MAIAÚ Pesca artesanal na Costa Amazônica Maranhense
Marinelton Cruz Maranhâo/Brasil SUMÁRIO Ficha técnica..................................................................................................... 06
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Resumo...............................................................................................................09 Apresentação......................................................................................................10 Prefacio...............................................................................................................12 Introdução...........................................................................................................15 Cururupu............................................................................................................;17 Maiau...................................................................................................................22 A pesquisa...........................................................................................................23 Metodologia.........................................................................................................27 PRIMEIRA PARTE A problemática da pesca artesanal Capitulo primeiro: O sistema produtivo..........................................................28 O Produção comunal: a organização primitiva da pesca artesanal.............28 As condições de subsistência..............................................................................28 A inserção do trabalho comunal da pesca artesanal na base capitalista comercial capitalista...........................................................................45 Capitulo segundo: a divisão da produção O processo da divisão do produto da pesca em seus múltiplos aspectos................................................................................................47 Sistema de partilha ( quinhão)...............................................................................48 A embarcação no sistema de partilha....................................................................50 As redes e armadilhas no sistema de partilha........................................................50 A relação empresarial no sistema de partilha.........................................................52 A partilha entre pescadores artesanais...................................................................54 2
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Capitulo terceiro: O contexto do sistema de uso privado do espaço geográfico marinho no arquipélago de Maiau Curral, Muruada, lences de Zangarias, fuzarca e estacadas diversas............57 Capitulo quarto: modalidades da pesca artesanal em maiau; descição e uso de 20 modalidades........................................................59 Rede de lanço.........................................................................................................59 Camarão de arrasto................................................................................................62. Caiqueira.................................................................................................................67 Malhadeiras.............................................................................................................75 Malhadeira goseira..................................................................................................77 Malhadeira serreira.................................................................................................79 Malhadeira pescadeira............................................................................................83 Malhadeira tainheira................................................................................................88 Outros tipos de malhadeiras....................................................................................90 Espinhel...................................................................................................................90 Zangaria...................................................................................................................94 Rabeadeira.............................................................................................................100 Curral.....................................................................................................................104 Munzuá...................................................................................................................110 Tarrafa.....................................................................................................................111 Linha de mão...........................................................................................................113 Tapagem de igarapé................................................................................................115 Tapagem de igarapé para lancear dentro...............................................................118 3
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Muruada,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,..,121 Fuzarca...................................................................................................................124 Capitulo quinto A conservação do pescado.....................................................................................126 Capitulo sexto A salga....................................................................................................................137 Capitulo sétimo Relações conflituosas: o relacionamento entre diferentes grupos de Pescadores num mesmo local de trabalho.............................................................149 Capitulo oitavo Os ventos na concepção dos pescadores artesanais em Maiau............................152 Capitulo nono A maré na concepção dos pescadores artesanais em Maiau..................................154 SEGUNDA PARTE O desenvolvimento histórico, sócio-econômico,cultural e as questões sustentáveis no arquipélago de Maiau. O desenvolvimento econômico: a produção do pescado, a produção saleira e o comercio............................................................................158 Capitulo decimo A evolução da produção de pescados a partir de 1940.........................................158 Capitulo décimo primeiro A produção do sal...................................................................................................162 Capitulo décimo segundo 4
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Espécies catalogadas na região do arquipélago de maiau..................................166. Identificação das espécies segundo o período de fertilização e desova na região do arquipélago de maiau.................................169 Capitulo décimo terceiro Desenvolvimento e consumo nas comunidades do arquipélago de Maiau.......................................................................................184 Capitulo décimo quarto O contexto sócio econômico das comunidades do arquipélago de Maiau.......................................................................................193 Capitulo décimo quinto Comunidades do arquipélago de Maiau:...........................................................199 Capitulo décimo sexto Aspectos culturais das comunidades do arquipélago e maiau.......................215 Capitulo décimo sétimo Ilhas desertas do arquipélago...........................................................................221 Capitulo décimo oitavo Ecossistemas.....................................................................................................223 Sistemas vocacionais.........................................................................................248 Conclusão...........................................................................................................253 .Vocabulário........................................................................................................254 Bibliografia..........................................................................................................258 Agradecimentos..................................................................................................261
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1 . Ficha Técnica
Marinelton dos Santos Cruz, 54 anos, natural do município de Cururupu. Filho do pescador Hilton Cruz e da domestica Ana Maria dos Santos Cruz, nascido na comunidade Praeira de Guará em 1964, veio para em 1973 ano da morte de seu pai, onde aos nove anos começou a trabalhar e a estudar as primeiras etapas do ensino fundamental, em 19978 começou na construção civil na condição de auxiliar de pedreiro, em 1980 entra para trabalhar no comercio. Retorna para a região costeira do município de Cururupu como pescador profissional a bordo de uma embarcação de origem Piauiense especializada na pesca de Pargo em alto Mar por três incursões de vinte dias cada retornando a São Luis. Em 1987 vo0lta para novamente para as atividades da pesca, desta vês para a pesca artesanal indo residir na comunidade da Ilha de Lençóis no arquipélago de Maiaú, permanecendo até o final de 1999. após o retorno a são Luis por influencia de alguns amigos, começou a estudar fotografia indo em 1990 trabalhar no sindicato dos metalúrgicos como fotografo até 1992, daí eté 1995 permaneceu como fotografo Free Lancer no movimento sindical, ainda em 1995, retorna para a Ilha de lençóis com planos de estudar a pesca artesanal sem apoio institucional compra utensílios de pesca e material fotográfico e vai permanecer nas atividades da pesca, e ao mesmo tempo estuda a própria atividade registrando-as, em fotografias e textos. Em 2001 publica fotos a titulo de divulgação para O IMPARCIAL, edição do Interior na matéria: TURISMO RÚ STICO E MISTICO NO LITORAL DO MARANHÃO.Ainda no em 2001
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publica na REVISTA CAMINHOS DO MARANHÃO, nº 18: fotos e colabora nos textos da matéria GUARDIÃES DO TESOURO DA ILHA DO RÊI TOURO, Pág. 8 a 10. No período entre 2000 e 2004 Marinelton organiza e Funda a ONG: MANGUEZAL ; como sócio fundador e presidente organiza em parceria com AMAVIDA, INTITUTO DO HOMEME MESTRADO EM SAUDE E AMBIENTE DA UFMA em 2002 o Seminário Turismo, Ambiente e Sustentabilidade no litoral do maranhão parte I e II realizados em Barreirinhas e Cururupu respectivamente.2005 publica uma edição completa da revisa REVISTA CAMINHOS DO MARANHÃO, nº 35: UMA VIAGEM DESLUMBRANTE PELA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE CURURUPU ; contando os aspectos Históricos e culturais das comunidades oceânicas do município de Cururupu. Atualmente Marinelton dos Santos cruz e coordenador de projetos de pesca da prefeitura Municipal
de Cururupu e desenvolve sob Orientação do CENTRO DE PESQUISA DE
HISTÓRIA NATURAL E ARQUEOLOGIA DO MARANHÃO. A pesquisa: CURURUPU; ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICO CULTURAL
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____________________________________________________________ Cruz, Marinelton dos Santos MAIAÚ:Sobre a Pesca Artesanal no Litoral Ocidental do Maranhão/ Marinelton dos Santos Cruz. – Cururupu-MA: 7,5
Nome da editora ,2009 278 p. ISBN 1. Pesca Artesanal – Maranhão I Titulo CDD 639.287. 21 CDU 639.2.052.32 (812.1)
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‘Ó magnânimo Glauco, tu perguntas quem sou eu? Somos como as folhas. Que umas emurchecidas o vento as leva outras brotam vernais e a selva as cria. Assim nasce e acaba toda a gente humana’.
Homero, século VIII a.C. Canto II,Verso 125, Ilíada.
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RESUMO
Texto sobre a pesca artesanal no litoral ocidental do Maranhão, analisando o contexto histórico, social, econômico, cultural e ecológico das comunidades da região do arquipélago de Maiaú, situado nas Reentrâncias Maranhenses, litoral norte do estado. O trabalho apresenta detalhamento de técnicas de captura de peixes e de camarão, buscando compreender as relações desenvolvidas durante o processo de produção e distribuição da renda entre os pescadores artesanais e empresários do ramo, identificando dezenas de espécies de peixes da região. O trabalho mostra ainda a contextualização do sistema sócio cultural nos seus múltiplos aspectos, constituídos nos sistemas consuetudinários das referidas comunidades, investigando as origens da ocupação definitiva das Ilhas do arquipélago pelo homem, tendo como ponto de partida o registro por meio da oralidade, com ricas informações obtidas 9
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através de depoimentos de pessoas idosas residentes na região. A pesquisa também realiza levantamentos populacionais, registra a quantidade de prédios em cada comunidade, assim como informa sobre a existência de serviços essenciais. A situação ambiental da região analisada é descrita de forma analítica, abordando os aspectos capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável do arquipélago.
APRESENTAÇÃO
O Maranhão é detentor de um dos mais extensos litorais do Brasil com seus 640 km de extensão possui no entanto uma característica que o diferencia dos demais trechos da costa brasileira, qual seja uma amplitude marés que atinge até 7 metros,Tal fenômeno associado ao relevo muito plano determina uma linha de costa extremamente recortada, com a formação de sucessivas e numerosas baias que interligam através de enumeráveis furos e igarapés, estabelecendo condições ideais e únicas para o florescimento dos mais vastos manguezais de todo pais, com toda riqueza natural que eles propiciam, ao ponto de serem reconhecidos como o berçário dos oceanos pela rica biodiversidade que neles abriga. Natural do Município de Cururupu localizado no epicentro de universo fabuloso, onde as águas do atlântico se misturam com as águas maranhenses, Marinelton dos Santos Cruz, 45 anos, nasceu e cresceu em contato com a riqueza desta imensa reserva natural, Hoje conhecida como floresta dos Guarás, pela presença majestosa de bando de milhares desta aves que pontilham de vermelho o vivo verde dos manguezais.
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Sensibilizado desde criança pela beleza e se tornando consciente do valor destes recursos ambientais, amadureceu uma carreira fotógrafo e pesquisador e militante ambientalista, tendo sido sócio fundador da ONG, Manguezal e seu presidente ainda no período de 2000 a 2003. Como fruto de sua vocação inata de pesquisador das riquezas naturais de sua terra e tendo estudado por conta própria durante muitos anos, encontrou no tema da pesca artesanal o motivo para a realização de uma profunda pesquisa que foi iniciada em 1995 e concluída em 2004, com o titulo: MAIAU; SOBRE A PESCA ARTESANAL NO LITORAL OCIDENTAL DO MARANHÃO. Esta trabalho se revela tanto mais importante, quando nele podemos descortinar uma visão holística do problema, pois alem do minucioso registro de utensílios, técnicas e conhecimentos tradicionais relativo as atividades da pesca, podemos encontrar também uma contextualização do meio ambiente natural, dos aspectos sociais, antropológicos e econômicos que envolvem a vida daquelas comunidades ao longo de numerosas, praias e Ilhas. O trabalho fala por si só e torna-se uma importante ferramenta como subsídios para futuros projeto que se destinam a valorizar a pesca como uma vocação econômica natural e sustentável e também como mecanismo de geração de milhares de empregos capazes de assegurar a permanência de famílias em seus núcleos originais.
Luis Phelipe de Carvalho Castro Andrés Coordenador do Centro Vocacional tecnológico do Marnanhão(CVT) Estaleiro Escola.
PREFACIO
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Introdução Localizado no litoral norte do Brasil, o Maranhão ocupa uma área de 333.365,6 Km², limitando-se ao norte com o oceano atlântico, com trecho costeiro que atinge uma extensão de 640 km. A planície litorânea é formada por baixadas alagadiças, tabuleiros e praias, destacando-se grandes extensões de dunas, com um litoral bastante recortado. As dunas ocorrem no litoral e avançam em direção ao continente até uma distância de 50 km da costa. Ao longo da extensão do litoral maranhense surgem características físicas particulares, o que permite uma subdivisão: Litoral Ocidental, Golfão Maranhense e Litoral Oriental. O Litoral Ocidental possui 300 km de extensão, a partir do lado norte do Golfão Maranhense, nas imediações da Baía de São Marcos, ao largo do município de Alcântara, até a foz do rio Gurupi, no município de Carutapera. Nesse território está localizada a Área de Proteção Ambiental - APA das Reentrâncias Maranhenses, de acordo com o Decreto Estadual nº 901, de 11/06/91, reeditado em 09/10/91, que abrange área de 2.680.911,20 ha; toda essa região integra a Amazônia Legal Maranhense. O estado do Maranhão é reconhecido por tradição como o maior produtor de pescado do nordeste brasileiro. Estudos apontam para a alta produção primária, sustentada pela vasta e rasa plataforma continental, com uma das maiores marés do Brasil. Uma grande quantidade de materiais nutrientes são trazidos pelos rios, o que contribui para a formação da mais densa concentração de manguezais do país. Inúmeras ilhas se estendem rumo ao oceano, separadas pelos canais naturais, furos e igarapés. O grau de salinidade é apontado como outro fator importante neste conjunto. Este potencial natural fornece as condições necessárias que transformam esse ecossistema num berçário da singular biodiversidade local, responsável pela manutenção 12
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das diversas espécies marinhas presentes na zona costeira do Maranhão. Devido a todos esses fatores favoráveis, o litoral maranhense é considerado como o possuidor da mais importante reserva pesqueira da região nordeste. A pesca artesanal é um dos principais ramos da economia tradicional maranhense, fonte de sobrevivência para milhares de famílias que tradicionalmente subsistem a partir dessa atividade econômica. São mais de trezentas comunidades de pescadores, com cerca de 150 mil trabalhadores ocupados nas modalidades do sistema artesanal pesqueiro. A pesca artesanal marinha ocupa 95% do total da atividade no estado, envolvendo cerca de 2% da população, constituindo um grande e disperso setor artesanal, produzindo mais de 50 mil toneladas de pescado por ano. O mesmo autor afirma que 15% da população economicamente ativa do estado estão trabalhando com a atividade da pesca (Stride, 1992). O Litoral Ocidental do Maranhão é estatisticamente responsável pela maior produção de pescado de água salgada do estado. Essa é uma região costeira bastante recortada por baías e com presença de ilhas, estuários, enseadas e cabos. Apresenta um rico potencial de acidentes geográficos, que caracterizam as Reentrâncias Maranhenses, tais como canais, furos, rios, igarapés e os grandes manguezais, que constituem o sistema ambiental marinho no qual a biodiversidade atinge desenvolvimento singular.
CURURUPU
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Nesta parte do litoral encontra-se o município de Cururupu, no qual está encravado o arquipélago de Maiaú, abrigando talvez a mais importante reserva pesqueira de todo o litoral maranhense, situado na região da Amazônia Legal, com uma extensão de 616,06 km 2; o município de Cururupu integra a Mesorregião do Norte do estado do Maranhão, na Microrregião do Litoral Ocidental Maranhense. 2 . Localização e Caracterização
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
O município de Cururupu é um conjunto de ilhas fluviais e oceânicas situadas na Baixada Ocidental Maranhense, estendendo-se para o litoral ocidental da costa maranhense, entre os municípios de Porto Rico do Maranhão, Mirinzal, Santa Helena, Turiaçu, Serrano do Maranhão, Bacuri e Apicum-Açu. Cururupu encontra-se inserido na Mesorregião Norte, Microrregião Ocidental (RIOS, 2005). Apresenta diferentes compartimentos ambientais compostos de igarapés, rios, costa 14
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oceânica, manguezais, capoeiras nos terrenos de terra firme, igapós, palmeiras de buriti, juçara e guarimã. No seu litoral encontra-se um conjunto de ilhas de grande importância ecológica e econômica para a região, inseridas dentro da Área de Proteção Ambiental - APA das Reentrâncias Maranhenses, que atualmente é gerenciada pela Prefeitura Municipal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, pela implantação de um plano de manejo da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu - RESEX, oficializada pela União no dia 2 de junho de 2004 (CRUZ, 2005). O município apresenta atualmente um território com área de 672,3 Km², com uma população residente de 39.712 habitantes, dos quais cerca de 6.000 são moradores das ilhas. Limita-se ao norte com o Oceano Atlântico e o município de Bacuri, a oeste com Serrano do Maranhão, ao sul com Porto Rico, Mirinzal e Santa Helena e a leste com o Oceano Atlântico. Os principais rios são Cururupu, Uru-Mirim, Liconde e Igarapé-Açu. A sede do município se encontra a 12 metros de altitude (FAMEM, 2006) e a cerca de 120 Km de São Luís (IBGE, 2006).
Contextualização Histórica
Os franceses que se estabeleceram na ilha de São Luís a partir de 1612 realizaram as primeiras incursões na região, enviando missões de reconhecimento e promovendo o mapeamento da área, com o intuito de assegurarem o controle territorial e garantirem a convivência com os grupos nativos que habitavam o território na ocasião desses primeiros 15
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contatos. Conforme relatos etnográficos, produzidos a partir dos registros dos padres capuchinhos Claude d’Abbeville e Yves d’Evreux, existia uma grande quantidade de aldeamentos Tupinambás espalhados por todo o litoral ocidental do Maranhão. Calcula-se que a população tupinambá que se encontrava estabelecida em São Luís, Tapuitapera, Cumã e Caeté chegasse a cerca de 3500 mil
? pessoas (FERNANDES, 1989, LEITE
FILHO, 2000). Com a expulsão dos franceses e o estabelecimento efetivo do controle da coroa portuguesa na região, estruturou-se a fortaleza de São Felipe e providenciou-se o domínio em direção ao Amazonas. Os primeiros anos de colonização das terras de Tapuitapera foram marcados pelo desenvolvimento de guerras para a captura de mão-de-obra escrava ou de punição e aniquilamento dessas populações. A partir de 1619, Bento Maciel Parente desenvolveu uma série de expedições militares contra essas populações na capitania de Cumã, travando sangrentas batalhas contra a tribo do principal Tupinambá, Cabelo de Velha, cuja tribo foi dispersa. Após a destruição desses grupos, seguiu-se a construção da Estrada Real, ligando por via terrestre e fluvial as cidades de São Luís e Belém (1661), e iniciou-se o lento processo de ocupação do território, que perdurou por todo o século XVIII, sendo que a partir de Alcântara e Guimarães estabeleceram-se os primeiros colonos nessa região, desenvolvendo a pecuária extensiva, a agricultura e a instalação dos primeiros engenhos de tração animal. A região destacou-se como produtora de gêneros agrícolas e fabricação de farinha de mandioca, cachaça a açúcar, recebendo um grande contingente de populações africanas, trazidas como mão-de-obra escrava, usadas na plantação e beneficiamento da produção. 16
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Permaneceu como 3° distrito Cabelo de Velha, subordinada administrativamente a Guimarães, até 1835, quando se tornou Freguesia, de acordo com a lei provincial n° 13, sob a invocação de São João Batista. A Vila de Cururupu foi criada através da lei municipal n° 120, de 03 de outubro de 1841, quando foi oficialmente desmembrada do município de Guimarães. No final do século XIX, a Vila de Cururupu apresentava 7 casas de sobrado, 64 casas térreas, cobertas de telhas, 170 casas de palha, 20 casas de negócios, uma botica e vários alfaiates, sapateiros, seleiros, tamanqueiros, ferreiros, serralheiros e barbeiros. Existia na vila a igreja matriz, uma capela, um cemitério pertencente à Irmandade do Sagrado Sacramento, dois poços públicos, duas escolas, correio e coletoria (AMARAL, 1897). Em 1920, a Vila de Cururupu foi elevada à categoria de cidade através da lei estadual n° 893. Nos últimos anos, o município perdeu parte da sua extensão territorial e da sua população, em função do desmembramento de sua área em novos municípios. Entretanto, Cururupu desempenha um papel geopolítico de destaque em função da sua importância histórica e do seu papel na produção econômica da região. Na década de cinqüenta do século XX, Cururupu tornou-se o maior produtor de canade-açúcar do norte do Maranhão. Na Fazenda Aliança estava montado o mais importante e mais bem equipado engenho a vapor destinado à produção do açúcar mascavo, no Maranhão; a fazenda exportava sua produção para o mercado distribuidor de São Luís e do vizinho estado do Pará.
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Em 2002, o município passou a ser o portal do Pólo da Floresta dos Guarás, o quinto pólo turístico do Maranhão, na recente divisão territorial definida pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo / Programa do Ecoturismo - PRODETUR / PROECOTUR: destino Nordeste. Em 2007, passou a ser sede regional do governo estadual na região do Litoral Ocidental do Maranhão, representando oito municípios: Central, Guimarães, Mirinzal, Porto Rico do Maranhão, Cururupu, Serrano do Maranhão, Bacuri e Apicum-Açu. Maiaú 1
O arquipélago de Maiaú está localizado no litoral do município de Cururupu, mais especificamente no macro compartimento denominado de Litoral das Reentrâncias ParáMaranhão, nos limites da Ponta de Taipu à Ponta dos Mangues Secos, entre as coordenadas 48º 03’ W e 43º 29’W” (RELATÓRIO GUARÁS, MUEHE ,1998). O arquipélago de Maiaú é composto por mais de uma dezena de ilhas e enseadas que formam um complexo estuarino ligado por canais chamados de furos¹, os quais são recortados ainda mais por inúmeros igarapés, margeados por manguezais, que hospedam várias espécies de peixes, crustáceos, moluscos e aves, que ali buscam descanso, alimentação e local para reprodução. A maioria das ilhas possui comunidades de pescadores, sendo que nos entremeios destas encontram-se ilhotas sem a presença definitiva do homem, que se encontram em estado inóspito, habitadas apenas por animais 1 MAIAÚ: “Maiaú era criança de Matakula e de Kaituloa. Infelizmente Maiaú não teve nenhuma criança” (tuvalufamili@yahoo.com.au). A denominação tem origem no nome da maior e principal ilha do arquipélago, onde fica situada a comunidade de Bate-Vento e o Farol de São João, entre os rasgados da Aliança e o furo do Meio, no litoral ocidental do Maranhão, na região do município de Cururupu. Na segunda metade do século XVIII, a Marinha do Brasil denominou o local de Ilha de São João, aonde chegaram em viagem de reconhecimento; pretendiam instalar ali um farol sinalizador que servisse para orientar as embarcações que viajavam no sentido Maranhão-Pará, e vice-versa. Em 1884, ali inauguraram o sinalizador batizado como Farol de São João. Contaram os moradores da comunidade de Bate-Vento que certo senhor, Maiaú, morou na comunidade mais para o centro da ilha, premeditadamente isolado. Maiaú viveu muitos anos, até que faleceu; este fato deu origem ao renominamento da ilha em homenagem ao falecido “Maiaú”.
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característicos da região e por aves migratórias. Servem como abrigo e local de reprodução de várias espécies, inclusive do importante guará (Eudocimus ruber), ameaçado de extinção. Conforme o Relatório Guarás (UFMA, 2000):
“A vegetação do sítio contribui para o aumento da produção de pesca, importante fonte de alimentação e trabalho para a população que vive na costa e nas margens dos rios. Seu valor panorâmico também deve ser considerado, já que abrange uma série de ecossistemas com praias e dunas de beleza natural singular”.
O arquipélago de Maiaú está na região conhecida como reserva hemisférica de aves migratórias continentais e área úmida de importância internacional, em especial como habitat de aves aquáticas, semelhantemente às especificações contidas desde 1993 nos dados sobre os Sítios Ramsar1. É uma reserva de interesse biológico internacional.
A pesquisa
Exatamente nesta região foi realizado o trabalho Maiaú: Sobre a Pesca Artesanal no Litoral Ocidental do Maranhão, visando preencher uma lacuna na busca de conhecimentos específicos sobre esta parte do estado. Dessa forma, pretende-se contribuir para reflexões e debates em torno das possibilidades do desenvolvimento sustentável no litoral maranhense.
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A pesquisa procura expor a questão da problemática sócio econômica da pesca artesanal no arquipélago de Maiaú, abordando-se a organização primitiva do trabalho dos pescadores de subsistência e as características de suas modalidades de pesca atualmente em prática no local. Em seguida, foram analisadas as questões relacionadas ao contexto sócio-cultural na organização do trabalho das comunidades de pescadores artesanais. Num segundo momento, a abordagem privilegiará as questões do desenvolvimento sustentável, nas quais as discussões passarão pelo desenvolvimento histórico e tecnológico, ao lado das preocupações ambientais.
O contexto
Na atualidade, existe grande expectativa em torno da problemática que envolve a contextualização do desenvolvimento econômico e social do setor pesqueiro no estado. Na atualidade, as atenções estão voltadas para a elaboração de políticas sociais que visam oferecer resultados econômicos positivos para a produção pesqueira artesanal. Nasce dentro deste contexto a preocupação de setores públicos em desenvolver a região, levando em consideração a conservação das particularidades sociais e ambientais. A criação de órgão do governo para desenvolvimento do setor, a realização do zoneamento pesqueiro e a criação da reserva extrativista marinha são importantes acenos neste sentido 1.
Os pescadores artesanais
1 A Reserva Extrativista Marinha dos municípios de Cururupu e Serrano do Maranhão foi criada oficialmente em 2 de Junho de 2004.
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Os pescadores artesanais representam o setor tradicional no arquipélago de Maiaú, formando algumas comunidades do litoral ocidental do Maranhão. Nestas, os trabalhadores integram categorias específicas que subsistem ao lado de outras relativamente mais desenvolvidas, em relação ao modo de produção corrente no sistema moderno das condições apresentadas pelo capitalismo. O desenvolvimento das forças produtivas no setor da pesca artesanal de subsistência permanece ancorado na base de uma economia análoga ao do comunismo primitivo, sobrevivendo paralelamente ao sistema capitalista de produção.
As questões econômicas, sociais, culturais e ambientais
O desenvolvimento econômico e social no arquipélago de Maiaú apresentou sinais de prosperidade no setor pesqueiro e comunitário a partir da primeira metade do século XX. Nesse período, estendeu-se a ocupação das ilhas e a conseqüente formação de novas comunidades. A abundância de cardumes e as condições ecológicas necessárias para a fixação de povoados impulsionaram a migração da mão-de-obra de outros setores da economia da região para a pesca artesanal. Estes fatores forjaram as condições primárias para a existência das atuais comunidades e para a nova situação econômica. A pesca artesanal é a principal alavanca para a manutenção e o desenvolvimento sociocultural do arquipélago de Maiaú, representa fator essencial para a existência comunitária e tem papel medular na discussão sobre a realidade das questões estruturais da região. 21
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Portanto, o papel das investigações científicas passa pela abordagem dos aspectos que fomentam a existência da realidade local. No entanto, é possível perceber que certos aspectos carecem de investigações norteadoras dos objetivos perseguidos, construtores das alternativas sócio-econômicas e ambientais para a região. A pesca artesanal apresenta um importante leque de informações capazes de contribuir para o desenvolvimento do setor pesqueiro, sem prejuízo da continuação das tradições transmitidas ao longo de gerações por meio do conhecimento empírico acumulado durante a estruturação comunitária. Isto significa que a pesca artesanal é abordada visando contribuir com o possível desenvolvimento auto-sustentável na região do arquipélago de Maiaú. Para isto, a pesquisa se desenvolve buscando a integração dos diversos setores que compõem as atividades sociais, econômicas, culturais e biológicas, desenvolvidas no contexto comunitário dos pescadores do arquipélago. A situação econômica passada e atual é representada pelo desenvolvimento das forças produtivas e do trabalho, pelas relações de produção envolvendo a pesca artesanal e empresarial, pela produção, desenvolvimento e decadência da mineração saleira e pelo desenvolvimento comercial. As questões sociais serão representadas pelo contexto desenvolvido durante o processo de construção das relações comunitárias, sedimentadas na cotidianidade e nas formações consuetudinárias. O contexto comunitário significará o ponto de partida para a análise do processo de criação individual e coletivo nas comunidades em questão. As situações ambientais serão abordadas durante o processo de identificação dos ecossistemas e o desenvolvimento destes nas vocações econômicas da região, nas possibilidades
identificadas
como
fatores
econômicos
possíveis
de
promover
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desenvolvimento auto-sustentável, nos monumentos paisagísticos e no turismo ecológico. As questões culturais serão apresentadas durante o processo de análise dos aspectos relativos ao assunto. As questões de cunho biológico virão na catalogação das espécies e a constatação do estado de reprodução das mesmas na região do arquipélago. Metodologia Para realizar a pesquisa, levamos em consideração um determinado espaço geográfico, visitado a intervalos ao longo de 16 anos (1987 a 2004). No primeiro período, de 1987 a 1989, estivemos na região realizando a pesca artesanal nas modalidades caiqueira, camarão de arrasto, zangaria, rabeadeira, espinhel e outras nos canais, croas e lavados entre as ilhas de Lençóis e Retiro. No segundo período, de 1992 a 1993, continuamos pescando com as mesmas modalidades. Foi aí que surgiram as primeiras impressões acerca do material que existia, envolto de forma latente nas relações sociais das comunidades da região. A partir desse momento passamos a investigar a existência de material publicado sobre a região, mais especificamente sobre a comunidade de Lençóis, na qual fixamos residência naqueles períodos. Daí em diante, as idéias foram tomando forma e a pesquisa veio se desenvolvendo lentamente durante outras três incursões (em 1995, de 1999 a 2000 e de 2003 a 2004). Nestes últimos anos, foram realizados trabalhos fotográficos, entrevistas e produção de texto, paralelamente às atividades de pesca. Nos intervalos destes três últimos períodos, já de posse de um projeto definido sobre o assunto em questão, foi realizada a pesquisa bibliográfica, em São Luís.
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Primeira parte
A problemática sócio-econômica da pesca artesanal de subsistência
Capítulo primeiro: o sistema produtivo O modo de produção da pesca artesanal marinha em Maiaú
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A Pesca Artesanal é a pesca que se realiza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador - mesmo em todas as variantes de espera. Nela a participação do homem em todas as etapas e manipulação dos implementos e do produto é total, ou quase total, prescindindo-se de tração mecânica no lançamento, recolhimento e levantamento das redes ou demais implementos. Baseada em conhecimentos transmitidos ao pescador por seus ancestrais, pelos mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os companheiros do ofício, é sempre realizada em embarcações pequenas (botes e canoas) a remo ou a vela ou mesmo motorizadas, sem instrumentos de apoio à navegação, contando para a operação tão somente a experiência e o saber adquiridos - a capacidade de observação dos astros, dos ventos e das marés... Não se apóia na grande produção ou na estocagem Fonte Manual de normas do FNO - Fundo Constitucional do Norte do Banco da Amazônia. (2009)
Inicialmente, a captura era limitada às margens rasas dos rios, nas lagoas, lagos e costas do litoral. A exceção está em alguns grupos de primitivos habitantes, dotados de muito fôlego, que permaneciam bastante tempo no fundo da água. Somente quando o homem aprendeu a fabricar embarcações, paralelamente ao aperfeiçoamento dos meios de navegação é que foi possível ao pescador artesanal capturar um produto excedente, além do utilizado na simples subsistência diária doméstica; essa nova produção desencadeou o desenvolvimento de métodos mais eficazes para a conservação do
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pescado. Estes processos viabilizaram a comercialização do produto da pesca em larga escala. A produção do excedente da pesca artesanal é trocado ou comercializado nas cidades próximas, nas próprias comunidades e nos pesqueiros. Atualmente, a pesca artesanal contribui como fonte de matéria prima para diversas atividades, presentes no contexto relacionado ao setor pesqueiro. A pesca artesanal tem sobrevivido ao longo dos tempos como prática rústica, através da mão-de-obra tradicional, com táticas de pesca herdadas de gerações passadas por meio do conhecimento baseado na experiência. As modalidades da pesca artesanal, originalmente, são realizadas por meio de instrumentos que possibilitam uma interação das atividades físicas e mentais, integradas de forma heterogênea no meio ambiente marinho.
Produção comunal em Maiaú: a organização primitiva da pesca artesanal
As condições básicas e fundamentais do trabalho produtivo no arquipélago estão sedimentadas, prioritariamente, nas relações subordinadas à pequena propriedade privada dos trabalhadores locais e na propriedade coletiva dos recursos naturais, semelhantes àquelas condições estabelecidas pela antiga propriedade coletiva da terra. Para Marx, estes trabalhadores são proprietários, mas obedecendo à seguinte situação: 26
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“Sem condições de produzir riqueza como um fim em si” (MARX, 1857 / 1858).
O trabalho produtivo de uma parcela dos pescadores artesanais tem como base fundamental o valor de uso como elemento particular da reprodução comunitária, ou seja, visa apenas à garantia da reprodução do pescador e sua comunidade, ou seja, a produção está sempre voltada para o consumo doméstico comunitário. A produção é baseada no valor de troca e a comunidade se orienta a partir da utilização desse valor, visando suprir as necessidades básicas de sua existência. Podemos analisar, ainda, que os pescadores artesanais de subsistência, em Maiaú, estão subordinados às relações econômicas que os torna impossibilitados de adquirir excedente como forma de acúmulo de bens, necessário para a produção de riqueza financeira, ou seja, será impossível para este produtor, baseado neste sistema específico, transformar sua produção em mercadoria capaz de conter valor acumulativo para transformálo em possuidor de riqueza, de forma que este ascenda socialmente dentro das condições da sociedade capitalista e assim também se tornar senhor explorador, possuidor de capital. Parece que é esta relação que Marx considera ao analisar a coletiva propriedade primitiva da terra, quando afirma: ‘’O ponto chave sobre a questão é que em todas estas formas, nas quais a propriedade da terra e a agricultura constituem a base da ordem econômica e, conseqüentemente, o objetivo econômico, é a produção de valores de uso, isto é, a reprodução dos 27
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indivíduos em determinadas relações com sua comunidade” (MARX, 1857 / 1858).
Os meios que mantiveram nas relações primitivas do trabalho os pescadores artesanais das comunidades do arquipélago de Maiaú tiveram sua origem no isolamento das mesmas em alto mar, com dificuldades de transportes adequados para suprir as necessidades que poderiam promover um desenvolvimento relativo dos moradores. Portanto, as comunidades foram forçadas a permanecer durante muito tempo nas relações da subsistência doméstica. Isto identifica uma das condições que mantém a relação de produção, que obriga o pescador a permanecer sem as condições tecnológicas capazes de alavancar um desenvolvimento econômico dentro dos padrões relativos a outras comunidades continentais próximas da área litorânea em foco. A ordem primitiva do sistema comunal se estabelece como condição obrigatória para que estes pescadores possam usufruir o direito de propriedade privada do próprio trabalho, dos instrumentos de produção, da propriedade coletiva do meio ambiente e das condições naturais responsáveis pelo êxito da produção. Estes elementos formaram um substrato essencial
para
que
os
trabalhadores
artesanais
construíssem
os
fundamentos
consuetudinários da tradição local. E assim, inseridos na ordem social que mantém os indivíduos tradicionalmente como trabalhadores que subsistem em um sistema social que ainda não ultrapassou o modo de produção de caráter primitivo, as comunidades sobrevivem. Estes indivíduos apenas conquistaram as condições básicas do processo evolutivo na escala do desenvolvimento social que antecede o sistema econômico da sociedade capitalista. 28
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Para Marx, estes trabalhadores se constituem em certo momento como:
“Conquistadores das condições vitais inerentes às condições evolutivas na constituição do trabalho modificador do ser, transformando-o em ser social individual capaz de se manter por meio do trabalho na escala evolutiva como senhor proprietário de suas capacidades” (MARX, 1857 / 1858).
Esta análise de Marx se encaixa na realidade sócio-econômica dos pescadores artesanais de subsistência em Maiaú, já que este específico modo de produção está quase estruturado no antigo modo de produção comunal tribal, baseado no modelo da caça e da coleta. A produção de pescado, a partir da captura baseada na experiência, transmitida de forma empírica de geração a geração, e utilizando-se de meios rústicos no arquipélago de Maiaú, pressupõe uma pratica milenar; que mantém o pescador artesanal em interação constante com o meio ambiente marinho, atuando em regime heterogêneo e experimental (pois a cada pescaria aparece um conteúdo novo, hipotético ou pragmático, mesmo sendo estas empreitadas realizadas num mesmo lugar). A ausência da utilização de tecnologias orientadoras na localização precisa dos cardumes conduz os pescadores artesanais, a cada jornada de trabalho, para uma nova expectativa, seguindo a lógica de localização instintiva da caça; a interação do indivíduo com o habitat se transforma em condição primordial para o sucesso das tarefas produtivas.
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O sistema de produção referente ao modelo empregado na pesca artesanal nas comunidades do arquipélago de Maiaú ocupa uma categoria de pescadores que utilizam meios e instrumentos próprios de uma específica natureza produtiva. Na confecção e manutenção dos instrumentos, o trabalho é essencialmente manual. Os meios naturais necessários, que funcionam como complemento indispensável para a conclusão da tarefa produtiva estão na origem da propriedade privada móvel e temporária (o usufruto do espaço geográfico marinho baseia-se em uma relação específica de trabalho, pelo fato de o pescador, ao realizar a pescaria, estar subordinado às condições que estabelece que este utilize a posse do espaço marinho de forma temporária, sendo que esta posse existe somente durante a realização imediata da pescaria, ou seja, quando este encerrar a sua atividade naquele local, deixa de possuí-lo, liberando o espaço para que outro pescador possa usufruir do local. O espaço também é móvel, pois o pescador, durante uma jornada, pode ocupar diferentes lugares de pesca) durante o processo de produção da sociedade comunitária. Os meios, as ferramentas e os instrumentos são de propriedade privada e individual; são usados durante o processo de fabricação e manutenção, e são adquiridos individualmente pelos membros da categoria. Por intermédio da pesca artesanal de subsistência, a temporalidade histórica agiu sobre as comunidades, sedimentando as condições da produção, transmitida de geração a geração, numa crescente e constante integração do ofício, baseada nos padrões primitivos da exploração dos recursos naturais. Por um lado, os pescadores artesanais são trabalhadores proprietários privados livres da força de trabalho, da experiência e dos instrumentos que compõem os meios de produção utilizados para a captura do pescado (canoas, redes e armadilhas construídos manualmente 30
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pelo próprio pescador). Estes trabalhadores estão condicionados a interagirem numa relação recíproca com a comunidade, a convivência cotidiana explicita um comportamento subjetivo que se consolida na aliança contra o mundo exterior. Tal pacto social se fundamenta na composição da comunidade, sem a qual o pescador ficaria impossibilitado de existir como produtor e reprodutor de si mesmo e da comunidade, ou seja, sem a comunidade o indivíduo se transforma em ser genérico espacial muito mais primitivo, igual às criaturas comuns do ambiente circundante. A independência desta população tradicional reside no mútuo relacionamento interno, baseado no cotidiano do indivíduo socialmente composto como integrante do grupo comunitário, organizado para existir objetivamente na exploração dos recursos naturais que suprem as necessidades comuns domésticas. Estas condições representam os fundamentos condicionais para manter o grupo comunitário de pescadores artesanais de subsistência isolados na perspectiva primitiva da produção comunal. De outra forma, a propriedade coletiva do espaço geográfico marinho pela comunidade, na realização das tarefas produtivas de caráter próprio da subsistência do grupo, tem como base a tradição do uso milenar deste específico espaço; o uso espacial gratuito possibilita a captura daquilo que se tornará o produto final da tarefa produtiva, sendo esta gratuidade a condição fundamental para garantir a exploração dos recursos naturais, elementos necessários à continuação do sistema social destas comunidades. A situação acima descrita demonstra que o capital ainda não conseguiu separar o pescador artesanal de subsistência do arquipélago de Maiaú do seu estágio de proprietário das condições objetivas e das unidades de produção. Isto pressupõe a existência de uma categoria especial, baseada nas relações de produção, fundamentalmente inserida num 31
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contexto próprio, que a caracteriza como detentora de uma atividade produtiva de ordem comunal primitiva, existindo paralela ao sistema global de produção capitalista. Os pescadores artesanais das comunidades do arquipélago de Maiaú usam a zona costeira do litoral ocidental maranhense, caracterizada como propriedade da Federação, o que permite o uso comum do espaço marinho para o cidadão brasileiro que se utilizar da pesca dentro dos limites territoriais marítimos das doze milhas da costa e das duzentas milhas para a Zona Econômica Exclusiva - ZEE para a exploração dos recursos do mar. Os pescadores artesanais reproduzem uma prática primitiva de utilização dos recursos marinhos, sustentada na propriedade coletiva dos meios naturais necessários à reprodução do ser individual e coletivo da comunidade aqui em questão, o que nos permite imprimir a noção comunal de produção primitiva para este setor ou para esta categoria de trabalhadores marítimos classificados como pescadores artesanais de subsistência. Mesmo não estando explícito corretamente e, portanto, carecendo de ajustes, a Constituição da República garante precedente no caso da exploração dos recursos pesqueiros, porque para o uso do espaço compreendido como praia, a lei é clara: é de uso comum de todos. Contudo, pela tradição, a gratuidade individual ou coletiva na exploração dos recursos pesqueiros é uma garantia milenar. Em Machado, encontramos:
“A Constituição Federal, no artigo 225, parágrafo 4º, diz que a Zona Econômica Exclusiva é patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a
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preservação do meio ambiente, inclusive quanto à utilização dos recursos naturais... As praias são bens públicos de uso comum do povo (Art. 10 caput, da lei nº 7.661/880). Esta lei antecipou-se à Constituição Federal que, em seu artigo 225, conceituou o meio ambiente como bem de uso comum do povo. A primeira parte do artigo 10, caput, diz respeito ao uso e, a segunda parte, ao acesso à praia. O uso não está explicitado na lei brasileira aqui examinada. Por exemplo, a lei francesa diz: o uso livre e gratuito pelo público constitui a destinação fundamental das praias, do mesmo modo que sua atenção às atividades de pesca e culturas marinhas. Em comparação com a recente lei francesa, pode-se afirmar que também no Brasil a pesca e a cultura dos recursos do mar não contrariarão o uso comum pela comunidade” (MACHADO, 1991).
As condições de subsistência
A população das comunidades de pescadores artesanais do arquipélago de Maiaú tem como componentes grupos de pescadores tradicionais, entre outros, aqueles que se ocupam exclusivamente da pesca artesanal de subsistência. Esta categoria compõe-se dos trabalhadores autônomos com dedicação exclusiva à pesca nos canais, igarapés e furos da zona costeira do arquipélago. Estes pescadores possuem, além da mão-de-obra empregada, 33
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os utensílios que são fabricados ou pré-fabricados artesanalmente nas próprias comunidades pelas mãos dos trabalhadores que os utilizarão ou por outros membros das comunidades, mediante pagamento. De posse dos instrumentos, e munidos da experiência adquirida através das sucessivas gerações, os pescadores lançam-se ao mar para a realização da captura das espécies que compõem o cardápio da comunidade e do mercado de pescado de modo geral; o produto adquirido com a exploração dos recursos marinhos do arquipélago compõe o resultado do trabalho produtivo do pescador artesanal de subsistência. Neste sentido, analisamos que certas categorias ou modalidades da pesca artesanal, no contexto sócio-econômico e cultural no arquipélago de Maiaú, residem na exploração livre dos recursos naturais marinhos por meio dessa atividade de subsistência. Analisamos ainda que a posse dos instrumentos rudimentares construídos de forma artesanal, a sua utilização segundo os meios próprios e o uso dos recursos naturais de propriedade coletiva, desde os tempos primitivos até a atualidade, faz destes grupos os herdeiros e continuadores da tradição e das condições do regime de produção comunal primitivo. Os grupos artesanais dos pescadores no arquipélago de Maiaú resistem na atualidade como trabalhadores livres que vivem suas relações de produção de forma particular no contexto geral da ordem do modo de produção capitalista vigente. Estes trabalhadores são proprietários privados dos meios empregados na produção, por utilizarem de forma gratuita o espaço geográfico marinho para a extração dos bens de consumo, o que caracteriza a produção final após as jornadas específicas de trabalho, realizadas de acordo com a realidade estabelecida no cotidiano dos grupos que formam as categorias de pescadores artesanais das modalidades especiais nas quais estão 34
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organizados, obedecendo aos ciclos domésticos característicos das comunidades na zona costeira. Esta prática reforça a tese de que estes trabalhadores convivem num sistema econômico onde as relações sociais predominantes estão compostas no modelo fundamentado nas condições modernas do capitalismo (transação comercial dos produtos produzidos e compra de bens necessários à continuidade dos grupos nas comunidades, além da obtenção de bens de consumo duráveis - movelaria doméstica, roupas, dentre outros bens), ao mesmo tempo em que o modo de produção empregado para manter a existência do pescador em sua comunidade apresenta características fundamentais, classificando-o com produtor proprietário, e não subordinado a qualquer tipo de exploração externa do seu trabalho no momento exato da tarefa produtiva. Portanto, não está incluso no sistema de produção assalariado e nem submetido às divisões sociais do trabalho que caracteriza o momento atual do capitalismo. Levando em conta a organização social e cultural das comunidades do arquipélago de Maiaú, até a totalização da produção dos pescadores artesanais, o processo apresenta continuadamente uma prática análoga ao sistema de produção comunal primitivo, como forma resultante desta específica e ancestral jornada de trabalho. São trabalhadores que produzem num modo primitivo de características comunais e, ao mesmo tempo, estão inseridos numa economia avançada dos tempos modernos, a economia capitalista de mercado, quando estes pescadores naturalmente entram no sistema capitalista na forma de comerciantes do produto de seu trabalho e de consumidores dos produtos adquiridos por meio da compra dos objetos que permitem a reprodução das relações da comunidade. 35
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Os domínios da pesca artesanal nas comunidades do arquipélago de Maiaú pertencem a uma categoria localizada, a partir dos grupos identificados nas modalidades aplicadas à produção da economia doméstica. Trata-se de uma relação autônoma do trabalho, o que significa jornada de trabalho não assalariado, situando-os numa categoria especial de trabalhadores. Portanto, esta característica conduz o processo de produção para uma categoria que não está inserida no contexto da venda da força de trabalho por salário, e nem está submetida às relações de patrão e empregado, no âmbito do trabalho assalariado. Aí estão os elementos das condições objetivas causais do sistema análogo ao sistema comunal primitivo de produção. Para efeito de reflexão, devemos observar as conclusões de Marx sobre a comunidade e a propriedade:
“A comunidade e a propriedade que nela se baseia podem ser reduzidas a um estágio específico do desenvolvimento das forças produtivas dos indivíduos trabalhadores - o que corresponde às relações específicas destes indivíduos entre si com a natureza -. Até certo ponto, a reprodução. Depois disto, a dissolução. Propriedade - e isto se aplica às suas formas asiática, eslava, antiga clássica e germânica - originalmente significa uma relação do sujeito atuante (produtor, ou um sujeito que reproduz a si mesmo) com as condições de sua produção ou reprodução como suas próprias. Portanto, conforme as condições de produção, a propriedade terá formas diferentes. O objeto da produção, em si, é reproduzir o produtor e simultaneamente com aquelas condições 36
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objetivas de sua existência. Seu comportamento como proprietário - que não é o resultado, mas a condição prévia do trabalho, ou seja, da produção - torna a existência específica do indivíduo parte da entidade tribal ou comunal”... (MARX, 1857 / 1858).
Discorrendo ainda sobre o trabalho assalariado como fator de identificação do sistema capitalista, o mesmo autor prossegue:
“Um dos pressupostos do trabalho assalariado e uma das condições históricas do capital é o trabalho livre e a troca de trabalho com o dinheiro, com o objetivo de reproduzir o dinheiro e valorá-lo; de o trabalho ser consumido pelo dinheiro não como valor de uso para o desfrute, mas como valor de uso para o dinheiro. Outro pressuposto é a separação do trabalho livre das condições objetivas de sua efetivação, dos meios e do material de trabalho. Isto significa, acima de tudo, que o trabalhador deve ser separado da terra enquanto seu laboratório natural, e significa a dissolução tanto da pequena propriedade livre quanto da propriedade comunal... Nestas duas formas, o relacionamento do trabalhador com as condições objetivas de seu trabalho é o de propriedade, esta constitui a unidade natural do trabalho com seus pressupostos materiais. Por isto, o trabalhador tem uma existência objetiva, independentemente de seu trabalho. O indivíduo relaciona-se consigo mesmo como proprietário, como senhor das condições e sua 37
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realidade. A mesma relação vigora entre os demais. Quando esse pressuposto deriva da comunidade, os outros são, para ele, seus coproprietários, encarnação da propriedade comum; quando deriva das famílias específicas que em conjunto constituem a comunidade, os outros são proprietários independentes que coexistem com os indivíduos proprietários privados independentes. Neste último caso, a propriedade comum que, anteriormente, a tudo absorvia e a todos compreendia, subsiste, então como uma especial ager publicus (terra comum), ao lado dos poderosos proprietários privados. Em ambos os casos, indivíduos comportam-se não como trabalhadores, mas como proprietários e membros de uma comunidade em que trabalham. A finalidade deste trabalho não é a criação de valor, embora eles possam realizar trabalho excedente de modo a trocá-lo por dinheiro estrangeiro ao grupo, isto é, por excedentes alheios. Seu propósito é a manutenção do proprietário individual e de sua família, bem da comunidade como um todo” (MARX, 1857 / 1858).
Os pescadores das ilhas do arquipélago de Maiaú integram uma categoria específica de trabalhadores que estão organizados em um sistema de produção análogo ao do comunismo primitivo. Este sistema é baseado na extração dos recursos naturais por meio da captura de pescado com a utilização dos meios e materiais de propriedade privada do pescador, e este se encontra inserido na categoria especial identificada.
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Esta categoria é composta por membros da comunidade, organizados nas modalidades que permitem ao pescador a realização da tarefa, sem que esta o submeta a alguma relação de exploração externa de sua força de trabalho no momento dado. As modalidades que permitem ao pescador artesanal a liberdade de este construir seus equipamentos de forma artesanal e empregá-los na realização de sua tarefa produtiva, assegurando sua independência individual como produtor e proprietário privado dos instrumentos e meios empregados na produção, é o que lhes dá condição para explorar o espaço geográfico territorial marinho de uso comum da comunidade. As modalidades pertencem a categorias distintas, classificadas a partir das condições próprias de cada momento, determinadas pelas necessidades dos grupos comunitários ou por condições determinadas pela temporalidade meteorológica em cada localidade. A categoria identificada e classificada com base no processo de produção comunal primitiva no arquipélago de Maiaú comporta-se de acordo com sua natureza essencialmente comunitária. Sua organização doméstica reside nas características próprias deste sistema social de raiz cultural histórica, cotidianamente construída durante todo o processo que permitiu a continuidade de uma realidade alicerçada na tradição, transmitida de geração a geração no seio comunitário, sem que as influências externas tenham tido tempo de influenciar a ponto de introduzir na economia doméstica aspectos capazes de alterar significativamente ou destruir as normas tradicionais de produção. A propósito da análise que está sendo colocada em pauta, cabe citar uma reflexão de Engels, que introduziu no debate sobre as velhas comunidades primitivas a seguinte questão:
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“Às vezes, as velhas comunidades primitivas podem subsistir durante milênios, antes que o comércio exterior produza em seu seio diferenças de fortuna que acarretem sua dissolução” (ENGELS, in LÉVI STRAUSS, 1958).
A primeira condição para que o pescador artesanal esteja inserido no sistema primitivo de produção em Maiaú é a apropriação comunal do espaço geográfico marinho e dos seus recursos naturais (correspondente à zona costeira de uso comum estabelecido para qualquer cidadão brasileiro) por meio da exploração individual ou coletiva do arquipélago pelos membros das comunidades. A segunda condição está baseada nos períodos exclusivos de boa pescaria, estabelecidos pelos ciclos da maré, o que naturalmente determina o período para a realização da tarefa produtiva. Tal situação submete estes trabalhadores a jornadas de trabalho específicas e independentes, diferentemente do que acontece com os trabalhadores normalmente assalariados. A terceira condição está ligada à propriedade privada dos instrumentos de produção dos pescadores, construídos artesanalmente ou adquiridos de qualquer outra forma. Por sua vez, a quarta situação se relaciona aos conhecimentos relativos à pesca, adquiridos de forma empírica através da experiência transmitida por meio da tradição reproduzida no cotidiano comunitário,
calcada
na
essência
cultural
doméstica,
construída
por
meio
do
desenvolvimento histórico da sociedade comunitária. A relação do pescador com o espaço marinho é diferente da relação do lavrador com a terra; os trabalhadores extrativistas rurais das comunidades das áreas continentais do estado 40
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dependem de alguma forma de autorização para a utilização da terra para a extração dos recursos naturais (caso das quebradeiras de coco babaçu), ou então conseguem a posse da propriedade privada por meio da compra de determinada área, pelo aluguel, ou ainda lançando mão do sistema de arrendamento ou do sistema de partilha, o que determinará o direito de uso do espaço territorial. O fato de o pescador não carecer de pagar para obter o direito de usufruto do espaço geográfico marinho é um diferencial importante no processo de produção artesanal. O espaço marinho está franqueado naturalmente ao cidadão pelo estado brasileiro, o que favorece a condição extrativista dos pescadores artesanais, aliviando em parte a exploração da força de trabalho do pescador, já que facilita o acesso ao produto através de lei específica, levando o pescador a resistir em parte ao processo predatório do sistema capitalista.
A inserção da produção do trabalho doméstico comunal dos pescadores artesanais de subsistência do arquipélago de Maiaú na base comercial capitalista
Embora seja pertinente a reflexão realizada acima, cabe salientar que os pescadores artesanais do arquipélago são produtores extrativistas que residem na base da produção mercantilista. Apesar de estes extraírem a subsistência de um determinado espaço geográfico de uso comum, o excedente sempre é vendido no comércio local por valores várias vezes maiores do que aqueles que o pescador costuma receber. Isto caracteriza a mais valia (nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, o que representa a base da exploração do homem pelo homem 41
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no sistema capitalista), que surge a partir da expropriação do produto final da produção do pescador artesanal de subsistência. Portanto, o pescador artesanal, que por um lado extrai gratuitamente da natureza os recursos que formam o produto do seu trabalho, utilizando instrumentos de sua propriedade será inapelavelmente lesado na fase final da sua jornada de trabalho. O produto da captura é inserido no mercado por meio da comercialização feita diretamente do pescador para o atravessador imediatamente mais próximo; aos poucos, o produto vai adquirindo um valor maior durante o caminho percorrido até o destino final, o consumidor. Em Maiaú, o pescador artesanal está inserido em dois sistemas sociais diametralmente opostos, sendo que o primeiro demonstra a base comunal e o segundo a base moderna do capital comercial. Esta fase se completa quando o produto do trabalho artesanal de subsistência excede o consumo doméstico na comunidade, passando o excedente a constituir mercadoria, criando valor, visando às condições que suprirão as necessidades de consumo, além da simples subsistência imediata, representada na reprodução da sociedade comunitária, ou seja, na aquisição de bens de consumo duráveis produzidos pela tecnologia industrial moderna. Neste momento, o trabalhador é elevado à categoria de indivíduo explorado pelo sistema comercial do capitalismo moderno. A expropriação do trabalho nas comunidades do arquipélago de Maiaú ocorre pela apropriação do produto do trabalho do pescador, que é transformado em produto de mercado. Por tal processo o pescador está inserido no sistema capitalista e, por meio da receita recebida pela venda do produto de seu trabalho é que este é violentamente introduzido no sistema tecnologicamente industrializado na forma de consumidor.
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Capítulo segundo: Divisão da produção
O processo da divisão do produto da pesca nos seus múltiplos aspectos
A divisão da produção resulta na partilha do produto final do trabalho dos pescadores artesanais entre eles mesmos, obedecendo a um grau de hierarquia anteriormente estabelecido: de um lado estão os que são proprietários dos instrumentos empregados na pescaria e de outro aqueles despossuídos dos mesmos, que trabalham utilizando os instrumentos alheios, em troca de uma parte da produção. Uma parcela dos pescadores artesanais no arquipélago de Maiaú não possui os meios necessários para realizarem a tarefa produtiva, e subsistem ao lado do proprietário dos utensílios empregados na captura de pescado, estes pertencentes à categoria de proprietários autônomos que trabalham para si ou para empresários. Os pescadores artesanais que não possuem instrumentos de trabalho, e apenas se utilizam da força dos braços e da experiência profissional, pertencem a uma categoria completamente submetida economicamente na composição do sistema de produção. Estes trabalhadores são incluídos no sistema de produção como auxiliares, recrutados nas comunidades da região. Estão submetidos a uma relação específica de produção, o que os transforma em trabalhadores subordinados aos proprietários, cabendo a eles receber como pagamento pela jornada de trabalho realizada apenas uma parte da produção, conforme determina o sistema de partilha, como será visto adiante. 43
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Quando não constituem grupos comunitários, quando participam de jornada fora dos domínios da comunidade, estes serão submetidos a outras relações estabelecidas pelos empresários da pesca.
Sistema de partilha ou quinhão
A partilha é uma condição natural estabelecida para dividir a produção de pescado. Isto ocorre devido à impossibilidade de se ter como garantia a quantidade de peixes capturados numa mesma pescaria. A oscilação no processo de captura leva os pescadores a estabelecerem a relação de divisão da produção por meio da partilha por quinhão, com o objetivo de não estabelecer nenhum compromisso de pagamento ou recebimento antes da finalização de uma jornada de pescaria. A partilha consiste na divisão do produto pescado entre os pescadores que participaram da realização da tarefa produtiva. Na ordem doméstica da comunidade, no âmbito da pesca de subsistência, a partilha se dá pela divisão do produto de acordo com o número de trabalhadores que participam da tarefa, incluindo-se o dono dos instrumentos empregados na pesca: canoas, redes ou armadilhas. A divisão, naturalmente, é feita em partes iguais entre os trabalhadores e o dono dos instrumentos de pesca. Na relação comercial da pesca que envolve equipamentos mais ou menos sofisticados, a partilha dependerá da importância de cada instrumento empregado na tarefa. Esta relação empresarial determina uma alteração nas relações naturais existentes nos domínios comunitários; diferentemente do que acontece com os instrumentos domésticos na hora da partilha, a relação de caráter empresarial estabelece aos utensílios um maior poder na hora 44
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da divisão, podendo a estes caber mais de uma parte, ou mesmo a metade de toda a produção. Neste sistema, os pescadores despossuídos dos meios de produção na pesca artesanal participam desta atividade apenas com a força de seus braços, aliada à experiência adquirida ao longo de sucessivas gerações. A divisão do produto, fruto do trabalho coletivo de um determinado grupo de pescadores, é primariamente estabelecida de acordo com o grau de responsabilidade anteriormente determinada na hierarquia do grupo. O pescador responsável pela chefia do grupo recebe em média dois quinhões, enquanto que os demais recebem um quinhão, cada um. A divisão por quinhão leva ainda em consideração os bens de produção empregados durante a realização da tarefa, ou seja, os donos dos instrumentos (rede, canoa ou armadilha) ganham uma parte ou mais A relação que estabelece a quantidade de partes que os proprietários dos utensílios de pesca devem receber após a realização de uma jornada será definida pelo grau de importância que aqueles instrumentos tiveram durante a pescaria. A lógica empresarial estabelece o grau de importância dos instrumentos durante a realização da tarefa, de acordo com o tamanho destes e da quantidade de pescado que estes instrumentos são capazes de capturar, sendo que os mesmos variarão de possibilidades na hora da divisão. Portanto, uma rede e uma embarcação podem ganhar mais de uma parte, respectivamente, ou até a metade de toda a produção, restando à outra metade da produção ser dividida entre os pescadores.
A embarcação no sistema de partilha
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A embarcação variará de importância na pescaria. Portanto, tal critério é que estabelecerá a quantidade de partes que esta deverá receber após a realização de cada tarefa. A importância da embarcação está subordinada ao tamanho e utilização da mesma para a realização da pescaria; se esta for utilizada apenas para o transporte dos pescadores e utensílios até o ponto de pesca, como acontece em algumas modalidades, principalmente nas pescarias de beira, a embarcação receberá apenas uma parte da produção. Contudo, quando são utilizadas durante todo o processo de produção e quando seu tamanho for fundamental para enfrentar as adversidades do alto mar, sendo objetivamente o seu tamanho necessário para comportar a quantidade de materiais e utensílios que definirão o montante da produção, e principalmente se estas estiverem subordinadas à relação empresarial da pesca artesanal, seu papel no sistema de partilha lhe renderá até um quarto de toda a produção.
As redes e armadilhas no sistema de partilha
As redes de pesca têm sua importância no sistema de partilha por meio dos quinhões, na medida em que estas são utilizadas segundo a modalidade da pescaria, o tamanho da rede empregada durante a tarefa produtiva e da relação de produção da qual a modalidade que a rede pertence está subordinada. Na relação doméstica de produção comunal, quando uma pequena rede é empregada em uma pescaria de beira, onde sua capacidade de captura é pequena, ou necessite da mão de obra de apenas um ou de no máximo dois pescadores,
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geralmente esta recebe só um quinhão e, às vezes, apenas a metade da produção, ou seja, meio quinhão. Tal relação está assentada naturalmente em conformidade com o sistema doméstico de produção, enquadrada na ocupação de subsistência da comunidade; as redes e armadilhas componentes desta relação de trabalho, no arquipélago de Maiaú, são as modalidades conhecidas como Camarão de Arrasto (armadilha puçá), Caiqueira, Munzuá, Tarrafa, Tainheira, Rabeadeira, e ainda pequenos espinhéis. Na relação empresarial, os equipamentos pesqueiros assumem um caráter diversificado, que varia de modalidade para modalidade, seguindo as diversas condições a que estas estão submetidas para sua efetivação como tarefa produtiva. Na modalidade de pesca tipo zangaria, na qual a rede é relativamente grande, trabalham vários pescadores e esta tem sua importância definida pelo tamanho, o que é decisivo para a captura de montantes consideráveis de pescado; neste caso, na pescaria de beira a rede recebe até um quarto de toda a produção. As redes utilizadas na pescaria em alto mar recebem, na hora da partilha, em média um quarto da produção. São conhecidas as redes malhadeiras, serreiras, pescadeiras, camurinzeiras, dentre outras, que tem importância de valor na partilha igual ao das embarcações que são empregadas para seus usos. As armadilhas, dentre as quais estão os currais, são relacionadas no sistema de partilha somente quando estão no emprego destas mais de um trabalhador. Quando isto acontece, o curral fica com até um terço da produção. No passado, estas armadilhas eram constituídas para uma atividade quase que exclusiva de subsistência das necessidades domésticas da família. Neste sentido, vimos que estas tinham um valor secundário na 47
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classificação comercial. Na atualidade, assumiram a posição de atividade da pesca artesanal empresarial. Existem curraleiros que utilizam o sistema de partilha na forma descrita anteriormente, e outros que aplicam outras formas de pagamento ao serviço prestado pelo companheiro do proprietário, através do pagamento de diárias para despesca ou para realizar serviços de manutenção. As modalidades que estão relacionadas com a pesca exclusivamente comercial no arquipélago de Maiaú são as zangarias, os currais, as malhadeiras, as serreiras, as pescadeiras, as camurinzeiras, a gozeiras, as camurupinzeiras e as caiqueiras.
Relação empresarial do sistema de partilha
Entre os empresários detentores dos bens de produção, do capital de manutenção e de investimentos e os pescadores artesanais, o sistema de partilha funciona como elemento regulador na forma de pagamento do pescador que presta serviço na pesca artesanal com fins exclusivamente comerciais, de forma distinta daquela que é construída nas condições de caráter doméstico da comunidade, baseada nos laços comuns existentes nas relações de reciprocidade no seio comunitário.1 O empresário contrata o pescador artesanal para operar seus bens em troca da divisão do produto resultante da produção pesqueira por meio da partilha, numa relação que subordina o pescador às condições preestabelecidas, conforme a organização econômica que garante ao empresário a posse imediata da metade da produção e ainda garantindo a este a compra ou o direito da venda da parte restante que couber aos pescadores que 1 Ver 4.6: A partillha entre os pescadores artesanais de subsistência.
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formarem a equipe do empresário, que paga efetiva o pagamento com parte da renda obtida na comercialização da produção, ou seja, o pescador, nesta relação, fica refém do empresário, que estabelece a forma que deve ser comercializada a parte ou quinhão que couber ao pescador. Neste caso, na hora da venda do produto da pescaria, diferentemente do que acontece quando o sistema de partilha é realizado de acordo com as regras domésticas da comunidade, o pescador não arbitra na negociação que será realizada pelo proprietário. Dessa forma, os instrumentos de volume empresarial conforme está estabelecido na relação comercial que permite ao proprietário realizar atividades relativas à movimentação de empresas é composto pela embarcação e pelos utensílios definidos de acordo com a modalidade de pescaria que este empresário escolher para empregar seus recursos financeiros. Os pescadores, membros da equipe formada com o objetivo de realizar pescarias utilizando os instrumentos de produção de propriedade dos empresários, são organizados segundo seu tempo de experiência na atividade da pesca e segundo suas vivências no mar, com a capacidade de enfrentar as inúmeras adversidades da empreitada. Dessa escolha depende o sucesso ou do fracasso da pescaria, e as responsabilidades são divididas de forma hierárquica na relação que se estabelecerá entre os próprios pescadores e o proprietário dos utensílios de pesca. O grupo de pescadores será chefiado por um de seus membros, sendo que este é, geralmente, homem de confiança do dono dos bens. Ele é previamente escolhido, e é também quem recrutará o restante da tripulação, de acordo com suas conveniências e as de seu patrão. No esquema da partilha, o chefe da empreitada receberá mais de um quinhão da 49
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parte que corresponderá aos pescadores. Dependendo do seu desempenho na pescaria, poderá ter uma gratificação por parte do patrão; isto dependerá do grau de relacionamento estabelecido entre o patrão e o chefe da pescaria e, portanto, este caso não se constitui em regra geral. Os pescadores restantes receberão um quinhão, cada um. Da produção realizada pela pesca empresarial comercial, no sistema de partilha primeiramente são deduzidos os gastos com a manutenção dos pescadores (víveres, medicamentos, dentre outros gastos). O restante da produção é que será dividido por dois, em primeira instância, sendo que a metade do total capturado ficará com o dono dos meios de produção, enquanto que a outra metade será destinada para a divisão entre os trabalhadores integrantes da equipe.
A partilha entre os pescadores artesanais de subsistência
Veremos que, na pesca artesanal, a divisão da produção se baseia na partilha mais ou menos igual entre os membros da pescaria e entre os proprietários dos instrumentos utilizados na empreitada. Entretanto, a relação estabelecida para definir o quinhão entre os pescadores artesanais de subsistência nas comunidades do arquipélago de Maiaú baseia-se num determinado grau de convivência, mantido na base do sistema tradicional culturalmente construído pelo comunitário durante a constituição do cotidiano. Isto significa que os trabalhadores estão mantidos por laços que definem o relacionamento social que estabelece uma reciprocidade específica entre os indivíduos comunitários. Visto que estes não estão estritamente ligados por laços comerciais da pesca ou por uma relação apenas de patrão para empregado, havendo uma relação de certa 50
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autonomia daqueles que trabalham e não são proprietários de bens, estes possuem uma liberdade de ação que lhes conferem uma participação comunitária na efetiva construção da reciprocidade entre os grupos domésticos. Essa relação se verifica, por exemplo, na medida em que alguns integrantes do grupo podem retirar do montante do pescado capturado alguma quantia do produto antes da repartição dos quinhões, ou ainda ter o direito de poder vender sua parte de forma independente.
Uma equipe de pescadores deverá equipar-se com os instrumentos de pesca, o combustível da embarcação e com os mantimentos necessários à subsistência dos membros da equipe durante a jornada realizada. É importante ressaltar que no sistema de partilha os gastos com os referidos gêneros serão debitados na seqüência do trabalho, tanto para os membros da equipe quanto para os meios, para posterior subtração do montante geral da produção, no final da jornada. Isto significa que a partilha se realizará a partir do montante líquido da produção. Quaisquer outras despesas contraídas pelos membros da equipe deverão ser debitadas individualmente, cabendo o seu ressarcimento feito pelo desconto no quinhão daquele que contraiu o débito. Os pescadores artesanais despossuídos de meios necessários para a realização das tarefas produtivas se mantêm como elementos ativos, integrados ao desenvolvimento comunitário, e naturalmente aliam-se aos pescadores artesanais proprietários privados dos meios de produção, que vivem integrados na comunidade de forma autônoma e independente em relação à realização da produção doméstica. A parceria ocorrerá pelo fato de que os pescadores se encontram integrados pelas necessidades de realização do 51
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trabalho produtivo, uma vez que para a realização da produção é necessária a mão-de-obra que auxiliará na execução da tarefa. Na maioria das modalidades, não é possível a realização da pescaria sem a ajuda de um ou mais companheiros, sendo que a navegação também se constitui num outro fator aglutinador de pescadores, justamente pelo fato de esta exigir a formação de um grupo, o que é fundamental para a segurança de todos e para o alcance dos objetivos da pescaria. Estes elementos, aliados à previsão imprecisa do montante da produção são os fatores obrigatórios do sistema de partilha. Não existe a possibilidade de prever o montante da produção, uma vez que esta estará sempre subordinada à captura de cardumes. O pescador artesanal não dispõe de nenhuma tecnologia capaz de lhe informar com precisão sobre a quantidade total da produção de sua jornada; isso o deixa obrigado a estabelecer como forma de garantia no pagamento ao prestador de serviço (o companheiro) e a si mesmo o sistema de partilha da produção através do quinhão. A incerteza do montante a ser produzido durante uma jornada torna impossível o estabelecimento anterior de qualquer valor a ser pago posteriormente aos pescadores que se aventuram numa jornada pesqueira de cunho artesanal. No caso de um determinado proprietário dos bens de produção pesqueira se encontrar impossibilitado de participar de uma pescaria onde seus instrumentos estejam sendo utilizados, normalmente escolherá alguém para ser o responsável pela tarefa, sendo este indivíduo devidamente gratificado pelo proprietário dos bens. Porém, se o proprietário estiver presente durante a jornada, então ele assumirá naturalmente a responsabilidade pelos seus bens e entrará na partilha como mais um trabalhador.
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Capitulo terceiro O Contexto do sistema de uso privado do espaço geográfico marinho no arquipélago de Maiaú
CURRAL, MURUADA, LANCES DE ZANGARIAS, FUZARCAS E ESTACADAS DIVERSAS
As modalidades que possibilitam a utilização do modo privado do espaço geográfico marinho na realização da captura estão relacionadas exclusivamente na categoria de modalidade artesanal. A possível posse temporária do espaço do meio físico na costa do Maranhão pelos pescadores artesanais e empresários de pesca tem origem na tradicional conquista do pesqueiro por aquele que primeiro explorou o lugar, e está definida de acordo com as modalidades que por si oferecem as condições que possibilitam a efetivação do direito de uso exclusivo. Para que um ou mais pescadores possam garantir o uso privado de determinado lugar para desenvolver uma determinada modalidade de pesca será preciso que este esteja de posse, primeiramente, do conhecimento que o levará a requerer o lugar como propriedade para si; isto significa que estes pescadores, além de terem descoberto o pesqueiro e de associar este com a modalidade precisa para o fim almejado, deverão explorar o lugar e, imediatamente, demarcá-lo, segundo as características da modalidade previamente definida.
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As modalidades que garantem o uso fixo de determinado pesqueiro são constituídas exclusivamente por armadilhas, fixadas no lugar por meio de estacadas1 feitas com pau de mangue ou de outra madeira que porventura venha a ser utilizada. As armadilhas mais conhecidas são as muruadas, para a captura de camarão, as zangarias para capturar peixe e camarão, a fuzarca, para capturar camarão, o curral, usado para capturar peixes, e as estacadas de malhadeiras. Este sistema se constitui a partir da experiência de determinado pescador que, peregrinando pelos canais, croas, beiradas e igarapés, acaba descobrindo pastagens de cardumes, ou passagem obrigatória de peixes, devido às fortes correntes. A partir da descoberta, o pescador demarca o local e, daí em diante, começa a pescar regularmente. Sua marcação consiste em fixar estacas (paus) na forma do lance a ser utilizado; por conveniência, é respeitado também parte do entorno da armadilha, como forma de não atrapalhar o bom desempenho da pescaria. Se houver desrespeito por parte de outrem, haverá a reivindicação da regulamentação de imediato, o que é resolvido entre as partes litigantes no próprio local do pesqueiro. A garantia de uso privado do local determinado fica estabelecida pela demarcação e, mesmo que o proprietário não esteja utilizando o espaço em determinado horário, sua propriedade é respeitada enquanto durar a estacada (a tradição confirma a garantia da propriedade enquanto durar a estacada, que será sempre renovada). Quando o local demarcado é abandonado, persiste o domínio do proprietário por, pelo menos, seis meses depois que os paus da estacada caírem.
1 ESTACADAS: consistem em utilização de paus que recebem o nome de “estacas” , que servem para demarcar e sinalizar o local de fixação de alguma modalidade da pesca artesanal de subsistência ou comercial.
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CAPÍTULO QUARTO: MODALIDADES DA PESCA ARTESANAL NO ARQUIPÉLAGO DE MAIAÚ: Descrição e uso de 22 modalidades da pesca artesanal.
As modalidades da pesca artesanal em Maiaú correspondem aos instrumentos e meios utilizados pelos pescadores para a realização da tarefa produtiva no meio ambiente marinho da região, que se trata da principal atividade econômica dos membros das comunidades constituídas no arquipélago. As informações contidas no item comercialização, que será tratado no final da exposição das características de cada modalidade da pesca no arquipélago de Maiaú, corresponderão apenas às condições comerciais nas quais são submetidos os pescadores artesanais ao comercializarem a produção da pesca artesanal na região.
Rede de lanço
A rede de lanço é uma das mais antigas modalidades da pesca artesanal em atividade no arquipélago. Nos primórdios, era tecida em fio de algodão, mas hoje se utiliza fio de seda com alta capacidade de resistência. Sua utilização é feita para a captura de qualquer espécie em qualquer idade ou tamanho, sendo a rede lançada para raspar fundos de poços 1. Sua ação é devastadora, e a pescaria com esta modalidade sempre ocasiona grande mortandade de peixes e outras espécies, devido ao fato de a prática promovida com esta modalidade não
1 POÇOS: formação de maior profundidade nos canais.
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possibilitar a seleção na captura, segundo tamanho e idade das espécies cercadas durante uma lanceada1. A modalidade da pesca artesanal “rede de lanço” é altamente predatória no arquipélago de Maiaú, e sua ação predatória atinge todas as espécies que, de uma forma ou de outra, buscam refúgio nas profundezas dos canais, seja em busca de alimentos, em busca de abrigo contra predadores naturais ou para alcançar as condições necessárias para a reprodução, ou ainda quando larvas e filhotes aguardam para alcançarem o estágio necessário de resistência às adversidades naturais que impedem o desenvolvimento e a perpetuação das espécies.
Constituição da rede
A rede é tecida com nylon de seda, em malhas medindo de 20 a 25 mm. Possuem, em média, sete metros de altura e 150 de comprimento; a armadilha é elaborada de forma que, no meio da rede ela se parece com um saco, de modo que durante o arrasto tudo o que ela colhe é recambiado para este saco (chamado pelos pescadores de ensacador) que impede a saída das espécies aprisionadas. O pano da rede é entralhado por cabos, sendo que as extremidades da vertical são entremeadas com bóias e chumbo. Na parte de cima são colocadas bóias, que servirão para manter esta parte da rede erguida e, na parte de baixo, são colocadas peças de chumbo, que servirão para manter esta parte da rede colada ao fundo do canal. Nas extremidades da parte horizontal são amarrados calões e, nestes, longos cabos que servirão para puxar a rede para a margem.
1NCEADA: denominação da operação com rede de lanço no exato momento da pescaria.
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Manejo
Na pescaria da rede de lanço utiliza-se uma embarcação a remo, a vela ou a motor, sendo que a escolha da embarcação depende das possibilidades da equipe formada, pois são usadas embarcações medindo até nove metros de comprimento. As equipes são compostas com o mínimo de sete pessoas. Uma vez escolhido o local da pescaria, os pescadores deslocam-se na baixa-mar para a realização da tarefa. A embarcação encosta na margem e, quando esta é movida a remo, um pescador desembarca (pois o restante permanece a bordo para conduzir a embarcação de propulsão a remo) segurando numa ponta de cabo, enquanto os outros se deslocam da margem distribuindo em semicírculo os cabos e a rede, formando um cerco que atinge a borda oposta de determinado poço, localizado no meio do canal. O cerco se completa quando a embarcação, conduzindo a outra ponta do cabo, atinge a mesma margem de partida alguns metros à frente do primeiro homem que desembarcou. Neste instante, o restante da equipe desembarca para iniciar a operação. A rede fica depositada exatamente no meio do canal para em seguida ser puxada para a margem por meio dos cabos que serão recolhidos pelos pescadores que, neste momento, estarão proporcionalmente divididos entre as pontas dos cabos. Ao recolherem a rede até a margem, esta já raspou o fundo do poço e, a partir daí, os pescadores ensacam, recolhem e embarcam tudo que a rede capturou. Durante a jornada, os pescadores não realizam a seleção do que capturaram, de imediato, enquanto a rede permanecia na água, pois o tempo destinado para a realização desta modalidade é relativamente curto, já que é realizada 57
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somente na baixa-mar, quando a correnteza deixa de fluir nos canais, nas imediações dos poços. Como são realizadas várias incursões em vários outros poços na mesma maré, a seleção do que é capturado fica para depois, sendo feita horas adiante, quando é encerrada a tarefa daquele dia, o que ocasiona a morte de todas as espécies que não serão aproveitadas. A seleção é feita escolhendo e separando as espécies de valor comercial de acordo com o tamanho adequado, sendo aquelas sem valor comercial e de pequeno porte lançadas mortas de volta ao mar, constituindo grande desperdício, sendo prática condenável de crime ambiental.
Camarão de arrasto
A modalidade da pesca artesanal conhecida como camarão de arrasto é empregada no arquipélago para a captura de camarões, estando esta como uma das principais atividades pesqueiras da região; é uma atividade que ocupa cerca de 90% da população juvenil. Contribui com a maior parcela da produção pesqueira do camarão do local. Nesta modalidade se usa uma armadilha que utiliza uma rede chamada puçá, que possui um formato cônico, medindo de cinco a sete metros de comprimento, e de dois e meio a quatro metros de largura (de boca). A puçá é utilizada na captura de camarões por meio do arrasto nas beiradas de mangues, lavados, croas e cascalhos nos lavados de areia, sendo arrastada por duas pessoas que puxam os calões fixados nas extremidades de sua boca. Os pescadores vão tragando as águas contra e a favor da correnteza, e assim vão coando água e capturando pequenos peixes e camarões. 58
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Constituição
A rede é tecida com fios de nylon grilon transparente ou de cor, conforme as exigências dos pescadores e a disponibilidade do material. É tecida, comumente, pelo próprio pescador, que passa até seis meses para confeccionar uma rede, já que esta é tecida nas horas vagas, devido à falta de profissionais exclusivos para a confecção da puçá. A rede começa a ser tecida pelo rabo, ou seja, pela parte mais estreita. Conforme vai sendo tecida em direção à boca, esta vai se alargando e aumentando o tamanho da malha numa proporção continua; passo a passo o tecedor vai introduzindo os crescidos, que são malhas especiais que permitem o alargamento da rede. A puçá é constituída por três partes: o rabo, que é a parte onde fica aprisionado o produto da captura, o enfranque1, a parte intermediária que serve para empurrar o camarão para o rabo, e a boca (ou pano, sendo esta última parte a que define, realmente, qual o tamanho da puçá), constituindo a parte mais larga da rede, e que serve para cercar água. Para ser arrastada, conta ainda com dois calões, um em cada lado da boca, dispostos na vertical desta; os calões são feitos com pedaços de paus extraídos nos manguezais ou de madeira da terra firme.
Manejo
Numa cena que se repete a cada mês no arquipélago, dois pescadores se encontram para programar uma boa pescaria de camarão. Na preparação da empreitada, levam em 1 O enfranque também é conhecido como pano da puçá. É a parte que fica entre o rabo e a boca desta. Existem puçás de um ou mais panos; estes panos é que determinam o cumprimento e largura de uma puçá.
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consideração as condições determinadas pela maré, que determina os ciclos próprios para a captura do crustáceo. Como os pescadores estão decididos a se utilizarem da modalidade camarão de arrasto, logo a preocupação de ambos se volta para a escolha dos pontos de pesca específicos para a pesca com puçá de arrasto. A puçá de arrasto é utilizada para a captura do camarão pelos dois pescadores que se denominam de companheiros, e a rede é o principal instrumento de uma modalidade tradicional da pesca artesanal na região. As atividades dessa modalidade de pesca se iniciam com a formação da dupla que, em seguida, irá preparar os materiais necessários para a realização da pescaria. A puçá e a canoa serão primeiramente beneficiados; em seguida; os preparos se resumirão a mantimentos e outros objetos necessários, que garantirão aos pescadores a realização da tarefa. A pescaria com puçá na modalidade camarão de arrasto, no arquipélago de Maiaú, é realizada profissionalmente quando os pescadores se deslocam de suas comunidades para algum pesqueiro próximo ou distante, no qual deverão permanecer durante vários dias no período que compreende metade do lançante e metade das quebras da maré, no momento em que a maré diminui e perde força de correnteza e quando ocorre que a baixa-mar coincide com o dia. A pesca profissional do camarão na modalidade de arrasto só é realizada durante a noite (fora dessa regra, em algumas localidades a pesca pode ser realizada durante o dia). A puçá é utilizada na captura de camarões, por meio do arrasto nas beiradas, por duas pessoas, os companheiros, que puxam a rede nos calões, abrindo dessa forma a boca da puçá no sentido da diagonal, e deslocam-se raspando a superfície do solo lamoso ou possuidor de outra característica onde o camarão se encontra. O arrasto é realizado contra ou a favor das correntezas das marés. 60
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Durante o arrasto, a velocidade dos pescadores e a força da maré empurram para dentro da puçá o produto de sua captura. Depois de algum tempo de atividade, o arrasto é interrompido para acondicionar melhor o produto no rabo da puçá ou para despescá-la. Os camaroeiros, durante uma maré, deslocam-se de beira em beira em busca do produto, numa jornada que dura cerca de seis horas de trabalho ininterrupto. A canoa movida a remo é utilizada para levar os pescadores até o pesqueiro, permitindo que os companheiros se desloquem de beira em beira em busca do camarão. A modalidade camarão de arrasto é, principalmente, realizada com a utilização da técnica da salga (denominação dada ao deslocamento de equipes de pescadores para pescar e conservar o pescado com sal), quando a equipe é formada para pescar em localidades nas quais deverão montar acampamento, junto ou próximo aos pontos de captura, o que obriga os pescadores a ficarem durante muitos dias até que se encerre o período útil para a captura do camarão.
O período da captura
A captura do camarão com puçá de arrasto se dá durante o ano inteiro, sendo que o período principal, o da safra, ocorre na estação chuvosa, que no Maranhão corresponde, naturalmente, ao período entre os meses de janeiro a julho. Nesse período, as chuvas transportam uma maior carga de materiais nutrientes, depositados no interior dos manguezais por meio das enxurradas, que fluem dos igarapés para as beiradas onde são realizados os arrastos. Neste período, a pesca do camarão com puçá de arrasto atinge o
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auge da produção no arquipélago de Maiaú, absorvendo 90% da mão-de-obra juvenil das comunidades.
Conservação
A conservação do camarão capturado com puçá de arrasto acontece principalmente por meio do cozimento deste para salpresá-lo ou para secá-lo com objetivo de estocagem. O camarão, depois de capturado, passa pelo processo de escolha, ou seja, acontece a sua separação das outras espécies que inevitavelmente são capturadas no bojo da pescaria com puçá. Em seguida, o camarão é lavado e posto para cozinhar com bastante sal logo; após o cozimento, este é posto para escorrer e, em seguida, é acondicionado para estocagem. Isto serve tanto para o camarão miúdo quanto para o engrazado (misturado, de vários tamanhos). Por sua vez, o camarão graúdo pode ser conservado por meio do gelo, quando o local da pescaria permite o transporte imediato do produto até o local de estocagem.
Comercialização
O camarão capturado com a puçá de arrasto é comercializado no local do acampamento montado para a pesca, ou na chegada da equipe na comunidade. De qualquer forma, na maioria das vezes o produto capturado na modalidade puçá de arrasto tem seu valor de venda comprometido pela atuação daqueles que fazem a aviação dos pescadores. A aviação significa a venda a crédito dos gêneros de primeira necessidade dos quais os pescadores dependem para a manutenção da equipe durante a jornada de trabalho. São 62
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despesas com alimentação, material para conservação do camarão e do seu estoque, e ainda com mantimentos e créditos no comércio das comunidades para as famílias dos pescadores ausentes se utilizarem enquanto durar a jornada de trabalho. A aviação é feita pelos comerciantes locais, que exigem em troca exclusividade na compra do produto capturado pelos pescadores.
Caiqueira
A caíca, tainha pitiu ou, simplesmente, pitiú (Mugil mugil) é um peixe de escama pequeno que atinge os 25cm de comprimento da cabeça ao ponto extremo da aba do rabo, e é uma espécie muito comum no litoral nordestino. Agrupa-se em grandes cardumes para se locomover, para se alimentar e para a reprodução. Normalmente se alimenta e se reproduz em águas rasas nos lavados de lama ou de areia. Por conta de seu tamanho e de seu agrupamento em áreas abertas nas margens muito espraiadas, nem todas as modalidades da pesca artesanal são capazes de capturá-las em grandes proporções, sendo a caiqueira uma modalidade constituída especificamente para este fim. A rede mole e fina, de fácil manejo, própria para a pesca em águas rasas, através do arrasto pelas crôas, enseadas e lavados de solo arenoso ou lamoso é a modalidade mais indicada para a tarefa. A rede mede em média quarenta braças ou sessenta metros de comprimento, com dois metros de largura; estas metragens não se constituem em regra
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definitiva, podendo o proprietário definir o tamanho da rede, de acordo com sua conveniência.
Constituição A caiqueira é uma rede tecida com nylon grilon ou com fios de seda, com 0.30 e 0.35 mm de diâmetro, apresentando malha com 25 mm. Estas malhas são miúdas e o nylon grilon é relativamente frágil, de tal forma que a resistência da rede aumenta quando ela é tecida com seda, sendo, porém, sua utilização bastante restrita, devido ao seu peso, o que dificulta o manejo. Por conta de sua pouca resistência a impactos, a rede é especialmente utilizada para a captura de pequenas espécies, salvo exceções. A rede é tecida manualmente ou pré-fabricada industrialmente, e leva cabos em suas extremidades no sentido da diagonal, que servirão para entalhá-la. O entralho1 é o cabo que servirá para dar a segurança necessária e, ao mesmo tempo, dar flexibilidade à rede, sendo que a parte do entralho da rede que fica para cima é entremeada com bóias, obedecendo a intervalos de um metro e, na parte direcionada para baixo, a rede recebe no entralho peças de chumbo com peso, a intervalos determinados de acordo com as conveniências dos pescadores e das condições de pesca às quais a rede será submetida. Nas pontas dos cabos dos entralhos, de ambos os lados na diagonal da rede são presos dois calões de madeira, que servirão para que os pescadores encontrem apoio para arrastar ou puxar a rede para completar o lance.
1 ENTRALHOS: são cabos utilizados para fixar as extremidades da rede na horizontal, que servem para dar apoio e mobilidade às redes, que são entralhadas seguindo uma medida no comprimento do cabo. Esta medida é estabelecida pela largura de uma malha aberta e então, a cada medida são enfiadas duas malhas: o que significa uma concentração de malhas ao longo do cabo. O resultado é que a rede ganha a mobilidade necessária para a realização da captura.
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Os pescadores preferem as redes tecidas manualmente, pois alegam que os nós das malhas tecidas manualmente são mais seguros, contribuindo para manter o desempenho da rede por muito mais tempo, garantindo assim maiores êxitos na captura de pescado, enquanto que aquelas fabricadas industrialmente são menos resistentes, pois as malhas se deformam com muita facilidade, diminuindo o tempo útil da rede.
Manejo
A pesca artesanal na modalidade caiqueira é realizada profissionalmente no arquipélago de Maiaú quando é formada uma equipe específica para este fim. Nesse caso, ela é formada com o mínimo de quatro pessoas e com o máximo de sete. O manejo da caiqueira exige atividades específicas na realização da tarefa. Por exemplo, é preciso a presença de um pescador para a função de cofeiro, aquele que irá ajuntar o peixe, colocá-lo no cofo ou em qualquer outro recipiente que estiver sendo utilizado para coletar o produto da captura; esse mesmo pescador é quem deverá carregar a carga, embora este receba ajuda dos companheiros quando a carga se torna muito pesada. Dois pescadores são necessários para espalhar a rede e puxar os calões, embora estes, dependendo da quantidade de peixes e das circunstâncias em que for feita a captura num mesmo lance, recebam ajuda dos outros companheiros na tarefa de arrastar a rede até a margem. Um pescador é utilizado para apoio, tendo este a função definida na hora exata do lance, que pode ser para ajudar a espalhar a rede e ficar no meio da rede para levantar a parte da mesma que fia boiada, para evitar que o peixe escape saltando por cima da mesma, ou ainda levantando a rede na parte de baixo para soltar parte de um cardume cercado no 65
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lance, quando os pescadores percebem que não darão conta de aproveitar o montante de peixe que está aprisionado. O pescador de apoio participa de todas as atividades da pescaria, na medida em que vai sendo requisitado. A pescaria é realizada por terra, sendo que existem dois tipos de arrasto. No primeiro tipo, conhecido tradicionalmente como arrasto com a caiqueira, a rede é espalhada no sentido diagonal em relação à margem. Esta modalidade, no arquipélago de Maiaú, é utilizada em algumas beiradas para a captura de camarão. Nessa técnica, um pescador fica com o calão de terra próximo da margem, enquanto que o outro, com o maço de rede e o calão de fora segue espalhando a rede em sentido diagonal. Quando este termina de espalhar a rede dá início ao arrasto, puxando a armadilha segurando o calão de fora, no que é seguido pelo pescador que ficou perto da margem; aí eles arrastam a rede durante algum tempo e depois o lance é fechado em semicírculo, sendo a rede imediatamente recolhida na margem para ser feita a despesca. Por sua vez, no lance redondo os dois pescadores partem da margem em direção ao mar. Quando já estão com água pelo pescoço, um deles fica parado segurando um dos calões, enquanto que o outro se desloca em direção paralela à margem, desembrulhando o maço de rede. Quando a rede se encontrar esticada, ambos se movimentam imediatamente em direção do seco, com a rede se fechando e se arredondando num semicírculo, até que as extremidades da rede puxada pelos calões atinjam a margem; aí as espécies capturadas no bojo da caiqueira serão coletadas ou despescadas. A caiqueira é arrumada juntando as cortiças uma a uma, segurando-se no cabo abaixo destas até formar um maço de redes. De acordo com o tamanho da rede e da equipe, são feitos um ou mais maços, visando facilitar o manuseio da caiqueira no momento de espalhá66
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la. Depois de espalhada a caiqueira, o pescador que abriu o último maço emite um sinal representado por um grito, que significa o momento de partir em debandada em direção à beirada. Quando o cardume é grande e o cerco é bem feito, o arrasto é feito de forma nervosa e emocionada, com pressa e muita força. O grupo de pescadores se movimenta freneticamente com gritos de alegria e de alerta aos companheiros mais desatentos, fazendo uma grande algazarra, de tal forma que a movimentação se parece com o alvoroço um cardume em desespero se debatendo em busca de escapar do cerco que o oprime e o arrasta inapelavelmente e cada vez mais depressa para fora de seu habitat natural. A pescaria com a caiqueira, tanto para a pesca do camarão quanto para a captura do peixe é realizada de forma profissional basicamente em salga. Nessa modalidade, cada jornada dura de dez a quinze dias, sempre obedecendo aos ciclos lunares, que influenciam as marés, sendo nestas que os pescadores se baseiam para planejarem qualquer pescaria. A primeira parte da organização da jornada acontece na comunidade, quando são constituídos os grupos ou equipes e realizadas as despesas com mantimentos e com os materiais de conservação do pescado que será capturado. A segunda parte da empreitada ocorre quando o grupo, ao deixar a comunidade a bordo de uma embarcação, viaja para realizar a tarefa projetada, desembarca no pesqueiro e se instala no lugar previamente definido para pescar. O terceiro momento da pescaria é determinado quando o grupo, devidamente ambientado no local do acampamento ou rancho, se organizará em busca de cardumes de peixes que se alimentam pelas águas rasas do litoral. As buscas se darão por meio de caminhadas pelas redondezas, realizadas pelo pescador mais experiente, o chefe do grupo. Sua vivência o levará a identificar os locais por 67
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onde os cardumes se alimentam, sendo que a identificação se dará conforme as características de cada espécie; isso acontece através de sinais que vão desde movimentos na água, marcas deixadas pelos peixes no solo, observação feita na maré seca, e até por odores específicos emanados pelos cardumes em movimento na água. Uma vez identificados os pontos exatos, o grupo se organizará para realizar a captura seguindo as orientações do chefe que, por sua vez, é orientado pela maré, que em ultima instância possibilita ou não o sucesso da jornada. Os horários da maré são obedecidos rigorosamente, sob pena de fracasso total na empreitada; a cada dia a pescaria é feita em horários diferentes. É importante ressaltar que esta modalidade exige que a pescaria seja realizada durante a noite, sendo que o começo da jornada sempre acontece ao anoitecer, seguindo-se noite afora. Conseqüentemente, devido aos horários da maré, a saída para pescar fica a cada noite mais tarde, sendo comum a perda do horário quando os pescadores não acordam no momento exato, tendo como conseqüência o cancelamento da realização da tarefa naquela noite. Andando pela beira da costa, o grupo se desloca conforme suas perspectivas. Há grupos que se deslocam até dois quilômetros em busca de cardumes em locais previamente identificados por diversos grupos que se revezam no pesqueiro, de tal forma que isto leva os grupos a se organizarem seguindo acertos feitos anteriormente, definindo-se então determinada área para cada grupo. Certos locais não oferecem possibilidade de desembarque. Portanto, o grupo costuma chegar aos pesqueiros, a pé. O produto daquela jornada é carregado no lombo; enfiam-se os cofos cheios de peixes nos calões, coloca-se a
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carga no ombro e, um na frente e outro atrás, os pescadores carregam o produto até o local do acampamento.
Conservação
A conservação do pescado capturado pela modalidade caiqueira, no arquipélago de Maiaú, é feita principalmente pelo método do peixe salgado seco, e camarão torrado e salpresado. Secundariamente, os produtos da captura desta modalidade são conservados com gelo, apesar de esta ser, na atualidade, a sistemática mais utilizada na conservação dos frutos do mar na região.
Peixes
Para ser conservado com sal, o peixe passa pelas seguintes etapas: primeiramente o peixe tem as vísceras extirpadas, recebendo cortes pelo corpo, sendo feito o retalhamento da carne para receber o sal e facilitar o seu entranhamento. Em seguida, o peixe é acondicionado de forma adequada para que o entranhamento do sal seja total. Logo após este procedimento, que dura de dois a três dias conforme a quantidade de peixes capturados durante cada jornada diária, o peixe será posto para secar a sol aberto. Depois de seco, deverá ser armazenado, ficando então preparado e à disposição da comercialização.
Camarão
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A conservação do camarão obedece a outro procedimento. Primeiramente ele é levado ao fogo para cozinhar com bastante sal e, em seguida, levado para armazenamento, acondicionado em cofos, à sombra. A conservação com gelo, tanto para o peixe quanto para o camarão é feita logo após a pescaria, quando os pescadores estão próximos dos pontos comerciais com gelo, quando a pescaria é específica para este fim. Em certos casos, os pescadores levam para o pesqueiro algumas caixas de isopor com gelo, para irem conservando o produto durante a pescaria; quando se esgota o gelo, os pescadores se dirigem para os centros de comercialização para descarregar o produto capturado.
Comercialização
A comercialização, tanto do peixe quanto do camarão, possui destinos semelhantes quanto ao relacionamento estabelecido entre pescadores e compradores. Os pescadores desta modalidade estão reféns dos compradores, que são ao mesmo tempo seus credores, sendo que a compra e venda do produto está condicionada a compromissos estabelecidos anteriormente às pescarias. Portanto, o produto de cada grupo de pescadores com caiqueira, no arquipélago de Maiaú, tem sempre destino certo. O comprador, de posse do produto produzido pelos pescadores de caiqueira, em Maiaú, é o atravessador que negociará o produto capturado, na maioria das vezes ali mesmo no desembarque na praia ou no porto, na presença do próprio pescador e pelo preço que lhe convier para obter o melhor lucro. As principais localidades onde é empregada a modalidade da pesca com a caiqueira com fins profissionais em Maiaú são a costa da Ilha de Lençóis, a costa do Farol de São 70
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João, a costa da Ilha Aracajá, as enseadas do Camaleãozinho e da Parida, um trecho da costa do Urumaru, conhecida como Embirá, e a frente da ilha Campechá, sendo que esse tipo de pescaria é predominante nas comunidades de Lençóis, Porto do Meio e Retiro.
Malhadeiras
As malhadeiras são redes feitas exclusivamente para capturar peixes, e são tecidas em nylon grilon com fios que variam em diâmetros que vão de 35 a 120 mm. A espessura do fio e o tamanho das malhas é o que determina a modalidade da pesca para que a qual a rede foi fabricada. As malhadeiras foram modificadas ao longo de sua existência. No início da utilização de redes para malhar peixes no arquipélago de Maiaú, o nylon não era usado como matéria prima na confecção das redes. No passado, elas eram tecidas, segundo depoimentos dos pescadores mais antigos, utilizando-se o barbante que, mais tarde, foi substituído pelo fio de algodão. As redes eram pequenas, usadas para capturar peixes como a perapema, pirapema ou camurupim (Megalops atlanticus) e a pescada amarela (Cynoscion acoupa). Da década de sessenta do século passado para cá é que o fio de nylon foi sendo introduzido na região. Foi o desenvolvimento comercial o maior incentivador do uso do material de plástico como matéria prima na confecção de armadilhas para a captura de peixes no arquipélago de Maiaú. O nylon proporciona um melhor desempenho no manuseio das redes, sendo o fio de plástico mais leve do que o fio de algodão, possibilitando a confecção de redes maiores. A 71
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transparência do nylon dentro da água também ilude mais facilmente o peixe, oferecendo maiores possibilidades de captura. Foram estas as condições iniciais que atraíram os pescadores para a adoção de instrumentos de pesca confeccionados com o nylon. As malhadeiras são próprias para pescar por meio dos mais variados tipos de armadilhas. Por onde o peixe estiver passando, pelos canais, beiradas, igarapés ou croas a malhadeira poderá ser utilizada como na pesca boiada1, à deriva, pelo fundo dos canais, presa por estacas ou posta para rabear ou ainda poitada2 firme no fundo. As malhadeiras possuem vários tamanhos de malhas, que são determinadas para cada tipo específico de modalidade. As malhas menores são próprias para capturar peixes pequenos e médios, as médias para os peixes médios e as graúdas para capturar de maior porte, representantes de várias espécies marinhas. A modalidade definida como malhadeira leva o nome do peixe principal para a qual esta foi confeccionada. Dessa forma, teremos as malhadeiras serreiras, pescadeiras, camurupinzeiras, goseiras, tainheiras. Embora essas redes levem denominações específicas, capturam qualquer espécie de peixe que passe por ela passe pelo lugar onde se encontre o peixe. As malhadeiras são muito pouco utilizadas na pesca artesanal de subsistência, salvo algumas de porte pequeno, usadas nas beiradas próximas das comunidades com a finalidade de adquirir a alimentação imediata, sem pretensão de estoque.
Malhadeira goseira
1 BOIADA: significa flutuando na superfície do canal: é que para flutuar a rede está equipada com bóias de isopor ou de outro material flutuante. 2 POITADA: a expressão indica que a rede está pescando fixa no fundo do canal, presa por âncoras ou pedras, resistindo num mesmo local às corredeiras das marés.
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A goseira é uma rede tecida com fio de nylon de 40 mm de espessura com malhas de 40 mm de largura (comumente conhecidas dos pescadores como as quarenta por quarenta). Os panos desta rede medem em média 35 braças 1, cerca de 50 metros cada pano. Dependendo da embarcação que trabalha com este tipo de rede, seu tamanho vaiará de 400 a 2.000 braças. Os pescadores desta modalidade perseguem principalmente a corvina gó ou corvina mole (Macrodon ancylodon), mas captura também outras espécies, como a jiquiri ou coróamarelo (Conodon nobilis); amor-sem-olho (Nebris mycrops), guaravira (Trichiurus lepturus), corvina uçu (Cynoscion microleptodus), peixe pedra (Geniatremus luteus), bandeirado (Bagre bagre), uritinga (Arius proops), dentre outros de menor importância comercial.
Manejo
Para pescar com a goseira é necessária uma embarcação de porte médio, medindo de sete a dez metros de comprimento, equipada ou não com motor, sendo as de propulsão a motor as que levam vantagem no processo da captura. Para trabalhar com a rede a bordo é necessário de quatro a seis pescadores para dar bom termo à tarefa. Os locais de pesca desta modalidade são os canais ou lavados2. A goseira é uma rede que pesca de forma aprofundada, com as bóias acima d`água, onde esta é levada pela correnteza durante um determinado período de tempo pela equipe, para depois ser puxada a bordo e ser despescada. Neste procedimento, a embarcação funciona com o motor ligado 1 BRAÇA: uma braça corresponde à distância entre as duas extremidades das mãos de um homem, quando este estiver com os braços abertos na horizontal; a braça é a unidade de medida utilizada pelos pescadores artesanais para medir o comprimento dos apetrechos de pesca, e corresponde em média a um metro e meio de comprimento. 2 LAVADOS: locais espraiados nas bordas dos canais; estes locais são considerados de alta piscosidade, devido à razoável quantidade de material nutriente depositado nos fundos lamosos dos canais.
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em baixa velocidade, atravessando lentamente o canal enquanto os pescadores vão soltando a rede que se encontra recolhida na borda desta. Ao fim da operação, o motor é desligado completamente, e então os pescadores amarram a extremidade final da rede na embarcação que, à deriva, será conduzida pela correnteza do canal, efetuando a pesca.
Conservação
A conservação do produto capturado na modalidade goseira é feita usando-se o gelo, que é armazenado na própria embarcação em urnas acondicionadas no interior desta ou em caixas de isopor. O congelamento é feito na medida em que a pescaria vai se realizando, e o processo permite aos pescadores permanecerem por alguns dias em alto mar.
Comercialização
A comercialização do produto é feita pelo proprietário dos meios de produção empregados na modalidade, sendo o peixe capturado pela goseira no arquipélago de Maiaú negociado geralmente no local de origem das equipes, embora algumas embarcações dos lugares mais distantes do arquipélago prefiram negociar sua carga no município de ApicumAçu, que é o centro comercial mais próximo do arquipélago.
A malhadeira serreira
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A malhadeira serreira é tecida em fio de nylon de 60 mm de espessura com malhas de 50 mm, ou malha dez, e com uma medida de comprimento de até 2.000 (duas mil) braças. A rede tem bóias em uma das partes do entralho, o que faz a rede flutuar quando posta na água para pescar de borbulho (quando a rede não afunda no canal). Na outra parte da rede existem pesos de chumbo, o que faz a rede se manter aberta quando esticada no canal. A serreira é uma rede que permite a prática da modalidade da pesca comercial, realizada em canais, principalmente para capturar o peixe serra (Scomberomorus brasiliensis), a espécie que empresta seu nome para a modalidade. Para pescar com a serreira é necessária uma embarcação de porte médio, de sete a dez metros de comprimento, com uma tripulação com o mínimo de quatro e o máximo de sete pescadores, dentre os quais se destacam um mestre, um motorista pescador, e dois ou mais marinheiros que se revezarão nas funções desenvolvidas a bordo. As tarefas são definidas na modalidade por funções específicas, que caracterizam a mão de obra a bordo. Ao mestre cabe a condução da embarcação, a chefia do grupo, a responsabilidade pelos bens empregados na execução das tarefas com a serreira, e ainda a localização dos pesqueiros ou cardumes. Cabe ao mecânico a tarefa de colocar o motor da embarcação para funcionar, desligá-lo e cuidar da manutenção do mesmo, assim como ajudar na pescaria quando for requisitado pelo mestre. Aos marinheiros caberão as tarefas de soltar, recolher e despescar a rede no momento da pescaria, e ainda de cuidar da manutenção da serreira. Na pescaria, existem situações especiais nas quais sempre prevalece o improviso, daí se inferindo que todas estas regras podem ser alteradas, de acordo com as circunstâncias.
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Manejo
Para manusear a malhadeira serreira, a tripulação acima descrita deverá estar a bordo e em locais próprios para a pescaria com esta modalidade. Uma vez situado um grupo em prontidão nos canais, e definida a hora da pescaria, o barco deverá diminuir de velocidade para que a tripulação possa trabalhar com a rede. Geralmente, a pescaria é feita à noite, e a rede deve estar arrumada num dos lados do convés da embarcação. Do lado das bóias que ficam arrumadas no sentido da popa estão as outras bóias contendo o filame1 (bóias maiores que aquelas que estão entremeadas pelo cabo do entralho. Estas contêm cabos finos de nylon enrolados em volta; elas servem para determinar a profundidade em que a serreira irá pescar). Um fio elétrico está estendido do comando para a proa, contendo numa das pontas uma lâmpada alimentada com energia proveniente de bateria. Este recurso é utilizado somente nas noites de escuro, ou seja, no período de predominância da lua nova, tornandose desnecessária durante o período da lua cheia. Ao diminuir a velocidade, com os equipamentos em ordem para utilização, a embarcação, singrando devagar em direção diagonal em relação à margem, atravessa o canal. Então, os marinheiros vão soltando a rede até que esta se desembrulhe totalmente. Caso a intenção seja poitá-la (maneira de manter a rede fixa no fundo do canal, o que consiste em deixar a mesma descer ao fundo do canal e fixá-la por meio de âncoras que são
1 FILAME: cabo fino de nylon, usado nas bóias que não estão permanentemente fixas aos entralhos das redes malhadeiras. Serve para controlar a profundidade em que as malhadeiras devem pescar à deriva nos canais, garantindo que a rede arrastada pela correnteza não engate em alguma saliência no fundo do canal.
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lançadas no momento em que a rede vai sendo solta do convés da embarcação), o barco será ancorado próximo da bóia de sinal, chamada de capitão, até a hora da despesca. Utilizando outras técnicas, os pescadores poderão deixar a rede borbulhar, ou seja, esta é uma maneira de deixar a rede à deriva, ao sabor da correnteza, totalmente boiada na superfície da água. Outra maneira de pescar com esta modalidade consiste em determinar a profundidade da rede para que ela possa raspar pelo fundo do canal levada pela correnteza, aprofundando a rede para pescar sem tocar o fundo no canal, controlando a descida da rede por meio das bóias com filames, cabos postos ao longo da extensão das redes; os espaçamentos são medidos em braças de homem. De acordo com a profundidade do canal, os pescadores controlam por meio das braças a altura da rede, propícia para a pescaria. Tanto para borbulhar (pescar com a rede na superfície) quanto para raspar pelo fundo do canal, a rede fica presa à embarcação por cabos. Neste caso, o barco fica à deriva, juntamente com a rede; noutra situação a rede é solta totalmente, marcada com uma baliza1 para que seja encontrada depois.
Conservação
A conservação do pescado, nesta modalidade, é feita com gelo que é acondicionado a bordo, armazenado em urnas existentes no porão do barco. O congelamento vai sendo feito de acordo com o processo da pescaria. O peixe malhado na rede fica por um tempo no convés da embarcação para depois ser congelado distribuído nas urnas. Este procedimento acontece pela necessidade de economizar gelo, que se esgota mais rapidamente toda vez 1 BALIZA: a baliza, nesta situação, serve para sinalizar a rede no canal, tanto para os pescadores ocupados com aquela rede quanto para avisar a outros pescadores que ali tem uma rede pescando, ou ainda para indicar aos navegantes a existência desta, no sentido de evitar acidentes.
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que é aberta a tampa das urnas. Então, para se evitar o desperdício, o peixe capturado em uma jornada diária é congelado de uma só vez.
Comercialização
A comercialização do pescado capturado na modalidade de pesca serreira é feita de acordo com as necessidades do mercado consumidor de peixe. O preço do produto varia de acordo com o período de safra e da entressafra, ficando mais barato na safra e mais caro na entressafra. O produto capturado por esta modalidade, no arquipélago de Maiaú, é imediatamente comercializado nos portos dos municípios de São Luís, Raposa, Cururupu, Porto Rico, Guimarães, Apicum-Açu, Carutapera e Turiaçu, no Maranhão, e Belém e Bragança, no Estado do Pará, dentre outros de portos de menor importância nos respectivos estados.
Malhadeira pescadeira
A malhadeira pescadeira teve particular importância para o desenvolvimento econômico da região do arquipélago de Maiaú. A captura da pescada amarela impulsionou o desenvolvimento da pesca comercial no litoral ocidental maranhense devido à abundância de cardumes. A introdução de novas técnicas utilizadas na captura e o valor de mercado, superior às das outras espécies fez da pescada amarela o principal produto na relação dos que possibilitaram as condições próprias para alavancar o crescimento econômico da área. 78
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A modificação da rede pescadeira, transformando-a de modalidade da pesca artesanal de subsistência em modalidade da pesca comercial foi o fator que contribuiu significativamente para que a produção de pescado do Maranhão conseguisse alcançar, na década de setenta do século passado, o lugar de maior produtor de pescado do nordeste brasileiro. A abundância da pescada amarela impulsionou investimentos de grande envergadura na pesca artesanal de subsistência da época, transformando-a essencialmente, contribuindo para que vários setores da pesca artesanal fossem reelaborados para suprir as necessidades do mercado pesqueiro da época, em plena expansão. Em suma, a produção das outrora tímidas pescadeiras, após as modificações feitas, levou as comunidades a terem seus próprios homens ricos, os chamados barões da pescada amarela. No litoral ocidental do Maranhão, a partir da década de setenta do século passado, a introdução do fio de nylon e de seda na confecção das redes malhadeiras possibilitou um volume significativo na captura da pescada amarela, possibilitando a pequenos pescadores artesanais um acúmulo de capital que possibilitou investimentos capazes de modificar essencialmente as relações econômicas das comunidades no arquipélago de Maiaú. O setor da pesca artesanal, ligado ao mercado pesqueiro, favoreceu na época um grande resultado financeiro. A produção da pescada amarela teve particular importância no desenvolvimento de outros setores artesanais, anteriormente de subsistência, e que passaram a estabelecer relações comerciais mais intensas. As causas destas modificações podem ser explicadas a partir de investimentos do setor pesqueiro em outros setores, ao crescente poder aquisitivo dos pescadores que foram recrutados para a atividade de pescadores nas redes malhadeiras, e que acumularam o suficiente para construírem seus 79
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próprios investimentos em outros setores da pesca comercial que exigiam menor custo, tais como a serreira e a goseira, dentre outras.
Constituição
A rede malhadeira pescadeira vem sendo utilizada no arquipélago de Maiaú desde a década de quarenta do século passado. Depoimentos de dois pescadores que testemunharam o processo foram colhidos recentemente, no ano de 2003, na ilha de Lençóis;
são
moradores
nascidos
naquela
comunidade
em
1923
e
em
1927,
respectivamente. A rede malhadeira pescadeira tem a malha tecida com fio de 90 a 100 mm, podendo ser confeccionada com fio de nylon ou de seda; é de constituição bastante resistente, capaz de emalhar peixes de porte graúdo. Pode ser tecida manualmente ou adquirida em comércio especializado em material para pesca de forma pré-fabricada, sendo que o entralhamento é feito manualmente.
Manejo
Esta modalidade está organizada para a pesca profissional e comercial de acordo com o setor de onde esta é proveniente. Por exemplo, nas regiões onde o setor é organizado de acordo com as possibilidades de cada grupo, existem embarcações muito pequenas que 80
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funcionam com rede pescadeira a bordo. Ás vezes, canoas a vela com três pescadores como tripulantes se enquadram no sistema da pesca artesanal de subsistência quando executam as tarefas que uma rede pescadeira exige. O processo é totalmente diferente da prática da pesca comercial da pescada amarela no litoral ocidental do Maranhão. Para o manuseio de uma rede pescadeira visando uma produção comercial é necessária uma embarcação de porte médio para os padrões de barcos que atuam no litoral ocidental maranhense, o que equivale a embarcações medindo de dez a quinze metros de comprimento, composta por uma tripulação de seis a oito pescadores, distribuídos de acordo com as funções específicas a bordo. A tripulação ideal para o desempenho das atividades com a pescadeira deverá ser composta por um encarregado (responsável pela tripulação, rede, embarcação, elaboração de normas que a tripulação deverá seguir, sendo um verdadeiro mestre, determinando os rumos que a equipe seguirá durante a realização da jornada), um mecânico responsável pela maquinaria do barco, auxiliando ainda nas atividades com a rede, um cozinheiro, responsável pelos mantimentos e pelo preparo das refeições da tripulação (auxiliando ainda nas atividades com a rede quando solicitado), três marinheiros, o primeiro responsável pelo entralho da rede que contém chumbo, o segundo encarregado do trabalho com as bóias e um terceiro para tirar os peixes da rede (as atividades dos marinheiros podem ser realizadas em regime de revezamento), e um geleiro, responsável pelo congelamento da produção. A função do geleiro, às vezes, é realizada por algum marinheiro ou por qualquer tripulante, já que para ser feita não provoca nenhuma interrupção em qualquer das outras atividades a bordo.
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Para trabalhar com a pescadeira, a rede é lançada ao mar nos pontos de pesca onde se supõe que os cardumes da pescada ou outras espécies de peixes do interesse desta modalidade estejam agrupados. Para lançar a rede é preciso que o motor da embarcação esteja funcionando em marcha lenta, e o barco navegando no sentido almejado, geralmente em sentido atravessado em relação ao canal. Na borda do barco dois pescadores se revezam, um nas bóias e outro na parte do chumbo; aos poucos vão soltando a rede, de acordo com a velocidade da embarcação. Para embarcar a rede e despescá-la, realiza-se o procedimento inverso, com o motor ligado, e a rede sendo puxada a bordo. Na pesca de canal com a pescadeira, a rede de pesca é aprofundada, raspando os fundos lajeados e com cascalhos, onde se supõe que o peixe graúdo esteja refugiado. A profundidade com que a rede é posta para pescar é determinada pela medição da profundidade do canal por meio das braças marinhas, a referência utilizada pelos pescadores para manterem a rede em determinada profundidade, de forma que esta esteja livre para ser arrastada pela correnteza sem que engate em algum obstáculo no fundo, o que não impede que a rede, de vez em quando, seja jogada para cima de algum obstáculo, tais como arrecifes ou lajes localizadas em partes dos canais que possuam súbitas elevações rochosas. A tarefa com a rede pescadeira, diferentemente de quase todas as outras modalidades com redes malhadeiras, pode ser feita de noite e de dia, proporcionalmente. A pescaria é realizada com a maré enchendo, para fazer a pré- amar. A rede é espalhada cerca de duas horas antes da pré-amar e retirada com mais ou menos duas horas depois da mesma. Para fazer a baixa-mar, a rede é posta para pescar duas horas antes da baixa-mar e retirada duas horas depois da mesma. 82
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Este procedimento consiste em fazer a rede ser conduzida pela maré na enchente e ser trazida de volta para mais ou menos o ponto de partida com a vazante, isto na pesca da pré-amar; na pesca da baixa-mar, acontece o inverso, ou seja, a rede desce com a vazante e sobe com a enchente. Os dois procedimentos possuem características bem diferentes, pois enquanto que na pré-amar a rede percorre um caminho arrastada por fortes correntezas, também no seu retorno na grande vazante é arrastada com igual velocidade. A baixa-mar provoca o movimento inverso, sendo a rede levada pela correnteza lenta, característica do momento que precede a parada das águas, após a qual acontece nova enchente, e quando a maré ainda tem a correnteza lenta, a rede é retirada. A preamar e a baixa-mar forçam a rede em velocidades diferentes, a rede pesca em diferentes condições, determinadas pelas características dos peixes que a rede pescadeira consegue capturar, peixes do fundo, freqüentadores de águas profundas. Com a maré baixa estão refugiados nas profundezas dos canais, enquanto que nas marés altas estão viajando de volta das cabeceiras, onde procuram alimentos.
Conservação
A conservação do pescado capturado com a rede pescadeira é feita com gelo; o peixe é congelado e armazenado em urnas localizadas no porão da embarcação.
Comercialização
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A comercialização do pescado capturado com a pescadeira fica a critério do dono dos meios de produção utilizados na realização da tarefa. O produto desta modalidade é distribuído em mercados do estado do Maranhão e exportado para abastecer outros mercados em outros estados.
Malhadeira Tainheira
A rede tainheira era uma modalidade da pesca artesanal de subsistência desenvolvida no arquipélago de Maiaú, utilizada em pequena escala, e servia mais como suporte de outras modalidades, embora houvesse alguns pescadores com dedicação exclusiva nessa modalidade. Na atualidade, a tainheira entrou decisivamente para a pesca comercial de canal em alto mar. Tecida em nylon mais possante, ela se constitui numa modalidade que provoca danos ao meio ambiente, quando é muito grande, diferentemente em relação à sua atividade inicial, que é a pescaria de beira, com pouca rede nas margens e nos pequenos canais. As redes tainheiras de grandes extensões, armadas na boca das barras, já em alto mar, impedem a entrada de peixes de médio e pequeno porte para os refúgios próximos dos manguezais para se alimentarem e se reproduzirem nas águas calmas e com maior carga nutricional. A tainheira armada na beira é utilizada principalmente para capturar a tainha sajuba e a tainha urichoca, embora também possa capturar peixes adultos de pequeno porte; seu uso é feito em águas rasas pelas beiras das praias, nas enseadas ou em canais das cabeceiras 84
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dos rios e igarapés. Ela pode ser fixada por estacas nas atividades denominadas de estacadas de tainheiras. Nos canais as estacas são colocadas por uma ou mais pessoas, com o auxílio de pequenas canoas, e a captura do pescado se dá por meio do emalhamento do peixe na rede. Na despesca, o pescador puxa a rede das águas dos canais para dentro da embarcação e retira o peixe que está malhado. Quando pesca usando as estacadas, o pescador deixa a maré secar para realizar a despesca. A tainheira é tecida em nylon grilon de 20 e 25 mm de diâmetro, sendo tecida manualmente ou adquirida nas lojas especializadas em material industrializado para pesca.
Outros tipos de malhadeiras
Existem outros tipos de redes malhadeiras que não serão descritos detalhadamente aqui por não serem de importância capital no arquipélago de Maiaú, quase que inexistindo seu uso na região analisada. São elas as modalidades de redes denominadas de camurupinzeiras, corvineiras, camurinzeiras e caçoeiras.
Espinhel
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O espinhel é uma modalidade da pesca de subsistência muito utilizada por pescadores artesanais, e possui custos relativamente baixos para sua fabricação. Consiste em uma armadilha preparada com anzóis enfileirados em um cabo, sendo que a quantidade de anzóis e a extensão do espinhel variam de acordo com as posses do proprietário. Os anzóis são presos nos cabos, intercalados a mais ou menos um metro e meio um do outro, quando este é constituído de anzóis pequenos ou anzóis de numeração entre dez a sete. Quando o anzol é de tamanho médio, o espaço entre os cabos aumenta para três ou quatro metros. Por sua vez, quando o anzol é grande, forma o espinhelão, sendo que o espaço entre os cabos varia de cinco até dez metros entre eles. A pescaria de espinhel é realizada nos canais, com ele fundeado por âncoras que o mantém fixo no fundo do canal. Um só espinhel pode chega a conter até três mil anzóis, e a quantidade é determinada de acordo com o local em que este tipo de armadilha deverá pescar. Nos canais das bocas de barras é onde são utilizados espinhéis com o maior número de anzóis, o mesmo acontecendo com os espinhelões, próprios para capturar peixes de grande porte.
Constituição
A numeração dos anzóis é o que determina o tamanho destes. Os números variam de zero a vinte e dois, sendo que quanto maior o número menor o anzol, ou seja, o de número vinte e dois é o menor anzol e o de número zero o maior. É usado um cordão de plástico ou de seda para o estrovo, que consiste em amarrar o anzol pela pata (cabo), deixando um pedaço que servirá para entralhá-lo. Uma corda de plástico ou de seda também servirá de entralho. 86
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Para fazer o espinhel é preciso esticar a corda e amarrar o anzol estrovado nesta. O anzol é um produto fabricado pela indústria metalúrgica e normalmente é feito de ferro; alguns anzóis especiais são feitos de bronze ou cobertos com níquel, o que lhes dá uma maior durabilidade. A corda, assim como o cordão pode ser de plástico ou de seda, e ambos são industrializados. A confecção dos espinhéis é feita artesanalmente. O pescador, de posse do material, monta a sua armadilha e cai em campo em busca de cardumes com o objetivo de efetuar capturas. Existem em atividade na região do arquipélago de Maiaú três tipos de espinheis: o espinhel de beira, aquele que é utilizado nas pescarias realizadas pelos manguezais e crôas, com uma menor quantidade de anzóis, que são fixos por tornos feitos geralmente com pau de mangue, o espinhel de canal, com anzóis pequenos e médios, e os espinhelões, equipados com os anzóis maiores.
Manejo
O processo pelo qual se desenvolve a pescaria com a modalidade espinhel é constituído por um conjunto de táticas que se completa na distribuição de tarefas funcionais, nas quais um grupo de pescadores, organizados para tal fim, buscam efetuar com êxito a tarefa pretendida. Uma equipe de três ou quatro pescadores, acomodados numa canoa de pequeno porte forma a tripulação necessária para a realização da pescaria com o espinhel. Os espinheleiros, como são chamados os pescadores que se dedicam à modalidade da pesca artesanal com o espinhel manuseiam a armadilha a bordo da embarcação, de tal forma que 87
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são distribuídos em funções classificadas pelo manejo do da armadilha. O frenteiro é aquele que solta e puxa o espinhel, o meeiro é aquele que fica no meio da canoa para efetuar a despesca, ou seja, o desengate do peixe do anzol. Por sua vez, o popeiro é aquele que dirige a embarcação desde a partida do porto até o retorno dos pescadores. Antes de o espinhel ser lançado ao mar, deverá ser devidamente iscado (com camarões, pedaços de peixes ou até peixes vivos, quando a pescaria é para capturar peixes de grande porte, tais como o mero, a pescada amarela, o tubarão, dentre outros). Depois de iscado, o espinhel é lançado pelo frenteiro, que também atira ao mar uma âncora na qual está preso o cabo da parte inicial do espinhel. Uma baliza é deixada fixa pela mesma âncora, e servirá para que o espinhel seja avistado à distância pelos pescadores e navegantes. O frenteiro vai soltando o cabo com os anzóis, de acordo com a velocidade da canoa, que pode estar sendo levada pela correnteza no sentido do canal ou em direção perpendicular em relação ao canal, neste caso movida a propulsão. Ao final do lançamento do espinhel uma segunda âncora é afundada com outra baliza, que consiste em uma bandeira presa na ponta de uma vara que, por sua vez, está fixa por uma bóia de isopor que a mantém na superfície. Para pescar com eficácia, o espinhel precisa ficar submerso por algumas horas, e o tempo de submersão é determinado pelos pescadores, que são guiados pelas características do local em que estão trabalhando. Podem acontecer lances que duram até 12 (doze) horas, no período de duas marés; o lance mais comum dura de 4 (quatro) a 6 (seis) horas até que o espinhel seja puxado à superfície do canal. O processo de captura tem início no momento em que o espinhel está sendo lançado ao mar. Dependendo da piscosidade do local, o peixe é fisgado de imediato, já que o
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espinhel está fornecendo alimento aos peixes, o que os leva a abocanhar a isca presa ao anzol, responsável pela captura. Nas croas e beiradas, a pesca com espinhel acontece com a canoa ou sem ela. Com a canoa, a maré precisa estar grande o bastante, com as beiradas e croas cobertas pela água para que a pesca aconteça. Com a maré seca, o espinhel é espalhado e fixo por moirões (calões) enfiados na superfície do solo, enfileirados na vertical para manter o espinhel tanto esticado quanto levantado em relação ao solo para evitar que siris ou outros animais comam a isca antes do peixe. Para despescar o espinhel nas beiradas e croas, quando colocado com a maré seca é necessário que esta esteja seca no momento do procedimento.
Conservação
A conservação do produto capturado pelo espinhel vai depender da intenção da comercialização do mesmo. O peixe capturado será conservado no método salgado seco quando a equipe de pescadores está programada para este fim, ou gelado e acondicionado em caixas térmicas de isopor e em fundos de barcos nas chamadas urnas geleiras.
Comercialização
A comercialização do peixe capturado nessa modalidade é feita pelos pescadores nas comunidades, visando a utilização do pescado na dieta alimentar comunitária. Noutra
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situação, o produto é vendido para atravessadores nos portos das comunidades e nas cidades próximas.
Zangaria1
A zangaria é uma das mais antigas modalidades de pesca artesanal do litoral nordeste brasileiro, existindo registros de que esta foi introduzida no litoral maranhense por pescadores cearenses, que em determinado momento histórico se deslocaram para esta parte do litoral nordestino. A modalidade esteve situada como a principal forma de capturar em grande escala peixes de variadas espécies de uma só vez. Segundo depoimentos de pescadores que vivenciaram o período áureo da zangaria, esta modalidade de pesca predatória era responsável pelo abastecimento de três embarcações geleiras em apenas um cerco realizado nas enseadas do arquipélago de Maiaú. Na década de cinquenta e setenta do século XX, a pescaria com zangaria obedecia a critérios muitos deferentes dos que seriam utilizados mais de três décadas depois. O tamanho da rede era menor (uma zangaria media de duzentas a quatrocentas braças de homem), a altura da rede também era mais baixa (uma braça de altura), a altura da maré nas beiradas onde era feito o cerco com a zangaria também era menor e a hora e a maneira como deveria ser levantada a rede obedecia a critérios que variavam de acordo com o
1 ZANGARIA: conta-se que esta denominação teve origem no grande esforço desprendido durante a execução das pescarias com esta modalidade, que causa estresse aos participantes. Antes, a rede era tecida em fio de algodão; por ser de grande extensão, é dividida em panos (pedaços) bem compridos. A armadilha é colocada nos lavados de lama, carregada por homens, em calões, sobre a lama, exigindo grande esforço, fadiga e desconforto. Com tal peso nos ombros e enfrentando situações de elevado perigo, a pesca com a rede fazia muita zanga entre os participantes. Daí a denominação para a modalidade ser zangaria.
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volume de peixes observados na hora de fechar o cerco, segundo depoimentos de pescadores que utilizavam esta modalidade, na época. Muitos desses pescadores afirmam que, quando o cardume era muito grande, a rede era levantada depois que o grosso (maior volume) do cardume passasse pela rede. Tais critérios eram determinados segundo a capacidade de aproveitamento do pescado ou de acordo com a capacidade de conservação do produto nas geleiras feitas para as pescarias com zangaria. Tais pescarias eram feitas por encomenda para os atravessadores, que comercializavam o produto obtido nessa modalidade nos mercados de peixes nas cidades. Apesar de esta modalidade estar proibida, ela ainda está em atividade; existem redes medindo até mil braças de homem de comprimento por duas de altura. A braça é a unidade de medida dos pescadores artesanais (equivale a um metro e meio de comprimento, em média1). Na maioria dos cercos, a rede é levantada com a maré na preamar. O critério da seleção da captura por quantidade, detectada no tamanho dos cardumes, como anteriormente, já não é mais possível devido à inexistência de grandes cardumes no limite da pescaria com essa modalidade. A pesca com zangaria sempre foi uma atividade predatória. Esta modalidade não permite a seleção por tamanho e por espécies capturadas durante um cerco. A malha é muito pequena e o material utilizado na confecção da rede é muito resistente.
Constituição
1 Ver nota na página 46
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A zangaria é uma rede tecida em fio de seda. No passado, sua confecção era em fio de algodão, tecida manualmente pelos pescadores nas comunidades. Atualmente, a confecção é industrial, sendo a rede montada manualmente, utilizando-se o material industrializado. Os panos1 tecidos nas fábricas são entralhados com cabos, manualmente. Nesta modalidade, a rede não precisa de chumbo ou de bóias nos entralhos.
Manejo
Pela manhã, no arquipélago, logo cedo, 4 (quatro) homens acabam de se reunir em um rancho nas proximidades de um porto; estão separando os panos da rede que irão usar na pescaria seguinte. Cuidadosamente, vão arrumando a rede, passando de um calão para outro enquanto observam o estado de conservação dos panos da rede, que comporão a zangaria que será espalhada em cima do sururuzal novo que há pouco se formou no lavado. A estimativa dos homens é de que um grande cardume de peixe pedra está comendo o sururu novo. Já combinaram o modo como vão estabelecer o cerco do lavado. Satisfeitas as exigências de conservação dos panos da rede, os pescadores vão carregando nos ombros os calões com a rede, de dois em dois, um na frente e outro atrás, até depositarem a rede na canoa que os levará até o ponto da pesca no sururuzal. Para pescar com uma zangaria, é preciso que seja montada uma equipe cujo numero de componentes é determinado de acordo com o tamanho da armadilha. Existem casos raros em que apenas uma pessoa trabalha com uma zangaria quando a pesca com a
1 Ver nota na página 62 referente a zangaria
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modalidade é feita nas beiradas próximas da comunidade do pescador, e quando a rede é proporcionalmente pequena para os padrões atuais. Geralmente, uma equipe de zangarieiros é formada por 5 (cinco) pescadores. Para a realização de um cerco ou lance, a equipe necessita de uma embarcação, que serve para transportar a equipe até o local da pescaria e, em seguida, para ajudar nas atividades de espalhamento da rede, distribuindo os pescadores na hora de levantá-la e de transportar a carga de peixes capturados no cerco. Ao longo do processo, é necessária a presença de um marcador, que é um pescador com experiência, que vai marcar a forma do cerco em relação ao local onde a pescaria será realizada. A zangaria precisa ser sustentada por estacas de pau de mangue ou de madeira da terra firme, conforme as possibilidades dos pescadores. Se a madeira for encontrada próxima do litoral, torna-se possível que sejam utilizadas estacas de pau do mato, mais leves e de maior durabilidade; caso contrário, os pescadores deverão se contentar com a madeira extraída do manguezal. A rede é espalhada com a maré vazando ou com ela já completamente seca, o que possibilita um maior desempenho da tarefa, já que a rede é pesada e o solo lamacento é de difícil acesso a pé, o que torna a atividade um sacrifício para aqueles que terão que carregála no ombro, enfiada em um calão1. O solo da maioria dos locais nos quais são feitos os cercos com a zangaria são compostos por lama misturada a sedimentos de cascalhos de ostras, sarnambis e sururus, o que faz do solo um amontoado de materiais cortantes. O espalhamento da rede é feito a partir da embarcação por quatro ou mais pescadores, quando esta é movida a propulsão a vela ou a remo, ou seja, por toda a equipe. 1 CALÃO: denominação dada a qualquer porrete utilizado por uma ou mais pessoas para carregar qualquer coisa enfiada no mesmo.
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Enquanto dois integrantes da equipe vão empurrando a canoa, o restante trata de espalhar a rede, sendo que um deles, de dentro da embarcação, vai jogando a rede na água enquanto que os outros esticam a mesma nas estacas. Se a embarcação for impulsionada a motor, esta seguirá em marcha lenta, com apenas um pescador na direção, enquanto que o restante da tripulação seguirá executando as tarefas do espalhamento da rede conforme descrito no princípio do parágrafo. Depois de espalharem a rede, os pescadores tratam de assentá-la. Para assentar a rede, é preciso que a maré esteja seca. O procedimento consiste em dar pisadas1 no solo, enterrando a perna até a marca do joelho, com a técnica prosseguindo por toda a extensão do lance. Uma pisada é realizada no pé de cada estaca e duas ou três nos intervalos de uma estaca para outra, conforme exigir a correnteza do lugar. Uma quantidade maior de pisadas nos intervalos significa que no local a maré corre bastante, ou seja, é muito forte, e as pisadas servem para garantir que a rede não seja arrancada e, com isto, não liberte o peixe que ficar preso no cerco. Depois de assentar a rede de zangaria, os pescadores esperarão a maré encher e, no momento conveniente, levantarão a rede, prendendo a parte de cima do entralho nas cabeças das estacas. Nesta tarefa, toda a equipe cai na água, um de cada vez ou de par em par, distribuídos pela extensão do lance. Os pescadores, ao caírem na água procuram as estacas que já estão devidamente balizadas; então mergulham e, no pé de uma estaca agarram o cabo do entralho da rede e levantam-no para em seguida enrolá-lo na cabeça da
1 PISADA: consiste em pisar na lama fazendo pressão para enterrar o pé na mesma, numa profundidade acima da média exigida para se andar normalmente sobre ela.
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estaca. De estaca em estaca a parte de cima da rede é levantada e a zangaria fica aberta, efetivando dessa forma o cerco. Uma vez levantada a rede os pescadores esperarão a maré secar para despescá-la. Nesse momento os pescadores se agrupam novamente, munidos de facões, cofos1 e outros apetrechos de pesca, e saem na cata das espécies que lhes interessa. A seleção do pescado e feita na hora, sendo embarcado o peixe segundo o tamanho e espécie que estiver garantido no mercado. O restante que a rede capturou ficará no cerco e não é aproveitado, o que se constitui num dano irreparável para algumas espécies, já que a malha miúda da zangaria não permite a seleção das espécies capturadas segundo o tamanho quando a rede está pescando, o que facilitaria a saída do peixe da rede, evitando a mortandade desnecessária.
Conservação
A conservação do pescado capturado nas zangarias é geralmente feita nas urnas das geleiras que acompanham as pescarias, através do congelamento do produto.
Comercialização
A comercialização do pescado capturado pela modalidade zangaria, no arquipélago de Maiaú, é realizada nos mercados das cidades próximas ou distantes do local, como ApicumAçu, Cururupu, São Luís, Belém e Bragança, dentre outras. 1 COFOS : denominação dada de utensílio de origem indígena, confeccionado artesanalmente com folha de palmeira babaçu, comum em todo o Maranhão.
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Rabeadeira
A rabeadeira é a modalidade da pesca artesanal de subsistência, no arquipélago de Maiaú, que possibilita ao pescador uma maior independência em relação às outras modalidades. A produção de pescado, nesta modalidade, ainda pode ser considerada razoável, podendo o pescador sustentar a sua família, sem ter que se alugar em outras atividades. A mobilidade para o manejo da rabeadeira é outra característica própria da modalidade, permitindo que um só pescador trabalhe com êxito, o que o ajuda bastante, pois este não precisará se submeter ao sistema da partilha, a menos que seja possuidor de muitas peças e tenha que recorrer à ajuda de outrem para a realização da tarefa.
Constituição
A rabeadeira é constituída por qualquer rede malhadeira, sendo que a rede é dividida em peças ou pontas, podendo ser tecida manualmente ou adquirida pré-fabricada. Na maioria dos casos, as rabeadeiras são constituídas a partir do aproveitamento de redes que perderam a utilidade nas outras modalidades, que se tornaram fracas para a pesca de canal e que são reaproveitadas pelos pescadores. A rabeadeira, como já foi dito anteriormente, é constituída por qualquer rede malhadeira. Isto significa que esta possui vários tamanhos de malhas e resistência dos fios de plástico ou de seda. Uma peça ou ponta (aqui vamos chamá-la de ponta por ser esta denominação a mais comum entre os pescadores desta modalidade) corresponde a um 96
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pedaço de rede devidamente entralhada e chumbada em um dos lados do entralho, enquanto que do outro lado ficam as bóias. Numa das extremidades das pontas são colocados cabos que servirão para dar suporte à ponta; estes cabos são emendados nas pontas dos cabos dos entralhos, tanto na parte das bóias quanto nas do chumbo, cada lado medindo, em média, sete braças de comprimento. Uma ponta de rabeadeira tem de dez a quinze braças de comprimento. O tamanho fica a critério do pescador e das correntezas do local de pesca, que determina que para pescar com segurança, sem perigo de perder a rede, o tamanho ideal varia entre dez e quinze braças. Por sua vez, o pescador determina o tamanho da rede pela facilidade de mobilidade com a mesma, já que a pescaria com esta modalidade é realizada sempre a pé, com o pescador sempre carregando as pontas por longas incursões nas croas e costas das ilhas do arquipélago.
Manejo
O uso da rabeadeira favorece a pescaria de beira, ou seja, a pescaria realizada nas partes rasas do arquipélago. A rede é posta com a maré seca para pescar e é despescada com a maré novamente seca. Às vezes, é necessária uma embarcação para realizar o transporte das redes e dos pescadores, quando estes se reúnem para fazerem uma salga, onde precisarão procurar os lugares mais piscosos e mais distantes das comunidades. Para colocar as pontas para pescar é necessário fixá-las. Esta ação consiste em enfiar moirões ou alças (feitas de cabo de nylon grosso, são amarradas a pedaços de paus com 97
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cerca de 50 cm de comprimento, enterrados no sentido horizontal para não serem arrancados do solo com facilidade) na areia para em seguida amarrar os cabos das redes, que ficam fixas em uma só extremidade, enquanto que o outro lado destas ficam à deriva, ao sabor da correnteza. Se a maré estiver enchendo a rede ficará no sentido da corrente da enchente e se estiver vazando ficará no sentido da vazante. Por esta razão é que a modalidade leva a denominação de rabeadeira. As pontas são colocadas enfileiradas, uma após a outra, no sentido da praia. Existem pescadores que pescam com até vinte pontas de rede, mas a quantidade mais usual para uma só pessoa fica entre oito a doze pontas. A rabeadeira é a modalidade com o maior tempo de pesca dentro d`água. As pontas começam a pescar desde quando a maré ainda está muito baixa, no início da enchente da maré. Enquanto algumas espécies estão passando logo no início da enchente, outras transitam na preamar, outras ainda com a maré grande de vazante e até na baixa-mar. A rede pesca em todas as alturas da maré, acompanhando o movimento de subida e descida da maré enquanto enche e vaza. O fato de esta modalidade possuir grande mobilidade dentro d`água é que permite que uma rede rabeadeira relativamente pequena proporcione pescarias bem mais sucedidas do que redes bem maiores que pescam na região.
Conservação
A conservação do pescado capturado pela rabeadeira é feita basicamente na forma salgado seco, sendo que a utilização do gelo, nesta modalidade, é mais tímida (o peixe capturado pela rabeadeira fica menos resistente à deterioração devido ao prolongado tempo que a rede leva para ser despescada). Portanto, o salgamento, neste caso, é a forma mais 98
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adequada para conservar o produto, sendo feita pelo comerciante atravessador na comunidade de origem do pescador, que compra o peixe diariamente quando este está pescando muito próximo, vendendo o peixe fresco apenas para obter alguns gêneros de necessidade imediata. A conservação do produto pelo método salgado seco é a forma que o pescador de rabeadeira tem para acumular certa quantidade de peixes, para depois levar o produto ao mercado, onde deverá obter um melhor preço. O procedimento da salga do pescado capturado na rede rabeadeira consiste em tirar as vísceras dos peixes e cortá-los, aplicando talhos pelo corpo do peixe para que o sal penetre na carne, possibilitando a conservação deste, que deverá ir ao sol para desidratar.
Comercialização
A comercialização do produto capturado na modalidade rabeadeira é feita pelos próprios pescadores para os atravessadores que monopolizam o mercado de peixe na região do arquipélago de Maiaú. É muito raro um pescador de rabeadeira conseguir colocar seu produto em mercados competitivos das cidades.
Curral
A modalidade da pesca artesanal curral corresponde a uma armadilha primitiva de origem indígena, que é usada para capturar peixes. Devido à sua eficiência, sua estrutura se mantém ao longo dos tempos, conservando as características originais da armadilha. 99
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O curral é uma modalidade empregada nas partes altas dos canais e enseadas das reentrâncias, sendo que tal armadilha, por sua eficiência, propicia a captura da maior parcela das espécies em movimento nesses pontos. Por outro lado, o curral é uma atividade predatória, não oferece possibilidade de seleção por espécies e tamanho daquilo que captura. Alguns animais marinhos de porte considerável, com pouco ou nenhum valor comercial são abatidos nas armadilhas, assim como animais de pequeno porte e filhotes. A armadilha, assim como tantas outras causadoras de efeitos desfavoráveis ao meio ambiente, tem contribuído para a redução do estoque de pescado. Originalmente, o curral era utilizado pelos indígenas nativos para a satisfação das necessidades de parte da dieta alimentar tribal; por esta razão, os currais eram erguidos em pequenas enseadas na zona costeira próxima das aldeias. A comunidade tribal se utilizava de pedras, aproveitando os próprios arrecifes para erguerem as armadilhas, que consistiam em cercar uma pequena porção da enseada. O cercado primeiramente servia para reter as pequenas criaturas marinhas, que são componentes da dieta alimentar de animais marinhos maiores consumidos na tribo. Este recurso permitia ao indígena atrair e distrair as espécies até a baixa-mar para assim facilitar a captura dos exemplares necessários à alimentação doméstica da tribo.
Constituição
Na atualidade, a modalidade da pesca artesanal de curral é desenvolvida com o auxílio de algumas técnicas que foram sendo adaptadas ao longo da existência da armadilha. Algumas novas matérias primas foram acrescentadas para a confecção do curral, 100
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sendo o nylon e o arame alguns exemplos de produtos industrializados atualmente usados como matéria-prima na feitoria do curral. No arquipélago de Maiaú, são encontrados dois tipos de currais: o curral tipo coração, de um braço, e o curral de dois braços, ambos possuindo quarto e sala. Um curral é construído seguindo etapas que envolvem todo um conjunto de atividades que vão se sucedendo passo a passo enquanto se completa a implantação desse tipo de armadilha. A quem vai erguer o curral cabe a preocupação da escolha do lugar, sendo que esta escolha será previamente condicionada às características físicas do local em relação às possibilidades geológicas. Para que a armadilha tenha boa durabilidade, o solo deve apresentar condições de estabilidade. As condições faunísticas e florísticas da região também são de extrema importância, pois o madeirame deve estar à mão, bem como a informação sobre o registro da piscosidade do local. Vencida a etapa de escolha e classificação do lugar onde deverá ser erguido um curral, alguém com experiência na arte deve proceder à marcação da armadilha. Esta etapa consiste no posicionamento do local segundo a direção em que a armadilha vai ficar em relação à correnteza do canal. A partir daí é que se pode estabelecer qual o tipo de curral que melhor será adaptado àquele local. Existem dois tipos de currais. O primeiro tipo é o curral de uma espia (ou braço), que contém um quarto (local da armadilha que aprisiona definitivamente o peixe) e duas salas (locais que ficam em frente ao quarto; é um cerco onde o peixe fica circulando na água, impedido de voltar por causa da maré vazante e do formato desse espaço, que direciona o peixe para o quarto, onde ficará definitivamente preso). A espia ou braço é composto por 101
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moirões enfiados na areia, intercalados por uma distância de 3 metros, revestidos por estacas finas, de pau de mangue, amarradas com cordas ou fios de nylon. Da entrada das salas até à metade da espia, esta é revestida ainda com uma rede malhadeira, de nylon ou de seda, variando de 50 a 100 mm. O restante da espia é revestido apenas com as estacas. A espia fica direcionada para a margem, formando com esta um ângulo reto. O segundo tipo de curral é o de duas espias (ou de dois braços), com um quarto e duas salas. Neste caso, as espias se abrem numa diagonal em relação à margem, recebendo o fluxo da maré vazante. O curral de uma espia pesca tanto com a maré vazante quanto com a maré enchente, enquanto que o curral de duas espias só pesca com a maré vazante. Comumente, são usados no arquipélago de Maiaú currais de apenas um quarto, nos dois tipos descritos. Existe um curral denominado de curral grande, no qual existem dois quartos, ou seja, duas áreas que realizam a captura do peixe. Primeiramente, os curraleiros deverão construir as partes que irão cobrir e revestir as partes do curral em que o peixe vai ficar prisioneiro: os quartos e salas. Estas partes são tecidas manualmente, e constituídas de esteiras ou redes. As esteiras são construídas com varas, amarradas com cipó do mato ou cordas. As redes são confeccionadas com materiais diversos, tais como restos de cabos de nylon desfiados, fios de transmissão de corrente telefônica, dentre outros materiais alternativos. A base de um curral é feita principalmente com paus de mangue, cortados geralmente nas proximidades de onde são erguidos os currais. Esta base compõe a fortificação estrutural do curral, que servirá para sustentar as peças colocadas para completar as fases
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seguintes da armadilha. Nessa base estrutural serão colocadas as esteiras ou redes, que servirão para cercar a base fortificada em torno do quarto e da sala. Na seqüência da construção da armadilha, serão construídas as espias ou os braços, que são feitos no local do curral. As peças das espias são tiradas em manguezais ou em terra firme, e são feitas com varas trazidas para o local e que vão sendo amarradas ou pregadas ao longo do espaço destinado ao levantamento destas.
Funcionamento
Existem currais que funcionam como uma boca aberta, posta de frente para a correnteza da maré vazante (duas espias), tragando as espécies que são arrastadas pela força da maré. As espias são colocadas em sentido bifurcado, afunilando em direção às salas e aos quartos, que reterão finalmente o produto encurralado. Outros tipos de currais, que ficam em direção das margens, possuem um braço ou espia que tem início no centro da entrada das salas. Estas espias são de grande tamanho, e têm a função de empurrar os peixes para as imediações das salas, que finalmente obrigam os peixes a ficarem encurralados nos quartos.
Manejo
No manejo do curral, o pescador precisa fazer a despesca em todas as maresadas, caso seja da sua conveniência. A despesca é feita, às vezes, com o auxílio de uma rede feita
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exclusivamente para despescar curral, tecida com fio de nylon, possuindo malhas miúdas e resistentes. A rede tem um entralho que permite uma mobilidade específica dentro do curral; sendo arrastada no quarto e na sala, e se fecha quando os dois calões se juntam, formando um círculo com o bojo da rede. Durante o processo utilizado com a rede, o peixe fica preso no interior desta, possibilitando aos pescadores a retirada do produto capturado na armadilha. A despesca com a rede só ocorre quando o curral não seca, no quarto, e a profundidade não permite que o peixe seja retirado com as mãos. A despesca nos currais que ficam secos com a maré baixa é feita com o auxílio de facões e do landruá1. O facão é utilizado para cortar os peixes maiores (mesmo que o curral fique em lugar seco com a maré baixa dentro do quarto e sala, não seca completamente devido a uma cavidade no solo, que se forma logo no momento em que o curral é erguido) e o landruá serve para despescar o curral, capturando os peixes presos na armadilha. Os curraleiros precisam de uma canoa para a execução de todas as atividades no curral, tais como levantamento, despescas e manutenção. Para levantar um curral, são necessários vários trabalhadores, que ficarão encarregados das retiradas dos paus e do manejo destes no local em que o curral vai ser levantado, bem como da confecção das esteiras e redes. O serviço de implantação do curral é considerado pelos pescadores como um serviço muito pesado.
Comercialização
1Landruá é um apetrecho construído artesanalmente pelos curraleiros para a realização da despesca do curral: é um círculo com cabo feito com arame ou madeira flexível, onde é fixado um pedaço de rede que forma um saco cônico.
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A comercialização do pescado capturado tem início nos portos do arquipélago, onde o produto é passado para as mãos dos atravessadores. Essas armadilhas são atualmente um lucrativo negócio para muitos comerciantes que possuem currais de pescaria, restringindo-se cada vez mais a sua utilização por simples pescadores artesanais de subsistência do arquipélago de Maiaú. Os custos com a confecção do curral é o maior empecilho para os pescadores menos favorecidos na região.
Conservação
A conservação do pescado capturado nessa modalidade é feita com gelo, adquirido nas fábricas das proximidades do arquipélago.
Munzuá
O munzuá é uma armadilha utilizada na pesca artesanal de subsistência no arquipélago de Maiaú, e que talvez tenha possível origem africana. O munzuá é um instrumento de suporte para os pescadores artesanais, na medida em que estes não os utilizam exclusivamente como meio de produção em jornadas específicas. O munzuá se constitui em um meio auxiliar nas atividades de capturas de pescado pelos nativos das comunidades de pescadores artesanais.
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A armadilha é geralmente construída com o emprego de materiais naturais e com restos de material industrializado. Do mangue se retiram as varinhas que servem para confeccionar o esqueleto e as esteiras que comporão a coberta do cercado. Os restos de cordas e fios de nylon são usados para amarrar o esqueleto e tecer as esteiras do munzuá, que tem uma entrada ou duas, feitas de maneira que os peixes entram e ficam impossibilitados de saírem.
Manejo
O munzuá é colocado e fixado nos igarapés, onde ficam submersos durante o período da pescaria. Nestas armadilhas são postas iscas para atrair os peixes que passam por suas imediações, compostas basicamente por sardinhas, de preferência podres. Estas empestam a água com o forte odor da isca em putrefação nas redondezas do munzuá, possibilitando a este um atrativo específico para os peixes que captura. O munzuá, depois de iscado, pesca durante tanto na maré enchente quanto na vazante, sendo despescado na baixa-mar, sendo que o procedimento é feito quando o pescador faz emergir a armadilha, abrindo uma portinhola na lateral da mesma para a retirada dos peixes. A pesca com munzuá pode ser realizada em qualquer época do ano. Porém, devido à escassez de iscas apropriadas, geralmente é utilizado para pescar no período chuvoso, quando abundam as iscas.
Comercialização
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A comercialização do produto capturado na pesca com munzuá é feita na comunidade de origem, sendo este produto utilizado na dieta alimentar da população local. A armadilha não fornece excedente capaz de oferecer uma quantidade de pescado além do consumo doméstico comunitário.
Tarrafa
A tarrafa é um utensílio da pesca artesanal que não chega a compor uma modalidade por ter o seu uso atualmente quase que decorativo nas comunidades de Maiaú. As tarefas realizadas com a tarrafa foram quase que totalmente substituídas pelo uso de modalidades como a caiqueira e semelhantes. As tarrafas, na atualidade, são destinadas à realização de pequenas pescarias pelas beiras das praias e dos igarapés, em busca da captura de peixes para suprir uma necessidade alimentar imediata, quando o pescador está a descansar de alguma atividade pesqueira de maiores proporções. No passado, esta modalidade teve papel significativo na pescaria de beira, quando ainda não havia outras mais modernas e de maiores proporções. Segundo seu Chico, que nasceu na Ilha de Lençóis em 1924, “os cardumes, na década de quarenta do século passado abundavam nas águas rasas da região”; então, pescadores se deslocavam a pé com as tarrafas no ombro e realizavam pescarias significativas, rendendo o sustento das suas famílias e ainda comercializando o produto excedente das capturas.
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Para se fazer uma tarrafa é preciso saber tecer em nylon, fazendo malhas que no final darão um formato cônico a uma rede. A rede é tecida com nylon grilon 30 mm de diâmetro. No começo do trabalho, a rede se assemelha a um saco, e só depois é que vai enlarguecendo na medida em que cresce. O tamanho de uma tarrafa pode chega a cinco metros de comprimento.
Manejo
Para manusear uma tarrafa é necessária muita habilidade por parte de quem vai utilizá-la. É preciso lançá-la à distância e ainda garantir que esta venha cair aberta, em forma de leque, para que se possa realizar a captura. A pescaria pode ser realizada por uma pessoa andando pelas beiradas das praias, ou ainda por dois pescadores utilizando uma canoa para se locomoverem nas águas de maior profundidade, nos igarapés da região. Nas beiradas, caminhando com uma parte da tarrafa no ombro e a outra parte na boca, o pescador arrasta o pé sem fazer ruído na beira d`água para não espantar os peixes que estão por ali. Ao avistar um peixe ou um cardume, o pescador lança sua armadilha no ar, que se abre em leque, para depois cair bem em cima do cardume, fazendo inúmeras presas. A bordo de canoas, os pescadores se comportam de outra forma; um deles vai sentado na popa, enquanto que o outro fica em pé, na proa da embarcação. Dessa forma, deslocamse lentamente, a pequenas remadas, evitando os choques da canoa com as maresias. Com o olhar fixo, o pescador da proa procura o cardume para efetivar sua missão; uma vez avistado o objetivo, o pescador executará os movimentos que impulsionará a tarrafa para o alto, e que em seguida cairá sobre o alvo, conforme o cálculo e a mestria do executor. 108
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Linha de Mão
Às seis da manhã, os primeiros raios do sol encontram o pescador a postos na popa do casco. Linha, iscas de camarão chumbadas e anzóis. É dia de quarto minguante, a maré sobe lentamente no lavado e os caranguejos maracuanim (chama-maré) ensaiam os primeiros passos de uma cadenciosa dança. O bagre, equilibrado em suas nadadeiras, segue pelo fundo do canal ao sabor da correnteza, sem se esforçar para contrariá-la, sem esboçar qualquer movimento contrário ao sentido imediato do seu infortúnio. Os anzóis presos na ponta de uma linha estão poitados no fundo, camuflados pelas iscas de camarão, e atraem o bagre pelo odor e o peixe, impelido pela fome, vai rapidamente ao encontro da isca camuflada. A abocanhada voraz estica a linha, que até então permanecia imóvel, apenas cortando a correnteza suavemente. Esticada e apresentando desesperados movimentos de ziguezague, a linha é recolhida, braçada após braçada, até quando na borda do casco for embarcado um bagre de bom tamanho. A pesca com linha e anzóis é a modalidade mais utilizada individualmente na pesca artesanal de subsistência no arquipélago de Maiaú. Os moradores da comunidade a utilizam como atividade suplementar, junto às outras modalidades ali existentes; pescadores não profissionais pescam com linha e anzol como simples passatempo, estando esta prática bastante disponível para a pesca esportiva, devido à existência de inúmeros pontos próprios para o exercício desta modalidade, em toda a região.
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A linha de mão é feita utilizando-se alguns metros de fio de nylon, anzóis e pedaços de chumbo. Primeiramente os anzóis são estrovados, depois é colocada a chumbada e, em seguida, os anzóis e a chumbada são amarrados na linha. Alguns pescadores utilizam até 4 (quatro) anzóis de uma vez só, e em algumas pescarias especiais com linha de mão é utilizado um anzol grande.
Manejo
Depois de constituída uma linha de mão, o pescador deve se dirigir ao pesqueiro de sua preferência. Chegando ao local, deverá preparar o anzol com a isca disponível, lançá-lo ao fundo e esperar que o peixe morda a isca. Neste momento o pescador deverá colocar em prática suas habilidades de pescador de linha de mão. As iscas usadas variam de pescaria para pescaria. Para capturar pescada amarela, a isca deve ser sardinha, camarão ou tainha, e deve estar viva. Para manter a isca viva, o pescador as coloca em pequenos cofos submersos, amarrados na borda da canoa utilizada naquela empreitada. A pescaria com isca viva é realizada tradicionalmente para pescar peixes de grande porte. No geral, a pescaria é realizada com iscas das mais variadas espécies que se inserem na cadeia alimentar de outros peixes maiores. Os pesqueiros são atingidos por terra ou por mar para a realização de pescarias satisfatórias com linhas de mão. Normalmente, os pescadores costumam se equipar com vários tamanhos de anzóis e tipos diferentes de iscas, deslocando-se para os pesqueiros e, segundo a necessidade, deslocam-se de um pesqueiro para outro. 110
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Tapagem de Igarapé¹
Os igarapés são rasgados pelas marés em seus baixos cursos, e são acidentes formados em decorrência dos movimentos geomorfológicos, fendas abertas nas florestas de mangue, que, por sua vez, abrigam grande diversidade de animais marinhos. Por esta razão os igarapés são visitados por diversas criaturas em busca de alimentos. Dessa forma, os igarapés são utilizados na pesca artesanal por nativos de diversas comunidades. Para tapar um igarapé e necessária uma rede, além de muita disposição do pescador. A tapagem é uma forma de pescaria primitiva. Naturalmente, um igarapé enche e seca com a maré, e esse movimento favorece o trabalho dos pescadores, que utilizam a tapagem para reter os animais marinhos que adentram o igarapé, de acordo com a maré, até que esta esteja seca para então ajuntarem o pescado que foi capturado na armadilha. No arquipélago de Maiaú, a pescaria de tapagem de igarapé é uma modalidade bem utilizada pelos pescadores locais. Desse processo provém a captura de variadas espécies de peixes e camarões, gerando divisas comercias para os pescadores artesanais de subsistência.
Constituição
A tapagem de igarapé necessita da utilização de uma canoa, que serve para levar um ou mais pescadores até o local do igarapé, além de uma rede de tapagem e de estacas.
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A rede é tecida em fio de seda barra doze, com malha é miúda e não seletiva, e apresenta em média cinqüenta braças de comprimento por três de altura. A canoa utilizada na pescaria é de pequeno porte, podendo ser apenas um casco movido a remo, sendo que as estacas geralmente são tiradas no manguezal próximo de onde será feita a tapagem.
Manejo
No local da pescaria, a rede de tapagem é espalhada conforme o objetivo dos pescadores na ocasião. Se a pescaria foi planejada para vir a ser realizada com a maré, as estacas serão enfiadas com a maré cheia e no mesmo instante a rede será espalhada, para em seguida ser fixada no fundo do igarapé. Para atingirem seu intento, e fixarem a rede no fundo do igarapé, mergulham e vão enfiando a parte de baixo da rede com pisadas e em ganchos feitos com raízes de mangue. Neste momento, a rede já está aberta e fixada à parte de cima nas estacas. Depois destes procedimentos, os pescadores aguardam a maré secar para poderem fazer a despesca. Quando a rede é posta com a maré seca, os procedimentos consistem em enfiar as estacas caminhando pela lama. No mesmo sentido espalham a rede e, em seguida, fixam a parte que ficará em baixo no fundo do igarapé. Depois, esperam a maré encher para então, na preamar, erguerem a parte de cima da rede, amarrando as estacas e deixando-a aberta, pronta, finalizando assim a tapagem de igarapé. Quando a maré seca no igarapé, deixando só o enxurro (restante d’água que escorre permanentemente pelo córrego do igarapé, mesmo com a maré seca, oriundo de água proveniente das nascentes ou de poços existentes nas cabeceiras dos igarapés), os pescadores sobem o igarapé em direção à nascente deste, até o ponto próximo da rede 112
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armada, nos quais os peixes se encontram refugiados. A partir daí, passam a empurrar os peixes pelo córrego, auxiliados por barreiras de lama (bolos de lama feitos pelo próprio pescador), empurrando o peixe até o local onde a rede está estendida. Então, escolhem o produto para finalizar o processo de despesca.
Comercialização
A produção obtida com a pescaria da tapagem de igarapé é geralmente feita nas próprias comunidades de origem dos pescadores. O produto capturado não é suficiente para realizar negócios volumosos. Portanto, o que é capturado é dividido entre os participantes e o restante é comercializado na casa do dono da rede, vendido para uma clientela vizinha que sempre está à espera dos pescadores que se aventuraram numa pescaria com rede de tapagem em algum igarapé próximo.
Tapagem de Igarapé para lancear dentro
A tapagem em igarapé para lancear dentro é um procedimento que difere totalmente da simples tapagem de caráter artesanal para subsistência dos grupos comunitários. Esta modalidade tem um cunho predatório igual ou pior ao da rede de lance. Esta prática tem como componentes um grupo de pescadores que varia entre sete e nove, uma canoa média, uma rede de tapar igarapé de umas cem braças e uma rede de lance. As redes são idênticas às descritas acima. Nessas respectivas modalidades a embarcação também não difere dos 113
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modelos apresentados na modalidade rede de lance. Quando uma equipe de pescadores sai do porto para taparem e lancearem, já se sabe que na maré posterior a tal dia a beirada próxima de onde foi realizada a pescaria vai estar coalhada de peixes mortos, das mais variadas espécies, boiando rio acima ou rio abaixo. Esse é o trágico resultado de uma pescaria bem sucedida na cabeceira de algum igarapé, beneficiando poucos e prejudicando a comunidade.
Manejo
O igarapé usado nesta modalidade é maior e mais largo do que aqueles usados na simples tapagem de igarapé. Neste caso, a tapagem é feita na boca do igarapé, exatamente na parte em que este não seca com a maré na baixa-mar. Nestas condições, as estacas são enfiadas e a rede de tapagem é colocada devidamente fixada em baixo e em cima das estacas. Num determinado momento, depois que a maré baixou bastante para que o lance seja realizado, o grupo se divide em dois. Enquanto a metade dos pescadores fica próxima da rede colocada nas estacas, a outra parte vai subindo em direção à parte estreita do igarapé, justamente a parte que está no seco. A partir desse ponto, os pescadores desse grupo vêm batendo na água com paus, fazendo bastante barulho para que os peixes encurralados no alto do igarapé desçam em direção à rede que está cercando a saída do córrego. Neste mesmo instante a parte que ficou está preparada e, assim que os batedores chegarem em determinado pedaço do
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igarapé, então se juntam espalhando a rede e cada parte do grupo, em cada lado do igarapé, vai arrastando a rede em direção à que está fixa mais em baixo. Nesse tipo de arrasto, a rede vai levando peixe de todas as espécies e de todo tamanho em seu bojo. Bem perto da parede da rede, na boca do igarapé, o cerco é finalmente fechado e a rede é puxada para a beira, onde é feita a despesca da rede de lance. Depois da primeira pescaria, a equipe segue realizando outras, durante um período determinado pelo atravessador que os acompanha ou até que o grupo esteja esgotado fisicamente ou tenha faltado o gelo que está sendo usado para conservar o produto capturado.
Conservação
A conservação do pescado, nesta modalidade, é feita à base de gelo, acondicionado nas urnas de barcos geleiros, ou ainda em caixas de isopor encontradas a bordo dos mesmos. Os atravessadores acompanham a pescaria das redes de tapagem para lancear, e recolhem a cada captura o produto para a sua devida conservação.
Comercialização
A comercialização do pescado capturado pela pescaria de tapagem rara lancear dentro do igarapé é feita comumente a bordo das próprias embarcações dos atravessadores
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que encomendam a pescaria, ou ainda no porto da comunidade, na hora do desembarque dos pescadores.
Muruada
A muruada é uma modalidade de pesca artesanal que funciona como armadilha muito eficiente para capturar camarão de todas as espécies no arquipélago de Maiaú. Esta modalidade, bastante disseminada em toda a região, constitui a segunda maior atividade empregada para capturar camarão no litoral ocidental do Maranhão, concentrando uma quantidade expressiva de redes puçás enfileiradas e atravessadas nos canais de fortes correntezas, apoiadas em fortes moirões fincados firmemente para que não se desprendam, ficando bimbarrados1 por cabos de nylon ou de aço.
Constituição
Para montar uma muruada, o pescador precisa, em primeiro lugar, descobrir um local no meio ou na beirada de algum canal com uma forte correnteza por onde passem cardumes de camarões. Após a descoberta do local, o pescador deverá preparar a muruada, enfiando no solo os moirões de sustentação das puçás que efetivarão a captura do camarão.
1 BIMBARRADOS: aqui o termo significa escoras, que são postas em apoio dos moirões no sentido contrário à correnteza. Corresponde aos arroios da região sul. Todavia, o volume d’água de um igarapé é, de modo geral, muito superior ao de um arroio.(Querra, 2003)
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A puçá é tecida com fio de seda, medindo de quatro a cinco braças de largura na boca por dez braças de comprimento. Na boca da puçá figuram dois calões, um de cada lado da rede, que servirão para manter esta aberta e firme nos moirões da muruada. Os moirões são, na maioria das vezes, extraídos nos manguezais da região, sendo que o mangue vermelho e o mangue preto são os mais usados. As juçareiras encomendadas no continente próximo são utilizadas em menor quantidade, pois seu uso para este fim constitui crime ambiental. O custo do material usado na muruada dificulta o seu emprego nas muruadas de menor porte, cujos donos são pescadores de poucas posses. A utilização da juçareira na muruada se dava pela resistência à corrosão desta em relação aos paus de mangue, que perecem em pouco tempo de uso. Os cabos usados são, na maioria das vezes, feitos de cordas de nylon, sendo que nas muruadas mais sofisticadas são usados cabos de aço. A canoa utilizada para trabalhar na muruada é chamada de casco de muruada, e normalmente funcionam com propulsão a remo, sendo fabricados especialmente para pescar nas muruadas. Os moirões são beneficiados, afilados com pontas agudas. Em seguida, estes são transportados para o local da muruada, onde serão enfiados no solo com a maré geralmente na baixa-mar da maré de quarto, quando a correnteza está mais ou menos parada. Aí os trabalhadores sacolejam os moirões de dentro da canoa num vai e vem constante até que o moirão esteja bem enfiado no solo do canal, e colocado na profundidade certa. Nos moirões são presos os cabos que servirão de suporte; uma ponta do cabo é presa no fundo do canal, na direção do moirão a ser fortificado ou bimbarrado, e a outra ponta é presa nesse moirão bimbarrado. Os moirões são postos enfileirados no sentido atravessado em direção ao canal a intervalos definidos de acordo com as medidas de largura da boca de 117
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cada puçá. São nestes intervalos que as puçás são dispostas para pescar. Após os procedimentos de enfiar e bimbarrar os moirões é finalizado o processo de instalação da muruada.
Manejo
Para manejar a muruada é preciso uma ou duas canoas, dependendo da quantidade de puçás utilizadas na pescaria de uma só vez. Em cada canoa um pescador fica sentado na proa para colocar as puçás, sendo que o início da tarefa começa quando a maré está grande, isto se estiver vazando. Se a maré estiver enchendo, a jornada começa quando a maré estiver baixa de enchente. As puçás possuem em cada calão uma alça feita de cordas, com a finalidade de prendê-las nos moirões, de tal forma que esta fiquem móveis para subirem e descerem à medida em que for sendo definida a altura da puçá em relação à superfície da água. O muruadeiro (pescador de muruada) coloca a puçá uma após a outra, indo de moirão a moirão, a partir da terra para fora em relação ao canal. Em seguida, o pescador volta despescando as puçás e empurrando-as para o fundo se a maré estiver vazando; se esta estiver enchendo o procedimento é inverso, com a puçá sendo puxada para cima em vez de ser empurrada para baixo. Esta ação se repete até que a maré fique baixa o bastante para diminuir a correnteza no canal. A correnteza é o principal motivo da muruada. Caso estas não sejam muito fortes, o camarão não será empurado para dentro das puçás. Portanto, quando
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a correnteza diminui os camarões deixam de ser manobrados pela correnteza, e então as puçás de mururada ficam sem efeito e param de pescar.
Conservação
A conservação do camarão capturado em muruadas é feita basicamente na forma cozida salpresa ou na forma cozido seca, sendo muito pouco conservado gelado. O camarão cascudo vermelho (Pennaeus aztecus) e o camarão branco (Pennaeus shmitti) são conservados no método de cozinhar para salpresá-lo e em seguida ser comercializado. Às vezes, o camarão branco graúdo é gelado no pesqueiro para satisfazer alguma encomenda. O camarão piticáia (Xiphopennaeus kroeyri) é gelado em caixas de isopor, cozido e seco para depois passar pelo processo de soltura das cascas para ser comercializado depois apenas o miolo ou o filé seco.
Comercialização
A comercialização do produto pescado nas muruadas obedece ao procedimento já explicitado nas relações de comercialização do produto capturado na modalidade camarão de arrasto.
Fuzarca
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A fuzarca é uma modalidade não muito utilizada no arquipélago, pois as formações geológicas não são de todo favoráveis para a implantação desse tipo de armadilha. Apesar da existência de inúmeros igarapés, estes não apresentam as correntezas específicas para este tipo de pescaria. A fuzarca tem as características de captura semelhante às da muruada por ser uma armadilha para capturar camarão e utilizar a correnteza da maré, que empurra o produto para o fundo da puçá.
Constituição
A fuzarca possui as seguintes etapas e instrumentos. Primeiramente o pescador precisa encontrar um igarapé com as características próprias para montar uma fuzarca. O igarapé tem que ter um bom grau de inclinação da cabeceira para a desembocadura, com a fuzarca sendo favorecida por uma correnteza de maré vazante razoavelmente forte, a ponto de arrastar as espécies que captura sem que estas possam voltar atrás ao pressentirem a armadilha. Em seguida, o pescador deve dispor de no mínimo uma puçá com as características das de muruada, e mais umas sessenta braças de rede de zangaria, além de uma canoa. Para assentar uma fuzarca, o pescador precisa dos instrumentos e, após a escolha do igarapé, precisa ainda de algumas varas de mangue que vão possibilitar a ele a efetivação da armadilha no local. O pescador marcará o lance da fuzarca enfiando as varas no solo, que servirão de estacas para segurar tanto a panagem1 de zangaria como as puçás. Os pescadores dividem a panagem da rede em duas partes, espalhando a rede do meio do
1 PANAGEM: de pano, conforme descrição no item “zangaria” nota da pagina 62
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igarapé em sentido contrário à correnteza. Uma parte da rede é espalhada para uma das margens, e a outra parte para a margem oposta, de forma bifurcada, deixando um vão entre as duas panagens no meio do igarapé, onde deverá ficar escorada a puçá. O pescador, depois de espalhar a rede, fixa um lado desta no solo do igarapé em questão, enquanto que o outro lado da rede é fixo nas cabeças da estacas. Estas duas partes de redes vão canalizar a correnteza para o centro da armadilha, para o local onde ficará a puçá, que é a peça final no processo de captura na fuzarca.
Manejo
Para pescar com a fuzarca o pescador disponibiliza de uma canoa que o leva até o local da pescaria. Chegando ao local, com a maré alta de vazante (pois a fuzarca só pesca com a maré vazando), o pescador coloca sua puçá no centro da fuzarca e fica de prontidão para recolher da armadilha o produto capturado, o que é feito regularmente, ao longo de todo o estágio da maré que permite a realização da jornada.
Comercialização
O processo de comercialização dos produtos capturados com a armadilha da pesca artesanal na modalidade de fuzarca é idêntico àquelas descritas na modalidade de camarão de arrasto.
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Capitulo quinto Conservação do pescado
A conservação do pescado nas comunidades do litoral ocidental do Maranhão sempre foi feita, tradicionalmente, na forma salgado seco, tanto para o peixe quanto para o camarão. Na atualidade, estas formas persistem, mesmo que timidamente, ao lado da conservação com gelo, que vem sendo utilizado em larga escala desde que as tecnologias das fábricas de gelo alcançaram os portos das cidades mais próximas das comunidades de pescadores da região. O gelo, distribuído em caixas de isopor nas comunidades para acondicionamento dos produtos pescados, e manuseado pelos próprios pescadores, possibilitou a difusão em larga escala deste método, permitindo que a sua utilização se tornasse banal. O produto conservado com gelo tornou a vida do atravessador e do pescador mais fácil. Dessa forma, o atravessador ficou em melhores condições para negociar a carga e o pescador reduziu as tarefas após as pescarias, ligadas à conservação do pescado com sal, o que implicava em extrair as vísceras do peixe para colocar sal, enquanto que o camarão era sempre cozido com sal para depois ser colocado para secar ao sol.
O peixe salgado seco e o salpreso
A forma salgado seco, utilizada na conservação de pescado no litoral ocidental do Maranhão, é a mais antiga maneira de conservar pescado para comercialização. O peixe salpreso é usado para o consumo doméstico das comunidades tradicionais da pesca 122
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artesanal. Os procedimentos para a execução do método requerem cuidados especiais, que estão subordinados a procedimentos relacionados com a habilidade do pescador na técnica do corte da carne do peixe. A temperatura deverá estar na medida certa para poder favorecer a desidratação necessária e o manejo adequado do sal para atender suficientemente às demandas dos cortes específicos executados. Existem diversas maneiras de cortar a carne do peixe, e estas são estabelecidas pelo porte e espécies dos peixes capturados. Aqui descreveremos as mais usadas para comercializar e para a garantia do consumo doméstico.
Cortes nos peixes de escama e de pequeno porte
Os cortes são feitos seguindo algumas etapas específicas. Depois de escamar o peixe usando uma faca de ponta fina, o pescador retira a guelra e, em seguida, corta o peixe pela barriga, longitudinalmente, até a ponta do rabo. Daí ele retira as vísceras e o vira, desferindo novamente um corte longo na parte posterior, na costa do peixe.
Corte nos peixes de couro pequenos
Por outro lado, o corte nos peixes de couro, pequenos, obedece a outro procedimento. As vísceras, juntamente com as guelras, são retiradas, e desfere-se um corte longo de um lado e do outro da espinha dorsal, salgando-se o peixe em seguida.
Cortes nos peixes de escama graúdos
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Os cortes nos peixes graúdos são feitos, após a retirada das escamas, usando-se uma faca média ou facão. Racha-se a cabeça do peixe pela costa deste, retirando-se as guelras. Em seguida, aplica-se um corte longo, abrindo a barriga do peixe, retirando-se as vísceras. Efetua-se então outro corte longo, rente à espinha dorsal, até a ponta do rabo. Com o peixe aberto, aplicam-se em seguida golpes longos no sentido da cabeça para o rabo, fazendo sulcos na carne, numa profundidade que deverá ficar junto ao couro; são feitos sucessivos golpes até a superfície do lombo que foi aberto com o primeiro golpe. Depois, vira-se o peixe, e cortam-se as bochechas para permitir a entrada do sal. Outro corte longo é efetuado rente à espinha, revirando o lombo do lado do peixe que ainda não foi cortado. Em seguida, repete-se o mesmo procedimento feito inicialmente no processo de retalhamento do lombo.
Cortes nos peixes graúdos de couro
O peixe é aberto pela barriga para em seguida ser feita a retirada das guelras e das vísceras; os cortes são feitos de um lado e outro da espinha dorsal, seguindo o sentido desta, provocando sulcos profundos na carne, rente ao couro, sendo os cortes no mesmo sentido e se sucedendo em direção às bordas dos lombos abertos pelos talhos iniciais.
Cortar peixes para salpresar
Para estes peixes são observados os mesmos procedimentos iniciais descritos para cortar peixes para salgar e secar, acrescentando-se o corte das abas nadadeiras. Escamar, 124
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tirar vísceras e cortar abas, procedimentos considerados higiênicos na hora de tratar o peixe que servirá na alimentação da família do pescador. Os cortes, tanto para os peixes de escamas quanto para os de couro devem ser feitos na vertical em relação à espinha dorsal, sendo feitos de forma que o fio da faca, quando atingir a espinha dorsal, deverá sofrer um ligeiro desvio, de modo a desgrudar a carne do peixe junto da ossada. Esta maneira de cortar por baixo da carne do peixe serve para facilitar a penetração do sal. Os cortes são sucessivos, efetuados do rabo para a cabeça ou da cabeça para o rabo.
Salgar para secar
Salgar o peixe para depois secá-lo obedece a procedimentos que variam de acordo com a equipe que está pescando e com as modalidades que estão sendo usadas. A salmoura economiza o sal, além de o peixe pequeno em grande quantidade ser impróprio para ser salgado a mão, devido ao trabalho empregado e ao tempo gasto no processo. O peixe miúdo consome mais tempo para ser consertado depois de capturado, e a durabilidade deste é condicionada de acordo com o tempo em que este foi capturado em relação à maré. Caso tenha sido capturado durante a maré vazante, então na próxima vazante ele estará estragado. Portanto, os pescadores trabalham com dois indicativos para conservar peixes miúdos com sal, o espaço de tempo e a economia no produto a ser utilizado na conservação. Já os peixes de maior porte podem ser salgados para secar tanto à base da salmoura quanto à mão, salvos aqueles que normalmente são salgados em estado próximo da deterioração. Ás vezes, os peixes capturados com as modalidades em que a despesca acontece com a maré seca podem apresentar mal estado de conservação, devido ao fato de 125
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as armadilhas serem feitas de nylon, que danifica bastante o pescado depois de capturado. Se o pescador não manifestar a intenção de perder o produto capturado naquela maré, acaba por optar pela salvação do peixe e o jeito é salgá-lo a mão, com bastante sal, pois o sal e o sol, durante o processo, aparentemente regenera a carne estragada do peixe, e assim ele chega ao mercado para consumo. O peixe apresentando estas características não pode ser levado à salmoura porque representa prejuízo à mesma, danificando-a, possibilitando a proliferação de bactérias e estragando todo o produto que está sendo conservado naquele momento.
A constituição da salmoura
A salmoura é constituída de água do mar e sal grosso ou fino. No processo, um pescador reúne certa quantidade de água do mar em um recipiente (o recipiente pode ser feito exclusivamente para este fim, e são denominados de coxos) e adiciona a ela sal. O processo é constituído pela adição do sal em proporções que vão sendo misturadas e provadas pelo pescador para que este identifique o sabor ideal da mistura. O sabor ideal é atingido quando a água misturada estiver amargando. Este sabor indica que a salmoura está no ponto de ser utilizada. A salmoura requer cuidados especiais para atingir maior durabilidade. São cuidados que vão desde a escolha de quem vai fazê-la, até como deve ser acondicionada, levando em consideração certas crendices supersticiosas. A pessoa que faz a salmoura não deve ter ingerido bebida alcoólica pelo menos um dia antes da feitura desta mistura. O feitor da salmoura deve ter a exclusividade no manejo 126
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da mesma durante os dias de sua utilização, e somente esse pescador é quem deverá manipulá-la durante o processo de salmourar o peixe. O recipiente próprio deve ser mantido em local ventilado e à sombra, devidamente fechado, impedindo a ingerência de moscas e mosquitos. O calor e os insetos podem causar danos por meio da contaminação por bactérias, tornando a salmoura pouco durável, exigindo sua substituição antes do prazo previsto, o que acarreta prejuízo aos pescadores, devido à significativa quantidade de sal gasta para fazer a salmoura. A deterioração da mistura poderá ainda causar prejuízo ao produto salmourado, que se estragará com a contaminação. Aos pescadores integrantes de uma equipe que utiliza salmoura para conservar pescado é desaconselhado olhar para a mistura, caso tenham mantido relação sexual ou se masturbado. Segundo a crença, comum no arquipélago, os pescadores nesta situação estão remosos, e poderão estragar a salmoura com o olho.
O processo de salmourar o pescado
Para colocar o pescado na salmoura, leva-se este em pequenas proporções para o recipiente, e vai-se depositando o mesmo em camadas, uma a uma, intercalando-as com camadas finas de sal. O tempo necessário para que uma porção de peixe esteja pronta para ser levada ao sol para secar é de, no mínimo, vinte e quatro horas.
O processo de salgar o peixe à mão
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A salga do peixe à mão é feita pegando-se o peixe peça por peça; o pescador pega o peixe e abre os lombos retalhados e vai salpicando o sal em abundância nas entranhas, sendo que todas as partes cortadas do peixe devem ser salpicadas com o sal. O peixe salgado à mão é acondicionado em qualquer recipiente, e colocado aberto um sobre o outro para depois ir ao sol. O tempo mínimo de maturação é de vinte e quatro horas.
A conservação do camarão
A conservação do camarão passa pelos processos do gelo e do cozimento com sal. Tradicionalmente, este produto era somente conservado, pelo método do cozimento com sal para em seguida ser posto ao sol para secar, completando o processo de conservação no sistema de camarão seco cozido com casca ou sem casca. Na atualidade, uma parte do camarão cozido com sal é salpresa, sendo a outra seca. Somente o camarão com destino certo, sem casca, é que irá ao sol para secar. Atualmente, o gelo é um dos elementos principais na conservação do camarão para a comercialização.
O camarão cozido salpreso
Para conservar o camarão com sal para salpresá-lo é necessário que o mesmo passe pelo processo do cozimento. O camarão, logo após a sua captura, é escolhido e, em seguida, posto num tacho para ferver em salmoura feita especialmente para ferver camarão. Esta salmoura é inicialmente feita com água salgada, seguindo os mesmos procedimentos feitos para conservar o peixe. A salmoura é colocada em um taxo e, logo em seguida, é posta 128
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uma camada de camarão que, logo depois, será coberta por uma camada de sal. Geralmente, são postas duas camadas, de acordo com este ritual. O camarão ferve até que a espuma da fervura esboce cobrir a parte de cima que está cozinhando. A partir daí é feita a primeira virada do camarão fervendo, o que corresponde em se colocar o camarão de baixo para a parte de cima. Depois de virado o camarão no taxo, este é cozido ainda por algum tempo para ser tirado do fogo. Em seguida, o camarão é derramado num recipiente (cofo de palha de babaçu) para escorrer o grosso do caldo, que é retido numa vasilha para depois ser reaproveitado em outros cozimentos. O camarão, depois de se escorrer o grosso do caldo, é acondicionado no cofo de palha de babaçu, ficando à espera do comprador. Durante o tempo em que o camarão acondicionado fica à espera de ser negociado, vão sendo adicionadas sobre o produto porções de sal fino, dia após dia, enquanto este permanecer no processo de comercialização. Isto começa quando o pescador termina de torrá-lo, e finda quando chega às mãos do consumidor.
O camarão cozido seco
O camarão cozido seco serve apenas par perder a casca e se tornar camarão batido ou camarão sem casca. O camarão batido é um produto bastante comercializável. Para se obter o camarão desta forma é necessário que este passe pelo processo da fervura com sal, sendo que esta fervura durará menos o mesmo tempo gasto no processo do camarão salpreso. O camarão, para descascar, vai ao sol secar até que a casca esteja solta, facilitando o processo final do preparo do camarão batido. O camarão sem casca é 129
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acondicionado inicialmente pelos pescadores em sacos plásticos, ficando abafado. Esta forma de acondicionamento é preferida por razões que, segundo os pescadores, além de proteger o camarão sem casca, possibilita que este encharque na umidade do sal, aumentando no peso e rendendo um lucro maior.
A conservação do pescado segundo o método gelado
A conservação do pescado segundo o método gelado, na região do arquipélago de Maiaú, é uma prática que demonstra a introdução de tecnologias na forma de conservação do pescado e o conseqüente desenvolvimento nas relações de produção dos pescadores artesanais de subsistência. A técnica permitiu aos pescadores e aos comerciantes o manejo facilitado para conservar o produto, garantindo ainda maiores possibilidades de comercialização. O gelo chegou inicialmente na região por volta da década de sessenta do século passado, com as embarcações geleiras que comercializavam o pescado com destino aos mercados de São Luís. Estas embarcações transportavam o gelo nos porões, em forma de urnas. Durante o processo de produção do pescado, as geleiras iam recolhendo o produto e acondicionando nos porões, seguindo o processo conhecido como congelamento. A introdução do gelo, juntamente com o poliestireno (isopor) na forma de caixas, criou outras possibilidades para a conservação com gelo, que pode chegar em pequenas quantidades até o pescador artesanal de subsistência, acondicionado nas caixas, o que interferiu de forma significativa no manejo do produto com o método salgado seco. Qualquer comerciante local ou itinerante que não possuíam meios de transporte e dependiam das 130
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geleiras que operavam regularmente, passaram a contar com uma periodicidade mais freqüente no abastecimento do gelo. A distribuição do gelo é feita tanto nas comunidades quanto nos locais de pesca. Nas comunidades, este processo é controlado pelos comerciantes locais e atravessadores, enquanto que nos locais de pesca os próprios pescadores carregam caixas de isopor cheias de gelo e, na medida em que vão pescando vão fazendo o congelamento, acondicionando o produto nas caixas de isopor para posterior transferência do pescado nas comunidades, onde geralmente os atravessadores estão à espera do peixe. Em alguns casos, os atravessadores se deslocam até os pesqueiros para recolherem parte do produto da captura antes que a jornada de pesca termine.
A conservação do peixe com gelo nos barcos pesqueiros e geleiros
O peixe conservado com gelo nos porões de barcos que pescam e gelam o produto da captura é acondicionado em divisórias chamadas de urnas, localizadas no interior das embarcações. Nestes espaços, são depositadas certas quantidades de gelo que deverá ser utilizado para posterior manejo na conservação do produto adquirido durante a pescaria. O gelo pode se apresentar em forma de barras ou de escamas, de acordo com as possibilidades do mercado geleiro. Nos porões, o peixe vai sendo depositado nas urnas em camadas entremeadas com gelo e, durante o processo, as urnas vão sendo preenchidas conforme suas capacidades.
O congelamento do peixe em caixas de poliestireno (isopor) 131
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Para conservar peixe natural em caixas de isopor, os pescadores ou comerciantes do gênero enchem caixas de isopor com gelo em escama ou em barra, e transportam estas até os locais apropriados do congelamento. Entre as caixas com gelo estão algumas caixas vazias, em quantidade bem menor do que as cheias, que servem para dar início ao processo. Nas caixas vazias vão sendo colocadas as camadas de peixe e gelo enquanto vão sobrando espaço nas outras para posterior congelação.
A conservação do camarão com gelo nas caixas de isopor
A conservação do camarão com gelo nos pesqueiros da pesca artesanal em Maiaú é feita somente em caixas de isopor, sendo que o processo passa por etapas. Num certo momento a água fica bastante gelada, mediante a mistura do gelo com a água. Em seguida, o camarão vai sendo mergulhado aos poucos n água, de forma que este deverá ficar sempre boiando na água gelada, permanecendo ali até que se perceba que a água esta mudando de cor, ficando escura. Neste momento, a água gelada deve ser trocada para então garantir a qualidade do produto até seu posterior transporte para outro processo de conservação. Capitulo sexto A salga
A salga do peixe como método utilizado para conservar pescado é uma herança cultural que persiste em todas as comunidades de pescadores que praticam a pesca artesanal de subsistência, embora existam detalhes quanto à forma atual de conservação. 132
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Este método tradicional permite ao pescador conservar os produtos da pescaria durante as jornadas prolongadas nos ambientes distantes das comunidades e dos centros comerciais. O método deu origem a uma situação genérica, que reúne pescadores de diversas modalidades da pesca artesanal para executarem o que denominam de salga, ou seja, define a simples reunião dos pescadores em qualquer lugar piscoso para pescarem e conservarem o produto da captura com sal. O termo também se refere simplesmente a um recanto onde os pescadores podem se refugiar pescando em algum lugar, já que atualmente em certos pontos os comerciantes alcançam os pescadores e lhes fornecem gelo, para depois irem buscar o produto, deixando novamente o gelo. Assim, os pescadores permanecem nos pontos de pesca durante a jornada necessária sem precisar salgar e secar o seu produto, da forma tradicional utilizada pela maioria dos salgueiros. Este segundo processo recebe a denominação de salga molhada. A salga é um processo pelo qual tem passado os trabalhadores da pesca artesanal através dos tempos para acumularem uma produção. Os objetivos do procedimento são acumular excedente para suprir necessidades de consumo e alcançar padrões econômicos que permitam condições para adquirir bens. Portanto, a salga aqui abordada significa uma forma de manejo dos recursos biológicos marinhos, utilizados por pescadores artesanais nas diversas modalidades da pesca para as quais estes estão habilitados. Este processo se constitui por meio de uma série de condições que permitirão a efetivação de uma jornada de salga, tais como as condições físicas do ambiente, as condições econômicas e sociais e as condições psicológicas do grupo. O processo se confirma quando um grupo de pescadores se convence de que a produção pesqueira dos arredores da comunidade de origem se tornou escassa, e que é 133
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preciso procurar outros pontos de pesca para continuarem a manutenção de suas famílias e arrecadarem algum excedente para comprarem objetos dos quais estejam necessitando com maior urgência. Dessa forma, estes pescadores vêem na realização da salga a saída para a resolução de muitos de seus problemas. Ao longo do processo, começam os preparativos para uma salga, desde a composição do grupo, a escolha das modalidades de pesca que serão trabalhadas, a preparação dos instrumentos e a escolha do patrão. Para a composição de um grupo de salgueiros é necessário que estes estejam afinados em seus relacionamentos pessoais e de acordo com as modalidades de pesca que serão utilizadas na salga, assim como a unanimidade do grupo quanto ao nome que será escolhido para ser o chefe da salga, aquele que terá a palavra final dentro do processo. Nesta última condição repousa o sucesso ou o fracasso de uma salga. As condições meteorológicas são de fundamental importância nas decisões que influenciam o destino do grupo ao deixar a comunidade para realizar uma jornada de salga. Os ventos fortes determinam um destino, enquanto que os ventos brandos influenciam para a tomada de outro rumo; no verão, quando o vento está constantemente forte, os pescadores de salga buscam os pontos de pesca que estejam encobertos, ou seja, mais para dentro dos canais, nas ilhas e pontas próximas dos continentes. Por outro lado, durante o inverno, quando o vento se apresenta brando, os pescadores se aventuram mais para o descoberto, mais para fora em relação ao continente. No verão, o vento forte dificulta a navegação em mar aberto para os pescadores que realizam a pescaria de salga, pois a quebradeira das maresias afugenta os peixes das ilhas e das croas oceânicas localizadas em mar aberto, e a falta de chuvas desidrata alguns pontos de pesca, impossibilitando o local quanto ao fornecimento de água potável aos pescadores. 134
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Então, esses pontos se tornam impróprios para a realização da pescaria com as modalidades que são utilizadas pelos pescadores salgueiros. No inverno, as dificuldades impostas à navegação pelas condições do tempo, interferindo na piscosidade e na obtenção de água potável nestas áreas desaparecem, tornando-as mais aptas para os salgueiros. Os ciclos das marés, determinados pelos ciclos lunares, também são de extrema importância para determinar o período da pescaria. O grupo se programa dentro das condições próprias da maré. As marés de quebra, que vão da maré de lua nova para a maré de quarto crescente são consideradas impróprias para um grupo de salgueiros sair para iniciarem uma salga. Isso acontece devido à constatação de que neste período acontece de os pesqueiros diminuírem drasticamente a piscosidade, sobretudo durante os primeiros dias que antecedem ao quarto crescente, bem como os dois dias subseqüentes a essa fase da lua. Portanto, a saída do grupo ocorre logo depois do quarto crescente, quando a maré lançante indica melhores condições de pesca, permanece durante a lua cheia e se prolonga até dois dias nestes da próxima maré de quarto, neste caso, minguante. Neste período da lua, as modalidades de pesca de beira são as beneficiadas, tanto para a pesca do camarão quanto para a de peixe. Na maioria das vezes, quando a pescaria de salga é para peixes são escolhidas no máximo duas modalidades para o manejo em cada grupo, uma modalidade coletiva e outra de responsabilidade individual. Uma vez escolhidos os componentes do grupo, as modalidades de pesca e quem será o chefe da salga, passa-se para a realização da aviação do grupo. Após tal procedimento, o grupo se desloca para os pesqueiros próximos do suporte estrutural, que se constitui de ilhotas em que os pescadores ficam acampados durante o tempo que durar a salga. Na 135
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maioria das Ilhas existe água potável durante todo o período chuvoso, e até durante um ou dois meses depois da estiagem. As ilhas possuem ranchadas especialmente construídas para a salga. Existem algumas poucas ilhas que podem abastecer os salgueiros com água potável por todo o ano. Existem ainda algumas Ilhas utilizadas como suporte estrutural para a salga sem quaisquer condições básicas. Nestas ilhas, os salgueiros que se aventuram são obrigados a levar seu abastecimento de água e material próprio para fixar acampamento. Nestes ambientes adversos, a permanência se torna curta e cuidadosa. Quando um grupo sai para uma salga, já está previamente decidido o local no qual será fixado acampamento, assim como já estão definidos os pontos pesqueiros, o que não é, contudo, definitivo. Muitas das vezes os locais são escolhidos depois da saída do porto ou a partir da constatação de que houve equívoco em relação à piscosidade do local previamente escolhido. Os salgueiros tratam-se mutuamente como companheiros, estabelecendo entre si uma solidariedade no tratamento e na execução das tarefas, solidariedade esta que naturalmente se esgotará com o decorrer da salga. O grupo se solidariza a partir de elementos condicionantes determinados no estado em que se encontra o meio natural explorado. O ambiente inóspito funciona como condicionante para aqueles que terão a companhia da solidão em contraposição ao meio social comunitário do qual partiram. As dificuldades do habitat marinho construirão nos integrantes do grupo comunitário elementos de solidariedade em relação aos compromissos assumidos para a plena execução da tarefa, sem nenhuma ordem preestabelecida anteriormente. As soluções para os eventuais problemas que surgirão durante o trabalho surgirão a partir das inúmeras situações que forem criadas durante todo o processo da salga. 136
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Porém, a solidariedade ficará cada vez mais tênue na medida em que as condições psicológicas estabelecerem o grau de esgotamento dos pescadores, tanto físico quanto psicológico, em relação ao impacto imposto pelos agentes naturais durante a realização da salga. O grupo recém chegado ao ponto de apoio próximo do pesqueiro se preocupará primeiramente em montar acampamento. Se ainda não houver rancho no local, o grupo deverá construir um ou improvisar acampamento debaixo de alguma árvore grande. Geralmente, os pescadores se abrigam de forma improvisada nos locais onde não existem ranchos. Estes espaços são normalmente usados nos períodos não chuvosos, sendo a coberta feita apenas para proteger os pescadores do sol e do sereno noturno. Nos períodos chuvosos, será necessária a construção do rancho, com capacidade para abrigar os pescadores das chuvas e dos ventos fortes dos aguaceiros. O rancho é construído com paus de mangue tirados nas redondezas; o madeirame serve para construir o esqueleto e fazer o assoalho. A coberta é feita com palha de coco babaçu, sendo tal material trazido pelos pescadores de suas comunidades num processo que dura mais de uma salga. Um rancho é sempre construído em lugares estratégicos para os pescadores, próximos de portos e dos locais apropriados para escavação de poços visando obtenção de água potável, e sem prejuízo para o deslocamento do grupo na hora das pescarias. O arranchamento estará completo após o desembarque dos instrumentos de pesca, tanto coletivos quanto individuais, assim como dos pertences e dos mantimentos do grupo. Os instrumentos de pesca coletivos representam a principal modalidade e os individuais são apetrechos que os pescadores levam para a salga com o propósito de aumentar o rendimento individual. 137
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No rancho serão armazenados os mantimentos do grupo, que são de uso comum, assim como o débito, que é de todos os companheiros que trabalharão em primeiro lugar para pagá-lo. As despesas feitas com mantimentos são deduzidas logo na primeira produção da pescaria, sendo estas debitadas para desconto no momento em que a salga estiver encerrada; isto significa que o débito é logo descontado para que depois possa ser feita a partilha do restante do produto da pescaria, de acordo com o sistema de partilha que regulamenta a divisão dos quinhões entre os pescadores. O grupo salgueiro, antes de partir, adquire duas formas de débitos, uma coletiva e outra individual. A forma coletiva é a que corresponde aos gêneros adquiridos para a alimentação, combustíveis e para a conservação do pescado na salga, enquanto que a forma individual corresponde às despesas com os gêneros alimentícios que ficarão com as respectivas famílias dos pescadores, representando o crédito para estas no comércio local. Além disso, existem produtos que alimentam o vício do pescador (cachaça e cigarro). Em raras ocasiões, o gasto com o vício é debitado no monte, ou seja, com a despesa coletiva. A relação de crédito é construída pelo relacionamento comercial existente no litoral ocidental maranhense entre pescadores de salga, comerciantes e atravessadores, que assumem o papel de patrões dos salgueiros. Para que este crédito seja concedido, o grupo assumirá mediante o seu chefe (que é quem tem a relação de confiança com o patrão) o compromisso de vender o produto da salga para o respectivo patrão, enquanto este deverá assumir o papel de fornecedor, financiador e avalista dos membros do grupo. Tais compromissos se esgotarão no final da jornada, sendo que na próxima salga o grupo poderá estabelecer compromisso com outra pessoa. Em raríssimas ocasiões, ocorre que um grupo se auto-sustenta durante a salga, o que garante a liberdade de comercializar o produto com 138
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mais desenvoltura, processo que leva o grupo a escolher preços, e assim participar da concorrência entre os compradores e atravessadores na região, livrando os pescadores da condição de não poder exigir melhores preços para o seu produto. O controle mantido pelo patrão, que geralmente é o comerciante da região, ocorre pelo fato de este oferecer aos pescadores a possibilidade de executarem uma salga mediante a concessão do crédito. O crédito faz com que os pescadores contraiam débitos impagáveis, ficando estes reféns do patrão, que passa então a ditar as regras do valor de mercado dentro da comunidade. A maior parte desta dívida é contraída quando o pescador está em terra, descansando da última jornada de pesca e se preparando para a próxima. Em cada possibilidade de salga acende-se no pescador a esperança de aumentar o produto da captura para lhe render um lucro maior, o que garantiria o pagamento do débito. Desta forma, resta aos pescadores permanecerem durante todo o ciclo da pescaria amarrados ao sistema imposto pela lei do mais forte no mercado de peixes situado nas margens dos igarapés, nas bordas de canoas, e ainda nos portos ou nos ranchos. Os pescadores salgueiros submetidos ao sistema de compra a crédito estão sujeitos a venderem seus produtos pelo valor que convier ao patrão ou atravessador, garantindo a este a melhor margem de lucro. Na maioria das vezes, o pescador vê o seu produto ser vendido na sua frente por um preço muito maior do que ele vendeu ao patrão. A maioria deles nunca sabe quanto custa a revenda do produto que acabou de passar ao patrão. O atravessador determina o valor de compra para os produtos do pescador de acordo com o valor de mercado; a relação de credor existente entre pescadores e atravessadores estabelece uma grande comodidade ao mesmo, que se torna dono da exclusividade na hora da compra do produto. Tal posição privilegiada, aliada à falta de informação do pescador, que 139
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geralmente está distante dos valores de mercado do pescado, alimenta a manutenção do processo de exploração. Vale ressaltar que a desinformação se deve em muito à formação de um cartel pelos compradores, que impõem os valores de forma combinada, de modo que cada um deles pratica valores coincidentes, o que confunde o pescador.
O grupo
O grupo salgueiro, formado a partir de uma comunidade, é constituído de forma homogênea, no âmbito de um contexto próprio, regido por leis auto-suficientes que sustentam as relações domésticas da sociedade comunitária, centrada nas condições de solidariedade durante o processo de construção da estrutura da vida cotidiana em ebulição marcada pela divisão social do trabalho. As necessidades que obrigaram a formação de um grupo para realizar uma salga, levam num primeiro momento cada um dos membros a desconsiderar qualquer dificuldade que porventura seja aparente em qualquer outra situação nas relações domésticas da produção comunitária. As questões fundamentais que levaram à formação do grupo continuarão homogêneas na concepção de cada membro que está prestes a se desligar das relações familiares, mais orgânicas, para se dedicar de corpo e alma à execução das tarefas da salga; isto levará o pescador a uma dedicação inicial especial antes da partida da comunidade, e até mesmo durante alguns poucos dias depois da partida. Trata-se de uma capacidade solidária especial em consideração às relações de solidariedade comumente estabelecidas numa comunidade de pescadores desta parte do litoral. 140
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O grupo, ao ser formado, será integrado por membros de famílias diferentes na comunidade, o que levará naturalmente o grupo, no decorrer da salga, à formação do subgrupo, que se caracteriza pela composição de um grupo que, ao se formar, integra membros de famílias diferentes da comunidade. Neste contexto, a família que possui o maior número de pessoas forma o grupo dominante. Noutra situação, o subgrupo dominante pode se formar a partir das posses de determinados indivíduos; neste caso, o subgrupo dominante pode estar em minoria em relação à quantidade de pessoas, mas a posse de algum bem de valor imprescindível na salga, como a canoa, responsável pelo transporte do grupo e do produto, sem a qual o grupo não consegue sair do local da salga ou não pode voltar para casa, garante ao proprietário um papel importante na formação do subgrupo dominante, podendo ser ele ou outros num universo de cinco salgueiros. Comumente, um subgrupo dominante tem sua origem na formação familiar que caracteriza estes ajuntamentos de pessoas para realizarem tarefas difíceis em ambientes inóspitos, como se caracteriza a salga realizada pelos pescadores no arquipélago de Maiaú. Na formação do grupo salgueiro principal no interior da comunidade, geralmente a liderança é um chefe de família que dispõe de experiência e prática da pesca em ambientes próprios para a realização da salga, proprietário dos utensílios de pesca ou com prestígio para arrendar os pescadores, e que merece a confiança do patrão para adquirir os créditos necessários da aviação. Este pescador reúne seus familiares, e completa o grupo com membros de outras famílias da comunidade. Por este processo será garantida a hierarquização que balizará o
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desenvolvimento da salga. O conhecimento e a experiência do chefe garantirão o desempenho e o sucesso do grupo. O indivíduo da comunidade que parte para uma salga, quando não pertence à família dominante, terá uma função secundária na direção das tarefas, tanto na execução de trabalhos de caráter privilegiado quanto na realização de trabalhos leves. Estando em minoria e sem trastes deverá obedecer e realizar uma carga maior de obrigações para se manter no grupo, submetendo-se às condições impostas. Existem situações em que algum companheiro secundário detém uma experiência que lhe permite perceber aspectos da região que possibilitará algum sucesso para o coletivo da salga. Contudo, fica em silêncio, obedecendo às ordens do chefe, seja por respeito hierárquico ou para não tornar conhecidas as particularidades do local, visando retornar em outra ocasião para explorar a região como elemento principal.
Pescaria de salga para peixe
Com a equipe formada, com os mantimentos e utensílios próprios a bordo, e escolhido o local da jornada, então os pescadores estão preparados e seguem viagem rumo ao arranchamento pesqueiro, que se completa quando o grupo se aloja nas dependências do rancho. Ali, cada um escolhe um lugar para armar a rede de dormir e colocar a bolsa contendo os pertences pessoais. Quando o rancho não pertence a algum membro daquele grupo e está ocupado, os chegantes pedem permissão para o alojamento e, se este estiver lotado, será preciso improvisar acampamento nas imediações, que se efetivará mediante construção de 142
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paliçadas com galhos de mangue e cobertos com lonas. Feitas as acomodações, os pescadores se organizam para a primeira pescaria, que geralmente corresponde à pescaria de bóia, pois o grupo sempre faz uma viagem longa até o local da salga. Portanto, os pescadores chegam com bastante fome e esgotados fisicamente, impossibilitados para realizarem tarefas de grande esforço, como exige as tarefas da salga. Os pescadores precisam, primeiramente, recuperar as energias para depois procederem com a salga no sentido de obterem os resultados desejados. Nos dias seguintes, os participantes estarão ocupados nas tarefas domésticas e profissionais. As tarefas domésticas consistem em cortar lenha, fazer comida, cavar cacimba e carregar água para o consumo do grupo; estas serão determinadas e distribuídas pelo chefe da equipe. Com o decorrer da salga, as tarefas domésticas passam a representar um complicador para a convivência pacífica do grupo, pois com o tempo os membros da equipe, já esgotados fisicamente, vão relaxando em relação ao trabalho, um esperando pelo outro para executar as tarefas, enquanto o tempo passa e o afrouxamento execução destas tarefas fundamentais para a sobrevivência do grupo no local da salga causa os mais diversos transtornos do grupo. A relação social doméstica estabelecida no contexto comunitário dos salgueiros é constituída por começo, meio e fim. No início, o grupo se apresenta coeso, ainda na expectativa do sucesso da salga, animados pelas necessidades que os impeliram para a realização da mesma, favorecendo expectativas otimistas que, no decorrer da jornada vão se transformando em novas relações impostas pelos fatores ambientais e sociais do processo de produção, que imporão aos companheiros animosidades comportamentais responsáveis pela dissolução do grupo e, conseqüentemente, pelo fim da jornada de salga. 143
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Capitulo setimo
Relações conflituosas: relacionamento entre diferentes grupos de pescadores num mesmo local de trabalho O pescador artesanal, para se apropriar dos frutos do mar, depende, além dos instrumentos compostos pelos utensílios de pesca, das características físicas do meio ambiente em questão, dentre as quais o clima, ciclos lunares, dos períodos mais ou menos férteis e das relações com grupos da mesma comunidade ou de outras que atuam numa mesma região. A produção de valores de uso e de consumo, a apropriação das condições reais de trabalho, a utilização do mar como fonte original de trabalho e, ao mesmo tempo, como laboratório e reservatório de matérias primas. As condições naturais inóspitas encontradas pelos seres humanos no arquipélago provocam situações que os transformam em seres adaptados num meio que, de momento em momento os leva a enfrentar as adversidades do local, com sua complexidade, o que exige criatividade instantânea durante a realização da tarefa produtiva. Estas relações criam conflitos que estabelecem diferentes graus de relacionamentos entre pescadores, no momento da execução de suas atividades quando compartilham o mesmo espaço pesqueiro.
A queima¹
A queima de uma atividade pesqueira ocorre quando um grupo de pescadores estende uma armadilha ao mesmo tempo em que outro coloca a sua, logo na frente da 144
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primeira, num espaço muito curto conforme o sistema de cada modalidade, inviabilizando a captura do primeiro grupo. Esta atitude provoca desequilíbrio no relacionamento entre os grupos, naquele instante.
A queima na modalidade camarão de arrasto
Os dois companheiros da modalidade camarão de arrasto se deslocam pelas beiradas em busca dos pontos melhores para a captura. No mesmo momento, muitos outros estão no local com o mesmo objetivo. As pequenas canoas, movidas a remo, vão se deslocando pelos igarapés em constante velocidade; quando alguns chegam primeiro no pesqueiro, logo iniciam a atividade, até que alguns retardatários chegam. Estes, ao perceberem a presença dos primeiros, passam a remar ao longe, imprimindo mais velocidade. Quando ultrapassam os primeiros arrastadores, logo se deitam na água, estendendo a armadilha freneticamente num espaço muito próximo ao dos outros, frustrando assim o arrasto dos que primeiro exerciam a atividade naquele momento. A reação é imediata, com xingamentos e ameaças. No entanto, são raras as vazes em que o problema acaba em agressão física. O acontecimento se prolonga durante toda a noite, em todas as beiradas onde é exercida a pesca de camarão com a modalidade arrasto com puçá.
O conflito gerado pela despesca das armadilhas de outrem
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Esta situação acontece com mais freqüência com as modalidades estáticas, aquelas que por natureza são fixas. Certos pescadores, numa escala bastante acentuada, quando passam pelas armadilhas alheias se sentem tentados a se apropriar do pescado preso nas mesmas, deixando o proprietário que se atrasou na despesca sem o produto daquela pescaria, o que o dono da armadilha muito irritado, em busca do autor do prejuízo. Dificilmente ou quase nunca o pescador prejudicado se sairá bem naquele momento, restando apenas, às vezes, a notícia de quem teria sido o larápio do instante. Identificado o infrator, com provas, ele é procurado e então acontecem desavenças. O resultado é que aquele que acabou de sofrer o prejuízo tem que se conformar com a situação e ficar à espera para que, numa próxima oportunidade possa pagar o larápio com a mesma moeda. Em grande escala é assim que os pescadores isolados dos meios repressivos do estado resolvem seus conflitos em locais apartados dos grandes centros urbanos, sem prejuízo da própria existência social, em conformidade com os costumes e com a tradição secular do local, como ocorre em Maiaú. Capitulo sexto Os ventos na concepção dos pescadores artesanais de subsistência no arquipélago de Maiaú
Para os pescadores artesanais de subsistência do arquipélago, os ventos são de fundamental importância para o desenvolvimento das atividades pesqueiras na região. Do vento depende a brandura ou a bravura do mar, e dele dependerá o pescador para se aventurar em busca da captura de cardumes de peixes nas beiras de águas rasas ou nas águas profundas dos canais. 146
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Os ventos fortes
Para os pescadores, quando os ventos sopram forte causam dificuldades tanto para a navegação quanto para a simples realização da tarefa pesqueira, na beirada de águas rasas ou nas águas profundas dos canais abertos das reentrâncias, o que exige fortes embarcações e tripulação suficiente. As maresias provocadas pelos ventos fortes causam desequilíbrio a bordo, afugentam os peixes e, conseqüentemente, o perfeito desenvolvimento da pescaria. Nas águas rasas das beiradas os ventos fortes afugentam os peixes, que buscam as águas tranqüilas das beiras para se alimentarem, tornando-se presas fáceis para os pescadores artesanais de beira, que subsistem com seus apetrechos rústicos formando a maioria das modalidades onde a pesca artesanal tem sua maior densidade.
Os ventos fortes que sopram do norte ou do sul
Na concepção dos pescadores artesanais de subsistência de Maiaú, a direção de onde o vento forte sopra apresenta significados e efeitos diferentes na realização da pescaria. Em algumas localidades, o vento que sopra forte do norte atrapalha a realização de algumas modalidades de pesca de beira; as quebradeiras das maresias nas águas rasas desestabilizam o pesqueiro porque, além de afugentar os peixes tornam impraticável o desenvolvimento das modalidades de pesca. A armadilha curral, por exemplo, sofre danos irreparáveis com as quebradeiras das beiradas, danificando-as a ponto de inviabilizar por completo o seu funcionamento durante o período dos ventos fortes. Isto acontece quando as armadilhas ou as modalidades em uso 147
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são praticadas nas beiradas expostas de frente para o norte, o mesmo acontecendo com as beiradas expostas para o sul. Por esta razão os pescadores artesanais estão sempre torcendo pela mudança do vento que está soprando quando estes estão realizando suas tarefas expostos na direção do vento norte ou do vento sul; quem está na direção do norte torce pela chegada do vento sul, e vice e versa. Independentemente do lado em que os ventos fortes sopram os efeitos sobre as atividades da pesca artesanal de subsistência são causadores de influências negativas. Os marulhos, agitação geral das águas deixam os pesqueiros impróprios durante toda uma estação do ano. Este período é conhecido como o de entre safra. Ocorre, no Maranhão, durante a estação do verão, caracterizada pela ausência de chuvas.
Os ventos brandos
Durante a estação do inverno, quando os ventos sopram menos fortes, o fato significa para os pescadores artesanais do arquipélago os bons ventos que favorecem as calmarias, possibilitando assim as pescarias de beira com sucesso, permitindo ainda que os pescadores artesanais de subsistência se aventurem pelos canais em suas embarcações precárias, munidos com seus apetrechos. É nesta época do ano que se tem como o período da safra do pescado para esta categoria de pescadores. Capitulo sétimo A maré na concepção do pescador artesanal em Maiaú
Maré de quarto 148
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A maré de quarto apresenta características variadas para os pescadores artesanais em relação às diversas modalidades da pesca artesanal aplicadas na região do arquipélago de Maiaú. Durante o período da maré de quarto, os pescadores artesanais estão ocupados principalmente com o conserto dos utensílios de pesca, utilizados durante o processo da captura no período do lançante e quebra da maré, ou seja, a pesca artesanal se desenrola nos intervalos entre as marés de quarto minguante (dois dias depois do quarto) e crescente (dois dias antes). O pescador artesanal em Maiaú quase não pesca durante as marés de quarto; nessas ocasiões, as pescarias se resumem a pequenas incursões de pesca para adquirir algum alimento, pescando-se com linha de mão ou com pequenas redes pelos portos e locais próximos de casa. A pesca artesanal comercial tende a explorar mais regularmente a maré de quarto; as modalidades como espinhel e malhadeira goseira de canal pescam preferencialmente durante a maré de quarto na região. Isto acontece porque, na região, no período próximo de quarto (antes e depois), a água fica mais limpa, favorecendo a pesca com espinhel, pois a isca fica visível para os peixes, enquanto que para a goseira, o que vale é a força da correnteza, que diminui no período, favorecendo a modalidade.
Maré de Lua Nova e de Lua Cheia
A maré de lua nova tem início a partir de uma escala crescente que começa depois do quarto minguante. No dia de maré de quarto minguante, quando esta atinge o ponto máximo na escala decrescente de lua cheia para a de quarto minguante, a maré fica estacionada por 149
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um ou dois dias quando o quarto for morto ou pungado¹, ou seja, durante o período estacionário a maré sofre alteração somente no horário, ficando seguidamente mais tarde uma hora a cada vinte e quatro horas, e permanece no tamanho referente à marca na praia no sentido preamar e baixa-mar, de forma inalterada. O quarto pungado define a próxima maré de lua, se esta vai ou não ser a maior maré de lua em relação à imediatamente passada. Se o quarto pungado acontecer no quarto minguante, isto significa que a maré subseqüente, de lua nova, será a mais forte. Caso o quarto pungado aconteça no quarto crescente, isto significa que a maré de lua cheia será a mais forte. Este fenômeno dá ao pescador artesanal a possibilidade de prever a fertilidade da maré de lua em relação ao estágio de produção, ou seja, depois do quarto pungado a pescaria será mais fértil. Isto ocorre porque quando a maré fica bem fraca, ela não lava o mangue por completo, e não adentra as cabeceiras dos rios ou igarapés. Quando a maré é forte, adentra o mangue e chega às cabeceiras, trazendo nutrientes que atrairão o peixe para as partes rasas da costa e das reentrâncias, locais onde acontece a maioria das modalidades da pesca artesanal marinha. Para os pescadores artesanais, a maré de quarto morto ou pungado pode ser a de quarto crescente ou minguante, dependendo de qual ciclo é predominante, ou seja, conforme for o tamanho da maré de lua de acordo com a elevação desta na preamar, qual delas sobe mais que a outra, se a de lua cheia ou a de lua nova. Esta determinação define por um período de oito meses o domínio de uma sobre a outra, respectivamente. O que quer dizer que a maré de lua cheia cresce em relação à marca de preamar mais que a de lua nova por 150
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um período mais ou menos de oito meses. Findando esse processo, quem vai crescer mais é a de lua nova pelo mesmo período, e vice e versa. A maior maré de lua tem início quando o quarto pungado termina; nesta escala a maré vai subindo a cada doze horas. Este efeito é notado na marca da preamar, pela marca que a maré deixa assim que vaza ou escoa. É a chamada lançante d`água ou lançante da maré. A cada lançado a maré vai ficando maior em relação àquela imediatamente anterior, até atingir o ponto máximo no dia de lua ou logo após este dia, conforme a determinação do ciclo; se vier do quarto pungado (no caso do quarto minguante) a maré lançará um ou dois dias depois de lua nova. Se o quarto pungado vier do quarto crescente, lançará um ou dois dias depois da lua cheia. Quando o quarto pungado acontecer no quarto minguante, a maré mais forte acontecerá na lua nova seguinte. Caso o quarto pungado aconteça no quarto crescente, a maré dominante acontecerá na próxima lua cheia. A maior maré de lua nova tem início logo após o quarto morto, aquela em que a maré começa a crescer logo após o dia de quarto minguante, coincidindo com o mesmo período lunar. Isso acontece ao atingir o ponto máximo no dia de lua nova, ou seja, a maré de lua nova atinge seu pico no mesmo dia em que a lua completa seu ciclo, o mesmo acontecendo em relação à lua cheia. O potencial das marés de lua varia em relação ao sistema produtivo da pesca artesanal. A maré de lua nova, ou maré de escuro, quando a claridade da lua não resplandece sob nossas cabeças, apresenta possibilidades diferenciadas conforme as
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modalidades da pesca artesanal aplicadas na região. A pescaria com a rede fica prejudicada durante a noite. A escuridão propicia a visibilidade de fachos luminosos na água quando a rede entra em atrito com esta, pois na água existem microorganismos ou organismos maiores que provocam bioluminescência. O efeito dos fachos luminosos afasta os peixes das armadilhas. Alguns truques são realizados de acordo com as modalidades. Na pescaria de camarão de arrasto é colocada uma tocha de fogo dentro de uma lata com um chumaço feito com fios de algodão embebido em óleo diesel ou querosene, que fica sobre um pedaço de material flutuante em forma de canoa, flutuando atrás da puçá, emitindo um facho de luz na armadilha com o objetivo de diminuir a incandescência da maré de escuro, que espanta o camarão branco. A maré de lua cheia representa uma maior fertilidade para os pescadores artesanais durante a noite, pois possibilita que uma quantidade maior de armadilhas seja utilizada para a captura de peixes ou de camarões. SEGUNDA PARTE
O Desenvolvimento histórico e as questões sustentáveis em Maiaú
Desenvolvimento Econômico
A produção do pescado, a produção na mineração saleira e o comércio na região de Maiaú Capitulo oitavo 152
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A evolução da produção de pescado na pesca artesanal a partir de 1940
Este indicativo de data é baseado nos depoimentos dos pescadores artesanais, colhidos em 2003, nascidos entre os anos de 1923 e 1934. Estes pescadores residentes na comunidade de Lençóis afirmaram ter presenciado diversos fatos ligados à pesca, quando ainda eram crianças e adolescentes, trabalhando como acompanhantes dos pais nas atividades pesqueiras na região do arquipélago. Segundo Evilásio Santos, na década de quarenta do século passado a produção de pescado na região do arquipélago de Maiaú era abundante, e não existiam redes malhadeiras, sendo que as modalidades existentes possuíam capacidades inferiores de captura em relação aos dias atuais. Segundo ele, “as zangarias eram menores em tamanho e em quantidade, assim como os apetrechos de outras modalidades”. A grande produção só veio aparecer com o aumento dos investimentos, tanto nas tecnologias dos instrumentos de pesca quanto nas de transporte e conservação do pescado. Os investimentos feitos a partir da década de setenta do século passado foram decisivos para o incremento da produção do pescado na região do arquipélago de Maiaú. Com a descoberta de grandes cardumes por pescadores de outras localidades, a notícia correu e apareceram outros interesses além dos locais. Evilásio Santos relata ainda que, por volta de 1940, quando ele tinha dezessete anos, “as redes eram menores que as de hoje, e eram tecidas com fio de algodão, sendo a produção por rede bem melhor do que hoje, mesmo as redes daquela época sendo menores e mais difíceis de manejar”. Evilásio Santos
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continua afirmando que em sua época a produção de pescado atingia determinado patamar segundo os instrumentos utilizados na captura. Como foi relatado acima, ele afirmou ser uma zangaria da época bem menor que as atuais. Em seguida, expõe o material com o qual eram confeccionadas as redes zangarias, um material ultrapassado e de difícil manipulação, inferior aos atuais que estão sendo utilizados na captura de pescado na região. Por sua vez, o pescador Manoel Oliveira contou que a rede zangaria usada na região era uma armadilha que possuía a metade da altura das atuais. Segundo ele, “a rede era levantada com água na cintura; naquele tempo os cardumes de peixes desciam dos mangues com a maré alta de vazante e havia pouca perseguição, então o peixe amontoava abeirando a rede de maré seca”. O depoimento de Manuel Oliveira confirma a constatação de que o trabalho com a modalidade zangaria mudou bastante ao longo dos tempos. Na atualidade, a pesca com esta modalidade exige redes com um maior tamanho e mais pessoas envolvidas na tarefa. Outro pescador do arquipélago, Raimundo Rabelo, afirmou que, “num lance de zangaria de duzentas braças se ajuntava de 20 a 30 uruaçús 1 cheios de peixes, brincando, fora o que se estragava, que num dava tempo de ajuntar e o que não tinha valor; não se vendia certas marcas de peixes como agora se vende tudo que mais tiver. O peixe bom da minha época, da época boa de peixe, era o camurim, as sajubas, as pescadas, o camarão graúdo e muitos outros.” O desenvolvimento da pesca artesanal no arquipélago de Maiaú demonstra que a evolução passou por estágios possíveis de registro por meio da oralidade, ou seja, da
1 URUAÇU: versão maior do cofo, ver nota da página 65
154
155
memória dos envolvidos nas atividades da pesca. Segundo seu Raimundo Rabelo, que atuou na região na década de cinqüenta do século passado como pescador artesanal de subsistência, verifica-se que a modalidade zangaria era a principal modalidade da época, pois era esse tipo e armadilha a que capturava mais peixes, tanto em quantidade quanto em qualidade de espécies. Seu Benedito Silva, que também trabalhou na área na mesma época, fez a seguinte declaração: “em 1950 eu era rapaz e os maiores cardumes de peixes que se encontravam por aqui eram de tainhas, bagres bandeirados, uritingas, pescadas vermelhas, pirapemas, cações, corvinas e camarões graúdo e miúdo.” Nesse ano se verifica que as espécies existentes em abundância são as de maior densidade comercial do mercado atual. Com relação ao camarão, seu Manuel Oliveira diz que “o camarão graúdo aqui na costa de Lençóis se pegava era de 100 kg por rede em cada maresada: hoje a rede que pega mais numa mesma maresada pega 10 kg. Nesse depoimento, constatamos que a produção em quantidade por espécie sofreu um enorme impacto, tendo uma redução de 90% no volume capturado. Isto indica que durante o processo de evolução da produção do pescado no arquipélago de Maiaú houve um decréscimo acentuado na quantidade capturada, indicando um estágio de degradação das espécies na região. Seu Evilásio Santos confirma o fato, esclarecendo que “com a tarrafa se pegava o peixe com água nas canelas, bastava chegar de mansinho na beira e lá vinha o uritinga com o lombo de fora d’água, brincando; era só jogar a tarrafa e já se tinha uma boa produção. Pra se pegar um cofo de peixe com tarrafa era ligeiro, agora só pega besteira, uma isca ou uma pequena bóia”.
155
156
A tarrafa é uma rede com poucas possibilidades de captura. Sua utilização é restrita. No depoimento acima ela se mostra como uma eficiente modalidade do passado, ao passo que, atualmente, no mesmo depoimento demonstra ineficácia. Daí se deduz que houve diminuição no volume do produto capturado com esta modalidade. Seu Benedito Silva confirma a situação: “hoje ficou muito diferente porque esse bando de redes e canoas que pescam aí afugentaram os cardumes pra longe e mesmo o peixe tá acabando”. A constatação de Benedito Silva indica que a tecnologia envolvendo os trastes de pesca e as condições de transportes modificou o comportamento das espécies, que passaram a habitar outras regiões, assim como a pesca industrial contribuiu para a diminuição da quantidade de espécies durante o processo. Novamente seu Raimundo Rabelo informa que “antes não tinha essa quantidade de rede e as redes não eram feitas de acordo com as espécies; só tinha de primeiro uma rede pra malhar, depois foi que inventaram rede pá tudo inquanto. Só tinha rede de malha graúda para capturar a pescada ou camurim, depois veio a caçoeira e a camurupinzeira. Essas malhadeiras de malhas médias e pequenas são tudo de hoje: serreiras, gozeiras, tainheiras e caiqueiras. No meu tempo aqui na beira se pescava até de arpão, era só ficar nos peral” . A grande quantidade de redes e modalidades que proliferou durante o processo estudado nos dá uma demonstração de como é que se deu o desenvolvimento da pesca artesanal na região do arquipélago de Maiaú. Primeiramente, a piscosidade do local atraiu investimentos capazes de aumentar a produção. Criaram novas modalidades de pesca enquanto investiam em formas de conservação do produto. As velhas técnicas da conservação com sal foram sendo substituídas pela conservação com gelo. 156
157
A produção do sal
A produção de sal na região do arquipélago de Maiaú teve início na primeira metade do século XX, por volta de 1940, segundo depoimentos de trabalhadores e proprietários de salinas na região. A produção anual de cada salina era em torno de 250 toneladas. A comercialização deste sal acontecia no mercado interno maranhense e eram exportadas quantidades consideráveis para o vizinho estado do Pará, através dos portos de Bragança e Belém. A produção do sal foi o grande impulsionador do transporte marítimo na região do arquipélago de Maiaú. Para escoar a produção, os salineiros necessitavam de grandes embarcações capazes de transportar consideráveis quantidades de sal; por essa razão os investimentos no transporte marítimo na região tiveram importância particular a partir de 1950. O auge da produção de sal teve lugar por volta da década de setenta do século XX. A partir daí, a indústria salineira foi decaindo e, conseqüentemente, a falência dos principais empresários do ramo. Em 2003 restaram apenas duas salinas funcionando precariamente na região, sendo que grande quantidade do sal consumido na região é proveniente de outros estados vizinhos.
Os produtores
157
158
Os principais produtores de sal na região foram João Rebouças, os Amados e o Coronel Ângelo. João Rebouças consta como sendo o maior exportador; ele possuía três embarcações cargueiras próprias para o transporte do sal. “O Angra dos Reis era um barco proa de bote com dois mastros e três velas, com capacidade de carga de 60 toneladas. O Lusitano tinha dois mastros e três velas e também tinha proa de bote e carregava 100 toneladas, e o Canivete também tinha capacidade para transportar 60 toneladas de sal”, informa José Ribamar Viana, mais conhecido como seu Maniquito, que mora na sede do município de Cururupu.
A rota do sal
O sal saía embarcado dos portos das salinas na direção norte para os portos de Jararaca, Abaeté, Santa Maria e Cocal, localizados no estado do Pará, Coralinho e os Açores. A partir dos portos de destino no Pará as embarcações voltavam carregadas na maioria das vezes com madeira de lei extraída da floresta amazônica paraense.
Locais das salinas
Alguns pontos de localização das antigas salinas podem ser encontrados na ilha que fica entre Guajerutiua e Valha-me-Deus, em Barreira, no atual município de Serrano, Nazaré dos Amados em Bacuri, na ilha de Maiaú, e em Boa Vista, no furo do barco, litoral de Cururupu.
158
159
Comércio
O desenvolvimento comercial na região do arquipélago de Maiaú tem início com o desenvolvimento da pesca no litoral ocidental do Maranhão no princípio da década de setenta do século XX, quando a produção do pescado despertou interesse econômico e comercial na região. A comercialização do pescado no arquipélago de Maiaú criou as condições fundamentais para a consolidação do povoamento das ilhas. O comércio e as trocas de produtos firmaram as bases do desenvolvimento impulsionador da pesca artesanal, fomentando para esta atividade o poder de expansão. Isto só foi possível com o desenvolvimento dos meios de navegação, o único meio de transporte para a atividade comercial na região. O conjunto serviu para que a região do arquipélago viesse a se tornar, em determinado período, a alavanca principal para que o Maranhão se tornasse o maior produtor de pescado do nordeste do Brasil. Da década de setenta para cá aconteceram mudanças substanciais nas relações comerciais a partir das comunidades do arquipélago e adjacências. O desenvolvimento das relações econômicas em torno da pesca artesanal de subsistência, no início da década de setenta do século XX estabeleceu o auge dos investimentos em instrumentos de pesca e no capital comercial na região. Os investimentos foram atraídos pela alta piscosidade do local, de tal forma que estudos da época afirmaram ser “o litoral ocidental maranhense o maior produtor de pescado no estado”. Espécies como a pescada amarela, o cação e o camarão figuram como as principais espécies impulsionadoras do crescimento comercial, devido à abundância e ao valor comercial destas e da introdução destes produtos em mercados de outros estados. 159
160
Texto a partir do depoimento de José Ribamar Viana (Seu Maniquito)
Sobre o transporte de mercadorias através da via portuária para o município de Cururupu / MA
Jose Ribamar Viana, mais conhecido como seu Maniquito, nasceu na comunidade de Guajerutiua, ilha do litoral de Cururupu, em 1935. Começou a trabalhar nas embarcações freteiras da região por volta de 1956, a bordo do Iate Liberdade, pertencente ao proprietário da Fazenda Aliança, o senhor Pedro Silva. Maniquito descreveu um fato ocorrido durante uma volta do município de Parnaíba, no Piauí, numa rota constante do transporte da farinha de mandioca produzida em Cururupu naquela época. O barco, de propulsão a vela, tinha formato dos iates da época, munido com dois mastros e três velas; uma vela grande içada pelo mastro de traz, uma vela menor chamada traquete, içada ao mastro menor, na frente, e a vela içada do pau de giba para o mastro menor, chamada de estais. O Iate Liberdade tinha capacidade de carga de 60 toneladas e carregava em seu porão 1.200 paneiros de farinha, carga que levou para Parnaíba. Maniquito afirma que ele era o encarregado da embarcação nesta viagem. Depois da venda da farinha, Pedro Silva rumou ao encontro de Sebastião Furtado, rico fazendeiro de Parnaíba, e a intenção do encontro era fazer negócios para adquirir produtos comercializáveis no município de Cururupu, sendo que os dois comerciantes e fazendeiros negociaram.
160
161
A carga do Iate Liberdade era composta por 250 sacos de feijão, 50 sacos de arroz, 18 barrigudos (boi novo), um casal de porcos, dois cavalos e duas éguas, quatro burras, duas peças de ferro para fazer fornos de torrar farinha de mandioca e duas mil telhas. Esta precisão da composição da carga ainda presente na memória de Maniquito é devido ao fato de ele ser o encarregado da embarcação, o que lhe obrigava a controlar a carga e outras atribuições relativas à tripulação, por exemplo, o comando dos marinheiros, além de providenciar os mantimentos da viagem e a responsabilidade pela carga. Outra situação que contribuiu para a preservação da memória do entrevistado foi um quase acidente que aconteceu na volta, pois o barco correu risco de naufrágio por conta da sobrecarga, fato que, segundo Maniquito, ele já havia alertado na hora do carregamento da embarcação em Parnaíba. O alerta foi ignorado pelo proprietário da carga e da embarcação, que se encontrava, na ocasião, ingerindo bebida alcoólica.
Capitulo décimo primeiro
Espécies catalogadas na região do arquipélago de Maiaú
Tabela 1. Relação de peixes catalogados na região do arquipélago de Maiaú
Nome vulgar Arraia-pintada Arraia Baté Amor-sem-olho
Nome científico Aetobatus narinari Gimnura micrura Nebris mycrops
Nome vulgar Jurupiranga Pascoal Pacamão
Nome científico Ophioscon microps Lophiosilisrus alexandri
161
162 Arraia Géreba Arraia Bicuda
Dasyatis sp
Peixe Prata Peixe Agulha
Arraia Garapirá Arraia de Fogo Arraia manteiga Arraia Boi Bandeirado Baiacu Pininga Baiacu Listrado Baiacu Pintado Cambeu Cangatã
Tachysurus grandicassis Tachysurus sciads
Peixe Voador Peixe Galo Peixe Pedra Sardinha Sardinha Papel Sardinha de Gato Tainha curimã Tainha Sajuba Tainha Urichoca Tainha Caica
Cabeçudo Corvina Gó
Luniscutis Valenciennes Stillifer rastrifer Macrodon
Tralhoto Tubarão Urumaru
Potamotrygon motoro Gymnura micrura Paratrygon motoro Bagre bagre Chilomycterus spinosus
Eugerris SP Belong Vulgaris(Belonidae) Exocoetus Selene vomer Genyatremus luteus Engraulidae Anchoa spinifer Mugil curema Mugil liza Mugil Mugil Anaplebs anaplebs
Ancylodon(Bloch e Corvina Cobra Cururuca Corvina Uçu
Schinneider) Mocrodon SP Micropogon furnieri Cynoscion Microleptodus
Tubarão Costeiro Tubarão Sacuri Tubarão cabeça
Corvina Manteiga Corvina Tinga Carapitanga Camurim Branco
Isopisthus Parvipinnis Cynoscion leiarchus Lutjanus aya Centropomus
redonda Tubarão Espadarte Tubarão Martelo Tubarão Anjo Tubarão Lixa
Ginglymostoma cirratum
Canguiro
undecimalis Trachinotus carulinus
Solha
Pleuronectiformes (Pisces
Camurim Péua Caruaçu Camurupim ou
Centropomus parallelus Labotes surinamensis Megalops atlanticus
Mero Tubarão cornuda Tubarão jaguar
Ostheychyties) Epinephelus itajara Sphyma lrwini Galeocerdo cuvier
pirapema Catimbau Escrivão
Cycocephalus nasutus Eucinostomus
Tubarão Flamengo Tubarão Fidalgo
Carcharhinus acronotus Carcharhinus obcurus
Tubarão Quati
Isogophodum
Carcharhinus limbatus Carchirhinus leuca Pristis pristis Tiburu
melanopterus Linguado
oxyrhynchus Jiquiri
Conodon nobilis
162
163
Tabela 2. Relação de crustáceos catalogados na região do arquipelego de Maiaú Nome vulgar Aratu Carangueijo Uca Camarão Branco Camarão Cascudo Camarão Piticaia Camarão Papudo
Nome científico Goniopsis cruenta Pennaeus schmitti Pennaeus aztecus Xiphopennaeus kroeyri Macrobrachium achanturus
Tabela 3. Relação de moluscos catalogados na região do arquipelego de Miaaú Nome vulgar Caracas Sururu de dedo Sururu de pasta Sarnambi Ostra
Nome científico Lepas hillii
Tabela 4. Relação de cetáceos catalogados na região do arquipelego de Miaaú Nome vulgar Boto
Nome científico delfinidae
163
164
Capitulo décimo segundo
Identificação de pescado segundo a época de fertilização e desova na região do arquipélago de Maiaú
A identificação de peixes em estado de reprodução na região do arquipélago de Maiaú ocorreu a partir de pescaria nas modalidades da pesca artesanal caiqueira, rabeadeira, zangaria, curral e malhão ou pescadeira, no período entre maio e novembro de 2003. Estas modalidades da pesca artesanal de subsistência foram utilizadas na captura de peixes para conservar pelo método salgado seco, que consiste em eviscerar o peixe como condição principal neste método de conservação. Observando-se in loco todo o processo foi possível identificar cada espécie capturada e o estado em que se encontravam em relação ao período reprodutivo. Durante o período citado, as pescarias ocorreram nos canais, ilhas e croas dos municípios de Cururupu e Apicum-Açu, em pesqueiros como Croa de Santo Antônio, Ilha da Baleia (especificamente nos pontos conhecidos como Mansinha, Ponta da Baleia e Barão), ilha do Machado e Jabaroca, todos no Município de Apicum-Açu, e Embirá (ilha de Urumaru), Canal da Baía de São João, costa da Ilha de Aracajá e costa da Ilha de Lençóis, estes pontos no município de Cururupu.
Tabela 6. Período de reprodução dos peixes no arquipélago de Maiaú em relação aos meses do ano
164
165 Nome Vulgar Bandeirado
Nome Cientifico Bagre bagre
Tralhoto
Cururuca
J F M A M J J A S O N D
X X X X X X X X X
Micropogon furnieri
Caramutalho ou Braço de
X X X X X X X X X X X X X X
Moça Timbiro Jiquiri Caruaçu
Conodon nobilis Labotes surinamensis
Corvina Tinga
X X X X X
Rabeca Arraia Garapirá Corvina Manteiga Mero Sardinha Amarela(de Gato)
Anchoa spinifer
Pescada Amarela Sardinha Papel Sardinha
Engraulidae
Cabeçudo
Stillifer rastrifer
Guaravira Amor-sem-olho Peixe Pedra
Genyatremus luteus
Tainha Caica
Mugil mugil
Enchova Camurim Péua
Centropomus parallelus
Camurim Branco
Centropomus undecimalis
Corvina Uçu
Cynoscion microleptodus
Corvina Cobra Corvina Go Cangatã Bagre Jurupiranga Tainha Urichoca Serra Uritinga Siri Azul Camarão Papudo Lacréu FAVOLETA PEIXE GALO CAMBEL
Macrodon SP Macrodon ancylodon Tachysurus sciads Luniscutis
X X X X X X X X X X X X X X
X X X X X
Isopisthus parvipinnis Epinephelus itajara
X X X X X
X X X X X X X X X
X X X X
X X X X X X X
X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
X
X X X
X X X X X
X X X X X
X X X X X X
X X X X X X
X X X X X X
X X X X
X X X X X X X
X X X X X X X X X 165
166 URIACICA AMARELO
X X
URIACICA BRANCO
X X X X X X X
PAPISTA
X X X X X X X X
PEIXE AGULHA
Pacamão
X X X X
TAINHA SAJUBA
X X X X X X
AMOR-SEM-OLHO SOLHA CANGUIRO MARACUANIN SIRI VERMELHO SIRI AZUL
X X X X X X X X X X
X X
Modalidades de pesca e equipes de pescadores artesanais que participaram da captura das espécies para observação do estado reprodutivo na região do arquipélago de Maiaú
Modalidade
Origem
s
das
Curral
Equipes Remanso / Rico
Pessoal
Local de Período Captura
Joelson(Boerga) e Croa
Porto Marinelton do
Maranhão
canal
Espécies
de captura capturadas
no Junho
a Caruaçu
do Novembr
(Labotes
município o de 2003
surinamensis),
de
Favoleta,
Apicum-
Sardinha 166
167
Açu / MA
Papel,
Entre
as
Sardinha
Ilhas
de
Gato (Anchoa
de
Jabaroca
spinifer),
e
Sardinha
Machado
(Engraulidae), Corvina-Gó (Macrodon ancylodon), Arraia Garapirá, CorvinaUçu(Cinoscio n microleptodu), Guaravira
Rabeadeira
Lençóis/
Ribamar/
Croa
de Maio
município Corão/Santa
Santo
de
Antônio
Bárbara/Machinh
2003
e
Cabeçudo. de Corvina-Uçu (Cynoscion microleptodus 167
168
Apicum-
o e Marinelton
no
)
Açu e São
município
Luís/MA
de Apicum-
Caiqueiras
Lençóis
Ribamar/
Açu / MA Croa de De Junho Tralhoto,
Municípi
Corão/Santa
fora
na a Agosto Tainha
de Bárbara/Machinh
Ilha
do de 2003
o
Cururupu e
o e Marinelton
São
Luís
/
MA
(Mugil mugil),
Machado
Uritinga,
no
Azul, Corvina
Municípi
Go,
o
Uçu,
de
Apicum – Caiqueiras
caica
Siri
CorvinaBagre,
Bandeirado,
Lençóis
Ribamar/
Açu / MA Cabeçudo Croa de De Junho Uritinga,
Municípi
Corão/Santa
Fora
na a Agosto Timbiro,
o de
Bárbara/Machinh
Ilha
do de 2003
o e Marinelton
Machado
Corvina-Uçu,
no
Bandeirado,
município
Rabeca, Peixe
de
Pedra
Corvina
Go,
168
169
ApicumZangaria
Açu Embira,
ApicumAçu
/
Julho
de Jurupiranga
na Costa 2003
município
do
de
Urumaru,
Apicum-
no
Açu / MA
Municípi o
de
Cururupu Rabeadeira
São Luís / Marinelton
/ MA Costa da Maio
MA
Ilha
de Camurim Péua
de 2003
Lençóis no Municípi o
de
Cururupu Rabeadeira
São
e
Luis/MA
Marinelton
/ MA Croa
de De
Peixe
fora
na Setembro
Camurim
Serra,
169
170
malhadeiras
Ilha
do a
preto, Corvina
no torno
Machado
Novembr
cobra,
no
o de 2003
Corvina-Uçu,
Municípi
Covina Tinga,
o
Corvina-Gó,
de
Apicum-
Bandeirado,
Açu / MA
Peixe Agulha, Peixe Pedra e
Espinhel de ApicumCanal
Caiqueira
Tibúrcio / Mauro
Açu / MA
Apicum-
Boca
São Marinelton
Luis/MA
da Novembr
Cururucu,
Barra de o de 2003
Cambel,
Apicum-
Cangatã
Açu / MA Floriano/ André / Lances Novembr
Açu / MA Flavio e
Jiquiri Canal da Outubro e Bandeirado,
e itinerante s
nas
o de 2003
Uriacica Amarelo, Uriacica
pontas da
Branco
mansinha
Peixe Agulha
e
e croa de fora
em 170
171
ApicumAçu
e
Embira, na
costa
do Urumaru e
Croas
nos canais da
Baía
de
São
João
no
município de Cururupu / MA
171
172
172
173
Modalida Origem
das Pessoal
Local de Captura
Período
des
Equipes
Curral
Remanso / Porto Joelson(Boerga Croa no canal do município Junho Rico
de Espécies capturadas
captura
do ) e Marinelton
de Apicum-Açu / MA
Maranhão
a Caruaçu (Labotes surinamensis), Favoleta,
Novembro
Sardinha Papel, Sardinha de Gato (Anchoa
Entre as Ilhas de Jabaroca e de 2003
spinifer), Sardinha (Engraulidae), Corvina-
Machado
Gó
(Macrodon
Garapirá, Rabeadeir Lençóis/ a
município Apicum-Açu São Luís/MA
Caiqueira Lençóis s
Município
Ribamar/
Croa de Santo Antônio no Maio
de Corão/Santa
município de Apicum-Açu / 2003
e Bárbara/Machi
ancylodon),
Arraia
Corvina-Uçu(Cinoscion
microleptodu), Guaravira e Cabeçudo. de Corvina-Uçu (Cynoscion microleptodus)
MA
nho
e
Marinelton Ribamar
/ Croa de fora na Ilha do De Junho a Tralhoto, Tainha caica (Mugil mugil),
de Corão / Santa Machado no Município de Agosto
de Uritinga, Siri Azul, Corvina Go, Corvina-
174
Cururupu e São Bárbara
/ Apicum –Açu / MA
Luís / MA
e
Machinho
município
de Santa Bárbara / Machado no município de Agosto
Cururupu e São Machinho Luís / MA Apicum-Açu
Zangaria
município
/
a Rabeadeir São Luís / MA
malhadeir as
no
Embira,
de
MA Rabeadeir São Luís / MA
e
e Apicum-Açu
de Uçu, Bandeirado, Rabeca, Peixe Pedra
2003
Marinelton
Apicum-Açu
a
Uçu, Bagre, Bandeirado, Cabeçudo
Marinelton Ribamar/Corão/ Croa de Fora na Ilha do De Junho a Uritinga, Timbiro, Corvina Go, Corvina-
Rabeadeir Lençóis a
2003
na
Costa
do Julho
de Jurupiranga
Urumaru, no Município de 2003
/
Cururupu / MA Marinelton
Costa da Ilha de Lençóis no Maio
Marinelton
Município de Cururupu / MA 2003 Croa de fora na Ilha do De
de Camurim Péua Peixe Serra, Camurim preto, Corvina cobra,
Machado no Município de Setembro a Corvina-Uçu, Covina Tinga, Corvina-Gó, Apicum-Açu / MA
Novembro
Bandeirado, Peixe Agulha, Peixe Pedra e
de 2003
Jiquiri
175
torno Espinhel
Apicum-Açu
de Canal
MA
Caiqueira Apicum-Açu São Luís / MA
/ Tibúrcio Mauro
/ Canal da Boca da Barra de Outubro Apicum-Açu / MA
Novembro
de 2003 e Floriano/ André Lances itinerantes nas pontas Novembro /
Flavio
Marinelton
e da mansinha e croa de fora de 2003 em Apicum-Açu e Embira, na costa do Urumaru e Croas nos canais da Baía de São João
no
município
Cururupu / MA
e Bandeirado, Cururucu, Cambel, Cangatã
de
Uriacica Amarelo, Uriacica Branco e Peixe Agulha
176
Capitulo décimo terceiro Desenvolvimento e consumo nas comunidades do arquipélago de Maiaú
Nos primórdios da ocupação nas ilhas do arquipélago de Maiaú pelo homem contemporâneo, o desenvolvimento aconteceu na base da simples ocupação do território. As tecnologias de caráter rústico e artesanal foram lentamente introduzidas de acordo com as necessidades domésticas, e o desenvolvimento comercial só viria mais tarde, com a consolidação da comunidade baseada na produção artesanal do pescado. O excedente produzido foi o principal motivo para o estabelecimento das bases modernas de comércio, daí o desenvolvimento dos meios de navegação, que só foram impulsionados na região com a falência dos velhos engenhos e o fim do tráfico negreiro. Essas condições foram fundamentais, na primeira metade do século XX, para o fluxo seminal definitivo da região, que viria estabelecer as relações de produção e comércio, possibilitando o alcance atual do desenvolvimento tecnológico e dos hábitos de consumo no arquipélago. O advento das salinas representou a mola mestra que impulsionou a economia da região. A produção do sal exigiu investimentos no setor de transporte como meio de escoamento pelas vias portuárias da região, e a evolução do transporte marítimo criou condições para que as ocupações se dessem num ritmo mais acelerado, devido às novas técnicas de conservação do pescado na região; tal processo abriu espaço para que a fixação de moradores nas ilhas aumentasse. Com isto, o comércio teve também
177
o seu momento áureo, com a troca de mercadorias pelos produtos pescados, o que se tornou prática eficaz, capaz de resolver inúmeros problemas relacionados com o consumo local. Os nativos passaram a utilizar com maior freqüência os produtos de outras localidades, tais como tecidos, complementos alimentares e móveis, dentre outros produtos. As condições que possibilitaram o desenvolvimento comercial na região, a produção do sal, o aumento da captura de pescado e a evolução dos meios de transporte representaram os principais instrumentos determinantes dos hábitos de consumo nas comunidades de pescadores do arquipélago de Maiaú. Durante mais de um século as comunidades ali instaladas se beneficiaram da fonte de energia advinda da combustão do querosene e, mais recentemente do óleo diesel, que eram os produtos responsáveis pela iluminação doméstica e comunitária, combustíveis usados para acender lamparinas, fogões ou fogueiras, seja para iluminar as residências ou para as tarefas das pescarias. Com a introdução recente da energia elétrica e dos meios tecnológicos que esta fonte de energia possibilita utilizar, os hábitos de consumo das comunidades foram modificados radicalmente. A televisão e telefone trouxeram para os pescadores do arquipélago de Maiaú não só as informações referentes à realidade do cotidiano das comunidades,
como
também
trouxeram
as
fantasias
do
consumo
urbano,
transformando o modo de vida e modificando as relações sócio-culturais que estavam sedimentadas na tradição cultural da população, até então indiferente e alheia às inovações surgidas nos últimos tempos no comportamento do homem urbano. Os efeitos produzidos na consciência dos nativos do arquipélago, atingidos pelas informações verbais transmitidas pelos visitantes de origem urbana ou de algum nativo
178
que teve a oportunidade de sair do convívio comunitário por algum tempo, ou mesmo dos parentes destes, socialmente inseridos nos centros urbanos, eram menos inusitados do que nos dias atuais. Anteriormente, o intervalo de tempo que permeava cada novidade advinda dos centros urbanos impossibilitava que estas tomassem importância primordial no seio da comunidade. A inconstância da presença dos visitantes e sua pouca diversidade possibilitava um espetáculo momentâneo que se resumia mais ou menos na transformação desse indivíduo em ser especial que provocava fascínio nos nativos, que então ouviam com muita atenção os relatos da vida cotidiana nas cidades. A aproximação cada vez maior e a constância dos visitantes, com a confirmação virtual dos efeitos da apreensão urbana aumentou significativamente as expectativas nas comunidades acerca de seus desejos de consumo, depois da introdução dos meios modernos de comunicação e transporte. A comunidade passou de uma posição inicial conservadora dos seus princípios, considerados inatingíveis até então, para outra posição facilmente revogável, inclusive de costumes que estiveram durante muito tempo servindo como suporte da organização social local. Eller, na análise sobre a violação do sistema consuetudinário, enfoca a seguinte questão: “A tradição e a moda são formas particulares de manifestação do sistema consuetudinário e também, até certo ponto, do sistema de valores. A tradição ganha maior importância na estrutura social orientada para o passado, enquanto a moda predomina naquela orientada para o futuro. As sociedades pré-capitalistas orientavam-se essencialmente para o passado. Isso implicava não apenas numa estabilidade relativa dos usos
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assimilados, mas também na orientação da totalidade da vida pela atitude das gerações anteriores, dos antepassados. Os filhos imitavam os pais, os netos imitavam os avós; e isso ocorria em todos os aspectos da vida, das experiências da produção até a moral. Essa situação acarretava, entre outras conseqüências, o prestigio dos anciões, e a idade se tornava portadora de múltiplos valores. Os velhos eram os que melhor conheciam as experiências do passado e os mais capazes de resumi-las de modo útil. Com a ascensão da sociedade burguesa, a orientação para o futuro começa a se impor crescentemente, a partir do Renascimento, no sistema da convivência humana. A possibilidade de uma produção indefinida que não se limita ao essencial (Marx) produz no homem a necessidade de modificar-se permanentemente, de renovar-se, de transformar-se. Essa necessidade de novidade, a necessidade de transformarmos constantemente tanto a sociedade quanto nós mesmos é uma das maiores conquistas da história humana. Mas, com a crescente alienação, também essa conquista converte-se em seu contrário. A orientação para o futuro termina por transformar-se em moda. Da mesma maneira como vão se estereotipando os sistemas funcionais da sociedade, do mesmo modo como os tipos de comportamentos tendem a converter-se em “papéis”, assim também a orientação para o futuro transforma-se na necessidade de não ficar atrasado com relação à moda. Quem quer então desempenhar adequadamente seu papel não pode se permitir o menor atraso com relação à moda; tem de segui-la passo a passo, tem de submeter-se a seu
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arbítrio, tanto no sistema consuetudinário geral quanto no vestuário ou nas esferas estéticas da vida (decoração da habitação, sensibilidade artística, etc.). A moda, portanto, é a manifestação alienada da orientação para o futuro, encontrando-se em relação necessária com o crescimento da categoria de “papel”. Isso não implica em que a orientação para o passado tenha desaparecido inteiramente na época do capitalismo desenvolvido. Pode, ao contrário , ser até mesmo dominante nas camadas sociais em que o capital penetrou apenas de modo relativo. É o caso, por exemplo, dos pequenos camponeses, ainda que mesmo aqui o fenômeno esteja em regressão; tampouco se trata de afirmar que a orientação para o passado não esteja absolutamente presente na cristalização dos comportamentos, sob a forma de papéis; certamente está apenas como importância secundária” (ELLER, 1970).
As relações de consumo introduzidas a partir da evolução nos meios de transportes e de comunicações criaram expectativas de consumo alem das possibilidades da população nativa de Maiaú. A introdução dos meios modernos de comunicação, principalmente a televisão e o telefone, que possibilitaram o contato pessoal e visual de forma constante com a sociedade moderna, aqui representada pela cotidianidade urbana, trouxe para as comunidades o sentimento e a consciência de seu isolamento perante a situação global social. Os elementos modernos da informação elevaram os contatos externos verbalizados da informação para uma categoria de caráter interna, introspectiva, cuja objetivação encontra-se alimentada pelos apelos visuais e verbais de retorno imediato.
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Enquanto o indivíduo comunitário recebia informações da existência do mundo moderno de forma distendida no tempo, na sua consciência se formavam apenas diáfanas formas imaginárias da realidade externa, decoradas e fantasiadas pelo próprio indivíduo. Isto aparecia de certa forma muito distante das possibilidades domésticas deste indivíduo. Portanto, suas perspectivas em relação a este distante mundo não passavam de necessária alimentação para as fantasias do indivíduo enquanto elemento particular do ambiente, conquistada para sua existência comunitária calcada na continuidade, visível e composta na construção da vida prática. A mídia televisiva, como importante e principal difusor de comportamentos, tem efeito na ordem vigente nas comunidades atingidas, o que imprime a dissolução de hábitos arraigados em detrimento de outros. Tal fato pode ser observado por meio da análise do comportamento da sociedade do arquipélago antes e depois da intromissão dos meios de comunicação de massa num ambiente nativo onde inicialmente o psicossocial estava subjetivado na apreensão empírica da tradição social comunitária. A televisão, para os pescadores das comunidades do arquipélago de Maiaú, acabou se constituindo em um mecanismo novo dentro do contexto social comunitário do cotidiano praieiro; é um veículo que garante o entretenimento fácil, mas que agressivamente induz o indivíduo para as armadilhas do consumo de produtos que estão distantes das possibilidades dos nativos, razão pela qual os moradores do arquipélago vêm buscando ultimamente o encontro com os centros urbanos, na esperança de poderem satisfazer os desejos despertados pela mídia. O nativo que deseja consumir um determinado produto que viu pelo comercial de televisão e manifesta vontade de participar do universo urbano representado pelo produto acha-se excluído da participação global por não possuir o objeto que acabou de
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absorver durante o comercial. Daí acaba sendo capturado como o peixe que pesca pelos apelos do consumo, o que o transporta para uma dimensão distante da sua realidade. Portanto, o pescador poderá esquecer os conceitos adquiridos durante o desenvolvimento alcançado no processo de sua constituição psicológica no cotidiano comunitário. A convivência no contexto comunitário já está, no momento, contaminada pela alienação depositada a partir do material tecnológico introduzido no cotidiano desses indivíduos, a televisão funcionando como janela postiça que faz saltar para dentro do contexto doméstico os conceitos e produtos alheios às possibilidades reais do meio sócio-cultural dos pescadores artesanais do arquipélago, cuja tradição, mantida por força das condições geográficas e econômicas ao longo dos tempos, acabou provocando o confinamento desses indivíduos. A introdução de avanços tecnológicos nos meios de transporte e de comunicação desencadeou um processo de desagregação dos hábitos tradicionais de consumo das comunidades de pescadores artesanais do arquipélago de Maiaú. Isto constituiu uma violação no modo de pensar e, conseqüentemente, no comportamento do indivíduo, que passou a conviver em uma comunidade tradicional com exigências decorrentes do modo urbano de consumir. O processo de imposição autoritária do consumo, na medida em que é imposto de cima para baixo, sem nenhuma chance critica, tem imposto um conceito de consumo que dita necessidades comportamentais alheias à postura social e cultural existente nas comunidades. As práticas sociais do consumo imposta pela mídia inclui determinantes que alteram a personalidade no contexto histórico primitivo das comunidades do arquipélago. A introdução no arquipélago de vários produtos consumidos nos centros
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urbanos induz a uma suposta atualização do modo de vida nas comunidades dos pescadores artesanais que, por força da informação transmitida pela mídia se acham em atraso em relação à vida e ao comportamento nas cidades. O indivíduo vive a perspectiva de sua introdução no sistema de vida urbana, mesmo sabendo que suas possibilidades não permitem a sua inclusão em qualquer cidade. Mesmo assim, esse indivíduo procura introduzir de qualquer forma no seu comportamento hábitos que antes apareciam apenas no imaginário de forma simbólica, pois a sua materialização sempre estivera fora de seu alcance. O sistema supostamente avançado exposto na mídia tem alimentado sonhos no pescador expectador, isolado no seu habitat. Está massificada no imaginário popular a crença de que a qualquer momento possa surgir a transposição para as condições que levarão o personagem comunitário a vivenciar a sua fantasia, construída a partir de um planejamento adequado para as condições de sobrevivência dentro das possibilidades da vida urbana. Os ideais concebidos pelo indivíduo comunitário, impostos pelas tentações do consumo, provocam efeitos dramáticos nas relações domésticas no seio das comunidades extrativistas de Maiaú. Essa nova realidade provoca nos indivíduos expectativas que levam à desagregação psicológica, condicionando os moradores a um constante estresse e tensão nas relações comunitárias. O caráter moral e estético tem um conteúdo nas comunidades de pescadores, e freqüentemente é violentado em seu íntimo, por razões diferenciadas. A moral está concretizada nas estruturas da base que sustenta as relações domésticas, na interação do indivíduo amplamente enraizado no meio social e ambiental, composto nos fatores culturais que emergem durante o processo de construção da vida cotidiana tradicional.
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O agente cultural e político permanece vivo nas tradições do contexto biossocial que determina o indivíduo como ser social inerente ao cotidiano local, que pouco se altera ao longo do tempo em relação às etapas de evolução do pensamento paralelo efetivado no cotidiano urbano. O indivíduo, então, apresenta contradições básicas em relação à mesmice do local, em virtude de seu isolamento natural. No arquipélago de Maiaú o cotidiano da comunidade vem sendo constantemente atingido com cargas de informações representando a simbologia da vida fácil nos centros urbanos, de tal forma que estas informações desencadeiam contradições na espiritualidade individual que muito pouco havia se alterado de geração para geração. A introdução dos veículos de informação nas comunidades está contribuindo para o desgaste da cultura habitual do indivíduo comunitário. As perspectivas da população revestiram-se de curiosidades que causam inquietações e provocam um vislumbre crescente no sentido de conquista de uma vida social menos isolada. A propaganda televisiva exibida mascara a real situação da vida pobre na zona urbana, esconde a face das cidades renegadas, com bairros fétidos e sem infraestrutura, apresentando uma vida marginal em constante degeneração. Os moradores das comunidades tradicionais do arquipélago de Maiaú desconhecem o malabarismo executado pelos pobres para sobreviverem nas periferias das cidades em exibição nos programas televisivos; desconhecem a existência das palafitas pelas beiradas dos igarapés e riachos, a contorção arquitetônica que escapole pelas beiradas dos manguezais, já sem caranguejos, os amontoados de pessoas vagando pelos lixões em busca de alimentos num dia a dia frenético e incerto. Esta dura realidade encontra-se distante do imaginário do indivíduo comunitário, seduzido pelos comerciais e novelas que retratam a vida urbana para as comunidades de
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pescadores artesanais das ilhas oceânicas, possuidoras de belezas e condições de sobrevivência sadia para aqueles que vivem no seu cotidiano. O pescador artesanal é carente da educação que venha inserir no seu contexto psicossocial a auto-estima como fator de vida que se encontra no centro das possibilidades destes, diante das potencialidades de cada um, dependente do meio ambiente como fonte principal para continuar a sobrevivência de forma sadia e durável, nas condições existentes nos ciclos determinantes do modo de produzir em harmonia com o meio ambiente. Portanto, atualmente deseja para si instrumentos capazes criar condições no seu modo de viver que possa lhe transportar para outro sistema, no qual ele acredita que estariam localizadas as condições necessárias para uma vida normal, e nesse processo ele se acha vivendo anormalmente. Esse indivíduo estabelece para si ma simbologia que, mesmo se ele presenciar uma situação desfavorável no ambiente sonhado procura desculpas e justificativas que permitam a ele continuar em busca do sonho almejado, fora de seu habitat natural.
Capitulo décimo quarto O contexto sócio-econômico das comunidades do arquipélago de Maiaú
O processo desordenado da pesca artesanal no litoral ocidental do Maranhão gerou, ao longo do tempo, mazelas que atingem diretamente a pesca tradicional desestruturando-a. A captura desordenada, a má distribuição do produto e da renda, os precários meios de produção utilizados no extrativismo, as agressões da pesca predatória e comercial e a falta de educação aplicada ao desenvolvimento da economia
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local formam o conjunto desorientador da perseguição de um projeto adequado para construir a sustentabilidade das comunidades e dos ecossistemas locais. A população tradicional do litoral ocidental do Maranhão ocupada com a pesca artesanal encontra-se em estado de choque, assistindo o objeto da própria existência se esvaindo. Os estoques desaparecem a cada dia, deixando um vazio difícil de ser preenchido num prazo capaz de promover a recuperação dos mesmos antes de evitar a desorientação social e cultural da população nativa. Os impactos atingem diretamente a sociedade em seus múltiplos aspectos, e esta situação merece um exame mais detalhado. Neste sentido analisaremos as partes que compõem a sociedade e as questões ambientais diretamente ligadas à realização da pesca na região do litoral ocidental do Maranhão.
Juventude
A juventude da zona costeira da região do arquipélago de Maiaú ocupa-se quase que exclusivamente da pesca de subsistência, com raras exceções. Sonham com uma vida melhor, e muitos saem das comunidades em busca de melhoria de vida nos centros urbanos, deixando para trás os pais e irmãos menores. Não há estrutura para a concretização dos sonhos nas comunidades, pois a escola é precária, não há capacitação e qualificação para o setor da pesca, incluindo o beneficiamento e o apoio à comercialização do pescado. No momento, 90% da população jovem trabalham com as modalidades de pesca para capturar camarões; nos períodos da safra os jovens conseguem alcançar uma renda que varia conforme a captura e a oferta de mercado, que tende a desvalorizar o
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produto conforme o estoque capturado vai aumentando. Quando a produção se eleva os preços baixam, impedindo assim que os pescadores acumulem algum excedente durante este período. A renda média alcançada tem sido de um terço do salário mínimo por mês.
Mulheres
Nada resta à mulher da zona costeira a não ser realizar as atividades relacionadas à pesca ou a algumas práticas como a de cortar mangue para fazer carvão. Enquanto os homens estão pescando as mulheres cuidam dos afazeres domésticos, o que inclui fazer o carvão. Em muitas comunidades, para ajudar na alimentação da família, as mulheres se ocupam no recolhimento de sobras da despesca de redes como a zangaria, que teve sua utilização proibida desde 2004. Mesmo com a proibição, essa modalidade predatória ainda se encontra em atividade por todo o litoral do município de Cururupu. As mulheres geralmente são companheiras dos maridos nas atividades de pesca, e não possuem renda, pois seus quinhões estão embutidos na renda geral da família.
Crianças
As crianças ajudam os adultos nas tarefas da pescaria, além de colaborar no recolhimento de sobras em outras pescarias para complementar a alimentação da família; também realizam cata de mariscos como o sururu e o sarnambi nos igarapés
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com o mesmo fim. Na zona costeira do município existem pequenas escolas, mas as crianças não escapam nas horas vagas da ocupação com a pesca.
Pescadores artesanais donos dos meios de produção
Os pescadores artesanais que possuem os utensílios de pesca são mais bem aquinhoados em relação aos outros não possuidores dos mesmos, mas estão hoje a enfrentar o dilema da falta de pescado, devido à falta de cardumes nas beiradas ou nos rasos onde seus utensílios permitem a pescaria. As redes comerciais, de canais, estão capturando o pescado em alto mar nas bocas dos canais de acesso, o que impede o pescador de subsistência de obter êxito nas margens dos espaços locais, reduto da tradicional pesca artesanal.
Atravessadores
Além da escassez do produto para os pescadores artesanais em Cururupu, os mesmos são reféns dos atravessadores que atuam junto das pescarias. O valor de mercado junto ao consumidor é muitas vazes superior ao preço pago ao pescador, e aqui podemos usar como referência o preço do quilo do camarão miúdo capturado pelos pescadores do camarão de arrasto. São pagos quatro reais por quilo aos pescadores em Maiaú, e o mesmo camarão chega ao mercado de São Luís a quinze reais o quilo. Das mãos do pescador até chegar ao consumidor final o produto passa por cinco atravessadores. O primeiro deles abastece os pescadores de víveres e material de conservação. O segundo atravessador compra o produto do primeiro e
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vende a um terceiro no primeiro porto, que transporta o produto até o mercado na capital maranhense, vendendo o camarão para o feirante, que o repassa ao consumidor.
Abastecimento
Os pescadores artesanais do município de Cururupu padecem nas mãos dos comerciantes que atuam na região. As mercadorias revendidas nas comunidades da zona insular chegam a custar o dobro do preço de mercado praticado no continente, enquanto que é pago pela produção do pescador um valor até cinco vezes inferior ao preço de mercado do produto para o consumidor final. Esta situação é realmente uma das principais causas do endividamento crônico e da dependência dos pescadores em relação aos comerciantes e atravessadores. O pescador permanece refém neste processo, sobrevivendo numa situação de relativa escravidão, permanecendo preso num círculo vicioso, pois vende sua mercadoria mais barato e compra mais caro, sempre em desvantagem no mercado, de tal forma que não consegue pagar a dívida que contrai com os comerciantes, que também são os mesmos atravessadores. Com isto, os credores os obrigam a vender o produto da pesca para pagar o débito, e o valor do produto não sofre acréscimo, mas sim decréscimo. A situação é absurda, pois no período da safra o preço do pescado decai, sob a alegação de que os preços diminuíram no mercado para o consumidor final. Se um pescador intenta vender seu produto para alguém que se apresenta para comprar o produto por um preço superior ao pago pelos atravessadores da região, é
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logo advertido: “este vai embora e tu fica aí, e eu não te vendo mais fiado”. A pesca artesanal é determinada num ciclo de safra e entressafra. No período da entressafra é que os endividamentos crescem, pois nunca a produção cria excedente para que os pescadores artesanais possam pagar o que consomem, tanto com gêneros de primeira necessidade quanto em produtos de conservação do pescado. O débito contraído no período da entressafra é a garantia do atravessador para permanecer comprando por preço inferior o produto do trabalho do pescador durante o período da safra.
Sonhos de consumo
A propaganda televisiva de bens de consumo que integram os valores urbanos gera no seio das comunidades múltiplos sonhos de consumo. A população, atraída pela exibição de inúmeros produtos de marca, busca de qualquer maneira acompanhar os slogans propagandísticos da modernidade que impera nos meios urbanos. A falta de alternativas no próprio meio da sociedade nativa leva naturalmente a um vazio de perspectivas, enquanto que as necessidades remetem os indivíduos para uma ilusão que serve como alternativa simbólica na resolução da problemática existencial da comunidade. Ter o tênis da marca famosa e ostentá-lo na comunidade significa status. Trata-se, naturalmente, de uma miragem, já que a sua utilização no local será mínima em razão da instabilidade causada pelos diversos obstáculos do próprio ambiente no qual o indivíduo transita, caracterizado pelo solo arenoso e rico em lama dos mangues, típicos do ecossistema compartilhado por todos que ali vivem. Nesse contexto, também podem ser inseridos quaisquer outros objetos que os hábitos das comunidades desconheciam
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até então, cuja introdução não traz ganho algum, a não ser o destaque da vaidade, tomando o lugar de objetos prioritários para o desenvolvimento da produção na comunidade, como a aquisição de uma canoa ou de uma pequena rede de pescar por um jovem que não dispõe desses utensílios.
Capitulo décimo quinto: Comunidades do arquipélago de Maiaú Origens das Comunidades
As comunidades do arquipélago foram sendo formadas a partir do município de Cururupu e de outros, vizinhos, como Guimarães e Cedral, por pessoas que dominavam alguma técnica de pesca artesanal. O mar de fácil navegação pelos canais, furos, igarapés e cabeceiras1 favoreceu o processo de povoamento do lugar. Nas cabeceiras dos igarapés se formaram os portos do continente. De início, os pescadores partiam destes portos para pescar nas imediações da foz dos igarapés, aventurando-se às vezes até às ilhas do arquipélago de Maiaú em pescarias breves. Então, os pescadores voltavam até os portos localizados nas cabeceiras para daí deslocarem-se para os povoados de origem. Aos poucos, os pescadores que pretendiam aumentar a captura se abasteciam de alguns víveres e ficavam arranchados nas Ilhas de Maiaú para descansar ou esperar a maré para seguir viagem rumo às pontas de terra de Cururupu. Num determinado momento histórico vivido pelo município após a libertação dos escravos e o fim da lavoura da cana-de-açúcar, com a conseqüente falência dos
1Cabeceiras: lugares onde nascem rios, riachos ou igarapés, interligados ou não a outros canais.
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engenhos grandes, população rural e semi-urbana do município migrou para outras atividades econômicas, dentre elas a pesca artesanal de subsistência. A pesca, que vinha sendo realizada apenas como suplemento alimentar passou a ser a atividade econômica principal para muitas famílias. Com o advento das salinas, nos apicuns do município, a pesca de subsistência ganhou maior importância na medida em que a conservação do pescado por meio do sal possibilitou ao pescador passar mais tempo pescando e conservando o seu produto para que, no final de uma jornada pudesse comercializar o produto adquirido. A partir da necessidade de maior exploração dos recursos pesqueiros no sentido de aumentar o estoque comercial, algumas famílias de pescadores resolveram se aventurar e morar nas Ilhas que ofereciam maior estrutura física, como água potável e ambiente que favorecia pequenas atividades agrícolas. Estas famílias, diante da fartura de peixes ali existentes, foram se multiplicando e formando povoações de pescadores no arquipélago de Maiaú. O aumento da densidade demográfica nas Ilhas e a introdução de técnicas de pesca desconhecidas pela população nativa de Maiaú ocorreram durante as grandes secas nordestinas, sobretudo no período entre 1877 e 1920. A conseqüente migração para esta região, principalmente de cearenses, ajudou no desenvolvimento das comunidades e do setor pesqueiro tradicional no arquipélago. As principais condições para o povoamento do arquipélago foram a alta piscosidade do local, a existência de água potável, o farto madeirame para construção de casas fornecidos pelos manguezais e a fácil navegabilidade devido às localizações das Ilhas entres os recortes que caracterizam Maiaú.
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Bate Vento
A Comunidade de Bate Vento situa-se na ilha de Maiaú, próxima do farol de São João, e tem esse nome conforme sua localização, às margens de um igarapé que fica de frente para as correntes do vento forte que sopra do sul durante a estação chuvosa. Com 127 residências e uma população de 316 pessoas, possui campo de aviação, energia elétrica, telefone público, posto médico, comércios mistos de botecos e quitandas agradáveis, pessoal bacana e hospitaleiro, excelente porto e rio de acesso com fácil navegação. Funciona como ponte com a vizinha ilha de Lençóis. A população é composta de pescadores que se ocupam na pesca artesanal e comercial, sendo que a principal modalidade da pesca nesta comunidade é a pescadeira ou malhão, usada principalmente para capturar a pescada amarela. Bate Vento cumpre o papel estrutural para turistas que visitam a ilha de Lençóis e o Farol de São João. Bate Vento é a maior e a mais antiga comunidade do arquipélago, sendo de singular importância para o desenvolvimento do local. Serviu de suporte para a povoação da maioria das comunidades da região. Nessa ilha se desenvolveu a maior produção de sal da região, durante a década de sessenta do século XX. Foi também o local do maior projeto de criação de camarão financiado pela então Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, no litoral ocidental do Maranhão. A ilha esteve envolvida em recente polêmica envolvendo disputa pela sua posse, reivindicada por um antigo morador, empresário e dono dos principais investimentos na área e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, durante o processo de criação da Reserva Extrativista Marinha - RESEX dos
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Municípios de Cururupu e Serrano do Maranhão. O Ministério Público deu ganho de causa para o IBAMA, que então criou a reserva em 2004. Bate Vento tem esse nome provavelmente devido a sua posição geográfica, pois fica de frente para o nascente e recebe fortes cargas de vento durante o período do verão maranhense.
Maiaú
A ilha de Maiaú herdou seu nome de um pescador do mesmo nome que residiu em lugar ermo no centro da Ilha, fora da comunidade; esse cidadão recusava-se a morar junto aos seus contemporâneos. Quando Maiaú morreu, os moradores da comunidade de Bate Vento passaram a identificar a Ilha com o nome dele. O arquipélago situado entre a baía de São João e a Barra do Machado (Urumaru) também leva a denominação de Maiaú, em consideração ao tamanho da Ilha, a maior do arquipélago. Maiaú é a maior ilha do arquipélago que leva seu nome e possui uma vasta área; desde tempos imemoriais esta Ilha vem sendo reivindicada como propriedade particular. Em depoimento, uma moradora da ilha de Porto do Meio afirma que Maiaú, assim como Porto do Meio são antigas propriedades de Leotério Moura, e que estas foram herdadas por seu filho, Antonio Moura, que as vendeu ao senhor Amado Joaquim, que por sua vez as doou para sua filha Dalvina Amado. As ilhas são reivindicadas atualmente por seu Ângelo, viúvo de dona Dalvina Amado. Segundo o Ministério Público, através da Regional do Patrimônio da União no Maranhão, os pretensos donos destas Ilhas não apresentaram na época documentos comprobatórios de posse particular. Conforme relatório do IBAMA/CNPT, os
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documentos que teriam validade jurídica seriam os documentos cartoriais da época das sesmarias de 1830, que não constam nos registros atuais. Mais os mesmos órgãos dão conta de que fizeram buscas nos cartórios dos municípios de Guimarães e de Cururupu e lá encontraram recibos e mapas, mas que estes não possuem valor para efeito de desapropriação da área pela União. Segundo estes órgãos, as Ilhas são propriedade da União e, portanto, de domínio público. Em Maiaú, as atividades econômicas passam pela pesca e pelo comércio, e ali já funcionou uma salina, fundada pelo senhor Angelo em 1947. No mesmo local da salina funcionou um criatório de camarões na década de setenta do século passado, financiado pela extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM. Na ilha está localizado o Farol de São João, o segundo mais importante farol brasileiro, eleito pelos correios em 2000 para cartão postal e símbolo nacional. Os registros obtidos na comunidade de Bate Vento por meio da narrativa dos moradores dão conta de que os primeiros habitantes do local foram os pescadores artesanais, responsáveis pela principal atividade econômica da ilha, embora alguns tenham se dedicado à pequena agricultura de subsistência. Os moradores mais idosos da comunidade contam que as primeiras modalidades de pesca artesanal introduzidas foram as de tapagem de igarapé, munzuá, tarrafa, curral e, depois, pela década de quarenta do século vinte, a zangaria, trazida pelos pescadores cearenses, como afirma Jacó Lopes Passinho, 68 anos, nascido em Bate Vento. Os comerciantes também tiveram papel importante para a comunidade, já que através
do
comércio
forneceram
aos
moradores
os
gêneros
necessários,
comercializando os produtos produzidos pela pesca local. Dona Dalila Nair Passinho, 90 anos, que chegou na comunidade com doze anos, em 1926, conta que “o comércio
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na região era primeiramente itinerante; mais tarde, com o crescimento da população, os comerciantes foram aumentando e fixando residência nas comunidades. Em Bate Vento os comerciantes dessa época foram os imigrantes sírios da família Passinho e Anciff. Os comerciantes remanescentes dessa época, atualmente ali residentes são Jacó Lopes Passinho, Aquino Passinho e Caburé Passinho.
Guará
Na ilha de Guará a comunidade possui 94 prédios, com uma população residente de 296 pessoas, que vivem exclusivamente da pesca artesanal, mais precisamente da pesca do camarão de arrasto e muruada. Na comunidade não tem água potável, sendo o abastecimento feito pela água da chuva, engenhosamente recolhida durante o período chuvoso, e por barcos pipas durante a estiagem. No povoado tem energia, posto médico e grupo escolar. A comunidade tem a origem de seu nome ligada a uma polêmica no que diz respeito à grafia: Guará ou Iguará. A antiga Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, hoje Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na década de noventa do século XX, através de alguns técnicos do órgão registraram em seus documentos estatísticos o nome Iguará para denominar a comunidade. Contudo, historicamente os moradores da comunidade e de regiões vizinhas conhecem o local como Guará. O levantamento de campo desta pesquisa verificou que os vizinhos e a maioria dos moradores da comunidade identificam a ilha como sendo Guará. O nome se deve ao ecossistema da ilha, rodeada por manguezais, o que favoreceu a proliferação de uma grande colônia da ave guará no local, antes de a ilha ser habitada definitivamente.
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Dona Dalila Anciff, 99 anos, residente na comunidade de Bate Vento, chegou na região em 1912 e afirma ter conhecimento do nome Guará para identificar a comunidade. Dona Bernarda Lisboa, 70 anos, que morou na comunidade de 1950 a 1961, fez a seguinte declaração: “quando eu cheguei aqui o nome que se chamava era mesmo Guará”. Seu Jove, o representante da família mais antiga da vizinha comunidade de Retiro, confirma: “desde quando eu me entidi aqui que se chama o Guará de Guará, num sei por que mudaro agora.” Contudo, outras pessoas da comunidade dizem que algumas pessoas de fora chegam chamando a comunidade de Iguará e, às vezes, até corrigindo alguns que pronunciam Guará; com isto, alguns moradores estão se acostumando com a nova denominação. Guará é o maior centro de produção pesqueira de camarão do arquipélago de Maiaú. Segundo os pescadores, são produzidas duas toneladas de camarão sem casca durante a safra, na estação chuvosa. Para a captura, as modalidades utilizadas são as de muruada e arrasto pelas beiradas dos canais, croas e igarapés. O camarão do Guará é exportado da própria comunidade para o estado do Pará, além de outros lugares.
Beiradão
Beiradão é a comunidade mais recente do arquipélago de Maiaú, e está situada nas margens do canal de considerável profundidade, que liga a ilha de Aracajá à de Mirinzal. No canal são elevadas grandes muruadas para capturar camarão de todo tamanho e espécie. È um grande centro produtor de pescado.
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A comunidade tem esse nome devido ao tamanho da beirada em que está situada, além de, segundo pescadores da região, existir mais acima, para as bandas do litoral norte um local habitado com aparência igual. Dessa forma, alguns dos primeiros moradores definitivos que antes se aventuravam em pescarias para as bandas do litoral paraense deram com um local muito parecido com o atual Beiradão maranhense, e assim batizaram o local com esse nome, onde fixaram residência em referência ao local paraense, que já era conhecido como Beiradão.
Urumaru
Essa comunidade deve seu nome ao tubarão urumaru. Segundo relatos dos moradores antigos da região, a localidade era uma área que abrigava grande concentração dessa espécie; ali, grandes cardumes apareciam com as abas dorsais dos tubarões apontando para fora da água, deixando impressionados aqueles que lhes observavam os movimentos de cócoras na beira do peral da ponta da croa. É uma das mais antigas comunidades do arquipélago de Maiaú, e que hoje se encontra em processo de desintregação.
Retiro
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A comunidade de Retiro fica localizada numa ilha sem denominação na mesma da antiga comunidade de Urumaru. Não foi possível identificar a origem nome Retiro na própria comunidade; os moradores mais antigos, em 2004, informaram desconhecer a origem do nome da comunidade, alegando que quando chegaram ao local este já possuía tal denominação. Informaram ainda que a comunidade de Retiro, na atualidade, está no local que antes era conhecido como Tereré. Segundo os atuais moradores, o Retiro antigo está em local tomado pela maré no sentido da costa marítima da ilha. Retiro possuiu no passado uma característica de centro comercial das comunidades adjacentes. Durante a década de setenta e início da de oitenta do século XX o local foi um centro comercial que abastecia comunidades vizinhas como Urumaru, Guará, Mirinzal, Lençóis e Bate Vento. Era local de troca e revenda de produtos produzidos na região, além de outros trazidos pelos comerciantes para suprir as necessidades das populações nativas da região. A comunidade de Retiro encontra-se em estado de desintegração, apresentando uma densidade populacional bem inferior a uma década atrás, já que os moradores migram constantemente para o vizinho município de Apicum-Açu.
Mirinzal
A comunidade de Mirinzal tem o nome da ilha em que está situada. A origem do nome se deve à abundância de uma árvore nativa chamada mirim, que produz uma doce fruta do mesmo nome. Trata-se de uma comunidade antiga em relação à possível idade do início do povoamento no arquipélago de Maiaú. Sempre foi um importante
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centro comercial do camarão torrado seco. De lá partiram, na década de setenta do século passado, rumo a Belém, no estado do Pará, grande quantidade de camarão graúdo torrado, escoado dali pelos prósperos comerciantes da época. Segundinho ou Melão, o Rei do Camarão, atualmente comercializando em Cururupu, comprava por água, em média, nos períodos de safra, cerca de uma tonelada de camarão graúdo torrado em Mirinzal, entre os anos de 1975 a 1982. A povoação também teve origem no desenvolvimento da pesca artesanal no arquipélago de Maiaú, o que se constitui numa característica de todo o povoamento da região. Os primeiros moradores procederam de localidades mais antigas, a exemplo de Bate-Vento; segundo vários depoimentos, a povoação se deu por conta do fato de que alguns pescadores começaram a morar no local, pois a ilha se localiza em local recôndito entre as florestas de manguezais e furos com igarapés próprios para as práticas de modalidades como camarão de arrasto, rede de tapagem, currais, muruadas e fuzarcas, dentre outras, ficando assim a comunidade localizada bem próximo dos pesqueiros.
Porto do Meio
Porto do Meio tem esse nome relacionado ao canal que serve de porto para esta comunidade, que é denominado de Furo do Meio. Localiza-se entre a baía de São João e a Barra do Machado. A comunidade faz porto em um local de fácil acesso em qualquer altura da maré, e por causa disto a localidade foi escolhida pelos pioneiros para fixarem residência definitiva. A comunidade tem sua história relacionada com o desenvolvimento da pesca artesanal na região, sendo as primeiras modalidades ali
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utilizadas as de camarão de arrasto, rede de lanço, tapagem de igarapé, munzuá, tarrafa, linha de mão e arpão.
Carrapato (Porto Alegre)
Carrapato tem sua primeira população oriunda das comunidades de Guajerutiua e Valha-Me Deus. Sandoval de Jesus Garcia, morador da comunidade, que contava 65 anos em 2004, informou que os primeiros moradores da comunidade foram seu avô e seu tio avô, Quintino Garcia e Raimundo Garcia; no entanto, não soube precisar a data da chegada de seus antepassados na ilha. A principal vocação de Carrapato é, na atualidade, a pescaria de camarão de muruada, realizada no principal canal de acesso ao povoado. Nas origens da fundação da comunidade, a principal modalidade utilizada consta ter sido a pescaria com a modalidade zangaria, nos lavados que ficam em frente da comunidade, em lanços próprios para a captura do camarão graúdo. A ilha de Carrapato possui características semelhantes a tantas outras do litoral ocidental do Maranhão, apresentando uma densa plantação de coco, constando que um cidadão chamado Deusdete, mais conhecido como Pneu, foi o primeiro a plantar um coqueiro no local onde está situada a atual comunidade, estando ainda em pé no ano de 2005. Deusdete chegou em 1918 em Valha-me Deus, vindo do estado do Ceará. Ele trabalhava num pequeno circo que fazia apresentações pelo litoral, e enamorou-se por uma donzela nativa. Dessa forma, resolveu permanecer no local, casando-se com a moça, tendo se mudado em 1920 para a atual comunidade de
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Carrapato. Deusdete faleceu em 2003 aos 103 anos, vivendo cerca de 80 anos na comunidade, segundo seu Sandoval, morador de Carrapato. A origem do nome da comunidade está ligada à existência de muitos pés de carrapato ou mamona (Ricinus communis L.) nas imediações do porto principal da comunidade está situada nas margens da entrada do furo de Valha-Me-Deus no sentido da barra de São João à barra de Guajerutiua ou do Capim.
Lençóis
A comunidade de Lençóis está situada na ilha do mesmo nome. Mística e lendária, morada do encantado rei Sebastião, a ilha está inclusa no roteiro turístico internacional. Possui imponentes belezas naturais, compostas por verdadeiros monumentos paisagísticos, biodiversidade latente em todas as dimensões do ecossistema, rica tradição cultural, e variadas possibilidades de aventuras por dunas e canais. Na pesca artesanal com linha de mão tem os melhores pontos pesqueiros, e no período de março a junho as lagoas naturais complementam o conjunto espetacular de Lençóis. Com 108 prédios e uma população residente de 329 pessoas, a ilha de Lençóis possui duas pousadas, um comércio tímido, apresentando possibilidade de pouso de pequenos aviões (quando a maré está seca na costa), transporte marítimo regular através do município de Apicum-Açu, posto médico, energia elétrica, telefone público e pessoal hospitaleiro.
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O sistema predominante da pesca artesanal na economia local é a pescaria com rabeadeira e caiqueira, responsáveis pela captura de peixes e camarões graúdos na área da costa. A comunidade da ilha de Lençóis teve na sua formação original uma população composta exclusivamente por pescadores artesanais oriundos de povoamentos mais antigas da região do arquipélago de Maiaú. A vizinha ilha de Maiaú, onde fica a comunidade de Bate Vento nos fornece os dados indicativos de que os pioneiros moradores de Lençóis tiveram sua origem domiciliar nessa comunidade. Os moradores mais antigos vivos em 2004 afirmavam que seus antepassados eram moradores de Bate Vento. Benedito Silva, já falecido, e que contava 70 anos em 2004, residia na infância em Bate Vento, e declarou: “eu me mudei pra cá ainda rapaz, mas já trabalhava de pescaria aqui. Dona Dalila Anciff, 90 anos, moradora de Bate Vento, conta que nasceu na mesma comunidade, e desde que se entendeu como gente diz ser testemunha de que a maioria dos moradores da ilha de Lençóis saiu de Bate Vento. Segundo ela, “os primeiros moradores de lá de Lençóis eram daqui, porque o movimento das morrarias não permitia que as pessoas morassem lá, por que as morrarias entupiam as casas; os de mais distante voltavam logo, mas os daqui tinham casa aqui em Bate Vento e iam e vinham”. Dona Dalila ainda afirma ter sido o primeiro comerciante em Lençóis um comerciante de Bate Vento chamado Geraldo Lopes, que morreu em São Luis em 1986.
Fatos inusitados de proporção histórica
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A ilha de Lençóis possui no seu contexto histórico questões relacionadas às tradições do sebastianismo, que não serão abordadas aqui, pois o fenômeno cultural é bastante explorado em vários estudos anteriores. Para efeito de informação, indicamos a leitura do texto abaixo:
“Em Lençóis, sobrevive uma lenda bastante conhecida no Maranhão: diz-se que, após a derrota do rei português Dom Sebastião, em Alcácer-Quibir, nas areias desertas do Marrocos, no século XVI, ele teria se encantado em Lençóis, na forma de um touro negro que aparece nas morrarias nas noites de São João. O sebastianismo se espalhou pelas colônias portuguesas ao redor do mundo e representa uma catarse. Portugal, após a morte do rei, foi anexado à Espanha. Por conta da crise política, social e econômica, o povo português encontrou na idéia do encantamento de Dom Sebastião, que regressaria para salvar seu povo do domínio estrangeiro, uma espécie de esperança para os dias difíceis. A crença teria chegado, dessa forma, à ilha de Lençóis. No local, existe um Terreiro de Tambor de Mina (o equivalente ao candomblé, no Maranhão), e os mineiros cultuam Dom Sebastião, afirmando que os gázeos (albinos) e os demais moradores presentes ali seriam filhos dele, que permanece encantado no local ou nas redondezas” (SOUSA, 2007, p. 42-44).
Ponta do Gino
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A Ponta do Gino fica situada na entrada do principal canal de acesso à ilha dos Lençóis. Possui este nome devido ao fato de um senhor conhecido pelo nome de Gino ter habitado sozinho a ponta por um longo período. O local atualmente é utilizado por pescadores em salga, principalmente por pescadores de outras localidades; nas maresadas certas de pescaria se constitui numa verdadeira comunidade. A ponta está no mesmo canal principal de acesso à comunidade de Lençóis, sendo um local utilizado principalmente pelos camaroeiros de arrasto de Lençóis.
Os Sete Infernos
Os Sete Infernos é um trecho situado no mesmo canal principal de Lençóis, é uma meia curva que fica num trecho encoberto em relação ao vento, que nesse trecho fica eternamente brando. Este ponto do canal foi batizado pelos navegantes de canoas a vela com esta designação infame por causa do infortúnio causado por esta calmaria, que inviabiliza uma chegada rápida à comunidade num primeiro momento. Os pescadores, já esgotados da viagem e já muito próximos, ao avistarem as belezas paisagísticas e as facilidades oferecidas ainda têm que penar por algum tempo até atingir o porto de Lençóis.
A Bastiana
Depois do trecho dos Sete Infernos, abeirando a duna, o canal faz um pequeno lavado de lama e neste está localizado um pequeno igarapé. Esse lugar é conhecido
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pela denominação de Bastiana. No local, num trecho do mangue morreu uma senhora por nome Sebastiana, antiga moradora da comunidade de Lençóis, que trabalhava no local; daí em diante o local ficou conhecido como Bastiana.
Porto do Agrado
Localizado onde hoje é o porto da comunidade de Lençóis. Segundo Raimundo Rabelo, 76 anos, que afirma ter nascido nesse trecho, lá teria sido o local da primeira comunidade fixa da ilha que se tem consciência. Agrado vem da possível agradabilidade do local, com desembarque em toda maré, e a água potável é adquirida por meio de cacimbas bem rasas. Contam os moradores que bastava arranhar o solo arenoso com as pontas dos dedos para se obter água em abundância, fato que pode ser constatado ainda hoje junto ao pé da morraria, sem muito esforço de quem testar a veracidade da afirmação.
Braço Aberto
A antiga denominação deste local, situado ao norte da ilha, de frente para o oceano Atlântico, era chamada de Ponta da Criminosa, em referência a uma ponta existente no município de Limodeua, no vizinho litoral do estado do Pará, que possui esta denominação. Consta que os pescadores de salga de Lençóis costumavam pescar costeando até o litoral do Pará, sendo a Criminosa de Limodeua um lugar com características geográficas muito parecidas com essa ponta da ilha de Lençóis, o levou os pescadores itinerantes residentes em Lençóis a batizarem a ponta na costa de sua
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ilha de Criminosa. Não há data precisa de quando começaram a falar em Criminosa em Lençóis, porém a denominação Braço Aberto é de 1985. Um pescador de pesca comercial oriundo da praia da Raposa, na ilha de São Luís, que se encontrava em atividade nas águas das reentrâncias maranhenses, em arriscada manobra escapuliu da borda da embarcação em que trabalhava no justo momento em que outra embarcação semelhante se emparelhava com ela, de tal forma que, ao cair na água foi esmagado pelas bordas das duas embarcações, indo ao fundo para não mias ser encontrado pelos companheiros naqueles primeiros dias de busca. Algum tempo mais tarde, o pescador acidentado encostou morto e muito inchado na Ponta da Criminosa lençoina, tendo sido encontrado por moradores deitado de costa, com os peitos para cima e com os braços bem abertos. A partir daquele momento o local deixou de ser um plágio paraense para se tornar uma referência genuinamente maranhense, Braço Aberto. Capitulo décimo sexto Aspectos culturais
Os aspectos culturais compõem a vitalidade cotidiana do arquipélago. As lendas e mistérios permeiam o imaginário local nas suas múltiplas faces; figuras lendárias e místicas se misturam no cotidiano da população, o que mantém laços constituídos a partir das crendices hasteadas na tradição simbólica e espiritual da figura individual e do ser coletivo no seio das comunidades. Tais personagens se constituem a partir de algo que representa a conveniência do espetáculo, e suas ações são determinantes para que todos os moradores do lugar estabeleçam suas normas e leis, o que permitirá uma relativa defesa do ambiente e dos
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costumes do indivíduo comunitário em relação ao mundo exterior, para que estes possam entrar em cena dramatizando a convivência cotidiana. A composição harmônica entre o material e o espiritual permitirá a integração do homem nativo com a natureza que o circunda, através de um imenso espaço composto pelas particularidades culturais. A interação do indivíduo com seu meio natural oferecem ao morador os mecanismos necessários para um desenvolvimento intelectual autônomo, integrado com o seu habitat de maneira que suas crenças são construídas e permanecem firmes nos propósitos do coletivo comunitário, carregado de preconceitos arbitrários inseridos por leis incapazes de reduzir o potencial cênico que dramatiza a vivência na sua mais íntima privacidade, que adormece às vezes, mas que permanece em estado de alerta, visando emergir para a vida real no momento certo o objeto lendário que funde na imaginação do criador nativo que se valerá da narrativa para imortalizar fabulosamente o seu cotidiano. Os costumes e hábitos obedecem a uma lógica enriquecida na fonte da criatividade social existente no ambiente comunitário. Assim, ao contar estórias de suas vivências, o fato deverá estar sempre carregado de exemplos compostos por uma expressividade criativa individual que, ao se colocar como personagem ou não, ele próprio arbitrará sobre o desenvolvimento do acontecido. Nesses casos, a interferência do ser prima por distender ao máximo a experiência relatada, cheia de elementos ficcionais que são extraídos de um cotidiano definido por relações formuladas em convivências que se alicerçam em laços imaginários livres no contexto social comunitário. No arquipélago de Maiaú, na ilha de Lençóis, existe a presença da lenda do encantado rei Sebastião, e essa estrutura sebastianista presente no imaginário das
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comunidades do arquipélago de Maiaú apresenta seu ponto máximo como fenômeno cultural na medida em que estabelece sua importância fantástica nos degraus das crendices locais. O sebastianismo denota numerosos pontos de vista na medida em que se interliga por meio de uma trajetória imprecisa, que determina a abundância de recursos imaginários empregados na narrativa doméstica. A fábula toma dimensões extraordinárias no seio da comunidade do arquipélago, sobretudo aquela que mora na ilha de Lençóis. Cada cidadão da comunidade estabeleceu
seu
relacionamento
com
as
entidades
fantásticas
ligadas
ao
sebastianismo. Para uns, a representatividade de El Rei Dom Sebastião é coisa sagrada, enquanto que para outros se trata de um modesto encanto, dependendo do momento, horário e local na ilha, ou ainda apenas crendice popular. O fato se consuma em certos relatos que podem assustar ou mesmo apavorar o indivíduo naquele instante. “Lá na costa do farol mora a princesa Jarina, filha dele (Rei Sebastião). Ela se mudô pra lá porque muita gente de fora vive por aí barafustrando tudo. Já vi a princesa cantando lá pros lados do lago do Cabaço. Eu estava sozinha e na hora me deu uma tremedeira danada nas pernas, eu passei dias cum febre”, diz um depoimento de uma moradora da praia de Lençóis. A mudança da corte de El Rei Dom Sebastião da Ilha de Lençóis para a vizinha Maiaú demonstra as dimensões das apreensões do fenômeno no universo imaginário da comunidade. Estabeleceu-se no arquipélago uma singela convivência entre os encantos fantásticos da lenda sebastianista e os moradores das comunidades, situados em diferentes proporções na compreensão de cada indivíduo. O fenômeno traz à tona o sentimento que permanece nas entranhas do indivíduo comunitário como símbolo
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cristalizado a partir da convivência num cotidiano calcado na subjetividade do contexto doméstico. A mitologia sebastianista encarna-se num ambiente com diferentes graus de compreensão do fenômeno, tais como o grau sociológico, o grau histórico e o grau psicológico na composição dos elementos construtores do contexto cultural doméstico das comunidades do arquipélago de Maiaú. O Feiticeiro
O feiticeiro, figura fantástica elementar no imaginário popular, ultrapassa a barreira dos tempos. Sua existência provoca impacto no cotidiano das populações do arquipélago. Trata-se de um fenômeno que está presente no processo de desenvolvimento da cultura popular, pois ele representa um individuo que possui múltiplas facetas, e se faz existente em toda a extensão da miscigenada cultura maranhense. O feiticeiro manifesta-se através dos tempos até chegar com forma e conteúdo miscigenados no presente, principalmente através da inventividade folclórica e religiosa de algumas comunidades. Tem forte influência na criatividade do sujeito comunitário disposto a se proteger de influências estranhas ou malignas que possam interferir na sua vida ou nos seus costumes. Este indivíduo, o feiticeiro, normalmente oriundo de outros segmentos sociais, por uma ou outra razão migra solitário para uma região qualquer para estabelecer moradia entre nativos. Então, a curiosidade da comunidade com relação ao recém-chegado os leva a investigar a procedência do intruso em questão.
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A partir daí, são estabelecidas especulações a respeito do sujeito. Caso este permaneça fechado em sua relação com os demais, impossibilitando que a comunidade chegue a dados concretos que permita a definição do perfil da pessoa investigada, fica patente para a comunidade a existência do mistério em volta do indivíduo, o que atiça a liberdade inventiva que alavancará o processo da rotulação, na qual o indivíduo deverá ficar exposto perante o contexto comunitário. O mito do feiticeiro é tido como um fenômeno que simboliza a presença do sobrenatural conforme a necessária conveniência imaginária comunitária. Geralmente representa perigo às atividades domésticas da comunidade, primeiramente em relação ao principal curioso e depois para o restante da comunidade. O homem mitológico é temido e respeitado por todos na comunidade. O feiticeiro dotado de poderes sobrenaturais, capaz de trazer o mal, costuma aparecer no imaginário das pessoas em forma de animais como bode ou porco, dentre outros, podendo o mesmo fazer feitiço contra aqueles que não são do seu agrado. A figura do feiticeiro está muito presente nas manifestações intencionais dos pescadores do arquipélago de Maiaú. A capacidade inventiva das pessoas das comunidades os leva a identificar diversos feiticeiros residindo nas comunidades.
Festejos e Comemorações
Na região são comemorados os festejos de São Pedro, São Sebastião e São Benedito. São Pedro é o tradicional protetor dos pescadores, sendo festejado no dia 29 de junho. A festa tem como atrações principais a procissão marítima, os leilões de pratos típicos, o levantamento de mastro, as ladainhas, as missas e as festas
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dançantes. O evento conta com a participação da população local e de visitantes. A maior manifestação desta tradicional festa na região localiza-se na comunidade da Ilha de Guajerutiua. Os festejos de São Sebastião são tradicionalmente comemorados nos dias 19 e 20 de Janeiro. O festejo do protetor de El Rei Dom Sebastião é comemorado principalmente na comunidade da ilha de Lençóis, morada da corte encantada do rei Sebastião. As comemorações são compostas por ladainhas, queima de fogos, levantamento e derrubamento de mastro, distribuição de alimentos para cães, distribuição de bombons para crianças, toques de caixa, apresentação de Tambor-deCrioula e toques de Tambor de Mina, competição de pequenas embarcações e festa dançante. Na ocasião, são feitas as oferendas à família real encantada na Ilha. As instituições religiosas locais e de outras paragens aproveitam o parasidíaco cenário das dunas da encantada ilha de Lençóis para realizarem suas obrigações na ocasião dos festejos de São Sebastião. Os festejos de São Benedito eram realizados na ilha de Lençóis, organizados por seu Benedito Silva, mais conhecido como Bill. A tradição festiva contava com muitas atrações, dentre as quais se destacavam leilões, derrubamento de mastro e festa dançante regada a muita cachaça. Doente, Bill deixou de realizar a festa em 2004, vindo a falecer em 2006.
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Capitulo décimo sétimo Ilhas desertas
As ilhas desabitadas do arquipélago encontram-se num estado natural que proporciona a observação de um material quase intocado, propício à realização de trabalho de campo na área da pesquisa experimental. Dentro desse ecossistema ainda exuberante, reina a calmaria, onde vivem espécies desprovidas de qualquer estresse, realizando rituais próprios ligados aos ciclos naturais, que permitem uma harmoniosa simbiose entre as diferentes espécies ali presentes. Em cada ilha a solidão e a natureza quase selvagem oferece os mecanismos necessários ao funcionamento da pesquisa. O ambiente oferece a paz envolvente aos instantes crescentes de perfeita concentração, favorecendo a descontração inerente à integração espiritual com o material observado. As ilhas são recortadas por canais e igarapés, cercadas por bosques de mangues e extensas praias com portos naturais de fácil acesso. O principal motivo De estas permanecerem desabitadas deve-se ao fato de não possuírem água potável em nenhuma época do ano, por serem de pequenas dimensões e ainda por algumas serem reivindicadas como propriedades particulares. Na maioria destas Ilhas estão localizados os pontos de apoio da pesca artesanal, sendo lugares ideais para a reprodução de aves ou ponto de pouso para aves migratórias nas diferentes épocas do ano.
Aracajá
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A ilha Aracajá fica entre as comunidades de Porto do Meio e Beiradão, possuindo uma costa de mais de 10 Km de extensão; tem porto natural situado num igarapé que corta o centro da ilha, que apresenta área de campo característico da baixada, com alagados que permanecem cheios até meados da estação seca. Já serviu de pasto para gado e outros animais de uma pequena fazenda que ali existiu no passado. É um perfeito abrigo de animais silvestres da região.
Parida
A Parida é uma ilhota próxima da ilha de Lençóis, que serve de apoio para pescadores e de abrigo para animais. Possui uma enseada muito piscosa, onde são aplicadas várias modalidades de pesca, compreendidas como atividades pesqueiras de beira ou de margem, tais como a zangaria, a caiqueira, a rede na estacada, dentre outras. A praia é própria para quem deseja o isolamento temporário.
Camaleãozinho
A ilhota Camaleãozinho é contígua à ilhota da Parida, e fica localizada entre esta e a ilha de Campechá. Apresentando característica física própria, é uma nesga de solo arenoso com vegetação típica do cerrado, conjunto que adentra o manguezal. Possui uma rica variedade de vegetais arbóreos frutíferos consumidos pelos nativos das comunidades próximas e por alguns animais que habitam a região.
Campechá
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Segundo os pescadores, esta ilhota possui este nome devido à grande quantidade de peixes que se concentram nas suas imediações. Muitos moradores do arquipélago pescam no canal de São João, no local próximo da Campechá, servindo ainda como abrigo para pescadores de beira, que se utilizam das modalidades caiqueira e rabeadeira. Nela é possível encontrar ranchos de pescadores, geralmente abastecidos com peixes frescos e camarões graúdos. Na verdade, a ilhota Campechá é uma duna que se eleva na borda da baía de São João, ficando bem próxima do canal. Por ser muito pequena, a ilhota não abriga animais de grandes proporções, podendo servir como ponto para observadores. Capitulo décimo oitavo Ecossistemas
Os ecossistemas do arquipélago de Maiaú possuem características particulares devido à alta biodiversidade concentrada na região, e se espalham pelas ilhas segundo suas características peculiares. “Fisionomicamente, no que se refere aos ecossistemas costeiros, o litoral ocidental maranhense é composto predominantemente de manguezais exuberantes, constituindo uma floresta mista extensa, que adentra o continente por vários quilômetros, no contexto geral bem preservada e que abriga uma rica fauna, garantindo a fartura de alimentos daquele litoral. A altura dos mangues neste litoral é em torno de 35 metros e as espécies mais características ocorrentes são Rhizophora mangle, Avicennia germinans, Laguncularia racemosa. Dentre estas, R. mangle é a espécie dominante” (UFMA, 2000).
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Associados ao manguezal ocorrem os apicuns, campos de água salgada e marismas tropicais, como faixas ou ilhas, formados de Spartina, na frente do manguezal. Neste litoral há trechos que abrigam manguezais exuberantes e íntegros e trechos em que, devido a situações de estresse natural (cupins, ventos fortes e altas salinidades), assim como estresse antrópico (corte de árvores e aterro, feitos pelo homem) interferem no seu desenvolvimento e têm influência direta sobre a integridade desses ambientes.
Solos
Os solos do arquipélago estão caracterizados segundo os solos estudados nas reentrâncias maranhenses.
Solos Solocharc
“Os solos solochark são pouco desenvolvidos e com horizonte sálico. Geralmente estão sujeitos a encharcamento sazonal. O horizonte superficial é relativamente raso e nas estações secas pode apresentar crostas salinas superficiais devido à ascensão
capilar
e
precipitação
de
sais,
característicos de áreas de apicum existentes no local. Os apicuns ocorrem freqüentemente em áreas planas originadas de
sedimentos quaternários
e
estão
217
presentes comumente nas áreas de transição entre os manguezais e a terra firme. Os apicuns apresentam alto grau de salinidade, totalmente impróprios para a agricultura: possuem uma vegetação esparsa da leguminosa
característica
deste
tipo
de
solo,
entremeada de algumas trouxeras de espartana e mangue negro (siriba)”.
Areias quartzosas marinhas
“Esta classe compreende solos arenosos constituídos de quartzo e pequenas proporções de minerais pesados, e textura de areia fina oriunda dos sedimentos quaternários” (Relatório Guarás - UFMA, 2000).
Apresenta fertilidade natural própria para o desenvolvimento de culturas adequadas a este tipo de solos, tais como leguminosas e cocais, dentre outras que são pouco aproveitados na agricultura local. Na região do arquipélago de Maiaú ocorrem principalmente na forma de dunas, restingas, e nas planícies fluviais marinhas presentes na área.
Manguezal
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Por ser um país com extensa faixa litorânea, o Brasil possui uma das maiores áreas de manguezais do mundo, estimada em mais de dez mil quilômetros quadrados. Encontrado em regiões tropicais e subtropicais, esse ambiente possui espécimes microscópicos que estão na base da cadeia alimentar de uma série de animais do litoral e microorganismos capazes de recuperar o solo e a água de regiões afetadas por acidentes envolvendo derramamento de petróleo no oceano. Os manguezais são ecossistemas que ficam nas regiões de estuários, faixas de transição entre o ambiente marinho e o terrestre, nos lugares onde os rios deságuam no mar. São habitados por espécies vegetais típicas de ambientes alagados, resistentes à alta salinidade da água e do solo. Uma árvore de manguezal, chamada de mangue, chega à fase adulta e se reproduz em apenas cinco anos, e pode atingir cerca de vinte metros de altura. Apesar de possuírem apenas sete espécies de árvores, os manguezais apresentam uma enorme biodiversidade, com uma grande abundância de algas microscópicas. 80% dos manguezais do país estão nas regiões norte e nordeste, especialmente nos estados do Amapá, Pará e Maranhão. Este último possui cerca de 500 mil hectares de mangue. Estima-se que o Maranhão possua a maior concentração de mangue do Brasil, com uma larga faixa que se estende ao longo de todo o litoral, com uma maior concentração na área das reentrâncias maranhenses. Formam um conjunto de bosques em faixas continentais e ilhas, recortadas por canais, furos e igarapés. Nesta parte do litoral está a maior concentração da floresta dos manguezais no estado do Maranhão. Os manguezais estão presentes por toda a extensão do arquipélago, formando as divisões arbóreas dos recortes que separam as ilhas; em seus exuberantes bosques
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se abrigam inúmeras espécies aquáticas marinhas e avícolas, dentre outras espécies que residem e visitam os manguezais. Com relação aos mangues, os solos são caracterizados conforme vários estudos: “Compreende sedimentos gleizados e sem diferenciações de horizontes, com altos teores de sais e compostos de enxofre, provenientes das águas marinhas. Distribuem-se em áreas sedimentares pantanosas e alagadas sujeitas à influência das marés sob condições alcalina a neutra (Ph ³ 7). Comumente
encontrados
reentrâncias
maranhenses,
nas
áreas
onde
litorâneas
abriga
uma
das rica
biodiversidade” (RELATÓRIO GUARÁS - UFMA, 2000).
O manguezal serve para abrigar a maioria das espécies marinhas; enquanto algumas se utilizam desse ecossistema para desovar, outras alimentam seus filhotes, enquanto algumas são predadoras, conforme o sistema de seleção natural.
Apicuns
Os apicuns são áreas planas com pouco declive e de transição entre os manguezais e áreas adjacentes; são constituídos por solo arenoso, no qual a ação das marés deposita sedimentos leves oriundos dos lamaçais nas gamboas (ou camboas), igarapés, rios, estuários e áreas centrais dos manguezais próximos.
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A superfície dos apicuns é pouco lavada e altamente salinizada, devido à concentração de sais trazidos pelas marés; a maré lava os apicuns a intervalos regulares, que variam nos períodos de marés de sizígia, nos espaços entre as marés de quebra e lançante, ou seja, quando a maré está indo da lua para o quarto, período que dura cerca de sete dias. Lá pelo quarto dia depois de lua e três ou quatro dias depois de quarto a maré deixa de lavar o apicum, ficando este exposto á ação do sol. Neste período intensifica-se a concentração de sais. O apicum tem uma cobertura vegetal escassa, composta por algumas leguminosas e espartinas (capim), podendo ainda se apresentar sem cobertura alguma. No litoral ocidental do Maranhão, os apicuns são abundantes, e por essa razão se encontram na mira dos empreendimentos da carcinicultura, a atividade econômica que mais cresce no Brasil, sendo que 97% da produção se concentra no nordeste, mais precisamente nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Nestes estados foi comprovado que esta atividade causa danos irreversíveis aos ecossistemas de manguezais, prejudicando as comunidades tradicionais. Consideramos conveniente, como forma de alerta, anexar neste texto parte do relatório do GT da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (CMADS), publicado em www.joaoalfredo.com.br
Carcinicultura Manguezal ameaçado Impactos sociais e ambientais da criação de camarões em cativeiro
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Síntese do Relatório do Grupo de Trabalho sobre Carcinicultura Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Câmara dos Deputados Brasília - 2005
Suprindo uma lacuna O crescimento da carcinicultura (criação de camarões em cativeiro) no nordeste, a par dos índices econômicos divulgados pelos produtores, vem sendo associado à destruição de um dos ecossistemas mais complexos do planeta, o manguezal, além de atingir mata ciliar e carnaubais e causar danos cumulativos às bacias hidrográficas onde se inserem. Ao atingir o meio ambiente, a carcinicultura ameaça a fonte de sobrevivência e a cultura de milhares de pessoas que habitam tradicionalmente as regiões de mangue pescadores, marisqueiras, índios e pequenos agricultores -, muitas vezes vítimas de violência, expulsão e superexploração por parte das empresas, que comumente se apropriam de terras públicas da União. Grupo de Trabalho criado no âmbito da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - CMADS da Câmara dos Deputados veio suprir a lacuna de um estudo mais aprofundado sobre o tema, definindo as bases para ações efetivas de preservação do ecossistema manguezal, melhoria da qualidade de vida das comunidades tradicionais e defesa da biodiversidade. Esperamos que o Relatório do Grupo, aprovado por unanimidade pela CMADS, no dia 15 de junho de 2005, seja o marco de um tratamento mais adequado ao assunto,
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inclusive do ponto de vista da legislação, e mais uma contribuição rumo à construção de uma sociedade econômica e ambientalmente sustentável, humanamente diversa, politicamente democrática e socialmente igualitária.
Deputado João Alfredo (PT/CE) Relator do GT de Carcinicultura
O avanço da carcinicultura
A carcinicultura é uma das atividades comerciais que mais crescem no nordeste. Até 1997 a exportação desse crustáceo estava quase que inteiramente restrita aos camarões marinhos obtidos com a pesca extrativista. Na última década, houve um crescimento vertiginoso do número de fazendas produtoras de camarões, instaladas, em sua maioria, em regiões de mangues, mas também às margens dos rios. Hoje, a carcinicultura já responde por 99% das exportações de camarão do Brasil. De 3,6 mil toneladas em 1997 a produção do setor saltou para 75,9 mil toneladas em 2004, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC). A região nordeste é responsável por 92% da produção, sendo os principais estados produtores, pela ordem, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Esses números seriam muito positivos se não se fizessem acompanhar de sérios danos ambientais e ameaças às condições de vida de comunidades tradicionais estabelecidas em áreas visadas pelos carcinicultores.
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Pela rapidez com que se expandiu, a carcinicultura não foi dimensionada devidamente pelo poder público: as únicas estatísticas globais existentes sobre a atividade são as divulgadas pelo setor empresarial. Faltava, até agora, um diagnóstico global dos impactos socioambientais produzidos.
Câmara cria Grupo de Trabalho
Para suprir a lacuna decorrente da falta de um estudo mais amplo sobre o assunto, a então Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias (CDCMAM) criou, em abril de 2003, um Grupo de Trabalho (GT) destinado a analisar os impactos da carcinicultura sobre o meio ambiente, atendendo a requerimento do deputado João Alfredo (PT/CE), nomeado relator do GT. A coordenação ficou a cargo, inicialmente, do deputado Luiz Alberto (PT/BA). No princípio de 2004, a CDCMAM foi desmembrada, dando ensejo à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). O Grupo foi recriado, continuando João Alfredo como relator e, como demais membros, os deputados Fernando Gabeira (PV/RJ), Paes Landim (PTB/PI) e Gervásio Silva (PFL/SC). Em mais de dois anos de trabalho, o GT realizou vistorias técnicas em mais de 50 fazendas de camarão e nove audiências públicas com a participação de representantes das comunidades afetadas, nos cinco estados visitados: Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. O universo pesquisado serve como amostragem de um quadro bem mais amplo de atividade.
224
O GT se fez acompanhar por técnicos do IBAMA, membros do Ministério Público, de instituições financeiras, pesquisadores de universidades, parlamentares estaduais, representantes de Secretarias estaduais de meio ambiente e de organizações não governamentais. As visitas produziram também um registro fotográfico da diversidade sócio ambiental e dos danos causados ao meio ambiente.
Locais visitados pelo GT
Estado do CEARÁ ·
Data: seis dias, em julho de 2003, janeiro e maio de 2004 Vistoria técnica em várias fazendas de camarão distribuídas ao longo das
bacias hidrográficas dos rios Acaraú, Aracatimirim, Coreaú e Jaguaribe. Reuniões com as comunidades de Curral Velho de Cima (Município de Acaraú), Terra Indígena Tremembé (Itarema), Volta (Fortim) e Barra Velha (Cascavel). Estado do PIAUÍ (visita realizada por técnicos do IBAMA) ·
Data: 24 a 31 de agosto de 2003 38 empreendimentos inseridos na Área de Proteção Ambiental do Delta da
Parnaíba, nos municípios de Parnaíba, Luís Correia, Ilha Grande e Cajueira da Praia. Estado da BAHIA ·
Data: 27 de outubro de 2003 Oito empreendimentos no município de Salinas de Margarida
225
Estado do RIO GRANDE DO NORTE ·
Data: 2 de dezembro de 2003 Quatro empreendimentos no estuário do Rio Potengi Estado da PARAÍBA
·
Data: 6 de abril de 2004 Fazendas inseridas na Terra Indígena Potiguar e na Área de Proteção
Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, e empreendimento denominado Destilaria Jacuípe.
Relatório lista impactos e propõe mais de 30 recomendações O relatório do GT foi votado e aprovado por unanimidade no dia 15 de junho de 2005, pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, e seus resultados encaminhados aos órgãos competentes com a indicação de providências a serem adotadas. O documento lista 22 impactos socioambientais produzidos pela carcinicultura sobre o meio ambiente, a saúde humana e as condições de vida das comunidades que sobrevivem da pesca e da mariscagem, e faz mais de 30 recomendações administrativas e legislativas ao Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, Secretaria de Aqüicultura e Pesca e outros órgãos do governo, tais como o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, Ministério Público, governos estaduais da região nordeste e instituições financeiras.
226
O relatório foi elaborado com base nos laudos das vistorias técnicas realizadas em cinco estados e em uma série de outros documentos elaborados com a colaboração dos técnicos e a consultoria de 13 especialistas, entre os quais o professor doutor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará, a engenheira de pesca Soraya Vanini, do Instituto Terramar, biólogos, agrônomos, zootecnistas e analistas ambientais do IBAMA e de outros órgãos (ver lista completa à pág. xx desta publicação). A íntegra do relatório, que relaciona ainda perto de 70 referências bibliográficas, pode
ser
conferida
no
portal
da
Câmara
dos
Deputados
(www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=289114) ou na página do deputado João Alfredo na internet (www.joaoalfredo.org.br). Foi feita uma publicação completa, incluindo os anexos, para ser encaminhada às autoridades, órgãos técnicos e universidades. Aqui você vai encontrar uma versão resumida do documento.
Impactos, selo e moratória
Entre os impactos relacionados pelo GT estão a modificação do fluxo das marés, redução e extinção de habitats de numerosas espécies, extinção de áreas de mariscagem, pesca e captura de caranguejos, expulsão de pescadores de seus locais de trabalho, proibição de acesso às áreas de pesca e de coleta de caranguejos e mariscos, contaminação de água destinada ao consumo humano, disseminação de doenças entre os crustáceos, destruição da paisagem e conflitos de terra decorrentes
227
da privatização de terras da União (terrenos de Marinha e terras devolutas), além de danos cumulativos ao longo das bacias hidrográficas onde se situam as fazendas. No Ceará, até mortes humanas foram registradas pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) como decorrentes da contaminação por metabissulfito, substância usada na conservação dos camarões logo após a despesca. As recomendações incluem uma “moratória” na atividade, ou seja, a suspensão das autorizações para novos empreendimentos até que se tenha definido o atual estado ambiental do ecossistema manguezal e das comunidades que dele dependem para sua sobrevivência. Mas há também propostas visando incentivar as empresas que obedecem à legislação ambiental e trabalhista, como a concessão de “selos de desenvolvimento sustentável”.
Mangue: berço de vida
Considerado pela comunidade científica como “berçário de vida”, o ecossistema manguezal, principal atingido pela carcinicultura, é um dos mais produtivos do planeta. Exerce um papel fundamental na produção de vida animal, principalmente marinha, e constitui fonte de sobrevivência para populações que, ao longo de séculos, ocupam as regiões costeiras do Brasil - pescadores, marisqueiras, índios e agricultores. Várias espécies de peixes marinhos e de água doce buscam o manguezal para alimentar-se e se reproduzir. De 80% a 90% das espécies comerciais de pescado
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dependem do mangue, que também é o habitat de diferentes tipos de crustáceos, como camarões, caranguejos, siris, aratus, caranguejos-uçá e guaiamuns. Dezenas de espécies de aves também utilizam o mangue em suas rotas migratórias, para alimentação e reprodução. Apenas em um pequeno estuário localizado no extremo leste do Ceará (Barra Grande, no município de Icapuí), foram registradas 47 espécies em levantamento realizado no ano de 2003 pela Aquasis (organização não governamental voltada à preservação da zona costeira), destacando-se aves migratórias provenientes do Hemisfério Norte, sobretudo do leste e oeste do Canadá.
Caracterização legal do ecossistema
De acordo com a Resolução Nº 303/2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, o manguezal é um “ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vazas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência fluvial e marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina”. Essa descrição falha ao não precisar, como parte do ecossistema manguezal, apicuns, gamboas, canais de maré, bancos e flexas de areia e argila. Com apoio de técnicos do IBAMA, de universidades e de outras instituições, o GT de Carcinicultura
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estudou a relação desses segmentos entre si e com o sistema costeiro de um modo geral. O relatório do Grupo apresenta descrição detalhada dos principais fluxos de matéria e energia que atuam nesse sistema, propondo alterações na legislação do CONAMA para caracterização integrada do ecossistema manguezal. Cada componente foi descrito evidenciando-se as correlações com o transporte de sedimentos, correntes marinhas, oscilações diárias de ondas e marés e ação dos ventos.
Componentes do ecossistema manguezal e suas funções
O ecossistema manguezal depende diretamente dos processos que se desenvolvem não só nos mangues propriamente ditos como nos apicuns, canais de marés, bancos de areia e gamboas, todos interligados pelos fluxos de matéria e energia inseridos nas regiões estuarinas. O estuário é a parte terminal ou o desaguadouro de um rio, geralmente larga, onde ele se encontra com o oceano, sendo, portanto, influenciado pelas marés. O encontro do material orgânico trazido pelos rios com os trazidos pelas marés forma um campo fértil para o nascimento e crescimento de dezenas de espécies. Apicum (também chamado de salgado) - Área alagada periodicamente pelas oscilações de maré, que deixam sobre seu solo arenoso um tapete de fito plâncton (algas e bactérias), início da cadeia alimentar que mantém todo o ecossistema. O apicum quase não tem vegetação, mas estudos do Departamento de Geografia da
230
Universidade do Ceará - UFC comprovaram que ele evolui e é tomado por vegetação de mangue na dinâmica que move as relações entre os componentes do ecossistema manguezal. Apresenta-se ainda como uma formação de transição entre o manguezal e ecossistemas adjacentes. Gamboas - Canais estreitos distribuídos em grande quantidade dentro do bosque de mangue, responsáveis pela distribuição e processamento de nutrientes que fornecem a base para a cadeia alimentar do ecossistema. Canais de marés - Canais mais largos, que circulam ao longo do estuário e entre os componentes do manguezal. Conduzem as sementes da vegetação de mangue e os nutrientes produzidos ao longo do ecossistema, orientando sua expansão. Bancos de areia - Volume móvel de sedimentos (2) entre os canais de maré e as gamboas, que pode evoluir para áreas de apicuns e, conseqüentemente, para bosques de mangue.
Ecodinâmica do manguezal e impactos da carcinicultura
Os impactos ambientais identificados pelo GT de Carcinicultura têm relação direta e indireta com os fluxos de matéria e energia que se dão no ecossistema manguezal. A dinâmica das ondas e marés ao longo dos canais estuarinos (glossário ou rodapés), o escoamento superficial e o aporte da água doce proveniente dos rios e dos aqüíferos (reservas subterrâneas), assim como seus efeitos na distribuição de sedimentos e nutrientes, foram evidenciados de modo a configurar a interligação das
231
unidades que compõem o ecossistema manguezal e que dão sustentação à biodiversidade. §
Nas áreas de apicuns distribuídas ao longo do manguezal, ocorre em grande parte, a distribuição de água doce dos aqüíferos para o ecossistema (fluxo subterrâneo), regulando a salinidade e a temperatura da água, os níveis de oxigênio e nutrientes.
§
O fluxo litorâneo - originado das ondas e marés - é responsável pelo transporte e distribuição de sedimentos e nutrientes, e pela dispersão de sementes. Gera aporte sedimentar para a construção de bancos e flexas de areia e argila, que evoluem transformando-se, posteriormente, em apicuns. Estes, por sua vez, são depois vegetados, promovendo a expansão dos mangues.
§
O fluxo estuarino foi identificado a partir da integração da água doce dos canais subterrâneos com o escoamento superficial das águas dos rios e das marés. É a partir da ecodinâmica associada a esse fluxo que se estrutura a produtividade primária (início da cadeia alimentar) do ambiente estuarino.
§
No fluxo eólico, as gamboas e canais de maré atuam como corredores de vento, vinculados ao fluxo e refluxo das marés. No apicum, o fluxo eólico promove a redistribuição da matéria orgânica na direção da complexa rede de canais que se interliga com as demais unidades do ecossistema manguezal, interferindo também na morfodinâmica do sistema estuarino (formação de dunas, etc.).
§
Finalmente, o relatório do GT descreve o fluxo fluvial – aporte de água doce dos rios, sedimentos e nutrientes, sobretudo nos eventos de maior vazão, quando se
232
eleva o nível dos rios. As águas fluviais lavam as áreas de apicum, proporcionando a dissolução de sais em sua superfície; promove mudança no solo, gerando as condições para retomada da vegetação do apicum e ocasionando alterações na ecodinâmica do manguezal e fauna associada.
A importância do apicum
A dinâmica resultante da conjunção de todos os fluxos que transitam pelo ecossistema manguezal vincula-se diretamente ao apicum. A água subterrânea que aflora neste setor do ecossistema, a dinâmica das marés, a água doce dos rios, que inunda o apicum nos eventos de maior vazão e o aporte de sedimentos pela ação dos ventos regulam a renovação dos índices de oxigênio dissolvido, de salinidade e de nutrientes e a diversidade de agentes produtores (algas e bactérias) de nutrientes para a sustentação da biodiversidade, entre outros fatores. A evolução da cobertura vegetal do ecossistema manguezal depende das condições da água e do solo e das trocas laterais de fluxos e energia entre os terrenos atingidos pelas marés. A rede de canais e bancos de areia espalhada sobre o apicum atua como vetor de distribuição de nutrientes e regulador da temperatura, salinidade, pH e alcalinidade, e canaliza água doce do aqüífero para o estuário, nas marés baixas. Nas marés altas, quando o apicum é inundado, os canais de marés conduzem as sementes de mangue (propágulos), que germinam tomando todo o setor de apicum, antes desprovido de cobertura vegetal arbórea.
233
As
comunidades
tradicionais
(pescadores,
marisqueiras,
índios
e
camponeses), utilizam a biodiversidade deste setor do ecossistema manguezal para a pesca, a coleta de caranguejos, a mariscagem e como acesso natural ao bosque de mangue e ao mar. Os apicuns também são usados para alimentação e refúgio de uma diversificada fauna. São sazonalmente freqüentados por aves migratórias e povoados por várias espécies de caranguejos e moluscos. É preciso destacar ainda o papel dessa dinâmica de fluxos na recuperação da cobertura vegetal das salinas abandonadas que, juntamente com os apicuns, são utilizadas para expansão do ecossistema manguezal.
Os apicuns e a carcinicultura
Grande parte dos empreendimentos de carcinicultura foi instalada em setores de apicuns. O GT da Câmara dos Deputados constatou que a ocupação generalizada do apicum por viveiros de camarão, e demais equipamentos associados à atividade industrial, está interferindo diretamente nos processos geoambientais e ecodinâmicos do ecossistema manguezal. Entre os impactos relacionados está a impermeabilização do solo, o bloqueio das marés, o desmatamento da vegetação de mangue e carnaubais, o bloqueio do fluxo de água doce para o ecossistema e alterações das propriedades biológicas que dão sustentação à base da complexa cadeia alimentar.
234
O conjunto desses impactos poderá promover, a médio e em longo prazo, interferências na produtividade primária e, conseqüentemente, em toda a cadeia alimentar do ecossistema, afetando, como conseqüência, as necessidades humanas associadas à diversidade biológica. Apesar de tudo isso, no caso específico do Ceará, a legislação do Conselho Estadual do Meio Ambiente - COEMA ampara a utilização de 80% do apicum pela carcinicultura. A Resolução n° 2 do COEMA afirma que apicuns e salinas têm baixa capacidade de regeneração por vegetação de mangue, quando estudos do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará - UFC demonstraram o contrário (ver figura). Bastou ser restabelecida a entrada das marés, e conseqüente troca de matéria e energia, com o rompimento dos diques abandonados, para se iniciar a revegetação e a entrada da fauna.
Impacto social da carcinicultura
Ao
ocupar
indevidamente
áreas
historicamente
utilizadas
para
o
desenvolvimento das atividades tradicionais de sobrevivência, a carcinicultura ameaça a segurança alimentar e a cultura de milhares de pessoas que sobrevivem da pesca e da mariscagem no ecossistema manguezal, entre elas índios, pescadores, marisqueiras e pequenos agricultores. Vários depoimentos colhidos durante as reuniões e audiências do GT de Carcinicultura dão conta de atos de violência e de ameaças de morte como
235
forma de pressão para que as comunidades tradicionais abandonem as terras que ocupam.
Impactos sobre a saúde humana
Os produtos químicos mais utilizados nas atividades de produção de camarão em cativeiro são cloro, calcário, uréia, silicato e superfosfato. Sua função é controlar as propriedades químicas da água e do solo (pH, alcalinidade, material em suspensão, salinidade). Constatou-se também a utilização de metabissulfito de sódio (Na 2S2O5) durante a etapa de despesca. Trata-se de um composto oxidante que, ao ser lançado no ambiente, diminui a concentração de oxigênio dissolvido, podendo provocar a morte de organismos aquáticos. Após ser lançado na água também libera o gás dióxido de enxofre (SO2). O dióxido de enxofre é considerado de insalubridade máxima pelo quadro n o 01 da Norma Regulamentadora n o 15, do Ministério do Trabalho e Emprego, quando atinge 4 ppm (partes por milhão). Os trabalhadores são expostos a grave risco caso a concentração do gás atinja valor superior a 8 ppm do ar contaminado. O SO2 é um gás irritante, cujos efeitos devem-se à formação de ácido sulfúrico e ácido sulfuroso ao contato com as mucosas umedecidas, em conseqüência de sua rápida combinação com água, quando ocorre reação de oxidação. A intoxicação aguda acontece quando há inalação de concentrações elevadas de SO2. A absorção pela mucosa nasal é bastante rápida, e
236
aproximadamente 90% de todo o SO 2 inalado é absorvido pela via aérea superior, onde a maioria dos efeitos ocorre. Logo após a absorção, ele é distribuído prontamente pelo organismo, atingindo os tecidos e o cérebro. O resultado é uma irritação intensa da conjuntiva e das mucosas das vias aéreas superiores , ocasionando dificuldade para respirar (dispnéia), desconforto, extremidades arroxeadas (cianose), rapidamente seguidas por distúrbio da consciência. A morte pode resultar do espasmo reflexo da laringe, edema de glote, com conseqüente privação do fluxo de ar para os pulmões, congestão da pequena circulação (pulmões), surgindo edema pulmonar e choque. A Delegacia Regional do Trabalho do Ceará, em julho de 2003, foi comunicada pela Secretaria de Saúde do Estado da morte de um trabalhador a serviço de uma empresa de carcinicultura, no município de Itaiçaba, localizado na bacia hidrográfica do rio Jaguaribe. Durante sua investigação, a DRT descobriu um segundo acidentado que se encontrava em tratamento no Hospital de Mecejana, em Fortaleza.
Síntese do diagnóstico integrado* dos impactos socioambientais
§
Desmatamento do manguezal durante a implantação e a ampliação dos viveiros, dos canais de adução (que trazem a água dos pontos de captação até à rede de causando
mudanças
distribuição) e de lançamento de efluentes, no
solo,
suprimindo
as
condições
para
sobrevivência da fauna e extinguindo áreas destinadas à mariscagem, à
237
pesca e à coleta de caranguejos. §
Desmatamento da mata ciliar e do carnaubal na mesma fase e também durante a instalação das vias de acesso e demais equipamentos de infra-estrutura, causando erosão do solo e assoreamento do bosque do manguezal e do apicum, supressão de unidades produtoras e exportadoras de nutrientes para o ecossistema manguezal e eliminação de vastas áreas de carnaubal utilizadas pelas comunidades para o extrativismo vegetal.
§
Extinção de apicuns e conseqüentes danos às trocas de matérias e energia entre os componentes do ecossistema, impermeabilização do solo e salinização do lençol freático, extinção de setores utilizados para pesca e mariscagem, eliminação dos canais de maré que atuavam como indutores da revegetação do apicum.
§
Soterramento de gamboas e canais de maré pelo desvio do fluxo das marés e dragagens para implantação dos canais de adução, bloqueando as trocas laterais e a conectividade entre os setores do manguezal, assim como a disseminação de sementes, perda de habitats; salinização das reservas subterrâneas (aqüíferos) e diminuição da biodiversidade.
§
Bloqueio do fluxo das marés por obras de engenharia para construção de diques, comportas e viveiros, matando vegetação e fauna associada, sobretudo caranguejos e moluscos, alterando a dinâmica de produção, distribuição e exportação de nutrientes, interferência na produtividade primária (início da cadeia alimentar) do ecossistema, morte de
238
organismos que dependem das oscilações diárias da maré, como caranguejos e moluscos, refletindo na perda de habitat. §
Contaminação da água por efluentes dos viveiros, com conseqüente morte de peixes e caranguejos, riscos de contaminação do lençol freático e alterações na qualidade da água para consumo humano.
§
Salinização das reservas subterrâneas por extensas áreas de viveiros de camarão instalados sobre áreas de recarga do aqüífero, com conseqüente salinização de poços e cacimbas utilizados pelas comunidades litorâneas.
§
Impermeabilização do solo associado ao ecossistema manguezal, ao carnaubal e à mata ciliar (às margens dos rios), tendo como conseqüência a supressão de áreas destinadas à recarga dos aqüíferos, extinção de fontes de água doce, soterramento de riachos associados à mata ciliar e ao carnaubal, eliminação de vários habitats; artificialização da paisagem associada e bloqueio das zonas de transição (corredores ecológicos).
§
Erosão dos taludes (edificações para contenção das piscinas), diques e canais de abastecimento e deságüe pela precariedade das obras de engenharia e características técnicas dos materiais de construção, com assoreamento do manguezal e soterramento do apicum; artificialização do solo de mangue e de áreas destinadas à regeneração da vegetação.
§
Por falta de bacias de sedimentação (equipamento para tratamento da
239
água antes dela ser liberada novamente para os rios) na maior parte dos empreendimentos, efluentes potencialmente danosos são lançados diretamente nos sistemas estuarinos, fluviais e lacustres, contaminando os recursos hídricos superficiais e subterrâneos e prejudicando os organismos do ecossistema. §
Fuga de camarões exóticos (alheios ao ecossistema local) para os rios e para o mar em decorrência do rompimento dos diques (paredes das piscinas usadas para produção de camarão) pelas enchentes dos rios. Foi identificada disseminação da espécie Litopenaeus vannamei, natural da Malásia, nociva aos manguezais do Brasil.
§
Redução e extinção de habitats de numerosas espécies, com o desmatamento de extensas áreas de manguezal, apicum e carnaubal, causando interferência direta na produção e distribuição de nutrientes para o estuário e plataforma continental; extinção de setores de reprodução e alimento de moluscos, aves e peixes e conseqüente diminuição da biodiversidade ao longo da bacia hidrográfica.
§
Extinção de áreas de mariscagem, de pesca e de captura de caranguejos pela implantação de viveiros em áreas antes utilizadas de forma sustentável pelas comunidades tradicionais litorâneas, suprimindo a fonte de subsistência de populações de pescadores.
§
Ameaças
à
biodiversidade
pelas
alterações
nos
processos
geoambientais e ecodinâmicos relacionados com a produtividade primária, que causam interferências na produção e distribuição de
240
nutrientes e extinção de áreas de alimentação e refúgio para a fauna marinha, inclusive aves migratórias. §
Disseminação de doenças virais (Mancha Branca e Síndrome da Necrose Idiopática Muscular) entre os crustáceos, pela ausência de monitoramento e manejo integrado nas diversas fases de produção.
§
Expulsão de marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejo de suas áreas de trabalho, ou obstáculos a seu acesso ao estuário e ao manguezal com a privatização de terras da União, tradicionalmente utilizadas para o extrativismo animal e vegetal. O GT verificou áreas usadas para atividades de subsistência cercadas e ouviu relatos de ameaças aos trabalhadores por parte de seguranças das empresas.
§
Exclusão
das
comunidades
tradicionais
no
planejamento,
em
descumprimento à legislação ambiental. §
Pressão para compra de terras, com coação e ameaças aos pequenos agricultores e lideranças comunitárias, gerando conflitos.
§
Desconhecimento do número exato de fazendas de camarão pela existência de empreendimentos clandestinos, o que dificulta ainda mais a avaliação dos impactos e a resolução dos conflitos com as comunidades litorâneas.
§
Inexistência de manejo ou ações de recuperação das áreas degradadas.
§
Falta de definição dos impactos cumulativos, ao longo das bacias hidrográficas.
241
Diante do que foi exposto acima neste documento oficial, espera-se que as informações veiculadas sensibilizarão o conjunto da sociedade comprometida com o desenvolvimento pautado pela preservação dos recursos naturais e das tradições comunitárias existentes ao longo de toda a região do arquipélago de Maiaú.
Sistemas vocacionais
As vocações do ambiente de Maiaú estão compostas num amálgama de biodiversidade e relações sócio-culturais homogêneas, inter-relacionadas conforme o sistema do arquipélago.
A economia doméstica
A vocação econômica do arquipélago está relacionada diretamente ao potencial dos recursos naturais, associada ao recurso humano nativo através do natural sistema empregado na pesca artesanal de subsistência, compondo as peças do cenário ambiental. A prática é colocada diariamente em exercício para explicitar a realidade habitual do composto orgânico biossocial comunitário. Os cenários paisagísticos e fotográficos mostram a composição harmônica do ambiente para as atividades turísticas, as potencialidades genéricas ali presentes criam as possibilidades para os diversos sistemas empregados na construção do desenvolvimento sustentável.
Agricultura
242
A agricultura, no arquipélago de Maiaú, é vista como um tabu que precisa ser desmistificada tanto pelos nativos quanto pelos estudiosos que atuam no cenário do arquipélago. O fato de o solo arenoso não favorecer o desenvolvimento de alguma cultura não inviabiliza que este mesmo solo não seja aproveitado nas culturas de comprovada adaptação na região. A conscientização dos nativos para a mudança de hábitos alimentares, assim como a introdução das técnicas de manejo do solo característico do arquipélago representam condições básicas para se obter resultados comprobatórios da tese de que a agricultura é um importante meio de desenvolvimento para a região no que se refere às melhorias das condições de vida da população local, além de enriquecer a culinária para efeito de interesse turístico. Plantas como melancia, vinagreira, maxixe, abóbora, batata doce e coco compõem as culturas de comprovada eficácia na região, dentre outras de características semelhantes.
Pesca artesanal
O potencial da pesca artesanal no arquipélago aponta para o desenvolvimento múltiplo da economia local, regional e nacional, visto que as possibilidades de exploração racional dos recursos marinhos da região ainda se encontram em estado primitivo, carecendo das viabilidades tecnológicas sustentáveis. Assim, tanto para a exploração dos recursos marinhos da região de forma sustentável no desenvolvimento comercial pesqueiro quanto para a exploração destes mesmos recursos na viabilização do turismo ecológico, o potencial da pesca artesanal se apresenta como sistema inerente disponível e indispensável. Sua sustentabilidade dependerá da preservação
243
contínua do ecossistema, aproveitando-se das inovações científicas desenvolvidas a partir das necessidades experimentais, com resultados positivos na aplicação dos cuidados apontados pelos especialistas. Agindo-se racionalmente, talvez se possa vivenciar a prática do desenvolvimento sustentável na região.
Turismo ecológico
O Ecoturismo como atividade econômica que visa à utilização dos recursos naturais de forma racional, garantindo a interação do homem com a natureza, mantendo a preservação e a conservação do meio ambiente efetivamente equilibrado, com a utilização de meios e tecnologias capazes de facilitar o manejo adequado dos recursos naturais para garantir a segurança da inviolabilidade no processo contínuo da evolução natural do meio ambiente e a utilização dos recursos humanos nativos e de suas experiências nos programas eco turísticos deve, e pode ser, uma das alternativas fomentadoras do equilíbrio biológico e social na região. Para o desenvolvimento do ecoturismo na região do arquipélago estão disponíveis todas as modalidades da pesca artesanal de subsistência, seja em caráter de observação ou para a prática esportiva. Os furos e igarapés proporcionam atividades como canoagem, passeios em canoas rústicas a remo e a vela e observação de aves de hábitos marinhos. A paisagem fornece o ambiente propício para uma aventura a pé pelas praias, dunas e pelo entorno das ilhas do arquipélago de Maiaú. As comunidades oferecem os hábitos e as práticas dos nativos na culinária, no manejo dos recursos naturais e conhecimentos empíricos dos diversos fatores que
244
compõem a ecologia da fauna e flora marítima, além das lendas e mistérios do inventivo imaginário popular local.
Monumentos paisagísticos
A paisagem do arquipélago de Maiaú é composta por belezas naturais inseridas no contexto visual dos diversos ecossistemas costeiros característicos da região. O monumental conjunto paisagístico de Maiaú causa um deslumbrante efeito na percepção do observador, que busca a contemplação da magnitude natural presente nas mais amplas formas de expressão visual do local. O horizonte infinitamente desproporcional em relação as possibilidade do ser cria expectativas e certezas demonstrativas, e o ser, na sua solidão, percebe-se diminuto, frágil e impotente diante da gigantesca obra da natureza. A ilha de Lençóis representa a mais densa manifestação da paisagem do arquipélago; as dunas podem oferecer múltiplas composições, e a imponência com que esse ambiente se impõe diante das turbulentas águas do Atlântico a imortaliza, majestosa perante as investidas da violência das forças da natureza ou daqueles incautos cuja ambição os impele ao fanatismo do lucro, indo de encontro às entidades protetoras da ilha. Os bosques de manguezais formam uma paisagem diversificada, tanto pela sua verdejante exuberância quanto pela quantidade de criaturas que se abrigam nas copas e nas raízes das árvores ou no solo lamoso que se apresenta na maré seca. As garças, os guarás, os maçaricos, os socós, os maraquanins, os aratus, os caranguejos-uçás e os sapequaras são alguns dos habitantes dos manguezais, atores imprescindíveis que
245
proporcionam um raro espetáculo neste ambiente. As praias de longas extensões se alongam serpenteando ao redor das ilhas, compondo um cenário de impressionante magnitude na percepção do observador atento.
Conclusão
A produção de pescado no litoral ocidental do Maranhão está subordinada a leis específicas, conforme identificação realizada por meio da investigação dos variados aspectos apresentados durante a execução deste trabalho. A análise do modo de produção no arquipélago, durante o processo de investigação, permitiu a identificação do sistema primitivo de produção como sendo uma particularidade inerente ao modelo praticado pelos pescadores artesanais de subsistência em Maiaú. As relações sociais estabelecidas nas comunidades das ilhas são construídas conforme os conceitos adotados na contextualidade consuetudinária, o que demonstra que os pescadores artesanais de subsistência ali estabelecidos estão unidos por laços sedimentados na cotidianidade, o que os leva para a centralização da consciência no meio comunitário de forma a favorecer a existência do indivíduo em relação contínua e recíproca, em contrapartida ao sistema que valoriza a perseguição exclusiva dos interesses individuais. A situação ecológica nos permite a constatação de que há na região um sistema onde a biodiversidade latente possibilita o aproveitamento racional dos recursos naturais, alavancando programas biossociais capazes de promover o desenvolvimento
246
sustentado. A criação das reservas extrativistas marinhas do município de Cururupu significa um importante avanço neste sentido. O desenvolvimento econômico em Maiaú passa pela relação existente entre os pescadores artesanais de subsistência e os demais interesses envolvendo a pesca no litoral ocidental maranhense. Todo o sistema paisagístico de Maiaú possibilita a interação espiritual absoluta para o exercício de uma convivência harmoniosa com o meio ambiente, possibilitando as condições ideais para a realização de inúmeras incursões na área do turismo ecológico e cultural, o que é de fundamental importância para a sobrevivência da região. Neste ambiente se concentra de forma singular um dos mais diversos sistemas biológicos das Reentrâncias Maranhenses, reunindo diferentes biomas. Portanto, não existe necessidade alguma de implantação de qualquer projeto na região, sem levar em consideração as particulares fragilidades deste ecossistema. Diante de tal reflexão, é imperativo realizar estudos profundos na área, capazes de diagnosticar a real absorção dos impactos ambientais no arquipélago de Maiaú, para que não comprometam o presente e o futuro das comunidades ali presentes, que souberam guardar para o Maranhão esse grande tesouro natural que a todos extasia e encanta.
Vocabulário
ESPINHEL: um conjunto de anzóis estrovados e enfileirados em uma linha. ESPINHELÃO: diz-se de um espinhel constituído de anzóis graúdos. CAIQUEIRA: rede de nylon fino para capturar tainha caíca. MALHADEIRA: rede de nylon ou de seda para capturar peixes engatados na malha.
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EMALHAR: ato de malhar. MALHA: retângulo que constitui a rede de pescar. ESTROVO: fio que serve para prender anzol ou outro objeto em linha. ESTROVAR: ato de fazer estrovo. ENTRALHAR: ato que constitui em fazer o entralho. ENTRALHO: cabo que serve para fixar chumbo e bóias nas extremidades das redes. ANZOLÃO: diz-se do anzol grande. POPEIRO: aquele que se posiciona na popa da embarcação. POPA: parte traseira das embarcações. PROA: parte dianteira da embarcação. DESPESCAR: ato de retirar o pescado das armadilhas. FRENTEIRO; aquele que se posiciona na frente da embarcação para soltar a rede no canal. FRETE: carga que as embarcações transportam quando estão em viagem de uma localidade para outra. SURURUZAL: local de grande concentração de sururu. SURURU: mexilhão. CROA: elevação de areia no meio ou nas bordas dos canais. ZANGARIEROS: trabalhadores na modalidade zangaria. AMARANHADO: amontoado; enrolado. RABEADEIRA: modalidade da pesca artesanal nas beiradas e nas croas. PISCOSO: local de concentração de cardumes com facilidade para a captura. SALGAMENTO: ato de salgar o produto da pescaria. BAIXA MAR: menor altura da maré.
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PREAMAR: limite máximo da maré nas margens. MADEIRAME: madeira usada para construir residências ou armadilhas. LANDRUÁ: apetrecho de pesca com aro de onde pende um saco de malhas usado para despescar armadilhas. POITADO: diz-se da rede ou armadilha quando estas estão fixas nos canais. COFO: recipiente construído com palha de babaçu; no litoral do Maranhão serve para carregar o produto da pescaria. MURUADEIRO: indivíduo que trabalha na muruada. SALPRESAR: ato de salgar o peixe temporariamente, com a finalidade de cozinhar em seguida. PANAGEM: pedaços de rede aos quais se dá o nome de pano, denominado de panagem da rede. SALMOURADO: produto da pescaria que vai à salmoura. SALMOURA: água gelada, altamente salgada, preparada pelos pescadores para conservar peixes. REMOSO: diz-se do produto que pode acentuar alguma inflamação no indivíduo que o consumir. CAMARÃO BATIDO: camarão sem casca que passa pro um processo para perder a casca por meio de pancadas. GELEIRAS: embarcações cargueiras com porões adaptados para conservar o pescado com gelo. PESQUEIROS: locais piscosos, perseguidos pelos pescadores para obtenção de êxito nas pescarias. SALGUEIROS: pescadores que se aventuram em salga.
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SALGA: atividade que exige a retirada de grupos de pescadores das comunidades em busca de cardumes e acúmulo da produção. MARÉ LANÇANTE: quando a maré vai do quarto para a lua, ou seja, quando a maré está subindo na margem. MARÉ DE QUEBRA: quando a maré vai de lua para quarto, ou seja, quando está decrescendo na margem. RANCHO I: barraco construído para abrigar pescadores em local ermo. RANCHO II: diz-se dos mantimentos adquiridos em terra firme para serem levados ao mar e utilizados na manutenção dos pescadores. UTENSÍLIOS: materiais usados nas pescarias: armadilhas, embarcações e acessórios. QUEIMA: ato de passar na frente do pescador para tirar proveito. PUNGADO: diz-se da maré de quarto que escoa pouco. URUAÇU: cofo grande. CAÇOEIRA: rede própria para pescar cação (tubarão). PERAL: local acidentado, com declive acentuado nas margens dos canais. MARISCAGEM: ato de mariscar. MARISCAR: catar pequenos animais marinhos, tais como sarnambi e sururu. MALHÃO: rede própria para capturar peixes de grande porte. RANCHADA: abrigo mal acabado para temporada curta; é geralmente construído com a vegetação do local. MARESADAS: referem-se os pescadores aos períodos em que a maré esta própria para pescar. NAS ÁGUAS: nos períodos em que a maré cresce e decresce nos intervalos entre as marés de quarto.
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CALÃO: bastão que serve como apoio para os pecadores das modalidades do raso. BÓIAS: material flutuante que serve como flutuador para redes, espinhéis e outros. LAVADO: área plana nas margens em que a maré sobe e desce conforme o movimento das águas marinhas.
BIBLIOGRAFIA Considerações preliminares sobre o potencial arqueológico do município de Cururupu/são Luis/Ma.2007 FILHO, Deusdédit Carneiro Leite: Arqueólogo- CPHNA-Ma. Diagnóstico da pesca artesanal marinha do estado do Maranhão.SãoLuis: STRIDE, R.K. CORSUP/EDUFMA. 205.p Curralistas e Redeiros de Marudá: Pesca Artesanal no Litoral do Pará. Furtado, Maria de Lurdes, Museu Paraense Emilio Goeldi/Governo Federal / Belém/PA 1986. O Pescado Salgado Seco no Maranhão. .ROGERS, J.F e SANDERS,: diagnóstico e perspectivas – EDUFMA/ São Luis/MA - 1992 Subsídios ao Estudo da Pesca no Litoral e Baixada Maranhense Governo do Maranhão – São Luis/MA1974 Diretrizes Ambientais Para o Setor Pesqueiro MMA – Governo Federal – Brasília/DF 1997 Diagnóstico da Pesca Artesanal Marinha do Estado do Maranhão R.K.Stride – EDUFMA – São Luis / MA1992. Programa de Desenvolvimento das Comunidades Pesqueiras do Maranhão. SUDEPE- Governo Federal - Brasília /DF- 1985. Pescadeiras: Companheiras Perigosas.
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Alencar, Edna Ferreira - UNB – Brasília / DF - 1988. Prospecção dos Recursos Pesqueiros das Reentrâncias Maranhenses. SUDEPE- Governo Federal - 1973. Pesquisas na Universidade Federal do Maranhão - 1988 a 1992 Litrogaf –São Luis/ MA - 1992 PPGE / CP – São Luis/MA - 2001 MAIA: Manual de Avaliação de Impactos Ambientais, SUHEHMA – Curitiba/ PR 1992 Relatório Floresta dos Guarás. UFMA – São Luis/MA 2000 Direito Ambiental Brasileiro. Machado, Paulo Affonso Leme Malheiros editores / BRASIL 1991. Formações Econômicas Pré - Capitalistas. Marx, Karl – Editora: paz e terra – Rio de Janeiro/RJ 1858. Cotidiano Para Começo de Conversa. Willis, Susan – editora Rocco – Rio de Janeiro/RJ 1997. O Cotidiano e a História. Heller, Agnes – Rio de Janeiro / Editora paz e Terra - 1970. Antropologia Estrutural Dois. Claude Lévi – Strauss – Editora: tempo Brasileiro 1973.
Agradecimentos (em ordem alfabética)
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André Aquino Passinho Baé Baixo Nom Nem (em memória) Benedito Silva (em memória) Bernarda Lisboa, minha avó (em memória) Caburé Passinho Corão Dallila Nair Anciff Evilásio Santos Flávio Floriano Jacó Passinho (em memória) Joelson (Boerga) Machinho Manuel Oliveira Raimundo Rabelo (em memória) Ribamar (Xengo) Santa Bárbara