia e estabelecidos desde o nascimento das meninas (BEAUVOIR, 1967) Alguns estudos urbanos evidenciam a experiência e utilização das cidades, concebidas de maneiras distintas, apontando que a perspectiva da mulher sobre a mesma está historicamente ligada à hierarquização dos sexos, o que provocou uma falta de ocupação de espaços públicos por parte delas. Isto representa o link das


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relações de gênero no espaço urbano com as desigualdades sócio-espaciais (MASSOLO, 1999). As mulheres são colocadas em um lugar inferior em relação aos homens desde as sociedades da Idade Antiga. As mulheres da Roma Antiga não tinham direito sequer ao nome, elas recebiam o nome gentílico dos pais, no gênero feminino. Já nas cidades da Grécia Antiga, a democracia era efetivada na Ágora, local de debates políticos e ações públicas, porém, o exercício do direito à voz era limitado aos homens e proibia as mulheres de participar dos processos de tomada de decisão (ALAMBERT, 1997) Durante o período da Idade Média, marcado pelo Regime Feudal e pelo Iluminismo, a ideia defendida pelos pensadores da época era que a “inferioridade da mulher” se dava pela sua condição biológica, sendo a mesma apontada como “fisicamente fraca, menos dotada intelectualmente e fadada a ter filhos”. A concessão de feudos era feita somente a homens e a mulher era excluída de qualquer tipo de partilha, tendo a reprodução como única função social (ALAMBERT, 1997). A crise do Sistema Feudal marca o período de transição entre o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. O capitalismo, aos poucos, toma forma, para finalmente dominar toda a Europa Ocidental, a partir do século XVI. Nesse período, o Renascimento retrata a mulher em um lugar de muita fragilidade. Até as duas primeiras décadas do século XX, os títulos de esposa, mãe e filha ainda seriam a única forma de valorização social e de identificação das mulheres e que, ainda seria inimaginável a mesma ocupando um espaço que fosse externo à casa. Porém, o auge da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e posteriormente da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), foi responsável por trazer ao mundo inteiro uma significativa reorganização social (HOBSBAWM, 2003). Com o auge do Capitalismo Industrial, ocorre o crescimento do trabalho mecanizado e a constante necessidade de mão de obra. Ao assumir o posto de soldados, os homens deixaram suas casas e seus afazeres e partiram para o combate. Diante deste cenário, as mulheres passaram por um processo de transição do seu ambiente do lar (tido como “natural”) para as fábricas, de modo a atender a necessidade em um âmbito geral, garantindo que a produção não parasse. Embora o Brasil não estivesse ativamente envolvido na guerra, o país passava por um forte processo de industrialização e a necessidade de mão de obra era constante, assim, as mulheres brasileiras também começaram a ocupar os postos de trabalho em meios fabris (HOBSBAWM, 2003).


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Durante o período pós-Segunda Guerra Mundial, com o retorno dos homens para o mundo do trabalho, as mulheres ainda ocupavam um grande espaço nas indústrias, era mais fácil contratá-las pois as mesmas eram consideradas “mais dóceis” e estavam acostumadas a obedecer, além de serem altamente lucrativas ao seu empregador por ser uma mão de obra monetariamente desvalorizada. Fatores como a intensificação da exploração feminina com jornadas de trabalho de 14 horas por dia, salários cada vez menores, péssimas condições de segurança, insalubridade do ambiente de trabalho, ausência do direito à licença maternidade, intervalos ou férias, foram responsáveis por reforçar a lógica de que o espaço da mulher não era aquele, e sim o espaço privado (HOBSBAWM, 2003). Foi a partir das revoluções culturais do final do século XIX e das mudanças socioeconômicas que a figura feminina começou, lentamente, a frequentar lugares de lazer, como bailes e teatros e, a partir desse momento, a mulher começa a ocupar as ruas.

Neste

cenário,

iniciam-se

organizações

sindicais

politicamente

bem

organizadas, através de uma luta constante por direitos em que as mulheres trabalhadoras romperam o silêncio e começaram a projetar suas reivindicações na esfera pública (ALVES; PITANGUY, 1985). A luta feminina não se voltava apenas para o mundo do trabalho, outras mudanças na sociedade também foram importantes para essa nova mentalidade feminina, como o surgimento de novos tipos de família, o início da ruptura dos padrões familiares patriarcais, as novas formas de produção no mundo do trabalho com impacto sobre as relações sociais e o amadurecimento de uma consciência feminista; mudanças estas que acabaram por solapar estruturas seculares sobre as quais se assentava a dominação masculina em todas as esferas da vida pública e privada (AVELAR, 2001). Pontuados os progressos históricos da luta das mulheres, chega-se ao capitalismo contemporâneo e retoma-se à discussão central desse trabalho. Na cidade contemporânea, a mulher ocupa, de forma mais pluralizada, estes dois espaços – o público e o privado, já que passa a acumular diversas funções ao exercer a dupla ou tripla jornada de trabalho, estando inserida no mercado, mas ainda sendo a grande responsável pela reprodução da vida e pela casa. Hoje, mesmo que as mulheres não sejam mais divididas exclusivamente entre mulheres do lar e mulheres trabalhadoras, os padrões continuam sendo reforçados, mostrando que a relação burguesa e patriarcal com o espaço público é, portanto, de negação, interferindo diretamente na maneira em que as cidades são construídas.


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A luta pela equidade de gênero continua sendo um desafio a ser superado, mesmo no século XXI. A modernidade e a globalização não se traduzem em melhores condições de vida para a grande parte da população, ao contrário, trazem novos desafios para as “minorias” sociais. No caso do Brasil, onde a formação social é marcada pela submissão e segregação, o patriarcado ainda é estruturante das práticas sociais, corroborando para o status quo da desigualdade de gênero. Hoje, quando as mulheres ocupam de alguma forma o espaço da rua, o seu corpo também é tratado como público (DELGADO, 2007). O padrão de organização do espaço público com base no trabalho reprodutivo permaneceu por muito tempo, concebendo cidades por homens e para homens, assim, a sociedade foi se desenvolvendo sob essa perspectiva e isso foi se naturalizando, até chegar ao ponto em que as pessoas não mais percebem. A partir do momento que as mulheres começaram a ocupar o espaço público com o intuito de se emancipar, a cidade se apresentou como um território hostil, palco de reprodução das desigualdades e despreparado para enxergar a figura feminina como ator de fundamental importância. Embora a gente consiga permear no espaço público, ainda não nos sentimos tranquilas e acolhidas pela cidade como deveríamos (BERTH, 2018). Os séculos XX e XXI são marcados, de maneira mais intensa, por conquistas da luta das mulheres brasileiras: IMAGEM 01 - Linha do tempo das conquistas feministas nos séculos XX e XXI.

Fonte: Elaboração própria (2019).

Mesmo diante de avanços como os mencionados anteriormente, o cenário de desigualdade persiste diante de desdobramentos de injustiça social e violência. As


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responsabilidades

referentes

ao

espaço

doméstico

continuam

recaindo

majoritariamente sobre a figura da esposa e mãe, ao invés de serem compartilhadas entre os membros da família, resultando em jornadas duplas – ou até mesmo triplas – de trabalho externo, manutenção do lar e cuidado da família. É nessa perspectiva que surge a urgente necessidade de condições adequadas para que a participação das mulheres no espaço urbano se efetive. O contexto de crise – e, por que não?, reinvenção – que nossas cidades estão atravessando sinaliza a necessidade de novas maneiras de se pensar o planejamento e a gestão urbana. A sociedade civil se organizando de formas inovadoras e a apropriação pela população da discussão sobre o futuro que se quer para as cidades mostram que existe abertura e necessidade de se incluir a discussão sobre gênero como pauta transversal a todas as políticas. Como falar em combate à violência doméstica ou às desigualdades salariais entre homens e mulheres sem levar em conta que o meio urbano é cenário desses conflitos? Com mais de 80% da população brasileira vivendo em cidades, é evidente que o espaço construído exerce influência fundamental na manutenção ou superação de tal assimetria na relação entre homens e mulheres – e que muito pode se avançar ao se abordar a questão a partir da perspectiva do planejamento e desenho urbanos (HARKOT, 2015).

Existe um conflito porque, hoje, as mulheres podem transitar no espaço urbano, mas sabe-se que certos espaços não estão planejados para que elas estejam ali. Essa realidade necessita ser constantemente questionada e problematizada pelos arquitetos e urbanistas, de modo a traduzir tal reflexão em escolhas projetuais que permitam maior presença feminina nos espaços públicos para que de fato efetivem o seu direito à cidade. É necessária uma sensibilidade cultural e política para refletir sobre como as condições sociais determinam a maneira que uma mulher vivencia a cidade, além de uma participação democrática profunda. A partir do momento em que as políticas públicas favorecerem os mais vulneráveis, a cidade pode ser adequada a todos os outros grupos sociais. Enquanto não existir perspectiva de gênero nas decisões, existirão lacunas no espaço urbano.


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2.3 Feminismo – uma resistência ao patriarcado

Esse trabalho adota o conceito de gênero como um reflexo da sociedade responsável por moldar os comportamentos, as relações humanas e o espaço, demonstrando que a compreensão binária do feminino e do masculino é uma construção social que pode e deve vir a ser descontruída. Foi apresentada anteriormente a reflexão acerca de gênero e o fenômeno de dominação da figura masculina ao longo da história como um dos fatores que contribuíram para a interpretação da cidade, gerando um cenário de desigualdade responsável por oprimir a figura feminina. Dessa forma, observa-se que, dentro do espaço urbano, o feminino e o masculino ocupam papéis diferentes, estabelecendo uma relação de dominância e se tornando uma das marcas do patriarcado na sociedade. Na maior parte da história, essa desigualdade não foi camuflada nem escamoteada; pelo contrário, foi assumida como um reflexo da natureza diferenciada dos dois sexos e necessária para a sobrevivência e o progresso da espécie. Ao recusar essa compreensão, ao denunciar a situação das mulheres como efeito de padrões de opressão, o pensamento feminista caminhou para uma crítica ampla do mundo social, que reproduz assimetrias e impede a ação autônoma de muitos de seus integrantes (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 17).

A história do mundo ocidental é marcada por mulheres que se rebelaram diante das condições que lhes foram impostas, as quais lutaram pela sua liberdade e direitos. O século XIX marca o início da primeira onda feminista, na Inglaterra, quando mulheres começaram a se organizar para reivindicar seus direitos. Já no Brasil, os primeiros traços do movimento feminista se manifestaram durante a luta pelo direito ao voto, conquistado em 1932. Esse feminismo inicial, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e no Brasil, perdeu a visibilidade a partir da década de 1930 e só voltou a aparecer de maneira mais marcante na década de 1960 (JARDIM, 2010, p. 6). No contexto brasileiro, nossa história foi marcada com a invasão dos portugueses em um território ocupado por indígenas. Em suas bagagens, os portugueses trouxeram a exploração, a escravidão, bem como a catequese forçada e todo o sistema patriarcal imperante em Portugal com seus usos, costumes e comportamentos arcaicos, colocando a mulher em péssimas condições (ALAMBERT, 2004, p. 78).


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A década de 1960 foi marcada por vários acontecimentos históricos, além do período pós Segunda Guerra e do cenário do mundo globalizado, onde os ideais feministas se propagaram com mais força até a contemporaneidade. No Brasil, na década de 1980 o movimento se consolida. Nos anos 80 o movimento de mulheres no Brasil era uma força política e social consolidada. Explicitou-se um discurso feminista em que estavam em jogo as relações de gênero. As ideias feministas difundiram-se no cenário social do país, produto não só da atuação de suas porta-vozes diretas, mas do clima receptivo das demandas de uma sociedade que se modernizava como a brasileira. Os grupos feministas alastraram-se pelo país. Houve significativa penetração do movimento feminista em associações profissionais, partidos, sindicatos, legitimando a mulher como sujeito social particular (MENDES, VAZ, CARVALHO, 2015, p. 92-93).

Nessa conjuntura, o feminismo é compreendido como um movimento de resistência a partir do reconhecimento da opressão no contexto de uma sociedade historicamente machista de dominação da figura masculina. O espaço é dotado da interferência do “acúmulo de tempos”, isto é, diversas marcas foram deixadas pela história no espaço, e partir dessas marcas, pode-se vislumbrar ações de mudanças (RIBEIRO, 2012). A partir desse reconhecimento, procura-se a emancipação feminina, quebrando com conceitos preestabelecidos de submissão. Assim, muito além do debate de gênero, o feminismo fala de equidade de direitos, tendo a autonomia e a libertação como foco. [...] um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na educação -, mas que luta, sim, por uma nova forma de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. E isto é o que há de mais original no movimento. Que existe uma outra forma de dominação – além da clássica dominação de classe -, a dominação do homem sobre a mulher – e que uma não pode ser representada pela outra já que cada uma tem suas características próprias (PINTO, 2010, p. 7).

Por isso, declarar-se feminista é um ato político, pois traz para o debate a luta contra uma ideologia misógina. Ser feminista é se opor à violência sistemática que apaga e não reconhece as mulheres nos espaços. Feminismo é o movimento político que contribui de maneira fundamental para a identificação de valores patriarcais, bem como para a compreensão das desigualdades entre homens e mulheres e para a luta social (SILVA; FARIA; PIMENTA, 2017, p. 3).


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[...] o patriarcado designa uma formação social em que homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim, sinônimo de “dominação masculina” ou de opressão das mulheres (DELPHY, 2009, p. 173).

Dentro das discussões do movimento, esse trabalho reconhece as marcas do patriarcado e da dominação masculina nos espaços e clama a urgência da influência dos pensamentos feministas no planejamento urbano, trazendo o feminismo como uma vertente fundamental nas reflexões e decisões sobre a cidade. Parte da população ainda reproduz um discurso que questiona o “direito” da mulher em, por exemplo, andar desacompanhada à noite pela cidade e culpabiliza as vítimas de estupro, associando os ataques ao comprimento das suas roupas e por simplesmente circularem pelas ruas” (HARKOT, 2015).

A impossibilidade da mulher de desfrutar da independência e da liberdade para se movimentar com segurança no espaço público reforça a ideia do espaço heterossexual de gênero, o que leva sempre a buscar pela proteção da figura masculina (o pai, irmão, namorado e marido). A maioria das mulheres ainda é coagida a um um papel tradicional de gênero que reforça o ciclo de medo. Esse aspecto cria assim, um subsistema em que a dominação masculina é mantida e perpetuada (VALENTINE, 1989). Assim como a cidade, nós mesmas/mos somos resultados de construções sociais que estão sempre relacionadas: se produzimos cidades que proporcionam vivências desiguais para homens e mulheres, é porque fomos socialmente construídos para naturalizar estas diferenças e hierarquias e, portanto, naturalizamos também a própria construção dessas cidades, pautadas pela lógica patriarcal (PECCINI, 2016, p. 52).

As cidades reproduzem, a todo momento, seja direta ou indiretamente, as relações de poder e de dominação entre gêneros e, por isso, esse trabalho expõe o movimento feminista como um ato de resistência ao apresentar sua capacidade de apropriação, intervenção e transformação do espaço. Utilizar o espaço público cotidianamente é uma maneira de as mulheres resistirem às premissas do patriarcado e estabelecerem um olhar da cidade através da ótica feminina.


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2.4 Equidade e igualdade de gênero

De acordo com o IBGE (2018), a população brasileira é composta 51,7% de mulheres e 48,3% de homens. De acordo com o Instituto, essa desigualdade quantitativa ocorre principalmente em virtude da maior expectativa de vida feminina (as mulheres vivem, em média, sete anos a mais do que os homens) e da maior taxa de mortalidade de jovens do sexo masculino. Mesmo sendo maioria populacional, as mulheres brasileiras estão inseridas em uma sociedade de fortes raízes patriarcais. Diante desse cenário, há um lento progresso que procura eliminar o papel social associado à mulher, o qual lhe impõe remunerações mais baixas ao desempenhar as mesmas funções, jornadas duplas e triplas de trabalho, recorrentes abusos morais e sexuais e pouca representação política. A luta das mulheres por “igualdade” se dá, sobretudo, através dos movimentos feministas e se intensifica em meados do século XX, ao se iniciar uma série de manifestações, levantando ao público questionamentos sobre uma sociedade baseada em valores patriarcais e com a dominação da figura masculina. A Constituição Federal de 1988 significa uma emancipação civil para todas as brasileiras, ao dispor em seu artigo 5o o princípio constitucional de igualdade, perante a lei, nos seguintes termos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Assim, o princípio da igualdade prevê a igualdade de aptidões e de possibilidades dos cidadãos de usufruir de um tratamento isonômico pela lei. Deste modo, conclui-se que a igualdade é o sistema legal que tem como objetivo igualar homens e mulheres, se atentando para situações de desigualdades estruturais e considerando as diferentes oportunidades. Porém, não há mais espaço para a igualdade apenas perante a lei, há um grande distanciamento entre o que prega o artigo 5o da Constituição Brasileira e o que se vê na prática. Assim, o discurso de “igualdade de gênero” se torna raso e superficial. O conceito de feminismo atribuído à essa pesquisa não se dá diante de um cenário de “igualdade entre homens e mulheres” e não vem para pregar que mulheres


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sejam iguais aos homens. Mulheres e mulheres não são iguais, muito menos mulheres e homens. A expressão “igualdade de gênero” é problemática, pois implica no apagamento de questões de sexualidade dentro da militância feminista. Existem especificidades que precisam ser tratadas de forma diferenciada para que haja justiça social e, assim, fala-se de equidade. As palavras igualdade e equidade possuem diferentes significados e transmitem mensagens diferentes, mesmo que muitas vezes venham a ter o mesmo objetivo e sejam utilizados de maneira similar no dia a dia das pessoas. O discurso de igualdade parte da ideia que todos devem ser tratados de maneira igual. Porém, não somos iguais. Assim, a palavra acaba com o sentido de diversidade e de pluralidade. O conceito de igualdade persiste em uma padronização e não é isso que queremos. O movimento feminista busca a diversidade, a valorização, a equiparação, a equidade. IMAGEM 02 – Igualdade / equidade.

Fonte: Lara Melro (2019).

Equidade é uma ideia ampla de justiça e parte do pressuposto que as pessoas não são iguais e de que as oportunidades são diferentes para homens e mulheres. Ao buscar a equidade de gênero, busca-se justiça social e de oportunidades iguais, independente do gênero. A equidade tem como pré-requisito a assimetria social e, assim, supera a ideia de igualdade, pois visa tratar igual os socialmente iguais, mas tratar de maneira diferenciada positivamente os que assim necessitam, por estarem em desvantagem diante de outro determinado grupo social. Segundo Cláudia Garcia (2018), o termo equidade pode ser bem exemplificado ao levar-se em consideração o tempo de lazer para meninas e meninos.


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Não é necessário muito esforço para pensarmos em famílias onde, enquanto os meninos após as refeições vão brincar ou assistir televisão, a filha menina vai ajudar a mãe a lavar a louça. Equidade seria um tempo de lazer igualitário para meninas e meninos e isso requer mudanças de atitudes. Através da equidade de gênero alcançaremos o equilíbrio na sociedade, dentro de um sistema sócio, jurídico, cultural e político, com direitos, deveres, oportunidades, divisão de tarefas e cargos iguais entre homens e mulheres e com respeito às diferenças (GARCIA, 2018). Equidade é um conceito que deve ser debatido a ponto de ser compreendido em sua essência por todas as pessoas, e que, se seguido, pode transformar a nossa sociedade.


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2.5 Motivações de deslocamentos

Hoje, a mulher contemporânea vivencia o espaço público não somente como um lugar para extensão de atividades ligadas ao serviço doméstico e ao cuidado, mas também de forma pública, por estar inserida no mercado de trabalho. Com a autonomia econômica, ela também passa a obter autonomia política, saindo da vida “doméstica” para a vida “pública” (VIEIRA; COSTA, 2014). Dessa forma, devido ao fato de a manutenção do lar e do cuidado continuarem sendo colocados como “responsabilidade da mulher”, os trajetos delas são, muitas vezes, extensões do âmbito doméstico, encadeados com paradas que interferem diretamente na sua vivência de cidade. A responsabilidade com a manutenção da casa exige atividades e serviços específicos, assim, os destinos delas são muito mais variados do que casa – trabalho. No meio do caminho tem a parada no supermercado, na escola e/ou no hospital. Assim, o padrão de mobilidade de mulheres e homens são diferentes, pois os deslocamentos realizados por cada grupo têm objetivos e dinâmicas distintas. Constrói-se uma experiência múltipla e não exclusiva: por ser quem cuida dos bebês, idosos ou doentes; vai ao banco, farmácia, padaria, etc. Mulheres usam a cidade de forma diferente dos homens. De maneira geral, elas transitam pelo espaço público com uma lógica específica, porque combinam funções de trabalho e de cuidado com a casa e com os filhos. O assédio também impacta as escolhas das mulheres sobre como e onde circular no espaço urbano. E isso tudo resulta em necessidades diferentes de acessibilidade nas vias, iluminação, transporte público e até zoneamento urbano. E ainda mais, de presença de vida nas ruas, à qual sua segurança está associada. A arquiteta Shilpa Ranade defende que o desenho urbano deve passar a mensagem de que a mulher é realmente bem-vinda para participar e exercer seus direitos, não apenas ir e vir (WILLIAMS, 2014). IMAGEM 03 – Motivações de deslocamento das mulheres em Maceió - AL.

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de dados da Pesquisa Origem-Destino de Maceió (2019).


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Enquanto as principais motivações masculinas de deslocamento são atividades ligadas ao trabalho, às mulheres são atribuídas motivações como acompanhar familiares ao médico, fazer compras e ainda conciliar atividades de trabalho e estudo. É uma problemática que ultrapassa os limites do planejamento do espaço público, pois implica em um modo de pensar da sociedade, muito mais cultural do que espacial. IMAGEM 04 – Motivações de deslocamento dos homens em Maceió - AL.

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de dados da Pesquisa Origem-Destino de Maceió (2019).

Os resultados da pesquisa Origem-Destino de 2019 de Maceió mostram que a maioria dos deslocamentos das mulheres se dá por meio do uso do transporte coletivo e pelos modais não motorizados, enquanto que o meio mais utilizado pelos homens é o transporte individual. Dessa forma, pode-se afirmar que elas vivenciam de maneira mais próxima e dinâmica o universo da cidade e de seus equipamentos, podendo ser considerada um “personagem central” no planejamento urbano. IMAGEM 05 – Em Maceió, mulheres utilizam mais o transporte público do que homens.

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de dados da Pesquisa Origem-Destino de Maceió (2019).


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IMAGEM 06 – Mulheres acompanhadas de criança em para de ônibus situada na área de estudo.

Fonte: Acervo da autora (2019).

IMAGEM 07 – Em Maceió, mulheres utilizam mais os meios de transporte não motorizado do que homens.

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de dados da Pesquisa Origem-Destino de Maceió (2019).

IMAGEM 08 – Idosa caminhando em calçada situada na área de estudo.

Fonte: Acervo da autora (2019).


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IMAGEM 05 – Em Maceió, homens utilizam mais o transporte individual do que mulheres.

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de dados da Pesquisa Origem-Destino de Maceió (2019).

As mulheres são testemunhas e as principais afetadas pela má qualidade das calçadas, além de suas vivências, elas são as grandes responsáveis por acompanhar quem precisa de ajuda ou transportar carrinhos de bebê, cadeiras de roda ou carrinhos de compra. A partir dessas considerações, torna-se claro o motivo de que a melhoria das condições das calçadas afeta diretamente as mulheres (MUXÍ, 2014).

IMAGEM 10 – Parada de ônibus situada na área de estudo.

Fonte: Acervo da autora (2019).


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Diante desse cenário, apresenta-se uma relação ambígua: mesmo sendo maioria nas ruas e nos transportes públicos, as mulheres não vivenciam o espaço urbano de maneira propriamente dita, apenas o utilizam como local de passagem para garantir os seus afazeres e a manutenção do lar. Locais como bares ou praças se tornam agressivos à figura feminina e apresentam riscos de violência física, sexual e moral. Assim, as mulheres desenvolvem a sensação de medo e vulnerabilidade ao ocupar a rua e não se apropriam, de fato, da cidade. 99% delas dizem já ter sido alvo de assédio em espaço público (ONG Think Olga/2013), 8 em cada 10 têm medo de andar sozinha à noite (Instituto Locomotiva/2017), 81% mudam a rota por medo de assédio (ONG Think Olga/2013) e 97% já sofreram assédio no transporte público e privado no Brasil (Instituto Locomotiva/2019). As estatísticas relacionadas à violência contra a mulher retratam como o seu corpo e a sua vida têm uma importância insignificante para a sociedade. O poder que o homem exerce sobre o corpo da mulher também se caracteriza no poder que ele exerce sobre o espaço (TAVARES, 2008). Além desse cenário de hostilidade que o espaço público exerce sobre a experiência das mulheres, existe também a questão da falta de oferta de equipamentos que possibilitem a otimização de tempo para que elas consigam conquistar autonomia. Elas vão gastar um tempo resolvendo outras questões antes de começar seu expediente, ou após terminá-lo, ou até se submeter a um trabalho de meio período para poder conseguir dar conta de fazer todas as outras atividades.


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2.6 Gender Mainstreaming e Gender Planning

O termo Gender Mainstreaming se refere a um modelo de desenvolvimento humano e social, lançado em meados de 1980 por Caroline Moser, cientista política/social e antropóloga urbana. Moser (1980) define o termo como uma estratégia de integração de uma perspectiva de gênero nas políticas públicas, programas e projetos, garantindo que mulheres e homens participem de maneira igual de todas as etapas do ciclo de políticas. A incorporação da perspectiva de gênero foi atestada em 1995 na 4a Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mulheres na Inclusão, entrando para a Plataforma de Ação diante do reconhecimento da necessidade de um modelo de planejamento que incluísse as necessidades e relações específicas de cada gênero. O Gender Mainstreaming foi, então, estabelecido como plataforma para alcançar a igualdade entre homens e mulheres, porém, isso abriu portas para uma nova discussão: o que igualdade quer dizer na prática? Diante desse questionamento, passou-se a observar e investigar problemas que envolvem as mais diversas políticas sob um olhar de gênero e formular novos projetos de intervenção com o objetivo de eliminar as lacunas de desigualdade. O Gender Mainstreaming se atenta para situações de desigualdades estruturais de gênero, considera os demais grupos de mulheres e homens, as diferentes oportunidades, diferentes restrições e os diferentes níveis de acesso sobre recursos, destinando-se a enfrentá-las em um dado contexto e, em segundo lugar, formular a abordagens e intervenções adequadas visando transformar as relações de gênero em diferentes áreas. Sendo a cidade a projeção da sociedade em um determinado espaço, analisar como a urbe dialoga com a presença feminina é de fundamental importância tendo em vista que o desempenho das inúmeras funções, mãe, companheira, profissional, em diferentes áreas, solicita da cidade a mobilidade e a acessibilidade, envolvendo o livre transitar da mulher, inclusive para o trabalho, a possibilidade de acessar serviços públicos e privados, lazer e cultura sem cerceamento, muitas das vezes provocado pelo receio à sua integridade física. Para que a cidade seja funcional à mulher é preciso que ela perceba a presença feminina, o que envolve permitir sua participação nos espaços decisórios sobre o desenho, o uso e ocupação da cidade (CASIMIRO, 2017).


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Dentro do conceito de Gender Mainstreaming, inclui-se o termo Gender Planning, o qual se atenta para as desigualdades em termos espaciais, com base nos seguintes temas: espaços públicos, mobilidade e equipamentos públicos. Para Martinez e Ciocoletto (2011), os eixos de atuação do planejamento com perspectiva de gênero se traduzem em: • Incorporar a participação da mulher nas políticas públicas; • Espaços urbanos que combinem usos e sejam conectados por transporte público eficiente e variado; • Memória e identidade social. O impacto do termo no urbanismo tem sido essencial para novas propostas de pensar o urbano. Desde o fim dos anos 90, mais de sessenta projetos pilotos com base nesta perspectiva foram aplicados ao planejamento urbano das cidades de Viena e Áustria, incluindo a reconfiguração de praças e parques, segurança pública, acessibilidade, mobilidade urbana e novas diretrizes para a política de habitação social.


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3. O QUE TEM SIDO PROPOSTO? 3.1 Lei da Parada Segura – Maceió (AL)

Sancionada pela Câmara Municipal de Maceió, em 28 de setembro de 2017, de autoria da vereadora Tereza Nelma (PSDB), a Lei nº 6.695/2017, nomeada “Lei da Parada Segura”, garante o direito das mulheres de desembarcarem do ônibus fora do ponto a partir das 20h. Segundo o seu texto de publicação no Diário Oficial, a Lei leva em consideração que determinadas áreas podem oferecer riscos à integridade feminina, tornando esse público mais vulnerável. Tereza Nelma explica ter sido procurada por um grupo de mulheres de Maceió para tratar da falta de segurança e, assim, afirma ter se inspirado em leis vigentes em outras capitais brasileiras. As passageiras podem fazer usufruto da Lei solicitando ao motorista o seu desembarque em algum ponto no qual ela se sinta mais segura. Vale ressaltar que essa parada deve estar inserida dentro do itinerário do ônibus, visto que os coletivos não podem sair da sua rota, por possuírem um um itinerário fixo. Segundo a diretora do Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM), Paula Isanelle, a Lei da Parada Segura é um benefício muito bom e seguro, “é uma grande vitória para as mulheres”, diz. IMAGEM 10 – Divulgação da Lei da Parada Segura.

Fonte: SECOM/Maceió (2018).

A Lei da Parada Segura ainda é desconhecida por muitas mulheres, mesmo que sua redação (Diário Oficial) determine que a divulgação deva ser feita de modo a alcançar desde a população que utiliza os coletivos, até os próprios motoristas, sendo tal ato de total responsabilidade das empresas de transporte que, no caso de Maceió, são concessionadas da prefeitura, por meio da Superintendência


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Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT). A SMTT reconhece a necessidade de uma maior divulgação da campanha e tem procurado meios publicitários de intensificá-la. Dessa forma, em outubro de 2018, elaborou uma estratégia de divulgação da Lei, distribuindo panfletos em diversos pontos da cidade e de colagens de informativos no interior de ônibus, em terminais e pontos de parada, afim de fazer com que a população tome conhecimento da mesma e exija o seu cumprimento. Além disso, é competente ao órgão trabalhar como agente fiscalizador e ser responsável por receber denúncias e tomar providencias cabíveis, caso a Lei venha a ser descumprida por parte dos motoristas. O superintendente da SMTT, Antônio Moura, garante que um trabalho de conscientização tem sido feito com os motoristas e cobradores das empresas de ônibus da capital, visto que existe uma certa resistência por parte deles. O superintendente menciona a necessidade de supervisão da Lei e acredita que denúncias de casos de descumprimento da mesma por parte dos motoristas seja a maneira mais eficiente de garantir sua aplicação. Segundo análise de Tereza Nelma, vereadora e autora da lei, existem duas questões que ainda impedem o seu funcionamento: grande parte das empresas de ônibus ainda não cumprem seu papel de divulgar a medida para a população, muitos motoristas sequer sabem que a Lei da Parada Segura existe e, ao serem questionados pelas mulheres, recusam-se a cumpri-la. Consequentemente, a segunda questão é que muitas mulheres, mesmo reconhecendo-a como um direito, ficam com receio de solicitar o desembarque fora dos pontos. A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Alagoas (SINTTRO/AL), Maria José Ferreira, acredita que a Parada Segura foi uma luta que o sindicato conseguiu junto com outras entidades. Para ela, a Lei garante uma maior segurança para as mulheres que trabalham a noite e para as que frequentam faculdades e escolas. A diretora ainda menciona que o próximo trabalho do SINTTRO/AL terá como foco a questão do assédio nos ônibus, outro grande problema dentro do transporte público maceioense.


3.2

46 “Vagão Rosa” no Brasil – RJ, DF, SP e PE

O vagão exclusivo para mulheres, popularmente conhecido como “vagão rosa”, é uma política pensada como promessa de segurança para as mulheres no sistema de transporte público. A ideia geral é que, em períodos de pico, apenas mulheres possam ocupar determinado vagão do metrô ou trem, evitando casos de assédio e abuso. Na maioria das cidades, a identificação do serviço é feita por meio de um adesivo rosa colado nas laterais do trem, com o objetivo de chamar atenção e garantir o cumprimento das regras. Em seu histórico de implantação, a medida se mostra majoritariamente presente em países de cultura abertamente machista, como é o caso do Egito, Índia, Dubai, Malásia, Irã, Filipinas, Japão, Dubai e Malásia. No Brasil, a medida já surgiu em formato de Lei e até como iniciativa da própria Central Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em cidades como Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e, onde ele chega - ou é cogitado - gera divisões e debates acalorados. IMAGEM 11 – Vagão exclusivo no metrô de Tóquio, Japão.

Fonte: Veja (2017).

O Rio de Janeiro foi pioneiro no cenário nacional, introduzindo o vagão exclusivo em 2006, por meio da Lei Estadual nº 4.733/06, a qual obriga as empresas


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cariocas de transporte metroviário e ferroviário a separarem um vagão exclusivamente para mulheres nos horários de pico. A Lei chegou a ser considerada inconstitucional pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), pelo direito de ir e vir dos cidadãos sem levar em consideração o gênero, porém a tese foi derrubada por um órgão especial do Tribunal de Justiça (TJRJ), em 2008. Um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) ouviu 81 mulheres nos trens e metrôs da capital carioca e, para 78% delas, o vagão rosa "é importante, mas não é suficiente", enquanto 5% das entrevistadas responderam que a medida "não é importante". Segundo pesquisa do portal Gênero e Número (2007), o metrô do Rio de Janeiro é um meio de transporte feminino, visto que dos 1,6 milhão de usuários diários, 56% são mulheres, sendo 88% delas pertencentes às classes B e C. IMAGEM 12 – Vagão exclusivo para mulheres, no Rio de Janeiro.

Fonte: Diário do Transporte (2017).

Posteriormente (2013), a medida foi adotada em Brasília, sendo aprovada por 92,3% das mulheres, segundo pesquisa realizada pelo Metrô do Distrito Federal (2017). Assim como no Rio de Janeiro, a inconstitucionalidade da medida veio a ser debatida, porém a política foi mantida. Segundo dados do Metrô do Distrito Federal, após a implementação do vagão exclusivo, houve um aumento das denúncias de casos de assédio recebidas por sua ouvidoria, mesmo que a quantidade ainda seja consideravelmente baixa. Baseados na experiência do Rio de Janeiro, em 2014, deputados estaduais de São Paulo aprovaram o Projeto de Lei nº 175/2013, que obrigava as empresas a


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fornecer ao menos um vagão exclusivo para mulheres em cada composição. A Secretaria Estadual de Transporte de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) se manifestaram contra a implantação da medida, mencionando que a separação dos usuários infringe o direito de igualdade entre gêneros à livre mobilidade. Após intensos protestos feministas contra o projeto, a proposta foi vetada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), considerando que a segregação não resolveria o problema. Alckmin justificou o veto aumentando o número de seguranças mulheres nas estações e instalando câmeras de vídeo nas estações e no interior dos trens. Em oportunidade, a Companhia Paulista de Trens Metropolitano (CPTM) levou em consideração os números para justificar o seu posicionamento, ao considerar a lei "ineficiente": a participação feminina do metrô corresponde a 58% do número total de usuários, enquanto os homens são 42%. A tentativa de implantação em São Paulo levou o vagão rosa ao debate público. Vários grupos de ativistas se reuniram na Avenida Paulista para um ato contra a sua aplicação, batizado como “Contra o assédio, vagão rosa não é remédio!”. Segundo o grupo, a lei representa segregação, que não é a maneira ideal de resolver o problema. A proposta dos movimentos é procurar medidas alternativas, como campanhas de conscientização que reafirmem o direito de ocupar o espaço público com segurança e dignidade, além de punições mais rigorosas para os assediadores. IMAGEM 13 – Placa contra a implantação do vagão rosa em São Paulo.

Fonte: Marcha Mundial das Mulheres (2014).


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IMAGEM 14 – Ato contra vagão rosa, em São Paulo.

Fonte: Felipe Larozza (2014).

IMAGEM 15 – Ato contra a implantação do vagão rosa em São Paulo.

Fonte: Felipe Larozza (2014).


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Um vagão experimental foi também implantado no Recife, em 2017, pela Superintendência da Central Brasileira de Trens Urbanos do Recife (CBTU), através do superintendente do metrô de Recife, Leonardo Villar Beltrão, após ver o seu "sucesso" em cidades como o Rio de Janeiro. A secretária da Mulher do Recife, Cida Pedrosa, acredita que a medida pode vir a satisfazer num primeiro momento, mas que não soluciona o problema a longo prazo. “O ‘vagão rosa’ reforça a lógica de prender a vítima ao invés de prender o agressor, o que é errado e não resolve o problema. O direito da mulher é estar onde ela quiser estar”, comenta. De acordo com Cida, medidas como a implantação de câmeras nos vagões seriam mais eficazes do que o vagão exclusivo. De acordo com a Central Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), 56% dos quase 400 mil usuários diários do metrô do Recife são do sexo feminino e, o vagão rosa, com capacidade para 300 pessoas, não daria conta da demanda. IMAGEM 16 – Vagão exclusivo para mulheres no metrô de Recife.

Fonte: Marina Meireles/G1 (2017).

No início de sua implantação, os vagões contavam com adesivos de sinalização e com a presença de seguranças para fiscalização. Porém, a vigilância foi suspensa por falta de recursos financeiros, segundo nota publicada pela CBTU. Após a retirada dos vigilantes, mesmo que com adesivos de sinalização, homens passaram


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a entrar com facilidade no vagão e o desrespeito à regra fica explícito, resultando no insucesso do vagão rosa no metrô do Recife. IMAGEM 17 – Seguranças impedem a entrada de homens no vagão rosa de Recife.

Fonte: Marina Meireles/G1 (2017).

IMAGEM 18 – Homens não respeitam vagão rosa de Recife.

Fonte: TV Globo (2017).

A medida de separação de homens e mulheres nos trens é motivo de polêmicas e muito debate por onde passa. Ao falarmos de vagão rosa – seja para defendê-lo ou criticá-lo, estamos falando sobre a segurança, a mobilidade e a qualidade da experiência da mulher na cidade. A política, para fins além do seu caráter, tem o potencial de trazer sempre à tona o debate da cultura do assédio e da violência sexual contra mulheres nos transportes públicos e, conseguindo aproveitar a oportunidade da sua existência para impulsionar políticas públicas que busquem de fato soluções para os problemas que atingem as mulheres em todos os ambientes que estamos, tiraremos efeitos benéficos de sua discussão. De acordo com as pesquisas analisadas no desenvolver do texto, a percepção da importância do vagão exclusivo é diversificada e está dividida entre as mulheres, sendo amplamente aprovada pelas usuárias que se deslocam dos bairros mais periféricos para o centro das cidades (embora costumem recorrer às suas falhas e a mencioná-lo, muitas vezes, como um “mal necessário”), enquanto gera debates acalorados por parte de mulheres que enxergam a medida como um “paliativo” e da maioria dos profissionais de planejamento e mobilidade urbana. A existência dos vagões únicos parece justificável enquanto medida afirmativa imediata e ao ser utilizada como parte do processo de criação de uma solução efetiva à longo prazo. A política não possui potencial - sozinha – para


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solucionar a questão do assédio nos transportes públicos. Para desenvolver um caráter efetivamente transformativo, precisa vir aliada a programas amplos de conscientização e de outras medidas. De fato, o ideal é não segregar, pois significa um retrocesso na luta histórica das mulheres para ocupação do espaço público. A cidade deve ser palco de uma sociedade livre, na qual homens e mulheres possam compartilhar o mesmo espaço e conviver lado a lado, sem o exercício de poder sobre os corpos. Políticas que propõem a ocupação da cidade e potencializam a vivacidade dos espaços públicos são mais eficazes e devem ser adotadas, tais como: iluminação pública de qualidade, uso misto de prédios, calçadas largas e acessíveis e paradas de ônibus visíveis e bem iluminadas. Porém, o vagão rosa deve ser visto (e implantado) como uma etapa de um processo maior de inversão das péssimas condições de mobilidade que as mulheres estão sujeitas. Ele não soluciona o problema, porém, enquanto os ideais machistas não forem combatidos, surge como uma alternativa de fuga imediata às mulheres trabalhadoras que dependem daquele modal para realizar as tarefas do dia-a-dia.

3.3

ODS 5 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU)

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) representam o eixo central da Agenda 2030, uma Declaração em forma de plano de ação global adotada em 2015, na Assembleia Geral da ONU “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. O plano indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta. São objetivos e metas claras, para que todos os países adotem de acordo com suas próprias prioridades e atuem no espírito de uma parceria global que orienta as escolhas necessárias para melhorar a vida das pessoas, agora e no futuro (PLATAFORMA AGENDA 2030). A igualdade de gênero, com empoderamento de meninas e mulheres é o tema do ODS 5 e o seu esforço de alcance é transversal à toda Agenda 2030, refletindo a crescente evidência de que a igualdade de gênero tem efeitos


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multiplicadores no desenvolvimento sustentável. Esse ODS visa assegurar e intensificar melhores condições de vida a mulheres e meninas, não apenas nas áreas de saúde, educação e trabalho, mas especialmente no combate às discriminações

e

violências

baseadas

no

gênero

e

na

promoção

do

empoderamento de mulheres e meninas para que possam atuar enfaticamente na promoção do desenvolvimento sustentável, por meio da participação na política, na economia e em diversas áreas de tomada de decisão (PLATAFORMA AGENDA 2030). IMAGEM 19 – ODS 5: Igualdade de gênero.

Fonte: ONU (2015).

Segundo o Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, de 2016, da Organização das Nações Unidas (ONU, as metas do Objetivo 5 para o Desenvolvimento Sustentável são: • Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte; • Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos; • Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas; • Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção


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social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais; • Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública; • Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão; • Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais; • Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres; • Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis. O ODS 5 está em concordância com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), publicado em 2013 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), ao abranger ações e metas propostas para os âmbitos da segurança, trabalho, educação e saúde. No meio urbano, o ODS 5 vem como uma ferramenta para fomentar a elaboração de estratégias que visem promover a igualdade de gênero no acesso às cidades, por meio de práticas que qualifiquem a experiência das usuárias e façam valer de fato, o direito das mesmas de ocupar os espaços públicos das cidades. 3.4

Campanha Cidades Seguras para as Mulheres (ONG Action Aid)

A ONG ActionAid é uma organização internacional que trabalha por justiça social, igualdade de gênero e pelo fim da pobreza. Fundada em 1972, está presente em 45 países e tem alcançado mais de 15 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, iniciou seu trabalho em 1999 e tem atuado em mais de 2.4 mil comunidades, em 13 estados, beneficiando mais de 300 mil pessoas em situações de pobreza, principalmente mulheres, crianças e jovens. Trabalhando em parceria com


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comunidades e organizações locais em projetos de educação, igualdade de gênero, participação, democracia e a agroecologia, a ActionAid investe na capacidade das pessoas de criar mudanças para si mesmas e suas comunidades, de modo a garantir a resiliência das comunidades e a redistribuição de poder e recursos, através do apoio de doadores do Brasil, da Grécia, do Reino Unido, da Itália e da Suécia. Diante desse cenário, a ONG acompanha situações de assédio, machismo e violência nos espaços públicos, vivenciadas principalmente por meninas e mulheres em todo o mundo. A sensação de insegurança e o medo da violência que as mulheres experimentam ao permearem pela cidade limita sua mobilidade e o desenvolvimento de suas potencialidades, obrigando-as, diariamente, a mudar suas rotas, seus comportamentos, suas vestimentas e seus horários para evitar situações de desrespeito. A falta de qualidade dos serviços públicos como transporte, iluminação pública, educação, policiamento e moradia, tornam as mulheres ainda mais vulneráveis. Como resposta, a ActionAid lançou no Brasil, em agosto de 2014, a Campanha Cidades Seguras para as Mulheres, cujo enfoque principal é conseguir o comprometimento de gestores públicos com a melhoria da oferta dos serviços nas cidades para torná-las mais seguras para as mulheres. IMAGEM 20 – Carta Política – Campanha Cidades Seguras para as Mulheres.

Fonte: ActionAid (2011).

Por meio de uma Carta Política (2011), a ONG exige que o direito à cidade das mulheres seja efetivamente protegido e respeitado, chamando o Governo, o


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Legislativo e os prestadores de serviços públicos para adotar medidas e políticas que promovam ações que melhorem as cidades para mulheres e jovens, listando as seguintes demandas: • Iluminação pública: o poder público e as concessionárias têm que garantir a implantação e manutenção da iluminação pública, fazendo o serviço chegar a todas as ruas, becos, praças, praias, ciclovias, parques, comunidades, pontos de espera por transporte público e quaisquer outros acessos. • Transporte: promover melhoria na qualidade e quantidade da frota dos meios de transporte público, priorizando a oferta para áreas de periferia e comunidades; Garantir a integração de diferentes tipos de transporte público, para melhor atender a cidade, principalmente durante a noite e em locais de difícil acesso; dialogar com as comunidades possíveis propostas de novas rotas; veicular campanhas educativas dentro dos modais para inibir assédio e violência de gênero; capacitar motoristas e cobradoras/es para liderarem casos de assédio dentro dos coletivos. • Policiamento: capacitar policiais para atendimento humanizado aos casos de violência contra a mulher e coibição de casos de assédio sexual; promover ações educativas para informar e conscientizar a população sobre o tema; debater sobre a possibilidade de leis específicas de combate à violência contra a mulher em espaços públicos; promover espaços de diálogo entre polícia e moradoras/es para discussão sobre formas de abordagem e atuação nas comunidades; aumentar o número de delegacias especializadas da mulher para atender casos de violência, com profissionais sensíveis às particularidades de gênero; exigir dos governos que as Delegacias da Mulher funcionem 24h, como forma também de combater a violência doméstica, visto que grande parte das agressões ocorre justamente nas madrugadas, feriados e finais de semana. • Educação: implementar estratégias para promoção de uma educação não sexista, não racista, não homofóbica e inclusiva, a partir de diálogos do governo com conselhos, fóruns de educação e organizações da sociedade; identificar e coibir os problemas de violência nas escolas a partir do diálogo; promover uma melhoria na quantidade das creches, principalmente nas periferias em sintonia com as demandas das mães e pais nas; implementar estratégias de diálogo em conjunto com as comunidades com objetivo de debater a gravidez precoce, a educação sexual e o uso de drogas. • Moradia: suspender todos os processos de remoções forçadas em curso no país;


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ampliar o crédito do Programa Minha Casa, Minha Vida e garantir o atendimento de 20% da demanda do programa para famílias com até três salários mínimos; garantir que no mínimo 5% das unidades habitacionais construídas pelo poder público sejam destinadas às mulheres vítimas de violência; destinar recursos governamentais para um programa habitacional que seja integrado a outros programas sociais (saúde, educação, cultura, etc). • Saúde: promover ações educativas e informativas para conscientizar moradoras/es sobre como e onde procurar serviços específicos de saúde e de atendimento para casos de violência contra mulheres; capacitar profissionais para um atendimento sensível a gênero nas unidades de saúde; incentivar o uso dos espaços públicos comunitários para a realização de atividades físicas, através da instalação de equipamentos específicos. • Participação:

construir

um

diálogo

ativo

e

contínuo

entre

governo,

prestadores/concessionárias de serviços públicos e população local, para identificação dos problemas existentes na região, buscando melhorias no atendimento e resoluções das questões existente; criação e/ou fortalecimento de uma ouvidoria junto à comunidade para servir como uma ferramenta de reclamações e garantia de direitos; fortalecer e incentivar a participação das organizações locais em conselhos temáticos, como o Conselho de Educação, de Segurança Pública, entre outros. 3.5

Campanha Chega de Fiu Fiu (ONG Olga)

Criada em 2013 com o objetivo de empoderar mulheres por meio da informação, a Olga é uma ONG feminista que aborda temas importantes para o público feminino de forma acessível, acreditando que a informação seja o ponto de partida para a criação de um mundo mais igualitário. No seu mesmo ano de criação, a Organização lançou a ‘Chega de Fiu Fiu’, uma campanha de denúncia e combate ao assédio sexual em espaços públicos. Inicialmente, foram publicadas ilustrações com mensagens de repúdio a esse tipo de violência. Essas imagens foram compartilhadas por milhares de pessoas nas redes sociais, gerando uma resposta tão positiva que acabou sendo o início de um grande movimento social contra o assédio em locais públicos.


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IMAGEM 21 – Campanha Chega de Fiu Fiu.

Fonte: ONG Olga, 2013.

O número de mulheres que apoiaram a campanha foi o pontapé para que a jornalista Karin Hueck elaborasse um estudo online (divulgado posteriormente pela ONG) para averiguar de perto os relatos das mulheres em relação às suas experiências na rua. Em uma semana, o estudo contou com quase 8 mil participantes, registrando os seguintes números: 98% delas já haviam sofrido assédio, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa pensando no percurso que fariam por causa de assédio e 81% já haviam deixado de fazer algo (ir a algum lugar, sair a pé, passar na frente de uma obra) por esse motivo. Com os resultados desse estudo, a campanha repercutiu ainda mais, grandes veículos de comunicação divulgaram a pesquisa e os resultados estamparam jornais e revistas. O próximo passo foi a criação do ‘Mapa Chega de Fiu Fiu’, uma ferramenta colaborativa para identificar os locais de assédio e, com isso, auxiliar na construção de soluções e políticas públicas para tornar as cidades mais seguras par as mulheres. Dessa forma, a ONG Think Olga tornou-se uma das vozes mais atuantes contra o assédio em locais públicos no Brasil, estabelecendo parcerias para a criação de diversas inciativas para o aumento da conscientização da importância do tema, como, por exemplo, a cartilha informativa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, desenvolvida em parceria com a Organização para distribuição gratuita em todo o estado.


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IMAGEM 22 – Registros de locais de assédio em Maceió, no ‘mapa chega de fiu fiu’.

Fonte: ONG Olga, 2013.

Em 2015, foi lançada uma ferramenta colaborativa de financiamento da produção do documentário ‘Chega de Fiu Fiu’, com o objetivo de aprofundar a discussão sobre o tema e disponibilizar uma ferramenta de educação contra o assédio. A meta estipulada pela Organização foi atingida em menos de 24h, contando com a ajuda de 1219 pessoas em seu financiamento. Em um ano, o documentário foi visto por mais de 11 mil espectadores, exibido em 23 diferentes estados, além de países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, México, Moçambique e Portugal e exibido em 16 festivais no Brasil e no Mundo. A ONG Olga disponibiliza o documentário gratuitamente para exibições coletivas, através de uma plataforma online. 3.6 Outros materiais

Além das iniciativas apresentadas nos subtópicos anteriores, outros materiais merecem destaque por terem contribuído profundamente para o desenvolvimento dessa pesquisa, seja por meio de seu conteúdo, metodologia e/ou repertório.


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Relatório ‘CIDADE & CORPOS: MOBILIDADE SENSÍVEL AO GÊNERO, RAÇA E CLIMA’

Produto de um evento construído por organizações da sociedade civil e apoiado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONUHabitat), em abril de 2019, na cidade de Belo Horizonte. O evento realizou atividades práticas e propôs reflexões sobre mobilidade urbana, gênero, raça e mudanças climáticas, com a intenção de fomentar discussões sobre a promoção de um planejamento urbano sensível ao gênero, à raça e outras variáveis que marcam os corpos durante vivencias no espaço urbano. IMAGEM 23 – Relatório ‘Cidades & Corpos’.

Fonte: Movimento Nossa BH, 2019.

O evento tocou profundamente as pessoas presentes pela evidente insensibilidade da cidade aos temas propostos: mudanças climáticas, igualdade de gênero e de raça. Assim, o relatório procura trazer o que foi vivido nos dias de evento, o que os envolvidos conseguiram apontar como possibilidade de superação, em busca do “sensível” nas cidades e em seu planejamento, além de buscar estimular novos momentos e mais ações em relação a nossas cidades e corpos. O relatório registra o contexto do evento, as insensibilidades da mobilidade e dos espaços públicos, as diferentes percepções entre mulheres brancas e mulheres negras sobre o impacto das mudanças climáticas, além de apontar possibilidades para


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o planejamento e a mobilidade sensíveis a gênero e raça. Em sua parte final, traz apontamentos para a ação política e possíveis conclusões, uma vez que ‘Cidades & Corpos’ trouxe para o campo da reflexão temáticas que infelizmente ainda caminham separadas. Projeto ‘O ACESSO DE MULHERES E CRIANÇAS À CIDADE’

Desenvolvido com recursos do ITDP, é o primeiro estudo da instituição com enfoque em questões de gênero no Brasil. O documento leva em consideração que mulheres e crianças enfrentam grandes desafios para exercer o direito à cidade e acessar as oportunidades oferecidas pelo espaço urbano, devido ao fato de que nossas cidades terem sido sistematicamente planejadas e construídas a partir de padrões que reforçam as desigualdades de classe. Mesmo que as políticas que garantem o direito à cidade tenham avançado, as políticas de transporte e de uso e ocupação do solo urbano continuam a ser pensadas de maneira separada. Como resultado, a cidades se consolidam como ocupações espraiadas, com alta concentração de oportunidades nas áreas centrais, com pessoas mais pobres morando nas periferias e sistemas de transportes inadequados ou precarizados. IMAGEM 24 – Publicação ‘O acesso de mulheres e crianças à cidade’.

Fonte: ITDP (2018).


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Identificando essa lacuna, o ITDP Brasil se propôs a formular indicadores que possam contribuir para o monitoramento e avaliação de políticas públicas de mobilidade e desenvolvimento urbano a partir da perspectiva de gênero. Esse documento busca, em consonância com o Estatuto da Cidade e com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, mensurar o impacto dessas políticas no acesso das mulheres e crianças à cidade. Os resultados do estudo foram organizados nessa publicação em forma de capítulos, trazendo as condições necessárias para a construção de um planejamento sensível ao gênero, diagnosticando as desigualdades de gênero / raça / classe segundo a realidade brasileira, mostrando o processo da construção e resultados de pesquisas qualitativas realizadas com mulheres de Recife, levantando e analisando dados quantitativos e apresentando recomendações necessárias ao planejamento de uma cidade sensível ao gênero, além de indicar uma série de indicadores que podem contribuir para o monitoramento do acesso de mulheres e crianças à cidade. Cartilha ‘COMO FAZER VALER O DIREITO DAS MULHERES À MORADIA?’

Essa foi uma das perspectivas do trabalho da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik como relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, função que exerceu de 2008 a 2014. A pergunta que dá título a cartilha, orienta e espera auxiliar especialmente agentes envolvidos com a formulação e implementação de políticas públicas de habitação, para que de fato incorporem o recorte de gênero em seus trabalhos. A autora também propõe que a mesma seja acessível a todos e todas, podendo vir a se tornar um instrumento útil a organizações feministas e grupos de mulheres que lutam pela efetivação desse direito. A relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada tem abordado a perspectiva feminina sobre moradia desde 2002 e, em 2011, Raquel Rolnik deu continuidade a esse trabalho propondo um monitoramento da situação das mulheres por meio de uma plataforma virtual de debates, onde pessoas e organizações interessadas no assunto pudessem contribuir ajudando a identificar os avanços e os desafios ainda existentes. O projeto contou com cerca de 300 pessoas e organizações, de mais de 60 países.


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Na cartilha elaborada, a autora explora a forte incidência de padrões culturais e mecanismos discriminatórios que impedem o acesso das mulheres à moradia e a questão de que mesmo que no Brasil não exista situações do ponto de vista legal que impeçam tal acesso, muitas vezes as mulheres permanecem em uma situação de violência doméstica por não ter uma alternativa de onde morar com seus filhos, por absoluta falta de opção. IMAGEM 25 - Cartilha ‘Como fazer valer o direito das mulheres à moradia?’.

Fonte: Raquel Rolnik, (2011).

A cartilha apresenta os 7 elementos do direito à moradia, suas interrelações e suas violações, além de trazer exemplos de políticas públicas (analisando suas implementações e fatores que dificultam sua execução), leis e decisões judiciais que buscam enfrentar a situação e garantir às mulheres o direito à moradia.


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3.7 Estudo de caso: Viena, Áustria

A cidade de Viena, capital da Áustria, é um famoso caso de urbanismo voltado para as necessidades das mulheres, sendo uma das pioneiras a fazer uso da integração de gênero na administração pública e no planejamento urbano. Uma das grandes responsáveis por esse processo é Eva Kali, arquiteta e urbanista que atua na cidade de Viena desde 1991. Kali foi diretora do Escritório de Coordenação de Planejamento e Construção visando exigências da vida cotidiana e necessidades específicas das mulheres, desde 2010 é especialista em gênero no Grupo Executivo de Construção e Tecnologia de Viena e já coordenou mais de 60 projetos-piloto nas áreas de mobilidade, habitação, espaço público, desenvolvimento urbano e infraestrutura social (MUXI, 2015). IMAGEM 26 - Eva Kali, planejadora urbana de Viena.

Fonte: Rudolf Schmied (2018).

Em 1991, Eva Kali e um grupo de mulheres realizaram uma exposição fotográfica que chamaria a atenção para o tema, chamada Who does public space belong to – women’s everyday life in the city, isto é, A quem pertence o espaço público – a vida cotidiana das mulheres na cidade, que mostrava a rotina de um grupo de mulheres vienenses pelas ruas da capital. Além de ter alcançado mais de 4 mil pessoas, o evento chamou a atenção da mídia e das autoridades da administração pública local, que perceberam a importância do tema e deram abertura para a criação de uma série de projetos urbanísticos com abordagem das questões de gênero.


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O primeiro projeto criado como resultado dessa política foi um complexo habitacional chamado Frauem-Werk-Stadt (1997) que significa Mulheres-TrabalhoCidade, tendo como responsáveis as arquitetas e urbanistas Franziska Ullman, Gisela Podreka, Elsa Prochazka e Liselotte Peretti. A equipe responsável realizou uma pesquisa que revelou que as mulheres dedicavam mais tempo para a casa e para as crianças que os homens e, por isso, o conjunto contava com diversos serviços, como farmácia, clínicas médicas, creches, jardim de infância, posto de polícia, área para comércio, centro de comunicação (para favorecer a troca de serviços entre a vizinhança e acesso ao transporte público. A intenção das arquitetas e urbanistas ao propor essa gama de serviços e acessos foi pensando com que as usuárias não precisassem se afastar do lar para exercer tais funções (BELLO, 2014). IMAGEM 27 – Complexo Habitacional Frauem-Werk-Stadt, em Viena.

Fonte: Franziska Ullmann (2013). IMAGEM 28 – Complexo Habitacional Frauem-Werk-Stadt, em Viena.

Fonte: Nicholas Shore (2016).


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IMAGEM 29 – Complexo Habitacional Frauem-Werk-Stadt, em Viena.

Fonte: Dieter Henkel (2018).

IMAGEM 30 – Jardim de infância do Complexo Habitacional Frauem-Werk-Stadt, em Viena.

Fonte: Dieter Henkel, 2018.

IMAGEM 31 – Lavanderia do Complexo Habitacional Frauem-Werk-Stadt, em Viena.

Fonte: Dieter Henkel, 2018.

Em 1999, indo além da questão habitacional, Viena realizou uma pesquisa sobre a mobilidade na cidade, com a intenção de descobrir com que frequência e por quais motivos os seus habitantes utilizavam o transporte coletivo. Os resultados constataram que os homens utilizavam carro ou transporte público, em média, duas vezes ao dia, uma para ir e outra para voltar do trabalho. Já as mulheres apontaram um padrão de circulação pela cidade mais variado, incluindo em suas rotinas atividades como fazer compras, levar pessoas ao médico, buscar os filhos na escola e fazer compras. A pesquisa constatou que elas utilizavam muito mais o transporte


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público e andavam bem mais a pé do que os homens, além de dividirem mais o tempo dedicado ao trabalho e à família, cuidando de crianças e pais idosos (BELLO, 2014). Diante desse cenário, os planejadores urbanos da cidade decidiram criar um plano de mobilidade que levasse em consideração os diferentes usos e circulações de mulheres e homens e que viesse de modo a melhorar a caminhabilidade, o acesso ao transporte público e tornar a circulação à noite mais segura. Assim, algumas medidas foram adotadas: • As calçadas foram alargadas e as escadarias ganharam rampas e/ou plataformas elevatórias para melhorar a passagem de carrinhos de bebês e compras, andadores e cadeiras de rodas; • A iluminação pública foi ampliada para tornar as ruas mais seguras ao escurecer; • Nos parques, foram instalados equipamentos com atividades mais diversas, que incentivam a permanência de meninas, já que elas normalmente acabavam sendo expulsas pelos meninos que dominavam o território com suas brincadeiras e práticas esportivas. Vários parques foram reformulados, como o caso do Bruno Kreisky Park, que foi redesenhado pelas paisagistas Ursula Kose e Lilli Licka, em 2000 (SUMMI, 2018). IMAGEM 32 – Bruno Kreisky Park, Viena.

Fonte: Wikimedia Commons (2014).


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IMAGEM 33 – Bruno Kreisky Park, Viena.

Fonte: Wikimedia Commons (2014).

IMAGEM 34 – Plataforma elevatória instalada ao lado de escada, em Viena. 4..

Fonte: City of Vienna (2015).

Todas as ruas e espaços públicos do distrito de Aspern, em Viena, recebem nome de mulheres, o que aumenta a representatividade e o pertencimento das mulheres em relação à cidade.


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IMAGEM 35 – Distrito de Aspern, em Viena. 4..

Fonte: Daniel Hawelka (2014).

A grande maioria das edificações da capital austríaca possui verticalização controlada e se configura como uso misto, possuindo fachadas ativas através da instalação de comércios e serviços no pavimento térreo. As pessoas que utilizam esses estabelecimentos, automaticamente, se tornam vigilantes naturais, garantindo a sensação de segurança para quem caminha pelo espaço. IMAGEM 36 – Fachadas ativas, Viena.

Fonte: Daniel Hawelka (2014).


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Com a intenção de apresentar estratégias complementares às ações e fixação política das medidas que Viena coloca em prática há quase três décadas, a cidade se dispôs a publicar um plano, intitulado de Gender Mainstreaming in Urban Development (2013) com diretrizes de planejamento urbano de acordo com o conceito de gender mainstreaming. IMAGEM 37 – Manual ‘Gender Mainstreaming in Urban Planning and Development’.

Fonte: City of Vienna (2013).

O manual aponta alguns indicativos para mudanças no planejamento das cidades e de suas edificações em prol do gênero feminino, sendo elas: • Mobilidade:

a

cidade

deve

oferecer

boas

condições e promover o uso de modais ativos, além de oferecer um sistema de transporte integrado e de qualidade; • Facilidade de acesso à parques e praças: curtas distâncias entre residências e espaços públicos de convívio, possuindo, no máximo, um raio de distância de 600m; • Calçadas: devem ser largas, possuindo no mínimo 2 metros de faixa livre. Além disso, zonas exclusivas para pedestres (de pelo menos 3,50 metros) devem ser criadas nas áreas de maior tráfego de pessoas, como é o caso de escolas;


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• Transporte público: as paradas devem estar dispostas de modo a não ultrapassar um raio de distância de 500 metros dos usuários e seu acesso deve ser possível a pé e sem barreiras físicas; • Banheiros públicos: banheiros gratuitos e higienizados devem estar acessíveis a todos; • Variedade de uso dos espaços públicos: os espaços públicos de convivência (praças e parques) devem possuir infraestrutura e promover a possibilidade de uso dos mais diversos grupos de usuários; • Densidade: equipamentos públicos e serviços devem estar dispostos à curtas distâncias e ter seu acesso possível a pé. É importante levar em consideração que crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida levam, aproximadamente, 10 minutos de caminhada para alcançar uma distância de 400m; • Fachadas ativas: deve-se evitar fachadas ‘cegas’ nas construções. As fachadas ativas devem ser prioridades, de modo a garantir a atividade da área nos mais diversos horários e a consequente sensação de segurança; • Verticalização controlada: a verticalização das edificações deve ser limitada ao limite máximo possível de contato visual e auditivo entre os usuários da edificação e os usuários da rua. A possibilidade de contato com a rua é um fator importante para as pessoas que cuidam de crianças, por exemplo, pois lhe permite assistir seus filhos. IMAGEM 38 – Relação da edificação com o espaço público.

Fonte: Cidade para pessoas, Jan Gehl (2010).


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Dessa forma, a capital austríaca se tornou inspiração e exemplo para outros projetos de ações públicas em benefício às mulheres, como os da cidade de Seul, na Coréia do Sul, hoje conhecida como a cidade mais amigável em termos de gênero, com orçamento e ações que equiparam a cidade com serviços específicos para a rotina das mulheres; de Berlim, na Alemanha, onde planejadores urbanos há mais de dez anos se dedicam a pesquisas, aplicações e desenvolvimento da população em mudanças que respeitam as diferenças entre os sexos na cidade; e de Camberra, na Austrália, que também realiza estudos sobre o uso do transporte público pelas mulheres (BELLO, 2014).


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3.8 Estudo de caso: Berlim, Alemanha

Há mais de dez anos, os planejadores urbanos da cidade de Berlim desenvolvem pesquisas e buscam promover a integração de gênero (gender mainstreaming) na administração pública e no planejamento urbano da cidade, por meio do envolvimento da população em mudanças que respeitam as diferenças entre os gêneros (BELLO, 2014). Em 2011, ao considerar as desigualdades sociais entre pessoas de diferentes gêneros, a cidade de Berlim publicou um Plano com diretrizes de planejamento urbano de acordo com o conceito de gender mainstreaming, nomeado como Gender Mainstreaming in Urban Planning and Development. O material fornece uma visão geral dos critérios implementados durante o processo de incorporação das questões de gênero no desenvolvimento dos bairros da cidade e destina-se a reforçar os efeitos positivos da abordagem. IMAGEM 39 – Plano ‘Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’.

Fonte: Berlim (2011).

O projeto piloto de integração de gênero de Berlim foi iniciado em espaços públicos urbanos e os resultados proporcionaram impactos que têm se espalhado para muito além da cidade. O trabalho se baseia nos critérios que foram desenvolvidos e comprovadamente bem-sucedidos durante o trabalho realizado pelo Comitê para as


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Mulheres do Departamento de Desenvolvimento Urbano do Senado da Alemanha, bem como por opiniões de especialistas da área. Durante o processo, os seguintes critérios receberam prioridade: • A integração espacial do tecido urbano e seu contexto funcional; • Conceitos espaciais que não são exclusivamente orientados por modelos urbanísticos tradicionais, mas que permitem e encorajam configurações inovadoras e acessíveis; • A análise de como fomentar relações de vizinhança, senso de comunidade e identificação em áreas urbanas. Dessa forma, esse manual contém uma série de critérios e diretrizes para a tomada de decisões em planejamento sensível ao gênero em vários níveis, servindo de “alimento para o pensamento” e possuindo a necessidade de adaptação diante dos mais diversos contextos de planejamento. IMAGEM 40 – Centro de Berlim.

Fonte: Shutterstock (2019).

Como parte do processo, o planejamento com base na perspectiva de gênero se atenta para os recursos, competências e requisitos dos edifícios, levando em consideração os padrões de ocupação, espaços variados de ambos os gêneros e grupos sociais, além de se preocupar em promover uma identificação dos indivíduos com o ambiente. A conciliação entre trabalho e vida familiar, a sensação de segurança


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e uma formação sustentável de opções variáveis para o uso do espaço são diretrizes fundamentais do processo. IMAGEM 41 – Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development (2011).

Esse modelo de planejamento exige que todo o processo e os resultados sejam qualificados de maneira a levar em consideração os recursos e habilidades de todos aqueles que serão potencialmente afetados. O objetivo é desenvolver o potencial das localidades, criando oportunidades de uso e apropriação dos espaços por meio de todos, portanto, fatores além do gênero são levados em consideração, como idade, mobilidade, origens socioeconômicas e papéis sociais. O Plano de Berlim (2011) recomenda as seguintes perguntas para guiar o processo: • Quem está envolvido nos processos de planejamento e em quais momentos? • A administração consulta especialistas internos e externos nas questões pertinentes para decisões importantes? • Como os cidadãos são incluídos no processo de planejamento? • As necessidades divergentes são atribuídas aos mesmos níveis de importância? • Como as prioridades são estabelecidas e as soluções encontradas? • Como o planejamento regional leva em consideração o equilíbrio entre emprego remunerado, fornecimento de bens e serviços e cuidado familiar? • Quais espaços (interiores e exteriores) estão disponíveis para a comunicação? De que maneira esses espaços são necessitados, utilizados e mantidos?


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• Quais são as formas locais de trabalho profissional, familiar e fornecimento de bens? • O que diferentes pessoas precisam para realizar esses trabalhos? • Como a identificação com o local é invocada? • O que pode ser feito para fortalecer a identificação com os lugares já habitados e com o entorno imediato? Para atingir o objetivo final de promover a igualdade de oportunidades por meio de um planejamento adequado, se dá como necessária a execução de estudos preliminares, levantamentos de dados e uma análise de gênero, para que posteriormente planos de ação venham a ser formulados e metas estabelecidas. Utilizando métodos participativos, os grupos-alvo podem ser incluídos no processo de formulação dessas metas, de modo a determinar as necessidades específicas dos próprios futuros usuários e habitantes. Além disso, é importante ter em mente que, como parte do processo, a definição específica das metas estabelecidas deve ser revisada em intervalos regulares e possivelmente precisará ser ajustada durante o processo. IMAGEM 42 – Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development (2011).


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O manual de Berlim (2011) mostra que mulheres e homens têm participado de forma diferente nas decisões de planejamento das comunidades. Tornou-se evidente que os grupos com altos níveis de capital social, financeiro e cultural também desfrutam de maiores oportunidades para afirmar seus interesses no processo participativo. O estudo conclui também que quanto menor a escala do projeto, mais mulheres estão envolvidas nos processos e, quanto maior o projeto, mais homens estão envolvidos. Dessa forma, é importante fazer distinções adicionais – mesmo dentro da categorização dos sexos de acordo com o gênero. Durante a fase de planejamento, é primordial que todos os grupos sociais estejam habilitados a exercer influência sobre o conteúdo e processos relacionados ao projeto. O processo participativo deve garantir a igualdade de oportunidades para o envolvimento de grupos diversificados dentro da população. IMAGEM 43 – Espaço de permanência em Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

A incorporação de critérios de gênero é necessária, possível e relevante em todos os níveis de planejamento, desde o planejamento do uso da terra, do desenvolvimento local, do planejamento urbano e de subáreas, até as habitações e


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planejamentos para negócios locais. Cada projeto deve levar em consideração os requisitos e critérios para uma construção sem barreiras. Uma “boa comunidade” é aquela que garante direitos e proporciona integrações, fornecendo a maior variedade possível de usos, combinando de maneira equilibrada espaços de estar e escritórios, espaços de uso comercial, compras, atividades culturais e de recreação, criando e assegurando uma rede de infraestrutura sustentável (GENDER MAINSTREAMING IN URBAN DEVELOPMENT, 2011). Dessa forma, o sentido comunitário cresce, os encontros entre indivíduos de diferentes grupos tornam-se possíveis e podem ser apreciados e aproveitados como um potencial. As áreas de uso misto aumentam a disponibilidade de escolhas, facilitam a compatibilidade de emprego, fornecimento de bens, serviços e cuidados familiares, além de incentivar a formação comunitária e aumentar a segurança. O uso misto do solo é um importante elemento espacial e essas áreas se tornam um pré-requisito para fornecer acesso conveniente a instalações importantes para diferentes grupos, além de contribuir para vitalizar áreas. Como parte do desenvolvimento urbano estratégico, a distribuição espacial tem um impacto considerável sobre os usuários do espaço e deve ser considerada de modo a: • Promover a identificação do usuário; • Promover uma densidade adequada; • Criar caminhos principais bem definidos e com um alto grau de visibilidade; • Criar várias oportunidades de apropriação de espaço; • Criar espaços adequados entre edifícios; • Definir a ligação dos edifícios com espaços ao ar livre, garantindo opções suficientes para a apropriação de espaços públicos; • Proteger adequadamente contra a poluição sonora e outros contaminantes; • Evitar fachadas cegas (segurança, design); • Evitar a construção de elementos que limitem a visibilidade; • Aproximar os edifícios em relação à infraestrutura de tráfego público e privado; • Localizar pontos de acesso e entradas (reconhecimento de endereços); • Orientar edifícios para o espaço exterior (no âmbito visual e de voz, participação passiva em atividades no entorno imediato); • Flexibilizar o tamanho e layout do lote (transparência e variedade);


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• Disponibilizar moradias de diferentes tipos e tamanhos, tanto para compra, como para aluguel, com vários modelos de financiamento, de modo a garantir um elevado nível de potencial de assimilação dos vários grupos de usuários. De acordo com o planejamento de gênero, quanto maior a disponibilidade de serviços e equipamentos públicos próximos de casa, melhor para conciliar as exigências do trabalho e da família, tanto para mulheres quanto para homens. Bairros mistos são ferramentas que ajudam a aumentar a atratividade da área e a melhorar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. As curtas distâncias da cidade compacta garantem oportunidades iguais para a participação de pessoas em diferentes circunstâncias e de diversos grupos na vida social da comunidade. A melhoria das condições para os modais não motorizados e o acesso à uma rede de transporte público de qualidade permitem a criação de acessos que atendam às necessidades dos mais diversos usuários, em termos de rotas e horários, oferecendo oportunidades iguais de mobilidade. Os acessos e as paradas de ônibus ou trem devem ser convenientes, bem iluminadas, seguras e de boa visibilidade, além de as paradas serem alocadas em pontos estratégicos próximos à edifícios mistos, de modo a garantir um maior controle social. Vale ressaltar, também, a importância de uma rede de transportes responsável pela conexão à distritos vizinhos. IMAGEM 44 – Presença de meios de transporte não motorizados em Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.


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Espaços públicos ao ar livre melhoram a estética urbana, incentivam a interação social, proporcionam oportunidades de brincadeiras e exercícios, promovem a identificação e a coexistência através dos encontros e trocas entre todos os gêneros e das várias idades e grupos sociais. Sendo esses espaços sensíveis ao planejamento de gênero, se tornam próximos às habitações, claramente organizados, integrados e acessíveis. Essas áreas devem existir de forma política como parte da relação entre os indivíduos e a sociedade, se tornando um fator importante em termos de equidade de gênero. IMAGEM 45 –Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

Alguns aspectos ambientais como poluentes, ruídos urbanos e áreas verdes devem ser levados em consideração, pois os mesmos influenciam diretamente na qualidade da permanência dos usuários do espaço. Por exemplo, em uma cidade como Berlim, os aspectos acústicos do ambiente e sua percepção são decisivos em relação aos efeitos (frequentemente negativos) nos ambientes. Assim, uma preocupação fundamental é a redução da poluição sonora e a criação de ambientes confortáveis, acusticamente falando, criando proteções contra ruídos e paisagens sonoras agradáveis.


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IMAGEM 46 –Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

IMAGEM 47 –Rua de Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

Durante o processo de planejamento, ao identificar instrumentos que incorporam os interesses de todos os usuários, desde a concepção da ideia até a tomada de decisão e implementação do projeto, as cidades moldadas serão capazes de assumir a função de lar para gerações de diversos estilos de vida, níveis de renda e afiliações étnicas e sociais. IMAGEM 48 – Moradores realizando a manutenção de canteiro em Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

IMAGEM 49 – Possibilidade de descanso, Berlim.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.


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IMAGEM 50 –Edifício de Berlim com térreo ativo.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

IMAGEM 51 – Espaço público em Berlim. Figura 19: Berlim. Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.

Fonte: Gender Mainstreaming in Urban Planning and Urban Development’, 2011.


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4. ÁREA DE ESTUDO: USO, SENSAÇÕES E BARREIRAS 4.1 Área de estudo: Jatiúca – Mangabeiras – Cruz das Almas

Com a finalidade de espacializar as questões de gênero discutidas nos capítulos anteriores, uma área da planície litorânea de Maceió foi escolhida para análise. IMAGEM 52 – Mapas do Brasil, Alagoas, Maceió e localização da área de estudo.

BRASIL ALAGOAS

MACEIÓ

----- ÁREA DE ESTUDO ALAGOAS Fonte: elaborado pela autora, sem escala (2019).


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O recorte contém recortes dos bairros de Jatiúca, Mangabeiras e Cruz das Almas, totalizando um perímetro de 3,94km e uma área total de 0,72 km². IMAGEM 53 – Mapa de percepção dos bairros da área de estudo.

Fonte: elaborado pela autora, sem escala (2019).

IMAGEM 54 – Orla de Jatiúca, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 55 – Avenida João Davino, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 56 – Avenida Comendador Gustavo Paiva, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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Delimitada pela Avenida Comendador Gustavo Paiva (Oeste), Orla Marítima (Leste), Avenida João Davino (Sul) e pelo bairro de Cruz das Almas (Norte), a área de estudo possui características diversificadas ao longo de sua extensão, contendo pequenas casas, pequenos comércios, conjuntos habitacionais, prédios residenciais e hotéis. Suas quadras contam com uma quantidade considerável de vazios urbanos (edifícios abandonados e terrenos baldios), atividades comerciais (pequeno e médio porte) e serviços, dispondo desde pequenos salões de beleza, farmácias e padarias até hotéis luxuosos à beira mar. IMAGEM 57 – Mapa de referências.

VIAS PRINCIPAIS

PONTOS PRINCIPAIS

Fonte: elaborado pela autora, sem escala (2019).


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Mesmo estando em uma localização privilegiada e estratégica na cidade e contando com uma grande diversidade de usos, a área em estudo apresenta condições muito precárias no que diz respeito à paisagem urbana, vitalidade dos espaços públicos, caminhabilidade, densidade e conforto. Os vazios urbanos são recorrentes, sendo comum a presença de construções abandonadas, terrenos baldios e terrenos murados ao longo de sua extensão.

IMAGEM 58 – Terreno subutilizado, localizado na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 59 – Rua cercada por terrenos murados, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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Compostas majoritariamente por casas e prédios murados, pouca ou quase nenhuma vegetação, vazios urbanos e pequenos comércios, as ruas de miolo de bairro apresentam uma paisagem monótona e pouca vitalidade. IMAGEM 60 – Baixa vitalidade urbana.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 61 – Monotonia espacial.

Fonte: acervo da autora (2019).


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As vias principais, Avenida João Davino e Avenida Comendador Gustavo Paiva, possuem uma dinâmica mais agitada, devido a grande concentração de comércios, serviços e instituições, além do próprio uso residencial. Apesar disso, as condições de caminhabilidade e de conforto são precárias, visto que essas vias priorizam o tráfego de veículos motorizado. IMAGEM 62 – Avenida João Davino, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 63 – Avenida Comendador Gustavo Paiva, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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Vale ressaltar que os pequenos trechos da Avenida Álvaro Otacílio e da Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes de Brito (que compõem a orla marítima) dispõem de infraestrutura para os pedestres. IMAGEM 64 – Trecho da Orla Marítima de Jatiúca, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 65 – Trecho da Orla Marítima de Cruz das Almas, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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4.2 Mapeamento colaborativo de sensações

Nessa etapa do trabalho, a autora optou por analisar qualitativamente a relação dos elementos espaciais da área com as sensações que estes despertam nas pessoas que permeiam pelo espaço. Dessa forma, dez voluntários foram à campo com a intenção de registrar, por meio de fotos, e descrever o que sentiam ao longo dos seus trajetos. As vivências foram realizadas por 5 mulheres e 5 homens e se deram em diferentes horários do dia e em diferentes dias da semana. A fim de espacializar tais registros a longo da área de estudo e relacioná-los com os elementos espaciais capturados, todas as sensações colhidas foram pontuadas no Mapa dos Afetos (Apêndice 01) e tabeladas nas páginas que seguem. IMAGEM 66 – Relação: sensações positivas x elementos espaciais.

As

sensações

foram

“positivas”

registradas

como:

alegria, conforto, felicidade, segurança,

aconchego,

liberdade, saciedade, bemestar, fé e curiosidade. Essas sensações foram registradas em imagens que contam principalmente presença

de

com

a

vegetação,

animais, pessoas, calçadas largas e sombra.

Fonte: elaborado pela autora (2019).


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IMAGEM 67 – Relação: sensações negativas x elementos espaciais.

Fonte: elaborado pela autora (2019).

No que diz respeito as sensações “negativas”, os registros foram de: medo (de assédio, de estupro e/ou de assalto), vulnerabilidade, desconforto, tristeza, insegurança, pânico, indignação, desprezo, raiva e calor. Analisando as imagens capturadas junto aos registros dessas sensações, alguns elementos se mostram recorrentes, como: construções abandonadas, fachadas cegas, ruas desertas, escuro, terrenos baldios, calçadas estreitas e/ou degradadas, presença de lixo, espaços degradados, muros extensos, esgoto e ausência de sombra. Durante o processo de mapeamento dos registros, foi possível perceber uma concentração de registros de sensações “negativas”, sendo o medo, a vulnerabilidade e o desconforto, os registros mais recorrentes, respectivamente.


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4.3 Percepções urbanas – qual sensação esse cenário desperta em você?

Nessa etapa do trabalho, a autora buscou coletar dados quantitativos e configurar estatísticas. O formulário foi desenvolvido na plataforma Google Forms e o seu link de acesso foi divulgado nas redes sociais da autora e de voluntários que se disponibilizaram a ajudar. O material intitulado de “Percepções Urbanas” apresentou 12 imagens de cenários distintos da área de estudo e sugeriu que os voluntários escrevessem, de forma objetiva, quais sensações eles imaginariam que sentiriam ao caminhar por esses espaços IMAGEM 68 – Enunciado do formulário online.

Fonte: elaborado pela autora (2019).

O formulário ficou disponível por uma semana, tempo suficiente para que 170 respostas - de pessoas de diferentes gêneros, raças e idades - fossem coletadas. A partir disso, a autora partiu para a elaboração de materiais visuais, como gráficos e nuvens de palavras, afim de ilustrar as participações e os resultados obtidos diante de cada cenário apresentado.


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IMAGEM 69 – Gráfico: participação por gênero.

PARTICIPAÇÃO - GÊNERO

homem 47%

mulher 53%

Fonte: elaborado pela autora (2019). IMAGEM 70 – Gráfico: participação por raça.

PARTICIPAÇÃO - RAÇA
 1%

1%

4%

34% 54%

6%

branca indígena

negra não declarou

parda amarela

Fonte: elaborado pela autora (2019).


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IMAGEM 70 – Gráfico: participação por faixa etária.

PARTICIPAÇÃO - FAIXA ETÁRIA
 2%

11%

4%

8%

14%

61%

60 anos ou mais 20 a 29 anos 40 a 49 anos

15 a 19 anos 30 a 39 anos 50 a 59 anos

Fonte: elaborado pela autora (2019).

Logo após as questões relacionadas ao gênero, raça e faixa etária, o formulário apresentava doze cenários ao participante, um de cada vez. A intenção era que a pergunta “Qual sensação essa imagem desperta em você?” fosse respondida em cada um dos cenários apresentados. A autora optou por dispor um campo livre para inserção da resposta de modo a não influenciar a pesquisa e realmente deixar o participante livre e à vontade para externar suas possíveis sensações. A seguir, todos os doze cenários se apresentam em forma de imagem (a mesma utilizada no formulário), acompanhados por duas nuvens de palavras. Para cada cenário, a autora elaborou uma nuvem de palavras das dez sensações mais recorrentes registradas pelas mulheres e uma outra nuvem com as dez sensações mais recorrentes registradas pelos homens. Vale ressaltar que, quanto maior a palavra na nuvem, mais vezes ela apareceu ao longo das respostas e que, quanto menor, menos recorrente ela foi.


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CENÁRIO 1: RUA OTHONIEL COSTA IMAGEM 71 – Rua Othoniel Costa.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


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CENÁRIO 2: AVENIDA EVILÁSIO SORIANO IMAGEM 72 – Avenida Evilásio Soriano.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


99

CENÁRIO 3: AVENIDA JOÃO DAVINO IMAGEM 73 – Avenida Jõao Davino.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


100

CENÁRIO 4: ORLA DE JATIÚCA IMAGEM 74 – Orla de Jatiúca.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


101

CENÁRIO 5: AVENIDA BRIGADEIRO EDUARDO GOMES DE BRITO IMAGEM 75 – Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes de Brito.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES – MULHERES

PERCEPÇÕES – HOMENS


102

CENÁRIO 6: RUA DOUTOR WALDEMIRO ALENCAR JÚNIOR IMAGEM 76 – Rua Doutor Waldemiro Alencar Júnior.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


103

CENÁRIO 7: AVENIDA COMENDADOR GUSTAVO PAIVA IMAGEM 77 – Avenida Comendador Gustavo Paiva.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES – MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


104

CENÁRIO 8: AVENIDA COMENDADOR GUSTAVO PAIVA IMAGEM 78 – Avenida Comendador Gustavo Paiva.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


105

CENÁRIO 9: AVENIDA DOUTOR MÁRIO NUNES VIEIRA IMAGEM 79 – Avenida Doutor Mário Nunes Vieira.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


106

CENÁRIO 10: RUA DOUTOR WALDEMIRO ALENCAR JÚNIOR IMAGEM 80 – Rua Doutor Waldemiro Alencar Júnior.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


107

CENÁRIO 11: RUA JOSÉ DE MELO IMAGEM 81 – Rua José de Melo.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


108

CENÁRIO 12: AVENIDA PENEDO IMAGEM 82 – Avenida Penedo.

Fonte: acervo da autora (2019).

PERCEPÇÕES - MULHERES

PERCEPÇÕES - HOMENS


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Após descobrir as percepções mais recorrentes em cada um dos cenários, a autora optou por analisar, estatisticamente, a recorrência de cada uma delas. Assim, as estatísticas foram configuradas levando em consideração o fator gênero e, posteriormente, traçadas de modo geral, entre todos os participantes da pesquisa. Dentre

as

mulheres,

as

percepções

mais

recorrentes

foram,

respectivamente: medo (22,9%), insegurança (21,8%), tranquilidade (10,1%), abandono (9,6%) e calor (8,1%).

Dentre os homens, a percepções mais recorrentes foram, respectivamente: tranquilidade (29%), insegurança (27,7%), medo (17,2%), calor (12,9%) e normalidade (também 12,9%).

Comparando os resultados, foi possível perceber certo diálogo entre as percepções mais registradas pelas mulheres e pelos homens, visto que as sensações de insegurança, medo, calor e tranquilidade, ficaram em destaque em ambos os grupos, ainda que em proporções diferentes.


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MULHERES – PERCEPÇÕES MAIS RECORRENTES

IMAGEM 83 – Gráfico radar: percepções mais recorrentes – mulheres.

Fonte: elaborado pela autora (2019).

HOMENS – PERCEPÇÕES MAIS RECORRENTES IMAGEM 84 – Gráfico radar: percepções mais recorrentes – homens.

Fonte: elaborado pela autora (2019).


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Como ilustrado nos gráficos acima, ainda que as percepções sejam, em sua maioria, de sensações semelhantes, ao compará-las estatisticamente, é possível perceber que elas aparecem em proporções diferentes. Dessa forma, a autora sentiu a necessidade de comparar, estatisticamente, a presença da tranquilidade, da insegurança e do medo, dentre as respostas das mulheres e dos homens. CRITÉRIO: MEDO HOMENS

MULHERES

A sensação de medo foi registrada em 31,6% das respostas das mulheres, enquanto que na dos homens aparece de maneira mais sutil, como 17,2%.

CRITÉRIO: TRANQUILIDADE MULHERES

HOMENS

Enquanto que a sensação de tranquilidade aparece como 29% do total de respostas dos homens, no caso das mulheres, aparece com menos frequência, sendo 13,9% do total.


112 CRITÉRIO: INSEGURANÇA MULHERES

HOMENS

Quantitativamente falando, a sensação de insegurança se mostra presente de maneira próxima, estando presente em 30% das respostas das mulheres e em 27,8% das respostas do homem. De modo geral, levando em consideração os registros dos 170 participantes da pesquisa, as percepções mais recorrentes foram, respectivamente: insegurança (29,3%), medo (25,7%), tranquilidade (20,5%), abandono (12,2%) e calor (12,1%).

Ao levar em consideração o fator gênero, percebe-se que mulheres e homens, além de vivenciarem a cidade de maneiras distintas – como exposto no primeiro capítulo desse trabalho – os mesmos sentem percepções e sensações diferentes (e em diferentes proporções) ao transitarem pelo meio urbano. Após essa análise, constata-se que, mesmo sendo maioria nos espaços públicos e no transporte coletivo (Pesquisa Origem-Destino de Maceió/2019), as mulheres sentem mais medo e insegurança do que os homens ao caminharem pelas ruas da cidade e, consequentemente, os resultados apontam que os homens se sentem duas vezes mais tranquilos do que as mulheres ao caminharem pelos cenários apresentados. Isso se deve ao fato de que, na grande maioria das vezes, o fator


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agregado à sensação de medo registrada pelas mulheres está associado à sua integridade física (medo de assédio e estupro), e não aos bens patrimoniais (medo de assalto), como se mostra nos registros dos homens. Estatisticamente falando, dentre as respostas coletadas, a palavra “assalto” é 92% mais recorrente nos registros dos homens, enquanto que as palavras “assédio” e “estupro” aparecem exclusivamente nos registros das mulheres, visto que não foram registradas nenhuma vez por parte dos homens. Dessa forma, fica evidente que ao medir a qualidade das experiências urbanas e pensar em soluções espaciais e políticas públicas para as cidades, o critério de gênero deve ser profundamente levado em consideração. A experiência urbana não é padronizada, e sim diversificada, visto que a mesma é formada por diferentes atore sociais. Assim, devido a essa diversidade, a promoção da equidade de gênero no acesso às cidades se mostra como uma medida fundamental e urgente para que a qualidade da experiência urbana se equipare, de modo a alcançar todas e todos.


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4.5 Barreiras – o que limita a experiência das mulheres?

Após associar as sensações registradas com elementos espaciais e analisar estatisticamente as sensações que moldam a experiência das mulheres no recorte em estudo, torna-se possível listar os fatores que se apresentam como barreiras e que são responsáveis por limitar, de uma forma ou de outra, a experiência das mulheres nos espaços públicos daquela área. VAZIOS URBANOS Registrados em forma de terrenos sem uso (baldios e murados), construções abandonadas e espaços públicos desativados. IMAGEM 85 – Construção abandonada, localizada na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 86 - Terreno desativado, localizado na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMPERMEABILIDADE VISUAL Registrada em forma de fachada cegas, muros extensos, ruas muradas e/ou desertas. IMAGEM 87 – Rua totalmente murada, localizado na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 88 – Fachadas cegas, localizadas na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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DESCONFORTO Registrado em forma de calçadas estreitas e/ou degradas, ausência de sombra, ambientes escuros e presença de lixo e esgoto.

IMAGEM 89 – Calçada degradada, localizadas na área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 90 – Presença de obstáculos e lixo em calçada da área de estudo.

Fonte: acervo da autora (2019).


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4.6 Diretrizes – (re)pensando o recorte sob uma perspectiva de gênero

Após diagnosticar a área de estudo e constatar as barreiras que limitam o pleno exercício do direito das mulheres à cidade, surge o desafio de se construir um espaço democrático, sem hierarquias e que seja, de fato, planejado para todas e todos. Dessa forma, levando em consideração os relatos, as necessidades específicas, os usos e as circulações das mulheres, a autora optou por ressignificar três cenários do recorte a partir de uma perspectiva de gênero. O desafio consiste em construir um espaço sem gênero nem ordem patriarcal; portanto, um espaço sem hierarquias, horizontal, um espaço que evidencie as diferenças, e não as desigualdades, um espaço de todos e de todas em igualdade de valoração de olhares, saberes e experiências. O objetivo é ressignificar a construção de nossas cidades a partir da experiência que os homens e as mulheres têm do mundo – duas maneiras de enunciar a realidade (MONTANER & MUXÍ, 2014, p.198).

As soluções apresentadas buscam promover a vitalidade das ruas e vem de modo a melhorar a qualidade da caminhabilidade, o acesso ao transporte público e tornar a circulação mais segura. Com base nos estudos de caso realizados e tendo como fonte de inspiração as cartilhas, os projetos e as campanhas aqui registradas, as seguintes diretrizes foram traçadas:

Ocupar vazios urbanos – terrenos ociosos e construções abandonadas;

Promover o uso misto das edificações - instalação de comércios e serviços no pavimento térreo (fachada ativa);

Promover uma densidade adequada - através de uma verticalização controlada;

Instalar iluminação pública de qualidade;

Oferecer boas condições de uso para os modais ativos e transporte público – velocidade controlada, calçadas largas, ciclofaixas e paradas de ônibus confortáveis e acessíveis.


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CENÁRIO 1: AVENIDA EVILÁSIO SORIANO CENÁRIO REAL

IMAGEM 91 – Cenário real: Avenida Evilásio Soriano. Fonte: acervo da autora (2019).

CENÁRIO IDEAL

IMAGEM 92 – Cenário ideal: Avenida Evilásio Soriano. Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 93 – Cenário ideal proposto para a Avenida Evilásio Soriano. Fonte: elaborado pela autora (2019).

O CENÁRIO IDEAL PROPOSTO: • Verticalização controlada: foi prevista e limitada ao possível contato visual e auditivo entre os usuários da edificação e os usuários da rua. A possibilidade de contato com o espaço público é um fator importante para a vigilância natural; • Edifícios orientados para o espaço exterior: no âmbito visual, com aberturas visando a participação passiva dos usuários em atividades da rua; • Térreos e fachadas ativas: visando garantir a atividade da área em diferentes horários do dia e a consequente sensação de segurança. As pessoas que usam esses possíveis estabelecimentos, automaticamente, se tornam vigilantes naturais do espaço; • Calçadas: foram alargadas, servindo como convite para o caminhar e garantindo a possibilidade de passagem de carrinhos de bebês e de compras, andadores e cadeiras de rodas, além de permitir a instalação de mobiliários urbanos; • Ciclofaixa: por se tratar de uma avenida, a ciclofaixa foi inclusa no desenho visando promover o uso e a segurança dos usuários de modais ativos; • Parada de ônibus: alocada visando dar suporte aos moradores do entorno e possíveis usuários do espaço, no que diz respeito ao acesso ao transporte público. • Arborização: dispostas de modo a garantir sombra para os pedestres e servir como barreira contra a poluição sonora e outros contaminantes;


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CENÁRIO 2: RUA OTHONIEL COSTA CENÁRIO REAL

IMAGEM 94 – Cenário real: Rua Othoniel Costa. Fonte: acervo da autora (2019).

CENÁRIO IDEAL

IMAGEM 95 – Cenário ideal: Rua Othoniel Costa. Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 96 – Cenário ideal proposto para a Rua Othoniel Costa. Fonte: elaborado pela autora (2019).

O CENÁRIO IDEAL PROPOSTO: • Ocupação de vazio urbano: o espaço vazio, subutilizado como estacionamento, deu lugar a um espaço de lazer e permanência, garantindo o acesso à equipamentos públicos por parte pessoas que moram e passam pela área; • Piso drenante: alternativa permeável que substituiu o asfalto da pista, reforçando o caráter de rua local e possibilitando um tráfego mais lento de veículos automotores, garantindo uma maior segurança para todos; • Arborização: as árvores já existentes foram mantidas e novas foram dispostas, de modo a garantir sombra e servir como barreira contra a poluição sonora e outros contaminantes; • Iluminação pública: postes foram dispostos de modo a superar o escuro, grande barreira enfrentada por todas e todos que usam o espaço durante a noite; • Design: o muro do terreno ganhou um novo revestimento e o terreno recebeu um tratamento paisagístico com a implantação de arbustos floridos; • Urbanismo tático: a alternativa é sugerida para o processo de transformação do terreno, considerando a sua capacidade de fomentar as relações de vizinhança, o senso de comunidade e a identificação e pertencimento dos usuários com o local.


122 CENÁRIO 3: RUA DOUTOR ROLAND SIMONS CENÁRIO REAL

IMAGEM 97 – Cenário real: Rua Doutor Roland Simons. Fonte: acervo da autora (2019).

CENÁRIO IDEAL

IMAGEM 98 – Cenário ideal: Rua Doutor Roland Simons. Fonte: elaborado pela autora (2019).


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IMAGEM 99 – Cenário ideal proposto para a Rua Doutor Roland Simons. Fonte: elaborado pela autora (2019).

O CENÁRIO IDEAL PROPOSTO: • Ocupação de vazio urbano: a edificação abandonada foi ativada; • Verticalização controlada: a altura da edificação foi mantida, visto que a mesma já é limitada ao possível contato visual e auditivo entre os usuários da edificação e os usuários da rua, fator importante para a vigilância natural; • Edificação orientada para o espaço exterior: no âmbito visual, com aberturas visando a participação passiva dos usuários em atividades da rua e a consequente vigilância natural; • Térreos e fachadas ativas: previstos visando garantir a atividade da área em diferentes horários do dia e a consequente sensação de segurança. As pessoas que usam esses possíveis estabelecimentos, automaticamente, se tornam vigilantes naturais do espaço; • Calçadas: foi alargada, servindo como convite para o caminhar e garantindo a possibilidade de passagem de carrinhos de bebês e de compras, andadores e cadeiras de rodas, além de permitir a instalação de mobiliários urbanos, como bancos que dão a possibilidade de descanso e permanência.


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• Iluminação pública: postes foram dispostos de modo a superar o escuro, grande barreira enfrentada por todas e todos que usam o espaço durante a noite; • Design: a edificação recebeu um tratamento visual com a instalação de revestimentos, de um jardim vertical em sua fachada e plantas em suas varandas.


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4.7 Intervenção urbana realizada na área de estudo

Como forma de disseminar as informações sobre a experiência das mulheres nos espaços urbanos colhidas ao longo do trabalho e manifestar o direito das mulheres à cidade, a autora se propôs a intervir na área de estudo através da colagem de cartazes “lambe-lambes” - cartaz de caráter artístico, fixado normalmente em espaços públicos. Dez modelos de lambes ilustraram estatísticas e frases provocativas em relação ao tema em estudo. Com a intenção de possibilitar a sua fixação em diferentes superfícies e torna-los visíveis tanto para pedestres, quanto para usuários do transporte motorizado, os mesmos foram impressos em tamanhos A4 e A3.

IMAGEM 100 – Lambes utilizados na intervenção.


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Com a intenção de tornar o estudo acessível a todas as pessoas, a autora configurou um QR-Code e o inseriu no canto inferior direito de cada poster e, quando escaneado, o código direciona automaticamente para uma pasta online, onde está disponibilizado o estudo completo, cards com estatísticas, adesivos, o arquivo digital dos lambes e as colagens feitas diante dos cenários selecionados. Fonte: elaborado pela autora (2019).

IMAGEM 101 – QR-Code inserido nos lambes. Fonte: elaborado pela autora (2019).

IMAGEM 102 – Pasta online com conteúdos da pesquisa. Fonte: elaborado pela autora (2019).


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A intervenção foi divulgada por meio de postagem em rede social (Instagram) e a resposta foi imediata e automaticamente positiva. Cerca de duas horas depois da postagem de divulgação, a autora já contava com 10 voluntárias para a colagem dos lambes. A ação foi realizada na tarde do dia 23 de novembro de 2019, onde onze voluntárias acompanharam a autora na fixação dos lambes. A atividade começou às 14h e, inicialmente, as voluntárias puderam ler os conteúdos, havendo uma identificação imediata por parte delas. Os vinte lambes foram colados em pontos que se mostraram críticos e recorrentes durante os registros das mulheres nas etapas anteriores do trabalho. Assim, ao longo da caminhada, as voluntárias puderam ouvir os pontos motivadores e os critérios escolhidos pela autora, além de terem tido a possibilidade de opinar e sugerir lugares específicos. Os materiais foram colados em pontos de ônibus, muros de terrenos abandonados, bancos, postes e lixeiras. Durante o trajeto de intervenção, ocorreram uma série de assédios com as integrantes do grupo, muitos homens diminuíram a velocidade de seus carros e fizeram questão de se aproximar do encostamento para observar mais de perto. Além disso, a presença coletiva de mulheres chamou a atenção das mais diversas pessoas que utilizavam as ruas, muitas delas observaram e perguntaram o que estava sendo feito, demonstrando, na maioria das vezes, curiosidade e uma resposta positiva à ação. IMAGEM 103 – Integrantes da intervenção.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 104 – Autora e voluntárias durante a intervenção realizada.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 105 – Lambe colado em poste.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 106 – Autora e voluntárias durante a intervenção realizada.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 107 – Lambe colado em muro.

Fonte: acervo da autora (2019). IMAGEM 108 – Voluntárias durante a intervenção realizada.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 109 – Lambe colado em lixeira.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 110 – Lambe colado em poste.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 111 – Colagem de lambe em ponto de ônibus.

Fonte: acervo da autora (2019).


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IMAGEM 112 – Autora durante a intervenção realizada.

Fonte: acervo da autora (2019).

IMAGEM 108 – Voluntárias durante a intervenção realizada.

Fonte: acervo da autora (2019).


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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

UMA CIDADE COLETIVA É UMA CIDADE FEMINISTA Tentar compreender a experiência urbana das mulheres foi uma tarefa necessária, desafiadora, instigante e apaixonante. Transitar no universo da cidade com o olhar feminino e no posto de pesquisadora me fez compreender, de fato, a urgente necessidade de construção de cidades mais igualitárias e amigáveis. Nesse processo, a conceituação do referencial teórico permitiu a compreensão de que a violência contra as mulheres nos espaços públicos é um problema social e que vai muito além de ser uma questão de segurança pública. Os estudos de caso, por sua vez, – mesmo que inseridos em realidades diferentes do contexto brasileiro – serviram de combustível para o decorrer da pesquisa ao mostrarem que é possível (re)pensar as cidades levando em consideração as necessidades específicas de cada gênero, frente aos desafios das desigualdades econômicas, segregações socio-espaciais e violência urbana. As vivências e as análises de dados desenvolvidas ao longo do objeto de estudo permitiram uma compreensão ampla sobre as percepções de mulheres e homens sobre o recorte trabalhado. Os resultados ilustrados foram responsáveis por tornar o invisível visível. O mapa afetivo esboçou uma análise de respostas espontâneas e as estatísticas configuradas por meio do formulário permitiram uma análise mais precisa. O estudo constatou que mulheres e homens vivenciam e sentem diferentes percepções diante do cenário urbano. Os resultados dessa pesquisa revelaram, também, que mesmo sendo maioria nos espaços públicos e no transporte coletivo de Maceió, as mulheres sentem mais medo e insegurança do que os homens ao utilizarem as ruas da cidade. Os resultados mostraram que os homens se sentem mais tranquilos nos espaços públicos e isso se justificou quando a autora percebeu que o fator agregado à sensação de medo registrada pelas mulheres está associado à sua integridade física, e não aos bens patrimoniais, como é o caso dos homens. Dessa forma, ficou evidente que, ao medir a qualidade das experiências urbanas e pensar em soluções espaciais e políticas públicas para as cidades, o critério de gênero deve ser profundamente levado em consideração. A experiência urbana é


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diversificada e por isso a promoção da equidade de gênero no acesso às cidades se mostra como uma medida fundamental e urgente para que a qualidade da experiência urbana de homens e mulheres se equipare. Ao criar cenários ideais sugerindo a vitalidade dos espaços públicos através da ocupação de vazios urbanos, uso misto do solo, térreos ativos, calçadas largas e iluminação pública, foi possível perceber que se uma cidade for segura e inclusiva para as mulheres, ela será automaticamente, uma cidade segura e inclusiva para os demais grupos, como homens, jovens e adultos. As diretrizes traçadas e ilustradas nas colagens surgem como alternativas de caminhos possíveis para pensar-se a cidade a partir da perspectiva da mulher e como um guia para desenvolvimento de planos que visem promover uma cidade mais acessível a todas, todos e todes. Vale ressaltar que através do desenvolvimento desse trabalho foi possível perceber a necessidade de maiores estudos sobre o tema, visto que houve presença mais acentuada de mulheres que se identificaram como brancas em todas as etapas da pesquisa. Também é compreendido que os resultados aqui registrados estão inseridos em um contexto muito específico e que traduzem apenas uma parte do problema, mas que possuem elementos semelhantes à outras experiências e em outras áreas da cidade. A autora concluiu que o medo da mulher ao ocupar o espaço publico é produto da relação de dominação dos homens sobre os corpos das mulheres ainda hoje existente e que esse problema só será solucionado quando a cidade for concebida a partir de uma ótica de gênero e a sociedade for incentivada ao respeito pelos mais diversos grupos de indivíduos. A arquitetura e o urbanismo não podem se limitar às discussões técnicas e às normas construtivas. Esses profissionais podem e devem se posicionar ativamente a respeito de aspectos sociais e políticos, especialmente em períodos de emergência de ideologias e governos excludentes. O enfrentamento da discriminação de gênero no meio urbano é o caminho para a construção de cidades mais justas e democráticas e o discurso feminista é um dos prioritários na elaboração de alternativas para um urbanismo favorável às pessoas.


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MEDO DE:

Apêndice 01

MAPA DAS SENSAÇÕES registros e sensações presentes na área de estudo.

ESTUPRO

ASSALTO

VULNERABILIDADE

ESTUPRO

ASSÉDIO
 ASSALTO

ASSÉDIO
 ASSALTO
 ESTUPRO

ASSÉDIO
 ASSALTO
 ESTUPRO

DESCONFORTO

SACIEDADE

LIBERDADE

BEM-ESTAR

ACONCHEGO

TRISTEZA

CONFORTO

RAIVA

ALEGRIA

FELICIDADE

x

PÂNICO

INDIGNAÇÃO

CALOR

DESPREZO

CURIOSIDADE

SEGURANÇA

INSEGURANÇA

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