Mariana Bomtempo
Um paralelo entre Barcelona (1992) e Londres (2012)
Grandes eventos esportivos e as suas cidades-sede
Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / FAU Departamento de Teoria e História em Arquitetura e Urbanismo / THAU Ensaio Teórico – Orientadora Professora Elane Ribeiro Peixoto
Grandes eventos esportivos e as suas cidades-sede Um paralelo entre Barcelona (1992) e Londres (2012)
Mariana Roberti Bomtempo Brasília, novembro de 2011
Sumário
Lista de imagens ................................................................................................................. 3 Resumo ............................................................................................................................... 4 Introdução ........................................................................................................................... 5 Capítulo 1 – A cidade-sede .................................................................................... 8 Capítulo 2 – Barcelona 1992 ................................................................................ 12 Capítulo 3 – Londres 2012 ................................................................................... 20 Conclusão – Paralelo 1992-2012 ...................................................................................... 29 Referências bibliográficas ................................................................................................. 34
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Lista de imagens Capa - Releitura do Poster LOndOn 2O12 de Rachel Whiteread. Fonte: Dezeen. Disponível em: <http://www.dezeen.com/2011/11/04/ london-2012-olympic-and-paralympic-games-posters/>. Acesso em 15 nov. 2011. Figura 1 - Estádio de Camp Nou na abertura dos Jogos Olímpicos de 1992. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 2 - Marco para a contagem regressiva para Londres 2012 na Trafalgar Square. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 3 - Museu das Olimpíadas em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 4 - Museu de Arte Contemporânea Catalã na abertura dos Jogos de 1992. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 5 - Pôr-do-sol na Vila Olímpica em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 6 - Big Ben, monumento símbolo da Inglaterra. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 7- Arco do Triunfo em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 8 - London Eye e Aquarium. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 9 - Edifícios localizados no centro financeiro de Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 10 - Feira de Santa Caterina em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 11 - Edifício Central St. Giles em Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 12 - Vista da cidade de Barcelona, Catedral da Sagrada Família ao fundo. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 13 - Vista do Parlamento Britânico de Picadilly Circus. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 14 - Catedral de St. Paul, em Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 15 - Casa La Pedrera, de Gaudi, em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 16 - Catedral da Sagrada Família em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 17 - British Museum, em Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 18 - Pavilhão Barcelona de Mies Van de Rohe. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 19 - Edifício sede do banco Lloydʼs of London, em Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 20 - Agbar Tower, em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 21 - Plaza España, em Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 22 - Mapa do do plano do metrô de Barcelona. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 23 - Porto velho de Barcelona, ao final de La Rambla. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 24 - Situação em que se encontrava o litoral antes de sua revitalização. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 25 - Bairro gótico de Barcelona, parte do centro histórico. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 26 - Calçadão beira-mar da Vila Olímpica. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 27 - Praia na Vila Olímpica, muito semelhante à zona sul do Rio. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 28 - Litoral de Barcelona antes da revitalização. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 29 - Antigo galpão transformado em centro cultural e restaurantes. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 30 - Marina. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 31 - Parque Olímpico de Montjuïc. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 32 - Desenho do projeto da Área Diagonal. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 33 - Desenho do projeto de Vall dʼHebron. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 34 - Desenho do projeto para Parc de Mar. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 35 - Desenho para o projeto de Montjuïc. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003.
Figura 36 - Imagem de satélite da área da Vila Olímpica antes dos Jogos de 1992. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 37 - Cassino e hotéis luxuosos de Barcelona, próximos a Vila Olímpica. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 38 - Divulgação de atividades de lazer na cidade de Barcelona, o que espelha sua atual função voltada para o ócio. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 39 - Parque Olímpico de Montjuïc e a Torre de Calatrava, sem visitantes. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 40 - Panorâmica da cidade de Barcelona. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 41 - Panorâmica da cidade de Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 42 - Mapa que localiza as regiões de maior privação social de Londres. Fonte: Londonʼs Olympic Legacy – A “Thinkpiece” report prepared for OECD and Department of Communities and Local Government, 2009. Figura 43 - Mapa que localiza a região abrangida pelo projeto Thames Gateway. Fonte: Wennington Village. Disponível em: <http://www.wenningtonvillage.org/regeneration.htlm>. Acesso em 15 nov. 2011. Figura 44 - Obras para o Parque Olímpico de Londres, em primeiro plano está o Centro Aquático e ao fundo o Estádio Olímpico. Fonte: East London Lines. Disponível em: <http:// www.eastlondonlines.co.uk/ell_wp/wp-content/uploads/ 2010/11/100630_ODA_MDA_TL_030_HI.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2011. Figura 45 - Esquema das principais instalações localizadas no Parque Olímpico. Fonte: Londonʼs Olympic Legacy – A “Thinkpiece” report prepared for OECD and Department of Communities and Local Government, 2009. Figura 46 - Evento na Trafalgar Square celebrando os Jogos de 2012 em Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 47 - Picadilly Circus e edifícios ao seu redor em reformas para 2012. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 48 - Anéis Olímpicos em St. Pancras Station, chegada do Eurostar, trem que liga Londres ao continente. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 49 - Ilustração que demonstra como funciona a estrutura temporária do Estádio Olímpico. Fonte: World Architecture News. Disponível em: <http://static.worldarchitecturenews.com/ news_images/1570_2_1000%202012%20stadium%202.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2011. Figura 50 - Simulação de como ficará o Centro Aquático quando pronto. Fonte: Zaha Hadid Website. Disponível em: <http// www.zaha-hadid.com/wp-content/files_mf/1138_londo_rend_0584>. Acesso em 15 nov. 2011. Figura 51 - Esquema da composição do Parque Olímpico em primeiro plano e as suas obras ao fundo. Fonte: The Independent. Disponível em: <http-//blogs.independent.co.uk/wp-content/uploads/ 2011/02/olympic.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2011. Figura 52 - Obras da Vila Olímpica de Londres. Fonte: London 2012. Disponível em: <http//www.london2012.com/images/mediamanager/2010/6/aerial-view-of-the-olympic-village-69009.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2011. Figura 53 - Esquema de como será a chegada pela estação de Stratford ao Parque Olímpico. Fonte: Transport Big Build Complete. Mayor of London. Figura 54 - Ilustração esquemática do projeto do Parque Olímpico. Fonte: Legacy Limited? - a review of the Olympic Park Legacy Company's role, 2010. Figura 55 - Obras na estação de Kingʼs Cross. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 56 - Simulação de como ficará o Estádio Olímpico de Londres e arredores. Fonte: London 2012. Disponível em: <http:// data.map.london2012.com/images/4822d428a5a74.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2011. Figura 57 - Material distribuído em Barcelona com a localização dos eventos na cidade. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003. Figura 58 - Lojas de souvenirs muito comuns por Londres. Fonte: acervo pessoal da autora, 2011. Figura 59 - Picadilly Circus parcialmente interditada a noite devido as obras. Fonte: acervo pessoal da autora. Figura 60 - Antigos galpões encontrados em Barcelona, na área que hoje fica a Vila Olímpica. Fonte: Fundaciò Barcelona Olímpica, 2003.
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Resumo ! !
O presente artigo analisa a capacidade transformadora de um megaevento como as
Olimpíadas sobre sua cidade-sede. Para isso, entendeu-se, na atualidade, a importância de tal evento. Em seguida, foram estudadas as cidades de Barcelona, que hoje colhe os louros de sua imagem transformada depois das Olimpíadas, e, devido a elas, tornou-se um modelo de renovação urbana; e Londres, que, vinte anos mais tarde, pretende galgar novas posições no contexto mundial com bases neste modelo. Para finalizar, comparouse as duas cidades, com o objetivo de compreender suas semelhanças e diferenças e como os megaeventos são capazes de modificá-las. Palavras-chave: megaeventos esportivos, Olimpíadas, cidade contemporânea, Barcelona, Londres, imagem da cidade, legado Olímpico.
Abstract ! !
This article examines the mega event capacity of transformation, such the
Olympics, on its host city. For this, it was understood the importance of this kind of event nowadays. Then, it was studied the cities of Barcelona, that today reaps the rewards of its transformed image before the Olympics, and, because of then, became a model of urban regeneration; and London, which, twenty years later, wants to replace to a new position in the global context based on that model. Finally, a comparison is made between them, in order to understand their similarities and differences, and how the mega event is able to modify the city. Keywords: sports mega-events, the Olympics, the contemporary city, Barcelona, London, the city's image, the Olympic legacy.
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Introdução ! !
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A cidade contemporânea, campo de ação e reflexão
dos arquitetos e urbanistas, é um tema debatido no ambiente acadêmico, o que resulta em diversas linhas de pensamento e posições entre diferentes autores que dela se ocupam. Frequentemente, ela é apontada como palco de grandes contradições no cotidiano, porém não se trata apenas de um cenário, mas de um ambiente capaz de operar positiva ou negativamente sobre a vida de seus habitantes. !
São vários os conceitos construídos para a cidade
contemporânea, tais como: a Cidade Global de Saskia Sassen
Figura 1 - Estádio de Camp Nou na abertura dos Jogos Olímpicos de 1992.
(1991), a Cidade genérica de Rem Koolhaas (1995), ou a Cidade Fantasia de John Hannigan (1998), para lembrar alguns nomes. Usualmente, esses conceitos abordam as complexas redes que formam as cidades contemporâneas e como há diferentes interesses sobre quem as opera. Dentre essas redes, o espaço físico e a infraestrutura tem implicações diretas para os moradores, pois influem sobre o seu dia-a-dia e podem também direcionar a visão de outras pessoas sobre determinada cidade. !
Nos últimos anos, como forma de promover grandes
modificações em seus espaços físicos, além das redes de infraestrutura e principalmente transformar a imagem de uma
Figura 2 - Marco para a contagem regressiva para Londres 2012 na Trafalgar Square.
cidade, estabeleceram-se acirradas disputas internacionais entre cidades para sediar grandes eventos, sejam eles os esportivos – Olimpíadas, Copas do Mundo, campeonatos – ou culturais, tais como as exposições, as feiras, dentre outros. !
Entre esses eventos, as Olimpíadas possuem uma grande
importância histórica, devido ao longo tempo de existência e de seu valor simbólico, pois simultaneamente promovem a competição esportiva e deflagram sentimentos nacionalistas, são também momentos de confraternização entre diferentes povos e culturas e de superação de limites do ser humano. Durante os jogos, a cidade-sede recebe uma grande atenção mundial, além
Figura 3 - Museu das Olimpíadas em Barcelona.
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de receber uma grande quantidade de pessoas e ter sua imagem divulgada; entretanto, muitas vezes, essas imagens correspondem a estereótipos construídos sobre valores culturais e da idéia de nação. !
Uma das mais bem sucedidas referências de cidade sede de
Jogos Olímpicos foi Barcelona, que em 1992, com os investimentos recebidos, não só promoveu a construção de importante infraestrutura para os jogos, como também realizou significativas modificações na cidade, entre as quais se destaca a abertura da cidade para o Mar Mediterrâneo. Com a mídia envolvida no evento, Barcelona conseguiu divulgar sua imagem
Figura 4 - Museu de Arte Contemporânea Catalã na abertura dos Jogos de 1992.
positivamente como um pólo turístico mundial. Desde aquele momento, diversas cidades buscam sediar os jogos inspiradas em seu modelo, com o objetivo de transformar suas próprias imagens. Há de se ressaltar que nem sempre obtiveram sucesso, deixando como legado grandes “elefantes brancos” ou estruturas construídas para essa ocasião abandonadas. Estudando mais a fundo, vê-se que mesmo Barcelona não foi capaz de absorver tudo que foi construído sem que algumas estruturas ficassem subutilizadas, como por exemplo, as construções em Montjuïc. !
Figura 5 - Pôr-do-sol na Vila Olímpica em Barcelona.
Exatamente vinte anos mais tarde, os Jogos Olímpicos de
2012 tem como sede a cidade de Londres, que procura reinventar sua imagem para o globo, alegando serem esses os primeiros jogos Olímpicos “sustentáveis” da história1 . Londres busca renovar áreas degradas com os investimentos recebidos, ampliar as redes de transportes e reinventar áreas já conhecidas. Baseada em Barcelona, a capital inglesa busca corrigir aquilo que foi reconhecido como malogro de experiências anteriores e devolver para a população um legado que ultrapasse as estruturas físicas e inspire o início de uma nova era – a de uma 1
Figura 6 - Big Ben, monumento símbolo da Inglaterra.
Entretanto, segundo a autora Ana Flávia Paes Leme, os primeiros jogos vinculados ao tema, com o título
de "Jogos Verdes", foram os de Sydney, em 2000, quando houve a colaboração de ONGs ambientalistas que examinaram o evento e emitiram um relatório detalhado, considerando-o positivo. O que revelou a capacidade do evento como uma prática de desenvolvimento sustentável, com a conservação das espécies, recursos tecnológicos e o controle da poluição. 6
cidade orientada por ideais “verdes”. !
A partir do entendimento de uma das lógicas da cidade contemporânea, apoiada
sobre os grandes eventos mundiais, este trabalho objetiva traçar um paralelo entre Barcelona e Londres; numa espécie de analogia, pode-se pensar em estabelecer os vínculos entre o criador e a criatura, representados pelas modificações urbanas decorrentes de um megaevento. Em outras palavras, o problema desta pesquisa pode ser iniciado pela pergunta: qual o legado dos Jogos Olímpicos para Barcelona e o que se pretende alcançar com os de Londres?
Figura 7- Arco do Triunfo em Barcelona.
!
Figura 8 - London Eye e Aquarium.
Assim, para a análise e comparação dessas duas cidades, elaborou-se uma
estratégia metodológica para conduzir o desenvolvimento do trabalho. Essa implicou visitas realizadas em ambas as cidades para a observação dos locais de intervenção e presenciar suas consequências. Em seguida, organizou-se um corpus, composto de bibliografia incluindo livros, artigos, revistas, entrevistas e documentários sobre o assunto. A leitura e análise desse corpus foi guiada por questões como a compreensão dos contextos em que os dois eventos tem lugar, os projetos propostos para os eventos e sua realizações, a construção das imagens das duas cidades e o legados dos eventos. !
Diante dos dados, foi, então, possível compreender de que forma as cidades-sede
de grandes eventos mundiais se transformam em função dos mesmos e como as consequências de tais eventos dependem de uma série de fatores para que eles sejam considerados um sucesso. !
O trabalho estrutura-se em três capítulos: o primeiro irá tratar das cidades-sedes e
seus objetivos ao acolher um evento como as Olimpíadas; o segundo irá discorrer sobre o caso de Barcelona; e o terceiro retratará a situação de Londres. As considerações finais são reservadas para as reflexões sobre as duas cidades estudadas e como é possível a comparação entre elas. 7
Capítulo 1 – A cidade-sede !
Nos últimos anos, a importância atribuída aos Jogos
Olímpicos como um megaevento global é refletida pelo aumento no número de candidaturas de cidades para sediá-los. Dessa forma, a cidade procura impulsionar sua imagem como uma metrópole avançada, uma cidade globalizada e um centro internacional para negócios e comércio (POYNTER, 2007). Ao acolher uma Olimpíada, a cidade, à semelhança do que acontece na “Cidade Fantasia” de John Haniggan (1998), transforma-se em palco de políticas e ações que se baseiam na ideia de que a regeneração urbana é fruto da abordagem norte-americana dada
Figura 9 - Edifícios localizados no centro financeiro de Londres.
pelo desenvolvimento econômico com base no consumo. Essa abordagem coaduna-se com as mudanças no modelo da economia internacional ocorrida no início dos anos 90, orientadas por políticas neoliberais, implicando também alterações nos setores da mídia, telecomunicações, lazer, viagens e turismo. Nesse contexto, cada cidade procura construir e divulgar sua imagem de tal forma a apresentar-se como ponto de interesse para investimentos de todas as ordens. Um megaevento é organizado por uma elite econômica que pretende projetar para o mundo valores e princípios da cidade ou nação-sede para criar uma “versão oficial da história e da identidade contemporânea do
Figura 10 - Feira de Santa Caterina em Barcelona.
local” (POYNTER, 2010); essa imagem tem por objetivo afirmar o desenvolvimento cultural, social e econômico, ou renová-los. Para essa grande quantidade de mudanças ocorridas na cidade nesse período, Muñoz (2006) recorre à denominação de urbanismo olímpico. !
No final do século XX, um novo cenário econômico volta-se
para as demandas de corporações, para as indústrias de alta tecnologia e produtores de serviços sofisticados (RAEDER, 2008 apud ANDRANOVICH et al., 2001, p.114), provocando desequilíbrios econômicos. O megaevento surgiu como uma
Figura 11 - Edifício Central St. Giles em Londres.
oportunidade, primeiramente, para as cidades norte-americanas, 8
cuja economia apoiava-se em atividades industriais tradicionais, para recuperá-las da situação difícil em que se encontravam, em virtude da desindustrialização, procedente da reordenação internacional da produção, deixando-as sem função produtiva e dinheiro. Somado a isso, também se buscou evitar que os locais que permaneceram com privação social constituíssem focos de revoltas raciais (POYNTER, 2010). !
A organização de eventos mundiais gera vários impactos
econômicos, o impacto primário refere-se aos gastos específicos para os jogos, justificados pelos benefícios futuros. O impacto secundário deriva de infraestrutura (transporte, telecomunicações,
Figura 12 - Vista da cidade de Barcelona, Catedral da Sagrada Família ao fundo.
instalações esportivas); melhorias ambientais (regeneração do meio ambiente, uso da águas, criação de parques, uso pósolímpico das instalações permanentes); habitação; saúde e contribuição para o desenvolvimento do que se tem denominado de "cultura urbana" (lazer, recreação, instalações para entretenimento). Essas mudanças possuem uma predominância de investimento público e assumiram considerável importância como parâmetros tanto para a escolha da cidade para sediar os jogos, quanto para a avaliação do sucesso do evento no que tange aos benefícios a ela legados, divulgando o efeito positivo do acontecimento. A importância de deixar um legado para a cidade-
Figura 13 - Vista do Parlamento Britânico de Picadilly Circus.
sede, passados os Jogos, é requerida pelo comitê Olímpico desde 1933, traduzindo-se em moradia, trabalho, recreação e transporte. A partir dos anos 70, essas questões foram incorporadas ao planejamento e desenvolvimento urbano das cidades, com o objetivo de melhorar as carências sociais e buscar novas formas de desenvolvimento econômico (POYNTER, 2007). !
Além desses impactos tangíveis, as cidades-sede tem
identificado um benefício intangível – Poynter chama de intangível aquilo que foi angariado pela cidade-sede ao abrigar um evento, como o aumento do orgulho cívico-nacional ou o marketing positivo: afinal, ao acolher com simpatia tantas nacionalidades, essas cidades são lugares dignos de reputação destituída de
Figura 14 - Catedral de St. Paul, em Londres.
preconceitos. Também são citados como benefícios: o aumento 9
da conscientização sobre as limitações físicas humanas, por meio das Paraolimpíadas, inspiração para as crianças, legado das instalações esportivas, melhorias ambientais e promoção de vida saudável. Como custos intangíveis ficam a aglomeração, insegurança, desconfortos locais causados pelas construções, demoras em transportes e excessiva cobertura da mídia (POYNTER, 2007 apud ATKINSON ET AL, 2006). Pode-se citar, como exemplo, o sucesso da candidatura de Londres para 2012 devido à ênfase em temas não relacionados ao esporte (benefício intangível) – principalmente a requalificação da área de East End (POYNTER, 2007). Quando o benefício intangível está
Figura 15 - Casa La Pedrera, de Gaudi, em Barcelona.
relacionado à imagem da cidade, ele produz o capital simbólico, potencializador do monopólio e das vantagens de uma cidade em relação a outra na concorrência entre as metrópoles globais (READER, 2008 apud HARVEY, 2005). !
Desde os Jogos de 1992 em Barcelona, as cidades tem
usado as Olimpíadas como catalisadores de regeneração urbana e confiado fortemente em diferentes formas de intervenções estatais para se promoverem como cidades globais, o que se reflete em Londres de 2012, onde o Estado intervém nos investimentos destinados à regeneração prometida pelas Olimpíadas. O evento-turismo é um dos legados-chave em longo
Figura 16 - Catedral da Sagrada Família em Barcelona.
prazo que as cidades procuram. Além disso, os melhoramentos dos hotéis e centros de conferências permitem a essas cidades sediarem feiras, exposições, congressos internacionais (POYNTER, 2007). !
Levantados os pontos sobre a cidade-sede e sua ânsia por
alcançar o sonhado legado para a cidade, é necessário atentar para o fato do que significa esse legado. São várias as formas que esse pode assumir e deve-se distinguir quem são os seus beneficiados, em outras palavras, o legado é avaliado em relação a sua qualidade e quantidade para referenciar e avaliar os custos despendidos para seu alcance. A quantificação pode ser avaliada
Figura 17 - British Museum, em Londres.
por meio de uma transparência maior do que foi gasto para a realização do evento, tanto do dinheiro público quanto do privado, 10
e a variação do desempenho da economia local; de uma maneira mais profunda, essa quantificação pode apontar quais foram os grupos urbanos favorecidos pelos jogos. A qualificação poderia ser avaliada por meio de pesquisas com a população local, porém esse dado passa despercebido pela sensação de “missão cumprida” e é diluído pelo simbolismo dos Jogos Olímpicos dentro da sociedade do espetáculo (READER, 2008). !
Outra maneira de entender o legado é como, na esfera
econômica, ele se refere à capacidade da cidade de continuar crescendo após o previsível decréscimo imediato ao término dos
Figura 18 - Pavilhão Barcelona de Mies Van de Rohe.
Jogos (LEME, 2008). Poynter (2007) chama esse período de Legacy Momentum, ele depende de uma força integrativa entre o evento e os demais projetos de desenvolvimento pensados para a cidade, a região ou para o país. !
O legado também tem a capacidade de balancear as
tensões entre a realidade financeira de um município e seus sonhos Olímpicos. É o legado que promove a ponte de ligação entre a contabilidade prática (e as responsabilidades políticas e financeiras) do planejamento urbano e a contabilidade criativa movida pelas promessas e sonhos olímpicos. !
Fica assim evidente a relação complexa entre economia e as
mudanças nas cidades sede na promoção de um megaevento
Figura 19 - Edifício-sede do banco Lloydʼs of London, em Londres.
mundial, que não se refere apenas a custos e investimentos de capitais, mas abarca valores intangíveis capazes de atribuir fôlego ao desempenho dessas cidades, mesmo quando o evento chega a termo. As cidades que se transformam em decorrência desses eventos são demonstrativas da nova lógica do capital na era da informação, do lazer e do consumo.
Figura 20 - Agbar Tower, em Barcelona.
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Figura 21 - Plaza España, em Barcelona.
Capítulo 2 – Barcelona 1992 !
Muito antes dos eventos de 1992, ainda nas feiras internacionais de 1888 e 1929,
Barcelona utilizou-se de grandes eventos internacionais para promover melhorias na imagem da cidade, traduzidas nos avanços tecnológicos e nas transformações que eles demandavam. Para a cidade, esse tipo de evento não se tratou apenas de uma montagem efêmera, mas uma oportunidade de se adaptar ao progresso do período, fenômeno que pode ser percebido no caso das feiras do começo do século passado, ou no início da década de 1990 com as mudanças nas relações econômicas. Desta forma, a cidade sempre buscou ser parte das grandes capitais da Europa. Contudo, ao comparar com as feiras internacionais, cujos projetos centravam-se em ponto determinado da cidade, os Jogos de 1992 promoveram várias ações dispersas no tecido urbano, acompanhadas do desenvolvimento dos transportes e ligações entre as regiões envolvidas, representando um processo global de renovação e mobilidade da área urbana (SOLÀ-MORALES, 2008).
Figura 22 - Mapa do do plano do metrô de Barcelona.
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!
Durante quarenta anos, Barcelona esteve sob a
ditadura franquista, em 1979 aconteceram as primeiras eleições livres. Como capital do território da Catalunha, tornou-se seu símbolo e diversas mudanças urbanísticas foram promovidas pelo governo democrático, a fim de mostrar uma nova sociedade e promover a cidade e o orgulho da cultura catalã. Dentre essas mudanças, as mais importantes, nos primeiros anos de democracia, foram a melhoria dos novos bairros, cujo desenvolvimento realizou-se na ditadura sem a
Figura 23 - Porto velho de Barcelona, ao final de La Rambla.
infraestrutura adequada, para sua integração à malha urbana existente, a reabilitação dos bairros históricos e a revitalização do maior porto do Mediterrâneo, então em decadência. Além disso, foram realizadas operações de viabilização e conexão entre os espaços da cidade; estabelecimento de programas sociais e políticos de equipamentos e conversão de zonas abandonadas
Figura 24 - Situação em que se encontrava o litoral antes de sua revitalização.
para zonas “verdes” (MUÑOZ, 2008). !
Esse plano urbanístico vigente entre 1981 e 1987, liderado pelo arquiteto Oriol
Bohigas, foi a principal razão para o sucesso da candidatura de Barcelona para sediar os Jogos Olímpicos de 1992 (ROGERS e POWER, 2000). As mudanças promovidas na cidade foram orientadas pelos conceitos de Aldo Rossi expressos em "L'architettura dela città", que defendia uma ação nos tecidos históricos pautada por processos de analogia (MUÑOZ apud BOHIGAS, 2008). Ao adotar o modelo rossiano de reconstituição urbana, Barcelona negou o preceito modernista de especialização formal e teve sua transformação promovida por ações locais em cada bairro, depois esse conjunto de intervenções urbanas eram "costuradas" para a construção da unidade da malha da cidade (MUÑOZ, 2008). !
Nesse período, foi possível para Barcelona diferenciar seus espaços urbanos, ao
definir áreas comerciais, principalmente aquelas voltadas à nova fase da economia informacional. Outra questão importante, acontecida entre 1986 e 1990, foi um boom imobiliário que elevou em mais de 200% o preço dos imóveis na cidade, reforçando as divisões sociais, sendo somente refreado com a construção dos imóveis da Vila Olímpica 13
em 1992 (POYNTER, 2008). Como pano de fundo, na Europa, iniciava-se a transformação do Mercado Comum Europeu em atual União Europeia, que investia recursos nas economias para a formação e o fortalecimento do bloco econômico - dentre elas a Espanha, que entrou para o bloco em 1986. !
Entretanto, nos anos decorridos depois da escolha de Barcelona para os jogos de
1992, as reformas urbanísticas mudaram o foco, passaram a ser desenvolvidos projetos em grande escala, como os de transportes e tecnologia, que objetivaram atender à economia global, enfatizando setores imobiliários, comerciais e turísticos e principalmente visavam a vender a imagem da cidade a partir de elementos-chave que produziram a "marca Barcelona". Assim, locais que ofereciam uma rápida e fácil possibilidade de conversão econômica tornaram-se o objetivo dessa valorização seletiva da cidade (MUÑOZ, 2008). !
Uma das primeiras atitudes tomadas para os jogos de 1992 foi a reabilitação do
centro histórico a partir do discurso historicista da cidade, ao enfatizar a vocação residencial do local. A população local foi, paulatinamente, substituída pela classe média e por uma população temporária que se mudava para a cidade para trabalhar ou estudar em virtude da imagem positiva de Barcelona veiculada nos anos pós-Olímpicos. Outra população que na década de 1990 ocupou o centro histórico de Barcelona e de demais cidades europeias, foram imigrantes vindos de países menos desenvolvidos em busca de uma vida melhor, o que atribuiu a essas regiões da cidade um caráter muito peculiar. Além disso, desde a requalificação urbana pós-franquista, a região central já era vista como um "distrito cultural" da cidade, pensamento que correspondia às atividades para o ócio e lazer que nelas foram previstas no projeto de 1992, corroborando a formulação de uma ideia de cidade pronta para ser veiculada e consumida pelos meios de
Figura 25 - Bairro gótico de Barcelona, parte do centro histórico.
comunicação (MUÑOZ, 2008). !
Além da reabilitação do centro histórico, houve duas
grandes mudanças na relação da cidade com o mar: a construção da Vila Olímpica e a transformação do Porto Velho. Essas modificações foram ampliadas e concluídas em 2004 para o Fórum das Culturas. O projeto da Vila Olímpica tinha como característica criar um bairro com acesso para
Figura 26 - Calçadão beira-mar da Vila Olímpica.
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praia; os próprios arquitetos da época aludiam a Copacabana, no Rio de Janeiro. Além disso, os edifícios concebidos para a Vila Olímpica formalmente remetiam à cidade histórica sem que fossem uma cópia ou um pastiche dos edifícios antigos, havia uma analogia de elementos formais como proporções, fachadas, pórticos, balcões, cores e texturas, Muñoz denomina essa
Figura 27 - Praia na Vila Olímpica, muito semelhante à zona sul do Rio.
arquitetura de "ex-novo". Não foram somente os elementos arquitetônicos que passaram por uma releitura, como também o repertório de espaços públicos como passeios, jardins, praças, etc. !
O porto da cidade foi realocado mais afastado do centro e
próximo ao aeroporto e demais vias de abastecimento, a antiga região do porto passou por um intensivo processo de requalificação com diversas áreas para o ócio urbano (MUÑOZ, 2008). Muñoz (2008) critica esse tipo de renovação urbana importada do modelo estandardizado norte-americano, pois se desligou dos planejamentos desenvolvidos com um embasamento
Figura 28 - Litoral de Barcelona antes da revitalização.
teórico anteriormente utilizado na cidade e se valeu apenas de uma espécie de "menu de usos do solo e programas urbanísticos", utilizado em vários lugares no mundo. !
Por outro lado, Rogers e Power (2000) citam com
entusiasmo que: A área do grande e poluído cais abandonado foi dramaticamente transformada em cinco quilômetros de novas praias, marinhas e passeios, assim como o local onde foi construída a Vila Olímpica. As novas habitações, antes desconfortáveis vazios, tornaram-se 'verdes' e a beira-mar, agora pertence à paisagem, aos banhistas e aos carrinhos de bebê 2.
! !
Há variados pontos de vista acerca das mudanças em
Figura 29 - Antigo galpão transformado em centro cultural e restaurantes.
Barcelona: Poynter, por exemplo, afirma que a cidade economizou dez anos ao acelerar seu ritmo de renovação. Muñoz contrapõe que esse desenvolvimento acelerado impediu que houvesse uma participação e absorção da população em relação a essas
Figura 30 - Marina.
2
Tradução livre da autora. 15
mudanças. Rogers e Power posicionam-se favoráveis às mudanças ocorridas na cidade: "Essa revitalização gerou entusiasmo porque a participação é genuína e o progresso é visível. Pessoas querem estar nas ruas da cidade porque eles se sentem seguros" 3 . Como se pode constatar, as opiniões são divergentes. !
A seguir, apresentam-se as ações que foram realizadas em Barcelona para sediar os
Jogos de 1992: •
A cidade e sua área metropolitana;
•
As quatro áreas olímpicas em Barcelona (demarcadas no mapa do Anexo I);
•
A recuperação da frente marítima da cidade: 5 km de praias e de Porto Olímpico;
•
Acessos com a construção de um anel rodoviário e comunicações;
•
Transformações no aeroporto;
•
Investimento na área das telecomunicações, como ampliação das redes de fibra óptica e telefonia móvel;
•
Plano de construção de hotéis (5 mil novos quartos);
•
Novas instalações esportivas: estádio, três arenas, piscina, complexo de tênis;
•
Equipamentos culturais: criação de museus, teatro, auditório.
(TRUÑO, 2008). !
Na construção dos equipamentos esportivos para Barcelona, preocupou-se em fazer
uma distribuição desses em diversos pontos da cidade, a fim de promover um "equilíbrio urbano". Foram criados quatro parques em diferentes partes da cidade com o objetivo de evitar sua subutilização posterior ao Jogos, além disso, instalações como o ginásio de basquetebol, o de hóquei e o estádio de beisebol foram localizados em pequenas cidades vizinhas carentes desse tipo de equipamento (MASCARENHAS apud TRUÑÓ, 1996). É importante ressaltar que dos 43 equipamentos utilizados nos jogos de 1992, apenas 15 foram construídos na época, para que se aproveitasse o existente, tendo em vista reduzir os custos do evento (MASCARENHAS apud TRUÑÓ, 1996).
Figura 31 - Parque Olímpico de Montjuïc.
3
Tradução livre da autora. 16
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!
Para Rogers e Power (2000), o sucesso de Barcelona está
baseado em: continuar a essência da cidade, que é densa, compacta, velha e cercada por montanhas e o mar; usar a melhoria dos espaços públicos para envolver os cidadãos locais; desenvolver para cada vizinhança projetos específicos como parte de um plano estratégico maior; promover nos habitantes os sentimentos de participação e orgulho pelo lugar em que moram; criar um objetivo em comum dos governantes independente da troca ideológica e usar os melhores talentos para o desenho - o que, é um ponto difícil de se definir e que pode enfatizar a redução da imagem da cidade a ícones arquitetônicos. Porém, esses autores observam que naquele período foram eleitos
Figura 36 - Imagem de satélite da área da Vila Olímpica antes dos Jogos de 1992.
governantes de mesma orientação ideológica, fato que certamente muito contribuiu para o êxito das ações. !
Não foi somente o desenvolvimento urbano que a cidade
obteve, Barcelona também conseguiu seu desenvolvimento econômico em longo prazo a partir de 1992, ao mostrar-se uma cidade que oferece conexão entre o norte da Europa e a Península Ibérica (POYNTER apud BRUNET, 1995). !
Muñoz (2008) intitula Barcelona como a cidade-marca,
aquela que foi capaz de projetar uma imagem global como poucas conseguiram, principalmente após os Jogos Olímpicos de 1992, quando se tornou um arquétipo da cidade mediterrânea. Fato que
Figura 37 - Cassino e hotéis luxuosos de Barcelona, próximos à Vila Olímpica.
esclarece o processo de “brandficação” de Barcelona, em outras palavras, os valores e atributos da cidade materializaram-se nos espaços urbanos, cuja imagem é amplamente divulgada até o ponto de tornar-se um ícone, uma marca de um lugar, que pode envolver a arquitetura, a comida e muitas vezes os próprios clichês culturais. Em Barcelona, o tema mais recorrente são aqueles relacionados a uma ideia de "mediterraneidade", a relação com o mar e um romantismo vernáculo que recentemente ainda foi reforçado pelo filme Vicky Cristina Barcelona (2008) de Woody Allen. Entretanto, apesar da forte brandificação da cidade, o processo de reabilitação ficou conhecido como o "modelo
Figura 38 - Divulgação de atividades de lazer na cidade de Barcelona, o que espelha sua atual função voltada para o ócio.
Barcelona", premiado pela RIBA (Royal Institute of British 18
Architects). !
Em recente visita à cidade de Barcelona, foi possível
observar que as intervenções, como a infraestrutura para evento, possuem maior visibilidade, sendo mais utilizadas que os equipamentos esportivos em si. Enquanto na alta temporada do turismo, o verão, a cidade estava repleta de visitantes nas praias, nas marinas, utilizando os transportes públicos, nas proximidades da vila Olímpica e demais locais turísticos; o Parque Olímpico, construído em Montjuïc, encontrava-se quase vazio, apesar das belas fontes, praças, visuais da cidade e da torre da companhia Telefônica, cujo projeto é do renomado
Figura 39 - Parque Olímpico de Montjuïc e a Torre de Calatrava, sem visitantes.
arquiteto Santiago Calatrava. !
O que se observa, passados 20 anos dos Jogos Olímpicos de Barcelona, é que
paralelamente ao processo de adensamento urbano, requalificação de espaços degradados, preocupação em se promover a densidade urbana, a cidade expande-se rapidamente de forma horizontal, segmentada, com pouca densidade e diversidade, em regiões de habitação com grande especialização funcional e morfológica muito semelhantes aos subúrbios norte-americanos, afastando-se completamente dos ideais de cidade dos anos de redemocratização (MUÑOZ, 2008). Um modelo que infelizmente é amplamente reproduzido por cidades ao redor do mundo, o que aumenta a distância e as diferenças entre as populações das metrópoles, sendo um desafio a ser superado pelos urbanistas e gestores urbanos. !
Somados os grandes eventos de 1888, 1929, 1992 e o Fórum Internacional das
culturas em 2004, é possível observar que Barcelona é uma cidade que soube aproveitar essas ocasiões para promover seu desenvolvimento e sua imagem; entretanto, SolàMorales (2008) lembra que é preciso cuidar para que esse tipo de observação não se generalize e Barcelona seja entendida como uma cidade que só se desenvolve pela força de grandes eventos, pois é uma maneira muito simplista de abordagem da cidade contemporânea.
Figura 40 - Panorâmica da cidade de Barcelona.
19
Figura 41 - Panorâmica da cidade de Londres.
Capítulo 3 – Londres 2012! ! !
O sucesso da candidatura de Londres
como cidade-sede de 2012 é atribuído ao projeto de regeneração da região de East London, uma área pobre e degradada da cidade; todavia, os jogos não teriam ido para Londres não fossem eles parte de um processo maior. Esse plano envolve um programa de renovação e regeneração na área de Lea Valley, próxima a Stratford, no
Figura 42 - Mapa que localiza as regiões de maior privação social de Londres.
município de Newham. Junto com os municípios de Hackney e Tower Hamlets, Newham apresenta áreas e vários espaços abertos abandonados, chamados "brownfields", que no passado eram locais de indústrias, docas e pátios ferroviários. Toda essa região faz parte do projeto Thames Gateway, iniciado em 1990 por meio do plano da South East Regional Policy Guidance; sendo um dos programas de regeneração mais ambiciosos da Europa, envolve uma população de 3,3 milhões de pessoas, em uma área adjacente ao desenvolvimento proposto de Canary Wharf e Docklands. Neste contexto, o Parque Olímpico pensado para as Olimpíadas de 2012 é uma área muito pequena em relação ao grande projeto de Thames Gateway como um todo, porém, demanda uma enorme quantidade de investimentos que poderiam ser melhor distribuídos (POYNTER, 2007).
Figura 43 - Mapa que localiza a região abrangida pelo projeto Thames Gateway.
20
!
Essa região possui uma população ainda em crescimento, um alto percentual de
jovens comparados ao restante da Inglaterra e percentuais relativamente altos de privação social. Desde o século XIX, era um local que, além de indústrias e depósitos, abrigava as classes operárias e, desde então, permaneceu uma região pobre em relação à área rica situada a oeste de Londres. !
O primeiro efeito sofrido por uma cidade-sede de uma olimpíada é a pressão sobre
planos já em curso, provocando a antecipação das datas de conclusão das obras, o que pode criar um ambiente favorável, acelerando os projetos sociais ou urbanos. !
Por outro lado, a olimpíada gera um efeito de deslocamento dos investimentos que
poderiam ter outra finalidade, como, por exemplo, os projetos de reabilitação incluídos no conjunto de obras propostas no Thames Gateway (POYNTER, 2007). Esse efeito pode ser amenizado pelo ingresso de investimentos que em longo prazo proporcionariam um crescimento na taxa de empregos, com a atração de novas indústrias ou empresas e a redistribuição de empregos, diminuindo grandes deslocamentos (POYNTER, 2007). !
A partir do resultado da candidatura de Londres para os jogos olímpicos, diversas
ações foram iniciadas, destacando a participação da University of East London, incumbida de desenvolver estudos direcionados ao legado dos jogos, fossem eles de natureza tangível ou intangível, de curto, médio ou longo prazo, envolvendo aspectos esportivos, econômicos, sociais e ambientais. O London East Research Institute (LERI), responsável por essas pesquisas dentro da Universidade, desenvolveu estudos e levantamentos de natureza socioeconômica referentes aos jogos mais recentes a partir das Olimpíadas de Montreal (1976). Por meio desses estudos, foi possível observar que os custos e benefícios são difíceis de estimar e que nas últimas décadas as expectativas antes do evento são exageradas em relação ao que ele proporciona. !
Além disso, ao anunciar o êxito de Londres 2012, a mídia centrou atenção para East
London, a fim de sondar a opinião dos moradores - houve muitas opiniões diferentes, positivas ou negativas sobre o resultado da implementação da renovação urbana. Muitos panfletos foram distribuídos pela cidade, esclarecendo os impactos positivos dos jogos, e líderes políticos e civis manifestaram seu entusiasmo nos veículos de comunicação. !
Para o financiamento de Londres 2012, estimaram-se $2,4 bilhões, valor
posteriormente revisado para $3,3 bilhões (2010), enquanto para as despesas secundárias foram previstos $15,8 bilhões, dos quais cerca de $2,1 relacionam-se diretamente aos jogos. Esse custo foi dividido entre três sócios principais: Governo Nacional, Greater London Authority e British Olympic Association. Londres apoiou-se extensivamente em investimentos de infraestrutura provindos do governo. À semelhança 21
de Barcelona e Pequim, Londres destinou um investimento em infraestrutura (gastos secundários) de quatro a oito vezes maior que os custos relacionados diretamente aos Jogos (POYNTER, 2007). Após a revisão dos gastos e com o aumento dos mesmos devido às obras, parte do terreno do Parque Olímpico que seria para área pública foi transferido para colaboradores privados da realização dos Jogos de 2012 (POYNTER, 2010). !
Figura 44 - Obras para o Parque Olímpico de Londres, em primeiro plano está o Centro Aquático e ao fundo o Estádio Olímpico.
No projeto de infraestrutura
para Londres 2012,
são previstos
uma nova estrada e ampliação da malha de trilhos de trens e metrôs, construção de quarenta pontes e instalação subterrânea de linhas de transmissão de alta tensão que cruzavam o terreno destinado ao Parque Olímpico. Dentre as
Figura 45 - Esquema das principais instalações localizadas no Parque Olímpico.
instalações esportivas, os principais equipamentos são o Estádio Olímpico, o Centro Aquático e o Centro de Mídia, além da Vila Olímpica que hospedará 17 mil atletas antes de retornar seu investimento a partir da sua exploração tanto pelo setor privado quanto pelo público. !
Para evitar dívidas no fim das obras, Poynter (2007) afirma
que os londrinos e demais habitantes do Reino Unido estão preparados para dar suporte aos jogos através de impostos. Apresenta um estudo de 2006, que revela a propensão dos contribuintes do Reino Unido para pagar uma soma total em torno de 2 bilhões de libras para o financiamento dos jogos. Em visita à cidade de Londres, em julho de 2011, foi possível observar as consequências desse aumento de taxas e a insatisfação da população - muitos não vêem benefícios efetivos para a cidade e acreditam que os equipamentos esportivos se tornarão "elefantes brancos"4. Somados a isso, os transtornos das obras na cidade e
4
Figura 46 - Evento na Trafalgar Square celebrando os Jogos de 2012 em Londres.
como o Millenium Dome, também fruto da tentativa de melhorar East London. 22
o fato de a população não ter conseguido comprar os ingressos para os eventos das Olimpíadas trazem uma grande insatisfação em relação aos jogos, que se acredita que possa ser esquecida pelo calor da euforia provocada pelos meios de comunicação ao divulgar o sucesso da organização do evento por parte do povo britânico. !
Para Poynter (2007), a avaliação do sucesso e a
realização dos jogos apresentam três importantes
Figura 47 - Picadilly Circus e edifícios ao seu redor em reformas para 2012.
dimensões, que não permitem respostas fáceis ou diretas; são elas: o evento foi efetivamente planejado para ser entregue no prazo e dentro do orçamento? O evento foi um sucesso com importantes ganhos esportivos obtidos com base em consistente e efetiva organização? Deixou "elefantes brancos" ou um legado transformador para a cidade ou região que acolheu os jogos? !
Tais questões são complicadas, pois são objetos de diversas
interpretações que variam de acordo com os conflitos de interesse. No caso de Londres 2012, diversas atitudes foram tomadas para gerenciar os prazos e as entregas. Por exemplo, quando o processo formal de concorrência foi iniciado, o modelo
Figura 48 - Anéis Olímpicos em St. Pancras Station, chegada do Eurostar, trem que liga Londres ao continente.
de contrato favorecia a criação de consórcios das grandes companhias responsáveis por entregar grandes projetos de infraestrutura. Também foram feitas revisões nos projetos visando à economia, propondo alterações como a aproximação dos equipamentos no Parque Olímpico para economizar em segurança. Outro fator observado foi o equilíbrio entre instalações temporárias e instalações permanentes. O evento das Olimpíadas dura 1% do tempo total do que foi gasto para a sua elaboração, cerca de um mês contra sete anos de preparação, o que foi construído para a cidade ficará por muito mais tempo, então é
Figura 49 - Ilustração que demonstra como funciona a estrutura temporária do Estádio Olímpico.
necessário aliar ambiciosos e criativos projetos arquitetônicos com sua remoção e readaptação para o uso futuro (POYNTER, 2007). O Estádio Olímpico em construção possui uma estrutura que abriga 80 mil pessoas , após o evento, será transformado e abrigará 25 mil. O mesmo acontece com o Centro Aquático 23
projetado por Zaha Hadid, que possui uma estrutura metálica com arquibancada que durante os jogos permitirá acomodar 17,5 mil pessoas e, depois do evento, acomodará apenas 3 mil lugares. !
A pressão provocada pelo prazo do evento
agrava o não cumprimento da expectativa das partes
Figura 50 - Simulação de como ficará o Centro Aquático quando pronto.
envolvidas - governo, população local, grandes empresas -, e por meio de um discurso de um evento bem sucedido, os interesses nacionais se sobrepõem aos locais e o legado inicial é muito mais voltado para o interesse comercial do que para os graves e profundos problemas sociais, habitacionais, educacionais e de emprego que assolam East London (POYNTER, 2010). Em recente visita a
Figura 51 - Esquema da composição do Parque Olímpico em primeiro plano e as suas obras ao fundo.
Londres, foi possível presenciar o diálogo de habitantes sobre a remoção de pessoas do local que vivem próximas ao Parque Olímpico. !
A sustentabilidade do projeto do Parque
Olímpico de Londres não está relacionada apenas à abertura de áreas verdes em substituição aos "brownfields" presentes no local, mas também à habitação. O projeto tem por objetivo aumentar o estoque de residências em mais 9 mil unidades; dentre elas, metade será a preços subsidiados e a outra, para o mercado formal (POYNTER, 2010).
Figura 52 - Obras da Vila Olímpica de Londres.
Espera-se que o efeito olímpico possa aprimorar a qualidade e a dinâmica das habitações de Stratford e do Parque Olímpico, entretanto Poytner (2010) acredita que é possível ocorrer algo semelhante a Barcelona, no sentido do aumento significativo dos preços na habitação devido à “gentrificação” do local. !
Outro aspecto a ser levado em consideração, relacionado à condição sustentável do
evento, é a promoção de empregos e melhorias na região; contudo, East London é, atualmente, o local onde se concentra a maior parte da mão-de-obra não qualificada da cidade, que continua a não receber subvenções para se qualificar, sendo possível que ocupe apenas os empregos temporários gerados pelo evento, não sendo efetivas chances de sua inclusão no mercado. Da mesma forma, para os empregos que exigem 24
maior qualificação, é provável que haja a substituição de populações. É necessária a atenção para que o legado deixado não aumente as divisões sociais e os problemas habitacionais da região, pois essa consequência seria oposta ao objetivo de promover um evento sustentável (POYNTER, 2010). !
A justificativa para a oferta de empregos
enseja o estabelecimento de comércios tais como os centros de consumo; por exemplo, em setembro de 2011, foi inaugurado em Stratford o maior shopping da Europa da rede Westfield, que ocupava esse posto em sua outra sede em West London. Este shopping foi estrategicamente localizado na entrada do Parque Olímpico, prevendo-se os grandes fluxos provenientes dos
Figura 53 - Esquema de como será a chegada pela estação de
jogos em 2012. Se, por um lado, há o aspecto Stratford ao Parque Olímpico. positivo de crescimento de oferta de empregos no local, de outro, não se pode prever quem ocupará esses postos. !
Como promessas de legados a alcançar por Londres 2012, a University of East
London listou os seguintes: •
Estimular a prática esportiva no Reino Unido .
•
Transformar a região Leste de Londres.
•
Inspirar uma nova geração de jovens a serem voluntários em atividades físicas e culturais.
•
Fazer do parque Olímpico exemplo para se pensar a vida sustentável.
•
Demonstrar a criatividade, a disposição para a inclusão social e sentimentos de solidariedade e tolerância, próprios ao Reino Unido5.
!
É possível observar que esses pontos levantados oficialmente pela equipe de
pesquisa do LERI tratam essencialmente de legados intangíveis e parecem ingênuos, mas não o são, pois ideologicamente pretendem obliterar a visão dos complexos problemas sociais enfrentados nas grandes metrópoles globais, que incluem os xenofobismos, as tensões de crises econômicas, entre outras questões. 5
Ponto que recentemente (agosto de 2011) foi posto em xeque pela população menos abastada da cidade
que, após enfrentamento com a polícia em um protesto inicialmente pacífico, passou a realizar motins por toda a cidade, destruindo o patrimônio público, colocando fogo em carros e ônibus e saqueando lojas de grife para roubar os artigos que não costumam ser de seu alcance financeiro. Sinal de vandalismo ou expressão de tensões sociais? 25
!
Os equipamentos esportivos em construção para os jogos e aqueles existentes que
serão aproveitados são também considerados como legado. Dentre os equipamentos construídos no Parque Olímpico, são previstos os seguintes usos e legados 6:
Equipamento
Legado de uso Sede para Grand Prix de Atletismo; cerimônias de atletismo; outros usos a Olympic Park abertura e encerramento. serem confirmados. Estádio Olímpico Legacy Company Capacidade 80.000 Capacidade a ser pessoas confirmada de 25.000 pessoas Natação; polo aquático; Atividades aquáticas para a Olympic Park Centro Aquático salto. Capacidade 17.500 elite e a comunidade. Legacy Company pessoas Capacidade 6.000 pessoas Pista para competições de Pista para competições de Lee Valley Regional VeloPark bicicleta. Capacidade bicicleta. Capacidade 6.000 Park Authority 12.000 pessoas pessoas Treinamento durante as competições Olímpicas. Hockey; tênis; futebol de Arena multiOlympic Park Tênis e tiro com arco nos salão. Capacidade 3.000 espotiva Legacy Company Paraolímpicos. Capacidade pessoas. 10.500 pessoas. Lee Valley Regional Handebol. Capacidade Local para o uso flexível de Eton Manor Park Authority 7.000 pessoas diversos esportes Centro de imprensa principal e centro 800.000 m2 de flexíveis Olympic Park Centro de Mídia internacional de emissora. espaços comerciais, para Legacy Company Espaço para 20.000 uso único ou múltiplo jornalistas e emissoras 50% Triathlon Acomodação para 17.000 Residências de posse mista Vila Olímpica Homes; 50% a ser atletas e oficiais em 11 com 2.800 apartamentos confirmadas blocos
6
Propriedade
Uso nos Jogos
Tradução livre da tabela pela autora 26
4HWH KL 3VUKYLZ
3,.,5+( ÍYLHZ JVUZVSPKHKHZ LT YLMVYTHZ ,X\PWHTLU[VZ L_PZ[LU[LZ VUKL OH]LYqV JVTWL[Ps LZ 7HYX\L 6SxTWPJV
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!
Cabe ressaltar que diversos lugares já
consolidados na cidade estão passando por reformas devido à atenção das Olimpíadas; um deles é a estação de Kings Cross, vizinha a St. Pancras Station, onde chega o Eurostar, conexão direta de Londres com o continente. Este trem também passa pela estação de Stratford, que após as reformas será principal entrada do Parque Olímpico. !
Figura 55 - Obras na estação de Kingʼs Cross.
O legado de Londres 2012 será observado ao longo dos vários anos após o evento:
a ocupação das áreas residenciais, o uso dos equipamentos e parques construídos e demais regiões do Thames Gateway que continuarão a sofrer intervenções com o passar do tempo. Para um futuro mais próximo, é necessário que a organização cumpra prazos e corte gastos, enquanto maneja as expectativas da população da cidade em relação a esses custos e benefícios. Em 2012, espera-se que East London traga o debate sobre desequilíbrio entre áreas pobres e ricas das cidades, além de outros encaminhamentos sobre o desenvolvimento urbano das grandes metrópoles (POYNTER, 2010).
Figura 56 - Simulação de como ficará o Estádio Olímpico de Londres e arredores.
28
Conclusão Paralelo 1992 - 2012 !
A partir do estudo das duas cidades, é possível traçar paralelos entre Londres e
Barcelona e compreender melhor o processo de desenvolvimento de uma cidade a partir de um megaevento. Cada uma possui suas características próprias, o que torna cada evento único em sua capacidade de regeneração urbana. !
Londres montou uma equipe para o estudo dos jogos olímpicos passados; esse tipo
de abordagem é importante para mitigação dos riscos nos investimentos realizados, em especial os públicos. Barcelona também se mostrou centrada em promover seu desenvolvimento com os jogos, ao distribuir pela cidade as áreas de regeneração. Em entrevista recente, reproduzida por Fraga (2010), Peter Hall disse que Barcelona está morrendo de êxito e que esta é uma forma agradável de morrer, pois muitas cidades na Europa ainda estão em declínio, pois nasceram para cumprir uma função que não cumprem e para sobreviver devem encontrar outra: Londres e Barcelona encontraram outra função. !
Inicialmente, é importante observar que Barcelona foi a primeira sede de jogos
olímpicos pós-guerra fria e sinalizou a mudança de contexto político e econômico internacional. Embora o mundo rumasse em direção à ordem neoliberal, os poderes políticos de Barcelona asseguraram os investimentos majoritariamente públicos, porém com a participação privada (12% do governo espanhol; 15% do Governo Regional da Catalunha; 2% do governo municipal de Barcelona; 22% de empresas privadas espanholas; 11% de empresas privadas estrangeiras; e 14% de empresas públicas espanholas7 ). !
Em sua candidatura para 2012, Londres repetiu o modelo de reconstrução de
cidade feito por Barcelona em 1992, combinando capital público e privado para entregar um evento com um ambicioso legado social, cultural e econômico. Apesar dessa combinação de financiamentos, tanto Londres 2012 quanto o projeto Thames Gateway são de controle centralizado do Estado, por meio de uma complexa rede de agências e planos de regeneração urbana e renovação social cuja integração é uma tarefa difícil na promoção desse tipo de evento. Elas são responsáveis pelas tomadas de decisões, abaixo delas encontram-se as instituições locais e a comunidade. Uma atitude, até o momento, muito mais rígida e centralizadora do que aconteceu em Barcelona, onde os 7
Dados levantados pelo London East Research Institute. 29
interesses privados reverteram o controle do Estado em alguns locais, como nas habitações da Vila Olímpica, todas vendidas no mercado comum. Como ainda falta um ano para o acontecimento dos Jogos em Londres e a cada dia a crise econômica europeia aumenta, é possível que novamente o governo afrouxe as amarras e abra espaço para a entrada de investimentos privados, buscando diminuir os gastos públicos nas construções. !
Londres é também comparável a Barcelona no sentido de projetar grandes
modificações urbanas (que não estão vinculadas ao evento necessariamente) e buscar a renegeração da cidade. Abaixo segue uma tabela que demonstra a percentagem dos gastos públicos e privados relacionados à infraestrutura executada para jogos olímpicos em várias cidades, incluindo Londres e Barcelona.
!
Quando se trata da distribuição de equipamentos e
mudanças observadas na malha urbana, fica claro como a transformação em Barcelona foi muito mais profunda e distribuída que em Londres. Barcelona desenvolveu quatro parques com equipamentos esportivos formando um quadrilátero que fecha a área considerada mais
Figura 57 - Material distribuído em Barcelona com a
importante da cidade, promoveu a revitalização de seu localização dos eventos na cidade. centro histórico como um todo e abriu-se para o mar expressivamente. Barcelona buscava naquele momento de sua história deixar de ser uma cidade provinciana, submetida a Madrid, para se lançar como uma metrópole cosmopolita, digna de representar a riqueza e importância do povo e da cultura catalã. 30
!
Londres, por outro lado, é um importante centro
econômico desde antes da Revolução Industrial. Como metrópole consolidada, possui diversos equipamentos para a promoção de eventos do porte das Olimpíadas, como observado no mapa; muitos dos locais onde ocorrerão atividades esportivas são anteriores ao século XX. Ao observar dessa forma, fica claro como a construção do Parque Olímpico foi o motivo que levou as Olimpíadas para Londres, pois seria por meio desse projeto que o Comitê Olímpico Internacional manteria seu discurso de regeneração urbana promovida pelo megaevento. !
Figura 58 - Lojas de souvenirs muito comuns por Londres.
Como transformações na malha urbana histórica, Londres
apenas adapta a cidade para receber os milhares de visitantes que irão para os jogos de 2012 e aqueles que os assistirão pelos meios de comunicação. Além da reforma de locais consolidados, tem o objetivo de mostrar a capacidade da cidade de sempre se regenerar, como Picadilly Circus, Trafalgar Square, Leicester Square. !
O projeto do Parque Olímpico de Londres é o que a
aproxima de Barcelona, especialmente da Vila Olímpica e do Porto Olímpico. Ambas transformaram uma região desvalorizada pela saída das indústrias, ocupadas por pátios e docas, para reinserí-la na malha urbana contemporânea. !
É importante ressaltar que o contexto econômico atual é
Figura 59 - Picadilly Circus parcialmente interditada a noite devido as obras.
exatamente o oposto do vivido há 20 anos atrás, com o entusiasmo do início da economia informacional e do neoliberalismo. Hoje, diversos países europeus encontram-se em crise e desconfiados desse livre capital, Londres mostra-se audaciosa ao promover tamanho investimento em um megaevento com dinheiro público. !
Apesar das diferenças já observadas entre os projetos de
regeneração das cidades de Barcelona e Londres, essa última, em seus estudos da London East Research Institute, considerou seis práticas do projeto de Barcelona, utilizando-as
Figura 60 - Antigos galpões encontrados em Barcelona, na área que hoje fica a Vila Olímpica.
como diretrizes: 31
•
O evento é uma etapa de uma estratégia mais ampla que visa em longo prazo à regeneração econômica e o desenvolvimento de toda uma região.
•
O evento oferece uma oportunidade para o desenvolvimento de infraestrutura com o objetivo de fortalecer um propósito específico e a identidade dos bairros dentro da cidade.
•
Benefícios em longo prazo resultantes dos planos de desenvolvimento para sustentar o “momentum” da regeneração e a introdução de outras dimensões.
•
Programas de regeneração eficazes exigem intervenções coesas e coordenadas entre todos os interessados e o governo.
•
Melhoria da percepção dos atrativos da cidade nas redes de negócios, no turismo e no investimento estrangeiro.
!
Londres também levantou os pontos 8 considerados fortes e fracos de Barcelona, a
fim de espelhar-se nas soluções consideradas boas e evitar aquilo considerado como desajustado: Pontos fortes Pontos fracos Zoneamento da cidade em quatro Distritos Aumento do preço das habitações Olímpicos Investimento interno na indústria de serviços Superlotação do centro como destino turístico Ganho permanente de empregos Deslocamento das populações mais pobres Superávit na exploração do evento Planejamento da cidade contínuo no pós-jogos diversificação com novas indústrias Aprimorada infraestrutura Renovação da área portuária - abertura para o mar Destino turístico
!
O legado que ficou e ficará para as cidades é difícil de ser definido, pois como já
citado por Reader, é necessário definir quem são os beneficiados por aquilo que foi modificado. De maneira geral, é possível deduzir que os equipamentos esportivos são construções utilizadas esporadicamente e, para que não se tornem “elefantes brancos”, é necessário sua exploração como locais de lazer da comunidade e o uso por parte dos atletas. Mesmo assim, são instalações muito grandes que demandam muitos gastos para sua manutenção para valerem seu investimento. !
As modificações ocorridas nas cidades, desde as pequenas reformas em espaços
públicos até as grandes obras de infraestrutura e transportes, são mais fáceis de serem percebidas como um benefício para todos. Todavia, para a realização do evento não são
8
Pontos listados pelo London East Research Institute. 32
o foco dos investimentos, e por isso tantas cidades, diferentes de Barcelona e Londres, angariaram apenas o ônus de promover tais eventos. !
A mudança mais clara que pode ser observada é relacionada à imagem da cidade.
Desde Barcelona, as Olimpíadas se tornaram um espetáculo assistido por milhões de espectadores que vislumbram a riqueza e a beleza televisionada pela cidade -sede, e atribuem valores positivos a ela. !
Nesse aspecto, Barcelona conseguiu deixar de ser vista como uma cidade
provinciana espanhola, tornou-se uma potência turística, espelho da “exótica” cultura catalã e capital do sentimento de mediterraneidade, do calor humano, da sensualidade, e desses tons de laranjas e azuis pelos quais é difícil de não se deixar conquistar. Londres procura deixar de ser a capital da Revolução Industrial, responsável pela poluição do planeta,
aderindo a ideais verdes e sustentáveis. Londres, a cidade cosmopolita por
excelência,
pretende afirmar-se como cidade que respeita as diferenças das diversas
culturas da população que a
habita, que possui a capacidade de despoluir-se e
desvincular-se da imagem de metrópole sempre busy e do business9. !
Os megaeventos esportivos não devem ser tratados como simples pretexto para a
melhoria das cidades-sede. Tanto em Londres, quanto em Barcelona, foram observadas complexas redes que se entrelaçaram para que as Olimpíadas fossem além do evento. Mesmo assim, ainda cabem diversas críticas às ações que foram realizadas. A importância de se estudar esse tipo de acontecimento por parte dos arquitetos e urbanistas é compreender que o tema vai além do desenho, do projeto. Ele depende do interesse de várias partes e interfere na vida de diversas pessoas. Em 2016, o Rio de Janeiro receberá os primeiros Jogos Olímpicos no Brasil;
como Londres e Barcelona,
justifica sua candidatura devido a transformações urbanas que ficarão como legado para a comunidade carioca. Cabe a nós, pesquisar e entender o que aconteceu nas outras cidades, para não só cometer o erro de copiar algo que não está apropriado ao nosso contexto, ou repetir algo reconhecido como um malogro, e, sobretudo, desenvolver procedimentos de fiscalização e promover o engajamento da sociedade civil de tal forma que a cidade não fique a mercê dos interesses daqueles que apenas querem se beneficiar da festa. Só assim, os jogos podem deixar mudanças capazes de promover, efetivamente, melhorias na vida de seus habitantes.
9
Busy trata-se de um termo em inglês para ocupado, ativo, comprometido, abafado. Muito utilizado pelos seus habitantes na correria do dia-a-dia. Business pode ser traduzido como negócios. 33
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BrasĂlia, 2011