Poesias
Lambe-olhos
Marinaldo L Batista
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Sumário
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O fazer poético...........................................................3 Boneca........................................................................4 Busto..........................................................................5 Diálogo.......................................................................7 Amor platônico...........................................................8 Álbum de casamento...................................................9 A cor d alma..............................................................10 O vilarejo...................................................................11 Viés............................................................................13 Sonho.........................................................................14 Essência.....................................................................15 O Corpo......................................................................16 Rua esquecida............................................................18 Dúvida.......................................................................19 A Gênese....................................................................21 Pela janela.................................................................22 Cena..........................................................................23 O espelho...................................................................24 A morte do escritor....................................................25 Último verso...............................................................26 Amor..........................................................................27 Memória.....................................................................28 Amor: Outra versão....................................................31 A cria.........................................................................32 Livre..........................................................................34 Sétimo dia..................................................................35 Máquinas...................................................................36 A pesca........................................................................37 A rosa.........................................................................40 Amor eterno.................................................................41 A Gênese......................................................................43 Aula.............................................................................44 Brincadeiras...............................................................45 Coito............................................................................46 Culinária.....................................................................47 Duplicidade.................................................................48 Indecência....................................................................49 Eu................................................................................50 Nós...............................................................................51 Ler...............................................................................52 Mãe..............................................................................53 Marca..........................................................................54 O velho ditador............................................................55 Ontem..........................................................................56 A espera......................................................................57 Poema quebrado..........................................................58 Conhecendo o autor....................................................59
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O Fazer poético
O porquê da escolha do nome do livro de Lambe-olhos. Primeiramente é a menor abelha do mundo, com aproximadamente 1,5 milímetros. Sua obra mesmo minúscula tem importância vital. Segundo não tem ferrão conseqüentemente não fere ninguém. Mas não foi por causa do tamanho nem pela maneira de voar e nem pela ausência de ferrão. Foi sim porque acho, na minha humilde opinião, que o trabalho do escritor é parecido com o das abelhas em geral. Como sabemos, o néctar está nas flores, e as abelhas o tiram no zun- zun- zun de todo dia, e levam para suas colméias juntando cuidadosamente o produto de seu trabalho formando o mel. E esse mel é alimento paro o corpo e alma. O escritor da mesma forma. De nossas leituras e observações de vida, criamos nossos textos. Os escritores que amamos ficam no fundo de nossos corações. E foi assim, feito a pequena abelha lambe olhos que criei a maioria desses textos. Fui roubando o néctar dos grandes e com empenho construindo outros textos não tão grandes como o dos meus ídolos, mas não tão pequenos que não te emociones. E creiam,quando em frente ao branco do papel ou da tela do computador, essas coisas e os próprios autores surgem em espíritos e suas palavras mágicas nos afloram. Não estou querendo com isso explicar o plágio. Como disse Pessoa: “O poeta é um fingidor”. E os leitores são perspicazes, e inteligentes. Para que não me chamem de ladrão de idéias e de textos, fiz essa introdução. Se não me acreditarem, digo que todo escritor, com algumas exceções, são ladrões verdadeiramente. Não o ladrão barato de galinhas, mas pequenos ladrões de sentimentos.
Marinaldo L batista
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Boneca
A
ma-me, boneca de plástico,
De seios duros, ancas redondas, Oriunda da costela. Confunda-me com sua bunda, Abunde-me de carinho, Meu ninho será Tua vagina morna, de pelos duros, Escuta meus apelos, surdos, E escuta em silêncio, Minhas tormentas que são muitos, Que divago, nessa vaga imensa, Que é o entardecer... Nessas horas mortas, Aquela que Clarice se angustia, Lispector, circunspecta se alicia, Quando o sol é cálido, quando as sombras crescem, Proteja-me essa noite sem fim. E de manhã, juntando os cacos, nacos de vida, Desinflo-te com meus medos e Guardo-te num armário escuro.
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Busto
Que homem Deus, Este no meio da sala, O qual observa calado, o tempo passar, Que não fala... Que já não ouve seu rádio, As notícias na televisão, Que as mãos cheias de calos Nos raros afagos Já não o faz Já não dá atenção Nem a benção Nem busca o pão.
Ele ficou assim, estátua. A voz saia um grunhido e Os olhos brilhavam, Dizer coisas,
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Os cabelos brancos desalinhados, Ânsia de viver. Mas nada precisa dizer O silêncio ecoa Mesmo nos abismos Baque surdo, Estampido, Pontas de agulhas; Outro dia no banho de sol, De mansinho o observei... Nos seus olhos uma lágrima congelada, Como numa fotografia antiga. Tanta hombridade, como madeira curtida, Foi à guerra, lutou... Como amou... Do seu jeito. Aquele jeito calado Sem palavras. Só emoção guardada no fundo da alma, Os braços longos abertos que protegia Agora indagavam: Sinto a brisa... As emoções... Serei eterno?
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Diálogo
Duas crianças olhavam os céus e falavam: -Eu quero a lua. É tão linda e nua. O outro remedou: - Eu o sol que é maior. O outro: - Eu as estrelas. São infinitas. Logo o outro terminou: -Eu o universo. Confesso: Sonhem crianças, sonhem! É o que nos resta.
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Amor platônico
Quando era criança brincando de amarelinha te amei. Sussurrava: Amor da minha vida! Infinito. Até quando, o sol desaparecia sob o muro no quintal. Era quando se imiscuía no quarto, Ouvia teus beijo e abraços Muitas vezes, fingi não ver. O álbum de casamento, que tormento. Bem de longe te odiei. Com que desejo estava ao entardecer. Quando cantavas aquelas canções tristes... Já no teu velório, estavas linda, Mesmo com a palidez, e tua tez era de menina, Entre as flores e morta. Quando levantei o véu e te beijei O teu ultimo... O primeiro meu. 8
Álbum de casamento
U
m casal.
Ela sorria, ele sério. Apaixonado logo se via. Via? Ou sorriso amargo De amor corrompido e sofrido? Marcas de vidas: as rugas. Rusgas? O tempo presente pressente... O passado ao acaso invade. Enfados da vida e da morte, Quimeras? Tudo contido num sorriso corrompido Ou no silêncio. Felizes? Traições e ilusões houve? Não importa. Afinal é só um quadro, Que suporta, Um retrato, Pendurado na parede, Em preto e branco e Desbotado.
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A cor d´alma
A
alma será alva ou incolor? Ou multicor?
Terá as cores do mundo? Se do mundo É imunda. E o que será De Raimundo?(Só a rima). Pois o mau e o mal abundam E se de carnes e vísceras Essas almas se cobrirem, Em arquétipos joviais e belos Anjos e demônios Deuses e homens Feitos à própria imagem Confundem.
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O vilarejo
A cidade dos meus sonhos tem: Ruas tortas e casas coloridas, Janelas aberta ao vento E nelas jarros floridos, Oit達o para jogar-se o pi達o, O cheiro de caf辿 torrado, A voz de minha m達e cedinho: -menino deixa o mundo entrar Devagarzinho. Voar Como passarinho.
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Também Maria fumaça nos trilhos, Deslizando mansinho, Praça com bancos onde namorem os casais, Dizendo juras de amor, eternas. Banda no coreto aos domingos. Mas que descaminho! É somente uma imagem, Que ficou numa viagem, Pelo interior, Morta, agora jaz. Dentro de minha alma nua, E crua... De metropolitano.
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Viés
Paralelas... Dormentes. Que entrementes, Jamais cruzam. Trilhos, Trilha caminhos... Solitária Olhar soturno. Súbito Mulher na janela, Furtivo olhar, Abandono... Infinitamente na mente, Sabor de beijo no escuro.
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Sonho Ás vezes me pego sonhando, Sonhos dentro de sonhos, Impraticáveis como: Amar-te como me amo, Odiar-te como me odeio, Com todas as virtudes e Defeitos, Inteiro. Na imperfeição do humano, Desumano, E saciar-me em teu corpo, Com todos os sentidos, contidos. No ser imoral, amoral e carnal, Das sensações fúteis e inúteis De uma felicidade ancorada Na esperança, que se debruça no abismo, Visualizando a morte, ignota; Assim, meu sonho é tão perfeito, Mas tão perfeito, Numa vida imperfeita, Que meu desejo é não acordar.
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Essência Gostaria de escrever brando e calmo, Como se fosse um rio. Com o correr da pena, e alma, Esta se renovando a cada dia. Mesmo eterno em seu leito, Cheio de reverso: O torto e direito Rimando meus versos Calmo nas planícies, Violento nas corredeiras, Grandioso nos precipícios, Descendo as cordilheiras. E ao chegar ao mar, Tornar-se único e indivisível, E toda terra abraçar. Duas moléculas de hidrogênio E uma de oxigênio. Simples e essencial.
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O Corpo
Eis- um corpo. Estendido entre flores. Os cílios unidos, Os lábios cingidos, Nenhum gemido. Pálido. Rígido. Silente. Morto. O que foi? O que fez? Sabe-se lá qual a importância de um nome, Sobrenome, Exatamente igual a todos, Só os despojos,
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E os vermes Em banquete. Com prazer degustam As carnes pútridas Sonhos? Esperança? Orgulho? Vaidade? Que nada, gargalham os vermes, Em sua festa. Maldita ou bendita é a morte dizem-se dela. Que não ver idade nem sorte, Indefinida e imprevisível, Para o rico ou pobre, Feliz ou infeliz, Implacavelmente torpe, Joga-nos ao chão em contragolpe, E enfim o que nos sobra, São os dejetos, infectos, De toda nossa impureza.
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RUA ESQUECIDA Não postarei nenhuma foto de rua, pois cada um tem a imagem da sua.
Ruas, nuas, ruas de minha infância, Aqui, dei meus primeiros passos, Ouvi sorrisos, lamentos e prantos, A saudade bate no peito em compasso
Não passas de lembranças minhas Do alvorecer de meus amores, Eras de terra nua as entrelinhas Vagava livre em teus arredores.
Agora vejo o que te fez o tempo, Dos efeitos de toda alquimia Fugidias imagens que lembro
E as velhas casinhas de alvenaria A vida passou sem contratempo, Nessas ruas que vagarei um dia.
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Dúvida Manhã ensolarada, gorjeio dos pássaros e o cicio dos ventos; Só minha alma triste, torta. Que tormento; A imagem interna é tão sombria e fria, Que aos olhos do que me vêem e não sente, Toma-me por feliz. Esse sorriso amarelo, ancorado entre os lábios, É o polimento da vida: Que nos instrui, para rir das desesperanças e dos desenganos; E nada será uma canção para o ouvido, Um aroma ou um sabor eterno, Com sua ausência. Essa ausência que tanto busquei, No cimo das montanhas, Nos lugares mais inóspitos e desertos,
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Como no fundo da alma, Nos meus abismos, E solidão... Mas estavas ali, tão próximo, Invisível aos olhos de quem não quer ver, Cego pelas contingências, Pelas negligências, Pelas ausências,
Mas tudo tinha teu cheiro, Tua cor.
O sabor insalubre, Dos venenos dos homens, No úbere do mundo, que afinal és.
Então essa imagem externa tão iluminada e bela, Não se iludam, pois não obstante ao brilho, Tem-se um coração despedaçado pela suspeição. E essa vida tão fora do eixo e do trilho, É apenas, a insegurança e aflição, De não ter-lhe, fitado no fundo dos olhos, A certeza do teu amor.
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A Gênese
No ato de escrever, conto ou poesia, Não se fiem. Lembro-me logo de minha galinha poedeira. Ela deitada no maior esmero, Tece devagarzinho e em silêncio, Ovos tão perfeitos e branquinhos, Que nem palavras no peito. Na maioria vão diretos á mesa, O pão dádiva de Deus. Outros ela choca... Choca... Com tanto cuidado e pudor, Que nascem pintinhos tão lindos... Que dá até dó de escrevê-los.
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Pela janela
Um homem passa... Um carro tambĂŠm... Devagar. Passa a estudante com seus sonhos... Amores contidos. Um cachorro vadio. Passam as nuvens, as horas... Pensamentos bons e maus Inquietantes, incontinentes... A vida das gentes, Escoa entre os dedos do tempo... Indiferente.
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Cena
A cena é esta, cheia de anseio, Caos, morte e devastação. A terra seca falta o seio, És pó e ao pó, tornarão. O abutre e a presa, certa comiseração, Afastado, olhos baixos, sereno, A presa meu Deus é humano, Curvado, uma criança negra e o pequeno Corpo, raquítico entregue a desolação. Como manterei minha procriação? Questiona o abutre, solene. Esse é meu instinto. E completa: O do homem não sei...
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O espelho
Quando ao espelho Vejo-me melancólico, 0lhar frio e estrambótico, Cabeça, corpo e membros; Crânio, boca e massa encefálica; A voz verborrágica, No rosto marcas de risos e raiva, No mesmo espaço Como disfarces; No centro o membro fálico, Impulsionado por emoções bizarras, O semblante pérfido às raízes A derme modelada, noutras vidas, Pensamentos, disformes; Distancio-me do espelho, e choro. E na dor imploro, O avesso da carne. Não sou quem eu sou, nem que vejo, E sim a imagem invertida de mim mesmo.
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A morte do escritor
De manh茫 o escritor morreu. Sereno... Solene... e S贸. Sem nenhum aceno ou algo que o valha, Terremoto, Maremoto... Nada. O que restou: Palavras... Palavras... Palavras... O olhar agudo entre as flores, Fixos, Como a fitar, As dores de um mundo Que pintou.
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Ăšltimo verso
Queria meu ultimo verso, O reverso do universo. Conciso e inciso, No concreto. Discreto. Abjeto no espasmo De um orgasmo
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Amor
Na vida tive amores diversos, De alguma forma n찾o me completou Tornando-me, frio, amargo e disperso. Triste espectro que jamais amou. Talvez a busca n찾o fora certa, Nem o sentimento farto bastou, Busquei longe, e talvez perto. Nau perdida jamais aportou. Agora maduro, procuro o candor, Sem ilus천es e rara ansiedade. Algo bom que me toque na alma. Nunca a imortalidade do amor Mas que seja rico ameno e calmo, Simples afinal como uma flor.
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Memória Acordei sobressaltado: um sonho numa cidade assombrada. Lá estavam meus avôs sentados em cadeiras de balanços. Sem pressa. Tricotavam. Riam petulantes. O relógio da sala batia doze vezes. Não deram por mim. Nesse instante das badaladas, pararam de ri, escutando ou pensando algo. Olhei o relógio. No meio da sala um carrilhão. E o tempo que não passa... E o tempo que não passa... Ah! O tempo. Há o tempo. Meu gato Mimi deitado no tapete. Umas bolas de gude num saco de balas. Uma caiu e girou pelo canto da parede. Encontrei! Encontrei! Encontrei minha bolinha colorida, encontrei! O pião! O pião! A linha unia as pontas das lembranças.
Ninguém deu por mim. Mimi correu atrás dando tapas ao vento. Saltou a porta e saiu. No centro da praça um parque.
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No coreto a banda tocava. Música! Música! Veio voando com o vento. Uma roda gigante. Um carrossel cheinho de cavalos brancos, Vazio e girava. Corri e sentei-me num alazão. O carrossel girou e girou tão rápido que eu quase perdi o fôlego. Pensava comigo: “Não temas desfalecer, pois é só um sonho, Um sonho mirabolante, “De uma criança encantada.” E o carrossel girou... Girou...
Sabia, eu sabia que no meio da sala, O relógio não parava. TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC… Meus olhos jamais viram coisa igual. O cavalo me levou para todos os continentes. Voava entre as nuvens. Nuvens doces de algodão doce, Doce vida que já foi.
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O vento bateu a porta, Corri de volta para casa. O relógio parado. A cena parada. Pausado. Já não eram avós, eram meus pais. Os cabelos branquinhos... Branquinhos que dava dó. O dó que eu tinha era que eles não estavam na mesma dimensão. Nem prestavam atenção. Mamãe balançava-se na cadeira, A cabeça tombada de lado sonhava, Papai ouvia seu rádio, atento as notícias... Nem me viram chegar. Entrei pé ante pé, Só Mimi miou como fazem os gatos, desconfiados. Segurei o ponteiro das horas e o tempo parou. Nesse momento o vento, Sempre o vento, Entrou pelas janelas, bateu portas e panelas, E um redemoinho foi tudo metamorfoseando, E num átimo, Criança eu fiquei jovem, fiquei moço, fiquei velho, E o relógio da sala voltou a funcionar. A sala vazia, Só o TIC TAC TIC TAC TIC TAC TIC TAC... Indefinidamente até eu acordar.
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Amor: Outra versão
Recebi um bilhetinho teu. Perfumado. Onde datado e escrito em letras garrafais: “Amo-te para sempre.” Quando em minhas mãos outrora jovem, Suspiros e afagos. Desenhado nos cantos com florzinhas miúdas. Sonhos... Sonhos... Sonhos... Hoje remexendo no baú das saudades, Tal papel esteve em minhas mãos trêmulas. A vista cansada vislumbrara que, As flores se apagaram, Quase murcharam... Da frase sobrara se muito o sempre. Do amor... Nada.
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A cria
Pessoalmente adoro tua fragilidade, O bater ritmado do coração, o insuflar do oxigênio para os pulmões, Tão relevante. No início o sopro. Levante e Ande! Adoro o sangue correr nas veias, artérias e arteríolas, irrigando e levando Calor as carnes e músculos, deixando-as mornas, apetitosas para um afago, uma ternura. Adoro os neurônios nas sinapses, gerando energia, para movimentar o mundo. Adoro a bunda... A bunda... Abunda. Abundam odores, humores e tremores nas carnes internas e ruivas. Adoro o fundo dos teus olhos, a cor de tua íris...
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Teus seios alimentam o prazer. Seio da terra que alimenta. A vagina órgão de lábios que sorriem, Vulva úmida e ardente, boca sem dente... Útero que nos guarda, que nos protege da origem ao fim. Adoro teu corpo. Frágil. Decadente. Amo o Efêmero. A alma não. A alma é eterna.
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Livre
Desejo na criação, descartar o papel, O esboço, a pena a lógica, as regras, O verso. Coisas sem importância na hora que a poesia Teima em parir em parto normal, com as contrações dolorosas, e quer ser livre Sem as amarras do passado. Gritai! Livre... Livre... Infiel seria dar-lhe forma e versos, Métrica e rima a serviço do rei e Da tradição. Assim urro e deixo sair pelo ventre, Sangrando, doendo toda minha perplexidade, Recebendo do útero, da vagina, massagem Benéfica e prazerosa do nascimento sereno, E pleno de minhas imagens mentais E em gemidos e gozos, palavras dos lábios saiam, Declamando esse ser desconhecido E jogados ao vento para longe, Para que não tome a forma do passado.
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Sétimo dia
Vem espectro! Toma a face, Os olhos a boca, A fala, O corpo e alma Desse meu personagem. Vem a vida! Ah! Essa boa vida, Essa vida tão perene, e Efêmera dos personagens. Ama agora essa outra. Tirada de tua costela. Tenhas filhos. Muitos. Crescei e multiplicai-vos! Construam nações, derrubem impérios, Creiam no criador. Subjugados estão a mim, Pois só eu mais ninguém, Deu-te a vida e Tirarei quando me aprouver, Sou mandante de teu desastre, e tua criação humana. Eu o autor.
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Máquina Um dia me descobrirei Fazendo coisas concretas, Maquinalmente. O beijo sem sentir, Choro sem lágrimas, Sexo sem amor, E descobri-me Máquina. Uma soberba máquina. As peças encaixadas, Tão plena, Os óleos e as graxas, Lubrificadas. Sentimento inútil, Somente o útil. Trabalho compassado, Chova ou faça sol. Viva as máquinas! Não sofrem. É o futuro. Nosso futuro. -E ai nem nos lembraremos Que fôramos humanos.
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A pesca
Homem não tinha o que fazer E foi pescar para enganar o tempo. O anzol e o engodo caíram juntos na água. Peixinho no fundo pensou: -Ai! Ai! Minha comida preferida. Enganos... Enganos... Homem enganando o tempo com pesca, Peixinho enganado com isca. No fim o tempo vence. Homem vira isca.
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A Ponte
De concreto armado, Une duas margens, Introspectiva ponte. Onde macio a fonte, Desce Morro Abaixo, Sobre
a terra Peixes prateados,
Nadam e nadam, Contra a correnteza. Observas parada, O desenrolar das รกguas.
Onde me levas? Ao fim do mundo?
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insone.
Ou nĂŁo tem fim? Passaram os soldados: clap, clap, clap. Os enamorados, Smac! Smac! Smac! Mas enclausurada, Em colunas sustentadas, Continuas ponte.
Passa a caravana, Dia e noite, Anos e sĂŠculos, E tu ponte! Concreto armado, Nem um ai. Gemido algum. Puro ferro e cimento, Dura, dura e dura... Sem sentimentos.
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A rosa
Mal me quer... Bem me quer...
Mal me quer... Bem me quer...
Mal me quer...
Bem me quer...
Mal me quer... Bem me quer... Onde o amor? Na dor? Amor... Amor Amor. Pétalas Despedaçadas, Jogadas pelo chão.
Mal me quer... Bem me quer... Mal me quer... Bem me quer...
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Amor eterno
...E se muitos séculos e séculos depois; Que civilizações inteiras decorrerem... Que muita água passar Por debaixo da ponte... Tanto e de tal maneira, Que darão para inundar Mil mundos. E, portanto arcas singrarem todos Os mares, enfrentando maremotos, Monstros de sete cabeças, bestas Descomunais, e quando a pomba branca novamente voar, e Pousar em terra firme e coincidentemente sobre nossa tumba em busca do ramo seco, Nós... Deitados em nossos leitos, quietos, estaremos No eterno descanso, Nossas vestes sobre os despojos, cansados da espera, E se por acaso, uma dessas casualidades Que acontecem e à luz entrar por Uma fresta, e nos deparar com um 41
Olhar atônito, cegos pela escuridão, Nada importará mais. Mesmo que lá fora, escoe toda a magnitude: Das cores, dos sons, dos sabores e dos cheiros, Olvidamos tudo, Pois a tempo estaremos, eternamente juntos.
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As Gêmeas
Eram gêmeas univitelinas. Mesma aparência e altura. As torres. Símbolo do capitalismo. Naquele dia de primavera, 11 como as torres de setembro, Eu acabara de tomar o café, O ar condicionado ligado, Aplacando o calor, Ligava o notebook, recebia ligações, Convites, festas... Vida banal, a rotina de sempre, Chegaria a casa, no final do dia, O dia que ficou para sempre suspenso no ar, Em milhões de partículas, De poeira e carne, Sonhos acabados, No desmoronar, Das ruínas...
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Aula
Rodou o pião o menino. E olhou rodar o pião. A terra gira menino, Em rotação e translação.
Por isso professora, ficamos, Muitas vezes tontos? Perguntou o menino. Não! Não! Ela roda tão vagarosamente, Que nem sentimos não. Já pensou que loucura seria? Seria uma roda gigante. Ou Deus brincando de pião. Menino que imaginação!
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Brincadeira Menino vive para brincar. Joga pião, bola de gude, Descansa, enjoa e para. Sentado a sombra da mangueira, Vê a manga e deseja-a.
Macia e doce. Cara suja que nem palhaço. -Não manga de mim! Arregaça a camisa branca, dentes cheio de fiapos, Limpa a boca com a manga. Amarelo no branco. -Manga! Manga! Manga! Ri a toa... Manga agora de mim?
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Coito
Corpos, camisinha, suores, gemidos. Amor seria se n茫o fosse s贸 sexo. Nhec, Nhec, nhec. -Gozou? -Sim... Sim... Sim... Levantou e vestiu. Ducha. -Xiiiii! -Estourou? ... Calma!!! Ducha tira os excrementos.
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Culinária
Na hora do amor, Não precisa se enfeitar. Só precisa de um banho preferencialmente Com sabão de coco ou jasmim, Deixe os cabelos levemente úmidos e Soltos sobre os ombros. A pele fresca, que dê para sentir a maciez. Nos olhos o deslumbre de minha presença, Na boca o beijo molhado, abraços apertados, Sentimentos? Os do mundo: Os cuidados de uma mãe, com o filho, Na cama a lascívia de uma amante, Uma puta, resoluta para aplacar. Minhas tormentas.
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Duplicidade
Que sonho maligno que sonhei Tinha duas cabeças e dois corações. Enquanto uma olhava as nuvens A outra mirava o chão. Uma lia poemas a Outra não deixava por menos E de cócoras Expelia excrementos. Como animal que somos Herbívora, ou carnívora, pouco importa. Enquanto esta falava de amor, A outra falava de guerras Enquanto esta queria ser, Aquela queria ter. Só à tardinha, ao cair do sol, Findo o dia Quando os anjos cantam, A noite se adensa tenso, Com alaridos de monstros, Elas se unem tão bem, Um ser tão perfeito, À imagem de Deus.
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Indecência
Esse poema é para minhas velhas putas. Que seviciaram de mim e Que jamais me possuíram tão bem, ou melhor, Que me perdoem, por nunca tê-las amados. Pois os amores não eram para elas, Nem os gozos... Nem o esperma... Serviram como vasos, De amores estragados, Mal não me fizeram, Sem sentimentos nem flores, Que até hoje me lembro Que paguei para me esqueceres.
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Eu
Minha casa não difere dos outros, Tem pai, mãe, cachorro e eu para dar desgosto. Quando deito o teto é branco. As sombras metem medo; Quando amanheço o cheiro é de café preto Escovo os dentes para rir bonito Pois domingo é dia de visitas Toda noite oro pro anjo da guarda Para me proteger de quebrantos Pois segundo meus pais, Eu sou lindo... Lindo... E tantos encantos Que pareço com eles.
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Nós Que somos? Uma cópia? Xerox, Mutação, estorno Estorvo, Imitação? Do nada? De Deus? De Deus! Deus todo poderoso, Finjo alegria e tristeza, Tenho ciúmes, tenho repulsa, Ódio às vezes, Mato, amo, Destruo, sou homo, Sapiens, No universo, disperso. Imagem, crio, crê, descreio, Recreio, alma, espírito. Carne, vísceras, Substancias inócua, Fedentina, podre, Catarro, esgoto, escroto, Merda, fezes, verme, O que me resta? O nada, o pó, espírito... O âmago do nada, do supérfluo, Débito, Circunspecto, Espectro Do original.
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Ler
Quando eu não estou fazendo nada eu leio. E é tão bom não fazer nada. O peixinho no aquário nada. Morro de dó dele. Enquanto nada, eu leio e o tempo passa. E ele para que o tempo passe, nada. O tempo passa. E tudo que ele faz: nada. E nada quando eu leio. Tudo.
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Mãe Menino levanta-se, O sol nasceu. O café está na mesa. Ovos mexidos e queijo, Assado do jeito seu. Estuda! Estuda! Pára Ser alguém! Mas já sou mãe... Sou um ser criado à semelhança De Deus. Sei... Sei... Tu és e será sempre filho meu. Digo, cresce para o mundo, Vai, o Anjo torto falou. Levanta-se e vai à vida, Que ela não espera. Deixa mãe, que eu aproveite, Um pouquinho desta cama, Faz isso se me ama, Pois lá fora é uma guerra. Ademais, desses momentos vou sentir saudades. -Dorme mais um pouquinho e sonha... Assim sereno este coração cheio de lembranças.
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Marca
Peguei de uma flor no jardim, E para que ela se tornasse eterna, Coloquei-a entre as pรกginas de um livro.
Privei-a da aragem matinal, Do carinho das abelhas, Retirando os polens, Do aroma... De sua simples vida.
Agora seca e sem cor, Marca uma pรกgina num livro, Num livro que fala de amor.
No meu desejo de ser feliz, De manter uma marca, uma lembranรงa, Ficou tรฃo somente, Uma nรณdoa dos meus sentimentos.
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O velho ditador
O velho ditador acordou, Tomou o desjejum, Vieram ao encontro os filhos, E lhe afagaram, Os cabelos brancos. Olhar perdido em um quadro na parede. Suspirou, levantou-se e deu ordens mortais. Depois foi ver o serpentário. Viu a serpente e os filhotes aconchegados. Emocionou-se e chorou. As lágrimas eram límpidas, Não diziam nada de si.
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Ontem
Ah! Teu colo puro cetim. Boca tem carmim. Pele cheiro de jasmim, Não se esqueças de mim, Vida doce, alfenim, Alegre como o Arlequim, Agudo como o espadachim, Sonoro como o bandolim, Efêmero como folhetim, Morto como o latim, Branco como marfim, Mágico, perlimpimpim, Poesia rima sem fim, Ruim... Ruim... Ruim... Enfim... Enfim... O fim.
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A espera
...E afinal quando cerrado os olhos, Semblante hirto, como se sonhasse, Tez pálida, voz cálida, sussurrada. Aparentemente uma visão ampla De quem ver as coisas pelo fundo talvez; De viés, através, Transparente. A amplitude dos vales, Ares de riso nos lábios direis: Vem dama, leva-me! Sem temor nem tristeza irei Ao teu encontro, sem saudade, Com respeito esperei-te e Defronte ao pórtico, Entrarei cabeça erguida, Não importa mais nada, E irei pelos Labirintos... Abismos... Que me levares... “Que importa agora as dores do mundo se Exausto afinal, dormirei em teu colo”?
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Poema quebrado
A vida, estrela cadente, cruza de repente, Como soco contundente, e entrementes, Deixam-nos marcas indeléveis, e etéreas, Retratos nas paredes. Emoldurados. Fantasmas sem almas, Álbuns perdidos no tempo, Quando éramos gente, Antes do esgotamento e depauperamento, E nos deixam desamparados. Perecimento. Nos últimos estertores do falecimento e penso: “As palavras pingam como chuva fina, Descem e caem, sem formarem frases perfeitas. E o poema sai quebrado sem rimas, E o sentimento bruto e imperfeito.”
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Livre (síntese)
Descarto o papel, A pena e o lápis. Pois essa poesia que teima em parir, Quer-se livre e pura, Infiel a qualquer forma ou verso. Quer correr serena em imagens mentais, Sair em flor dos lábios, Declamada e proclamada Como artistas de cordéis, E somente o vento a levar para longe, Para que não tome a forma Da antiguidade.
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O autor (Por Aldo Marin) Marinaldo Leite Batista desde tenra idade gostava de observar as coisas e principalmente o jeito que os outros tinham de contar histórias. Aos seis anos ganhou uma revista em quadrinhos quadrinhos de sua mãe e desde então jamais abandonou a leitura. Nasceu no ano de 1957, no sertão da Paraíba numa pequena cidade chamada Coremas. Quando soube da mudança para a capital segundo os pais, para “estudar e ser gente um dia”, ao aprontar a mudança não esqueceu sua coleção de livros e gibis. É um leitor inveterado como diz segundo suas palavras, palavras, lê até bula de remédio. Gosta dos clássicos, dos modernos e contemporâneos. Romance, contos e poesias. Leu muita literatura de cordel. Ouvia nas feiras pelos sertões. Arrepiava-se ao ouvir os vaqueiros aboiar em vaquejadas. Formado em Odontologia pela Universidade federal da Paraíba, trabalha com dedicação e afinco, mas jamais esquecera seu sonho de escrever. Desde criança escrevera em um diário, que depois o queimou para que ninguém descobrissee suas peraltices. Como é introspectivo, tinha medo de se mostrar, ostrar, se desnudando em seus textos. textos. Com o passar dos anos não agüentando mais ficar sem escrever, hibernou longos anos, como diz, como um velho urso, passado o inverno, resolveu colocar tudo para fora for
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reescrevendo textos que teimava em fugir da memória. Agora diz “que está se tornando gente como dissera seu pai, na essência da palavra”. Hoje escreve, exercitando-se, para algo maior, em dois blogs que tem na internet. Os blogs são: http://cronicasinvertebradas.blogspot.com.br/ http://marinaldolbatista.blogspot.com.br/ Onde escreve diariamente. Email: marinaldo5.0@hotmail.com
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