Pretende-se sempre que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ora antes, ela é a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção [e/ou conhecimento]; ela é sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens. (...) Se uma imagem presente não faz pensar em uma imagem ausente, se uma imagem ocasional não determina uma prodigalidade (...), em uma explosão de outras imagens, não há imaginação. Gaston Bachelard, O ar e os sonhos- ensaio sobre a imaginação e o movimento.
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Escadarias
Anotações s/uma série de cadernos: coleções de fotos, imagem-texto e edições
Fiz muitas fotos livremente, quando jovem, e cursei a disciplina na EBA/UFMG; mas depois, por um bom tempo, abandonei a máquina fotográfica preferindo colecionar cartões-postais. No entanto, recomecei a fotografar há uns 10 anos atrás, principalmente durante minhas viagens; sem interesse pelas vistas típicas, buscava uma leitura própria das paisagens ao meu redor, focalizando coisas que consideravam significativas, que me chamavam a atenção durante as andanças por incontáveis paragens/paisagens. Até que, ao perceber que já reunia um número considerável de imagens, misturei todas – independente do seu lugar ou época de referência – e comecei a agrupá-las; e esse jogo foi-se transformando em um verdadeiro álbum; ou antes, em muitos deles. Daí, examinando o material, fazendo algumas leituras e anotações, um outro jogo se abriu; as suas reverberações foram surgindo – através de um rebatimento entre a escrita e as coleções construídas – ganhando corpo e amadurecendo lentamente, quando, por fim, se constituiu como um novo trabalho. Quando resolvi então formatálos para sua apresentação como uma obra, surgiu o volume zero dessa série de cadernos. Em 2006, cursando o meu último semestre letivo do Programa de Pós-Graduação do IA-UFRGS, em Porto Alegre, elaborei uma espécie de catálogo – o “Neomonumentos”, um livro de artista, mesmo estando mais para um caderno – como trabalho para a disciplina “Ações Públicas: Arte e Crítica”, um tópico especial com a Profa. Maria Ivone dos Santos1. Conjugando imagens fotográ-
ficas – como um álbum de figurinhas da minha infância – e textos reflexivos/exploratórios, ele foi editado em uma gráfica rápida, com 50 cópias numeradas e assinadas; logo depois, reeditei mais 50 peças, todas elas já distribuídas. A condução e andamento da disciplina constituíram um estímulo fundamental nesse processo. Nossos estudos tratavam de obras propostas por artistas, buscando levantar suas relações com a crítica e a sociedade, investigando e discutindo modos de apresentação e atuação relacionados aos espaços sociais, além de criar reflexões sobre tais posicionamentos e seus resultados. Em meio a esses dados, reencontrei alguns interesses, aproximei-me mais de alguns artistas e obras dos quais pouco sabia e descobri outros que nem conhecia, o que tornou mais denso e seleto o acervo do meu museu imaginário.2 Concebi esses neomonumentos baseado na re flexão sobre essa bagagem, apresentando um trabalho em que as imagens/coisas se tornam marcos de fato, sob uma leitura e/ou um sentido renovados. Pode-se dizer que se tratam de uma outra espécie de monumentos; coisas que passam por uma história, mas ultrapassam a sua conceituação clássica3, propondo uma revisão que reinstitui plenamente as suas potências de origem. “É verdade que toda obra de arte é um monumento, mas aqui ele não é o que comemora um passado; é um bloco de sensações presentes, que só devem a si mesmas sua própria conservação, e dão ao acontecimento o composto que o celebra. O ato do monumento não é a memória, mas a fabulação.”4
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Guiada por essa epígrafe, essa série inicial, quase um protótipo, foi pautando a formatação das imagens de acordo com certas rotinas e trajetos – uma viagem – que me permitiam viver uma realidade daquele estranho ambiente, renovado em uma espécie de metodologia que o tornava cada dia mais íntimo para mim. Montei sequências de sinais/signos justapostas a reflexões sobre os binômios viagem-aprendizagem, orientação-caminhos e exposição-conhecimento, inventando um espaço em movimento que ainda hoje se desdobra em vários outros. Há muito de narrativa e de montagem cinematográfica nessa ideia, centradas no recurso da edição. Passada a citada disciplina e uma exposição do material5, continuei a fotografar e já a agrupar outras novas imagens, segundo outros tantos critérios, visando uma série maior que agora desenvolvo a partir de variações daquele primeiro conjunto materializado. Recentemente, convidado a ocupar algumas páginas de uma publicação,6 apresentei o início de um outro projeto, também desenvolvido a partir dessas coleções. O trabalho então apresentado foi a “Suíte Tretyakov”.7 Planejo compor mais um dos outros cadernos que ainda serão editados com essa e outras suítes, fechando aos poucos uma espécie de coleção de coleções, um livro baseado em um repertório que considero, ao mesmo tempo, particular e universal. Essas edições ainda ecoam os meus blocos, carnets e pastas de anotações, mantidos há anos e sempre comigo. Na esteira desse histórico, as 128 imagens do catálogo dessa mostra/série agora em questão – chamada de “Escadarias” – resultam de uma seleção de outras tantas e formam o “Número 1” desses cadernos, sempre editados a partir de certos eixos temático-conceituais. No contexto das séries de imagens/signos da escada e na formatação do álbum/caderno de textos/fotos, alguns criadores e obras são elementos de diálogo que permeiam a produção. Já se disse que toda obra de arte é (de alguma forma) coletiva e concordo com isso. Assim, é preciso citar especialmente Aby Warburg, além de Leonardo da Vinci, William Blake,
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Marcel Duchamp, Kurt Schwitters e Torres-Garcia8, com suas montagens de imagens e sua atenção aos textos, em obras tão diversas e semelhantes no tempo-espaço. Os trabalhos de Bernd & Hilla Becher9 são também uma referência de base muito viva para isso tudo, como os simples, saborosos e paradigmáticos livros de artista de Ed Ruscha10. Ainda devem ser citadas as realizações dos americanos Robert Smithson e Robert Morris – entre earth-projects, imagens, textos e suas várias outras formatações, muito vivas e impactantes – em especial, os registros camerísticos do clássico tour em Passäic e a mística selvagem da “Spiral Jetty”; os vigorosos desenhos da série “Blind Time” e as molduras barrocas fundidas em metal. É admirável como emanam, independentes de sua escala e/ou dimensão, uma mesma grande força, desde os campos mais íntimos que estabelecem aos imensos espaços naturais/reais que demarcam e constroem, recompondo energias ancestrais de significação tão absoluta.11 As “Descalas” de Cildo Meireles12 ainda marcam um foco importante sobre o tema-objeto. Operando com “o contínuo deslizamento de um tempo medular, a sua referência ao objeto cotidiano [escada/escala], com sua ancestral bagagem semântica, dobra-se à forma pura e objetiva e às [outras] possíveis leituras”; ele propõe que as vejamos fisicamente, em uma reação instintiva e automatizada, ligada ao psiquismo e cheio de desvios. “O fato de que um objeto tão mundano e corporal tenha servido durante séculos como a melhor metáfora da ascensão espiritual [além de sua função competente] desmente a absurda polaridade judaico-cristã entre corpo e alma.”13 Some-se a esses artistas e suas obras algumas Bienais e grandes exposições entre a década de 90 e os primeiros anos 2.000, que exibiram a explosão dos temas/motes da exploração das cidades e sua mitologia contemporânea, assim como as notas e pequenas construções dos viajantes/antropólogos e suas possíveis cartografias.14 Passando por tais pontos, estabeleço uma trilha em linha – que imagino nitidamente, sem tempo e espaço
definidos – para seguir com minhas investigações, através de elementos complexos e duradouros, que possivelmente as extrapolem, alargando seus temas e aprofundando seus sentidos, além do que pensei planejar. Esse meu trabalho em torno das escadas – em vista frontal, lateral, fragmentos e/ou repetições – foi aparecendo mais constantemente em meados dos anos 90, enquanto elaborava uma série de imagens de casas e iniciava outra série, de listras e blocos de linhas paralelas, como na representação gráfica de um texto. As histórias precisam ser contadas. A série de imagens dessas “Escadarias” une e desdobra esses elementos – tornados signos – em outras novas possibilidades, explorando a conjugação da fotografia e do texto, em um jogo que redimensiona a sua formatação em um corpus autônomo; aqui, o volume editado diferencia-se da mostra nas paredes. As imagens foram tomadas a partir de 2005, por lugares onde estive em temporadas, além de Belo Horizonte15. Ainda me recordo, em relação à maioria das fotos e seus registros, quando e onde foram feitos, assim como da onda dos encontros e da mágica daqueles espaços/tempos; ou recrio tudo isso, escrevendo um texto.16 Deixando os desenhos/pinturas e ganhando ou tra materialidade, a primeira das minhas escadinhas-objeto foi feita em 1999, em uma espécie de machetaria, com 15 sarrafos de madeira de 2 x 2 x 10 centímetros colados uns aos outros (1,2,3,4,5). Depois, ela se tornou a matriz para uma série de outras, fundidas em alumínio reciclado. Passado algum tempo, fiz outras variações em série desse modelo/módulo, em acrílico transparente e colorido (amarelo, azul e vermelho), cheias de pedriscos de aquário, de areia, de água pura e colorida, e ainda embalando porções de pigmento Xadrez em pó, também em suas cores básicas. Esses trabalhos circularam avulsos por aí e só os exibi em conjunto recentemente17. Talvez, seja importante anotar que, nesse meio tempo, realizei uma exposição individual18 de uma outra escadaria, única, de 2 metros de altura e de
profundidade por 40 centímetros de largura, dessa vez produzida em madeira pintada de preto, com laminados sobre uma estrutura. A peça ocupava o centro do espaço expositivo e ecoava por alguns grandes desenhos feitos diretamente nas paredes em torno, com tiras e folhas de papel artesanal ainda úmidas e a polpa também tingida de preto. Eram grandes linhas em ziguezagues ascendentes e descendentes, planos com linhas paralelas horizontais ou verticais, agrupamentos de recortes e áreas (páginas soltas, bandeiras e placas) definidas por grupos de pontos, em punhados da massa aplicada com os dedos, resguardando o próprio relevo da ação e o leve escorrimento decorrente de sua tintura. Para o mesmo período, ainda havia planejado um trabalho de instalação composto por uma tira de tapete vermelho (30 metros ap.). Imaginei uma espécie de longa passadeira, estendida através dos três lances duplos de escada, levando-nos direto da porta da rua ao quarto mais alto, da casa em que funcionava o Torreão19; ela terminaria sobre uma peça similar à anterior, recoberta pelo mesmo tapete, encostada na parede de fundo do cômodo ao final do trajeto de subida/descida a ser percorrido. O espelhamento dos dois conjuntos transformaria a experiência acerca da presença/força espacial do signo escada em algo maior e mais rico, tanto em sua face construtiva quanto simbólica, em modulação e/ou sequenciamento; essa expansão cria bastante interesse. Mas, lamentavelmente, esse trabalho não foi realizado e seu projeto mental permanece comigo. Entre esse e tantos outros grupos/coleções com os quais planejo trabalhar, escolhi as escadas para a edição do primeiro volume – entre outros 10 e/ou 12 – em função de sua presença evidente no meu repertório mais atual20. Por fim, o projeto de edição desses cadernos, com suas séries de imagens e textos, inclui ainda a participação de outros artistas e estudiosos bastante simbólicos no âmbito desses processos, que estiveram ao meu lado e junto ao meu trabalho, desde seu estabelecimento aos tempos mais
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recentes. Nesse número inicial, além da minha escrita, trago algumas reflexões de Patrícia Franca-Huchet21. Ela me estimulou, principalmente, a explorar produtivamente o texto da arte. As reflexões que conduzo junto às suas são, de fato, pontos comuns e importantes para nós dois como modus operandi e parte daquilo que ambos fazemos. A ela, meus agradecimentos novamente, por sua generosidade, empenho e talento para ativar os vários estados da criação e pela riqueza da parceria possível em mais este trabalho.
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Mais uma viagem
Colagens s/ uma experiência: concepções s/ arquivo e processo interligados
Em “Anarquivos”, Patrícia Franca-Huchet escreve sobre sua pesquisa e menciona meu trabalho em uma reflexão sobre arquivos: “A arte projeta certos espaços em torno de seus profissionais e de seus objetos. É assim que os artistas, críticos e historiadores estão sempre envolvidos com seus arquivos de imagens, obras, textos e documentos. Esses lugares abrigam o sentido do tempo de trabalho ou do processo de cada investigador. Não fugimos a essa regra. (...) É por isso que, nos bastidores de nosso trabalho, surgem imagens agrupadas por conceitos, pela cor ou pela [sua própria] documentação. (...) Muitos artistas organizam seus ateliês inspirando-se na lógica de organização das reservas dos espaços arquivísticos, museus ou galerias. Pensamos aqui em Mário Azevedo e suas mapotecas admiravelmente organizadas em seu ateliê na Avenida Brasil, em Belo Horizonte. (...) Um [outro] exemplo é o historiador Aby Warburg, que sempre estava reagrupando a sua biblioteca e suas fichas, em função de seus interesses e idéias no momento. Ele buscava (...) estabelecer novas relações, novos agenciamentos simbólicos e analogias, sem respeito pela cronologia. Queremos dizer que existe, entre as imagens trabalhadas em anos anteriores e atualmente, um fio condutor que nos permite agrupá-las em um novo trabalho, em um percurso de colagem livre. (...) O importante na maneira [de Warburg] de lidar com a história, com esses agenciamentos que nos interessam, é de uma memória compreendida como material. (...) A história é um material plástico, capaz de todas as metamorfoses.”22
Guardo pedaços de papel das mais variadas fontes – retalhos de tecidos, trechos de textos e imagens interessantes – materiais da vida, conforme Schwitters denominava esses fragmentos a que damos uma importância em nosso cotidiano. Nesse caso, esses não são arquivos puros e simples; eles são criados dentro de uma certa ordem, de um certo caos, por uma memória individualizada – ao correr livre do meu método de trabalho – dirigida e montada em vista de certos resultados, como anarquivos, sem dúvida.23 Organizados e tratados, eles alimentam meus cadernos de notas, pastas de projetos, conjuntos de desenhos e esboços-imagens; todos compõem um mesmo território com a biblioteca que também cresce... Esses depósitos são extensões sensoriais da memória e uma revisitação a eles (re)conduz alguma coisa; motiva-me e inquieta-me, põe um motor oculto a funcionar e me liga. Mesmo selecionando e reorganizando esse(s) arquivo(s) de tempos em tempos e eliminando parte de seus componentes a cada ciclo de produção, esse trabalho prolifera seus conjuntos e impulsiona outras projeções. Hoje, e cada vez mais, me empenho em reduzir e concentrar esse material (mais recentemente acrescido das fotografias, analógicas e digitais) a fim de torná-lo ativo – através de anotações ampliadas, colagens, recomposições e edições – na forma em que, em um dado momento, tomamos um trabalho como pronto, como parte de uma obra. Robert Smithson conhecia o Atlas de Warburg (com imagens impressas e reproduções fotográficas) e segundo algumas fontes24, ele o leu como
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um grande non-site, bem próximo de suas propostas híbridas (com narrativas, citações e fotografias, encadeados fora de um tempo-espaço lógico).25 Pode-se pensar que esses trabalhos figurem nas bases do que Nicolas Bourriaud veio a chamar de pós-produção no início dos anos 2.00026, especialmente no caso do uso do mundo e sua memória material como elementos de trabalho. Mas é preciso que nos lembremos, antes e ainda, de Marcel Duchamp preparando suas boites-en-valise ou escrevendo e numerando cuidadosamente suas tantas Notas para publicação, conforme mostra o Philadelphia Museum; e de Paul Klee, escrevendo e reescrevendo seus Tagebücher, cortando, colando, reagrupando e acrescentando trechos, listando minuciosamente sua própria produção ou montando seus estranhos herbários, hoje expostos no seu Zentrum, nos arredores de Berna.27 Torres-Garcia passou boa parte de sua vida, entre muitas e sucessivas mudanças de casa, ateliê, cidade ou país, recolhendo experiências, estudando e escrevendo, enquanto desenhava, pintava ou fa zia seus objetos; parte desse material era reconfigurado e montado em pranchas que ele utilizava como material didático, já de volta ao Uruguai, coincidentemente semelhantes aos que Malevich também produzia para os mesmos fins, nas escolas do núcleo de origem da revolução russa. A imensa produção de TG nessa linha, mesmo incompleta, faz parte dos arquivos de sua Fundación em Montevidéu.28 O movimento é como uma respiração: esgotar os nossos materiais e tentar sintetizar seus conteúdos para, novamente, recomeçar outras coleções de coisas e imagens. Um trabalho, de fato, não se interrompe. “Muitas vezes, uma determinada imagem nasce como uma vontade de acontecimento; ela quer existir. (...) Quanto mais clara for a vontade, mais fácil [e enriquecedor] será criar e compreender a imagem; quanto mais intensa e naturalmente a imagem nascer em nós, mais forte será o desejo de transpô-la para o mundo corpóreo. É (...) a passagem do invisível para o visível, para voltar novamente ao invisível. (...) A imagem é uma
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interpretação do real e, assim sendo, é também um discurso que o pensamento e a imaginação têm sobre o mundo. (...) Estamos pensando aqui na imagem-vontade como aquela que queremos e precisamos enxergar diante de nós e que, por isso, nos faz ter uma urgência em buscar as condições materiais para realizá-la. Esse processo é diferente da imagem que se constrói pouco a pouco, que acontece naturalmente, como em um desenho ... (desenhar é pensar).”29 É notório que a construção de um trabalho artístico obedeça aos mais variados percursos, tão múltiplos quanto a variedade de criadores existen te no mundo; mesmo semelhantes, cada um vaise desenvolvendo, conhecendo e manejando suas fontes, técnicas e trajetos, compondo uma obra. Mas, modos de produção próximos também podem resultar em produções distantes; não há termos simples para comentar essa ação de constante de investigação e resultado, perda-ganho. A necessidade de fazer coisas, de buscar e trocar conhecimentos, criar, duvidar e/ou reafirmar sentidos, funciona como a vida para quem acredita na invenção. Mas, esses meandros são tão brilhantes quanto obscuros e é preciso cuidado para mantê-los em pleno funcionamento; às vezes, creio, é preciso também descuidar deles para testar de fato seus resultados e resultantes, reordenando um panorama perigosamente fixado. Descontruir é também trabalhar com a construção; ao tomar o conceito em seu contrário, a estrutura se reforça, reconhecendo suas entranhas e checando sua energia, sua regeneração significante em contínuo movimento intrínseco. Ordens são categorias mutantes e relativas. “O[s] fato[s] criativo[s] se manifesta[m] num ato suave de subversão. Talvez esse último se relacione com o espírito desses tempos metamórficos, em que as mudanças têm lugar nas margens, nas fronteiras, nos interstícios, nas micropolíticas, numa complexa trama de readequações. (...) Se trata, na verdade, de um tempo dialógico, em que as transformações se desenvolvem de modo diferente, em sentido horizontal e expandido, mais do que vertical
e concentrado. Vivemos uma época de reajuste, que entrelaça uma pluralidade de processos (...) em um mundo pós-utópico, onde a dinâmica da transformação, mais do que mudar o que é, procura desarranjá-lo.30” Deslocar-se de casa, suspender qualquer roti na, ir-voltar, passar um tempo em algum outro lugar, não trazendo nada de onde estivemos por uma temporada, é uma tarefa impossível. Sem so brepor essa espécie de souvenirs em nossas vidas, os deslocamentos não se prolongam, não são produtivos e a maioria de nós, artistas (plásticos, visuais e outros), necessita disso; as rotinas são cambiantes. O ateliê é, ao mesmo tempo, um lugar mental qualquer e uma espécie de esconderijo físico, fixo. Alguns trabalhos duram dias, meses e até anos. Mas há uma cartografia expandida, que se define a partir de então, como o registro desse movimento em suspensão. Viajar, no entanto, não é sempre deslocamento corpóreo, real; o termo se ampliou em uma gíria saborosamente pertinente às ações que realizamos sob o domínio da imaginação: como se existisse um maravilhamento imperativo em vigor31. Todas as minhas viagens – de qualquer espécie – renderam muitos mapas, criando um acervo material que me forneceu e fornece muitos elementos de trabalho, conforme já dito. Não há uma definição do que seja a arte, como não há como explicar o(s) método(s) que inventei para mim, aquilo que me faz trabalhar; são tarefas absurdas. Mas escrevi (e agora ainda escrevo) sobre uma consciência desse fazer e certas etapas de trajeto da criação, pois acredito em seu interesse.32 Foi a partir daí que elaborei minha dissertação de Mestrado33, depois de fazer uma grande série de pequenos desenhos/pinturas sobre colagens, durante e depois de uma viagem consideravelmente longa pela Europa, como um grande álbum desmembrado.34 Assim, depois de desenhar, desenhar e desenhar por um bom tempo (de registrar graficamente quaisquer pensamentos e reflexos possíveis, tomando notas, espalhando lembretes post-it pelo ateliê ou recolhendo/guardando coisas) o advento dos
meios digitais trouxe uma nova maneira de lidar com as imagens fotográficas e nossos arquivos. A simplificação técnica desses meios foi muito atraente para mim; algo mudou e recomecei a contar com ela para rever as coisas e o mundo ao redor, capturando e registrando visões. A informatização nos possibilita um domínio mais completo das etapas (do campo das artes ditas gráficas) de uma produção, além de um espaço virtual de armazenagem, muito útil em seus tamanhos. Aquilo fazia, definitivamente, um novo sentido no interior do trabalho e me permitia, paradoxalmente, uma contra-aceleração, por meio da contemplação; como uma meditação e suas infinitas projeções, nas quais sempre acredito quando sempre vem a pergunta: e agora? “Algumas especificidades conferem à fotografia diversos poderes; um deles, é criar referências com o real, deixando uma espécie de rastro de presenças, de um conjunto de situações entre o sujeito e a situação escolhida. (...) A fotografia coleta sinais do mundo, faz da captação da imagem de um vazio um cheio, pois espacializa, enquadra, recorta e classifica; ela apreende o espaço definitivamente, condensa o real em uma espécie de congelamento, segura a forma escolhida (...) e está intrinsecamente amalgamada em um fazer.35 O fato de fazer fotos novamente coincidiu, em meu caso, com o exercício mais frequente da escrita e com o acesso a um prazer maior ao trabalhar com textos; ao investir em mais leituras, escrever foi-se tornando também uma atividade mais consequente dentro do meu trabalho ao sedimentar reflexos ou intuições, conhecer o depoimento de outros tantos artistas, encontrar pares e seguir os mais variados pontos de vista sobre as histórias da arte, redefinindo um novo campo de obras. A aventura de escrever – principalmente à mão, criando e obedecendo uma caligrafia – faz parte do meu desenho, do que tenho por desenhar, como algo bem próximo de produzir um texto. Focalizo e descubro pensamentos ao escrever e a minha brincadeira de distribuir elementos pelo espaço desde sempre se deu assim.
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Foi principalmente através desse detalhe que Notas me encontrei admirado com os carnets de Torres- 1 Artista plástica, pesquisadora e professora do Instituto de Artes da Garcia (e depois, com outros artistas, indepen- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Projeto dente de épocas e origens), explorando essas veias Formas de Pensar a Escultura Perdidos no Espaço. Junto com Hélio na constituição de um trabalho extra, uma obra Fevenza, também artista plástico, pesquisador e professor do IA/ definida por outro corpus. “Nesse estranho novo UFRGS, coordena ainda o grupo de pesquisa Veículos da Arte (CNPQ), do qual também faço parte mundo, as obras de arte ressurgem como textos, a 2 história é exposta como um mito, o autor [clássi- Termo utilizado por André Malraux (1901-1976) como título/tema de um ensaio de 1947 sobre a fartura de imagens – originais e cópias co] morre, a realidade é tripudiada (...), a lingua- impressas – da história da arte oficial na Europa. A ideia de um paigem governa e a ideologia se disfarça de verdade. deuma é a que interessa no estabelecimento desse sentido. (...) a plenitude voltou.”36 Tudo isso permite a um 3 O monumento é uma obra artística (escultura, arquitetura, etc.), novo autor nascer e recriar seus trabalhos, aqui geralmente grandiosa, construída para contribuir com a perpetuae agora. ”Não são [apenas] as obras que consti- ção memorialística de pessoa ou acontecimento relevante na histótuem em si [mesmo sendo principalmente elas] o ria de uma comunidade, nação, etc. Também podem ser documentos diversificados (fotografias, peças, papéis diversos, textos literários, objeto da pesquisa [artística], mas sim, a consci- etc.), que constituam um acervo significativo, segundo o Dicionário ência das relações que entre elas se realizam. (...) Houaiss da Língua Portuguesa. A intrusão do texto [entre imagens] nada mais é 4 Gilles Deleuze & Félix Guattari. O que é a filosofia. São Paulo, do que uma extensão que motiva a vontade de Editora 34, 1992, p.218. enxergar mais claro ou compreender melhor. Elas 5 “Trajetos” (c/Júlia Berenstein e Juliana Angelli), Galeria do IPHAN, [as palavras] balançaram a nossa idéia de arte.”37 Porto Alegre/RS, 1997. A mostra foi um dos eventos do Ciclo de Tentando percorrer um círculo completo, retorno Exposições e Debates sobre “Mestiçagens na Arte Contemporânea”, ao começo e encerro essa fabulação contínua, em promovido pelo Grupo de Pesquisa (CNPQ) coordenado pela Profa. Icleia Cattani, orientadora do meu trabalho/tese de Doutorado. mais uma viagem; pois o work in progress não tem 6 fim: examinar o material, fazer anotações, abrir O convite partiu das autoras do projeto gráfico da revista “Nova Economia”, Glória Campos e Clô Paoliello, editada bimestralmente um outro jogo; atentar para suas reverberações e pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, em Belo Horizonte. deixar amadurecer lentamente, até ganhar corpo As imagens citadas estão nas contracapas e nas páginas 1, 7, 8, 10, 117-120, n.1/vol.20, de 2010. As duas artistas/designers, da Mane, por fim, se constituir trabalho, obra. gá Ilustração e Design Gráfico, são preciosas parceiras no projeto dessas edições em série (refazendo o seu projeto gráfico básico) e outros trabalhos; em tempo, registro meu agradecimento a ambas. Esse título é uma referência ao local de onde as imagens foram tomadas, o assoalho da Galeria Tretyakov - Século XX, em Moscou, Rússia. O museu guarda e expõe as obras-primas do Construtivismo russo, ícones do Modernismo ocidental. As imagens recortam fragmentos do extenso piso branco do prédio colossal, flagrando desenhos enegrecidos feitos pelos desgastes do tempo sobre o mármore siberiano. Sob o impacto do conhecimento presencial dos célebres originais suprematistas, o meu olhar escorreu pelas paredes caiu no chão, reafirmando a natureza reverente da ordem simples e da dimensão humana daquela primeira abstração, remontada em meu tempo-espaço imaginário. 7
Além de comentar suas veias produtivas e o trabalho que desenvolveram – equilibrando as imagens, as coisas, o texto e suas possíveis edições/publicações, conjugando tudo em uma obra de sentido mais ampliado – os utilizo especialmente como referências em estudos específicos, como principal apoio para a discussão e conceituação do que chamo de obra-texto na produção de Torres8
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Garcia, em minha tese de Doutorado, “A obra-texto de Joaquín Torres-Garcia”, Programa de Pós-Graduação em Teoria, História e Crítica de Arte do Instituto de Artes da UFRGS (2010).
Gerardo Mosquera. “Desarrumado”. Catálogo do Panorama da Arte Brasileira – (19 desarranjos), Museu de Arte Moderna de São Paulo, p.83.
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Casal de artistas alemães (1931/2007 e 1934) em atividade desde o final dos anos 50, que viveu a maior parte de sua vida em Dusseldorf, como professores da universidade local. Suas extensas imagens fotográficas preto-e-branco, exibem grupos regulares de tipologias de estruturas e edifícios industriais. As imagens eram rigorosamente tomadas em perpendiculares frontais muito limpas, sob luz difusa e sem sombras. Sempre as tive como uma espécie de catálogo/lição de anatomias construídas, definidas por uma visão gráfico-escultural tão intensamente rigorosa quanto poética.
Recordo-me da 24ª Bienal de São Paulo, curada por Paulo Herkenhoff em 1998 (com os “Roteiros, roteiros, roteiros, ...”) e da 25ª, por Alfons Hug em 2002 (com as “Iconografias metropolitanas”); também me lembro da 4ª Bienal do Mercosul, curada por Nelson Aguilar em 2003 (com uma espetacular mostra de objetos da América pré-colombiana), da 5ª, por Paulo Sérgio Duarte em 2005 (com uma revisão do Neoconcretismo e suas derivações atuais), e da 6ª, por Gabriel Perez-Barreiro em 2007 (com a sua terceira margem do rio, “Três Fronteiras” e “Zona Franca”).
Artista americano (1937) em atividade desde o início dos anos 60. Atualmente vive em Los Angeles, na Califórnia, dado significativo para a sua obra. Frequentemente vinculado à Pop Art, vejo sua obra ultrapassar o cinismo desse palco iluminado, sem se deter em categorizações. Percebo na maioria dos seus trabalhos – seja nos livros, gravuras ou pinturas – além da influência benéfica das linguagens da literatura e do cinema, uma resposta firme – apesar de um humor meio cool – aos apelos agressivos das palavras, sentenças e imagens midiatizadas em um mundo cheio de nada.
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Morris (1931) mostrou seus primeiros trabalhos escultóricos – colunas retangulares extremamente simples – em 1963 e ainda está ativo, vivendo atualmente na Itália. Estudou Filosofia e manteve contato com John Cage e outros integrantes do grupo Fluxus, que trazem muitas relações com sua obra inicial. Criou seu observatório (uma grande instalação permanente – um earthwork – de quase 100 metros de diâmetro em Oostelijk, Holanda) em 1971, centrando seus interesses nas múltiplas relações entre arte (artista e obra), público, espaços circundantes e linguagens livres, priorizando os processos de criação e trabalho. Escreveu e publicou vários textos em torno de suas experimentações.
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Smithson (1938/1973) exibiu seus primeiros non-sites em 1967 e criou a sua Grande Espiral (adentrando o Great Salt Lake, em uma região desabitada de Utah, EUA) em 1970. Interessado em Ciências Naturais e Pré-História, trabalhou corajosamente em grandes interferências diretas no espaço real da natureza, elaboradas durante demoradas excursões de reconhecimento e anotações obsessivamente desenhadas; envolvia-se profundamente com suas ideias e projetos, falecendo em um acidente aéreo durante uma dessas empreitadas. Também escreveu e publicou vários textos, inseparáveis de sua criação visual. Penso que ambos extrapolam os rótulos do Conceitualismo corrente, do Minimalismo desmaterializante ou da Land Art. Artista brasileiro nascido no Rio de Janeiro (1948), onde vive e trabalha. A obra comentada foi exposta em São Paulo e na Bienal de Veneza, composta por 16 estruturas de 3 metros de altura, variando as suas composições entre barras verticais e horizontais através de secções e deslocamentos das partes. Através de apenas uma delas, intacta à beira do conjunto, a funcionalidade do agrupamento mural é negada, criando um impacto seco e mediato, que se expande em reconstrução. 12
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São Brás do Suaçuí, Porto Alegre, Torres, Três Coroas, Florianópolis, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília & Goiânia, Paris, Amiens, Rennes, Saint Michel & Saint Malo, Londres, Roma, Florença, Nápoles, Veneza, Berlim, Moscou, São Petersburgo, Atenas e Istambul. Clarice Lispector, plena de alumbramento, anotou que escrever é, muitas vezes, lembrar do que nunca existiu.
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“pinturas/desenhos, tiras e objetos”, Galeria do Centro Cultural e Turístico do Sistema FIEMG, Ouro Preto/MG, Maio/Julho de 2012. 17
“Ao Sul”, Galeria Iberê Camargo/Usina do Gasômetro, Porto Alegre/RS, Maio/Junho de 2006.
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Espaço que funcionou em Porto Alegre/RS entre 1993 e 2010, conjugando o ateliê dos artistas plásticos Élida Tessler e Jailton Moreira (que realizava cursos no local) e um espaço nos altos da casa, reservado para intervenções, também aberto a encontros e conversas com outros artistas. Eu havia batizado o projeto como “Quarto de Jacó”, lembrando o sonho do personagem bíblico e o romance de Virgínia Wolf.
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Desde 2011, venho trabalhando em algumas montagens (pinturas/desenhos) com tiras de papel, que derivam das escadinhas/ escadarias e continuo com as experiências sobre seus desdobramentos potenciais. Elas vêm de uma outra série, anterior, na qual papéis marcados por dobras e desdobras sucessivas eram posterior mente pintados/tingidos com várias camadas de aquarela, têmperas e tintas acrílicas que revelam os sulcos, as marcas e a materialidade dos suportes. Esses últimos, em uma nova safra, também foram exibidos na recente individual “pinturas/desenhos, tiras e objetos”, já citada. 20
Artista plástica, pesquisadora e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do grupo de pesquisa BE-IT: bureau de estudos sobre a imagem e o tempo (CNPQ) e responsável pela orientação do meu trabalho/dissertação de Mestrado. A princípio, a ideia era apenas convidá-la para escrever um texto livre sobre essa produção e publicá-lo no catálogo, junto a outro meu. Mas, além de já ter feito uma exposição de seu próprio trabalho nesse mesmo ano, nessa mesma galeria, também publicando seus escritos no catálogo, ela foi recentemente convidada por Liliane Dardot para uma conversa-entrevista também publicada no catálogo de exposição dessa artista, nessa galeria novamente. Mais um convite, portanto, seria demais; assim, parti para a construção 21
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de um texto-diálogo com sua produção e suas reflexões, acrescentando sua presença, enfim, junto a essas imagens. Patrícia Franca-Huchet. “Anarquivos: Sentimentos topológicos I, II e III”. In O espaço e suas extensões – Cor, Desenho, Imagem, Texto. Edição da autora, Belo Horizonte, 2008, p.129 e 130. A autora cita uma tese (na frase final, destacada em itálico) defendida por Georges Didi-Huberman a partir da mnémosyne do pesquisador em L’image survivant: Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg (Minuit, Paris, 2002). 22
Partilho o termo em itálico com Patrícia Franca-Huchet, que o utilizou em seus trabalhos e textos.
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Patrícia Franca-Huchet (p. 143 do trabalho já citado anteriormente) cita Charles Green e Lyndell Brown em Robert Smithson’s ghost in 1920’s Hamburg: reading Aby Warburg’s Mnémosyne Atlas as a non-site (Concordia University, Chicago, 2001), sobre o trabalho do historiador e seu arquivo central, antes em Hamburgo, e depois em Londres. 24
A estratégia de produção desses formatos foi também utilizada por Dan Graham em “Casas da América” (fotografias e textos datilografados montados sobre cartão), de 1966/67 e Bárbara Kruger em “Não seremos mais vistas” (montagens de litografias e serigrafias, realizadas a partir de colagens de imagens e palavras de revistas), de 1985, entre outros exemplos.
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Nicolas Bourriaud. Postproduction. Paris, Presses du réel, 2003.
A escritora Lygia Fagundes Telles conta que trabalha na máquina de escrever (ainda planejando migrar para um computador) e usa tinta corretiva, tesoura e cola sobre seus originais em papéis sulfite, sobre os quais sempre volta a datilografar depois, muitas vezes até ficar satisfeita. (Eder Chiodetto. O lugar do escritor. São Paulo, Cosac e Naify, 2202)
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Planejo publicar, em breve, estudos e traduções de alguns de seus carnets.
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Patrícia Franca-Huchet. “Abertura”. In O espaço e suas extensões – Cor, Desenho, Imagem, Texto. Edição da autora, Belo Horizonte, 2008, p.10-11 (grifos meus). 29
Gerardo Mosquera. “Desarrumado”. Catálogo do Panorama da Arte Brasileira 2003 – (19 desarranjos), Museu de Arte Moderna de São Paulo, p.26.
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Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, viagem é definida como ato de ir a um outro lugar; experiência causada por ingestão de drogas e que faz o indivíduo ter alucinações; viajar é definido como fazer a viagem; estar sobre a influência de substancias tóxicas; andar por, percorrer, correr. É possível acrescentar que a viagem também se dá em certos estados de espírito, causados por inúmeros fatores, deixando algo fluir e acontecer livremente na situação fora do normal. 31
Como exemplo, há um aforismo clássico de Paul Klee, em sua Confissão Criadora – equação-chave da arte moderna – dizendo que não cabe à arte reproduzir o visível, mas tornar visível, gerador de várias
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interpretações. Assim, aposto e penso (junto a muitos outros) na construção de algo da ordem do sensível, como a organização/desorganização do real a partir do visível. Faço uma escolha entre possibilidades infinitas, tal como incontáveis artistas e pensadores – de Giotto aos atuais colegas, de Platão ao crítico da hora – dedicados a esse enigma atávico que não cessa de produzir respostas. “Pinturas e Desenhos 1995/1997 – Reflexões sobre uma produção”, Programa de Pós-Graduação em Poéticas Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG (1999). Partindo de uma série de artistas e obras que investiguei para esse trabalho, estabelecendo diálogos e pontuando conteúdos, é que me aproximei mais da obra e dos textos de TorresGarcia, encontrando o ponto de foco para minha tese de Doutorado, já mencionada. 33
Na ocasião, Walter Sebastião escreveu um texto jornalístico sobre a exposição desses trabalhos, que transcrevo em parte. “Pura celebração da arte de dar discurso às impressões, reflexões e emoções mais sutis (...), se poderia dizer que a palavra ‘viagem’ é um motivo básico de toda a produção de Mário Azevedo, e não apenas dessa série. Significa antes de tudo, a tradução de um raciocínio; um além de fronteiras constante; um mover-se sem interrupções, ligando vários centros, fazendo mapas, diagramas, escritas, etc. Um seguro ir e vir, do micro ao macro, ampliando e condensando.” (“Retratos de viagem”. Estado de Minas, Segundo Caderno, Belo Horizonte, 1993.)
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Patrícia Franca-Huchet. “Flash: aparências e contornos”. In O espaço e suas extensões – Cor, Desenho, Imagem, Texto. Edição da autora, Belo Horizonte, 2008, p.55.
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Eleanor Hartney. Pós-Modernismo. São Paulo, Cosac & Naify, p.7 e 77.
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Patrícia Franca-Huchet. “Abertura”. In O espaço e suas extensões – Cor, Desenho, Imagem, Texto. Edição da autora, Belo Horizonte, 2008, p.8 e 9. 37