O CONTEXTO URBANO E O TERREIRO DE UMBANDA: ESTUDO SÓCIO ESPACIAL NA FRATERNIDADE TABAJARA
MARIA LUIZA DE BARROS RODRIGUES
FACULDADE BRASILEIRA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
MARIA LUIZA DE BARROS RODRIGUES
O CONTEXTO URBANO E O TERREIRO DE UMBANDA: ESTUDO SÓCIO ESPACIAL NA FRATERNIDADE TABAJARA
VITÓRIA - ES 2016
MARIA LUIZA DE BARROS RODRIGUES
O CONTEXTO URBANO E O TERREIRO DE UMBANDA: ESTUDO SÓCIO ESPACIAL NA FRATERNIDADE TABAJARA
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade Brasileira – MULTIVIX, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Andréa Curtiss Alvarenga
VITÓRIA - ES 2016
MARIA LUIZA DE BARROS RODRIGUES
O CONTEXTO URBANO E O TERREIRO DE UMBANDA: ESTUDO SÓCIO ESPACIAL NA FRATERNIDADE TABAJARA Trabalho Final de Graduação, apresentado à Faculdade Brasileira – MULTIVIX, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Vitória, 16 de novembro de 2016.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Profa. Ma. Andréa Curtiss Alvarenga Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora
________________________________________ Profa. Ma. Renata Morandi Lóra Universidade Federal do Espírito Santo
AGRADECIMENTOS Primeiramente, fora temer! É por acreditar que uma outra realidade é possível que este trabalho deu continuidade. Mais do que nunca, é hora de enfrentamento e resistência. Aos meus ancestrais, que me seguraram em meus vários momentos de fraqueza. À minha mãe e ao meu pai, que sempre fizeram de tudo para que eu estivesse onde estou hoje, por aguentarem todos os meus momentos de muito mau humor, aflições e me proporcionarem a educação e a arte. São meu alicerce. Ao meu maninho, que é meu companheiro da vida. E à toda minha família, que com muito amor acredita em mim e em tudo que faço. Ao povo de santo e à Fraternidade Tabajara, que me receberam sempre com carinho e novas histórias. Ao Genildo, por ter feito parte da construção desse trabalho me desorientando e acreditando em uma proposta de pesquisa sobre umbanda e cidade. À Andréa, por ser essa mulher inspiradora que sempre me acolheu e incentivou, trazendo leveza para esse processo final. E à todas professoras e todos professores que passaram pela minha vida. À FeNEA e ao movimento estudantil, que sem dúvida, foram grandes responsáveis pela construção do meu pensamento e pela percepção de outras realidades. Foi então que conheci lugares, fiz amigos e me engrandeci com as centenas de debates. Ao Coletivo de Negritude da FeNEA e aos diversos grupos do movimento negre, que me
permitiram participar de espaços essenciais para minha construção, aceitação e imposição perante a sociedade. À amizade, Ana Carolina, Lucas, Rafael, Rebeca, Marcelo, Thais, Larissa, Gisela, Fernanda, Quésede, estabelecida nesses cinco anos de faculdade, na base de muitas discussões, cobranças, noites mal dormidas e risadas. À amizade de luta, profissão e andanças, Renata, Xixa, Rebs, Karol, Beto, Debora, Gabriel, Saulo e tantos outros a quem me juntei nas vivências a fora. À cada pessoa que me quer bem. Que continuemos na luta.
RESUMO O trabalho busca refletir acerca da inserção de elementos culturais e religiosos no espaço urbano contemporâneo. Para isso, considera-se a perspectiva da umbanda como vetor constituinte da diversidade de usos da cidade e objeto das subjetividades provocadas pelos problemas oriundos do desenvolvimento sócio espacial. As percepções produzidas dessas análises são exemplificadas pelo estudo do Santuário de umbanda Fraternidade Tabajara, localizado no bairro Vila Prudêncio, em Cariacica, configurando-se em um dos terreiros mais antigos da Grande Vitória. Mostra-se, portanto, as relações estabelecidas entre a religião e o espaço urbano como condição de existência de ambos, de acordo com a noção de territorialidade. Essa compreensão revela as dificuldades de permanência, inserção e valorização da cultura na urbe, tão quanto, o urbanismo predominante encobre populações. Dessa forma, a partir da aproximação do território criado pelo terreiro, busca-se a ruptura de paradigmas hegemônicos que acabam por nortear em grande parte os estudos e produções do planejamento urbano. PALAVRAS-CHAVE: UMBANDA.TERREIRO.CIDADE.TERRITÓRIO.PERCEPÇÕES URBANAS
TERMO DE COMPROMISSO PELO USO DE INFORMAÇÕES Eu, Maria Luiza de Barros Rodrigues, graduanda do curso de arquitetura e urbanismo, da Faculdade Brasileira – MULTIVIX, sob a matrícula 12100109, utilizei imagens, em formato digital, de sessões e eventos promovidos pela Fraternidade Tabajara, assim como, trechos de diálogos com alguns de seus membros. Respeitando a intimidade religiosa e social de cada pessoa presente nos conteúdos e em acordo com a administração do local, comprometo-me a utilizar os materiais especificados apenas para a produção acadêmica.
Vitória, 16 de novembro de 2016.
LISTA DE FIGURA Figura 1 - Festa da Lavagem do Bonfim ................................................................... 43 Figura 2 - Bandas de congo da Serra são marcas da festa ao Santo ....................... 44 Figura 3 - Fiéis na procissão de devoção .................................................................. 45 Figura 4 - Festejos de Iemanjá, no dia 02 de fevereiro de 2016, na Praia de Camburi, em Vitória, Espírito Santo .......................................................................................... 46 Figura 5 - Oferenda na Avenida Reta da Penha, Vitória, no período da manhã ....... 48 Figura 6 - Obra de Debret "Negros vão à Igreja para serem batizados" (séc. XIX) ... 56 Figura 7 - Espaço de culto da Fraternidade Tabajara ............................................... 68 Figura 8 - Representação do lugar onde eram feitas as primeiras reuniões ............. 70 Figura 9 - Fraternidade Tabajara - Cariacica............................................................. 73 Figura 10 - Área em estudo em 1970 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 87 Figura 11 - Área em estudo em 1978 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 88 Figura 12 - Área em estudo em 1998 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 89 Figura 13 - Área em estudo em 2005 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 90 Figura 14 - Área em estudo em 2007 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 91
Figura 15 - Área em estudo em 2012 (destaque Fraternidade Tabajara) ................. 92 Figura 16 - Implantação da Fraternidade Tabajara ................................................... 94 Figura 17 - Início da construção da atual sede da Fraternidade Tabajara ................ 95 Figura 18 - Edificação já com os principais elementos arquitetônicos ...................... 96 Figura 19 - Colunas com detalhes dourado na entrada do templo e detalhe da fachada .................................................................................................................................. 97 Figura 20 - Janelas e quinas abauladas .................................................................... 98 Figura 21 - Planta baixa da atual sede da Fraternidade Tabajara............................. 99 Figura 22 - Entorno imediato da Fraternidade Tabajara, supõe-se que na década de 1960, com a movimentação promovida pelo templo. Destaque para o entorno ainda rural ......................................................................................................................... 100 Figura 23 - Panorâmica da paisagem urbana, vista da BR-101 .............................. 102 Figura 24 - Desenho da fachada ............................................................................. 102 Figura 25 - Análise da paisagem do entorno imediato ............................................ 104 Figura 26 - Análise da paisagem do entorno imediato, visto da Rodovia José Sette ................................................................................................................................ 104 Figura 27 - Entorno da Fraternidade Tabajara ........................................................ 105
Figura 28 - Monte Mochuara visto da Fraternidade Tabajara ................................. 106 Figura 29 - Público aguardando para entrar no templo da Fraternidade Tabajara em dia festivo, supostamente na década de 1980 ........................................................ 110 Figura 30- Homenagem à Xangô, em pedreira, Cariacica ...................................... 117 Figura 31 - Atividade realizada na cachoeira .......................................................... 118 Figura 32 - Homenagem a Iemanjá realizada pela Fraternidade Tabajara, na Praia de Coqueiral, em fevereiro de 2016 ............................................................................. 119
LISTA DE MAPA Mapa 1 – Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Brasil (Satélite) ......... 32 Mapa 2 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de brancos................................................................................................................. 33 Mapa 3 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de pardos .................................................................................................................. 34 Mapa 4 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de pretos ................................................................................................................... 35 Mapa 5 - Mapa de localização................................................................................... 72 Mapa 6 - Localização dos bairros em estudo no município de Cariacica .................. 76 Mapa 7 - Mapa de mobilidade da área ...................................................................... 79 Mapa 8 - Mapa de uso do solo .................................................................................. 82 Mapa 9 - Mapa de destaque metropolitano e igrejas da área em estudo .................. 84 Mapa 10 - Experiência cartográfica realizada a partir de sessão realizada na sextafeira, na Fraternidade Tabajara ............................................................................... 113 Mapa 11 – Principais usos da cidade por membros da Fraternidade Tabajara....... 115
LISTA DE GRÁFICO Gráfico 1 - Composição racial, Cantagalo – RJ......................................................... 36 Gráfico 2 - Composição racial, bairro Lagoa- RJ....................................................... 36
LISTA DE TABELA Tabela 1 - As religiões afro-brasileiras de 1980, 1991, 2000 e 2010 ........................ 63 Tabela 2 - As sete linhas da umbanda ..................................................................... 64 Tabela 3 - População residente na Região Administrativa 2 ..................................... 77 Tabela 4 - Acesso ao terreiro por transporte coletivo ................................................ 80 Tabela 5 - Distância da Fraternidade Tabajara ......................................................... 81
LISTA DE SIGLAS EEEFM – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IJSN – Instituto Jones dos Santos Neves IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Avançada IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional PMC – Prefeitura Municipal de Cariacica RMGV – Região Metropolitana da Grande Vitória SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEMCID – Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos SEMDUR – Secretaria de Desenvolvimento Urbano
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
16_
SUBJETIVAÇÕES NO ARRANJO URBANO
23
1.1 A CIDADE: SEGREGAÇÃO E INVISIBILIDADE
25
1.2 O ESPAÇO PÚBLICO E A RELIGIÃO
39
PRODUÇÃO DA MEMÓRIA E DA CULTURA PELA UMBANDA
52
2.1 A NARRATIVA DA UMBANDA
53
2.1.1 O conceito de terreiro
58
2.1.2 O surgimento da umbanda
59
2.1.3 Linhas (falanges) da umbanda
63
FRATERNIDADE TABAJARA, CARIACICA- ES
65
3.1 O CULTO NO TERREIRO DO FRATERNIDADE TABAJARA
66
3.1.1 Contexto histórico
69
3.1.2 As atuações
74
3.2 BAIRROS TABAJARA, VILA PRUDÊNCIO E PLANETA – CARIACICA
75
3.3 ARQUITETURA E INSERÇÃO NO ESPAÇO URBANO
93
3.3.1 Arquitetura na paisagem
100
3.4 APROXIMAÇÕES E SUBJETIVIDADES DO LUGAR
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO APÊNDICE
121 128 141 144
1 2 3
INTRODUÇÃO
introdução
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“A cidade é composta não apenas de uma pluralidade de indivíduos, mas ainda de elementos especificamente distintos” (Aristóteles)
O presente trabalho final de graduação traz como tema um estudo sócio espacial, a partir da identidade cultural, compreendida em um terreiro de umbanda existente, a Fraternidade Tabajara, localizada no município de Cariacica, Espírito Santo. Pretende-se abordar sua territorialidade1 para entender a organização do mesmo, concebida pelo urbanismo contemporâneo enquanto disciplina ordenadora que segrega e estigmatiza os participantes destas atividades. Para compreender o objeto e o modo como o urbanismo, predominantemente, encobre populações desfavorecidas, faz-se uma conceituação que visa colocar em embate o espaço urbano e a cultura. Para tanto, é necessário entender o primeiro como produção contínua, onde há uma abordagem multidisciplinar, destacando que o sujeito é uma composição de vetores (sociais, políticos, ambientais, etc.) que, também, se decompõe, ou, sofre processos de assujeitamento. Desse modo, para esta pesquisa, destacaremos a produção da cultura e religião como vetores importantes na composição desse sujeito integrante do terreiro de umbanda, a partir de seu cotidiano, suas práticas e suas temporalidades. Entende-se que os problemas oriundos do desenvolvimento urbano não são novos, assim como as dificuldades com os cultos mediúnicos, que não ficam apenas no plano religioso e mesmo com a variante de manifestações religiosas e culturais no Brasil, ainda há indagações que não se superaram. Assim sendo, entender os elementos em estudo como aqueles que compõem a formação identitária de um conjunto,
1 Segundo Soja (1971), territorialidades como relações sociais formatadas espacialmente.
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congruentemente, é entender a espacialização social na cidade. Portanto, este trabalho possui como objetivo geral a análise acerca da inserção do espaço religioso em meio urbano e sua influência na construção dessa estrutura. Com base nessa assertiva, soma-se ainda a este objetivo geral, objetivos específicos, os quais buscase compreender o processo de exclusão e/ou inclusão de um objeto na cidade, para a análise da dimensão dos impactos desses fatos ao desenvolvimento sócio espacial. Além disso, intenciona-se apontar as tendências de localização, deslocamentos e caracterização dos espaços edificados, assim como a análise das relações territoriais, desterritorialização e reterritorialização como consequência da inserção da religião na cidade e as apropriações realizadas em locais públicos. A aproximação com o tema se dá pela identificação com algumas vivências, acreditando que perpetua o modo excludente no qual a cidade ainda é produzida no século XXI. Isto posto, surge o ensejo de contribuir com um debate presente no cotidiano, porém ainda em supressão no âmbito acadêmico e profissional da arquitetura e urbanismo. Análise esta, que pretende mostrar a diversidade além dos modelos ocidentalizados de aprendizado, assim, o tema carrega além de tudo, a relevância de representatividade de uma parcela social. Não obstante a isso, a mudança da percepção sobre o fazer 2 a cidade torna-se relevante à medida em que se depara com a pluralidade das religiões de matriz africana, em questão, a umbanda, que segundo Jensen (2001), pode ser considerada
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Campos (2007) indica que o processo de construção espacial da cidade, em geral, não vem contemplando os grupos denominados “minorias’, portanto, fazer a cidade ainda pertence aos grupos socialmente mais representativos, que participam do processo como sujeitos históricos, enquanto aos demais resta acompanhá-los como massa.
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uma síntese de tradições religiosas distintas representadas pelos vários grupos étnicos e sociais do Brasil, que são frequentemente antagônicos, refletindo as tendências socioculturais dominantes na sociedade brasileira. Além disso, as interpretações sociológicas sobre o nascimento dessa religião, de acordo com Negrão (1993), assentam-se em sua tríplice condição de religião nacional, consolidada no momento da expansão do sistema urbano industrial do início do século XX, justamente nos centros urbanos mais importantes das regiões mais desenvolvidas do país. Concomitantemente às buscas e pesquisas iniciais, faz-se necessário um método capaz de assimilar a constante mudança e adequações no campo urbano e cultural. Por conseguinte, a metodologia consiste no embasamento teórico conceitual acerca dos objetos de estudo, sobretudo na busca da compreensão sobre termos e acontecimentos, a pesquisa empírica acerca das percepções sobre o lugar, seguido do trabalho de campo a ser realizado no terreiro da Fraternidade Tabajara, em Cariacica. Utiliza-se também de um diário de campo, a fim de resgatar falas, percepções e desenhos apontados durante o processo de pesquisa. A pesquisa documental e de dados produzida por instituições também foi realizada a fim de contrapor tais percepções e reproduzí-las. Devido a lacuna histórica e acadêmica acerca do tema, a dificuldade inicial consistiu na bibliografia referente à arquitetura religiosa de matriz-africana, sendo esta, uma dificuldade cultural, de como a inserção dessa manifestação religiosa se dá invisibilizada no contexto da cidade. Portanto, com este trabalho, pretende-se criar uma outra história de estudo para o âmbito de arquitetura e urbanismo, visando entender o espaço como formador e afirmador de história nesse campo, através de
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um trabalho teórico acerca da análise da configuração do espaço urbano pela ótica do lugar de religião como forma de resistência, indentitária e territorial. Para um melhor entendimento do conteúdo tratado nesta pesquisa, essa se divide em três capítulos principais, além da introdução. O capítulo um, intitulado “ Subjetivações no arranjo urbano”, tem como objetivo elucidar o espaço urbano como objeto de direta influência nas relações entre citadino e o espaço, enfatizado na importância da multidisciplinaridade. Este, divide-se em dois subcapítulos: “A cidade: segregação e invisibilidade”, onde buscará aproximar-se da discussão do desenvolvimento urbano pelo viés da identidade sócio espacial dos diversos grupos sociais inseridos nessa urbe,
pelos
estigmas
que
os
reiteram
e/ou
desqualificam,
sobretudo,
afrodescendentes e as religiões de matriz africana, e “O espaço público e a religião”, que expõe brevemente a relação de manifestações religiosas, com o meio urbano, vista também pelo panorama da intolerância produzida no mesmo. O capítulo dois, nomeado “Produção da memória e da cultura pela Umbanda”, consiste na aproximação da temática da umbanda, sendo dividido em um subcapítulo, dedicado à “A narrativa da umbanda”. O mesmo está destrinchado em três seções menores. A primeira delas, “O conceito de terreiro”, apresenta esclarecimentos sobre esse espaço, já a segunda, “ O surgimento da umbanda”, visa situar a religião através de seu histórico de criação, seguido da exposição dos principais elementos que a constituem, apontados como embasamento e também vistos em “Linhas (falanges) da umbanda”. A partir do aporte dado nas partes um e dois, o capítulo três faz a aproximação do objeto da pesquisa a partir do trabalho de campo no bairro Tabajara, em Cariacica,
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onde se localiza o Santuário Fraternidade Tabajara, desde 1940. O capítulo é dividido em quatro subcapítulos. Entendendo a diversidade de seguimentos da umbanda, o primeiro subcapítulo, “O culto no terreiro do Fraternidade Tabajara”, apresenta o histórico religioso, através das práticas em função do tempo, local, ou até mesmo de outros agentes, exemplificado pelo local de estudo. O segundo subcapítulo, “Bairros Tabajara, Vila Prudêncio e Planeta - Cariacica”, apresentará a localização de inserção do Terreiro, visando levantar dados sociais, econômicos, urbanos e culturais relevantes em relação ao Bairro, para revelar as circunstâncias abordadas nos capítulos anteriores, demonstrando a importância do objeto no desenvolvimento do Bairro. Segue pelo subcapítulo três, “Arquitetura e inserção no espaço urbano”, que evidenciará percepção acerca do espaço religioso na dinâmica do Bairro e na paisagem local. Por fim, no subcapítulo quatro, “Aproximações e subjetividades do lugar”, objetiva-se analisar as especificidades relacionadas ao objeto em estudo, como por exemplo o uso do espaço urbano pela Instituição, através de apropriações e vivências, a partir dos capítulos anteriores e do trabalho de campo. Visto os estudos e análises obtidos no percorrer dos capítulos, demonstra também alguns questionamentos surgidos durante o desenvolvimento da pesquisa, objeções e ótica geradas. Nesse contexto, o trabalho propõe uma imersão na umbanda, a partir da análise sobre o desenvolvimento urbano e as problemáticas advindas, principalmente, de um poder hegemônico que está à frente das modificações no espaço urbano, gerando espaços segregados e/ou segregadores dentro da cidade. Com o histórico de formação da religião em estudo, é possível que se discorra sobre aspectos contextuais levando ao melhor entendimento das diferenças existentes na composição da cidade, para
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que elas possam assumir a diretriz na concepção de criação do território, buscando outras possibilidades para seus personagens e novas intervenções.
CAPÍTULO 1
SUBJETIVAÇÕES NO ARRANJO URBANO
capítulo 1 – subjetivações no arranjo urbano
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A inquietude acerca das complexidades e contradições presentes no contexto urbano leva a acreditar que as dificuldades serão passíveis de superação quando outros campos do saber forem explorados e desta forma, produzir conhecimentos que acrescente aos já assentados. Assim, faz-se necessário buscar o apoio nas ciências sociais e na geografia para que a cidade seja pensada de forma menos segregada, levando em consideração seus novos arranjos provenientes do desenvolvimento urbano. [...] Como podemos caracterizar esses ‘novos arranjos urbanos’? Vários elementos são indicados pelos estudiosos do assunto. Alguns enfatizam a experiência da velocidade dos deslocamentos na cidade que transforma o espaço urbano num lugar de passagem (Sennett, 2001 apud. NETO, 2004, p. 7)
Os modos de subjetivação levam a perceber e interpretar encontros na cidade, práticas cotidianas e percepções que induzem a revelação das mais diferentes relações sócio espaciais, tendo como apoio o conceito de dobra3 proposto por Deleuze, para pensar o experimento contemporâneo. Para tanto, entende-se a dobra como subjetivação por conta do processo pelo qual se produzem determinados territórios existenciais em uma formação histórica específica. De acordo com Silva (2004), pode-se dizer que “um processo de subjetivação traduz o modo singular pelo qual se produz a flexão ou a curvatura de um certo tipo de relação de força. Cada formação histórica irá ‘dobrar’ diferentemente a composição de forças que atravessa, dando-lhe um sentido particular”. Portanto, esta ideia torna-se substancial para pensar a produção e relações de espaços urbanos, que no decorrer do tempo, adquire diferentes configurações.
3
Deleuze apresenta quatro dobras: corpo, poder, saber e espera, apresentado em algumas de suas obras como: Foucault (1988).
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O papel do objeto em estudo na produção urbana e como está inserido nas transformações do lugar onde se encontra, concentra reflexões na organização espacial das relações entre povo e cidade. Desta forma, aporta-se na ideia de Neto (2004), que isso é parte da produção de um processo de subjetivação coletivo, centrado na segregação, retroalimentada por ambos os polos envolvidos. Cabe a nós: sufocados por esses fluxos de opressão coletiva, a recusa desses processos hoje dominantes e, nosso cenário urbano? Que outras possibilidades de apropriação do espaço urbano podemos pensar e viver nesse contexto, fora da equação diferença/ desigualdade/ segregação? (NETO, 2004, p.8).
1.1 A CIDADE: SEGREGAÇÃO E INVISIBILIDADE Na cidade, todos cidadãos possuem os mesmos direitos constitucionais, tendo a função social da propriedade como um de seus princípios norteadores. Entretanto, a imensa e rápida urbanização pela qual grande parcela das cidades brasileiras passou, foi
uma
das
Primordialmente,
principais em
questões
razão
dos
sociais novos
experienciadas arranjos
urbanos
no
século
gerados
XX. pelo
desenvolvimento urbano, que segundo Teixeira (2010), tornaram as relações mais complexas, intensas e abrangentes, faz-se importante discutir as relações de poder entre indivíduos e grupos, abordando o conceito de território como categoria de análise desses processos espaciais. Para Raffestin (1993), é necessário compreender que o espaço é anterior ao território, pois o território se forma a partir do espaço, sendo o resultado de uma ação conduzida por um ator. Entende-se que, por meio de atores diversos, as relações de poder se apropriam do espaço e formam territórios, imprimindo suas características relacionadas de acordo com objetivos. Partindo desta premissa, para Teixeira (2010):
capítulo 1 – subjetivações no arranjo urbano
26
pode se afirmar que a análise territorial ao abordar diretamente os atores e suas relações, estuda quais são as causas dos problemas ou da realidade local, caracterizando um tipo de estudo que pesquisa as raízes dos problemas e posteriormente suas (TEIXEIRA, 2010, p.1).
Raffestin (1993) afirma que a produção do território se dá pelas relações de produção, consequentemente as relações de poder, do Estado ao indivíduo, através de malhas, nós e redes. Ademais, outra contribuição considerável é a de Saquet (2007), ao concluir que o território se encontra como uma abordagem simbólica-cultural, histórica,
multiescalar,
dentro
da
relação
territorialização-desterritorialização
reterritorialização, material e imaterial, relacional, ideário, uno e múltiplo, auxiliando para o entendimento dos sujeitos e processos das problemáticas sócio espaciais. Decorrente desse raciocínio, é interessante acrescentar o pensamento de Haesbaert (2007), ao observar que enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, diverso e complexo, diferente do território unifuncional reproduzido pela lógica capitalista hegemônica. Dada a complexidade, percebe-se que a sociabilidade humana sobre essa densa rede, abrange diversas escalas tanto geográficas e urbanas, quanto sociais, sendo desta forma, segundo Soja (1971), a territorialidade dos grupos de indivíduos composta por três elementos: um sentido de identidade espacial, um sentido de exclusividade e uma compartimentação da interação humana no espaço. De fato, aliado ao sentido de território, o processo de urbanização acelerado em grande parte das cidades brasileiras no século XX, foi precedido pelo modelo de cidade funcional racionalista, adotada em diversos lugares no período pós-guerra pelo movimento pré-modernista. Esse urbanismo pré-modernista apresenta características influenciadas pelas propostas higienistas e sanitaristas, que de acordo com Campos
capítulo 1 – subjetivações no arranjo urbano
27
(2006), tornou-se importante para a organização espacial das cidades brasileiras que foram idealizadas entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX. Esse modelo então, passa a ter seus valores de ocupação e construção questionados e, teóricos como Lefebvre (1991), indicam transformações no modo de percepção do cotidiano nas cidades. [...] escreveu sua “Crítica da vida cotidiana” na década de 1950, apontando para uma nova forma social de observar a vida reduzida à perda dos sentidos, à manutenção de uma falsa consciência e à aquisição de um pseudoconhecimento sem nenhuma participação própria, isto é, mostrava que o cotidiano estava se transformando no instrumento que bloqueava as possibilidades de transformação da sociedade (PORTELA, 2007, p.12).
Assim sendo, pode-se pensar que a segregação sócio espacial no Brasil tem agravamento nesse período. Entendendo o mundo como uma constante condição de pertencimento, repleto de declarações sobre novas realidades, Portela (2007) disserta que todos esses debates e produções culturais, que se espalharam mundo afora, foram tentativas de dar outra orientação ética, estética e política à modernidade funcionalista, e terminaram por criar um processo ambivalente (BAUMAN,1999 apud. PORTELA, 2007). Tendo em vista o contexto exposto, para Portela (2007), o debate sobre o pósmodernismo, pode adquirir caráter de ser mais um estado de coisas do que um movimento em si, sendo, portanto, amplamente mais profundo e amplo do que o que foi apresentado. Porém, esse pequeno recorte serve para definir a contingência da cultura e identidade da população considerada “minoria”, assim como suas reivindicações frente ao poder assentado pela hegemonia do capitalismo. Assim, o tempo e espaço contemporâneo é marcado pelas diferentes formas de territórios e processos. Entretanto, Portela (2007) afirma que a emergência dessas
capítulo 1 – subjetivações no arranjo urbano
28
formas e processos das minorias na política não acabou, uma vez que, as soberanias capitalísticas ainda possuem o controle dos modos de produção. Ademais, sabendo da dificuldade, mas sem aprofundamento, recorre-se também, ao conceito de heterotopia explanado por Foucault no texto “Des espaces autres”, de 1967, onde apresenta uma abordagem espacial que vai ao encontro com o entendimento de uma sociedade formada de pluralidade. Nesse sentido, o autor relaciona espaço ao dinamismo social, assim como às mudanças e ao surgimento de novas representações. “A época atual será talvez, sobretudo, a época do espaço. Nós estamos na época do simultâneo, nós estamos na época da justaposição, na época do próximo e do distante, do lado a lado, do disperso. Nós estamos em um momento no qual o mundo se faz sentir, creio eu, menos como uma grande vida que se desenvolverá através dos tempos do que como uma rede que liga pontos e que entrecruza seus laços” (FOUCAULT, 1984, p.411).
Porquanto, pensar o espaço urbano através da organização espacial de grupos e classes sociais alude incontáveis problemas (sociais, econômicos, ideológicos, etc). Dentre eles, destaca-se a falta de moradia, favelização, periferização, segregação e invisibilidade, e a cidade se torna cada vez mais o palco de atuação desses agentes diversos. Negri (2008), aborda essa materialização através da segregação sócio espacial, demonstrando que a classe alta controla e produz o espaço urbano, de acordo com seus interesses, tratando-se, portanto, de uma relação de efeito do espaço sobre o social. Uma suposição é que atualmente, essa relação se dá principalmente em função dos fatores econômicos, devido a maneira de distribuição das classes no espaço urbano, que depende do acúmulo de capital que cada um consegue ter. Agregando então, aos fatores culturais e étnicos, entende-se que a segregação não é unicamente um motivo
capítulo 1 – subjetivações no arranjo urbano
29
de divisão de classes nesse espaço, mas igualmente uma ferramenta de controle desse espaço. Ainda de acordo com Negri (2008), para um espaço urbano em crescimento acelerado, a homogeneização social de alguns bairros forma identidades próprias, marcadas no espaço pelo nível de renda. Essas identidades são notáveis pelas características das construções e modo como organizam o espaço no qual estão inseridos os bairros. Isso cria uma forte disparidade com relação a outros bairros do espaço intra-urbano, tanto social, como cultural e espacialmente (NEGRI, 2008). Nota-se, ainda, que há contração da qualidade de vida da população, quando se relaciona ao seu acesso a recursos básicos oferecidos pela cidade, apresentando também, um detrimento cultural no que tange o modo como essa população passa a ver o ambiente inserido a partir da consciência de seu estado segregado no espaço e na sociedade. Nesse sentido, Negri (2008) apresenta a posição de Lefebvre (1998)4 ao afirmar que “a alienação urbana envolve e perpetua todas as alienações. Nela, por ela, a segregação generaliza-se: por classe, bairro, profissão, idade, etnia, sexo”. Congruentemente, ao tratar de mudanças realizadas no espaço urbano nacional, observando suas concepções, verifica-se também como princípio o eugenismo, que aparece em alguns estudos atrelado com o higienismo e sanitarismo. De acordo com Campos (2006), a dupla “higienismo-sanitarismo foi responsável pela reestruturação urbana do espaço construído e dos valores a ele agregados, enquanto o eugenismo tinha como objetivo pensar o povo de acordo com a pureza ou não da raça”.
4
LEFEBVRE, Henry. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p.89. (apud. NEGRI, 2008).
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O termo eugenia, boa (eu) geração (genus), segundo nos informa SCHAWARCZ (1993, p. 60), foi criado em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton (...) Transformada em vigoroso movimento científico e social a partir da década de 1880, a eugenia cumpria metas diversas (CAMPOS, 2006, p.136).
Dessa forma, é considerável pensar que o movimento eugênico incentivou uma organização racional ao introduzir novas políticas sociais de intervenção, sustentando grande parte das aplicações urbanísticas brasileira no século XX. As determinações urbanas associadas às concepções eugênicas “tiveram importante papel normativo nas cidades brasileiras” (CAMPOS, 2006). Partindo da premissa de que o conhecimento eugenista promoveu influência na concepção de cidade, não há viabilidade de acatar a ideia de que grupos sociais tenham lugar fadado na trama urbana, dado que a sociedade é resultante da história de cada grupo e para Campos (2006), não é o caso de uma determinação natural, na qual se destinam os locais mais valorizados para as elites econômicas e/ou políticas, e os locais de menor valor para os grupos menos favorecidos. Entendendo o urbano como esse espaço que surge de diversas formas aos olhos dos citadinos, tendo no mesmo, várias identidades apresentadas como um enigma, o pertencer à cidade também ocorre de diferentes maneiras a medida em que, mesmo que de forma espontânea e despercebida, planejam nela suas vidas e estabelecem suas relações. Desta forma, o estado de visibilidade na cidade passa pela condecoração da identidade, pela visão diante a seus semelhantes e pela diferenciação do outro. Para RIBEIRO (2009), a identidade e, da mesma forma, a diferença constituem relações sociais e, sendo assim, ambas estão sujeitas aos vetores de força, às relações de
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poder. Identidade e diferença não se definem pura e simplesmente, convivendo em harmonia. Tal poder estabelece normas de diferenciação, imprimindo suas marcas, e inclui ou exclui, ao mesmo tempo, demarcando suas fronteiras, configurando os processos de invisibilidade e visibilidade, categorizando e ordenando os indivíduos. A cidade do Rio de Janeiro se mostra como exemplo nítido de cidade segregada com a atuação de poder proporcionando a invisibilidade de populações, levando em conta, principalmente, o fator racial. Através de estudos e mapeamentos, Gusmão (2015) utiliza de dados do último censo (2010) para mapear a distribuição racial e exemplificar a segregação na região metropolitana de tal cidade, demonstrando a divisão racial que a caracteriza (Mapas 1, 2, 3 e 4).
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Mapa 1 – Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Brasil (Satélite)
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
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Mapa 2 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de brancos
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
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Mapa 3 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de pardos
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
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Mapa 4 - Mapa racial de pontos: Cidade do Rio de Janeiro – Exibindo a concentração de pretos
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
Observa-se nos mapas, que as religiões mais próximas à praia, consequentemente, com maiores valores imobiliários, possuem a população altamente branca, enquanto, as regiões mais afastadas da praia possuem composição racial mais dispersa, destacando, que no mapa, a grande concentração de negros e pardos está em sua maioria nos morros e favelas da Cidade. Portanto, os mapas exibem uma representação visual impetuosa sobre as desigualdades raciais existentes, na qual, a concentração de brancos nas áreas mais ricas e de pretos nas áreas mais pobres
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(Gráficos 1 e 2), indica a dissertativa de que a segregação racial apresenta raízes na drástica história do Rio no período escravocrata. Gráfico 1 - Composição racial, Cantagalo – RJ
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
Gráfico 2 - Composição racial, bairro Lagoa- RJ
Fonte: Hugo Gusmão, 2015.
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A criminalização de pobres, negros e moradores de áreas periurbanas, evidenciada recentemente na política5 de limitação do uso da cidade para jovens negros da zona norte para as praias, assim como, a mudança em rotas de ônibus, consolidam a desigualdade espacial e exclusão por parte da população da cidade. Dessa forma, a segregação sócio espacial é um desses desdobramentos do imaginário imposto pelos grupos socialmente dominantes, que de acordo com Campos (2006), é resultado óbvio das relações heterônomas estabelecidas entre os vários grupos e/ou no interior de um dado grupo. Além do exposto, Campos (2006) exemplifica ainda, que no Rio de Janeiro: Nas duas primeiras décadas do século XX, o estreitamento do acordo entre Estado, capital imobiliário e o setor de transporte presente na Zona Sul da cidade é o meio operador da lógica de construir impedimentos espaciais de maneira implícita. Eles impediram, de certa maneira, que os grupos enquadrados com essa especificidade encontrassem meios para ocupar essa parte da cidade de forma mais efetiva. Essa restrição em parte se justifica pela cessão de direitos da administração pública à iniciativa privada ligada ao setor de transporte que, em geral, era a mesma que dava as “cartas” no setor imobiliário (CAMPOS, 2006, p.145).
Denota-se que, assim como alguns indivíduos, a cidade também pode permanecer invisível aos sentidos, até o momento em que estes são despertados por estímulos, que corriqueiramente são difíceis de captar, que segundo Ribeiro (2009), ao quebrar a rotina, a cidade permite que se descubra uma nova face e um novo olhar sobre o
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Em agosto de 2015, foi montado sistema de bloqueios em várias partes da Zona Sul do Rio de Janeiro, onde policiais militares paravam ônibus vindos das favelas da Zona Norte. Em uma dessas operações, um grupo de quinze jovens, a maioria da periferia do Rio de Janeiro foi apreendido, sem que nenhum deles portasse drogas, armas ou tivesse cometido qualquer atitude suspeita que justificasse a intervenção.
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seu espaço. Da mesma forma que o transeunte se apresenta como móvel, a cidade também se modifica. No campo do planejamento urbano, inerentemente multidisciplinar, os profissionais de arquitetura e urbanismo assumem um papel importante nessa conjuntura, já que tendem a ser profissionais habilitados a visualizar nos espaços os vetores que participantes da construção dos planos dessa rede. Engajar-se na transformação da cidade rumo à superação da ordem urbanística excludente e predatória pode ser amparado no Estatuto das Cidades como instrumento fundamental. Entretanto, como já é percebido, utilizar desse marco legal para angariar melhorias ao espaço de todos e propor reconstruções ao território é apenas o começo de uma trajetória. Portela (2007) demarca a importância desse profissional na interlocução entre diferentes sujeitos sociais, responsáveis por produzirem o espaço urbano, porém ainda questiona, se os instrumentos criados por esse agenciamento satisfazem os diversos interesses, inclusive, se é capaz de promover a participação e preservação de todas as culturas presentes na sociedade. Segue, portanto, essa tentativa modesta de tratar questões de espaço e lugar, aliada a algumas preocupações relacionadas, como as de deslocamento, espaço e identidade. Contribuir com a articulação com o modo renovado sobre a teorização do espaço no pós-modernismo – embasado em noções de territorialização e segregação - faz a condução à observação de conceitos como o de “cultura” e, por extensão, a ideia de “diferença cultural”. A premissa da descontinuidade configura o ponto a partir do qual são teorizados o contato, o conflito e a contradição entre culturas e
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sociedades. (GUPTA in: ARANTES, 2000)6, acreditando, então, que o espaço produzido está condicionado ao social.
1.2 O ESPAÇO PÚBLICO E A RELIGIÃO Antes de iniciar o debate acerca da construção da identidade da religião no espaço público, faz-se necessária a exposição sobre idealizações de espaço. Partindo da ótica de Ana Bonifácio, o espaço público de utilização coletiva é o componente do território urbano que maior capacidade tem de evidenciar os resultados materiais ou intangíveis das transformações que a cidade, enquanto organismo vivo está sujeita (BONIFÁCIO in: SEIXAS, 2003). Paralelamente, Lefebvre (2008) afirma que a produção do espaço é um processo repetido, composto por contradições e conflitos, e primordial no “estabelecimento de uma totalidade, de uma lógica, de um sistema, precisamente quando se pode deduzilo desse sistema” (LEFEBVRE, 2008). Após conceber o espaço, inicialmente, como puro, inteligível e transparente em sua forma, “articulando o social e o mental, o teórico e o prático, o ideal e o real”; como “produto da sociedade, constatável e dependente, antes de tudo, da constatação, portanto, da descrição empírica antes de qualquer teorização” (2008, p.43) e como uma mediação, um meio do caminho, manipulável individual ou coletivamente, que embute uma ideologia e um saber a fim de garantir a reprodução das estruturas de poder (2008, p.45), finalmente Lefebvre resgata a terceira concepção e acrescenta, numa análise mais profunda, que o espaço “seria (...) uma espécie de esquema num sentido dinâmico comum às atividades diversas, trabalhos divididos, cotidianidade, artes, espaços efetuados pelos arquitetos e urbanistas” (LEEFEBVRE, 2008, p.48 apud. MORAIS, 2014, p.3).
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ARANTES, Antonio (Org.). O espaço da diferença. Campinas, Sp: Papirus Editora, 2000. 302 p.
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Existem
várias
definições
possíveis
de
atribuição
ao
espaço,
por
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ser
concomitantemente homogêneo, abstrato e concreto, entretanto, no contexto exposto, ele pode ser potencializado como pertencente do domínio coletivo e como referência no reconhecimento, orientação e identificação do indivíduo em meio urbano. Ou seja, o espaço materializador e conciliador de identidade da, e na cidade, sendo (re) produtor dialético das relações que envolvem as produções diversas (econômica, lazer, artística, etc.). A fim de obter a possibilidade dos mais diversos grupos poderem construir o direito de constituir e permanecer no espaço público, concebido aqui como local do compartilhamento entre diferentes e emergido por conflitos de interesses e comportamentos, para Morais (2014) há a necessidade de acordos e regulações. Como local da cena pública entendida como objeto que se manifesta pela pluralidade através de ícones e práticas que mostram identidades divergentes, acredita-se ser capaz de construir uma melhor condição de cidadania e democracia através do acesso ao espaço público. Pretende-se abordar o espaço público como um aspecto, um componente importante de vários processos sociais e políticos que ocorrem no país. De acordo com Birman (2003) a história de muitas manifestações culturais e religiosas se construíram tendo como palco de acontecimentos importantes o espaço público, juntamente com remodelações quanto aos modos de configuração e aos lugares de referências na construção da identidade. Ao nos direcionarmos para a complexidade do espaço público das sociedades contemporâneas, levando em conta também como lugar de acontecimentos do oficio
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religioso, é perceptível a ampliação do campo de reflexões através das análises promovidas pelos entrelaçamentos, conflitos e características que o religioso participa, assim como os outros componentes da sociedade. Quando se pretende estudar o processo de inserção cultural, os conceitos de memória e identidade se tornam referência, que passam a ser analisados de forma associada a forma de organização social ou comunidade de indivíduos. De acordo com Pollak (apud. Santos, 2011), existem três tipos de critérios para se localizar a memória, constituída de: a) pessoas, personagens, b) lugares e c) locais distantes no tempo e espaço de uma determinada pessoa ou grupo social. Ademais, afirma que a memória é um fenômeno construído social e individualmente. Por sua vez a identidade, ainda segundo Pollak (apud. Santos, 2011), é formada a partir da unidade física, da continuidade dentro do tempo e o sentimento de coerência, sendo observada nesse ponto, a relação entre a memória e identidade. Dessa forma, a identidade social como valor de memória, torna-se valor de disputas políticas e sociais. Tendo em vista o reconhecimento da importância desse espaço e a necessidade de promover a sua requalificação ou produção consciente de construir e habitar a “cidade transdisciplinar” de hoje, por analogia, as religiões de matriz africana ainda ocupam um lugar desafortunado na sociedade civil, ao se tratar da visão polarizada no qual o espaço é organizado. Para Pires (Pires in: Santos, 2012), há esforço tanto do Estado brasileiro, como parcela significativa da sociedade civil organizada, com o intuito de fortalecer a construção societária plurirracial, para conceber o espaço urbano com vistas a reorganizá-lo, a fim de atender as demandas dos grupos sociais que nele se inserem.
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A exemplo, algumas manifestações religiosas com matriz afro-brasileira adquiriram importância ao ocupar espaços públicos, como acontece em Salvador, Bahia, a festa do Nosso Senhor do Bonfim (Figura 1), reconhecida como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo IPHAN, no final de 2013. De acordo com o Portal de comunicação do IPHAN, a mesma acontece sem interrupção desde o ano de 1745, atraindo para a capital baiana um grande número de participantes, além de articular duas matrizes religiosas distintas – a católica e a afro-brasileira – assim como envolve diversas expressões da cultura e da vida social soteropolitana. Além disso, a capoeira, as baianas de acarajé, o jongo da região Sudeste e o samba de roda do recôncavo já são considerados bens protegidos (IPHAN, 2014). Como uma das principais festas culturais do Brasil, a celebração é símbolo na manutenção da cultura baiana e na visibilidade de grupos sociais. De acordo com o Portal Brasil (2013), a lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim começou a tomar forma quando os escravos eram obrigados a lavar o templo para a festa celebrada após o Dia de Reis. Nesse período, os negros escravizados começaram a reverenciar Oxalá, o pai de todos os orixás e o cortejo até a Colina Sagrada passou a ser marcado por muita dança, o que provocou a proibição da lavagem da igreja, em 1889, por um arcebispo da Igreja Católica. Com o passar do tempo, o rito voltou a acontecer e além do contexto religioso, a Lavagem do Bonfim é caracterizada pela festa que acompanha o trajeto do cortejo (PORTAL BRASIL, 2013).
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Figura 1 - Festa da Lavagem do Bonfim
Fonte: Pinterest.
Da mesma forma, as congadas e os bailados presentes em diversas regiões do Brasil durante o período imperial, apresentam traços de matrizes culturais africanas como origem. No âmbito do estado do Espírito Santo, o congo representa um dos símbolos mais significativos da cultura capixaba, congruentemente, a devoção ao São Benedito no Estado, principalmente no município de Serra, sendo marcada por festejos populares que foram sendo realizadas como: [...] pagamento de promessa por parte de escravos que se salvaram de um naufrágio agarrando-se ao mastro do navio. O mastro é transportado num barco que leva o nome de Palermo, em homenagem à terra natal de São Benedito, segue cortejo por diversas ruas da cidade da Serra, sendo o barco puxado pela multidão de fiéis ao som das batidas e cantorias das bandas de
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congo (...) O evento culmina, já de noite, com a fincada do mastro na praça em frente à matriz da cidade (CAPAI, 2009)7.
Através dessa manifestação, a festa de São Benedito, no município de Serra, ganhou opulência e tornou-se a mais movimentada e tradicional festa de puxada, fincada e retirada do mastro de São Benedito no Estado, como pode ser observado nas Figuras 3 e 4. Cada uma dessas etapas possui seus rituais a serem seguidos, desde o corte do tronco em meio a mata na Serra Sede, passando pelos festejos com a procissão, até a derrubada do mastro, que acontece em frente à Igreja matriz do município. Figura 2 - Bandas de congo da Serra são marcas da festa ao Santo
Fonte: Portal Tempo Novo.
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CAPAI, Humberto (Coord.) Atlas do Folclore Capixaba. Espírito Santo; Sebrae/ES; 2009, p. 84
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Figura 3 - Fiéis na procissão de devoção
Fonte: Portal Tempo Novo.
No município de Vitória, o Píer de Iemanjá pode ser observado como ponto de encontro entre o espaço público e devoção. Localizado no início da Praia de Camburi, a estátua de Iemanjá foi inaugurada no dia dois de fevereiro de 1988 pelo prefeito vigente Hermes Laranja e segundo relatos, na época a igreja católica foi contra a instalação da mesma, acarretando em polêmicas em torno das crenças. Atualmente, esse lugar é marcado por levar centenas de fiéis e devotos de diferentes religiões a fim da celebração e da realização de suas oferendas, especialmente nas datas de 31 de dezembro e 2 de fevereiro. De acordo com dados da Semcid, as festividades no Píer já fazem parte do calendário do município, isso faz com que tais
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comemorações sejam cada vez mais importantes e inseridas no calendário de festas populares do Espírito Santo, contribuindo para a discussão das heranças culturais do processo de formação social. A Figura 4 ilustra os festejos de Iemanjá, na proximidade do Píer, na Praia de Camburi. Figura 4 - Festejos de Iemanjá, no dia 02 de fevereiro de 2016, na Praia de Camburi, em Vitória, Espírito Santo
Fonte: Rafael Segatto, 2016. Ambas manifestações, o congo, a devoção à São Benedito e à Iemanjá, apresentam como marca um forte hibridismo, analisado tanto pela história do santo negro e sua integração à cultura brasileira, quanto pela história do congo, com tradições transladas para o Brasil pelos negros, dando origem ao movimento sincrético na cultura brasileira.
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Em contrapartida, nem todas as práticas advindas das religiões de matriz africana são aceitas no âmbito público. A exemplo da necessidade de espaços públicos (Figura 5), como praças, praias e ruas, para a realização de procedimentos da umbanda e do candomblé, ainda promovendo o conflito por esses espaços apropriados, tornando-se um dos grandes dilemas para a manutenção de rituais dessas religiões em áreas metropolitanas. Para Morais (2014), o “uso de espaços públicos, na umbanda, faz parte da essência das práticas rituais”. Para entender o motivo de tais procedimentos, Morais (2014) recorre a alguns autores, “a fim de explicar o que significa reverenciar e adorar as forças energéticas que emanam das encruzilhadas, praças, rochas, águas, solos, árvores e folhas”. Como tais práticas transmutam o espaço público em espaço sagrado, percebe-se como o espaço se torna local da manifestação do sagrado revelada em objetos, como árvores, matas e cachoeiras.
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Figura 5 - Oferenda na Avenida Reta da Penha, Vitória, no período da manhã
Fonte: Camila Ciccarone, 2013.
Essas práticas mostram uma construção identitária constituída pelo processo histórico, porém, suscetíveis a relações de poder, obtendo assim, caráter dinâmico e multifacetado. Dentro dessa perspectiva, torna-se imprescindível discutir como são procedidas as identidades de tais grupos, que se modificam e se expressam em vários territórios, assim como, torna-se pertinente refletir acerca das definições de patrimônio e preservação de seus espaços. Visto que, apenas o que era previsto no que se diz respeito às religiões de matriz africanas, volta-se para o direito à liberdade de consciência e de crença ao livre exercício dos cultos religiosos. Assim, dispõe a LEI Nº 12288:
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Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; [...] VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais. (Julho de 2010, capítulo III, at. 23 e 24, incisos I, II e VII)
De acordo com dados do IPEA (2014), ao longo das duas últimas décadas, o IPHAN fomentou alguns levantamentos para identificação de terreiros de matrizes africanas em diversos estados, trabalhando de forma articulada, desde 2009, com a Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e a Fundação Cultural Palmares (FCP). O primeiro terreiro, Casa branca do Engenho Velho, na Bahia, foi tombado em 1981, e atualmente, ainda estão em estudo a proteção de dezenas de espaços religiosos de matriz africana. Além de espaço religioso, os terreiros também representam lugares de resistência. A necessidade de reconhecimento e, em alguns casos, a proteção dos territórios de matriz africana nas cidades assume caráter primordial, através de ações de visibilidade e gestão territorial. Entretanto, é importante ressaltar que, a legislação que antes previa a preservação de patrimônios arquitetônicos no espaço urbano, passa a proteger também esses espaços de resistência, caracterizados por não serem espaços não cristalizados, suscetíveis a mudanças advindas da liturgia.
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Salienta-se ainda, que diante do processo de intolerância sobre essas religiões, as medidas de proteção poderão “vir a ser um instrumento facilitador na busca da cidadania, ao viabilizar, para as comunidades, o reconhecimento e a legitimidade de espaços públicos para a perpetuação da religião” (MORAIS, 2014). Tal fato é que, diante da realidade, ainda ao se tratar de intolerância religiosa sofrida principalmente pelo candomblé e pela umbanda, deve-se pensar no papel cultural que ambas possuem dentro do território de disputa que a cidade se configura, para que todos possuam voz. Para isso, essa proteção também deve ser compreendida na esfera sociológica. Embora o número de adeptos de religiões de matriz africana no Brasil seja demonstrado por dados de instituições como IBGE (segundo CENSO 2010, a umbanda e o candomblé somam 588.797 adeptos no Brasil, a ser visto na Tabela 1), ainda há de questionar tal quantitativo, uma vez que, é contabilizado como adepto apenas aqueles que se auto intitularam, conflitando, portanto, com o quadro de multipertença de diversas pessoas, além do receio de aceitabilidade e invisibilidade na sociedade. A intolerância religiosa pode ser observada na história do Brasil desde a chegada dos portugueses, já que, nas primeiras missões, havia a clara intenção de converter os índios e os escravos ao catolicismo. Ao longo dos séculos, essa ideia parece ter sido perpetuada. Dessa maneira, os dados de levantamentos e estudos podem ser usufruídos também para trazer uma visibilidade a ser utilizada em políticas públicas. Diante do exposto, mostra-se evidente a necessidade de enfrentamento do processo secular de estigmatização das culturas de matriz africana, assim como suas práticas religiosas, empenhando a sociedade e participantes do planejamento urbano a
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refletirem sobre a importância do respeito às diferenças de práticas religiosas. Portanto, atualmente há o desafio de, democraticamente, recriar e repensar espaço público enquanto território catalisador de sociabilidade, fundamental num processo de reequilíbrio social.
CAPÍTULO 2
PRODUÇÃO DA MEMÓRIA E DA CULTURA PELA UMBANDA
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Diante da apreensão proposta na pesquisa, o campo da umbanda tem demonstrado sua complexidade a cada passo adentro de seu espaço, reafirmando a diversidade de detalhes e da importância da vivência. Entendendo esse enredamento, não se busca adentrar sua plenitude, ficando evidente as limitações da prática religiosa, mas sim entender alguns de seus principais elementos a fim de averiguar e explanar a relação destes com o território no qual está inserido. Apesar das dificuldades, através da compreensão do processo de pesquisa percebese que um dos principais elementos da comunidade em estudo é a tradição oral, transmitida pelo conhecimento passado hierarquicamente e da influência espiritual de cada integrante. Partindo de que muitas dessas histórias não estão em livros, muitos questionamentos passam pelo pensamento quando o assunto se refere às religiões de matriz africana, representadas principalmente pelo candomblé e a umbanda, e portanto, reconstituir o processo de formação dessas religiões torna-se uma tarefa árdua levando em consideração todos os processos atuantes. Por fim, de acordo com da Silva (2005), cabe ressaltar que essa religião, ainda que seja um conjunto de práticas simbólicas e credos relativos ao mundo invisível dos seres, ela não se constitui senão como forma de expressão intensamente ligada à experiência social dos grupos que as praticam.
2.1 A NARRATIVA DA UMBANDA Com a vinda dos colonizadores portugueses para o Brasil, vários hábitos e tradições também abarcaram. Com o fomento das novas economias no país, índios passaram a ser escravizados como mão-de-obra, sendo substituída pela do negro. Foi nas
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primeiras décadas do século XVI que teve início então a vinda dos negros africanos para o Brasil. E de acordo com Silva (2005), foi dessa forma que até fins do século XIX, o Brasil alimentou seus ciclos econômicos de mão-de-obra escrava. Sendo assim, para dissertar acerca das origens das religiões afro-brasileiras, é necessário percorrer rapidamente o encontro dos tipos de religiosidade em contato durante a colonização portuguesa no Brasil: o catolicismo, advindo dos colonizadores, os rituais dos grupos indígenas já presentes no País, as crenças de diversas partes da África e o Kardecismo, doutrina reencarnacionista advinda das correntes francesas do início do século XX. Da Silva (2005) afirma que um ambiente profundamente religioso marcou a história de formação brasileira. O catolicismo, além de religião oficial, foi uma religião obrigatória. Durante o início da colonização, professar outra fé que não fosse a cristã era um ato passivo de diversas punições e repressões. Estabelecendo-se através desses mecanismos, ao passar dos anos tornou-se integrado ao cotidiano colonial, representado por festas, procissões e outras atividades. Quanto a cultura indígena, historiadores apresentam a agressividade com que os mesmos foram tratados com a chegada dos colonizadores, tendo nas missões jesuítas uma forma de imposição de novos costumes. Entretanto, para Silva (2005), como costuma acontecer com o choque de culturas diferentes, os grupos indígenas, mesmo convertidos, ainda haviam mantido algumas de suas crenças e tradições. Hoje em dia é difícil reconstituir o que teriam sido as religiões originais desses índios, que pelas poucas informações que se tem, é capaz apenas de ter uma ideia das características dessa religiosidade (SILVA, 2005).
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Em relação às religiões africanas, sabe-se que diversas etnias desembarcaram nos portos brasileiros e que o contato entre as várias nações africanas e entre estas e os brancos já eram frequentes em períodos anteriores à deportação dos grupos negros para o Brasil (SILVA, 2005). Diante da situação, de acordo com Silva (2005), estabelecia de um lado o modelo dominador da família patriarcal da casa-grande, onde a liderança absoluta pertencia ao senhor de engenho. Do outro, estavam os valores e tradições culturais que os negros escravizados tentavam conservar a todo custo, repletos de um passado brutal, que não se pode apagar. Exemplificado por uma das leis do acordo entre a Coroa portuguesa e a igreja católica, que dizia que o escravo deveria ser batizado em no máximo cinco anos após sua chega no Brasil (Figura 6), entretanto, o batismo e a adoção de nomes cristãos não lhes garantiam nenhuma melhora no tratamento.
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Figura 6 - Obra de Debret "Negros vão à Igreja para serem batizados" (séc. XIX)
Fonte: Museu Afro Brasil.
Sendo assim, as religiões africanas eram definidas pela crença em deuses que incorporam em seus filhos, além de se basearem na magia. Por conta disso, não muito obstante da atualidade, da Silva (2005) afirma que as manifestações religiosas africanas eram vistas como práticas diabólicas pelas autoridades eclesiásticas, como já havia acontecido com os rituais indígenas, que perdurou por mais alguns séculos. Assim, de acordo com Honaiser (2006), apesar dos cultos africanos terem estado frequentemente nas senzalas, sua aceitação pela sociedade nunca ocorreu por completo, notando-se até hoje, que muitos adeptos da umbanda ou do candomblé ainda temem a exposição de sua religiosidade, assim como muitas casas desses
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cultos ainda não trazerem por completo a identificação de suas atividades. Esse processo ocorrido desde a chegada dos colonizadores, não só no Brasil, pode ser entendido como parte de um forte processo de hibridização cultural, o qual é identificado pela “mistura” de diferentes matrizes culturais. Alguns autores partem da ideia do hibridismo como um processo marcado por ambivalência e antagonismos resultantes da negociação cultural. Negociações essas que tem como pano de fundo, relações assimétricas de poder e os atores envolvidos, encontram-se em posições de legitimidade distintas (SOUSA, 2012, p.4).
Bhabha8 (2010, apud. Sousa, 2012) fundamenta seus estudos no enfrentamento entre colonizadores e colonizados, sendo o hibridismo cultural um processo obtido pelo conflito e a tensão das diferenças culturais. O hibridismo em Bhabha funciona como uma ameaça à autoridade colonial. Resulta da contestação do discurso hegemônico dominante no qual a autoridade do colonizador é subvertida através da ironia do colonizado, que exige que suas diferenças culturais sejam observadas, produzindo assim, um discurso híbrido (SOUSA, 2012, p.5).
Portanto, sob o viés de um processo resultante do embate, com o passar dos anos, o crescimento das cidades fez com que a vida urbana apresentasse uma heterogeneidade de problemas e proximidade entre as classes e culturas. A partir do paralelo exposto, percebe-se que mesmo enfraquecidos socialmente, a identidade cultural dessas populações expostas pôde se condicionar pela religião. Para Honaiser (2006), foi pelo sincretismo religioso adotado, portanto, que muitas das celebrações puderam ser mantidas, tornando-se estratégia de sobrevivência, a exemplo do culto
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BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
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aos Orixás que poderia ser feito a um Santo Católico, ou seja, ao celebrar um santo como São Sebastião, estaria celebrando ao Orixá Oxóssi. Apesar da libertação dos escravos em 1888, a corroboração da Constituição Republicana em 1889 e a desvinculação da Igreja e do Estado, em 1890, serem caracterizados pelo espírito liberal, a república ainda proibia algumas religiões, como o Espiritismo. Segundo Jensen (2001), esta proibição era direcionada especialmente contra as religiões afro brasileiras, tidas como baixo espiritismo. Nesta caracterização, já fica implícito o preconceito social direcionada aos adeptos destas religiões. Tais religiões afro brasileiras formam um acontecimento relativamente novo no histórico religioso do Brasil. De acordo com Jensen (2001), estas novas religiões surgiram primeiramente na periferia urbana brasileira, local que os escravos conseguiam se organizar e ter maior liberdade de ação, posteriormente, se espalharam por todo o país e assumiram diversos nomes e ramificações como Tambor de Minas, Xangó, Catimbó, Candomblé, Macumba e Batuques. 2.1.1 O conceito de terreiro Partindo do entendimento de terreiro como um espaço único, devido a sua diversidade de compreensão, os terreiros de umbanda e candomblé assumem marcas da cultura afro brasileira e atualmente, ainda são vistos de forma preconceituosa pela população. Isso pode ser notado geralmente pela sua inserção no espaço urbano, tendo aspecto camuflado em meio às construções. Sendo assim, para a compreensão desses espaços, busca-se aspectos históricos de seu surgimento. A partir do que foi exposto,
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o primeiro terreiro de candomblé no Brasil, a Casa Branca do Engenho Velho, localizado no estado da Bahia, tem sua estruturação datada por volta de 18309. Várias mulheres enérgicas e voluntariosas, originárias de Kêto, antigas escravas libertadas, pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado iniciativa de criar um terreiro de Candomblé chamado Ìyá Omi Àşę Àirá Intilè, numa casa situada na ladeira do Berço, hoje Rua Visconde de Itaparica, próxima à igreja da Barroquinha (VERGER, 1981, Apud. HONAISER, 2006).
Honaiser (2006) afirma que a partir do terreiro da Barroquinha, antecessor da Casa Branca, iniciou-se o processo de multiplicação das “casas-de-santo”, devido ao fato de que, geralmente, um terreiro nasce a partir de um outro. Isso não significa que todos os terreiros do país possuem descendência direta do terreiro da Barroquinha. Este foi apenas o primeiro a se oficializar enquanto espaço de culto, mesmo que, no início, ainda permanecesse na clandestinidade (HONAISER, 2006). Isto posto, o terreiro configura-se como o espaço religioso adotado pelas religiões afro brasileiras, que assume peculiar e diversa organização espacial. 2.1.2 O surgimento da umbanda No período entre séculos, de XVI a XIX, o Brasil adquiriu caráter marcante na importação de escravos vindos principalmente da Nigéria, Congo e Angola e que, conseguiram preservar suas heranças étnicas. Alguns estudiosos apontam que, apesar da proibição da prática religiosa, eles foram capazes de transmitir e desenvolver sua cultura e religião.
9
Para Pierre Fatumbi Verger (1981, in Candomble.com, 2012), não se sabe com precisão as datas desses primeiros acontecimentos, pois, no início do século XIX, a religião católica ainda era a única autorizada. Acesso em: 26 jun. 2016. Disponível em: <https://ocandomble.com/2010/11/22/osprimeiros-terreiros-de-candomble/>.
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Na obra “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”10 Darcy Ribeiro interpreta que: Na confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam (RIBEIRO, 1996, p.38).
À luz desse pensamento, sabe-se que no Brasil as religiões afros se diferenciam em duas correntes principais: o candomblé, com suas nações advindas de vários ritos da África, e a umbanda, religião tida como a primeira meramente brasileira, surgida no século XX. Tais religiões podem ser facilmente diferenciadas, apesar de possuirem base ritualística semelhantes. Além da tríade religiosa, composta pela reminiscência religiosa negra, indígena e portuguesa, inclui-se ainda na formação da umbanda religiões como o espiritismo e a macumba. Jensen (2001) explana que enquanto as religiões afro brasileiras estavam agrupadas no nordeste do Brasil, as correntes religiosas do Sudeste assumiram forte importância na dinamização da nova religião brasileira. Analisa ainda, que para a burguesia intelectual branca locada no Sudeste, a França era o principal exemplo das novas correntes culturais e espirituais. Assim, o Espiritismo de Allan Kardec, que foi praticado primeiro em Paris por volta de 1855, rapidamente se espalhou no sudeste brasileiro (JENSEN, 2001).
10
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2 ed. SP: Cia das Letras, 1996. p.38.
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Já a macumba, supostamente originaria do Rio de Janeiro, onde a população de exescravos era majoritariamente da Angola e Congo, de acordo com Jensen (2001), era conhecida pelo ecletismo religioso distinto, e por ter se difundido entre grupos étnicos de praticamente todos os setores sociais. Com a Macumba apareceram dois arquétipos diferentes: o Caboclo (o índio brasileiro) e o Preto Velho (um espírito de escravo), ambos assumiram grande importância na fundação da Umbanda mais tarde (JENSEN, 2001). Desta forma, a partir dos variados grupos étnicos e sociais brasileiros pode-se considerar a umbanda como uma síntese de diferentes tradições religiosas, originada durante um período de bastante repressão chamado de Estado Novo, culminado pela ditadura de 1937. Identifica-se como o fundador da umbanda médium carioca Zélio de Moraes, que era de classe média, branco, filho de um adepto do kardecismo. Segundo Honaiser (2006), foi o primeiro médium a abrir uma casa (terreiro) destinada ao desenvolvimento das linhas umbandistas, em Niterói. Segundo Linares, Zélio Ferdinando de Morais, aos 17 anos, estava acometido de uma moléstia, na qual assumia a postura de um idoso, falando coisas desconexas, como se fosse outra pessoa. Após consultar um médico da família, Dr. Epaminondas de Morais, diretor do Hospício Vargem Grande, este disse que não se tratava de nenhum distúrbio fisco e indicou-o a um padre, pois achava que o sobrinho estava endemoniado. Foram realizados, ao todo, 3 rituais de exorcismo, mas nada adiantou. Foi indicado que procurasse a recém-inaugurada Federação Kardecista de Niterói. Em 15 de novembro de 1908, nessa Federação se deu a primeira manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas (SARACENI11, 2003, p. 21, apud. HONAISER, 2006, p. 72).
A partir de transcrições apresentadas por Honaiser (2006), Zélio afirma que em 1920 o espírito de um padre jesuíta se revelou e lhe falou que seria o mentor de uma nova 11
SARACENI. As Sete Linhas de Umbanda – A religião dos Mistérios. São Paulo: Ed. Madras,
2003.
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religião verdadeiramente brasileira e destinada a dois espíritos: o Caboclo e o Preto Velho, precisamente, os que haviam sido rejeitados pelos kardecistas. A heterogeneidade é expressada nas diversas influências de outros credos na umbanda. É possível encontrar apreciadores da umbanda que efetuam a religião em arranjo com o catolicismo, com o candomblé, com o espiritismo. Para Birman (1985), não há limites na capacidade do umbandista de combinar, modificar, absorver práticas religiosas existentes dentro e fora desse campo fluido denominado “afro brasileiro”. De certo, é possível perceber que os umbandistas promoveram formas próprias de lidar com as características da sua religião. Foram criadas federações, a fim de estabelecer formas de relacionamento entre vários centros de umbanda e tentar encarar a objeção de conviver com maneiras de organização dispersas. Birman (1985) destaca que a mesma dificuldade se reflete no plano doutrinário, exemplificada nas diferenças sensíveis no modo de praticar a religião nos terreiros. Tais diferenças, contudo, se dão num nível que não impede a existência de uma crença comum e de alguns princípios respeitados por todos. Há, pois, uma certa unidade na diversidade (BRIMAN, 1985). A umbanda torna-se admirável devido a rapidez, menos de um século, que houve a abertura de centros distribuídos por todo o Brasil, da maneira que, ainda no século XX, de acordo com o censo do IBGE, em 1991 a religião chegou a ter aproximadamente 541.518 seguidores (Tabela 01). Salienta-se, como já foi dito na pesquisa, que os números são questionados a medida em que ele é quantificado por àqueles que assumem sua participação e que por muito tempo, os seguidores das religiões afro brasileiras se camuflaram em outras religiões.
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Tabela 1 - As religiões afro-brasileiras de 1980, 1991, 2000 e 2010
RELIGIÃO
1980
1991
2000
2010
Religiões afro brasileiras (candomblé + umbanda)
678.714 0,57%
648.475 0,44%
571.329 0,34%
588.797 0,30%
INCREMENTO EM % 1980199120001991 2000 2010 -4,50%
106.957 139.328 167.363 (*) 0,07% 0,08% 0,09% 541.518 432.001 407.331 (*) (*) Umbanda 0,37% 0,26% 0,21% População total do 119.011.05 146.815.7 169.799.1 190.732.694 23,40% Brasil 100% 100% 100% 100% (*) Dado não disponível. Candomblé
(*)
-11,90%
3,10%
31,30%
20,20%
-20,20%
-6%
15,70%
12,50%
Fonte: IBGE - Censo Demográfico, 2010, com intervenção da autora.
Visto que a maioria das religiões, principalmente as que possuem grande variedade de ofícios religiosos, sofrem adaptações de acordo com o local onde estão inseridas e com o contexto social, econômico, não é factível o estabelecimento de padrões. Na contramão disso, torna-se mais simples verificar as diferenças entre elas. 2.1.3 Linhas (falanges) da umbanda A umbanda é dividida em três escalas: o mundo astral, a terra, e o mundo inferior. Segundo Jensen (2001), o mundo astral é regido por deus, e é seguido por várias linhas e cada uma é guiada por um orixá, que costumam corresponder a um santo católico. Esse mundo é um ambiente hierárquico, no qual cada figura religiosa é locada de acordo com o seu nível evolutivo e nos níveis mais inferiores, estão os fundadores espirituais da Umbanda: os Caboclos e Pretos Velhos. A terra constitui a
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plataforma para espíritos que experienciam sua encarnação humana em diferentes níveis de evolução espiritual (JENSEN, 2001). No campo simbólico, as vias vibracionais, segundo a tradição umbandista, são designadas de falanges ou linhas. Ademais dos Orixás, os cultos contam com as entidades associadas nas linhas. Em suma, assim como os Orixás, as sete linhas apresentadas na umbanda apresentam simbolismos distintos (Tabela 02), assim como suas festas, cerimônias e formas de manifestação. Segundo ALMEIDA12 (2003, apud. HONAISER, 2006): Falange é um agrupamento de mais de 400 mil espíritos que atuam em um determinado plano espiritual, ou seja, em uma determinada faixa de vibração. As entidades que pertencem às falanges são eguns, espíritos que tiveram várias encarnações, que nasceram, viveram com um corpo na Terra e desencarnaram, passando então para um plano espiritual. Conforme seu grau de evolução espiritual,esses espíritos são levados para fazer parte de uma falange a fim de atuarem, aprenderem e evoluírem espiritualmente (2003, p. 51). Tabela 2 - As sete linhas da umbanda 13
ORIXÁ Oxalá Ogum Oxóssi Xangô Iemanjá Crianças Preto Velhos
SINCRETISMO Jesus Cristo São Jorge São Sebastião São Jerônimo N. S. da Conceição Cosme e Damião São Benedito
SIMBOLISMO O princípio e a fé Demandas da fé, das aflições Conhecimento e conselhos Justiça e dirigente das almas Amor e geração Evolução Fundamentos e ensinamentos
Fonte: BIRMAN (1985), modificada pela autora.
12
ALMEIDA, Paulo Newton de. Umbanda a Caminho da Luz. Rio de Janeiro: Ed Pallas, 2003. É importante ressaltar que tal classificação das Linhas varia entre autores umbandistas e terreiros. O que é válido, portanto, é reter a ideia de linha, na qual cada orixá é concebido de uma determinada maneira, com algumas qualidades e domínio especifico. 13
CAPÍTULO 3
FRATERNIDADE TABAJARA, CARIACICA - ES
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Em 1940 nasceu a Fraternidade Tabajara Com muita Fé e Caridade, Para ajudar toda a Humanidade, Com Pae João e Tabajara, Com muita Luz, irradiando esta Seara, Tia Maria, Caboclo Rosas, Rosa de Jurema, Na mesma Fé e Harmonia, São 70 anos de Fé, de Esperança e Caridade (Hino de 70 anos, pela médium Sonia Maria Ferreira de Oliveira, 2010)
3.1 O CULTO NO TERREIRO DO FRATERNIDADE TABAJARA Assim como afirma Negrão (1994), a umbanda possui subcampos específicos dentro do domínio religioso global. Os terreiros funcionam como instâncias criativas do culto, sendo base da criação mística, onde a religião é vivida em sua rotina de crenças, direcionada para as conveniências especificas do local e público. Para tanto, a necessidade de compreender a atuação do objeto religioso adquire importância ao passo que essa influi no território inserido. Localizada desde sua fundação no bairro Tabajara, em Cariacica, Espírito Santo, a Fraternidade Tabajara possui seus ofícios voltados para o caráter espiritualista, educativo, filantrópico e apolítico, contendo em seu estatuto palavras que demonstram seus princípios substanciais: “Caridade, tolerância e amor”. A fundação da instituição pelos seus membros teve o objetivo de prestar serviços sociais aos moradores do bairro e adjacências, o que de certa forma estabelece forte relação com o desenvolvimento do bairro Tabajara (a ser observado na seção 3.2). Desta forma, alguns de seus princípios são vistos no seu Estatuto Social:
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Art. 2º – O objetivo da FRATERNIDADE TABAJARA é a prática do seu Lema: Fé, Esperança e Caridade, a tolerância, o amor ao próximo, a educação pela evangelização para elevação do espírito em evolução – encarnado ou desencarnado – em sintonia com a Bíblia Sagrada, atendendo às pessoas no aspecto religioso, cultural, intelectual, material, social– afetivo, ético– moral e espiritual, e, efetivamente: I – Promover o Estudo, a Difusão e a Prática da Alta Filosofia Espirita, atendendo e ajudando as pessoas: (...) II – Facultar condições para elevação dos indivíduos à condição de dignidade humana e social pelos seguintes objetivos específicos: (...) (Seção II – Dos objetivos, ESTATUTO SOCIAL, Fraternidade Tabajara) (Anexo 01)
Isto posto, sabe-se que a umbanda Tabajara é iniciática, comprometida com os graus de evolução dos membros e em contínuo desenvolvimento mediúnico. E dirigida pelos mentores Pai João de Aruanda, Tabajara, Caboclo Rosas, Tia Maria e Cabocla Rosa de Jurema, tendo seus trabalhos baseados no benefício ao próximo. Possui rituais adequados a cada trabalho espiritual, pautado pelos mentores espirituais por meio do médium chefe. A Fraternidade Tabajara que existe há 70 anos, teve suas primeiras reuniões iniciadas pelo Grandioso Espírito Pae João de Aruanda,que após várias reencarnações na África e no Brasil, encontrou o Espírito Tabajara e propôs a União de suas Forças, passando a Tabajara a tarefa de chefiar os trabalhos espirituais da Fraternidade Tabajara (FRATERNIDADE TABAJARA, 2016).
Visto a variação da definição das Linhas umbandistas por alguns autores, quanto ao panteão da umbanda praticada na Fraternidade Tabajara (Figura 7), sabe-se que os sete Orixás, ou as sete vibrações concedidas no local são: Oxalá, sendo Deus, na vibração do Filho; Yemanjá, como o princípio do Pai, é Deus na fonte da procriação, na natureza das águas; Xangô, Deus nas vibrações da justiça e da natureza mineral; Ogum, como Deus dos Exércitos; Ory, Pai irradiado na Natureza Espiritual, na ciência
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que existe em tudo; Oxossi, sendo Deus nos caminhos das matas, das florestas, na natureza vegetal; e Congo, Deus integrado junto aos homens, indo às vibrações da Terra inteira (FRATERNIDADE TABAJARA). Figura 7 - Espaço de culto da Fraternidade Tabajara
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
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De acordo com o atual médium chefe, a umbanda praticada na Fraternidade possui hinos (pontos) próprios e pontos riscados14. Bem como, pontos chaves de descarrego, pontos de segurança e Ebôs de Exús. Os Pontos são riscados ou traçados com pemba15, de cor branca, desde os Mentores até o Caboclo mais simplório, ou Preto Velho mais humilde, estendendo-se o uso da pemba branca a todos em geral. Ademais: O Ritual Litúrgico e Esotérico da casa existe, tendo acesso a ele os irmãos e irmãs da Ordem Sagrada Tabajara e Ordem Sagrada das Missionárias, onde são dadas as orientações ritualísticas da Casa pelos Espíritos de Luz que dirigem a Seara Tabajara (FRATERNIDADE TABAJARA).
Além disso, a Ordem Sagrada Tabajara é destinada ao sexo masculino, criada por Pai João de Aruanda, através da médium Maria de Lourdes Labuto, já a ordem Sagrada das Missionárias, criada pela Cabocla Rosa Jurema, através do médium Luiz Labuto, para o sexo feminino. 3.1.1 Contexto histórico Com sua fundação datada em dois de fevereiro de 1940, pode se dizer que o início da umbanda da Fraternidade Tabajara é concomitante com a eclosão da religião no Brasil, supostamente instigando seus fundadores pelos acontecimentos da época, principalmente no Rio de Janeiro.
“Um ponto riscado, é como uma carta de responsabilidades. Só que de muito maior valor, porque condiciona, em si, uma energia, por assim dizer, um alerta de convocação de compromissos assumidos. Cada figura, projeta um campo de força astral, se devidamente traçada. Cada médium traça o ponto do próprio Guia, quer dizer, os liames de compromisso que os ligam para proteção e trabalho. Um ponto traçado não é qualquer desenho a ser garatujado. ” (SANTOS, Preito de Gratidão, 1988, cap. 80) 15 Pemba é um giz de fabricação especial, presente desde os rituais africanos mais antigos. 14
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Fundada por orientação do Espírito Pai João da Bahia, incorporado na Médium Maneta de Moura Dias, na Cidade do Rio de Janeiro, ao irmão Otávio Ferreira Paes (FRATERNIDADE TABAJARA). Desde o início das reuniões possui sede própria, que de acordo com escritos sobre a Instituição, os primeiros encontros eram feitos em uma parte da propriedade de um dos fundadores na Terra, Octávio Ferreira Paes, no próprio bairro Tabajara, materializada em uma simples cabana de sapê (Figura 8), com tocos de madeira como assentos, após alguns anos, foram construídos cômodos de alvenaria. Figura 8 - Representação do lugar onde eram feitas as primeiras reuniões
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
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Após um certo período, o pequeno templo fechou-se ao público, até que em 1952, por meio de orientação espiritual para construção de um novo templo em terreno próprio (Mapa 5), através da médium Maria de Lourdes Labuto (1914 a 1975 - sendo médium chefe por 30 anos). E em maio de 1954, por determinação superior, foi criado o “Departamento Umbanda Tabajara”, cujo terreiro foi entregue à direção espiritual de Pai João de Aruanda. Ao passar dos anos, o terreiro teve várias dependências reformadas, por orientação dos mentores espirituais da Casa, materializada em sua última reforma através do atual Médium Chefe, Luiz Augusto Labuto, sendo médium chefe desde primeiro de maio de 1976 (FRATERNIDADE TABAJARA).
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Mapa 5 - Mapa de localização
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
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A estátua do índio no topo do Santuário, vista na Figura 9, simboliza o Caboclo Tabajara e foi orientada pelos mentores através da médium Maria de Lourdes Labuto, concebida primeiramente em 1958. Permeada por diversas histórias e dificuldades, o então médium Luiz Augusto Labuto, adquiriu como sua missão mediúnica a conclusão da estátua em 1977. Figura 9 - Fraternidade Tabajara - Cariacica
Fonte: Acervo Pessoal, 2016.
Após a ajuda de um conhecido, a mesma passou por um longo processo de fabricação, surgindo então a dificuldade de locação, que teria de ser locada na parte
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mais alta da edificação. Devido a isso, ela foi esculpida sobre uma viga de concreto, com o corpo dividido em duas partes para facilitar sua elevação. Finalizada com cerca de 600 kg, a estátua volta-se de braços abertos em direção ao Monte Mochuara. 3.1.2 As atuações Assumindo grande importância para com o local onde está inserida e com seus princípios religiosos, vide parte de seu Estatuto Social, a Fraternidade Tabajara possui sua organização dividida em departamentos. Cada um desse departamento representa uma parte do conjunto religioso proposto pela Instituição. Sendo eles, de acordo com informações cedidas em visitas, a Umbanda Tabajara, que se trata da assistência religiosa aos departamentos filiados e frequentadores; o departamento de comunicação social, responsável pela elaboração do Jornal “O Tabajara” e os outros meios de comunicação usados para divulgação; o Tattwa Tabajara, que consiste no esoterismo dos pertencentes à Fraternidade e as Missionárias da Tabajara, composta de mulheres que se dispõem à caridade ao próximo. Ademais, há também o serviço social, criado em 1963, com o objetivo de assistenciar pessoas com necessidades físicas, morais ou espiritual; o departamento jurídico, promovendo assistência jurídica à Casa e aos necessitados; o ambulatório, que presta auxilio com a medicina material e espiritual, através da distribuição de medicamentos e o departamento da juventude.
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3.2 BAIRROS TABAJARA, VILA PRUDÊNCIO E PLANETA – CARIACICA Cariacica tem o início de sua história e formação geoeconômica desde os primórdios da colonização do estado do Espirito Santo, sendo elevada à categoria de município somente em 1890. Em 1971 é comemorada sua emancipação político administrativa. De acordo com informações apresentadas pela Prefeitura Municipal de Cariacica (2012), o município é caracterizado desde o princípio pela produção rural, com formação de fazendas de cana-de-açúcar, assim como a implantação de engenhos, não distante dos moldes colonizadores presentes no Brasil. Dessa forma, é possível afirmar que há a influência tanto de negros, quanto de índios na formação da cidade. Embora a sede municipal esteja localizada à quase 16km da capital Vitória, trata-se de uma sede histórica e de característica rural, que desde o século XVII, possui atividades agrícolas, que ao passar dos anos foram substituídas por atividades de comércio e transporte. Paralelamente, pouco se encontra acerca da história dos bairros considerados mais periféricos da cidade, como a área em estudo, entretanto, devido à sua proximidade com a sede e com a área rural, sabe-se que havia a ocupação por algumas fazendas cafeeiras na região, no começo do século XVIII. Levando em consideração a imprecisão dos limites de bairros do município de Cariacica, a área de estudo consiste nos bairros Tabajara, Vila Prudêncio e parte do bairro Planeta (Mapa 6). Tal perímetro se justifica devido à inserção da Fraternidade Tabajara no local, desde o início de 1940 e as relações de território que ali foi estabelecendo, o que torna indispensável a análise do mesmo.
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Mapa 6 - Localização dos bairros em estudo no município de Cariacica
Fonte: PMC, com intervenção da autora.
De acordo com a SEMDUR de Cariacica, esta área localizada ao centro-oeste faz parte da macrozona ocupação consolidada, que são locais mais próximos a áreas com dinâmica urbana, a qual engloba bairros como Campo Grande, Itacibá e Jardim América. Além disso, está inserida na região administrativa 2, que é composta pelos bairros Bubu, Campo Verde, Cangaiba, Graúna, Santana, Santo Antônio e Serra do Anil. Essa Região possui uma área de baixa e espraiada densidade, totalizando 24430 habitantes em 2012, segundo a PMC (2012) (Tabela 3).
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Tabela 3 - População residente na Região Administrativa 2 POPULAÇÃO RESIDENTE POR SEXO, BAIRRO E REGIÃO ADIMINISTRATIVA DE CARIACICA
Região Administrativa
Região 2
Bairro Homens Planeta 627 Tabajara 515 Vila Prudêncio 1422 Total Região 2 11964 * Dados de 2012 Fonte: PMC, 2012.
Mulheres 692 532 1481 12466
Total 1319 1047 2903 24430
O bairro Tabajara encontra-se na ZOP-3 (Zona de Ocupação Preferencial), que é caracterizada por conter áreas dotadas ou nas proximidades às áreas de melhor infraestrutura. Possui o objetivo de induzir o adensamento e consolidar uma referência de área central para o município. Possui índices urbanísticos que induzem a ocupação residencial multifamiliar e mista, assim como de comércio e serviço. A Vila Prudêncio está situada na ZOL-3 (Zona de Ocupação Limitada), que consiste em áreas localizadas dentro do perímetro urbano de Cariacica, com o objetivo compatibilizar a ocupação urbana com as condições exigidas para a conservação e melhoria da qualidade ambiental no município. Assim como o bairro Tabajara, seus índices urbanísticos induzem a ocupação residencial multifamiliar e o uso misto, além do industrial. Já o bairro Planeta engloba três zoneamentos: ZE -1, ZEIS-1 e ZOP-3. A ZE-1 (Zona Especial) situa a parte sul do bairro e é considerada área com localização estratégica, que possui potencial para atividades especiais, tendo como o objetivo o desenvolvimento econômico de forma integrada aos aspectos sociais, ambientais e culturais, apresentando índices propícios para o setor industrial, de comércio e
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serviço. A ZEIS-1 (Zona Especial de Interesse Social), parte central do bairro, consiste em local que exige tratamento diferenciado dos parâmetros de uso e ocupação do solo urbano, uma vez que são ocupados predominantemente por população de baixa renda e/ou loteamentos irregulares, com ausência de infraestrutura. Com o objetivo d destinar essas áreas à programas e projetos de regularização fundiária, seus índices induzem a ocupação residencial. E a ZOP-3 (Zona de Ocupação Preferencial), situada na parte sul do bairro. Entretanto, Cariacica ainda é um município onde fica perceptível a ausência da aplicação dos instrumentos urbanos que visam o melhor desenvolvimento e planejamento da cidade. O sistema viário dessa área é formado por uma malha irregular de ruas, à qual sobrepõe a malha principal das duas rodovias que passam pelo local. São elas os eixos de dinamização 1 e 2, na forma das rodovias estadual e federal, o que caracterizam áreas formadas a partir de vias estratégicas e importantes na ligação de atividades do comércio, serviço e indústria. A BR-101 (Rodovia do Contorno) é evidenciada pelo grande fluxo de caminhões de cargas e a ES-080 (Rodovia José Sette), pelo médio fluxo de veículos local. Ambas fazem parte do corredor metropolitano, sendo indispensável para o funcionamento da mobilidade do município. Além disso, a área possui os corredores arteriais de Bubu e Flexal, que são tidos como eixos coletores do local e principais vias de acesso a esses bairros, a serem vistos no Mapa 7. Salienta-se que em grande parte da região ainda há vias não pavimentadas e com alto déficit em sua infraestrutura.
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Mapa 7 - Mapa de mobilidade da ĂĄrea
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
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O acesso ao santuário de umbanda Fraternidade Tabajara por meio de transporte público pode ser realizado por diversas linhas de ônibus (Tabela 4), que saem principalmente do Terminal de Itacibá e atendem os bairros rurais e periféricos do município de Cariacica. A Rodovia José Sette assume o marco para a localização e é onde se encontra mais opções para tal locomoção. Tabela 4 - Acesso ao terreiro por transporte coletivo
ACESSO AO TERREIRO - TRANSPORTE COLETIVO Terminal de Campo Grande - 540 Terminal de Itacibá – 701/702/703/704/710/750/771/794/795 Cariacica Sede - 1720 Fonte: Realizado pela autora, 2016.
Ambos os bairros possuem características e índices de áreas de baixa renda, nos quais são ausentes equipamentos urbanos como unidade básica de saúde e creches. São precárias as áreas livres, tendo apenas uma praça construída no ano de 2012, situada no bairro Tabajara. Ademais, a região é atendida pela Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria de Lourdes Poyares Labuto, que é considerada uma das maiores escolas estaduais. Desta forma, cria-se a dependência de deslocamentos para fins comerciais, institucionais, principalmente para o bairro de Itacibá, que é o sub centro mais próximo da região, e para o bairro Campo Grande (Tabela 5).
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Tabela 5 - Distância da Fraternidade Tabajara
DISTÂNCIA DA FRATERNIDADE TABAJARA 7km Terminal de Campo Grande 5km Terminal de Itacibá 6km Cariacica Sede 8km Segunda Ponte Fonte: Realizado pela autora, 2016.
Quanto ao uso da área (Mapa 8), considera-se predominantemente residencial, caracterizado pela coabitação. Entretanto, é notável a influência do uso comercial e de serviço por grandes empresas e pátios nas proximidades dos eixos metropolitanos, principalmente da BR-101. O uso misto é visto nas proximidades dos eixos coletores e da Rodovia José Sette, representado por pequenos comércios locais. Por se tratar de uma região ainda pouco urbanizada, é relevante a presença de vazios no espaço urbano entre os bairros.
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Mapa 8 - Mapa de uso do solo
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
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Diante da predominância do uso da área e apesar do plano diretor municipal permitir construções de vários pavimentos, o gabarito das edificações locais atinge em média dois pavimentos. Isso pode ser atribuído ao tipo de ocupação de coabitação, caracterizado pela arquitetura autoconstruída. Outro fator a ser considerado na análise sócio espacial da área em estudo é a presença ícones tanto econômicos, quanto sociais para a região, como a EEEFM Maria de Lourdes Poyares Labuto e as empresas de caráter nacional (Mapa 9), que ocupam grandes terrenos e aumentam a dinâmica local.
As instalações dessas
empresas utilizam da vantagem de ligação com importantes eixos viários, o que facilita o contato com eixos consumidores e preços mais acessíveis. Além disso, observa-se ainda a relação de igrejas presentes na área em estudo, sendo essas em sua maioria de caráter neopentecostais e pentecostais, que dá embate a forma de ocupação que essas matrizes têm atualmente no espaço público, ao se comparar com as religiões de matrizes africanas. Devido a dinâmica com qual tais igrejas se estabelecem, os pontos mapeados (Mapa 9) não mais garantir precisão daqui há algum período.
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Mapa 9 - Mapa de destaque metropolitano e igrejas da ĂĄrea em estudo
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
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Aliado a isso, faz-se necessária a análise da evolução urbana do local a partir de sua forma, que de acordo com Lamas (1989), não pode ser desligada do seu suporte geográfico, indicado como um elemento tão importante quanto os construídos. O espaço já contém em alguns casos o potencial gerador das formas geradas. Ainda segundo Lamas (1989), o traçado é um dos elementos mais claramente identificáveis tanto como a forma de uma cidade. Assenta-se em um suporte geográfico preexistente, regula a disposição dos quarteirões e liga as partes da cidade. O traçado estabelece a relação mais direta de assentamento entre a cidade e o território. A rua ou traçado relaciona-se diretamente com a formação e crescimento da cidade de modo hierarquizado, em função da importância funcional da deslocação, do percurso e da mobilidade de bens, pessoas e ideias (LAMAS, 1989, p. 98).
Portanto,
o
desenvolvimento
desse
traçado
está
estritamente
ligado
ao
desenvolvimento socioeconômico da cidade, que é marcado inicialmente pela chegada dos imigrantes que povoaram os locais mais viáveis a produção agrícola. De acordo com a Prefeitura Municipal de Cariacica (2012), muitos desses imigrantes foram empregados na construção da estrada de ferro Vitória-Minas, trabalhando especificamente no trecho de Itacibá. Até então, a população de Cariacica concentrava-se na sede, até começar a concentrar suas atividades ao apoio à comercialização e transporte, impulsionada pela estrada de ferro, que escoava a produção do interior. Devido a isso, houve a necessidade da implantação de infraestrutura para auxilio a essas atividades. Ademais, a construção da ponte Florentino Ávidos também contribuiu para essa
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mudança. Sabe-se que o primeiro loteamento do município surgiu congruente a essa época, na década de 1930, a partir do aumento populacional acarretado por essa fase. Após uma década, no início de 1940, começaram as reuniões da Fraternidade Tabajara, realizadas em uma parte da fazenda de Otavio Paes, no bairro Tabajara (atualmente, definido pela Prefeitura municipal de Cariacica como Vila Prudêncio). Segundo a Prefeitura Municipal de Cariacica (2012), é na década de 1950 que o parcelamento do solo municipal começa a tomar forma, com a aprovação de diversos loteamentos, a maioria localizada próxima da BR-262 e o município passa por um impulso no setor industrial, sendo o polo mais importante da região na época. Parcelamento esse, que ocorreu em grande parte sem a implantação de infraestrutura primária. O crescimento da cidade continuou na década seguinte e com o a construção do Porto de Tubarão, Cariacica começou a perder seu papel de polo industrial mais dinâmico da Grande Vitória. A partir dessa época, aumenta-se o crescimento desordenado no âmbito urbanístico, com diversos loteamentos irregulares e invasões, o que de certa forma incentivou a oferta de lotes destinados à população de baixa renda (PMC, 2012). Observa-se no registro do traçado da área em estudo, na década de 1970 (Figura 10 e 11), os eixos viários já como orientadores da malha urbana, assim como o início dos processos de loteamento em bairros como Flexal e Vila Prudêncio. Nesse mesmo período, as reuniões da Fraternidade Tabajara já aconteciam no terreno doado às margens da ES-080, desde 1952. Luiz Labuto (2016) afirma que na década de 1960, o bairro Tabajara “era só fazenda, com muito mato, sem loteamentos ou conjunto de casas” (Apêndice 1).
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Figura 10 - Área em estudo em 1970 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
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Figura 11 - Área em estudo em 1978 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
Tal situação se agrava no final do século XX (Figura 12), quando a cidade continua o seu crescimento populacional nas áreas urbanas, acompanhado da dinâmica econômica ainda presente. Nesta década, a consolidação dos então bairros Tabajara, Vila Prudêncio e Planeta passa a ser perceptível por conta das construções que ocupam gradualmente os loteamentos. Nota-se ainda, o desenvolvimento conjunto da sede da Fraternidade Tabajara, que teve o seu aumento devido ao crescimento no número de frequentadores (Figuras 13, 14, 15).
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Figura 12 - Área em estudo em 1998 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
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Figura 13 - Área em estudo em 2005 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
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Figura 14 - Área em estudo em 2007 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
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Figura 15 - Área em estudo em 2012 (destaque Fraternidade Tabajara)
Fonte: veracidade.com.br, com intervenção da autora.
A partir da noção de território criada, entendida como extensão da superfície onde vive determinado grupo, que impõe sua ordem (cultural, social, econômica, etc), entendese como indissociável a relação do território desenvolvido nesses bairros com as territorialidades mostradas pela Fraternidade Tabajara. Não somente pelo espaço geográfico, mas pela relação singular estabelecida entre o espaço urbano e a construção. Assim sendo, para Lamas (1989), o tempo é fundamental para compreender o território como objeto físico e também para posicionar a intervenção do arquiteto.
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Portanto, tendo a cidade como organismo vivo em contínua mutação, a análise morfológica do urbano se mostra como importante fator a ser considerado no planejamento do urbanismo na contemporaneidade.
3.3 ARQUITETURA E INSERÇÃO NO ESPAÇO URBANO A arquitetura dos terreiros de religiões de matriz africana, ao contrário das igrejas católicas, não possui estilos ou características específicas de cada época, mas se moldam a cada contexto social, econômico, urbano, cultural e ambiental onde está inserida. A espacialidade arquitetônica definida por esses espaços religiosos faz-se necessária para a abordagem da arquitetura popular uma vez que, a maioria deles não possui acervo que garanta sua preservação, ou se perdem na oralidade. Como já foi abordado, as reuniões da Fraternidade começaram a ser realizadas em uma pequena cabana de sapê, ainda nas dependências da fazenda de um de seus fundadores. Ao passar dos anos, após orientação espiritual e pela necessidade da crescente demanda, o terreiro e tempo foram assumindo novas formas e espaços. O atual templo da Fraternidade Tabajara é notado como um ícone na paisagem do município de Cariacica. Seu terreno é extenso, ocupando uma quadra, onde se encontra a edificação principal (Figura 16), que consiste no terreiro de umbanda e teve a primazia de ser construídos em relevo topográfico, e uma construção secundária, que serve de apoio para o templo, contendo banheiros, salas e cantina. Onde atualmente funciona esses serviços, funcionava a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria de Lourdes Poyares Labuto, que devido principalmente ao aumento na quantidade de alunos, houve a necessidade de uma nova sede.
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O templo divide lugar com um considerável espaço de vegetação e que, por conta da necessidade religiosa, manifesta-se como um dos principais espaços do local. Na umbanda, em proximidade com o candomblé: A natureza é sacralizada, não é apenas algo natural, ou uma paisagem pictórica. Mas sim, uma construção e habitat dos deuses, uma natureza ‘’encantada’’, onde o sagrado, através do fluxo de axé alimentado pelos rituais está presente em determinados lugares: em pedras, fontes, riachos, mata e árvores. A natureza torna-se uma hierofania, com diversas manifestações e erupções do sagrado no mundo. (VELAME, 2014, p.252)
Figura 16 - Implantação da Fraternidade Tabajara
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
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Com uma arquitetura imponente e liberdade plástica, o templo possui planta baixa em formato de cruz abaulada e pé direito duplo. Sua estrutura é feita de tijolinhos cerâmicos (Figura 17) e é composta por arcos que formam as duas cúpulas (Figura 18), uma localizada na nave central e a outra sobre o terreiro. Em contraste com o conjunto, aparecem as colunas e a marquise em semi-cúpula da entrada. Figura 17 - Início da construção da atual sede da Fraternidade Tabajara
Fonte: Acervo Fraternidade Tabajara, 2016.
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Figura 18 - Edificação já com os principais elementos arquitetônicos
Fonte: Acervo Fraternidade Tabajara, 2016.
Devido aos elementos arquitetônicos presentes na construção, é possível dizer que o templo apresenta características referentes ao ecletismo (visto nos elementos da Figura 19), que de acordo com o PreservaSP, é o estilo que abrange toda a arquitetura inspirada nos estilos acadêmicos ou históricos (especialmente europeus) do início do século XX. Ostentam o fato de serem ornamentados e de utilizarem diversas técnicas artísticas, como mosaicos, vitrais e pinturas. Ou também, identifica-se elementos da arquitetura islâmica, visto em mesquitas com cúpulas e componentes abaulados. Entretanto, não se pode manter a afirmativa de estilo arquitetônico utilizado na Fraternidade Tabajara, uma vez que, segundo relato da administração do Santuário, a arquitetura básica do templo foi realizada por intermédio de orientação espiritual na médium Maria de Lourdes Labuto. Já o acabamento do atual templo, foi através de Luiz Labuto, que devido a sua mediunidade, visualizou o templo finalizado, com todos
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os arcos e detalhes dourados, arredondados, assim como a estátua do índio sobre a edificação. Após isso, o lugar passou por reformas para que tivesse todas as adequações das quinas e janelas abauladas, visto na Figura 20. Figura 19 - Colunas com detalhes dourado na entrada do templo e detalhe da fachada
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
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Figura 20 - Janelas e quinas abauladas
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
Cada terreiro possui elementos característicos na sua configuração interna. No caso do terreiro em estudo, a construção principal é o centro do conjunto, em que são realizadas as sessões, atendimentos, conselhos, etc. Na nave central encontra-se os assentos da assistência, separados em lado feminino e masculino e adiante, os outros espaços (Figura 21).
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Figura 21 - Planta baixa da atual sede da Fraternidade Tabajara
Fonte: Realizado pela autora, 2016.
Logo, ainda que atualmente a dinâmica de rituais dentro dos terreiros possui elementos semelhantes, ao se tratar das disposições e dimensões dos espaços, cada um se adapta e modifica de acordo com o contexto histórico, econômico e social.
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3.3.1 Arquitetura na paisagem Para Lamas (1989), é essencial que a arquitetura e a forma urbana se casem para que não pareçam peças “deslocadas do contexto espacial”. Na identificação do especifico motivo arquitetônico e urbanístico em estudo, é necessário o estudo do edifício no seu contexto paisagístico e urbano. A partir de análise documental, que apesar de escassa, concede a amostragem de relações espaciais fundamentais para o entendimento do objeto arquitetônico no território que se insere (Figura 22). Figura 22 - Entorno imediato da Fraternidade Tabajara, supõe-se que na década de 1960, com a movimentação promovida pelo templo. Destaque para o entorno ainda rural
Fonte: Acervo Fraternidade Tabajara.
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Porquanto, o termo “morfologia” é proveniente do grego e significa “a ciência que estuda a forma”. A partir do ponto de vista urbano, ela pode ser estabelecida como estudo da forma urbana por meio do qual se evidencia a paisagem e a estrutura. Já a tipologia, corresponde ao estudo de tipos, derivando da análise de características e elementos. Segundo Rossi (apud. LAMAS, 1989), a tipologia construtiva e a morfologia urbana possuem relação dialética, na qual a forma urbana é interdependente da forma construtiva. Dessa forma, a cidade é vista como o princípio orientador onde se desenvolvem e formam os modelos construtivos e da morfologia urbana, necessários para a compreensão da paisagem urbana. Paralelamente, de acordo com Cullen (1983), a paisagem urbana é a arte de tornar organizado e coerente visualmente o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que formam o ambiente urbano. Tal afirmativa possibilita analises e dinâmicas da paisagem a partir da estética, através dos elementos urbanos que promovem percepções diferentes. Nessa lógica da relação entre a morfologia urbana e sua contribuição para a paisagem, evidencia-se que há uma singularidade do edifício religioso da Fraternidade Tabajara, que se apresenta como originalidade no contexto espacial e na literatura religiosa (Figura 23). Trata-se também do feito de sua edificação ter uma conformação que interliga visualmente uma referência da paisagem da cidade: o Monte Mochuara.
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Figura 23 - Panorâmica da paisagem urbana, vista da BR-101
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
Por outro lado, de acordo com Lamas (1989), a fachada demonstra sua a importância decorrente da posição hierarquizada que o lote ocupa no quarteirão. São elas que exprimem as características distributivas, o tipo edificado, as características e linguagem arquitetônica, estilo, a expressão estética e contexto. Sendo assim, é possível avaliar que a fachada do templo ocupa posição de destaque na região (Figura 24), devido principalmente à estátua do índio, voltada para o Monte Mochuara, sua centralização na topografia do lote e à estética de cores adotadas. Figura 24 - Desenho da fachada
Fonte: Elaborado pela autora, 2016.
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Partindo da análise visual proposta por Cullen (1983), leva-se em conta três aspectos: a visão ótica, que compreende na sequência de imagens ao longo de um trajeto feito pelo transeunte, revelando pontos de vistas que emergem na paisagem; a visão local, que diz sobre às reações do observador de acordo com sua posição no espaço; e a visão conteúdo, que se relaciona com a constituição da cidade, ou seja, textura, cores, escalas, natureza. Dessa forma, a partir da seleção de dois eixos viários (Rodovia José Sette e a rua perpendicular à entrada) é possível analisar que templo se relaciona com o entorno principalmente pela visão ótica. Nessa visão é possível observar grande impacto gerado por contrastes súbitos (Figuras 25 e 27). Além disso, a presença da longa continuidade do muro da Fraternidade Tabajara e da EEEFM Maria de Lourdes Labuto, proporciona sensação de insegurança (Figura 26), verificando monotonia a paisagem. No decorrer dos eixos, percebe-se o aparecimento de objetos como árvores, postes e aglomerados de casas, que se diferem entre si.
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Figura 25 - Análise da paisagem do entorno imediato
Fonte: Elaborada pela autora, 2016. Figura 26 - Análise da paisagem do entorno imediato, visto da Rodovia José Sette
Fonte: Elaborada pela autora, 2016.
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Figura 27 - Entorno da Fraternidade Tabajara
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
A situação territorial da área em estudo não pode ser entendida sem levar em consideração o Monte Mochuara (Figura 28), que influencia inclusive na localização do atual templo da Fraternidade Tabajara. Trata-se de uma formação rochosa com 718m de altura, sendo o ponto mais elevado do município. Possui muitas fontes que abastecem os rios Bubu e Formate, localizado no Parque Municipal (PMC, 2012). Ele marca uma intensa presença na paisagem, delimita a área rural e urbana do município e funciona como marco de identificação espacial. Sua representatividade na cidade é afirmada desde o começo da ocupação e em 2016, foi eleita como a
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primeira maravilha do município de Cariacica, seguido do Santuário de Umbanda Fraternidade Tabajara. Figura 28 - Monte Mochuara visto da Fraternidade Tabajara
Fonte: Acervo pessoal, 2016.
Mediante o exposto, assim como a cidade, a paisagem que nela constitui aparece como objeto mutatório, vivo e em construção, interligado com relações de poder dentro da sociedade e formalizado a partir do conjunto de elementos que estão presentes. Entende-se como necessário o aprofundamento da categoria de paisagem cultural na identificação e preservação dos territórios que os terreiros constroem.
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3.4 APROXIMAÇÕES E SUBJETIVIDADES DO LUGAR O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável. (Maurice Merleau-Ponty16)
Ao iniciar o trabalho, as percepções foram instrumentos latentes para que as análises fossem obtidas no decorrer do mesmo, devido a isso, diante das diversas denominações e discussões filosóficas para tal termo, levou-se em conta pelo viés da relação direta que o corpo possui com o meio espacial ou sensório. Segundo Honaiser (2006), é indissociável tratar do tema da percepção sem compreender o corpo como instrumento primeiro do indivíduo que se sente, caracterizando-se como a conexão do corpo que percebe o mundo sensível, e tal mundo é todo e qualquer lugar que envolve o ser que sente (HONAISER, 2006). Portanto, entende-se que ser e lugar são elemento que se complementam e resignificam, ao passo que se encontram no momento da percepção. Aliado a isso, o entendimento da subjetividade aparece como estado nascente, que para Guattari (1992), cabe a nós reinventá-la constantemente, pois se refere à restauração de uma “cidade subjetiva” que envolve tanto as singularidades quanto as coletividades das pessoas. Partindo dessa premissa e levando em conta a rede diversa na qual a cidade se caracteriza, questiona-se qual seria a maneira de direcionar o fado coletivo em um sentido menos serial e como transformar o devir urbano associado ao porvir humano, mais igualitário. Segundo Guattari (1992) tudo
Retirado do livro “Geografia e percepção: uma interpretação introdutória a partir da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty”. De Marquessuel Dantas de Souza, São Paulo: Biblioteca 24 Horas, 2012. 133 p. 16
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dependerá da re-finalização coletiva das atividades humanas e, sem dúvida, em primeiro lugar, de seus espaços construídos (GUATTARI, 1992). Entende-se que a cidade produz esses elementos e o Santuário da Fraternidade Tabajara os proporcionou no momento da inserção. A partir das primeiras informações coletadas e de seguidos diálogos inseridos na rede de pessoas estabelecidas durante a pesquisa, foi possível enriquecer um pouco mais as histórias e noções de territorialidades advindas do terreiro. Entretanto, há de entender as limitações de abrangência do território, como forma de compreensão dos sujeitos e processos das problemáticas sócio espaciais. Acrescentando ao pensamento exposto no capítulo 1, Raffestin (apud. Saquet, 2007) alerta para os signos da vida cotidiana, do Estado ao indivíduo, passando por grandes e pequenas organizações, em graus diversos, todos citadinos são atores sintagmáticos que ‘produzem’ o território. Partindo do exposto, ao inserir-se na Fraternidade Tabajara e no território onde está localizado um dos objetos de percepção foi o entendimento da importância social para a comunidade, que o Santuário adquiriu ao passar dos anos. Leva-se em consideração que em 25 de agosto de 1963 foi criado o “departamento de serviço social Tabajara”, o qual possui o objetivo de assistência geral aos necessitados e desde então, fornece auxilio para a comunidade por meio de eventos culturais, oferecimento de consultas médicas, distribuição de alimentos, entre outros. Percebese então, a ampliação da rede de nós criada pelo terreiro a partir de sua locação no bairro. Nessa mesma época foi ainda fundada a “Escola Tabajara”, localizada em seu primeiro momento nos anexos do Santuário, tendo sido sua constante incentivadora
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e primeira professora a médium Maria de Lourdes Labuto. Neste período, não havia nenhuma escola na região e a para a sua fundação, houve um convênio com o movimento nacional contra o analfabetismo (Apêndice 1). A instituição passou a ser estadual, ainda em funcionamento dentro do Templo, quando em 1976, devido à grande demanda de alunos, construiu-se um prédio anexo, com duas salas de aula, quatro banheiros e uma cantina, sendo necessária mais uma ampliação pouco tempo depois. Posteriormente, segundo relato, o bairro foi marcado pelo crescimento populacional e aparecimento de loteamentos, sendo necessária, portanto, uma estrutura que comportasse tal fato e que as atividades espirituais da Casa não fossem afetadas. Diante disso, o Estado disponibilizou verbas para a construção da sede da EEEFM, que atualmente é uma das maiorias do Espírito Santo. Esse acontecimento concebe mais um dos vetores construtor desse território, uma vez que algumas pessoas passaram a criar vínculos com o espaço religioso desde o seu funcionamento institucional. Dentro desse processo, é inegável a presença do preconceito voltado às religiões afro-brasileiras, entretanto, em relação ao envolvimento e aceitação da comunidade ao redor da Fraternidade Tabajara, Labuto (Apêndice 1) discorre que mesmo percebendo algum o preconceito, não há problemas, sendo essencial o conhecimento do lugar a fim da desmitificação de estigmas criados pela sociedade. Essa noção de territorialidade produzida pelo terreiro pode ser exemplificada nas relações que foram estabelecidas entre moradores e as festas comemoradas no espaço religioso (Figura 29).
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Figura 29 - Público aguardando para entrar no templo da Fraternidade Tabajara em dia festivo, supostamente na década de 1980
Fonte: Fraternidade Tabajara.
Ademais, o outro fator a ser pontuado é a manutenção do espaço diante da adversidade e enfrentamento da religião frente à sociedade, que também aparece como item a ser discutido, visto que, o Santuário baseia-se na caridade, entretanto, o progresso material depende da aquisição de capital, acarretando na dificuldade de compatibilização dos extremos. Então, nota-se que o terreiro possui a necessidade de auxílio, uma vez que, sua montagem e manutenção são dispendiosas e a ausência dessa ajuda induz espaços obsoletos no ambiente. Paralelamente, fica evidente que o crescimento do bairro acompanhou o desenvolvimento do Santuário, assim como o aparecimento dos problemas entrelaçados ao espaço urbano, como insegurança, segregação e a ausência de
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planejamento urbano. Atualmente, a insegurança tornou-se uma das principais adversidades a serem enfrentadas pelo local, pois entende-se que interfere diretamente no funcionamento, na arquitetura e no deslocamento dos frequentadores e membros. Um dos aspectos que sofreu influência desse fator foi a necessidade do corte da vegetação mais próxima aos muros, que também aparecem como objetos influenciadores na paisagem urbana, a fim de amenizar a esse impasse urbano. Visto que a área de vegetação é imprescindível para a realização de algumas práticas, notase a mudança de dinâmicas religiosas devido a isso. São realizados atendimentos e sessões nas segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, no sábado há o desenvolvimento mediúnico e domingo também ocorre atendimento e é feita a distribuição de alimentos para a comunidade. Nesse decurso, segunda-feira, sexta-feira e principalmente domingo, são os dias que indicam maior número de frequentadores. Todavia, esse quantitativo varia de acordo com a escala dos médiuns e a necessidade espiritual dos adeptos. Em sua maioria, o horário de funcionamento é no período noturno, o que afeta incisivamente nas relações promovidas entre os membros, uma vez que, após as atividades, surge a necessidade da mobilidade para retorno dos mesmos. Frente à insegurança e defasagem do transporte público nos horários da noite, observou-se a sujeição das caronas, o que mais uma vez, amplia as redes criadas pelo terreiro e os sujeitos no espaço urbano intermunicipal. Durante a análise na Fraternidade Tabajara, foi impreterível a ligação com a Região Metropolitana da Grande Vitória. Tal realidade gerou alguns apontamentos e questionamentos, que nem todos tiveram as respostas sanadas para essa pesquisa,
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pois as hipóteses dessa rede vão além das bordas geográficas. Porém, pode-se observar que há registros de adeptos de inúmeros outros municípios, se deslocando periodicamente para o fim religioso. A partir de uma experiência cartográfica (Mapa 10), analisada em alguns dias de sessão, mas especificamente durante uma sextafeira do mês de outubro, verificaram-se os percursos relativos à dinâmica da religião na RMGV. Para tal, foi apresentado o quantitativo de adeptos da umbanda (segundo o IBGE) de cada município, aliado aos percursos principais. Vale ressaltar que a proporção com qual a análise foi realizada é pequena diante da profundidade de possibilidades que a maior abrangência traria. Sendo assim, através do diagnóstico, observou-se que os médiuns ativos da Casa, em sua maioria são residentes do município Cariacica, em contrapartida, o deslocamento relativo aos frequentadores é percebido em grande parte do território da RMGV. Foram registrados bairros como: 1) Cariacica: Planeta, Vila Prudêncio, Vila Tabajara, Campo Grande, Padre Gabriel, Vista Dourada; 2) Vitória: Parque Moscoso, Bento Ferreira, Mata da Praia; 3) Vila Velha: Jardim Marilândia, São Torquato, Coqueiral de Itaparica, Praia da Costa; 4) Viana: Arlindo Velasques; 5) Serra: Manguinhos.
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Mapa 10 - Experiência cartográfica realizada a partir de sessão realizada na sexta-feira, na Fraternidade Tabajara
Fonte: IBGE (2010), elaborado pela autora. 2016.
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Como já mencionado anteriormente no trabalho, o espaço público, seja ele urbano ou rural, está estreitamente ligado a umbanda. É possível dizer que, devido ao hibridismo religioso presente na criação da religião, sem os elementos da natureza, não haveria a religião, isso porque os orixás e espíritos cultuados habitam esses lugares e neles são encontrados pontos de energia e força para a realização de diversas atividades. Nesse sentido, por meio das percepções e relatos, a natureza mostra-se muito importante para a Fraternidade Tabajara, pois na linha de umbanda utilizada, os orixás mexem com as forças da natureza, da terra, do ar (Apêndice 2). Ao passo foi realizada a análise da paisagem, provocou-se a noção de identificação desses espaços a partir dos vestígios de algumas manifestações religiosas na cidade, com fragmentos da cultura afro-brasileira e assumidos pela sociedade, que imprimem demarcações e fluxos de fácil observação. Portanto, outra marca da percepção parte do conceito de paisagem, utilizado anteriormente (seção 3.3.1), enquanto agente representativo, onde aparecem alguns mitos de Orixás em narrativas paisagísticas, como por exemplo, Xangô representado em pedreiras, Oxalá no sol e Oxum na cachoeira. Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. O simbolismo é mais facilmente apreendido nas paisagens mais elaboradas – a cidade o parque e o jardim – e através da representação da paisagem na pintura, poesia e outras artes (COSGROVE, Op Cit, p.108 apud. HONAISER, 2007)
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Mapa 11 – Principais usos da cidade por membros da Fraternidade Tabajara
Fonte: CEM/Cebrap - Centro de Estudos da Metrópole (2008), modificado pela autora, 2016.
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Tal relação começa a ser exemplificada pela atual localização e implantação do Templo, em formato de cruz, voltada ao Monte Mochuara, que seria a base. Dessa forma, o local assume grande valor para a Fraternidade Tabajara e seus mentores, pois representa um ponto energético com energia advinda do interior da terra. Em certa ocasião, o irmão Paes viajava do Rio de Janeiro para Vitória, onde pretendia estabelecer-se. À noite, foi convidado a comparecer a uma reunião onde conheceu a médium D. Marieta. Do Rio de Janeiro, cujo Guia Espiritual, Pai João, deu-lhe vários conselhos: “Devia mesmo mudar-se para Vitória, comprar uma chácara em determinado lugar e dar-lhe o nome de Tabajara, fundando ali, um Centro Espírita com o mesmo nome, pois tinha compromisso com irmãos encarnados e desencarnados de eras passadas, principalmente, com o espírito que agora se apresentava como “Caboclo Tabajara”. Falou-lhe do Monte Mochuara e de seu vulcão extinto como um dos pontos especiais da terra, bem como de fatos ocorridos naquela região. ” (SANTOS, Preito de Gratidão, 1988, cap. 15)
A pedreira localizada aos pés do Monte é outro espaço indispensável para a realização de algumas atividades, principalmente no mês de junho, quando são realizadas as festividades em homenagem à Xangô, transformando o ambiente em um terreirão (Apêndice 1) (Figura 30).
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Figura 30- Homenagem à Xangô, em pedreira, Cariacica
Fonte: Thais Oliveira, 2016.
Além desses, as cachoeiras são outros pontos utilizados pela religião, como pode ser observado na figura 31. As cachoeiras de Biriricas, situada em Domingos Martins, e Maricará, situada em Cariacica, são as mais próximas e de uso recente por parte da Fraternidade Tabajara. Acrescenta-se que a escolha pode variar de acordo com a parte espiritual que atua.
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Figura 31 - Atividade realizada na cachoeira
Fonte: Fraternidade Tabajara, 2014.
Quanto às áreas de mata, o próprio terreno do Santuário apresenta espaço adequado para as obrigações que precisam de árvores e terra, suprindo possivelmente, a necessidade de alguns deslocamentos. Entretanto, como falado anteriormente, a insegurança influiu nesse aspecto. De acordo com a designação espiritual, há a locomoção para áreas de mata fechada ou virgem como falado anteriormente. Ademais, em relação às enseadas, o Píer de Iemanjá, na Praia de Camburi, apresenta considerável fluxo de atividades como homenagens e oferendas, que pode ser observado no trecho inicial da orla próximo ao Píer de Iemanjá. Porém, devido ao grande fluxo de outras casas espirituais também para esse local em datas festivas,
capítulo 3 – fraternidade tabajara, cariacica - es
119
como 31 de dezembro, as atividades promovidas pela Fraternidade se deslocaram para a Praia de Coqueiral, em Vila Velha (Figura 32). Figura 32 - Homenagem a Iemanjá realizada pela Fraternidade Tabajara, na Praia de Coqueiral, em fevereiro de 2016
Fonte: Fraternidade Tabajara, 2016.
Talvez um dos usos mais vistos no cotidiano urbano são as oferendas em encruzilhadas. Segundo Honaiser (2007), elas aparecem como aspectos dos Exus ou
capítulo 3 – fraternidade tabajara, cariacica - es
120
das Pombas-Gira, representando o lado marginal. Dentro dos limites do Santuário, foram localizados dois pontos de encruzilhada, nos quais são feitas as oferendas, os descarregos, etc. Evidencia-se que cada adepto tem autonomia para realizar os feitos onde é coveniente. Logo, a partir do momento em que são realizadas oferendas, atividades e sessões, o espaço urbano além de aparecer como subsistência, funciona como sustentáculo liturgico e lugar de conflito. Por fim, ao analisar o território de inserção do espaço religioso em estudo, chama-se atenção à presença das igrejas neopentecostais17 devido à demasiada quantidade, localizações características e aceitação em meio urbano, revelando conflitos com as religiões afro-brasileiras que merecem aprofundamento além desta pesquisa.
17
[...] Desenvolvimento do sistema teológico e doutrinário do pentecostalismo, surgido no Brasil no início do século XX, sobretudo a partir das décadas de 1950 e 1960. Nessa época, o movimento religioso assumiu novos contornos, expandindo a base de suas igrejas, adensando o número de denominações e ganhando maior visibilidade (SILVA, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
considerações finais
122
Essa foi uma pequena incursão no universo das inúmeras tramas impulsionadas pelas cidades contemporâneas. Aliada a uma parcela da noção de identidade, através da religião, viu-se algumas maneiras de entender e organizar o território que aparecem com certas peculiaridades. O tempo se mostra como um dos agentes dos processos urbanos. O tempo do urbano tem suas limitações, posto que tempo e espaço não são apresentados da mesma forma para todos que existem na cidade. Traçar o perfil das apropriações religiosas no espaço público, ao longo da pesquisa, foi uma tarefa complexa, principalmente ao se esbarrar com preconceito voltado às que possuem algum aspecto de matriz africana. Ater essa situação por meio de conversas, alguns dados e percepções reforça a ideia de que as desigualdades não são erguidas somente pela contemporaneidade da vivência, mas sofre influência direta do processo como um todo no qual a sociedade está interligada. Nessa via, é possível indicar que os processos históricos do desenvolvimento das cidades aconteceram de forma desigual, exemplificado através de medidas de planejamento urbano, como na cidade do Rio de Janeiro, pautadas em poderes hegemônicos e segregacionistas. A umbanda aparece como religião estritamente ligada ao início da urbanização de algumas cidades no começo do século XX, sendo uma cisão de princípios de outras religiões (candomblé, kardecismo, espiritismo e catolicismo), tendo nos terreiros a sua forma de manifestação e inserção nesse contexto de mudanças. Esse universo religioso é repleto de saberes e percepções da organização social e da vida. O terreiro
considerações finais
123
da Fraternidade Tabajara, alicerce dessa incursão, foi capaz de mostrar uma parcela dos questionamentos pertinentes a sua inserção no contexto urbano. Diante da possibilidade de disparidade dos ofícios religiosos da umbanda, é pertinente considerar que uma religião precisa ser analisada de acordo com a estrutura social da qual está inserida. A sua integração nos limites do município de Cariacica, desde a primeira metade do século XX, se dá de forma bem clara. Ao observar o desenvolvimento
dos
bairros,
por
meio
de
mapas
notou-se
uma
certa
interdependência entre ambos, anteriormente visto no crescimento de algumas cidades históricas a partir de seu núcleo religioso católico. Além disso, viu-se no conceito de território um importante instrumento de compreensão das dinâmicas presentes no espaço. Dessa forma, há a necessidade do enfoque nos estudos empíricos territoriais, assim como para Teixeira (2010), que são capazes de identificar as relações de poder, que vão territorializar o espaço de acordo com os objetivos dos atores, dentro do ponto de vista econômico, social, cultural e natural. Nesse estudo, pela abordagem dos atores e de suas relações foi possível identificar alguns vetores que caracterizam a realidade local, sendo eles o desenvolvimento urbano do bairro, movido pelas economias que ali se estabelecem e a necessidade de deslocamento para os ofícios religiosos. Em contrapeso, é possível afirmar que ocorre no local uma territorializaçãodesterritorialização-reterritorialização ao passar do tempo, partindo da proposta de Guattari, de que são processos concomitantes e fundamentais para entender a prática humana. Dentre os agenciamentos que foram notados para isso, foi mostrando o enfrentamento do processo secular de estigmatização das culturas e religiões que
considerações finais
124
possuem elementos de matriz africana, visto na diminuição de seus adeptos em alguns momentos da história, mas em seguida, novas conexões reestabelecidas e nos fluxos sobre o espaço urbano e festas. A presença do terreiro há cerca de oito décadas no bairro foi instrumento de recriação do entorno, permitindo esse constante movimento de percepções. Diante da monumentalidade na paisagem onde a Fraternidade Tabajara está inserida, o espaço religioso umbandista quanto aos aspectos arquitetônicos pode ser considerado como uma exceção diante dos outros terreiros vistos na RMGV, que em sua maioria apresentam-se de maneira simples, com arquitetura pouco notável e em lugares afastados dos centros urbanos. A presença dos terreiros no lugar comum, caracteriza a cidade como espaço de multiplicação de conflitos por parte dos segmentos religiosos. Ao verificar a vivência desses adeptos foi capaz realçar as inquietações relacionadas ao fenômeno da intolerância nos limites da cidade. Tendo em vista as análises, tornou-se possível notar que a distribuição espacial dos terreiros se dá em grande parte como estratégia de resistência em meio ao espaço urbano. Tal espaço possui configuração capaz de desvendar conexões entrelaçados com a territorialidade. [...] todos os grupos sociais que habitam a metrópole, embora conjugados numa escala econômico-política mais ampla, em maior ou menor grau acabam disciplinando seus espaços, criando suas barreiras de proteção a fim de manterem o domínio sobre seus signos de identidade, seus privilégios e fundamentalmente sobre seus territórios (HAESBAERT e GOMES, p. 18, 1988).
Ademais, um dos principais componentes da identidade dos povos de terreiro é a tradição da oralidade, pela qual o conhecimento é passado. Diante disso, mesmo com poucas publicações acadêmicas acerca da Fraternidade Tabajara, foi por meio das
considerações finais
conexões pessoais estabelecidas que se
apreendeu
125
o fortalecimento do
pertencimento daquele local, visto em diversos momentos na importância dos suportes da cidade para formação de vínculos indenitários com o lugar. Desta forma, considera-se o espaço construídos como artefato cultural. Durante a conclusão da pesquisa, viu-se o quanto algumas percepções antes tidas como certezas diante do território criado pela Fraternidade Tabajara, não se concretizaram. A cada ida, a área foi mostrando que seria necessário o acompanhamento de mais momentos e em dias diferentes para que se tivesse melhor apreensão da rede criada a partir dos deslocamentos dos médiuns e frequentadores. O desejo de desenvolver essa pesquisa emerge em meio à acontecimentos e discussões que envolvem a aceitação das diferenças no espaço comum e acredita-se que a incluir a o debate da cultura, evidenciada pelos lugares, dos símbolos, das práticas, possa ser efetivo nesse processo. As singularidades que foram obtidas no decorrer da mesma sinalizam as riquezas e dificuldades de uma cidade, e que podem se transformar em potencialidades para a construção de espaços mais agregadores. Visto que, nas metrópoles é fácil perceber os processos que tentam uniformizar o modo de viver, os valores, comportamentos, etc, e de antemão a isso, a permanência do heterogêneo deve aparecer como estratégias e não apenas como interessa de agentes econômicos e políticos atuantes no urbano. Fiar em um urbanismo novo é reconhecer a trama diversa da composição dos vetores e espaços passados sob a percepção do agente observador e criador do arquiteto. Esse oficio é capaz de conceber o ambiente mesclando planos em diferentes escalas, através da observação. O urbanismo contemporâneo aparece como ferramenta de
considerações finais
126
reivindicação para a renovação dos métodos compositivos e das formas já estimuladas na realidade. A cidade gera o porvir da humanidade, estando ligada a suas segregações, assim como suas inclusões, as hegemonias, o bem-estar coletivo e social, a criação de diversas
relações.
Caixeta
[201-]
constata
muito
frequentemente
um
desconhecimento desse aspecto global das problemáticas urbanas como meio de produção da subjetividade. É feito um convite à arquitetura diminuir o papel técnico, a qual acredita-se que foi reduzida, e passar a agir como arquiteto sobre os meios urbanos das cidades brasileiras, conhecendo-os melhor através de leituras que permitam o conhecimento total, na mesma medida em que se identifica e assimila as inúmeras particularidades. Para Guattari (1992) essas funções de subjetivação, que nos presentifica o espaço urbano, não poderiam ser largadas ao sabor do mercado imobiliário, das programações
tecnocrática.
Todos
esses
fatores
devem
ser
levados
em
consideração, mas devem permanecer relativos. Exigem, através de intervenções do arquiteto e do urbanista, ser elaborados e “interpretados”. Portanto,
como
incluir
permanência/surgimento
as de
contradições diversas
e
formas
conflitos
que
emergem
religiosas/culturais?
Como
da os
comportamentos e significados dos espaços públicos podem ser incorporados no estudo do ensino urbano? Para Saquet (2007) é preciso ter sutileza e habilidade, pois cada sociedade produz seu(s) território(s) e territorialidade(s), a seu modo, em consonância com suas normas, regras, crenças, valores, ritos e mitos, com suas atividades cotidianas. Agrega-se o pensamento de Guattari (1992), que crê que os
considerações finais
127
meios de mudar a vida e criar um novo estilo de atividade, de valores sociais, estão ao alcance de nossas mãos. Dessa forma, foi possível mostrar e perceber que as diferenças resistem no território, sendo necessária a sensibilidade em compreender que os espaços públicos urbanos não são estáticos. Fechei nossos trabalhos Pedindo proteção A todos Orixás E a São Sebastião (Canto de encerramento de gira)
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ANEXO
142 Anexo 1 – Parte do Estatuto Social da Fraternidade Tabajara Seção II - Dos Objetivos Art. 2º – O objetivo da FRATERNIDADE TABAJARA é a prática do seu Lema: Fé, Esperança e Caridade, a tolerância, o amor ao próximo, a educação pela evangelização para elevação do espírito em evolução – encarnado ou desencarnado – em sintonia com a Bíblia Sagrada, atendendo às pessoas no aspecto religioso, cultural, intelectual, material, social– afetivo, ético– moral e espiritual, e, efetivamente: I – Promover o Estudo, a Difusão e a Prática da Alta Filosofia Espirita, atendendo e ajudando as pessoas: a) que buscam orientação e amparo para seus problemas espirituais e materiais; b) que querem conhecer e estudar a Umbanda à luz da Alta Filosofia Espirita; c) que querem exercitar e praticar a Fé, a Esperança e a Caridade, em todas as suas áreas de ação. II – Facultar condições para elevação dos indivíduos à condição de dignidade humana e social pelos seguintes objetivos específicos: a) facultar a assistência e promoção sócio– econômica e cultural; b) promoção da educação, observando– se a forma complementar de participação das organizações de que trata a Lei; c) promoção da saúde, observando–se a forma complementar de participação das organizações de acordo com a legislação vigente; d) promoção da segurança alimentar e nutricional; e) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; f) promoção do voluntariado; g) promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
143 h) i)
experimentação de novos modelos sócio– produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
Parágrafo Primeiro – Para os fins deste Artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura– se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros de várias fontes, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins. Parágrafo Segundo – No desenvolvimento de seus programas, projetos, planos, atividades e tarefas, a FRATERNIDADE TABAJARA observará os princípios da autonomia, independência, com liturgia própria, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência e não fará qualquer discriminação de raça, cor, gênero ou religião, nomeando, sempre que for preciso, Irmãos representantes junto às demais Religiões, honrando com tais para esse fim.
APÃ&#x160;NDICE
145 Apêndice 1 – Transcrição de entrevistas 1.1 Luiz Augusto Labuto – Médium chefe da Fraternidade Tabajara 1.2 Diálogo com frequentadora da Fraternidade Tabajara
1.1 Fraternidade Tabajara – dia 16/07/16 A entrevista foi realizada no dia 16 de julho de 2016, às 10:00h da manhã, em Cariacica, na Fraternidade Tabajara. LEGENDA (MR) - Maria Rodrigues (LL) - Luiz Labuto (MR) Primeiramente, qual o seu nome? (LL) O nome todo é Luiz Augusto Labuto. Atendo por Luiz mesmo (MR) Fora da Fraternidade Tabajara, o senhor exerce alguma outra profissão? (LL) Já estou aposentado, mas fui professor ao longo da vida, de inglês, leitura dinâmica, ensino religioso, fui diretor de escola, coordenador de turma... (MR) Foi dessa escola daqui? (Me referindo à EEEFM Maria de Lourdes Poyares Labuto) (LL) Essa escola ai na verdade, fui diretor só seis meses. Mas, a escola tem o nome da minha mãe... (MR) é, então, ia te perguntar isso, essa relação também, porque tudo aqui tem a ver com o Tabajara... (LL) Sim, é que, vamos dizer assim, na década de 60, isso aqui era só fazenda, não tinha loteamento, conjunto de casas, essas coisas. Então, esses conjuntos
146 residenciais apareceram depois, aí então, essas fazendas aqui em volta tudo era mato, o pessoal não tinha escola nenhuma. Então, em 1968, a minha mãe, que era professora, alfabetizou inclusive todos os filhos dentro de casa, oito filhos e a gente já entrou no primeiro ano na escola. A gente já entrava alfabetizado, sabia matemática, geografia, história, ciências, ela ensinava tudo. Ela tinha esse dom de ensinar muito fácil, aí como na época aqui na região toda não tinha escola nenhuma, aqui na Fraternidade, dentro do templo mesmo, foi aberta a escola por ela e foi feito o convênio primeiro com o movimento nacional contra o analfabetismo... (ML) Então a primeira escola foi feita aqui dentro dessa sede já né? (LL) Isso. E depois passou para ser escola estadual, com o Estado pagando professor. Mamãe...não era o interesse dela receber dinheiro, era educativo mesmo. Aí arranjou-se uma professora, que era inclusive membro da casa, que tinha vínculo com o Estado, aí essa professora assumiu. Quando mamãe faleceu, a escola ainda funcionava dentro do Templo, isso foi 29 de junho de 76, isso há 41 anos vai fazer agora ne. Aí quando ela faleceu, eu assumi muitas funções da Casa, inclusive logo um mês depois que ela faleceu, eu assumi a posição da diretoria da Casa no lugar dela. E meses depois eu assumi a posição espiritual. Mas aí quando mamãe faleceu, eu comecei a querer futucar as coisas todas aqui dentro da Casa né. Uma das coisas foi a escola. E eu vi que a Escola estava ficando presa para não crescer e eu queria que crescesse a educação. Aí eu construí esse prédio aqui, que eram duas salas de aulas aqui, quatro banheiros e uma cantina. Depois, vi que a Escola começou a crescer mesmo, para valer, construí mais quatro salas atrás e depois mais quatro salas no fundo e depois mais uma no fundo, ficamos com onze salas de aula. E...alguns anos depois eu precisava das instalações aqui pra outras funções, mas ai a região aqui já tinha crescido bastante, bairros, loteamentos e tudo, ai eu comecei a cobrar do Estado que construísse uma escola, já que essa aqui foi construída com o dinheiro da Casa, sem dinheiro do Estado. Nessa fase de expansão, fui diretor também, mas eu tinha vínculo com o Estado, eu era professor do Colégio
147 Estadual de inglês e de literatura brasileira. Aí eu pedi ao Estado essas instalações né, para poder colocar a cantina, usar os banheiros pra Casa. (ML) ter o suporte né... (LL) Não tinha banheiro, era aqui no meio um prediozinho de banheiro, que ficava feio pra caramba. É...nós temos lá as salas que depois eu posso te mostrar, departamento artesão, que é corte e costura, juventude, auditório pra palestras, sala do serviço social, bazar de roupa. Então, tudo isso, para colocar lá dentro não dá, eu ia ter que construir mais outro prédio. Foi aí que eu comecei a pedir o Estado as instalações e estou com briga no Estado até hoje. Ai depois de muito custo, conseguimos que a Escola fosse construída lá. Na época da inauguração, eles resolveram colocar o nome da minha mãe, porque ela foi a primeira professora da região né, em toda região. Então Escola Maria de Labuto, ela funciona três turnos, ela tem 25 salas de aula, se não me engano, uma das maiores do Estado... (ML) é, eu não conhecia, ai olhando pelo mapa, dá pra ver que ela é muito grande mesmo, tem toda a estrutura né... (LL) Toda a estrutura. Laboratório de informática, biblioteca, tem tudo, um pátio bem grande e um número de sala bem grande. Se não me engano, é a terceira maior do Estado, em questão de tamanho. Aí ela atende atualmente, estudos entre ensino fundamental, médio, é uma escola completa. E, o que mais... (ML) Vou voltar um pouco. O senhor falou que sempre morou aqui, você sempre teve essa relação de estar perto do Tabajara? (LL) Não, não. Eu mudei praqui, comprei uma chácara aqui em 1984 para mim. Quando eu assumi a casa, foi em 75, então, já tinham alguns anos que eu estava na chefia da casa e queria ficar mais perto. Eu tinha apartamento em Itaparica, em Vitória, mas não gostava muito de apartamento não, preferia morar em casa. Aí comprei meu pedaço de terra né. (MR) Sim, mas você nasceu no Rio e veio?
148 (LL) Não, nasci em Vitória, papai que era carioca. (ML) Mas ai quando eles vieram, já ficaram por aqui também? (LL) Não. Eu nasci e fui criado no centro de Vitoria, rua Treze de maio, perto da praça Costa Pereira. Até os nove anos morei ali. Depois dos nove aos dezesseis morei em Itacibá, depois voltei a morar em Vitória, depois em Itaparica, vários lugares. E mamãe não, nunca morou aqui na região, o mais perto que a gente morou foi em Itacibá. Da história de mamãe tem algumas coisas no livro. (MR) Qual livro? (LL) Preito de gratidão. Tem alguns casos, alguma coisa da história dela. (MR) E no caso do ofício religioso? A gente sabe que a umbanda tem toda a diversidade que a gente lê e em poucos meses acho difícil saber de tudo. Queria saber no geral, como é exercido aqui, quais são as maiores influências do Tabajara? (LL) Bem, a gente usa a linha de umbanda. A umbanda as vezes tem uns nomes diferentes dos orixás, a maioria são os orixás básicos né. Por exemplo, Ogum, Xangô, Oxóssi, Oxalá e Iemanjá, são os cinco orixás mais básicos que existem na umbanda. Agora, tem os orixás que são diferentes, que tem casa que usam outros orixás, no caso o sexto e o sétimo, o sétimo principalmente. Nós temos a linha de Ori, que é a linha oriental e muitas casas, no lugar de Ori, usam Iori, que seriam os Ibejis. E em muitas casas, o Congo é chamado de Iorimar, mas nós usamos a palavra Congo. Esses dois são os que possuem mais diferenças. Tem algumas casas que cultuam mais de sete Orixás, talvez por tradição do candomblé. Tem candomblé que tem cento e tantos orixás. Normalmente também, as entidades cultuadas em outros orixás, como outros orixás, na verdade, eles entram em outras linhas de umbanda na Fraternidade. (MR) E aproveitando, queria te perguntar, qual a relação de vocês com o entorno, com o bairro? (LL) A gente tem algumas tarefas sociais, como te falei, o bazar...
149 (MR) isso...a juventude. Você sabe se é mais a comunidade que frequenta ou é gente de outros municípios? (LL) é, tem mais da região mesmo... (MR) os portões sempre estão abertos ali né... (LL) Nos tempos atuais, a gente não tem tanta necessidade de crescimento da parte do serviço social, apesar que o Brasil o pessoal está passando fome ainda. Mas há anos atrás, por exemplo, eu distribuía uma média de 180 cestas básicas, hoje já não existe essa necessidade. Principalmente por conta do bolsa família e tal, o pessoal já está tendo mais acesso a pelo menos a comida básica. Mas já houve época, que precisava de todo mês está fornecendo. Também houve época de o governo estar fornecendo né. O governo dos Estados Unidos mandava trigo e leite em pó para o Brasil em toneladas e a arquidiocese de Vitória é que distribuía isso aí...dizem que ainda chega, mas ai fica só na mão da igreja católica... mas nos tempos antigos, a gente distribuía, e era saco de leite em pó de 60kg, coisa e tal. Então toda a população frequentava e pegava essas coisas básicas. Hoje em dia a gente não tem tanta assim, nem se fala direito a respeito disso aí. Já tivemos época também, que a prefeitura de Cariacica, eles tinham um negócio de comprar frutas e verduras do pessoal da região rural de Cariacica e já houve época de eles distribuírem, durante uns dois anos, essas verduras, e distribuíam para o pessoal da região. Mas depois de um tempo, eles cortaram essa parte. (MR) é, complicado... (LL) ...então o que a gente faz em termo de distribuição de roupa, higiene, cobertores, brinquedos, na época do natal, é arrecadado tudo com o pessoal que frequenta mesmo, que a gente anuncia. (MR) É, aí eu fico pensando as vezes, como que a população do entorno vê o Tabajara, porque querendo ou não, existe o preconceito ainda né, e por mais que tenha essa estrutura linda, enorme, muita gente ainda passa por
150 aqui e não sabe o que é, ou então já vai falando algumas coisas. Vocês ouvem alguns comentários do entorno em si? (LL) A gente não tem problemas...Olha, problemas com a comunidade a gente não tem. A gente sabe sim, que existe o preconceito, principalmente por isso, o povo emite opinião sem saber do assunto. Brasileiro é técnico de futebol, político, economia então...mas na realidade, não tem embasamento né, as vezes nem cultura mesmo, de procurar entender pra poder falar do assim. Então, a gente percebe que tem bastante preconceito religioso ainda, depois de 51, está na Constituição, a pessoa pode ser presa por causa disso. É um preconceito que é punido na Constituição. Bem, mas, a partir do momento que a pessoa conhece e nós temos gente da região que frequenta a casa né, e a partir do momento que a pessoa vem, vê os trabalhos que a gente faz, desaparece esse preconceito. (MR) Eu vejo que vocês estão sempre abertos também a receberem, acho que isso dá uma certa “liberdade” né... (LL) ...portas abertas direto, a gente não cobra trabalho, é tudo gratuito, então tudo isso faz um diferencial. (MR) Falando em portas abertas, o portão está sempre aberto. Teve uma vez que eu vim e uma senhora falou que acha meio perigoso. Essa relação assim, vocês têm um pouco de medo em deixar sempre aberto? Porque o bairro foi crescendo né... (LL) É. Eu estou querendo mudar o portão ali da esquina para o meio. Já fiz o portão novo, agora tem que fazer o calçamento das ruas, para fazer a entrada por ali e vai ser com controle remoto. A gente vai deixar aberto no caso da noite, até umas 21h, no máximo... (MR) ...ah sim, que é o tempo que chega né.... (LL) ...é, que o trabalho começa às 20h, deixar até as 21h aberto e daí em diante, abrir com o controle remoto. A gente está pensando em termos de segurança. (MR) É, porque querendo ou não, é um problema.
151 (LL) Em termos de segurança a gente tem problema sim. Esse ano a gente teve um caso de o cara quebrar a parede, chegar ali e roubar uma botija de gás. Então, o trabalho de vir aqui, em outro horário, arranjar pedreiro, para tapar buraco, coisa e tal...quer dizer, mais uma porta, mais uma fechadura. Mas a gente sabe que isso aí tem efeito do negócio de droga também ne. (MR) É, tem isso também. E já entra até na pergunta que fiz, que o bairro se desenvolveu em função do Fraternidade Tabajara ne?! (LL) Sim. (MR) O senhor observou essa mudança, o bairro crescendo a partir da Fraternidade né. (LL) Sim, antes era tudo fazenda, só tinha meia dúzia de casa. Na verdade, muita gente foi beneficiada, muita gente da região estudou aqui dentro, porque a escola estava aqui dentro até uns anos atrás. (MR) Outra pergunta, vocês estão estritamente ligados a cidade. Aí tem o Mochuara, a posição voltada para ele. Quais outros lugares da cidade vocês usam? Cachoeiras, encruzilhadas... (LL) A gente busca também, além do ambiente que a gente já tem bastante de natureza aqui ne, mas a gente vai... (MR) então vocês usam aqui também ne? (LL) ...usa sim. As nossas obrigações, precisa de arvore e aqui tem bastante, terra também, agua. Mas a gente vai à praia, tradicionalmente dia 31 de dezembro... (MR) ...lá no píer de Iemanjá? (LL) ...não, a gente varia de acordo com a parte espiritual. É um ritual que é feito às 18h, a gente não faz à 00h e daí já é tradição há mais de 70 anos. A gente vai à pedreira. Nós tivemos mês passado na pedreira, ali no pé do Mochuara, uma fazenda ali que tem uma pedreira, faz um terreirão...E na cachoeira a gente
152 vai também, em dezembro. Ai nos últimos dois anos, a gente foi numa cachoeira de uma pessoa lá perto de Castelo, que é uma pessoa que frequenta a casa e tem na fazenda, mas aí varia também. (MR) Quais são os outros, você lembra? (LL) Olha, nos tempos bem bem antigos, Maricará servia como cachoeira, hoje em dia é uma bica né. É...aquela ali de Campinhos, debaixo da ponte. Mais para cima ali também, a gente já foi e por a vai. (MR) A questão do Mochuara o senhor já explicou ne... (LL) ...é, tem esse relacionamento com o pronto energético. (MR) Então, a princípio são essas as dúvidas.
1.2 Diálogo com frequentadora da Fraternidade Tabajara O diálogo foi realizado antes do atendimento espiritual, no dia 24/06/16, por volta das 19h, nas imediações da Fraternidade Tabajara, registrado no diário de campo utilizado para a pesquisa (algumas das falas não estão transcritas literalmente). LEGENDA (MR) - Maria Rodrigues (YY) - Frequentador jovem (XX) - Frequentadora idosa (YY) sei que o espaço cresceu em volta disso aqui, era tudo mato. O Sr. Tabajara até falava na época, que iria cruzar uma rodovia aqui. (XX) Eu lembro, que isso aqui era mato eu era menina. Tinha as reuniões do jovens, agora não tem jovem mais.. (MR) aé? (XX) precisa dos jovens...
153 (MR) aqui quem frequenta são mais os adultos? (YY) então, é. Está dando uma renovada agora, tem aparecido uma galera. Mas quando comecei a vir, era só gente mais velha (XX) a gente aprendia tanta coisa (...) (XX) quem tem amor ao celular nem vem a noite não. Os meninos do colégio ali fizeram um protesto por causa da insegurança, aí colocaram uma câmera. Apêndice 2 – Transcrição de vídeo Transcrição de parte do vídeo de apresentação da Fraternidade Tabajara, disponível no youtube. Fraternidade Tabajara. Cariacica, ES, 2016. 5 min. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lJEFuAVsjtw>. Acesso em: 20 jul. 2016. “...A natureza é muito importante para a fraternidade tabajara porque na linha de umbanda os orixás sempre estão mexendo com as forças da natureza, da terra, do ar... O Mochuara tem um grande ponto energético, pois segundo os mentores espirituais, é um vulcão extinto e tem uma energia bem ao centro da terra, por isso o templo foi construído de frente para ele no formato de cruz, quando tudo era mato, não existia rodovia, isso era uma fazenda só e considera que o Mochuara é a base dessa cruz...”