Revista issuu

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aneiro

#5 — J Edição

2016

MUNDO A tradição de escarificação corporal em tribos da África

ENTREVISTA Conversamos com Sasha Unisex a respeito de sua carreira e de suas aquarelas - em forma de tatuagem

R$10,90

O significado que há por trás das tatuagens feitas em criminosos de cadeias russas, durante os anos 1960 e 1980


ril 2016

6 — Ab

# Edição

ENTREVISTA Entrevistamos o proeminente tatuador brasileiro João Chavez sobre seu trabalho em blackwork

INSPIRAÇÃO Bertil Nilsson e o uso de luzes e do corpo

Procuramos entender como era ser jovem com a pele rabiscada no século XX — e como é ter envelhecido com tatuagens no século atual

R$10,90


o 2016

7 — Julh

# Edição

INSPIRAÇÃO Emilio Jiménez fotografa mulheres usando luz e sombra

Conheça o editorial do tatuador Finha, que deu origem à campanha que busca dar visibilidade à arte em pele negra ENTREVISTA O tatuador francês Xoïl fala sobre seu estilo ‘photoshop’ de tatuagem

R$10,90




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QUEM CONTRIBUIU Conheça as editoras que colaboraram nesse volume BIANCA MALLET

TATU #5 — JANEIRO 2016

Designer gráfica interessada em pouco de tudo, com um pouco mais de paixão por vídeo e editorial

Diretor Responsável Aydano Roriz Diretor Executivo Luiz Siqueira Diretor Editorial e Jornalista Responsável Roberto Araújo - MTb 10.766 araujo@tatu.com.br

CAROLINA ABREU Designer gráfica apaixonada por imagem em movimento, motion graphics e ilustração

Redação Editora: Marcela Gava Redação: Caio Narezzi Chefe de arte: Welby Dantas Editor de arte: Robson Carvalho Revisão de texto: Guilherme Miranda

MARIANA MAIA

Publicidade publicidade@tatu.com.br Diretor de publicidade: Maurício Dias (21) 3038-5093 Rio de Janeiro Coordenador: Alessandro Donadio Equipe de publicidade: Adriana Gomes, Elisangela Xavier e Ligia Caetano Tráfego: Rafael Galves (21) 3038-5097 Criação Publicitária: Paulo Toledo

Designer gráfica com um carinho por tatuagens, moda e qualquer forma de expressão pessoal

Internet Gerente: Marco Chivati Equipe: Anderson Ribeiro, Anderson Cleiton e Carlos Eduardo Torres Produção e Eventos Aida Lima (Gerente) e Beth Macedo Propaganda Denise Sodré e Robson Carvalho Logística Liliam Lemos (Coordenação logística), Carlos Mellacci, Leonardo Minorelli e William Costa Atendimento a livrarias e vendas diretas Gerente: Flávia Pinheiro (flaviapinheiro@ tatu.com.br) Equipe de vendas: Michele Pereira, Leonardo Cruz e Daniela Malanga Administração Renata Naomi (Gerente), Gustavo Barbosa DISTRIBUIÇÃO Dinap S/A - BRASIL > publicação trimestral > 15.000 cópias >issn: 1809-5534

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução total ou parcial dos textos, fotos e ilustrações por qualquer meio sem prévia autorização dos artistas ou do editor. A Tatu é um espaço aberto para novas ideias e tendências artísticas. Para colaborar envie seu material por correio ou pelo e-mail: submit@tatu.com.br Tatu é Marca Registrada ® Todos os direitos reservados

GRÁFICA Eskenazi Indústria Gráfica ENDEREÇO Rua Evaristo da Veiga, 95 Centro - Rio de Janeiro/RJ - Brasil


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DA EDIÇÃO O crime na pele

A Tatu busca em cada edição mostrar trabalhos de artistas incríveis pelo globo e pelo Brasil, bem como tornar conhecido todo um universo de cultura, comportamento e interesses ligados ao mundo da tatuagem e da arte corporal em geral. Acreditamos que o corpo é uma tela em branco, pronta para contar histórias e servir de inspiração. Na edição desse mês falamos sobre as tatuagens russas ligadas a criminosos, como elas serviam para classificar prisioneiros e representar suas carreiras no crime. Mostramos também alguns dos motivos gráficos que eles utilizavam na pele e o que significavam. Você poderá desfrutar de um artigo sobre escarificações tribais africanas e belas fotos que enchem os olhos na nossa seção de Ensaios. Em nossa Entrevista, conversamos com a tatuadora russa Sasha Unisexsobre seu estilo único de tatuagem em aquarela, a profissão e planos futuros ligados à sua marca pessoal. Gostaríamos de agradecer também às meninas do Estúdio Sampa Tattoo por contar como a ideia inovadora de criar um estúdio feminino nasceu e servir de exemplo para uma causa maior, que busca quebrar preconceitos dentro do próprio mercado. Esperamos que você aproveite esse exemplar tanto quanto nós tivemos o prazer de fazê-lo e que ele faça você se apaixonar pela arte da tatuagem um pouco mais.

Marina Soares Editora-chefe


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12 SUMÁRIO

artigo Tatuagens surpresa com o americano Scott Campbell

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evento Por dentro do Recife Tattoo Arte 2016, um dos eventos de tatuagem mais bacanas da atualidade

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entrevista Uma conversa com a tatuadora russa Sasha Unisex, dona de um traço único e impressionante

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cultura O filme da vez é o eletrizante Millenium: Os Homens que não Amavam as Mulheres

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capa Quando tatuagens denotam histórias de vida e criminalidade

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do estúdio Sampa Tattoo: o estúdio formado apenas por mulheres


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ensaio Um pouco do projeto História dos Traços do fotógrafo João Félix

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técnicas Esses caras adaptaram uma impressora 3D para fazer tatuagens

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do mundo A tradição de escarificação em tribos da África mostra marcas belas e chocantes

artigo O modelo Rick Genest, o Zombie Boy, que é tatuado dos pés à cabeça

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música O Red Hot Chilli Peppers conta do álbum novo e das expectativas pro Rock in Rio 2017

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inspiração Pokras Lampas, Alexa Meade e Jessica Walsh são os nomes dessa edição


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DO LEITOR O melhor da tatuagem enviado por nossos leitores! Pra estar aqui também, use a hashtag #leitornatatu no twitter e instagram

@belamonteiroo Amei a matéria sobre os diferentes estilos de tatuagem! Não sabia que tinham tantas possibilidades #tatuagem #pontilhismo

@miguel_matos90 O ensaio #365nus foi o melhor da última edição, parabéns pelo achado e escolha de fotos

@corujaloiraSP acho que vocês podiam fazer uma matéria especial de tatuadores brasileiros, to precisando de uns contatos!! rsrs

@LeandroInk vcs bem que podiam dar umas dicas de como ganhar mais visibilidade em redes sociais. to começando nisso e seria bem util ter umas ideias

@markone Vocês têm que mostrar o trabalho da suflanda!! Por favor as pessoas precisam saber que ela existe!!!!!

lostwarrior_br


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bernardo_art

fredcovil

happypetsink

fernandosouzatattoo

rodferod

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skazxim

fairyfreshhhh

brinditattoo

mabe.thosebaddays

andy.mc_art

ezequielsamuraii




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artigo

WHOLE GLORY Tatuagem de graça se você tiver coragem de colocar seu braço em um buraco — e esperar pela surpresa por Damaris de Angelo

Acima, um homem coloca o braço para que seja tatuado por Scott

Scott Campbell é um tatuador bastante famoso pelo seu trabalho em Williamsburg, Brooklyn, Nova York. Ao longo dos anos ele ganhou a confiança de muitos de seus clientes, e, para colocar isso em teste, ele fez o seguinte: aqueles que tivessem coragem o bastante de colocar o braço em um buraco e esperar a surpresa, levariam uma tatuagem de graça. O projeto levou o nome de Whole Glory. Uma vez que o próprio artista saiu de trás da parede que o separava do público,

todos aplaudiram o homem que não fez nada além de tatuar fãs esperançosos durante todo o final de semana. “Foi interessante ter essa conexão íntima com essas pessoas que eu nem mesmo conhecia o rosto”, Campbell refletiu. “Da minha parte, eu senti que existia esse entendimento entre a gente: ‘Eu aceito o seu gesto de colocar o braço por esse buraco, e eu cuidarei de você, você é minha responsabilidade e farei o meu melhor para que saia satisfeito.’”



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EVENTO

RECIFE TATTOO ART Em novembro deste ano acontece no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda, a segunda edição da Recife Tatoo Arte. Cerca de 200 profissionais do Brasil e exterior participam do evento que este ano traz um representativo número de mulheres tatuadoras. Em 2014, apenas cinco meninas estiveram no evento. Neste ano, o número quadruplicou e subiu para 20. Texto: Natalie Dias Imagens: Miguel Russo e Ana Schölder


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evento

A CONVENÇÃO Responsável pela organização do evento, Henrique Brandão acredita que, realmente, não há diferença de trabalho entre homens e mulheres. Entretanto, deixa escapar que suas colegas tendem a ter um jeitinho especial na hora de lidar com a clientela. “Elas são ótimas profissionais como os homens, não há diferença nenhuma, mas, geralmente, rola delas serem mais carinhosas e mais atenciosas com os clientes”, fala. Estarão presentes também body piecers e lojas especializadas em equipamentos e serviços para tatuagem e bodyart. Com o objetivo de capacitar tatuadores e desmistificar o conceito da tatuagem em Pernambuco, o encontro também traz personalidades como Inácio da Glória, um dos tatuadores mais antigos e influentes do Brasil; Gerson de Araújo (Urea Freak), o primeiro brasileiro a realizar a técnica Eyeball Tattoo (pintura permanente dos olhos) no próprio corpo e Paulo Victor Skaz, tatuador pernambucano que é um dos destaques nacionais no estilo da tatuagem aquarela. Todos os tatuadores credenciados participarão de uma oficina de biossegurança especializada para o ramo da tatuagem, ministrada pela doutora Hayana Arruda Azevedo, formada em ciências biológicas com ênfase em biologia celular e molecular e com pós-doutorado em laboratório de genética pela UFPE. No topo, o tatuador Gerson de Araújo. Abaixo dele, exemplos de tatuagens realizadas no evento


evento Algumas das tatuagens realizadas durante a convenção

TAMBÉM SERÃO APRESENTADAS AO PÚBLICO E COMISSÃO JULGADORA AS MELHORES TATUAGENS REALIZADAS DURANTE A CONVENÇÃO

PREMIAÇÕES Também serão apresentadas ao público e comissão julgadora as melhores tatuagens realizadas durante a convenção, em que as de maior destaque serão premiadas nas categorias: Oriental, New School, Old School, Realismo, Portrait, Aquarela, Cultura Nordestina entre outras categorias. Além de distribuição de brindes e concurso de Miss Tattoo 2016. Os ingressos serão vendidos no dia da convenção, no Centro de Convenções de Pernambuco, nos valores: R$ 20 reais (inteira) / R$10 reais (meia-entrada) / R$ 10 reais + 1 kg de alimento não perecível (social). Todos os alimentos não perecíveis, arrecadados com o ingresso social, serão doados à instituições de caridade.

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CAPA

Na Rússia do século XX, as tatuagens eram um forte elemento na cultura criminal. Elas eram usadas para indicar uma carreira criminosa e classificar prisioneiros dentro das comunidades criminais e prisões russas. Eram como parte de um uniforme, que durante anos norteou a relação entre presos nas cadeias.

Texto: Chris Wild Imagens: Arkady Bronnikov/FUEL


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capa

Esse preso tem tatuado, abaixo dos olhos, a frase “cheio/de amor”

A marcação de criminosos era praticada na Rússia muito antes de a tatuagem virar costume, e foi proibida em 1863. No século 19, uma cruz “picada” na mão esquerda foi muitas vezes usada para identificar desertores do exército e, até 1846, os criminosos condenados a trabalhos forçados eram marcados com VOR (ladrão), as letras na testa e nas bochechas. Na década de 1930, começaram a surgir castas criminosas russas, como os “Masti” (ternos) e os “Vory v Zakone” ou “Blatnye” (ladrões de autoridade), e com elas também surgiu uma cultura de tatuagem para definir a posição e a reputação de cada uma delas. Até a Segunda Guerra Mundial, qualquer tatuagem poderia denotar um criminoso profissional, sendo a única exceção as tatuagens em marinheiros.

EFEITOS DA GUERRA Sob o sistema Gulag da era soviética, as leis que foram implementadas em meados de 1940 permitiram que fossem aplicadas sentenças curtas de prisão a pessoas condenadas por pequenos furtos, vandalismo, ou infrações disciplinares de trabalho. Isto levou a um aumento da população prisional durante e após a Segunda Guerra Mundial. Por volta de janeiro de 1941, a força de trabalho Gulag tinha aumentado em cerca de 300.000 prisioneiros. As tatuagens serviam para diferenciar entre uma autoridade ou “ladrão-de-lei”, e as muitas centenas de milhares de presos políticos que foram presos durante e logo após a Segunda Guerra Mundial por crimes não eram considerados os de um “Vor” (ladrão). Alguns dos motivos vieram de tatuagens de marinheiros ingleses, como os navios altos voadores, um coração

trespassado por um punhal, âncoras, um coração serpenteentrelaçada ou um tigre mostrando os dentes. A coleção de tatuagens de um ladrão representa o seu “terno” (mastro), que indica seu status dentro da comunidade de ladrões e seu controle sobre outros ladrões dentro da lei dos ladrões. No jargão criminoso russo ou Fenya (феня), um conjunto completo de tatuagens é conhecido como “frak s ordenami” (uma casaca com decorações). As tatuagens mostram um “registro de serviço” das realizações e fracassos, penas de prisão e dos tipos de trabalho que um criminoso faz. A apropriação indevida das tatuagens de um “ladrão legítimo” poderia ser punido com a morte, ou o prisioneiro seria forçado a removê-las eles mesmos com uma faca, uma lixa, um caco de vidro ou um pedaço de tijolo.


Muitos prisioneiros, além de imagens, também tatuavam frases. A cicatriz no rosto do prisioneiro no canto superior direito era feita como punição por traição a outros presos


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capa

GUERRA DAS PUTAS Depois da guerra ocorreu um cisma no mundo do crime. Muitos condenados tinham lutado em unidades penais, violando o código dos ladrões que diz que nenhum ladrão deve servir nas forças armadas ou cooperar com as autoridades de forma alguma. Muitos ladrões legítimos encontraram-se rebaixados a frayer (de fora), muzhik (camponês), ou suka (traidor, uma puta). Isso aconteceu como parte de uma luta por poder; tendo em vista os recursos limitados da prisão, subjugar as “putas” (Suki) permitiu que os ladrões legítimos tomassem mais para si mesmos. Tatuagens foram modificadas e novos modelos apareceram a fim de distinguir os dois grupos.

Esses desenhos são baseados na catalogação de Arkady Bronnikov

O punhal que perfura o coração foi modificado, sendo adicionada uma seta: esta tatuagem indicava um ladrão legítimo e seu desejo de buscar vingança contra aqueles que tinham violado o código dos ladrões. A rosa dos ventos tornou-se um indicador de agressão aos funcionários prisionais e às “putas”, indicando a promessa de que “eu nunca vou usar dragonas” e ódio contra aqueles que tinham servido no Exército Soviético. Siglas secretas foram criadas pelos ladrões legítimos que as “putas” não reconheceriam, como SLON (“elefante”), que significa Suki Lyubyat Ostry Nozh (“As putas amam uma faca afiada”)


capa

DECADÊNCIA Na década de 1950, Nikita Khrushchev declarou uma política para a erradicação da criminalidade da sociedade soviética. Junto com a propaganda que denunciava o “ladrão tradicional”, que havia crescido em popularidade na cultura russa, as penas nas prisões foram intensificadas para qualquer um que se identificasse como um ladrão legítimo, incluindo espancamentos e tortura. Como resposta a esta perseguição, as ‘leis dos ladrões’ foram intensificadas e a punição para prisioneiros que vestiam tatuagens não conquistadas aumentou de remoção para estupro e assassinato. Na década de 1970, a intensificação das ‘leis dos ladrões’ resultou em represálias contra os ladrões legítimos, orquestradas por autoridades da prisão que costumavam jogar um ladrão legítimo em celas onde estavam os prisioneiros que eles

haviam punido ou estuprado. Para reduzir as tensões, líderes criminosos proibiram os ritos de passagem e o estupro como castigo. Brigas entre os presos também foram proibidas e os conflitos deveriam ser resolvidos através da mediação dos ladrões mais antigos. Além disso, o costume da tatuagem tinha se espalhado pelas prisões juvenis, aumentando o número de internos com tatuagens “ilegítimas”. Esta onipresença junto com a redução da violência significava que as “autoridades criminais” pararam de punir tatuagens “não-adquiridas”. Em 1985, a Perestroika e um novo aumento nos estúdios de tatuagem tornou a tatuagem uma questão de estilo e moda, e eventualmente diluiu ainda mais o status de tatuagens como um atributo exclusivamente criminal. Torso e braços são os locais mais comumente tatuados

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capa

Arkady Bronnikov é o maior especialista em iconografia de tatuagens da Rússia. Especialista sênior em medicina forense no Ministério de Assuntos Internos da URSS por mais de 30 anos, suas funções envolviam visitar as instituições correcionais nos Urais e na Sibéria. Foi aí (entre o meio dos anos 60 até o meio dos 80) que ele entrevistou, fotografou e reuniu informações sobre os condenados e suas tatuagens. Sua coleção de cerca de 180 fotografias de criminosos detidos em instituições penais soviéticas foi publicada pela FUEL sob o nome Russian Criminal Tattoo Police Files, sendo provavelmente a maior coleção de fotos de tatuagens de cadeia publicada até hoje. “Eu comecei estudando tatuagens na metade da década de 1960 como uma forma de identificar corpos de criminosos,” diz Bronnikov. Ele descreve um caso em que o corpo de um homem encontrado entre toras de madeira perto do vilarejo de Nizhnyaya Kurya. Vestindo apenas a cueca e o corpo decomposto demais para as digitais serem tiradas, o homem foi identificado por suas tatuagens. Em outro caso, os detetives capturaram um ladrão após sua vítima notar o nome “Robert” tatuado na sua mão direita.

As notas de dólar, arranha-céus e armas com as iniciais ‘US’ estampadas nelas demostram o amor do detento pelo estilo de vida da máfia americana. Os olhos significam “Estou de olho em você” (para os outros detentos da prisão ou do campo de prisioneiros).

Essa é uma variação do mito de Prometheus, que é acorrentado a uma pedra como uma punição eterna por ter enganado Zeus. O barco veleiro significa que seu portador não se engaja em trabalhos convencionais; é um ladrão viajante que está inclinado a escapar.

Monastérios, igrejas, catedrais, a Madona, santos e anjos localizados no peito ou nas costas exibem uma devoção ao roubo. Crânios indicam uma condenação por assassinato. Caixões também representam assassinato; eles estão enterrando a vítima.


capa Estrelas de oito pontas na clavícula denotam um ladrão de alto nível. A gravata borboleta no pescoço era por vezes aplicada à força em batedores de carteira que desrespeitaram o código dos ladrões e se juntaram a autoridades. O cifrão na gravata indica que o homem é envolvido com arrombamentos ou lavagem de dinheiro.

Dragonas nos ombros demonstram uma atitude negativa em relação ao sistema, e são vestidas por criminosos de alto nível que muitas vezes têm um apelido correspondente, como ‘major’ ou ‘coronel’. Dragonas com três estrelas ou crânios significam: “Eu não sou um escravo dos campos, ninguém pode me forçar a trabalhar”; “O forte vence – o fraco morre” e “Cavalos morrem de tanto trabalhar”.

Uma cobra ao redor do pescoço é um sinal de vício em drogas. As calças são do uniforme do tipo de prisão mais rígida da União Soviética. Criminosos enviados para lá são conhecidos como “osobo opasnim retsidivistom” (reincidentes particularmente perigosos), que cometerem graves ofensas como assassinato ou pedofilia. Não estão sujeitos a liberdade condicional.

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capa

Esse prisioneiro tem um farol no braço direito, que demonstra um desejo por liberdade – e cada manilha em seus pulsos significa que ele cumpriu uma pena de mais de cinco anos. As palavras em seu braço dizem “Lembre de mim, não me esqueça” e “eu esperei 15 anos por você”.

Olhos no estômago denotam homossexualidade (sendo o pênis como o nariz do rosto). Estrelas nos ombros demonstram que o detento é uma ‘autoridade’ criminal. As medalhas são prêmios que existiam antes da revolução e por isso são sinais de desafio ao regime soviético.

Símbolos nazistas podem significar que o detento simpatiza com ideias nazistas, mas mais geralmente elas são tatuadas como um protesto à prisão ou à administração do campo. Durante o período soviético, as autoridades removiam essas tatuagens à força. A tatuagem de sereia pode indicar uma sentença por estupro de menor ou pedofilia.

A rosa no peito desse homem significa que ele fez 18 anos na prisão. Ele tem um “SOS” escrito em seu antebraço direito pode significar Spasite Ot Syda (Salve-me do julgamento); Spasayus Ot Sifilisa (Salvo da sífilis); ou Suki Otnyali Svobodu (Putas roubaram minha liberdade).


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As caveiras com os ossos cruzados nos ombros do prisioneiro indicam que ele estava cumprindo prisão perpétua; a garota levantando o vestido com uma linha de pesca, no braço esquerdo, é uma tatuagem geralmente feita em estupradores. A palavras acima de sua cintura dizem “Eu fodo a pobreza e a desgraça”. No seu estômago está uma versão da Judith de Giorgione (1504), o símbolo de uma mulher sedutora que trai um homem nobre.

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A águia de duas cabeças é um símbolo estatal russo que data do século XV. Após a queda do comunismo, ela substituiu a foice e o martelo como brasão da Federação Russa. Essa foto da era Soviética é um forte exemplo de raiva contra a URSS; a Estátua da Liberdade implica um desejo por liberdade.

A Madona e a criança é um talismã dos ladrões, atuando como um guardião contra a desgraça e a miséria. Também pode significar que o portador é ladrão desde novo: “Uma criança da prisão”.

As palavras em seus braços dizem “Obrigado, querida pátria, por minha juventude arruinada”. Uma adaga perpassando o pescoço significa que o criminoso já matou na prisão e está disponível para ser contratado para outros assassinatos. As gotas de sangue podem indicar o número de assassinatos cometidos.


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ENTREVISTA

SASHA UNISEX Sasha é uma brilhante artista de Moscou, Rússia. Ela é bem conhecida ao redor do mundo por seu Estilo Aquarela único. Tivemos a oportunidade de fazê-la algumas perguntas, e os leitores da Tatu poderão desfrutar na íntegra a seguir.

Texto: André dos Reis Imagens: Sasha Unisex Tattoo


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entrevista

A arte de Sasha Unisex não passa despercebida, isso é certo. Basta uma olhada em seu trabalho para entender que seu estilo difere dos outros. A falta de contornos pretos, juntamente com incríveis efeitos sombreamento, dá forma e suavidade para o resultado final. Os trabalhos de Sasha são deslumbrantes e são apreciados em todo o mundo, até por aqueles que não costumam gostar de tatuagens.

Como você se tornou uma tatuadora?

A ideia de me tornar tatuadora apareceu depois que eu me formei na faculdade de Artes. Eu queria tentar algo novo e me envolvi com um trabalho em que criava imagens no corpo de pessoas. Comecei a ficar cada vez mais envolvida com esse tema, a conhecer outros tatuadores, participar de diferentes eventos relacionados a área... então, eu comprei o equipamento necessário aos poucos e comecei a aprender, com as imagens mais simples. Eu tive muitos voluntários para os meus experimentos.

Bem no começo de sua jornada você já procurava um estilo único. Você acha que os artistas deveriam tentar todos os estilos antes de procurar o seu próprio?

Eu tentei tatuagens old school, realistas, blackwork, greywork. E aos poucos eu comecei a entender que não queria trabalhar com nenhum dos estilos que já existiam. Eu sempre sonhei em criar algo novo e só meu. E foi muito difícil começar a fazer meus próprios sketches uma vez que eles não se pareciam com nada existente e as pessoas apenas achavam graça, dizendo que eu não ia ter sucesso. Mas ainda assim, meus amigos me apoiaram imensamente, o que me ajudou a seguir o meu caminho. E entendi que meus amigos estavam certos. Você sempre precisa seguir seus objetivos. É um sentimento incrível. Você tem que trabalhar duro, mas vale muito a pena.

“VOCÊ SEMPRE PRECISA SEGUIR SEUS OBJETIVOS. É UM SENTIMENTO INCRÍVEL. VOCÊ TEM QUE TRABALHAR DURO, MAS VALE MUITO A PENA.”


entrevista

Qual a história do seu nome? Unisex? Existe algum outro significado além do original?

Vamos começar pelo meu nome. É Sasha. Na verdade, meu nome é Olexandra, mas o apelido soa como Sasha, e, na Rússia, é comum tanto para meninos como meninas. E eu realmente gosto da ideia de que é difícil de determinar o sexo de uma pessoa com tal nome, uma vez que ele é universal, ou seja, unissex. Gosto de me vestir de maneira unissex, usar jeans, camisetas, mais do que vestidos. Embora eu também use vestidos, eu realmente gosto de roupas unissex, e gosto de dar foco ao fato de que meu nome, Sasha, também é unissex. E essa é a razão da combinação de palavras que forma meu apelido.

Quem foi seu mestre quando você estava aprendendo a tatuar e quanto tempo você levou para aprender?

Eu não apontaria uma pessoa em particular, uma vez que não tive um professor. Eu posso dizer que tive várias pessoas de quem gostava de observar o trabalho. Quando eu entrei no mercado, meu objetivo era o de conhecer o maior número de tatuadores possível. Eles me ensinaram muito e tirei deles diferentes tipos de conhecimento. Alguns me falaram sobre esterilização, alguns sobre proteção, outros me mostraram como me comunicar com meus clientes ou me contaram sobre as histórias de suas carreiras e como chegaram onde estão agora. Foi assim que, passo a passo, eu me tornei uma artista da tatuagem e tentei visitar diferentes eventos ligados ao assunto. Eles realmente me fizeram entender que eu realmente gostava desse meio e não era a única que era louca por isso. Conheci pessoas que dedicaram suas vidas inteiras à arte da tatuagem e isso me inspirou a seguir em frente e a me desenvolver.

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entrevista

Qual foi sua primeira tatuagem e quem foi o artista que a fez? E sua favorita?

Minha primeira tatuagem foi feita na axila: uma rosa com o rosto de uma mulher dentro, e foi feita por um amigo em sua casa. Mas, pra mim foi um vedadeiro ritual de iniciação de algo novo e interessante. Minha tatuagem favorita é uma raposa na minha perna esquerda e foi feita por Sergey Serebrov, de São Petersburgo.

Você tem algum conselho para jovens artistas que querem se tornar tatuadores?

Continuem pacientes e diligentes, tentem criar algo novo e só seu, ao invés de copiar o trabalho de outros artistas.

Qual sua maior inspiração?

Definitivamente natureza e animais, eles são uma fonte de inspiração infinita para mim. O que também me ajuda é ordem criativa: quando as tintas e as paletas estão limpas e não há nada extra em cima da mesa. Boa iluminação e bom humor, e mais nada é necessário!

Sabemos que você quer criar uma marca “Sasha Unisex”, que direção você deseja seguir com ela? Qual seu plano?

Eu recebo muitas cartas e pedidos de pessoas que querem tatuar comigo ou comprar um sketch, ou ter um retrato único de um animal de extimação, mas infelizmente eu não consigo atender a todos os pedidos. Eu gostaria muito de propor algo que estivesse conectado com a minha arte. Não apenas roupas, mas produtos de diferentes naturezas, como broches, relógios, guarda-chuvas. Eu acredito que essa produção extra seria baseada no interesse do público e no que eles desejam ver. E é isso que quero dar a eles. Por um longo período, as pessoas queriam que eu providenciasse também tatuagens temporárias, e foi isso que fizemos e foi muito bem recebido.

Alguns dos desenhos de Sasha, feitos para tatuagens e objetos


entrevista

“CONTINUEM PACIENTES E DILIGENTES, TENTEM CRIAR ALGO NOVO E SÓ SEU”

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cultura

FILME: MILLENIUM OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES por Thiago Fischer

Rooney Mara é Lisbeth Salander e Daniel Craig é Mikael Blomkvist na adaptação do romance de Stieg Larsson

Os homens que não amavam as mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo em título original), lançado em 2011, é um thriller psicológico americano baseado no primeiro livro homônimo da trilogia Millenium, escrita pelo sueco Stieg Larsson. A adaptação cinematográfica foi dirigida por David Fincher e escrita por Steven Zaillian. Conta a história do jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) e sua investigação que busca descobrir o que aconteceu com a mulher de uma poderosa família que

desapareceu 40 anos antes. Ele recruta a ajuda da jovem e genial hacker Lisbeth Salander (Rooney Mara), uma mulher magérrima, com o corpo repleto de piercings e tatuagens, e comportamento rebelde, para juntos encontrarem a resposta desse mistério.



ESTÚDIO

SAMPA TATTOO

O estúdio paulista formado exclusivamente por jovens tatuadoras

Na tão explorada Rua Augusta, em São Paulo, cinco mulheres se reúnem sob o mesmo teto instigadas por um só ofício: tatuar. A ideia surgiu quando Samantha decidiu sair do último lugar em que trabalhava. Um dos donos perguntou se ela não aceitaria abrir um novo estúdio com ele. Depois de escolher o local, a tatuadora precisava fechar quem seriam seus funcionários. Uma amiga propôs: por que não só tatuadoras? E a sugestão foi acatada. São dois andares: embaixo, uma sala com um lustre preto e papel de parede abriga uma grande mesa cheia de sketchbooks, pincéis, folhas, canetinhas e desenhos (muitos desenhos!); em cima, onde a ação acontece, com macas, agulhas e todo o aparato para marcar corpos para sempre. Samantha conta que a ideia é crescer e dar oportunidade para a mulherada “porque tem muita menina começando”. A Tatu conversou com todas as tatuadoras, que relataram as dificuldades da profissão, a

reprovação de alguns tatuadores e o amor pela arte. Com quatro meses de existência e com um anexo prestes a ser inaugurado, o estúdio também ajuda a derrubar a ideia de que tattoo é coisa de homem, estigma que nasceu, segundo as garotas, com a origem da arte no submundo. Antigamente, para você ser tatuador você tinha que ‘estar na rua’. Sempre foi muito marginalizado e uma mulher estar ali no meio era muito complicado e mal visto. Mas agora a gente sai da faculdade de arte e vamos para a tattoo, explica Sam. E é com estas linhas, inspiradas em estilos como o oldschool, russo, ornamental e blackwork, que o quinteto faz mais do que apenas deixar uns desenhos bonitos na pele de seus clientes. As tatuadoras contam que acreditam que seu trabalho ajuda no sentimento de empoderamento das mulheres que ficam sob a mira de suas maquininhas.

Entre em contato com o estúdio: EMAIL contato@sampatattoo.com TELEFONE +55 11 3083-1533 ENDEREÇO Rua Augusta, 2203 - Cerqueira César São Paulo/SP Brasil CEP: 01413-000

Texto: Carla Machado Imagens: Estúdio Sampa Tattoo/ Renata Gomes Santos


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Algumas das tatuagens feitas no estúdio. Em sequência: trabalhos da Sam, Ingryd e Jéssica.

SAMANTHA SAM, 26 ANOS “Saí de Cerquilho, onde nasci, e fui morar em Sorocaba para aprender a tatuar. Fiquei lá seis meses como aprendiz. Fazia de tudo no estúdio. Desenhava, limpava, arrumava a bancada. Eu tinha tudo para desistir. Sozinha, morando numa cidade em que eu não conhecia ninguém. Mas sou muito teimosa e amo o que faço. Já aconteceu de tatuador que trabalhava comigo me ver desenhando e jogar meu desenho no lixo. De boicotar, falar que eu não estava, que eu saí. Os tatuadores têm um pouco de sentimento de ‘Nossa, como uma menina nova está fazendo o mesmo que eu?’. Parece que a gente está mesmo invadindo o espaço deles.”


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estúdio

JULIANA CHISLU, 23 ANOS “Sempre gostei de tattoo. Eu pensava: ‘Quero muito fazer isso da minha vida’. Um dia antes de fazer 18 anos, minha tattoo já estava agendada no primeiro horário do estúdio. Meu pai não gostava de tatuagem e falou: “Essa é a primeira e última”. Agora, estou fechando o braço dele em hand poke. Basicamente, você pega a agulha e usa um palitinho. Pode ser um bambu, uma vareta específica. Meus avós não me aceitam mais na família porque tatuei as mãos e o rosto. Eu já me ferrei bastante em muitos estúdios diferentes. Aprendiz já rala a partir do momento em que pede aprendizado. Uma vez, cheguei em um estúdio, mostrei meu sketchbook e meu portfólio. O cara começou a rir da minha cara e falou que não era trabalho para mim, porque mulher não tem coragem de fazer tatuagem russa. Falei para ele sentar na maca que eu tatuaria ele na hora. Aí ele me botou para fora.”

JULIA BICUDO, 26 ANOS “Minha mãe fala que, com quatro anos de idade, eu desenhava bonequinhas com tailleur. Me formei em rádio e TV e trabalhei com audiovisual por oito anos. Eu e meu marido compramos uma máquina para gente se tatuar em casa de brincadeira. No começo, não botei muita fé que seria um negócio legal. Gostei tanto que comecei a estudar e levar a sério. Até agora, fiz oito tatuagens em mim mesma. Me identifico muito com agulha fina. Agora, estou estudando mais oldschool, porque gosto muito. A ideia do estúdio me encantou. Em que outro lugar eu seria mais feliz que tatuando e trabalhando com um monte de meninas incríveis?”


estúdio

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INGRYD GUIMARÃES, 18 ANOS “Fiz minha primeira tatuagem com 15 anos. Era uma rosa horrível no ombro. Me indicaram um cara para arrumar. Fui lá. Na hora de pagar, acidentalmente, meu sketchbook de desenho caiu aberto na frente do tatuador. Ele falou ‘Nossa, você desenha’. Aí começamos a namorar. Ele me incentivou a começar a tatuar e entrei nessa vibe. Depois da primeira tatuagem, eu nem dormi. Fiquei com a vibração da máquina na cabeça. Gosto muito de pontilhismo, blackwork, hachuras. Antes de virar tatuadora, eu estava estudando para o vestibular de psicologia. Ainda quero e vou fazer. Nunca me vi psicóloga, mas queria estudar sobre. Depois que fiz minha primeira tattoo, pedi demissão no escritório em que eu trabalhava, não fiz o Enem e comecei a tatuar.”

JÉSSICA COQUEIRO, 23 ANOS “Comecei a tatuar depois de trancar a faculdade de artes plásticas. Peguei minhas últimas economias, comprei um kit e comecei fazendo tatuagem nas pessoas, indo nas casas delas, fazendo na minha casa. A tattoo foi um caminho para eu ser mais independente, me bancar com a minha arte. Gosto de fazer trampo com linha, blackwork. Procuro livros de biologia, de anatomia, desenho técnico e pego tipos de flores, espécies de animais, imagens cortadas do interior das conchas. O estúdio foi o primeiro lugar em que senti de fato a presença da sororidade na convivência. Falamos muito sobre isso em discussões, sobre como a mulher pode se empoderar no trabalho. A gente se entende muito bem e tenta valorizar o ponto forte de cada uma.”


MUNDO

A BELEZA DA DOR

A escarificação, enquanto atividade cultural, é amplamente realizada na África . A prática se vê presente em alguns povos do continente, e carrega consigo fortes mensagens sobre identidade e status social.


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mundo

Dentro de antropologia, o estudo das modificações corporais por grupos humanos tem sido amplamente debatido. Em 1909, Van Gennep descreveu tradições tribais de modificação corporal diversas, incluindo tatuagens, escarificação e pintura, como partes de ritos de passagem. Em 1963, LeviStrauss descreveu o corpo como uma superfície de espera para que fosse “impressa” com as marcas de determinada cultura. Nos anos 80, Turner usou pela primeira vez o termo “pele social” em sua discussão de como a cultura Kayapó foi construída e expressa através de organismos individuais. Há quem sustente, que nos grupos primitivos, a escarificação surgiu primeiro que a tatuagem, uma vez que os primeiros hominídeos poderiam usar pedra lascada para se marcar como pertencendo a um determinado grupo. As cicatrizes indicariam de maneira indelével sua origem e importância social. Outro fator inusitado ligado ao método é o prazer que a pessoa pode sentir, uma vez que endorfinas podem ser liberadas no processo, podendo induzir um estado de euforia. De delicados redemoinhos de carne aos pontilhados intrincados, as cicatrizes que decoram os corpos das pessoas das tribos Mursi e Surma de Bodi, no Sul da Etiópia são mais do que apenas a marca de uma lesão.

Para eles, são uma parte da cultura local e significam beleza para a vida adulta ou mesmo, em alguns casos, são simplesmente um sinal de força e maturidade. Em Uganda, por exemplo, os Karamojong são famosos pelos seus elaborados padrões de cicatrizes. Na fronteira da Etiópia com o Sudão, os homens da tribo Nuer exibem marcas nas testas e as consideram parte fundamental do processo de transição de menino para homem. Agora, as impressionantes marcas de cicatrizes da Etiópia e Sudão são elementos de um conjunto incrível de fotografias do francês Eric Lafforgue, que viajou pelos países observando as escarificações e conhecendo diferentes povos e cerimônias. Durante uma visita à tribo Surma, que vive no remoto Vale do Omo, Eric assistiu a uma cerimônia de escarificação que envolveu a criação de padrões usando espinhos e uma navalha. Ele relatou: “Essa garota de 12 anos quando estava sendo

Mulheres da vila Omorate cortam a pele como símbolo de beleza

cortada não disse uma palavra durante a cerimônia de 10 minutos e se recusou a aparentar qualquer dor”. “A mãe dela, utilizando um espinho, puxava a pele da garota para fora e com uma lâmina de barbear a cortava.” “No final, eu perguntei a ela se os cortes na pele tinham sido difíceis e ela respondeu que ela estava em seu limite. Mas era incrível como ela não demonstrou qualquer sinal de dor em seu rosto durante a cerimônia, pois qualquer reação a dor teria sido visto como uma vergonha para a sua família.” Eric explicou que, apesar da dor, a moça iniciou a cerimônia por sua vontade, pois as meninas não são obrigadas a participar. “As cicatrizes são um sinal de beleza dentro da tribo”, acrescentou. “As meninas que vão para a escola ou se convertem ao cristianismo não fazem, mas as outras veem a capacidade de lidar com a dor como um sinal de que elas serão capazes de lidar com o parto no futuro.”


mundo Mulheres da tribo Menit raspam a pele com pedras para decorá-la. Abaixo, homem identificado como um Nuer do Sudão, graças às suas cicatrizes na testa

“ESSA GAROTA DE 12 ANOS QUANDO ESTAVA SENDO CORTADA NÃO DISSE UMA PALAVRA DURANTE A CERIMÔNIA DE 10 MINUTOS E SE RECUSOU A APARENTAR QUALQUER DOR”

Ana é da tribo de Bodi e hoje em dia tenta esconder as cicatrizes que ganhou no início da adolescência

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Menina de tribo Surma recebe cortes feitos de navalha na barriga para criar padrĂŁo de cicatrizes como sĂ­mbolo de beleza.


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O alargador de boca é outra tradição de origem africana

Outras tribos que vivem no Vale do Omo também fazem a escarificação e muitas vezes usam a seiva ou cinzas para fazer os desenhos. Mas nem todo mundo por lá se impressiona com a arte. “Pessoas escarificadas são vistas como ‘primitivas’ por muitos etíopes que vivem nas cidades e elas sofrem com isso”, explica Eric. “Aqueles que tiveram as escarnificações, e que vão à escola, tentam escondê-las.” Ainda, conforme Eric, devido ao fluxo de trabalhadores de outras partes da Etiópia, a escarificação está se tornando um negócio cada vez mais arriscado. “O uso de lâminas compartilhadas se torna um grande problema na região de Omo”, explica. “A hepatite está começando a se tornar um problema, pois os trabalhadores de outras partes da Etiópia chegam para trabalhar nas novas plantações (patrocinadas pelo governo). A AIDS também está se tornando uma série ameaça”. Apesar dos riscos, a escarificação continua desempenhando um grande papel na vida tribal na região. A maioria dos homens adultos da tribo Nuer têm marcas “gaar” - seis linhas esculpidas em cada lado da testa - como um sinal de maturidade.

Outros Nuer, particularmente os Bul Nuer, do Vale do Nilo, criaram uma versão pontilhada de cicatrizes e algumas mulheres também a possuem. A tribo Toposa , que vive na Etiópia e Sudão do Sul também adotou a técnica, mas combina padrões de pontos faciais com gravuras elaboradas no corpo. Embora as gravuras dos Toposa permaneçam populares entre as gerações mais jovens, as marcas dos Nuer estão se tornando cada vez mais raras diante dos conflitos entre eles e outras tribos do Sudão do Sul. A prática tem se tornado arriscada, pois ao utilizar a mesma navalha em diversos membros da tribo, surge um problema: a hepatite. Além disso, a AIDS também faz parte dos riscos a que essas tribos estão expostas. Porém, Lafforgue explica que: “Esta tradição não é mais realizada com tanta frequência. Em parte, é por causa do acesso às escolas e o aumento do número de pessoas que se voltaram para o cristianismo, mas também porque é um sinal muito visível de distinção tribal, ainda mais em uma área que tem sofrido muitas disputas e conflitos.”




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ENSAIO

HISTÓRIA DOS TRAÇOS O fotógrafo João Félix tem duas paixões: escutar histórias e tatuagens. Ele encontrou um jeito de juntar as duas em um só projeto, e sai por aí fotografando pessoas tatuadas e escutando as histórias por trás de cada tatuagem.


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ensaio




ensaio

Para conferir todas as histĂłrias coletadas por JoĂŁo, acesse historiadostracos.com.br

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TÉCNICAS

Protótipo da Tatoué é testado em prótese de silicone

IMPRESSÃO EM PELE Conheça Tatoué, a primeira impressora 3D que tatua O princípio é simples: dê um desenho para uma máquina e deixe que ela tatue a pele do consumidor. A ideia, que foi apresentada em 2013 durante um workshop organizado pelo Ministério da Cultura francês e aconteceu na École Nationale Supérieure de Création Industrielle, parece simples, mas é brilhante. Pierre Emm, Piotr Widelka e Johan da Silveira, que mais tarde viriam a se tornar os fundadores da Appropriate Audiences, removeram o extrusor de uma MakerBot (impressora 3D), substituíram-no por uma agulha de tatuagem, e assim nasceu a “Tatoué”. O protótipo foi testado em silicone e funcionou como esperado: um desenho de um círculo (a forma mais precisa e simples de todas) foi criado e enviado para a máquina através do software Autodesk, e a máquina o replicou perfeitamente. O próximo passo, então, era testá-la em uma pessoa real. Segundo os designers, era um desafio fazer com que a máquina trabalhasse sobre uma

superfície curva de um braço humano ou uma perna, por exemplo, assim como em um material mais flexível, como a pele. O entusiasmo com o projeto foi tão grande que os autores começaram a trabalhar no protótipo em tempo integral, de maneira a aperfeiçoá-lo. Adicionaram à máquina um sensor que consegue ler a superfície da pele e se adaptar à dimensão do membro do corpo e às mudanças de textura da pele, possibilitando uma tatuagem mais precisa. Segundo eles, transformaram a ‘cabeça’ da máquina adicionando um eixo Z e um sistema de sensor háptico, para dar a melhor resposta possível aos diferentes relevos do corpo. A tecnologia háptica é uma tecnologia de feedback tátil geralmente usada em videogames para proporcionar uma experiência de jogo mais real aos usuários, mas também usada na indústria como uma forma de dar “sensações” às máquinas de maneira a ajudá-las a compreender o nosso mundo 3D.


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Essas modificações foram um grande avanço para os jovens inventores. “Nós rapidamente percebemos que os resultados adquiridos pela Tatoué estavam nos encaminhando para outras aplicações além dos campos da tatuagem. Assim, conduzimos também experiências nos campos do Design, Moda, eletrônicos, e até mesmo biológicos”, afirmam. A reação do público em relação ao projeto tem sido dividida. De um lado, há aqueles que se sentem atraídos pela inovação; outros acreditam que nada pode substituir o elo humano entre o consumidor e o tatuador e seus desenhos. “Por sermos muito sensíveis às muitas evoluções da tatuagem, a reflexão por trás da máquina está nos forçando a questionar a realidade atual. Existiram muitos preconceitos voltados ao lançamento da máquina de tatuar elétrica, e décadas mais tarde, pudemos ver a riqueza artística que ela trouxe. E é isso que nos encoraja a quebrar os paradigmas entre esse mundo diferente, designers, tatuadores, tatuados, artistas e ciência.” Será possível imaginar um futuro em que um dia entraremos em um estúdio para sermos tatuados por um artistarobô? Seria essa uma experiência assustadora ou excitante? Apenas o tempo e as pessoas poderão dizer.

A maleabilidade da pele e as curvas dos membros se mostraram um desafio para os desenvolvedores da Tatoué


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artigo

ZOMBIE BOY O homem que possui 90% do corpo coberto de tatuagens e já trabalhou como modelo para marcas e artistas famosos por Laura Caldas

Acima, Zombie Boy mostra suas tatuagens de esqueleto e insetos

Rick Genest é famoso como uma das pessoas mais modificadas do mundo. Com sua tatuagem em forma de corpo humano em decomposição cobrindo a maior parte de seu corpo, ele ganhou o apelido de Zombie Boy e indo contra todos os padrões de estética o rapaz é modelo e já desfilou em grandes circuitos de moda, inclusive no São Paulo Fashion Week. Ficou mais conhecido após participar do clipe “Born this way” da cantora Lady Gaga. Nasceu no dia 7 de agosto de 1985, em Quebec, no Canadá.

Antes de ter qualquer tatuagem, foi diagnosticado com um tumor no cérebro. Ficou na lista de espera por seis meses, onde contemplava uma situação de vida ou morte antes de fazer a cirurgia. O processo de transformação em um “cadáver” começou quando ele tinha 21 e procurou o artista Frank Lewis, responsável por criar a maior parte de suas tatuagens. O processo durou mais que 6 anos e Rick considera ser “a arte de um cadáver apodrecendo.”



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MÚSICA

RED HOT CHILI PEPPERS Saiba mais sobre o novo projeto “The Getaway” da famosa banda norte-americana e quando eles estarão de volta ao Brasil para divulgar o seu álbum.

Texto: Rafael Dantas Imagens: Divulgação


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música

Red Hot Chili Peppers é uma banda de rock dos Estados Unidos formada em Los Angeles, Califórnia, em fevereiro de 1983. Marcada pela influência do rock, punk, funk rock e psicodélico, o Red Hot é responsável por hits como “Californication”, “Give It Away” e “Under the Bridge”, conhecidos mundialmente. Os músicos ganharam seis Grammy Awards ao longo da carreira (sem contar o de melhor produtor do ano, vencido por Rick Rubin em 2007 por produzir o álbum Stadium Arcadium) e já venderam mais de 80 milhões de discos em todo o mundo. Atualmente a banda detêm o recorde de maior quantidade de “hits” número 1 na Alternative Songs e mais semanas no topo dessa lista, além de ter nove singles no Top 40 do Billboard Hot 100 (incluindo três no Top 10) e cinco singles número um na Hot Mainstream Rock Tracks. Em 2008, receberam uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood. A banda foi introduzida ao Hall da Fama do Rock em 2012.

Os Red Hot Chili Peppers já estão confirmados para o Rock in Rio 2017, no dia 24 de setembro, para apresentação do tour de The Getaway


música

NOVIDADES “The Getaway”, seu mais recente álbum, foi lançado este ano. A banda liderada por Anthony Kiedis está em turnê para divulgar o disco. O trabalho foi gestado após uma decepção amorosa do vocalista Anthony Kiedis e mostra uma banda aberta a novas possibilidades. Com isso, surge um disco interessante, que abre caminhos, mas mantém o estilo sonoro que consagrou a banda californiana. Com o grupo mais entrosado com seu novo/ velho guitarrista Josh Klinghoffer, que teve pouco tempo para fazer seu serviço no disco anterior, Anthony Kiedis, Flea e Chad Smith se mostram mais abertos a testar sons alternativos e ir além do que o grupo já fez em mais de 30 anos na estrada. Sobre o álbum, o vocalista declara: “Estou muito animado de ter várias músicas novas para tocar. Sendo nosso segundo disco com Josh (guitarrista), a sensação de dever cumprido é ainda maior. É sempre bom poder trabalhar como músico. É ótimo estar nessa banda. Nós adoramos sair por aí vendo o mundo. Mas tendo todas essas novas músicas à disposição para os shows fica uma sensação de ‘Vamos logo! Temos uma missão agora!’.” A banda californiana será, inclusive, uma das atrações do Rock in Rio 2017, confirmou a organização. O festival acontecerá entre os dias 15 e 24 de setembro do ano que vem, no Rio de Janeiro. O grupo veio pela última vez ao Brasil em 2013. Em 2001, fez um show para 250 mil pessoas no Rock in Rio, um recorde de público para o evento. Nesta edição, fará a apresentação de encerramento da festa, no dia 24 de setembro. Em uma enquete lançada pelo festival para descobrir as atrações mais desejadas pelos fãs, o grupo era uma das opções. Ao anunciar a escolha, a organização do Rock in Rio disse que o RHCP é um dos nomes mais pedidos pelo público.

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“É SEMPRE BOM PODER TRABALHAR COMO MÚSICO. É ÓTIMO ESTAR NESSA BANDA. NÓS ADORAMOS SAIR POR AÍ VENDO O MUNDO”


INSPIRAÇÃO

A VIDA IMITA A ARTE COM ALEXA MEADE Alexa Meade é uma artista americana que produz instalações. É conhecida por seus retratos, pintados diretamente em corpos e objetos inanimados de uma maneira que faz parecer com que seus modelos apareçam em duas dimensões quando fotografados. Curiosamente, Maede é formada em ciências políticas, e até trabalhou na campanha de 2008 de Barack Obama. No entanto, no ano seguinte decide

adentrar profissionalmente na carreira artística. Autodidata, destacou-se com seu estilo único. É um trabalho capaz de englobar pintura, fotograia, instalações e arte performativa.

A performance Metro, em Washington DC


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A ARTE VIVA DE POKRAS LAMPAS Pokras Lampas está na lista dos crescentes jovens artistas provenientes de arte de rua e, claro, cheios de talento, ​que chamam a atenção de grandes marcas e do público com o seu uso moderno da caligrafia. Crescido na Rússia, Pokras astutamente trocou seu trabalho nas paredes para um meio mais inusitado — o corpo de mulheres nuas — permitindo assim enfatizar seu trabalho caligráfico através do olhar fotográfico.

Um dos exemplos do trabalho de Lampas. Sua tela principal são corpos de mulheres

“Eu acho que a caligrafia em nosso tempo tem um novo renascer, certamente graças à nova onda de tecnologias e possibilidades. E eu tenho a sensação de ser um capitão do mar, explorando novas formas de letras e suas visualizações”, conta o artista. Com um trabalho tão plural, ainda esperamos ver seus traços em muitos lugares ainda.


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inspiração

ENTRE A ARTE E O DESIGN COM JESSICA WALSH Jessica Walsh é designer, diretora de arte, ilustradora e sócia do estúdio de design nova iorquino Sagmeister & Walsh. Depois de se interessar por programação e design aos 11 anos, estudou na prestiogiosa Rhode Island School of Design. Também ganhou notoriedade com experimentos sociais, documentados online, como o 40 Days of Dating e o 12 Kinds of Kindness. Jessica dá palestras sobre design em

Imagem da campanha outonoinverno 2011 para a Aizone, que teve Jessica Walsh como diretora de arte

conferências e universidades internacionalmente. Dá aulas de design e tipografia na The School of Visual Arts em Nova York. Seu trabalho a render inúmeros prêmios das competições de design mais renomadas. Muitos de seus projetos, como a campanha para Aizone mostrada nas imagens, utilizam a pintura em corpo como meio expressivo.




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