TFG - Marina Eisenhauer

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mundana e XIX,

O Teatro Ocupa a Cidade



mundana e XIX,

O Teatro Ocupa a Cidade

Marina Eisenhauer Pires de Albuquerque Marta Bogéa | Orientadora Trabalho Final de Graduação FAU USP | Dezembro de 2016



À Lu e à Sophi, por estarem presentes desde o primeiro dia de surpresas (nem sempre agradáveis) da faculdade. À Ma, Deco e Pietra pelas longas conversas e saídas inusitadas. À Deinis, por todas as descobertas que fizemos juntas. Ao Pimentinha e ao Caio, pelas eternas saudades da nossa casa. Às Brus, Gabi, Carol, Chay, Pirata, Tetinha, Gu e todos os outros que fizeram a diversão ser tão importante quanto os estudos. À Ma, Isa e Fla, por sempre me acalmarem e divertirem. À Ju, Lu e Pati, por existirem e estarem aqui enquanto eu me tornava quem eu sou. Aos meus avós pelo amor, preocupação e cuidado durante todo esse tempo. Aos meus pais, pelas infinitas horas de conversas e decisões sobre o futuro e a vida. À Carolina. Irmã e melhor amiga. À Marta, pela orientação certeira e paciente. À FAU.



“Uma tomada de consciência coletiva é necessária, qualquer divagação é um delito na hora atual, a “desculturação” está em curso. Se o economista e o sociólogo podem diagnosticar com desprendimento, o artista deve agir, como parte ligada ao povo ativo, além de ligada ao intelectual.” Lina Bo Bardi.


prólogo

primeiro ato: mundana

16 Introdução

28 A Mundana e a Selva

17 Objetivos 18 Teatro na Cidade

31 Origens da companhia 32 Na Selva das Cidades: Em Obras

36 Imersões e as Ruas 52 Ocupações e os Palcos 58 Análise: Da Rua ao Palco 60 Quadro 4 68 Quadro 6


segundo ato: grupo XIX 80 O XIX e a Vila Maria Zélia 83 Origens do Grupo 84 Vila Maria Zélia

86 Hysteria e a Espacialidade 92 Hygiene e a Residência 102 Estufas em Projeto 104 A Estufa e a Cidade 108 Infláveis e Arquitetura Efêmera 116 Mapeamento das Estufas 118 Parque Augusta 126 Oscar Freire 134 Mirante 142 Vila Maria Zélia

epílogo 152 Conclusões 154 Referências Bibliográficas 156 Referências Projetuais 160 Referências Iconográficas




prólogo

Vista do Edifício COPAN foto: Gabriel Pietraroia



Introdução O tema do TFG aqui proposto é a pesquisa de forma teórica e prática sobre a relação entre o teatro e a cidade. Pretendo entender de forma aprofundada as possibilidades que o meio urbano proporciona como cenografia e espaço de performances, além do papel da arte como requalificadora de áreas da metrópole usualmente não utilizadas para fins artísticos. A utilização do espaço urbano pela arte é extremamente benéfica em todas as instâncias: os espaços da cidade são mais amplamente vivenciados, tornando a vida urbana culturalmente mais rica e acessível. A arte, por sua vez, torna-se democrática e ao sair às ruas vira “coisa pública”. Tal tema foi escolhido pois, além de sua extrema relevância social, as artes cênicas sempre exerceram um papel fundamental na minha vida. Desde a infância fui apresentada ao teatro e à dança e me tornei fascinada por tais formas de expressão. Tenho certeza do poder transformador dessas artes, e desde o início da minha graduação tem me interessado imensamente relacionar tal potencial à melhorias nos centros urbanos. O teatro que se apropria do espaço urbano realiza uma intervenção prática, objetiva e emergencial da arte no cotidiano das pessoas. Na rua, a cena brinca com o limite entre o real e o irreal, o concreto e o imaginário, transpondo esses conceitos, que tornam-se cada vez mais tênues.

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Saindo do palco italiano, os personagens atuam literalmente nas vidas dos transeuntes, criando um teatro de ações pragmáticas, porém sem perder o encantamento que faz aflorar a poética da dramaturgia nos duros espaços da metrópole.


Objetivos O objetivo desse trabalho final é uma aproximação com o teatro no espaço urbano, principalmente no âmbito espacial. Pretendo compreender os diversos processos pelos quais passa uma companhia ou grupo de teatro desde a concepção do projeto até a sua encenação num espaço teatral não-usual. O trabalho se desenvolve na busca do porquê das companhias atuais estarem saindo cada vez mais do edifício tradicional do teatro e como esses processos vêm sendo colocado em prática, proporcionando uma interação direta entre o “mundo do teatro” e o “mundo real”. No “primeiro ato”, faço um breve estudo introdutório sobre o tema, contextualizando a situação do teatro na cidade e seu desenvolvimento na história. Nos dois atos seguintes abordo o tema em sua realidade prática, me aprofundando no universo de duas companhias que realizam espetáculos fora do edifício teatral. Com a primeira, “Mundana Companhia”, busco compreender os processos criativos que transportam elementos obtidos nas ruas da cidade, para o espetáculo “Na Selva das Cidades: Em Obras”. Finalizo tal estudo com uma análise iconográfica e um texto que expõe as conclusões obtidas. No “segundo ato”, busco compreender os processos de criação dos elementos espaciais e visuais do Grupo XIX, que ocupa a Vila Maria Zélia. Analiso os dois primeiros espetáculos da companhia, “Hysteria” e “Hygiene” sob esse olhar da arquitetura cênica e, ao final do ato, faço uma propostas espaciais para o novo espetáculo em desenvolvimento do Grupo “A Estufa e a Cidade”.

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Teatro na Cidade O teatro nasce no espaço público e é inerente a ele por todo o período histórico, numa relação inconstante que passa por momentos de harmonia, tensão, indiferença e comunhão. Com essa constatação é possível compreender a importância da relação teatro-cidade, evidenciando a inegável influência de um no outro desde os primórdios dessa forma de manifestação artística. Baseando-me, principalmente, em diversos textos do autor Ricardo José Brugger Cardoso, arquiteto e pesquisador em teatro, é possível traçar um breve histórico do tema, além de reflexões sobre a atual situação e contexto do teatro no espaço da cidade no Brasil e no mundo ocidental. No séc IV a.C., os festivais dionisíacos que aconteciam nas feiras de bois originam a comédia grega e somente no século V a. C. tais eventos rurais foram transferidos para o primeiro edifício teatral, o Teatro de Dionísio em Atenas. No período medieval praças e espaços públicos eram novamente o território para as grandes manifestações da igreja e os suntuosos eventos realizados pelos soberanos, que buscavam enaltecer sua magnificência sobre os cidadãos comuns. No fim da idade média, a Commedia dell’Arte é o primeiro momento em que o teatro é entendido como profissão. Baseavase num espaço cênico nômade, composto por uma carroça e um tablado, que se abriam para a praça pública no momento da apresentação. Nessa época, não havia necessidade de um edifício específico para o teatro, uma vez que peças teatrais faziam parte do cotidiano da cidade.

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Durante o Renascimento, além das praças públicas, as manifestações teatrais ocorriam também nos “cojales” ou “currais”, pátios internos dos edifícios que se abriam para o público. No período barroco, as apresentações passaram então a acontecer no interior de salões ducais, originando o palco italiano. Dessa forma o teatro sai da rua e adentra o edifício específico para seu fim. É concebido assim o teatro-monumento, que se torna um dos principais marcos dos centros urbanos, até os dias de hoje.1 Durante a modernidade, a cidade teve os espaços privados extremamente valorizados em detrimento dos públicos, com a ascensão dos subúrbios e a privatização explosiva. Em relação ao espaço teatral, Segundo Marvin Carlson2 , ocorreu uma associação na opinião pública, desde os séculos XVIII e XIX, entre o teatro público monumental e os elegantes distritos urbanos, permitindo que os modernos empreendedores urbanos utilizassem esse tipo de monumento como fundação para a renovação e o “melhoramento” de áreas circunvizinhas. Exemplos disso são o Lincoln Center (1962, Nova York) e o Southbank Complex (1951, Londres), que provaram ter consequências inesperadas aos urbanistas modernos como a gentrificação dos bairros onde foram inseridos.

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CARDOSO, Ricardo J. B. . Espaço Cênico - Espaço Urbano: reflexões sobre a relação teatro-cidade na contemporaneidade.. In: X Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), 2003, Belo Horizonte. Encruzilhadas do Planejamento: repensando teorias e práticas. Belo Horizonte: Instituto de Geociências - IGC/UFMG, 2003. p.1- 3

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Apud CARDOSO, 2003.

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À partir da segunda metade do século XX, no contexto da pósmodernidade, os malefícios da cidade moderna estão evidentes: além da degradação do público em detrimento do privado, o homem se vê afastado dos centros urbanos pelo automóvel, e num contexto pós Segunda Guerra Mundial, muitas cidades se encontram descaracterizadas pela destuição bélica. Assim, um novo urbanismo começa a ser discutido e surge o desejo de resgate da vida urbana no espaço público, e são inciados os processos de “requalificação” e “revitalização” dos centros urbanos.3 Nessas cidades onde ocorre a crescente utilização do espaço público, principalmente à partir dos anos 1960, diretores teatrais passam a explorar inúmeras possibilidades de espaços não tradicionais. O teatro passou a ser visto nas ruas e avenidas, em parques e bosques; em fábricas e armazéns. Área urbana, nesse contexto, se torna parte calculada da própria encenação, e a ela são atribuídos novos significados e potenciais. Exemplos disso foram os diversos festivais artísticos organizados em várias cidades européias nas décadas de 60 e 70, que transformavam toda a cidade em “palcos ao ar livre”.

3 18

CARDOSO, Ricardo J. B. . Espaço Cênico - Espaço Urbano: reflexões sobre a relação teatro-cidade na contemporaneidade.. In: X Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), 2003, Belo Horizonte. Encruzilhadas do Planejamento: repensando teorias e práticas. Belo Horizonte: Instituto de Geociências - IGC/UFMG, 2003. p.8 - 13


Essas “novas” idéias da cena fora do edifício teatral foram amplamente aceitas pelos artistas do chamado “teatro político”, nessa mesma época. Os praticantes dessa forma de teatro, especialmente grupos dos EUA e da França, viam a rua como um “símbolo de liberdade política”, enquanto o edifício teatral era visto como “símbolo da indústria cultural capitalista”, que deveria ser destruído. Para eles, as performances deveriam ser criadas nas ruas das cidades, extraindo conotações mais populares do teatro. De forma geral, os diretores que realizavam montagens nas ruas, não queriam se apegar a um local específico, mas para cada nova produção, encontrar um novo espaço, cujo significado fosse importante para a performance. O teatrólogo Christian DUPAVILLION (1978) acreditava que os arquitetos deveriam compreender o teatro como uma cidade, ou seja, como um espaço em constante mutação. Na opinião do autor, os urbanistas deveriam fazer de cada espaço da cidade um local de prazer e de espetáculo, defendendo assim a liberdade de espírito e de idéias no cotidiano. O autor explicita: “Arquitetos e urbanistas, imaginem as mais loucas encenações provisórias! Deveríamos duvidar da hierarquia que distingue um teatro oficial de um teatro marginal, porque numa sociedade ideal as encenações marginais é que deveriam ser oficiais!” 4. No contexto brasileiro, porém, esse tipo de manifestação que estava em voga na europa e nos EUA, foi interrompida pela instauração da ditadura militar em 1964.

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Apud Idem p. 11

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A maioria das cidades brasileiras só pôde assistir à retomada de seu espaço urbano pelas atividades artísticas após um longo processo de redemocratização do país. No início dos anos 1980, o diretor teatral Amir Hadad, reinvidica o espaço público da cidade do Rio de Janeiro como espaço para manifestações artísticas, com o grupo teatral “Tá na Rua”. O diretor afirma: “Uma das alegrias do carnaval é poder transar, dançar e brincar em espaços que normalmente nos são proibidos em nosso dia-a-dia. É uma alegria enorme, há uma incrível sensação de liberdade quando conseguimos participar desse espaço, penetrá-lo, estabelecer um relacionamento afetivo mais profundo com ele” (1983).5 O contexto desse trabalho final será feito na cidade de São Paulo, por meio do estudo de alguns dos maiores expoentes do teatro de rua e de espaços não-usuais do cenário paulistano. Alguns deles são o Teatro Oficina, o Grupo XIX, o Teatro da Vertigem e a Mundana Companhia. O teatro de rua, ao trazer arte e animação para o centro urbano, melhora a qualidade de vida na cidade, ao passo que estimula a permanência e o convívio nos espaços que são acessíveis a todos.

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5 Apud CARDOSO, Ricardo J. B. . Espaço Cênico - Espaço Urbano: reflexões sobre a relação teatro-cidade na contemporaneidade.. In: X Encontro Nacional da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), 2003, Belo Horizonte. Encruzilhadas do Planejamento: repensando teorias e práticas. Belo Horizonte: Instituto de Geociências - IGC/UFMG, 2003. p. 11


Tais eventos também funcionam como exercício de uso apropriado e ordenado do espaço urbano pelas pessoas, que passam a valorizá-lo, proporcionando o convívio e aintegração de diversos segmentos sociais. Além disso, dessa forma as paisagens urbanas ganham novos significados e importância, pois com esses eventos são criados vínculos de proximidade entre as pessoas e os lugares. São sugeridas assim, novas perspectivas de uso e convivências nas áreas comuns da cidade. O parágrafo final de Brugger em seu ensaio “Paisagem Urbana: locus da experiência artística e cultural na cidade contemporânea” sintetiza idéias aqui debatidas e explicita aimportância dessa discussão nos dias de hoje: “Diante de uma visão dramática de insegurança, violência, fragmentação e exclusão social, cada vez mais presente no ambiente urbano contemporâneo, é preciso destacar aqui uma das contribuições mais importantes e antigas do teatro em sua profícua relação com a cidade: o diálogo humano. A intensificação do diálogo entre os diversos segmentos da sociedade, quando presentes e participantes durante tais eventos, pode vir a estimular e sedimentar, em última análise, o exercício da cidadania e o fortalecimento da convivência pacífica no espaço livre público da cidade.”6

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Idem

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primeiro ato: mundana

Na Selva das Cidades: Em obras Mundana Companhia foto: Renato Mangolin



A Mundana e a Selva O estudo da Mundana Companhia e de seu espetáculo “Na Selva das Cidades: Em Obras” me interessou, principalmente, devido aos seus processos de criação e pesquisa. Para a realização de sua montagem de Na Selva, a Mundana Compainha quis trazer o universo criado por Brecht para São Paulo, e por isso foi realizada toda uma pesquisa baseada em imersões pela cidade. Tais imersões se trataram de um processo que se iniciou com a equipe analisando o mapa de São Paulo e, à partir daí, relacionando cada quadro da peça com um local específico da cidade. Após essa escolha dos locais de interesse, a compainha passava um fim de semana inteiro em cada um desses lugares, criando as ambiências da cena relativa ao local. Após o processo das imersões, iniciaram os espetáculos, ou “Ocupações”. A proposta da Mundana para essa peça é a sua apresentação de diversas maneiras em diversos espaços, de forma que o espetáculo esteja em constante construção e descontrução, por isso utilizam o termo “Em Obras” no título. Em cada local apresentado os quadros tem durações diferentes, o texto muda e as visualidades tem novas propostas. O caráter “Em Obras” se mantém mesmo dentro de cada Ocupação, uma vez que não há marcação exata de palco e improvisações são incentivadas, assim cada apresentação é como uma nova estréia.

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Imersão 2 - Berrini Mundana Companhia (2015) foto: Yghor Boy


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O Duelo, Mundana Companhia (2013) foto: Renato Mangolin


Origens da Companhia Em 2000, Aury Porto e Luah Guimarães criam a Mundana Companhia de Teatro, inspirados pelo movimento “Teatro contra a Barbárie” bastante fervoroso na época. A proposta é de um grupo em constante transformação, no qual cada projeto conta com uma equipe diferente de atores, diretores e técnicos, que vão se incorporando à Companhia, proporcionando encontros transitórios que agregam novos colaboradores e idéias a cada projeto.

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Na Selva das Cidades | Em Obras “Prólogo Os senhores encontram-se no ano de 1912 na cidade de Chicago. Observam a inexplicável luta entre dois homens e acompanham a decadência de uma família que veio do sertão para a selva da cidade grande. Não quebrem a cabeça sobre os motivos dessa luta, mas participem das jogadas humanas, julguem imparcialmente o método de luta dos adversários e voltem o seu interesse para o final.” Na Selva das Cidade, Bertol Brecht Baseada no texto de Bertol Brecht “Na Selva das Cidades”, “Na Selva das Cidades: em Obras” representa uma inexplicável luta entre dois homens na cidade de Chicago. O embate é travado quando um comerciante de madeira entra numa loja de livros e tenta comprar a opinião do vendedor, um homem pobre que veio do sertão com sua família para tentar a vida na cidade grande. Como esclarecido no prólogo, o porquê dessa luta não é claro, nem importante, o foco deve ser nas consquências que ela acarreta nas vidas das personagens.

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A peça mostra, em última instância, a árdua realidade das pessoas nos grandes centros, evidenciando, principalmente, as desventuras enfrentadas por daqueles que saem do campo e vão para a metrópole esperançosos por melhores condições.


Em 1969 “Na Selva das Cidades” foi montada e apresentada no Teatro Oficina. Na época o contexto político bresileiro era a ditadura militar, e o objetivo da peça era claro: apresentar a resistência, a guerrilha, contra o sistema capitalista imposto. A personagem principal, George Garga, é pobre, veio do campo com sua família e ao ser desafiado pelo capitalista Shlink, resiste, enfrentando o homem para não “vender sua opinião”. A montagem da Mundana Compainha é, em comparação àquela do Oficina, mais pessimista, no sentido de que dessa vez George Garga se vende, cai nas garras do capitalismo e, ao final da peça, acaba por se tornar uma imagem espelhada do próprio Shlink, que ele tanto desprezava. Na sua versão do espetáculo, a Mundana Companhia transporta o universo criado por Brecht, para a cidade de São Paulo.

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Na Selva das Cidades, Teatro Oficina (1969)


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Imersões e as Ruas As imersões representaram os processos iniciais da pesquisa feita pela Mundana Compainha de Teatro para a montagem do espetáculo “Na Selva das Cidades: Em Obras”. O objetivo foi trazer a “Selva das Cidades” do texto de Brecht para o contexto da “Nossa Selva”. Cada quadro da peça de Bertol Brecht foi relaciado a um local da cidade de São Paulo, nos quais os atores imergiam por um fim de semana, criando encenações e ambiências baseados no texto lido. As explicações sobre cada imersão a seguir são dadas pela mundana companhia.

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Foto do processo de Na Selva das Cidades (2014)


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-1 “Nesta imersão serão definidos os artistas-propositores de cada uma das imersões seguintes, bem como o calendário de realização das mesmas. Faremos também a primeira análise do texto “Na Selva das Cidades”, sobre a tradução usada pelo Teatro Oficina na encenação de 1969.”

0 “Circuito de vinte e quatro horas passando pelos territórios da cidade de São Paulo onde ocorrerão as próximas imersões. Nessa primeira imersão, a equipe vai trabalhar em movimento, utilizando-se dos mais diversos meios de transportes que a população da cidade de São Paulo usa no seu dia-a-dia: ônibus, trem, metrô, moto, bicicleta, carro, etc. Durante o circuito a equipe fará paradas em pontos estratégicos previamente escolhidos, para realizar experimentos cênicos públicos(...).”

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10 Parque da Cantareira

5 Luz 9 CEAGESP 4 Baixo Augusta

3 Itaquera

8 Butantã 7 Cidade Tiradentes 2 Berrini

1 Sé 11 Teatro Oficina 12 Minhocão

6 Billings

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1 Sé | Quadro 1 “Nessa imersão foram feitos experimentos de inter-relação e sobreposição entre a “Biblioteca de Empréstimos de C. Maynes” do primeiro quadro do texto de Brecht e instituições jurídicas da cidade de São Paulo que funcionam na região central. O personagem Shlink entra na biblioteca de empréstimos para comprar a opinião de George Garga. Nesse quadro, o conhecimento é tratado como coisa sem valor. Em seu lugar, o que passa a ter valor é o dinheiro em si. O dinheiro pode adquirir até o que, historicamente, é mais pessoal e intransferível, a opinião própria. O fato de a região escolhida da cidade ser o local da fundação da Vila de São Paulo de Piratininga é fundamental.”

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2 Berrini | Quadro 2 “O “Escritório do negociante de madeira C. Shlink”, segundo quadro do texto de Brecht, sobrepõe-se aos escritórios da região da cidade de São Paulo que mais cresceu em edificações desse tipo, durante a década de noventa do século XX. Essa região de caríssimos prédios de escritórios verticalizou-se a partir da remoção de populações faveladas e, ironicamente, está localizada à beira do poluído Rio Pinheiros. Essa área que associa especulação imobiliária, especulação financeira e destruição indiscriminada de recursos naturais, relacionase com os negócios de madeira de C. Shlink, que cresceram e se desenvolveram a partir da exploração do incêndio que atingiu a cidade de Chicago (EUA) na segunda metade do século XIX.”

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3 Itaquera | Quadro 3 “ ‘A casa da família Garga” é o nome do terceiro quadro do texto de Brecht. Nesse momento do enredo entra em cena a família de George Garga, formada por migrantes que saíram do campo para a selva da grande cidade e que vão viver sua decadência, como é anunciado na introdução do texto. As hordas de sem teto da cidade de São Paulo, assim como das demais cidades grandes do Brasil são, em sua maioria, formadas por migrantes de outros cantos do país. Desterrados em sua própria nação e cultura. alijados de espaço, direitos. Uma das diferenças entre o texto e a nossa cidade talvez esteja na organização que os movimentos sociais têm no Brasil, hoje.”

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4 Baixo Augusta | Quadro 4 “O quarto quadro do texto chama-se “Um hotel chinês”. Nesse hotel, vemos a teia de relações que o comerciante de madeira C. Shlink tem com as pessoas que vivem à margem da sociedade. Ele usufrui e tira proveito financeiro desse mundo marginal à nossa sociedade que, por sua vez, não pode viver sem essa periferia. Uma relação íntima de perversão e exploração características da sociedade capitalista. O universo do hotel chinês do texto, assim como o Baixo Augusta, não é secreto. É escrachado e permeável, existindo à vista de todos.”

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5 Luz | Quadro 5 “Esse quadro da peça desenrola-se no mesmo cenário do quadro anterior, o hotel chinês. Porém, nesta imersão vamos pesquisar e realizar experimentos cênicos numa das regiões mais depreciadas da cidade. Vamos tratar de todas as questões urbanísticas, sociais e econômicas da imersão anterior, mas num grau de marginalidade social mais acentuado. Drogas e prostituição com custo menor. Um trabalho de aprofundamento nos limites da miséria humana na selva das grandes cidades.”

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6 Billings | Quadro 6 “Nesse quadro do texto os personagens estão no “Lago Michigan”, à margem da cidade de Chicago. Retiram-se do tumulto da cidade grande para se conhecerem? Em busca do entendimento intelectual? Em busca do entendimento dos corpos? Pela primeira vez na peça surge a mata com suas possíveis respostas diante de homens repletos de perguntas. A selva materializa-se na cena e reforça a metáfora do título da peça. A metafísica à qual se referem os personagens precisa da matéria para sair da esfera do conceito puro. Ao mesmo tempo é na mata que se buscam respostas. Mata que, hoje, ameaça a vida na cidade de São Paulo com seus reservatórios de água secando. Da selva vem a metáfora e a coisa real. A possível saída e a ameaça de destruição mais completa.”

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7 Cidade Tiradentes | Quadro 7 “Nesse quadro da peça retornamos à “Casa da família Garga” e a encontramos em melhores condições econômicas. Ganharam uma mobília do negociante de madeiras C. Shlink. Famílias pobres são retiradas de cortiços e favelas que surgiram e cresceram nos bairros centrais da cidade de São Paulo, sendo mandadas para bairros periféricos, mas que continuam a trabalhar nos bairros centrais. Grande parte do dia dessas pessoas é gasto com a locomoção entre suas casas e seus locais de trabalho. Por outro lado, contam com uma casa que lhes pertencerá depois de muitos anos de prestações. A relação dessas famílias com suas moradias assemelha-se à da família Garga com a sua mobília. Essa mobília lhes é dada em troca de suas opiniões, desejos, liberdades...”

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8 Butantã | Quadro 8 “No quadro oito do texto, intitulado “Escritório particular de C. Shlink”, o negociante de madeira recebe a notícia de que a polícia está vindo prendê- lo. Ele foge como fogem os gangsteres milionários. Especuladores modernos têm relações dúbias com as administrações públicas que comandam as ações policiais: às vezes são cúmplices, noutras vezes adversários.”

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9 CEAGESP | Quadro 9 “Na peça, estamos precisamente num bar em frente a um presídio. A vida que pulsa nesse tipo de lugar é repleta de espera, dor, dúvida, desconfiança, medo... São os lugares “habitados” pelos que não foram condenados pela lei mas que têm uma relação estreita e cúmplice com os que foram. Um mundo onde são traçados projetos futuros imprecisos e incertos. Um tempo que passa de modo diferente para quem está dentro e para quem está fora de uma prisão. Mães, mulheres, amantes, irmãs, amigos e parceiros encontram-se numa espécie de ante sala, criam relações, mas não saem do lugar pois a espera e as projeções de futuro são os motivos para todos estarem naquele lugar.”

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10 Cantareira | Quadro 10 “Os personagens C. Shlink, George Garga e Marie Garga encontram-se em um “Acampamento abandonado de operários de estrada de ferro nas pedreiras junto ao lago Míchigan” e têm seu embate final dentro da luta que se iniciou no primeiro quadro do texto quando C. Shlink desafia Garga. Nesse momento, os personagens, mais uma vez afastados do centro da cidade grande, conceituam a sua luta enquanto combatem o round final. A equipe vai sobrepor o acampamento abandonado e o lago Michigan à pedreira e às matas e represas da zona norte de São Paulo. A luta de homens modernos numa mata, à margem e à vista da cidade que servirá de metáfora e inspiração para a nossa “selvacidade”.

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11 Teatro Oficina “A equipe da mundana companhia vai ao território onde ocorreu a encenação de Na Selva das Cidades em 1969. Uma encenação que relacionava o crescimento vertiginoso desta cidade com o texto de Brecht. A destruição de casa e ruas do bairro do Bixiga para a construção do minhocão serviu como inspiração e matéria para a encenação. A memória de uma encenação do teatro brasileiro como referência para sua própria história. Nessa imersão a mundana companhia vai fazer experimentos cênicos dentro do atual terreiro eletrônico do Teatro Oficina e vai se encontrar com aqueles que participaram e com aqueles que foram espectadores da encenação de 1969. A memória e o afeto como inspiração e referência.”

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12 Minhocão | Quadro 11 “Sobre os escombros incendiados dos negócios de C. Shlink no quadro “Escritório particular do finado C. Shlink”, George Garga negocia com Manky a venda do que restou dos negócios de Shlink, assim como a vida do seu pai e da sua irmã, e vai embora para Nova Iorque. Garga negocia com os restos e parte para a busca de outra Selva-Cidade onde a vida possa ser melhor. Na nossa sociedade urbana, moderna, dinâmica e multicultural, a morte deixou de ser um rito de passagem para virar um mercado como outro qualquer. O cemitério e o mercado público com suas possibilidades de negociações e um futuro sem utopias, que não escapa às amarras do presente.”

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Ocupações e os Palcos A peça foi apresentada em três locais diferentes, e cada nova montagem é chamada de Ocupação. Daí o caratér “em obras” do projeto, pois está sempre se contruindo e descontruindo à medida que a companhia recomeça em um novo local. As três ocupações já realizadas foram: 1 Sesc Rio Preto, 2 Instituto Cultural Capobianco e 3 Sesc Pompéia. Em cada ocupação a espacialidade era completamente diferente da anterior, e por isso os cenários, a iluminação, o figurino e os elementos cênicos utilizados eram únicos a cada versão da peça, assim como relação dos atores com o espaço, que também teve de ser reinventada a cada nova estréia. A mudança mais drástica ocorrida de uma ocupação para a outra, no entanto, foi a relação palco-platéia. No SESC Rio Preto o palco italiano tradicional criava uma relação passiva do público em relação aos atores. No Centro Cultural Capobianco, a apropriação dos diferentes cômodos era realizada pelos atores lado-a-lado com os espectadores, que se confundiam nas ambiências criadas. No SESC Pompéia, por sua vez, o cenário e a platéia de “arena” se mesclavam de forma contínua, e o público tinha livre acesso a quase todos os espaços utilizados pelos atores, estando também “em cena”.

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Ocupação 1 Sesc Rio Preto (2014)


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1 Sesc Rio Preto Na primeira ocupação o espetáculo foi apresentado nos dias 08 e 09 de outubro de 2015, sendo no dia 08 a apresentação dos quadros 1 ao 6 e no Dia 09 a apresentação dos quadros 7 ao 11. A companhia utilizou para essa apresentação o Palco Italiano, com a separação entre palco e platéia realizada de forma tradicional. O cenário era composto por uma tela de projeções ao fundo, televisões penduradas na área da lateral esquerda, além de objetos de cena. No telão ao fundo do palco eram projetadas imagens e vídeos que se relacionavam aos quadros. Além disso, em uma sala paralela à de apresentação, alguns atores gravavam cenas simultaneamente ao espetáculo, que eram projetadas em tempo real, interagindo assim com aqueles que estavam “ao vivo”.

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2 Instituto Capobianco A segunda ocupação ocorreu de 28/10 a 01/11 de 2015 no Instituto Cultural Capobianco. No dia 28/10 foram apresentados os quadros 1 e 2, no dia 29/10 o quadro 3, no dia 30/10 os quadros 4, 5 e 6, em 31/10 os quadros 7, 8 e 9 e no dia 01/11 os quadros 10 e 11. A peça foi realizada em diversos espaços do Instituto, portanto o cenário mudava conforme o espaço utilizado. As cenas internas foram feitas no porão do Instituto e as externas na escadaria. Dessa forma, espectadores e atores se misturam, não havendo divisão entre público e artistas.

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3 Sesc Pompéia A terceira e última ocupação ocorreu em temporada de 19 de março a 15 de maio de 2016. Os espetáculos tinham aproximadamente 180 minutos de duração com todos os quadros da peça. Havia a transmissão de material audiovisual via smartphone durante o espetáculo para todos os espectadores que se conectassem a uma rede de intranet disponível. O cenário consistia numa “arena”, mas com alturas e níveis diferentes, estruturada por andaimes. A concepção cenográfica foi realizada de forma que a estrutura do galpão ficasse em evidência, valorizando a arquitetura do local. O objetivo era que a encenação dialogasse com o espaço e com a história ali presente. Para isso vigas e pilares eram destacados com iluminação, as janelas originais foram utilizadas como fontes de luz e toda a dimensão do galpão foi aproveitada. A platéia e os atores ocupam os mesmos espaços e o público tem a liberdade de mudar de lugar durante o espetáculo. Cada quadro apresentava um mapa de luz diferente, alguns com cores fortes, claramente artificiais e alguns que simulavam a luz natural nas diversas horas do dia. 54


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Da Rua ao Palco Por meio da justaposição e consequente comparação entre o acervo fotográfico e audiovisual das imersões e aquele das duas ocupações escolhidas para essa etapa de estudo, é realizada uma análise qualitativa dos elementos cênicos e das diversas linguagens teatrais exploradas pela mundana companhia na encenação de Na Selva das Cidades. Por meio desses estudos é possível entender como cada quadro se desenvolveu na imersão e nas ocupações correspondentes no Sesc Rio Preto e no Sesc Pompéia . O objetivo é entender como foram apreendidos os elementos do espaço urbano e as diferentes formas de trazê-los ou não ao palco, isto é, como foi o processo de compreensão do espaço da cidade e a sua tranformação em elemento cênico. Para essa experiência foram escolhidos dois quadros e suas respectivas imersões e ocupações. A escolha foi realizada buscando aqueles nos quais se deu de forma mais clara tal apreensão do elemento urbano transformado em cenário, figurino e luz.

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Na Selva das Cidades, Sesc Pompeia (2016) foto: Renato Mangolin


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Um Hotel Chinês | Quadro 4 “(...) O BABUÍNO O chefe só fica passeando pelo cais, controlando os passageiros dos barcos para o Taiti. Tem um rapaz que desapareceu levando a sua alma e toda a sua fortuna, talvez tenha ido para o Taiti. O chefe está atrás dele. Carregou para cá tudo o que restou e, por assim dizer, guardou cada bituca de cigarro. Apontando para Jane: Essa aí já faz três semanas que ganha comida de graça dele. Ele também abrigou aqui a irmã do rapaz, pessoa decente. O que ele quer com ela, não se sabe. Muitas vezes passam a noite inteira conversando. SKINNY E vocês deixaram que ele colocasse vocês no olho da rua e agora vocês pagam as contas dele e do séquito dele também? O BABUÍNO Ele dá os poucos dólares que ganha carregando carvão para a família do rapaz onde foi se alojar, mas não pode morar lá porque não vão com a cara dele. O cara simplesmente tirou as tripas dele. Arrumou uma viagem barata para o Taiti e pendurou um tronco de madeira na nuca do chefe que pode despencar a qualquer momento, porque, daqui a cinco meses, no máximo, vão chamá-lo ao tribunal para falar da venda dupla da madeira.(...) JANE semivestida, se maquia: Eu sempre imaginei que o meu fim seria assim: num bordel chinês. O BABUÍNO Você nem imagina tudo o que pretendem fazer com você.(...)” 58

Trecho do Quadro 4 de “Na Selva das Cidade”.


imersĂŁo 4 Baixa Augusta

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quadro 4 Sesc Rio Preto

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quadro 4 Sesc Pompeia

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Análises: Hotel Chinês No trecho apresentado, explicita-se a realidade do Hotel Chinês: um bordel. O comerciante de madeiras Shlink levou as personagens Jane e Marie (namorada e irmã de George Garga) para o seu submundo da prostituição e dos golpes, e dessa forma, conseguiu atingir a vida pessoal de seu inimigo. Para a melhor compreensão de tal espacialidade e ambiência, a mundana compahia foi a bordéis e casas noturnas da baixa augusta na imersão 4. A imersão foi registrada por meio de fotografias e vídeos, que revelam os elementos tidos como principais ou de mais valor cênico e dramático para a companhia. Num cenário noturno, as cores são muito exacerbadas com as luzes coloridas e contrastes acentuados da rua boêmia. Vê-se multidões de jovens em boates noturnas e bares, com garrafas de bebida e música funk. Um letreiro de neon tem destaque na filmagem. Com a palavra “Caribe”, esse elemento se relaciona diretamente com o texto do quadro 4, no qual desconfia-se que George Garga tenha fugido para o Taiti, uma ilha pertencente à Polinésia Francesa, considerado “paradisíaca”, um local de fuga da realidade, assim como as ilhas Caribenhas. No espaço onde se desenvolveram as cenas da imersão, volumosas pilhas de roupas foram dispostas no chão, com as quais os atores interagem em suas ações. Tais elementos sugerem e explicitam a eroticidade da cena, com um certo aspecto de “luxo decadente”, dialogando com o figurino, que segue essa mesma idéia. 62


Na Ocupação 2, no SESC Rio Preto, o cenário era composto por projeções num telão ao fundo do palco, televisores pendurados do teto e alguns objetos de cena. As luzes do quadro 4, baseadas nas visualidades obtidas na rua augusta, tinham cores vivas, artificiais. Os cabelos e o figurino também dialogaram com aqueles da imersão: tecidos puídos e de cores escuras com cabelos desgrenhados. O uso de acessórios exagerados imprimem humor ao visual das personagens (uma vez que a cena têm caráter de comédia) e certo aspecto de disfarce, de “foras-da-lei”. Dentre as projeções utilizadas nessa cena, estavam as imagens obtidas no vídeos da imersão, com especial destaque para o letreiro “Caribe” em neon. A Ocupação 3 foi realizada no Galpão do SESC Pompéia, e por meio de comparações dos elementos percebe-se a continuidade no desenvolvimento de alguns conceitos visuais, mas, paralelamente, algumas mudanças e inovações cênicas foram utilizadas. O estudo da cor das luzes foi aprofundado e o uso de algumas cores exacerbado. A iluminação de tons de rosa e vermelho, inspirados nos letreiros de neon da rua augusta, tornam-se muito mais extremos e marcantes, quando comparados com a ocupação anterior, onde seu uso foi muito mais tímido. O uso de gelo seco para criação de uma atmosfera misteriosa também se acentuou no SESC Pompéia e complementou os efeitos luminotécnicos.

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A maquiagem e o figurino seguem a mesma linha de raciocínio desde as ações na imersão, desgrenhados, sujos, evocando ebriedade e eroticidade num ambiente decadente. Alguns elementos obtidos na imersão e que não estavam presentes na Ocupação 2, mostraram-se no SESC Pompéia. Pilhas de roupas “sujas” eram retiradas de alçapões na cena do bordel chinês, assim como garrafas de bebidas e notas falsas, que também eram “props” nesse cenário. O funk, presente em um dos vídeos da imersão 4, também foi absorvido para essa cena, e ajudava a criar a ambientação do bordel chinês no contexto paulistano.

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imersão

ocupação 2

ocupação 3


Lago Michigan | Quadro 6 (...) MARIE As árvores parecem enfeitadas com bosta humana, o céu baixo, parece que dá para pegar com mão, como ele me deixa indiferente. Sinto frio. Sou como uma codorna meio congelada. Não sei o que fazer comigo. SHLINK Se isso te ajuda, eu te amo. MARIE Eu me joguei fora. Como o meu amor virou uma fruta tão amarga. As outras, quando amam, vivem seu bom tempo, mas eu estou murchando e tento me esforçar. Meu corpo está manchado. SHLINK Me conta até que ponto chegou, isso alivia. MARIE Deitei com um homem que é como um animal. Me entreguei a ele muitas vezes, ainda que o meu corpo estivesse insensível e não consegui me excitar.(...) Eu amei o senhor a cada minuto entre aquelas paredes e isso me deixou tão fanática que ele pensou que fosse amor e quis me reprimir. Eu adormecia para dentro da escuridão. Não devo nada ao senhor, mas a minha consciência grita que maculei o meu corpo, que é seu, mesmo que o tenha desprezado. SHLINK Sinto muito que esteja com frio. Pensei que o ar estivesse quente e escuro. Não sei como os homens desse país falam com suas amantes. Se isso ajudar: eu te amo. MARIE Sou tão covarde. Minha coragem foi junto com minha inocência. (...)” 66

Trecho do Quadro 6 de “Na Selva das Cidade”.


imersĂŁo 6 Billings

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Quadro 6 Sesc Rio Preto

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Quadro 6 Sesc Pompeia

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Análises: Lago Michigan No Quadro 6 as personagens Marie e Shlink estão às margens do Lago Michigan, num momento de paixão e desespero, com diálogos que se alternam entre declarações de amor e conversas de negócios entre uma prostituta e seu cliente. Nessa cena também, o personagem Monkey persegue Marie e observa escondido a interação de sua amada com o comerciante de madeiras, num ato de obsessão e insanidade. Para essa imersão, a mundana companhia se apropriou da Represa Billings como espaço cênico, no período do final da tarde. Um local afastado do centro, mas ainda sim acessível aos problemáticos moradores da cidade. A luz do fim da tarde e o pôr-do-sol refletido na represa são os principais elementos visuais observados nas fotografias e vídeos da imersão 6. Os atores desenvolveram dramaturgias nesse contexto bucólico que, por contraste com o texto, evidencia as mazelas psicológicas causadas pela cidade grande. O efeito de contra-luz também é muito marcante no material audiovisual dessa imersão, e num fundo de tonalidades amareladas as personagens muitas vezes tornam-se sombras e silhuetas. Focos de luz também são utilizados na imersão, com lanternas e holofotes, principalmente evidenciando a solidão do personagem Monkey. Os figurinos utilizados pelas personagens tem principalmente tons pastéis, beges e marrons, e os tecidos são leves e esvoaçantes.

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No SESC Rio Preto, o telão de projeções ao fundo do palco criava os contrastes de luz com os atores. As imagens projetadas recriavam a ambientação de fim de tarde/ noite, com um céu noturno que varia entre esfumaçado e estrelado. A relação do personagem Monkey com o foco de luz é desenvolvida nessa ocupação, e o ator utiliza um holofote como objeto de cena. No momento em que essa personagem dá suas falas, o ambiente fica escuro e o objeto em suas mãos é a única fonte de iluminação para suas ações. Dessa forma o personagem emerge do escuro com o holofote e só é possível de ser visto em seu “esconderijo” se ele assim desejar, se auto-iluminando. Na Ocupação 3, o quadro do Lago Michigan é um dos mais impressionantes do espetáculo no âmbito das visualidades cênicas. Como “pano de fundo” criou-se a luz de fim de tarde de forma artificial (as apresentações eram sempre no período noturno). Holofotes de coloração amarelada foram fixados na parte exterior das janelas do Galpão e assim, quando ligados, todo o ambiente era imerso num lusco-ofusco, ambientando de forma precisa o momento desejado.

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O figurino utilizado tem a mesma idéia daquele da imersão e da ocupação anterior, com tecidos claros e leves. O Lago Michigan era representado pelo vazio criado ao fim do deck de madeira que compunha o cenário. Com o uso de fumaça, esse vazio era preenchido e tinha-se a impressão de se estar à beira de um lago com vapor d’água na superfície. Durante as ações do personagem Monkey, o ambiente era escurecido e, assim como no SESC Rio Preto, o ator surge da escuridão com seu holofote em mãos e assim é responsável pela sua própria iluminação de seu espaço, corpo e ações.

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imersão

ocupação 2

ocupação 3


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segundo ato: Grupo XIX

Hysteria Grupo XIX foto: Adalberto Lima



O XIX e a Vila Maria Zélia O estudo do Grupo XIX foi de encontro ao meu interesse nesse Trabalho Final, uma vez que esss artistas representam um dos principais expoentes do teatro em local não-usual e “site specific” da cidade de São Paulo. Em residência artística há mais de uma década na Vila Maria Zélia, o Grupo tem pesquisas aprofundadas nesse tipo de teatro e assim, estudar seus primeiros espetáculos “Hysteria” e “Hygiene”, tem sido uma infindável fonte de conhecimento sobre o tema. O Grupo ainda representa um importante marco na história da Vila como patrimônio histórico, uma vez que devido à sua chegada nos edifícios previamente abandonados do conjunto, atraíram a atenção da mídia e da prefeitura, além de proporcionarem um uso digno para o espaço público que permaneceu fechado por tantos anos. O mais novo projeto do XIX dialoga diretamente com a proposta desse trabalho final, tendo como uma de suas etapas a criação de imersões pela cidade de São Paulo. Por esse motivo, ao final do capítulo, faço propostas de locação e projeto cenográfico inspiradas no espetáculo em desenvolvimento “A Estufa e a Cidade”.

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Hysteria Grupo XIX


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Hygiene, Grupo XIX foto: Jonatas Marques


Origens do Grupo A primeira peça do grupo foi criada originalmente como uma cena curta para uma disciplina de Direção Teatral ministrada pelo diretor Antônio Araújo em 2000 no EAD, na Escola de Comunicações e Artes da USP. O professor orientou o trabalho para que fosse desenvolvido utilizando o método colaborativo decorrente das pesquisas em sua própria companhia, o Teatro da Vertigem.1 Daí surge o Grupo XIX de Teatro, que teve com Hysteria, seu ponto de partida, e que continuou a aprofundar sua pesquisa temática na história do Brasil com uma abordagem da tradição oral e do cotidiano. Há 12 anos o grupo se encontra em residência artística na Vila Maria Zélia, o mais importante exemplar de Vila Operária em São Paulo. Os artistas utilizam os espaços que estavam abandonados para realização de suas apresentações e como sede da companhia.

1 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana, 2010. 81


Vila Maria Zélia A Vila Maria Zélia é um dos poucos exemplares de vilas operárias paulistanas que sobrevivem até os dias de hoje. São Paulo foi berço da industrialização nacional e teve aproximadamente 40 vilas operárias em seus tempos áureos. Construída entre 1911 e 1917, a vila foi idealizada pelo industrial Jorge Street (1863-1939), para abrigar residência para operários e equipamentos da Companhia Nacional de Tecidos de Juta. O projeto foi inspirado nas vilas operárias inglesas, que constituíram no fim do século XIX e começo do XX uma resposta ao legado de miséria, insalubridade e precárias condições de vida dos operários da primeira revolução industrial. Esse modelo de empreendimento fora idealizado pelo britânico Robert Owen, que aplicava em suas indústrias uma nova legislação trabalhista baseada no Socialismo Utópico, com jornadas de trabalho menores e uma preocupação dos empregadores em proporcionar condições básicas de vida para o operariado e sua família por meio de equipamentos de cultura, lazer e saúde. Por outro lado, as Vilas Operárias serviam aos industriais como forma de controlar seu funcionários mesmo fora do horário de trabalho, garantindo assim que essas pessoas seguissem um certo padrão de vida com o qual concordavam. 1

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1 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana., 2010. p. 55 - 62


Baseada nesses princípios, a Vila Maria Zélia possuía consultório médico odontológico, farmácia, creche, escolas, armazéns, açougue, restaurante, teatro, salão de baile, quadras poliesportivas, igreja, além de serviços de apoio como policiamento e transporte escolar. Haviam 6 tipologias de casas distribuídas conforme as necessidades de cada família. Em 1992 o conjunto urbano foi reconhecido como bem cultural de interesse histórico, urbanístico, arquitetônico e social pelos órgãos de preservação estadual e municipal (CONDEPHAAT e CONPRESP).

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Hysteria e a Espacialidade Hysteria, o primeiro espetáculo do Grupo XIX, foi apresentado em 30 lugares diferentes, dentre eles diversas cidades do Brasil e do mundo, ao longo dos seus quinze anos de existência. Os locais de apresentação, no entanto, sempre foram escolhidos com extrema cautela, pois deveriam ter as características especificamente determinadas pelo XIX para a realização desse espetáculo: uma casa ou casarão antigo, com janelas grandes que possibilitassem a entrada de luz natural, assim como no local onde estreou: a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, na rua Maranhão. A gênese espacial do espetáculo foi na sala de ensaio 23 do EAD, “com seu piso de tacos e grandes janelas elevadas”. Segundo REBOUÇAS (2010), dela surgiram os elementos que originaram a proposta ambiental de Hysteria. Para o autor o trabalho experimental realizado na sala foi determinante para os participantes: “(...) a relação com a materialidade dos locais ocupados é determinante para as intérpretes, pois construtora de um repertório de movimentação, gestual (de hábitos), de afetos e memórias. Elementos presentes neste momento reverberarão para as atrizes e constituirão a base sensorial que, em paralelo à pesquisa teórica, formarão a gênese da proposta.”2 Segundo a atriz Sara Antunes3 “na EAD consegui ver a arquitetura real daquela sala. A gente usava a parede, a janela, o chão, eles eram elementos que ajudavam a gente a narrar. Não estávamos investigando nada em cima deles, a gente usava o espaço como ele é. Hysteria fez por muito tempo isso”.

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2 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana, 2010. p. 24 3 Apud Idem. p. 25

Hysteria FAU Maranhão (2002) foto: Adalberto Lima


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Para o autor Peter Brook (1970)4 “as experiências teatrais mais vitais acontecem fora dos lugares oficialmente construídos e usados para este fim”. Rebouças explica que nesses espaços “a convenção teatral não é preexistente, e a possibilidade de instaurar novas dinâmicas é superior ao palco à italiana”. Além disso, para o diretor de arte, “A proposta de integrar as atividades arquitetônica e teatral possibilita experimentar lugares tomando do espaço real a condição de sítio cênico, tornando-se ele próprio, destituído de artifícios, espaço da representação. Esta sobreposição torna-se assim condição de inseparabilidade. Constitui uma contaminação ou um estado em que não se diferem espaço histórico/real e espaço cênico/imaginário: adquirem ambos uma nova condição, híbrida. A partir de então, são descobertas novas relações entre a cena e seu ambiente. As possibilidades ultrapassam a frontalidade sugerida pela disposição do palco e da platéia no edifício teatral, geralmente com o cenário instalado ao fundo, nas laterais ou ainda perspectivado. A dimensão total do espaço constitui o ambiente da cena.”5

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Apud Idem.

REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana., 2010. p. 25 - 26


A primeira temporada de Hysteria em São Paulo foi no Palacete Vila Penteado, na rua Maranhão, atual sede da Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Para Rebouças, o edifício histórico foi “o espaço que melhor atendeu a concepção e viabilidade de Hysteria .”6 À partir de então, em todas as suas próximas temporadas o Grupo XIX busca locais históricos com certas características específicas para encenar seu primeiro espetáculo, que sempre depende intimamente do espaço em que se insere. Nessa trajetória, o Grupo ocupa inúmeras casas e casarões antigos, e dessa forma a idéia do “habitar” passou de intuição a tema. O grupo, com a leitura de “A Poética do Espaço”, de Gadton Bachelard, se interessa pelo ato de morar como manifestação cultural e artística. Dentro desse tema do “habitar”, a passagem do século XIX ao XX no contexto brasileiro continua como ponto de interesse principal dos artistas, devido às inúmeras transformações sociais que ocorreram nesse período. O foco da pesquisa tornou-se as práticas higienistas do estado baseado nos moldes europeus, que impõe a casa unifamiliar à todos os trabalhadores e a criação de um novo espaço urbano por meio dos “processos civilizatórios”, criando assim a primeira crise de habitação social do país, que se agrava excessivamente com a chegada dos imigrantes europeus nessa mesma época. 6

Idem p. 38 87


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Hysteria Vila Maria ZĂŠlia(2016) foto: Jonatas Marques


O XIX, para dar continuidade à sua pesquisa, passa a estudar as vilas operárias paulistanas, descobrindo assim a Vila Maria Zélia em 2003. Mesmo com a maior parte das casas já descaracterizadas, o grupo surpreende-se com a paisagem e os edifícios, principalmente com a sua “capacidade de transportar no tempo”. O estado de abandono dos prédios públicos foi decisivo para a escolha do lugar, por agregar um misto de resistência e ruína.

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Hygiene e a Residência Ao chegar na Vila Maria Zélia e decidir que ali seria seu local de residência artística, o Grupo XIX inicia um processo de parceria e contato com os moradores e com os órgãos de tombamento responsáveis, até que, após muitas negociações, deu-se a ocupação do armazém 9. Segundo Rebouças: “iniciou-se um longo processo de relacionamento com os órgãos responsáveis pela gestão e destino do casario. O INSS (proprietário dos edifícios dos equipamentos urbanos) simpatizou-se pela proposta sem poder, contudo, emitir uma permissão oficial ao grupo”. Iniciam assim, a residência na Vila Maria Zélia, classificada como “invasão negociada”. 7 Essa característica provisória influenciou muito no processo de elaboração de Hygiene, o segundo espetáculo do XIX, uma vez que o próprio grupo experimentava uma condição não-oficial de moradia e residência artística. O autor ainda explica: “Para o segundo espetáculo, a opção por realizar uma imersão num ambiente específico, radicalizou os aspectos de uma experiência detonada anteriormente. Assim, amplificaram-se todos os elementos presentes no primeiro espetáculo, como a arquitetura dos espaços externos e internos, os materiais, formas e incidência luminosa. Somam-se ainda a este conjunto o fato do ambiente ser habitado por uma comunidade específica, que partilha uma memória comum, e a condição não-oficial de permanência.”8 7 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana., 2010. p. 69 90

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Idem. p. 72

Espetáculo Hygiene na Escola de Meninos (2016)


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O Grupo XIX permanece, até a atualidade, residente na Vila Maria Zélia, desenvolvendo seus trabalhos sempre utilizando os espaços da Vila. Um dos espaços utilizados em Hygiene é o das “ruínas” da Escola de Meninos. Essas ruínas mostram-se como um espaço cênico impressionante. Com o crescimento de uma densa vegetação no seu interior, o edifício abandonado transporta o espectador no tempo e no espaço, numa aura de mistério e encantamento. O olhar se perde por entre as árvores e a estrutura aparente do edifício em ruínas, num mar de diferentes cores, texturas e luzes. A utilização desse espaço público abandonado como local teatral, atrai olhares e atenções para ele, que não lhe seriam direcionados se não dessa forma. O espectador é atraído até lá pela peça, e à partir daí é inevitável um questionemte sobre o local, sua história, suas memórias. Com esse fato, fica evidente a importância e a influência que as intervenções teatrais em espaços nãoconvencionais podem exercer sobre esses lugares “esquecidos” do tecido urbano. Rebouças9, em sua dissertação, explica que o processo criativo de Hygiene teve como base dramatúrgica a criação dos personagens que surgiam pertencentes a uma espacialidade específica dentro dos espaços da Vila Maria Zélia. Esse processo representou também a transição do Grupo do espaço fechado do armazém à conquista da rua e dos outros edifícios.

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9 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana., 2010. p. 84 - 87


A primeira, segunda e terceira etapas desse processo de criação de personagens e do novo espetáculo ainda ocorreram nas dependências do armazém Nessas primeiras etapas, “o uso das características da sala permaneciam como na pesquisa de Hysteria. A atmosfera de tons sépia, constituída pela cor das paredes, piso e portas, favoreciam a presença de tais figuras no local e criavam enquadramentos singulares pelo relacionamento com a luz natural.10 Os principais elementos visuais observados nesse espaço eram, segundo Rebouças os “(...) pregos existentes nas paredes e portas, frestas pela frouxa corrente que prende a porta, gancho e grade do janelão, sua luz permitida que inunda o piso e os pilares em regiões específicas. A falha, a idade dos materiais, as várias demãos de tinta já gastas na parede, as gambiarras, as tábuas apodrecidas resistindo. precariedade das instalações: castiçais, velas.”11 O autor ainda explica: “Assim, entendia-se a arquitetura através das diversas possibilidades de deslocamento e aceleração, sendo o espaço tomado como lugar de práticas, de movimentos, de conexões e interações. Aprendizado de Hysteria aqui ampliado: é a geografia do corpo que redefine a arquitetura estabelecida”.12

10 Idem p. 84 11 Notas realizadas no caderno sobre o processo de construção visual de cenas do autor Apud Idem p. 86 12 Idem p. 87

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“Escola de Meninos” (2016)


A quarta etapa aconteceu nas Escolas de Meninos e Meninas, espaços até então abandonados, cobertos por uma densa vegetação que crescera de forma selvagem no interior dos edifícios. O diretor e o diretor de arte escolheram os locais que cada ator deveria habitar para criação de personagem dentro das escolas. Os atores se deslocavam até a escola sozinhos, apenas carregando uma mala recebida, que continha diversos ítens para estudo como objetos de cena e peças de figurino. O Diretor de Arte explica a proposta: “O desafio e abandono real permitiram entrar em contato com as falas do lugar. Dos espaços que viviam naquele período era necessário absorver informações, sensações, emoções, a fim de pertencê-lo. Quem poderia viver nestes locais? Que hábitos os personagens tinham?”13. E completa: ”O lugar esquecido tinha a mesma força que aqueles personagens, eram constituídos da mesma matéria quebradiça”.14 Para Peter Book (1970) “A vantagem do cenário pré-existente nos ensaios, supondo que ele tenha o espírito aberto, é que ele constitua uma matéria tão familiar ao espetáculo que seja habitado intimamente; ele não é mais um cenário simplesmente, mas um terreno de jogo”.15 13 REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana., 2010. p. 87 14 Rebouças, 2006 Apud Idem p. 89 15 Apud Idem

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“Escola de Meninos” (2016)


Rebouças explica que o espaço encontrado nas escolas era vivo, reagia às intempéries, modificando-se continuamente. Dessa forma, os personagens tinham territórios para vivenciar a conquista da ocupação, e assim, levar essa potencialidade para a peça. Para o autor, nessa etapa foi realizado um importante trabalho de “escuta do espaço”. ”O espaço tem suas preferências, e deve-se prestar atenção, há que estar atento às suas exigências. Ele impoõe certo tipo de discurso, de atuação, de estado em cena que se harmoniza com o espírito do lugar”. (CARRIÈRE, apud LECAT, 2003, p.87)16 Na quinta etapa de desenvolvimento de personagens os atores puderam escolher o espaço que queriam ocupar e a relação que teria com a platéia. Duas cenas ocorreram nas ruas da Vila evidenciando assim a necessidade da pesquisa em tomar a dimensão urbana como registro da linguagem. Segundo o diretor de arte um “processo de exploração espacial tomou a Vila”, ela inteira se torna um laboratório de investigação. “A invasão ‘cria auma intereferência na lógica da cidade, uma intromissão ao uso cotidiano dos espaços’ (CARREIRA, 2008, p.69), implica na criação de ‘estados de ruptura’. A fricção produzida pela tomada dos espaços por intervenções artísticas subverte os fluxos e ritmos cotidianos. Assim, o conjunto da Vila Maria Zélia tornou-se depoimento. Ali encontrava-se todo o argumento que necessitávamos para o direcionamento da pesquisa e realização do espetáculo”17 16 17

Apud Idem p. 91 Idem p. 94

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A ocupação do edifícios abandonados pelo Grupo XIX evidencia o não-cumprimento do destino original desses prédios, assim como ocorria nas ocupações de cortiços no século XIX. Além disso, o uso da rua foi essencial dramaturgicamente, uma vez que no Brasil pós-escravista, as relações de convívio se davam sobretudo nos espaços abertos e exteriores, como praças e mercados. Criouse, dessa forma, as espacialidades de Hygiene, peça que ocorre até hoje num percurso pelas ruas da Vila, finalizando na Escola de Meninos.

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Espetáculo Hygiene na Escola de Meninos (2016)


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Estufa em Projeto Nesta etapa farei um recorte temático dentro do novo projeto em desenvolvimento pelo Grupo XIX: “A Estufa e a Cidade”, que baseia-se livremente no romance de Virgínia Woolf “Mrs. Dalloway”. Inspirada pela primeira etapa de pesquisa proposta pelo grupo para esse espetáculo, me aprofundarei no estudo da locação e da cenografia de intervenções urbanas realizadas com a construção de “Estufas” pela cidade. Como realizado pela Mundana Companhia em suas imersões, realizarei um mapeamento de possíveis locais para as intervenções. Buscarei na história de Woolf correspondências com locais da cidade de São Paulo e assim será concebido uma proposta de mapa para as futuras intervenções do Grupo. Baseada nos conceitos propostos pelo XIX, farei também propostas arquitetônico-cenográfica para as Estufas situadas no mapeamento, procurando a otimização do diálogo entre a forma/ uso e o texto/ conteúdo.

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Fotomontagem “Casinha” do Parque Augusta Autoria Própria


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A Estufa e a Cidade Em 2015 o Grupo XIX foi convidado pelo Sesc São Paulo à criar uma performance para a exposição “Máquina Kantor”, sobre a vida e obra do multiartista polonês Tadeusz Kantor. Desenvolveram assim a ideia de uma “estufa”, relacionada ao trabalho que realizavam na época com o romance Teorema de Pasolini. Segundo o XIX1: “A estrutura da estufa, seu procedimento performativo, seu caráter de instalação e seu potencial semântico permaneceu em nós como um desejo de investigação. No entanto, ainda não tínhamos o nosso objeto. Foi quando identificamos a Vila (Maria Zélia) também como uma estufa e nossa necessidade de “alterar as condições de nossa experiência” que vislumbramos um projeto onde estufas temporárias, artificiais, poderiam ser construídas pela cidade afim de criar mini laboratórios urbanos para que pudéssemos pensar sobre outras formas de habitar, de conviver. Pensar também que seres, que relações, essas outras “condições” podem gerar.” O Grupo relacionou então, essas idéias à obra “Mrs. Dalloway” de Virgínia Woolf.

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1 GRUPO XIX DE TEATRO. Projeto A Estufa e a Cidade, apresentado para o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, Agosto de 2016. Não Publicado.


“Tal como a heroína do romance de Virgínia Wolf a ideia é sair a deriva, espreitar, captar o outro, o estranho. Aproveitar a materialidade da estufa e nos colocar em pontos da cidade onde a ordem, a organização e a norma, não vingaram ou foram sensivelmente transformadas. “ Sobre a relação com o romance de Woolf, o XIX ainda explica: “No romance, a dama burguesa que ascende rumo à sua noite de festa, o psicótico que descende rumo ao suicídio; a sanidade e a insânia lado a lado (“mas a linguagem do esnobismo e da loucura tramam cumplicidades”); o ensimesmamento da classe dominante e a vulnerabilidade extrema dos párias. Na nossa proposta, Mrs Dalloway vira Sra Street fazendo menção a Maria Zélia Street, filha do aristocrata Jorge Street, fundador da Vila operária Maria Zélia batizada como o nome da filha. Vamos fazer a nossa Sra Street caminhar por São Paulo, perder-se em São Paulo e voltar para sua festa ao fim do dia (ou ao fim dos meses de processo?) e perceber de que forma essa cidade visitada invade o ambiente protegido, estéril do seu lar burguês. De que forma essas vidas, em cantos opostos da cidade podem se cruzar. Queremos nós também, nessa deriva, lançar nosso olhar sobre a cidade, permitir que a cidade nos devolva esse olhar, e deixar que essas experiências, esses encontros, sejam eles bons ou ruins, atravessem, se façam presentes na festa final em nosso já conhecido lar que é a Vila Maria Zélia. A festa será então a memória dessa errância, desses “outros”, em contraste com esse “mesmo”: nós, os nossos vizinhos. “ 103


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Experimento Kantor, Grupo XIX (2015)


Trabalhando em cima da proposta do Grupo XIX, mas de forma livre e paralela, desenvolvi como exercício prático nesse Trabalho Final, propostas do que poderiam ser as intervenções urbanas com a construção de Estufas. “O projeto de construir estufas pela cidade aponta para a construção de limites e barreiras físicas em comunhão com a platéia, que em um mesmo movimento encerram, limitam e separam seus corpos, os expande internamente e cria canais de fuga e encontros pelos meios de comunicação experimentados durante a performance.”2

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GRUPO XIX DE TEATRO. Projeto A Estufa e a Cidade, apresentado para o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, Agosto de 2016. Não Publicado.

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Infláveis e Arquitetura Efêmera A palavra “Estufa” designa um recinto fechado que eleva a temperatura do ar ambiente, criando um microclima particular em seu interior. Surgem assim, condições especiais para o desenvolvimento e crescimento de plantas. Nas propostas aqui apresentadas a idéia é a mesma: criar um abrigo efêmero no qual seja possível imergir completamente numa experiência teatral no meio da cidade, criando-se um microclima único que proporciona o ambiente ideal para florescimento de novas idéias. Como a proposta do Grupo XIX é de diversas intervenções pela cidade, para a concepção do projeto procurei expandir e desconstruir o conceito de Estufa numa materialidade que fosse facilmente transportável, de baixo custo, rápida na montagem e desmontagem e cumprisse a função estética e cenográfica proposta. Os Infláveis ou Pneumáticos, revelaram-se a escolha ideal, relacionando-se à estufa em muito níveis de significação. Com a leitura do artigo “Balões e Túneis” de Marta Bogéa e Yopanan, pude me aprofundar no conhecimento das estruturas pneumáticas:1 “Nas estruturas infláveis: é a quantidade de ar, ou, em outras palavras, a pressão do ar, que vai fazer com que a estrutura mantenha-se rígida”.

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1 BOGÉA, Marta & REBELLO, C. P. Yopanan. Balões e Túneis, 2006. Disponível em: < http://www. http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/146/baloes-e-tuneis-22183-1.aspx >. Acesso em: 24 de nov. 2016.


Estruturas estabilizadas pelo ar são denominadas pneumáticas e a pressão do ar colocado sob a lona que lhe confere sustentação. A troca de ar com o meio externo é constante e por isso, o bombeamento de ar é necessário se houverem brechas por onde ele poderia “escapar”. O desenho e a forma das estruturas são definidas pelo desenho das costuras entre as partes que formam a membrana. Segundo Carlos Eduardo Luna de Melo e Jacqueline Barbosa2 “Tal envoltória constitui-se por uma membrana leve e maleável, fracionada em partes cujas ligações são por meio de costura ou solda. O ideal é que se tenha o mínimo de juntas possível, melhorando a resistência da estrutura.” No formato esférico, a estrutura pneumática tem seu melhor desempenho, uma vez que o ar, quando aumentada sua pressão, se expande esfericamente. As membranas são utilizadas historicamente como estruturas desde que o homem primitivo criou as tendas de peles de animais ou materiais em trama, fazendo assim parte da tradição nômade. Em Roma, embora pouco difundidas, há registros de tendas utilizadas pelos exércitos. Na Revolução Industrial, devido ao surgimento de materiais de grande resistência, a demanda por membranas aumenta e sua produção se desenvolve.

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MELO, Carlos Eduardo Luna de & BARBOSA, Jaqueline. Estudo da modelagem de Tensoestruturas - Forma arquitetônica e comportamento estrutural, 2015. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.184/5721 >. Acesso em: 24 de nov. 2016.

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Em 1946 nos Estados Unidos, Walter Bird projeta uma estrutura pneumática para a proteção de uma antena de radar, instituindo um marco na história dessas estruturas na Idade Moderna.3 Na década de 60, Frei Otto faz uma série de experimentações com bolhas de sabão, para assim obter um melhor entendimento da “mínima estrutura”, que era naturalmente criada por essa substância quando manipulada e tracionada. Por meio desses experimentos o arquiteto pôde construir formas e estruturas com membranas que só poderiam ter sido calculadas 40 anos depois com os softwares modernos. Exemplos disso são o Pavilhão da Alemanha na Exposição de Montreal em 1967 e no Complexo Olímpico de Munique em 1971.4 Ainda nos anos 60, o grupo britânico Archigram explora de forma única o conceito de arquitetura em movimento. Nesse contexto, utilizam membranas e infláveis em seus projetos, que apontam para a necessidade de abrigos com mobilidade que assegure os deslocamentos.5

3 MELO, Carlos Eduardo Luna de & BARBOSA, Jaqueline. Estudo da modelagem de Tensoestruturas - Forma arquitetônica e comportamento estrutural, 2015. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.184/5721 >. Acesso em: 24 de nov. 2016.

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4 SONGEL, Juan Maria. A Conversation With Frei Otto, 2010. Trecho Disponível em < http://www.archdaily.com/609541/video-frei-otto-experimenting-with-soap-bubbles> Acesso em: 24 de nov. 2016. 5 BOGÉA, Marta. Cidade Errante: arquitetura em movimento. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. p.39.

Projetos com Estruturas Infláveis (“Air House”, “Seaside Bubbles” ) Archigram (1964)


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Segundo o “Archigram Archival Project” da Universidade de Westminster, os projetos do grupo buscavam: “Desenvolver novas visões do que a vida e a sociedade poderiam ser num futuro imediato. (...) em outras palavras, o criativo uso de novas tecnologias para repensar a sociedade e as suas formas de habitação”.6 No final dessa mesma década, em 1968, o cenário de efervescência cultural e artística, propiciou o surgimento do grupo Ant Farm. Composto por estudantes de arquitetura norteamericanos, o coletivo criava estruturas infláveis como forma de expressão artística em represália à arquitetura brutalista da época: “Em oposição às massas de concreto necessárias à um prédio de (Louis) Kahn, o Ant Farm fazia infláveis, leves, móveis estruturas, que proporcionavam abrigo temporário, barato e sustentável”.7 Na atualidade, o uso de estruturas infláveis é extremamente difundido para a concepção de arquiteturas efêmeras. Principalmente no campo das artes plásticas, esse tipo de estrutura ganha força, em intervenções temporárias e instalações artísticas.

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6 Research Centre for Experimental Practice at the University of Westminster. About Archigram, 2010. Disponível em < http://archigram.westminster.ac.uk/about. php?pg=archi >. Acesso em: 24 de nov. 2016. Tradução da autora. 7 RUSH, Michael. Once Underground, Ant Farm Burrows Out, 2004. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2004/01/25/arts/art-architecture-once-underground-antfarm-burrows-out.html> acesso: 24 de nov. 2016. Tradução da autora.

Projetos com Estruturas Infláveis (“Free Time Inflatable”, e “Milanogram”) Archigram (1961-1974)


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Exemplo disso é o escritório de arquitetura alemão Plastique Fantastique. Fundado em 1999, o grupo se especializou na criação de instalações pneumáticas para atividades temporárias como uma forma alternativa, adaptável e de baixo gasto energético. Segundo o próprio grupo: “Transparentes, leves e móveis, as involtórias se relacionam ao conceito de ativar, criar e dividir o espaço público, envolvendo os cidadãos no processo criativo. Elas são, em muitos modos, as estruturas mais simples - uma pele que separa mas também conecta. O resultado é uma instalação de lugar-específico que respira nova vida na cidade e faz do invisível visível.” 8 O artista plástico argentino Tomás Sarraceno é outro exemplo do uso contemporâneo das estruturas inflávei para suas obras. Em seu projeto “Cloud-Cities”, o artista busca, há 10 anos, diferentes modos de representar como seria “viver no ar”. Em suas obras Sarraceno tem como conceito o desenvolvimento de uma cidade transnacional modular nas nuvens, que poderiam servir como modelo para novas práticas de construção sustentáveis.9

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8 Plastique Fantastique. Platform for temporary architecture. Disponível em < http://plastique-fantastique.de/Plastique-Fantastique> acesso 24 de nov. 2016. Tradução da autora. 9 Studio Tomás Saraceno. Cloud Cities. Disponível em: <http://tomassaraceno. com/projects/cloud-cities-flying-garden/> acesso em: 24 de nov. 2016. Tradução da autora.


Projeto Cloud Cities Tomรกs Sarraceno

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Mapeamento das Estufas O mapeamento das Estufas para intervenções foi realizado buscando cenas selecionadas do romance de Virgínia Woolf na cidade de São Paulo. Para isso, selecionei quatro “quadros” do romance que se apresentaram a mim como os mais marcantes e de maior interesse dramatúrgico e cenográfico. Nessas intervenções, a cena não seria realizada de forma tradicional, com o texto retirado do romance. A intenção seria criar a ambiência daquele momento cênico na locação proposta, relacionando cenografia, paisagem urbana e a encenação improvisada. O primeiro momento, a cena de abertura do livro, é a saída de Clarissa Dalloway de sua casa e o primeiro encontro do dia, com um amigo de infância. Essa cena em São Paulo, foi encontrada na “Casinha” do Parque Augusta, que remete ao St. James Park descrito no livro como o local onde ocorre o encontro com Hugh. O segundo momento se passa na loja de flores Mulberry, onde ocorre o encontro com Septimus. Para tal acontecimento, a Pracinha Oscar Freire se adequou perfeitamente. No terceiro momento ocorre o suicídio da personagem Septimus, muito bem situado no Mirante 9 de Julho. O quarto episódio selecionado é a festa de Mrs. Dalloway ao final do dia. Esse acontecimento claramente seria na Vila Maria Zélia, como proposta de “volta para casa” do Grupo XIX. 114


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1 Parque Augusta

2 Pracinha Oscar Freire

3 Mirante 9 de Julho

4 Vila Maria ZĂŠlia

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1 Parque Augusta | St. James Park “Mrs. Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores. (..) Mas que manhã, pensou Clarissa Dalloway - fresca como para crianças numa praia! Que Frêmito! Que Mergulho! Pois sempre assim lhe parecera quando, com um leve ringir de gonzos, qua ainda agora ouvia, abria de súbito as vidraças e mergulhava ao ar livre, lá em Bourton. (...) Que loucos somos, pensava ela atravessando Victoria Street. Só Deus sabe como se ama a isto, como se considera a isto, compondo-o sempre, construindo-o sempre em torno de nós, derribando-o, criando-o de novo a cada instante; até as últimas mandingas, as mais baixas misérias dos portais (bebem a sua ruína) faziam o mesmo; impossível, ela o sabia, impossível salvá-las com leis parlamentares, por esta simples razão: amava a vida. Nos olhos dos passantes, na sua pressa, no seu andar, na sua demora; no burburinho e vozearia; carros, autos, ônibus, caminhões, homens sanduíches bamboleantes e tardos; charangas; realejos; na glória e no rumor e no estranho aerocanto de algum avião sobre a sua cabeça, estava isto, que ela amava: a vida, Londres; aquele momento de junho.

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(...)


Mas que estranho, ao entrar no parque, o silêncio; a obscuridade; o sussurro; o lento nadar dos patos satisfeitos; as papudas aves meneando-se; e quem era que vinha vindo lá dos edifícios do governo, carregando uma pasta com as armas reais, senão Hugh Whitbread? Seu velho amigo Hugh - o admirável Hugh! (...) sua mulher tinha algum incômodo interno, nada sério, mas que Clarissa Dalloway, como velha amiga, deveria compreender sem mais explicações. Sim, naturalmente que compreendia...Que transtorno, não? Sentia-o, sim, como uma irmã, mas ao mesmo tempo, estranhamente, pensava no seu chapéu.” Trechos retirados de “Mrs. Dalloway”, Virgínia Woolf.

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Na primeira cena do romance, Clarissa Dalloway sái para comprar flores. Durante o passeio pelas ruas de Londres, as lembranças de sua infância em Bourton, são trazidas à tona e Clarissa sente-se bem nesse momento nostálgico, pensando em como “amava a vida” e “esse momento de junho”. Atravessando o St. James Park, encontra seu amigo de infância Hugh Whitbread, que lhe conta que estava na cidade “para ver médicos”, pois sua esposa estava doente. Tal notícia não gera grande comoção em Clarissa, que logo volta às suas memórias, pensando nas cenas com Peter (seu antigo amor de juventude) e Hugh. A cenografia de tal momento deveria proporcionar a sensação de sonho e nostalgia, lembranças de infância, contos-de-fada. Para isso, a “Casinha” do Parque Augusta mostrou-se a locação ideal. Com ares de ruína e paredes totalmente cobertas por coloridos grafites, o local (que já foi palco de diversas intervenções artísticas) se mostrou um potencial transporte no tempo e nas memórias daqueles que o exploram. Os infláveis colocados em seu interior, exacerbarim ainda mais essa ambiência, criando abrigos e túneis permeáveis, de cores quentes, em tons de vermelho e rosa. Tais colorações remetem à fantasia, ao mesmo tempo em que podem causar desconforto dependendo da tonalidade, podendo assim, ser exploradas pelos atores nos diferentes momentos da encenação. O material colorido e translúcidos permite ver os desenhos nas paredes, criando essa atmosfera surreal, ao mesmo tempo em que deixa claro o percurso e os locais onde se deve entrar durante as apresentações. 118

“Casinha” Parque Augusta


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InflĂĄveis no Parque Augusta. Quatro volumes em tons de vermelho e material translĂşcido ocupam diversos ambientes da casa.

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Fotomontagens do interior e do exterior da casa.

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2 Oscar Freire | Loja de Flores “ (...) Avançou, rápida,, alta, muito direta, recebendo logo a saudação da rechonchuda Miss Pym, cujas mão estavam sempre vermelhas, como se conservasse em água fria, junto com as flores. Por toda parte, flores: delfínios, ervilhas-de-cheiro, ramos de lilases; e cravos, montões de cravos. Rosas também; irís. Ah! - ela aspirava o suave aroma do jardim terrestre, enquanto conversava com Miss Pym, que lhe devia favores e a supunha boa, pois tinha sido antes; muito boa, mas parecia mais velha, aquele ano, volteando a cabeça para um e outro lado, entre os íris, as rosas, os balouçantes tufos de lilases, aspirando-lhes de olhos entrecerrados, após o tumulto da rua, o delicioso perfume, o adorável frescor. (...) E começou a andar com Miss Pym de floreira em floreira, escolhendo, tolices, tolices, dizua consigo, como se aquela beleza, aquele perfume, toda aquela cor, e Miss Pym, que a estimava, que acreditava nela, fossem uma onda que a envolvesse e afogasse aquele monstro, o afogasse de todo; e a elevava cada vez mais alto, quando - oh! um tiro de revólver lá fora, na rua! - Meu Deus, estes autos! - disse Miss Pym, indo à janela espiar e voltando com um sorriso de desculpas e as mãos cheias de ervilhas-de-cheiro, como se aqueles autos, aqueles pneus de autos fossem culpa sua. (...) 124


E Septimus Warren Smith, que não pudera passar, ouviu. Septimus Warren Smith, de cerca de trinta anos, pálido, nariz aquilino sapatos amarelos e sobretudo puído, de olhos claros, com esse olhar desconfiado que inspira desconfiança aos demais. O mundo alçara seu látego; sobre que se abateria? (...) Ali estava o auto, de cortinas descidas, que tinham um curioso desenho semelhante a uma árvore, pensou Septimus, e aquela gradual centralização de todas as coisas ante os seus olhos como se algo fosse surgir daquilo e tudo estivesse a ponto de estalar em chamas, aterrorizou-o. O mundo oscilava, fremia e ameaçava estalar em chamas. Sou eu que estou estorvando o caminho, pensou. Não era ele que estava sendo olhado e apontado? Não estava ali plantado, na calçada, com um firme propósito? Mas que propósito? “ Trechos retirados de “Mrs. Dalloway”, Virgínia Woolf.

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Clarissa Dalloway passeia pelas vitrines de Bond Street e nesse trajeto, a personagem reflete sobre a sociedade de aparências em que vive e a importância de tais coisas diante da efemeridade da vida. Chega então ao seu destino final e se encanta com as cores e perfumes, sendo transportada novamente para o seu mundo interior fantasioso e nostálgico. Um barulho alto vindo da rua, interrompe sua compra e seus pensamentos momentâneamente, mas logo tudo volta à tranquilidade. Paralelamente, a autora descreve a passagem do personagem Septimus pelo mesmo local, que também ouve o barulho. Recentemente voltado da guerra, Septimus está deprimido, e até já ameaçou suicidar-se. Sofrendo de pânico, o mesmo barulho que pouco alterou a cena de Mrs. Dalloway, o perturba enormemente. A rua Oscar Freire, mostrou-se muito apropriada para essa cena: endereço das lojas mais caras de São Paulo, num dos bairros mais elitizados da cidade. A reflexão sobre consumismo, sociedadeespetáculo, relações superficiais e alienação das classes mais altas são urgentes nesse local. A própria “Pracinha Oscar Freire”, na qual esse projeto foi implantado, apresenta-se como uma proposta de democratização do espaço. Sendo, na teoria, de uso público, a “praça” está confinada entre lojas de elite, e tem seu acesso claramente limitado pelo ambiente ao redor.

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Para a cenografia, a idéia foi criar uma espacialidade que deixasse claro o paralelismo da realidade das duas personagens. O percurso de Mrs. Dalloway situa-se num nível acima, no deck de madeira da praça, enquanto Septimus tem seu “túnel” no nível inferior. Clarissa pode passear livremente entre as estruturas infláveis de cores quentes, entrando e saindo delas, enquanto Septimus está confinado entre paredes, num túnel transparente, exposto e sem saída.

“Pracinha” Oscar Freire (2016)


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Infláveis na “Pracinha” Oscar Freire. Dois volumes em tons avermelhados ocupam o deck de madeira no nível superior, enquanto um túnel transparente se encaixa no espaço da rampa.

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3 Mirante 9 de Julho | Suicídio “ (...) Quis discutir com ela sobre a necessidade de se matarem; explicou como a gente era má; as mentiras que inventavam os transeuntes e que ele via. Conhecia todos os seus pensamentos, disse; conhecia todas as coisa. Conhecia o sentido do mundo, disse. (...) Tinham de estar juntos, partilhar de tudo, lutar, discutir. Mas quando Evans (Rezia, que o vira uma vez, dizia-o um “homem quieto”, um homem decidido, ruivo, calado em presença de mulheres), quando Evans foi morto, pouco antes do armistício, na Itália, Septimus, longe de demonstrar emoção e reconhecer que era o fim de uma amizade, congratulou-se por sentir tão pouco e ser tão razoável. A guerra o havia educado. Era sublime, aquilo. (...) Comprometeu-se uma tarde em que o pânico se apoderou dele... porque não podia sentir nada. (...) Sua mulher estava chorando, ele não sentia nada; somente, a cada um daqueles profundos, abafados. desesperados soluços, descia ele mais um passo no abismo. (...)

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...e sacudiu-se de riso e furor, pois o doutor Holmes parecia encarnar para ele alguma coisa horrível. “Natureza Humana”, era assim que o chamava.


(...) Holmes estava subindo a escada. Holmes ia entrar porta adentro. Holmes diria: “Com uma crise, hein?” Holmes o levaria embora. Mas não: nem Holmes nem Bradshaw. Erguendo-se com certa dificuldade, trôpego até, fitou a reluzente face de cortar pão, de Mrs. Filmer, com a palavra “pão” gravada no cabo..Ah, mas iria sujá-la. E o gás? Mas era demasiado tarde. Holmes se aproximava. Poderia utilizar as navalhas, mas Rezia, que sempre fazia das suas, as havia guardado. Restava a janela” (...) “Mas esperaria até o último momento. Não desejava morrer. A vida era boa. O sol aquecia. Se não fossem os seres humanos...” (...) “Holmes já estava na porta. - Isto é para você! - gritou-lhe Septimus, e arrojou-se com força, violentamente, sobre a cerca de Mrs. Filmer.” Trechos retirados de “Mrs. Dalloway”, Virgínia Woolf.

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No mesmo dia em que Clarissa prepara sua festa e sái para comprar flores, Septimus Warren Smith tem suas últimas horas andando pela cidade com sua esposa Rezia antes de cometer suicídio. O personagem é descrito com sérios problemas de saúde mental, que podem ser interpretados como síndrome do pânico e depressão pós-traumática. Septimus está definhando, pois não consegue “sentir nada”. Desde a morte de seu companheiro de guerra e amigo Evans, o personagem sofre de profunda depressão, ouve vozes e tem visões, que são normalmente desencadilhados por lembranças da guerra. Rezia tenta ajudá-lo levando-o à médicos que, ao perceberem o grave estado do paciente, decidem que ele deve ser levado a uma “casa”. Os últimos momentos da personagem ocorrem quando o médico Dr. Holmes chega à casa de Septimus e Rezia para levá-lo e ele, num ímpeto desesperado, se joga da janela. Para criar a atmosfera de tais momentos, busquei um local que fosse espacialmente impactante e causasse o desconforto da vertigem. Dessa forma, a escadaria do Mirante 9 de Julho foi escolhida. A idéia seria uma cenografia que direcionasse o olhar para a perspectiva desejada, e assim, juntamente com a atuação, os atores poderiam criar cenas de desconforto, medo e desespero.

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Com a proposta de inflável em forma de túnel vermelho (cor utilizada nas outras Estufas, e que, nesse caso, também dialoga com o MASP) as cenas ocorrem em toda a extensão da escada, fazendo uma analogia à “decadência” de Septimus. Ao final do túnel, uma parede de plástico transparente se abre para a única saída possível: a queda na Av. 9 de Julho.

Vista da Escadaria Mirante 9 de Julho (2016)


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Inflável na escadaria do Mirante. Um longo túnel de coloração avermelhada ocupa a primeira parte da escadaria.

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Fotomontagens do interior e do exterior do tĂşnel inflĂĄvel.

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4 Vila Maria Zélia | Festa Final “ (...) Que tinham os Bradshaws de falar em morte na sua festa? Um jovem se havia suicidado. E falavam disso na sua festa - os Bradshaws falavam de morte. Suicidado...mas como? (...) Ela uma vez lançara um xelim na Serpentina, nada mais. Mas ele jogara a si mesmo. (...) Mas havia uma coisa que mais importava; uma coisa, emaranhada pelas conversas, desfigurada, obscurecida, na própria existência dela, Clarissa, uma coisa que se desgastava, dia a dia, em corrupção, mentiras, conversas. Essa coisa, ele a havia preservado. A morte era um desafio. A morte era uma tentativa de união ante a impossibilidade de alcaçar esse centro que nos escapa; o que nos é próximo se afasta; todo entusiasmo desaparece; fica-se completamente só...Havia um enlace, um abraço na morte. (...) E, depois (sentira-o ainda naquela manhã), havia o terror; a acabrunhante incapacidade, pois nossos pais a puseram em nossas mãos, esta vida, para que vivamos até o fim, para que andemos serenamente com ela; havia nas profundezas do seu coração um terrível medo. 140


(...) E, coisa estranha, incrível: nunca se sentira tão feliz. Nada poderia agora ser bastante lento; nada durar demais. Nenhum prazer poderia igualar-se, pensava, endireitando a cadeira, recolocando um livro na estante, a isto de haver terminado com os triunfos da juventude, de se haver perdido na corrente da existência, para encontrar a vida, com um choque de alegria, quando o sol nascia, quando o sol se punha. (...) Mas que noite extraordinária! Sentia-se de certo modo como ele..o jovem que se havia suicidado. Sentia-se contente de que ele tivesse feito aquilo; alijado a vida, enquanto ela continuava a viver. O relógio batia. Os pesados círculos se dissolviam no ar. Mas tinha de voltar para junto deles. Tinha de reuní-los. Tinha de encontrar-se com Sally e Peter. E deixou a saleta. (...) - Richard melhorou. Tens razão - disse Sally. - vou falar com ele. Vou darlhe boa noite. Que importa o cérebro - disse Lady Rosseter, levantando-se - ,comparado com o coração? - Eu também vou - disse Peter, mas deixou-se ficar sentado, um momento. Mas que terror é este? pensou consigo. Que êxtase me vem? Que é que me enche de tão extraordinária excitação? É Clarissa, descobriu. Pois ela ali estava.” Trechos retirados de “Mrs. Dalloway”, Virgínia Woolf.

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A festa de Clarissa Dalloway ao final do romance é um sucesso e funciona como um encontro final das personagens, reunindo, literalmente numa mesma cena, quase todos os indivíduos citados no livro, incluindo àqueles do passado da portagonista. A notícia sobre o suicídio de Septimus chega aos ouvidos de Mrs. Dalloway, que logo de início se choca e se irrita pois “falavam disso na sua festa”. Em seguida, no entanto, Clarissa tem uma longa reflexão e divagação sobre o assunto, chegando à conclusão que o fato de o jovem ter se suicidado podia ser entendido como um belo gesto de “preservação da vida”, da juventude. Na versão do Grupo XIX, Mrs. Dalloway seria Mrs. Street, filha do empresário Jorge Street, fundador da Vila Maria Zélia. Após sua trajetória pelas ruas de São Paulo com as intervenções propostas pelo grupo, Mrs. Street volta para casa, isto é, para a Vila Maria Zélia, para um espetáculo final. O Grupo propõe que a sua volta pra casa, assim como no romance de Woolf, seja um momento de reunir todos os elementos cênicos aprendidos e apreendidos nas ruas de São Paulo, num desfecho festivo e apoteótico, que só poderá ser concebido após os meses de processo. Uma proposta de projeto cênico não caberia nesse contexto tão incerto e, por isso, uma colagem de possibilidades visuais foi realizada ao final desse caderno para ilustrar de forma livre a idéia, ainda muito tênue, do que poderia vir a ser essa festa.

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“Escola de Meninos” (2016)


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epílogo

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São Paulo à noite vista do Ito. Cristiano Mascaro.


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Conclusões Buscou-se com o presente trabalho a melhor compreensão sobre quais seriam as “vantagens” de o teatro sair de seu edifício tradicional, com a ocupação das ruas e outros edifícios. Procurei entender se haveriam prerrogativas tanto para o teatro em si, quanto para a cidade e seus habitantes. A conclusão foi positiva. Novamente, a explicação (já apresentada neste Trabalho Final) da frase de Peter Brook (1970 )1 por Renato Bollelli Rebouças, explicitam o que tal relação traz de positivo para as artes cênicas: “A proposta de integrar as atividades arquitetônica e teatral possibilita experimentar lugares tomando do espaço real a condição de sítio cênico, tornando-se ele próprio, destituído de artifícios, espaço da representação. Esta sobreposição torna-se assim condição de inseparabilidade. Constitui uma contaminação ou um estado em que não se diferem espaço histórico/real e espaço cênico/imaginário: adquirem ambos uma nova condição, híbrida. A partir de então, são descobertas novas relações entre a cena e seu ambiente. As possibilidades ultrapassam a frontalidade sugerida pela disposição do palco e da platéia no edifício teatral, geralmente com o cenário instalado ao fundo, nas laterais ou ainda perspectivado. A dimensão total do espaço constitui o ambiente da cena.”

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Apud REBOUÇAS, Renato Bolleli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os

processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana, 2010. 148


Tendo em vista a cidade e a sociedade, as vantagens de tal relação mostraram-se claras por diversos motivos. No presente Trabalho Final vimos a Mundana Companhia, com suas imersões e ocupações, prestando atenção em regiões normalmente invisíveis aos olhos da sociedade. O Grupo XIX, ao mesmo tempo, ocupa um patrimônio histórico abandonado, transformando-o num pólo cultural, vivo e dinâmico. Em ambas as situações apresentadas o teatro fora do edifício teatral cumpriu sua função e ocupou a cidade de forma primorosa: ativando espaços, propondo mudanças, invadindo e (des)ordenando. A cultura é retirada do lugar elitista que normalmente se encontra, e trazida para as ruas, para a cidade, para as pessoas. Em última instância, a real intenção dessas propostas é muito simples: propiciar para alguns indivíduos a sorte de depararse com Clarissas Dalloway, Georges Garga, Romeus e Julietas andando pelas ruas de São Paulo. Com esses encontros, o dia vivido na cidade torna-se menos concreto, desconstruindo-se numa materialidade menos consistente, mais etérea e fantástica.

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Referências Bibliográficas TEATRO DA VERTIGEM. Trilogia Bíblica. São Paulo: Publifolha,2002. REBOUÇAS, Renato Bolelli. A Construção da Espacialidade Teatral: Sobre os processos de direção de arte do grupo XIX de teatro. Dissertação de Mestrado. Orientação Prof. Dr. Fausto Roberto Poço Viana, 2010. SCHECHNER,R. PerformanceTheory. NewYork:Routledge,1977.
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Fotomontagem da “Festa Final” na Escola de Meninos Vila Maria Zélia

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