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Maria Luís de Antas de Barros Estágio efectuado de 01/2007 a 02/2008, no atlier Eduardo Souto de Moura e arqts. S.A. Prova Final 2007/2008, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Professor orientador arq. Pedro Gadanho
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Agradeço à minha família e aos meus amigos por todo o apoio e ao arq. Pedro Gadanho pelo interesse demonstrado e pela forma activa e segura com que me guiou ao longo deste percurso.
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Índice Prefácio Transformabilidades, os princípios da flexibilidade.
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■MUTABILIDADE, VERSATILIDADE E ADAPTAÇÃO Introdução
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MUTABILIDADE
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Mutabilidade espacial - ”Habitar é agir.” Interacção entre utilizador e espaço.
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Casa Rietveld Schröder e Void Space/ Hinged Space, Steven Holl - O limite vertical
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Casa em Bordéus, Rem Koolhaas e Hotel Suitcase House, Gary Chang - Divisões em movimento. Novos habitares.
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Naked House, Shigeru Ban e Rotor House, Luigi Colani Mutabilidade da forma - O objecto tetradimensional
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Casa Guckhylf, Hans Peter Worndl - Arquitectura dinâmica
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Monumento à III Internacional, Vladimir Tatlin e Torres Dinâmicas, David Fisher - Superfícies. A resposta electrónica ao estímulo
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Hyposurface, grupo DECOI e Mark Goulthorpe Mutabilidade sem metamorfose - Manipular a informação
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Blur Builng, Diller e Scofidio e Potsdamer Platz 10, intervenção United Realities VERSATILIDADE
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Versatilidade espacial
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-O espaço em branco
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Lofts e outros open space - Arquitectura ou design?
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Murphy bed, William L. Murphy Transportabilidade - Neonomadismo
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Loftcube, Werner Assilinger - As envolventes infinitas
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Hotel Everland, Sabrina Lang e Daniel Baumann - A dobragem
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FTL Happold´s Carlos Moseley Music Pavilion, Nicholas Goldsmith e o Festo’s Airtecture Hall ADAPTAÇÃO
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Reutilização - Permuta entre compartimentos. Flexibilidade interna.
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A habitação tradicional japonesa - Alteração funcional do edifício
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A casa pombalina Reciclagem - O choque da descontextualização
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Daspark Hotel, Andreas Strauss - Soluções ambientais
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Nova biblioteca de Jalisco, Lot-ek ■DESENHAR O ESPAÇO TRANSFORMÁVEL
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Alterações e implicações no conceito de projectar:
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- A representação do tempo e as “plurisoluções”
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- A atribuição ao utilizador da capacidade de alteração da obra
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- Novos conceitos. O acto de experimentar.
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■EVOLUÇÃO
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Epílogo: A sofreguidão
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Prefácio: Transformabilidades, os princípios da flexibilidade. Quando pensamos em transformações no âmbito do estudo da arquitectura, a primeira noção a exaltar, a mais ampla, longa e preponderante de todas, é a contínua e eterna transformação do seu significado. Temos de ter antes de tudo presente, a noção de que a arquitectura se transforma com a alteração do paradigma cultural. O paradigma é “um modelo, uma forma de pensar, uma visão do mundo, uma conceptualização, uma filosofia”
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adquirida pela sociedade e enraizada, mas
que ocasionalmente se modifica ao longo dos tempos, dominando tanto as ciências como as artes, e como tal a arquitectura desde o seu significado até às suas formas. Só a partir daqui poderemos compreender as suas múltiplas nuances e as razões que as estimularam. O vínculo entre projecto e sociedade. O projecto persegue persistentemente as variações que nela ocorrem, retalhando a arquitectura em tantos pedaços quantas ideologias e visões a sociedade produz. Contudo, embora essa evolução nos pareça algo frenética é na realidade um desenvolvimento moroso e progressivo. Para que se altere a visão que temos do mundo, são necessárias alterações de fundo, e é apenas nessas alturas, na transição entre paradigmas que o conceito geral da arquitectura se ajusta. Essa é a verdadeira transformação. Em termos generalistas, podemos afirmar – apoiando-nos nos estudos opinativos de Charles Jencks – que os grandes paradigmas instituídos foram: o da Era Cristã, que durou 2500 anos e que se desenvolveu em redor da crença num grande criador do universo, que Platão veio a definir como o arquitecto de todas as coisas; o da Modernidade, criado a partir da demonstração de Isaac Newton de que o Universo funciona como uma grande máquina, passando do orgânico ao mecanicista e determinista e o actual que podemos chamar PósModerno, a visão do Universo tal como o conhecemos. Estas transformações dão-se comparativamente entre diversos edifícios nas modificações relativas entre si; em semelhança à mutação das espécies terrestres ao longo dos tempos, que vão evoluindo a partir da modificação de características fisionómicas e genéticas específicas 1
JENCKS, Charles, El Nuevo paradigma en la arquitectura contemporanea, Ediciones Generales de la Constrution,
Valencia, 2004.
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de certos espécimes isolados, de modo descoordenado entre si, mas caminhando no mesmo sentido. No que respeita às transformações particulares de um objecto isolado, decorrentes durante o seu período de “vida”, as mais expressivas serão a sua degradação natural e as possíveis intervenções de reconstrução. Os edifícios sofrem, sem excepção, alterações de algum tipo desde a sua construção à sua ruína. Desde o velho armazém cuja estrutura finalmente cede, à catedral que vai crescendo e mudando de forma com os acrescentos de diferentes períodos artísticos, ao antigo convento restaurado e reestruturado para albergar uma nova pousada, ao simples edifício de habitação cuja fachada foi pintada com uma cor diferente. Todos estes são fenómenos comuns, relacionados com a generalidade do universo arquitectónico. Consequentemente, embora noções de referência incontornável, não se enquadram dentro do objecto de estudo. Trataremos aqui apenas, de poderes “especiais” de transformação na arquitectura. O propósito será identificar todas essas capacidades, organizá-las e analisá-las, de modo a reunir material sobre o amplo, por vezes fracturado e disperso tema. Produzir uma base sólida de consulta onde se visualize o fundamental da sua matéria. Auxiliando, desta forma a compreensão das especificidades inerentes destes espaços, suas morfologias, procurando homogeneidades que definam um meio como podem ser associadas de modo lógico e perceptível. A organização será feita por três grandes grupos, divididos em sub-grupos, que representam as tipologias. Por sua vez fraccionados em sub-temas que são os pontos-chave das características, relacionados com respectivos edifícios/exemplos possibilitando a análise das intenções que os impulsionaram, suas bases ideológicas e consonância com o nível de desempenho obtido. As diferenças relativamente aos espaços rígidos, ditos tradicionais. Na sua matéria, seu habitar, seu projectar. É nestas dissemelhanças que reside o seu verdadeiro ser. Ao visitarmos estes edifícios, presenciamos a materialização da teoria que procurávamos. Qualquer análise isolada e abstracta que construíssemos, por mais exaustiva, seria sempre mais incompleta do que a descrição da própria realidade, as provas da concretização real.
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Quanto ao método empregue na sua selecção, digamos que antes de mais se sentiu que a apresentação de demasiados exemplos prejudicaria a clareza do trabalho o que em conjunto, com a imensurável dimensão do universo de entre o qual provieram estas amostras, problematizou o drama da escolha. Procurou-se, desta forma, restringir a triagem exclusivamente aos casos que inequivocamente evidenciassem e descrevessem os traços identitários de cada grupo que pretendíamos vincar, centrando as temáticas. Visto que, algumas das características destacadas são comuns a mais do que um grupo. Optou-se por inseri-las apenas onde se mostrassem como as mais figurativas, para não cair numa cansativa repetição de ideias. No que respeita à ordem pela qual aparecem, no seguimento deste texto, cada um dos temas, bem como cada um dos seus arquétipos, o importante é ter presente que não se pretende explorar a evolução cronológica desta temática. A intenção não é fabricar o registo histórico, mas sim o registo da actualidade. Esclarecer o papel que tem esta vertente da arquitectura, a sua situação. Pois, a partir dai, poderemos tentar descodificar como poderá evoluir e apresentar-se como uma solução viável para os problemas emergentes da actualidade. A partir da apresentação de experiências de iniciação de alguns desses processos. As referências históricas surgem apenas quando o seu enquadramento se torna crucial para a compreensão do encadeamento com a situação contemporânea e/ou para a retratação da sua essência. O interesse por este tema em particular, surgiu nos cruzamentos com algumas das suas personagens ao longo da vida académica. Personagens invulgares, que habitam e expandem o imaginário. Posto isto, devemos agora, rapidamente, olhar para a realidade dos nossos dias. Na dicotomia entre a globalização e a actual pluralidade de correntes arquitectónicas vigentes, a certeza é que, no núcleo duro da arquitectura “corrente” todas as questões de fundo têm sido, para já, inabaláveis. Apesar da reunião, neste ensaio, de casos bastante recentes – a partir do fim do séc. XX na sua maioria – o fenómeno das transformações excepcionais na arquitectura é intemporal. Caminha paralelamente a este universo de conjecturas. Influencia-se pela actualidade, mas não se rege pelas suas leis.
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Mutabilidade, versatilidade e adaptação. Introdução Os protagonistas deste estudo serão, exclusivamente, os poderes excepcionais de transformação que um edifício poderá albergar, que intervenham directamente, através da acção do ocupante, na sua performance em algum sentido. Ou seja, todo e qualquer espaço que seja passível de alterações sucessivas não através da sua reconstrução, mas através da flexibilidade que está inscrita na sua gene. Universo que, a partir deste momento, iremos chamar, universo da arquitectura transformável. Para o dissecar apoiar-nos-emos em três grupos: Mutabilidade, versatilidade e adaptação, é esta trilogia, em que englobaremos os grandes sectores de transformação de objectos de arquitectura, que escolhemos abordar neste estudo. Mas em que consistirão em específico estas grandes modalidades apuradas? Pensando nestes termos, sabemos que todos estão associados a capacidades de sofrer modificações. Contudo as variações entre si, entre os seus significados, demonstram poderes distintos de cada um dos objectos que deles beneficiem. Porém estas variações podem não ser totalmente concretas ou claras. Ou pelo menos o modo como se relacionam com a arquitectura. Passemos então à circunscrição de cada um dos conceitos e à fixação das qualidades que vemos associadas a cada um dos termos. 1.
Mutabilidade,
associamos à capacidade que um edifício tem de alterar as suas
qualidades físicas.
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Esta propriedade revela a essência e pureza da transformação de um espaço, na medida em que o edifício pode alterar-se fisicamente sem para tal necessitar de recorrer a elementos externos. O arquitecto imagina mais do que um simples objecto; visualiza um objecto que pode ser moldado, ser alterado materialmente pelo utilizador de modo a corresponder à solução por ele pretendida, que pode variar com o tempo. O edifício fá-lo através dos seus próprios mecanismos, que fazem parte do seu próprio corpo. As características físicas desta arquitectura variam ao longo do tempo, as vezes que se deseje. Será importante referirmos ainda que pode existir mutabilidade a nível espacial (planta/ interior) e a nível da forma (alçado/ exterior). E que estas são as duas vertentes de “transformabilidade” que se enquadram dentro do grupo a que podemos chamar das metamorfoses ”Do gr. metamórphosis, «mudança de forma» “ (a mudança na forma e na estrutura do corpo)” 2. Porém pode ainda existir mutabilidade sem qualidade metamórfica.
A espacial é aquela em que existem mudanças na organização, geometria e relações do espaço interior do edifício. Em que o modo como é seccionado o espaço, as suas proporções e distribuição destas secções pode variar.
Na mutabilidade da forma, ou objectual, as proporções alteradas são as do seu exterior. É a imagem do edifício que apresenta várias soluções. O que se modifica é a sua volumetria. Quanto à mutabilidade
sem metamorfose ela engloba todos os tipos de mutação
em que nenhuma das dimensões do objecto sofre variações. Não existe mudança na forma ou estrutura do corpo (daí não poder qualificar-se como metamórfica), mas mesmo assim o edifício contém em si mesmo meios para se modificar fisicamente, ainda que a outros níveis. Em jeito de analogia imaginemos um camaleão, que não muda de forma, mas consegue mudar de cor. Tem com certeza capacidade de auto-transformar-se fisicamente. 2.
Versatilidade é a qualidade que um espaço tem de oferecer condições para sofrer
transformações físicas ou espaciais, embora não possua por si só os meios para o tornar possível. Não existe capacidade de mutação efectiva na arquitectura, senão apenas uma mutabilidade aparente proveniente de elementos extrínsecos à arquitectura.
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É versátil. Logo como o próprio nome indica, poderá ser mais do que uma única realidade, pode ter várias soluções, adequa-se a várias possibilidades. Pode ser transformada materialmente, mas não consegue transformar-se sozinha. No entanto, visto que as opções são deixadas em aberto, a sua liberdade pode ser bastante grande, dependendo da criatividade do utilizador. Se estabelecermos um paralelo entre os edifícios e os super heróis de BD, mutabilidade será o Homem-aranha; a versatilidade por outro lado será o Batman que não é em si um mutante, não tem super poderes como o primeiro, é um ser humano comum, mas não deixa de poder fazer as mesmas coisas utilizando os meios técnicos ao seu alcance. Esta característica pode igualmente dividir-se em dois tipos: a versatilidade espacial – relacionada em certa medida com a mutabilidade espacial – e a transportabilidade, isto é a faculdade que um edifício tem de permitir ser transportado sempre que desejado.
Na versatilidade espacial, o espaço não é alterável fisicamente. Todavia foi deixado em aberto de modo a poder aparentar alterações físicas através do design. A solução projectual não oferece várias soluções, mas apenas um espaço livre, uma tela em branco, sem secções estipuladas, sem condicionantes, mas em que subsiste a possibilidade de criá-las no acto da apropriação do espaço. Contudo, se existir transformação, ela não foi um utensílio criado pelo arquitecto e oferecido ao utilizador. O arquitecto não é o criador das múltiplas soluções. Daí que a própria arquitectura não possua essa capacidade de se transformar ela própria. Não tem a habilidade metamórfica; apenas permite que elementos externos ao seu organismo procurem orquestrar essa transformação. O espaço criado é passível de suportá-las se o utilizador tomar essa iniciativa, criandoas a partir de objectos de design. Estes são o único meio que poderão manipular, pois a arquitectura é estática. A
transportabilidade, por seu turno, é a qualidade que um edifício tem de permitir
ser reimplantado sempre que desejado, ou seja, de ser possível transportá-lo sempre que o utilizador quiser. Podendo assim habitá-lo em qualquer local possível. É um edifício móvel, não dispondo pois de uma implantação fixa. Não está relacionado com uma envolvente, mas com uma infinidade delas. Podemos questionar-nos se esta característica não deveria ser catalogada como pertencente ao grupo da mutabilidade, não espacial nem da forma, mas posicional, já que de facto, é
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possível movimentar o edifício no espaço. Sendo assim também ele é “tretradimensional”. Na verdade, embora não seja necessária a dimensão tempo para determinar a sua forma, ela é necessária para determinar a sua posição. Porém, a distinção fulcral será a seguinte: não é mutável, porque não lhe são inerentes os meios para por em prática esta capacidade. Eles vêm do exterior. Terão de ser providenciados. O edifício não tem em si mesmo essa capacidade. De facto, será de presumir que apenas meios de transporte habitáveis, como as autocaravanas, certos barcos ou estações espaciais, se considerados arquitectura, estariam classificados em tal grupo, pois estes sim possuem em si os meios que possibilitam ao utilizador a sua deslocação. Trata-se portanto de uma capacidade de ser versátil, ou seja, de oferecer várias possibilidades físicas, como no caso da mutabilidade, mas através de mecanismos alheios. 3. Por fim consideramos a
adaptação
que é concernente à transformação que se
relaciona, unicamente, com novas utilizações. Nela o objecto é forçado a servir outros fins aos quais se acomoda graças à sua flexibilidade puramente funcional. Representa portanto a capacidade de resposta à provação da transformação que advém da acção humana de alteração de uma aplicação. Como o nome faz transparecer, é a arquitectura que tem capacidade de adequação a diferentes tipos de usos. Podendo através da sua forma própria inalterável transformar-se em diversas realidades. Versaremos, assim, sobre dois conceitos, que identificamos como reutilização e reciclagem, transformações que se desenrolam em tempos diferentes e nascem também de objectivos bastante diferentes. Consideremos, primeiramente, a capacidade de
reutilização, de acordo com a qual o
espaço não se altera fisicamente nem a nível da arquitectura nem a nível do design, mas tem, no modo como foi desenhado e organizado a propriedade de sofrer significativas modificações na sua utilização. Ou seja, trata-se da flexibilidade funcional que um edifício poderá possuir que lhe permita (obviamente sem uma obra de intervenção como latente no veio do trabalho) suportar
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determinadas alterações do uso, impostas por parte do utilizador, de modo convincente, acomodando-se perfeitamente às novas condições. Esta transformação pode dar-se a dois níveis distintos: a nível da facilidade de permuta entre os seus compartimentos, ou da mudança da função geral do edifício A última engloba, usualmente, a primeira. Retrata um nível superior de transformação que impõe sobre o edifício qualidades, não apenas próprias, mas relacionadas com a sua envolvente. Neste caso serão transportados para o edifício um novo carácter, novo significado da relação com a cidade e novas dinâmicas. Quanto ao que denominamos
reciclagem,
será nada mais nada menos do que a
transformação em que um objecto, primariamente destinado a uma qualquer outra função, é reaproveitado para a arquitectura. O objecto é reformulado para ganhar essa aptidão. Ou seja, consiste na adaptação de materiais usados que não pertenciam ao mundo da arquitectura para com eles construir edifícios. Esta arquitectura não proporciona a possibilidade de a adaptar repetidamente, não possui mais do que uma solução. A transformação não se repete. Assim, podemos até dizer que não devia inserir-se neste grupo ou até mesmo neste trabalho. Contudo, a adaptação está sempre presente, pela descontextualização dos objectos. Aos olhos de quem por ela passa, a transformação é sempre visível, na adaptação daquele(s) objecto(s) à arquitectura e a na adaptação da arquitectura àquele(s) objecto(s).
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Gerrit Rietveld e Truus Schrรถder. (em cima) Vista interior da casa (em baixo) Gerrit Rietveld e Truss Schrรถder e plantas da casa
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Mutabilidade espacial “Habitar é agir”- A interacção entre o utilizador e o espaço. Casa Rietveld Schröder. Como pode a arquitectura interagir com as pessoas, não como um objecto, mas como um participante num diálogo? A casa Rietveld Schröder foi desenhada em 1924 pelo arquitecto Gerrit Rietveld, em Utrecht, (terra onde nasceu no ano de 1888), para Truus Schröder e os seus três filhos. Uma cliente que colaborou intensamente no projecto, comunicando eficazmente as suas vontades e necessidades, tendo estas obtido um reflexo directo, principalmente a nível dos interiores, sem descurar, contudo a liberdade de criação conveniente ao arquitecto. Esta colaboração é especialmente interessante quando associada ao facto de ser considerado que Rietveld “posiciona o utilizador em primeira fila e a coloca a arquitectura ao serviço do homem.” 3 Neste projecto essa vontade demonstrar-se-á fulcral. Na base da génese do conceito do interior desta casa, está o facto de Rietveld considerar que, de um modo geral, os arquitectos se haviam acomodado ao conceito pré-establecido do habitar, limitando-se simplesmente a copiar os modelos comuns, em vez de reflectir acerca da funcionalidade adequada às necessidades específicas de uma casa em concreto.
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KUPER, Marijke e ZIJL, Ida Van, Gerrirt Rietveld- l’ouvre complet 1888-1964, Central Museum Utrecht, Amesterdão, 1992.
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Void space/ hinged space, Fukuoka. Vista exterior e plantas
Em vez de pressupormos o que significa habitar devemos analisar em que consiste. “...Nós não evitamos os estilos antigos por serem feios, ou porque não os conseguíamos reproduzir, mas sim porque o própria manifestação.”
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nosso próprio tempo exige a sua forma própria, isto é, a sua
Para Rietveld, habitar um espaço não é um simples automatismo, é agir, um acto consciente e deliberado. O indivíduo deve reflectir acerca do que pretende, para que deste modo possa optar e agir em conformidade com isso. “Do mesmo modo que a cadeira vermelho-azul ilustra a afirmação de Rietveld de que sentar é agir a casa Schröder testemunha um modo consciente e activo de viver num lugar.” 5 Outra das ideias que se encontra na base da formação do conceito do inovador desenvolvimento interior da casa é a de que as dimensões dos diversos compartimentos devem ser distribuídas em função do tempo que ai se despende. Agregando estes pensamentos, desenha uma casa na qual o sujeito tem de interagir para optar de entre uma série de possibilidades disponíveis. Desde puxar paredes de correr para (des)associar diferentes dependências – como ligar o quarto ao espaço de estar ou ao hall ou até aumentar o espaço da casa de banho – a manipular as peças de mobiliário para diferentes tipos de utilização. Uma desconstrução que explora de uma maneira rica, a multiplicidade espacial potencial de um espaço Desde então diversos arquitectos se interessaram e inspiraram neste novo conceito. Sessenta e sete anos mais tarde, no ano de 1991, Steven Holl desenhou um edifício de habitação colectiva em Fukuoka, no Japão, conhecido por void space/ hinged space, que nos remete de imediato para a casa Schöder. O interior de cada um dos seus vinte e oito apartamentos é explorado e trabalhado nesse mesmo sentido. Contudo, visto que se trata de um conjunto de habitações e não de um projecto dedicado a uma família específica, as opções propostas foram forçadas a basear-se em pressupostos generalistas. Procurar o modelo que melhor se adaptasse, não a
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Gerrit Rietveld em KUPER, Marijke e ZIJL, Ida Van, Gerrirt Rietveld- l’ouvre complet 1888-1964, Central Museum Utrecht, Amesterdão, 1992. 5
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KUPER, Marijke e ZIJL, Ida Van, Gerrirt Rietveld- l’ouvre complet 1888-1964, Central Museum Utrecht, Amesterdão, 1992.
uma família-tipo, mas a uma qualquer família, tirando partido da mutabilidade para responder a essa mesma questão. Os quartos quando não utilizados – quer pelas comuns alterações do agregado familiar que interferem no número de residentes, quer simplesmente pela hora do dia – cedem, generosamente, o seu espaço à sala. “Abstratizando” este conceito chegamos à casa Nine Square Grid. Datada de 1997, situa-se em Hadano, Kanagawa no Japão, uma comunidade residencial perto de Tóquio. As suas formas passam pelo total open space, um espaço único onde o alçado frontal e traseiro podem abrir totalmente, dando acesso ao jardim privado e à vista sobre a paisagem. Este espaço dispõe de apenas duas paredes fixas, as dos alçados laterais, formadas na sua totalidade por armários que suportam esta grande área. Embutidas nesta estrutura, bem como no alçado norte, estão uma série de planos de correr de madeira, de calha inferior e superior que subdividem este espaço até ao máximo de nove divisões quadrangulares. O utilizador pode fechar ou abrir, parcial ou totalmente cada uma destas divisões, independentemente umas das outras. O facto de apenas a cozinha e o WC terem peças fixas possibilita que todas as outras sete divisões alcancem a flexibilidade funcional. A pureza geométrica e a construção /desconstrução atingem um limite do abstracto. É interessante recordar que, apesar da aparente vanguarda conceptual desta casa, ela tem fortes bases culturais. Os painéis de correr, feitos então em papel e madeira e chamados shoji no caso de serem translúcidos e fusuma os que são opacos, são um mecanismo tradicional japonês, desenvolvido no Japão medieval. De igual modo, no caso exposto anteriormente, Steven Holl refere-se ao sistema utilizado, como sendo uma interpretação moderna do conceito do tradicional fusama. Esta tradição é, de facto, um dos motivos pelo qual a mutação espacial suportada por sistemas de painéis de correr é, indubitavelmente, melhor aceite e por consequência mais comum em alguns dos países orientais.
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O limite vertical. Casa em Bordéus, Rem Koolhass e o hotel Suitcase House de Gary Chang A casa de Bordéus é uma plataforma, um jogo, um engenho. Um homem é o centro de tudo, dos pensamentos, das visões, dos problemas, dos mecanismos, das soluções. A plataforma é o eixo, é o homem. Mas este não é um homem qualquer, é um homem particular. A sua casa é o seu universo o seu espaço. Este homem tão específico que se movimenta numa cadeira de rodas, pediu um mundo complexo, que possa explorar, descobrir a cada dia. A plataforma percorre os três níveis da casa: as cavernas esculpidas na colina, a sala de vidro e a casa do topo, como Koolhaas os designa. Na verdade a sala de vidro (o nível intermédio) é a plataforma. O espaço privado deste homem, que o acomapanha nas suas incursões aos outros níveis, seguido por uma estante de livros que se estende às três alturas. A plataforma vem acrescentar a dimensão vertical a um mundo invadido pelo plano. O dissecar do desenho da planta no ensaio da mutação é renovado pela estratificação de camadas. Uma divisão que se desloca sobre um eixo vertical. A verticalidade acrescenta novas formas de seccionar o espaço. Criam-se elevações/depressões. O Suitcase House hotel, que avista a Grande muralha da China, em Badaling, é habitado por caixas secretas. Lugares ocultos, “submersos” que se escondem da realidade; alçapões. Quando erguidas as tábuas de madeira do chão estes espaços são revelados. As grandes plataformas de pavimento, são levantadas por sistemas pneumáticos. Nascem novos níveis cujos recantos formam refúgios. Os alçapões alternam entre o oculto e a partilha com o espaço vivido. É criado um novo episódio. As novas espacialidades são agora escavadas.
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(pág.26 em cima) imagens 3D no Suitcase House hotel,(em baixo) vista interior e plantas (pág. 27) Plataforma elevatória da casa em Bordéus.
Divisões em movimento. Novos habitares. Naked House, Shigeru Ban e Rotor House, Luigi Kolani Na Naked House, construída em 2000 em Kawagoe, Saitama, também no Japão, a particularidade é que terá sido o próprio cliente a pedir a Ban que desenhasse uma casa com pouca privacidade, de modo a aproximar toda a família: ele, a sua mulher, dois filhos e a sua mãe. Tal como escreveu “...que providencie o mínimo de privacidade para que os membros da família não se excluam uns dos outros, uma casa que dê a toda a gente a liberdade de praticar actividades individuais num ambiente partilhado, no meio da família unificada.” 6 A casa deveria também, segundo o cliente, ter o estilo de um armazém. Situada numa zona agrícola junto ao rio Shingashi, rodeada de arrozais e estufas, Ban acabou por se aproximar bastante da imagem de uma estufa, mais luminosa que o conceito inicial e sem abrir mão do pé direito duplo e da consequente grandiosidade volumétrica. Porém, vemos aqui que a ideia base é nada mais do que um espaço tipo armazém com pouca privacidade o que remete automaticamente para o loft. Sendo este, um símbolo de separação da família é antagónico que se trate de uma casa na qual moram três gerações. Como na casa que analisamos previamente, também aqui as únicas peças fixas são os módulos da cozinha e da casa de banho. Propõem-se uma zona de arrumações que, tal como a cozinha, pode ser aberta ou fechada através de uma cortina. As paredes da casa de banho
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MCQUAID, Matilda, Shigeru Ban, Phaidon, Nova Iorque, 2003.
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são as únicas paredes interiores fixas, mas até mesmo esta divisão pode ser aberta através da parede junto ao alçado. A característica que pensamos ser a mais notória e identitária desta casa, aquela que a diferencia de um simples espaço tipo loft e que lhe permite a mutação espacial, é o facto de que os quartos são caixas assentes sobre rodas com chão de tatami e algum espaço de arrumação pessoal que, graças às suas pequenas dimensões e leveza podem ser movidas livremente pelo utilizador ao longo de todo o espaço livre. Podendo abrir ou fechar os painéis laterais consoante a privacidade desejada. Estas células individuais, podem até ser levadas para o perímetro exterior da casa, de modo a que o utilizador possa comer, descansar, estar, desfrutando do ar livre num espaço coberto. As unidades são de dois tamanhos diferentes, dois maiores para os adultos e dois mais pequenas para as crianças e podem até ser associados formando um espaço mais amplo. A liberdade de deslocação dos módulos irá, de facto, permitir um infinito de soluções. Portanto, para além da alteração dos limites entre os diferentes espaços, criando mais ou menos subdivisões, as próprias divisões podem movimentar-se, alterando assim a organização do edifício e a relação entre elas pré-establecida. Assistimos como os quartos podiam ser empurrados pelos ocupantes, deslocando-se livremente por toda a área desocupada e até pelo exterior. A ideia de criar divisões que se movimentam, traz a possibilidade de reorganizar repetidamente o espaço, de modo conveniente à satisfação das necessidades de dado momento. É um conceito interessante em que noções supostamente simples e aparentemente inalteráveis, como “ o que é uma porta”, se alteram. Uma porta deixa de ser a passagem entre duas divisões e passa a ser entre várias. Podemos estar num espaço e atravessar a mesma porta para divisões diferentes. A Rotor House, é uma pequena casa de 36m2 desenhada no ano de 2004 pelo famoso designer alemão Luigi Colani (nascido em Berlim em Agosto de 1928) considerado um dos maiores e mais arrojados designers do séc.XX, percursor do biodesign. Conhecido pela infinidade de objectos desenhados, desde todo o tipo de automóveis, pianos, cozinhas, mobiliário de escritório, aviões, caixões, barcos, óculos, máquinas fotográficas, ratos de computador, fardas para a polícia de Amburgo… (e como vê-mos até arquitectura) e pela
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aerodinâmica que as formas orgânicas que defende conferem aos seus trabalhos. “…devemos procurar as soluções na superioridade da natureza. Se queremos enfrentar uma nova tarefa no estúdio, então é melhor primeiro ir lá fora e ver as respostas milenares que podem já existir para o problema.” 7 “ Eu vou seguir a filosofia de Galileu Galilei: o meu mundo também é redondo.” Neste pequeno espaço a sala pode estar ligada através da mesma passagem a três divisões diferentes, o quarto, a cozinha ou uma casa de banho (banheira e lavatório). As três divisões encontram-se dentro de um grande cilindro colocado num canto do espaço, que roda, impulsionado por um motor, sobre um eixo central. O utilizador após escolher a divisão a que pretende aceder, acciona, através de um comando, a deslocação da divisão de modo a que esta estabeleça comunicação directa com a sala. A pequena área não necessita portanto de zonas de circulação, (com excepção do percurso da entrada) visto que, em vez de me movimentar até à divisão que pretendo, ela movimentase até mim, percorrendo o espaço anteriormente ocupado por outro dos compartimentos. Não só desta forma o espaço se torna totalmente aproveitável, como dispõe ainda de três conjuntos espaciais diferentes, o que é uma forte vantagem dadas as suas dimensões extremamente reduzidas e quebrando certamente a típica monotonia de um espaço mínimo. Citação de Luigi Colani no site www.designmuseum.org/design/luigi-colani.
Vistas interiores da Naked House
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Com certeza que a partir do momento em que o espaço é vivido por várias pessoas em simultâneo suscitam-se em nós, que observamos, questões directas e pertinentes como: Quais as repercussões provocadas ao impossibilitar que, estando uma pessoa a utilizar o quarto outra usufrua ao mesmo tempo a cozinha? A concretização plena desta capacidade não foi ainda concretizada, mas foi, no entanto, já explorada até ao seu limite extremo. No filme de Vincenzo Natali intitulado “O Cubo” a acção dá-se integralmente em compartimentos cúbicos, ligados entre si e que juntos formam um cubo de grandes dimensões. Estas divisões movimentam-se ao longo do espaço, alternado as suas posições e mudando assim as comunicações entre um espaço e outro. A passagem que dava acesso a um dos espaços cúbicos passa a dar a outro que substituiu o seu lugar. É de facto muito semelhante ao chamado cubo mágico (cubo de Rubik), tanto na sua composição, (um cubo formado por outros cubos pequenos cubos todos com as mesmas dimensões) como no facto de estes pequenos cubos permutarem de posição dentro do grande cubo em que se inserem. Infelizmente para os seus habitantes eles não tinham controle sobre o movimento efectuado pelos compartimentos. Os movimentos obedeciam a uma sequência lógica que tinham de perceber para conseguir sair. Neste “edifício” não conseguimos entender como funciona o mecanismo que impulsiona o movimento das divisões, ele é levado a um extremo tal que apenas pode pertencer ao mundo do fantástico. No entanto, são já comuns nos nossos tempos mecanismos que nos fazem idealizar como será porventura possível mover de tal forma as posições entre as diferentes divisões de um edifício. Pensemos num parque de estacionamento mecanizado, em que o sistema automático que transporta os veículos transportaria caixas habitáveis, contentores.
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Rotor House
Mutabilidade da Forma O objecto tetradimensional. Casa Gucklhupf, Hans Peter Worndl. Quando falamos em objectos tetradimensionais referimo-nos, normalmente, a objectos com quatro dimensões físicas, tal como o hipercubo ou a hiperesfera, que são, respectivamente, o equivalente ao cubo e à esfera (tridimensional) deste espaço com mais uma dimensão. Contudo a quarta dimensão espacial não existe ou não é ainda conhecida no nosso Universo. O seu estudo é baseado em suposições e visualizações de Universos hipotéticos. Teoricamente, se uma hiperesfera se intercepta-se com a nossa realidade com apenas três dimensões espaciais, atravessando-a, apenas veríamos uma esfera a aumentar e depois a diminuir, pois não temos percepção da quarta dimensão. Tal como quando uma esfera atravessa um plano bidimensional nasce nela um círculo que aumenta, diminui e finalmente desaparece. O habitante deste mundo bidimensional não poderia ver a esfera em movimento, pois a sua visão é bidimensional, limitada ao mundo em que habita. Sem percepção do que se encontra fora dele, vendo então apenas a intercepção da esfera com o seu mundo. Do mesmo modo a nossa visão seria apenas tridimensional. Todavia isto seria apenas teoricamente, pois falamos de um mundo hipotético. De facto o nosso mundo não é um mundo tridimensional, pois existe realmente uma quarta dimensão, apesar de não ser espacial. As quatro dimensões que o nosso Universo possui são as três dimensões físicas e a dimensão temporal, ou seja o tempo. E tal como Einstein refere na
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sua Teoria da Relatividade, estas estão estritamente relacionadas, contrariamente à visão de Newton em que existe um espaço geométrico e o tempo seria um elemento diverso. O nosso Universo é um espaço/tempo. Descobrindo-se uma quarta dimensão espacial o objecto inserido nesse espaço teria então cinco dimensões. Se voltarmos atrás veremos que ele esteve sempre presente, pois o movimento não é possível sem a dimensão tempo. Se tivéssemos neste espaço/temporal a percepção da quinta dimensão, não teríamos a percepção do tempo como uma linha recta, podendo por exemplo vermo-nos noutra altura das nossas vidas, se essas duas variáveis tempo se interceptassem. Logo, quando dizemos que uma cadeira é um objecto tridimensional, entendemos que, isso seria apenas possível se a colocássemos num Universo paralelo em que o tempo não existisse. Encontrando-se então ela estática, inalterável, indestrutível, para sempre congelada num espaço sem tempo. “ Essa possibilidade impossível de um espaço sem tempo – por isso sem movimento – e esse estar fora da realidade, um espaço que escape à acção dominadora do tempo ao desgaste do movimento. Mas que simultaneamente já não é lugar algum, porque é uma impossibilidade, um limite. Não existe um espaço sem estímulos, - nunca poderemos estar totalmente fora da realidade -, um espaço que não produza movimento e que não provoque emoção, que não projecte, que não crie. Seria apenas o homem parado e inerte, em frente a uma espécie de espelho da alma, num eterno instante e numa eterna loucura. Não há futuro dentro desta caixa, apenas o silencioso branco da ilusão e da demência.”
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De facto, na nossa realidade podemos ver como pode ser movimentada, deformar-se, deteriorar-se. Obviamente quando dizemos que um cubo tem três dimensões é porque nos referimos a ele como um elemento geométrico, pertencente a esse Universo imaginário, onde tantas vezes recorremos para visualizar a arquitectura. Onde ele pode ser “feito de nada”; pois quando ele se encontra na nossa realidade não é somente uma forma, é feito de algo e está sujeito às acções do tempo. Passando a ser, tetradimensional.
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Retirado do texto de Pedro Bismarck, Architecture is (e)motion, para a revista Dédalo, o arquitecto no labirinto nº2.
Podemos então considerar genericamente que qualquer objecto da nossa realidade é tetradimensional. Todavia, aquele de que tratamos, é somente o objecto cujas coordenadas variem ao longo do vector tempo. Aquele que não seja possível de representar correctamente, sem que se especifique em que coordenada tempo. Ou seja, o que tenha movimento em si. Como dissemos, o movimento não é possível sem a dimensão tempo. Trata-se, assim, apenas daquele objecto que não poderia existir em tal Universo sem tempo. Isto é, poderia se congelado como esta tal cadeira, mas que, ao contrário dela, perdesse informação indispensável. Como uma televisão em que o filme é posto no pause e em que não conseguimos ver a historia. Logo, o objecto tetradimensional é aquele que depende da quarta dimensão simplesmente para ser ele próprio. Toda a arquitectura mutável possui estas características, de facto, é um dos factores que mais facilita a sua diferenciação relativamente ao resto da arquitectura. Sendo assim qualquer objecto arquitectónico que possua movimento próprio é aqui considerado. Contudo, atendamos agora ao momento no qual conseguimos captar esse movimento a partir do seu exterior. Vejamos, a casa Gucklhupf de Hans Peter Worndl, situada em Mondsee, na Áustria e construída no ano de 1993. Ela varia entre um paralelepípedo perfeito, aparentemente impenetrável e um sólido radicalmente irregular onde planos se precipitam aleatoriamente sobre o espaço circundante. A apropriação humana da arquitectura é o motor do movimento, da mutação. À medida que a utilizamos, abrindo os seus painéis de contraplacado para usufruir de diferentes enquadramentos da paisagem, assistimos a uma descontrução total da forma. Múltiplas combinações que geram múltiplas formas de um mesmo objecto. Instabilidade volumétrica que alude ao movimento. À força atractiva da imagem cinética, viva.
Arquitectura dinâmica. Monumento à III Internacional, Vladimir Tatlin e Torres Dinâmicas Dubai e Moscovo, David Fisher Vladimir Yevgrafovich Tatlin, arquitecto do construtivismo russo, foi o precoce fundador em 1920 com o Monumento à terceira internacional, do que hoje viríamos a entender por
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arquitectura dinâmica. Este símbolo de vanguarda contemporânea alude ao estilo de vanguarda com quase um século de existência. O projecto, também conhecido por torre de Tatlin, consistia numa torre de ferro, vidro e aço que haveria destronado a torre Eiffel visto que era um terço mais alta que esta. Formado por duas espirais gémeas que envolviam três blocos de edifício cobertos por janelas de vidro, que se destinavam a alojar escritórios e salões. Estes possuiriam movimento rotativo a diferentes velocidades (o primeiro, um cubo, uma vez por ano, em seguida uma pirâmide, uma vez por mês e por fim um cilindro, uma vez por dia). Todavia o elevado orçamento tornou impraticável a construção da torre. O paradoxo do estilo da afirmação da revolução Leninista, que advogava a produção em massa, no qual Tatlin, o seu visionário, afirmou, não o velho, não o novo, o necessário. Que resultou no megalómano. Visões utópicas que não saíram do papel. Nos dias de hoje, através do desmedido desenvolvimento técnico tornou-se possível, porém, pôr em prática tal conceito. Obviamente materializado por um projecto totalmente distinto, mas que partilha esses mesmos objectivos que definem a arquitectura dita dinâmica. Ou seja, um edifício que modifica repetida e constantemente a sua forma, através de um sistema automático incluído, que responde directamente à vontade de um ou mais utilizadores, dentro das possibilidades previstas. O arquitecto italiano David Fisher comunicou em Junho de 2008 a “luz verde” para a construção das primeiras torres rotativas do mundo. O primeiro edifício de vários edifícios previstos será construído no Dubai e terá 79 andares. Este poderá ter um número interminável de formas, pois cada piso será capaz de rodar independentemente dos restantes sobre um eixo vertical central fixo. Modifica-se a forma, e com ela a relação entre interior e exterior de maneira profundamente particular, pois cada espaço pode usufruir de diferentes vistas a cada momento, girando numa amplitude total de 360º. O sistema será activado por voz, pelo habitante, a partir de cada andar. A independência da activação do movimento irá potenciar padrões dessincronizados na sua imagem geral, que tornam a coreografia da sua mutação volúvel. Como se o objecto tivesse “vida e vontade própria”. A personificação da máquina. As primeiras questões a surgir após esta apresentação são acerca da viabilidade deste projecto. De se realmente o benefício da modificação das vistas interiores e da imagem
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do edifício contrabalançam o presumível aumento dos custos de obra e o pesado incremento no dispêndio de energia ao longo da vida do edifício. Se o projecto se trata de mais uma construção fantasiosa, como tantas outras nesta cidade, totalmente desenquadrada da realidade do resto do mundo. Segundo Fisher, a energia será fornecida através de turbinas eólicas cujas pás serão colocadas entre cada piso. Assim sendo, o edifício torna-se não só ecológico e totalmente auto sustentável, mas possuirá ainda capacidade ainda de fornecer energia a edifícios vizinhos. Afirma ainda que será cerca de 10% mais económico e a sua construção seis vezes mais rápida que um arranha-céus tradicional com as mesmas dimensões, pois será inteiramente prefabricado, reduzindo drasticamente o número de trabalhadores necessários na obra. “De hoje em diante poderíamos esquecer o antigo modo de construir. Hoje tudo é feito em fábricas.”…”Os edifícios deveriam ser feitos em fábricas.”
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Confirma-se também a construção de um destes edifícios em Moscovo. Fisher pretende construir ainda em Nova Iorque e existem já diversas encomendas vindas da
(em cima) desenho da Torre Tatlin e imagem 3D da Torre Dinâmica. (em baixo) esquemas da técnica de construção pré fabricada , planta e corte da torre dinâmica
Alemanha, Canadá, Coreia do Sul e Suiça. Como vemos não se trata de um simples novo edifício, mas da vontade de desencadear um fenómeno mais abrangente, uma nova ramificação da arquitectura. Na sua estimativa, “ Estes edifícios abrirão novas perspectivas ao nosso redor ”
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Superfícies. A resposta electrónica ao estímulo. Hyposurface, DECOI e Mark Goulthorpe A Hyposurface, foi desenvolvida para um concurso de elaboração de uma obra de arte interactiva para o foyer do Birmingham Hippodrome Theatre. Por sua vez, trata-se de uma superfície formada por pequenas faces metálicas todas interligadas, fixadas cada uma a um pistão pneumático que se movimentam em 9
David Fisher na entrevista para o canal de televisão BBC a 24 de Junho de 2008.
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Citação de David Fisher no site www.dynamicarchitecture..net/home.html.
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resposta a estímulos do ambiente circundante. Tal como movimentos, sons, luzes, etc… A reacção é instantânea pois o sistema está ligado a computadores que utilizam tecnologias de última geração (Information Bus) processando os estímulos em tempo real. Este elemento tem, evidentemente, capacidade de mutação contínua da sua forma. Todavia de um modo excepcional, pois, não só não é simplesmente movida directamente pela acção humana do utilizador, mas é impulsionada por este sem que ele possa antever a acção dai decorrente. Perante a Hyposurface o sujeito interage com o objecto tal como se este fosse um organismo vivo desconhecido. Ele move-se a partir da sua atitude, mas a pessoa não possui informação para descortinar a reacção dai decorrente. Compreende que vai provocar movimento, mas não pode prever exactamente qual. O observador será surpreendido. Daí que não recorra à transformação com uma intencionalidade prática de utilização. O espaço não está ao seu serviço. Este pode ser accionado pelo ambiente ou simplesmente préprogramado. “A Hyposurface permite ao participante conectar -se e interagir com uma massiva e poderosa força. É como controlar uma cascata.”
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“A superfície comporta-se como um líquido precisamente controlado: ondas, padrões, logótipos, até texto emerge e desvanece continuamente dentro desta superfície dinâmica.” 12 Outro ponto importante é que se trata, pelo menos para já, apenas do movimento de um plano: parede, tecto, chão. O efeito magnético da superfície em movimento contínuo transporta-a, nesta fase, para o sector publicitário e de entretenimento mais até do que para o universo puramente arquitectónico. A potencialidade é, no entanto, imensa em todos estes sectores. Uma outra variante destas superfícies volúveis é o revestimento do Articulated cloud; um museu para crianças em Pittsburgh da autoria de Ned Kahn em coloboração com Koning e Eizenberg. Podemos considerar esta pele em certos aspectos como sendo uma “Hyposurface natural”. Mas porquê? Em que sentido?
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José Juves, Director das relações públicas, Biogen Idec na BIO, disponível no site http://.hyposurface.org.
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http://.hyposurface.org.
Em primeiro lugar, exactamente por se tratar da transformação da pele do objecto. Ao contrário de certos casos, como as “torres rotativas” de David Fisher, que acabamos de observar, em que os movimentos estão entranhados na estrutura do edifício, aqui a alteração da forma deve-se a um simples ondular da superfície, muito embora a Articulated cloud seja apenas capaz de movimentos muito mais subtis. Em segundo lugar a semelhança sentida deve-se a nesta situação o observador também não saber como se vai mover o objecto. Porém, na Articulated cloud, não só o utilizador não poderá antever a “reacção” do objecto, mas é, para já, o único de todos os casos expostos em que este não pode intervir de modo algum na transformação decorrente. Não é o homem que suscita o movimento. Nem tão pouco qualquer motor ou mecanismo; daí a termos apelidado de “natural”, pois na realidade é a simples acção directa do vento que gera o movimento. O vento incide sobre os pequenos quadrados de plástico branco translúcido, montados sobre uma estrutura em alumínio que cobrem toda a fachada. Em conjunto, estas peças formam um jogo visual que transmite ao observador a sensação de estar perante um enorme pano esvoaçante.
Imagens da Hyposurface
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Mutabilidade sem metamorfose Manipular a informação. Blur Builng, Diller e Scofidio e Potsdamer Platz 10, intervenção United Realities Algo que o Allianz Arena de Herzog e de Meuron, o Blur builing de Diller e Scofidio e o Potsdamer Platz 10 durante a instalação da Realities United tem em comum, é que, não obstante tratarem-se de edifícios estáticos, sem instrumentos que lhes permitam manipular qualquer das suas dimensões, qualquer das suas formas, proporções ou relações espaciais tem ainda consigo a idoneidade de se transformar a outros níveis também eles físicos. Todos os três a partir de aproximações distintas - cor/ neblina/ imagem - podem manipular a nossa fugaz percepção da sua forma, mas não a sua forma em si. Apenas a sua imagem. Alteram apenas a sua projecção visual, atravessando os limites do que é a disciplina da arquitectura, fundindo-a com os caminhos que lhe permitam complexar o significado de uma imagem. Complexar não significará somente acrescentar informação mas poderá significar diminui-la. Encobri-la, atirando a procura da realidade para o mundo da imaginação. Tal como a neblina que envolve o Blur Building. Implantado sobre o lago Neuchatel, durante a Expo 02 na Suiça, bombeava água do próprio Estádio Allianz Arena em Munique
lago que era filtrada e pulverizada através de 31500 aspersores de alta pressão, montados num esqueleto metálico, sobre uma ampla plataforma oval. Tentando simular a neblina natural que paira sobre o lago e esconder-se por trás dela.
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O blur tem capacidade de camuflagem. Imita o seu meio ambiente procurando confundir-se com este. A imagem resultante é complexa. Não vemos o edifício mas, curiosamente, vemos as passagens que o ligam à margem. Percursos que se dirigem para o meio do lago, pontes que caminham para dentro de uma nuvem. Uma poesia utópica que já todos imaginamos – caminhar pelas nuvens. Aqui a mutação pretende dissimular a informação, produzir um efeito de suspense, um mistério que nos faça questionar. Ocultar a forma do edifício, os seus materiais, qualquer percepção da sua realidade. Ao caminharmos ao seu encontro como numa passagem para o desconhecido, assistimos a uma progressiva deformação da matéria. Já não é apenas a vista sobre o edifício mas toda a visão à nossa volta se torna difusa. Ouvimos pessoas mas não as vemos, vemos apenas vultos. “É como entrar num meio habitável, sem forma, sem características, sem profundidade, sem escala, sem volume, sem superfície e sem dimensões.” 13 Perdemos todas as referências visuais. Desorientados e envoltos neste fenómeno natural tantas vezes associado a fenómenos inexplicáveis, à fronteira entre a realidade e o oculto. Quando no conto de Stephen King, The Mist (neblina) – editado em 1980 na antologia de terror, Dark Forces – ele é o centro de todo o suspence, o autor simplesmente manobra esse poder da sua conotação. No enredo desta história, uma neblina espessa instaura o medo pois
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Citação de Diller e Scofidio acerca do seu projecto em, JODIDIO, Philip, Architecture now 3, Taschen, 2004.
(à dir.) Estádio Arena Munique e torre Uniqa em Vienna (em baixo à esq.) ambiente dentro do nevoeiro do blur building (em baixo à dir.) entrada do blur building
esconde o cruzamento com outro mundo onde insectos sobre desenvolvidos estão agora no topo da cadeia alimentar e rapidamente se apoderam do nosso. Trata-se sobretudo de uma performance que pretende ser uma experiência social. Expor pessoas a situações das quais não detenham o controle e tentar perceber quais as suas reacções, limitando a informação que lhes é fornecida para que as sensações sejam inesperadas. Exaltar a dualidade entre a protecção e liberdade sentidas quando não estamos expostos aos olhares alheios e a sensação de impotência o receio do desconhecido. Contrariamente, no estádio de Munique Allianz Arena, dos arquitectos Herzog e de Meuron, estamos perante um acréscimo de informação, que é tão simples e tão prático como saber que equipa da casa irá jogar dessa vez. Vermelho significa FC Bayern, azul TSV 1860 e branco que se trata de uma equipa de fora (as três cores podem ainda ser combinadas). Este edifício em forma de pneu, construído em 2005 utiliza a luz e cor também como intensificador do seu efeito visual. A luz colorida transparece a partir de finos painéis de ETFE, um tipo especial de polímero, (o mesmo material de revestimento do “cubo de água” em Pequim) insuflados com uma baixa pressão de ar e iluminados a partir do interior por mais de 5300 lâmpadas. É importante pensar que para além da informação acrescentada, a cor influencia as emoções,
o estado de espírito e a percepção do espaço/volume. O Museu Lentos de Weber & Hofer em Linz na Áustria procura essa influência. Sem nenhuma mensagem implícita
espelha
variações
de
cor
puramente
sensoriais. O Kunsthaus Graz de Peter Cook e Colin Fournier, também na Áustria, não utiliza a cor. É através de jogos de formas de luz que atinge o patamar da comunicação. Porém, o Potsdamer Platz 10, um edifício de escritórios em Berlim, aquando da instalação Plots por parte do grupo Realities United, incorporada na sua fachada
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frontal, foi ainda mais longe, tornando-se num “edifício/televisor”. Numa escala mais contida, pontos de luz/cor concebidos por cerca de 1800 lâmpadas fluorescentes convencionais rectas e circulares, formavam um ecrã de baixa resolução, sobre a fachada de vidro deste edifício de 11 andares. Um computador central através do sistema bus controla as lâmpadas individualmente, produzindo imagens pixelizadas com movimento.
Aqui as imagens são parte integrante da arquitectura. Não se trata de um ecrã gigante colocado sobre um edifício para fins informativos ou publicitários. A instalação Plots quando aplicada no edifício fundiu-se neste. É uma fachada alternativa, constituída por um conjunto de camadas - as luzes, filtros com padrões geométricos coloridos e uma membrana envolvente de vidro - que procuram tornar-se numa intervenção artística. Uma actividade cultural que interfere de modo activo na cidade. Uma performance arquitectónica que acompanha os ritmos da sociedade contemporânea, com uma responsabilidade de uma introspecção social. Um edifício que é um meio alternativo público de comunicação social que produz um forte impacto numa zona de grande movimento. É portanto, o edifício em si que projecta as reproduções de animações, o seu movimento. A alteração de imagem para imagem de modo repetido, neste caso contínuo, é a aptidão que tem de se transformar. Um fenómeno físico luminoso sem qualquer variação real da forma. O edifício mass media vem acrescentar informação sobre o entendimento da sua imagem ou de qualquer outro edifício comum. A arquitectura apoiou-se noutras disciplinas para assim conseguir comunicar mais facilmente com a sua envolvente, a sociedade, de modo mais abrangente, transparente e produtivo e principalmente para poder alterar a sua mensagem sempre que deseje. Quer através das sequências de filmes (faces humanas com diferentes expressões, bailarinas a dançar…) ou inscrições de frases, (Do you feel free?ou Will war end?...), a mutação oferecelhe a capacidade de fabricar vários significados, de traduzir mais ideias. Ao ler uma frase com uma mensagem forte, penetrante ou ao ver um rosto humano criam-se sensações, emoções, opiniões, pensamentos vividos pelo observador que vão acompanhar as mudanças desta arquitectura.
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Em soma, a transformação não metamórfica existe como uma manipulação da nossa percepção. Uma metamorfopsia
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provocada, orquestrada que engloba ambiguidades tais
como a informação/imagem e o filtro/neblina.
Kunsthaus Graz e Potsdamer Platz 10
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Do Gr. metá, mudança + morphé, forma + ópsis, vista.; defeito da visão que altera a forma e o tamanho dos objectos.
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Versatilidade espacial O espaço em branco. Lofts e outros open space. Um espaço versátil na sua componente espacial é, antes de mais, um espaço livre. É como uma folha de papel lisa, em branco, em que podemos desenhar a lápis com uma borracha na outra mão. Podemos desenhar, apagar e voltar a desenhar livremente, mas nunca haveremos de poder mudar os limites da folha. Curioso é que este “nós” não se refere à classe dos arquitectos, mas sim a nós, os ocupantes. Existe uma intencionalidade por parte do arquitecto de criar essa qualidade num espaço, quer por condicionantes técnicas e programáticas (que se impõem sobre a sua avaliação pessoal) quer por pura vontade. É nesta última, quando a intenção é voluntária, que se despoleta toda a sua potencialidade. Nesta situação ele é livre de ser reorganizado e cabe ao utilizador desfrutar desse jogo que é a invasão de um espaço. A apropriação do open-space gera uma pseudo-mutabilidade espacial ilimitada. Mas a que nos referimos concretamente? Na nossa apreciação são duas as questões principais: a) Primeiro, temos aquilo a que chamamos uma falsa mutabilidade. Isto significa que o edifício é susceptível de comportar transformações espaciais, mas os meios que podem proporcionar a reestruturação do espaço interior não foram soluções integradas no projecto, não sendo portanto parte do edifício, da sua arquitectura. O desenho deixa, porém, em aberto qualquer decisão relativa à organização, tornando possível
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que as soluções venham a ser criadas pelo habitante a partir de elementos adjacentes, neste caso elementos de design. Portanto, não existe mutação da organização espacial, pois a arquitectura é irremediavelmente estática, mas o mobiliário permite mesmo assim concretizar certas reestruturações do espaço. Um plano, como por exemplo, um biombo poderá não ter um efeito tão maciço como o de uma parede, mas certamente que também secciona espaços, redimensionado as suas dimensões, proporções, gerindo até o número de compartimentos e relação entre eles, de modo menos sólido, mas mais livre. b) Outro ponto de referência, será que encaramos esta pseudo-mutabilidade como sendo ilimitada. Isto porque o utilizador não é prendado, mas nem tão pouco é restringido por opções do arquitecto. Não há distribuição nem especialização das divisões e seus limites. Terá então o ocupante de se consciencializar de que é a ele que cabe tomar um papel activo e apelar à sua própria criatividade para adaptar o espaço às suas necessidades. Todavia terá a ganhar com isso uma gama de opções que poderá estender-se até onde a sua imaginação e os meios que possuir para a concretizar o levarem. Em teoria assistir-lhe-á a possibilidade de atingir um número infinito de soluções possíveis. Beneficiará, consequentemente, da vantagem do “ilimitado” sobre a desvantagem do “pseudo”. Os espaços alvo deste tipo de transformação, são geralmente, de tal modo flexíveis espacialmente, que caso os factores envolventes e o tipo de acessos forem favoráveis, podem mudar facilmente de função. O actualmente tão divulgado, pavilhão multiusos – edifício que alberga o mais variado tipo de eventos públicos, erguido de município em município ao longo de todo o nosso país – é fundamentalmente um amplo espaço livre, um open space, consequentemente, também ele versátil, induzido para a multi-funcionalidade. Tipo de transformação que iremos abordar mais à frente, aplicada a outro tipo de espaços. Quando associamos este tipo de espacialidade à habitação é importante reter que a sua origem não se deveu à determinação do arquitecto em explorar novos habitares. Tudo se tratou de uma alteração da sua função prévia por parte de um habitante. Este fenómeno teve a sua origem nos anos 60 na cidade de Nova Iorque, impulsionado pelos
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ideais emergentes da contra-cultura que se materializaram na Factory de Andy Warhol, que foi o rastilho do despoletar da procura desta casa-oficina. Um dos exemplos mais significativos de espaços propulsores de pura transformabilidade versátil. Como já afirmamos, neste modelo não houve, da parte do arquitecto, uma intenção de procura de um espaço transformável. O arquitecto projectou este espaço anteriormente para uma função que não foi a que sugeriu a transformabilidade. Não foi portanto vontade do arquitecto fugir aos padrões estabelecidos, ao contrário de outras situações que já analisámos. Foi o próprio utilizador que procurou um novo modo de estar através de um espaço já existente, em que é modificada a sua função. Anteriormente um armazém ou um edifício industrial de grandes dimensões, geralmente datado do final do séc. XIX e localizado numa zona central e economicamente decadente e portanto de baixo custo – converte-se agora em habitação. Daí que não se enquadre espacialmente nos padrões estipulados do habitar, visto que não foi desenhado para tal. De facto o loft está associado aos ideais da contra cultura, oposição aos pensamentos do positivismo, o antiautoritarismo, o abandono da célula familiar em busca do espaço próprio, da independência. Daí que se trate de um modo diferente de habitar e portanto tenha a liberdade de não ter de obedecer as mesmas regras funcionais. Não existe a necessidade de criar separações, para além das camas e da casa de banho, e que são geralmente ténues. O espaço foi libertado das preocupações da privacidade, intensa no seio da família, explodindo assim com todas as compartimentações “supérfluas”. O espaço existente é um open space, normalmente de grandes dimensões de área e volume total, e daí propenso a transformações, por se apresentar como um espaço totalmente livre. O espaço de trabalho, de dormir, de estar, de comer são um só, em que a suave subdivisão e posição são entregues à vontade do sujeito, podendo este alterá-la como e quando pretender. A plena apropriação do espaço. Embora, perante este caso, nos tenhamos debruçado sobre os novos sentidos da função, não obstante não ser esta a transformação em destaque – a relevância está latente pois este acontecimento abriu um novo capítulo para o mundo daquilo que intitulamos a versatilidade na arquitectura. O open-space na habitação passou, a partir deste ponto, a ser aceite e instituído como nova forma de habitar. Sempre que, declaradamente, apenas por classes específicas da população que se identificam com a conotação da casa/loft à irreverência artística e à sua simbologia libertadora.
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Arquitectura ou design? A Murphy bed. Sobretudo quando decompomos a versatilidade espacial inteiramo-nos da estreita barreira entre arquitectura e design. Quando por exemplo há pouco nos referimos a um armário ou um biombo que secciona e organiza o espaço. “O design tem limites pouco definíveis, sendo parte de um processo, sem soluções de continuidade, que inclui igualmente plano e projecto. O desenho de mobiliário, por exemplo, não pode abstrair-se da concepção do espaço a que pertence, enquanto ao mesmo tempo a obtenção de uma correcta relação entre escalas diversas depende também das possibilidades de uso de cada uma das partes. Existe portanto uma relação, e em conjunto uma clarificação recíprocas, definidas por dois extremos.” … “…pensar a cidade, pensar o edifício, pensar o móvel. Cada uma destas actividades depende das outras.” 15 No desenho dos interiores, a arquitectura e o design aproximam-se, sendo por vezes difícil dizer onde um começa uma e o outro acaba. Fundem-se tanto as suas formas, como as suas funções. “...os móveis materialmente unidos à arquitectura, os elementos arquitectónicos prolongam-se para as mesas, as cadeiras, os armários.” 16 Quão difusa é a distinção entre um painel, uma parede, um armário, um biombo, quando falamos de dimensionar e delimitar um espaço? São de facto objectos diferentes, mas não cumprem funções semelhantes? Se colocarmos um mero painel de madeira a dividir um espaço em dois de que se trata? De arquitectura? E se lhe acrescentarmos umas prateleiras? Até que ponto tem um armário de ser encastrado na parede para se dissolver na arquitectura? Claro que encontramos resposta para estas perguntas mas ela poderá não ser consensual. Iremos presumivelmente reparar que as nossas opiniões não
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SIZA, Álvaro, Imaginar a Evidência, Edições 70 LDA, Lisboa, 2006.
Gerrit Rietveld, acerca da casa Rietveld Schöder, em KUPER, Marijke e ZIJL, Ida Van, Gerrit Rietvelt, l’ouvre complet 1888-1964, Central Museum Utrecht, Amesterdão, 1992.
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(à esq.) Andy Wharol a trabalhar no seu loft; Velvet Hunderground e Nico, Andy Wharol LP; desenho de uma Murphy bed (em baixo) loft , retrato de Jackeline Kennedy e fotografia de Andy Wharol
serão totalmente convergentes com as de outros. É curiosamente através de elementos de design/ mobiliário que surgem as primeiras intenções/ ideias de criar espaços transformáveis na modernidade. Pode-se quase proferir que a arquitectura transformável dos tempos modernos nasceu do design. Logo no início do séc. XX, nascem criações que se relacionam estritamente com a necessidade de mutação do espaço. Nesta fase podemos afirmar que a necessidade veio incentivar a procura de soluções para rentabilizar ao máximo o espaço existente. A vida citadina emergente trouxe consigo a redução da unidade do espaço habitável, devido obviamente ao aumento da concentração de pessoas em determinadas localizações. Uma época em que se criam novas necessidades e novas capacidades e dai a investigação de novas soluções. Em 1885 Sarah E. Goode – uma mulher afro-americana nascida escrava e libertada após a guerra civil americana inventou a chamada “hideaway bed ”. Sarah era dona de uma loja de mobiliário. Muitos dos seus clientes confessam a carência de espaço nas suas casas, a dificuldade acrescida pela cedência de área às camas. Esta criação trazia a solução pois consiste numa cama que se dobra, transformando-se numa secretária. Posteriormente, em 1916, William L. Murphy nascido em 1876 na Columbia, California inventou a chamada Murphy bed: uma cama que rebate para dentro de um armário que se encontra na sua cabeceira (embutido ou não). O objectivo desta cama é igualmente a libertação do espaço em que se encontra. Murphy morava em S. Francisco com a sua mulher numT0 no qual a sua cama tradicional ocupava a maior parte do espaço. Murphy gostava de receber convidados, daí a ideia de criar esta peça de mobiliário. Pode dizer-se que, neste caso, a necessidade aguça o engenho. Ambas as criações não só libertam área como oferecem a possibilidade de um espaço que se destinava ao repouso (o quarto) dar origem a várias outras oportunidades de utilização. Pela simples ocultação da cama, permite-se que toda a divisão mude de função, porque o que era anteriormente claramente um
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quarto, (por ai se encontrar a cama, objecto que força essa designação e uso) se transforma em espaço de estar privado ou público da casa. A maior procura destas peças de mobiliário transformáveis e transformadoras do espaço que as rodeia deu-se entre os anos de 1920 e 1930. Curiosamente, trata-se da época em que foi projectado o maior primeiro exemplo deste pensamento de transformações espaciais internas aliado à arquitectura moderna, a casa Rietveld Schöder. (De notar que o projecto de Vladimir Tatlin à III Internacional data igualmente de 1920, ambas as datas referentes à retoma do pós
(à esq.) cegonha a entregar uma casa, de John Gloag, ‘House outof the factory’ (à dir.) Loftcube a ser transportado por um helicóptero
guerra, período entre as duas grandes guerra mundiais).
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Transportabilidade Neonomadismo. Loftcube, Werner Assilinger. Ouvimos actualmente falar do neonomadismo, ou seja do novo nomadismo individualista decorrente das novas facilidades de mobilidade. Tanto as efectivas deslocações através dos transportes, como as imaginárias que os mass media nos proporcionam, tornaram os países e suas cidades virtualmente mais próximas. Fizeram expandir o Universo de cada um de nós. Aproveitamos as oportunidades desse mundo agora mais à mão, adoptando um estilo nómada e espontâneo em alternativa à costumada vida estática urbana. “Não admira que logo muitos de nós queiram tornar-se nómadas permanentes, caracóis com casas nas nossas costas, homens das tribos Tuaregues e Ciganos.”
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Quer por necessidade (precariedade ou imposições laborais) ou simplesmente por vontade, habitar várias realidades e vários lugares por certos períodos de tempo, torna-se mais comum e mais simples. As deslocações são mais rápidas, mais baratas e mais fáceis. Seja para estudar, trabalhar ou simplesmente para viver uma cidade diferente, vários de nós têm de recorrer a habitações ditas temporárias. Logo, os edifícios que gozam do atributo de poderem ser implantados em locais vários vezes sem conta, nascem para acompanhar o seu habitante nesta nova realidade e gerar um neonómada, que em vez de se ver obrigado a procurar novo refúgio nos seus novos habitats, 17
Poeta Andrei Codrescu, na sua introdução do livro Mobile: The Art of Portable Architecture, de Jennifer Siegal.
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desloca-se com o seu próprio abrigo. Quer transportados em camiões, helicópteros, por gruas, estes edifícios são realmente versáteis, ao adequar-se facilmente ao desconhecido, oferecendo várias opções de envolvente – um espaço sem fronteiras. Num paradoxo, é a tecnologia que nos permite sentir um pouco aquele tuaregue a viajar de deserto em deserto, acompanhado pelos seus bens, entre os quais aquilo que nos é mais próximo, nos identifica, nos lembra quem somos. Livre, independente, procurando pelas suas oportunidades onde quer que seja. O neonómada é, na verdade um falso tuaregue pois é só aquilo que a nossa sociedade hipnótica, cataléptica, invencível, incontornável, irresistível o permite ser. Até para se libertar dela utiliza os meios que ela própria põe ao seu dispor, as facilidades, comunidades que a tecnologia criou. A nova mobilidade. Para o ser precisaria lutar contra ele próprio, contra os tentáculos invisíveis com que nós próprios nos prendemos a essa grande âncora que é o que conhecemos, o que nos é familiar. Somos dependentes da comunidade a que a tecnologia nos habituou, um vício induzido lentamente. Ao mesmo tempo, somos dependentes da segurança que a sociedade nos dá. Temos receio de a perder. Do consumismo que chega ao pormenor mais peculiar. Em tudo somos dependentes. Por ironia nos dias que correm até os próprios tuaregues cuja incursão nómada é ancestral, lutam agora contra a aculturação que os forçam a abandonar gradualmente o seu estilo de vida independente e auto sustentável. Quando nos referimos ao neonómada como um falso tuaregue não pretendemos atribuirlhe uma conotação de sentido crítico, naturalmente que não aspirávamos que fosse um verdadeiro, muito menos o ambicionava ele próprio. Chamamos-lhe falso tuaregue no sentido em que ele é o tuaregue da nossa sociedade. Tuaregue é a personificação da parte do espírito do neonómada, a vontade e esperança de encontrar novas soluções em novos lugares, que
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o levou a contrariar a sociedade e libertar-se de centenas de anos de uma cultura sedentária enraizada. Cultura esta que repudiou a arquitectura dita efémera, não concebendo a ideia de habitar algo que não é estável e fixo. Limitou a sua produção de arquitectura transportável a “caixotes sem alma “, meros pré-fabricados rudimentares destinados a programas provisórios ou apoios de férias. Sociedades como a americana, porém, nunca tiveram esta cultura. A arquitectura transportável é deveras muito comum. Quem ainda não viu a imagem da típica casa americana a ser transportada por um atrelado? (à esq.) hotel Everland sobre o lago Neuchatel, em transportação e sobre o Palácio de Tókio em Paris. (em cima) entrada do hotel Everland (em baixo) casas transportáveis em Hudson Valley, Becan, EUA e Loftcube
Para um americano, a arquitectura não é sinónimo de durabilidade, rigidez, estabilidade, de implantação perene e muito menos de fundações. A casa pré-fabricada móvel arrecada uma grande fatia do mercado imobiliário. O lotfcube – desenhado por Werner Asslinger em 2003 – é um exemplo que entra nessa ordem de pensamento, implementado porém na nossa cultura europeia. Essa ideia de viajar com a casa “às costas”. É uma pequena habitação que pode ser transportada por helicópteros ou por gruas, que procura implementar-se em grandes centros urbanos. Isto muito embora a sua mobilidade seja alargada a quaisquer outros meios. Não se trata apenas um edifício mas de uma linha de produção que pretende atender a essas novas necessidades de um modo expressivo. Aproxima-se, por conseguinte do design industrial, de um objecto de produção em série, produzido e depois distribuído. Uma concepção anómala para a arquitectura. Uma das ideias base era ser colocado nas coberturas dos prédios
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da cidade de Berlim, de maneira a tirar partido destas imensas áreas desaproveitadas, onde não falta espaço exterior, boa exposição solar e vistas favorecidas, gozando, assim, das suas infinitas soluções. Criando “comunidades das coberturas”. Mesmo após esta aproximação visível da cultura europeia à vontade crescente de criar arquitecturas leves e móveis e tentar implementá-las no mercado da habitação, está sempre presente a ideia de um edifício transportável como um objecto. Uma caixa na qual se habita de forma peculiar e alternativa ou mesmo excêntrica, e jamais uma simples casa que habitamos como qualquer outra. Living box é o nome sugestivo de um concurso internacional de arquitectura que se dedicou somente a esta área realizado em 2005 na Itália. Embora seja apenas uma curiosidade faz transparecer esse sentimento inabalável, incrustado na arquitectura contemporânea europeia. Um dos slogans disponíveis no site do concurso aludia à necessidade de afirmar esta “caixa” como uma habitação real. “Relações inquebráveis ligam o homem ao seu espaço; mas o que representa o espaço e o que torna um simples espaço numa casa? Heidegger disse, “ Viver”.
As envolventes infinitas. Hotel Everland, Sabina Lang e Daniel Baumann Quando falamos no Hotel Everland, um hotel com apenas um quarto também ele pré-fabricado e transportável, concebido pela dupla de artistas suíços Sabina Lang e Daniel Baumann, apercebemo-nos que as razões que levaram à sua criação não são as mesmas que no caso do loftcube e de uma série de outros edifícios transportáveis, principalmente as habitações. Aqui esse novo tipo de nomadismo não está presente, nem muito menos terá sido ele a impulsionar este conceito. O que é fácil Pavilhão Carlos Moseley a ser montado
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de comprovar pelo simples facto de se tratar de um hotel. Evidentemente que os hotéis têm a função de substituir a habitação quando estamos
a viajar, mas não de nos permitir ter o nosso próprio espaço a acompanhar-nos para onde precisamos. De facto ele satisfaz o nomadismo não mais que qualquer outro hotel e a sua qualidade transportável em nada contribui para tal. E, de facto, Everland não procura uma linha de produção para acompanhar os vários nomadas pelas suas várias paragens. Muito pelo contrário, pretende ser um objecto único. Porquê? Isto porque o seu conceito não está relacionado com o nomadismo, mas sim, respeitando à transportabilidade, o conceito está relacionado com a vontade de ver um simples edifício usufruir de infinitas envolventes. E quanto mais interessantes e impensáveis elas forem melhor representará o seu conceito. Procura poder usufruir sozinho das vistas mais arrojadas em contextos diversos e por vezes estranhos. O Hotel Everland foi construído para a Expo 02 na Suiça e colocado nessa altura em Yverdon sobre o lago de Neuchâtel (tal como o Blur Building de Diller e Scofio). Esteve também, posteriormente, na cobertura do Museu de arte contemporânea em Leipzig, na Alemanha e neste momento está assente sobre mais uma cobertura de museu, desta vez do Palais de Tokio em Paris, usufruindo da sua invejável vista sobre o Sena e a Torre Eiffel. Quer ser um objecto descontextualizado e priveligiado, chamando a atenção precisamente por isso mesmo. Repousando apenas por períodos de tempo que não permitam a habituação. Descontextualizando-se consecutivamente e usufruindo assim da novidade de mais e mais envolventes. Este edifício foi criado com base noutros objectivos ainda, igualmente importantes: ser ao mesmo tempo um espaço público e privado, pois enquanto de tarde é visitável como uma galeria de arte (design neste caso) de noite é, como já foi dito, um hotel; e a pretenção de tornar-se numa peça de arte habitável. Contudo, estes conceitos não estão relacionados com a mobilidade.
A dogragem. Carlos Moseley Music Pavilion e Festo’s Airtecture É importante também mencionar que parte do Universo da arquitectura transportável diz respeito a edifícios que possuem ao mesmo tempo aptidão de mutabilidade da sua forma. Certos espaços, em vez de serem projectados com volumetrias condensadas para ser possível transportá-los, tem a capacidade de se “dobrar” para facilitar esse transporte, podendo assim
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Festo’s Airtecture
ter as mais livres volumetrias, como é o caso do FTL Happold´s Carlos Moseley Music Pavilion de Nicholas Goldsmith ou o Festo’s Airtecture Hall. Mesmo fabricando uma mutação, esta existe apenas em função da transportabilidade, não fornecendo nenhuma vantagem para o utilizador que não essa mesma. Razão pela qual será estudado como versátil e não mutante, pois a capacidade da qual o ocupante tira partido não é intrínseca ao edifício. Porém não pretendemos aqui diminuir o valor da mutação ocorrente destes edifícios. Compreendemos ao longo deste trabalho que frequentemente estão presentes mais do que uma transformação em simultâneo. Por vezes, como é o caso, vivendo uma em função da outra. Esta é apenas a razão pela qual o consideramos neste grupo. O que queremos verdadeiramente transmitir com este ponto é uma ideia mais próxima da real amplitude deste universo e dos seus limites. Isto para que seja mais justa a sua análise, quer própria quer relativa. É fazer notar que a arquitectura para ser transportável não precisa de ser compacta. Os exemplos mostram que a volumetria pode ter as mais variadas formas. Airtecture é um termo que define qualquer edifício prefabricado e móvel que seja suportado por ar ou qualquer outro gás, em que não exista nenhum componente de metal na sua estrutura. O termo foi registado pela empresa alemã Festo AG & CO, um produtor mundial de componentes de automatização pneumáticos eléctricos. O Airtcture Hall, produzido em 1996, foi o primeiro edifício com um espaço interior cúbico e estruturado apenas por elementos insufláveis. Não só o método estrutural é interessante e único, mas permite ainda que depois de esvaziado o edifício possa ser dobrado de modo a caber num contentor de 40 pés standard. Tornandose num edifício facilmente transportável muito apesar de quando insuflado medir cerca de 7,2 m de altura total e o seu interior ter uma área de 375 m2. Embora seja uma estrutura leve (pesa cerca de 6 toneladas), a sua estrutura de colunas em formato de Y e dois conjuntos de “músculos” pneumáticos diagonais feitos em poliamida com um tubo de silicone no seu interior oferecem ao edifício uma máxima resistência ao vento com
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KRONENBURG, Robert, Portable architecture, Architectural press, 2003. 59
um mínimo de deformação. “Os níveis de pressão do ar são controlados por válvulas proporcionais e a pressão a tempo real dos elementos é monitorizada por sensores. As válvulas de alívio de pressão libertam automaticamente a pressão em excesso caso necessário. Um único computador controla uma sub rede de dez computadores dependentes, variando a pressão dos elementos individuais de acordo com as condições climatéricas. O edifício foi desenhado para resistir a ventos de até 180km/h em simultâneo com uma carga de neve de 80Kg/m2. O vento mais forte já experimentado pelo protótipo atingiu velocidades de 220 Km/h tendo o edifício permanecido estático, …” 18 A instabilidade da estrutura e dificuldade na execução de espaços ortogonais, que são as maiores condicionantes na produção de edifícios insufláveis e constituídos por membranas – e, consequentemente, a causa da sua associação a um carácter inconstante, frágil e de recurso – são aqui pela primeira vez, totalmente ultrapassadas. O edifício é programado para reagir. Foi dotado de inteligência artificial, capaz de perceber as alterações das acções sobre a sua estrutura e adaptar-se para melhorar o seu desempenho. Quanto ao pavilhão de música Carlos Moseley, projectado em 1991 para albergar os usuais concertos de Verão ao ar livre da New York Philharmonic e da Metropolitan Opera, trata-se de um palco de eventos transportável o que por si só é uma ideia bastante comum. A diferença está em como é montado e na sua qualidade espacial e estética. O edifício desdobra-se de um modo totalmente automatizado. De um total de seis camiões semi-reboque necessários para o seu transporte, três, depois de colocados em sítios estratégicos, formam uma estrutura em tripé que se eleva suportando e esticando o tecido que forma a cobertura. O palco de 288m2 é desdobrado através de macacos hidráulicos. Ambas as abordagens traduzem concepções que ampliam as potencialidades, o significado e a imagem que temos da arquitectura transportável. Vulgarmente temos uma visão incompleta e redutora. Idealizamos um universo limitado, habitado por espaços contidos e blocos sólidos bastante semelhantes entre si e que não toleram a acomodação de certas funções devido à falta de liberdade volumétrica e formal. Projectos condicionados pelo pouco espaço de manobra de que o arquitecto pode dispor. Sem possibilidade de traduzir grandiosidade, o que é totalmente contraposto por estas variantes “dobráveis”. De facto, este é um dos adjectivos mais descritivos do Carlos Moseley Pavilon: a imponência da sua imagem. 60
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62 Marcel Duchamp, obras a Fonte, Roda de bicicleta e fotografia do artĂsta
Reutilização Permuta entre compartimentos. Flexibilidade interna. A reutilização será aqui entendida como uma reconsideração da utilização instituída a um qualquer espaço. Re-utilizar não será apenas utilizar outra vez, mas sim utilizar de outra maneira. Uma acção desencadeada pelo ocupante que terá de manobrar e avaliar perante as condições disponíveis na arquitectura, a sua multifuncionalidade. Quantas vezes não nos deparámos já com o carismático quarto/escritório? O elemento isolado de flexibilidade funcional dos parâmetros herdados do modelo habitacional modernista – que é, porém, ícone de flexibilidade estrutural. Um exercício praticado para induzir uma transformação útil, porém, controlada. Este será, portanto, um dos mais humildes mas mais familiares momentos da reutilização. O expoente máximo da ténue pretensão sentida no quarto/escritório é a tipologia habitacional tradicional japonesa. Onde os espaços cumprem mais do que uma função no seu uso diário. O fusama e o shoji são – como referimos no encadeamento dos projectos de Steven Holl e Shigeru Ban – uma fonte de inspiração para as situações actuais de mutação espacial baseadas em sistemas de paredes retrácteis. Também neste protótipo da adaptação iram ser um mecanismo útil. Estes painéis de papel são móveis e amovíveis. Nas usuais reuniões familiares, os painéis são recolhidos bem como o mobiliário. Nasce uma nova função; um salão de recepção.
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Todavia, as performances destes espaços bazeam-se em mecanismos e princípios aos olhos da nossa cultura, bastante mais complexos e exigentes do que as mutações. Nesta casa uma pessoa pode dormir, fazer as refeições ou receber convidados na mesma divisão. Elas não têm uma definição precisa, não estão vinculadas a nenhuma função. A variação está implícita, tanto no projecto como no modo de habitar. O seu subtil mobiliário, reduzido ao essencial, não se apodera, como o ocidental, do controle da determinação da sua designação. A presença de uma simples cama nas vossas habitações tradicionais retém a liberdade funcional. Em contraposição, o pavimento das divisões secas da habitação japonesa é de tatami, (feito de palha de arroz prensada revestida com esteira de junco) onde num futon, peça feita de algodão, se dorme em qualquer dos módulos desse pavimento. Tal como um saco-cama, é dobrado e guardado em armários e durante o dia, o quarto transforma-se em sala. É a fusão dos dois elementos que representa a cama. O próprio tatami, o pavimento, é considerado em si como uma grande peça de mobiliário. Sobre ele posso andar, sentar ou dormir. Cada peça de mobiliário é transportada quando necessária no momento, dada a sua leveza. Nas tipologias ocidentais, mesmo nas mais flexíveis, a obrigatoriedade de reposicionar o volumoso mobiliário desencoraja transformações frequentes tal a sua morosidade/ impossibilidade. A invenção da murphy bed é engrenada por esta mesma imposição (como já referido) . Ela é, de facto, uma das ‘engenhocas’ que intenta contornar esta questão. Uma forma praticável de “transportar” tal mobiliário e facilitar o multiuso. Numa das sátiras do comediante Buster Keaton, vemos esse princípio a ser explorado até ao limite do caricato. Na primeira cena do seu filme Scarecrow chamada one-room-house, (casa de uma divisão) ele e Joe Roberts com quem contracena utilizam uma série de estratagemas para juntar todas as funções que totalizam uma habitação numa divisão apenas. Invenções à Rube Golberg, economizadoras de espaço e trabalho, em que sistemas complexos cumprem tarefas simples. Existe até mesmo uma murphy bed que se transforma num piano. De notar que este curto filme data de 1920, apenas quatro anos após a sua invenção, partilhando das suas circunstâncias socio-culturais. Neste espaço em vez de presenciarmos uma redução da informação – como na casa
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japonesa em que se limitam os objectos ao seu mínimo essencial – cumprem-se objectivos semelhantes, numa aproximação inversa. Partindo de uma complexidade de adição de todos os objectos convencionais sem descartar o mínimo detalhe, a mínima comodidade. A harmonia flexibilizada
oriental de uma tipologia por
progressiva ‘vs’ a
uma
evolução
lenta
e
acomodação forçada à
descontinuidade da revolução industrial.
Alteração funcional do edifício. Casas Pombalinas No
discutir
da
adaptação
funcional
e
do universo de edifícios potencialmente
Casa tradicional japonesa. Shoji à esquerda, fusama à direita e tatami no chão.
multifuncionais que a atendem directamente, estará sempre presente o pensamento que nos remete para o edifício multiusos, o edifício multifuncional por excelência. Este edifício associa, porém, uma série de transformações que colaboram entre si. Transformações tais que abarcam os três grandes grupos definidos. É um espaço versátil que se serve até de mutações espaciais para alcançar tais fins. Logo, não o temos como um exemplo claro para a compreensão desta transformação. Em contraste, atendamos à simplicidade com que ocorre no modelo habitacional do estilo
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pombalino. As habitações de estilo pombalino possuem um sistema organizativo bastante singular. A distribuição interna desenvolve-se a partir de uma caixa de escadas central que estabelece comunicação com uma série de compartimentos. A sua clareza funcional não é perceptível como no caso do modelo actual, em que, geralmente, existe uma zona de entrada que liga à cozinha e sala, ou seja, às partes mais públicas da casa, e ainda a uma zona de distribuição para a parte privada, quartos e casas de banho. Nas casas pombalinas a organização não é tão clara e a funcionalidade dos espaços não é tão evidente, pois não é tão especializada. Razão pela qual não desempenhe, talvez, de forma tão escrupulosa e mecanizada a função que lhe é destinada . É comum que o acesso a algumas das divisões tenha de ser feito através de outras que, por sua vez, não têm carácter de distributivo. Os espaços são muito semelhantes entre si, tanto na sua dimensão, como no acesso e relação espacial, sendo portanto, em certa medida, mais descaracterizados. Uma descaracterização funcional que os torna sem dúvida mais flexíveis, pois permite que um espaço se adapte com maior facilidade a uma outra utilização. Facilmente uma sala se transforma num quarto sem qualquer inadequação. As transformações as quais este modelo colabora não se restringem, porém, a simples permutas de usos entre os seus compartimentos. É de facto comum a alteração funcional de fundo, a alteração da função do edifício em si. Para tal são preponderantes certos factores, aliados aos descritos, como o seu desenvolvimento vertical. Tendo três ou mais pisos, permite seccionar a organização funcional por níveis. Por exemplo, atendimento comercial nos primeiros pisos e escritórios de apoio nos superiores. Outro factor será a sua escala, pois embora tenha três ou mais pisos, as dimensões não são grandes. Sendo as adequadas para um grande número de funções existentes. Por fim, o modo como é feito o acesso, o facto de não ser colectivo. É muito particular tratarse de um edifício com vários pisos de carácter privado. O acesso directo facilita obviamente a adaptação para o sector comercial. Estilo resultante do plano de Eugénio dos Santos da reconstrução da baixa lisboeta após o 19
Frase retirada do sítio oficial do Museu Nacional de Soares dos Reis.
www.mnsr-ipmuseus.pt/museu/edifício/index.html
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terramoto de 1755, posteriormente estendido a outros pontos do país, vê o seu fenómeno de transformação a incidir tendencialmente nos centros urbanos “desabitados” da actualidade, incentivados por factores económicos e sociais. O comum da sua localização centralizada é na verdade uma condição importante do carácter envolvente, implícita na idoneidade de adaptação destes edifícios. Tal como presenciamos no molde japonês, o seu cariz maleável é produto das imposições evolutivas técnicas, construtivas e sociais da época. Estes casos representam circunstâncias em que os arquétipos em estudo representam, não uma alternativa pontual, mas uma tipologia, um modelo encastrado na sociedade. Um estilo habitacional instituído, progressivamente desenvolvido e logo aceite pelo comum da população. Tangencialmente presenciamos, que museus nacionais, como o Museu Nacional de Soares dos Reis, (o museu público mais antigo do país), Museu da Cidade de Lisboa e o Museu Nacional do Traje e da Moda, entre uma série de outros exemplos nacionais e internacionais, são adaptações de palácios do séc. XVIII, cuja estrutura de encadeamento de grandes salas se adapta perfeitamente à nova utilização. “A luz da museologia da época, o edifício adequavase na perfeição à função de museu.” 19
Mais uma vez está presente a mesma condição, que induz para que, de facto, a evolução progressiva dos modelos esteja na base da sua flexibilização.
(à esq.)Imagens retiradas do filme Scarecrow (em baixo) caricatura por Rube Golberg
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Daspark Hotel
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Marcel Duchamp, fotografia por Man Ray, 1916
Reciclagem O choque da descontextualização. Daspark Hotel, Andreas Strauss A partir do momento em que a reciclagem, quando aplicada à arquitectura, consiste em utilizar materiais usados, de qualquer tipo, para construir edifícios, é normal que muitas vezes esses materiais, ou por vezes objectos, nos pareçam algo desenquadrados neste seu novo ambiente. Antes de termos tempo sequer para formular qualquer tipo de juízo, a primeira ideia a surgir é que não estão a cumprir a função à qual os associamos ao longo de toda a nossa vida. Experimentamos uma sensação de espanto e estranheza quando os vemos nesta situação, a “tentar fazer passar” por arquitectura. Existem duas sensações diversas. Enquanto em alguns edifícios ficamos surpreendidos por ver objectos estranhos, como na Sanlitum Norte e Sul, em Pequim, dos Lot-ek, em que a forma do edifício projecta contentores, noutros ficamos surpreendidos quando finalmente nos apercebemos que se trata de um edifício, como o caso do Dasparkhotel, onde nos deparamos no meio de um relvado com três secções de canos de grande diâmetro feitos em cimento, que parecem simplesmente o descrito, até que vemos que têm uma porta. E ai começa a intriga. É estranho ver a arquitectura a adaptar-se a este objecto. Um cano com uma cama lá dentro! É usual que esse seja o próprio objectivo do arquitecto. Por vezes, até mais do que reutilizar materiais para dar o seu contributo para a preservação de meio ambiente, ou para reduzir os
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custos da obra, a intenção é simplesmente fazer com que as pessoas se perguntem: ‘o que faz aquele objecto aqui?’, da mesma maneira que Marcel Duchamp nos fez pensar com a sua arte, a “Fonte” por exemplo. Podemos dizer até que é essa mesma tendência do readymade aplicada à arquitectura. Readymade é exactamente “ um objecto do quotidiano, geralmente de produção em série, seleccionado por um artista com um propósito criativo ou provocador de reflexão.” 20 Tanto na obra de Duchamp como nesta tendência arquitectónica, a participação do observador e utilizador é parte componente da obra de arte. A obra de arte não está finalizada até ter provocado uma reacção em quem a vê. “o observador como produtor último, responsável pela sua verdadeira significação.” 21 É no momento em que nos interessamos e demonstramos curiosidade por este hotel e discutimos as suas razões, o seu desempenho (tal como em outros edifícios idems) que, finalmente, se consuma o seu conceito. E só nesse momento. Aparentemente, na maior parte dos casos do readymade a intenção não é a procura de discussão de um modo interventivo politico-social, mas sim da simples indagação. Tanto do autor como do observador. Da mera curiosidade que o artista tem em ver a reacção do observador frente a este objecto desenquadrado que é a sua obra, pois sabe que ela vai produzir um forte impacto. O impacto causado por esta sua ideia invulgar, que talvez nem ele próprio entenda nem procure a sua razão de ser. Duchamp na sua primeira obra considerada como readymade, Roda de bicicleta, demonstra uma curiosa despreocupação “Quando (em 1913) coloquei uma roda de bicicleta sobre um banco, com um garfo ao contrário, não havia ainda qualquer ideia de readymade ou coisa parecida, era apenas uma forma de distracção. Não havia uma razão determinada para fazer aquilo, ou alguma vontade de exposição, de descrição.” 22 Na arquitectura, porém, embora o rendez vous seja a base impulsionadora da ideia e existam muitas semelhanças nas suas intenções, o seu percurso nunca poderá ter a sua pureza e complexo do que a sua assinatura. 20
Dicionário da arte e dos artistas, org. por Herbert Read, Edições 70, Lisboa, 1989.
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Texto de David Santos, na Arq./a revista de arquitectura e arte, nº17 Janeiro/ Fevereiro de 2003.
base aérea de Davis-Monthan em Tucson, no deserto de Sonora, no Arizona
simplicidade pois o artista terá de pôr mais dele na obra, vai ter de intervir com algo mais
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Logo no momento da escolha, o arquitecto tem de avaliar a viabilidade do objecto como forma de arquitectura e em seguida terá de adaptá-lo tanto a nível espacial como técnico. Abandonando o seu estado absorto e passivo do pós-escolha e encarando um papel pragmático e activo. Em ambas as artes, e tendo claro em atenção às diferentes épocas em que se dão, a imagem é forte, urbana recorrente ao design industrial, objectos triviais do nosso mundo contemporâneo.
Fuselagem a ser transportada por um camião, EUA
Soluções ambientais. Nova biblioteca de Jalisco , Lot-ek Produzir um qualquer objecto significa dar-lhe “vida”, tanto durante o tempo em que ele é útil e utilizado, como depois de deixar de o ser. A preocupação na fase de produção é essencialmente dirigida ao primeiro período, mas o segundo é, no entanto, quase sempre maior. É evidente que o objectivo é assegurar que os produtos cumpram eficazmente a sua função. Quando deixam de cumprir são apartados da sociedade, afastando-se das nossas preocupações. Um gesto instituído e mecanizado. Mas pensemos que, na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Se transformar é a palavra-chave, a solução, o problema será em quê e como. Os Lot-ek, grupo liderado pelos arquitectos italianos Ada Tolla e Giuseppe Lignano, são sinónimo de projectar arquitectura (bem como design) também com base em objectos já existentes, descontextualizando-os e (re)inventando novas utilizações. O seu trabalho é todo ele baseado no conceito de reciclagem, sobretudo de contentores de transporte de cargas, transformando-os em espaços habitáveis. Têm marcado a arquitectura com detritos da sociedade industrializada. É curioso que o nome Lot-ek coincide com o de uma tribo da obra do escritor William Gibson,
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Johny Mnemonic, cuja primeira publicação data de 1981 na revista OMNI. Esta sociedade fictícia underground de gangesteres ciberpunks que desenvolveram usos inconvencionais para a tecnologia vivia em contentores de transporte de cargas. Interessante é também o facto de se pronunciar “low-tech”, ou seja, baixa tecnologia. A reciclagem de contentores de transporte de cargas aplicada à arquitectura é já bastante comum. Container City um escritório, sediado em Londres e Addis Containers, sediado na Nova Zelândia, são grupos inteiramente dedicados a esta tendência, que é já reconhecida como container architecture, uma ramificação com direito a reconhecimento e descrição nas enciclopédias informáticas. Porém, muitas são as possibilidades de empregar materiais ou objectos que é necessário reciclar, e poucas as exploradas desse modo tão amplo. O grupo Lot-ek utiliza uma abordagem expressiva para solucionar um problema bastante singular. Trata-se do projecto para concurso realizado em 2005, para a nova biblioteca de Jalisco, na cidade do Guatelajara, no México. Fuselagens de boeings 727 e 737 seriam a unidade modular do edifício, colocadas paralelamente umas às outras formando grandes pilhas inclinadas. Isto pois os 727 e os 737 são os aviões comerciais mais vendidos e as fuselagens são a única parte dos aviões obsoletos que não se torna rentável reciclar. De facto, o dinheiro gasto a prepará-las para a reciclagem é superior ao recebido na revenda do alumínio obtido. Por consequência, são extremamente comuns nos cemitérios de aviões, em particular nos desertos do Oeste dos Estados Unidos (onde a pouca humidade existente ajuda à sua conservação) e têm um custo muito baixo, normalmente com os interiores já totalmente desmontados e em óptimas condições estruturais. O número de aviões obsoletos aumenta de forma vertiginosa e tenderá a aumentar progressivamente, acompanhando a subida exponencial do tráfego aéreo e transformandose, de futuro, numa questão de peso. Para visualizar a questão vejamos que um dos maiores cemitérios mundiais, na base aérea de Davis-Monthan em Tucson, no deserto de Sonora, no Arizona ocupa já uma gigantesca área de mais de 10 milhões de m². Vulgarizar a sua utilização na arquitectura poderia tornar-se proveitoso a nível ambiental e até económico. No projecto, o interior destes aviões satisfaz programas como arquivos de livros, gabinetes. O
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seu espaço é seccionado na vertical – tal como era durante o tempo activo – sendo a parte superior destinada ao espaço habitável e a inferior destinada aos suportes técnicos, como: sistemas de climatização, electricidade e rede transportadora para a distribuição mecânica dos livros. Existem também no edifício dois grandes espaços vazios correspondentes ao átrio, zonas de leitura e auditórios. Embora este projecto seja um exemplo de forte expressão de uma visão que contribuiria para solucionar problemas ambientais,
esse
aparentemente
não
faz parte dos objectivos do grupo Lot-ek. Ada Tolla chegou mesmo a dizer numa entrevista: “Todos os artigos publicados sobre nós ou qualquer discussão sobre o nosso trabalho especialmente de um nível mais pop era intitulado reciclagem. Nós costumávamos dizer, nós não nos interessamos pela reciclagem, nós não estamos aqui para reciclar.”…”É realmente importante reconhecermos o que fazemos e porque o fazemos e o nosso interesse é mais numa prática criativa que se relaciona com o ambiente a partir do ponto de vista
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Imagens 3D do projecto para o concurso à nova Biblioteca de Jalisco
positivo de dizer: este é o mundo que temos à nossa volta e nós gostamos dele,”…”aceitamolo”…” e queremos utilizá-lo…”. 24 Em ironia, apesar das intenções que demonstram ter no seu trabalho, a realidade é que este projecto iria reutilizar mais de 200 fuselagens de boeings obsoletos. Mesmo que a solução ambiental não tenha sido a intenção, ela está bem presente de uma forma que se afigura incontornável. Mais uma vez se espelha uma intenção passiva em confronto com a atitude reaccionária, interventiva e moralista tantas vezes associada a esta tendência. Todavia, sabemos que a construção cresce com a sociedade, multiplicando-se com ela tal como a quantidade de resíduos que esta sociedade industrializada produz. Na verdade, muitos deles são, de facto, aplicáveis à construção: paletes, canos, caixas plásticas empilháveis, bidões, contentores, os próprios andaimes, etc, permitindo-nos então trabalhar com a intenção de formar um ciclo. Trata-se de reciclar a construir. Na senda do pensamento partilhado por Ada Tolla, usar o mundo que aceitamos. Posto isto, podemos concluir que a reciclagem na arquitectura poderá, então, constituir uma crítica à sociedade consumista, mas igualmente uma adaptação; um ajustamento às novas realidades. Uma resposta ao seu desenvolvimento e suas novas preocupações, entrando por sectores que nunca antes conheceu, de modo a dar o seu contributo para a gestão de recursos e o tratamento de materiais usados.
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Ada Tola, membro do grupo Lot-ek, na sua apresentação no evento Postopolis, em Maio de 2007 cidade de Nova Iorque. Disponível no site www.youtube.com/watch?v=c-A_4AMflLM.
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Desenhar o espaço transformável Questões que levanta no papel do arquitecto, intenções impulsionadoras, alterações e implicações no conceito de projectar: Como nos apercebemos através dos modelos estudados, não só existem várias qualidades que conferem flexibilidade a um espaço, como um espaço pode conter em simultâneo mais do que uma dessas qualidades, o que, como vimos, é até bastante vulgar. Não obstante a sua diversidade, os principais cunhos que os diferenciam dos espaços costumados são bastante homogéneos entre os diferentes agrupamentos criados, permitindo analisar os factores comuns que temos de ter em conta na altura em que intentamos dar-lhes forma.
1. A representação do tempo e as “plurisoluções”. Projectamos tradicionalmente espaços estáticos. Quando adicionamos a cinética o que se altera? A cinética está sempre presente num espaço, na sua utilização. As vivências das pessoas provocam movimentações dentro do espaço. Tal como disse Martin Heidegger “Cineticamente habita o Homem”
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. Contudo, tradicionalmente trata-se de um movimento
que não pertencente ao próprio objecto arquitectónico, mas que lhe está associado. Os seus limites e posições são traçados e assim permanecessem, inalteráveis, absortos na sua envolvência. Espectadores e expectantes. Imóveis, serenos e protectores, mas sempre “distantes”. Como um pai sentado num banco de jardim que vê o seu filho brincar. Ao invés, as coordenadas de determinados objectos e dos seres que aí habitam variam ao longo da linha do tempo, invadindo-o de emaranhados de percursos, que trazem a vida ao espaço. Quando adicionamos a cinética, o edifício acompanha este emaranhado, criando uma simbiose dimensional com tudo aquilo que o habita. Esta união percorre agora o tempo em simultâneo. Se o movimento do edifício não for um movimento visível, ele existe mesmo assim, em 25
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Cineticamente habita o Homem. Martin Heidegger. Conferência Construir, Habitar, Pensar (1959)
qualquer dos espaços flexíveis. Nenhum espaço flexível é estático. A flexibilidade pressupõe alteração, mudança, uma acção prolongada num intervalo de tempo. O seu movimento reside nessa passagem de solução para solução. O desenho terá de defrontar tal facto, visto que, ao projectarmos apoiamo-nos usualmente no espaço fictício estático da geometria e nos seus meios de representação. Terá de existir um ajustamento. O drama da primazia do elemento tempo na arquitectura transformável determinará a forma como é pensado e desenhado. Fundamentalmente, o arquitecto tem agora de visionar as formas plurais do edifício e não a forma singular costumada. Bem como os mecanismos que as apoiam e a forma como se encadeiam. Quase podemos dizer que o arquitecto tem de projectar vários edifícios num só. As “plurisoluções”. Mais do que nunca, terá, nesta situação, de lidar com a luta contra ambiguidades do conjunto. Imposições de umas soluções sobre outras, que se afectarão reciprocamente. Não pela ambição da eleição. Chocam entre si enquanto procuram o seu lugar, pois terão de coexistir. Correndo o arquitecto o risco, de depor uma solução válida, por uma série de soluções híbridas, envolvendo-se num debate pessoal no seio da complexidade. Procura agora o julgamento e a circunstância que o levarão até à harmonia. Num trajecto alongado mas enriquecido. Como disse Daniel Libeskind, as pessoas esperam sempre mais dos espaços do que aquilo que lhes é oferecido. Um sentimento pessimista, mas magnético. Será essa a razão que leva o arquitecto a embarcar em tal jornada? A vontade de criar aquele espaço que ainda não existe.
2. A atribuição ao utilizador de capacidade de alteração da obra. Nesta fase da análise conclusiva, iremos (mais do que em qualquer outra) recorrer repetidamente a opiniões e pensamentos de arquitectos experimentados, visto que entramos por caminhos que são exactamente o ponto mais frágil do método pedagógico instituído. Temendo que a opinião seja considerada naif – pela apenas recente relação com projectos não virtuais – façamos um apanhado e confronto/diálogo de opiniões fundamentadas pela experiência, para que a venham corroborar.
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“ Não deve negar-se ao indivíduo o desejo de construir algo! Qualquer um deveria poder e ter de construir e assim ser verdadeiramente responsável pelas quatro paredes em que habita. E deve aceitar-se o risco de que uma estrutura tão fantástica poderá mais tarde cair, e não devemos e nem podemos desanimar-nos perante o sacrifício humano que este novo modo de construir exige, talvez exija.”... ...” Se tal fantástica estrutura construída pelos próprios inquilinos colapse, irá, em todo o caso, ranger de antemão para que as pessoas possam escapar. Mas, a partir de então, o inquilino irá relacionar-se mais crítica e creativamente com a casa onde vive e reforçará as paredes e as vigas com as suas próprias mãos, se estas parecerem demasiado frágeis para ele. “... ...”Apenas quando o arquitecto, o pedreiro e o inquilino forem uma unidade, ou a mesma pessoa, podemos falar de arquitectura. Tudo o resto não é arquitectura, mas um acto criminoso que ganhou forma.”... ...” Se esta unidade, arquitecto/ pedreiro/ inquilino se perder, não poderá haver arquitectura, tal como as usuais construções manufacturadas não devem ser consideradas arquitectura. O homem tem de recuperar a função crítica e creativa que perdeu e sem a qual deixa de existir como ser humano!” 26 Certamente que esta posição de Hundertwasser é, como é hábito seu, extremista, radical, chocante até. Contudo, transmite a ideia da importância da vontade do habitante em se manter activo e participante durante a criação do seu espaço. A arquitectura transformável não vem satisfazer directamente esta vontade. Mas vem permitir ao sujeito manipular a arquitectura tornando-o activo, não durante a sua criação, mas durante a sua existência. Como já referimos atrás, esta foi igualmente uma das intenções de Gerrit Rietveld, sendo até aquela que o levou ao desenho da casa Schöder; a convicção de que habitar um espaço não se deve limitar a um simples automatismo. Habitar é agir, um acto consciente e deliberado. Enquanto, na mutabilidade.e versatilidade espaciais é permitido ao utilizador jogar com os limites e relações interiores (no primeiro caso apenas de entre uma série de soluções antevistas); na mutabilidade da forma e sem metamorfose, a alteração da imagem do edifício
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O Manifesto do bolor, Discurso de Friedensreich Hundertwasser em Seckau Abbey a 4 de Julho de 1958, em MUTHESIUS, Angelika, Hundertwasser architecture: for a more human architecture in harmony with nature, Taschen, 2001.
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(também de entre das soluções projectadas); na versatilidade/transportabilidade o lugar de implantação; na adaptabilidade/reutilização a função do espaço e, por fim, na adaptabilidade/ reciclagem a concretização do significado da obra. Podemos agora concluir que esta é uma das bases ideológicas sobre as quais assenta a o fenómeno da arquitectura em análise. É um dos seus motores. No caso em estudo, o espaço passível de transformação, o arquitecto atribui ao utilizador ferramentas que o permitam adaptar o espaço a si e adaptar-se ao espaço. Para que o ocupante, através da experimentação, procure aquilo que não teria a capacidade de antever e comunicar. Claro que podemos dizer que a função de antever e decidir são exactamente as obrigações do próprio arquitecto. Mas e se este poder satisfazer até aquilo que não anteviu, criando um maior rol de possibilidades? Não se estará a valorizar, a progredir? Não estará a servir de melhor forma o ocupante? Criar uma obra aperfeiçoada a partir da sua humildade. O arquitecto compreende que as necessidades não são perenes, que se transformam e que está assim ao seu alcance satisfazer ainda um maior número de necessidades, e é esse o seu principal objectivo e não a criação de um objecto perfeito aos seus olhos e por isso inalterável. “O inquilino do apartamento-casa tem de ter a liberdade de se debruçar sobre a sua janela e transformar o exterior do espaço onde habita até ao alcance dos seus braços. E tem de lhe ser permitido pegar num longo pincel e – tão longe quanto o alcance dos seus braços – pintar tudo de cor-de-rosa, para que à distância, na rua, toda a gente consiga ver: que ali mora um homem que se distingue dos seus vizinhos, ‘do gado reprimido’! Também tem de lhe ser permitido esquartejar as paredes e fazer todo o tipo de modificações, mesmo que perturbe a harmonia arquitectónica da chamada obra-prima...” …”A arte pela arte é uma aberração, a arquitectura pela arquitectura é um crime.” 27 Tal como Fernando Távora afirma no seu livro “Da organização do espaço”, um pensamento
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O Manifesto do bolor, Discurso de Friedensreich Hundertwasser em Seckau Abbey a 4 de Julho de 1958, em MUTHESIUS, Angelika, Hundertwasser architecture: for a more human architecture in harmony with nature, Taschen, 2001.
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arrebatador acerca da significância dos propulsores utilizados na ponderação dos julgamentos realizados durante o processo da arquitectura, “…projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para o arquitecto na criação de formas vazias de sentido, impostas por capricho da moda ou por capricho de qualquer outra natureza. As formas que ele criará deverão resultar, antes, de um equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se confundem…”. 28 Porém, “ A debilidade da disciplina arquitectónica debilita a profissão, consequentemente os arquitectos vêm-se ‘obrigados’ a evitar duas intrusões, uma dentro da ‘sua’ profissão e outra dentro da ‘sua’ arquitectura. A primeira dá-se quando o trabalho do arquitecto ‘ilegal’ se reconhece como arquitectura, e a segunda quando o usuário ocupa a arquitectura. Para evitar estas intrusões, os arquitectos assumem que a arquitectura é exclusivamente um fenómeno físico com materiais e dimensões específicas, um edifício mas não um edifício qualquer, ‘o seu edifício desocupado.”
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O espírito defensivo cria um abismo entre arquitecto e habitante. A necessidade de afirmação pessoal e da actividade que exerce, despoleta o desinteresse pela opinião do utilizador. O meio encontrado para valorizar a profissão, tantas vezes atacada e incompreendida ou menosprezada, é enaltecer de tal forma sua sabedoria, aludir à genialidade, até ao ponto que a interferência de qualquer leigo passa a ser vista como uma contaminação. Alimentando a vontade de bloquear qualquer interferência. É necessário que o arquitecto se recorde de que ele próprio é um utilizador do espaço, e que enquanto a relação que estabelecemos com a arquitectura pela sua criação nos é única, o modo como a concebemos, só a poderá exaltar se procurarmos acima de tudo, servir o habitante. “Antes de arquitecto o arquitecto é homem, e homem que utiliza a sua profissão como um instrumento em benefício dos outros homens, da sociedade a que pertence. Porque é homem
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TÁVORA, Fernando, Da organização do espaço, publicações Faup, 1999.
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JONATHAN, Hill, El arquitecto ilegal, em ”BAU”, nº19, 2000. (Citado por Manuel Mendes em, GADANHO, Pedro e PEREIRA,
Luís Tavares, Influx, arquitectura portuguesa recente, Civilização editora, 2003).
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e porque a sua acção não é fatalmente determinada, ele deve procurar criar aquelas formas que melhor serviço possam prestar quer à sociedade quer ao seu semelhante, e para tal a sua acção implicará, para além do drama da escolha, um sentido, um alvo, um desejo permanente de servir.”…” Que seja assim o arquitecto, homem entre homens, organizador do espaço, criador de felicidade.”
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3. Novos conceitos. O acto de experimentar. Finda a exposição dos arquétipos, e tendo esta como análise última, ressalta a maior das suas particularidades ideológicas/projectuais unívocas, uma massiva tendência experimentalista. Repetidamente presente no desenrolar deste estudo, tentamos aqui uma convergência da sua extensão. Conceitos aparentemente bem definidos como: o que faz um arquitecto, a diferença entre um edifício e um objecto industrial, em que consiste organizar um espaço, etc., são, como presenciamos até ao momento, constantemente questionados, simplesmente ao atribuir um certo grau de flexibilidade a um edifício. Isto porque a flexibilidade em si, embora experimentada na prática arquitectónica desde cedo, não se implementou de uma maneira visível na nossa sociedade. Estas noções porém, como as entendemos, foram convencionadas com base prevalente na arquitectura corrente instituída. Naturalmente, se a arquitectura instituída é estática e rígida, a flexível e transformável, teria por consequência de despoletar de concepções alternativas. Não se opondo à construção “pura e dura”
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, mas contornando a rigidez da sua perfeição, o que permite procurar essas
soluções em lugares por esta jamais indagados, excluídos à partida. Recuperando, um mundo virgem de respostas, alternativo, à sua inteira disponibilidade. De facto, a idealização da arquitectura transformável só é possível se procurarmos libertarnos de dogmas e abrir caminho em busca de novas visões.
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TÁVORA, Fernando, Da organização do espaço, publicações Faup, 1999.
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Retirado do texto de Pedro Gadanho, Arquitectura como Performance, publicado na revista Dédalo, o arquitecto no labirinto, nº2.
(O texto constitui o primeiro esboço para uma proposta sobre PerformanceArchitecture /PerformingArchitecture, destinada à Trienal de Hamburgo de 2009).
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Mas, apesar do corroborar do emergente sentimento de tolerância à diferença individual, a natureza da arquitectura como produto comercial alicia-a, ou força-a até, a enveredar por um modelo, previsivelmente, familiar ao cliente ou ao cliente-tipo-estatístico numa atitude positivista de processo de fabrico já totalmente estandardizado e “taylorizado”, para promover uma fácil aceitação do mercado, máxima rentabilização da obra e riscos controlados. Um processo de uma autoritária máquina imobiliária bem oleada. Restringindo deste modo o experimentalismo ao mínimo. Mas qual o objectivo deste seu carácter experimental? Percebemos a razão pela qual está associada à criação de novos conceitos, mas não qual a sua intenção. O que pretende? A flexibilidade arquitectural procura moldar-se a uma sociedade contemporânea, cada vez mais heterogénea, debatendo-se com ajustes paradigmáticos. Ao aperceber-se das necessidades emergentes, fervilha com novas ideias, ambicionando encontrar respostas para os pontos em que as existentes são pouco incisivas, incompletas ou desapropriadas. Negligenciadas pela referida massificação e estandardização, cuja magnitude da sujeição à norma, impossibilita o seu acompanhar de evoluções pontuais diversificadas, não assimiladas pelo cliente/família tipo alvo. Numa outra vertente, trata-se simplesmente da vontade de testar novos modelos, engrenada na emoção de atingir o inatingido, o inatingível. A vontade humana de se auto-superar. Quer por um impulso fenomenológico, quer por ambição de desvendar o próximo modelo base, socialmente aceite. Trata-se de uma procura, de experiência em experiência. Teorizar na forma prática. Pois “…, também a arquitectura pode ser colocada como construção de novos conceitos de espaço e seu habitar; isto é; edifícios e desenhos podem ser teoréticos procurando uma coerência entre objecto e análise, produzindo conceitos tão objectivos e materiais como a forma construída.”32
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HAYS, Michael, Architectural theory since 1968, CBA/MIT Press, 1998. (Citado por Manuel Mendes em, GADANHO, Pedro e PEREIRA, Luís Tavares, Influx, arquitectura portuguesa recente, Civilização editora, 2003).
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A questão será agora não o porquê, mas o de que maneira. Quais são estes novos conceitos? Para se criar arquitectura transformável é imperativo desligarmo-nos da ideia de que um edifício é sinónimo de uma solução. A norma para se projectar este tipo de arquitectura é simplesmente inverter este conceito. Aceitando então que um edifício pode conter em si várias soluções. Sem isto será evidentemente impossível. Daí termos abordado a evolução da concepção da dimensão tempo com um especial relevo. Pela importância proeminente que exerce sobre o modo agravado como se processa o desenho da generalidade destes espaços. A partir deste momento cada uma das suas ramificações ditará as suas visões próprias, variando de caso para caso e relacionando-se entre si, numa análise sintetizada dos fenómenos anteriormente descritos no estudo isolado de cada edifício. Levando-nos agora a debruçar sobre aspectos não unânimes, mas todavia bastante contundentes, sobre o teor representativo deste Universo. De entre as quais focamos: A construção de novos modos de habitar. Projectados sobre diversas interpretações da representação última deste espaço – função primacial de todo o estudo da arquitectura, escora espacial tangível e simbólica da sociedade – variando entre os exemplos, principalmente fora dos grupos definidos. Apesar da tamanha diversidade de entendimentos, na grande maioria das situações expostas, concluímos que a relação entre o sujeito e a habitação é mais dialogante. O primeiro tornase mais activo, na medida em que terá de optar pela solução que lhe convém, e actuar para a activar. Habitar deixa de ser um automatismo passando a ser um jogo de intenções e actuações que estimulam a conexão do homem com o seu espaço. Estes habitares tendem ainda para a redução dos níveis standard de privacidade; pela associação de compartimentos, alguns de carácter privado, bem como pela apresentação dos limites interiores móveis e/ou amovíveis, ou de edifícios transportáveis, inferiorizada no nível de espessura e isolamento em relação às soluções estáticas tradicionais, de modo frequente, com o intuito de se tornarem mais leves. Em estimativa da projecção deste fenómeno, vejamos que, somente nesta pequena amostra representativa, temos como exemplo: a casa Rietveld, Nine Square Grid, Naked, Rotor House, ou mesmo o Loftcube, ou qualquer dos open space. Mesmo o modelo japonês e até mesmo a
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casa pombalina, esta devido, não à falta de solidez, mas às cedências de passagem impostas sobre espaços privados nas circulações. Estas duas últimas não serão com certeza novos conceitos, mas serão conceitos diferentes, anteriores à concepção actual. O desinteresse pela privacidade é totalmente atípico na nossa sociedade contemporânea. O modelo vigente baseia-se na segmentação privada e estanque. O não cumprimento desta norma poderá até ser um dos motivos que dificulta a inserção destes protótipos no mercado imobiliário. Muito apesar da casa pombalina, que se insere também neste conjunto (embora por motivos especiais), já ter sido uma tipologia habitacional. A verdade é que o modelo actual não aceita estas manobras. Denotando-se, no entanto, no restante dos casos expostos, uma forte ambição em reajustar os níveis de segregação entre o conjunto de habitantes de um dado edifício, criados pela habituação ao isolamento originada, entre outros motivos, pelo forte incremento dos níveis de privacidade implementados no actual modelo habitacional. Existem ainda vários outros sentidos ao traçar estes novos modos de habitar, explorando outros conceitos. Todavia, não tão expressivos quantitativamente, como, por exemplo o modo de habitar neonómada, presente na transportabilidade, como já analisamos, uma nova concepção de vida e de inserção no indivíduo na sociedade, ou o fenómeno mais isolado das torres de Fisher, onde o espaço se move enquanto habitado, mas não se transporta. O que, apesar de ser actualmente um conceito completamente novo, tem a intenção de se implementar como um novo tipo de habitar socialmente aceite. Tendo a dimensão do projecto a capacidade de o propagar. É, na verdade, estranhamente antagónica, e aqui reconhecida, a relação entre as variações dos novos estilos de vida e a vontade de lhes dar resposta, e o cepticismo e morosidade na adaptação a novas ideias, no mercado da habitação. Que, literalmente, põe na prateleira as diferentes opções propostas. Facilmente detectamos ainda a associação da fórmula transformável à produção de arquitecturas efémeras – edifícios que, efectivamente, não foram propostos para permanecer. A permanecia não acompanharia a velocidade do movimento cultural e social que os transporta. A sua veia experimentalista, que persegue a aceleração do metabolismo mundial, exige ao espaço que a siga. Tudo flui, a construção dissipa-se. Nada é imanente, nem as
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raízes que prendem a arquitectura à terra, ao lugar, alicerces da sua permanência histórica. A transportabilidade traduz-se em efemeridade. O mundo é das máquinas, dos transportes de alta velocidade, dos crescimentos e fluxos urbanos frenéticos, circuitos digitais de informação temporária, transacções económicas imediatas, alta tecnologia. A rapidez da evolução científica torna até as verdades, as ideologias passageiras. São estas as terminologias da contemporaneidade, que nascem negando o estável. A transformação habita nos mais efémeros dos espaços, como os projectados exclusivamente para mostras. Duração prevista para o seu decurso, desmantelamento calculado, como a casa Guckhylf, o Blur building, o Everand hotel. Um método rápido e eficaz de testar conceitos. Uma experiência cronometrada, onde as funções analíticas superam as funções de utilização, tal como se de um protótipo se tratasse. O protótipo toma o lugar de uma vulgar maquete que não pode testar a realidade, e depois de tiradas as conclusões possíveis, torna-se desnecessário. Baseando-se todo o seguimento teórico na extrapolação. Poderá ainda ser a vontade de expor uma ideia. Um manifesto ou conferência tangíveis, assumindo a forma de edifício e não de discurso. Entrando aqui no território da arquitectura como performance. Também ela associada à efemeridade. “…dimensão de uma performance, isto é, a uma capacidade dinâmica de resposta perante as exigências mais rápidas e extremas da cultura urbana contemporânea.”…”…o sentido da palavra performance remete a uma eficiência técnica e económica a que, afinal, a arquitectura está obrigada a responder. Porém, queremos ir mais longe e propor que esta performance também deve ser cultural. Aceitando-se a arquitectura como uma prática cultural, a sua capacidade de performance deve contribuir para que esta adquira um papel social mais crítico, um papel de comentário activo às modificações sofridas pela sociedade.” 33 À semelhança de qualquer outra peça de arte interventiva, o objecto pretende comunicar um sentimento, uma opinião, uma mensagem do seu autor, relativa ao desenvolvimento e
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Retirado do texto de Pedro Gadanho, Arquitectura como Performance, publicado na revista Dédalo, o arquitecto no labirinto, nº2.
(O texto constitui o primeiro esboço para uma proposta sobre PerformanceArchitecture /PerformingArchitecture, destinada à Trienal de Hamburgo de 2009).
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situação socio-cultural contemporânea e captar a reacção do sujeito. Essa reacção causada pelo impacto da mensagem é um meio directo de interposição na opinião pública. Uma forma de arte, analítica sociológica, interpretativa das reacções humanas em sociedade, em relação às alterações do meio em que se inserem. A arquitectura estende-se numa fórmula multidisciplinar. O arquitecto toma um papel activo de pensador e crítico da realidade para além do construído. O edifício é agora, acima de tudo, um meio de comunicação. Os referidos: Blur, Everland hotel, Potsdamer platz 10, Hyposurface, Daspark hotel são, de facto, performances arquitectónicas. Por fim, verificamos ser igualmente comum a materialização de novos conceitos através da utilização de novas tecnologias. À medida que as tecnologias surgem, vão-se criando novas possibilidades de dar forma a espaços flexibilizados, até lá nunca praticáveis. Por vezes até já experimentados no passado, mas – devido à dificuldade das técnicas existentes então acompanharem devidamente as visões prematuras – sem êxito. A flexibilidade torna-se dependente da tecnologia em muitas das suas formas e irrompe à medida que esta lhe permite. Uma associação que, embora restritiva e manipuladora, se torna benéfica para esta arquitectura, pois oferece uma imagem mediática ao objecto. Transforma-o num símbolo de progresso e vanguarda, passando a restrição a intenção. Podemos sentir actualmente a intenção de projectar com pretensão de usufruir directamente deste mediatismo em casos recentes como a Hyposurface, onde se pretendeu canalizar a atenção recebida para empregar a criação no ramo publicitário, ou ainda como as torres de Fisher, divulgadas até por meios de comunicação social públicos, em formato de notícia. Podemos brevemente concluir que a capacidade de transformação na arquitectura despoleta um frenesim de novas concepções, permitindo-lhes uma imensa variedade e liberdade, mas sem nunca se desassociar.
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Evolução Vejo um edifício, um objecto de forma irregular, multifacetado, pousado em cima de um suporte simples. O piso térreo é recuado, preto, parece apenas uma sombra. Em cima dessa sombra parece planar um bloco de metal, totalmente fechado. No entanto as arestas vincadas parecem mudar de sítio à medida que me aproximo. A forma muda progressivamente, alteram-se as suas proporções e até o número de faces, e o metal cede como se não fosse um material rígido. É maleável à temperatura ambiente. Gostava de poder tocar no metal para ver a sua textura e flexibilidade, mas este só existe a partir do primeiro piso. Tenho de chegar mais perto para ver. A curiosidade parece atrair mais pessoas que por aqui passam. Algumas sentam-se cá fora, outras entram para ver o que se passa lá dentro. O edifício não é grande e o seu movimento não é constante. O objecto transforma-se, depois pára e volta a transformar-se em diferentes intervalos de tempo, de forma irregular, imprevisível. Começa a abrir-se uma grande fenda naquele que parecia ser um bloco sólido, impenetrável. Dentro dela aparece estranhamente uma janela que fica destapada. O metal ao afastar-se parece uma pálpebra e a janela um olho. A janela é a visão do edifício. Agora já pode ver o que está à sua volta. São praticamente tudo edifícios de habitação, a maior parte tem serviços no piso térreo. O edifício não se encosta a nenhuma. Abrem-se mais algumas janelas dispersas, muito mais pequenas, em sítios bastante inesperados. Entro. Lá dentro um foyer, umas escadas e ao fundo uma cafetaria. Lá em cima penso que salas, que parecem albergar exposições sucessivas, mas numa definição da arte muito mais abrangente, não se limitando à pintura e escultura, seja histórica ou contemporânea, mas também o design gráfico e industrial, a arquitectura, a decoração, o cinema com ciclos apresentados periodicamente num pequeno auditório, que serve também para as apresentações que acompanham certas mostras. A variedade é uma constante, para que não se cause uma habituação e estagnação e se atinjam os mais variados públicos. Trata-se de um ponto intermédio entre uma galeria de arte e uma feira de exposições de dimensões muito reduzidas. Reduzidas pois pretende-se a criação de um trajecto cultural/lúdico e não uma
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informação exaustiva para o público em geral, controlando também assim os investimentos necessários. Este poderia ser perfeitamente o relato de uma visita, poderia ser a descrição de uma realidade, concreta e palpável. Porém, trata-se, realmente, de um edifício virtual, existente apenas na nossa mente. A base do seu conceito é no entanto real. Não se trata de um conceito futurista mas de algo actual, possível. Foi experimentado num espaço móvel que o homem também habita, um carro, neste caso um protótipo que a BMW lançou este ano, chamado Gina Light visionary model. O que este carro tem de diferente é o facto de ter uma pele (conceito mais usado na arquitectura do que no design automóvel). Esta pele, feita de um tecido especial, totalmente impermeável, de alta durabilidade e altamente resistente à expansão e à temperatura, está assente sobre uma estrutura composta por cabos reforçados com barras em fibra de carbono que se move quando o ocupante acciona o sistema que funciona através de motores electro-hidráulicos. A pele possui elasticidade, adaptando-se a estes movimentos, alterando assim a forma do carro. A forma do edifício descrito seria alterada por um sistema semelhante. Algo onde os próprios vãos podiam ser abertos ou fechados tal como os faróis deste carro. A arquitectura sugerida seria então um bom exemplo do grupo que definimos sob o título de mutabilidade da forma. Muda o formato da sua superfície, consequentemente a sua imagem, mas não as segmentações do seu volume, relações espaciais internas. Quando não se encontra em movimento a pele é semelhante a uma superfície metálica como a de qualquer outro automóvel, nomeadamente devido ao seu nível extremo e duradouro de estabilidade dimensional – a tensão da superfície não sofre alteração nem com a temperatura, nem com a humidade. É apenas quando a forma começa a mudar que nos apercebemos de que não se trata de um metal, mas sim de um material não rígido. “Uma pele que oferece capacidades diferentes, se move, pode fazer coisas que uma estrutura rígida e fixa não poderia, pode ser mais leve, feita 34
Chris Bangle, director do design do grupo BMW, na apresentação da sua criação ao público, disponível no site www.youtube. com/watch?v=kTYiEkQYhWY
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de materiais que precisam de menos energia no seu fabrico.” 34 A ideia é aplicada num edifício de acesso público. A variação da forma serviu de modo de atracção do público pela curiosidade gerada. Pela vontade humana de ver algo novo, diferente. E que isso sirva como marketing, associando este carácter vanguardista do edifício em si, ao que o edifício oferecer na sua utilização (a que usamos hipoteticamente ou qualquer uma outra). Este conceito não representa um simples novo modelo de automóvel ou edifício, mas traduz “uma filosofia que diz, vamos fazer as coisas de maneira diferente, vamos deixar os materiais falarem de forma diferente.”
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E a aplicação deste conceito não só é diferente na inovação
técnica, mas torna o edifício diferente de si próprio a cada instante. Levando as pessoas a questionarem-se como estará agora, que forma terá assumido neste momento. A vida própria que o objecto tem aparenta ser orgânica, traz humanismo. A emoção é realmente o valor acrescido. O grupo que desenvolveu este sistema interroga-se se tal não irá mudar a relação entre uma pessoa e o seu carro. Levanta-se a questão de saber se não irá mudar também a relação entre uma pessoa e um edifício. Se a resposta for sim, se conseguirmos atingir uma maior relação emocional, então terá valido a pena.
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Chris Bangle, director do design do grupo BMW, na apresentação da sua criação ao público, disponível no site www.youtube. com/watch?v=kTYiEkQYhWY
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Epílogo: A sofregidão
O sentimento crescente da arquitectura de ribalta recente é a sofreguidão: vontade última da exaltação, de ultrapassar, brilhar, chocar. Uma fusão entre extravagância das formas e tecnologia de ponta. Um neostreamlined
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design, versão orgânica, aplicado à arquitectura.
Veículo ideal para circular cosmopolitamente nos derradeiros circuitos de informação internacional instantânea. Nesta que é a civilização da informação. A afluência da tendência ao arrojo formalista deve-se à sua aceitação pública, mas sobretudo à escalada da sua aceitação profissional. Cessa o temor de exílio profissional a que o desrespeito, menosprezo pelo irracional, vivido no seio da profissão (reminiscências da supremacia histórica do racionalismo moderno) poderia transportar. Protegidos agora pela aquiescência do seu próprio universo laboral, irrompem livremente numa selvática sede de protagonismo, utilizando a melhor arma de sedução/ publicidade; a imagem. Uma imagem de progresso. Sofreguidão esta que se torna, acima de tudo, positiva pelo turbilhão de ideias que origina, vinculado à tolerância à diferença criativa do arquitecto. Tangencialmente, é em certa medida desadequada a sua influência que paira sobre a arquitectura corrente, a realizada no anonimato. Incentivando alterações de imagem em nome da tendência/moda e descuidando as evoluções de fundo. Introduzindo-as como uma técnica de merchandising - promoção do produto no mercado através unicamente do modo de apresentação e exposição. Uma paliação, uma máscara que gera o híbrido, fruto da fase de transição que enfrentamos na contemporaneidade. As ambiguidades e paradoxos habitam este tempo. É certamente nessas evoluções de fundo que reside a hesitação. Ânsia da mudança, dominada por temor da insegurança do desconhecido. Deveras transitamos, mas com destino incerto. Para onde? Para o quê? Faz tempo que
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Referência ao estilo streamelined de design industrial americano dos anos 50 e não à ramificação dentro do movimento modernista da arquitectura.
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abandonámos a pureza do modernismo, contudo atravessamos terra de ninguém. Esse lugar instável e imprevisível. Neste panorama, a “arquitectura das transformações” só poderá beneficiar dessa busca. Ela não é um sinónimo de mudança, mas a procura tem desencadeado e desencadeará as suas novas formas. Porém, na verdade, mesmo que toda essa procura cessasse de modo abrupto, o próprio tempo jogará a seu favor, moldando e flexibilizando o mais coeso dos sistemas. Ao longo deste trabalho fomos juntando o mais variado conhecimento sobre o mundo das transformações no seio da arquitectura: Falamos sobre o que foi feito e temos agora meios para reflectir acerca do que falta ainda fazer. Certamente que quando nos referimos ao que falta ainda fazer não subsiste uma pretensão generalista. Subjugamo-nos a essa infinidade de conceitos e tecnologias que ainda nem aspiramos visionar. Trabalharemos a partir do que imaginamos que poderão ser os próximos passos no encadeamento lógico e possível do desenvolvimento. Algumas das próximas mutações da nossa realidade. Passo a passo caminhamos para o futuro. Aproximamo-nos. Por vezes parece que quase lhe conseguimos tocar, tal a curiosidade que nos move. Mas é tudo uma ilusão, ele vai estar sempre por trás da próxima montanha. “ A angústia esconde-se no desconhecimento exacto do resultado, na ignorância dos fins, na aceitação social das formas, na desconfiança relativa às nossas conjecturas. Perguntar não significa mostrar inseguranças. Há que arriscar para equivocar. O medo paralisa. (…) A história amedronta. O perigo está em pensar no resto dos arquitectos. A imaginação arrisca-se. O sonho da experiência produz monstros convencionais, e além do mais não faz desaparecer os medos. Se tivéssemos medo não nos atreveríamos a ler. Se temos medo os sonhos desvanecer-se-ão.”
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“Para desfrutar da arquitectura, é preciso viajar com a imaginação, é preciso voar com a
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Frederico Soriano em Soriano Palácios. es pequeño llueve dentro ehay hormigas (ed. Amadeu Santacana) Barcelona, Actar, 2000. (Citado por Manuel Mendes em, GADANHO, Pedro e PEREIRA, Luís Tavares, Influx, arquitectura portuguesa re-
cente, Civilização editora, 2003).
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fantasia.”
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Olhando para tudo o aquilo que, pacientemente, a história nos ensinou, cabe-nos agora retribuir com toda a nossa paixão.
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ÁBALOS, Iñaki, A boa vida- visita guiada às casas da modernidade, Gustavo Gili SA, Barcelona, 2003. Em referencia a Alejandro de la Sota.
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