Revista ARQ - BR

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EDIÇÃO ESPECIAL

ARQUITETURA BRASILEIRA NÚMERO: 180 JUNHO 2016

ARQ-BR

EDIÇÃO ESPECIAL SEVERIANO PORTO O ARQUITETO DA FLORESTA

O arquiteto que concebeu um modelo de arquitetura amazônica que se baseava nas técnicas locais aliadas a estratégias bioclimáticas e econômicas do seu meio.

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SUMÁRIO residência robert schuster restaurante chapéu de palha

centro de proteção ambiental de balbina

14-17 10-11

18-21

Editorial

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Artigo

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Linha do tempo

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Projeto - Restaurante Chapéu de Palha

EDITORIAL

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Projeto - Sede da Suframa

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Projeto - Residência Robert Schuster

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Projeto - Centro de Proteção Ambiental

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Entrevista

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Indicações e Eventos

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Arquitetura e Urbanismo no Brasil Contemporâneo

12-13 sede da suframa

Esta Revista foi feita como trabalho final para disciplina de Arquitetura e Urbanismo no Brasil Contemporâneo, ministrada pela professora Amanda Casé. A equipe composta pelas alunas Bárbara Andrade, Cecilia Manavella, Lara Renhe e Marina Ribeiro optou por desenvolver uma revista sobre o arquiteto Severiano Porto com foco em sua obra na região amazônica.

A escolha pelas obras de Severiano Porto se deve ao fato de que ele se tornou um dos maiores nomes da Arquitetura da Amazônia e foi capaz de conceber um modelo de arquitetura abaseado nas técnicas locais aliadas a estratégias bioclimáticas e econômicas próprias da região.

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ARTIGO

BIOGRAFIA E TRAJETÓRIA Júri da Premiação Anual do IAB de 1987, na justificativa do prêmio pelo campus da Universidade Federal do Amazonas

“Sem abrir mão dos avançados recursos materiais e técnicos contemporâneos, os arquitetos não vacilam em aproveitar as tradições culturais indígenas no trato da madeira e das estruturas espaciais. O Campus da Universidade de Manaus e no Centro de Proteção Ambiental de Balbina, constroem ‘espaços que respiram’ com uma linguagem plena de modernidade, sem concessões ao exótico e ao pitoresco”.

Biografia Conhecido como “arquiteto da floresta” ou “arquiteto da Amazônia”, Severiano Porto foi o responsável por idealizar um modelo único de arquitetura amazônica, combinando técnicas locais com estratégias que consideram o rigor do clima e a economia de meios. Nascido em Uberlândia em 1930, aos cinco anos de idade Severiano muda-se com a família para o Rio de Janeiro. Em 1954 forma-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura – FNA, da Universidade do Brasil. 4 | ARQUITETURA BRASILEIRA

Machado e Milber Guedes, para assegurar que as construtoras cumpram os prazos e as especificações técnicas conforme o projeto e os dispositivos legais estabelecidos. A iniciativa inédita no Estado é rapidamente assimilada pelo governo.

retorna ao Rio de Janeiro e transfere seu escritório para Niterói, onde passa a morar.

A obra de Severiano Porto, principalmente os projetos desenvolvidos em Manaus, é marcada pela presença de um “regionalismo eco eficiente”, no sentido de uma “apliO conjunto de sua obra foi premiado cação sempre renovada dos princípios de em 1985 pela Bienal Internacional de Ar- conveniência e economia tradicionais” da quitetura de Buenos Aires. Em 1987 é cultura local amazonense. reconhecido internacionalmente, senCom seu trabalho em Manaus, Severiano do eleito o homem do ano pela revista Porto integra o grupo de arquitetos que francesa L’Architecture d’Aujourd’hui. A promoveu uma propagação da modernparceria entre Severiano e Mário Ribeiro ização, potencializando a feição regionalé também amplamente reconhecida, amizada da arquitetura brasileira. Apesar de bos receberam o prêmio Personalidade ser reconhecido internacionalmente, predo Ano em 1986 pelo IAB carioca. miado diversas vezes no Brasil e no exteEntre 1972 e 1998, Severiano exerce a rior, existem poucas exposições ou livros função de professor de arquitetura e publicados sobre os projetos e obras de urbanismo na Faculdade de Tecnologia Severiano Porto. da Universidade do Amazonas. Em 2003

“Na época, acharam que madeira era obra de pobre, o governo queria uma imagem de permanência”.

Trajetória Em 1963 viaja a turismo para Manaus. Dois anos mais tarde é convidado pelo então governador do Estado do Amazonas, Arthur Cezar Ferreira Reis, a realizar a reforma do palácio do governo, 1965, e o projeto da Assembleia Legislativa do Estado, 1965, obras estas que não se concretizaram. Durante sua permanência na capital amazonense, Severiano recebe outras encomendas de projetos se mudando então para Manaus. Em Manaus ele elabora um caderno de encargos com os engenheiros Sérgio S.

Severiano Porto pertence ao grupo de arquitetos que, desde a década de 1950 em diante, deixaram os grandes centros urbanos, especialmente o Rio de Janeiro, em busca de novas oportunidades de trabalho em outros lugares. Esta peregrinação de arquitetos revelou uma crescente aproximação ao ambiente e à população local, numa atitude de maior respeito ao regionalismo geográfico. Assim, a arquitetura foi adquirindo diferenças peculiares em distintas regiões, passando a apresentar certa produção fora do eixo Rio-São Paulo.

Severiano Porto tornou-se conhecido na cena arquitetônica brasileira principalmente pelos projetos que ele realizou, a partir da década de 1960, no estado do Amazonas, especialmente na cidade de Manaus, onde viveu e trabalhou durante 36 anos. Desde 1980, afirmou-se como um arquiteto regionalista que sabe como utilizar de forma criativa os materiais e os costumes locais. Mais conhecido por enfatizar o uso de madeiras amazônicas, o seu trabalho, no entanto, não se restringe a este material, utilizando outros componentes e técnicas construtivas, como o alumínio, fiESPECIAL SEVERIANO PORTO | 5


O arquiteto não parte dos significados estabelecidos sem reformulá-los, não transfere seus valores pelo emprego dos materiais ou técnicas que portam esses significados, mas parte sim do entendimento desses significados e do que eles podem representar como novidade própria no tempo e no espaço, conferindo propriedade, localidade e modernidade à sua obra. O modernismo que Severiano pratica não se encerra numa forma, nem na leitura tecnologicamente correta. Não trata da revivescência de um estilo, nem de um modelo de contemporâneo. Mas de um contemporâneo que inclui todos os tempos possíveis, admitindo o uso de conhecimentos tradicionais e locais.

brocimento, concreto e aço. Seus projetos são guiados por fatores como o clima, os requisitos do programa, materiais, técnicas e orçamento disponível. Levando-se em conta as características geográficas da região e a forma como as pessoas se adaptam ao ambiente, Porto utiliza materiais que absorvem baixos níveis de radiação solar e soluções técnicas que garantem conforto térmico ideal. Alguns exemplos são os telhados com largos beirais, circulação externa, varandas, venezianas e uma variedade de componentes perfurados, que permitem reduzir a luz solar e protegem o edifício das chuvas e do calor frequentes na região Amazônica.

antes do contanto com os habitantes da região, que baseados no conhecimento empírico, ensinaram o modo de fazer local ao arquiteto. Isso foi, aos poucos, introduzindo-o ao ritmo de vida da região e integrando-o à nova realidade, revelando um constante esforço em trabalhar características regionais através da apropriação de técnicas e materiais tradicionais. Assim, foi reconhecendo e se adaptando às diferenças geográficas, climáticas, às diversidades culturais, riquezas naturais, e aprendendo a lidar harmonicamente com o lugar. Severiano indica caminhos que ajustam o novo ao existente, tirando partido do conhecimento tradicional para aplicá-lo às novas condições.

Severiano trilha, desse modo, um caminho Sua preocupação e envolvimento com as próprio, descolado dos modernistas piocondições ambientais e com os materiais neiros. Opera uma modernidade própria locais foram em grande medida resulte contextualiza o que pertence, ao mes6 | ARQUITETURA BRASILEIRA

mo tempo, a todos os lugares. Mas não contextualiza um estilo, não contextualiza uma linguagem homogênea, ainda que passível de variações. Severiano é propriamente moderno, mas, ao mesmo tempo, regional e local.

A grande diversidade da obra de Porto e sua capacidade de lidar com programas variados e sistemas de construção com a mesma facilidade, prova sua versatilidade e conhecimento adquiridos no local de construção, e também atesta o fato de que normas estéticas, doutrinas e conceitos, como lealdade a escolas ou tendências, nunca foram uma preocupação para ele.

Referências bibliográficas BARATTO, Romullo. Em foco: Severiano Porto. ArchDaily Brasil, fev. 2016. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/ br/01-177767/feliz-aniversario-severiano-porto> Acessado em 29 de junho de 2016. CAU BR. Severiano Porto: o arquiteto por ele mesmo. Disponível em: <http://www.caubr.gov.br/?p=39102> HESPANHA, Sérgio Augusto Menezes. Severiano Porto. Entre o regional e o moderno. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 105.05, Vitruvius, fev. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.105/76>. NEVES, L.O. (2006). Arquitetura bioclimática e a obra de Severiano Porto: estratégias de ventilação natural. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Univerasidade de São Paulo, São Carlos, 2006. ROVO, Mirian Keiko Ito; SANTOS OLIVEIRA, Beatriz. Por um regionalismo eco-eficiente: a obra de Severiano Mário Porto no Amazonas. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 047.04, Vitruvius, abr. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/04.047/594>. WISSENBACH, Vicente. Severiano Porto: a visão amazônica da arquitetura moderna brasileira. CAU BR. Disponível em: <http://www.caubr.gov.br/?p=39281> Acessado em 29 de junho de 2016. ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 7


Restaurante Chapéu de Palha, Manaus (demolido)

Pousada dos Guanavenas, Ilha de Silves

Retorna ao Rio de Janeiro e transfere seu escritório para Niterói, onde passa a morar

Campus da Universidade da Amazônia (UFAM) Forma-se na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil

1930

Nasce em Uberândia - MG

1935

1967

1954 Viaja a turismo para Manaus

Muda-se para o Rio de Janeiro

1965

1973 1971

1979 1978

1983 1972 - 1998

Professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade do Amazonas

Residência Robert Schuster, Tarumã, Manaus

Estádio Vivaldo Lima, Manaus (demolido)

Centro de Proteção Ambiental de Balbina, Presidente Figueiredo - AM

2003

1987 É reconhecido internacionalmente, sendo eleito o homem do ano pela revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui.

Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus Suframa

A Linha do tempo do Arquiteto da floresta 8 | ARQUITETURA BRASILEIRA

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à palha que foi utilizada como o revestimento final da cobertura. É importante destacar que tanto a estrutura quanto a vedação da construção foram feitas em madeira presente na região .

PROJETO

Outra grande característica da construção é a grande preocupação na elaboração do projeto para se adequar às características climáticas locais. Severiano utilizou nesta obra materiais de baixa inércia térmica, adequados à região, e , somando –se à isso projetou a construção com um grande pé direito de 12 metros, o que facilita a saída do ar quente, além de se caracterizar como uma das principais características estéticas do local, dando-lhe o aspecto de ´´chapéu``. Outra solução realizada para o edifício se adequar as características térmicas do local, foi a realização de grandes beirais ao redor de toda a construção , de maneira a protegê-lo da insolação.

RESTAURANTE CHAPÉU DE PALHA

O edifício foi umas das principais obras de Severiano Porto se destacando graças à preocupação bioclimática e a utilização de materiais regionais, chegando a ser premiado pelo instituto dos arquitetos na VII premiação anual do IAB-RJ.

Ano do projeto: 1967 Sua construção se baseia em uma composição com estrutura e vedação realizada em madeira com encaixes simples, cobertura de palha entrelaçada e a utilização de concreto em sua fundação. Para se realizar a construção do local , foram utilizados materiais característicos da região, como madeira de Aquariquara e cobertura em palha de palmeira, sendo utilizados ainda elementos em alvenaria e concreto. O restaurante possuía uma área 10 | ARQUITETURA BRASILEIRA

interna de 78,5m² e seu interior era dividido em ambientes como cozinha, sanitários e depósito. O grande destaque da obra era sua cobertura, que foi construída utilizando barras de madeira Aquariquara, organizadas por meio de um sistema radial e sendo unidas em um ponto central, formando assim um grande prisma estruturado com treliça espacial ,formado por barras da mesma madeira, dando a sustentação necessária

Referências bibliográficas Vitruvius: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.105/76 Archdaily http://www.archdaily.com.br/br/783411/obras-de-severiano-porto-sao-tombadas-no-amazonas ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 11


SEDE DA SUFRAMA Ano do projeto: 1971 O projeto para a sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus, a SUFRAMA,foi construído em 1971, e se caracteriza como uma das principais obras do arquiteto Severiano Porto, destacando-se pela maneira como o arquiteto mescla nesta obra elementos como a expressividade tectônica e a racionalidade construtiva, associados ao bioclimatismo. No projeto, o arquiteto faz grande uso do concreto armado, explorando as características técnicas do material , além de assumi-lo como característica da composição estética do edifício. Um dos grandes diferenciais desta construção é a sua cobertura , caracterizada por uma sequência de formas piramidais ocas e de base quadrada, fabricadas em concreto armado. A cobertura é dividida em uma série de módulos que dão suporte ao conjunto, além de propiciar dinamicidade à composição do edifício .

Esta sequência de módulos formam uma grande cobertura, que atua protegendo o edifício contra intempéries, além de atuar no conforto térmico do local, já que também propicia livre circulação dos ventos, graças à abertura que cada módulo possui em sua parte superior, permitindo tanto a saída de ar quente , quanto a entrada de luminosidade. O pé-direito de cada módulo varia de varia de três metros e oitenta e cinco centímetros a oito metros e setenta centímetros, entre o início e o topo de cada unidade. O edifício é composto basicamente por dois blocos, sendo um principal e um anexo, ambos localizados em uma única cota de implantação. A ligação entre os diversos ambientes em sua área interior se faz por meio de um pátio e de corredores cobertos, protegidos pela sua cobertura modular. Na área interna do edifício principal há ainda um jardim interno, que ocupa o espaço de dois módulos..As salas administrativas e demais ambientes fechados são independentes da cobertura do edifício, e a circulação em seu interior é definida a partir da disposição dos ambientes em sua planta, organizados em

espaços abertos e fechados. O sistema construtivo do edifício se baseia em módulos estruturais de concreto aparente, organizados em uma malha de quinze por quinze metros, independentes entre si. Isso possibilitou que o edifício possuísse grandes áreas livres em seu espaço interno, que poderiam ser ocupadas de acordo com a necessidade de cada ambiente. Para a construção destes módulos, foi utilizada estrutura e laje em concreto, com vedações em alvenaria e estrutura metálica . O local possui uma forte relação entre interior e exterior; de qualquer local em seu interior é possível visualizar a área externa. Isto é possível porque o local foi planejado para que fosse completamente aberto, justamente para se obter maior conforto térmico em seu interior. O edifício da sede da SUFRAMA se destaca graças `a elementos como sua composição modular e preocupação com aspectos bioclimáticos, caracterizando-se como uma das principais obras de Severiano Porto.

Referências bibliográficas Archdaily -http://www.archdaily.com.br/br/762300/classicos-da-arquitetura-sede-da-suframa-severiano-porto AU : http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/239/sede-da-suframa-de-severiano-porto-e-mario-emilio-ribeiro-

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A casa foi construída em vários níveis, já que a solução vertical reduziria ao mínimo a área destinada à construção, permitindo maior conservação da floresta original.

PROJETO

O projeto apresenta um grande cuidado com a ventilação natural, estratégia essencial para o bom desempenho térmico de uma construção em clima quente e úmido, preocupação sempre presente nas obras do arquiteto. A vegetação existente ameniza os problemas trazidos pela radiação solar, mas também prejudica a ventilação, ao reduzir a velocidade dos ventos, além de aumentar a umidade.

RESIDÊNCIA ROBERT SHUSTER Localização: bairro Tarumã, Manaus, Amazonas Ano do projeto: 1978

Robert Schuster, um topógrafo austríaco, trabalhou durante vários anos com Severiano Porto, de quem era grande amigo. Para o projeto de sua residência, escolheu um terreno em um loteamento rural, com grandes áreas ainda de vegetação densa e fechada de floresta, próximo ao igarapé de Tarumã Açu, na cidade de Manaus. O terreno destinado à construção possuía árvores altas, em grande quantidade e próximas umas às outras, resultando em um ambiente sombrio, em que o sol quase não atingia o solo. Partindo das condições do terreno, Severiano Porto adotou a estratégia de preservar ao máximo a vegetação existente e criar uma casa adequada às condições climáticas locais.

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Os diversos níveis ocorrem em torno de um grande vazio central coberto, que promove uma circulação integrada de todos os ambientes e permite que o vento circule livremente por todo o interior. Como afirma o arquiteto: “Nessa casa era tudo aberto, o vento passava pra lá e pra cá, tranquilo.” Além da ventilação, o vazio interior também conecta visualmente os dois primeiros pavimentos. A casa, em pilotis, possui uma malha ortogonal de dois metros e meio por dois metros e meio. A modulação foi calculada para permitir a armação de redes nas diagonais, sendo possível deitar em uma rede em qualquer parte da residência. A estrutura é toda em madeira lavrada na região, a cobertura é em cavaco, que também contribuem na ventilação. Beirais amplos protegem da chuva, sem bloquear o vento. O primeiro pavimento é composto por uma grande área aberta, com lavabo e copa. A casa desenvolve-se no segundo pavimento, em torno a um vazio interior. Possui três dormitórios, sendo o principal a suíte - cada um com sua rede; uma pequena cozinha; um salão que reúne salas ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 15


de estar e jantar; e uma ampla varanda. No terceiro, apenas um terraço coberto. Uma grande coberta de duas águas protege a casa das chuvas. As esquadrias são todas em madeira, quase todas venezianas. Os pisos, varandas, muxarabis e outros detalhes também em madeira. Os fechamentos são em sua maioria em madeira, algumas poucas alvenarias são utilizadas. A grande quantidade de portas, janelas e vedações de muxarabi contribuem para que o espaço interno esteja sempre bem ventilado; esquadrias de venezianas móveis regulam e direcionam o fluxo de ar, que percorre toda a estrutura da casa. Severiano Porto comenta que o próprio Schuster, durante a construção da residência, não quis que fosse colocado fechamento na parte superior, próxima ao telhado, valorizando o conforto trazido pela ventilação e não se importando com os bichos que poderiam entrar. O forro, em diversos níveis, está sempre a uma distância razoável do telhado, permitindo um grande espaço ao ático, que é aberto e deixa passar o vento constantemente. O resultado obtido é de um edifício em harmonia com o entorno, que valoriza os materiais e técnicas construtivas encontrados na região, e atende às necessidades locais com soluções simples e integradas à natureza. A residência foi vencedora do prêmio do IAB em 1978 na categoria Projeto de Habitação Unifamiliar.

PRIMEIRO PAVIMENTO

SEGUNDO PAVIMENTO

Referências bibliográficas 1 - Copa 2 - Banheiro 3 - Quarto

Igor Fracalossi. “Clássicos da Arquitetura: Residência Robert Schuster / Severiano Porto” 07 Fev 2013.ArchDaily Brasil. Acessado 20 Jun 2016. <http://www.archdaily.com.br/96594/classicos-da-arquitetura-residencia-robert-schusterslash-severiano-porto>

4 - Varanda 5 - Cozinha 6 -Sala de Estar/Jantar

SEGUNDO PAVIMENTO 16 | ARQUITETURA BRASILEIRA

NEVES, L.O. (2006). Arquitetura bioclimática e a obra de Severiano Porto: estratégias de ventilação natural. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Univerasidade de São Paulo, São Carlos, 2006. ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 17


PROJETO

CENTRO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE

BALBINA Localização: Distrito de Balbina, Presidente Figueiredo, Amazonas Ano do projeto: 1984 A questão ambiental, desde o início, foi prioritária em seu trabalho, por se tratar de intervenções em um ambiente extremamente delicado. A arquitetura dita “amazônica” que o arquiteto desenvolveu foi resultante das dificuldades e peculiaridades encontradas, tanto de recursos como de mão-de-obra especializada. A inserção harmônica na paisagem circundante e a adequação ao clima são preocupações visíveis em suas obras. Em 18 | ARQUITETURA BRASILEIRA

Balbina todos os espaços estão sob o mesmo teto, formado por uma única cobertura. Os habitantes de Balbina estão ali primeiramente para darem conta do trabalho de pesquisa, controle e monitoramento dos impactos ambientais ocasionados pela hidrelétrica, nem por isso o arquiteto deixou de se preocupar com seus usuários. Ele compensa o isolamento dos pesquisa-

dores, longe da família e de sua cidade, com espaços agradáveis de trabalhar e viver, mesmo que temporariamente.

final e de visível contraste com as formas ortogonais das edificações organizadas sob ela.

Em Balbina os espaços de circulação foram concebidos a partir de uma

Em determinados pontos da cumeeira, Severiano dotou a cobertura de dispositivos de ventilação para facilitar a saída de ar quente.

visão peripatética, não sendo possível fazer uma leitura da riqueza do espaço a partir de uma visão aérea do conjunto, ou seja, é preciso vivenciá-lo, pois a sua apreensão se dá na experiência sensível do observador. O Centro de Proteção Ambiental de Balbina é hoje considerado pela crítica como uma construção em que o caráter regional atingiu um refinamento, sendo a madeira trabalhada de maneira singular, tanto no aspecto formal quanto estrutural. O sistema construtivo utilizado permitiu uma notável organicidade no desenho da cobertura, que ora se alarga se estreita, ora ascende e descende, conferindo um aspecto de leveza na sua forma

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Referências bibliográficas LIMA, Mirian Keiko Ito Rovo de Souza. A experiência do “passeio arquitetônico” nas obras de Severiano Porto. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Rio de Janeiro, 2014. NEVES, Leticia de Oliveira. A Obra de Severiano Porto na Amazônia: uma produção regional e uma contribuição para a arquitetura nacional. Escola de Engenharia de São Carlos, EESC-USP.

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Da distância do Rio de Janeiro à dificuldade de impor suas idéias, Severiano Porto precisou vencer muitas barreiras para se manter durante mais de 30 anos em Manaus. Hoje, sua experiência em arquitetura regional é reconhecida e requesitada em todo o mundo

ENTREVISTA

OBRA PIONEIRA Texto original de Vânia Silva

aU - Edição 119 - Fevereiro/2004

Da distância do Rio de Janeiro à dificuldade de impor suas idéias, Severiano Porto precisou vencer muitas barreiras para se manter durante mais de 30 anos em Manaus. Hoje, sua experiência em arquitetura regional é reconhecida e requesitada em todo o mundo

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também que essa vivência o tenha convencido de que Manaus precisava de uma arquitetura própria, construída com madeira e palha, como fazia a população local. Essa idéia, a princípio, causou estranheza e preconceito por parte de autoridades que queriam ver o progresso chegar em forma de escolas e prédios públicos feitos de civilizado concreto, material que empregou nas Varas Cíveis e Criminais do Estado do Amazonas, em Manaus, sempre preocupado em permitir a livre circulação de ar pelos ambientes. Com essa finalidade, criou soluções estruturais que lembram aquelas que o colega João Filgueiras Lima, o Lelé, também concebe em suas obras.

Severiano Mario Porto foi morar em Manaus há quase 40 anos, quando ainda não existia nem a Zona Franca. O arquiteto viu oportunidade de trabalho onde muitos viam falta de perspectivas, afinal, Severiano Porto trocou o Rio de Janeiro no auge do Movimento Moderno pela misteriosa Amazônia - e não tinha noção do tremendo impacto que essa escolha teria sobre sua carreira e sua vida. Durante todo esse tempo, o arquiteto manteve escritório no Rio de Janeiro em sociedade Por sua persistência e competência, comcom Mário Emílio Ribeiro. provada pelos vários prêmios conquisSeveriano Porto resolveu mudar-se com tados inclusive fora do Brasil, Severiano a família para a região norte do País em Mario Porto conseguiu liberdade para sua 1966. Em Manaus, teve oportunidade de criação. Entre suas principais obras destaprojetar e acompanhar de perto obras im- cam-se o Hotel da Ilha de Silves, premiado portantes como o estádio de futebol Viv- na Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, aldo Lima, ganhador de menção honrosa em 1985, o Centro de Proteção Ambiendo IAB, em 1965, e sua própria residência, tal de Balbina, o Campus da Universidade do Amazonas e a sede da Suframa. Porem 1971, também premiada. to foi professor da Universidade Federal Em todos os trabalhos deixou evidente do Amazonas por 26 anos, na cadeira de a preocupação em contextualizar a obra Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de de acordo com as necessidades do enTecnologia. torno. Observando os povos da floresta, também soube como integrar o homem De volta ao Rio de Janeiro, Severiano quer reassumir o magistério, desta vez divulem seu habitat. gando seu conhecimento entre os alunos Filho de pernambucanos, Severiano Porda Universidade Federal do Rio de Janeito nasceu em Uberlândia, Minas Gerais, ro (UFRJ), onde foi homenageado com o em 1928. Formou-se arquiteto no Rio de título de professor Honoris Causa, no ano Janeiro, passou 36 anos em Manaus e passado. Pouco antes da mudança de seu agora retorna à capital fluminense. Essa escritório para Niterói, Severiano Porto experiência em uma diversidade de culconcedeu entrevista à AU. turas e climas aguçou sua sensibilidade em relação ao povo brasileiro. É provável

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aU - O senhor foi para Manaus mas man- para Manaus e alguns colegas também teve escritório no Rio. Como era a logísti- foram para lá. ca de trabalho? Mas o Rio de Janeiro continuou senSeveriano Mario Porto - Cheguei em do nossa base. Fiscalizávamos oficialManaus em 1965, quando ainda não ex- mente os nossos projetos e obras enviistia nem a Zona Franca, criada em 1967. ando relatórios sobre assistência técnica. Começamos a fazer os primeiros projetos, Manaus cresceu depois da Zona Franca. entre eles a reforma do Palácio Rio Ne- Em 1972, comecei a lecionar na Universigro (não executada), a Secretaria da Pro- dade Federal do Amazonas. Muita gente dução e o Estádio Vivaldo Lima. Meu es- saiu da faculdade e veio trabalhar conoscritório era no Rio de Janeiro, onde havia co. Mais tarde, passamos a desenvolver mais recursos para conseguir informações os projetos complementares também em e já trabalhava com vários profissionais. Manaus. Assim, durante todos esses anos mantive aU - Agora, de volta ao Rio, o senhor preo escritório e, na fase inicial, uma construtende continuar a trabalhar na Amazônia? tora no Rio de Janeiro. Porto - Bem, neste exato momento estaDesde o começo, o arquiteto Mário Emílio mos na etapa final do projeto de um teRibeiro, colega de turma e posteriormente atro de 800 lugares para o Campus da meu sócio, trabalhou comigo aqui no Rio Universidade Federal do Amazonas. coordenando nosso escritório. Em 1965, eu passava um mês em Manaus e um mês aU - Quando optou por Manaus, o senno Rio. No início de 1966 levei a família hor teve oportunidade de trabalhar em 24 | ARQUITETURA BRASILEIRA

grandes obras e de começar algo muito a ausência da obrigatoriedade transferia novo. Hoje seria possível um jovem ar- ao aluno responsabilidade por seu futuro quiteto realizar algo parecido em algum profissional. lugar do Brasil? aU - E como era o ensino prático? Porto - Sempre desejei viver todas as fasPorto - Os alunos em sua maioria eram es da obra, do projeto à conclusão. Mesmo estagiários em escritórios de arquitetura assim, jamais poderia sonhar com as solicou em construtoras. Eu optei por conitações que surgiram, com toda aquela distrutoras porque arquitetura e urbanismo versidade de finalidades, programas, proeu aprenderia na faculdade, enquanto as cessos construtivos, regiões e climas. Se construtoras me proporcionavam sentir e isso aconteceu comigo, poderá acontecer viver o canteiro, tendo como professores com outro colega. os instaladores, pedreiros, carpinteiros, araU - Em uma entrevista à AU o senhor madores e serventes. Na comunhão das defendeu que o ensino de arquitetura de- duas escolas passei a me sentir mais severia voltar a ser como no seu tempo de guro para propor soluções e aprender estudante, ou seja, sem obrigatoriedade como fazê-las. de presença, para que o aluno tivesse aU - Em sua palestra no congresso bratempo para outras atividades. O senhor sileiro de arquitetos no ano passado, no ainda pensa assim? Rio, a sala nas dependências do Rio-CenPorto - Naquela entrevista, comentamos tro ficou pequena para tantos ouvintes. alguns detalhes do nosso curso na Fac- Que recado gostaria de mandar para essuldade Nacional de Arquitetura, instalada es estudantes e jovens arquitetos? no prédio do Museu de Belas Artes, no Porto - Considero o arquiteto um “superRio. O Museu integrava um importante profissional”, porque precisa entender de conjunto arquitetônico juntamente com o tudo que compõe o ambiente construído, Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o além do planejamento urbano em toda Palácio Monroe (hoje já demolido), todos sua abrangência. Este conhecimento exsituados em volta da praça da Cinelândia trapola a pesquisa, a elaboração do proe próximos do Clube Naval. Nas diversas grama, dos projetos, a coordenação dos galerias do Museu de Belas Artes acontediversos cálculos complementares etc. O ciam todas as provas, de todos os alunos, arquiteto deve ter um profundo conheem todos os períodos, nas “pranchetas” cimento da obra propriamente dita, pois distribuídas em toda sua extensão. esta sim é a razão e a atividade-fim da As provas duravam um, três, cinco ou até nossa profissão. O projeto é somente a 15 dias e eram públicas, permitindo a to- etapa que antecede e fundamenta o seu dos os demais alunos ver e sentir o con- fazer. teúdo do curso inteiro. Assim, todos conaU - Se tivesse que projetar um edifício seguiam assistir o desenvolvimento de em São Paulo, como lidaria com a escasum mesmo tema por cerca de 140 alunos sez de áreas verdes e as constantes mupor turma, do primeiro ao quinto ano. danças de clima? Por isso, um calouro tinha uma noção de todo o curso, desde o início. Além disso, Porto - A solução arquitetônica em São ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 25


Paulo irá acontecer considerando o programa a ser contemplado, normas e códigos municipais relativos à área da edificação, suas condições físicas, climáticas e ambientais, as definições do processo construtivo a ser adotado, dos recursos financeiros e outros. Seja no Centro de São Paulo, em seus bairros ou em outras cidades, os procedimentos serão sempre os mesmos na busca da solução arquitetônica correta.

aU - Além da experiência profissional, o que foi mais marcante nesses quase 40 anos na amazônia?

Porto - Foi nosso envolvimento com a região, tão intenso que sinto como se tivesse nascido lá. Vivi 36 anos em Manaus e tive a oportunidade de conhecer quase todas as cidades do interior, a maioria no período da implantação das estações telefônicas da Teleamazon. Do mesmo modo que assumi o Estado, eles também aU - O que o senhor pensa da crescente me assumiram quando me homenagearocupação urbana da Barra da Tijuca, no am com o título de Cidadão do Amazonas, conferido pela Assembléia LegislatiRio? va do Estado do Amazonas, em 1973. Porto - Na Barra da Tijuca, a proposição urbanística busca uma nova diretriz, diferente das que existem em outras áreas da cidade, cujo gabarito, taxa de ocupação e sistema viário são de uma época quando a escala humana predominava. Na Barra, o predomínio do carro é imperativo devido às grandes distâncias, difíceis de serem vencidas entre os seus diversos elementos. Esse fato atinge e sacrifica grande parte dos que moram ou trabalham ali.

INDICAÇÕES Poesia na floresta: a obra de Severiano Porto no Amazonas / Roger Abrahim O livro apresenta um vasto inventário das obras de Severiano Porto, analisando e registrando fotograficamente cada uma delas. O livro restringe-se à uma seleção que pudesse dar uma ideia precisa de sua sensibilidade, método de trabalho e atitude, dado o seu respeito e humildade quanto às condições, materiais, o saber fazer e valores culturais.

Arquitetura dos Índios da Amazônia / Johan van Lengen Como os índios da Amazônia constroem suas habitações? Quais materiais são utilizados? O que podemos aprender e adaptar ao nosso cotidiano? Este livro tem o objetivo de demonstrar que o homem pode usar saberes ancestrais que só nos ajudariam a manter o equilíbrio do mundo, sem provocar impactos suscetíveis de desestruturar a vida e o homem.

aU - Falando de progresso, como o senhor vê o uso de ferramentas da informática em arquitetura? Porto - Usamos o AutoCad para fazer os projetos, mas, quando se tratam dos estudos, aí sim, acho importante que sejam executados livremente com o emprego do computador que está dentro de nossa cabeça e que aciona nossa mão para lançar as idéias no papel. O computador é um elemento importantíssimo não somente para o arquiteto como também para toda a equipe de cálculos complementares que trabalha em cima da mesma matriz, simplificando o entrosamento das diversas modalidades, bem como os possíveis acertos e adequações. 26 | ARQUITETURA BRASILEIRA

EVENTOS II ARQ AMAZÔNIA / 14 a 16 de setembro de 2016 Três anos após a realização do primeiro congresso, na Cidade de Iquitos/Peru, Manaus sediará a segunda edição do Congresso Internacional de Arquitetura e Sustentabilidade na Amazônia, tendo como objetivo geral refletir e propor modelos urbanos e arquitetônicos sustentáveis de apelo ecológico na Amazônia a partir de propostas teóricas e experiências de projeto.

ESPECIAL SEVERIANO PORTO | 27



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