Este livro é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, finalizado em 2014. O texto é de Mariana Payno Gomes, sob orientação de Eugênio Bucci. O projeto gráfico ficou nas mãos de Rafael Carvalho.
Para meu único, José Luís Gomes.
I see what I want of the theater of the absurd: beasts, court judges, the emperor’s hat, the masks of the era, the color of the ancient sky, the palace dancer, the mayhem of armies. Then I forget them all and remember only the victim behind the curtain. Mahmoud Darwish (1941-2008)
PRE FÁ CIO
destas páginas 05
INTRO DUÇÃO
VALE DO JORDÃO
da água 17
da resistência popular 11
BI’RIM
BIBLIOGRAFIA
AGRADECIMENTOS
do retorno 51
BIL’IN do muro 31
VALE DO JORDÃO existir é resistir 67
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Três da tarde de uma quarta-feira de outubro, o celular
toca, um número fixo de São Paulo, desconhecido. Na linha, um homem com voz de meia idade e um forte sotaque de quem não é falante nativo de português. “Alô, Mariana? Aqui é do Consulado de Israel em São Paulo. Você tem uma visita marcada para esta semana?” “Oi, tudo bem? Sim, tenho uma entrevista com o cônsul na sexta.” “Ok. Desculpe o meu português ruim, estou ligando para fazer algumas perguntas. Assim, vai ser mais rápido quando você vier.” Seguiram-se vinte minutos de uma papo similar ao que os agentes de segurança levam com turistas (ou ativistas) que desembarcam no Aeroporto Internacional Ben Gurion, nas redondezas de Tel Aviv, e com a qual eu, depois de duas visitas ao país e aos Territórios Ocupados da Palestina, já estava familiarizada. Qual é o seu objetivo com a visita ao Consulado? Você já foi a Israel? Em quais lugares de Israel você esteve? Você tem amigos israelenses? Como eles se chamam? Você conheceu alguém durante sua estadia em Israel? Você tem alguma ligação pessoal com o conflito? Por que o seu interesse na questão? Você faz parte de algum grupo de ajuda? Eu já sabia o que responder para evitar problemas: frases curtas, objetivas, sem mencionar a Palestina diretamente – apesar de que, aqui no Brasil, acredito que eles pouco poderiam fazer além de impedir minha ida ao Consulado. Diferente dos agentes do aeroporto, que são autorizados a deportar ou colocar qualquer suspeito na black list (lista de pessoas que perdem o direito de viajar a Israel).
Onze da manhã da sexta-feira, chego atrasada ao Con-
sulado, depois de mais de uma hora de trânsito até o Brooklin, zona sul de São Paulo. Na recepção do prédio, a mocinha de terno bege e cabelos presos para trás me diz que vão descer para me buscar.
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Nem cinco minutos depois, um homem jovem e alto, vestido casualmente de jeans e camisa azul, aparece no saguão e pergunta se pode me fazer algumas perguntas em inglês. “Meu português não é muito bom”, diz, com sotaque acentuado. Mais uma vez: qual é o objetivo da sua visita ao Consulado? Por que você quer conversar com o cônsul? Alguém sabia que você viria e lhe entregou alguma coisa para trazer, como um presente? Você tem algo cortante na bolsa? A conversa continua no caminho até o elevador. Você já foi para Israel? Para quais cidades? Você tem amigos israelenses? Como eles se chamam? No décimo primeiro andar, um pequeno hall se abre atrás da porta de vidro, depois do contato do homem pelo interfone. Ele me acompanha por uma porta branca e maciça à esquerda, onde estão um detector de metais e uma máquina de raio x para bolsas e mochilas. A minha é revistada e eu sou obrigada a tirar o lenço que trazia na cabeça, a passar pelo detector de metais e a deixar meu celular e todo o resto, salvo o bloquinho de anotações e uma caneta, nesta salinha. Só então pude voltar ao hall e pegar a porta branca e maciça da direita, que dá num minúsculo corredor com outra porta branca e maciça, depois da qual alcanço o interior do Consulado. O cônsul Yoel Barnea é simpático e me recebe muito bem, apesar do meu atraso e de seu próximo compromisso ao meio-dia. Conversamos por 40 minutos. Confesso que, depois de todos os trâmites de segurança para chegar até ali, tive um pouco de receio de fazer as perguntas que eu realmente queria. Um medo que talvez venha da sensação, criada nas minhas viagens a Israel e à Palestina, de ser constantemente vigiada pelas autoridades israelenses e, por isso, pisar em ovos nesses encontros. Trocando em miúdos, faltou coragem e até disposição para usar termos mais, digamos, ousados, que criariam um debate exaltado e desgastante. Ainda assim, a entrevista foi pautada por assuntos delicados, os mesmos pontos polêmicos que empacaram as negociações de paz entre o governo de Israel e a Autoridade Palestina, mediadas pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, meses
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atrás. Falamos sobre o direito de retorno dos refugiados palestinos, sobre os assentamentos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, sobre a divisão de Jerusalém e o muro de separação. Introduzi na conversa as manifestações populares do povo palestino duramente repreendidas pelo Exército de Israel, e os acordos feitos com o grupo armado Hamas. “Se a resistência popular, dita não violenta, é repreendida dessa forma e o Hamas, considerado terrorista, bem ou mal, consegue acordos, que lição fica para os palestinos? É melhor resistir violentamente?”, pergunto. “Israel só reprime as manifestações que se tornam violentas. Por exemplo, um grupo que joga pedras contra o muro. Essas pedras, se acertam a cabeça de alguém, podem matar. E o muro só existe porque existe o terrorismo. Se não existisse o terrorismo, não existiria muro”, diz Barnea. “E Israel fez acordos com o Hamas porque preza a vida, ao contrário deles, que santificam a morte.” O resto da conversa, na minha opinião, não vale a pena ser reproduzido aqui. Em linhas gerais, o discurso oficial do governo de Israel pode ser resumido em frases ditas pelo cônsul ao longo daqueles 40 minutos, como “Israel só quer a paz”, “Israel só está se defendendo dos países árabes”, “Israel só preza pela segurança de seus cidadãos”. Fui até o cônsul Yoel Barnea para buscar o “outro lado”, que balancearia as entrevistas realizadas, em janeiro e fevereiro, nos Territórios Ocupados. Alcançaria a tão almejada imparcialidade jornalística – mas, depois de cinco anos de graduação e a passagem por duas grandes redações, sei que isso é quase impossível. Desse modo, a visita ao Consulado serviu para me mostrar algo que, no fundo, eu já sentia desde a primeira vez em que estive entre Ramallah e Tel Aviv. No conflito entre Israel e Palestina, não existem “lados”. Existem narrativas. Neste livro, meu último grande projeto na Universidade, encontram-se as narrativas colhidas durante dois meses de viagem por Israel e pelos Territórios Ocupados da Palestina. Em primeira pessoa, como um diário, registrei as coisas que vi, as conversas que
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tive, as impressões que me foram causadas, sem maiores pretensões. Claro que, para sustentar tais narrativas, houve uma ampla apuração de dados, por meio de relatórios, mapas e pesquisas desenvolvidas por organizações renomadas no cenário palestino-israelense e no âmbito do Direito Internacional e dos Direitos Humanos. Nestas páginas, encontram-se as narrativas de três casos simbólicos da resistência popular (também chamada por alguns de resistência não violenta), praticada pela população civil palestina contra a ocupação israelense: os protestos contra a construção do muro de separação em Bil’in; o movimento de retorno da terceira geração dos moradores de Kifr Bi’rim, vila localizada no norte de Israel, destruída em 1948; e a permanência dos palestinos no Vale do Jordão, na Cisjordânia, cada vez mais controlado pelas autoridades israelenses. Espero que, através da leitura, seja possível captar, assim como me foi possível sentir novamente durante a escrita, a aridez daqueles dias.
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Meados de julho de 2014, sentados em um bar na
Praça Roosevelt, no centro de São Paulo, eu e alguns amigos estudantes de Relações Internacionais discutíamos a então ofensiva terrestre de Israel contra Gaza, depois de dez dias de intensos bombardeios aéreos sobre a faixa de terra controlada pelo grupo palestino Hamas. “Uns conhecidos meus que são da luta armada disseram que estão mais ‘felizes’ com a invasão por terra”, disse um deles. “Assim eles podem fazer alguma coisa, porque contra os bombardeios não têm chances.” A luta armada, também chamada de resistência violenta, estratégia adotada por grupos como o Hamas contra a ocupação israelense, é um dos principais fatores – senão o principal – que alimentam a figura estereotipada e estabelecida dos palestinos (e de qualquer outro povo árabe) no imaginário de grande parte dos leigos ocidentais: terroristas. Essa imagem e esse conceito de resistência são muito diferentes do tipo de ação protagonizada pelos personagens deste livro: a resistência não violenta ou popular, brevemente contextualizada neste capítulo. Na década de 1920, Mohandas Ghandi, conhecido pelo título de “Mahatma”, desenvolveu e aplicou diversas estratégias de resistência pacífica pela independência indiana. É dele a criação do conceito de satyagraha, do sânscrito satya, verdade, e graha, firmeza. A ideia de satyagraha envolve “mais do que persistência em contar a verdade”, sendo “uma forma ativa de boa vontade para sacrificar-se a fim de atingir a justiça” e o reflexo de “firmeza, persistência e sucesso em face de difíceis obstáculos (...), não como mera paciência passiva diante das adversidades, mas uma forma ativa de resistência popular”1. Em árabe, todo esse conceito pode ser resumido em uma palavra: sumud. O vocábulo sumud traz em si não apenas um significado intrínseco à história do povo palestino, mas também o que é dele por direito. A lei internacional reconhece e assegura o direito de luta de uma população subjugada por forças estrangeiras. Em Popular Resistance in Palestine, Mazin Qumsiyeh escreve que “o artigo ter-
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ceiro da Convenção de Genebra de 1949 estabelece que o exército ocupante deve tratar igualmente aqueles que se engajam na luta e aqueles que não se engajam como protegidos pela Convenção”. E, ainda, citando o autor israelense Hans Lebrecht: “De acordo com a lei internacional, a população de um país ocupado por um poder estrangeiro tem o pleno direito de lutar pela sua libertação.”2 Historicamente sob o domínio de outras potências, o povo palestino esteve à frente de diversas iniciativas de resistência popular. De um modo geral, podem-se elencar revoltas contra o Império Turco-Otomano, ainda no século 19, e contra o mandato britânico e os primeiros avanços da ocupação sionista no início do século 20. No entanto, desde a criação do Estado de Israel, em 1948, a primeira intifada, entre 1987 e 1993, foi um dos exemplos mais simbólicos de luta civil e popular dos palestinos contra as forças ocupantes israelenses, com manifestações marcadas pelo lançamento de paus, pedras e coquetéis molotov contra o Exército de Israel. “Não existem exemplos de completa resistência não violenta por liberdade contra a ocupação colonial”, observa Mazin.3 Já nos anos 2000, outra série de levantes palestinos tomou contornos diferentes. Enquanto a esperança depositada nos Acordos de Paz de Oslo, assinados sete anos antes, ia se apagando, a insatisfação com as atuais negociações, sinalizadas em Camp David (acordo de paz entre Egito e Israel), crescia. A segunda intifada foi marcada por ataques palestinos à bomba e pela forte repressão israelense, resultando na morte de mais de quatro mil pessoas – mais de três mil, palestinos.4 Esta brevíssima introdução coloca as histórias narradas neste livro no contexto histórico, político e social que se segue ao fracasso dos Acordos de Oslo e às fatalidades da segunda intifada. Aqui, a resistência não violenta – praticada pela população civil em forma de atos contra a construção do muro de separação, iniciativas de retorno às terras tomadas ou a mera permanência em território ocupado – se mostra como uma estratégia possível. A seguir, o leitor encontra um guia rápido para
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alguns termos específicos sobre o tema, bastante utilizados nas próximas páginas. Muro de separação: barreira que começou a ser levantada por Israel em 2002, isolando a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. O governo israelense alega razões de segurança para a construção do muro, que evitaria eventuais ata ques dentro do país. No entanto, a barreira cruza os Territórios Ocupados para além da Linha Verde, anexando faixas de terra palestina e permitindo a implantação de assentamentos israelenses, e foi considerada ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça em 2004. Linha verde: Fronteira traçada no armistício de 1949 entre Israel e os Países Árabes e que define os limites entre o Estado sionista e seus vizinhos Egito, Jordânia, Síria e Líbano, além de demarcar o que poderia vir a ser um Estado Palestino. Intifada: Palavra árabe que significa “levante”, foi como ficaram conhecidas as revoltas palestinas contra a ocupação israelense, que tomaram conta da Faixa de Gaza e da Cisjordânia de 1987 a 1993 (primeira intifada) e de 2000 a 2005 (segunda intifada). Acordos de Oslo: Assinados em 1993 entre o premiê israelense Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, líder da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), com mediação do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. O documento previa uma solução temporária para o conflito, abrindo o caminho para a criação de um Estado soberano palestino. Dentre os principais pontos do acordo, estavam a retirada de parte das tropas israelenses da Faixa de Gaza e da cidade de Jericó e a criação de uma administração civil palestina independente. As negociações, no entanto, foram interrompidas pelo assassinato de Rabin, em 1995, por um extremista israelense, e pela segunda intifada, que estourou em 2000.
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Oslo II: Também chamado de Acordo Provisório para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, foi estabelecido em 1995 na cidade de Taba, no Egito, e definiu as áreas A, B e C de administração da Cisjordânia. Área A: Administração civil e militar sob responsabilidade da Autoridade Palestina, compreende cerca de 18% da Cisjordânia. Área B: Administração civil da Autoridade Palestina e controle militar dividido com Israel, compreende 22% da Cisjordânia. Área C: Total controle civil e militar por Israel, compreende 60% da Cisjordânia. Palestinos de 48: palestinos ou descendentes de palestinos que não deixaram a região que hoje compreende o Estado de Israel durante sua criação e a Guerra de 1948 e que possuem cidadania e passaporte israelenses. Palestinos da Cisjordânia: Cidadãos com a “identidade verde” (assim como os Palestinos de Gaza – que, no entanto, não podem entrar na Cisjordânia), vivem nos Territórios Ocupados da Palestina e não podem circular dentro de Israel ou pela Faixa de Gaza. Palestinos de Jerusalém: Possuem a “identidade azul”, que é uma permissão de permanência em Jerusalém. Porém, se eles deixam a cidade por mais de sete anos, não podem voltar a viver lá. Podem circular dentro de Israel. Checkpoints: Postos militares de controle israelenses instalados ao longo do muro de separação e dentro dos Territórios Ocupados (Jerusalém Oriental e Cisjordânia). São um aparato das ditas políticas de segurança de Israel e restringem a mobilidade da população palestina.
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Keffyieh: Lenço tradicional usado na cabeça pelos homens palestinos (e também por outros povos árabes, como os jordanianos). É também associado à resistência popular e ao movimento pela libertação da Palestina.
Trechos retirados do livro Popular Resistance in Palestine, de Mazin Qumsiyeh. Editora Pluto Press, 2011. Página 11. 2 Trechos retirados do livro Popular Resistance in Palestine, de Mazin Qumsiyeh. Editora Pluto Press, 2011. Páginas 20 e 21. 3 Trecho retirados do livro Popular Resistance in Palestine, de Mazin Qumsiyeh. Editora Pluto Press, 2011. Página 20. 4 Dados disponíveis em www.news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/3694350.stm 1
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O ônibus encosta do lado direito da pista, em frente a um
dos mercadinhos de Al ‘Auja, vila localizada no centro do Vale do Rio Jordão. Nas bancas de madeira, espalham-se frutas coloridas, verduras e leguminosas – algumas de produção palestina, muitas vindas de assentamentos israelenses (as mais bonitas). A dez quilômetros da cidade de Jericó, o vilarejo está a cerca de 300 metros abaixo do nível do mar, o que faz com que os dias sejam mais quentes por ali. Apesar das nuvens que cobrem o céu de inverno, faz quase calor. O objetivo da visita é realizar um tour pela região com os participantes de um programa de estágios, do qual sou uma das coordenadoras. Do lado de fora, Rashed Khudairy nos espera com o sorriso de sempre. Com certa nostalgia, constato: estou de volta ao Vale. Ao sul, o Mar Morto; ao norte, a vila de Bisan. A leste, toda a fronteira é percorrida pelas luzes da vizinha Jordânia. A parte palestina do Vale do Jordão é um pedaço de terra que se estende por 1,6 mil quilômetros quadrados, quase 30% da área total da Cisjordânia. Em 2013, passei quatro semanas em outra vila entre as montanhas, Al Jiftlik, ao norte de Al ‘Auja, como voluntária (pelo mesmo programa de estágios que me trouxe de volta) da campanha Jordan Valley Solidarity Movement. Dirigido com afinco por Rashed, o JVS luta pela permanência da população palestina no Vale do Jordão – que, por viver na região mais fértil dos Territórios Ocupados, enfrenta com grande dificuldade a presença israelense, seja em forma de grandes assentamentos rurais ou de postos de controle militar. Rashed nasceu em Tubas, uma das principais cidades do entorno, em 1983. Era adolescente quando a segunda intifada estourou, em 2000, e, alguns anos depois, foi preso pelo Exército de Israel. Convivi bastante com Rashed, e é difícil conversar com ele sobre o período que passou na prisão. Nunca soube ao certo o motivo que o levou a ser detido. Sei que tem contato com correligionários do Fatah e militantes do Hamas e que despreza a política da Autoridade Palestina. No ano passado, sua irmã foi presa por suposta
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apologia à luta armada – acusação do Tribunal Militar Israelense baseada em um post no Facebook – e, desde então, vez em quando a casa de seus pais é vasculhada por soldados, apesar de o processo ter sido encerrado e Sireen Khudairy, libertada. Ele continua sorrindo por baixo dos óculos escuros enquanto descemos do ônibus. Sempre vestido de maneira impecável, quase um conquistador, a camisa branca por baixo da calça escura e de uma jaqueta em cuja gola uma keffyieh dá voltas. “Habibte!”1, grita, ao me ver, e ignorando qualquer convenção do conservadorismo local, trocamos um abraço. “Como você está?”, pergunto. “Ainda na luta”, uma resposta esperada e usual. O plano é seguir para o norte, conhecendo as vilas no caminho, mas, antes, a primeira parada é pouca coisa ao sul, em Ras Ein Al ‘Auja, entre Al ‘Auja e Jericó. Rashed conta, sem mais detalhes, que algumas casas foram demolidas ali dez dias atrás – uma política corriqueira da ocupação no Vale, não é a primeira e nem será a última menção a isso. As duas vilas (Al ‘Auja e Ras Ein Al ‘Auja) somam, juntas, cinco mil habitantes. A primeira está na chamada área A, sob total controle da Autoridade Palestina; a segunda, em área B, isto é, o controle civil é responsabilidade da Autoridade Palestina e a segurança é dividida com o governo israelense. As áreas A, B e C da Cisjordânia foram definidas em 1995, no Acordo Provisório, também conhecido como Oslo II. Assinado pelo Estado de Israel e pela Organização pela Libertação da Palestina (PLO), o documento serviria para transferir, aos poucos, a administração total da Cisjordânia e da Faixa de Gaza para o que viria a se conslidar como a Autoridade Palestina. No entanto, a divisão, a princípio temporária, continua em vigor há quase 20 anos. Diferente de Al ‘Auja e Ras Ein Al ‘Auja, mais de 90% do Vale do Jordão, assim como 60% de toda a Cisjordânia, estão em área C, controlada civil e militarmente por Israel. Segundo o Vulnerability Profile Project2, lançado pela Ocha (Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários) em 2013, quase 300 mil palestinos vivem em área C na Cisjordânia, sendo 20 mil no Vale do Jordão.
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Áreas A, B e C da Cisjordânia (Fonte: Ocha)
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A organização, braço da ONU, alerta para a vulnerabilidade da população residente nesses bolsões, em termos de necessidades humanitárias, já que Israel controla a eletricidade, a água, a construção de infraestrutura, inclusive de moradias, e outros serviços. No Vale, essas questões saltam, uma a uma, diante dos olhos. No caminho para Ras Ein Al ‘Auja, os canos da estatal Mekorot, a empresa de águas israelense, fazem parte da paisagem repleta de plantações, tendas beduínas e montanhas. A Mekorot foi responsável pela construção da rede nacional de água israelense, em 1950, desviando o fluxo do Rio Jordão da Cisjordânia para abastecer as colônias do recém-criado Estado sionista. Desde 1967, a empresa monopoliza o domínio sobre as fontes de água nos Territórios Ocupados – só no Vale do Jordão, 162 poços agrícolas foram isolados das comunidades palestinas. Com o apoio do Exército, que confisca tanques, tubos de irrigação e destrói estruturas de água e saneamento – segundo a campanha Stop Mekorot3, 60 foram demolidas em 2012 –, a Mekorot dificulta o acesso palestino à água, o que levou alguns movimentos internacionais a classificarem as políticas da empresa como “apartheid da água”. Chegamos a uma encosta, de onde não é possível seguir de ônibus. Ali, conta Rashed, descia uma cachoeira – hoje a parede montanhosa revela apenas o ocre. “Como a região está num desnível, a população das vilas costumava coletar a água que vinha de lugares mais altos, como Ramallah e Belém”, diz. “Hoje, mesmo a água de nascente não pode ser armazenada pelos palestinos. Eles podem usar, mas não podem guardar.” Segundo Rashed, os moradores de Ras Ein Al ‘Auja plantavam banana e laranja, mas, com acesso restrito à água para irrigação, foram obrigados a mudar o plantio ou a abandonar a produção. “A chuva ajuda um pouco, mas não é suficiente”, explica. Durante a minha primeira estadia no Vale, no ano passado, visitei a fazenda da família Abu Farez, em Al Jiftlik. Para plantar tâmaras, eles utilizam técnicas naturais que retêm a maior quantidade possível de água do solo. Na propriedade vizinha, um as-
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sentamento israelense, uvas protegidas por uma cerca elétrica são cultivadas com sistema de irrigação. Mesmo da estrada é possível perceber a diferença na tonalidade dos campos: verdes do lado irrigado, marrons do lado seco. Pelos Acordos de Oslo, assinados em 1993, os palestinos têm autorização para retirar apenas 20% do potencial estimado do Aquífero de Montanha da margem ocidental do Rio Jordão e, por isso, se veem obrigados a comprar de Israel a água explorada pela Mekorot. Muitas vezes, os canos da empresa passam pelas vilas (dá para vê-los por baixo da grama), mas a água só chega aos assentamentos. O Direito Internacional Humanitário obriga a potência ocupante (no caso, Israel) a garantir o bem-estar da população do território ocupado (no caso, os palestinos) – a Convenção de Genebra, por exemplo, estabelece o direito dos palestinos à água potável e ao saneamento. No entanto, de acordo com o relatório da campanha Thirsting for Justice4, promovida pela Ewash (Emergency Water Sanitation and Hygiene in the Occupied Palestinian Territory), o consumo médio diário de um palestino da Cisjordânia é de 70 litros de água – 30 a menos do que os 100 litros recomendados pela Organização Mundial de Saúde. Já os israelenses consomem, em média, 300 litros diários por pessoa – quatro vezes mais do que os palestinos e três vezes mais do que a recomendação da OMS. Por isso, o JVS projetou a implantação de um cano para abastecer parte das vilas do Vale, onde a situação é ainda mais crítica: 9,5 mil colonos israelenses utilizam seis vezes mais água do que 56 mil palestinos. A família Zoba, que vive no alto de uma colina na vila de Khirbet Humsa, será uma das beneficiadas pelo novo sistema. Subimos um pequeno aclive para chegar à casa, e Zoba, o pai, já está nos esperando. Velhinho sorridente, com trajes tradicionais, uma longa manta escura e a keffyieh enrolada na cabeça, ele começa a contar sua história em árabe, traduzida por Rashed. Zoba diz que, com a ajuda do JVS, construiu mais cômodos (viviam em apenas um), uma cozinha e um abrigo para animais. Agora, com o projeto do cano, diminuirá em oito vezes os gastos com água.
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Consumo de รกgua das vilas palestinas e dos assentamentos israelenses (Fonte: Al Haq)
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A família de Zoba, assim como as 14 famílias de Khirbet Humsa que, juntas, somam 300 habitantes, viaja 12 quilômetros até a vila de ‘Ein Shibli para comprar água a 16 shekels (cerca de 10 reais) o metro cúbico. As outras três vilas beneficiadas pela água encanada – Khirbet Samra, Mak-hul e Al Hadidyia – gastam 20 shekels por metro cúbico de água, comprando nas proximidades da vila de Bardala, a 30 quilômetros de distância. A rota do novo cano parte de Farosh Bet Dajam, ao sul, e segue até uma cisterna construída nas terras de Zoba, terminando em Khirbet Humsa. Ao todo, cerca de 600 palestinos poderão usufruir do projeto, que vai reduzir os custos a dois shekels por metro cúbico. O JVS assegura que o cano será instalado “debaixo da estrada, usando infraestrutura existente e sem causar mudanças na paisagem”, para evitar multas por parte de Israel.
Cano construído pelo JVS e as vilas abastecidas com água (Fonte: Jordan Valley Solidarity)
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No Vale do Jordão, a empresa estatal israelense Mekorot detém o controle da água, obrigando os palestinos a comprar tanques e galões (fotos na página ao lado). Enquanto um colono israelense consome, por dia, 300 litros de água, o consumo médio diário de um palestino é de 70 litros. A família Zoba (foto acima) será uma das beneficiadas por um projeto do Jordan Valley Solidarity Movement para construção de um cano para abastecer quatro vilas palestinasue, que deixariam de depender da água vendida pela Mekorot. Acima, Rashed Khudayri, diretor do JVS.
Na parte de trás do terreno, em um forno construído com tijolos de barro, a mulher de Zoba prepara o pão, que vai acompanhar o mel caseiro, a sopa de lentilhas e os tomates no almoço. Sentada no chão, ela mexe a massa, do tamanho de uma pizza, mas muito mais fina, com maestria. Contornando a casa, é possível ver, no alto da montanha, uma zona de treinamento militar israelense. Ao pé do morro, o assentamento de Hamra, próximo ao checkpoint de mesmo nome. Ali é um lugar visado pelo Exército de Israel, por ser no alto e também, segundo Rashed, porque Zoba ajudou a esconder os resistentes durante a segunda intifada. A casa, porém, tem documentação legal de antes da ocupação em 1967. Em seu telhado, balançam lado a lado uma bandeira palestina e outra do Fatah, apesar de Rashed dizer que a Autoridade Palestina, comandada pelo partido, nada faz pela situação da família.
Para
chegar até a casa de Zoba em Khirbet Humsa, passamos por Al Jiftlik, onde ficava o antigo centro do JVS. Rashed saiu de lá em meados de 2013, por uma briga ideológica, agravada pela prisão de sua irmã, com outro fundador da campanha e agora está instalado em uma casa em Al Fasayil, um pouco mais ao sul. A região de Al Jiftlik abrigava, até 1967, um campo de refugiados da guerra de 1948 que, com a chegada da ocupação, fugiram para cidades como Nablus ou Jericó. “Hoje é uma zona fechada de treinamento militar israelense, e a mesquita do campo virou um prédio administrativo do Exército”, diz Rashed. As zonas militares fechadas ou zonas de tiro foram estabelecidas durante a década de 1970 pelo governo de Israel e ocupam cerca de 18% de toda a Cisjordânia (a mesma proporção de espaço em área A, sob total controle da Autoridade Palestina) e 57% do Vale do Jordão. De acordo com um relatório da Ocha5, “moradores de zonas de tiro enfrentam uma série de dificuldades, incluindo o confisco de bens, a violência dos colonos, o assédio praticado por soldados e restrições à circulação e/ou a escassez de água”. Além do
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estabelecimento das firing zones, 85 estradas foram bloqueadas no Vale do Jordão desde 2009, impedindo a circulação dos moradores. Isso tudo, segundo o escritório das Nações Unidas, prejudica a segurança e o bem-estar da população palestina. O JVS contabiliza mais de 200 palestinos feridos e 52 mortos durante exercícios de treinamento militar realizados no Vale desde 19676. Cercada por sete assentamentos, Al Jiftlik está quase totalmente dentro de zona militar fechada, em área C. As casas dos quase cinco mil habitantes da vila estão sob ordem de demolição, mesmo as poucas localizadas em área B. No entanto, uma das primeiras coisas que se aprende no Vale do Jordão é que existir é resistir. Ou seja, a resistência ali se dá apenas pelo fato de os palestinos continuarem habitando a terra. A despeito da “pressão para que as comunidades palestinas deixem a área”, como apontou a Ocha, Al Jiftlik vai receber, em breve, a primeira fábrica de leite e queijo da região.
Depois de Khirbet Humsa, a próxima parada é Al
Hadidyia, onde mora a família de Abu Sakkar. Conheci a figura em 2013: um velho forte, de pele grossa e escura de tanto queimar ao sol, sempre com a keffyieh enrolada na cabeça e um cigarro entre os dedos largos. Abu Sakkar é uma lenda na liderança da resistência popular no Vale do Jordão. Com 24 filhos, dizem que sua família é maior do que a população do assentamento de Roy’i que cerca a vila onde vivem. O encontro é rápido e ele conta brevemente sobre a situação da vila e do Vale em geral. Em árabe, fala rápido, alto e de maneira agressiva – parece sempre nervoso. Eu diria que é quase um político. Os amigos que entendem um pouco mais de árabe do que eu (sei quase nada) dizem que seu discurso é mais carregado de elementos religiosos, “editados” na tradução de Rashed. Para Abu Sakkar, as políticas de Israel para o Vale do Jordão visam dificultar a vida dos palestinos, “para que eles possam limpar a área e dar
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as terras para os colonos”. Antes de nos despedirmos, ele finaliza: “Não somos pessoas políticas, não somos o Exército. Apenas queremos nosso direito à humanidade.” Os dias de inverno são mais curtos, por isso deixamos Al Hadidyia e as palavras de Abu Sakkar para trás rapidamente. Antes de voltarmos rumo ao sul, para conhecer a nova sede do JVS em Al Fasayil, paramos por alguns minutos em Bardala, uma vila histórica, reconhecida no passado pela abundante reserva de água subterrânea. Em 1975, a rede nacional de águas de Israel anexou as fontes e bloqueou os três poços do vilarejo. Hoje, os dois mil moradores recebem água da Mekorot três vezes por semana, podendo armazená-la em um reservatório de 40 mil litros. A cinco minutos da Linha Verde, a vila fica também muito próxima à fronteira com a Jordânia – onde centenas de milhares de minas terrestres estão espalhadas, apesar de tímidas iniciativas do Exército para removê-las. Entre Bardala e os campos minados, porém, pode-se avistar outra pequena vila repleta de nascentes, Ein El Beida, a única do Vale do Jordão a leste da Estrada 90, a principal rodovia da região. A Estrada 90 é o caminho que cruzamos para sair do Vale. Também é a rota que os israelenses usam para ir do norte do país até Jerusalém, e muitos nem percebem que estão passando pela Cisjordânia. Ironicamente, a rodovia foi batizada de Ghandi Road – não em homenagem ao líder espiritual indiano e icônico defensor da resistência não violenta, mas por causa do apelido do general israelense Rehavam Zeevi, morto em 2001, que propunha a remoção de todos os palestinos de Gaza e da Cisjordânia para outros países árabes, a fim de estabelecer um Estado puramente judaico. Pela mesma estrada de “Gandhi”, eu voltaria mais tarde ali, onde a resistência popular pregada pelo indiano se faz na mera e cotidiana existência.
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“Habibte”, em árabe, quer dizer “minha querida”. Relatório disponível em www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_ fact_sheet_5_3_2014_en_.pdf 3 Dados disponíveis em www.stopmekorot.org 4 Disponível em português no link www.thirstingforjustice.org/wp-content/ uploads/2013/01/pack-portuguese-for-website-May-12-2011.pdf 5 Disponível em www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_firing_zone_ factsheet_august_2012_english.pdf 6 Dados disponíveis em www.jordanvalleysolidarity.org/index.php/infomaps-2/military-control 1 2
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“Agora corre, Mari.”
Foram as últimas palavras do amigo Plínio Zuni antes que a nuvem branca nos engolisse. Tudo aconteceu no intervalo de alguns segundos: em resposta aos gritos de “Palestina livre” e às pedras atiradas contra o muro de concreto, os soldados israelenses intensificaram a repressão, e as esparsas bombas de gás lacrimogêneo, que alguns minutos atrás cortavam o céu aqui e ali, formaram uma cúpula de fumaça tóxica. Os dispositivos são lançados estrategicamente à esquerda, à direita, na frente e atrás, cercando a pequena aglomeração de manifestantes. Correr parece a melhor alternativa, mas é inútil, porque o gás está em toda parte. No calcanhar de Zuni, sigo aos tropeços tentando aspirar a keffyieh embebida em desodorante – dizem que o álcool ajuda a desobstruir as vias respiratórias nessas situações. Somados a falta de ar, o sufocamento e a ânsia de vômito às minhas já conhecidas crises do pânico, a sensação era de que morreria. Logo alcançamos a estrada que dá acesso à vila e, sem hesitar, abro a porta do primeiro carro que avisto.
A quatro quilômetros da Linha Verde, Bil’in é uma vila
localizada na região central da Cisjordânia. A principal fonte de renda dos cerca de dois mil habitantes é a agricultura, sobretudo o cultivo de oliveiras, que dividem com as casas e a mesquita uma área de 400 hectares de terra. Metade desse espaço foi perdida desde o início da construção do muro de separação por Israel no entorno da vila, em 2004. Fora das delimitações da Linha Verde, 85% do muro estão localizado dentro da Cisjordânia e seu contorno vai anexar 46% do território palestino quando as obras estiverem completas. Foi para combater esse problema que a população de Bil’in começou a se manifestar em fevereiro de 2005. Junto com os protestos, os moradores apresentaram à Alta Corte de Justiça de Israel as objeções contra o muro, cujo traçado facilitava a expansão do
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assentamento vizinho, além de tomar parte das terras da vila. Em 2007, o tribunal aceitou o pedido para mudança de rota da barreira e um ano depois ordenou sua destruição parcial, que só começou de fato em 2011 – 150 hectares de terra foram devolvidos a Bil’in (cerca de 75% do que havia sido perdido). Mesmo assim, as manifestações continuam. Segundo a campanha Stop The Wall, o muro não é uma ideia nova. “Desde 1994, a Faixa de Gaza tem sido cercada por uma barreira que isola os palestinos do resto do mundo.”1 Nos Territórios Ocupados da Cisjordânia, o confisco de terras e a derrubada de árvores começou em junho de 2002, em plena segunda intifada e um ano e meio depois do então primeiro ministro, Ehud Barak, autorizar o primeiro projeto de construção de uma “barreira” com o argumento de garantir a segurança dos cidadãos israelenses contra supostos ataques. Em 2004, a Corte Internacional de Justiça emitiu um parecer consultivo sobre o muro, considerando sua construção ilegal, uma vez que viola o Direito Internacional e direitos humanitários previstos na Quarta Convenção de Genebra e em outros pactos internacionais dos quais Israel é signatário. Pelo parecer, o governo israelense seria obrigado a cessar as obras, derrubar o que já havia sido concluído e reparar todos os prejuízos causados à população palestina. Uma década depois, 62% dos 810 quilômetros previstos já foram levantados, 10% estão em andamento e outros 28%, sendo planejados, sob um custo total estimado em 2,1 bilhões de dólares.2 De acordo com a CIJ, parte do muro tem como objetivo isolar assentamentos israelenses construídos dentro da Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. No caso de Bil’in, a barreira separa a vila do assentamento ultraortodoxo de Modi’in Ilit, que começou a ser implantado em 1996 e 15 anos depois, em 2011, contava com cerca de 50 mil habitantes. Segundo a organização israelense Peace Now, Modi’in Ilit ocupa 130 hectares de terra privada palestina.3 O caso de Bil’in tornou-se um dos mais simbólicos exemplos de resistência popular na Palestina na última década, não só por-
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que influenciou outras vilas a adotar a mesma estratégia ao longo dos anos, mas também pelo destaque internacional, acentuado pela indicação ao Oscar, em 2013, do documentário Five Broken Cameras, um retrato do desenvolvimento dos protestos dirigido pelo palestino Emad Burnat e o israelense Guy Davidi. Com dois contatos estratégicos me esperando por lá e a companhia de dois amigos brasileiros, segui para Bil’in com o objetivo de observar uma das demonstrações semanais. Saímos de Ramallah um pouco atrasados, às 10h15. É muito difícil encontrar transporte para as vilas na sexta-feira (o dia santo na Cisjordânia), especialmente para Bil’in, que é palco de manifestações neste dia da semana. Depois de desistir de negociar com os motoristas do service – uma van amarela que funciona quase como transporte público nos Territórios Ocupados –, encontramos um único táxi estacionado em um pátio deserto, nos arredores da praça principal da cidade, a Al Manara Square. Por uma dessas coincidências familiares que só acontecem naquelas terras (tem sempre alguém que conhece alguém que é irmão de outro alguém), o motorista é de Bil’in e primo em segundo grau de Hamde Abu Rahma, um dos meus contatos na vila. Foram vinte minutos de conversa com o taxista Nafhi. Ele conta que trabalhava em Tel Aviv antes da construção do muro. A capital administrativa de Israel está a cerca de 40 quilômetros de Bil’in, mas hoje cruzar essa fronteira é praticamente impossível para os palestinos. Cortando as montanhas, Nafhi nos mostra as vilas vizinhas (Ein Arik, Dayr Ibzi, Kafr Ni’ma), enquanto fala de maneira superficial sobre a região e a origem dos protestos. “Eles removeram 200 hectares das terras de Bil’in. Das minhas, tiraram quase dois”, diz. Paramos, enfim, e, ao se despedir, o motorista nos convida para um tradicional chá com sua família. “Mais tarde, depois da demo.” Acabamos nunca atendendo ao convite. Subimos uma escada longa e íngreme até a entrada da casa de Hamde Abu Rahma, que conheci por indicação de uma amiga jornalista. Formado em economia, ele é fotógrafo e dedica boa par-
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A construção do muro de separação (Fonte: Stop the Wall)
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O mapa mostra o Muro inteiro, completo e projetado, de acordo com as recomendações do Exército de Israel. O comprimento é de cerca de 600 quilômetros. O mapa esclarece as implicações gerais do muro: isolar grandes áreas de terra de seus donos e criar cantões e enclaves palestinos relativamente “maiores” e “menores”. Mais de 200 comunidades são diretamente afetadas pelo muro, seja por serem isoladas fora dos cantões projetados ou por serem separadas de suas terras pelo muro.
Cerca de metade da Cisjordânia é murada. Prevê-se que a outra metade esteja na “parte israelense” ilegalmente controlada na Cisjordânia. Nessas áreas, espera-se que a expansão e criação de assentamentos cresça dramaticamente com o processo de controle de facto por parte de Israel. O controle de terras, o enjaulamento de inúmeras comunidades e a destruição de crescimento rural e urbano potencial apenas destaca os objetivos do muro. Sua magnitude é clara: ele inviabiliza, por fim, que qualquer comunidade permaneça livre de seus efeitos. Nenhum estado viável é possível; um fim para a Ocupação de terras ocupadas em 1967 está longe.
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te do tempo a garimpar notícias e relatos de violações aos direitos humanos por parte de Israel – o trabalho consome suas madrugadas e é por isso que, quando chegamos, ele está ainda no momento de tomar um café para despertar. Aos 26 anos, Hamde recebe internacionais com frequência e me recepciona com um abraço, sem qualquer distinção de gênero, mesmo sendo a primeira vez que nos encontramos pessoalmente. Esperamos em um cômodo amplo, que serve ao mesmo tempo como sala e quarto. Espalham-se por ali três sofás, uma cama e dois móveis de madeira. As paredes são forradas por fotos de Yasser Arafat, em meio a quadros decorativos, uma máscara africana, um capacete de guerra e um grande pôster estampado com o rosto de um mártir. Depois de alguns minutos, Hamde senta-se na cama e, antes mesmo que eu comece a fazer perguntas, entre uma tragada no cigarro e um gole no café, ele conta suas histórias. “Morei um ano e meio na Europa, viajando, tirando fotos e fazendo apresentações sobre Bil’in e resistência não violenta”, diz enquanto mostra, orgulhoso, o livro Roots Run Deep – Life in Occupied Territories, uma coletânea de suas fotos publicada depois desse período. Antes disso, trabalhava como chef de cozinha em Tel Aviv. “Pulava o muro para ir trabalhar”, conta em tom jocoso. “Na verdade, hoje encaro a fotografia mais como uma forma de ativismo do que como um trabalho.” Hamde nasceu em 1987, ano em que estourou a primeira intifada palestina. Na segunda, tinha 13 anos e ia até Ramallah jogar pedras nos soldados, até o dia em que levou um tiro de bala de borracha na testa. Mesmo assim, cinco anos depois, os pequenos pedaços de rocha voltaram às suas mãos nos primeiros levantes contra o muro em Bil’in. “Era uma criança louca. No começo, queria impressionar minha primeira namorada, que morava bem perto da cerca”, conta, quase gargalhando. De riso largo e fácil, ele não demora a mostrar que o bom humor é sua maior força diante das situações que já viveu. Dois de seus primos foram mortos pelo Exército israelense e um de seus irmãos passou um mês internado, entre o coma e tra-
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tamentos especiais, depois de ser atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo na cabeça. “Os palestinos vivem uma vida normal, apesar de tudo: conversam, riem comem”, diz. “Acho que os israelenses não têm uma vida normal. A vida deles é baseada no medo. Por isso os soldados são assim. E é impressionante como alguns israelenses, ativistas, enfrentam isso. Conheci um rapaz que foi preso por se juntar à luta armada palestina.” “Como você vê a resistência armada?” “Eu entendo quem opta por isso. Mas o armamento palestino é muito precário em relação ao israelense. Veja Gaza, por exemplo, a maioria dos foguetes é caseira, contra os drones de Israel”, observa. “A resistência não violenta é uma forma de menos pessoas morrerem, por isso é o caminho que eu escolhi.” “E aquele, quem é?”, pergunto apontando para o mártir na parede. Ele ri. “Por que você quer saber? Parece o Exército acusando e fazendo perguntas!” Mais uma piada tragicômica. “É meu primo”, fala agora um pouco mais sério. “Ele foi morto pelos soldados durante uma manifestação, em 2009. Tinha 29 anos.” Bassem Abu Rahma, conhecido como Phil, foi atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo no peito e não suportou os ferimentos – agora eu o reconheço: sua morte foi documentada por Burnat em Five Broken Cameras. “Foi depois que ele morreu que eu comecei a fotografar os protestos”, continua Hamde. “A irmã dele, Jawaher, também foi assassinada em uma demo. Isso foi no começo de 2011.” Em depoimento ao Breaking the Silence, uma organização de veteranos do Exército de Israel que coleta relatos dos combatentes sobre o cotidiano nos Territórios Ocupados, um sargento da sétima brigada das Forças Armadas revelou, ainda em 2009, o burburinho que a morte de Phil causou dentro da corporação. “Alguns soldados têm lançadores instalados em suas armas, e assim eles são capazes de atirar bombas de gás lacrimogêneo (...) Foi assim que ele foi morto, pelo lançador de um dos soldados. Basicamente, as ordens são para não atirar granadas de gás diretamente (...) mas foi assim
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que a história aconteceu. Um dos soldados simplesmente atirou diretamente, a granada atingiu o peito e ele foi morto.” E continua: “Todos ouviram falar sobre isso (...) O comandante do pelotão explicou o que houve (...) A verdade é que, àquela hora, existia um vídeo do incidente, onde você vê o homem que foi atingido, você vê que alguma coisa o atingiu e ele rola pelo chão, gritando, e basicamente depois disso, morre. Alguns soldados tinham o vídeo no celular. Eles enviavam uns aos outros e riam sobre isso. O soldado que atirou (...) estava na verdade muito feliz com isso, ele tinha um X em seu lançador (um X marcado em uma arma significa uma pessoa morta).”4 As mortes em Bil’in não são casos isolados. O regulamento militar israelense proíbe o uso de munição real contra manifestantes em protestos na Cisjordânia, inclusive contra aqueles que atiram pedras – estes, segundo a ordem, devem ser detidos imediatamente após o incidente se causarem dano físico a um soldado, por exemplo. No entanto, a munição real, que deveria ser utilizada apenas em caso de perigo mortal, é o meio mais letal empregado pelas Forças de Segurança de Israel em protestos nos Territórios Ocupados. De acordo com o B’Tselem (Centro Israelense de Informações para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados), desde 2004, 15 palestinos foram mortos pelo Exército israelense e dois pelos guardas de fronteira em manifestações contra o muro: 12 foram atingidos por munição real, dois por granadas de gás lacrimogêneo, dois por balas de borracha e um por uma bala de calibre 0,22. Oito vítimas eram menores de idade.5 Segundo Hamde, os soldados são mais “perigosos” quando descem do muro e entram com os jipes na vila. “Às vezes eles não são tão maus, às vezes são imbecis. Duas ou três semanas atrás, um palestino foi atingido por munição real, e a bala perfurou quatro vezes as pernas dele. Eles tentam atirar no joelho, para você nunca mais andar. Já lançaram bombas de gás diretamente contra mim. Estou apenas segurando uma câmera, por
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que eles atiram? Eles atiram até em israelenses, não se importam com ninguém.” Desde 1967, uma ordem militar regula os protestos na Cisjordânia. A Ordem em Relação à Proibição do Incitamento e Ações Hostis de Propaganda6 impõe restrições aos direitos dos palestinos de organizar e participar de demonstrações. Entre 2004 e 2011, segundo um relatório do B’Tselem7, 30 pessoas foram condenadas por violar a ordem, mas o Exército não é capaz de informar quantas pessoas já foram investigadas pelo mesmo motivo e liberadas sem acusação. De acordo com a Stop The Wall, 250 palestinos já foram detidos em protestos contra o muro na Cisjordânia (sem incluir Jerusalém, onde o número de prisões foi cinco vezes maior só em 2010).8 Em entrevista ao B’Tselem em 2001, o general Nitzan Alon, responsável pela divisão da Judeia e Samaria, declarou que “a abordagem, no que nos diz respeito, é permitir a manifestação, desde que ela não seja violenta. Fazemos uma clara distinção entre uma manifestação não violenta, que é um protesto legítimo, e uma demonstração violenta em que pedras e pedaços de ferro são atirados na barreira de segurança, que está sendo danificada. Contra esta última, usamos medidas de controle de multidão”9. Entretanto, em fevereiro de 2010, uma ordem emitida pela Central de Comando, proibiu por antecipação qualquer manifestação nas vilas de Bil’in e Nil’in. Apesar disso, as demonstrações acontecem sempre depois da reza do meio-dia, de modo que, ao andarmos a pé pelas ruas, encontramos cada vez mais pessoas saindo da mesquita e de suas casas. Observo a grande presença de internacionais que também zanzam por ali. Paramos em uma esquina onde os manifestantes começam a se aglomerar e encontramos algumas figuras por ali, além dos moradores da vila, como o ativista israelense Eilan, que diz estar presente em todos os protestos de Bil’in, exceto um, que “trocou por uma conferência anarco-socialista em Tel Aviv”. Miko Peled, ativista e autor do livro O Filho do General, também está
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O documentário Five Broken Cameras, dirigido por Emad Burnat e Guy Davidi, mostra o desenvolvimento das manifestações contra o muro de separação em Bil’in. Adeeb Abu Rahma, um dos protagonistas do filme e das demonstrações, foi também uma das pessoas entrevistadas para o livro.
Os moradores de Bil’in se pintaram de Avatar durante um protesto, na época do lançamento do longa hollywoodiano. A foto na página ao lado é de Hamde Abu Rahma, fotógrafo e ativista que me acompanha na outra imagem, ao lados dos amigos brasileiros Zuni e Nicolas.
lá, mas nossa conversa é rápida, porque logo somos convidados a entrar no carro de Hazeem, o irmão de Hamde, para seguir o caminho até o muro. “Você é a Mariana?”, ele me pergunta, tão logo me sento no banco de trás. “Ahmad me falou que você vinha! Já avisei que você está aqui, ele estava esperando.” Ahmad Khatib é minha outra fonte em Bil’in. Atualmente funcionário das Forças de Segurança da Autoridade Palestina, foi um dos organizadores do Comitê de Resistência Popular da vila, quando as manifestações começaram, em 2005. Ao descermos do carro, menos de dez minutos depois, Hazeem me leva até ele. Nos cumprimentamos e combinamos de nos encontrar ao fim da demo. Ao pé do muro, o movimento é relativamente pequeno – há cerca de 50 pessoas espalhadas por uma área extensa, que vai da barreira até a estrada que leva às casas. Hamde diz que, no início, há quase dez anos, centenas de pessoas se reuniam ali. O Exército israelense, portanto, sabe o que esperar e já está a postos sobre o concreto, armas apontadas para a vila. Curiosamente, o primeiro embate é uma batalha de cliques: palestinos e soldados sacam seus celulares e tiram várias fotos entre si – imagens dos palestinos podem ser usadas contra eles em processos e dos soldados, para denunciar abusos e violações aos direitos humanos. Pouco a pouco, alguns manifestantes começam a entoar gritos em árabe, encorajados pelo que vai à frente, hasteando uma bandeira. Uma emissora de TV local grava uma reportagem. A presença internacional é massiva – tenho a impressão de que estão quase em mesmo número que os palestinos, ou até em maior número –, mas os estrangeiros se mantêm, em geral, mais afastados. As palavras de ordem evoluem rapidamente para o inglês: “free, free Palestine”. Em instantes, mais pessoas chegam e observam de longe, sem a ousadia de se aproximar do muro, ao contrário de um homem de cadeira de rodas e de alguns jovens que provocam os soldados jogando pedras. Um garoto israelense desafia o próprio Exército e atira pedras ao lado de um palestino. “Nunca vi esse
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menino aqui. Ele não sabe o que está fazendo”, diz Hamde. “É até engraçado”. Para ele, a presença internacional é boa para que “as pessoas vejam e falem a verdade sobre o que acontece”. Hamde chega mais perto do muro acompanhado por Nicolas, um dos meus amigos brasileiros, que está igualmente equipado com colete à prova de balas e máscara. Em pouco menos de vinte minutos, o exército entra em ação, e as primeiras balas de gás lacrimogêneo desenham arcos de fumaça no céu. Logo será possível ouvir os estrondos das balas de borracha (ou seria munição real?). Levando em consideração que essas cenas se repetem semanalmente há uma década, a movimentação como um todo parece roteirizada, quase uma performance teatral, testemunhada por ativistas do mundo inteiro. Bandeiras, palavras de ordem, pedras, cliques, balas, gás. Muito gás. “Agora corre, Mari.” No intervalo de alguns segundos, as bombas formam uma cúpula de fumaça tóxica. Correr parece a melhor alternativa, mas é inútil, porque o gás está em toda parte. Somados a falta de ar, o sufocamento e a ânsia de vômito às minhas já conhecidas crises do pânico, a sensação era de que morreria. Logo alcançamos a estrada que dá acesso à vila e, sem hesitar, abro a porta do primeiro carro que avisto. Zuni e eu entramos, ainda um pouco atrapalhados pela correria. Um homem de meia idade dirige e, no carona, uma senhora de véu segura um bebê. Levo uma garrafa à boca na tentativa de curar a ardência insuportável da garganta. Eles tentam me alertar: na pele, o contato com a água piora os efeitos do gás. Os dois riem, e eu penso que já devem ter socorrido milhares de internacionais na mesma situação. Os carros, aliás, ficam posicionados ali para isso, ao lado de uma ambulância. Recuperada a calma, percebo que o homem que me resgatou é Ahmad Khatib.
Aos 37 anos, Ahmad Khatib tem quatro filhos e um bom
emprego na Autoridade Palestina, além de administrar a granja da
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família. Sua casa é um sobrado grande, novo e bonito. Depois de passar pela sala e a cozinha, degraus largos levam a um terraço. É um lugar amplo e com uma vista privilegiada de quase toda a vila, a vila vizinha, a estrada por onde passava a antiga cerca, o muro e o assentamento de Modi’in Ilit. Com um sorriso, ele pergunta se estamos melhores. Agora sim. Bem próximo dali, alguns jovens jogam futebol em uma quadra poliesportiva. Apoiada no parapeito, suspeito que as demonstrações em Bil’in se tornaram algo rotineiro, que acontece apenas porque tem sido assim há anos e, portanto, está estabelecido – como é para alguns jogar uma partida de futebol durante a tarde de folga ou ir à missa aos domingos. Algo cujo propósito inicial e genuíno se esgotou pela simples repetição e que não é mais um grande acontecimento capaz de mobilizar todos à volta. Acredito, porém, que não sou eu quem deve julgar isso. “A resistência tem que continuar, senão os assentamentos avançam. Mas eu, por exemplo, sou um ativista e não estou mais lá em todos os protestos”, diz Ahmad. “Faz seis meses que parei de ir às demos, porque me conheço, sou um louco lá.” “Você acha que as demonstrações vão parar algum dia?”, pergunto, enquanto observo o semblante de Ahmad enrijecer. Tenho a impressão desagradável de que ele não me leva muito a sério porque sou mulher. “Você não devia fazer essa pergunta”, responde, direto. “Resistência popular não tem um líder que vai dizer ‘parem’. Queremos viver uma vida normal, com problemas normais, como em qualquer lugar. Eu e meu irmão Mohamed começamos o Comitê Popular, e agora é meu filho Ibrahim quem coloca pedras na estrada para impedir os jipes do Exército de entrar na vila. Nós somos um povo, e isso não pode acabar. Veja o Holocausto, e o povo judeu não acabou.” Faz uma pequena pausa para tragar o cigarro. “Mas são todas as sextas-feiras. Há dez anos. É demais. É difícil, mas nós temos que fazer isso. Se pararmos com as manifestações, os colonos começam
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a vir para o nosso lado. E hoje nós vemos apenas gás lacrimogêneo. Para nós, gás não é nada. Porque nós vimos coisas muito maiores. Então, eles nos jogam gás e está tudo bem. O que você viu hoje não é uma manifestação de Bil’in. Nós tivemos demonstrações com centenas de pessoas, gente de outras vilas, internacionais.” “Eu notei que os internacionais estão tão presentes quanto os palestinos. Você acha que isso ajuda de alguma forma?” “Sim, hoje sim [havia tantos internacionais quantos palestinos]. Ajuda e é um movimento bom. Os internacionais e especialmente os israelenses, porque não é uma luta apenas dos palestinos. É bom para tornar isso uma luta internacional. Dá melhores resultados do que fazer isso sozinho. E hoje todas as histórias da Palestina estão na mídia, na internet. Você não precisa mais vir até a Palestina para saber o que está acontecendo. Você pode ver isso na internet, em vídeos, no Google.” Ahmad deixa o cigarro de lado e pega o celular no bolso. “Quero mostrar para vocês uma das manifestações de que eu mais gosto. Nós fizemos uma vez o Avatar… Você sabe o filme Avatar? Nós nos pintamos de azul. Foi na época que o filme foi lançado e fez muito barulho. Nós conectamos nossa história com a história do filme. Quisemos fazer isso na manifestação. Trouxemos um amigo de outra vila para fazer as roupas, a maquiagem e todas essas coisas. Os soldados ficaram em choque. Isso é bom porque conectamos o que está acontecendo no mundo árabe com o resto do mundo.” Entre goles de chá, rimos do vídeo. Penso que é patético o melhor exército do mundo se sentir ameaçado e usar munição pesada contra um grupo de camponeses fantasiados de um personagem hollywoodiano. Zuni, sempre mais exaltado, expressa esse pensamento e resmunga em voz alta sobre o “quão ridícula” é a repressão israelense. “É por isso que mobilizamos os israelenses, isso é importante”, diz Ahmad. Nossas quase duas horas de conversa são repletas de silêncios, talvez espaços de reflexão de todos, interrompidos apenas
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pelo ruído do vento. “Estive na prisão por trinta meses”, Ahmad quebra um desses momentos. “Por causa dos protestos?”, pergunto. “Não. Quando a segunda intifada começou eu trabalhava com os militares do Fatah. Nós paramos em 2005. Ninguém sabia disso. E depois nós começamos com as manifestações não violentas. Em 2006, um dos meus amigos foi preso pelos israelenses e eles falaram sobre isso.” “E como foi na prisão?” “Não posso dizer que é como um hotel, é a prisão. Mas é organizado. Existe o chefe da organização, e se um prisioneiro é do Fatah, ele vai para o Fatah, se é do Hamas, vai para o Hamas. Você tem um programa, os momentos para dormir, ler, falar, assistir a uma aula. Você pode aprender muitas coisas, praticar esportes. E tudo que você tem que fazer, sua comida, tudo é organizado dentro da prisão. Mas, você sabe, é difícil, porque o Exército israelense assumiu a responsabilidade e, para eles, é interessante que nós fiquemos quietos. Eles dizem: ‘eu tenho que proteger você e tomar conta de você, e você espera o seu tempo passar’. Há muitos acordos entre os israelenses e os prisioneiros palestinos. Se você quer fazer alguma coisa na prisão… Por exemplo, eles contam os prisioneiros quatro vezes ao dia e você tem que ficar de pé. Se você não fica de pé, eles tiram o seu cigarro. Enfim, são acordos entre os palestinos e o Exército. Ficar lá para passar um dia ou uma semana é até bom. O problema é viver lá.” “Você imagina viver junto com os israelenses?”, indago. “Por que não? Eu não vejo razão para não fazer isso. Mas eu prefiro viver aqui e abrir fronteiras. Eu me lembro de quando nós éramos abertos como um só país, antes da ocupação, antes da intifada, antes da resistência. Os israelenses vinham aqui para nossas palestras, para visitar. E do outro lado, os palestinos iam trabalhar em Israel e tinham muitos amigos. Mas, você sabe, durante a intifada, todo mundo matou todo mundo. E não se trata do objetivo pelo qual nós praticamos a resistência, mas a maneira de fazer isso. Por
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exemplo, se eu trabalho com resistência violenta, armas, e um amigo seu, israelense, é morto por uma arma minha… Mas por outro lado, os israelenses matam muitos dos meus amigos. E, no fim, eu tenho filhos, família, trabalho. Qual é a diferença entre mim e eles? A diferença é que, além de tudo, eu também tenho a ocupação. Problemas para trabalhar, para comer, para estudar, para organizar toda a vida, construir casas. Para nós, a ocupação está em tudo, em todos os direitos dos palestinos. Nós não podemos trabalhar ou fazer qualquer coisa. As pessoas precisam de mais do que comida. Por exemplo, na prisão, a comida é muito boa. Você pode comer tudo que quiser e você dorme bem. Mas não há liberdade. Você não sabe o que é a liberdade até você perdê-la. Aí é que você entende o que ela significa para as pessoas.” Ahmad serve as xícaras com mais chá. A brisa fresca do inverno ameniza um pouco o sol quente que cai sobre nós no terraço. “Depois de dois meses na prisão, os israelenses deram permissão para minha família me visitar. Naquela época, eu tinha três filhos, que foram com minha mulher e meu pai. Um dos meus filhos, Ibrahim, tinha seis anos de idade. Nós conversamos com uma cerca entre nós – depois eles colocaram um vidro e um telefone como nas prisões americanas. Eles queriam ir embora, e Ibrahim começou a chorar e a dizer ‘eu quero meu pai, eu quero meu pai’. E todos que estavam lá, as famílias dos outros prisioneiros que tinham ido para a visita, começaram a chorar. Essas são coisas difíceis para os prisioneiros, os sentimentos das pessoas. É como eu disse antes: a comida você tem. Mas como ficam os sentimentos? Você sabe, amar, odiar, ser livre, essas coisas.” “E como é a relação de vocês com a resistência das outras vilas, como Budrus, Nab Saleh?”, mudo de assunto, meio desconcertada com a minha incapacidade de responder à história da prisão. “É uma boa relação, nós somos como um único corpo, tem muita gente desses lugares que trabalha conosco. Mas eles não têm vindo às manifestações, eu realmente não sei por quê. Antes, eles vinham para nos apoiar, mas agora todos têm problemas… Não
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é a vida deles, não está ligado a eles para eles virem apoiar a luta. Alguns dizem ‘esta é minha vida e eu apenas quero vivê-la, não me importo com os palestinos ou com Israel’. Existem muitas pessoas assim. Nós estamos conversamos sobre pessoas, sobre uma comunidade. Haverá os bons, os maus, as pessoas que querem participar da luta. Mas, para nós, palestinos, não existe ninguém que não sofra os efeitos da ocupação. Isso afeta a todos. Todos os palestinos.” O celular de Ahmad interrompe a conversa. Ele troca algumas palavras em árabe com a pessoa do outro lado da linha, mas logo desliga, e voltamos a contemplar o silêncio por alguns instantes. “Acho impressionante como existem muitos judeus e israelenses que acreditam que, se vierem para a Palestina, serão mortos”, comenta Zuni, um pouco de repente. “Ainda há muitos lugares que são perigosos para os israelenses. Muitos palestinos são radicais demais, não querem sentar para conversar com nenhum israelense. Mas aqui na vila todos sabem que eles são diferentes entre si: os colonos, os israelenses, os soldados. Agora os palestinos estão diferenciando judeus de israelenses. Antes eles não faziam essa distinção. Eu diria que nós começamos a aprender essa diferença nos últimos dez anos. No passado, só dizíamos judeu. Yahud, yahud, yahud, yahud10. Hoje é diferente. Porque quando você diz judeu, você fala sobre religião. Quando você diz israelense, você fala sobre ocupação.” Uma das filhas de Ahmad sobe correndo ao terraço e, um pouco tímida, logo se pendura no colo do pai. “Esta é a Zena, a segunda mais velha. Ela e o Ali, o mais novo, são mais quietos. Quando eu estou chorando, eles vêm e ficam ao meu lado”, conta. “Ibrahim, o mais velho, estava lá hoje, jogando pedras.” Logo aparecem seus outros filhos e a mulher com o almoço – um prato chamado mansef, com arroz, frango e um molho de coalhada. Sentamos todos para comer, e os minaretes da mesquita marcam a oração do meio da tarde. “Apesar da ocupação, eu levo uma vida boa”, diz Ahmad. “Mas isso é um segredo nosso. É bom ficar sentado aqui...”
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Depois do almoço tardio, ele nos leva de volta à casa de Hamde. Ao sair do carro, eu pergunto se posso usar a gravação da nossa conversa em um livro. E ele responde, sorrindo com ironia: “Você quer usar minhas palavras para mudar o mundo? Vá em frente!” Já é noitinha quando deixamos Bil’in. Depois de mais algumas xícaras de chá, entre discussões sobre anarquismo e as boas risadas de Hamde, ele chama um táxi para nos deixar em Ramallah. E qual não é nossa surpresa quando aparece encostado no carro Adeeb Abu Rahma, um dos protagonistas das manifestações e do documentário Five Broken Cameras. Apesar do inglês ruim, Adeeb fala bastante durante todo o trajeto. Conta das filhas que estão na universidade e dos anos que passou na prisão. Gosta de comentar sobre a repercussão do filme. “Vocês assistiram no cinema no Brasil? Ou no Youtube?” E mostra os dentes, satisfeito, quando eu digo que a sala do cinema, no centro de São Paulo, estava lotada para a exibição. Meia hora depois de conhecermos Adeeb, ele nos deixa em meio ao trânsito caótico da Al Manara Square.
Disponível em www.stopthewall.org/the-wall Mais sobre o assunto em www.onu.org.br/construcao-de-muro-nacisjordania-por-israel-viola-o-direito-internacional-alerta-ban-kimoon/ 3 Dados disponíveis em www.peacenow.org.il/eng/content/ settlements 4 Depoimento completo disponível em www.breakingthesilence.org.il/ testimonies/database/635697 5 Dados disponíveis em www.btselem.org/demonstrations 6 Disponível em www.btselem.org/download/19670827_order_regarding_ prohibition_of_incitement_and_hostile_propaganda.pdf 7 Disponível em www.btselem.org/demonstrations/military_law 8 Dados disponíveis em www.stopthewall.org/the-wall 9 Entrevista disponível em www.btselem.org/demonstrations 10 “Yahud”, em árabe, quer dizer “judeu”. 1 2
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Noitinha fria de inverno em Haifa, no norte de Is-
rael. A escada estreita levava a um apartamento maior do que muitos que conheço em São Paulo. A sala, cômodo ao qual se restringiu nossa visita, tinha as paredes e móveis cobertos por bandeiras da Palestina e trabalhos manuais, notadamente infantis, marcados pelas cores do estandarte nacional. Ali, na sede da organização Al Warsha (em português, “a oficina”), ouvimos jovens encantadores, bonitos e politizados, falarem por cerca de uma hora e meia sobre a afirmação da identidade palestina dentro de Israel e seu trabalho nesse sentido com as gerações ainda mais novas. Era janeiro de 2013 e minha primeira viagem àquela terra, com um grupo de mais vinte estudantes, foi também a primeira oportunidade que tive de entrar em contato com os palestinos de 48, ou seja, os palestinos que possuem cidadania israelense. A “minoria árabe”, como é denominada pelo governo, soma quase 1,7 milhão de habitantes, o que representa 20% da população total do país, de acordo com o censo de 2013 do Central Bureau of Statistics.1 São palestinos e descendentes de palestinos que não deixaram a região durante a criação do Estado de Israel, em 1948, e que foram reconhecidos como cidadãos pela Nationality Law de 1952.2 Os árabes israelenses, porém, não possuem nacionalidade, apenas cidadania. “Se você olhar na carteira de identidade de um israelense judeu, está escrito ‘nacionalidade: judeu’. Na de um palestino de 48, há asteriscos”, explica o jornalista britânico Johnatan Cook, baseado em Nazaré (a “capital da minoria palestina em Israel”) desde 2001. Apesar de serem representados no Knesset, o parlamento israelense, ainda que em pequena quantidade – os partidos árabes ocupam 11 de 120 assentos –, os palestinos de 48 enfrentam no dia a dia os entraves causados por mais de 50 leis discriminatórias. Segundo relatório da Adalah (Centro Legal pelo Direito das Minorias em Israel), essas leis “discriminam os cidadãos palestinos de Israel em todas as áreas da vida, incluindo seus direitos à participação política, acesso à terra, à educação e aos recursos do Estado e pro-
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cessos criminais”.3 “Nós somos todos israelenses, mas este lugar é para os judeus. Os privilégios, a nacionalidade, a localização das terras e dos recursos são para os judeus. Tudo é para os judeus”, diz Wassim Ghantous, palestino de Haifa, cuja família vem originalmente de Kifr Bi’rim, uma vila ocupada e destruída durante o processo de consolidação do Estado sionista. Wassim faz parte de um movimento que busca recuperar o direito fundamental negado aos palestinos de 48, assim como à população que se tornou refugiada naquele ano: o retorno.
Um
ano exato depois da noite na Al Warsha, estou de volta ao norte de Israel, dessa vez no distrito de Sefed, para visitar Kifr Bi’rim, acompanhada por um outro grupo de brasileiros e por George Ghantous, membro da Baladna (Associação para a Juventude Árabe de Israel) e irmão de Wassim, e por sua tia. Fã de literatura, de ar calmo e sensível, George nos guia pela vila, recuperando um pouco da história deixada em cada ruína. O dia está nublado e venta muito. Entramos nas terras de Bi’rim por um portão alto e largo que leva ao cemitério, muito bem conservado. Além da igreja, que fica no centro da vila, os túmulos são algumas das poucas coisas que permaneceram intactas à ocupação israelense. Ali estão enterrados os moradores de Bi’rim que morreram antes de 1948 e depois de 1967. Os nomes dos falecidos no período entre duas grandes guerras entre Israel e os países árabes, quando a área permaneceu como uma zona militar fechada, estão estampados em uma lápide logo na entrada. A fronteira com o Líbano fica muito próxima, a quatro quilômetros. Foi para lá, mais precisamente para a vila libanesa de Rmaish, que 35 famílias de Bi’rim se deslocaram entre outubro e novembro de 1948, quando o recém-criado Estado de Israel deu início à operação Hiram, com o objetivo de tomar a Alta Galileia.4 Naquele outono, os moradores da vila já estavam informados sobre o plano israelense: as caravanas de refugiados expulsos de outros
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lugares durante a operação passavam por lá para chegar ao país vizinho. “Eles traziam as histórias da nakba”, diz George. Nakba, que em árabe significa “catástrofe”, é o termo palestino que denomina os massacres, a destruição de mais de 600 vilas e a expulsão de mais de 700 mil pessoas (metade da população palestina na época) durante a criação do Estado de Israel em 1948 – o que deu origem a um número de refugiados palestinos que hoje chega a 5,3 milhões, segundo a Unrwa (Agência de Trabalho e Assistência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos).5 Parte desse processo, a operação Hiram despovoou cerca de 90 vilas e expulsou mais de 45 mil palestinos da região chamada de “enclave árabe” – Bi’rim, assim como outras cidadelas por ali, estava incluída no que seria o “Estado Árabe” proposto no Plano de Partilha da ONU, em 1947. A princípio, foi dito aos pouco mais de mil habitantes de Bi’rim que a remoção seria temporária e que, em duas semanas, eles poderiam voltar para suas casas. Entretanto, enquanto o governo israelense montava ali um kibbutz batizado de Ba’ram, os palestinos que não cruzaram a fronteira com o Líbano se instalavam na vila vizinha de Jish e nas cidades de Haifa, Akka e Nazaré. Na saída do cemitério, uma pequena estrada de terra leva a uma campina, onde as ruínas de um antigo templo romano enfeitam os 300 hectares de uma área declarada pelo governo “reserva natural”. Ali, as terras agricultáveis da vila deram lugar a frondosas árvores e, em 1977, foi inaugurado oficialmente um parque nacional. “Plantaram essas árvores no lugar das oliveiras”, conta George. Os outros 900 hectares da vila foram divididos entre três comunidades agrícolas israelenses: O kibbutz Ba’ram, construído em 1951, o moshav Dovev, em 1958, e o kibbutz Sa’sa, estabelecido em 1949, nas terras da vila vizinha. Nesse período, houve um apelo dos deslocados de Bi’rim à Suprema Corte Israelense contra atos de vandalismo praticados pelos moradores dos kibbutz. Já corria na justiça, aliás, um processo pelo direito de retorno, que foi reconhecido pelo tribunal, mas negado pelas autoridades militares. Os palestinos da vila, em sua maioria cristãos maronitas,
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Mapa da Nakba no norte da Palestina histórica (Fonte: Zochrot) Pontos vermelhos: 678 localidades palestinas destruídas em 1948 Pontos azuis: 22 localidades judaicas em 1948, algumas reestabelecidas no mesmo ano Pontos amarelos: 14 localidades palestinas existentes até hoje, cujos habitantes foram expulsos temporariamente durante a Nakba Pontos cor-de-rosa: 62 localidades palestinas destruídas pelos sionistas antes de 1948 Pontos verde-áhua: 3 localidades judaicas destruídas antes de 1948 e não reestabelecidas Pontos roxos: 3 localidades palestinas destruídas na Guerra de 1967 Pontos verde-limão: 127 localidades sírias destruídas por Israel na Guerra de 1967
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conseguiram pelo menos uma ordem para que a velha igreja permanecesse de pé e para que o fornecimento de água e energia elétrica continuasse no prédio histórico. De modo que, ao deixarmos a área do parque para trás, logo avistamos a cruz e o sino. Uma escada lateral dá acesso ao telhado e de lá é possível ver o que ficou conhecido como “morro do lamento”, o topo de uma colina, a dois quilômetros de distância, de onde os bi’rimitas assistiram ao bombardeio de suas casas, em 1953, o que eliminou qualquer possibilidade a curto prazo de voltar a viver na vila. A igreja foi a única construção que resistiu, pedra sobre pedra, ao longo dos anos. Já a ordem judicial que permitia o retorno dos moradores expulsos foi engavetada e sua execução, constantemente adiada.
“Nosso
caso foi arquivado por ‘razões técnicas’, mas pelo menos a corte reconheceu nosso direito de retornar. Mas, ao mesmo tempo, o retorno era condicionado à aprovação pelas leis militares. Você conhece esse jogo…”, conta Wassim. Nosso encontro aconteceu em Belém, alguns dias depois da visita à vila. Na sede do Badil, centro de pesquisa sobre os direitos dos refugiados em que Wassim trabalha, sentamos entre cigarros (os dele) e xícaras de chá (as nossas). Ele me diz, então, que os jovens da segunda e terceira geração de Bi’rim pós Nakba assumiram um método que se associa à ação direta anarquista: já que os meios legais de conquistar o direito de regressar não funcionaram por tanto tempo, eles declararam o próprio retorno e desenvolveram atividades para uma reocupação da vila pelos palestinos. “Isso é transformar o ‘direito de retorno’ em uma ‘prática de retorno’, como um fato cotidiano. Cada repatriado, pela própria presença, encarna um ato de resistência”, explica, completando o que George me dissera dias antes: “Há diversas lutas para conseguir voltar: pela lei, pela resistência, pela educação. Alguns acreditam nas autoridades e outros não. Estes voltam mesmo assim e resistem.” Um movimento semelhante já havia tomado corpo em Bi’rim
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no início dos anos 1970, minado pela guerra de 1973, entre Israel e os Estados árabes. As autoridades israelenses historicamente interpretaram a presença desse tipo de grupo como ilegal e perigosa, emitindo ordens de demolição para barracas e estruturas reconstruídas, reprimindo protestos e interrogando os manifestantes pelo serviço de inteligência. Ainda assim, novos estímulos levaram os descendentes dos deslocados de Bi’rim a retomar a ideia da década de 1970 e a reforçar os work camps – acampamentos que desde 1984 levam os jovens para conhecer a história da vila de seus pais e avós. Segundo Wassim, cinco motivos impulsionaram a juventude bi’rimita nos anos 2000: os Acordos de Oslo, de 1993, que consideraram os cidadãos palestinos de Israel como uma “questão interna” que não poderia ser resolvida no âmbito do conflito palestino-israelense; os levantes da Primavera Árabe, a partir de 2011, que aumentaram a esperança de alcançar objetivos pela luta popular; a Marcha dos Refugiados, também em 2011, que causou a morte de dezenas de expatriados palestinos que protestavam próximo às fronteiras de Israel; a juventude de Iqrit, “vila irmã” de Bi’rim, que, em agosto de 2012, iniciou um processo semelhante de retorno; e o aumento das políticas e leis discriminatórias contra os palestinos israelenses. Tomados pelo novo ânimo daquele contexto político e social, os jovens bi’rimitas se armaram com a memória das gerações passadas e um punhado de materiais de construção. Em agosto de 2013, deram vida ao movimento de reocupação da vila destruída: botaram de pé um banheiro, uma cozinha e dois cômodos, que funcionam como dormitórios, os primeiros tetos que são construídos ali desde o bombardeio em 1953. Durante as atividades, a estrutura da antiga escola serve de base para as tendas. “Nós fazemos palestras, peças de teatro, temos uma grande festa de Natal, enfim, várias atividades”, explica Wassim. “A juventude também desempenha um papel importante, falando seriamente sobre isso e influenciando os outros a se mobilizarem para fazer alguma coisa. Os acampamen-
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tos têm um resultado positivo sobre a geração mais nova. Depois de ir aos acampamentos e saber mais sobre o que está acontecendo, eles sentem que querem fazer algo mais prático e diferente.” Além do retorno em si, a ideologia central por trás desse tipo de resistência é a reafirmação da história palestina, sua memória e identidade. “Nos encontramos mais do que antes. Indo lá aos finais de semana, nós conversamos mais, nos tornamos mais um coletivo”, continua Wassim. “Não é fácil, são muitas pessoas. É difícil achar tempo para todos se encontrarem.” Lembro que, durante a visita à vila, enquanto me mostrava o interior da igreja, decorado de maneira simples e muito bonita, George me disse que no verão o movimento era mais intenso. “Chegamos a juntar setenta, oitenta pessoas aos finais de semana, celebramos casamentos aqui na igreja.” Os returners de Bi’rim se dividiram em cinco frentes de ação conjunta para que o movimento funcionasse de maneira orgânica. O comitê de organização garante a presença de pelo menos cinco pessoas no local todos os dias da semana e administra os recursos financeiros; o comitê de manutenção é responsável por preservar as estruturas reconstruídas; o comitê de mídia lida com a comunicação; há um comitê para promover eventos e um comitê legal, que assessora juridicamente o movimento e representa o caso na justiça. Financeiramente, o grupo desenvolveu um sistema econômico autossustentável, que independe de financiamento externo. Cada participante paga uma taxa mensal, além das doações de produtos e da venda de objetos, como colares e fotos impressas da vila. Wassim tem um jeito mais sério e reservado de falar. Segundo ele, o movimento dos returners não tinha a intenção de ser algo “barulhento”. “Queríamos reunir as pessoas de Bi’rim”, diz. “Conversamos com o pessoal que administra a igreja e outras pessoas que estavam interessadas. A princípio, o padre concordou em ajudar, mas as pessoas mais velhas não querem confrontar Israel. Então voltaram atrás e disseram que era melhor ficarmos lá apenas nos finais de semana.” O movimento protagonizado pela geração
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de George e Wassim se baseia em algo que a geração de seus pais começou, com os acampamentos na década de 1980, e que se choca com a maneira de as pessoas mais velhas lidarem com a questão – isto é, buscando os meios legais para que o retorno seja reconhecido e aprovado pelo governo de Israel. “O discurso tradicional se concentra nas negociações com a corte israelense, ao mesmo tempo em que pensa o caso de Bi’rim como um caso único, uma injustiça especial, praticada pelo Estado, e que, por isso, será resolvida por seus meios legítimos”, explica Wassim. “O grupo ao qual eu pertenço, chamado Al Awdah (‘O Retorno’), reúne os jovens progressistas de Bi’rim, que não concordam com esse comitê da geração mais velha, porque eles geralmente usam o discurso de que somos cidadãos de Israel. Nosso grupo é mais radical. Nós dissemos que somos parte da causa palestina. Isso não é sobre cidadania ou Estado, é mais sobre direitos e direitos coletivos”, diz. Apesar de recusar um “movimento barulhento”, ele acredita ser fundamental pensar numa aliança do povo palestino como um todo. “Nós podemos estar fisicamente em Bi’rim, mas e os refugiados? Eles não podem.” Ao longo dos anos o povo palestino sofreu divisões que deram origem a diferentes causas da luta popular. Fragmentados como as ruínas deixadas pela nakba, eles apresentam uma dificuldade de união que é de certa forma natural: espalhados por Israel, Cisjordânia, Gaza e diversos países do mundo, cada um enfrenta os próprios problemas. “Cada um vive realidades diferentes e movimentos diferentes”, diz Wassim. “Daqui a Ramallah, as pessoas vivem de jeitos diferentes. Daqui ao Vale do Jordão, já é outra história. E mesmo dentro de Israel, o norte é uma coisa, o Naqab [deserto do Negev] é outra. E é por isso que Israel é tão forte, porque eles nos separaram. Eles nos deram inclusive status diferentes. Por exemplo, nós de Bi’rim somos cidadãos, nós temos cidadania, mas a nossa cidadania é diferente da cidadania dos israelenses, porque eles são judeus. As pessoas de Jerusalém tem uma identidade israelense, mas não tem cidadania. E tem as
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pessoas com a identidade da Cisjordânia. As pessoas de Gaza não podem entrar na Cisjordânia. E se você quer sair da Cisjordânia para Gaza também não é fácil. E também tem os refugiados… É por isso que devemos lutar contra essas separações, pelo menos em um viés de organização política.” Por meio das redes sociais, o caso de Bi’rim alcançou palestinos de todo o mundo. Dentro do território de Israel, outros grupos começaram a se organizar de maneira semelhante, como os descendentes da vila de Al Araqib. Wassim conta que, quando consegue driblar a ilegalidade, leva amigos da Cisjordânia para participar de eventos em Bi’rim. “Alguns dias atrás nós recebemos em Bir’im a carta de um prisioneiro palestino. Ele nos escreveu dizendo que ele e outros prisioneiros ouviram muito sobre o nosso caso na prisão, que eles sabiam o que estava acontecendo e apoiavam a nossa causa. Muitas pessoas de todo o mundo, palestinos em todos os lugares, seguem a nossa página no Facebook. Isso faz a nossa rede crescer, e as pessoas se tornam solidárias com os casos umas das outras. Mesmo as pessoas na Cisjordânia sabem o que está acontecendo. Pelo menos estão informadas.” Entrávamos nos primeiros dias do mês de fevereiro. Numa esfera mais ampla, o governo de Israel e a Autoridade Palestina colocavam na mesa as negociações de paz, com a mediação do secretário de Estado americano, John Kerry. Assuntos como a retirada de assentamentos da Cisjordânia e o reconhecimento de Israel como um “Estado judeu” pela Autoridade Palestina vinham emperrando os diálogos há semanas, assim como o direito de retorno dos milhões de refugiados. Enquanto Wassim traga lentamente o cigarro, pergunto como ele vê a situação de Bi’rim nesse contexto. “Todos os palestinos de 48 foram excluídos em Oslo, porque nós somos uma ‘questão interna’. Mas é melhor, porque a Autoridade Palestina não representa ninguém. Eles não representam palestinos na Cisjordânia, nem em Gaza, muito menos nós. Então esse tipo de negociação não nos ajuda de maneira nenhuma”, diz. “Kerry vai pedir para os palestinos reconhecerem Israel como um Estado
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Kifr Bi’rim, vila localizada na região que hoje compreende o norte de Israel, foi destruída por um bombardeio na década de 1950 e ainda conserva algumas ruínas, como as de um templo da época do Império Romano e as das casas dos moradores palestinos, que foram forçados a deixá-las a partir de 1948.
A igreja, templo dos cristãos maronitas de Bi’rim, e os túmulos foram as construções que sobreviveram intactas à destruição da vila. No cemitério, estão enterrados os bi’rimitas que morream antes de 1948 e depois de 1967, pois durante quase vinte anos o terreno foi considerado uma zona militar fechada.
judeu. Oficialmente, a Autoridade Palestina declarou que não reconhece, mas claro que não podemos confiar neles. Se eles reconhecerem isso, haverá muitas consequências. Para eles, será o Estado judeu para o povo judeu. E aí não haverá mais luta. E o direito de retorno não vai mais existir. O direito de retorno desafiaria a supremacia judaica, e os israelenses não vão concordar com isso. O que eles tentarão fazer é pedir aos países árabes para aceitar os refugiados palestinos ou trazer alguns deles para a Cisjordânia. Existe a sugestão de trazer 200 mil refugiados para dentro de Israel, aqueles que foram realmente expulsos em 1948 e que agora têm setenta, oitenta anos.” “E como você vê o futuro?”, pergunto. “Eu sei que Israel não vai durar muito tempo, porque é um Estado exclusivista, um sistema colonialista. Mas como isso vai acabar eu não sei. Pode ser de uma maneira otimista, com as grandes potências dizendo que não precisam mais de Israel. Ou Israel vai acabar nos levando para uma área em outro lugar. Eu espero que seja a primeira opção.” “E você é da turma dos otimistas? Por exemplo, no tipo de resistência que vocês promovem.” Ele sorri. “Sou otimista, mas não acho que nós vamos conseguir Bi’rim de volta apenas com isso. Mas isso, em primeiro lugar, mantém o caso vivo, mantém as pessoas vivas e conscientes, elas se informam mais, se organizam mais, apoiam umas às outras. E nacionalmente falando, podem surgir outros grupos de 48 fazendo a mesma coisa e tornar isso uma coisa única, uma maneira de resistir. Então, sim, eu sou otimista. Acho que é um grande passo. Isso sozinho pode se acumular, mas não resolve toda a questão do direito de retorno, que é mais internacional do que palestina. “Você espera, um dia, voltar a viver lá?” “Sim, claro. Espero, pelo menos, ter o direito. Eu ficaria aqui por causa do meu trabalho e iria lá para visitar. Mas o direito é claro que espero. Reconstruir as casas e pedir uma compensação pelos quase 70 anos em que vivemos fora de nossas casas e por terem
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tomado nossas terras. Mas é melhor não discutir todas essas coisas agora, porque Israel não vai deixar ninguém voltar. Antes nós devemos lutar contra o sistema todo.” “Você acha que a memória palestina pode ser apagada? Os palestinos podem esquecer a história?” “As pessoas podem esquecer se Israel reconhecer: nós fizemos isso e agora estamos compensando vocês com os direitos iguais. Aí eu acho que as pessoas esqueceriam, porque, 70 anos depois, você não se sentiria mais reprimido, então por que não esquecer? Lembrar disso apenas como um período ruim. O problema é que esse período continua e não acabou. É por isso que nós não esquecemos.”
Na
cozinha construída pelos jovens bi’rimitas, improvisamos um almoço. Três senhores, da primeira geração da vila, estão sentados ali perto, em uma mesa de plástico, fumando, comendo azeitonas e conversando. “Em Iqrit, o movimento de retornar à vila reúne mais os jovens. Aqui a gente recebe gente de todas as gerações”, diz George. Sentada em um degrau, de frente para igreja, reparo pela primeira vez em um painel luminoso, que diz, em grandes letras árabes: “Nós vamos voltar.” Mesmo para os bi’rimitas que possuem cidadania israelense voltar não é fácil. As autoridades da terra de Israel já emitiram algumas ordens de despejo e demolição dos cômodos construídos e de remoção das tendas – a última em agosto deste ano, exatamente um ano depois do início do movimento. Segundo uma delas, reproduzida em um artigo escrito por Wassim, “nenhum organismo oficial do Estado reconheceu o direito de reassentamento em Bi’rim. Este é, portanto, claramente um ato de invasão de terras estatais. A Administração tem a intenção de expulsar os invasores, caso eles não saiam por vontade própria”.6 Para ganhar tempo contra a execução dessas ordens, os returners entraram com um recurso na Suprema Corte de Israel. Em nossa conversa em Belém, Wassim me diria
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que isso foi, de certa maneira, positivo. “O juiz aparentemente é solidário a nós. Ele disse que a ordem de evacuação não pode ser aplicada agora. Não esse tipo de ordem. Porque esse tipo de ordem é administrativa. Isso significa que tem que ser urgente, existem consequências urgentes. Mas nosso argumento é o de que nós vamos à igreja desde os anos 1970, fazemos os acampamentos desde 1984. Então, por que isso é urgente?” Enquanto seguimos a caminhada pelo que restou de Bi’rim, George me diz que, para ele, o termo “refugiado” é uma questão de linguística. “A população que ficou em Israel, mesmo que tenha cidadania, também é refugiada. Nós também não podemos voltar.” Atrás da igreja, percorremos um espaço, entre mato e pedras, que outrora abrigava as casas. Algumas ainda têm uma estrutura que, com algum esforço, deixa a imaginação fazer delas algo feito de quatro paredes sólidas. George mostra a casa de um médico famoso na região, a casa de seu avô e o que costumava ser um poço. “Andar por aqui é uma maneira de lembrar.”
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Disponível em www.cbs.gov.il/www/publications/isr_in_n13e.pdf Disponível em www.israellawresourcecenter.org/israellaws/fulltext/ nationalitylaw.htm 3 Disponível em www.adalah.org/eng/Israeli-Discriminatory-LawDatabase 4 Todas as informações históricas sobre Kifr Bi’rim apresentadas neste capítulo foram retiradas do artigo, Returning to Kafr Bi’rim, de Nihad Boqai, publicado pelo Badil Resource Center. 5 Dados disponíveis em www.unrwa.org/palestine-refugees 6 Retirado do artigo Employing Direct Action in the Palestinian right of return: the case of Iqrit and Kafr Bir’im, de Wassim Ghantous. 1 2
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A estrada estreita e sinuosa, as montanhas a perder de vis-
ta. O motorista para por alguns minutos e permite aos passageiros gringos observar a paisagem. Somos sete brasileiros, o número exato para lotar os lugares do service que pegamos em Ramallah rumo ao Vale do Jordão. Entre as encostas de pedra, a van amarela contorna cidades da Cisjordânia como Jericó e Taibeh para evitar um trecho da Estrada 90, obra israelense nos Territórios Ocupados, marcada por checkpoints que restringem a passagem de veículos palestinos não autorizados. Já é noite quando chegamos à sede do Jordan Valley Solidarity Movement, na vila de Al Fasayil.
Al
Fasayil, localizada na região central do Vale, tem cerca de 1,3 mil habitantes, quase todos vivendo em área B, sob controle civil palestino e militar israelense, rodeados por assentamentos. Como a imensa maioria das vilas, a agricultura costumava ser a principal fonte de renda da população por ali, mas a falta de água (controlada por Israel desde 1967) fez muitos moradores substituírem o plantio pela a criação de camelos, que andam livres pela vizinhança, ou pelo o trabalho nas colônias israelenses. Faz pouco mais de três meses que Rashed Khudayri se mudou para uma casa espaçosa da vila, emprestada pelo dono para servir como a nova sede do JVS. Em dois andares, a parte de baixo do sobrado amarelo-descascado tem problemas na fundação, o que fez algumas paredes e uma parte do teto cederem com as chuvas do fim do outono. Rashed garante que a parte de cima está segura. Lá, ao contrário do antigo centro da campanha, em Al Jiftlik, e de quase todas as casas do Vale do Jordão, estão instalados um vaso sanitário, duas pias e uma torneira, que serve de chuveiro. A água, no entanto, só chega de quatro em quatro dias e se o estoque da caixa não durar por esse período nada escorre pelos canos. Quando chega, é uma correria para encher o máximo de recipientes possíveis, e muitas vezes o excesso é desperdiçado.
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Nas próximas quatro semanas, ali será minha base para uma série de visitas ao Vale. O JVS conta com a ajuda de voluntários internacionais e palestinos para realizar ações pela permanência do povo palestino no Vale do Jordão, como a plantação de oliveiras, o registro de demolições e confisco de bens e a reconstrução de casas e escolas destruídas. Para esta última, a campanha utiliza os mud bricks – tijolos feitos de lama (usada também como argamassa), com água, terra, feno e, às vezes, um pouco de esterco. Essa técnica é empregada na construção de casas palestinas da região há gerações, e hoje é muito significativo fazer da a terra, aquela que é constantemente negada e usurpada, matéria prima para reerguer os prédios demolidos pelas forças da ocupação israelense. Desde o ano passado, Rashed está empenhado em construir uma máquina que fabrique os tijolos de maneira mais eficaz. Quase pronta, a engenhoca consegue produzir um número suficiente deles para construir uma casa por semana – ao passo que, em um dia de trabalho com meia dose depreguiça e meia empenho, fazemos em quatro pessoas pouco mais de 60 unidades. Em Fasayil, se acorda cedo. De manhã, as crianças da vila (são muitas) costumam brincar ao redor da casa do JVS, talvez curiosas com a presença dos internacionais, talvez porque gostem de Rashed, talvez por nada disso. Seis delas (três meninos e três meninas) são filhas da vizinha Jamila, nome que em árabe quer dizer “bonita”. Enérgicas, elas correm como se não sofressem as consequências de todos os termos técnicos, históricos e políticos que usei em todo o livro: ocupação, checkpoints, área C. No Vale, isso tudo está a volta, está dentro, mas mais uma vez a vida acontece normalmente, enquanto as crianças brincam e nós nos dividimos entre o acordar, o tomar café da manhã, o lavar a louça, o sentar na varanda por um instante. No computador de Rashed, a música de todas as manhãs solta seus primeiros acordes: la, la, la, la... A canção se chama, em tradução livre, algo como “Escreva seu nome”, e os versos dizem “eu vou escrever o nome do meu país no céu para que dure para sempre”.1 A melodia só é abafada pelo barulho ensurdecedor dos caças israelenses, que sobrevoam ali todos os dias e muito perto do chão.
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Mapa do Vale do Jord達o (Fonte: Jordan Valley Solidarity)
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Na tarde do segundo dia de estadia no JVS, Talib, um mo-
rador de Fasayil e amigo de Rashed, aparece de carro, na companhia de um velhinho que vem em cima de um trator. Três de nós, eu inclusa, embarcam com eles para buscar folhas de palmeira num lugar próximo – Rashed as está usando para restaurar o teto da parte da casa que ruiu. Seguido pelo trator, o carro entra à direita de Fasayil, numa pequena via que desemboca no assentamento de Tomer. Em menos de dez minutos estamos lá dentro e em mais quinze enchemos a carroceria. Parece que roubamos as folhas de um estábulo dos colonos, algo meio Robin Hood – e Rashed dá risada quando pergunto se foi isso mesmo que aconteceu. Tomer é um dos sete assentamentos que circundam Fasayil e um dos 37 espalhados por todo o Vale do Jordão, que somam 8% das terras da região e quase 9,5 mil habitantes. Sete são ainda outposts, uma espécie de estágio inicial da construção de um assentamento, estabelecidos sem nem mesmo a autorização do governo de Israel. Abastecidas com 45 milhões de metros cúbicos de água por ano (quase um terço da quantidade distribuída para os 2,5 milhões de palestinos de toda a Cisjordânia, segundo o B’Tselem), provenientes do Rio Jordão, de fontes naturais e perfurações e reservatórios artificiais, as colônias israelenses do Vale do Jordão são grandes comunidades agrícolas, que produzem em larga escala 2 e durante o ano todo, essencialmente para exportação. Mal chegamos de volta à casa com as folhas roubadas e Rashed recebe uma ligação de Abu Sakkar, aquele figurão da resistência do Vale. Ele está em Al Hadidyia com Mustafa Beni Odi, fazendeiro em Tamun (a cinco quilômetros da cidade de Tubas), que teve um tanque de água confiscado pelo Exército. Seguimos para lá para registrar o acontecimento – um dos trabalhos do JVS é produzir reports sobre esse tipo de incidente. No céu, a lua cheia; à nossa frente, um carro que faz a segurança particular dos assentamentos. Última entrada antes do checkpoint de Hamra, a estradinha de terra que leva à casa de Abu Sakkar em Al Hadidyia só pode ser cruzada à noite por
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quem a conhece: é um caminho cheio de curvas, buracos e pedras, indecifrável. Estive ali quase um ano atrás, quando soldados tentaram prender um dos filhos de Abu Sakkar por passear com as ovelhas muito próximo ao assentamento de Ro’i, que cerca a vila. O menino escapou, mas duas de suas filhas foram detidas dentro da casa por algumas horas, interrogadas e assediadas moralmente pelos oficiais. Tento reconhecer o barracão onde a família mora, o abrigo para animais, o local onde fica estacionado o trator, mas quase não há luz. A eletricidade que chega até lá é suficiente apenas para não tropeçarmos em qualquer coisa no chão, embora os olhos logo se acostumem com o breu. As pessoas dividem as tendas de lona e chão de terra batida com gatos e galinhas. O cheiro é insuportável. Imediatamente, Rashed pede para que eu e Marina, outra brasileira que nos acompanha, fiquemos com as garotas, enquanto ele e Nicolas, um terceiro de nós, conversam com Abu Sakkar e Mustafa. É chato e revoltante, mas não é a primeira vez que isso acontece – a população do Vale do Jordão é muito conservadora, e eu não estou lá para julgar a cultura alheia, embora me sinta muitíssimo incomodada com algumas situações. Reconheço uma das meninas: foi uma das detidas pelos soldados no ano passado. Está com uma cara mais de moça, e agora usa hijab. Ela lava copinhos em um balde de água suja, a única que deve haver por ali para todas as funções. De uma maneira horrível, tenho nojo de beber o chá. Tentamos nos comunicar, mas o inglês delas é tão ruim quanto meu árabe. Numa atmosfera que beira o constrangimento, voltamos a atenção para a TV, que exibe uma novela exageradamente dramática. Parece Bollywood, dublado em árabe. Alguns minutos depois, Nicolas nos chama para fazer o report. Afinal, nós, as mulheres, somos as jornalistas do grupo, e finalmente estamos autorizadas a nos juntar aos homens. Servem mais chá que eu não bebo. Rashed começa a traduzir a história de Mustafa, seguindo um raciocínio muito confuso, que dificulta o registro das informações de forma inteligível. “Faz um mês que o
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No Vale do Jordão, demolições de casas palestinas são uma prática comum adotada pela ocupação israelense. Acima, crianças da vila de Al Jiftlik em um terreno onde as casas haviam sido destruídas há poucos dias. À esquerda, os mud bricks, tijolos de lama que são utilizados pelos palestinos na reconstrução de escolas e moradias.
O bordão “existir é resistir” acompanha o cotidiano dos moradores palestinos do Vale, que sofrem diariamente as consequências da ocupação, como a destruição de infraestruturas, o confisco de terras e a falta de água – já que quase toda a região está sob controle civil e militar de Israel. À esquerda, criança da vila de Al Fasayil e tendas provisórias montadas em Al Jiftlik após a demolição de casas.
Exército emitiu uma ordem de demolição para as fontes de água da fazenda de Mustafa. Ele planta palha e flores”, diz. As terras de Mustafa Beni Odi em Tamun estão em área A, e ele possui todos os papéis que garantem legalmente sua posse sobre a propriedade. “Dois dias atrás, os soldados apareceram para cumprir a ordem, cortaram os canos que levam água para as plantações e confiscaram um caminhão que era usado para pegar água da fonte”, continua Rashed. Mustafa levou o caso à corte, mas ainda não havia obtido nenhuma resposta. Casos de demolição e destruição de propriedade são comuns no Vale do Jordão, já que a maior parte das terras está localizada em área C, sob total controle israelense. Em algumas vilas, como é o caso de Al Jiftlik, não há uma casa sequer que não tenha recebido uma ordem de demolição, e mesmo os palestinos residentes nas áreas A e B não estão imunes a essa prática da ocupação. Um mapa elaborado pela Ocha3 mostra que, apenas em 2013, 390 estruturas foram destruídas no Vale do Jordão, 126% a mais do que no ano anterior, deixando 590 palestinos desabrigados. A Autoridade Palestina pouco pode fazer e pouco faz nessas situações. Na noite seguinte ao episódio de Al Hadidyia, recebemos no JVS um morador de Fasayil cheio de papéis nas mãos. As folhas continham os nomes de 38 famílias de Fasayil al Fauqa e Fasayil al Wusta, partes da vila a cerca de cem metros da sede da campanha, que haviam recebido ordens de demolição do Exército de Israel coisa de dois meses atrás. Um terço das famílias notificadas possuía, desde 2011, documentos que provam a propriedade legal sobre a terra. A apelação na corte, porém, foi inútil, e o que aquele morador trazia era uma lista emitida pela própria administração palestina e entregue a ele por um advogado – até então sete abrigos para animais e três casas já haviam sido colocados chão abaixo. Dez dias depois, estaríamos caminhando por entre os restos de uma plantação de tâmaras em Zubaydat, uma vila bem próxima à Estrada 90: um total de 120 árvores destruídas na fazenda de Hassan Germi. Apesar de o local estar situado em área B e de
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a família cultivar tâmaras ali há pelo menos dez anos, o Exército enviou uma intimação para que as árvores fossem arrancadas em 2013 – é comum receber a ordem e ela ser cumprida apenas meses depois. “Os soldados chegaram às sete horas da manhã, com duas escavadeiras”, conta Hassan. Segundo ele, os oficiais alegaram que a terra pertencia ao assentamento vizinho, Argaman, porém não confiscaram nenhum metro quadrado. Cerca de dez homens se reúnem em volta de Hassan. Sentados em cadeiras de plástico, tomam chá e discutem, em árabe, sobre o incidente daquela manhã. Chega cada vez mais gente, inclusive fotógrafos e repórteres locais. Já é quase meio-dia, o sol brilha forte e faz muito calor enquanto andamos entre folhas amassadas e grossos caules partidos. De cada árvore nascem 20 pequenas mudas, e cada uma dá, em média, 500 quilos de tâmaras por safra. Hassan diz que o prejuízo é de 500 mil shekels (cerca de 310 mil reais), mas, para ele, isso parece não ser o mais importante. Os palestinos possuem uma ligação muito forte com a terra e o cultivo – para eles, as oliveiras, por exemplo, são como filhos. E é assim que Hassan fala sobre as tâmaras: “Nós as plantamos, nós damos água a elas, nós as vemos crescer”, diz. “Eu falei para os soldados que não adianta eles destruírem, porque eu vou plantar tudo de novo.” A lógica das demolições é mais ou menos assim: as escavadeiras israelenses destroem as casas e as plantações, e os palestinos reconstroem para que sejam destruídas novamente em questão de dias, meses ou anos.
Na volta de Al Hadidyia, Rashed cantarola, junto com o
rádio. Ele conta que é uma música de prisioneiros, que em português significaria algo como “avise a família em Gaza ou na Cisjordânia de que está tudo bem”. “Cantavam isso para mim na prisão”, diz. Antes que eu faça qualquer pergunta, ele muda de assunto e diz que, pouco antes de entrarmos no carro, conversava com Abu Sakkar sobre a atuação da polícia palestina – diz, superficialmente,
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Demolições no Vale do Jordão (Fonte: Ocha)
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que foi interrogado por oficiais em Jericó sobre o trabalho do JVS e a briga com Fathi (o outro fundador da campanha) no ano passado e critica a Autoridade Palestina. Apesar das minhas perguntas, ele se esquiva e evita aprofundar os assuntos. E também nem precisaria, porque logo nossa conversava é interrompida pela presença do checkpoint de Hamra, um dos quatro postos de controle do ir e vir que estão em volta das vilas da região. Já é tarde da noite, e o soldado que nos aborda deve ter uns 18 anos. “Para onde estão indo?”, pergunta, ríspido. “Para Tubas, mas se eu dissesse outro lugar, que diferença ia fazer para vocês? Eu passo aqui todos os dias e todos os dias vocês fazem as mesmas perguntas”, responde Rashed, meio irônico e meio nervoso, em um tom desafiador que me impressiona. O soldado dá de ombros, pede para eu, Nicolas e Marina mostrarmos nossos passaportes e, com um risinho amarelo, libera o caminho. “Eles são tão estúpidos”, resmunga Rashed. “Se eu dissesse que venho de Al Hadidyia, eles nem saberiam do que se trata.” Passamos em um mercadinho para comprar cerveja, prática que em quase todo o Vale, exceto nas cidades, como Tubas e Jericó, é feita por debaixo dos panos, porque a grande maioria da população é muçulmana e a região é muito conservadora. Tentamos chegar às montanhas – é onde Rashed costuma nos levar parar beber e conversar –, mas o acesso está fechado. Para além da cerca, avistamos um parquinho para colonos israelenses, e a placa na estrada indica “Monumento do Vale do Jordão”.
Depois de passar alguns dias entre Beit Sahour, um
distrito de Belém, e Ramallah, volto ao Vale do Jordão, e encontro a casa cercada de novidades. Num pedaço de terra bem próximo, uma equipe israelense realiza escavações (sítios arqueológicos são um bom motivo para confisco). “Era para ele ter plantado oliveiras, que impediriam as escavações”, diz Rashed, se referindo ao
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dono da terra, o mesmo homem que emprestou a casa amarela para o JVS montar sua sede. Mais à frente, o grupo de trabalhadores é palestino, e está furando um poço artesiano a dez metros da casa. A profundidade permitida pelo governo israelense é de 150 metros. “Por isso, a água é muito salgada, mas já dá para abastecer a vila em algumas funções, melhor do que depender dos israelenses”, diz Rashed. Na manhã seguinte, acordamos cedo, com o barulho da obra do poço. O dia sai um pouco da rotina do Vale: no lugar de mud bricks e visitas a famílias, vamos conhecer a vila de Ein Hajilah, ao sul de Fasayil, onde um grupo grande de jovens da Cisjordânia está reocupando a terra, vazia desde a guerra de 1967, quando sua população foi expulsa. Entre palmeiras, ruínas e camelos, estendem-se redes, cobertores e barracas em uma área extensa. Em um lugar mais protegido do vento, algumas pessoas se reúnem em volta de uma fogueira quase apagada, que esquenta o chá. O plano do grupo é criar ali um espaço de lazer para os palestinos, mas o Exército israelense tem dificultado a permanência no local, retirando as tendas e as placas que sinalizam o evento na estrada. A mobilização é heterogênea: parte de ativistas, membros de organizações, filiados a partidos políticos, apoiadores da Autoridade Palestina e críticos a ela, a maioria jovens. Muitos vêm de Ramallah, alguns de Nablus, outros do campo de refugiados de Aida e da vila de Nab Saleh. Todos falam de Che Guevara, Lula, Neymar, futebol e samba quando dizemos que somos do Brasil. Salah Al Khawaja, um dos organizadores do movimento, coordena as atividades na vila há cinco dias. Desde então, centenas de pessoas já visitaram o “acampamento”, mas apenas alguns passam a noite nas barracas. Funcionário do Health Development Institute, uma organização de Ramallah, Salah tem um discurso político que eu tive a impressão de ser um pouco malicioso, talvez pelo seu jeito superficial de falar e de se portar. “O movimento
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aqui se baseia em três frentes: a presença palestina, a resistência contra o muro de separação e a resistência contra a presença israelense”, explica vagamente. Para ele, a diversidade dentro do grupo é um bom sinal. “Israel quer expulsar os palestinos e, assim, ‘limpar’ o Vale do Jordão. Por isso, partidos políticos e organizações devem se unir como povo palestino.” Uma equipe de TV local está ali para filmar os acontecimentos, e Salah diz, de maneira genérica, que a resistência popular ganha mais força com o apoio da mídia do que com a ajuda das autoridades. A conversa é interrompida por um pequeno alvoroço que começa a se formar mais adiante, perto da estrada que passa rente à vila. Cinco jipes das Forças de Defesa de Israel estacionam, um a um, e pelo menos oito soldados saem de cada um deles. Cerca de 60 pessoas do grupo se aproximam do Exército, e o empurra-empurra é por causa das placas do movimento, que os oficiais arrancaram da estrada. Alguns palestinos mais ousados chegam a retirá-las de dentro dos jipes. Logo, os soldados formam um cordão de escudos (lembrando a Tropa de Choque da nossa Polícia Militar) contra a pequena multidão que avança gritando palavras de ordem em árabe – um deles tropeça ao descer correndo do jipe e provoca constrangimento e gargalhadas. Forçados pelos 40 soldados, os manifestantes, pouco a pouco, começam a recuar, e os israelenses montam nos jipes e vão embora. Toda a confusão durou não mais do que quinze minutos. Longe do tumulto, três velhinhos, a keffyieh amarrada tradicionalmente na cabeça, mordiscam maçãs, fumam e conversam sentados no chão. Rashed se junta a eles por um momento e, antes de o sol cair por detrás da montanha e o céu escurecer, pegamos o caminho de volta para Al Fasayil.
Em
uma das minhas últimas noites no Vale do Jordão, fomos convidados para jantar na casa de uma família beduína em Fasayil. Os beduínos estão espalhados por toda a Cisjordânia e também
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dentro de Israel, e no Vale do Jordão somam quase seis mil pessoas, em comunidades entre os distritos de Tubas e Jericó, a maioria em área C.4 O governo palestino tem pouco ou nenhum interesse na população beduína da Cisjordânia e, por ser seminômade e depender basicamente da criação de animais, é um dos grupos mais vulneráveis à ocupação israelense. Conservadora ao extremo, a família é dividida durante a refeição: homens na tenda dos homens e mulheres na tenda das mulheres, onde também ficam a cozinha e as crianças. O prato é o tradicional e delicioso mansef: arroz, carne de carneiro (pode ser de frango também) e um molho gorduroso de coalhada. Com a ajuda de uma amiga palestina de Ramallah, consigo me comunicar um pouco com as mulheres, que não falam inglês. Os assuntos não variam muito entre casamento, filhos e alimentos. Come-se sentado no chão e com as mãos. As anfitriãs esperam as convidadas terminarem para jantar com as crianças, que não param de correr pela tenda. Depois, trazem água, sabonete e toalha para lavar as mãos, chá e café. Nicolas, que estava na tenda dos homens, diz que eles só pararam de fumar para rezar, um pouco antes de a comida ser servida. De volta à casa, converso um pouco com Rashed antes de dormir. “Habibte, a luta continua aqui por causa da esperança. Eles podem tirar tudo de nós, menos a esperança”, diz em sua última frase antes do sono. Um tanto clichê, essas palavras ditas por Rashed e naquele contexto ganham outros contornos. Depois de tanto tempo no Vale, entre idas e vindas, começo a compreender o bordão “existir é resistir”. Nada segura os palestinos àquela terra a não ser sua própria existência. Um mês depois, eu estaria de volta a São Paulo e, no Vale do Jordão, o mesmo sol continuaria a surgir e desaparecer pelas mesmas montanhas, iluminando sob ângulos diferentes os mesmos assentamentos israelenses, que ali insistem, e as mesmas casinhas palestinas, que ali resistem.
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Para ouvir, acesse www.youtube.com/watch?v=HqHKhksnxGs Dados disponíveis em www.btselem.org/publications/summaries/ dispossession-and-exploitation-israels-policy-jordan-valleynorthern-dead-sea 3 Disponível em www.ochaopt.org/documents/jordan%20valley%20 demolitions.pdf 4 Dados disponíveis em www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_ fact_sheet_5_3_2014_en_.pdf 1 2
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Agradecimentos Pelo antes e pelo depois de tudo, ao meu pai, que me levou pela mão às leituras, depois à escrita e, enfim, ao jornalismo, e que infelizmente não está aqui hoje para ver no que tudo isso vai dar. À minha mãe e ao meu irmão, as outras pontas do tripé, que não me deixaram despencar nos piores momentos dos últimos anos – e que dividiram comigo os melhores. À minha família que acompanhou de perto minha mudança para São Paulo, minha graduação, meus primeiros passos dentro das redações e minhas viagens ao Oriente. À amiga de infância e companheira de casa e de confissões, Natalia Grella. Aos meus bons amigos ecanos, os que passaram e os que ficaram durante e depois desses cinco anos. Sobretudo, às maravilhosas Anna Carolina Papp e Carolina Linhares, pelo amor de sempre e pela eficiente força mútua. Aos professores da ECA-USP e ao meu orientador Eugenio Bucci, pela paciência, pelo aprendizado e pelas grandes aulas. À banca examinadora, que aceitou o convite para avaliar minha última produção jornalística dentro da Universidade. Aos colegas de redação, da Rádio Bandeirantes e da Elle Brasil, que fizeram de mim uma jornalista praticante. Ao Rafael Carvalho, pela diagramação cheia de talento e pelas tantas coisas em comum que nos tornaram cúmplices e amigos.
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Aos companheiros da FFIPP-Brasil, que fizeram possíveis as duas viagens à Palestina e a Israel e que tanto me ensinaram. Um salve especial para equipe de coordenação do Programa de Estágios 2014 (Arturo, Iara, Nicolas – também pelas fotos!, Isadora e Zuni), que estiveram ao meu lado nos maiores perrengues, e para o GT Comunicação (Teresa – também pelo apoio incondicional, Bruno e Gabriela), pelo conhecimento compartilhado diariamente e a esperança no bom jornalismo. Aos amigos palestinos, que ainda lá resistem. Ao Marcelo, que fez de 2014 um ano de pequenas alegrias.
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Bibliografia por capítulo Introdução A Quiet Revolution: The First Palestinian Intifada and Nonviolent Resistance, de Mary Elizabeth King (Editora Nation Books), 2007 http://maryking.info/ Nonviolence International (Mubarak Awad) http://nonviolenceinternational.net/ Popular Resistance in Palestine: A history of Hope and Empowerment, de Mazin Qumsiyeh (Editora Pluto Press), 2011 http://qumsiyeh.org/ The Ethinic Cleansing of Palestine, de Ilan Papp (Editora One World Oxford), 2006 Vale do Jordão: da água Arij - The Applied Research Institute Jerusalem http://vprofile.arij.org/tubas/static/localities/profiles/97_Profile.pdf Ewash - Emergency Water Sanitation and Hygiene in the Occupied Palestinian Territories http://www.ewash.org/files/library/factsheet%2011%20-%20 demolition.pdf http://www.ewash.org/files/library/(0)factsheet_no_4_Legal_ Analaysis.pdf http://www.ewash.org/files/library/(0)Al-Haq_Factsheet_5_ Colonialism_Water-Apartheid_76.2013.pdf http://www.ewash.org/files/library/(0)Factsheet_no_3_IsraelsPolicies-to-Maintain-Hegemony.pdf
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http://www.thirstingforjustice.org/wp-content/uploads/2013/01/ pack-portuguese-for-website-May-12-2011.pdf JVS - Jordan Valley Solidarity Movement http://jordanvalleysolidarity.org/index.php/reports-videos/reports2014/765-jonathan-cook-the-nakba-continues http://jordanvalleysolidarity.org/index.php/reports-videos/reports2014/737-btselem-acting-the-landlord-israel-s-policy-in-area-cthe-west-bank http://jordanvalleysolidarity.org/index.php/info-maps-2/militarycontrol Ocha - Office for the Coordination of Humanitarian Affairs http://www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_firing_zone_ factsheet_august_2012_english.pdf http://www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_fact_ sheet_5_3_2014_en_.pdf Stop Mekorot - Taking action to end Israel’s water apartheid http://stopmekorot.org/ Bil’in: do muro Addameer - Prisoner Support and Human Rights Association http://www.addameer.org/etemplate.php?id=336 B’Tselem - The Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories http://www.btselem.org/separation_barrier/statistics http://www.btselem.org/separation_barrier/international_court_ decision http://www.btselem.org/publications/summaries/201210_ arrested_development http://www.btselem.org/demonstrations/bilin
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Popular, p.16, p.28-9, p.34, p.43, p.45, p.57, p.59, p.80 Prisão, p.18, p.27, p.47-8, p.50, p.60, p.78, Protesto, p.9, p.32, p.34, p.38-9, p.40, p.45, p.47, p.57 Radical, p.59 Refugiado, p.8, p.27, p.53-4, p.56-9, p.60, p.63-65, p.79 Religião, p.49 Repressão, p.13, p.32, p.46 Resistência, p.56, p.58, p.63, p.71, p.80 Retorno, p.8-9, p.13, p.53-4, p.56-9, p.60, p.63 Sionista, p.13-4, p.21, p.53, p.55 Tel Aviv, p.6, p.8, p.34, p.37, p.43 Terra, p.12-4, p.18, p.20, p.24, p.28-9, p.32-4, p.52-4, p.64, p.69, p.71-2, p.75 Violência, p.27
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