Relatório Arquitetura e Urbanismo Contemporâneo I

Arquitetura e Urbanismo Contemporâneos I

RELATÓRIO SEMESRE I MARINA BONESSO SABADINI

O movimento Moderno na arquitetura trouxe um discurso muito esperançoso, de mudanças e transformações que ocorreriam e modificariam a vida, a arquitetura seria capaz de tornar as pessoas melhores, mais corretas, com um pensamento coletivo, o individualismo cairia em desuso e se viveria uma vida ideal. Essa era a promessa moderna na década de 20, de lá para cá, muito se alterou, grandes transformações ocorreram, mas e o sonho moderno, porque não se concretizou? O que aconteceu com essa aposta? E o que foi feito depois dela?

A experiência moderna, na busca de romper com o padrão de acumulação burguês, cria um Homem desapegado de bens materiais, e assim se espelha a arquitetura: do mínimo para viver, da vida reduzida e da não necessidade de deixar rastros. Mas com isso, também se cria uma arquitetura sem personalidade, sem afeto e sem pertencimento, e essa ideia ainda é reforçada pelo padrão de produção em série.

Com o objetivo de acabar com o déficit habitacional, se cria a ilusão de que associar a construção civil com a indústria resolveria essa situação pós guerra, porém essa padronização acaba potencializando uma arquitetura sem especificidades, essa massificação gera um cenário “pasteurizado”.

Essa Arquitetura sem personalidade traz a tona uma discussão entre o MORAR e o HABITAR, entre o ESPAÇO e o LUGAR, o que o arquiteto deve projetar e para quem esse projeto deve agradar. A vida é a constante mudança, a vivência gera memória, rastros e hábitos, ao propor uma arquitetura que se abstém de tudo isso, se propõe a morte a vida.

A arquitetura moderna buscar romper com o passado e aniquilar toda a sua relação com ele, tenta-se criar uma arquitetura atemporal, que não está fadada a obsolescência, ela nunca envelhecerá: antes de se tornar ultrapassada, ela será desmontada. Essa arquitetura representaria tudo que o homem moderno seria.

Outra questão trazida pelo discurso moderno é os limites do PÚBLICO e PRIVADO. O uso do vidro na arquitetura moderna é muito frequente, com isso, eles buscavam obter uma transparência da vida privada, funcionaria como uma arquitetura panóptica, em que por receio de ser visto, o Homem se portaria de acordo com as normas, inclusive em sua vida privada. Porém essa aposta também não se realiza conforme o esperado, acaba ocorrendo uma exposição e uma perda de privacidade e de intimidade.

Era um momento de desencantamento do mundo, a ciência havia revelado os grandes mistérios do planeta, o mundo moderno era um mundo permeável, que não gerava curiosidade. E assim, se cria a Nova Objetividade: a arquitetura não deveria ser uma arte, estar ligada a subjetividade de cada indivíduo, ela passa a ser uma ciência, com formulas exatas para serem seguidas, a arquitetura deveria ser objetiva. Isso pode ser observado pelo modo de produção arquitetônico, arquitetos modernos passam a iniciar um projeto a partir da planta, mostrando que a principal diretriz do projeto é a função do edifício, antes disso, muitas ve-

zes se projetava a partir do corte, mostrando a preocupação da apreensão do edifício pelo indivíduo.

A Arquitetura Moderna ambicionava ser universal e romper com tudo aquilo que já foi feito. Realmente, ela se espalhou pelos diferentes países rapidamente, entretanto, havia uma mediação cultural e ambiental: em cada novo país, ela ganhava novas experimentações que a adequasse às dimensões locais e regionais, ou seja, ela não podia ser multiplicada em qualquer terreno, não sem as devidas alterações. A busca pela aniquilação total do passado também não foi efetuada completamente, claro que as mudanças que ocorreram foram drásticas e velozes, diferente das mudanças que ocorriam até então, porém ainda há diálogos com o passado, na essência, os elementos clássicos (ritmos, proporções, ...) ainda se mostram presentes na arquitetura moderna.

CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna)

Foto oficial CIAM primeira reunião em La Sarraz fonte: http://www.cronologiadourbanis-

Em 1928, foi fundado o CIAM, Congresso que reunia os arquitetos com maior influência no momento para fomentar uma série de discussões a respeito da arquitetura e para coordenar todas as iniciativas internacionais em uma única nova arquitetura, segundo Le Corbusier, foi criado com o objetivo de “dar à arquitetura um sentido real , social e econômico”. Houveram 10 CIAMs, de 1928 a 1956, tratando de diversos temas, esses são divididos em 3 fases: a primeira, de1928 a 1933, tinham pensamentos mais de esquerda e estavam muito ligada com os Alemães, a segunda, até 1947, as ideias de Le Corbusier ganham mais destaque, e a terceira fase, até 1956, é quando

inicia-se as críticas e as propostas de reconfiguração dos objetivos modernos, buscando incorporar as necessidades emocionais no espaço físico.

O primeiro CIAM cria a Declaração de La Sarraz, que é uma reivindicação dos arquitetos como um bloco, colocando os objetivos para a arquitetura moderna, de romper com a academia e com o passado, que viam os processos industriais como inimigos por destruir a beleza da arquitetura e das cidades históricas, associando assim, a arquitetura a indústria, para resolver problemas de habitação.

Ademais, eles passam a se enxergar como os grandes condutores do progresso, acima do Estado, uma vez que esse era seu principal “cliente”, já que as cidades precisavam se reconstruir pós primeira guerra, e por isso a grande demanda.

O segundo CIAM, também dominado pela arquitetura europeia, traz para o debate a questão do mínimo para se viver (existenzminimum), passa-se a projetar as células de moradia. O CIAM III amplia sua visão para as cidades, pensando nas suas unidades (blocos, lotes, quadras, ...) de modo a promover melhoria nas questões ambientais, como entrada de luz e ventilação.

O CIAM IV ocorre em 1933, tem como principal marco a escrita da Carta de Atenas, é a partir desse congresso que o Le Corbusier passa a ter mais visibilidade e destaque nas discussões. A cidade começa a ser dividida por suas quatro funções: habitar, trabalhar, circular e lazer, com isso, a cidade passa a ser reduzida a sua dimensão funcional. O mundo tinha acabado de superar a gripe espanhola, e por isso a relação com a natureza era fortemente trazida no discurso, o pensamento de trazer ambientes mais arejados e saudáveis era extremamente racional, as cidades deveriam ter três elementos principais: espaço, verde e sol, atingindo-os, os Homens viveriam um vida feliz.

Croqui Jornada Solar, Le Corbusier fonte: https://docplayer.com.br/ 3152074-Arquitetura-e-luz-o-atrio-ex-patio.html

A racionalização e padronização da arquitetura são vistos de maneira muito positiva nesse CIAM, buscava-se uma simplificação dos métodos construtivos, e para isso, a ornamentação é desvalorizada, e uma estética da máquina, de menos é mais, passa a ser enaltecido, havia um desejo de unir o fenômeno da arquitetura com o sistema econômico geral. Essa padronização gerava um abandono de desejos pessoais em prol de uma satisfação coletiva, a arquitetura moderna servia para satisfazer questões materiais e não questões subjetivas.

A Carta de Atenas só foi publicada 10 anos depois desse CIAM, próximo ao fim da segunda guerra e foi muito utilizado para a reconstrução das cidades. Em 1947, num momento pós guerra, ocorre a reafirmação dos CIAMs, com o CIAM VI, a nova geração começa a questionar a racionalização extrema de suas antigas gerações, era um momento de reencontrar e reorganizar os objetivos dos CIAMs a partir de críticas ao que já havia sido discutido em CIAMs anteriores.

A guerra fez com que os Homens se questionassem sobre o que é perdido quando a individualidade é suprimido para o coletivo, para Aldo van Eyck, o mecanismo da arquitetura deixa de lado a dimensão emocional, e propõe que seja incorporado uma dimensão subjetiva, sendo assim, o espaço deve satisfazer questões materiais e emocionais do homem, estimulando seu crescimento espiritual. A busca desses arquitetos é de adicionar a subjetividade pessoal e a dimensão cultural e histórica ao discurso moderno, ampliando-o e não rompendo com ele.

O CIAM VII, ocorre em 1949, e traz a discussão sobre o HABITAR e organiza um documento que pensa as funções da cidade através dos diversos temas. Em 1951 ocorre o CIAM VIII, que questiona a cidade zoneada de acordo com suas funções, argumentando que esta não possuía um centro que reuniria a população, ou seja,

que geraria o ENCONTRO. Esse local tinha tamanha importância que era chamada de CORAÇÃO DA CIDADE, e a arquitetura deveria pensar e criar espaços que privilegiassem esse encontro. Segundo eles, o plano de massas, pensado no CIAM III, não era baseado na perspectiva humana, ele era feito de cima para baixo, e mesmo que a perspectiva aérea seja agradável, ela não era a visão de quem realmente a utiliza.

Esses fatores indicam a preocupação entre o ESPAÇO e o SUJEITO que o habita, ou seja, em uma humanização da vida urbana, que transcenderiam as imaterialidades e a cidade funcional, e para isso, buscavam trazer uma conversa com a história e memória do local. Ernesto Rogers entra nesse contexto, ele busca dar continuidade ao movimento moderno de maneira que a nova arquitetura pudesse dialogar com as pré-existencias. Para isso, o arquiteto insere elementos que remetem aos edifícios antigos, porém com técnicas, materiais e soluções modernas, conectando-se com o contexto histórico da cidade. Um exemplo disso é a Torre Velasca e a sua relação formal com o Castello Sforzesco, é perceptível suas semelhanças em suas formas, proporções e monumentalidade, mas os materiais e técnicas revelam, sem mascarar, que é um edifício moderno, mesmo trazendo uma relação com o passado, com formas cheias de sentido e carregada da dimensão cultural e histórica.

Na década de 50, há uma tentativa de superação ao modernismo, uma vez que a sua hipótese de cidade não valorizava o encontro entre as pessoas, e por isso, deveria haver um cruzamento de usos nas zonas, o que quebraria sua monovitalidade, favorecendo uma polifuncionalidade que geraria uma vitalidade urbana.

Nesse contexto, ocorre, em 1953, o CIAM IX, onde é escrita a carta do Habitat,

Castello Sforzesco fonte: https://www.iltabloid. it/2019/07/10/milano-due-ore-in-piu-per-visitare-leonardo-mai-visto.html

Torre Velasca fonte: https://www.itinari.com/pt/milan-s-skyline-torre-velasca-jkog

Congresso de Otterlo, organizado pelo TEAM X, 1959 fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Team_10

onde se discute a cidade, a cultura, identidade e práticas cotidianas. Com isso, os arquitetos chegam na ideia de que não existe mais um Homem Universal, que cada cidade possui suas especificidades culturais e suas próprias práticas cotidianas, e por isso os arquitetos buscam traços culturais que desenvolva as diversidades.

O arquiteto deixa de ditar regras e de se colocar em um local de poder transformador, e passa a PARTICIPAR da cidade. A cidade passa a ser vista a partir do olhar daquele que a habita e não a partir daquele que a projeta, a cidade ultrapassa o tecnicismo e adquiri qualidades humanas, há uma substituição de dados quantitativos abstratos por experiencias, e assim, ocorre uma aproximação entre arquitetura e a existência real, e os arquitetos passam a falar de maneira mais acessível, para atingir aqueles que realmente utilizavam a cidade.

Esse novo discurso absorvia a experiencia da cidade, A VIDA NA RUA, acreditavam na prática social além da funcionalidade pragmática, ou seja, os espaços desenvolviam funções além das quais foram projetados para ter. Um exemplo disso é a rua, que inicialmente foi projetada somente para o tráfego de carros, porém passa a ser um espaço para as interações e brincadeiras das crianças.

Em 1956 ocorre o CIAM 10, e com ele, há o surgimento do TEAM X, que buscavam soluções para as pautas do momento, eles traziam questões de identidade, lugar e cultura como essenciais para o pertencimento, e por isso, iam contra toda a ideia de identidade nacional do movimento moderno. O CIAM 11, marca o fim dos CIAMs e o ínicio do TEAM X, que ocorre de 1956 até 1983, as reuniões passam a ser mais informais, não havia um documento final e eles também não se prendiam aos dogmas estipulados para serem seguidos, os arquitetos passam a absorver o COTIDIANO em suas discussões e obras e passam a extrair elementos da arquitetura vernacular.

Nesse período, os arquitetos buscam uma revisão da própria história, a partir do contato com o outro e com o diferente, com o “novo sangue”, passam a olhar para outras culturas do presente, não para o passado (ANTROPOLOGIA). Esses arquitetos passam a estudar a arquitetura do norte da África, que passava por um momento de descolonização e guerra pela libertação, com isso, os arquitetos buscavam decifrar o MODO DE MORAR e o MODO COLETIVO DE CONSTRUIR O HABITAT, numa tentativa de conciliar a arquitetura secular africana com o pensamento moderno.

Nessa mesma linha de raciocínio, eles passam a estudar a arquitetura dos trópicos como uma investigação de como solucionar bioclimaticamente a arquitetura em locais quentes, ou seja, uma investigação do HABITAT EVOLUTIVO, em que uma mesma lógica construtiva é adaptada a cada lugar/ambiente que se encontra com suas especificidades. Com isso, surge também o pensamento de “arquitetura sem arquiteto”, uma vez que o arquiteto está sem a função de moldar a sociedade, e esse pensamento se reverbera em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, com o Sergio Ferro.

Inicia-se um estudo a respeito de estruturas urbanas sem a grade quadricular racional moderna, como as cidades históricas europeias e as cidades no norte da África. Seguindo essa linha, os arquitetos Alison e Peter Smithsons criam a ideia dos CLUSTERS, que seriam como caules e troncos de árvores, que possuem uma estrutura central e que articulam os elementos secundários. Sendo assim, diferente da ideia moderna e racional de cidade dividida em suas funções, ela seria pensada de acordo com as escalas de aproximação e de pertencimento (casa, rua, bairro, cidade).

Diagrama das cidades clusters fonte: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/24734/000747456. pdf?..

Playground público projetado por Aldo van Eyck fonte: http://www.rocagallery.com/ when-a-child-rediscovers-the-city-the-city-rediscovers-us

Vista aérea do Orfanato de Amsterdam fonte: https://www.archdaily.com.br/

A cidade e a arquitetura passam a ser visto como um todo único, indissociável, a arquitetura se dilui na cidade, e ao mesmo tempo, é ela que a constrói, a cidade é um produto da arquitetura e não um plano onde ela se insere. Antes do século 19, não podia se falar de Urbanismo, na cidade histórica, a cidade era formada por adição, conforme iam construindo arquitetura, a cidade ia crescendo, ou seja, a arquitetura era dissociada do plano, o que é diferente do que ocorre na trama urbana, em que a escala do edifício é superada. O TEAM X retoma essa ideia de que a arquitetura poderia moldar o urbano.

Um arquiteto de grande importância nesse contexto é o Aldo van Eyck, esse fazia parte do CIAM e do TEAM X, ele possuía forte influência do surrealismo e pensava além da arquitetura, desenvolveu bastante o lado subjetivo da arquitetura. Eyck projetou muitos espaços de lazer ativo, voltados a um público específico, as crianças, ele transformou espaços residuais da cidade em espaços de interação com as pessoas, desenvolvendo uma dimensão lúdica, e não um lazer funcional. Com isso, o arquiteto cria um novo conceito, já que antes dele só existiam parque de contemplação e não locais que permitiam essa experiência.

Aldo van Eyck também faz o projeto para um orfanato em Amsterdam, ele consegue juntar a modulação, o pré fabricado e o industrial a uma riqueza cromática, de materiais e de textura em seu interior. Todo o projeto é feito para instigar a apropriação do indivíduo, para que a criança torne para si o espaço que habita, assumindo o protagonismo a partir de espaços lúdicos e de uma escala/tamanho certo para o usuário. O arquiteto torna o espaço convidativo para as crianças, em que a partir da proximidade, ela se apropria do ambiente e a instiga a explorar.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as cidades europeias se encontravam

destruídas e era preciso reconstruí-las física e economicamente, e nisso, surge o Estado de bem estar social, em que a educação, a saúde e a segurança deixam de ser mercadoria e passam a ser direito. Sendo assim, o Estado britânico passa a ser um grande agente de demanda da produção arquitetônica, uma vez que para atingir o bem estar social, precisava construir escolas, hospitais e outros equipamentos.

O órgão que governava Londres era o LCC (London Country Council), muitos arquitetos faziam parte dele, a arquitetura produzida por eles já apresentava certa racionalidade, mas ainda era vista pelos Smithsons como muito tradicional, uma vez que eles mantinham a estética da construção inglesa muito marcada. Com isso, vem o Novo Empirismo, que acreditava na inserção de construções mais harmônicas com a cidade, seria uma certa recusa a arquitetura moderna, numa fuga do Estilo Internacional.

Nesse mesmo contexto, porém no cenário socialista, há um questionamento à arte moderna, argumentando que ela alienava o trabalhador, uma vez que ela era incompreendida pela população e por isso a arte abstrata não passava nenhuma mensagem, e era necessário que a arte passasse uma mensagem positiva ao trabalhador, já que eles eram peça fundamental para a reconstrução das cidades.

Com isso surge o Realismo Socialista, e muitos arquitetos britânicos se alinham com essa filosofia e acreditavam que precisavam realizar uma arquitetura popular, e por isso surge o questionamento de como fazer uma arquitetura coletiva com a linguagem tradicional e junto a isso, busca entender o que era a arquitetura britânica.

A rua, passa a ser um elemento muito importante para a arquitetura, ela já

Crianças brincando na rua Chisenhale, Londres fonte: https://www.tate.org.uk/art/ archive/items/tga-201011-3-1-11712/henderson-photograph-showing-

Instalações hidráulicas aparentes na Escola de Hunstanto fonte: https://www.researchgate.net/ figure/Alison-and-Peter-Smithson-

Representação da rua nas alturas da Golden Lane fonte: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?id-

não era mais a rua histórica e tortuosa e também não era mais a rua racional e reta Corbusiana, ela era uma rua comum, em que as crianças brincavam, era onde ocorria encontros e onde estava a vitalidade da cidade. Essa noção de ENCONTRO será um dos principais aspectos levados em consideração para o pensar projetual, e esse elemento será levado para dentro dos edifícios, em que a circulação propiciaria o encontro.

A arquitetura dos Smithsons passa a ser pensada para o HOMEM COMUM e não para o especialista, e para isso a cultura do consumo e da propaganda vira o campo de investigação e a vida cotidiana e a rua real onde as pessoas convivem se torna o objeto de estudo. Para atender esse público que eles desejavam, as obras precisariam ser transparentes, para que o Homem comum pudesse compreender a obra facilmente, além disso, a obra deveria revelar a maneira como funciona, exercendo uma função democrática e social. Um exemplo disso é a Escola de Hunstanto, que possuíam toda sua estrutura e instalações aparentes, para que o homem comum pudesse compreender o funcionamento do edifício, além disso a circulação interna da escola eram como ruas que proporcionavam o encontro e a interação informal de desconhecidos.

Essa característica das obras dos Smithsons se relaciona com o existencialismo, em que para buscar essa conexão com o sujeito comum, trabalham com a realidade do mundo como ela é, e essa consciência seria libertadora aos frequentadores, uma vez que a partir de diversos elementos, como por exemplo a perspectiva tátil, a pessoa apreenderia a realidade, o que despertaria o sujeito. O projeto da Golden Lane não foi construído, mas os Smithsons trazem uma série de questões sobre a cultura urbana e a sociabilidade, o objetivo principal do projeto era elevar uma rua, trazendo toda a complexidade dessa vitalidade presente nas ruas para um edifício, o que contribuiria

para o encontro e interação entre as pessoas.

O conceito de rua elevada foi realizado por Robin Hood Gardens, em que a frente de seu apartamento, haveriam amplas varandas compartilhadas, que seriam espaços comuns de encontro e sociabilização entre os moradores e rapidamente esse conceito foi espalhado em diferentes locais da Inglaterra. Porém o ideal de “posse compartilhada” das ruas nas alturas fracassou, o que era para ser de todos, acabou se tornando de ninguém, um local abandonado, sem os devidos cuidados e com um índice de violência alto.

Os Smithsons também realizaram o projeto para a Sede do Jornal The Economist, nessa obra, eles buscam realizar uma relação formal com a preexistência, como por exemplo ao trabalhar com os diferentes gabaritos e pé direitos para dialogar com os edifícios ao lado. Além disso, numa tentativa de inserir a história numa abordagem moderna, eles utilizam, não a forma tortuosa das ruas históricas, mas o seu o conceito: criam uma praça elevada (utilizando o conceito de rua elevada), que seria acessada por rampas e escadas, acreditando que esse modelo de edifício poderia ser reproduzido na cidade, criando uma enorme malha caminhável acima das cidades.

Os pensamentos dos Smithsons foram ganhando outras dimensões e repercussões, eles passam fazer exposições vanguardistas de modo a envolver o observador ao máximo, mostrando o quanto a arte e a vida estão interligadas e embaralhadas. Para isso, eles se utilizam de recortes de revistas, de livros infantis, fotografias e desenhos, ou seja, expõem elementos artísticos e não artísticos de forma não ordenada e em camadas, lembrando uma banca de revista, quebrando a lógica expositiva em espaços brancos, espaçados e organizados de maneira ra-

Desenho do projeto para a sede do Jornal The Economist fonte: https://en.wikiarquitectura.com/ building/the-economist/

Exposição dos Smithsons fonte: https://www.lume. ufrgs.br/bitstream/handle/10183/24734/000747456.pdf?..

ENPAS palace, Bologna, 19561957 fonte: https://www.google. com/search?q=saverio+muratori&source=lnms&tbm=is-

cional e revelando a dimensão mundana da sociedade contemporânea e da sociedade do consumo.

Nesse mesmo contexto pós guerra, a Itália, também numa necessidade de reconstrução, inicia uma produção cultural que estava muito ligado ao movimento nacionalista autoritário, colocando em destaque o povo e pensando em uma arte popular. Na arquitetura, essa produção aparece dialogando com a rica história e com as pré existências locais, consolidando uma arquitetura moderna e histórica ao mesmo tempo, como por exemplo, o arquiteto Saverio Muratori, que faz uma releitura do elemento urbano Loggia, em um contexto moderno de térreo livre e fachada ativa.

Na produção artística, havia uma divergência no contexto italiano, uma parte era a favor da arte moderna abstrata e outra parte dizia que essa alienava o povo já que eles não a compreendem, apoiando uma arte mais popular, acessível ao público e que transmitisse uma mensagem clara, que seria o realismo. Essa linha de pensamento também aparece na produção arquitetônica, o arquiteto Mario Ridolfi cria um manual do arquiteto, que possuía uma série de soluções populares arquitetônicas, que buscavam uma aproximação da arquitetura com a população, assim como o realismo buscava essa aproximação com a arte. Porém essas técnicas acabam paralisando culturalmente as produções, por se restringir a uma solução única, acaba criando uma monotonia nos edifícios idênticos, em que os moradores não se reconhecem, e a partir disso, inicia-se uma busca por uma variação formal e passam a se interessar também pela vitalidade das ruas.

Ainda seguindo esse raciocínio, Mario Ridolfi projeta a Viele Etiopia, uma série de edifícios, que mesmo sendo verticais pela alta demanda e custo da terra, possuem uma estética de apelo popular, associando-se com elementos vernaculares, como

esquadrias de madeira, havendo um compromisso com as técnicas construtivas existentes e sendo acessível, de fácil apreensão.

CONTEXTO BRASILEIRO

No Brasil, a arquitetura moderna se expressou diferente da Europa: não havia a frieza, a arquitetura brasileira moderna conseguia conversar com seu passado e era como se tivesse a mesma matriz da arquitetura pretérita. Entretanto, havia uma disputa entre qual arquitetura representaria melhor o país: neocolonial ou moderna. O José Mariano Carneiro da Cunha Filho defendia a arquitetura neocolonial, e contestava que a arquitetura moderna era exótica e alienígena, sendo invasiva à cultura brasileira, além de associá-la ao comunismo. Já o arquiteto Lúcio Costa era a favor da arquitetura moderna, argumentando que essa tem forte relação com a arquitetura feita durante o Brasil colônia.

Neste momento, o Estado brasileiro era fordista e o nacionalismo era muito forte, por isso busca-se uma série de elementos que pudessem construir esse ideário da tradição e identidade brasileira, como por exemplo a feijoada, o futebol e o samba. E é nessa busca que a escola carioca, influenciada pelos ideais antropófagos discutidos na semana de 22, desenvolve uma linguagem da arquitetura moderna com raízes brasileiras, legitimando essa arquitetura como nativa no Brasil, uma vez que ela teria a sensualidade do país, as curvas das mulheres brasileiras e a sinuosidade do relevo, ou seja, consumiu a arquitetura europeia, e sem replicar, reelaboramos uma nova versão associada a elementos locais.

Croqui de Pampulha feito por Oscar Niemeyer fonte: https://www.archdaily.com. br/br/799922/como-a-pampulha-

Copan, Oscar Niemeyer fonte: https://segredosdomundo. r7.com/edificio-copan/

Park Hotel, Lúcio Costa fonte: https://www.vitruvius.

Para “criar” um país e seu passado, era necessário associar ao imaginário popular a imagem de uma única arquitetura, uma única arte, um único artista, um único herói, e nesse sentido, Oscar Niemeyer se tornou essa pessoa, personificando a arquitetura moderna brasileira, assim como o Aleijadinho personificava a arquitetura barroca brasileira.

Oscar Niemeyer projeta Pampulha seguindo esse ideário do que seria a arquitetura moderna brasileira, está presente uma relação entre a dimensão física e geográfica com a sua forma e disposição, Pampulha não simplesmente se acomoda na natureza como também a molda, foram feitas inúmeras transformações no ambiente para que ele ficasse do jeito que é, com isso, o arquiteto trabalha outra questão muito forte do país: a relação entre artificial e natural.

Pampulha é só um exemplo da arquitetura de Niemeyer, ele foi responsável por criar a grande imagem da arquitetura nacional, seu principal cliente era o Estado, e por isso, podia inovar e não possuía limites financeiros. Sua arquitetura ao mesmo tempo domina a natureza, e se submete a ela, as edificações se implantam nas pré existências, e também moldam a paisagem, um exemplo disso é o Copan, que ao mesmo tempo que se ajusta ao lote irregular, marca presença e transforma a paisagem urbana de São Paulo. As obras de Niemeyer marcam muito fortemente a expressão do individual e da personalidade, sua arquitetura é sensual e inova com o uso da curva de uma maneira única.

Um outro exemplo de arquitetura moderna brasileira é o Park Hotel, projeto que idealizava aquilo que Lúcio Costa via como arquitetura moderna brasileira em que o que realmente importava era a concepção, independente dos materiais utilizados, sendo assim, a arquitetura moderna poderia ser feita com técnicas consideradas

arcaicas e ela poderia se desenvolver mesmo sem a indústria civil desenvolvida no país.

Vilanova Artigas foi outro arquiteto que ajudou no desenvolvimento e definição da arquitetura moderna brasileira, sua produção arquitetônica passou por diversas fases. Sua primeira fase teve forte influência das obras de Frank Lloyd Wright, acreditando que essa assemelharia ao que se imaginava de uma arquitetura tropical. Já em sua segunda fase, Artigas se associa ao Partido Comunista, e por isso deixa de fazer uma arquitetura com características imperialistas com influência americana, porém o partido era contra a arquitetura moderna, uma vez que estava associado ao movimento realista. Por conta disso, Artigas se encontra em um dilema, e acaba ficando alguns anos sem projetar.

Em 1956, com as denúncias dos crimes do Stalin, o Partido comunista se desvincula da arte realista, e Artigas consegue superar seu dilema com a conciliação do realismo como modernismo com seu projeto da Casa Baeta. Artigas associa essa arquitetura moderna de estrutura independente e janela em tira com àquelas de sua infância no interior do Paraná, como por exemplo com o uso do tabuado de madeira, do telhado “tradicional” e de cores esmaecidas. Artigas consegue criar uma articulação entre o moderno e o empírico/realista.

Com isso, inicia o pensamento da Escola Paulista. A casa é vista como um espaço alternativo ao mundo agressivo e injusto, ensinando a morar de forma democrática, e para isso, o arquiteto transmite os ideais de urbanismo para dentro do lote, trabalhando com desnível e circulação, ampliando os espaços comuns em detrimento dos privados. Outra característica presente na Casa Baeta é a eliminação da fachada, separando a arquitetura da cidade e tornando clara a relação

Casa Baeta, Artigas fonte: https://www.teses.usp. br/teses/disponiveis/16/16138/ tde-04072013-090039/publico/Dissertacao_Apoena.pdf

Construção de Brasília, mostrando a instalação do revestimento nos pilarers fonte: https://www.gazetadopovo.com. br/caderno-g/longe-dos-olhos-perto-da-corrupcao-08imqkj5639lyfmanmpq8v6mm/

que o arquiteto vê entre o interior e o exterior, como uma tentativa de negar a cidade violenta, a arquitetura acaba se tornando um objeto de design, se resolvendo em si mesma, sem relação com a cidade.

Há uma grande diferença entre a produção arquitetônica de Artigas e de Niemeyer. Artigas associa o arcaico com o moderno, assumindo-os, o concreto armado rugoso é uma marca da escola paulista, ele revela a produção, possui as marcas da forma de madeira, mostrando ser um país em desenvolvimento, que não é nem totalmente moderno, nem totalmente arcaico. Já Niemeyer não deixa o registro da produção, suas obras possuem um esforço em dissimular essa marca de ser um país em desenvolvimento, se esforça para passar a ideia de ser um país moderno, como por exemplo, revestindo os pilares de mármore branco polido, possuindo sempre acabamentos lisos, únicos e padrões e assim, escondendo o processo, suas obras são puras concepções plásticas e formais.

AMÉRICA LATINA

Até a década de 30, Paris era a capital cultural, em que arquitetos do mundo todo iam para buscar referencias e inspiração, porém, como o fim da segunda guerra mundial, os países passaram a buscar uma arquitetura própria, já que queriam criar uma identidade para o país para reforçar o nacionalismo.

Nesse sentido, o Brasil se torna um grande polo cultural de influência para os países latinos, uma vez que a relação da arquitetura com a paisagem era uma ques-

tão fundamental para a arquitetura moderna latina. Diferentemente daquilo que Wright propunha da arquitetura se confundindo na paisagem, o objetivo era que a arquitetura sobressaísse, que ela moldasse a paisagem que se insere. Outra questão muito forte na arquitetura latina é sua adaptação ao contexto tropical, em que os arquitetos desenvolveram uma linguagem única para fazer as mediações climáticas, como por exemplo o uso de elementos vazados como brises e cobogós.

Na Venezuela, o arquiteto Carlos Raúl Villanueva propões uma leitura dos elementos tradicionais e históricos e uma reinterpretação desses na arquitetura moderna, utilizando as técnicas construtivas tradicionais locais, haveria um fortalecimento da identidade nacional e o homem estaria de acordo com o meio, e por isso, produziria. Era um período de busca de conciliação entre as particularidades e a tradição local com os novos ideais, entendendo o que já foi feito e readaptando às condições locais.

O México, assim como muitos países colonizados, estava em um período de discussão e criação do que seria nacional e próprio de seu país, a cultura mexicana é muito diversa e rica devido às inúmeras civilizações que ali viveram, a cultura possui grande influência dos povos pré-colombianos, que permeia o imaginário dos arquitetos e artistas locais. O arquiteto mexicano Juan O’ Gorman teve uma forte participação nesse período de desenvolvimento da arquitetura moderna mexicana, ele buscava constantemente resolver questões sociais e ao mesmo tempo a dimensão nacional.

O seu projeto para a casa da Frida Kahlo e do Diego Rivera (1931-32) expressa a personalidade dos moradores ao mesmo tempo que possui elementos regionais. A casa possui uma estética industrial (característica moderna), uma

Casa Estúdio, Juan O’ Gorman fonte: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.130/6840

Biblioteca da UNAM, Juan O’ Gorman fonte: https://pt.qwe.wiki/wiki/Central_Library_(UNAM)

vez que seria um ateliê de produções artísticas, ao mesmo tempo que demonstra seu apego a características nacionais e “banais”, como por exemplo o muro de cacto, muito utilizado em espaços mais rurais, sendo considerado um traço hereditário mexicano.

Sua produção passa por constantes alterações, ela se transforma ao longo do tempo, o arquiteto já era alinhada aos ideais da revolução, mas sua visita a URSS, influenciou ainda mais suas obras: eles já tinham “superado” o construtivismo e o realismo estava em alta, e isso faz com que Gorman passe a explorar o regionalismo e o ancestral em suas experimentações arquitetônicas.

Um exemplo disso é o seu projeto para a biblioteca central da cidade universitária da UNAM, em que o arquiteto coloca todas as camadas da história mexicana se fundindo em uma única camada e a associa ao contexto moderno sem grandes contradições, com isso Gorman materializa tudo aquilo que ele acredita ser o México moderno: uma síntese complexa de vários povos, histórias e tempos. O edifício é basicamente um bloco de pedra, que podemos associar ao material das pirâmides astecas, acima de uma base moderna, simbolizando o mundo moderno sustentando o mundo pré-colombiano. Outro exemplo disso é o Museu Anahuacalli que, formalmente, se assemelha muito a uma pirâmide asteca, porém com materialidades e elementos modernos, ou seja, Gorman inclui referências simbólicas históricas ao contexto moderno.

Essa constante mudança da produção do arquiteto está presente em sua última obra: a Casa do Arquiteto, com essa obra, Gorman demonstra sua crença de que a casa deveria ser a expressão do ser, como sua própria extensão, a obra é subjetiva e particular, tem muita relação de como o morador vê o mundo. O arquiteto se apro-

pria da formação rochosa já existente para a estrutura da casa, se conectando ao local, é como se a obra “brotasse do chão”, trazendo as raízes da história mexicana. Essa obra é o oposto do estilo internacional de seriação, uma vez que o arquiteto acredita que esse estilo causa alienação nas pessoas, a casa materializa todo o desejo de uma vida comum de uma natureza quase espontânea e não racional.

Outro arquiteto mexicano que ajuda a construir o imagético da arquitetura do país é o Luís Barragán, suas obras são mais voltadas para um mercado privado e ele produz uma arquitetura nacional muito voltada para a cultura do colonizador, com muitas referências aos pueblos e da vida na fazenda. Mas junta isso a uma arquitetura moderna, explorando o uso de pátios, madeira, cores e a luz como reveladora da superfície, elementos que se tornam marcantes na cultura mexicana.

Ainda sobre a América Latina, mas voltando ao Brasil, a natureza sempre foi um elemento muito presente na imagem do país, as primeiras pinturas e representações do Brasil, já revelavam isso, mostravam uma natureza impenetrável e predominante em relação ao Homem, tanto em escala, quando em variedade.

Uma artista que teve grande importância nesse cenário foi a Tarsila do Amaral, que passou a impermear as várias espécies vegetais em uma cena urbana, e, além disso, ela também representa elementos nacionais que tinham sido colocados em segundo plano já que não se ajustavam ao perfil europeu, por exemplo o céu azul e algumas espécies de vegetação como o cactos, valorizando questões brasileiras e não mais transplantando uma cultura estrangeira para o Brasil.

Outra figura muito relevante para a criação dessa paisagem brasileira foi a Mina Klabin Warchavchik, ao realizar o projeto de paisagismo para a casa na

Casa do arquiteto, Juan O’ Gorman fonte: https://www.iconichouses.org/ news/icon-at-risk-preserving-the-nancarrow-house-studio

Projeto paisagistico para o ministério da Educação do Rio de Janeiro e sua relação com suas artes plásticas fonte: https://www.archdaily.com. br/br/792669/roberto-burle-marx-

rua Santa Cruz, Mina se utilizou de espécies comuns junto a espécies que não eram locais, as espécies foram escolhidas para dialogar com a arquitetura ressaltando as formas da casa, eram plantas com formas gráficas em sintonia com a arquitetura moderna, com linearidades e verticalidades.

Na definição de paisagem brasileira não pode faltar Burle Marx, que traz as suas experimentações plásticas para o paisagismo, ele está muito presente no debate e discussões sobre o que é ser brasileiro, para ele o interior do Brasil dizia muito mais sobre o país do que o litoral que apenas imitava o padrão europeu, Burle Marx usa inúmeras espécies nativas para compor suas obras. Suas experimentações pictóricas possuem grande liberdade, em que fica difícil de perceber e diferenciar o artificial do natural, a intervenção do projeto do já existente, para isso ser possível, ele possuía um domínio extremo das espécies vegetais (tamanho, rega, crescimento, ocupação, competição, ...) que permitia esse controle da paisagem como se fosse uma pintura.

Sua intervenção no edifício do Ministério da Educação do Rio de Janeiro contribuía para uma leitura da obra arquitetônica, delimitava a maneira que se aproxima da obra. Entretanto, algumas de suas últimas obras, acabam sofrendo um esvaziamento, se reduzindo apenas a paginação de piso, muito ricos estética e plasticamente, porém com pouca relação com a escala humana e sem muito atrativos para as pessoas que utilizam, como por exemplo o calçadão do Rio de Janeiro, que não possui uma relação com o local implantado, uma vez que não conversa com o imaginário local, além disso ele não foi feito para as pessoas, não cria caminhos, ele só é percebido pela vista aérea, como se fosse uma pintura, relacionando com a perda de sentido e qualidade da arquitetura moderna na década de 70.

ESTADOS UNIDOS

Um importante nome nesse contexto nos Estados Unidos é o Paul P. Cret, o arquiteto tinha como objetivo resolver os problemas existentes no país, e por isso sua arquitetura era muito rigorosa e fiel com a funcionalidade, ele possuía um ensino muito racional para formar mão de obra para o Estado. Suas obras mantinham o estilo neoclássico e tinham uma preocupação com o simbolismo, caracterizando uma arquitetura monumental.

Outra figura muito importante para a arquitetura estadunidense foi Louis Kahn, utilizava a luz como elemento revelador da arquitetura e potencializadora da qualidade de vida, trabalhando sempre espaços permeáveis com o externo e iluminado a partir do uso de vidro. O arquiteto extrapola a dimensão material, entrando no campo da reflexão e da subjetividade, questionando o que é arquitetura e onde ela nasce, atingindo o campo da metafísica, Kahn tenta entender a modernidade como agregador e não como ruptura.

Kahn trabalha a arquitetura como fato construído, e tenta sempre explorar o elemento construtivo, acredita que existe a concepção ideal, em que a ideia sempre é perfeita, uma vez que não precisaria obedecer as leis da realidade, e existe o mundo real, que é uma tentativa de atingir a concepção. Seu projeto para o Indian Institute of Management buscava construir uma monumentalidade mesmo com o uso da alvenaria, usando os tijolos de maneira muito imponente e trazendo uma relação com a arquitetura romana, as grandes formas por onde

Indian Institute of Management, de Louis Kahn fonte: https://divisare.com/authors/ 2144727832-louis-kahn/projects/built

Exterior da Exeper Library fonte: https://commons.wikimedia. org/wiki/File:Exeter_library.jpg

Interior da Exeper Library fonte: https://www.vivadecora.com. br/pro/arquitetos/louis-kahn/

atravessava a luz eram visíveis a distância o que potencializava a ideia de monumento, elas também serviam como um filtro da luz, permitindo a entrada, mas de maneira mais suave, essas aberturas não são meras janelas, representam rasgos e cortes, reinterpretando as ruínas.

Em seu projeto para a Exeper Library, Kahn explora o uso de luz e a mediação das escalas: as suas fachadas estão em uma escala humana, enquanto o seu núcleo central possui aspecto monumental. O edifício possui uma narrativa e uma personalidade, ao se utilizar da metafísica, Kahn chega a resposta de que a biblioteca “quer ser” o templo do saber e do conhecimento, se utilizando da luz e da iluminação indireta para transmitir essa sensação de templo àqueles que adentrarem o edifício. As estantes de livros de chão ao teto dão a impressão de que os livros estão sustentando o edifício, representando metaforicamente aquilo que os livros simbolizam para uma biblioteca.

Fora do contexto arquitetônico, porém muito presente nessa discussão está a escritora Jane Jacobs, ela critica o urbanismo intraurbano, citando a cidade racional e funcional de Le Corbusier, acreditando que a segregação das funções se torna um pensamento ortodoxo de implantar essa ideologia da monofuncionalidade independente do local, ela enxerga a vitalidade justamente onde os arquitetos não veem: na mistura de usos. As funções simultâneas da rua garantem a vitalidade a todo momento, e consequentemente a presença de pessoas garantindo a segurança, isso se deve aos usos distintos, trazendo vida e movimento em diferentes horários.

Jane Jacobs faz um elogio à rua, defendendo a quadra curta, ao uso misto e a alta densidade, garantindo a vitalidade da metrópole, para ela, elementos como superquadras, subúrbios americanos e cidades jardim são características de cidades

pequenas e não de metrópoles, uma vez que faltariam pessoas e vitalidade.

Jacobs propõe inúmeras ideias, como funções e ritmos para a cidade, porém não chega a projetar. Ao mesmo tempo que Jacobs está publicando seus pensamentos nos Estados Unidos, e tentando diminuir o abismo entre o técnico e quem vive, Brasília está sendo inaugurada como símbolo oposto desse pensamento.

Jane Jacobs critica o conceito de cidade Jardim, uma vez que essa não serviria para as metrópoles, a ideia de cidade Jardim surge como crítica a cidade industrial inglesa, numa tentativa de unir o que há de positivo do campo e da cidade e eliminar todo o negativo, para isso, precisaria ser feito um controle da população e a criação de diferentes núcleos. A Cidade Jardim tinha como objetivo redesenhar o moderno, a metrópole estava se caracterizando como inóspita e blazé, em que a indiferença dominava e as situações desumanas da cidades não chocavam mais a população, e então era uma tentativa de recuperar a identidade e a unidade de vizinhança no contexto de metrópole, a partir da liberação do espaço livre, da apropriação da subjetividade e da vivência ligada a um contexto racional e higienista.

Junto a essa discussão de Cidade Jardim, entra o arquiteto urbanista britânico Gordon Cullen, que trabalha bastante a questão de paisagem urbana, que é diferente de paisagem natural, uma vez que une a vegetação com mobiliário, calçadas, pavimentações e edifícios, a arte de relacionar esses elementos. Cullen tenta trazer ao projeto a subjetividade, a dimensão urbana e a personalidade, além de um processo de descoberta, de revelação à medida que se caminha na cidade. O arquiteto, estudando a cidade comum, com acúmulos naturais e grada-

Archigram, 1964 fonte: https://www.theguardian.com/ artanddesign/2018/nov/18/archigram-60s-architects-vision-urban-living-the-book

tivos, busca responder a questão de como projetar o espontâneo e qual seria o papel do arquiteto nesse processo.

Kevin Lynch foi outro urbanista que tentava entender a cidade de maneira não técnica e racional, buscava compreender a temporalidade e a relação com o existente e trazer a questão emocional subjetiva ao planejamento, ou seja, objetivar o subjetivo. Para isso, Lynch vê a cidade a partir da perspectiva do cidadão que a vive, tornando os aptos a entender a multiplicidade e, assim, de reivindicar transformações. Ele trouxe à discussão alguns elementos comuns, como os pontos nodais, as vias, os marcos, os bairros e o percurso, Lynch criava mapas mentais para entender a imagem coletiva que se desenvolve de perspectivas individuais, trabalhava com a imaginabilidade, ou seja, com a psicologia ambiental, junto a legibilidade, tornando a cidade compreensível, buscava unir a sintaxe espacial com a compreensão das particularidades.

ARCHIGRAM

Ultrapassado os traumas da segunda guerra mundial e encantados com os avanços revolucionários tecnológicos nos meios de comunicação e de transporte, cria-se, no imaginário da população, a ideia de que o homem controla a máquina e que o sujeito se apropria da tecnologia. Inspirados e entusiasmados por esse momento, um grupo de arquitetos britânicos se juntam com a intenção de inovar e transformar completamente a arquitetura, sem receio de romper com o tradicional, e criam o Archigram.

O grupo criou uma revista ilustrada para discutir, questionar e inovar as questões arquitetônicas, simplificando e agilizando a leitura, as referências vinham da cultura POP, com influência da TV e rádio, a arquitetura era pensada como um fenômeno de comunicação e representada pela linguagem própria desse meio. As publicações possuíam uma crítica irônica e radical às convenções e tradições até então estabelecidas, relacionadas a obviedade e a monotonia das obras arquitetônicas.

Suas obras repercutiram todo o mundo, redefinindo e inovando a maneira de ver, entender e projetar a arquitetura, os projetos sempre buscavam antever e moldar o futuro, com propostas que misturavam a realidade com a ficção. Os arquitetos buscavam trazer os conceitos de flexibilidade, instabilidade, mutabilidade e efemeridade, o oposto dos elementos associados à arquitetura até então (rigidez, estabilidade e durabilidade).

Essa noção de efemeridade passa para a criação dos pensamentos de cidades instantâneas, essas vão contra a manifestação moderna de se afastar da sociedade burguesa de acumulo, uma vez que valoriza a posse, acreditando que o consumo viabilizaria a identidade. Entretanto não havia um apego a essa posse, caracterizava a cultura dos descartáveis, eram objetos que não faziam sentido acumular. O extremo disso é o Cushicle, que seria uma mochila que abre, se tornando uma casa, seria uma unidade de sobrevivência que poderia ser levada para onde quiser, o sujeito possuía autonomia total, e nessa cultura do desapego, tudo que importava para o indivíduo caberia nessa mochila. A impossibilidade de habitar criava um Homem desabrigado e a casa era um mero suporte para o indivíduo.

The Cushicle fonte: http://architecturewithoutarchitecture.blogspot.com/p/cushicle-and-suitaloon-were-conceptual.html

Representações da Estrutura independente de Yona Friedman fonte: https://www.centrepompidou. fr/cpv/resource/crg4nBB/r9j6KjR

Os acontecimentos da época geravam um grande otimismo nos avanços tecnológico, em 1969, o Homem pisa na Lua, o que cria no imaginário, um desejo de outros modos de habitar, até mesmo um desejo de habitar outros planetas, o mundo estava passando por uma artificialização e o Homem está com a expectativa de infinitas possibilidades tecnológicas, inclusive na arquitetura. Nesse contexto a arquiteta Yona Friedman, utilizando os conceitos de urbanismo espacial e de arquitetura móvel, cria a coordenação modular, em que haveria uma grande estrutura de base neutra, em que cada unidade teria suas especificações próprias e seriam móveis, podendo estar sempre próxima do local de trabalho, diminuindo o tempo de circulação.

JAPÃO

Pavilhão Takara Beautilion, 1970, arquiteto metabolista Kisho Kurokaiwa fonte: https://coisasdaarquitetura. wordpress.com/2012/06/14/metabolismo-sirh-e-o-destino-de-uma-ideia/

O Japão na década de 50, estava em um processo de reconstrução pós guerra, e nesse contexto nasce os Metabolistas, grupo de arquitetos que traziam a ideia de um ciclo de vida circular e contínuo, diferente do ciclo da mercadoria de produção de uso e descarte. Os metabolistas tentavam unir a percepção biológica dos ciclos vitais com ciclos transcendentais espirituais, utilizavam como referências estruturas marinhas e tinham forte relação com os processos da natureza, num objetivo de “vencer” respeitando a natureza, questões inerentes à cultura japonesa.

O uso de módulos junto a um manual de montagem, possibilitariam a expansão infinita, os arquitetos juntavam o avanço tecnológico, como por exemplo a casa capsula que remete a estruturas espaciais, com a cultura tradicional japonesa, com o uso de elementos da arquitetura comum do país.

Esses foram alguns dos inúmeros questionamentos que surgiram em relação a arquitetura moderna e algumas das respostas dadas pelos arquitetos, que funcionavam mais como um laboratório, com tentativas, erros e acertos, caminhando para o entendimento das falhas, para a mudança do modo de pensar e projetar e sempre com a esperança de ser capaz de evoluir.